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Cena 01 (saída do teatro)

DIANA (com um buquê de flores na mão, despedindo-se de


alguém que está na porta do teatro)
- Obrigada! Foi lindo! Até amanhã!
Diana sai pegando o celular pra pedir um Uber, e não
percebe que Ricardo está na mesma calçada.
DIANA (para Ricardo)
- Seu Carlos, sabe dizer se o Uber para aqui na rua, ou só
lá na frente?
RICARDO
- Diana?
DIANA (sem acreditar)
– (...) Ricardo?!
RICARDO
– Que surpresa!
DIANA
– Meu Deus, não acredito! Que vergonha, nem vi que não era
o Seu Carlos!
Os dois se abraçam.
DIANA e RICARDO (ao mesmo tempo)
– O que você tá fazendo aqui?
RICARDO
– Eu voltei pra Brasília.
DIANA
– Jura? Desde quando?
RICARDO
– Tem pouco tempo. (aponta para o buquê) Tá esperando
alguém?
DIANA
– Não, eu acabei de me apresentar aqui! (apontando para o
teatro) Tou em cartaz até o fim do mês.
RICARDO
– Sério? Nossa, que legal!
DIANA
– Pois é, finalmente tirei as ideias do papel, acredita?
RICARDO (olhando longamente para Diana)
– Claro que acredito.
Silêncio.
DIANA
– E você? Voltou a trabalho?
RICARDO
– Pois é, estavam precisando de alguém pra representar a
empresa aqui em Brasília, achei que seria uma boa voltar às
origens depois de tantos anos.
DIANA
– Quase dez anos, né?
RICARDO
– Tem tudo isso que a gente não se vê?
DIANA
– Será? Não teve a vez do... (tentando lembrar)
DIANA e RICARDO (ao mesmo tempo)
– No aeroporto!
RICARDO
– É mesmo, você tava indo pra...
DIANA e RICARDO (ao mesmo tempo)
– São Paulo.
RICARDO
– E eu tava indo pra Lisboa.
DIANA
– Foi, o tempo tava fechado, os voos todos atrasaram, a
gente acabou sentando pra bater papo naquele café do
aeroporto...
RICARDO
– Nossa, pior café que eu já tomei!
DIANA
– Horrível!
RICARDO
– Que loucura...
Os dois se olham em silêncio. Ricardo faz menção de
perguntar algo quando o celular de Diana toca. Ela tenta
achar o celular na bolsa mas o buquê atrapalha.
RICARDO
– Quer que eu segure?
DIANA
– Nossa, obrigada! (entregando o buquê pra ele)
Diana pega o celular e atende.
DIANA
– Oi, Luca! Sério? Claro! Vou agora! (para Ricardo) Tem um
produtor que veio assistir a peça e tá lá dentro, eu
preciso ir lá conhecer ele! Quer entrar também?
RICARDO
– Vai lá, eu espero aqui e vigio seu buquê.
DIANA
– Jura? É rapidinho! Já volto!
Diana sai correndo, e deixa Ricardo sozinho com o buquê na
mão. Ele pega o cartão que está no buquê, abre, lê
rapidamente com medo de ser visto:
RICARDO
– “Maravilhosa, como sempre! Te amo”.
E guarda de volta. Diana retorna à cena.
DIANA
– Nossa, tô tão feliz! É um produtor lá do Rio de Janeiro,
que tá trabalhando aqui em Brasília esse mês e veio ver a
peça. Ele amou! A gente marcou uma reunião pra quarta-feira
pra conversar mais.
RICARDO
– Sério? Uau! Parabéns! (entregando o buquê para Diana,
como se fosse presente dele)
DIANA
– Ah, muito obrigada, que gentileza sua! (fingindo receber
o buquê de presente)
Os dois riem. Silêncio.
DIANA
– Então... eu ia pra casa, mas com essa novidade do
produtor eu fiquei com vontade de comemorar. Topa uma
cerveja?
RICARDO
– Claro, você acha que eu ia perder a oportunidade de tirar
onda no bar, com a estrela famosa me pagando uma cerveja?
DIANA (rindo)
– Quem me dera! Tem um barzinho aqui perto, dá pra ir a pé.
Os dois saem caminhando, saem do palco e dão a volta no
teatro enquanto conversam.
DIANA
– Mas e você, tá morando onde?
RICARDO
– Por enquanto eu tou no hotel, aquele do lado do teatro.
DIANA
– Ah, não acredito! Então você tem que ir ver a minha peça,
vou te dar uma cortesia!
RICARDO (cortando o assunto)
– Eu tou trabalhando até tarde, mas se eu conseguir uma
folga eu vou lá te ver.
DIANA
– Claro, se você puder.
RICARDO
– Mas tou procurando um apartamento pra me mudar até o mês
que vem. Provavelmente aqui por perto, pra não perder tempo
indo e voltando do trabalho.
DIANA
– É, isso faz muita diferença. O trânsito por aqui piorou
muito desde que você saiu.
RICARDO
– Percebi, levei uma hora do aeroporto até o hotel.
DIANA
– Mas a cidade tá bem mais bonita também. Chegou a pegar os
ipês amarelos?
RICARDO
– Eu vi uns brancos na semana em que eu cheguei. Não
lembrava que eram tantos assim.
DIANA
– E não eram mesmo. Hoje em dia tem até competição de
fotografia de ipê, sabia?
RICARDO
– Que legal.
DIANA
– É, minha mãe até mandou foto pro jornal esse ano. Eu acho
tão lindo pensar que é justamente na época mais seca, mais
quente, que eles florescem. Às vezes o cerrado pega fogo,
fica tudo queimado e depois eles tão lá, lindos, floridos,
no momento em que a cidade mais precisa. Eu gosto de pensar
que se os artistas fossem uma árvore, eles seriam os ipês.
Silêncio. Ricardo tenta conter o riso.
DIANA
– O que foi? Viajei demais?
RICARDO
– Não, não, eu só lembre de uma coisa aqui. (começa a rir)
Diana dá um tapinha no braço de Ricardo.
DIANA
– Tem cinco minutos que a gente tá conversando e você já tá
me zoando, né?
RICARDO
– Não, mas falando sério, gostei disso. Todo mundo precisa
de um ipê florido quando tá tudo mal... Ajuda a ficar mais
suportável.
DIANA (brincalhona)
– Obrigada, pelo visto não sou só eu que tou viajando.
Os dois voltam ao palco, e tem uma mesa de bar com duas
cadeiras e duas cervejas em cima, eles se sentam, brindam,
e continuam a conversa.
RICARDO
– E a peça... É sobre o quê?
DIANA
– (...) Ah... É sobre como algumas coisas acabam nunca
dando certo. Eu acho.
RICARDO
– Nossa, que animador.
DIANA (ri)
– Não é um dramalhão, mas também não tem um final feliz.
Sei lá, às vezes na vida é assim, e pronto.
Ricardo concorda com a cabeça.
DIANA
– Acho que todo mundo passa um tempo na vida se perguntando
como as coisas poderiam ter sido, se tivessem falado algo
diferente, feito algo diferente... Ou deixado de fazer, e
por aí vai.
Silêncio. Os dois se olham longamente.
DIANA
– Acho melhor você não assistir à peça mesmo.
RICARDO (rindo)
– Tou até com medo de sair e ter que ir pra terapia.
DIANA
– Me fala do seu trabalho?
RICARDO
– Hoje em dia tá uma loucura. Eu nunca tenho hora pra sair
do escritório. Trabalho que nem um louco. Mas eu gosto, tou
bem feliz com a minha carreira. Sou um “Work – alcoolic”
inveterado!
DIANA (rindo)
– “Work – alcoolic”?
RICARDO
– É, trabalho que nem um condenado, e no fim do dia tomo
uma cerveja, assisto o rúgbi, relaxo.
DIANA
– Nossa, é mesmo, você adora rúgbi!
RICARDO
– Sou viciado até hoje.
DIANA
– Acho que nunca vou entender esse jogo. Mas dependendo do
tanto que bebi, até acho divertido ver aquele bando de
gente se batendo de um lado pro outro.
RICARDO
– No dia que você entender, vai ficar viciada também. Pois
é, essa é a vida emocionante que eu levo. Trabalho, mudo de
cidade, assisto rúgbi, tomo uma cerveja.
DIANA
– Eu fico muito feliz de ver que você tá trabalhando com o
que você gosta. De verdade. Lembra como foi difícil você
trocar de faculdade? O tanto que seus pais falaram?
RICARDO
– Nossa, nem fala!
DIANA
– Foi corajoso da sua parte. E olha só onde você tá. Que
legal isso, Ricardo.
RICARDO
– Não tão legal quanto a minha amiga atriz, né?
DIANA
– Olha só. Os dois trabalham com o que queriam. Tim-tim!
Os dois brindam e bebem. Silêncio. Diana faz menção de
perguntar algo, mas o celular de Ricardo toca.
RICARDO
– Vou ter que atender. Já volto.
Ricardo levanta e sai de cena. Diana fica sozinha com seus
pensamentos.
DIANA (V.O.)
– Work-alcoolic! Figura... E esse papo de ipê, Diana? Que
viagem... Nada a ver... Será que eu trouxe meu perfume?
(procura na bolsa pelo perfume) Meu Deus, tou toda cagada,
descabelada. Ah! Achei! (passa o perfume) Droga, vai ficar
um bafo de perfume aqui! (abana os braços pra tirar o
cheiro forte de perfume) Pra que que eu tou fazendo isso?!
Qual o meu problema? Aff, o bar inteiro tá com cheiro de
perfume agora! (continua abanando os braços)
Ricardo volta à cena e encontra Diana abanando os braços.
RICARDO
– Tá procurando o garçom? Eu posso chamar ele ali, ele
tá...
DIANA (interrompendo)
– NÃO! Quer dizer, não precisa, mudei de ideia. Obrigada.
Ricardo sente o cheiro do perfume no ar.
RICARDO (para Diana)
– Você tá sentin...
DIANA
– Oi? O quê? (sem olhar pra ele, mexendo na bolsa, tentando
disfarçar).
RICARDO (sorrindo)
– Nada não.
Ricardo se senta do lado de Diana. Os dois ficam em
silêncio.
RICARDO
– Era a minha noiva.
DIANA
– A Bianca?
RICARDO
– Não, terminei com a Bianca tem quatro anos. É a Rosa,
você não conhece ela.
DIANA
– Ah, tá. Ela é daqui?
RICARDO
– Não, a gente se conheceu em Lisboa. A gente ainda tá
vendo dela vir pra cá.
DIANA
– Uau... você vai casar.
RICARDO
– Pois é.
DIANA
– Apesar de que eu já achava que você tivesse casado com a
Bianca, mas... ainda assim... uau! (toma um gole da
cerveja)
RICARDO
– Com a Bianca era complicado. A gente pensava muito
diferente sobre tudo. Principalmente sobre filhos, ela não
queria de jeito nenhum.
DIANA
– Hm...
RICARDO
– E você? Quem é o sortudo que te mandou essas flores?
DIANA
– Ah! Ele é lindo! Gente boa demais, e me ama muito!
RICARDO
– Poxa, parece que a coisa tá séria, hein?
DIANA
– Você vai adorar ele... (cochichando) É o meu pai!
RICARDO (rindo)
– Nossa, seu Francisco! Gente boa mesmo! Como ele tá?
DIANA
– Tá bem, não perde uma peça minha.
RICARDO
– Ele tava lá te vendo hoje?
DIANA
– Tava sim! Mas me deu as flores no camarim e teve que ir
pra casa.
RICARDO
– Mas então... Não tem ninguém?
DIANA
– Ah, você me conhece, né? Eu nunca fui muito de namorar
sério. Ou sei lá, os homens nunca foram muito de namorar
sério comigo.
RICARDO
– É, você sempre foi mais independente mesmo. Tirando o
Marcos...
DIANA
– Pára...!
RICARDO
– “Ai, minha Nossa Senhora!”
DIANA (rindo)
– Ridículo! Não acredito que você apareceu de Portugal, do
nada, pra me lembrar dessa história!
RICARDO
– Pô, você podia ter dado uma chance pro Marcos...
DIANA
– De verdade: Quem é que fala “Minha Nossa Senhora” na hora
do sexo?!
Ricardo tem uma crise de riso.
DIANA (imitando)
– “Ai, Nossa Senhora”.
RICARDO
– É, Marcos, não dá pra te defender, cara.
DIANA
– O pior é que ele era legal, tadinho... Mas eu tinha esse
feeling de que ele não era “a” pessoa.
RICARDO
– Você alguma vez já teve o feeling de que alguém era “a”
pessoa?
Diana fica em silêncio um tempo.
DIANA
– Como é que você sabe que a Rosa é “a” pessoa, e que não
era a Bianca?
RICARDO
– Não acho que tenha isso de saber. Ninguém sabe que alguém
é “a” pessoa, a gente tem que ir lá e descobrir vivendo
mesmo, na prática. E se não for, a gente tem que seguir em
frente.
DIANA
– Você é mais pragmático.
RICARDO
– A gente aprende depois de apanhar.
DIANA
– Acho que sou meio cagona pra essas coisas. Sei lá, não
quero ter que ir lá e descobrir vivendo, na prática, pra
depois ver que não era nada aquilo. Mas nessa de já querer
saber tudo de antemão, eu também acabo não vivendo nada.
Não sofro por amor, mas também não chego a amar. Acho que
eu falo de amor nas minhas peças pra suprir um pouco isso.
Enfim, a hipocrisia...
RICARDO
– Então a sua peça é uma história de amor?
DIANA
– Depende do ponto de vista.
Silêncio. O celular de Ricardo toca.
RICARDO
– Desculpa, é do trabalho, vou ter que atender.
Ricardo sai de cena, e Diana fica novamente sozinha com
seus pensamentos.
DIANA (V.O.)
– Meu Deus, como eu sou idiota! Tá louca, Diana?! “Depende
do ponto de vista”. De onde você tirou isso? Ah mas também
vai tomar no cu, o cara me aparece mil anos depois e ainda
tá lindo desse jeito? Diana, quieta! Ele vai casar. Será
que eu tou com bafo? (tenta soprar na mão pra sentir) Não,
tá de boa. (pega um espelho dentro da bolsa) Caralho, tem
batom no meu dente! (limpa o dente) E daí? (começando a
ficar irritada) E daí que tinha batom no dente? Quem ele
pensa que é pra chegar aqui e simplesmen...?
Ricardo entra em cena.
RICARDO
– Desculpa, era urgente, interrompi quando você ia falar da
história...
DIANA (interrompendo, sorridente)
– Imagina, sem problema! Sabe o quê? A gente podia ir dar
uma volta, essa cerveja tá quente.
RICARDO
– Tá mesmo, a gente não dá sorte, né?
DIANA
– Realmente, a gente não dá sorte. (Ricardo vai pegando a
carteira e Diana interrompe) Não, deixa que eu pago, hoje a
estrela famosa paga a conta.
Diana deixa dinheiro em cima da mesa do bar. Os dois saem
do bar e vão caminhando. Dão a volta por trás da coxia,
enquanto o cenário sai. Entram pela outra coxia.
RICARDO
– E como é essa vida nômade, de sair por aí se
apresentando?
DIANA
– Ah, falou o cara que muda de cidade de hora em hora, né?
Eu gosto muito de viajar. Cada público é de um jeito, cada
cidade é de um jeito. Mas sou muito apegada a essa cidade,
sempre volto correndo pra cá no final da temporada. Você
sabe que eu tenho uma bisavó que fugiu com o circo?
RICARDO
– Como assim?
DIANA
– Literalmente, fugiu com o circo! Ela morava no interior
da Paraíba, e um dia ela se apaixonou pelo trapezista do
circo itinerante que passou uma temporada na cidade dela.
Quando o circo foi embora, ela largou tudo. Filhos,
marido... E foi embora com a caravana. Às vezes eu penso
que é por isso que eu sou apegada com a minha cidade. Eu
sempre vou, mas eu sempre volto.
RICARDO
– É bom estar de volta também. Eu passei muito tempo
fugindo daqui. Mas por algum motivo agora eu sinto essa
vontade “voltar pra casa”.
DIANA
– E daqui a pouco você vai casar, vai ter filhos...
RICARDO
– É...
Silêncio.
DIANA
– A peça é sobre você.
Os dois se olham longamente em silêncio.
DIANA
– E sobre como nunca deu certo pra gente. Acho que eu
queria entender como que simplesmente nunca aconteceu pra
gente... Parecia tão fácil. Olha que merda, a gente não se
vê há anos, e agora a gente tá aqui, tomando cerveja,
caminhando pela cidade e conversando como se a gente
tivesse se visto ontem! Então, na minha cabeça, não faz
sentido que esse tempo todo nunca tenha acontecido. Parece
até que não era pra ser, mas eu não queria acreditar
simplesmente nisso. E aí eu escrevi a droga de uma peça pra
tentar entender tudo isso, e agora eu fico falando sozinha
sobre isso que nem uma idiota na frente de centenas de
pessoas que não fazem ideia do quanto isso fica martelando
na minha cabeça!
Silêncio. Os dois ficam tensos.
RICARDO
– (...) Quer um cigarro?
DIANA
– Quero... Desde quando você virou fumante?
RICARDO (tirando a carteira de cigarro e o isqueiro)
– Tem umas 72 horas.
DIANA (tomando da mão de Ricardo)
– Larga isso, ninguém precisa de um vício novo.
[Opção: Diana fuma o cigarro inteiro em silêncio. Opção 2:
Os dois fumam um cigarro inteiro sem falar nada]
RICARDO
– Melhor?
Diana concorda com a cabeça.
DIANA
– Tem uma frase que eu li ano passado... de uma atriz que
já faleceu. Ela dizia que o teatro preenchia a vontade dela
de viver outras vidas. Coisas que ela nunca poderia ter
vivido na vida dela.
RICARDO
– Profundo...
DIANA
– Tem horas que eu acho profundo. Mas tem horas que só acho
triste mesmo.
RICARDO
– Ninguém consegue viver tudo o que quer na vida. Faz
parte.
DIANA
– É, né...
RICARDO
– Sim, a gente faz escolhas, e essas escolhas levam a gente
pra um lado da estrada, e pra isso a gente tem que olhar o
outro lado da estrada de longe, não dá pra caminhar dos
dois lados ao mesmo tempo. E uma hora a estrada fica pra
trás. Se ficar olhando pro retrovisor, vai perder o que tá
na frente.
DIANA
– Temos um poeta aqui, senhoras e senhores.
RICARDO (rindo)
– Acho que tou inspirado.
DIANA
– Vou te contratar pra próxima peça.
Os dois riem. O clima fica mais leve.
RICARDO
– Eu acho que nosso timing sempre foi ruim. Sempre tinha
uma coisa.
DIANA
– Verdade...
RICARDO
– Uma namorada. Um namorado. Uma fofoca. Um mal entendido.
Faculdade, intercâmbio...
DIANA
– Eu estraguei, Ricardo.
RICARDO
- A gente era jovem, Diana. Gente nova faz merda.
(Silêncio.)
DIANA
– É melhor eu ir.
RICARDO
– Fica.
DIANA
– É melhor não. Foi muito bom te ver, Ricardo.
Diana levanta do banco e começa a andar. Ricardo levanta e
diz em voz alta:
RICARDO
– “E a partir de hoje, eu vou pra sempre me perguntar o que
poderia ter sido... E essa pergunta vai me assombrar, como
um fantasma infiltrado nos meus sonhos, e até nos momentos
felizes vai ressoar aquela pergunta”.
RICARDO e DIANA (ao mesmo tempo)
– “O que é que poderia ter sido?”.
DIANA
– Você viu a peça.
RICARDO
– Três vezes.
DIANA (incrédula)
– Tem três dias que eu estreei.
RICARDO
– Exatamente. E tem três dias que eu comecei a fumar.
DIANA
– Ricardo...
RICARDO
– Como você acha que eu tou me sentindo?
DIANA
– Eu não sabia que você tava aqui. Muito menos que você ia
assistir.
RICARDO
– Tem três dias que eu não consigo dormir.
DIANA
– Por que você não falou nada? Por que não avisou que
viria?
RICARDO
– Eu não consegui. Por que você não falou tudo aquilo pra
mim?
DIANA
– Eu tentei, mas você sumiu! Você tava puto comigo, ou sei
lá! E depois eu deixei pra lá! Eu não ia ficar te
stalkeando pelo resto da vida, até porque você ia me achar
maluca.
RICARDO
- Porra, Diana... E o que eu faço com isso agora?
DIANA
– Eu não sei! Eu também não sei o que eu faço. Eu tou um
bagaço! (...) Agora você sabe.
RICARDO
– Sei de tudo, e agora a minha cabeça é que tá me
martelando, agora eu é que tou me perguntando mil coisas o
tempo todo. E você ainda falou de São Jorge! Você trocou os
nomes e algumas coisas mas eu sei que aquela cena na praia
na verdade foi sobre São Jorge! Sabe quanto tempo eu levei
pra esquecer esse dia? Eu me vi ali parado naquele dia
esperando você, eu achei que aquele dia... E você tava
linda! Porra, Diana, você parecia a porra de uma deusa e eu
tava apaix... E tem três dias que eu entro no teatro pra
ver você falando de São Jorge, e você quer que eu faça o
que? Eu nem queria ter falado com você hoje! Eu saí pelos
fundos e eu ia fumar o cigarro que eu comecei há 72 horas
quando você sai pela porta dos fundos me chamando de Seu
Carlos! Como é que eu ia adivinhar que você ia sair pela
porta dos fundos me chamando de Seu Carlos? E a gente tem
essa conversa aleatória sobre ipês, outras vidas e bisavós
que fogem com o circo e eu lembro o quanto você é profunda
pra caralho e como é fácil gostar de você, Diana! E o que
eu faço com isso agora?! Termino meu noivado, falo que sou
apaixonado por você e me jogo de paraquedas torcendo pra
ele abrir?
DIANA
– Eu não sei o que você faz, Ricardo! Eu não sei, eu só sei
que eu odeio São Jorge, eu odeio aquele dia em São Jorge,
eu odeio lembrar de tudo daquele dia, e principalmente eu
me odeio naquele dia em São Jorge, porque se tem uma coisa
que eu me arrependo foi de não ter traído o Gabriel com
você! Eu era uma idiota, uma pirralha fazendo idiotice com
a minha vida! Que merda, Ricardo, a coisa que eu mais odeio
é o fato de eu não ter te beijado em São Jorge, e largado o
idiota do Gabriel pra ficar com você!
Ricardo beija Diana. Os dois se olham. Diana beija Ricardo
de volta. Os dois se abraçam.
RICARDO – Droga, Diana... Você tá me matando.
DIANA – E você tá matando o final da minha peça, vou ter
que reescrever tudo.
Os dois riem.
RICARDO – Eu preciso ir.
DIANA – Eu também. (Diana percebe que está sem as flores)
Caramba! Esqueci o buquê no bar!
RICARDO – Eu levo outro pra você amanhã.
Os dois se despedem com um sorriso.

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