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Nem tudo é azul no país azul

Gabriela Rabelo

PERSONAGENS:
1. GUARDA AZUL 1
2. GUARDA AZUL 2
3. REI
4. LINA
5. AMIGA AMARELA
6. LEO
7. AMIGA VERMELHA
8. CONVIDADO
9. GARÇOM
10. ALARANJADO
11. ROXINHO
12. VERDE
13. MARROM
14. MEDICO VERMELHO
CENA I
GUARDA AZUL: Por ordem real, o povo deste país está terminantemente proibido de
se misturar. Ou seja: o azul casa-se com a azul, o vermelho com a vermelha, o amarelo
com a amarela. Só assim conseguiremos manter nossas raças puras, nosso governo
bem forte!

Entra o Rei e seus guardas.

REI: Ah, nada como um belo passeio pela manhã, nada como ver que está tudo em
ordem no meu reino.

GUARDA 1: De dia, o céu é azul-claro.

GUARDA 2: De noite, é azul-fechado.

REI: Nenhuma cor é tão linda, nenhuma se lhe compara.

GUARDA 1: Majestade.

REI: O que é agora?

GUARDA 2: É Hora de... brincar!!!

REI: Oba! Está na hora do recreio?

GUARDA 1: Exatamente, Majestade.

REI: Esta é a hora do dia que mais gosto. (o rei volta-se para o guarda 2) Hoje é dia de
brincar de quê?

GUARDA 2: (Consultando um cardápio) Hoje é dia... é dia de...de brincar de


amarelinha.

REI: Ah, que delícia. Gosto demais desse jogo. E vocês?

GUARDAS 1 E 2: (No maior desânimo) Ôooo...

REI: Pois então, vamos lá. Brincar de amarelinha! (Para o guarda 2) Vá buscar algo para
marcar o campo. (O guarda 2 sai. O rei se dirige para o guarda 1) Você vai ser o juiz,
está bem?

GUARDA 1: Está bem, Majestade. (Em tom bajulador)

O guarda 2 volta, trazendo um giz e marca o chão.

REI: (Para o guarda 2) Vamos tirar par ou ímpar... Eu peço par.

GUARDA 2: Eu peço ímpar.

REI: Um, dois e...


GUARDA 2: Já!

Guarda 2 põe dois dedos, o rei, um.


REI: Ganhei!

GUARDA 2: Não, Majestade, o senhor perdeu. O senhor não pediu par?

REI: Pois então! Eu pedi par, dois mais um, três; três é par. Ganhei!... Ganhei!...

GUARDA 2: Só se me ensinaram errado.

REI: Pois é, te ensinaram errado

REI: Viu só como eu é que tinha razão? Agora vamos começar o jogo. Eu primeiro!

O rei começa a jogar. No meio do jogo, ela cai.

GUARDA 2: Errou, errou, errou...

REI: Então, agora é você.


O guarda 2 começa a jogar direitinho.

REI: Errou, errou, pisou na linha.

GUARDA 2: Não errei!

REI: Errou sim. Olha a marca do pé dele ali, seu juiz.

GUARDA 1: Não estou vendo marca nenhuma, Majestade.

REI: (ameaçando) olhe direito!

GUARDA 1: É mesmo! A marca está ali há mais de três dias e eu ainda não tinha
visto!...

O guarda 2 toca a sineta

REI: Mas o que foi dessa vez? Já acabou o recreio?

GUARDA 1: Já, Majestade.

REI: Ah, que chatura! Mas tudo bem.

GUARDA 1: Hoje à noite, Majestade, haverá um baile à fantasia na casa de uma família
amarela.

GUARDA 2: Aquela que cuida dos girassóis do reino. A amarelinha Lina vai completar
quinze anos.

REI: (Feroz) E entre os convidados há algum vermelho ou azul?


GUARDA 1: (escandalizado) Não, Majestade. É claro que não.

GUARDA 2: Os convites passaram pelas mãos do nosso secretário de Diversões, como


é necessário.

REI: Ótimo, muito ótimo. Sendo assim, que eles se divirtam. Vamos agora dar uma
volta para ver se o reino está bem colorido, para ver se o nosso povo está trabalhando
bem.

CENA II

LINA: Puxa vida, como o dia hoje está demorando para passar!...

AMIGA: Pois é. Parece que nunca vai chegar a noite e a hora do baile. (Entusiasmada)
arranjei uma fantasia maravilhosa. Você nem vai me reconhecer...

LINA: A minha também está lindíssima.

AMIGA: É mesmo? Como ela é?

LINA: Ah, não posso contar, senão perde a graça.

AMIGA: Tenho que dar os últimos retoques na minha fantasia. A gente se vê à noite,
está bem?

LINA: Está bem... Ai! (Dá um grito e coloca a mão sobre o peito)

AMIGA: O que foi?

LINA: Não sei. Está acontecendo uma coisa esquisita com o meu coração. Parece que
hoje ele está maluco. Tem hora que dispara tanto que até dói. E tem hora que bate tão
devagarinho que parece que vai parar. (Suspira) tenho a impressão de que hoje vai
acontecer alguma coisa... Pronto. Já passou...

AMIGA: Você quer que eu te acompanhe até sua casa?

LINA: Não, não precisa.

AMIGA: Então, até a noite.

A amiga sai. Lina fica sonhando acordada.

LINA: Meu coração sente um não-sei-quê como se quisesse me avisar de que alguma coisa
está para acontecer. Eu sinto, eu sei, então ao coração pergunto: O que será? O que será?
Venha, ó noite, traga-me de volta a lua. Leve este sol embora, é quase hora. Está na hora, eu
vou-me embora, é quase hora... (sair de cena).
CENA III

LEO: Puxa vida, todo mundo tem alguma coisa para fazer. Só eu é que não tenho. E,
ainda por cima, este bobão do meu coração fica batendo diferente, como se hoje não
fosse um dia igualzinho aos outros. (Ele fala para o coração) Bobo, pateta...

AMIGA: (Na coxia) Leo! Leo! (O amigo entra em cena)

LEO: O que foi?

AMIGA: Puxa, estou te procurando há um tempão!

LEO: O que houve? Viu disco voador?

AMIGA: Melhor que isso. Imagine só onde nós dois vamos hoje à noite.

LEO: Ficar em casa, vendo aqueles programas chatos de televisão.

AMIGA: Não, senhor, errou. Te dou mais uma chance.

LEO: Fazer visitas pra vizinhos e ficar sentado direitinho na sala, enquanto nossos pais
tomam café.

AMIGA: Errou de novo. Pois saiba, meu amigo, que hoje nós vamos a um baile.

LEO: Mentira sua. Não há nenhum baile hoje, na zona dos vermelhos.

AMIGA: Na zona dos vermelhos, não. Mas na dos amarelos, há...

LEO: Na dos amarelos? Bela novidade. A gente não pode ir lá...

AMIGA: Acontece que é um baile à fantasia, seu bobo. A gente pode fazer de conta
que está fantasiado de vermelho.

LEO: Cê tá é louco. Se os azuis descobrem, a gente está perdido...

AMIGA: Tá legal. Se você não quer ir, eu vou. E você fica aí se lamentando, enquanto
eu me divirto. (Vai saindo)

LEO: Ei, espere aí. Quem foi que disse que eu não vou? Eu disse que é perigoso. Mas
quem não arrisca não petisca...

AMIGA: Eu sabia que você ia topar.

LEO E A AMIGA: Baile das amarelinhas, aqui vamos nós!

CENA IV

CONVIDADO: Estou muito contente por poder estar aqui, participando de uma festa tão
brilhante...
AMIGA: O prazer é todo nosso.
CONVIDADO: Espero ter oportunidade de uma contradança com Lina...

AMIGA: Meu amigo, não se preocupe. Se Lina não puder, terei imenso prazer em
fazer-lhe novamente a honra...

Entra Lina. A amiga se aproxima.

AMIGA: Ai, como está linda a minha amiga!

LINA: Ih, que bobeira. Deixe de ser coruja!

Entra um garçom.

GARÇOM: Dona Amarela, estão chamando a senhora lá dentro.

AMIGA: (Para o garçom) já vou, já, já. (Para os convidados) Queiram me desculpar.
Preciso me ausentar um pouco, mas voltarei logo, logo. Vocês fiquem à vontade. (Sai)

CONVIDADO: (Para Lina) um encanto, a sua amiga.

LINA: (Sorrindo) também acho.

Entra Leo e a amiga.

AMIGA DE LEO: Puxa, como está cheio de gente!

LEO: E como está bonito!

AMIGA DE LEO: É mesmo. Escute, Leo, vamos dar uma volta para ver se tem muitos
guardas azuis por aí? (Olha para Leo e percebe que o amigo está estranho) que que
foi? Você está sentindo alguma coisa?

LEO: Sabe, hoje eu fiquei o dia inteirinho achando que ia acontecer alguma coisa
diferente. Agora, tenho certeza de que vai mesmo acontecer.

AMIGA DE LEO: Ora, seu bobo. Já está acontecendo. Nós somos dois vermelhos que
vieram se divertir num baile dos amarelos.
LEO: Não, não é só por causa da festa que estou assim, não... Hoje, o dia inteiro, meu
coração estava esquisito, batendo de um jeito diferente...

AMIGA DE LEO: Ah, Leo, não inventa moda de coração assim, coração assado, tá? E
vamos dar um giro por aí.

LEO: Não, eu vou ficar por aqui.

AMIGA DE LEO: Tudo bem, se você prefere! Daqui a pouco a gente se vê. (a amiga sai)

LEO: (Sozinho, para o coração) E aí, seu pateta? Por que é que você está batendo tanto
assim?

Luz em Leo e Lina, cada um numa extremidade do palco. Os dois se olham, fascinados.

LEO: (Meio sem jeito) Boa-noite. Eu vim... É... quer dizer...Parabéns.

LINA: (rindo) muito obrigada.

CENA V

Entra o garçom, quando vê Leo, leva um susto e deixa cair a bandeja no chão.

GARÇOM: Meu Deus do céu! Um vermelho neste baile!

LEO: (Apressado) eu não sou vermelho não, é fantasia.

GARÇOM: Ô susto! (Leo ajuda o garçom a se levantar e a pegar a bandeja e os copos


que caíram no chão)

LEO: Desculpe!

GARÇOM: (Bravo) mas que ideia, se fantasiar de vermelho...

LINA: (Rindo) sua fantasia vai fazer muita gente levar um susto danado.

O garçom sai. Leo e Lina começam a rir. Depois ficam se olhando, meio sem saber
como começar a conversa.

LEO: Você vai achar que é mentira, porque nunca a tinha visto antes. Mas agora que
estou aqui, sei que hoje esperei o dia inteiro o momento de te encontrar.

LINA: Sei que não é mentira não. Eu também te esperei.


Soam doze badaladas de relógio, indicando meia-noite.

AMIGA: (Na coxia) Lina, Lina. (Entrando afobadíssima) ah, minha amiga, há uma hora
que a procuro. O que você está fazendo aí? (Vê Leo) Céus, um vermelho! (Dá sinais de
que vai desmaiar)

LINA: (Apressada) É fantasia, ele não é vermelho não.

AMIGA: (Recompondo-se) saiba, jovem senhor, que é de muito mau gosto vir
fantasiado de vermelho. Quase desmaiei de susto.

LEO: (Sem graça) desculpe. Queria assustar só um pouquinho.

AMIGA: Tudo bem. Já passou. (Novamente agitadinha) agora, vamos lá para dentro. Já
é meia-noite e está na hora de todo mundo tirar a máscara. Vamos entrar. Vamos,
vamos...

A amiga sai apressada. Leo e Lina permanecem em cena. Tiram a máscara.

LINA: Xii, você é vermelho mesmo?

LEO: (Meio sem graça) É. Sou assim desde que nasci. E você é amarelinha, né?

LINA: Sou, de nascença também.

Entra o amigo afobado.

AMIGO: Leo, vamos embora que está na hora de tirar as máscaras. E tem muitos
guardas azuis por aí. Só então o amigo repara que Leo está sem máscara e, além disso,
na presença de Lina. Olha os dois, admirado.

LEO: Eu já vou. Se os outros me descobrirem, vai haver problema.

LINA: Não, não vá ainda... Quer dizer, vá sim, é melhor.

Leo sai, todo triste.

LEO: (Voltando-se para Lina) Eu volto.

LINA: Vou esperar por você.

CENA VI

AMIGAS: Bom, acho que já está dando para vocês perceberem a confusão toda que
saiu daí. Pois não é que os nossos dois amigos continuaram a se encontrar às
escondidas? (Cenas do encontro em mímica) E cada dia ficaram gostando mais um do
outro, cada dia mais, e de um jeito tão bonito e tão grande que resolveram se casar.
(Cena do casamento em mímica) E se casaram, sem que os guardas do rei ficassem
sabendo, sem que os amigos soubessem... E, passado algum tempo, eles tiveram um
filho. E foi aquele corre-corre no país: um nenê com uma cor toda esquisita, cor de
laranja. O Rei Azul ficou furioso.

CENA VII

O rei Azul invade o palco, seguido pelos guardas.

REI: Como? Nasceu um menino cor de laranja? Cor de laranja? Oh, acho que vou ter
um troço. (Vai desmaiar. Os guardas também. Refaz-se. Os guardas também se
refazem) não. Não. Não fica nada bem um rei ter um troço. Vou apenas ficar com
enxaqueca. Ui, que dor de enxaqueca, quer dizer, de cabeça. (Põe as mãos na cabeça,
os guardas o imitam) Tragam imediatamente os culpados à minha presença.
Os guardas saem. Voltam com Leo e Lina. Colocam-nos frente ao rei.

Rei: (Para os guardas) coloquem os dois mais longe, por favor. (O guarda 1 afasta Leo.
O guarda 2 afasta Lina, em movimentos simétricos, fazendo um triângulo, do qual o rei
é a vértice) Mais longe ainda. (Leo e Lina são novamente afastados) Mais longe ainda.
(Leo e Lina são afastados mais ainda) mais longe ainda!!!

GUARDA 2: Se afastar mais, eles caem do palco, Majestade.

Rei: Mas ainda estão muito perto e eu tenho medo de que eles contaminem a pureza e
a realeza do meu sangue azul. Então, senhores, muito bonito! Desobedecendo às
ordens reais. (Furioso) E posso saber a razão, o motivo dessa desobediência?
LEO: Senhor...
REI: (Interrompendo Leo) O quê? Ousa me contestar? Vamos, digam, por que
desacataram minhas ordens?
LEO: Senhor, é que...

Rei: (Interrompendo novamente) É o cúmulo, um absurdo. (Olha para Leo) Malcriado.


(Para a plateia, sofrida) Vocês são testemunhas do doloroso desacato à autoridade por
que acabo de passar. (Para os dois) Pois fiquem sabendo que vocês serão separados
para sempre. Assim é que serão tratados todos aqueles que desobedecerem às ordens
reais. E o filho de vocês será condenado à masmorra, onde viverá para o resto da vida.
(Para a plateia) Estou agindo certo, não estou? (Para os dois) Viram? Eles também
concordam comigo. (Para os guardas) Levem esses dois.
Os guardas seguram Leo e Lina e os levam para fora de cena.

Amigos: O tempo passa e conserta muito do que está errado. Mas às vezes arrebenta
o que estava consertado. No caso de Leo e Lina, o tempo também passou. Cada um
seguiu sua sina. O filho, o Alaranjado, foi viver lá na masmorra. Mas ele não estava só,
estava bem acompanhado. Vejam só, outras pessoas estavam lá na...... brrrrr.....
masmorra.

CENA VIII

ALARANJADO: Puxa, hoje foi um dia duro. Tive de pintar uma porção de laranjas,
abóboras, tangerinas... E você, Roxinho, como foi seu dia?
ROXINHO: Como sempre. A única coisa que me deixam pintar é caixão, flor de defunto
e marca de beliscão. Não aguento mais essa vida.
VERDE: Eu fico louco para chegar o outono e o inverno. Porque, nessas épocas, o meu
trabalho diminui muito, tenho muito menos folhas para colorir.
ALARANJADO: Sabe uma coisa que não entendo? Por que é que a gente que pinta
quase tudo que tem no nosso reino e somos obrigados a viver fechado aqui dentro?
Por que nós não podemos brincar com as coisas que a gente pinta? Por que não
podemos correr na grama tão gostosa que você, Verdinho, coloriu? Acho que isso não
está certo.
ALARANJADO: Ah, primo, você é uma figura.
VERDE: Primo, por que primo?
ALARANJADO: Então você não sabe que ele é filho de um vermelho com uma azul?
ROXINHO: É.
VERDE: Puxa, então nós somos parentes também, porque eu sou filho de um azul com
uma amarela.
ALARANJADO: Verdade? Então você também é meu parente, porque eu sou filho de
uma amarela com um vermelho.
Eles se abraçam bem contentes. Entra correndo o marrom.
MARROM: Pessoal, acabo de saber de uma coisa incrível. O rei Azul está doente, muito
doente e está precisando receber sangue. Acontece que os azuis foram viajar para
pintar o céu da primavera. Não ficou nenhum azul por aqui. A rainha até mandou
chamar um médico vermelho.

ALARANJADO: Ah, então é por isso que os guardas amarelos é que estão guardando a
gente?!

MARROM: É. E o rei resolveu lá com o médico que vai chamar o Verde para doar
sangue para ela.
VERDE: Eu? Por que eu? Pois eu não vou doar.
MARROM: Mas ele te mata, se você fizer isso.
VERDE: Azar dele. Vai ficar sem folhas nas árvores, sem grama, sem gafanhoto...
ALARANJADO: Mas ela não pode ficar sem árvores.
ROXINHO: É isso mesmo. Se não tem árvores, não tem ar puro. Se não tem ar puro,
tem poluição. E se tem poluição muito poluída, ela morre do mesmo jeito. E daí, eu
vou caprichar no roxo do caixão dela.
ALARANJADO: Deixe de ser tonto, Roxinho. Se ela morrer de poluição, nós morremos
também.
MARROM: É isso mesmo. Todos nós precisamos do Verde.
VERDE: Mas será que vocês não perceberam?
ALARANJADO: O quê?
VERDE: Todos nós precisamos de nós todos. Se o Marrom não existir, quem é que vai
colorir os troncos das árvores? E se as árvores não tiverem troncos, como é que vão ter
folhas? Se não existir o Alaranjado, como é que o sol vai se pôr? E se o sol não se
puser, como virá a noite?
ALARANJADO: Puxa vida, nunca tinha pensado nisso. Todos nós precisamos de nós
todos.
TODOS: Como é bom saber que você precisa de mim como eu preciso de você. Como é
bom saber que você não existe sem mim e eu não existo sem você.
(Ouve-se o barulho dos passos do guarda amarelo e do médico vermelho.)

CENA IX

GUARDA AMARELO: Verde, sua Majestade o chama. Venha depressa.


A entrada do guarda corta a alegria das cores. Todos ficam meio assustados, como se
tudo que tivessem vivido juntos não passasse de um sonho.
VERDE: (Reanimando-se) Não se preocupem, tudo sairá bem.

REI: Verde, chamei-o aqui porque as árvores do reino estão muito bonitas, muito
viçosas, as folhas bem coloridas. Você tem trabalhado bem. Assim sendo, resolvi
conceder-lhe a grande honra de doar-me um pouco de seu sangue.
VERDE: Muito obrigado por todos os elogios, Majestade. Agradeço muito mas não
posso aceitar a homenagem.
REI: Pode sim, eu deixo.
VERDE: Não, não posso não.
REI: Pode sim, já disse.
VERDE: Acontece que não quero.
REI: Como não quer? Por acaso você, um reles verde, uma mísera cor derivada, uma
mistura, tem querer?
VERDE: Tenho sim. E não só eu, Majestade. Todos os meus amigos que estão lá na
masmorra também têm querer.
REI: É o cúmulo. Pois então eu lhe ordeno que me doe sangue.
VERDE: E eu não obedeço à ordem.
REI: Oh! Acho que estou sonhando... Só pode ser pesadelo. (Se belisca)
VERDE: Não, Majestade. Não é sonho. Só concordo em lhe doar sangue se o senhor
aceitar o que vou lhe propor: todas as cores deverão viver em liberdade.
REI: Acho que desta vez eu tenho um troço!
VERDE: E tem mais: todos poderão se casar livremente, independente das cores que
eles tenham.
REI: Isso nunca!
VERDE: E mais ainda: Vossa Majestade precisa tanto do meu sangue quanto do meu
trabalho e do trabalho de todos os meus amigos. Se Vossa Majestade não aceitar
minhas condições, eu e todos os meus amigos deixaremos de trabalhar. E sem árvores
e sem frutos, Vossa Majestade morrerá de todo jeito.
MÉDICO VERMELHO: Majestade, é melhor aceitar, senão, sem sangue, Vossa
Majestade vai morrer.
REI: Pois prefiro a morte. Guarda!!! (O guarda não reage, atarantado com a atitude do
Verde) Guarda!!! (O guarda acorda) Leve-o para a masmorra!
MÉDICO VERMELHO: Mas, Majestade...
REI: Já disse.(Começa a choramingar) Prefiro a mor...Verdinho!!!!!!!!
O guarda e o Verdinho, que já estavam quase fora de cena, param.
VERDE: Vossa Majestade me chamou?
REI: Chamei sim. Para lhe dizer que você é um chantagista, um embrulhão, um verde
muito sujo e que...não tendo outro jeito, né?! Sou obrigada a aceitar suas condições.
VERDE: (Eufórico) Puxa vida, que bacana. Custou, hein, Azul? Mas você não vai se
arrepender. Quando todos nós estivermos em liberdade, o mundo será lindo. Você
terá netos lilases...
REI: (Com horror) Ó, eu com neto lilás. (Pensando melhor) Lilás. (Já enlevado) Lilás...
VERDE: E de muitas outras cores. Tudo será lindo e colorido!

CENA FINAL

À medida que se processa a “transfusão de sangue”, todas as cores vão entrando

ROXINHO: (Bem atiradão) E de todos nós juntos nascerá o branco que será o símbolo
da nossa união.

TODOS: O nosso reino ficou bonito, agora é só alegria.


RED: E todos nós trabalhamos juntos, sorrindo, cheios de alegria. Pois tudo o que nós
fazemos é nosso, nosso e de ninguém mais.
MARROM: Nós mesmos nos governamos, por isso aqui reina muita paz. E quem quiser
vir nos visitar dê a mão para o seu vizinho.
AMIGA: E todos juntos então veremos que assim é que é bom viver: de mão na mão,
coração aberto.

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