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O ENGANO DA CONSCIÊNCIA

Possibilidade e problemática na logoteoria frankliana

Gabriela Alves Santana Bicalho


Flávia Cusano D’Arrigo
Milva Lambert Pereira
Murilo Neiller de Oliveira Martins
Welder Castro Pereira Andrade

RESUMO

Esta pesquisa tem como escopo compreender qual é, em última instância, a


possibilidade de engano da consciência, considerando o seu diálogo com o homem,
uma vez que, na literatura frankliana, a voz que ressoa na consciência, enquanto
órgão do sentido, é uma voz diferente do próprio homem. Para isso, caminhar-se-á
através dos principais conceitos da logoteoria, mais detidamente aqueles que dizem
respeito à pesquisa, ou seja, aqueles voltados às noções antropológicas e morais
correlatos ao conceito de consciência. Num passo subsequente, o que se pretende
é, através de um raciocínio dedutivo, observar a natureza, as partes e o conteúdo
do diálogo entre o homem e a sua consciência a fim de que, levantadas as aporias
concernentes ao debate, apresenta-se o que - segundo Frankl - é a possibilidade de
engano da consciência. Como conclusão, postula-se um caminho de formação da
consciência, considerando que a relação do homem com o binômio
liberdade-responsabilidade é o retorno à voz que não erra no órgão do sentido.

Palavras-chave: Consciência; Engano; Logoterapia; Viktor Frankl; Liberdade;


Responsabilidade

ABSTRACT

This research aims to understand what is, ultimately, the possibility of


deception of conscience, considering its dialogue with man, since, in Franklian
literature, the voice that resonates in conscience, as an organ of sense, is a voice
different from the man himself. For this, we will walk through the main concepts of
logotheory, more specifically those that concern research, that is, those focused on
anthropological and moral notions related to the concept of conscience. In a
subsequent step, what we intend is, through a deductive reasoning, to observe the
nature, the parts and the content of the dialogue between the man and his
conscience so that, having raised the aporias concerning the debate, we present
what - according to Frankl - is the possibility of deception of conscience. As a
conclusion, we postulate a path for the formation of conscience, considering that the
relationship between man and the binomial freedom-responsibility is the return to the
voice that does not err in the organ of sense.

Keywords: Conscience; Mistake; Logotherapy; Viktor Frankl; Freedom;


Responsibility
INTRODUÇÃO

A base antropológica da Logoterapia de Viktor Frankl se assenta em três


pilares: a liberdade da vontade, a vontade de sentido e o sentido da vida (A Vontade
de sentido 2011 pág. 7). O sentido pelo qual toda pessoa busca e que está presente
em dois dos três pilares da teoria frankliana é captado por um órgão específico, o
“órgão do sentido”, que é a consciência (FRANKL, 2011, p. 82 )
Daí já bastaria a importância do tema da consciência para a teoria frankliana.
Sendo o homem um ser "buscador” de sentido, entender o funcionamento da
consciência tem uma grande importância, até porque encontrar o sentido da vida e o
sentido em cada situação vivida são grandes desafios para toda e qualquer pessoa.
Disso decorre a pertinência desta pesquisa e o seu status questionis. Quando
se propõe a discutir o tema da consciência, o que se busca é aprofundar o
conhecimento sobre esse órgão que atua como uma bússola para o homem que
sempre decide o que é, que pode encontrar o sentido em cada situação vivida.
Contudo, apesar de todos sermos dotados desse “órgão de sentido”, por que
tantas pessoas falham na busca do sentido? Por que tantas pessoas erram na hora
de decidir, de escolher? É possível que a consciência falhe? Que sejamos
enganados por ela?
Quando se levanta tais questões que parecem colidir frontalmente com a
natureza da consciência, conforme se verá mais adiante, coloca-se diante de um
dos mais intrincados problemas da teoria frankliana: “O engano da consciência”.
Frankl nos apresenta um caminho para responder a tais questões, que será
percorrido com acuidade, ao mesmo tempo em que se denota, conforme nos ensina
o rigor acadêmico-filosófico, a aporia que também o ronda.
Nesta esteira, será introduzido os problemas relativos ao tema da consciência
para a escola frankliana, além de se explanar sobre seus principais conceitos de
base, especialmente de cunho antropológico. Em seguida, será abordada a
possibilidade de engano na tomada de decisão, discorrendo sobre os motivos que
podem levar a esse engano. E, por fim, propor-se-á, segundo os postulados da
logoteoria, um caminho para evitar o engano da consciência.
1 A LOGOTEORIA E A SUA NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA

A Logoterapia, também conhecida como Terceira Escola Vienense de


Psicoterapia, é a corrente psicoterapêutica criada por Viktor Emil Frankl (26/03/1905
– 02/09/1997), médico psiquiatra, professor de neurologia e psiquiatria, escritor de
trinta e dois livros e inúmeros artigos científicos.
Como muitos judeus que viviam à época da Segunda Guerra Mundial, Frankl
foi prisioneiro de campos de concentração por longo tempo, o que marcou
sobremaneira sua vida e toda sua produção teórica futura. A criação da logoterapia
– numa tradução literal: a cura pelo sentido – foi, sem dúvida, o ponto mais alto de
sua carreira e de sua vida, e sua maior contribuição à psicologia e ao mundo
(FRANKL, 2010. p. 8).
Dentre os diversos conceitos lapidados pela corrente logoterapêutica,
cumpre-nos nestas primeiras linhas demarcar alguns deles, especialmente aqueles
que estão na base antropológica deste estudo. De todos eles, três postulados são
fundamentais em toda a logoetoria e servem como pilares de tudo o que se produziu
nesta escola.
O primeiro deles é o conceito de liberdade da vontade, segundo o qual o ser
humano não é completamente condicionado e determinado (liberdade “de”); ele
mesmo escolhe se cede aos condicionamentos ou se a eles resiste (liberdade
“para”) (FRANKL, 2021. p. 153). A liberdade para Frankl é intencional, é uma
liberdade para a responsabilidade e se assim não for, a liberdade se desvirtua em
libertinagem.
Após, ele observa-se o conceito de vontade de sentido. Em contraposição ao
que Freud defendia – o ser humano vive em busca de prazer – e ao que Adler
sustentava – o ser humano é movido pela vontade de poder -, para Frankl a pessoa
humana busca um sentido para que viver e é essa busca de sentido a principal força
motivadora no ser humano (FRANKL, 2021. p. 124).
Por fim, vê-se o conceito de sentido da vida. Segundo Frankl, assim como a
própria pessoa, o sentido também tem um caráter de unicidade; ou seja, o sentido é
específico na vida de uma pessoa em um momento específico. E continua: “não se
deveria procurar um sentido abstrato na vida, cada qual tem sua própria vocação ou
missão específica; cada um precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir
realização” (FRANKL, 2021, p.133). Além disso, o sentido não deve ser inventado,
mas descoberto no mundo; exigindo, portanto, que a pessoa saia de si para
encontrá-lo (FRANKL, 2011, p. 79).
Como toda psicoterapia, a logoterapia contempla uma visão de homem em
que se baseia. Aliás, um dos diferenciais de Frankl foi exatamente buscar
compreender a pessoa humana com a profundidade e a integralidade que ela exige.
Para descrever essa pessoa, Frankl utiliza-se também de alguns outros conceitos
importantes e, até certo ponto, “inovadores” para a época.
Neste sentido, para a logoteoria, o homem é aquele que sempre decide o que
é – podendo se rebaixar ao nível dos animais, ou se elevar ao nível dos santos,
além disso, é livre, responsável e autotranscendente.
Da mesma forma, o homem deve ser compreendido como ser
biopsicoespiritual, tridimensional, apesar de único e irrepetível. Isso significa dizer
que, assim como os animais, o homem possui uma dimensão biológica (do corpo ou
somática) e uma dimensão psíquica, mas o que realmente o diferencia dos outros
seres é a sua dimensão espiritual (ou noológica), posto que é nessa dimensão que
os eventos tipicamente humanos devem ser localizados (FRANKL, 2011, p.28).
Um desses eventos especificamente humanos é a chamada
autotranscendência, que, de modo muito simplificado, foi definida por Frankl como a
capacidade que permite ao homem fazer um movimento de saída de si para buscar
o sentido no mundo. É a autotranscendência também que possibilita à pessoa
elevar-se sobre si mesma, julgar e avaliar todas as próprias ações e a própria
realidade em termos morais e éticos (FRANKL, 2011, p. 29).
Este é um conceito que é especialmente importante, uma vez que em A
Vontade de Sentido – Fundamentos e aplicações da Logoterapia, Frankl insere o
conceito de consciência como a mais surpreendente manifestação da
autotranscendência, junto com o amor (FRANKL, 2011, p.29).
Já em A presença ignorada de Deus, Viktor apresenta a consciência e a
responsabilidade como “fenômenos primários, próprios do ser humano como
‘elementos existenciais’, como dois atributos básicos que pertencem ao ser
existencial, como algo que nele sempre esteve contido” (FRANKL, 2021, p. 27).
De modo mais direto, porém, pode-se definir a consciência como a
“capacidade intuitiva do homem para encontrar o sentido de uma situação, sentido
esse que – sendo, sempre, único – não se submete a uma lei geral.” (FRANKL,
2011, p. 82).
Por suposto, para a Logoterapia, a pessoa humana é um ser buscador de
sentido e é a consciência que guia o ser humano nessa busca, como um farol ou
uma bússola que o ilumina nos momentos de decisão e escolha.
Para tanto, ela opera na estrutura humana de diferentes modos. A princípio
pode operar pelo modo sensitivo ou instintivo (funções orgânicas) e neste caso
percebe o mundo por meio de sensações, emoções e estados, permitindo
compreender como o ser está no mundo (a faticidade, e os fenômenos biológicos e
psíquicos). Também pode operar pelo modo intuitivo (ontológico), no qual capta o
próprio do ser, "o ser que é" e, aqui, não depende do biopsiquismo (da constituição
inorgânica), ou seja, não é material, é espiritual (FRANKL, 2021, p. 23).
Já no que se refere à forma como ela apreende o mundo, a consciência pode
fazê-lo racionalmente ou de forma intuitiva e pré-lógica. O modo racional é próprio
do ser espiritual (ontológico), logo, é um modo propriamente humano de conhecer o
mundo; os animais, por exemplo, não o possuem. Já o modo intuitivo parte do
inconsciente; não depende de uma associação de ideias.
Tudo isso nutre a consciência, como órgão que é, no desempenho das suas
funções, seja ela de fundo ontológico, ético ou estético. A consciência (Bewusstsein)
tem uma função ontológica, que pretende captar a essência do ser, o ser como ele
é. Por sua vez, tem uma função moral (Gewissen): ela antecipa o ser que deveria
ser, o "dever-ser". Finalmente, tem uma função estética: a inspiração para as
criações, talentos, os dons, e que nos revela a capacidade de criar novas respostas
que devemos dar (FRANKL, 2021, p. 29).
Apesar de tudo isso, a obra frankliana parece apontar para uma possibilidade
de que a consciência também seja mal interpretada e favoreça o descaminho do
homem, o que nos revelaria o seu caráter falível. Está aqui o ponto de tensão do
tema da consciência na obra frankliana, sobre o qual a percepção deverá levar em
conta estes postulados dos quais já se falou, mas também a contribuição de sua
obra mais epistemológica, o "A presença ignorada de Deus”.
2 O HOMEM DIANTE DA CONSCIÊNCIA: POSSIBILIDADE DE ENGANO

Já se buscou apresentar o que é a consciência e quais são as suas


características mais marcantes na teoria frankliana. É sempre importante frisar,
porém, que a consciência age diante do sujeito como aquela estrutura mais íntima e
mais profunda que lhe fornece a tábua das decisões certas que devem ser tomadas
diante das situações específicas da vida que são vividas, no chão da realidade. “A
responsabilidade da existência é sempre ad personam e ad situationem” (FRANKL,
2021, p. 17).
Não obstante, é preciso compreender, na medida das reflexões que a
logoteoria nos oferta, como se estabelece este diálogo entre o homem e a sua
consciência e isso só pode acontecer, por primeiro, ao se perceber que trata-se de
um diálogo, espécie de relação comunicativa que se estabelece entre um eu e um tu
e não por dois fragmentos de uma mesma psiqué.
Em A presença ignorada de Deus, Frankl propõe uma análise crítica da
psicologia profunda de Freud no que diz respeito à presença de um super-ego como
figura de consciência, sendo formado por absorções inconscientes de afetações da
estrutura psíquica que devem ser consideradas como “projeção” do próprio eu, em
novas articulações. Se apontamos esta abordagem, se poderá ver que na
psicanálise “a integridade da pessoa é destruída. Poder-se-ia até dizer que a
psicanálise despersonaliza o homem”. (FRANKL, 2021, p.15)
Em contrapartida, Frankl em Psicoterapia e Sentido da Vida, traz um aspecto
de unidade à sua antropologia, fundamental para compreender toda a sua teoria. A
partir desta compreensão, ao se mencionar aspecto superior da consciência, não se
quer atribuir a isto um nível mais elevado que os demais, mas uma parte distinta de
um todo indivisível, ou seja, essa dimensão superior que é mais compreensiva por
abarcar uma dimensão inferior e assim elevá-la sem, no entanto, negá-la ou
suprimi-la. Sem essa compreensão, uma visão reducionista do homem pode ser
construída. Em síntese, todo o homem, inclusive a sua consciência, deve ser visto
como uma unidade na multiplicidade, unitas multiplex. (FRANKL, 2016, p. 70).
Faz isso, Frankl, para colocar diante da necessária conclusão de que, se
considerado que o inconsciente do homem é mais do que a mera conjunção
instintiva dos sujeitos, mas sim um núcleo espiritual, ele estabelece conosco uma
relação de natureza distinta daquela que a psicanálise apresenta (FRANKL, 2021
p.15), já que não se pode considerar que o “quem fala” por de trás da consciência
seja o próprio homem, mas sim um “Tu” diverso de nós mesmos. A voz inconsciente
não tem nosso timbre, mas um timbre mais alto, bem mais alto.
Firma-se conclusão, desta forma, de que o diálogo com a consciência é
verdadeiro diálogo e não monólogo, já que não manifesta relação de um eu consigo
mesmo, mas de um eu com um “tu” distinto. Mas quem é, então, este tu? Só pode
ser, segundo Frankl (2021, p. 48) uma voz que esteja sobre nós e que seja capaz de
ser ouvida e acatada, voz tão atrelada ao sentido que não possa ser considerada
mero sentido, mas sentido último, ou melhor, supra sentido. Neste mister, vale a
leitura:
Se, além disso, devo ser “servo da minha consciência”, e para que possa
sê-lo, essa consciência deve então ser algo diferente, algo mais do que eu;
tem que ser algo superior à pessoa a qual apenas ouve a “voz da
consciência”, deve ser algo humano [...] um fenômeno que transcende
minha mera condição humana [...] Não poderíamos conceber o fenômeno
da consciência apenas na sua facticidade psicológica, mas na sua
transcendentalidade essencial. Na realidade, só posso ser “servo da minha
consciência” quando o diálogo com minha consciência for um diálogo
verdadeiro, mais que um simples monólogo, quando minha consciência for
mais do que meu eu, quando for porta-voz de algo distinto de mim [...] a
consciência não poderia “ter voz”, porque ela própria “é” a voz, a voz da
transcendência”. (FRANKL, 2021, p.49)

Posto isso, conforme aponta metaforicamente Viktor Frankl, assim como o


umbigo, em nossos corpos, diz respeito a uma realidade cronologicamente anterior
a nós que não se pode ver, mas que marca uma ligação com outro ser, a
consciência opera como uma espécie de umbigo espiritual, ligada agora
ontologicamente a algo anterior a nós, posto que nos transcende.
Se o umbigo no corpo explica biologicamente uma origem, “dentro da
ontologia do ser humano, não nos será possível compreendê-la em todos os seus
aspectos, especialmente a sua consciência, se não recorrermos a uma origem
transcendente" (FRANKL, 2021, p. 50). Frankl postula, desta forma, que o que brota
como voz na consciência é fruto de um acesso transcendental às realidades últimas.
“Por detrás do superego do homem não está o eu de um super-homem, mas atrás
da consciência está o de Deus” (1997, p. 45).
Portanto, sabendo que o que se estabelece entre a pessoa e a sua
consciência é um diálogo (eu-tu) e que este é um transcendente - Deus, em última
instância - se pode observar o como desta relação ao colocar diante de nós a
seguinte pergunta: De que forma o homem ouve a sua consciência?
Segundo Viktor Frankl, a resposta parte do fato de que a consciência não
pode ser vista ou refletida. Ela é como o olho que não olha para si mesmo, ou o
telescópio que não contempla o planeta em que se situa (FRANKL, 2021, p.27). A
consciência, quando fala, perfura as camadas do homem para que o som da sua
voz ecoe pelas vias bio-psíquicas. Por trás da máscara humana, esconde-se a
consciência, “sacrário último” do homem por meio do qual nos é ofertada a intuição
certeira para um agir livre e responsável. “A consciência é o núcleo secretíssimo e o
sacrário do homem, onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz.”
(1999, p. 480)
A consciência, contudo, e apesar de lidar com situações específicas e
determinadas, não fala das coisas que são, mas intui aquelas que devem-ser. A
consciência moral (Gewissen)1 projeta-se para o futuro para nos impelir para a
decisão mais acertada diante da vida, conforme nos apresenta Viktor Frankl (2021,
p. 30). Isso é o que se ouve da consciência, o paradoxo do que não é diante da
situação que é: a expressão do dever-ser.
Não pode surpreender, tal máxima, uma vez que já se percebe diante de um
Tu transcendente profundo, que aparenta-se mais com o nada, forma privilegiada de
ser, do que com qualquer coisa que seja.

Neste inexprimível, neste inefável, neste “nada”, pronuncia o homem o “tu”.


[...] A compreensão de uma responsabilidade transcendente implica que o
ser humano sempre responda a uma dada situação a partir da perspectiva
do dever, seja perante si, ou perante o divino. Frankl considera que o dever
(Sollen) já está pressuposto em todo ato de querer (Wollen), tendo sobre
este, precedência ontológica (MEIRELES, 2018, p. 94).

Isso significa dizer que a consciência expressa de forma valiosa o


cumprimento do binômio da liberdade/responsabilidade, segundo o qual o homem
pode viver uma vida autêntica e correspondente tanto à altivez da sua natureza,
como também à grandeza de sua “plateia”. Ele pode optar entre este não-ser
privilegiado e repleto de sentido, ofertado pela consciência como alternativa às
vicissitudes cotidianas, ou pode comprometer-se com más escolhas, incorrendo em
um engano sobre a própria consciência que jamais poderá ser corrigido, até que
morra, como nos aponta o próprio Frankl. (2015, p. 25)
1
faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados (2021, p. 26)
Viktor Frankl, mencionando o rabino Hebbel diz que quem eu sou saúda
tristemente quem eu poderia ser. (FRANKL, 2016, p. 41). E como já foi mencionado
o que leva o homem a essa conclusão, é o diálogo que ele estabelece com sua
consciência, pois ao ser informado por ela, o homem é convidado a dar uma
resposta consciente para que todas as suas possibilidades saiam do campo do
possível e passe a ser algo concreto.
Para Frankl, essa resposta aos questionamentos que a vida faz ao homem,
não pode ser dada no campo da meditação, mas sim por meio de suas ações (2021,
p. 35). E é por meio desse diálogo estabelecido entre o ser e a sua consciência que
a pessoa é convencida por “quem” tem o melhor argumento, porém, esse
convencimento só se estabelece como uma resposta quando a pessoa se decide
concretamente por algo (ESPINOSA, 1999, p. 14).
Portanto, ao não agir concretamente e de modo responsável aos
questionamentos que a vida apresenta e ao que a consciência sugere como
resposta, uma indiferença vai sendo criada nesse diálogo com a consciência, de
modo que ela passa a ser obliterada, uma vez que a consciência não pode ser
compreendida, na logoteoria, como um sentido fechado em si mesmo, solitário, mas
um sentido compartilhado, um consenso pelo qual se chega à verdade, ou seja, “a
pessoa tem que atingir e captar o sentido, tem que apreendê-lo, percebê-lo e
efetivá-lo, isto é, realizá-lo” (FRANKL, 2016, p. 106).
Assim, não acontecendo o diálogo de forma perfeita, a consciência moral
(Gewissen) já não consegue antecipar o seu dever ser, mas apenas o que é
(Bewusstsein). Isso leva o homem a um fechamento em si mesmo e, não se abrindo
à esse diálogo, ele experimenta o que Heidegger chamou de decadência do Dasein
(ser-aí), isto é, ele passa a interpretar e a apropriar-se de modo mais imediato das
suas possibilidades de ser (GOLIN et al, 2011).
O homem pode muito bem, portanto, ser ele mesmo ou ser propriamente,
mesmo no terreno onde ele não é consciente; por outro lado somente pode sê-lo
autenticamente ali onde não é impulsionado, mas responsável. O ser homem
propriamente começa, portanto, ali onde deixa de existir o impulsionado e no lugar
se apresenta o responsável.
Em face desse fechamento, portanto, é necessário postular uma
possibilidade de equívoco da consciência. Cuida-se de um tema complexo que
levanta inúmeras controvérsias, as quais não se pode esgotar nesta pesquisa.
Dentre elas, vale salientar, a ideia permanente de que na consciência ressoa uma
voz transcendente que, por si mesma, em virtude de uma lei lógica primeva de
coerência da simplicidade do ser, não pode errar.
Frankl, porém, dá um passo para fora desta esteira, a fim de - com base na
dimensionalidade ontológica do ser que, mesmo sendo espiritual, abraça as
condicionantes bio-psíquicas - apontar que a consciência, como locutora de uma
voz, é suscetível de engano já que não pode arvorar para si a onisciência do Ser
absoluto, em virtude de sua natureza primordialmente humana (FRANKL, 2016, p.
68).
Fica patente que a possibilidade do engano da consciência é uma vicissitude,
uma contingência da nossa natureza, não é uma regra, tampouco uma certeza. Se a
consciência erra, não se poderá dizer - o próprio consciente - jamais, da mesma
forma que não pode assinar com objetividade o seu acerto.
Da mesma forma, se postulada a possibilidade do erro, é porque é dada ao
homem - sempre - a faculdade do acerto. E se acertar é uma opção sempre
disponível a nós, não se pode conjecturar algo oposto à ideia de que uma decisão
certa sempre está disponível na consciência a fim de que seja alcançada. Ainda que
a consciência erre, haverá - permanentemente - nela uma centelha na qual fulgura o
acerto.
O que nos faz estar mais próximos do erro e do acerto de nossa consciência
diz muito, porém, da forma como o homem se submete e responde às
condicionantes bio-psíquicas da nossa história. Se com altivez percorre a estrada do
mundo que está dado e responde à vida com os olhos fitos nos valores que nos
extraem os sentidos da consciência, a chance de equívoco parece-nos cada vez
menor. O que é oposto quando esta postura se desfaz diante de uma incoerência
fatal no binômio liberdade-responsabilidade, o que julga ser decisivo para a
capacidade de errar com relação à consciência.

3 LIBERDADE RESPONSÁVEL: CAMINHO PARA OUVIR A CONSCIÊNCIA SEM


ERRO

Diante do que já foi dito, considerando que é a consciência que nos oferta as
respostas que se deve dar diante de cada situação, deve-se tomar como
pressuposto que não pode haver várias respostas corretas diante de um mesmo
evento, pois se estaria diante de um relativismo que nos impossibilitaria de avaliar
ou julgar qualquer ato humano.
Em face delas o homem age, sempre, com liberdade que, segundo a visão
da filosofia, é a condição daquele que é livre, capaz de agir por si próprio,
autodeterminado, autônomo e espontâneo.
No contexto desta pesquisa, é a liberdade um vetor importante, uma vez que
é no seu gozo que o homem escolhe como lidar com a vida que se coloca à sua
frente, da mesma forma que é também por ela que o homem é confrontado pelas
circunstâncias da sua história.
Essas circunstâncias atuam de forma condicionante dentro da estrutura da
pessoa humana, isto é, existem fatores que não se escolhe ou altera, são factuais e
irremediáveis. Entretanto, a pessoa pode sim escolher como agir, mesmo diante
delas, ou seja, “apesar delas”.
Se está a falar, pois, da liberdade da vontade humana, da escolha, do livre
arbítrio, e, ainda de forma mais articulada aos conceitos franklianos, fala-se de uma
liberdade que compreende a possibilidade de ação dos sujeitos frente ao seu
destino, à sua história, e não livre daquelas mesmas condicionantes das quais já se
falou e dentre as quais estão, de forma preponderante, as limitações biopsíquicas e
sociais.
Embora os fatores biopsíquicos sociais possam limitar o homem em algumas
circunstâncias, jamais se pode dizer que ele perde a sua liberdade de agir. Pode-se
mencionar as limitações físicas, psíquicas ou sociais existentes em uma pessoa
sem ao mesmo tempo determinar quem ela será ou o que ela fará, pois, na medida
em que a pessoa não se deixa condicionar por suas condições factuais, mas sim
por valores, pode-se, então, ter a liberdade de dizer “sim” à sua realidade humana
mais elevada e deste modo elevar conjuntamente todas as outras dimensões de seu
ser.
Essa liberdade, porém, não pode ser confundida com arbitrariedade, mas
interpretada sob o prisma da responsabilidade. O ser humano é responsável por dar
a resposta certa para as perguntas que a vida o faz, encontrando assim o
verdadeiro sentido de uma situação (FRANKL, 2011, p.81).
A escolha a ser tomada neste momento baseia-se na responsabilidade, na
tomada de decisão de acordo com a consciência. Na tradução alemã da palavra
responder (antworten), nos deparamos com uma palavra que tem nela sua origem a
palavra responsável (verantwortlich). Assim, na língua alemã, poderíamos dizer que
o homem responsável é aquele que responde à vida (FRANKL, 2016, p.130).
A consciência, definida como geradora de responsabilidade, tem, por
pressuposto, a mesma capacidade que a inteligência humana tem de julgar acerca
do valor moral dos próprios atos. Pode-se dizer que o puro arbítrio, ou a liberdade
sem responsabilidade, equivale a culpa como sentimento de ser responsável sem
liberdade.
A consciência é essencial, mas está a serviço de alguma coisa, diz Frankl em
seu livro psicoterapia e sentido da vida: “Assim se quiséssemos definir o homem,
teríamos que caracteriza-lo como o ser que vai se libertando daquilo que o
determina (biologicamente, psiquicamente e sociologicamente), como ser que
transcende todas essas determinações, dominando-as, se bem que dependa
também delas.” (FRANKL, 2019, p. 159)

há portanto, situações em que o homem se acha defronte de uma


alternativa de valores, perante a necessidade de escolher dentre princípios
entre si contrários; e ei-lo de novo a reportar-se a consciência e na
dependência da consciência, que apenas lhe impõe decidir livremente,- não
arbitrariamente, mas com responsabilidade.(FRANKL, 2019, 110)

Para Viktor Frankl (2019), o homem é um “ser-responsável” porque é um


“ser-livre”, um ser que decide. O homem em nenhum momento de sua vida pode
esquivar-se de escolher diante de suas possibilidades, pois o próprio fato de não
escolher implica em uma escolha.
A liberdade de decidir, o chamado livre-arbítrio, é óbvio para o homem sem
preconceitos, que tem a experiência vivencial de ser livre. Para duvidar do
livre-arbítrio é preciso crer numa vivência própria da vontade como algo não livre,
barrado a si próprio no caminho que o levaria ao seu dever-ser, deformando sua
vida na realidade do vir a ser. A liberdade da vontade contrapõe a fatalidade. Não há
acordo entre o determinismo e o indeterminismo, a necessidade e a liberdade não
se encontram no mesmo plano. A liberdade ultrapassa e reestrutura toda
necessidade (FRANKL, 2016, p.161).
O ser humano também pode ser definido como um ser em busca de sentido e
que busca a realização do ser responsável, por isso ser consciente e responsável
também pode ser definição de pessoa. Assim amplia-se o conceito de homem,
abrangendo a unidade do gênero humano e da humanidade.
O ser responsável, a busca em ter responsabilidade é, segundo Frankl, a
base fundamental da pessoa enquanto ser espiritual e não meramente um ser
impulsivo. A consciência e a responsabilidade são fenômenos primários do homem,
são elementos básicos da existência humana que sempre estarão contidos no
homem (FRANKL, 2021, p. 17, 18).
O homem de consciência não se dobra diante do totalitarismo nem aceita
passivamente o conformismo (FRANKL, 1987, p. 118). É a sua consciência e
somente a sua consciência que lhe permite dizer não. O sentido da vida humana
fundamenta-se em sua irreversibilidade. Pode-se entender a responsabilidade das
atitudes da vida pensando no seu fim. Uma vida que só se vive uma vez. Diante da
ausência da finitude do homem, pode-se adiar nossas ações até o infinito. Nunca
haveria a necessidade de respostas às ocasiões irrepetíveis (FRANKL, 2019, p.
144-145 ).
Sob o ponto de vista bio-psíquico, a formação depende da nutrição, das
condições da família, do ambiente, da herança genética, sobretudo dos cuidados
recebidos na infância, do exemplo assistido e dos valores vivenciados. Socialmente
é preciso que o ser humano tenha acesso a valores e educação, que possa
desfrutar de liberdade social. Mas sob o aspecto espiritual, se torna necessário a
prática da autoanálise e autoconhecimento, aliado à prática da autotranscendência.
Tem-se esse modos diferentes, porque somos seres bio-psico-espirituais.
Como ser psíquico, pode-se captar através de sensações, impulsos, emoções, mas
como sou também um ser espiritual posso captar de um modo ontológico, intuitivo,
que é um modo próprio do ser humano (FRANKL, 2019 pág 164/165 ).
O ser humano é sempre um ser referente a algo, é sempre um ser de
relação. Para Frankl, a pessoa, o espiritual, realiza-se na presença, faz presente a si
mesmo ao estar presente no outro. A unicidade relativa à consciência se refere a
um caráter singular de necessidade, a uma demanda única que alguém venha a
enfrentar não estando condicionado a estímulos externos, ou obedecendo a
impulsos inconscientes, mas sim dando a própria resposta de maneira livre
(FRANKL, 2011, p. 67 ).
O conceito de responsabilidade implica sempre em autotranscendência, não
agindo conforme estímulos, impulsos, desejos, interesses, buscando satisfazer
necessidades, pois isso é reflexo. Só é resposta, quando a pessoa vai além dela
mesma. Por isso, para ser responsável é preciso ser guiado pela consciência, ouvir
o chamado e discernir como responder. A consciência é a capacidade de dar-se
conta, de conhecer, de captar, e para o ser humano ela opera de modo psicológico,
sensitivo e ontológico.
se existo, existo espiritual e moralmente, existo com respeito ao sentido e
aos valores, existo para algo que necessariamente me supera quanto ao
valor, que se situa na hierarquia dos valores, mais alto que eu. Em outras
palavras: existo com relação a algo que não pode ser coisa, mas alguém, a
uma pessoa, a alguém que supera minha pessoa, uma super pessoa. Em
suma, se existo, e isto sempre em relação “a” e “para” Deus. (FRANKL,
2019, p. 337)

Frankl diz que o ser humano é a totalidade, enquanto ser humano ele é livre,
é responsável, e é consciência. A formação da consciência se dá na relação com as
pessoas e com o mundo e faz parte de todo processo de aprendizagem que vamos
tendo. Frankl diz que só se descobre o sentido na realização de valores, e a
consciência guia-se nesse caminho tanto da descoberta, quanto da realização.
(FRANKL,2019, p.107 e 108)
Para iniciar o processo do dever-ser, precisa-se realizar valores, e estes
estão ligados ao sentido. Os valores são as possibilidades concretas que se
encontram dentro do contexto da própria vida, o dever-ser não está ligado a algo
distante do que se é, mas aquilo que se é chamado a ser, discernir se algo tem
sentido ou não, discernir o que é essencial e o que não é, o que é importante e o
que não é, estando tudo isso relacionado aos chamados diários da vida. A
consciência ajuda a unir o sentido do que é pessoal ao sentido universal. Torna-se
necessário afinar a consciência para se imunizar das influências que massificam o
homem.

Na realidade, toda existência humana se caracteriza por sua


transcendência, quer dizer, está orientada em direção a algo que não é o
homem mesmo, ou para falar com exatidão, para algo ou para alguém, mas
não para si mesmo, ao menos não primariamente para si próprio (FRANKL,
2019, p. 86).

O homem nunca é, mas sim se torna, é um ser que não está feito pois tem
uma tarefa, uma missão a cumprir. Uma missão fraternal, capaz de reconhecer o
outro como pessoa e não fechar-se em si mesmo para superar o egocentrismo.
O desenvolvimento humano com base na responsabilidade perante o outro e
perante a si próprio faz com que se possa atingir um sentido comum para todos,
sendo capaz de decidir e assumir uma atitude responsável diante da vida, de buscar
abrir-se ao outro e ao mundo, de amar e de com dignidade sofrer. Infere-se,
portanto, que ao não agir de modo livre e responsável, se abrindo ao transcendente,
o homem pode vir a abafar a voz de sua consciência.

CONCLUSÃO

Em vista dos argumentos apresentados, sobretudo no que tange à


antropologia frankliana, tendo a consciência como o órgão do sentido que nos
possibilita a resposta correta, conclui-se que o homem pode equivocar-se na sua
relação com a consciência, porém, há algo na consciência incapaz do erro, ou seja,
a voz da consciência, que não é a voz do homem, é capaz de intuir qual a decisão
mais cheia de sentido para aquele derradeiro instante.
A voz da consciência aponta para o sentido imediato, onde o homem é
convocado a dar uma resposta concreta. Uma vez que ele ignora essa voz e não
estabelece um diálogo, vai aos poucos perdendo a consciência de sua liberdade
que exige dele uma ação responsável. A própria percepção de si e de suas
circunstâncias passa a ser vista por um viés determinista, onde não há espaço para
a liberdade e consequentemente para a responsabilidade.
Não se pretende encerrar aqui a discussão e nem reduzir todo o erro humano
à sua incapacidade de bem dialogar com a sua consciência. Entretanto, no
entendimento de Frankl, o tema da liberdade-responsabilidade é crucial para que a
pessoa possa agir apesar de suas circunstâncias e ir em direção ao seu dever-ser.
Ao tomar consciência de sua liberdade a pessoa passa a agir de modo responsável
e autotranscendente, motivada pela busca do sentido da vida.
Por tudo que foi exposto, Frankl afirma que sim, existe a possibilidade da
consciência errar, porque existe também a possibilidade do acerto, logo, quem age
com responsabilidade diante da liberdade que lhe é dada, tem menos chances de
errar com relação à consciência e com isso atualizar com assertividade a busca pelo
sentido único de sua vida.
REFERÊNCIAS

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logoterapia de Viktor Frankl. São Paulo: Paulinas, 1999

FRANKL, Viktor. O sofrimento humano: Fundamentos antropológicos da


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FRANKL, Viktor. Psicoterapia e sentido da vida. 7ed. São Paulo: Editora


Quadrante, 2019.

FRANKL, Viktor. A presença ignorada de Deus. 22ed. Petrópolis: Vozes, 2021.

FRANKL, Viktor. O que não está escrito nos meus livros: memórias. 2ed. São
Paulo: Editora É realizações, 2010.

FRANKL, Viktor. Sede de sentido. 5ed. São Paulo: Editora Quadrante, 2020.

FRANKL, Viktor. Um sentido para a vida: Psicoterapia e humanismo. São Paulo:


Editora ideias e letras, 2005.

FRANKL, Viktor. A vontade de sentido: Fundamentos e aplicações da logoterapia


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GOLIN, Monique Francine; PEREIRA, Claudia Carolina; PIVETA, Caio Cesar Atallah
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DECADÊNCIA EM MARTIN HEIDEGGER. REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA
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http://faef.revista.inf.br/site/e/psicologia-16-edicao-maio-de-2011.html#tab613.
Acesso em: 30 set. 2022.

MEIRELES, Marcos Vinicius da Costa. Antropologia religiosa de Viktor Frankl?:


À guisa da perspectiva religiosa do fundador da Logoterapia. Numen: revista de
estudos e pesquisa da religião, Juiz de Fora, ano 2018, v. 21, n. 2, p. 94-108, jul/dez
2018. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/numen/article/view/22165/14785. Acesso em: 30
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