Você está na página 1de 339

A grande comissão —O resgate da estratégia divina para o discipulado © 2014, Editora Cultura Cristã.

©2011 by Michael Horton. Originalmente publicado em inglés com o título The Gospel Commission pela
Baker Book House Company, Grand Rapids, Michigan, 49516, USA. Todos os direitos são reservados.

Ia edição 2014 - 3.000 exemplares

Conselho Editorial
Antônio Coiné
Augustus Nicodemus Gomes Lopes Produção Editorial
Claudio Marra (Presidente) Tradução
Heber Carlos de Campos Jr. Odayr Olivetti
Misael Batista do Nascimento Revisão
Tarcízio José de Freitas Carvalho Claudete Agua de Melo
Ulisses Horta Simões Filipe Delage
Valdeci da Silva Santos Wilton Vidal de Lima
Elvira Castanon
Editoração e Capa
Assisnet Design Gráfico
Imagem da Capa
ID 1377640 © Davidmartyn j Dreamstime.com

H823g Horton, Michael

A grande comissão / Michael Horton. _ São Paulo: Cultura Cristã, 2014

352 p.: 16,0 x 23,0 cm

Tradução de The Gospel Commission

ISBN 978-85-7622-515-7

1. Discipulado 2. Evangelização I. Título

CDU 2-766

A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam
o modo Reformado e Presbiteriano de compreender a Escritura. São esses símbolos a Confissão de Fé de
Westminster e seus catecismos, o Maior e o Breve. Como Editora oficial de uma denominação confessional,
cuidamos para que as obras publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de
autores, às vezes, mencionarem ou mesmo defenderem aspectos que refletem a sua própria opinião, sem que o
fato de sua publicação por esta Editora represente endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos
os pontos de vista apresentados. A posição da denominação sobre pontos específicos porventura em debate
poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé.

abdr^ 1‫ ׳‬íltre'l’L ttvfora

6DITORR CULTURR CRISTR



Rua Miguel Teles Júnior, 394 - CEP 01540-040 - São Paulo - SP
Fones 0800-0141963 / (11) 3207-7099 - Fax (11) 3209-1255
www.edltoraculturacrista.com.br-cep@cep.org.br

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas


Editor: Cláudio Antônio Batista Marra
§umário
Agradecimentos 7
Introdução 9

Primeira parte: A grande proclamação 25


1. Antes que você vá 27
2. O êxodo e a conquista 41

Segunda parte: Os termos da missão 89


3. Um imperativo urgente 91
4. Um só evangelho e muitas culturas 125
5· O objetivo 147

Terceira parte: O plano estratégico 179


6. Como fazer discípulos 181
7. Discípulos e disciplina 209
8. A Grande Comissão e o Grande Mandamento 233
9. Indo além do objetivo original da missão 275
10. Até que ele venha 327

Notas 343
flgradszeimszntos
/
impossível agradecer a todos aqueles pastores, missionários, mes-
tres e irmãos na fé que formaram o meu interesse por este tópico.
Sou especialmente grato a Lesslie Newbigin, finado bispo missionário na
índia, por sua amizade e instrução.
Também agradeço aos meus colegas na White Horse Inn e no West-
minster Seminary, Califórnia, como também ao Rev. Michael Brown e
aos santos fiéis em Santee. Sou grato também à excelente equipe da Ba-
ker, principalmente a Robert Hosack e a Wendy Wetzel.
Introdução

á, hoje, no mundo, uma misericordiosa desordem em ação. Com


a ressurreição de Jesus Cristo, a era por vir irrompeu nesta atual
era ímpia. Trata-se de algo incomum. Deus não vem para fortalecer-nos
para os nossos projetos de transformação pessoal e social. Deus não se
fez carne e não sofreu a ignominiosa morte pelas nossas mãos para que
pudéssemos ter propriedades, programas e grandes orçamentos para a
igreja. Está em andamento algo mais profundo - mais radical. Mas do
que se trata?
Em Cristo, Deus irrompeu no nosso mundo de pecado e morte, e ain-
da hoje está introduzindo os poderes da era por vir na atual era por meio
da sua Palavra e do seu Espírito. E uma perturbação profunda da nossa
vida e do nosso mundo: desorientando, dividindo e livrando-nos dos su-
postos dados do que considerávamos como “realidade” .
No entanto, por essa razão, é uma desordem misericordiosa. Deus está
interrompendo as notícias regulares para nos trazer uma reportagem es-
pecial, e por nosso intermédio está propagando essa reportagem até aos
confins da terra. Em torno desse noticiário provindo do céu, o Espíri-
to está reunindo uma colônia ou uma embaixada da graça num mundo
de temor, culpa, rebelião, distração e confusão. O mandato da Grande
Comissão é como a estrela-guia para reajustar o foco da nossa missão
como cristãos e como igrejas na vocação central para este período entre
as duas vindas de Cristo.
Por que outro livro sobre a Grande Comissão? Como outros, estou
preocupado com o fato de que nas nossas igrejas nos dias atuais esta-
mos sendo desviados pela “mission creep” . De acordo com a Wikipedia,
mission creep é “ a expansão de um projeto ou missão que vai além dos
seus objetivos originais, com frequência depois dos sucessos iniciais” . A
‫סו‬

expressão foi cunhada originariamente em 1993 num artigo publicado


no Washington Post sobre a missão de paz da ONU na Somália, no qual
o autor argumentava que a missão humanitária havia se transformado
numa operação militar sem objetivos claramente definidos e para a qual
as tropas enviadas não estavam preparadas.1
Em Cristianismo sem Cristo, faço um retrato despretensioso, mas do-
cumentado da mensagem que parece permear as igrejas contemporâneas.
Seguindo essa mesma linha, A vida segundo o evangelho focaliza o cerne
da mensagem cristã em suas implicações radicais para a nossa vida no
mundo. Minha meta em A Grande Comissão é fazer um chamado para
que saiamos dessa situação de perda de objetivos para concentrar nosso
discipulado e nossas igrejas nas fontes, nos objetivos, nas estratégias e
nos métodos muito específicos que Cristo ordenou para este tempo en-
tre as suas duas vindas.

O IMPÉRIO AO QUAL SOMOS ENVIADOS


Quando eu era criança, quase todos os que pertenciam à minha família
imediata e estendida, de ambos os lados, haviam sido criados numa igre-
ja batista do sul ou, pelo menos, numa igreja evangélica daquele tipo.
Hoje, alguns são hostis à instituição cristã e à doutrina oficial. Outros
se afirmam numa experiência da infância de “ terem sido salvos” , com
afetuosas recordações, mesmo que seja evidente que essa experiência é
irrelevante para as suas crenças e compromissos atuais. Mas, quando a
conversa se aprofunda - a saber, a doutrina e o discipulado (principal-
mente em relação à igreja) - todo o mundo sai correndo da água como
se alguém tivesse gritado: “Tubarão!” Mantida no nível das máximas e
das experiências, a “espiritualidade” é boa. O problema é a “religião or-
ganizada” , o que geralmente significa algo associado a crenças e práticas
fatuais compartilhadas por uma comunidade de cristãos específica, con-
creta e visível. Alguns desses meus parentes não frequentam uma igreja
há anos e se mostram profundamente ofendidos ante qualquer insinua-
ção de que pode ser que eles não sejam cristãos. Por isso, na maioria das
vezes evitamos esse tópico. Eles fazem parte da família, mas, quando se
trata da fé, é mais fácil falar com um estranho num avião. Eu podería
contar fatos semelhantes a respeito de amigos com os quais me formei
numa faculdade evangélica conservadora.
Essas experiências estão longe de serem singulares na nossa cultu-
ra atual. Essa história encontrará eco em pessoas criadas em famílias
INTRODUÇÃO ‫וו‬

católicas, ortodoxas, das correntes protestantes principais, evangélicas


e pentecostais.
É de fato interessante ver quantos ícones da cultura popular america-
na provêm de contextos protestantes conservadores. Ted Turner, o fun-
dador da CNN e que com grande repercussão disse que “ o cristianismo
é para perdedores” , frequentou uma escola cristã na sua juventude. A
atriz e defensora da Nova Era Shirley MacLaine foi criada num sólido
lar batista do sul. Hugh Hefner, da Playboy, relata: “Fui um rapaz mui-
to idealista, muito romântico, num lar metodista do Meio Oeste, típica-
mente muito repressor. Não havia nenhuma demonstração de afeto, e eu
buscava refúgio nos sonhos e fantasias produzidos em geral pela música
e pelos filmes da década de 1930” .2
Criada numa igreja batista missionária progressiva, Oprah Winfrey
gostava de citar versículos bíblicos e de contar histórias bíblicas - às ve-
zes até na igreja, na qual ela declara que começou sua carreira pública
diante de um auditório. De fato, na escola, suas amigas a apelidaram de
“Mulher pregadora” . Como LaTonya relata, “Para o seu público de mais
de 22 milhões de pessoas, na maioria mulheres, ela tornou-se uma sacer-
dotisa pós-moderna - um ícone da espiritualidade sem igreja” .3
Numa denominação na qual liberal é o novo tradicionalismo, o bispo
episcopal aposentado John Shelby Spong gaba-se de ter aparecido mais
de uma vez no programa de televisão Larry King Live, atacando o credo
cristão com um misto de sarcasmo e erudição medíocre. Autor de Res-
cuing the Bible from fundamentalism [Salvando a Bíblia do fundamen-
talismo] (o que, como se verificou, significa cristianismo), foi criado num
lar e numa igreja fundamentalistas.
Semelhante hostilidade contra a “religião organizada” (especialmen-
te a ortodoxia cristã) era evidente entre os pioneiros do Iluminismo e do
Romantismo. Pensadores como Kant, Lessing, Hume, Hegel, Schleierma-
cher, Feuerbach, Marx e Nietzsche foram criados no pietismo evangéli-
co. Muitos eram filhos de pastores, e a maioria deles até seguiu estudos
teológicos, preparando-se para o ministério. Ondas sucessivas levaram
para longe camadas da consciência cristã: do Cristo do Credo para uma
piedade e experiência interior de Jesus como exemplo moral, e, finalmen-
te, para a rejeição de ambos - em favor de um misticismo inspirado na
natureza, ou do ateísmo.
Quando o racionalismo unitário espalhou um movimento román-
tico doméstico conhecido como transcendentalismo norte-americano,
12

escritores como Henry David Thoreau e Ralph Waldo Emerson convoca-


ram os leitores a abandonarem tudo o que constitui religião externa - a
Escritura, a igreja, os credos e os sacramentos - e para fixarem a atenção
na “ infinidade do homem individual” , como Emerson o expressou. Nem
mesmo Deus está fora de nós e acima de nós, mas Deus é simplesmente a
energia divina que pulsa através de todos os seres e coisas vivos. No seu
famoso “ Harvard Divinity School address” (1858), Emerson anunciou:

Na Inglaterra e na América, os puritanos encontraram no Cristo-


da Igreja Católica, e nos dogmas herdados de Roma, liberdade de
ação para sua piedade austera e para seus anseios por liberdade
civil. Porém, o credo deles está morrendo, e não há nenhum que
tome seu lugar. Acho que ninguém pode ir com seus pensamentos
a respeito dele, a uma de nossas igrejas, sem sentir que o domínio
que o culto público tinha sobre os homens já se foi, ou está desa-
parecendo. Ele perdeu seu domínio sobre o afeto do bom e o medo
do mau. No país, nas comunidades, metade dos paroquianos está
se calando, para usar a expressão local.4

Enquanto isso, dentro das fronteiras norte-americanas, o reavivamen-


to também desviou a atenção de Deus e sua graça para a experiência in-
terior, o livre-arbítrio e a ação moral do ser humano.
Em muitos aspectos, essa longa marcha do secularismo (ou, no mini-
mo, das abordagens “espirituais, mas não religiosas” ), deve ser vista me-
nos em termos da invasão de um exército estrangeiro do que como uma
rebelião de adolescentes dentro da casa evangélica.
Não há dúvida de que uma parte da hostilidade é dirigida contra rei-
vindicações particulares da fé, mas eu me arrisco a dizer que a maioria
daqueles que atualmente têm se voltado para as espiritualidades ecléti-
cas, para o agnosticismo ou para o ateísmo, não está reagindo contra
um credo cristão claramente entendido. Muitas vezes, eles se referem à
sua criação como envolvendo rigor combinado com hipocrisia. Por um
grande número de razões - reais e imaginárias - crescer num meio am-
biente cristão é tido por muitos dos nossos contemporâneos como uma
experiência negativa.
Cercados por pessoas que são muito parecidas com nós mesmos, po-
demos facilmente ver o campo missionário como um lugar distante para
o qual enviamos arautos. Contudo, tudo isso mudou. Nossa vida está
ligada socialmente com não cristãos. Alguns vivenciaram a igreja como
INTRODUÇÃO 13

uma influência dispensável ou até nociva no passado. Muitos de nós vi-


vencíamos o suficiente disso para ter simpatia por eles. Como toda fa-
mília, as igrejas podem ser embaixadas da graça ou prisões - e há muita
coisa entre esses extremos. No entanto, pelo menos na minha experiên-
cia, hoje é mais provável encontrarmos pessoas (pelo menos aqueles das
gerações pós-baby-boom)* que só conhecem o “cristianismo” pelos pre-
gadores e pelos debates políticos da TV.
Os desafios que me fizeram recuar e examinar de modo mais acurado
a Grande Comissão não são primariamente ataques externos de “ huma-
nistas seculares” , mas o gradual declínio da saúde do testemunho evan-
gélico das igrejas norte-americanas. A secularização - ou seja, a gradativa
conformidade dos nossos pensamentos, crenças, compromissos e práticas
com o esquema desta era que está chegando ao fim - não é apenas algo
que acontece com a igreja; é algo que acontece na igreja. Na verdade, é
difícil pensar no secularismo como outra coisa que não uma heresia cristã.
Na sua cobiça por relevância cultural, o protestantismo da corrente
principal dissipou a sua herança. Os protestantes conservadores atuais
também correm perigo, não tanto de serem atacados pelos “ neoateus”
quanto de entregarem uma robusta confiança em Deus e na sua Palavra a
uma cultura de consumo e entretenimento, de autoajuda e de programas
políticos da direita ou da esquerda. Se as principais corporações vende-
ram o seu direito de primogenitura à alta cultura, não estarão os evan-
gélicos correndo o risco de venderem o seu à cultura popular?
O crescimento das igrejas evangélicas ao longo do período de 1946
a 1964 (a era baby-boom) está diminuindo e mostra sinais de um de-
clínio vertiginoso. Segundo um estudo, 60% dos adultos jovens norte-
-americanos criados na igreja deixam de ser participantes ativos (muito
menos membros) quando chegam aos seus 20 anos ou mais.5 Enquanto
muitos cristãos abandonaram as denominações protestantes da corren-
te principal, trocando-as por igrejas evangélicas, há uma tendência eres-
cente de evangélicos que abandonam completamente a igreja.6 Embora
advertindo contra conclusões excessivamente dramáticas, o pesquisador
Ed Stetzer observa: “ Os batistas do sul, que compõem a maior denomi-
nação protestante dos Estados Unidos, aparentemente chegaram ao pico

* Baby-boomer: pessoa que nasceu entre os anos 1946-1964, período em que houve
um grande aumento no número de nascimentos nos Estados Unidos. Nesse caso, en-
tão, o autor está se referindo às pessoas nascidas depois de 1964. (N. da R.)
14

culminante e tendem a declinar. O mesmo fato se constata a respeito da


maioria das denominações evangélicas” . Ele acrescenta: “ A maior preo-
cupação é que pessoas que se identificam como cristas (e até mesmo como
evangélicas bíblicas) não evidenciam as crenças historicamente sustenta-
das pelos cristãos” .7
Em vez de alcançar os perdidos, estamos perdendo os alcançados? Ou,
para começar, aqueles que foram criados nas nossas igrejas estão sendo
alcançados? Eles sabem no que creem e por que creem? Estamos fazendo
discípulos entre os próprios membros de nossas igrejas - nossos próprios
filhos - muito menos do que das nações?
Acrescente-se a esse maciço grupo de protestantes, católicos e judeus
norte-americanos indiferentes, a redescoberta das religiões orientais na
década de 1970 e o desabrochar da diversidade religiosa das nossas co-
munidades, e teremos uma boa ideia dos desafios e oportunidades que se
apresentam a nós quando atentamos para a Grande Comissão do nosso
Senhor e a exploramos.
Mas a promessa não é apenas “ para vós outros” e “para vossos fi-
lhos” ; é também “para todos os que ainda estão longe, isto é, para quan-
tos o Senhor, o nosso Deus, chamar” (At 2.39). O “ outro” não é mais
uma abstração, uma categoria anônima de “perdidos” , na qual a identi-
dade religiosa muitas vezes é marcada por diferenças étnicas, culturais e
até políticas. Assim como ocorria nos primeiros tempos da igreja, é mais
patente hoje que “ os que ainda estão longe” podem estar morando na
casa ao lado, ou até debaixo do nosso próprio teto. Nesse contexto, não
podemos apenas assumir que essas pessoas maravilhosas que enriquecem
a nossa vida sejam “estranhos às alianças da promessa, não tendo espe-
rança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). Temos de nos convencer disso
novamente, persuadidos pelo claro testemunho da Escritura. O fato do
pluralismo religioso sempre tem estado conosco, mas agora o enfrenta-
mos na nossa vida diária.

A EMBAIXADA DE PAZ
Não é de admirar que a igreja compartilhe com a política secular ex-
pressões como “ missão” , “ ministério” e “ministros” . Na diplomacia do
Estado, uma missão pode ser um curso específico de ação ou um cargo
permanente, tal como uma embaixada ou um consulado. Dá-se o mes-
mo com a igreja. Esta é tanto um povo habilitado para uma tarefa como
um lugar onde Deus está em ação mediante estruturas e ofícios oficiais.
INTRODUÇÃO ‫ ו‬5

Diplomatas, embaixadores, arautos oficiais designados pelo chefe da na-


ção para anunciar algo de grande importância para os indivíduos e para
o mundo em geral - essa é a analogia que o Novo Testamento emprega
para descrever a obra de cumprir a Grande Comissão. Até mesmo o ter-
mo “ evangelho” era uma palavra secular no grego, usada para se referir
à boa notícia de que um oficial era enviado para anunciar na sede: a sa-
ber, que tinha havido vitória no campo de batalha.
Os embaixadores não criam suas próprias regras, o que seria usur-
par a função do seu chefe de Estado. Eles não negociam os termos de
um tratado de paz, mas os comunicam. Estão cumprindo ordens. Os
embaixadores não são meramente indivíduos que compartilham suas
crenças e experiências pessoais com outros. Eles não se enviam a si mes-
mos; são oficialmente comissionados e enviados. Os apóstolos foram
enviados diretamente por Cristo como “ testemunhas oculares da sua
majestade” (2Pe 1.16; ver também Lc 1.2), ao passo que os ministros
comuns, como Timóteo, eram treinados e depois chamados e comissio-
nados por Cristo “com a imposição das mãos do presbitério [presbyte-
rion]” (lTm 4.14). Cristo ainda envia os seus embaixadores para que
cumpram sua missão proclamando as boas-novas, batizando e ensinando
tudo quanto Cristo ordenou. E ele ainda conclama o seu corpo todo para
testemunhar do amor salvador de Deus em Jesus Cristo mediante palavra
e obra.
A Grande Comissão é dada dentro do contexto mais amplo da alian-
ça da graça, que teve seu início com a promessa divina de um redentor
em Gênesis 3.15, reafirmada na aliança com Abraão e cumprida na nova
aliança. Nos tratados políticos do antigo Oriente Próximo, um grande
rei (imperador) costumava libertar misericordiosamente um pequeno rei-
no do jugo de invasores e depois incorporar esse reino ao seu império.
Nesses tratados, havia uma cláusula que dava ao rei menos importante
o direito de invocar o grande rei no caso de futuras ameaças. Isso era re-
ferido como “ recorrer ao nome (do grande rei)” .
Esse tipo de relacionamento político tornou-se o modelo para a alian-
ça da graça. Citando Joel 2.32, o apóstolo Paulo declara: “todo aquele
que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13). Não temos que
tentar subir aos céus ou de descer às profundezas para alcançar a salva-
ção; antes, Deus desce até nós, não somente resgatando, mas também
transmitindo a boa-nova que nos reconcilia com ele. Paulo acrescenta os
seguintes elos na cadeia do seu argumento:
‫ ו‬6

Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como


crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não
há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como
está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas
boas... E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra
de Cristo. (Rm 10.14-15,17)

A igreja é a embaixada de Cristo no mundo. Em outra passagem Paulo


relata:

Tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio
de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando
aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da re-
conciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo,
como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo,
pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. Aquele que não co-
nheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus. E nós, na qualidade de cooperadores com ele,
também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus
(porque ele diz: Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorrí
no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis,
agora, o dia da salvação). (2Co 5.18-6.2)

Como seu Senhor, os embaixadores diretamente nomeados por Cris-


to foram esmurrados, açoitados, aprisionados e até martirizados. Em
vez de invocarem o nome do Senhor por meio dos seus delegados, seus
representantes, os reinos desta era reagiram à embaixada de Deus com
hostilidade. E, contudo, a Grande Comissão deu e continua a dar fruto
entre judeus e gentios até o dia de hoje. “Não me envergonho do evan-
gelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.16).
Depois da sua ressurreição, nosso Senhor comissionou os seus apóstolos
para irem por toda a terra e fazer discípulos pela pregação do evangelho,
batizando e ensinando tudo o que ele tinha dado para a fé e prática. Há
muita substância rica envolvida nesse mandato. Motivados pelo senso de
urgência, durante dois milênios os cristãos têm feito enormes sacrifícios
- inclusive de suas próprias vidas - a fim de levar a mensagem salvadora
de Cristo a cada pessoa da terra.
INTRODUÇÃO 17

N o s s a e m b a ix a d a ju n t o a o s im p é r io s d es t a er a

Com novos desafios vêm novas oportunidades. Em muitos aspectos, esta


é uma época melhor para levar mais a sério a Grande Comissão. Uma
vez tendo começado a ver a nós mesmos como pertencendo a uma mino-
ria dentro de uma sociedade predominantemente pagã com vestígios do
cristianismo cultural, somos liberados para reorganizar nossas crenças e
práticas segundo um padrão mais distintamente bíblico. O discipulado
não pode significar seguir a onda; requer nadar contra a corrente, não
somente da cultura contemporânea, mas muitas vezes também da vida e
experiência da igreja contemporânea.
O ponto central deste livro é que não há missão sem a igreja, e nem
igreja sem missão. Como evangélicos, temos a tendência de ver a igreja e
o seu ministério público da Palavra, dos sacramentos, e a supervisão das
suas necessidades espirituais e materiais, como “manutenção” em relação
àqueles que uma vez foram evangelizados. Eles já estão dentro. Porém,
a evangelização e a missão têm a ver com ir para fora da igreja e do seu
ministério para dizer e fazer algo mais. A brecha que separa igreja e mis-
são frequentemente é exposta explícitamente nos apelos evangelísticos:
“ Convido vocês para crerem em Jesus, não para que se juntem à igreja” .
Mas o que significa fazer discípulos - o que isso realmente significa con-
cretamente? Além do mais, como lidamos com os desafios do pluralis-
mo religioso e do sentimento crescente nos círculos evangélicos de que a
salvação não exige fé explícita em Cristo? Nos capítulos que se seguem,
exploramos as estratégias que Cristo instituiu e que fazem da igreja a
sua missão no mundo - tanto para os que já são crentes há algum tempo
como para os estranhos ao evangelho - bem como no que diz respeito
ao relacionamento da evangelização com a justiça social. No transcurso
do livro, interajo com evangélicos atuais que estão oferecendo uma dife-
rente interpretação da Grande Comissão.
O mandato central da Grande Comissão - proclamar o evangelho a
toda criatura no mundo - costumava ser tomado como ponto pacífico
pelos cristãos, especialmente pelos evangélicos. Convencidas de que a
salvação vem pelo ouvir o evangelho e crer nele, gerações de cristãos co-
muns deixaram o conforto da sua parentela para se aventurar num en-
volvimento estranho e por vezes não bem-vindo com aqueles que ainda
não tinham ouvido as boas-novas. Muitos da minha geração cresceram
cantando: “Temos uma história para contar às nações” , e nos sentíamos
18

ligados aos missionários que voltavam para casa com seus slides e rela-
torios. Para nós, crianças, eles eram como heróis.
Também tínhamos a sensação, embora ingênua, de que vivíamos num
país cristão e que enviávamos missionários a outras nações onde Cristo
não era conhecido. Claro está que sabíamos que a luz estava se apagando
na Europa secular, mas uma religiosidade e moralidade vagamente conser-
vadoras entorpeciam nossa visão impedindo-nos de enxergar a realidade
de que a nossa própria cultura estava entrando nessa semiobscuridade
crepuscular. Alternando entre fundamentalismos e liberalismos ou mo-
dernismos de vários tipos, os cristãos norte-americanos, não obstante,
parecem cada vez mais cientes da realidade de que o Ocidente, incluin-
do os Estados Unidos, abriga uma cultura religiosamente diversificada.
Sociólogos, como Peter Berger, têm ressaltado que a modernidade levou
a trajetórias radicalmente diferentes na Europa e na América do Nor-
te. A Europa se tornou secularizada: a modernidade e a incredulidade
deram-se as mãos. Contudo, a religião norte-americana tem prosperado
sob as condições da modernidade. A democracia liberal, a livre iniciati-
va, o pragmatismo, o consumismo e a vitória de uma visão terapêutica
do mundo têm sido antes aliados do que inimigos da fé evangélica e da
sua missão. De algum modo nós nos adaptamos, em vez de nos extinguir.
Ou é o que parecia até recentemente.
Então, em meio à espiral dos movimentos espirituais dos Estados Uni-
dos atualmente, faz-se com propriedade a pergunta: quanto disso é reco-
nhecidamente cristão? “Mas está funcionando” , não mais ressoa como
ressoava há algumas décadas. Quando aqueles que se descrevem como
evangélicos deixam de frequentar regularmente a igreja, e muitas igrejas,
elas próprias, parecem desviadas da sua vocação primária, a luz vai se
apagando e o sal está perdendo o seu sabor. Cada vez mais, os cristãos da
América do Norte que desejam recuperar a fé e prática vital reconhecem
que também são “estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Hb 11.13),
nesta presente era. E, realmente, esse reconhecimento pode ser um sau-
dável prelúdio para uma nova era da missão.
Ao longo de todo este livro vou interagir, primariamente, com vozes
e tendências ocidentais, principalmente as da América do Norte. Não
tenho a pretensão de entender suficientemente, muito menos de escre-
ver, a partir da perspectiva de cristãos de outros contextos. No entanto,
tendo passado algum tempo na Europa e tendo exercido o ministério na
África, na América do Sul e na Ásia, posso dizer que, quando os Estados
INTRODUÇÃO 19

Unidos têm febre, o restante do mundo começa a tossir. Juntamente com


0‫ ׳‬evangelho, aberrações nascidas nos Estados Unidos (como o evangelho
¿a prosperidade) estão se espalhando rapidamente no mundo.
Escrevo motivado por um interesse em nos ver recuperar a clareza na
nossa mensagem, o foco na nossa missão e comprometimento com as
estratégias específicas estabelecidas pelo nosso Senhor. Enquanto o Cris-
rianismo sem Cristo e A vida segundo o evangelho focalizam a mensa-
gem central, este livro explora a missão central numa época de “ mission
creep” - ou seja, a tendência de expandir o chamado da igreja para além
do seu mandato original.
Acredito que, na nossa paixão por relevância, estamos subordinando
as estratégias que Cristo prometeu abençoar aos nossos planos de ação.
Assim como é fácil tomar o evangelho como certo e transformá-lo numa
história acerca de nós e dos nossos esforços, e não de Cristo e sua obra
salvadora, uma tentação parecida está sempre presente com respeito à
Grande Comissão. Hoje, essa mission creep toma muitas formas, mas,
como já aconteceu em períodos anteriores, a tendência geral é de expan-
dir a Grande Comissão fazendo-a incluir um grande número de iniciati-
vas que Cristo não ordenou. Muitas dessas operações ao longo da nossa
História tiveram um bom motivo, e algumas foram até mesmo bem-su-
cedidas em seu impacto cultural positivo. Outras levaram a sangrentas
feridas e indeléveis cicatrizes, não somente no rosto da civilização, mas
também no da igreja visível. No entanto, a questão mais profunda é se
não estamos perdendo o foco da missão da qual Cristo nos incumbiu
para este “ intervalo” entre as suas duas vindas.
O império ao qual somos enviados não é mais o Império Romano
nem o da cristandade, mas os poderes e principados da modernidade,
frequentemente chamada “pós-moderna” . Quer lhe chamemos moderna,
pós-moderna ou muito moderna, esta cultura é forjada em grande parte
como uma cultura de rebelião contra a fé e prática cristã ortodoxa em
nome do progresso e da emancipação. Às vezes, essa rebelião toma uma
forma explícitamente anticristã, mas, mais frequentemente, é motivada
pelo interesse em adaptar a fé cristã e sua prática às normas da cultura
ocidental moderna. De fato, do Iluminismo até o movimento da “igreja
que emerge” (ou “ emergente” ), o Ocidente tem experimentado sucessi-
vos chamados para “ um novo tipo de cristianismo” , até mesmo em nome
da missão. Os apelos são, com frequência, urgentes: o cristianismo deve
fenecer ou se adaptar às novas condições.
20

Apesar do aparente sucesso dos movimentos evangélicos e das me-


gaigrejas, os Estados Unidos parecem cada vez menos evangelizados.
Enquanto o Ocidente é cozido em fogo brando no caldo da crescente se-
cularização, o centro de gravidade do cristianismo crescente mudou do
hemisfério norte para o sul global: África, Ásia e América Latina. Eloje,
é mais provável que os cidadãos paquistaneses encontrem missionários
coreanos que norte-americanos. As igrejas da China estão se transfor-
mando em centros de envio de missionários para o mundo todo.
Meus alunos no seminário que vêm da Nigéria muitas vezes mostram
mais seriedade em sua fé e prática, em face do seu paganismo nativo, do
que eu em face do meu. Eles são evangelistas de fato, e não se limitam
a fazer conversos·, fazem discípulos. Como os cristãos antigos, eles bad-
zam conversos adultos e seus filhos somente depois de um longo perío-
do de instrução (catequese), oração e batalha contra as forças espirituais
que se recusam a render-se a Cristo sem lutar. Eles conhecem de primei-
ra mão o que significa abandonar pai e mãe, e até serem perseguidos por
membros da sua própria família. Depois de sua conversão a Cristo, um
amigo, que fora advogado em Sharia e que anteriormente havia teste-
munhado e aprovado a execução de cristãos, teve um dia de prazo para
deixar o seu país islâmico ou enfrentar a decapitação. Sua família o re-
pudiou e não o acompanhou.
Em muitos aspectos a nossa era é mais parecida com o contexto do
século l 2 do que com qualquer período desde a fusão constantiniana
de Cristo com a cultura, que resultou na “ cristandade” . Por um lado,
o evangelho está se espalhando em muitos lugares ao redor do mundo,
apesar da iminente ameaça de perseguição e martírio. Por outro lado,
como aconteceu com muitos cristãos do século l 2 no Império Romano, a
maioria dos crentes na Europa e nos Estados Unidos enfrenta a desapro-
vação, os desvios da verdade e a descrença, mais do que o martírio. So-
mos ameaçados mais por um amplo sentimento cultural contra as fortes
reivindicações da verdade que poderíam sacudir a vaga espiritualidade
que mantém unido o império do que pela polícia secreta.
Quando os visigodos saquearam Roma em 410, a igreja percebeu
quantos cristãos nominais havia no império. De fato, muitos romanos
voltaram ao paganismo, por acharem que a catástrofe havia acontecido
por terem abandonado os deuses em favor de Cristo. Muito semelhan-
te às condições que levaram Agostinho a escrever A cidade de Deus, o
nosso contexto fornece uma oportunidade maravilhosa para recuperar
INTRODUÇÃO 2‫ו‬

a clara distinção ente o reino de Deus e os reinos da era atual. Enquan-


to Jerónimo lamentava: “ Que será da igreja, agora que Roma caiu?” , o
bispo de Hipona compreendeu que Deus tinha confiado o campo mis-
sionário aos missionários.
Como George W. Bush, Barack Obama invoca a retórica consagra-
da pelo tempo da América do Norte como uma nação redentora, “ a úl-
tima e melhor esperança para o mundo” , juntamente com a linguagem
pós 11 de setembro * do pluralismo religioso: de que todos nós - pelo
menos os das “ tradições da fé abraamica” - oramos ao mesmo Deus e
partilhamos a mesma esperança de um mundo melhor, de modo que de-
vemos fazer dessa fé pluralista o laço que une e rejeitar toda e qualquer
corda que, por forte que seja, ameace a grandeza da missão da América
do Norte na História. Ouvimos isso vindo de todos os centros da cultu-
ra, tanto altos como baixos, e até o ouvimos cada vez mais da parte de
alguns líderes cristãos.
Nesse contexto, sentimos muita pressão para aplainar os pontos áspe-
ros da nossa mensagem, moderando tanto a seriedade do juízo de Deus
quanto a maravilha da graça de Deus em Jesus Cristo. Até certo ponto,
isso é compreensível. Durante as últimas gerações, muitas igrejas têm
dado a impressão de que o juízo de Deus - que não deixa ninguém de
pé - é, na verdade, o nosso próprio julgamento, e o evangelho consiste
em “controle-se” e não as boas-novas concernentes à obra redentora de
Cristo. Com frequência, os nossos vizinhos são levados a afastar-se pe-
los mais visíveis representantes do cristianismo. Muitos que lançam suas
invectivas contra o abandono dos “valores judaico-cristãos” são desmas-
carados pelo seu próprio estilo imoral de vida, e as estatísticas nos infor-
mam que os cristãos evangélicos não vivem de maneira muito diferente
dos não cristãos.
Então, por que não apenas crescer onde estamos plantados? Especial-
mente quando os nossos semelhantes veem tanta hipocrisia, por que não
baixamos o tom da nossa retórica e não tratamos de viver como discípu-
los de Cristo entre eles? Não nos limitemos a falar sobre a ira e o juízo de
Deus, e sobre o arrependimento e a fé em Cristo, mas, em vez disso, mos-
tremos a eles que seguir Jesus faz uma real diferença na nossa vida aqui
e agora. Na realidade, você não tem que professar publicamente a sua fé

Data do ataque terrorista às torres do WTC, em Nova York, e outros pontos norte-
-americanos (N. do E.).
22

em Cristo. Batizar-se e tornar-se membro da igreja são extras opcionais.


Não se trata mais meramente do que os nossos vizinhos não cristãos nos
dizem; é no que cada vez maior número de cristãos professos creem - e
muitos mais parecem assumir na prática.
No entanto, quanto mais entendermos de fato que o juízo de Deus
tira a nossa justiça própria e o seu evangelho nos reveste de Cristo, mais
bem preparados estaremos para ser mais radicais no nosso testemunho
e no nosso discipulado.
Enquanto os meus dois livros anteriores insistem para que não tome-
mos o evangelho como ponto pacífico, minha preocupação neste livro é
no sentido de que não tomemos a Grande Comissão como ponto pací-
fico. Ocasionalmente, temos conferência a respeito de missões, oferece-
mos viagens missionárias de curta duração para a mocidade, sustentamos
missionários para desincumbir-nos dos deveres impostos pela Grande
Comissão. Tudo isso é importante. Contudo, principalmente no nosso
contexto contemporâneo, precisamos tornar-nos mais amplamente cien-
tes do fato de que vivemos numa cultura e cada vez mais em igrejas que,
por várias razões, parecem desviadas da mensagem e das realidades do
reino de Cristo.
Há urna grande diferença entre dizer que os pastores cumprem um
ministério essencial fazendo-nos discípulos, e dizer que eles são discípu-
los vicários, estudando, orando, meditando e testemunhando em nosso
lugar. E fácil supor que cumprimos o nosso dever pagando “ obreiros da
igreja” para serem discípulos por nós.
Enquanto isso, os vários ministérios de nossas igrejas domésticas fre-
quentemente têm como foco atrair e satisfazer os membros da igreja
com outra coisa que não o evangelho e os meios de graça que esperamos
que os missionários levem para outras nações. A Grande Comissão e os
métodos que ela ordena para proclamar o evangelho, batizar e ensinar,
tornam-se uma ordem para missões estrangeiras, ao passo que em nos-
sas igrejas ou congregações locais imaginamos que todos já têm o evan-
gelho e já estão bem instruídos nas Escrituras. Uma brecha aberta entre
a Grande Comissão e a vida regular de nossas igrejas cresce e se torna
uma lacuna abismal. Como vou argumentar neste livro, a Grande Co-
missão é um chamado não apenas para levar o evangelho a outras par-
tes do mundo, mas também para estabelecer e manter fielmente igrejas
nas quais se fazem discípulos e o testemunho expande-se tanto no nosso
país como fora dele.
INTRODUÇÃO 23

Ha hoje muito proselitismo e catequização em andamento. Outras reli-


coes e ideologias crescentemente secularistas muitas vezes são agressivas
?rr. suas campanhas. Não somente os nossos vizinhos, mas nós mesmos
t 1 ‫־‬rbém estamos mergulhados em notícias, comentários, propaganda e
1::versas que pressupõem um mundo sem Deus, sem o evangelho, sem
Crrsto, e sem a esperança da ressurreição numa nova criação. Nunca é
Tgmno próprio para se tomar a Grande Comissão como ponto pacífico,
sr-uito menos uma época como a nossa.

O ESBOÇO DO LIVRO
t5re livro está dividido em três seções. A Primeira parte focaliza “A gran-
.je proclamação” . A Grande Comissão começa com um triunfante anún-
d-o de que toda a autoridade nos céus e na terra pertence a Jesus Cristo.
O evangelho que traz salvação também orienta a igreja em sua missão.
Avançando da pessoa e da obra de Cristo de João Batista até a ascensão
êo nosso Senhor e o envio do Espírito, essa seção fornece um resumo do
ensino do Novo Testamento concernente ao reino e à igreja sobre o qual
es capítulos subsequentes são baseados.
A Segunda parte examina “ Os termos da missão” , que se acham no
centro da Grande Comissão, ao passo que a Terceira parte investiga “ O
piano estratégico” , que Jesus inclui em seu mandato. Analisa o que sig-
nifica “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” pregando, ba-
tizando e ensinando tudo o que Cristo ordenou (ver Mt 28.19-20). O
que essa ordem significa específicamente quando muitos cristãos de hoje
acreditam que ser discípulo não significa necessariamente pertencer a uma
:greja - ou até mesmo, tendo em vista um número cada vez maior, que a
fé pessoal em Cristo não é necessária para a salvação? Como o evangelho
incentivaria a pluralidade sem cair no relativismo do pluralismo religio-
so? Qual é a relação entre “o evangelho” e as culturas particulares exis-
rentes em “ todo o mundo” ou “ em todas as nações” ? E como é a vida
da igreja centrada no evangelho e impelida à missão em termos práticos
no campo de ação? No transcurso desta obra interajo com as tendências
contemporâneas quanto ao discipulado.
Assim como essa exploração tem início com as boas-novas que dão
base à missão da igreja, do mesmo modo ela termina com a promessa de
Jesus de que estaria com sua igreja até o fim dos tempos. O imperativo
para ir a todo o mundo e fazer discípulos tem o apoio dos dois objetivos
finais da promessa de Cristo em sua graça. Mas o que significa Cristo
24

estar presente entre nós, atraindo pecadores a si, quando ele está ausen-
te de nós na carne desde a sua ascensão? O último capítulo examina a
diferença que faz para a nossa missão aqui e agora quando compreen-
demos que Cristo está edificando a sua igreja e que as portas do inferno
não prevalecerão contra ela.
Escrevo este livro como pastor; isto é, como um missionário desejoso
de ajudar os irmãos na fé nessa maravilhosa obra de preparar o corpo
todo para a sua missão no mundo. À medida que fui trabalhando neste
livro, meu entendimento pessoal do que há de maravilhoso na Grande
Comissão aumentou. As questões que nos confrontam são cruciais. Os
caminhos que escolhemos para seguir neste ponto são de enorme impor-
tância a longo prazo. Minha oração é que os leitores passem a ter, como
aconteceu comigo, uma nova apreciação pela mensagem, pelo mandato
e pelos métodos que Cristo ordenou para a continuidade da sua missão
no mundo.
PRIMEIRA PARTE

fl grande proclamação
“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.”
Mateus 28.18

fl
Grande Comissão realmente começa com uma grande proclama-
. ção. Antes de haver uma missão, é preciso que haja uma mensa-
gem. Por trás do envio da igreja está o Pai enviando seu Filho e o Espírito.
Antes de partirmos, temos de parar e ouvir - ouvir de fato - o que acon-
teceu que temos de levar ao mundo. O evangelho antecede a evangeliza-
ção. Devemos dar ouvidos a esse evangelho não apenas no início, para
2 nossa conversão, mas em todos os momentos da nossa vida, se é que
2 Grande Comissão deva ser um prazer deleitável, e não um intolerável
fardo com uma meta impossível. Atente de novo, com o apoio de todas
25 evidências da encarnação, vida, morte e ressurreição de Cristo. “Toda
2 autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18).
________‫________ן‬
flntizs qug voe£ vá

!ou uma pessoa muito impulsiva. Se tenho um cheque que devo des-
'contar, saio voando porta afora, pulo no carro e, a meio caminho
¿ 0 meu destino, descubro que esquecí o cheque em casa. O mais humi-
feante nisso tudo é ter de voltar para casa e dar com minha mulher me
saudando na porta, rindo, brandindo o cheque e perguntando: “Esque-
ceu alguma coisa?” .
Simplesmente vá. Faça logo isso. “Acabe logo com isso” , como em
‫ ״‬eral se diz. A reflexão torna você lento.
O mesmo pode acontecer com a Grande Comissão. Achamos que não
‫ ־‬iporta se não temos verificado todos os detalhes, contanto que sejamos
zelosos. E fácil subordinar a mensagem à missão, o evangelho à evange-
hzação, como se nos ocuparmos com o alcance pudesse valer pelo con-
trudo do que nos foi dado para comunicar.
Naturalmente, isso pode funcionar de outro modo também. Podemos
ficar preocupados em ter a mensagem certa, sem realmente a transmitir-
mos. O evangelista D. L. Moody uma vez satirizou uma crítica aos seus
métodos dizendo: “ Gosto mais do meu modo de fazer o trabalho do que
io seu modo de não fazê-lo” . Se “zelo sem conhecimento” é mortal (ver
Rm 10.2-3), o conhecimento sem zelo está morto. A Grande Comissão
nio dá abrigo a nenhum desses extremos.
“ Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações.” Essa é a ver-
são da Grande Comissão que muitos de nós memorizamos. Contudo,
::!a deixa muita coisa fora. Para começar, omite toda a base da argu-
mentação racional da Grande Comissão. Embora soe um tanto fora de
moda, uma boa regra para a leitura das Escrituras é que toda vez que
você se deparar com um “portanto” precisa parar e perguntar: “ Para
cuê isso está aí?” .
28

Quando vemos um imperativo como “Ide, portanto” , precisamos vol-


tar e verificar o que foi dito e que levou a isso. Não há nenhum motivo
para nós irmos por todo o mundo como embaixadores de Cristo inde-
pendentemente da obra que ele já realizou.
A Grande Comissão começa de fato com a declaração: “Toda a auto-
ridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Essa é a base de argu-
mentação racional para tudo o que a igreja é chamada para ser e fazer. A
comissão da igreja é, na verdade, dirigida por um propósito (“fazei dis-
cípulos de todas as nações” ), mas é impelida por uma promessa.

F u n d am en ta n d o p r o p ó s it o s e m p r o m e s s a s

Como acontece com nossa própria vida, a igreja é orientada pelo evan-
gelho. Toda ordem da nova aliança é baseada no evangelho. Amamos
Deus porque ele nos amou primeiro (ljo 4.10,19). Escolhemos Cristo
porque ele nos escolheu (Jo 15.16; Ef 1.4-5,11; 2Ts 2.13). Somos cha-
mados para a santificação porque já fomos declarados santos em Cristo,
revestidos da sua justiça (Cl 1.22; 3.12; ICo 1.30). Visto que fomos cru-
cificados, sepultados e ressuscitados com Cristo, não estamos mais sob a
tirania do pecado e, portanto, o que se espera de nós é que nos ofereça-
mos de corpo e alma à justiça (Rm 6.1-14). Em vista das “misericórdias
de Deus” , somos chamados a oferecer-nos “ em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus” (Rm 12.1).
Do mesmo modo, na nossa vocação corporativa como igreja, estamos
sempre respondendo a um estado de coisas que Deus trouxe à existência
pela sua Palavra, não nós mesmos criando essa realidade. A missão da
igreja baseia-se na missão de Deus, que ele cumpriu objetivamente em
seu Filho e cujos efeitos subjetivos ele produz no mundo por meio do seu
Espírito. Porque o Pai enviou o Filho e depois o Espírito, somos envia-
dos ao mundo inteiro com o seu evangelho. Sendo assim, ser direcionado
pela missão é o mesmo que ser direcionado pelo evangelho. Como eren-
tes e como igrejas, somos motivados pela missão do Trino Deus, quando
o Pai, o Filho e o Espírito nos salvam e nos enviam com essa mensagem
de salvação aos nossos próximos.
Todas as nossas bênçãos espirituais acham-se em Cristo, não em nos-
sas decisões, experiências, esforços ou ambições individuais ou coletivas.
Confessamos a nossa fé em “ uma só igreja santa, católica e apostólica” ,
não porque podemos vê-la e nem por causa de alguma vã confiança de
que podemos edificá-la. Nossa unidade é baseada no fato de que há “ um
ANTES QUE VOCÊ VÁ 29

>o Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5). A despeito de todas as


aparências em contrário, cremos que esta igreja é católica [universal] por-
ane não é uma comunhão de amigos que eu escolhí pessoalmente, mas
uma família que Deus escolheu desde toda a eternidade em seu Filho.
Cremos que esta igreja é também santa, não pela sua piedade empírica,
mas porque Deus tornou Jesus Cristo nossa sabedoria, justiça, santidade
e redenção (ICo 1.30). E, finalmente, a igreja é apostólica não porque
podemos identificar apóstolos que vivem no mundo hoje, mas porque
proclama a doutrina apostólica no poder do Espírito.
Longe de eliminar a nossa responsabilidade pessoal, é essa boa-nova
concernente à obra de Deus em Cristo que libera e propulsiona a igreja
2 adentrar o mundo. Somente por estar em Cristo é que há uma reunião
de pecadores retirados de todos os povos e línguas, os quais foram trans-
feridos do reino da morte para o reino da vida eterna.

O MISSIONÁRIO ORIGINAL
Muitos de nós crescemos com conferências de missões nas quais se re-
petia um punhado de versículos da Grande Comissão como justificati-
* a do imperativo missionário. Às vezes, temos a impressão de que Deus
rez sua parte (fornecendo a oportunidade para a salvação) e agora cabe
2 nós fazer o restante. Nós nos tornamos os principais agentes da Gran-
de Comissão.
No entanto, como Christopher J. H. Wright ressaltou no seu extraor-
dmário livro, The mission of God [A missão de Deus], a Bíblia toda fala
da missão de Deus, com Cristo como o personagem central.1 Em seus
aparecimentos aos discípulos depois da ressurreição, Jesus não somente
pregou sua pessoa como o centro da Escritura (Lc 24.27,44), mas tam-
bém fez uma proclamação de si mesmo como sendo também parte dessa
missão: “ e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e
ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pre-
easse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, co-
meçando de Jerusalém” (Lc 24.46-47).
Portanto, não é que há apenas alguns versículos importantes para
justificar missões. Na verdade, a Bíblia toda fala a respeito da missão
de Deus: o envio do seu Filho, depois o envio do seu Espírito, e o envio
do seu povo ao mundo como seus discípulos. De fato, como Wright res-
salta, a própria Bíblia é um documento missionário, tendo surgido e se
mantido ligada à história da atividade missionária de Deus no mundo.
30

O centro messiânico da Escritura é inseparável do seu contexto e impac-


to missionário.2
E esse Deus missionário não é uma só pessoa, mas três. Cada pessoa
da Trindade está envolvida em cada obra - criação, providência, reden-
ção, consumação - e, contudo, cada uma delas a seu próprio modo. O
Pai gera, o Filho é eternamente gerado e o Espírito é soprado pelo Pai no
Filho. Toda obra da Divindade é feita da parte do Pai, no Filho, por meio
do Espírito. O Pai é a origem, o Filho é o mediador, e o Espírito é o agen-
te aperfeiçoador que assegura que a Palavra não volte de mãos vazias da
sua missão. Desde a eternidade, então, a missão de Deus sempre foi e é
baseada numa unidade essencial com uma pluralidade de pessoas em re-
lação mútua. O caráter desse relacionamento é pactuai, com mútuo dar
e receber: sem débitos, tão somente um intercâmbio eterno de dádivas.
Nós somos uma analogia de Deus, criados à sua imagem para refletir
à nossa maneira criada essa relação pactuai de homem e mulher numa
missão. Assim como Deus completou toda a sua obra e entrou em sua
entronização sabática, do mesmo modo Adão - com Eva a seu lado -
deveria conduzir a criação numa triunfante procissão à consumação: a
confirmação eterna numa glória imortal. Muito tempo depois da traição
desse casal real no Paraíso, o último Adão apareceu. Jesus Cristo é tanto
o Deus missionário como também o representante humano que cumpriu
a missão para a qual nós fomos criados. Toda a história da Bíblia gira
em torno da misericordiosa determinação desse Deus Trino de redimir e
restaurar criaturas pecadoras e a criação, que jaz na escravidão por cau-
sa da maldição. Apesar de todo erro, deslealdade e infidelidade do par-
ceiro humano da aliança, Deus vai completar a sua missão. E, na pessoa
de Cristo, ele cumpriu também a missão que atribuira à humanidade em
Adão: conduzir a criação à eterna bem-aventurança da imortalidade, ao
perdão, à justiça e à paz.
Ao chamar Abrão do seio da sua família, que adorava a Lua, Deus
manteve viva a promessa, mesmo depois da Queda. Como os discípulos
de Jesus, Abrão foi para um lugar acerca do qual não sabia quase nada,
simplesmente com base na palavra de Deus. Deus prometeu a Abrão que
ele seria não apenas um pai terreno de Isaque e dos seus descendentes
num território meramente terrenal, mas também um pai espiritual dos
seus herdeiros de todas as nações, que seriam abençoadas por meio da
semente dele. Apesar de seu povo quebrar sua aliança, o Deus missioná-
rio manteve o cumprimento, chamando e enviando profetas, não apenas
ANTES QUE VOCÊ VÁ 31

para acusar Israel por ter violado a aliança feita no Sinai, mas também
rara renovar a garantia de Deus quanto à promessa feita a Abraão me-
‫־‬etante uma nova aliança. O próprio Deus descería em juízo e redenção.
O Deus de Israel completaria a missão que Israel, como Adão, deixou
re cumprir.

* OREJA DIRECIONADA PELO EVANGELHO


A igreja na nova aliança não é menos “propensa a desviar-se” do que a
fsprqa da antiga aliança. E, portanto, não é menos dependente da fideli-
■ cãõe do Pai, no Filho, por meio do seu Espírito. A promessa do Salvador
íempre criou, sustentou e expandiu o reino de Deus. Quando Israel vio-
Erva a aliança da lei, que tinha jurado cumprir no Sinai, os profetas, não
obstante, proclamavam a fidelidade de Deus à aliança feita com Abraão.
E-?.se juramento divino teria sua concretização na nova aliança, quando
Deas perdoaria os seus pecados e lhes daria um novo coração (Jr 31).
Nunca devemos tomar a obra de Cristo como ponto pacífico. O
evangelho não é meramente algo que levamos para os incrédulos; ele
¿ a Palavra que criou e continua a sustentar toda a igreja em sua pere-
znnação na terra. Além disso, não devemos confundir a obra de Cristo
com a nossa. Nestes dias, há muita conversa sobre “ vivermos o evan-
telho” ou mesmo de “ sermos o evangelho” , como se a nossa vida fos-
sc a boa-nova. Até mesmo ouvimos dizer que a igreja é uma extensão
encarnação de Cristo e de sua obra redentora, como se Jesus tivesse
vndo fornecer um exemplo ou um padrão e se nós fôssemos chamados
r ara completar sua obra. Mas há apenas um único Salvador e cabeça da
rgreja. Somente a ele foi dada toda a autoridade no céu e na terra. Há
somente uma encarnação de Deus na História, e ele consumou a obra
cumprindo toda a justiça, suportando a maldição e triunfando sobre o
pecado e a morte.
Hoje, usamos o verbo redimir de maneira casual demais, como se nós
tanto individual quanto coletivamente) pudéssemos ser o agente desse
r!po de ação. Deus já redimiu o mundo em seu Filho, tendo ele compra-
do “para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação”
Ap 5.9). Com base nisso, o Espírito está em ação aplicando essa reden-
cão, atraindo pecadores a Cristo, justificando-os e renovando-os, na es-
perança de que o corpo físico deles irá ressuscitar juntamente com uma
criação inteiramente renovada (Rm 8.16-23). A igreja passou a existir
não como uma extensão ou para completar a obra de redenção de Cristo,
32

mas como resultado de sua obra completada. Arautos anunciam vitória;


eles não a conquistam.
A Jesus Cristo foi dada toda a autoridade no céu e na terra para jul-
gar e para salvar. Esse grande anúncio, que faz o lançamento da Gran-
de Comissão, é antecipado em todo o conteúdo do Evangelho de João.
Embora a Palavra tenha sido feita carne, os seus não o receberam,
“ mas, a todos quanto o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos fi-
lhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram
do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas
de Deus” (Jo 1.12-13). Não temos nem capacidade nem autoridade para
nos fazermos filhos de Deus, mas Jesus exerce a sua autoridade para dar
vida no poder do Espírito. Jesus disse a Nicodemos que, sem esse novo
nascimento de cima, ninguém pode entrar no seu reino (Jo 3.5).
Em João 5, Jesus disse: “ ... assim como o Pai ressuscita e vivifica os
mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer” (v.21). O
Pai entregou todo o juízo nas mãos do Filho (v.22-23). Depois, no capí-
tulo 6, Jesus diz:

Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim,
de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu descí do céu, não para
fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me en-
viou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca
de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no últi-
mo dia... Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o
trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. (v.37-39,44)

No capítulo 10, Jesus diz:

Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhe-


cem a mim, assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o
Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas... As minhas ovelhas ouvem
a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida
eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão.
(v.14-15,27-28)

E novamente, no capítulo 15, ele lembrou a seus discípulos: Não fos-


tes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós
outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto per-
maneça. (v.16) Depois, na véspera da Sexta-feira da Paixão, Jesus orou:
ANTES QUE VOCÊ VÁ 33

Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glo-
rifique a ti, assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a car-
ne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste.
E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verda-
deiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste... É por eles que eu rogo;
não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são
teus. (Jo 17.1-3,9)

Há, pois, um fio que percorre todo o Evangelho de João e que testifica
da aliança eterna de redenção entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O
Pai escolheu um povo em Cristo dentre toda a imensa multidão da hu-
manidade caída, dando-os a Cristo para ser seu mediador, com o Espíri-
to como aquele que lhes dá a fé e os mantém nessa fé até o fim. Nenhum
daqueles que o Pai deu ao Filho se perderá.
Dada a unidade do testemunho que a Bíblia dá de Cristo, essa fiei-
ra de passagens do Evangelho de João ajuda-nos a entender o que Jesus
quis dizer na Grande Comissão. Embora essa comissão não seja repetida
da mesma forma em Lucas e em João, a substância básica vê-se também
em seus capítulos finais (Lc 24.44-53; Jo 21.15-19). “Toda a autoridade
me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Que proclamação! Pressupõe
tudo, desde a concepção no ventre da virgem Maria até sua ascensão à
destra do Pai. E antecipa seu retorno em glória para julgar os vivos e os
mortos. Apenas ele tem autoridade para julgar e para salvar.
No Apocalipse, na sua visão inicial João ouviu estas palavras profe-
ridas pelo Filho glorificado: “Não temas; eu sou o primeiro e o último e
aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos
séculos e tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.17-18). E esse
triunfante indicativo que fundamenta a ordem de Jesus a João: “ Escre-
ve, pois, as coisas que viste” nesse livro notável (1.19, ênfase acrescen-
tada). De igual modo, o seu anúncio de que toda a autoridade está em
suas mãos é a base racional para a Grande Comissão: “Ide, portanto...” .
Dado o fato de que nós - e aqueles a quem somos enviados - estamos
“mortos em delitos e pecados” (Ef 2.1), não temos autoridade nem poder
para nos salvar, e nem mesmo para responder com fé, sem a misericor-
diosa liberação de Deus (Ef 2.5,8-9). A Grande Comissão seria uma tare-
fa vã se o poder e a autoridade estivessem em nossas mãos ou nas mãos
daqueles a quem levamos o evangelho. Jesus Cristo não tornou possível
que nós pudéssemos nos salvar. Ele não começou uma obra de redenção.
34

Ele não fez “ sua parte” para que façamos a nossa. Antes, Jesus Cristo
fez tudo. Ele assumiu a nossa carne. Ele cumpriu toda a justiça em nos-
so lugar e sofreu o juízo para expiar cada um dos nossos pecados como
nosso substituto. E ressurgiu como as primicias de uma colheita comple-
ta, o princípio da ressurreição dos mortos. Não há mais nenhuma obra
redentora para ser realizada.
Nunca vou me esquecer de quando essa maravilhosa verdade sobre a
obra objetiva e completa realmente me capturou. Meu bem-intencionado
pastor uma vez me perguntou: “ Quando você foi salvo?” Sem intenção
de bancar o esperto, ouvi minha própria resposta: “Há dois mil anos” . A
princípio, fiquei tão surpreso com minha observação quanto o meu pas-
tor. Muita conversa acerca de “ ser salvo” nos círculos evangélicos, atual-
mente, focaliza o dia em que fizemos alguma coisa: convidamos Jesus para
entrar no nosso coração, fizemos uma oração, fomos à frente, ou tivemos
alguma experiência que evidenciasse uma experiência decisiva de conver-
são. Todavia, isso desvia a concentração do evangelho propriamente dito
(a obra salvadora de Cristo) para a nossa experiência do evangelho. Te-
mos ordem de crer no evangelho, mas o próprio evangelho é um anúncio
concernente à realização totalmente suficiente de Cristo em nosso favor.
Tampouco o novo nascimento é resultado de esforço ou decisão hu-
mana. Não nos são dados passos sobre “ Como nascer de novo” . A de-
claração de Jesus em João 3, de que o ser humano tem de nascer de cima
para poder entrar no reino dos céus, não é um imperativo (i.e., uma or-
dem), mas um indicativo (i.e., uma declaração de fato). Ou seja, com
essas palavras Jesus declara o estado de coisas. Não nascemos de novo
por decisão nossa, como João já tinha indicado no capítulo 1 (v.13). An-
tes, como diz Pedro, “ fostes regenerados... mediante a palavra de Deus,
a qual vive e é permanente... Esta é a palavra que vos foi evangelizada”
(lPe 1.23,25). O evangelho é para nós, por nós e acerca de nós. Não é
sobre alguma coisa que façamos, sintamos ou escolhamos. E a boa-nova
acerca de Jesus Cristo e do que ele realizou por nós.
Naturalmente, o novo nascimento se evidencia na conversão: uma vida
inteira respondendo com arrependimento e fé. Deus não crê por nós, mas
nós cremos porque já fomos redimidos por Cristo e nos foi dado o dom
da fé. Toda a nossa salvação acha-se em nossa união com Cristo. Crer em
Cristo requer um milagre - e ele continua sendo um Salvador que opera
maravilhas, cujo milagre do novo nascimento é maior do que todos os
sinais que ele realizou em todo o seu ministério terreno.
ANTES QUE VOCÊ VÁ 35

Visto que toda a autoridade no céu e na terra foi dada a Jesus Cristo,
somos enviados ao mundo com confiança em que a missão de Deus será
realizada. O apóstolo Paulo pregou o evangelho a Lídia, e “ o Senhor lhe
abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia” (At 16.14). De-
pois de explicar que Deus “nos salvou,... não segundo as nossas obras,
mas conforme a sua própria determinação e graça”, sendo que essa graça
“nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9), Pau-
lo - às vésperas da sua execução em Roma - assegurou a Timóteo: “Por
essa razão, tudo suporto por causa dos eleitos, para que eles também obte-
nham a salvação que está em Cristo Jesus, com eterna glória” (2Tm 2.10).
O maior missionário da história da igreja era direcionado pelos indi-
cativos do evangelho. Porque Deus tinha escolhido pecadores da gran-
de massa de seres humanos espiritualmente mortos, Cristo os salvou, e
o Espírito lhes dá a fé mediante a pregação do evangelho, Paulo pôde
continuar sua obra, suportando perseguição, sabendo que os propósitos
de Deus se realizariam. Nem César, nem os líderes judaicos, nem os pe-
cadores a quem ele pregava possuíam essa autoridade. Com os demais
apóstolos, Paulo recebeu as chaves do reino - isto é, o próprio evange-
lho. No entanto, nem mesmo ele podería abrir o túmulo selado do cora-
ção caído. A pregação do evangelho parece fraca e insensata aos olhos
do mundo. “Todavia, não me envergonho” , diz ele a Timóteo, “porque
sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guar-
dar o meu depósito até aquele Dia” (2Tm 1.12).
Um amigo missionário uma vez disse que, quando seu avião se apro-
ximava do aeroporto de Mumbai e ele viu a multidão de pessoas embaí-
xo, sentiu-se esmagado pela impossibilidade da sua tarefa. Então, ele se
lembrou de que não fora comissionado para salvar essas pessoas, nem
mesmo para abrir o coração delas para crerem no evangelho, mas sim-
plesmente para proclamá-lo, sendo que Deus reuniría o seu povo. Isso fez
toda a diferença, disse, e ele foi liberado para cumprir o seu chamado.
Não pode haver nenhuma recuperação do prazer da Grande Comissão
sem uma renovação da convicção da igreja de que ela não somente veio
a existir, mas também é sustentada o tempo todo pela vontade e obra do
Pai, no Filho, pelo Espírito. E essa confiança que motiva um missioná-
rio na Arábia Saudita a trabalhar anos e anos antes de testemunhar uma
única conversão. Então, por que muitos de nós medimos o sucesso das
nossas igrejas por outros padrões, baseados no que podemos realizar, e
vemos isso numa escala impressionante?
36

A ascensão de Cristo à destra do Pai cria a confiança em que o fato de


irmos não será em vão, quer sejamos enviados à China, quer ao nosso vi-
zinho da casa ao lado. A mesma Palavra que cria e sustenta a existência
e o crescimento da igreja é proclamada ao mundo, para que o reino de
Cristo se expanda até aos confins da terra. A decisão do Pai é irrevogá-
vel. A missão de Cristo já foi realizada, e o Espírito terá igual êxito em
seus labores. Segue-se, pois, que a Grande Comissão não falhará.
Jesus já tinha preparado os seus discípulos para a sua partida e para o
envio do Espírito (Jo 14-16). Ele lhes tinha dito: “edificarei a minha igre-
ja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as cha-
ves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus, e
o que desligares na terra terá sido desligado nos céus” (Mt 16.18-19). O
próprio Cristo redimiu a sua igreja, e agora está edificando a sua igreja
no poder da sua Palavra e do Espírito. Não é um reino que estamos edi-
ficando, mas sim um reino que estamos recebendo (Hb 12.28).

No CÉU E NA TERRA
Os títulos “ Senhor” e “ Salvador do mundo” são conhecidos no nosso
vocabulário cristão. À parte do drama da redenção em desdobramento,
eles seriam meros slogans. De fato, essas palavras têm sido entendidas
num sentido menos radical no nosso uso comum hoje em dia. Frequen-
temente falamos em “tornar Jesus o nosso Senhor e Salvador pessoal” ,
mas isso obscurece dois pontos importantes.
Primeiro, nós não tornamos Jesus coisa alguma, principalmente Se-
nhor e Salvador. E porque ele já é Senhor e Salvador que nós estamos li-
vres do medo da morte e do inferno. Toda a autoridade já pertence a ele.
Segundo, o evangelho anuncia Jesus Cristo não somente como o seu
ou meu Senhor e Salvador pessoal, mas como o Senhor e Salvador do
mundo. Toda a autoridade no céu e na terra pertence a ele. Como o Se-
nhor ressurreto, foi-lhe dado pelo Pai o poder de julgar e de justificar. A
salvação não é apenas um “seguro contra incêndio” ou o “gerenciamento
do pecado” . O evangelho promete muito mais do que simplesmente que
você irá para o céu quando morrer. E o penhor totalmente abrangente de
Deus pela total renovação da criação. Envolve a ressurreição do nosso
corpo e a libertação de toda a criação da escravidão ao pecado e da mor-
te. Que plano de seguro, que mercado global ou que agência do gover-
no pode se arrogar esse tipo de autoridade sobre a vida e sobre a morte?
Quando Jesus voltar, ele julgará cada pessoa e cada nação, e consumará
ANTES QUE VOCÊ VÁ 37

o seu reino com eterna justiça e paz. Não podemos limitar a salvação ao
nosso mundo privado da alma; todo o cosmo foi criado pelo Pai, no Fi-
lho, mediante o Espírito, e é sustentado e será final e definitivamente re-
dimido da mesma maneira.
A visão privatizada de Jesus meramente como “ Senhor e Salvador pes-
soai” realmente não provoca controvérsia atualmente. Afinal de contas, o
nosso vizinho não cristão encolhe os ombros e diz: “ Qualquer coisa que
funcione para você” . No entanto, no Império Romano, essas atribuições
de louvor a Jesus Cristo eram subversivas nos lábios dos cristãos primi-
tivos. Isso porque eram títulos que César atribuía a si próprio. Privada-
mente, as pessoas podiam crer no que quisessem. O que quer que elas
considerassem moralmente útil, terapéuticamente valioso ou espiritual e
intelectualmente esclarecedor, era muito bom. De fato, quanto mais deu-
ses, mais alegria. O Império Romano era um crisol de culturas e religiões.
Contudo, por mais variadas formas de religião e de espiritualidade que
tolerasse, Roma insistia em que elas contribuíssem para a religião civil
ou pública, que incluía o culto ao imperador. Deus podia ter o seu céu,
ou a alma interior, mas César era “ senhor da terra” .
Os primeiros cristãos não alimentaram animais selvagens nem foram
imersos em cera e depois acesos como lâmpadas no jardim de Nero porque
achavam que Jesus sabia explicar a vida ou era um modelo a ser imitado,
mas porque davam testemunho dele como o único Senhor e Salvador do
mundo. Jesus Cristo não vive apenas no coração individual de indivíduos
como a fonte de paz interior. Ele é o Criador, Governante, Redentor e Juiz
de toda a terra. E atualmente ele ordena a todos, em toda parte, que se
arrependam. Todos os ídolos são falsos. Todo o poder e autoridade, não
somente no céu, mas também na terra, são de Cristo. Ele expulsou Sata-
nás do santuário do céu, onde perseguia os santos dia e noite (Ap 12). E
agora, tendo prendido o homem forte, está saqueando sua casa na terra,
tomando de volta o que por justiça lhe pertence (Mt 12.29).
Só podemos imaginar o escândalo que um testemunho como o seguin-
te pode ter causado em César ou em seus emissários:

... nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as
visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanías, quer princi-
pados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele.
Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça
do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os
38

mortos, para em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a


Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz
pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mes‫־‬
mo todas as coisas, quer sobre a terra, que nos céus. (Cl 1.16-20)

Mais adiante, em Colossenses, Paulo escreve:

... a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e


pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele,
perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dí-
vida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos
era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e,
despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs
ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Cl 2.13-15)

Os “principados e as potestades” - sejam o pecado, a morte e Satanás,


ou os seus lacaios que espalham a destruição até aos confins da terra -
já foram destituídos do seu poder máximo. Como o próprio enganador,
eles se atropelam uns aos outros num estupor de orgulho, opressão e per-
seguição da igreja, mas serão destruídos; o tempo deles é curto (Ap 18).
Até mesmo em sua “ fraqueza” Deus envergonhou os poderosos desta
era (ICo 1.25-29).
Os césares deste mundo ainda podem governar e exigir adequada leal-
dade temporal dos seus súditos (Rm 13.1-7), mas eles governam sob o
beneplácito do Soberano do universo. A doença ainda pode cantar van-
tagem e a morte pode reclamar nosso corpo, mas ela não tem mais a úl-
tima palavra: “ Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o
teu aguilhão?” (ICo 15.55). O nosso destino não jaz nas forças impes-
soais da natureza. Não estamos à mercê das companhias de seguros e dos
planos de saúde. Não é a mão invisível do mercado, mas Jesus Cristo o
Senhor de todos os poderes e principados.
Naturalmente, os judeus devotos concordavam em que havia um só
soberano universal, Yahweh, e intrepidamente recusavam qualquer acor-
do com a idolatria gentílica. No entanto, com igual força eles rejeita-
ram a transferência que o apóstolo fez do nome de Yahweh nos profetas
(J1 2.32) para Jesus (At 2.21; Rm 10.13). Consideraram blasfemas decía-
rações como a que vemos em Atos 4.12: “ ... não há salvação em nenhum
outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado aos
homens, pelo qual importa que sejamos salvos” .
ANTES QUE VOCÊ VÁ 39

Os limites de Israel agora foram retraçados em torno de Jesus Cris-


to. Há um novo reino, o reino do céu, que espalha o seu domínio neste
mundo. Não é um reino de poder e glória, com uma capital terrena. É
um reino de graça e perdão, que vencerá a morte e a condenação sob as
quais o mundo jaz em desamparo.
Você está aturdido pela magnitude da oposição feita contra o evan-
gelho e que cresce ainda mais nas nações que outrora estavam nominal-
mente comprometidas com uma cultura vagamente cristã? A Grande
Comissão parece ameaçada pelas forças reunidas do secularismo, do is-
lamismo militante, do consumismo, da violência e do relativismo moral?
Esses movimentos estão entre os “ principados e potestades” que Cristo
derrotou objetivamente e completamente, muito embora os seus efeitos
não tenham sido eliminados finalmente e para sempre.
O especialista em Novo Testamento Oscar Cullmann comparou a
ressurreição de Cristo e o seu retorno em glória com o “ Dia D ” e com
o “Dia V” durante a Segunda Guerra Mundial. A invasão por terra des-
truiu a retaguarda das forças nazistas, mas batalhas insurgentes foram
travadas até que a vitória na Europa foi plenamente concretizada. Ain-
da agora, Cristo esmagou a cabeça da serpente e está pondo prisioneiros
em liberdade. Toda a autoridade nos céus e na terra lhe foi dada. Você
se aflige pela sua falta de entendimento, de zelo ou de fidelidade em seu
discipulado, e, mais ainda, por não saber apreciar a Grande Comissão?
Cristo é Senhor! Ele perdoou todos os seus pecados e lhe deu um novo
coração. Apesar de todos os recuos, você tem a garantia de que o seu Rei
Pastor já venceu a guerra.
2____________________
____________________

O qxodo £ a conquista
O evangelho e o reino

esus possui toda a autoridade no céu e na terra, mas o que significa


J isso para nós aquí e agora? Este capítulo fornece um mapa da historia
da redenção, localizando a nossa posição (“Você está aqui” ) e as coor-
denadas para a nossa missão no mundo atual. O que é o reino de Cristo
e o que é estar ele aqui, agora - e, se ele está, em que sentido? Hoje, tan-
to à esquerda como à direita há reinterpretações do reino que parecem
mais próximas do entendimento incorreto dos contemporâneos de Jesus.
Retraçar o projeto em desenvolvimento é vitalmente importante para en-
tendermos o contexto da Grande Comissão.

O GRANDE m a pa : O ÊXODO E A CONQUISTA


“ Sem dúvida Jesus Cristo tem toda a autoridade nos céus e na terra -
ele é Deus.” Isso é totalmente verdadeiro, mas é apenas uma parte da
história. O Novo Testamento atribui essa condição igualmente à huma-
nidade dele:

... reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tor-


nando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também
Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de
todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos
céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Je-
sus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai. (Fp 2.7-11, ênfase
acrescentada)

Do mesmo modo, lemos em Hebreus que embora “ ainda não vemos


todas as coisas a ele sujeitas” ,
42

... vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo sido feito me-
nor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento e da morte, foi
coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus, pro-
vasse a morte por todo homem. (2.8-9)

Nosso Senhor realizou algo na História - em sua vida, morte, ressur-


reição e ascensão - que o qualifica para ser juiz e justificador dos ím-
pios. Jesus é tanto o Senhor da Aliança, que comanda, quanto o Servo da
Aliança, que cumpre toda a justiça e obtém para nós o perdão, o novo
nascimento, a ressurreição e a renovação de toda a criação. Como Deus,
ele é Senhor; como ser humano, ele “ foi designado Filho de Deus com
poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a
saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.4).

O êxodo e o conquista no Antigo Testamento


Começar com o Evangelho de Mateus é como entrar para assistir a um
filme na metade dele. Temos de voltar ao Antigo Testamento para ver o
adensamento do projeto do qual Jesus Cristo é o personagem central. O
tema êxodo-conquista desdobra-se de Gênesis a Apocalipse, mas, se não
virmos de que modo ele é representado de modo diferente na nossa era,
entre as duas vindas de Cristo, a nossa interpretação da missão da igre-
ja será distorcida.
Num sentido, podemos traçar a história do êxodo e da conquista per-
correndo todo o caminho de volta à criação, quando Deus separou as
águas para criar a terra seca: um santo lugar para comunhão com o seu
parceiro pactuai. Levado das “trevas” e da condição de “vazia” (Gn 1.2)
para um pródigo jardim, o mundo foi modelado para ser o glorioso tea-
tro do reino de Deus. O próprio Deus passou pelas águas, cumprindo a
sua missão de criar o cosmos, e depois assumiu o seu trono, tendo a terra
como escabelo dos seus pés. Como vice-rei de Deus - e nosso represen-
tante - Adão também deveria cumprir a sua comissão e obter o direito,
para si e para a sua posteridade, de comer da Árvore da Vida. Adão e
Eva receberam a ordem de serem prolíferos e de multiplicar-se, governar
e dominar, devendo expulsar o inimigo de Deus que iria corromper o jar-
dim e tentar o parceiro pactuai de Deus para que se rebelasse.
No entanto, o acontecimento central do Antigo Testamento, que rever-
bera ao longo de toda a história de Israel, é o êxodo do Egito. O Cântico
de Moisés relata: “ O S enhor é homem de guerra; S enhor é o seu nome.
0 ÊXODO E A CONQUISTA 43

Lançou no mar os carros de Faraó e o seu exército” (Êx 15.3-4). Deus


se lembrou de sua aliança, feita com juramento, com Abraão, registra-
da em Gênesis 15. A aliança com Abraão era um penhor incondicional.
Além de uma descendência e uma terra nesta existência, Deus prometeu
a Abraão e a Sara uma semente que produziría bênção eterna para as fa-
mílias da terra. Moisés também foi beneficiário dessa promessa, mas a
aliança da qual ele foi o mediador no monte Sinai era temporária e con-
dicional. Pertencia à nação de Israel e dependia de que essa nação obe-
decesse rigorosamente à lei mediada por Moisés.
Entre o êxodo e a conquista havia um imenso deserto, em que Deus
se encontrava com seu povo por meio de Moisés no monte Sinai e, de-
pois, durante a travessia do deserto, no caminho para Canaã, onde Deus
erigiu a sua tenda “ fora, bem longe do arraial” (Ex 33.7). No entanto,
apesar de ter sido testemunha ocular do miraculoso livramento do Egito
operado por Deus, continuadamente o povo questionava os propósitos
de Deus e a liderança de Moisés. Como Adão, eles exigiam o alimento
que desejavam ardentemente, em vez de confiarem na Palavra e no Espí-
rito de Deus. Consequentemente, toda aquela geração - incluindo Moi-
sés - foi impedida de entrar na terra de Canaã.
Sob Josué, uma nova geração de israelitas entrou na Terra Prometí-
da, expulsando as nações idólatras e violentas contra as quais Deus vi-
nha armazenando a sua ira. De novo ouvimos ecos da comissão original
dada à humanidade. Como Adão, Israel deveria subjugar os inimigos de
Deus, expulsar a serpente do santo jardim de Deus e participar do justo
juízo de Deus sobre as nações. Repetidamente, o reino de Deus na terra
de Canaã é equiparado a uma festa: comiam e bebiam com Deus e uns
com os outros numa terra que fluía leite e mel. O salmo 68 rememora a
marcha do reino de Deus, do êxodo até a conquista de Canaã.
Finalmente, quando o templo também foi edificado como uma resi-
dência mais permanente, Deus ordenou que ele fosse construído com três
áreas principais: o átrio ou pátio externo para os gentios, o átrio interno
dos judeus, e o Lugar Santíssimo, onde o sumo sacerdote entrava só uma
vez por ano para oferecer o sacrifício expiatório sobre os chifres do altar,
acima da arca da aliança que continha as tábuas da Lei.
No entanto, mesmo estando na Terra Prometida, Israel perdeu de vis-
ta o objetivo da sua história. O salmo 78 fala novamente dessa história,
indo para trás e para frente entre os repetidos erros do povo de Deus e a
infalível fidelidade do Senhor da Aliança. Em vez de deixarem que os tipos
44

e sombras da lei continuassem mostrando para eles a vinda do “ Cordeiro


de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29), os israelitas foram atrás
dos ídolos dos pagãos que eles tinham deixado de expulsar do territó-
rio. “ ... misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus,
mais do que holocaustos. Mas eles transgrediram a aliança, como Adão;
eles se portaram aleivosamente contra mim” (Os 6.6-7). Como fizeram
os nossos primeiros pais, Israel exigia o alimento que cobiçava, em vez
de participar da festa de Yahweh. Com base no juramento que Israel fez
no monte Sinai, não há esperança. Os profetas de Deus foram enviados
como advogados da aliança de Deus, dando prosseguimento ao proces-
so e pedindo a sentença: exílio. O Reino do Norte foi levado cativo para
a Assíria, e finalmente Judá também foi exilado, este para a Babilônia.
Para o fim do exílio, nada menos era requerido do que um Adão fiel, um
verdadeiro Israel, um filho obediente.

0 êxodo e a conquista no Novo Testamento


Em muitos aspectos Moisés prefigurou Cristo, mas a tipologia (a prefi-
guração) nunca é completa. Deus deu sua lei e suas promessas por inter-
médio de Moisés. Quando Israel pecava, o mediador podería prevalecer
em sua súplica a Deus que restringiría sua ira daquela vez. As elaboradas
cerimônias e sacrifícios que Deus entregou por meio de Moisés propi-
ciavam uma “cobertura” temporária das transgressões. Esses ritos dire-
cionavam a fé do povo de Israel para o verdadeiro Cordeiro de Deus.
No entanto, o ministério mediatário de Moisés era parcial e temporário.
Nem Moisés nem os sacerdotes podiam perdoar pecados ou curar os co-
rações extraviados do povo de Deus. O ministério de Moisés foi grande.

Jesus, todavia, tem sido considerado digno de tanto maior glória


do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que
a estabeleceu... E Moisés era fiel, em toda a casa de Deus, como
servo, para testemunho das coisas que haviam de ser anunciadas;
Cristo, porém, como Filho, em sua casa; a qual casa somos nós, se
guardarmos firme, até ao fim, a ousadia e a exultação da esperan-
ça. (Hb 3.3, 5-6; ênfase acrescentada)

Um “ tipo” do Antigo Testamento é como o trailer de um filme. En-


quanto o mar Vermelho foi um trailer, a cruz de Cristo foi o próprio juí-
zo supremo. E, diferente de Moisés e dos israelitas, Jesus atravessou esse
0 ÊXODO E A CONQUISTA 45

mar somente depois de se afogar nele. O apóstolo Paulo chegou a iden-


tificar a cruz como a sua travessia do mar Vermelho (ICo 10.1-6). Mas
também, diferente de Moisés, Jesus não foi impedido de entrar na Ter-
ra Prometida, mas abriu as portas do Paraíso para seu povo e lá entrou
como o pioneiro vencedor deles.
Como Moisés e os israelitas, Jesus foi testado no deserto - seus quaren-
ta días recapitulando os quarenta anos de Israel. Em vez de exigir o fruto
proibido (como Adão) ou o alimento cobiçado (como a geração incrédu-
la no deserto), Jesus respondeu à tentação de Satanás com a Palavra de
Deus. Todas as respostas de Jesus à tentação de Satanás (Mt 4.1-11) foram
tomadas do sermão de Moisés registrado em Deuteronômio 6.13,16;8.3.
Depois de ter passado fielmente pelo teste, suportando a tentação e
cumprindo toda a justiça, Jesus sofreu no seu próprio corpo o juízo que
cabia a nós. E depois ele foi ressuscitado pelo Pai e pelo Espírito para o
santo repouso semanal da glória eterna. Esse é o êxodo verdadeiro, pelo
qual o Filho comprou para Deus “ os que procedem de toda tribo, língua,
povo e nação” (Ap 5.9). Então, na cena final do seu ministério terreno,
Jesus estava prestes a ascender, começando a conquista·, dessa vez, não
meramente de uma faixa de terra de um terreno na Palestina, por meio
da espada, mas de toda a terra, por meio da espada da sua Palavra e do
seu Espírito.

A s c e n s o e m c o n q u is t a

Não é de admirar que, se Jesus tivesse que corrigir o entendimento erró-


neo dos discípulos quanto à natureza do êxodo verdadeiro, teria sido ne-
cessária uma instrução séria sobre o significado da real conquista, para a
qual a vitória sob Josué meramente apontava como tipo e sombra. A últi-
ma pergunta que os discípulos fizeram a Jesus antes da sua ascensão foi:
“ Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6).
Antes de passarmos à resposta de Jesus, é importante recordar o que ha-
via por trás dessa importante pergunta.

O reino (conquista) que eles estavam esperando


O reino messiânico de paz foi antecipado em muitas passagens, principal-
mente em Isaías 9.11;11.9-10;32 e Miqueias 5.1. O rei redentor viria da
casa de Davi, entronizado em majestade (SI 47; 93; 96; 97; 99). O próprio
Jesus recorreu a Daniel 7 para seu título como Filho do Homem. Deus é
rei quanto à posição, governando a totalidade da História com vistas ao
46

seu propósito supremo de estabelecer o seu reino universal. Contudo, no


último dia ele será final e definitivamente reconhecido como rei de toda a
terra. Ele reinará não somente como Criador, Provedor e Legislador, mas
também como Redentor, Juiz e Consumador. Chegando quase ao nível
do shema encontrado em Deuteronômio 6 (“ Ouve, Israel, o S enhor , o
nosso Deus, é o único S enhor” ), há uma oração judaica intitulada Qad-
dish que surgiu no cativeiro babilónico. Diz ela:

Glorificado e santificado seja o seu grande nome no mundo que ele


criou segundo o seu próprio beneplácito. Queira ele estabelecer o
seu domínio como rei e iniciar a libertação do seu povo; e queira
ele trazer o seu Messias e redimir o seu povo durante o tempo da
tua vida, e em teus dias, e no tempo da vida de toda a casa de Is-
rael, depressa e em curto tempo; e tu dirás Amém.1

Jesus conhecia muito bem essa oração, e a Oração do Senhor ecoa as


suas petições.
Antes e imediatamente depois de Jesus, surgiram vários pretendentes
ao título messiânico e que lançavam campanhas para expulsar os roma-
nos. De fato, até os fariseus mais moderados estavam tentando fazer com
que todos se reconsagrassem à lei mosaica em todos os seus detalhes,
para que o Messias pudesse vir. No entanto, o problema é que, com base
na aliança da lei que Israel jurou no Sinai (“Tudo o que falou o S enhor
faremos e obedeceremos” [Ex 24.7]), Israel não tinha esperança. Sobre
essa base, Israel permanece condenado, “ em Adão” , como o restante da
raça humana.
N ão obstante, os profetas proclam avam uma “ nova alian ça”
(Jr 31.31-34). Esse foi um juramento feito por Deus, antes que por Is-
rael, com sua promessa de perdoar seu povo e de dar a eles novos cora-
ções. O próprio Deus levantaria um “ Renovo justo” de Davi, que seria
chamado “ S enhor, Justiça Nossa” (Jr 23.5-6). Essa nova aliança olhava
retrospectivamente para a promessa que Deus jurou a Abraão, e pros-
pectivamente para a vinda do Filho messiânico de Davi, que julgaria e
salvaria (Is 40-55; Ob 21; Mq 4.3; Sf 3.15; Zc 14.16-17). Ele reuni-
ria suas ovelhas espalhadas, cumpriría toda a justiça, revestiría os seus
de santidade, perdoaria todos os seus pecados e faria de toda a terra o
teatro da sua graça e da sua glória para sempre. Esse ato final de salva-
ção e juízo não seria um mero ensaio geral ou um tipo, como as guerras
0 ÊXODO E A CONQUISTA 47

santas que Deus ordenara contra as nações idólatras que habitavam Ca-
naã. Não seria uma amostra de atrações vindouras. Seria a coisa real.
Resultaria não meramente em vida e morte temporal, mas num veredi-
to final e eterno.
Apesar das diversas interpretações dos profetas sobre o fim dos tem-
pos, a expectativa judaica na época do século 1- era dominada por urna
distinção entre “esta era” (sob o reinado do pecado, da morte e da opres-
são) e “a era por vir” (sob o reinado da justiça, da ressurreição e da paz).2
No entanto, essas eram vistas geralmente como claramente demarcadas
com uma óbvia e clara linha divisoria na Historia. Esta era é de total
exilio para o povo de Deus, mas na era por vir nada haverá senão bên-
ção, justiça e paz.
Neste ponto devemos evitar dois entendimentos incorretos muito “gen-
tilicos” do reino. Num extremo, está a ideia do reino como uma reali-
dade puramente espiritual, equivalente à ideia grega da imortalidade da
alma. Na mitologia greco-romana se pensava que as almas virtuosas e
heroicas ascendiam aos Campos Elisios, e a “ salvação” era a libertação
do corpo, que Platão, entre outros, chamava “a casa prisão da alma” . Há
muitas semelhanças entre as versões oriental e ocidental dessa história.
Essa visão do “pós-vida” tem sido um costume muito difícil de ser que-
brado no Ocidente. Para muitos dos nossos vizinhos - talvez até mesmo
cristãos - o reino dos céus é um lugar de bem-aventurança incorpórea,
com imagens de anjos tocando harpa e saltando de nuvem em nuvem.
A salvação vem a ser o equivalente a “ ir para o céu” . A palavra “ pas-
sarnento” tornou-se parte do nosso vocabulário, mesmo como cristãos,
embora tenha sido introduzida pela fundadora da Ciência Cristã, Mary
Baker Eddy. A morte não é real - ou, ao menos, não é uma sinistra amea-
ça, mas o portal de libertação deste mundo.
A linha seguida pela narrativa bíblica é radicalmente diferente. Ela
fala do reino dos céus não como uma fuga ou livramento deste mundo,
mas como uma forma de existência completamente nova para o mundo
e seus habitantes. Exceto quanto aos saduceus, a maioria dos judeus do
tempo de Jesus esperava a vinda do reino como uma total renovação da
criação: ressurreição do corpo, paz e justiça global, férteis vinhas e lau-
tos banquetes. O contraste não é entre este “mundo inferior” de matéria,
tempo e espaço, e o “ mundo superior” , de espírito atemporal, mas sim
entre “esta era” (dominada pelo pecado e pela morte) e “ a era por vir”
(dominada pela justiça e pela vida).
48

Estas categorias - esta era e a era por vir - eram empregadas ampla-
mente no tempo de Jesus, e ele e seus apóstolos fizeram uso delas expli-
citamente (Mt 12.32; 24.3; ICo 2.6; G1 1.4). O que é prometido para
a real nova era é uma nova criação, uma nova aliança e novos céus e
nova terra. De fato, no livro do Apocalipse (especialmente no cap. 21),
não somente desaparecem os limites horizontais entre céus e terra; tam-
bém desaparece o limite vertical entre o céu e a terra. Finalmente, Deus
habitará no meio do seu povo como sua fonte, centro e circunferência.
Haverá justiça e paz. O leão se deitará com o cordeiro, e os guerreiros
transformarão suas espadas em arados.
No Novo Testamento a morte é uma tragédia - o resultado do pecado.
No entanto, todos os que confiam em Cristo serão ressuscitados à seme-
lhança do seu corpo glorificado para comerem e beberem para sempre na
presença de Deus. Deus guarda as almas dos seus santos depois da morte
deles, mas, nas palavras do Credo Apostólico, a esperança final e supre-
ma de salvação é “ a ressurreição do corpo e a vida eterna” numa criação
renovada (ver Rm 8.23-24). A morte não é um estágio irreal, e nem um
estágio natural da vida. E uma maldição pela quebra da lei de Deus - o
supremo exílio. Somente no êxodo de Jesus das águas do juízo é que nós
poderemos ser levados em segurança para a era por vir.
No outro extremo está a ideia do reino como mero desenvolvimento
moral da raça humana na direção de um mundo de amor, paz e justiça.
Essa ideia, frequentemente associada ao Iluminismo e ao liberalismo pro-
testante, ajusta a visão radicalmente teocêntrica dos profetas à marcha
antropocêntrica do progresso iluminado. Por mais secularizada que seja,
essa visão é, em muitos aspectos, um legado da “cristandade” . Se o pri-
meiro erro “gentílico” é imaginar uma fuga deste mundo pela ascensão
da alma, este segundo erro identifica o reino com a gradual ascensão da
humanidade rumo a um reino de amor, justiça e retidão.
Para os profetas, era o reino de Deus - descendo dos céus, não evoluin-
do na terra. Ele traria um juízo celestial final à terra, que resultaria em vida
eterna e em morte. A reivindicação que Deus faz da terra toda é muito mais
abrangente do que a de Alexandre, o Grande, e a dos imperadores roma-
nos, mas somente Deus pode torná-la realidade. A felicidade e prosperida-
de da humanidade e do restante da criação é o resultado, mas a glória de
Deus é o motivo e o objetivo. Perdoados e renovados, os herdeiros parti-
cipam do progresso deste reino. No entanto, suas realidades salvíficas são
trazidas à terra diretamente por Deus, não obtidas pelo esforço humano.
O EXODO E A CONQUISTA 49

Os profetas proclamavam o perdão dos pecados, a concessão de um


novo nascimento, e a reunião de um remanescente de todas as nações em
Sião, junto com a ressurreição dos mortos, o juízo final e a entrada no
sábado celestial como um só acontecimento. Contudo, um “ duplo cum-
primento” é uma característica das profecias bíblicas. Kim Riddlebarger
o comparou a urna subida às montanhas. Do sopé, a cordilheira parece
uma só, mas à medida que você a escala e vai chegando mais perto, re-
conhece múltiplos picos, um por trás do outro.3 Realmente, a salvação e
o juízo compõem um só acontecimento, mas em dois estágios distintos.
Como vemos abaixo, o próprio Jesus distinguía entre os aspectos do seu
reino já presentes e sua consumação ainda no futuro.
Os discípulos de Jesus, aparentemente como João e seus discípulos,
interpretavam o ministério de Cristo dentro do plano êxodo-conquista.
Embora menos radicais que os revolucionários zelotes, os fariseus estavam
conclamando todos os israelitas a um novo e radical compromisso com
a lei mosaica em todos os seus detalhes, para que o Messias pudesse vir.
Isso incluía serem rigorosos quanto às leis da pureza, impedindo que tudo
que fosse impuro entrasse no templo: doentes, pessoas com infecção con-
tagiosa ou com defeitos, e, certamente, todos os marginalizados morais.
A esse contexto veio o último dos profetas da antiga aliança, João Ba-
tista, preparando o caminho para o Messias no deserto. Todavia, João não
pregou revolução - a derrubada dos romanos. Em vez disso, ele advertia
o povo quanto ao iminente juízo sobre Israel, pregando: “Arrependei-
-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2). Evidentemente, ele
não os estava advertindo simplesmente de que precisavam pedir a Jesus
que entrasse em seus corações antes que morressem, nem os estava con-
vidando a participar da obra de fazer do mundo um lugar melhor e mais
gentil. Como os demais profetas, João anunciava um juízo iminente na
terra, mas provindo do céu. Conquanto acolhesse bem os marginalizados
que se arrependiam - até mesmo prostitutas - João repreendia os líderes
religiosos por sua presunçosa confiança no fato de que descendiam de
Abraão, e anunciava um juízo iminente - até mesmo dentro da casa de
Israel (Mt 3.9-10). Ele dizia:

Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem
depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou
digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.
A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira;
50

recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo


inextinguível. (Mt 3.11-12)

Esse reino ainda não chegou, mas está próximo, João anunciava. Era
tempo de todo o Israel lamentar sua infidelidade para com a aliança e de
preparar-se para a chegada do Messias. Esse reino, que “ está próximo” ,
nada menos é do que “ a ira vindoura” (Mt 3.2,7). O juízo começaria
na casa do Senhor, com a chegada daquele que batizaria com o Espírito
(salvação) e com fogo (condenação).
Então, um dia, o Messias foi ao rio Jordão para ser batizado por João,
e o Espírito desceu em forma de uma pomba e o Pai declarou do céu:
“ Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17).
Assim, seria difícil admirar que João Batista esperasse que tudo isso
acontecesse durante o período de sua vida, ou, ao menos, durante o mi-
nistério terreno de Jesus. Contudo, com o passar do tempo, o ministé-
rio de Jesus pareceu ficar aquém das expectativas de João. Se Jesus era
o Messias, por que a ressurreição dos mortos e o juízo final ainda não
haviam ocorrido? Por que Herodes continuava no trono, ao lado da sua
ímpia rainha, que acabou exigindo a cabeça de João? Na prisão, aguar-
dando a execução, João enviou seus discípulos com uma provocante per-
gunta: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?”
(Mt 11.3). Em outras palavras, “ Diga-nos se estamos pondo as nossas
esperanças no messias errado” .
Jesus respondeu:

Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos veem,


os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os
mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evan-
gelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo
de tropeço. (Mt 11.4-6)

Então, Jesus voltou-se para a multidão e falou a respeito de João Ba-


tista. Não apareceu nenhum profeta maior do que João, disse ele, “ mas
o menor no reino dos céus é maior do que ele” (Mt 11.11). E Jesus acres-
centou: “Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é to-
mado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele” (Mt 11.12).
A “ ira de Deus” por vir, da qual João falava, não seria uma repri-
se das guerras santas que Deus ordenou quando Israel empreendeu sua
0 ÊXODO E A CONQUISTA 5‫ו‬

conquista. Justamente quando parecia que as multidões estavam pron-


tas para renovar a aliança do Sinai, Jesus lhes entregou uma partitura
diferente. A resposta de Jesus - a saber, que o evangelho era pregado
aos pobres, com várias curas como sinais para autenticá-lo - mal pare-
cia qualificar-se como a renovação cósmica prometida pelos profetas do
Antigo Testamento. Contudo, parece ser esse exatamente o caráter do
reino na sua atual fase.
Na sua primeira vinda, Jesus foi o Servo Sofredor, que cumpriu toda
a justiça e que suportou a maldição. Sua ressurreição foi a aurora da era
vindoura, pois ele constitui as “primicias” dos santos ressurretos e glori-
ficados. No entanto, apenas na sua segunda vinda se dará a consumação
das bênçãos do reino. Todos os mortos serão ressuscitados, o Messias
assumirá seu trono para o juízo final e dará as boas-vindas às suas ove-
lhas, recebendo-as no reino preparado para elas desde a fundação do
mundo. Quando ele voltar em juízo, as campanhas guerreiras de Josué
empalidecerão em comparação com “a ira do Cordeiro” (Ap 6.16). To-
davia, por ora, seu reino é um reino de graça, quando Cristo reúne um
povo por meio do Espírito para a festa eterna.
Era precisamente isso que confundia a todos, incluindo seus próprios
discípulos. Jesus vem, proclamando o perdão dos pecados como a men-
sagem do seu reino, e ninguém parece feliz. Explicando a diferença entre
o ministério de João, seu “precursor” , e o seu próprio, Jesus diz (parece
que com alguma frustração):

A quem hei de comparar esta geração? E semelhante a meninos que,


sentados nas praças, gritam aos companheiros: Nós vos tocamos
flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes.
Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: Tem demônio!
Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glu-
tão e bebedor de vinho, amigo de publícanos e pecadores! Mas a
sabedoria é justificada por suas obras. (Mt 11.16-19)

João veio com a mensagem que anunciava juízo iminente, com o com-
portamento de um profeta lamentoso, enquanto “ o Filho do Homem”
veio comendo e bebendo. Jesus vem com o evangelho de perdão. O noivo
chega para sua festa de núpcias, vestindo sua noiva com roupas festivas
(Mt 22.1-14). Contudo, aquele é triste demais e esta é alegre demais. A
má notícia não pode ser tão má assim, e a boa não pode ser tão boa. Nin-
guém parece estar preparado, nem para um funeral, nem para uma festa.
52

Por meio da sua pregação e seus feitos, Jesus havia inspirado os seus
seguidores a anteciparem a iminente consumação do reino. Os discípulos
tinham perdido de vista o objetivo da jornada de Jesus ao longo do seu
ministério. A mãe dos discípulos Tiago e João perguntou a Jesus se seus
filhos poderíam sentar-se à direita e à esquerda de Jesus quando ele viesse
no seu reino, mas Jesus replicou que ela não sabia o que estava pedindo: a
saber, que eles seriam crucificados, um à sua esquerda e o outro à sua di-
reita (Mt 20.21-22). Toda vez que Jesus falava de sua morte e ressurreição,
Pedro procurava mudar de assunto, e Jesus o repreendia (Mt 16.21-28;
20.17-28; 26.30-35). Apesar de Jesus ter dito: “ ... precisamente com este
propósito vim [sua morte] para esta hora” (Jo 12.27), os discípulos ain-
da estavam pensando num reino de poder e glória. Símbolo de fracasso,
antes que de triunfo, a cruz era a última coisa que eles tinham em mente.
Fugiram da sua crucificação com medo e desespero: “Nós esperávamos
que fosse ele quem havia de redimir a Israel” (Lc 24.21).
Contudo, nessa mesma estrada para Emaús (em Lc 24), Jesus pro-
clamou sua pessoa com base em todas as Escrituras, e os discípulos o
reconheceram como o seu Senhor ressurreto no partir do pão. Então
compreenderam o real significado do êxodo, mas certamente a conquista
seria, finalmente, a derrota dos romanos e a restauração de Israel. Mas
nesse mesmo momento, o “Josué” deles anunciou a sua partida. Um
instante antes de sua ascensão, a última pergunta que os seus discípulos
lhe fizeram foi: “ Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Is-
rael?” (At 1.6).

O reino (conquista) que veio


Então Jesus se levantou diante dos apóstolos e, exatamente no início da
conquista, partiu. Em Atos 1, Lucas lembrou ao destinatário do seu re-
lato, Teófilo, que o seu evangelho narrava

todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em


que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito
Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas. A estes,
também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas
provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e fa-
lando das coisas concernentes ao reino de Deus. (At 1.1-3)

Jesus foi ressuscitado “ depois de ter padecido” . Não há êxodo sem a


Páscoa. O acontecimento original foi o julgamento pelo qual o Espírito
0 ÊXODO E A CONQUISTA 53

de Deus ignorou as casas do Egito cujas batentes das portas tinham sido
borrifadas com sangue e levou a morte ao restante das casas das famí-
lias do país. Na antiga dispensação, a Páscoa era a participação anual
dos israelitas nesse acontecimento de juízo e livramento. Especialmente
comovente é Isaías 53, que profetiza o advento do Servo Sofredor, que
levaria sobre si “ o pecado de muitos” , “justificará a muitos” e interce-
deria “pelos transgressores” (v.11-12).
Ao instituir a Ceia na véspera da sua crucificação, ao som ambien-
tal do balido das ovelhas da Páscoa, Jesus disse: “Tomai, comei; isto é o
meu corpo... isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derrama-
do em favor de muitos para a remissão de pecados” (ver Mt 26.26-28).
Esse testamento foi posto em ação na cruz (Hb 9.15-22). Enquanto os
sacrifícios da antiga aliança só cobriam pecados até o dia da redenção
final, Jesus Cristo ofereceu-se “ uma vez por todas” . “Por isso mesmo,
ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para
remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a
promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados” (Hb 9.15,
ênfase acrescentada). O nosso Sumo Sacerdote entrou, não numa réplica
do santuário terreno, mas no santuário celestial, com seu próprio sangue,
“para comparecer, agora, por nós, diante de Deus” (Hb 9.24).
Mesmo depois do seu êxodo através das águas da morte, Jesus condu-
ziu os seus discípulos por meio de um novo deserto nos quarenta dias de
preparação que antecederam a sua ascensão. Houve dez aparecimentos
de Jesus Cristo depois da sua ressurreição, incluindo o seu aparecimento
a quinhentas pessoas na Galileia (ICo 15.6). Houve então um intenso
período de instrução ministrada aos discípulos, “falando das coisas con-
cementes ao reino de Deus” (At 1.3). Foi como um seminário Berlitz de
instrução em apenas um mês.
Josué e Jesus são realmente o mesmo nome em hebraico (Yesbua, que
significa “ Deus salva” ). E agora, exatamente como o primeiro Yeshua
introduziu os israelitas em Canaã ao fim de quarenta anos, o segundo
Yeshua terminou os seus quarenta dias entrando na Canaã celestial, me-
diante conquista.
Mencionei acima a importância do tema “comer e beber com Deus”
no Antigo Testamento. Essa fórmula, “ comer e beber” , não é mero si-
nal de comunhão, mas sim uma refeição para fazer uma aliança. Adão e
Eva comeram sem Deus quando escolheram o fruto que havia sido proi-
bido, e o luxuriante Jardim tornou-se uma terra assolada. Moisés, Arão
54

e os anciãos “comeram e beberam com Deus” no alto do monte Sinai.


O tema continua com a visão da bênção de comer e beber com Deus na
terra de Canaã.
No entanto, Jesus trouxe o novo vinho do reino de Deus. O lamento-
so ministério de João Batista foi superado pelo alegre ministério de Jesus.
De fato, os discípulos de João lhe perguntaram por que os discípulos de
Jesus não jejuavam, enquanto eles e os fariseus o faziam. “Podem, aca-
so, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está
com eles?” , respondeu Jesus. “ Dias virão, contudo, em que lhes será ti-
rado o noivo, e nesses dias hão de jejuar” (Mt 9.15).
Durante aqueles quarenta dias entre a ressurreição e a ascensão, as re-
feições - comer e beber na presença de Deus - foram centrais. Em Atos
1.4-5 Lucas relata: “ ... comendo com eles [Jesus], determinou-lhes que
não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai,
a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade, batizou com
água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo” .
Em Lucas 24.36-43 é dada ênfase especial ao comer e beber, primeiro
como ocasião para Jesus provar que não era um espírito: “ um espírito
não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (v.39) e “ ele comeu
na presença deles” (v.43). Mais adiante, em Atos, Lucas relata que Jesus
apareceu “não a todo o povo, mas às testemunhas que foram anterior-
mente escolhidas por Deus, isto é, a nós que comemos e bebemos com
ele, depois que ressurgiu dentre os mortos” (At 10.41). Mas esse fato de
comer e beber é também enfatizado como uma refeição da nova alian-
ça por meio da qual Jesus assegura a seus discípulos o perdão dos seus
pecados. As palavras e os atos de Jesus nessas refeições pós-ressurreição
seguem a fórmula que Jesus tinha empregado no cenáculo, quando ins-
tituiu a Santa Ceia.
A comunhão à mesa é um motivo central para o gozo do reino (ban-
quete internacional), e é corretamente incluída como parte central da
adoração da nova aliança (o “partir do pão” em At 2.42). Precisamente
como os dois discípulos que o Jesus ressurreto encontrou no caminho de
Emaús, em Lucas 24, ouviram-nos expor “ o que a seu respeito constava
em todas as Escrituras” , e eles o reconheceram quando ele partiu o pão ,
assim também, no cenáculo, vemos de novo o ministério da Palavra e
da Ceia, exercido por Jesus, como a dupla certeza da sua vitória - e da
participação nesta. O apóstolo Paulo diria aos corintios que o cálice da
bênção e o pão partido são uma “comunhão” no corpo e no sangue de
0 ÊXODO E A CONQUISTA 55

Cristo (ICo 10.16). Num contexto pactuai, a refeição ratifica o tratado


com todos os que aceitam a sua promessa. Assim, mesmo no ambiente
de uma festa, ainda estamos no mundo de uma diplomacia estrangeira:
no ambiente pactuai de um tratado de paz.
Lucas continua sua narrativa da pós-ressurreição relatando que Jesus
determinou a seus discípulos “ que não se ausentassem de Jerusalém” ,
mas que esperassem o Espírito prometido (At 1.4). Deus havia dito a
Josué que desse instruções a cada uma das doze tribos antes de entra-
rem em Canaã em conquista, e Jesus deu instruções a seus doze após-
tolos (menos Judas, naturalmente). Eles também deveriam esperar pela
capacitação celestial para tomarem posse, dessa vez de toda a terra, não
pela espada, mas pela palavra do seu testemunho de Jesus Cristo. Agora
não era só Jerusalém e Judeia o campo a ser conquistado, mas os “ con-
fins da terra” .
Porém, primeiro eles tinham de aprender. Apóstolos (embaixadores)
são enviados·, eles não enviam a si mesmos. Antes de irem, tinham de ser
preparados pela instrução de Jesus e receber o poder do Espírito. Con-
quanto João Batista tenha dito que o Messias batizaria com o Espírito
Santo e com fogo, Jesus assegurou aos seus discípulos que eles seriam
batizados unicamente com o primeiro, não com o segundo. O Espírito
descería com bênção sobre aqueles que Jesus tinha revestido com sua
justiça. Depois ele retornaria no fim dos tempos para julgar o mundo.
No cenáculo (Jo 14-15), Jesus já tinha preparado os seus discípulos
para a sua partida e para a vinda do Espírito. “ Convém-vos que eu vá,
porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém,
eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7; ver Jo 14.16,26,28; 15.26).
O que podería ser melhor do que Jesus continuar o seu ministério en-
tre eles? Como podería haver uma nova conquista sem Josué comandan-
do as tropas? Jesus já tinha respondido a isso no seu sermão no cenáculo
(Jo 14-16). Ele ascendería ao Pai, e ele e o Pai enviariam o Espírito em
sua missão de conquista na terra. Jesus chamou o Espírito Santo de “ ou-
tro parakletos” (advogado), que traria convicção interior de pecado e fé
no evangelho, enquanto o próprio Jesus intercedería da sala do tribunal
celestial. O mesmo Espírito que revestiu o Servo com nossa carne e depois
o revestiu com o poder celestial para o seu ministério terreno, “revestiría”
os discípulos. Na conclusão do seu Evangelho, Lucas relatou as palavras
de Jesus: “ Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei,
pois, na cidade até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.49).
56

Imagine o que teria acontecido se um evento único do juízo final e


da salvação tivesse ocorrido durante o primeiro advento de Jesus. Não
teria havido brecha entre as nuvens do juízo, com espaço para o ar-
rependimento e a fé em Cristo. O evangelho não teria sido pregado a
Israel e às nações, agora com dois milênios de colheita dirigida pelo
Espírito. Então, o mundo teria sido confirmado na culpa e no juízo de
condenação eterna, sem nenhuma esperança de perdão e de entrada na
nova criação.
No entanto, a última pergunta que os discípulos fizeram a Jesus antes
da sua ascensão foi: “ Senhor, será esse o tempo em que restaures o reino
a Israel?” (At 1.6). É uma pergunta importante. Sem dúvida foi provoca-
da pela ênfase de Jesus em seus quarenta dias de instrução, “falando das
coisas concernentes ao reino de Deus” (At 1.3). Isso nos lembra o tema
da história, seu enredo central que se desdobra da promessa a Abraão
até a ressurreição dos mortos e vida eterna. Não é mera questão de “ ir
para o céu quando você morrer” . Não é apenas algo de interesse indivi-
dualista. E muito maior. Trata-se de nova recriação cósmica, histórica e
todo-abrangente.
E evidente que muito já havia acontecido para transtornar as expec-
tativas dos discípulos. Cristo inaugurou seu reino morrendo numa cruz
romana, fazendo-se maldição em nosso favor. Ele havia ressuscitado, mas
por que os demais mortos não ressuscitaram? Por que continuamos viven-
do no exílio, pensavam eles, com os romanos ocupando a terra santa? To-
das essas questões são filtradas e estão expressas nessa simples pergunta.
Jesus respondeu a última pergunta dos discípulos no seu ministério
terreno: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reser-
vou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre
vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém
como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.7-8).
Isso indica a forma que seu reino em conquista toma nesta atual era.
Como a Grande Comissão, seu reino se centraliza no testemunho de Cris-
to com o revestimento do poder pelo Espírito, levando o evangelho ao
mundo. Somente em Jesus Cristo, o verdadeiro Templo, pode ser derru-
bada a parede de separação que divide o átrio dos judeus do átrio dos
gentios - e ambos do Lugar Santíssimo. Somente em Cristo as fronteiras
de Israel podem ser expandidas para abranger toda a terra. Ele é a se-
mente de Abraão e Sara, na qual todas as nações da terra são abençoa-
das. Seu reino não é o renascimento da teocracia da antiga aliança que
0 ÊXODO E A CONQUISTA 57

Israel tinha jurado cumprir no monte Sinai, mas a concretização da alian-


ça abraâmica que Deus jurou cumprir e para a qual a aliança do Sinai
apontava. Tendo cumprido o seu papel, a antiga aliança agora é “ anti-
quada” (Hb 8.13). O reino não tem fronteiras. Não é mais uma entidade
geopolítica, mas uma embaixada global da graça. O Pai envia o Filho, o
Pai e o Filho enviam o Espírito, e o Trino Deus envia os discípulos para
cumprimento dessa missão de salvação. “Assim como tu me enviaste ao
mundo” , Jesus diz ao Pai em oração, “ também eu os enviei ao mundo.
E a favor deles eu santifico a mim mesmo, para que eles também sejam
santificados na verdade” (Jo 17.18-19).
A natureza dessa conquista da nova aliança é clara. Os discípulos de-
veríam aguardar em Jerusalém até que o Espírito viesse fazê-los testemu-
nbas de Cristo. Ele não rejeitou a pergunta feita por eles. Na verdade,
sua resposta foi: “ O Espírito Santo virá sobre vocês com poder e os fará
minhas testemunhas perante o mundo” . Pode não ter sido a resposta que
eles esperavam, mas é realmente uma resposta - a resposta que continua
a impulsionar a visão do reino dos discípulos de Cristo.
“Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma
nuvem o encobriu dos seus olhos” (At 1.9). A ascensão não foi algo que
os discípulos vivenciaram subjetivamente ou interpretaram no coração.
Foi um acontecimento que eles testemunharam juntos (“ à vista deles” ).
A nuvem na qual Jesus foi envolvido era nada menos que a Nuvem de
Glória: o Espírito que tinha pairado sobre as águas na criação, que con-
duziu Israel através do mar Vermelho e do deserto, que encheu o templo
e que depois o deixou vazio dela quando Israel violou a aliança. E o mes-
mo Espírito de Glória que envolveu Cristo, seria enviado para envolver
os seus co-herdeiros no Pentecostés.
A ressurreição foi o divisor de águas na História, com o domínio do
pecado e da morte caindo no esquecimento, tendo perdido sua posse dos
seus súditos aterrorizados, e a justiça e a vida tendo vindo para reinar. A
descida do Espírito foi o acontecimento que tornou o período subsequen-
te “estes últimos dias” . O relógio corre nesta atual era ímpia. O primeiro
fruto da colheita, as primicias, Jesus Cristo, ressuscitou, adentrou o santo
repouso eterno em conquista. A guerra no céu terminou, embora batalhas
insurgentes ainda devam ser travadas na terra. Os coxos ou aleijados,
considerados como um sinal de corrupção, eram excluídos dos átrios do
templo, mas já em Atos 3 um aleijado foi curado dentro dos átrios do
templo (3.1—4.31). Já está acontecendo - “ na terra como no céu” .
58

Jesus agora partiu realmente - “uma nuvem o encobriu dos seus olhos”
(At 1.9). Ele está verdadeiramente ausente de nós na carne. Na história
da igreja tem havido várias tentativas de minimizar esse fato da parti-
da corporal de Jesus até sua volta no fim dos séculos. Os entendimen-
tos errôneos dos gentios acerca do reino que mencionei estão em jogo
aqui. Negligenciando a nossa herança filosófica grega, podemos falar
como se Jesus ainda estivesse presente conosco espiritualmente na terra,
como em geral dizemos que um ente querido falecido “ ainda está co-
nosco” quando nos reunimos num dia especial. Podemos fazer algo pa-
recido dizendo que, uma vez que Jesus é onipresente em sua divindade,
não importa que ele esteja ausente fisicamente. Talvez até a igreja tome
seu lugar como a incorporação visível do seu Senhor que ascendeu ao
céu. É fácil, pois, ver a igreja como o substituto de Jesus na carne. O
Filho glorificado pode reinar no céu, mas a igreja (ou talvez um cabeça
ou chefe terreno dela) reina como o seu vigário (que significa substitu-
to) na terra. Foi até mesmo argumentado recentemente no sentido de
que a segunda vinda de Cristo cumpre-se na atividade transformadora
do mundo realizada por aqueles que continuam sua obra de redenção
e de reconciliação.4 Jesus simplesmente desaparece e “retorna” como a
comunidade dos seus seguidores.
Contudo, nem no momento, e nem aparentemente depois, os discípu-
los procuraram, muito menos encontraram, qualquer substituto adequa-
do para Jesus e seu retorno na carne. Jesus ressuscitou corporalmente e
ascendeu corporalmente. Na verdade, ele está formando um corpo para
si nesta era atual, mediante seu Espírito, mas o seu corpo natural, ago-
ra glorificado, está à direita do Pai. Ele não anda conosco nem fala co-
nosco num jardim, como fazia com seus discípulos, mas está exatamente
onde mais necessitamos que ele esteja. Em carne humana, glorificada na
imortalidade, o nosso Cabeça vivo garante a nossa ressurreição, interce-
dendo e reinando.
Esse ponto foi enfatizado pelos dois anjos que apareceram - talvez os
mesmos que apareceram às mulheres junto do sepulcro, em Lucas 24.
Nessa cena anterior, as mulheres foram ao túmulo com as costumeiras
especiarias próprias para os funerais, e o corpo de Jesus não estava mais
lá. “Aconteceu que, perplexas a esse respeito, apareceram-lhes dois varões
com vestes resplandecentes. Estando elas possuídas de temor, baixando
os olhos para o chão, eles lhes falaram: Por que buscais entre os mortos
ao que vive? Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lc 24.4-6). E, então,
0 ÊXODO E A CONQUISTA 59

por ocasião da ascensão, os dois anjos disseram: “Varões galileus, por


que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto
ao céu virá do modo como o viste subir” (At 1.11). Ele foi “ assunto ao
céu” corporalmente “ dentre vós” e voltará exatamente na mesma car-
ne. Eles não armaram tendas no local da ascensão nem construíram uma
capela para rememoração dos velhos e bons dias em que Jesus estivera
entre eles. Não havia tempo para isso - o roteiro ainda estava em desdo-
bramento. Em vez disso, eles correram para o cenáculo - a embaixada
terrena de Cristo - e ficaram esperando receber poder do Espírito para a
missão. Na ascensão, não foi permitido que houvesse uma interrupção
da história; ela havia apenas começado.
Lucas relatou o mesmo acontecimento nos versículos finais do seu Evan-
gelho: “ Então, os levou para Betânia e, erguendo as mãos, os abençoou.
Aconteceu que, enquanto os abençoava, ia-se retirando deles, sendo eleva-
do para o céu. Então, eles... voltaram para Jerusalém... e estavam sempre
no templo, louvando a Deus” (24.50-53). Eles seriam dentro em pouco
expulsos do templo e da sinagoga, precisamente como Jesus lhes tinha dito
no sermão no monte das Oliveiras, quando também lhes profetizou que
o próprio templo seria destruído. Este foi completamente destruído sob
o imperador Tito em 70 d.C. No entanto, o verdadeiro santuário - Cris-
to com seu povo - continuaria a ser erigido “ sem mãos” , pelo Espírito.
Intimado a comparecer perante o conselho judaico (At 7), Estêvão evo-
cou a história de Israel, com Cristo como o seu cumprimento, incluindo
a profecia do templo do fim dos tempos, não feito “por mãos humanas”
(7.48). Participando da execução de Estêvão naquele dia estava Saulo,
que se convertería (e mudaria seu nome para Paulo) mediante uma visão
semelhante à de Estêvão (7.54-60).
Em Atos 2.42 lemos que os crentes se reuniam diariamente, perseve-
rando “ na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e
nas orações” . Nessa assembléia, Jesus estaria no meio deles. Apesar de
não descer corporalmente até sua volta, Jesus assegura a sua presença
ininterrupta por meio da sua Palavra e do seu Espírito. Por ora, ele faz
de si mesmo a refeição; quando voltar corporalmente, ele comerá e be-
berá conosco na festa eterna.

No ÍNTERIM, )ESUS ABRE UMA FENDA NA H1STÓRIA


Jesus não abandonou os discípulos às vésperas da conquista. Antes, ele
entrou no verdadeiro santuário - no próprio céu - em triunfo real. Há
60

agora uma lacuna entre o ministério terreno de Jesus no passado e o seu


retorno no futuro. E a nossa história agora sobe aos céus, com o corpo
glorificado de Jesus, adentrando a era por vir. É por isso que Paulo pôde
até falar de estarmos assentados “nos lugares celestiais em Cristo Jesus”
(Ef 2.6). E mais:

... se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas


lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus... porque
morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em
Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, vós tam-
bém sereis manifestados com ele, em glória. (Cl 3.1, 3-4)

Essa demora entre os dois adventos de Cristo - o reino da graça e o


reino da glória - é uma interrupção da execução, dando oportunidade
para arrependimento. Como vemos abaixo, Jesus ensinou (principalmen-
te no discurso do monte das Oliveiras) que, durante a atual era, o rei-
no cresce pela proclamação do evangelho até quando sofre perseguição.
O reino universal de Cristo está longe de ser óbvio para o mundo. Há
e haverá guerras, fomes, terremotos, ódio - até a volta repentina e sur-
preendente de Cristo. Não há indicação de que chegaremos a ter uma era
dourada na terra e de que as nações irão dar as boas-vindas a Cristo no
seu retorno. Exatamente o contrário disso, Pedro nos lembra, os zomba-
dores mofam: “ Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que
os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio
da criação” (2Pe 3.4). No entanto, eles passam por alto o fato de que a
demora da volta de Cristo em juízo cria espaço na História para o arre-
pendimento e a fé em Cristo.
Jesus não estava abandonando o campo de batalha, mas assumindo
o lugar do comando celestial e assegurando o nosso lugar, enquanto o
Espírito liderava a campanha na terra. Satanás foi derrotado e expulso
da sala do tribunal celestial onde acusa os santos dia e noite. À direita
do Pai está a sede de todo o poder onde o nosso advogado de defesa está
assentado, ocupando o trono e intercedendo por nós. “ Quem intenta-
rá acusação contra os eleitos de Deus? E Deus que os justifica. Quem os
condenará? E Cristo Jesus quem morreu, ou, antes, quem ressuscitou, o
qual está à direita de Deus e também intercede por nós” (Rm 8.33-34).
Na qualidade de Rei vencedor, Jesus Cristo distribui os despojos da vitó-
ria a seus companheiros de campanha que, embaixo, ainda estão envolvidos
0 ÊXODO E A CONQUISTA 61

nos labores da conquista terrena. É assim que o Novo Testamento inter-


preta os “ salmos de ascensão” (principalmente os salmos 24 e 68). Jesus
entra no santuário celestial anunciando: “Aqui estou eu e os filhos que
Deus me deu” (Hb 2.13). Interpretando o salmo 68.18, Paulo explica:
“ Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons
aos homens. Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido
até às regiões inferiores da terra? Aquele que desceu é também o mesmo
que subiu acima de todos os céus, para encher todas as coisas” (Ef 4.8-10).
O que compensa a ausência corporal de Jesus na terra neste momen-
to? Nada. Um teólogo medieval disse: “ Quem olha para a igreja olha di-
retamente para Cristo” . Isso simplesmente não é verdade - e é uma boa
coisa que não seja, dado o passado cheio de altos e baixos da igreja. E
o Espírito que move a igreja a olhar para o seu Cabeça, assunto ao céu,
com fé, confiante em sua Palavra e avidamente esperando a sua volta
triunfal. O Espírito testifica de Cristo e capacita a igreja cheia do Espí-
rito a fazer o mesmo.
A queda de Israel começou quando exigiu um rei semelhante aos go-
vernantes das outras nações, em vez de satisfazer-se com o seu verdadeiro
Rei, o seu Rei celestial. Do mesmo modo, sempre que a igreja tenta tornar
o reino de Cristo visível por meio de suas decisões, programas e métodos,
ela é assimilada por esta era ímpia passageira, tragada pelas águas do mar
com o Faraó e seus fortes homens. Todavia, toda vez que a igreja procla-
ma o evangelho, batiza, ensina e administra a Ceia do Senhor, os poderes
da era por vir irrompem nesta presente era, e raia a luz da nova criação.

PENTECOSTES: O ENVIO DO ESPÍRITO


Apenas quando encaramos com toda a seriedade a ascensão - a ausência
de Jesus Cristo na carne - é que compreendemos a nossa dependência do
Espírito Santo como o único intermediário agora da sua presença ativa
no mundo. “ Convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador
não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).
Jesus não nos deixou órfãos, mas foi preparar um lugar para nós e rei-
nar em nosso favor à direita do Pai, e para que o Espírito pudesse atrair
as nações e levá-las a Cristo.

A longa e frutífera carreira do Espírito Santo


O ministério terreno do Espírito Santo não começou no Pentecostés: “No
princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma
62

e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava


por sobre as águas” (Gn 1.1-2, ênfase acrescentada). A obra do Espírito
Santo é sempre associada à conclusão: produzir os efeitos da palavra fa-
lada pelo Pai no Filho. E por isso que o envio do Espírito é tratado pelos
profetas como o sinal da consumação, o sinal de que os “ últimos dias”
haviam raiado [“naqueles dias” ; segundo a versão ARA] (J1 2.29). Isso já
era verdade quanto à criação: o Espírito estava em ação na criação para
levá-la ao ponto no qual ela viria a ser o estágio para o desdobramento
do plano de Deus e do seu relacionamento pactuai com as suas criaturas.
A narrativa do êxodo (Êx 19) também evoca a descrição da criação,
com o Espírito descendo, pairando sobre as águas, e separando-as para
que aparecesse a terra seca, e depois conduzindo o exército redimido me-
diante coluna e nuvem rumo ao descanso do sábado. O Espírito descia
também sobre o tabernáculo e depois o templo, e o enchia, bem como
pousando sobre os profetas para a singular missão deles.
Esse mesmo Espírito separou as águas, por assim dizer, no ventre de
uma virgem para fazer aparecer a “ terra seca” , não somente para a co-
munhão divino-humana, mas também para que o Filho assumisse a nos-
sa humanidade. Quando Maria perguntou: “ Como será isto, pois não
tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre
ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua som-
bra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Fi-
lho de Deus” (Lc 1.34-35). Segundo o Evangelho de Mateus, antes de se
concretizar o casamento ou a união conjugal com José, Maria “ achou-se
grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1.18).
O Espírito a “ envolve com a sua sombra” levando à completude a
palavra criadora do Pai no Filho, compartilhando a bênção trinitária:
“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Ecos
de Gênesis 1 e 8 (incluindo a fórmula da bênção) são evidentes no relato
do batismo de Jesus: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe
abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo
sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu filho amado,
em quem me comprazo” (Mt 3.16-17).
Depois de ter sido batizado por João, Jesus, “ cheio do Espírito San-
to,... foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto, durante quarenta dias,
sendo tentado pelo diabo” (Lc 4.1-2; cf. Mt 4.1). Nesses quarenta dias
ele recapitulou o teste de Adão e os quarenta anos de provação de Israel
no deserto. A autoconsciência de Jesus como Servo do Senhor profetizado
O EXODO E A CONQUISTA 63

por Isaías é inseparável do revestimento do Espírito. Em seu primeiro


sermão público, Jesus tomou o rolo na sinagoga e leu Isaías 61.1-2: “ O
Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar
os pobres” (Le 4.18). Então ele anunciou: “Hoje, se cumpriu a Escritura
que acabais de ouvir” (Le 4.21).
Jesus realizou seus milagres pelo Espírito - de fato, atribuí-los a Sata-
nás é “ blasfemar contra o Espírito Santo ” (ver Mc 3.28-30; Lc 12.10).
Jesus também deu o Espírito aos seus discípulos (Jo 20.22). Em Êxodo
19, o importante acontecimento da descida do Espírito é representado
pelo som do movimento de uma nuvem de criaturas aladas, cena repe-
tida em todo o livro de Ezequiel e que retornaria no Pentecostés, com a
edificação do santuário do fim dos tempos, não feito por “mãos huma-
nas” , que Ezequiel profetizou.
Ao Espírito é particularmente atribuída a dignidade de transformar
o espaço criado num local pactuai: um lar para comunhão entre Cria-
dor e criatura, estendendo-se até aos confins da terra em ondas de labor
real. Nos profetas, o Espírito é associado à nuvem de glória (Is 63.11-14;
Ag 2.5) e ao vento ou sopro divino - ruacb, a mesma palavra hebraica
para espírito/o Espírito (SI 104.1-3). É, de fato, pelo Espírito que todas as
coisas são criadas e renovadas (SI 104.30). A presença do Espírito sempre
assinala a chegada do reino de Deus em juízo e salvação.
O Espírito que revestiu Cristo com a nossa carne, na glória consuma-
da, agora nos reveste com Cristo. Adão tornou-se “um ser vívente” quan-
do Deus “lhe soprou nas narinas o fôlego de vida” (Gn 2.7). Nesse caso,
“ sopro” (ruacb) é a mesma palavra empregada para referir-se ao Espíri-
to de Deus, e, com muitos dos pais da igreja, eu interpreto “ o sopro de
vida” aqui como “ o Espírito de vida” . Ouvimos ecos disso na descrição
do Espírito enchendo o templo em Ezequiel 37 e em João 20.22, quan-
do Jesus soprou sobre os discípulos e eles receberam o Espírito Santo.
Em todos esses acontecimentos da história da criação e da redenção,
o Espírito é enviado como a testemunha divina ou como o advogado
pactuai que envia as testemunhas humanas (profetas e apóstolos). Nos
profetas, em toda parte “ o dia do Senhor” é o juízo final. Já em Gênesis
3.8, Deus chega para acusar Adão depois da sua desobediência “ pela vi-
ração [ruacb] do dia” ; ruacb - o mesmo termo para o Espírito Santo em
outra passagem - é usado aqui. É por isso que Jesus chama ao Espírito
“ outro parakletos” , outro “ advogado” . A chegada do Espírito anuncia
juízo e justificação.
64

O Espírito Criador é, até mesmo logo no início, uma testemunha di-


vina do objetivo da criação: a saber, a consumação. Frustrada por Adão
na primeira criação, esse objetivo é atingido final e definitivamente pelo
Último Adão na nova criação, mas ele o realiza como nosso representante
pela constante dependência do Espirito. A era por vir deve ser conquis-
tada por Cristo; e deve ser dada pelo Pai; e o Espírito deve introduzi-la
no presente, mesmo no meio desta atual era ímpia.
Não é de admirar, então, que o derramamento do Espírito seja iden-
tificado com os “ últimos dias” - específicamente os últimos dias desta
atual era ímpia, antes da entrada no sabá eterno (a era por vir). O Espí-
rito vem do consumado futuro da glória do sabá, como a pomba que le-
vou para Noé uma folha nova no seu bico como um arauto da nova vida
existente além das águas do juízo. Já na criação, portanto, encontramos
o Espírito da promessa: a Pessoa divina que impele a criação em direção
à sua meta, a qual nada menos é do que a consumação do fim da prova-
ção. Essa interpretação da relação entre o Espírito da Glória e o juízo é
apoiada principalmente por 2Coríntios 3 e 4. Em Cristo, o véu que nos
impede de ver a glória de Deus na face de Cristo é agora removido pelo
Espírito de Deus (2Co 3-6).
Como o efeito de ondas, esse Espírito que enche expandiu-se, abran-
gendo todos aqueles que estavam reunidos no cenáculo no Pentecostés. E
agora somos chamados a revestir-nos de Cristo usando sua justiça como
um manto real, e o Espírito começa a conformar-nos gradativamente
à imagem dele (Rm 13.14; G1 3.27; Ef 4.24; Cl 3.10). A habitação do
Espírito em nós, até mesmo agora, é como o pagamento de uma entra-
da pela nossa nova e plena criação à semelhança de Cristo, quando nos
“despimos” da morte e “vestimos” a imortalidade e a glória (1C0 15.53;
2Co 5.2-5). E isso que significa o fato de nos tornarmos “coparticipantes
da natureza divina” (2Pe 1.4). Em Cristo, e pelo seu Espírito, os crentes
são agora “imagem e glória de Deus” (ICo 11.7).
O Espírito esvaziou o templo terreno, exilando Judá para a Babilônia,
e agora o Espírito volta para encher o seu templo verdadeiro e eterno.
Contudo, dessa vez é o que é real, o santuário do tempo do fim: Cristo
e suas “pedras que vivem” . Ecoando a criação original, o Pai e o Espíri-
to impetraram sua bênção sobre Jesus no seu batismo (Mc 1.11), ato re-
petido pelo Pai testificando do céu quando da transfiguração (Mc 9.7).
No entanto, visto que os ouvintes estão mortos em “delitos e pecados”
(Ef 2.1), é preciso que haja uma obra interior do Espírito, convencendo-os
0 ÊXODO E A CONQUISTA 65

do pecado e dando a eles fé para confiarem em Cristo. Mesmo depois de


terem passado três anos ao lado de Jesus, seu entendimento da pessoa e
obra de Cristo e, muito mais, seu testemunho dele, dependiam da desci-
da de outra testemunha, procedente do céu: o Espírito Santo.
Os Pais da igreja (especialmente Irineu) falavam do Filho e do Espírito
como as “ duas mãos” do Pai. Com essas duas mãos, o Pai nos atrai para
seu peito, para que possamos participar do intercâmbio do amor que é
dom e que doa, e que as pessoas da Trindade têm fruido desde toda a
eternidade. Depois que o Espírito os reveste, os discípulos - eles mesmos
atraídos para essa comunhão de amor - serão emissários enviados como
testemunhas de Deus com vistas à colheita final.
Portanto, não é de admirar que Jesus tenha se referido ao Espírito
como “ outro Consolador/advogado/testemunha [parakletos]‫ ״‬, como “ o
Espírito da verdade” que ilumina os corações do seu povo para entende-
rem o ensino de Cristo (Jo 14.16-17,26). E João escreve:

Quando... vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai,


o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de
mim; e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde
o princípio... Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado,
da justiça e do juízo: do pecado, porque não creem em mim: da
justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do juízo,
porque o príncipe deste mundo já está julgado. Tenho ainda mui-
to que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando
vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a ver-
dade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver
ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorifi-
cará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar.
(Jo 15.26-27; 16.8-14)

E depois, com as últimas palavras registradas antes da ascensão, Jesus


lhes disse: “Vós sois testemunhas destas coisas. Eis que envio sobre vós a
promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade até que do alto sejais
revestidos de poder” (Lc 24.48-49). O Espírito produz em nós o “Amém!”
da fé em tudo o que Cristo realizou. No tribunal cósmico, o Espírito é
a Nuvem divina do Testemunho, cuja instrumentalidade vivificante cria
uma nuvem sempre crescente de testemunhas no céu e na terra.
Como João Batista anunciou, Jesus batiza com o Espírito e com fogo, e
como Jesus confirmou em João 14-16, o Espírito vem tanto com salvação
66

quanto com juízo. Mas esse acontecimento único está se desdobrando


em vários estágios. Isso requer paciência.
Reconhecemos a estreita conexão entre o Espírito e o juízo no ser-
mão de Pedro no Dia de Pentecostés (At 2.14-41), em que ele anunciou
o cumprimento da profecia de Joel, que, inequivocamente, tem caráter
judicial (J1 3.4,12). De fato, a explicação que Pedro deu do derrama-
mento do Espírito leva-nos de volta a Números 11.1-12.8, em que um
fatigado Moisés anela pelo dia em que todos seriam cheios com o Espí-
rito. A nova criação raiou e o Espírito desce em juízo, mas dessa vez não
para espalhar as nações orgulhosas e dividir suas línguas (como em Ba-
bel), mas para uni-las em toda a sua diversidade pelo evangelho. Uma
vez que elas estão revestidas de Cristo, o juízo do Espírito passa a ser
uma bênção até maior do que a que foi pronunciada na criação. Como
Raymond Dillard comenta, Joel profetizou que multidões viríam naquele
dia “ não para tomar uma decisão, mas para ouvir a decisão de Deus”5
(ver Jl 3.14). O Pentecostés inaugura o dia da prestação de contas - não
o dia do juízo final, mas a sua antecipação, quando Israel e as nações se-
rão reunidas para serem julgadas e justificadas nestes últimos dias antes
do último dia no qual apenas o juízo prevalecerá.
Por meio da obra do Espírito de convencer os pecadores e de uni-los a
Cristo para justificação, o veredito do juízo final já foi dado no presente:
“Agora... já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”
(Rm 8.1. ênfase acrescentada). Por meio dessa união, também o Espírito
nos faz participantes da vida da nova criação em Cristo, ressuscitando-
-nos da morte espiritual e habitando em nós como o pagamento de entra-
da com vistas à nossa ressurreição corporal para a glória (Rm 8.11,23).

0 Espírito no Pentecostés
A festa das colheitas sempre era direcionada pelos profetas para o dia
vindouro em que um remanescente de todas as nações prestaria culto em
Jerusalém. Assim como o Pentecostés vinha cinquenta dias depois da Pás-
coa no calendário judaico, o novo Pentecostés - o Pentecostés real - veio
cinquenta dias depois do sacrifício do Cordeiro Pascal.
Jesus ordenou aos discípulos que permanecessem em Jerusalém espe-
rando “ a promessa do Pai” : o batismo com o Espírito Santo, “não mui-
to depois destes dias” (At 1.4-5). Cerca de 120 pessoas estavam reunidas
no cenáculo, perto do templo, onde peregrinos, vindos de lugares longín-
quos, haviam se reunido para a festa.
0 ÊXODO E A CONQUISTA 67

Ao cumprir-se o dia de Pentecostés, estavam todos reunidos no


mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento
impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apa-
receram, distribuidas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou
uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes con-
cedia que falassem. (At 2.1-4)

Espantados ao verem aqueles galileus incultos proclamando o evan-


gelho em suas respectivas línguas, os visitantes passaram de “ atôni-
tos e perplexos” à pura e simples incredulidade: “ Estão embriagados!”
(At 2.12-13).
Assim como a presença do Espírito no ministério de Cristo foi iden-
tificada com a sua proclamação do evangelho (Is 61.1-2; Lc 4.18-21), o
resultado da descida do Espírito no Pentecostés não foi um pandemônio
descontrolado, mas a proclamação pública do evangelho por Pedro, com
os outros apóstolos ao seu lado (At 2.14-36). Aquele que covardemente
negara Cristo três vezes, nesse momento estava arriscando a vida com a
mensagem de que o Jesus que havia sido crucificado a apenas uma curta
distância de onde ele estava falando tinha ressuscitado e estava à direita
de Deus. Enfileirando uma série de citações dos profetas e do Saltério,
Pedro proclamou Cristo e essa extraordinária descida do Espírito como
o cumprimento de tudo quanto as Escrituras haviam predito. Com o co-
ração compungido, três mil pessoas aceitaram a mensagem de Pedro e
foram batizadas (At 2.37-41). Assim começou o cumprimento da Gran-
de Comissão.
Nada parecido havia jamais acontecido no ministério de Jesus. Em
João 6, Jesus atraiu a maior multidão de seus ouvintes ao alimentar cin-
co mil pessoas, mas depois só ficou com os Doze, quando se pôs a pre-
gar as doutrinas difíceis. Jesus tinha prometido a seus discípulos: “Em
verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também
as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do
Pai. E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai
seja glorificado no Filho” (Jo 14.12-13, ênfase acrescentada). O Espírito
estava sobre Jesus, mas ainda não habitava em seus ouvintes. Só depois
que Jesus tivesse partido em seu árduo êxodo e tivesse feito a conquista
do santuário celeste, poderia ser enviado o Espírito para encher, habitar e
capacitar os discípulos para a conquista na terra. Somente o Espírito pode-
ria abrir os corações humanos para entenderem e receberem o evangelho.
68

Jesus Cristo é a Palavra do Pai, mas o Espírito faz que essa Palavra dê
fruto no coração daquele que está espiritualmente morto. Com o Pai, o
Espírito deu o Filho aos pecadores na encarnação (“concebido pelo Es-
pírito Santo” ), e no sermão feito no cenáculo (Jo 14-16) Jesus prometeu
que, quando ascendesse, daria o Espírito. Nós somos beneficiários desse
intercâmbio de dons entre as pessoas da Trindade.
Por meio da obra do Espírito, o próprio Cristo está presente na sua
Palavra, no batismo e na Ceia, e está presente nos irmãos e irmãs que nos
enriquecem com o seu companheirismo. Ele é o nosso profeta por meio
dos lábios dos ministros, o nosso sacerdote por meio do serviço dos diá-
conos, e o nosso rei na disciplina dos presbíteros. Desse modo, a igreja
não ocupa o lugar de Jesus, mas o ministério exercido por ela é o meio
de graça pelo qual ele próprio cria, sustenta e expande o corpo. Dessa
maneira, o Espírito institui todos os cristãos em seus ofícios gerais como
profetas, sacerdotes e reis.
Já vimos que Deus criou a humanidade como uma analogia da sua
vida trinitária. O que se espera de nós é que conduzamos a criação, com
todas as suas variadas partes, num coro de louvor e de ação de graças.
Foram seres humanos, em sua rebelião contra Deus, que “retrucaram” ,
por assim dizer, em vez de responderem com amor obediente. Em vez de
reagir ao chamado de Deus com a resposta própria de um servo pactuai
- “ Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua
palavra” - construímos torres de Babel, aspirando a uma unidade homo-
gênea numa empreendedora tentativa de conquistar tanto o céu como a
terra (Gn 11). Essa paródia do reino de Deus oscila entre uma anarquia
individualista e uma unidade totalitária. Embora Deus ainda preserve e
autorize o estado secular, este não pode criar comunhão pacífica, uma
real comunhão de diversidade na unidade e de unidade na diversidade.
Contudo, o mesmo Espírito que desceu sobre a torre de Babel, confun-
dindo as línguas e espalhando o povo, desceu no dia de Pentecostés para
formar uma unidade genuína que preservasse a rica diversidade de lín-
gua, cultura e costumes (At 2.1-13).
O Espírito não substitui Jesus; ele nos dá Jesus, unindo um corpo ain-
da fraco à sua Cabeça glorificada. Os discípulos devem esperar pelo Es-
pírito, mas quando o Espírito vem, eles devem mover-se.
Essa é a razão pela qual a narrativa da ascensão é seguida pela da
substituição de Judas por Matías. Por que, no corre-corre do Pentecostés,
a igreja se ocupa de detalhes relacionados com o governo eclesiástico?
0 ÊXODO E A CONQUISTA 69

É porque a igreja não é simplesmente um movimento invisível, mas sim


uma instituição visível fundada por Cristo, com os apóstolos como o seu
alicerce. Em Atos 1.2 Lucas relata que Jesus “ depois de haver dado man-
damentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhe-
ra, foi elevado às alturas” (ênfase acrescentada). Não é de admirar, pois,
que a igreja pós-Pentecostes se reunisse regularmente, perseverando “na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”
(At 2.42, ênfase acrescentada). Eles foram autorizados a transmitir a ou-
tros o que lhes fora ensinado pelo próprio Jesus. Esta é a Grande Comis-
são: ir por todo o mundo pregando o evangelho, batizando e ensinando
tudo o que Jesus tinha ordenado. E o testemunho escrito deles compõe o
cânone ou a constituição que autoriza e define todo o testemunho, culto,
doutrina e prática cristã subsequente. Nada da Escritura deve ser omiti-
do, e nada deve ser acrescentado. Trata-se do reino de Cristo, e ele nos
deu a sua constituição, que deve durar sem alterações até a sua volta.
Sabemos que o reino de Cristo está em operação neste mundo porque
pecadores estão sendo reconciliados com Deus. Do sermão de Pedro no
Pentecostés até o fim do livro de Atos, o bom êxito do reino é identificado
pelo relato: “ ... a Palavra de Deus se espalhava” . De Jerusalém a Roma e
além, já havia uma crescente multidão que ouvia a Palavra, confiava em
Cristo, era batizada e começava a sua peregrinação juntos - renovada
durante o percurso pela mesma Palavra, como também pela comunhão
no Espírito, pela Ceia do Senhor e pelas orações. Batizados em uma nova
criação - isto é, em Cristo - pela fé, esses crentes formaram um núcleo
da igreja que chegaria aos confins da terra.
Esse perdão dos pecados e a ressurreição daqueles que estavam mor-
tos espiritualmente é um milagre maior do que o da ressurreição de Lá-
zaro. Não é nada menos do que a aurora da nova criação. Em Efésios
4 o apóstolo Paulo lança luz sobre a importância da ascensão de Cristo
com expressões análogas à da narrativa da conquista obtida por um ge-
neral que depois distribui os despojos da vitória aos soldados - a saber,
pastores e mestres cujo ministério da Palavra e dos sacramentos edifica
todo o corpo ligado à sua Cabeça por meio da verdade.
Como nos diz o escritor de Hebreus, os poderes da era por vir estão
irrompendo nesta presente era no poder do Espírito, por intermédio da
Palavra e dos sacramentos de Cristo em seu reino de graça. Os profetas
identificavam os últimos dias com o derramamento do Espírito sobre
toda a carne. Visto que o Espírito veio, estamos nestes “últimos dias” . O
70

restante do livro de Atos é a resposta à pergunta dos discípulos: “ Senhor,


será este o tempo em que restaures a Israel?” (ver At 1.6).
O templo passa por uma transformação. Não é mais um edifício lo-
calizado, mas uma casa de amplitude mundial. Não está mais estacio-
nário em Jerusalém; o Espírito está, mais uma vez, em movimento: “ em
Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”
(At 1.8). É por isso que uma subtrama central que percorre Atos é o es-
forço empreendido pelo apóstolo Paulo para formar uma casa espiritual
de Jerusalém “ a cidade do grande Rei” (SI 48.2), até Roma, a capital do
poder gentílico, a real “ corte dos gentios” - na verdade, “ as partes ex-
tremas da terra” .
O apóstolo Pedro declara:

... vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa es-
piritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifí-
cios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo...
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.
(lPe 2.5,9)

A medida que a palavra desse reino se espalha, o templo cresce, ex-


pande-se, com cada pedra viva refletindo a Luz da Palavra mediante o
Espírito que nela reside.

In terv a lo : " V o c ê s est ã o a q u i"

Agora podemos localizar o nosso lugar no mapa da história da redenção.


Como observei no início deste capítulo, há dois extremos nas interpreta-
ções contemporâneas do reino. Um extremo é dizer que o reino não está
absolutamente presente, mas é uma realidade inteiramente futura. “ E,
contudo, o reino será também um período de fracasso.” 6 Assim, mesmo
nesse futuro reino milenário, o propósito não é somente dispensar dons
de Cristo, que ele já obteve por sua provação, mas fornecer “ a forma fi-
nal da prova moral” .7
O outro extremo é dizer que o reino está presente em sua forma que
a tudo abrange, transformando os reinos desta era no reino de Cristo.
Segundo essa perspectiva, a principal vocação dos cristãos e das igrejas
seria redimir a cultura e estender o reino de Cristo à área da política, das
0 ÊXODO E A CONQUISTA 71

artes, do entretenimento, dos esportes, da economia, da lei, e de todos os


demais aspectos da vida pública e privada. Num piscar de olhos iríamos
da obra de “conquistar almas e esperar pelo seu arrebatamento” para a
de “transformação do reino” .
A Grande Comissão é dada à igreja para este presente período, entre a
sua primeira e a segunda vinda. E um intervalo entre a sua realização da
redenção e o seu retorno para consumar suas bênçãos. Todavia, esse in-
tervalo não é um tempo para desperdiçar aqui e ali como consumidores;
é tempo de jubilosa atividade em favor dos nossos semelhantes, amando-
-os e servindo-os por meio do nosso testemunho de Cristo e também por
meio das nossas vocações ou carreiras diárias no mundo.
A Grande Comissão não é o “ mandato cultural” - a comissão origi-
nal para sermos frutíferos e multiplicar-nos, governando a criação como
vice-reis. Essa foi a aliança da criação, na qual o culto e os labores cultu-
rais se fundiam numa vocação cuja meta era nada menos que levar toda
a criação para o repouso do sábado eterno. Foi essa aliança que foi re-
novada quando Deus tomou Israel para si como uma nação escolhida.
“Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivo-
sámente contra mim” (Os 6.7). Por isso, mais uma vez, Deus lançou seu
povo para fora do santuário, “ ao oriente do jardim do Éden” , envían-
do-os para o cativeiro onde desfaleciam em sua esperança da vinda do
Redentor prometido por meio dos profetas, mesmo quando o povo es-
tava na mais terrível angústia. Não obstante, Deus de novo prometeu a
semente vindoura, que levaria a salvação até aos confins da terra. Seria
uma nova aliança, maior que a aliança sobre a qual Israel tinha jurado
no monte Sinai.
A marcha em direção ao reino continuou apesar do seu sinal tipoló-
gico - a terra e o templo - estar em ruínas. A terra de Israel não era mais
santa, mas comum. O Espírito tinha evacuado o templo e Judá juntou-se
à sua irmã do norte no exílio. Contudo, mesmo no cativeiro, na Babilô-
nia, o povo recebeu a seguinte carta do profeta Jeremias:

Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exi-


lados que eu deportei de Jerusalém para a Babilônia: Edificai casas
e habitai nelas; plantai pomares e comei o seu fruto. Tomai esposas
e gerai filhos e filhas, tomai esposas para vossos filhos e dai vossas
filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; multiplicai-vos aí e
não vos diminuais. Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei
72

e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz. Porque
assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Não vos enga-
nem os vossos profetas que estão no meio de vós, nem os vossos
adivinhos, nem deis ouvidos aos vossos sonhadores, que sempre
sonham segundo o vosso desejo: porque falsamente vos profeti-
zam eles em meu nome; eu não os enviei, diz o Senhor. (Jr 29.4-9)

Vivendo como nossos pais exilados (Adão e Eva), “ ao oriente do jar-


dim do Éden” , os filhos de Judá deviam participar da vida comum da
cidade secular. Eles encontrariam prosperidade na prosperidade dela e,
portanto, deviam orar pelo bem da comunidade. E também deveríam
aumentar o tamanho da comunidade pactuai durante esse período, e a
maior ameaça não era a perseguição que os ímpios faziam ou poderíam
fazer, mas as falsidades internas dos profetas não credenciados por Deus.
(Como veremos, essa é precisamente a situação da igreja da nova alian-
ça em seu exílio, e as exortações de Jeremias têm espantosa semelhança
com as dos apóstolos em suas cartas.)
Embora um remanescente tenha voltado para Jerusalém e tenha procu-
rado reconstruir os muros e consagrar-se novamente à aliança que tinha
feito com Deus no Sinai, esses egressos do cativeiro compreendiam que
ainda estavam no exílio. Governados por uma série de regimes gentílicos
opressivos, marcados por falsos messias e por tentativas de introduzir o
reino pela força, a Cidade da Paz vivia em perpétuo tumulto. Foi nesse
cenário que João Batista entrou como o precursor do Messias.
É essa a nova aliança que forma a base para a Grande Comissão: a
tarefa santa de levar as boas-novas ao mundo. Trata-se de um reino ina-
balável - impossível de ser frustrado pela nossa infidelidade - precisamen-
te porque não é um reino que nós estamos edificando, mas sim o reino
que estamos recebendo (Hb 12.28). É obra realizada por Deus. Tudo o
que vamos explorar no restante deste livro pressupõe essa visão do rei-
no aqui resumida.

O reino está presente aqui e agora?


Como definiremos o reino terá muito que ver com a questão sobre se
achamos que ele já está aqui e, se ele está, até que ponto. O perdão dos
pecados e o novo nascimento não são as únicas bênçãos prometidas por
Deus por meio dos profetas. Como vimos, suas promessas incluem total
renovação cósmica, com os reinos deste mundo sob o domínio de Cristo.
0 ÊXODO E A CONQUISTA 73

É a salvação não só de almas, mas também de corpos, e não somente de


seres humanos, mas de toda a criação. Contudo, o Novo Testamento en-
sina que este reino vem em duas fases. Como aconteceu com sua Cabeça,
a igreja padece agora humilhação, sob a cruz, a fim de reinar com Cris-
to na glória futura (Rm 8.17). No atual intervalo, o reino é o evangelho
e o evangelho é o reino. Onde quer que Cristo esteja perdoando e reno-
vando pecadores por seu Espírito por meio do ministério do evangelho,
o Rei está presente e seu reino está se expandindo.
Essa visão se concentra muito claramente no caráter e na mensagem
do reino que vemos nos profetas e nos Evangelhos. Nos dois relatos alter-
nativos do reino mencionados acima, a ênfase cai no regime geopolítico,
seja segundo os termos de uma teocracia reavivada em Israel (incluindo
sacrifícios), seja numa influência global sempre em expansão sobre as
nações e sobre as culturas. Ambas as visões identificam o reino com um
visível poder e glória, passando por alto o fato de que o que temos ago-
ra é um reino de graça que está presente sempre que o evangelho é pre-
gado e os sacramentos são administrados. A preocupação, em ambas as
visões, parece ser semelhante à expectativa dos contemporâneos de Jesus
(incluindo seus discípulos) antes do Pentecostés.
Jesus e Paulo invocam explícitamente a distinção entre “esta era” e “a
era por vir” (Mt 12.32; 24.3; ICo 2.6; Gl 1.4). No entanto, o contraste
não é tão claramente observável como muitos esperavam. Com seu triun-
fo sobre as forças demoníacas, culminando em sua morte e ressurreição,
Jesus inaugurou a era por vir. E ela ainda está irrompendo nesta atual
era ímpia. Há um conflito entre as realidades da era por vir e a escravi-
dão desta era. Há estes aspectos do reino: um “já” e um “ ainda não” .
João Batista anunciou que “ está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2),
e Jesus anunciou que o reino havia chegado quando ele curava os enfer-
mos, ressuscitava os mortos, e declarou depois do retorno dos setenta
discípulos de sua missão: “ Eu via Satanás caindo do céu como um re-
lâmpago” (Lc 10.18). “ Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de
Deus” , disse ele, “certamente, é chegado o reino de Deus sobre vós” . O
valente (Satanás) foi amarrado, de modo que sua casa pode ser saqueada
|Lc 11.20-22). Acima de tudo, pecadores e marginalizados estão sendo
perdoados diretamente por Jesus, sem nenhuma ligação com a mecâni-
ca do templo. Com Satanás preso, os apóstolos foram chamados para
ir por todo o mundo e destrancarem as portas da prisão e libertarem os
cativos. Foram-lhes dadas as chaves do reino, para ligar e soltar na terra
74

o que foi ligado e solto no céu (Mt 16.19; 18.18; Jo 20.23). O éxodo é
passado, mas agora corre a era da conquista por meio do testemunho do
evangelho até aos confins da terra. Somente quando Jesus voltar a con-
quista terá sido consumada, quando os reinos desta era virão a ser o rei-
no do nosso Deus e do seu Cristo.
Em Mateus 24, numa parte do sermão de Jesus no monte das Oliveiras,
Jesus ensinou que viría sobre nuvens de glória com todos os seus eleitos,
mas que há estágios que precisam ser realizados antes desse acontecí-
mento final. Primeiro, o templo então existente seria destruído comple-
tamente (v.1-2), como de fato o foi no ano 70 d.C. Então os discípulos
perguntaram: “ que sinal haverá da tua vinda e da consumação do sécu-
lo” ? (v.3; ênfase acrescentada). Jesus respondeu que viríam impostores
apresentando-se em seu nome e que eles fariam muitos se extraviarem,
e que também havería guerras, e acrescentou: “ mas ainda não é o fim.
Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e have-
rá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isso é o princípio
das dores” (v.6-8). Seus seguidores sofreriam perseguição e martírio, e
muitos deles desertariam abandonando o rebanho. “Aquele, porém, que
perseverar até o fim, esse será salvo. E será pregado este evangelho do
reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá
o fim” (v.13-14; ênfase acrescentada). No último dia Jesus voltará sobre
nuvens de glória e reunirá “ os seus escolhidos” de toda a terra, e julgará
os vivos e os mortos (v.29-31). “Mas a respeito daquele dia e hora nin-
guém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (v.36). Ele
virá quando as pessoas menos estiverem esperando (36-44).
Contrariamente às expectativas da maioria dos contemporâneos de
Jesus (incluindo os discípulos de João Batista e seus próprios discípulos),
esse acontecimento singular não teria lugar imediatamente. Ele se des-
dobraria numa série de cumprimentos, e a presente era que ocupamos
atualmente é um parêntese no qual o juízo final é adiado, a fim de que o
evangelho do reino seja proclamado a todo o mundo.
Devemos, pois, ter o cuidado de não cair no mesmo entendimento
incorreto a respeito do reino que era compartilhado pelos contemporâ-
neos de Jesus. Tendo provado as porções daquele dia, com várias curas
e vitórias obtidas sobre as forças diabólicas durante o ministério de Je-
sus e dos seus apóstolos, queremos ver plenamente realizada aqui e ago-
ra a consumação para a qual aqueles sinais apontavam. Se necessário,
nós mesmos faríamos concretizar-se a consumação deste reino. Temos de
0 ÊXODO E A CONQUISTA 75

resistir a essa tentação, porque ela ignora que a mais crucial vocação da
igreja nesta presente era é a proclamação do evangelho. “ Interrogado
pelos fariseus sobre quando viría o reino de Deus, Jesus lhes respondeu:
Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui!
Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17.20-21).
Nesta fase atual, o reino de Deus é primariamente audível, não visí-
vel. Ouvimos a abertura e o fechamento das portas do reino por meio da
proclamação do evangelho, nos sacramentos e na disciplina. Não dando
atenção ao reino de Deus, as nações continuarão com as suas ativida-
des diárias, envolvidas em violência e em imoralidade como nos dias de
Ló, quando “ comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edi-
ficavam” (Lc 17.28), até Jesus voltar, repentinamente, como ele próprio
advertiu:

Se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali! Não acredi-
teis; porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando gran-
des sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos.
Vede que vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Eis que
ele está no deserto!, não saiais. Ou: Ei-lo no interior da casa!, não
acrediteis. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mos-
tra até no ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do Homem.
(Mt 24.23-27)

Como os discípulos, a igreja atual tem de se acostumar com o fato de


que Jesus está ausente na carne e de que não há nenhum substituto dele.
A igreja não pode preencher essa lacuna nem apoderar-se das glórias do
reino consumado de Cristo até sua volta. Nesse meio tempo, ele efetua a
sua obra em nosso favor nos seus ofícios sacerdotal e real, com o Espí-
rito comandando a campanha na terra. Nossas obras não podem preen-
cher a lacuna entre os dois adventos de Cristo. Nossa atividade não pode
compensar o seu retorno em glória para consumar o seu reino. Na ver-
dade, somos chamados para arrepender-nos e crer em Cristo, para fazer
discípulos, para ser discípulos e para proclamar o evangelho até aos con-
fins da terra. O reino está presente, mas ainda não plenamente presente.
Se nos apegarmos somente com leve estima ao perdão de pecados,
ao renascimento em uma nova criação, à justificação, à santificação e à
comunhão dos santos, poderemos deixar de gozar essas realidades pre-
sentes do reino de Cristo. Na sua ressurreição, Cristo inaugurou a res-
surreição final dos mortos. O veredito do juízo final já está sendo dado
76

no presente. Os que creem em Cristo já são declarados justos, e os que


não creem já estão condenados (Jo 3.16-19,36). “Agora, pois, já nenhu-
ma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1, ênfase
acrescentada). Todos os que creem no evangelho já conhecem o veredito
decisivo do juízo final.
Além do mais, a renovação de toda a criação já começou com o novo
nascimento, ressuscitando-nos da morte espiritual e fazendo-nos assen-
tar com Cristo unicamente pela graça (Ef 2.1-7). A presença permanente
do Espírito no nosso coração é o pagamento de entrada que já recebe-
mos da nossa ressurreição final e da renovação da criação (Rm 8.20-23),
“porque, na esperança, fomos salvos” (8.24). Contudo, ainda não vemos
esses efeitos completos do reino de Cristo. Paulo nos lembra: “ ... se espe-
ramos o que não vemos, com paciência o aguardamos” (8.25).
Tudo o que foi prometido por meio dos profetas (incluindo João Ba-
tista) faz realmente parte do reino que Cristo introduz. De fato, é certo
que todas essas promessas pertencem a um e único evento. No entanto,
torna-se progressivamente mais claro, à medida que lemos os Evangelhos,
que a manifestação desse reino ocorre em duas fases. No presente, o Es-
pírito está ressuscitando aqueles que estão ou estavam mortos espiritual-
mente e dando-lhes fé, unindo-os a Cristo para a presente justificação e
santificação, como também para a glorificação futura. No entanto, tan-
to os crentes como os não crentes ainda sofrem dos males como também
recebem as bênçãos em comum. Todos eles no devido tempo morrerão,
mas os crentes morrem com a esperança da ressurreição em céus e terra
renovados. Por meio da sua Palavra e do seu Espírito, Cristo agora está
reunindo um povo para si. Somente quando ele voltar, porém, o anjo pro-
clamará em alta voz: “ O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do
seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11.15).
De modo semelhante ao sermão de Jesus no monte das Oliveiras, o
apóstolo Paulo descreve essa nova criação como ocorrendo em duas fases.

Visto que a morte veio por um homem, também por um homem


veio a ressurreição dos mortos... Cada um, porém, por sua própria
ordem: Cristo, as primicias; depois, os que são de Cristo, na sua
vinda. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus
e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda
potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto
todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruí-
do é a morte. (ICo 15.21,23-26)
0 ÊXODO E A CONQUISTA 77

Num sentido, a ressurreição dos mortos já começou - com Jesus como


as primicias. Não obstante, há ainda uma demora entre a sua ressurrei-
ção e a nossa. E durante essa demora a colheita a ser feita se multiplica,
cresce e amadurece.
Enquanto Cristo não voltar, os reinos do mundo - e a nossa vocação
diária neles - são comuns, não santos: os cristãos trabalhando ao lado
dos não cristãos, “ ao oriente do jardim do Éden” . Sejam ou não realiza-
das por cristãos ou não cristãos, essas obras não constituem o meio de
cultivar, guardar e manter o santo santuário de Deus. Essas atividades
não criam, não edifican! e não expandem a graça salvadora do reino de
Cristo. Não obstante, constituem um meio essencial pelo qual o nosso
Senhor preserva a sociedade por meio da graça comum. Desse modo, a
Grande Comissão é qualitativamente diferente do mandato que Deus deu
a Adão e Eva no Jardim e a Israel em Canaã. De fato, a Grande Comis-
são é dada à igreja apenas porque o último Adão cumpriu o mandato da
criação, cumprindo toda a justiça, suportando a maldição, expulsando
a serpente e ressuscitando como as primicias da nova criação. Agora o
comando “ Sede fecundos, multiplicai-vos” é cumprido pelo Espírito pelo
levantamento de uma família espiritual de âmbito mundial, a verdadeira
descendência de Abraão. Essa é a comunidade santa de Deus nesta era
(lPe 2.9-10), o “ Israel de Deus” (G1 6.16).
Quando nos voltamos para o ensino e aos atos de Jesus nos Evange-
lhos, podemos ver essa tensão já/ainda não. Não mais “próximo” , o rei-
no está “ aqui” , Jesus anunciou (Mt 11.5-6; 12.28; 13.1-46; Mc 1.15;
Lc 11.20; 15.4-32; 17.20-23). O Rei está presente, inaugurando esse
reino. Ao mesmo tempo, ele fala da sua plena concretização no futuro
(Mt 6.10; 16.28; Mc 9.1; Lc 6.20-26; 9.27; 11.2; 13.28-29). O reino virá,
mas também já veio (Mt 12.28-29; Lc 11.20).
A maneira pela qual os demônios reagiam a Jesus mostra a autoridade
que ele tinha sobre eles, mas não apenas um poder bruto: é a vinda dele
em seu reino de graça e perdão que eles mais temem. Não é com proje-
tos de guerras e de opressões que Satanás e os seus emissários estão mais
ocupados do que nunca: esses são sintomas da condição pecaminosa que
os seres humanos são capazes de gerar por conta própria. Contudo, Sa-
tanás sabe que, se o Messias cumprir a sua missão, a maldição será sus-
pensa, a cabeça dele será esmagada e o seu reino será posto por terra.
Por meio dos seus emissários terrenos, o diabo tentou repetidamente
interceptar a semente da mulher. Caim matou Abel, mas Deus deu Sete.
78

Faraó matou os bebês israelitas do sexo masculino, mas Moisés foi salvo
secretamente. A ímpia rainha Atália mandou matar toda a casa de Davi,
mas o pequeno Joás foi escondido secretamente. Herodes massacrou os
meninos de Belém, mas Jesus foi levado pelos seus pais para o Egito.
Não havia nada que Satanás pudesse fazer para impedir o nascimento
do Messias, e por isso ele empregou todas as suas energias na tentativa
de seduzi-lo e afastá-lo da sua missão. Todas as suas forças foram postas
em ação naquela derradeira batalha pela “ autoridade no céu e na terra”
(Mt 28.18). Todos os milagres de Jesus são indicadores desse anúncio
salvífico; não são fins em si mesmos. O reino vem com palavras e feitos.
Nas narrativas de milagres é dito que Satanás estava mantendo essas pes-
soas presas (veja, p. ex., Lc 13.11,16). Cristo está invadindo o território
de Satanás, direcionando a História para um alvo diferente, ligado aos
seus poderes, e não aos poderes demoníacos. Por isso, quando o apóstolo
Paulo chama a atenção para a batalha espiritual em Efésios 6, ele identi-
fica o evangelho, a fé, a Palavra e a justiça de Cristo como a armadura e
as armas. Agora as energias de Satanás se dirigem contra a igreja e o seu
testemunho de Cristo. O diabo sabe que a sua casa está sendo saqueada
e que as suas prisões estão sendo esvaziadas à medida que o evangelho é
levado até aos confins da terra.
Sejam quais forem os efeitos salutares desse reino sobre a sociedade
mais ampla, graças aos cristãos que vivem como sal e luz, esta era não
pode ser salva. Ela está morrendo. Por meio dos seus apóstolos, Cristo
declara às igrejas: “graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai,
e do [nosso] Senhor Jesus Cristo, o qual se entregou a si mesmo pelos
nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a
vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja a glória pelos séculos dos sé-
culos” (G1 1.3-5). Certo é que o Espírito também está em ação pela gra-
ça comum, restringindo a entropia espiritual desta atual era ímpia. No
entanto, a missão salvífica do Espírito não consiste em melhorar a nossa
vida em Adão, sob o reinado do pecado e da morte, mas crucificar-nos e
ressuscitar-nos com Cristo. Paulo nos lembra que “ o tempo se abrevia”
(ICo 7.29). Nós nos casamos, vivemos e trabalhamos no mundo, mas
sem um ansioso apego a esta presente era, “porque a aparência deste
mundo passa” (ICo 7.31). À semelhança do conselho de Deus aos cati-
vos na Babilônia, o apóstolo Pedro exorta os crentes dizendo:

Portai-vos com temor duran te o tem po d a vo ssa p eregrin ação, sa-


bendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou
0 ÊXODO E A CONQUISTA 79

ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vos-


sos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro
sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo. (lPe 1.17-19, ênfa-
se acrescentada)

Plenamente envolvidos com a vida comum dos nossos semelhantes,


somos, não obstante, peregrinos que, com Abraão, esperamos “a cidade
que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto” (Hb 11.10).
O Sermão do Monte não é um conjunto genérico de princípios atem-
porais para indivíduos e nações, muito menos uma base para uma “ética
de Jesus do amor” , contrariamente ao suposto Deus violento de Israel.
Jesus falava do seu juízo vindouro como algo muito mais devastador e
duradouro do que qualquer das guerras santas que Deus comandou sob
Josué. Em vez disso, o Sermão do Monte começa com a bênção do Se-
nhor da Aliança sobre seu povo e inaugura um novo regime de paz que
deve ser vivido modelarmente pelos cidadãos do seu reino enquanto su-
portam perseguição e convivem no amor que somente Cristo pode dar
mediante o seu Espírito.
Em Êxodo 20, Deus deu sua lei no Sinai com base em sua obra salví-
fica: “Eu sou o S enhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa
da servidão” ; portanto, “não terás outros deuses diante de mim” (v.2-3).
Resumindo o que significa amar Deus e o próximo, os Dez Mandamen-
tos foram escritos na consciência humana na criação e permanecem per-
petuamente válidos para todos os seres humanos. Contudo, as leis civis
e cerimoniais foram dadas exclusivamente a Israel como a nação santa
de Deus. Do mesmo modo, em Mateus 5 o evangelho presente nas bem-
-aventuranças é a base para a lei no Sermão do Monte, e o amor a Deus
e ao próximo é estipulado numa nova constituição dada única e exclusi-
vamente ao Israel de Deus.
Em vez de clamar a Deus que desça e expulse as nações gentílicas,
Jesus nos ordena que oremos pelos nossos inimigos. “ Ouvistes que foi
dito: Olho por olho, dente por dente [Êx 21.24; Lv 24.20; Dt 19.21].
Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra” (Mt 5.38-39). Deus já
não envia pragas entre os ímpios, mas “faz nascer o seu sol sobre maus
e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.45), e espera que imi-
temos sua bondade. Este não é o tempo de julgar os nossos semelhantes,
mas de tirar o argueiro dos nossos próprios olhos (Mt 7.1-5), de buscar
80

diligentemente as boas dádivas de Deus (v.7-11), de entrar pela porta es-


treita (v.13-14) e de dar bom fruto (v.15-27).
De fato, quando Jesus foi a um povoado samaritano pregar a boa-no-
va e foi rejeitado, Tiago e João quiseram fazer cair fogo do céu sobre os
moradores daquela localidade, “Jesus, porém, voltando-se, os repreen-
deu” (Lc 9.51-56). Apelidados “filhos do trovão” , é evidente que Tiago e
João estavam esperando por um reino de glória o tempo todo, até o fim.
Eles até perguntaram a Jesus se poderíam sentar-se à sua direita e à sua
esquerda quando da inauguração presidencial, mas Jesus lhes disse que
eles não tinham ideia do que estavam pedindo: a saber, serem crucifica-
dos com Jesus (Mc 10.35-40). Diferentemente dos governantes dos rei-
nos gentílicos, Jesus disse que ele reinaria por meio de serviço sacrificial
em favor dos seus súditos, e que todo aquele que quisesse ser líder nes-
se reino teria de escolher servir, não exercer poder (Mc 10.41-44). “Pois
o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e
dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45). Nesse episódio Jesus
está simplesmente repetindo os temas do Sermão do Monte.
Não há uma terra santa pela qual lutar. Não há nem mesmo lugares,
capelas ou santuários santos, visto que Cristo e seu povo formam, juntos,
o santuário do fim dos tempos. Jesus estava anunciando a chegada da
nova aliança que ele iria inaugurar com seu próprio sangue (Mt 26.28).
A lei moral é ainda obrigatória a todos os seres humanos, e por essa
lei eles serão julgados (Rm 1.18-19; 2.12-16). Até os governantes ím-
pios do Império Romano impunham as reminiscencias dessa justiça civil
como “ ministros de Deus” mantendo relativa ordem, justiça e paz nesse
ínterim no tempo (Rm 13). Todavia, a igreja é o fruto do reinado sem-
pre em expansão de Cristo, onde a comunhão da era por vir já é anteci-
pada nesta presente era.
Confundir o reino da graça de Cristo com a teocracia do Sinai era pre-
cisamente o erro de que o apóstolo Paulo estava tratando, principalmente
em Gálatas. O reino de Deus na sua atual fase consiste simplesmente no
anúncio do perdão dos pecados e, com base nisso, da entrada na nova
criação. Os sinais que Jesus realizava eram uma prova de que a era por
vir havia verdadeiramente irrompido nesta atual era ímpia. Por isso ele
disse aos discípulos de João que voltassem com as notícias de curas, mas
principalmente que: “ aos pobres está sendo pregado o evangelho” . E
acrescentou: “ E bem-aventurado é aquele que não achar em mim moti-
vo de tropeço” (Mt 11.5-6). Em outras palavras, essa era a sua missão
0 ÊXODO E A CONQUISTA 81

no seu ministério terreno, e bem-aventurados são aqueles que não ficam


escandalizados por isso, esperando outra coisa que a salvação de pecado-
res. O reino de Deus é totalmente abrangente, mas chega mediante dois
estágios com os dois adventos de Cristo.
Quando Cristo voltar em poder e glória, não haverá mais necessidade
de se proclamar o evangelho, e não haverá necessidade nem de fé nem de
esperança. Só haverá amor, visto que a realidade será evidente e plenamen-
te concretizada, de modo que todos a verão (Rm 8.19-25; ICo 13.8-13).
Não é que o horizonte dos contemporâneos de Jesus fosse amplo de-
mais, mas sim que era estreito demais. Enquanto eles estavam esperando
meramente por um messias que restauraria a teocracia geopolítica, Jesus
Cristo estava trazendo um domínio universal - não simplesmente expul-
sando gentios opressores, mas expulsando a serpente do céu e da terra
para sempre: “porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17.21).
Na atual era o seu reino de graça é uma prorrogação para que haja arre-
pendimento e fé em Israel e em todas as nações antes da volta de Cristo.
Era uma nova criação em ação no mundo, uma nova aliança redundan-
do em novos relacionamentos com Deus e uns com os outros, baseados
no perdão e na comunhão, antes que no juízo e exclusão.

Depois do Pentecostés: o reino em Atos e nas Epístolas


Muita coisa aconteceu em Atos 2. Do trono do Cristo elevado ao céu o
Espírito foi enviado, criando e habitando um corpo que daria testemu-
nho de Jesus desde Jerusalém até aos confins da terra (v.1-13). Seu pri-
meiro sinal foi o sermão de Pedro proclamando Cristo (14-36) do qual
nascería uma nova comunidade pactuai.

Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus


Cristo pra remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Es-
pírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos
e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Se-
nhor, nosso Deus, chamar, (v.38-39)

Somos informados de que “ quase três mil pessoas” , ao ouvirem essa


mensagem, ficaram com o coração compungido (v.37,41). Como pessoas
particulares, individuais, elas se arrependeram, creram e foram batizadas,
mas foram organizadas pelo Espírito numa nova sociedade humana. E
“perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do
82

pão e nas orações” (v.42). Em decorrência dessa união com Cristo, es-
ses peregrinos de regiões distantes ficaram tão unidos uns com os outros
que a própria comunidade de adoradores era um testemunho ao mundo.
“Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo
salvos” (v.47).
Vimos que o perdão dos pecados e o novo nascimento estão no cer-
ne da proclamação do reino por Jesus. Proclamado primeiro aos judeus,
esse evangelho seria pregado a todas as nações. Esse é o cumprimento
da visão profética de um remanescente de cada nação - até mesmo das
nações que tinham perseguido Israel - procurando o Senhor onde ele pu-
desse ser encontrado. “Naquele dia, sucederá que pegarão dez homens,
de todas as línguas das nações, pegarão, sim, na orla da veste de um ju-
deu e lhe dirão: Iremos convosco, porque temos ouvido que Deus está
convosco” (Zc 8.23).
Os apóstolos interpretaram tipicamente essas profecias como cumpri-
das agora em Jesus Cristo e em seu processo de reunir um remanescente
de Israel e das nações pelo seu Espírito. Amós 9 fala da restauração final
de Israel em termos concretos. No entanto, Tiago interpreta essa profe-
cia como sendo cumprida agora no reino de Cristo, pela colheita de um
remanescente de gentios no verdadeiro Israel (At 15.14-18). A interpre-
tação de Tiago é típica da leitura cristocêntrica de toda a Escritura que
o próprio Jesus ensinou a seus discípulos (Lc 24.25-27,31-32,44-49).
Lançar Jesus (e o tema do reino) contra Paulo (e contra a ênfase na sal-
vação pessoal) costumava ser o passatempo dos protestantes “liberais” .
Alfred Loissy, um escritor católico romano “ liberal” , uma vez satirizou
que Jesus anunciou um reino, mas o que veio em lugar dele foi uma igre-
ja. Assim, de um lado está Jesus, com seu convite à humanidade para
participar do seu reino que traz paz e justiça, e de outro lado está Paulo,
que, em vez disso, falava da igreja e da salvação pessoal dada pelo fato
de pertencer à igreja.
Hoje, no entanto, esse contraste às vezes é ouvido em círculos evangé-
licos. “Enquanto alguns protestantes parecem deixar que Cristo seja Sal-
vador, mas promovem Paulo à posição de senhor e mestre” , escreve Brian
McLaren, “os anabatistas sempre interpretaram Paulo por meio de Jesus,
e não o inverso. Para eles, o Sermão do Monte e as outras palavras de
Jesus representam o maior tesouro do mundo. Os ensinamentos de Jesus
têm sido o padrão deles” .8No seu livro mais recente, McLaren relata que
antes era um “ cristão de Romanos” , que entendia o evangelho como a
0 ÊXODO E A CONQUISTA 83

obra divina de justificação de pecadores pela fé em Cristo. “Uma reunião


num almoço num restaurante chinês me desconvenceu e me desinstruiu.
Meu companheiro no almoço era um conhecido teólogo evangélico que
rudemente pôs abaixo anos de certeza teológica com uma provocante de-
claração: ‘A maioria dos evangélicos não tem a mais nebulosa noção do
que o evangelho realmente é \ ” Depois que McLaren respondeu citando
Romanos, seu amigo “continuou fazendo esta simples mas inquietante
pergunta retórica: ‘Você está citando Paulo. Não deveria deixar que Jesus
defina o evangelho?’” E, quanto a Jesus, o amigo acrescentou, o evange-
lho é “ O reino de Deus está próximo” . “ O reino de Deus está próximo,
ou, nas palavras do meu amigo Rod Washington, a nova e benévola so-
ciedade de Deus já está entre nós.” 9
Entretanto, o método de interpretação das palavras memoráveis de
Jesus (que às vezes aparecem em vermelho em algumas versões da Bíblia)
presume uma doutrina deficiente da Escritura. As palavras, os ensina-
mentos e os atos de Jesus foram rememorados, relatados e interpretados
pelos seus apóstolos. Exatamente como ele tinha prometido no Cenácu-
lo, Jesus enviou o Espírito para que eles pudessem lembrar-se de tudo o
que ele lhes havia ensinado e pudessem transmiti-lo a outros. Se “toda a
Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3.16), e se Paulo, tendo sido dire-
tamente comissionado e ensinado pelo Cristo elevado ao céu, era um após-
tolo cujos escritos eram reconhecidos como “Escrituras” (2Pe 3.15-16),
segue-se que ouvir Paulo é ouvir Jesus. “ Quem vos recebe a mim me re-
cebe” , disse Jesus aos Doze quando os enviou em missão; “ e quem me
recebe recebe aquele que me enviou” (Mt 10.40). A Bíblia completa é
cânone, e Escritura interpreta Escritura.
Além de revelar uma visão seriamente deficiente da Escritura, esse con-
traste entre Jesus e Paulo está baseado num entendimento incorreto do
ensino do nosso Senhor concernente ao reino. A proclamação do reino
feita por Jesus é idêntica à proclamação que Paulo faz do evangelho da
justificação. Contrastar o reino com a igreja é outro modo de dizer que
o principal ponto da comissão de Jesus consiste na nossa ação social, e
não no ministério público da Palavra e dos sacramentos. Em outras pa-
lavras, é outra maneira de dizer que estamos edificando o reino, em vez
de o estarmos recebendo; que o reino da graça redentora de Deus é na
realidade um reino de nossas obras redentoras.
A mensagem do reino proclamada por Jesus como o perdão dos pe-
cados e o raiar da nova criação é inseparável da sua promessa de que
84

edificaría a sua igreja e que daria aos apóstolos as chaves do reino por
meio do ministério de pregação e de administração dos sacramentos e da
disciplina. Esse tema do reino dificilmente foi perdido na era apostólica.
Foi esse evangelho do reino que Pedro e os demais apóstolos proclama-
ram imediatamente depois da ascensão de Jesus (At 2 . 1 4 3 . 1 2 - 1 6 ;36‫;־‬
17.2-3). E esse tema também constitui o cerne da mensagem de Paulo
(ICo 15.3-4).
Se a pregação do evangelho, não menos que os milagres, é um sinal
de que o reino chegou, a mensagem e o ministério de Paulo só podem
servir como confirmação da chegada do reino. Todas as realidades que
os Evangelhos anunciam como evidência do reino messiânico - juízo e
justificação, perdão, novo nascimento, o dom do Espírito e a reunião de
um povo para a festa do fim dos tempos - são centrais na pregação de
Paulo em Atos e em suas cartas.
Às vezes é sugerido que Jesus proclamava um reino deste mundo, en-
quanto Paulo teria espiritualizado esse reino como uma realidade pura-
mente extraterrena limitada à salvação pessoal. Enquanto Jesus desafiou
a autoridade temporal de César, Paulo incentivou uma resignação passiva
às autoridades seculares. Contudo, foi Jesus que proferiu o famoso dito:
“ Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mc 12.17).
Diante de Pilatos, Jesus afirmou que era rei, mas disse: “ O meu reino não
é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se
empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas
agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). Quando ele vier em glória,
o seu reino será glorioso em poder e força.
E, conquanto Paulo solicitasse aos cristãos que se submetessem às au-
toridades seculares como ministros de Deus para a administração da jus-
tiça temporal (Rm 13), ele proclamava Cristo como o Senhor sobre todos
os principados e potestades (Cl 1.15-17). Embora ele nunca tenha invo-
cado o seu apostolado como autoridade sobre qualquer governo tempo-
ral, Paulo de fato invocou a sua cidadania romana recorrendo a César
para que a sua causa fosse julgada numa instância superior a do tribunal
judaico (At 25.11). Cristo é Senhor tanto sobre o reino da graça como
sobre os reinos desta era, mas na graça salvadora (por meio da Palavra
e dos sacramentos) e na graça comum (por meio dos governos e da cul-
tura). A igreja não deve nem exercer governo sobre os reinos seculares,
nem separar-se deles, mas deve viver na Babilônia, na ativa expectativa
do retorno de Cristo.
0 ÊXODO E A CONQUISTA 85

Paulo também ensina que o reino/nova criação foi inaugurado na


conquista realizada por Cristo: a justiça de Deus foi revelada do céu
iRm 1.16-17), incluindo a justificação de pecadores e o novo nascimen-
to, o Espírito e seus dons derramados (Rm 5.5). Cristo tem toda a auto-
ridade no céu e na terra (Rm 1.3-4; Ef 1.18-22; Fp 2.9-11; Cl 1.15-20).
Como Jesus, Paulo ensina que o irromper do reino de Cristo cria outra
sociedade. Notavelmente semelhante ao Sermão do Monte, lCoríntios
extrapola as implicações da ética da nova aliança de Jesus. Nem Jesus
nem Paulo interpretam esses mandamentos como sendo o evangelho, mas
como a lei da casa e família de Deus. E uma lei que só pode ser obede-
cida porque raiou a nova era ou a nova aliança. Com o perdão dos pe-
cados e o novo nascimento vem uma nova comunhão de amor no corpo
de Cristo. O evangelho põe abaixo as paredes, não somente entre judeu
e gentio, mas também entre ricos e pobres. Em vez de espelharem a cul-
tura pagã deles, os crentes são chamados a resolver suas disputas entre si
na igreja, e não nos tribunais seculares. Eles não devem render-se a uma
cultura marcada por imoralidade, divórcio, hierarquias socioeconómicas
e étnicas, e o narcisismo de grupo que divide o corpo de Cristo em seitas
rivais. Antes, unidos a Cristo pelo seu Espírito em torno da Palavra e da
Mesa do Senhor, Paulo diz aos santos de Corinto que eles devem crescer
em seu corpo: uma embaixada da graça num império da morte.
A tensão que descobrimos no ensino de Jesus entre o “já” e o “ ainda
não” que caracteriza o reino domina o horizonte de Paulo como também
o dos demais apóstolos. Como o autor de Hebreus declara, Jesus Cristo
yá. é “ herdeiro de toda as coisas” , muito embora ainda não vejamos to-
das as coisas sujeitas a ele (Hb 1.1-4). As nossas riquezas atuais são os
despojos da vitória de Cristo que são despejados pelo seu Espírito so-
bre pessoas “ de toda tribo, língua, povo e nação” , constituindo “ reino
e sacerdotes” para o nosso Deus (Ap 5.9-10). Desde a ascensão de Cris-
ίο e a descida do Espírito no Pentecostés, vivemos nos “ últimos dias”
At 2.17; 2Tm 3.1; Hb 1.2; Tg 5.3; lPe 1.20; 2Pe 3.3; ljo 2.18; Jd 18),
antes do “último dia” (Jo 6.39-40,44,54; 11.24; 12.28). Cristo veio “ ao
se cumprirem os tempos” (Hb 9.26), e, contudo, o “ mundo vindouro”
agora mesmo está irrompendo entre nós por meio da pregação e do sa-
cramento (Hb 6.5).
O apóstolo Paulo diz que “ os fins dos séculos têm chegado”
. lCo 10.11) e que, contudo, “ o Dia do Senhor vem como ladrão de noi-
te" (lTs 5.2). Foi precisamente assim que Jesus descreveu a sua segunda
86

vinda no sermão do monte das Oliveiras. E dificilmente se podería en-


contrar melhor confirmação da promessa de Jesus do que na missão e
na mensagem de Paulo, de que “ será pregado este evangelho do reino
por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o
fim” (Mt 24.14). “Porque convém que ele reine até que haja posto to-
dos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a
morte” (ICo 15.25-26). A presença do Espírito no nosso coração como
penhor ou garantia da consumação garante que o que ele começou em
nós ele completará. O Espírito traz as bênçãos da era por vir ao pre-
sente, o que nos enche não somente de indescritível alegria, mas tam-
bém de indizível anseio por “ mais” bênçãos que ainda estão no futuro
(Rm 8.18-25).
Por mais amplos que os efeitos possam ser, no presente o reino de Cris-
to em si não é uma força geopolítica, econômica ou cultural. Assim como
Jesus disse que o seu reino não é deste mundo, Paulo escreve: “ ... a nossa
luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potes-
tades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12). Nossas únicas armas
são o Espírito e a Palavra do evangelho. Pela fé em Cristo temos “ a cou-
raça da justiça” , “o cinto da verdade” , “ o escudo da fé” , e os pés “calça-
dos” , prontos para correrem levando “ o evangelho da paz” (Ef 6.14-16).
O anúncio feito por Jesus de que prendeu o homem forte para que
o véu da incredulidade fosse tirado dos olhos dos prisioneiros de Sata-
nás é desenvolvido por Paulo (2Co 4.3). Cristo triunfou sobre Satanás
na cruz (Cl 2.13-15) e em sua ressurreição e ascensão ele liberta cativos
(Ef 4.8-10). A uma só voz os apóstolos declaram com o seu Senhor que
Cristo está reinando agora (At 2.24-25; 3.20-21; ICo 15.25; Hb 1.3,8,13;
8.1; 10.12-13). Por essa razão, Jesus pode assegurar a cada um dos seus
santos perseguidos: “ Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele
que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos
e tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.17-18).
Neste meio tempo, o reino avança acompanhado do sofrimento e até
do martírio das suas testemunhas. No entanto, Cristo “ aparecerá según-
da vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação” (Hb 9.28;
ver também 10.37). A regeneração da criação caída opera em círculos
concêntricos, começando com o ser interior da pessoa, e depois, na con-
sumação, incluindo a ressurreição do corpo e a renovação completa da
criação. Onde quer que o Novo Testamento trate do complexo retorno
0 ÊXODO E A CONQUISTA 87

de Cristo, da ressurreição e do juízo final, não é mencionada nenhuma


intervenção de arrebatamentos, ressurreições e juízos. Somente se esti-
vermos esperando pelo reino em outra coisa que não a reconciliação de
pecadores com Deus em Cristo é que podemos deixar de apreciar a sua
miraculosa expansão até aos confins da terra.
O livro de Apocalipse nos fornece vislumbres da adoração no céu e
do conflito terreno como acontecimentos simultâneos, como quando
vemos uma tela dividida no televisor. Expulso Satanás do céu pelo Rei
vencedor, “foi atirado para a terra e, com ele, os seus anjos” (Ap 12.9).
Contudo, lemos:

... ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio a salvação, o


poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi
expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia
e de noite, diante do nosso Deus. Eles, pois, o venceram por causa
do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que
deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. Por
isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais. Ai da terra e do
mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande cólera, sabendo
que pouco tempo lhe resta. (Ap 12.10-12)

O céu foi conquistado, o templo foi purificado para sempre, com o


advogado de acusação expulso - e, todavia, a terra se torna o teatro para
a sua inútil fúria contra a igreja. Especialmente quanto aos irmãos e ir-
mãs que sofrem perseguição - e até mesmo martírio - ao redor do mun-
do atual, essas palavras são tão relevantes como foram quando foram
escritas originariamente.

O evangelho é o reino e o reino é o evangelho


O “ evangelho do reino” (Mt 24.14) e as “chaves do reino” (Mt 16.19)
são realmente sinônimos. Ambas as expressões se referem à proclamação
do perdão dos pecados e da renovação de todas as coisas, realizações que
já começaram mesmo agora com a reunião dos marginalizados de Sião.
Além disso, ambas são sinônimas da Grande Comissão.
Se João Batista pôde proclamar com toda a seriedade: “Arrependei-
-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2), é da maior ur-
gência que nos arrependamos e creiamos, agora que o Messias veio. O
fundamento desse arrependimento é o perdão de pecados, como João
Calvino observou:
88

Dessa doutrina, como sua fonte, é derivada a exortação ao arre-


pendimento. Pois João não diz: “Arrependei-vos, e assim o reino
do céu mais tarde estará próximo” ; mas primeiro apresenta a graça
de Deus e, depois, exorta os homens a se arrependerem. Portanto,
é evidente que o fundamento do arrependimento é a misericórdia
de Deus, pela qual ele restaura os perdidos. ... A ordem é primei-
ro [o perdão]... e assim é preciso observar que o perdão de peca-
dos nos é concedido em Cristo, não para que Deus possa tratá-los
com indulgência, mas para que ele nos cure dos nossos pecados.10

Na sua atual fase, o reino é o evangelho e o evangelho é o reino.

Agora o meio é o seu evangelho. Também é por isso que Jesus Cristo
falava tão frequentemente do evangelho, chamando-o de reino de
Deus. A expressão “ o evangelho do reino” também pode ser tra-
duzida por “ o evangelho que é o reino” . Não é, então, sem moti-
vo que o evangelho é chamado “ o reino de Deus” . ... Jesus Cristo
sempre tem pessoas consigo onde quer que o evangelho é pregado.
Isso porque ele não é um Rei sem súditos.11

No Ocidente, a História é dividida em períodos: antigo, medieval,


moderno e pós-moderno. Hoje, a CNN tem sua própria lista de cabeça-
lhos. No entanto, o verdadeiro ponto divisor da História é a ressurrei-
ção de Jesus Cristo. Esse ponto decisivo não é apenas celebrado, mas é
aprofundado e amplificado em seus efeitos a cada Dia do Senhor. Onde
quer que este evangelho é recebido, um pedaço do céu - a era por vir -
começa, mesmo agora, a raiar nas empoeiradas esquinas desta era ím-
pia passageira.
SEG U N D A PARTE

Os tszrmos da missão
"Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações.”
Mateus 28.19

G om base no grande anúncio concernente à vitória de Cristo, a igre-


?ja é chamada para levar estas boas-novas até aos confins da terra.
Ampla em seu efeito (“ todas as nações” ) e profunda em sua intenção
(“fazei discípulos” ), a declaração da missão é feita simultaneamente com
um sentido de alegria e de urgente seriedade. O que isso significa, e como
é seguido hoje em dia, principalmente no atual contexto de um pluralis-
mo religioso?
3_____________________
____________________

dm imperativo urgente
“Ide, portanto..’.’

eus filhos brincam todos os dias com vizinhos muçulmanos no


nosso quintal. Durante o Ramadã, eu e minha mulher tomamos
o cuidado de não ceder quando eles imploram por um lanche. Nossas
vidas estão entrelaçadas com uma ampla diversidade de parentes, ami-
zos, colaboradores e vizinhos. Eles são homossexuais e heterossexuais,
mórmons e ateus, seguidores da Nova Era e agnósticos - e tudo quanto
hi entre uns e outros.
Os “ outros” não podem ser facilmente objetivados, rotulados e des-
personalizados como o pagão, o infiel, o inimigo distante. O que acon-
tece com essas pessoas maravilhosas às quais estamos ligados por laços
de amizade e de parentesco? Podemos imaginar que, se não ouvirem o
evangelho e não crerem nele, elas serão condenadas à morte eterna pelo
mesmo Jesus a quem chamamos Senhor e Salvador? Essas são perguntas
duras, que nos tocam no nível mais profundamente emocional. A Escritu-
ra fornece respostas claras? Se não as fornece, então insistir na fé em Jesus
como “o único caminho” é na verdade outra forma de fanatismo religioso.
A palavra “ missionário” soa antiquada - e, para alguns, arrogante e
até mesmo violenta. Até mesmo o termo “ evangelização” tem conota-
cões cada vez mais negativas na cultura mais ampla e entre alguns cris-
tios mais novos, que têm tido de explicar para seus colegas na escola
que a “ Campus crusade for Christ” (Cruzada universitária por Cristo)
não é uma organização terrorista. Embora esse termo seja inadequado
em qualquer era, principalmente no mundo pós 11 de setembro, ninguém
quer ter “cruzadas” . E num mundo em que a linha entre Deus e a terra
rrequentemente é quase um borrão, podemos perdoar os não cristãos por
temerem imagens marciais.
92

Exceto no caso dos remanescentes que sobreviveram às guerras de


culturas,‫ '״‬as metáforas militares da Escritura, que no passado domina-
vam a pregação e os cánticos dos protestantes conservadores, renderam-
-se a imagens mais amistosas. Hoje, a vida crista é descrita menos em
termos de uma batalha espiritual e mais em termos de urna transforma-
ção pessoal e social.
Dada a confusão entre Cristo e cultura, como também a ameaça glo-
bal de violência religiosa, é compreensível que hesitemos em fazer uso
da linguagem dos campos de batalha. No entanto, estamos exagerando?
Há não muito tempo você podería encontrar na rua um crente zeloso a
agitar furiosamente a Bíblia. Isso parece ser algo que dificilmente ocor-
reria hoje. “ Deixemos que a nossa vida fale” , concluímos. No entanto,
haverá algo entre esses extremos?
Atualmente, muitos cristãos sentir-se-iam constrangidos quanto a tomar
posição sobre questões doutrinárias que parecem cada vez mais estranhas
na nossa cultura pluralista. Não queremos ser tidos como “ sabe-tudo”
belicosos e acusadores. Até mesmo na igreja, muitas vezes simplesmente
fugimos das discussões doutrinárias temendo parecer orgulhosos e fac-
ciosos. Além do mais, recentes conversações entre evangélicos e católi-
cos romanos abrandaram a urgência e até a conveniência do proselitismo
evangélico em países nominalmente católicos romanos, como também em
países nominalmente protestantes.
No entanto, ao reagir contra as perversões do nosso mandato missio-
nário, não corremos o perigo de render-nos a uma cultura que privatiza
e relativiza afirmações supremas da verdade? Neste ambiente, há muita
pressão para que reduzamos a comunicação do evangelho em favor da
atitude de deixar que a nossa vida fale por nós. São os atos e não credos
que contam. Mas, não será isso uma falsa humildade? Essa abordagem
não sugere que a nossa confiança foi desviada da pessoa e da obra de
Cristo para a nossa própria?
A declaração missionária que Jesus fez à sua igreja é um imperativo
urgente, que lhe impõe que proclame o evangelho a todos, a cada ser
humano, e que faça discípulos de todas as nações. Desde o princípio o
cristianismo tem sido uma fé missionária. Embora começando em Jeru-
salém, o evangelho foi levado pelos apóstolos e evangelistas aos judeus

Confrontos de décadas recentes nos Estados Unidos entre evangélicos conservadores


e a sociedade secular (N. do E.).
UM IMPERATIVO URGENTE 93

da Diaspora, que viviam em cidades de todo o Império Romano, e de-


pois aos gentios (“primeiro do judeu e também do grego” ; Rm 1.16). A
caminho de Damasco para liderar outra perseguição contra os cristãos,
Saulo foi transformado por uma visão na qual o Cristo assunto ao céu
lhe falou. Mudando seu nome para Paulo, o apóstolo dos gentios mor-
reu como mártir em Roma. Os apóstolos proclamavam que Jesus é Deus,
o Criador e Redentor (Jo 1.1-5,14; Cl 1.15-20). Disse Jesus: “ Eu sou o
caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”
(Jo 14.6). Ele é a porta do paraíso (Jo 10.7-9), e todos os que nele con-
fiam serão salvos; todo aquele que não crê “já está julgado” (Jo 3.18).
A Grande Comissão causa divisões adicionais nas famílias e nas co-
munidades. Quando leio o anúncio de Cristo a respeito de dividir famí-
lias e o relato sobre os cristãos primitivos que realmente eram entregues
às autoridades por parentes e até por irmãos e irmãs, fico envergonhado
por minha reticência quanto a dar um claro testemunho de Cristo nas
reuniões da minha família. E quando ouço narrativas semelhantes de
cristãos perseguidos atualmente, ponho em questão a minha hesitação
quanto ao escândalo do evangelho.
No entanto, o evangelho forjou também uma estranha unidade entre
pessoas que anteriormente eram inimigas. Embora não sem conflito ini-
ciai, a parede que separava judeus e gentios foi derrubada. O evangelho,
não a herança étnica, uniu os seguidores de Cristo. A feroz perseguição
imperial contra os cristãos, esporádica, mas frequentemente pavorosa,
só atiçou as chamas do testemunho do Cordeiro. Como é dito que Ter-
tuliano, um pai da igreja do século 2-, observou: “O sangue dos mártires
é a sementeira da igreja” .

S o ld a d o s c r is t ã o s , a v a n t e - realm en te !
Com a conversão do imperador Constantino no século 4-, tudo mudou.
A igreja perseguida passou a ser a igreja favorecida, e o reino de Cris-
to veio a ser identificado com o Santo Império Romano. O clamor dos
mártires pela volta de Cristo (“ Até quando, Senhor?” ) deu voz à óbvia
colisão entre os poderes desta era e os poderes da era por vir. Contudo,
a paradoxal tensão entre o “já ” e o “ ainda não” rendeu-se a um espí-
rito triunfalista. A percepção que a igreja tinha da sua existência ambí-
gua e ameaçada, firmada unicamente na Palavra e no Espírito de Deus,
desvaneceu-se, juntamente com toda e qualquer séria distinção entre o
reino da graça e o reino da glória, o estado de humilhação sob a cruz e
94

o estado de exaltação, os impérios desta era e o reinado de Cristo por


meio do evangelho.
É certo que o islamismo não é apenas uma religião, mas um sistema
político, socioeconómico e legal totalmente abrangente. Esse sistema não
vem com um evangelho, mas com uma lei, e com uma espada literal para
lhe dar apoio. No entanto, o Islã aprendeu muito disso com o cristianis-
mo bizantino/medieval, com a fusão que este promoveu entre Cristo e o
império. Eusébio, historiador da história antiga, celebrou o seu patrono,
Constantino, como a imagem terrena de Cristo: “ O nosso imperador,
favorecido por Deus, recebendo, por assim dizer, um transcrito da sobe-
rania divina, dirige, imitando o próprio Deus, a administração dos inte-
resses e atividades deste mundo” . Portanto, com esse mandato divino, o
imperador “subjuga e castiga os francos adversários da verdade em con-
formidade com os usos da guerra” .1
No século 5-, Agostinho forneceu uma interpretação radicalmente di-
ferente, distinguindo entre a eterna Cidade de Deus e a temporal Cidade
do Homem.2 No entanto, a fusão do reino de Cristo com o império triun-
fou. Os monarcas medievais viam a si mesmos como o rei Davi redivi-
vus, expulsando os cananeus com seus cavaleiros santos e com a bênção
do sumo sacerdote. Num frio dia de novembro de 1095, o papa Urbano
II levantou uma cristandade afligida por guerras internas e a levou a as-
sumir a causa da guerra santa contra o Islã. “ Se vocês querem sangue” ,
exortou ele, “ banhem-se no sangue dos infiéis” .3
Tanto na versão cristã como na muçulmana, a pressuposição básica é
a mesma que os discípulos de Jesus partilhavam com os seus contempo-
râneos: o reino de Deus é um império tanto geopolítico como espiritual,
um reavivamento da teocracia da antiga aliança. Passagens de Josué po-
deriam ser invocadas pelos cristãos em favor da “guerra santa” . Muito
recentemente, em 2006, na matéria de capa da revista Time um erudito
católico romano americano disse a respeito do papa: “ O papel dele é re-
presentar a civilização ocidental” .4 Mas, será que alguém - até mesmo o
papa - acredita nisso hoje em dia?
Pelo menos os zelotes do tempo de Jesus tinham mais direito de evocar
as narrativas da conquista e as leis civis dadas no Sinai. No entanto, as
versões medievais simplesmente tiraram essas passagens do seu contex-
to e as aplicaram a seus próprios regimes políticos, precisamente como
muitos protestantes dos Estados Unidos evocam promessas como a de
2Crônicas 7.14 a cada 4 de julho como aplicáveis à América do Norte.
UM IMPERATIVO URGENTE 95

Apesar de o apóstolo Paulo dizer que “ a nossa luta não é contra o san-
gue e a carne” (Ef 6.12), tanto nas guerras de cultura no nosso país como
na “guerra do terror” fora, muitas vezes ouço evangélicos falarem como
se fosse o contrário disso. Talvez não exista nenhum exemplo melhor de
mission creep (a tendência a expandir o chamado da igreja para além do
original) do que a “cristandade” .
A mesma confusão do reino de Cristo com a transformação cultural
pode ser vista tanto à esquerda como à direita. Trata-se simplesmente
de um programa diferente. Acredito que o ensino de Cristo concernente
ao reino é muito mais radical do que qualquer coisa que estamos ouvin-
do dos dois lados hoje. O Senhor que nos deu a Grande Comissão não
apenas tem conhecimento de todo tipo de contingência, mas ele exerce
governo sobre isso tudo. A ampliação da missão para além do mandato
original já é muito ruim quando você tem um serviço militar de inteligên-
cia duvidoso, mas é especialmente irracional quando o nosso Comandan-
te é aquele a quem “toda a autoridade no céu e na terra” foi confiada.
A declaração missionária de Cristo é tão urgente quanto universal, no
entanto de modos inteiramente diferentes e por razões inteiramente di-
íerentes, e empregando métodos inteiramente diferentes do islamismo,
do secularismo e de outros principados e potestades em ação no mundo
e que se opõem ao reino de Deus e do seu Messias. A missão é urgen-
te porque, conquanto Jesus tenha vindo com humildade e tenha sofrido
para buscar e salvar o perdido, ele voltará em juízo.
Por um lado, temos de defender - com bases teológicas - as liberdades
políticas dos nossos vizinhos não cristãos. Por outro lado, temos de de-
clarar ao mundo, com gentileza e humildade, mas também com confian-
ça na Palavra de Deus, que fora de Cristo “já não resta sacrifício pelos
pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vinga-
dor prestes a consumir os adversários” (Hb 10.26-27). E, como essa pas-
sagem deixa claro, essas palavras se referem tanto aos cristãos nominais
como aos muçulmanos, aos judeus, aos budistas e aos ateus.
A era na qual estamos vivendo, entre esses dois adventos, é “ o dia da
salvação” , o intervalo no qual o Espírito está levando um remanescente
de todas as nações a Jesus Cristo. É, pois, um mandato universal, preci-
sámente porque o reino é identificado não com alguma nação da terra,
mas com a missão celestial de Deus a todos os povos. Não é algo cha-
mado cristianismo seguido depois por missionários que o propagam. O
cristianismo é, em sua própria essência, uma missão ao mundo. Se não
96

estiver buscando discípulos, ensinando-os, batizando-os e multiplicando


o número deles, não é cristianismo.
Quando Jesus apareceu a seus discípulos no Cenáculo na noite do do-
mingo da Páscoa, declarando: “ Paz seja convosco!” , ele mostrou suas
mãos e seu lado. “Alegraram-se, portanto, os discípulos ao verem o Se-
nhor. Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco!” Então, ele os
preparou para a comissão: “ Assim como o Pai me enviou, eu também
vos envio... Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os peca-
dos, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos” (Jo 20.19-23).
O nosso Salvador preside a economia do perdão em expansão, não a
do débito. Há uma guerra santa, mas nela “ a nossa luta não é contra o
sangue e a carne” , e a única armadura que nos servirá nessa batalha cós-
mica é a Palavra e o Espírito de Deus, focalizando o evangelho da paz,
que resiste aos esquemas de Satanás e destrói o seu reino (Ef 6.12-17).
Não podemos desistir do imperativo missionário. Não podemos negociar
os termos do tratado de paz de Deus com o mundo.

A DECLARAÇÃO DA MISSÃO
A versão de Marcos da Grande Comissão diz: “Ide por todo o mundo e
pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo;
quem, porém, não crer será condenado” (Mc 16.15-16).
E, pois, evidente que o imperativo é urgente. Como o escritor de He-
breus nos lembra solenemente,

... assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez,
vindo, depois disto, o juízo, assim também Cristo, tendo-se oferecí-
do uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparece-
rá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação.
(Hb 9.27-28)

Não é só urgente; é específico. Neste período entre as duas vindas de


Cristo, a tarefa da igreja consiste em “proclamar o evangelho a toda a
criação” . Não há mandato para que a igreja desenvolva um plano po-
lítico, social, econômico ou cultural. Embora ensine toda a Palavra de
Deus, tanto a lei como o evangelho, a missão da igreja não é nem mesmo
reformar a moral da sociedade. Sejam quais forem os efeitos do evange-
lho na vida dos seus ouvintes e na sociedade maior na qual ele é ouvido,
a Grande Comissão propriamente dita é um mandato muito específico
UM IMPERATIVO URGENTE 97

para fazer chegar a boa-nova a todos quantos jazem nas trevas, batizá-
dos e ensinar-lhes tudo quanto há na Palavra de Deus.
Como o evangelho e o reino de Deus, a Grande Comissão está se tor­
nando tão elástica e geral que o seu foco está sendo apagado. Todos es-
ses termos se tornaram um clichê para qualquer coisa que as igrejas (ou
os cristãos individuais) queiram fazer e que elas considerem útil e digno.
Os cristãos são chamados para fazer muitas coisas e para trabalhar di-
ligentemente em muitas vocações, não somente como membros da igreja,
mas como pais, filhos, vizinhos, colaboradores, cidadãos e voluntários.
No entanto, tudo o que a igreja é chamada para fazer como uma insti-
tuição visível - não somente o seu ministério de pregação, mas também
o seu serviço público de orações, canto, sacramentos, comunhão, gover-
no e disciplina - deve ser feito como um meio de transmitir este evange-
lho a toda a criação. Até mesmo os que foram criados na igreja devem
ser evangelizados a cada Dia do Senhor, inserindo-os repetidamente na
morte e na ressurreição do nosso Cabeça Vivo. A mesma mensagem que
produziu fé no princípio a sustenta através de toda a nossa peregrinação.
A fé é o dom que continua sendo dado e cujo propósito é que seja dado
por nós a outros que estão fora da comunidade pactuai.

Os destinatários originais da Grande Comissão


Derivado da linguagem dos campos de batalha, o termo euangelion signi-
fica “ boa notícia” de vitória militar, notícia levada à sede por um arauto
ou um embaixador. A Grande Comissão começa não com um imperati-
vo, um plano, uma estratégia para a nossa vitória no mundo, mas com o
anúncio de que Cristo venceu o pecado e a morte. “Pelo que, tendo este
ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita”, diz o apóstolo Pau-
io aos corintios, “ não desfalecemos... Mas, se o nosso evangelho ainda
está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto” (2Co 4.1,3).
‫־‬Tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio
áe Cristo e nos deu o ministério da reconciliação... De sorte que somos
embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso in-
rermédio” (2Co 5.18,20). Os embaixadores não criam a constituição.
Não forjam nenhuma política estrangeira e doméstica, nem negociam os
:ermos do tratado de paz de Deus. Simplesmente anunciam a libertação
e comunicam a nova constituição da colônia celestial de Cristo na terra.
Nessas referências paulinas, como na própria Grande Comissão,
o público primeiro é o círculo dos apóstolos. O ministério deles foi
98

extraordinário. Chamados diretamente pelo Deus encarnado, foram tes-


temunhas de sua majestade (2Pe 1.16). Eles lançaram o alicerce sobre o
qual os ministros comuns construiríam o santuário do fim dos tempos
de Cristo (ICo 3.11). Os embaixadores recebem ordem para ir e falar
em nome do rei. “De sorte que somos embaixadores em nome de Cris-
to, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo,
pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. Aquele que não conheceu
pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça
de Deus” (2Co 5.20-21, ênfase acrescentada). De fato, no versículo se-
guinte Paulo expressa a estreita relação que há entre a obra de Deus e
a dos apóstolos. “Na qualidade de cooperadores com ele, também vos
exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus” , mas que aceitem
e mantenham o testemunho de Cristo que ouviram (6.1).
Diversamente dos falsos profetas em Jeremias 23, os apóstolos esti-
veram no conselho do Senhor como membros do gabinete do presiden-
te, e agora levam os termos do tratado de paz ao mundo, que está sob
a autoridade dele. Eles receberam tudo diretamente do Senhor, e agora
nós o recebemos do Senhor por meio deles. Seus escritos são o cânon
ou a constituição do reino de Cristo, e agora o povo de Deus recebe or-
dem de que “não ultrapasseis o que está escrito; a fim de que ninguém se
ensoberbeça a favor de um em detrimento de outro” (1 Co 4.6). Afinal,
Paulo acrescenta: “ Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que
não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o
não tiveras recebido?” (ICo 4.7).
O ministério extraordinário chegou ao fim, mas o ministério ordinário
continua por intermédio daqueles que, como Timóteo, foram chamados
por Deus indiretamente, pela imposição das mãos do corpo de présbite-
ros (lTm 4.14; ver também lTm 5.17-19; Tt 1.5; Tg 5.14; lPe 5.1, 5;
3Jo 1.1). Em Gálatas 1, Paulo esforça-se para defender o seu apostolado
como algo que ele recebeu diretamente do Cristo assunto ao céu. Con-
tudo, ele exortou Timóteo: “Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graça que
está em Cristo Jesus. E o que de minha parte ouviste através de muitas
testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para
instruir a outros” (2Tm 2.1-2). Embora o cargo especial de embaixador
fosse confiado a fiéis ministros e presbíteros, o Espírito batiza todo eren-
te no ofício geral de profeta, sacerdote e rei em Cristo.
Porque toda a autoridade foi dada a Cristo, os apóstolos não esta-
vam simplesmente pleiteando com pecadores, muito menos negociando
UM IMPERATIVO URGENTE 99

os termos. Antes, eles emitiam uma ordem em nome de Cristo: “ Recon-


riliem-se com Deus” . Enquanto Deus agiu sem agentes humanos quando
criou o mundo ordenando: “Haja luz”, ele condescende em agir junto co-
nosco em seu ato milagroso de criar luz das trevas: “ a luz do evangelho
da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus. Pois não nos pregamos
a nós mesmos” , Paulo acrescenta: “ mas a Cristo Jesus como Senhor e a
nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus. Porque Deus, que
disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso
coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de
Cristo” (2Co 4.4-6). Como na criação original, Deus fala e traz à exis-
tência a nova criação por meio da sua Palavra e do seu Espírito. Quando
os seus embaixadores proferem esta Palavra, o Espírito traz realmente
a existência o novo mundo do qual eles falam. Visto que o Espírito age
por meio da Palavra, esta nunca voltará a ele vazia, sem ter realizado o
seu pretendido propósito (Is 55.11).
Não apenas os apóstolos, e nem mesmo os ministros ordinários que
os sucederíam, mas todos os crentes são dotados dessa autoridade real
para proclamarem “ as virtudes daquele que vos chamou das trevas para
a sua maravilhosa luz” (lPe 2.9). Nos Evangelhos, o círculo das testemu-
nhas estende-se dos Doze aos setenta e às “três mil pessoas” que foram
acrescentadas por meio do sermão de Pedro no Pentecostés (At 2.41). Da-
quele ponto em diante, ouvimos repetidamente em Atos que “ a Palavra
se espalhava rapidamente” . O reino continua a espalhar-se nos mesmos
círculos concêntricos: de Cristo a seus apóstolos (o Novo Testamento),
aos ministros ordinários e a toda a comunidade de testemunhas cheias
do Espírito.

Profunda e ampla
Primeiro, essa Comissão é profunda em sua intensidade. Os onze disci-
pulos do Senhor são chamados para fazer discípulos, não apenas con-
vertidos. Segundo, essa Comissão é ampla em sua extensão. Não apenas
as nações estão correndo para Sião; o próprio Sião é um carro revestido
do poder do Espírito e que segue seu curso através da terra. Em Cristo,
os “impuros” (gentios) são feitos santos. A promessa feita a Adão e Eva
de um novo Adão, e a Abraão e Sara a respeito da semente em quem to-
das as nações da terra seriam abençoadas, era renovada pelos profetas
quando prediziam a reunião de um remanescente procedente das nações
gentílicas com Israel.
100

Cristo agora é o templo, e por meio da fé nele todos os povos têm livre
acesso ao trono de Deus. A parede de separação que havia entre judeus e
gentios foi demolida. Ecoando a estrutura tripartite dos recintos do tem-
pio, Jesus, na sua ascensão, disse a seus discípulos que esperassem a des-
cida do Espírito para que se tornassem suas testemunhas “ em Jerusalém
como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.8).

O SURGIMENTO DO INCLUSIVISMO EVANGÉLICO E O MANDATO PARA PROCLAMAR O


EVANGELHO A ‫ ״‬TODO O MUNDO‫״‬
Setenta por cento dos adultos da América apoiam a declaração: “Muitas
religiões podem levar à vida eterna” , de acordo com um estudo do Pew
forum de 2008; mais da metade (57 por cento) daqueles que se identifi-
cam como membros de igrejas protestantes evangélicas concordaram.5
E isso não é apenas uma crescente tendência entre os cristãos ocidentais.
Há em ascensão um movimento dos “ seguidores de Jesus” muçulmanos
que, não obstante, continuam sendo muçulmanos, provocando debate
sobre se uma pública profissão de fé em Cristo e a identificação com a
sua igreja são necessárias.6
Impulsionados por padrões sempre em mudança sobre imigração, co-
municação e mobilidade social, os Estados Unidos são uma nação de pes-
soas que escolhem, compram e mudam de posição. “Mais de um quarto
dos americanos adultos (28 por cento) abandonou a fé na qual foram
criados em favor de outra religião - ou de religião nenhuma.” Se você
incluir as mudanças de uma forma de protestantismo para outra, o nú-
mero sobe para 44 por cento da população.7
O mero fato de que vivemos hoje numa sociedade pluralista cria pres-
sões para que abrandemos a nossa mensagem, livremo-la de ofensas e
a apresentemos como proveitosa para todos, e não apenas para salvar
aqueles que creem.
Em anos recentes, diferentes idéias quanto ao destino dos não evan-
gelizados têm sido agrupadas sob uma tríplice classificação: pluralismo,
que sustenta que todos os caminhos levam a Deus;8 inclusivismo, que
ensina que, embora Cristo seja o único Salvador, a fé explícita em Cris-
to ordinariamente não é necessária para a salvação; e exclusivismo, que
sustenta que ordinariamente não há salvação à parte de ouvir Jesus Cris-
to e crer nele.
Não admiro esses termos. Embora acredite que a terceira ideia é coe-
rente e claramente ensinada na Escritura, chamá-la “exclusiva” levanta
UM IMPERATIVO URGENTE 101

ama barreira contra ela. Deus ama o mundo e enviou seu Filho para que
todo aquele que nele crê tenha a vida eterna (Jo 3.16). Deus inclui em
Cristo um imenso número de todas as nações que seria excluído se não
fosse pela sua soberana e misericordiosa intervenção. Dificilmente parece
apropriado denegrir esse anúncio com o epíteto “ exclusivo” .
Em todo caso, o movimento emergente parece grandemente compro-
metido com o inclusivismo. O principal motivo pelo qual Brian McLaren
prefere o termo “missional” é que “ele nos leva além do pensamento ‘nós-
-eles’ e ‘pertence ao grupo’ e ‘não pertence ao grupo’ que leva ao precon-
ceito, à exclusão e, por fim, a guerras religiosas” . Diz ele: “ [Pensar em
‫־‬missional’] abre uma terceira alternativa que vai além da religião exclu-
síva e universalista. A religião exclusiva diz: ‘Nós estamos dentro, vocês
estão fora’. Boa notícia para nós, péssima notícia para vocês. Compreen-
sivelmente, a religião universalista reage e diz: ‘Todos estão dentro” ’ . No
entanto, isso pode levar à “ apatia magnânima” .9 McLaren escreve:

A fé cristã missional afirma que Jesus não veio para tornar algumas
pessoas salvas e deixar outras pessoas condenadas. Jesus n ão veio
para ajudar algumas pessoas a se tornarem retas, enquanto deixan-
do todas as outras no erro. Jesus n ão veio para criar outra religião
exclusiva - o judaísmo tendo sido exclusivo com base na genética
e o cristianismo exclusivo com base na crença (que pode ser uma
exigência mais dura do que a genética). A fé missional afirma que
Jesus veio pregar as boas-novas do reino de Deus a todos, princi-
pálmente aos pobres.10

Então, de acordo com McLaren, o evangelho é primariamente um im-


perativo para que todos o sigam, uma obra de redenção e de reconcilia-
ção que temos de completar.
Embora os universalistas estejam certos de que todos são salvos e os
exclusivistas estejam persuadidos de que a salvação vem somente por
meio da fé em Cristo, McLaren incentiva o agnosticismo nesta questão:

M as, que dizer sobre o céu e o inferno?, você pergunta. Todo mun-
do está dentro? Minha resposta: Por que você me considera qualifi-
cado para fazer este pronunciamento? Isso não é algo que compete
a Deus? Não está claro que não acredito que essa seja a pergunta
certa para um cristão missional fazer?... Podemos falar um pouco
sobre subverter e destruir toda fortaleza infernal na nossa vida e
102

no nosso mundo?... Mais importante para mim do que a questão


do inferno, então, é a questão da m issã o .‫״‬

A pergunta que se deve fazer neste ponto, porém, é se ignorar a ques-


tão do inferno necessariamente torna a missão outra coisa que proclamar
Cristo para o perdão dos pecados e para a nova vida. Avaliações com-
pletas do inclusivismo podem ser encontradas em outros textos.12 Vou
fornecer apenas alguns pontos de preocupação em relação a algumas das
mais populares defesas do inclusivismo nos últimos anos.

Silenciar quando Deus falou e falar quando Deus silenciou


O maior problema com o inclusivismo, em minha opinião, é que ele se
recusa a falar quando Deus falou e especula quando Deus está em si-
lêncio. Como podemos estar confiantes com relação aos planos e candi-
datos políticos que Jesus por acaso apoiaria, quando, ao mesmo tempo,
professamos ignorância sobre “ a questão do inferno” ? As mais vividas e
longas descrições vêm dos lábios do nosso Senhor (p. ex., Mt 5.30; 8.10-
12; 13.40-42,49-50; 22.13; 24.51; 25.30, e passagens paralelas; ver tam-
bém Lc 16.19-31).
Vivemos atualmente numa era da graça comum, na qual nem a salva-
ção nem o juízo foram consumados plenamente. Os poderes da era por
vir (juízo e shalom ou paz) estão penetrando nesta atual era ímpia por
meio da obra de convencimento do pecado realizada pelo Espírito e da
dádiva do perdão e da nova vida em Cristo. Por ora, trigo e joio crescem
juntos, mas a era da paciência de Deus terá fim. Desde o princípio do
ministério de Jesus, ele foi anunciado como o juiz que batiza com o Es-
pírito e também com fogo (Mt 3.11-12). Jesus explicou: “ Quando vier
o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então,
se assentará no trono da sua glória” (Mt 25.31). Fazendo eco a Isaías 2
(como também ao cap. 11), Jesus diz que as nações comparecerão dian-
te do Filho do Homem em juízo e todos serão separados, como cabritos
e ovelhas, “para o reino que vos está preparado” e “para o fogo eterno”
(Mt 25.31-46).
As epístolas revelam a mesma solene expectação. Deus não ignora a
rebelião humana: “ ... segundo a tua dureza e coração impenitente, acu-
mulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo
de Deus” (Rm 2.5). Para os ímpios e incrédulos haverá “ ira e indigna-
ção... tribulação e angústia” (Rm 2.8-9).
UM IMPERATIVO URGENTE 103

Na primeira carta aos Tessalonicenses, capítulo 5, Paulo adverte que


“o Dia do Senhor vem como ladrão de noite” (v.2), justamente quando
todo o mundo estará proclamando paz e segurança (v.3). Esse acontecí-
mento de salvação e juízo será tão definitivamente final como repentino,

... quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do


seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que não
conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de
nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destrui-
ção, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder, quando
vier para ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos
os que creram, naquele dia (conquanto foi crido entre vós o nosso
testemunho). (2Ts 1.7-10)

Judas nos diz de Sodoma e Gomorra e das cidades circunvizinhas “que,


havendo-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra
carne, são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição” e de-
clara que os falsos mestres são “estrelas errantes, para as quais tem sido
guardada a negridão das trevas, para sempre” (Jd 7,13). Pedro adverte
quanto ao “Dia do Juízo” e da “destruição dos homens ímpios” (2Pe 3.7).
Em Apocalipse há a visão dos poderosos e ricos de toda a terra, que
não temeram a Deus e nem aos mortais e que diziam “ aos montes e aos
rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no
trono e da ira do cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles, e
quem é que pode suster-se?” (Ap 6.16-17). Isso é seguido pela visão das
taças da ira, da queda da grande Babilônia, símbolo da cidade terrena em
todo o seu orgulho, injustiça e imoralidade, para não mencionar a sua
perseguição dos santos (cap. 16-18). Finalmente, a Babilônia é julgada
e destruída, enquanto todos os santos cantam: “ Aleluia! E a sua fumaça
sobe pelos séculos dos séculos” (19.1-3). A festa de casamento do Cor-
deiro é contrastada horrivelmente com “ a grande ceia de Deus” (19.17),
quando o anjo chama as aves de rapina para virem à festa “para que co-
mais carnes de reis, carnes de comandantes, carnes de poderosos, carnes
de cavalos e seus cavaleiros, carnes de todos, quer livres, quer escravos,
ranto pequenos como grandes” (19.18). Esse fato é seguido pela destrui-
ção dos ímpios pelo cavaleiro no seu cavalo branco, com Satanás sendo
finalmente “ lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se
encontram não só a besta como também o falso profeta; e serão ator-
mentados de dia e de noite, pelos séculos dos séculos” (20.10). Então os
104

mortos serão julgados. “Esta é a segunda morte, o lago de fogo” (20.14).


É a finalidade dessa guerra santa que introduz a finalidade de novos céus
e terra, onde não haverá mais nenhum julgamento, guerra, dor, sofrimen-
to e opressão. E, finalmente, é ali que a Árvore da Vida dá seu fruto para
a cura das nações (cap. 21-22).
Como explica Larry Hurtado, não havia analogia para a fé e prática
cristãs em parte alguma, quer no judaísmo do segundo templo, quer na
religião romana. Um cidadão romano podia adotar qualquer número de
novas religiões em combinação, contanto que a religião civil fosse manti-
da. “ Contudo, diferentemente de quase todas as outras opções religiosas
da época (mas diretamente refletindo a tradição judaica da era romana
na qual ela emergiu), a fé cristã já no seu início envolvia uma reivindica-
ção religiosa exclusivista dos adeptos. Em todas as mais antigas fontes,
a mensagem cristã era sobre o único Deus da tradição bíblica, e todas
as outras pretensas divindades eram consideradas meros ‘ídolos’, e algo
pior que isso.” 13
Não é apenas pela nossa fidelidade à revelação de Deus, mas também
pelo nosso amor aos nossos semelhantes que devemos dizer o que nos foi
dito que digamos. Não somos nem os autores nem os editores desse escrito.
Deuteronômio 29.29 nos lembra que “as coisas encobertas pertencem ao
S enhor, o nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nos-
sos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” .
As Escrituras ensinam claramente que da multidão dos que compõem a
humanidade condenada Deus escolheu um povo de todas as línguas para
salvação em Cristo (p. ex., Jo 1.12-13; 6.38-39,44; 10.15,17,27; 15.16;
17.2,6,9; At 13.48; Rm 8.28-34; 9.6-24; 11.5-10,29; 2Tm 1.9; Ef 1.4-15).
No entanto, a nós foi confiada a tarefa de proclamar o evangelho a toda
criatura, não de descobrir os eleitos. Deus revelou claramente as boas-
-novas, prometendo que todo aquele que crê em Cristo será salvo.
Sabemos que há exceções. Davi, quando morreu seu filho com sete dias
de vida (que ele teve com Bate-Seba), declarou que um dia ele se juntaria
ao filho (2Sm 12.23). Tanto no Novo Testamento como no Antigo, os
filhos dos crentes são incluídos na aliança da graça (Gn 17.7; At 2.39;
ICo 7.14). Sobre essa base as igrejas reformadas confessam que “ os pais
piedosos não devem duvidar da eleição e salvação dos seus filhos a quem
agrada a Deus chamar desta vida em sua infância” .14
O que acontece com as outras crianças? Ou com aqueles que, por
alguma deficiência física, não conseguem entender a proclamação do
UM IMPERATIVO URGENTE ‫ ו‬05

evangelho? Não temos passagens nas quais buscar resposta a essas per-
guntas, exceto que podemos afirmar com o apóstolo Paulo o que temos
nas palavras do Senhor a Moisés: “Terei misericórdia de quem me aprou-
ver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter com-
paixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas
de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.15-16). “Ao S enhor pertence a
salvação” (Jn 2.9), e Deus nunca está à mercê das capacidades e deficiên-
cias humanas. O que a Escritura rejeita claramente é a salvação de quem
quer que seja, incluindo as crianças e as pessoas com alguma deficiência,
em qualquer outra base que não a misericórdia de Deus em Jesus Cris-
to mostrada para com os pecadores. Além do mais, as exceções não de-
terminam a regra. A versão de Marcos da Grande Comissão inclui estas
palavras de Jesus: “ Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém,
não crer será condenado” (Mc 16.16). Seja o que for que Deus faça por
sua graça soberana, a Grande Comissão está interessada no que Deus
prometeu na sua Palavra fazer a todo aquele que invocar o seu nome.
A Grande Comissão está ligada à “ questão do inferno” , visto que or-
dena a proclamação do perdão dos pecados pela fé em Cristo e adver-
te que todo aquele que não aceita Cristo será condenado. No entanto,
quando Deus fica em silêncio, muitas vezes os inclusivistas fornecem as
suas próprias especulações.
No início do século 32, Orígenes apresentou uma síntese de cristianis-
mo e platonismo. Segundo essa visão, todas as almas (incluindo Satanás
e os anjos caídos) seriam restauradas finalmente depois de purificadas
e receberem instrução espiritual, mediante uma série de reencarnações.
Porém, as idéias de Orígenes foram condenadas no Quinto Concilio de
Constantinopla (553).
Alguns inclusivistas que tendem para o universalismo argumentam em
favor da sua causa baseados no que eu chamaria pressuposições “hiper-
calvinistas” . Karl Barth e Jürgen Moltmann afirmam que Deus elegeu e
redimiu toda a humanidade em Cristo, sobrepujando o “ não” deles com
o seu “ sim” . Segundo essa perspectiva, a graça soberana de Deus não
é apenas a fonte da fé salvadora; ela torna a resposta humana inconse-
quente. No entanto, Barth (diversamente de Moltmann) voltou atrás e
deixou de especular sobre se cada pessoa será salva de fato.15 De acordo
com Moltmann, a ideia de que as pessoas são capazes e livres para deter-
minar a si mesmas para a condenação reflete uma confiança pelagiana no
fivre-arbítrio acima da graça de Deus.16 Um argumento mais moderado
106

e m f a v o r d o in c lu s iv is m o c o m b a s e n a g r a ç a s o b e r a n a d e D e u s , fo i p o n -
d e r a d a m e n t e a p r e s e n t a d o p o r T e r r a n c e L . T ie s s e n .17
O u t r o s in c lu s iv is ta s s e g u e m u m a li n h a m a is a r m i n i a n a d e a r g u m e n -
t a ç ã o . C l a r k P in n o c k e J o h n S a n d e r s c o m p a r t i l h a m a p r e s s u p o s i ç ã o d e
q u e to d o s o s a tr ib u to s d e D e u s s ã o s u b s e rv ie n te s a o se u a m o r, e q u e o se u
p r o p ó s ito é s a lv a r to d a s a s p e s s o a s . D e f a to , P in n o c k re c o n h e c e q u e essa s
te s e s f u n c io n a m c o m o p r e s s u p o s iç õ e s o u “ a x i o m a s ” p e lo s q u a is a e x e -
g e se d e v e s e r t e s t a d a . 18 A o m e s m o te m p o , a r e s p o s t a h u m a n a é d e c is iv a
p a r a a s a lv a ç ã o . C o m o P in n o c k re c o n h e c e , s u a v e r s ã o se d e v e a o c o n c e ito
“ c r is tã o a n ô n i m o ” d o te ó lo g o c a tó lic o r o m a n o K a rl R a h n e r e d o S e g u n d o
C o n c ilio V a tic a n o .19 P in n o c k re c o r r e a o s e x e m p lo s d e M e lq u is e d e q u e , J ó ,
e à c ita ç ã o q u e P a u lo fa z d e p o e ta s p a g ã o s e m A to s 1 7 , p a r a d e f e n d e r a
id e ia d e q u e D e u s se re v e la d e m a n e ir a salv ífica f o r a d a re v e la ç ã o b íb lic a .20
P a r a o s i n c lu s iv is ta s q u e a c r e d i t a m q u e a l g u m a r e s p o s t a h u m a n a é
d e c is iv a , f r e q u e n te m e n te a r e v e la ç ã o g e r a l é t r a t a d a c o m o s u fic ie n te . O
e v a n g e lh o r e v e la d o p o r m e io d a r e v e la ç ã o e s p e c ia l é m a is c l a r o , m a s a
g r a ç a d e D e u s p o d e s e r c o n h e c id a e a c e ita i n d e p e n d e n te m e n te d e s s a re -
v e la ç ã o . B r ia n M c L a r e n re f e r e - s e à p a r á b o l a d e J e s u s d o jo io e o tr ig o .
E m M a te u s 1 3 .2 4 - 3 0 , u m t r a b a l h a d o r in f o r m a a o f a z e n d e ir o q u e u m in i-
m ig o ti n h a s e m e a d o jo io e m s e u c a m p o , m a s o f a z e n d e ir o in s is te e m q u e
o s h o m e n s n ã o a r r a n q u e m o jo io , m a s q u e o d e ix e m c r e s c e r j u n t o c o m
o tr ig o a té q u e ele v e n h a p a r a a c o lh e ita .
C o n t u d o , M c L a r e n d iz : “ T a m b é m p r o p o n h o ( c o m a p a r á b o l a d e
M t 1 3 .2 4 - 3 0 e m m e n te ) q u e n ã o p r o c u r e m o s a r r a n c a r t o d a s a s m á s se-
m e n te s d a s re lig iõ e s d o m u n d o ( in c lu in d o a n o s s a p r ó p r i a ) , m a s , a n te s ,
p r o c u r e m o s in c e n tiv a r o c r e s c im e n to d o b o m tr ig o e m t o d a s a s re lig iõ e s ,
a t é m e s m o n a n o s s a , d e i x a n d o q u e D e u s a s s e le c io n e c o m o a p e n a s e le
p o d e f a z e r ” .21 E , n a t u r a l m e n t e , e le n ã o c o m e n t a a c o n c lu s ã o d e J e s u s :
“ D e ix a i- o s c r e s c e r ju n to s a té à c o lh e ita , e, n o te m p o d a c o lh e ita , d ire i a o s
c e ife iro s: a ju n ta i p r im e ir o o jo io , a ta i- o e m fe ix e s p a r a se r q u e im a d o ; m a s
o tr ig o , r e c o lh e i- o n o m e u c e le i r o ” ( 1 3 .3 0 ) . N a p a r á b o l a im e d ia ta m e n -
te a n te r io r , s o b r e o s e m e a d o r, J e s u s c la s s ific a o s se u s s e g u id o r e s s e g u n d o
d if e r e n te s c a m p o s : r o c h o s o , o n d e a P a la v r a é o u v id a , m a s n ã o te m ra iz ;
c h e io d e e s p in h o s , o n d e a p l a n t a é s u f o c a d a p e lo s c u id a d o s t e m p o r a is ; e
a b o a t e r r a , “ o q u e o u v e a p a l a v r a e a c o m p r e e n d e ” ( M t 1 3 .2 3 ) . O c o n -
te x t o d a p a s s a g e m s e g u in te , d o jo io , e n tã o , é a c o m u n id a d e d a q u e le s q u e
e s ta v a m s e g u in d o a J e s u s . N ã o é u m in c e n tiv o a d e i x a r q u e m ilh a r e s d e
flo re s f lo r e s ç a m n o j a r d i m d a r e lig iã o .
UM IMPERATIVO URGENTE ‫ ו‬07

Libertados dos ídolos ou discípulos anónimos de jesús? Confundindo a


revelação geral com a revelação especial
E m t o d o o liv ro d e A to s n o s m a r a v ilh a m o s a n te o p o d e r d o e v a n g e lh o d e
t r a n s f o r m a r v id a s . D e f a to , i r r o m p e u u m t u m u lt o e m E fe s o , o c e n tr o d o
c u lto a Á rte m is , q u a n d o a g ra n d e in d u s tr ia p r o d u t o r a d e íd o lo s e s ta v a sen -
d o a m e a ç a d a e m r a z ã o d a c o n v e r s ã o a C r is to q u e se d a v a p o r t o d a p a r te
(A t 1 9 .2 1 - 4 1 ) . O s i d ó l a t r a s s ã o e x c lu íd o s d o r e in o d e C r is to ( I C o 5 .1 0 ;
6 .9 ; 1 0 .7 ; G1 5 .2 0 ; l T s 1 .9 ; I P e 4 .3 ; l j o 5 .2 1 ) . O a p ó s t o l o P a u lo a d v e r-
tiu o s c o r in tio s c i t a n d o o e x e m p lo d e Is r a e l e o b e z e r r o d e o u r o . “ M e u s
a m a d o s , f u g i d a i d o l a t r i a ” ( I C o 1 0 .1 4 ) . N ã o p o d e h a v e r p a r t i c i p a ç ã o
n o c o r p o e n o s a n g u e d e C r is to à M e s a d o S e n h o r a o m e s m o t e m p o e m
q u e se p a r ti c ip a d a “ m e s a d o s d e m ô n i o s ” , p o is , “ O u p r o v o c a r e m o s ze-
lo s n o S e n h o r? S o m o s , a c a s o , m a is f o r te s d o q u e e le ? ” ( I C o 1 0 .2 1 - 2 2 ) .
N a v isã o d e M c L a r e n , a G r a n d e C o m is s ã o c o n v id a to d o s a se to r n a r e m
d is c íp u lo s ( s e g u id o r e s o u im ita d o r e s ) d e J e s u s . “ D e v o a c r e s c e n ta r , c o n -
t u d o , q u e n ã o a c r e d ito q u e f a z e r d is c íp u lo s se ja n e c e s s a r ia m e n te ig u a l a
fa z e r a d e p to s d a r e lig iã o c r i s t ã . ” E le e x p lic a : “ P o d e s e r a c o n s e lh á v e l e m
m u ita s c ir c u n s tâ n c ia s (n ã o e m to d a s ! ) a ju d a r p e s s o a s a se t o r n a r e m seg u i-
d o r a s d e J e s u s e a p e r m a n e c e r e m d e n tr o d o s seu s c o n te x to s b u d is ta , h in d u
o u ju d a ic o . N ã o a lim e n to a e s p e r a n ç a d e q u e t o d o s o s ju d e u s o u h in d u s
se t o r n a r ã o m e m b r o s d a r e lig iã o c r is tã . M a s e s p e r o q u e t o d o s o s q u e se
s e n tire m c h a m a d o s se t o r n e m ju d e u s o u h in d u s s e g u id o r e s d e J e s u s ” .22
E n tã o , s e g u n d o e s s a v is ã o , o e v a n g e lh o e m si n ã o é m a is u m a n ú n c io
d o p e r d ã o d e p e c a d o s e m n o m e d e C ris to . J e s u s e sc la re c e e in c o r p o r a esse
m o d o d e v iv e r, m a s , a o m e n o s e m p r i n c í p i o , e sse e v a n g e lh o é d e f a to a
lei d o a m o r q u e t o d o s c o n h e c e m e m s u a p r ó p r i a c o n s c iê n c ia e q u e é e n -
s in a d a p o r m u ita s re lig iõ e s .
C o n t u d o , p r i n c i p a l m e n t e e m R o m a n o s 1 e 2 , o a p ó s t o l o P a u l o re s -
s a lta q u e a r e v e la ç ã o g e r a l (n a q u a l D e u s se re v e la p o r m e io d a c r ia ç ã o )
é s u fic ie n te p a r a d e i x a r a s p e s s o a s “ i n d e s c u l p á v e i s ” p e r a n t e o ju íz o d e
D e u s (R m 1 .2 0 ). D e u s r e v e lo u s u a e x is tê n c ia , se u p o d e r , s u a ju s tiç a e s u a
b o n d a d e n a n a t u r e z a e n a H i s t ó r i a d e m o d o a b u n d a n te . N o e n t a n t o , o s
g e n tio s s u p r i m i r a m e s s a r e v e la ç ã o . P a u lo d iz:

Que se conclui? Temos nós [os judeus] qualquer vantagem? Não,


de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto
judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito:
Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem
108

busque a Deus... visto que ninguém será justificado diante dele por
obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento
do pecado. (Rm 3.9-11,20)

O q u e o a p ó s t o l o e s tá d i z e n d o é q u e , à p a r t e d o e v a n g e lh o , n ã o h á
r e v e la ç ã o salvadora. E e x a ta m e n t e o c o n t r á r i o : a r e v e la ç ã o g e r a l re v e la
a le i, o j u s t o j u l g a m e n t o q u e c o n d e n a a t o d o s . O q u e n ó s p r e c is a m o s é
de b o as-n o v as.
D a lei, n ó s n ã o o b te m o s novas, m u ito m e n o s boas-n o v a s . T r a ta - s e d e
a lg o q u e já c o n h e c e m o s p r o f u n d a m e n t e n o n o s s o in te r io r . E u m a b ú s -
s o la i n t e r i o r q u e n in g u é m p o d e i g n o r a r c o m p l e t a m e n t e . E o q u e t o r n a
p o s s ív e l a o s a te u s s e r e m i n s t r u m e n t o s d a g r a ç a c o m u m d e D e u s p a r a as
p e s s o a s : d e s e n v o lv e n d o c u r a s , d ir ig in d o ô n ib u s e s c o la r e s , c r ia n d o fa m í-
lia s , e o f e r e c e n d o b e n s e s e rv iç o s pro bono p a r a a s p e s s o a s n e c e s s ita d a s .
O s c r is tã o s p u d e r a m t r a b a l h a r j u n t a m e n t e c o m d e ís ta s a o e s ta b e le c e r a
c o n s titu iç ã o e a s leis d e u m a n o v a r e p ú b lic a n o r t e - a m e r i c a n a . H á t o d a s
a s r a z õ e s p a r a q u e c r i s t ã o s n o n o s s o m u n d o h o je t r a b a l h e m c o m m u -
ç u lm a n o s , ju d e u s , h in d u s , b u d is ta s - e c o m q u e m q u e r q u e q u e ir a fa z e r
a v a n ç a r o p r o g r e s s o r u m o a u m a c o m u n id a d e d e c id a d ã o s m a is p a c ífic a e
ju s ta . Se c o n s id e r a r m o s o T a o , o N o b r e C a m in h o O c tu p lo , o s D e z M a n -
d a m e n t o s , a D e c la r a ç ã o d e D ir e ito s H u m a n o s d a O N U , a R e g r a d e O u -
t r o , a s u b ja c e n te r e v e la ç ã o g e r a l d a m o r a l d e D e u s n a c r ia ç ã o é e v id e n te .
N o e n t a n t o , o a r g u m e n t o d e P a u l o e m R o m a n o s 1 - 3 é q u e e s t a re -
v e la ç ã o g e r a l, q u e t o r n a p o s s ív e l q u e o s i d ó l a t r a s g e n tio s e x ib a m a lg u m
g r a u d e ju s tiç a n o p l a n o h o r i z o n t a l, n ã o t r a n s m ite a s b o a s - n o v a s d a ju s -
tif ic a ç ã o g r a t u i t a d e D e u s d o s p e c a d o r e s . “ M a s a g o r a , s e m lei, se m a n i-
f e s to u a j u s tiç a d e D e u s t e s t e m u n h a d a p e la le i e p e lo s p r o f e t a s ; ju s tiç a
d e D e u s m e d ia n te a fé e m J e s u s C r is to , p a r a t o d o s [e s o b r e to d o s ] o s q u e
c r e e m ” (R m 3 .2 1 - 2 2 ) .
E s s a r e v e la ç ã o e s p e c ia l n ã o r e s id e n o n o s s o in te r io r . E la n ã o e s tá n a
n o s s a c o n s c iê n c ia o u n a n o s s a c u l t u r a . N ó s n a s c e m o s c o m e sse c o n h e -
c im e n to , e n ã o o a p r e n d e m o s d a s v á r ia s re lig iõ e s e e s p ir itu a lid a d e s . E la
f o i p r o c l a m a d a a n ó s . E p o r is s o q u e a G r a n d e C o m is s ã o é “ p r e g a r o
e v a n g e lh o p a r a t o d o s ” . N in g u é m s e r á s a lv o p o r u m z e lo p o r D e u s e p e lo
p r ó x i m o , m a s a p e n a s p o r c l a m a r o n o m e d e J e s u s C r i s t o p a r a s a lv a ç ã o
(R m 1 0 .1 - 4 ,9 - 1 4 ) . E p o r is s o q u e p r e c is a m o s d e p r e g a d o r e s .

Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como


crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não
UM IMPERATIVO URGENTE 109

há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como


está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas
boas. (Rm 10.14-15)

S e g u n d o M c L a r e n , T o n y J o n e s e o u t r o s e s c r ito r e s e m e r g e n te s , n o e n -
t a n t o , C r is to é r e v e la d o c o m o S a lv a d o r a té m e s m o n a c r ia ç ã o e n a c u ltu -
r a . T o n y J o n e s e sc re v e : “ R e a lm e n te , o s m o d o s e m q u e D e u s , e m C r is to ,
p o d e s e r r e v e la d o a n ó s s ã o i l im i t a d o s ” .23 A lé m d o m a is , “ T e n ta r c o n g e -
la r u m a a r t i c u l a ç ã o p a r t i c u l a r d o e v a n g e lh o , t o r n á - l a a t e m p o r a l e u n i-
v e r s a l m e n t e a p lic á v e l, r e a l m e n t e f a z u m a i n j u s ti ç a a o e v a n g e l h o ” , e le
a f ir m a . “ Is s o v a i a o p r ó p r i o c e r n e d o q u e a e m e r g ê n c ia é e c o m o o s c ris -
tã o s e m e r g e n te s e s tã o t e n t a n d o m a p e a r u m a r o t a p a r a s e g u ir a J e s u s n o
m u n d o p ó s - m o d e r n o , g l o b a l i z a d o e p l u r a l i z a d o d o s é c u lo 2 1 . ” 24 C o m
f r e q u ê n c ia , a lib e r d a d e e a s o b e r a n ia d e D e u s s ã o in v o c a d a s p a r a a n u l a r
o im p e r a tiv o m is s io n á r io : “ D e u s p o d e p e r d o a r q u e m q u ise r, te n h a o u n ã o
a p e s s o a p e r d o a d a c o n f e s s a d o a d e q u a d a m e n t e o s se u s p e c a d o s ” .25 E sse
m o d o d e c o lo c a r a s c o is a s d e ix a d e re c o n h e c e r q u e ninguém c o n fe s s a ade-
quadamente s e u s p e c a d o s . S o m o s ju s tif ic a d o s n ã o p e la i n te n s id a d e , p u -
r e z a o u a té m e s m o p e la s o f is tic a ç ã o d o u t r i n á r i a d a n o s s a c o n f is s ã o , m a s
p e lo C r is to a q u e m c o n f e s s a m o s : “ S e, c o m a t u a b o c a , c o n f e s s a r e s J e s u s
c o m o S e n h o r e, e m te u c o r a ç ã o , c r e r e s q u e D e u s o r e s s u s c ito u d e n t r e o s
m o r t o s , s e r á s s a l v o ” (R m 1 0 .9 ).
E s s a s p a s s a g e n s n o s e n s in a m q u e a r e v e la ç ã o e s p e c ia l ( E s c r itu r a ) n ã o
apenas nos d á mais r e v e la ç ã o o u r e v e la ç ã o mais clara d o q u e a r e v e la ç ã o
g e ra l, m a s q u e ta m b é m n o s d á u m a re v e la ç ã o diferente. A re v e la ç ã o g e ra l
n o s t o r n a c o n s c ie n te s d a e x is tê n c ia d e D e u s , d e s u a j u s tiç a , d o s e u p o -
d e r e d e s u a lei p e la q u a l ele ju lg a . A p e n a s n o e v a n g e lh o o u v im o s o su r-
p r e e n d e n te a n ú n c io d a m is e r ic ó r d ia s a l v a d o r a d e D e u s e m J e s u s C r is to .
A o c o n f u n d i r a r e v e la ç ã o e s p e c ia l c o m a r e v e la ç ã o g e r a l, m u i to s in -
c lu s iv is ta s a p e la m a o A n tig o T e s ta m e n to p a r a e x e m p lo s d o “ p a g ã o n o -
b r e ” ( c o m o M e lq u is e d e q u e e J ó o u o s p o e t a s p a g ã o s c i t a d o s p o r P a u lo
e m A te n a s e C o r n é lio e m A t 1 0 ). E les t a m b é m r e s s a l ta m q u e n e m m e s -
m o o s p a t r i a r c a s b íb lic o s s a b ia m o q u e n ó s s a b e m o s a r e s p e ito d e C r is to
e d e s u a o b r a s a lv ífic a . E n t ã o , c o m o p o d e a fé e x p líc ita e m C r is to s e r o
ú n ic o m e io p a r a s a lv a ç ã o ?
H á , n o e n t a n t o , p r o b le m a s c o m e s s a in t e r p r e t a ç ã o . P r im e ir o , e m b o r a
a r e v e la ç ã o b íb lic a p r o g r id a d a s s o m b r a s d o A n tig o T e s ta m e n to p a r a a
r e a lid a d e d o N o v o T e s ta m e n to , o o b j e t o d e fé é o m e s m o . A b r a ã o n ã o
‫סוו‬

t i n h a u m a v is ã o t ã o c la r a d o e v a n g e lh o q u a n t o o a p ó s to lo J o ã o , m a s e r a
o e v a n g e lh o . “ A b r a ã o , v o s s o p a i , a le g r o u - s e p o r v e r o m e u d i a ” , J e s u s
d is s e a o s líd e r e s r e lig io s o s : “ v iu - o e r e g o z i j o u - s e ” (Jo 8 .5 6 ) . P a u lo n o s
le m b ra : “ N ã o fo i p o r in te r m é d io d a lei q u e a A b r a ã o o u à s u a d e s c e n d ê n -
c ia c o u b e a p r o m e s s a d e s e r h e r d e ir o d o m u n d o , e sim m e d ia n te a ju s tiç a
d a f é ” (R m 4 .1 3 ) . “ S a b e i, p o is , q u e o s d a fé é q u e s ã o filh o s d e A b r a ã o .
O r a , t e n d o e E s c r it u r a p r e v is to q u e D e u s ju s tif ic a r ia p e la fé o s g e n tio s ,
preanunciou o evangelho a Abraão: E m ti, se rã o a b e n ç o a d o s to d o s os
p o v o s ” (G1 3 .7 - 8 ; ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . A b r a ã o e S a ra e s tã o e n tr e a q u e -
les q u e , c o m o A b e l, E n o q u e e N o é , “ m o r r e r a m n a fé , s e m t e r o b t i d o a s
p r o m e s s a s ; v e n d o - a s , p o r é m , d e lo n g e , e s a u d a n d o - a s , e c o n f e s s a n d o q u e
e r a m e s tr a n g e ir o s e p e r e g r in o s s o b r e a t e r r a ” ( H b 1 1 .1 3 ) .
N o e n t a n t o , a s r e lig iõ e s d a s n a ç õ e s e r a m c o n s i d e r a d a s c o m o id ó la -
t r a s a o lo n g o d e s s a h i s t ó r i a . O s e x e m p lo s d e C l a r k P in n o c k já c i t a d o s
n ã o d e m o n s t r a m u m c o n h e c im e n to s a lv ífic o d e D e u s à p a r t e d e s u a re -
v e la ç ã o a Is ra e l.
S e g u n d o , o s o u t r o s e x e m p lo s in c lu s iv is ta s c i t a d o s n ã o a p o i a m o a r-
g u m e n to d e le s . D o p o u c o q u e s a b e m o s a r e s p e ito d e M e lq u is e d e q u e , ele
n ã o p o d e r ía te r s id o u m “ n o b r e p a g ã o ” .26 E le e r a “ re i d e S a lé m ” ( p r o to -
-Je ru s a lé m ), “ s a c e rd o te d o D e u s A ltís s im o ” e “ D e u s A ltís s im o ” {El Elyon)
e r a id e n tif ic a d o c o m o n in g u é m m e n o s q u e “ o S enhor [Y a h w e h ], o D e u s
A ltís s im o ” (G n 1 4 .1 8 - 2 2 ) . M e lq u is e d e q u e le v o u a A b r ã o p ã o e v in h o , o
a b e n ç o o u e r e c e b e u o d íz im o - t o d a s e s s a s a ç õ e s r e f le te m u m c o n t e x t o
p a c t u a i n o q u a l A b r a ã o r e c o n h e c ia M e l q u i s e d e q u e c o m o s e u s u m o sa -
c e r d o te . C o m b a s e n o s a lm o 1 1 0 , H e b r e u s 7 c la r a m e n te i n t e r p r e t a M e l-
q u is e d e q u e c o m o u m t i p o q u e a p o n t a v a p a r a C r is to .
J ó t a m b é m n ã o p o d e s e r q u a lif ic a d o c o m o u m c r e n te a n ô n im o . A a lu -
s ã o q u e ele fa z a o s a lm o 8 .4 (e m J ó 7 .1 7 - 1 8 ) e c ita ç õ e s d ir e ta s d o s a lm o
1 0 7 .4 0 e Isa ía s 4 1 .2 0 (em J ó 1 2 .2 1 -2 4 ) o c o lo c a m sem n e n h u m a d ú v id a n a
c o m u n id a d e d a a lia n ç a d e D e u s .27 Isso é c o n f ir m a d o e m E z e q u ie l 1 4 .1 3 -1 4 .
C o r n é lio , u m c e n tu r i ã o r o m a n o , é d e s c r ito e m A to s 1 0 n ã o c o m o u m
p a g ã o n o b r e , m a s c o m o “ p ie d o s o e te m e n te a D e u s c o m t o d a a s u a c a s a
e q u e f a z ia m u ita s e s m o la s a o p o v o e, d e c o n t í n u o , o r a v a a D e u s ” (v.2 ).
O e p íte to “ te m e n te a D e u s ” e r a u s a d o p e lo s ju d e u s p a r a se r e f e r ir e m a o s
g e n tio s q u e a d o r a v a m a o D e u s d e I s r a e l, f r e q u e n t a v a m a s in a g o g a , m a s
q u e a i n d a n ã o e r a m c ir c u n c id a d o s . A lé m d o m a is , D e u s a p a r e c e u a C o r-
n é lio n u m a v is ã o , d iz e n d o a ele q u e m a n d a s s e b u s c a r P e d r o , q u e lh e e x -
p lic a r ia o e v a n g e lh o (v.3-8). P e d ro ta m b é m re c e b e u u m a v is ã o a le r ta n d o - o
UM IMPERATIVO URGENTE 111

q u a n t o a e sse e n c o n t r o c o m C o r n é l i o e s e u s c o m p a n h e i r o s g e n tio s , e o
a p ó s to lo p r o c la m o u a m o r t e e a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to .

Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio do seu


nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados. Ainda
Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre todos
os que ouviam a palavra... E ordenou que fossem batizados em
nome de Jesus Cristo, (v.43-44,48)

P o r m a is i n u s i ta d a s q u e f o s s e m a s c ir c u n s tâ n c ia s , é c la r o q u e C o r n é -
lio r e c e b e u o p e r d ã o d o s p e c a d o s q u a n d o o u v iu a s b o a s - n o v a s e c r e u .

Arrogância e Abraão
E m A to s 1 7 , P a u lo c ita p o e t a s p a g ã o s p a r a s e u p ú b lic o d e filó s o fo s a te -
n ie n s e s c o m o p r o p ó s i t o e x p r e s s o d e d e m o n s t r a r q u e e le s n ã o e s ta v a m
v iv e n d o d e m a n e i r a c o n s is te n te n e m m e s m o c o m a r e v e la ç ã o g e r a l. O s
c r is t ã o s p o d e m a p e l a r p a r a n ã o c r i s t ã o s c o m b a s e n a r e v e l a ç ã o g e r a l,
c o m o P a u lo fe z e m A te n a s e e x p l a n o u e m R o m a n o s 1 e 2 . E le s p o d e m
a té m e s m o a p r e n d e r d e n ã o c r is t ã o s , c o m o P a u lo e v id e n te m e n te a p r e n -
d e u q u a n d o e m c e r to p o n t o d e s u a v id a e le se in te r e s s o u p o r le r o s p o e -
ta s e filó s o fo s g e n tio s .
N o e n t a n t o , n o s e u s e r m ã o n o C a m p o d e M a r te , P a u lo n ã o u s a esse s
r e c u r s o s c o m o u m m o d o d e a l c a n ç a r u m a c o n c o r d â n c ia in te r - r e lig io s a .
A n te s , e le e x p õ e o f a t o d e q u e n ó s t o d o s s u p r i m i m o s a t é m e s m o e s s a
r e v e la ç ã o g e r a l e m in ju s tiç a . Q u a n d o a p e la m o s p a r a a r e v e la ç ã o g e r a l,
e s ta m o s f a la n d o d e “ le i” , n ã o d e “ e v a n g e lh o ” . V o lta m o - n o s p a r a a re s-
s u r r e iç ã o d e C r is to p a r a a n u n c ia r :

Não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém,


notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; por-
quanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justi-
ça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos,
ressuscitando-o dentre os mortos. (17.30-31)

É o c a r á t e r u n iv e r s a l e p ú b lic o d a o b r a d e c is iv a d e C r is to e d a v in d a
d o ju lg a m e n to q u e d á a o e m p r e e n d im e n to m is s io n á r io o tip o d e u r g ê n -
c ia q u e é e n c o n t r a d a a o lo n g o d o liv r o d e A to s .
P o r t a n t o , t u d o isso se r e s u m e a d is tin g u ir e n tr e lei e e v a n g e lh o . Q u a n -
d o se t r a t a d e o r d e n a r n o s s a v i d a , n o s s a s v i z i n h a n ç a s , o s E s t a d o s e a s
‫ ו‬12

n a ç õ e s , h á m u ita c o n c o r d â n c ia e n tr e c r is tã o s e n ã o c r is tã o s . É a r r o g â n c ia
a f ir m a r q u e o c r is tia n is m o é s in g u la r n a s u a s a b e d o r ia p a r a a v id a p r á ti-
c a , q u e o s c r is t ã o s c o m o u m t o d o v iv e m m e lh o r d o q u e o s n ã o c r is tã o s
c o m o u m t o d o , q u e a p e n a s o s c r is tã o s s ã o b o n s a m ig o s e v iz in h o s , e q u e
s o m e n te eles re a lm e n te se im p o r ta m - o u p e lo m e n o s tê m a s r e s p o s ta s cer-
t a s p a r a - c o m a s q u e s tõ e s i m p o r t a n t e s e a s n e c e s s id a d e s t e m p o r a is q u e
n o s c e r c a m . A lg u n s n ã o c r is tã o s q u e c o n h e ç o tê m u m c a s a m e n to e u m a
f a m ília m e lh o r e s d o q u e m u ito s c r is tã o s . Q u a n d o d e f e n d e m o s o c r is tia -
n is m o c o m o “ o ú n ic o c a m i n h o ” , te m o s d e s e r c u id a d o s o s p a r a p r im e ir o
Cristo é o ú n ic o c a m in h o , e q u e ele
r e s s a lta r q u e , p r o p r ia m e n t e f a la n d o ,
para a reconciliação com Deus, o perdão dos pecados,
é o ú n ic o c a m in h o
o novo nascimento, e todas as bênçãos da nossa herança na nova criação.
O s n ã o c r is tã o s p o d e m s e g u ir b o n s c o n s e lh o s ; e les p o d e m v i r a r u m a p á -
g in a e t o r n a r s u a s a ç õ e s m a is c o r r e t a s e a té m e s m o m e l h o r a r s e u c a r á t e r
m o r a l. O Is lã te m u m b o m r e g is tr o d e t r a n s f o r m a r m e m b r o s e gangs em
c id a d ã o s n o tá v e is . O q u e esses g r u p o s , p r o g r a m a s , re lig iõ e s e te r a p ia s n ã o
p o d e m f a z e r é t r a n s f o r m a r p e s s o a s q u e s ã o in im ig a s d e D e u s e m a m ig a s
d e D e u s , c r im in o s o s c o n d e n a d o s e m h e r d e ir o s r e d im id o s , e d e c id a d ã o s
d o r e in o d a m o r te e m c id a d ã o s d o r e in o d o c é u . S o m e n te e m C r is to p o -
d e m o s s e r p e r d o a d o s e r e f e ito s , n ã o a p e n a s m e lh o r a d o s .
A o d is tin g u ir c la r a m e n te e n tr e o c o m u m e o s a g r a d o , o s r e in o s d e s ta
e r a e o r e in o d e C r is to , a c u l t u r a e o e v a n g e lh o , a r e v e la ç ã o g e r a l e a re -
v e la ç ã o e s p e c ia l, n ã o e s ta m o s e m p e n h a d o s n u m d u a lis m o p la tô n ic o . P e lo
c o n t r á r i o , e s ta m o s s e g u in d o o e n s in o d o N o v o T e s ta m e n to c o n c e r n e n -
te à s d if e r e n te s m a n e ir a s n a s q u a is C r is to e s tá r e in a n d o a g o r a e r e in a r á
q u a n d o d o s e u r e t o r n o e m g ló r ia . A lé m d o m a is , a q u e le s q u e f a z e m d e
m o d o c o r r e t o e s s a s d is tin ç õ e s te s tif ic a r ã o d a r e iv in d ic a ç ã o e x c lu s iv a d e
J e s u s C r is to s e m a p e la r p a r a o s p o d e r e s c u ltu r a l e p o lític o .
E a r r o g â n c ia a f ir m a r: “ E u o e n c o n tr e i” , o u d a r a im p r e s s ã o d e q u e so -
m o s p e s s o a s m e lh o r e s o u q u e te m o s a v e r d a d e . E a r r o g â n c ia s u g e r ir q u e
s o m o s s a lv o s p o r p e r te n c e r a o g r u p o c e r t o e s e g u im o s o s r i t u a i s c o r r e -
to s . N o e n t a n t o , o e v a n g e lh o a n u n c ia q u e D e u s n o s e n c o n tr o u - a n ó s ,
p e c a d o r e s - e n q u a n t o e s tá v a m o s f u g in d o d e le . A p o r t a e s tá a b e r t a p a r a
t o d o s o s p e c a d o r e s . N ã o h á u m c a m in h o q u e v a i d e n ó s p a r a D e u s. C o n -
t u d o , D e u s e n c o n tr o u u m c a m in h o p a r a n ó s e m s e u F ilh o . N ã o e s ta m o s
t e s t e m u n h a n d o d a n o s s a s u p e r io r id a d e m o r a l , i n te le c tu a l o u e s p ir itu a l.
P e lo c o n t r á r i o , e s ta m o s p r o c la m a n d o o D e u s d a g r a ç a q u e s a lv a p e c a d o -
r e s . P r e c is a m e n te p o r q u e o e v a n g e lh o é b o a - n o v a p a r a p e c a d o r e s e n ã o
UM IMPERATIVO URGENTE ‫ ו‬13

u m b o m p l a n o p a r a p e s s o a s e g r u p o s b o n s , e le n ã o é a lg o p e lo q u a l d e -
v e m o s n o s v a n g lo r ia r .
D e f a t o , n a v i s ã o i n c l u s i v i s t a , a s u p e r i o r i d a d e m o r a l é u m p e r ig o .
C o m o o s a d e p t o s d e o u t r a s r e lig iõ e s o u v e m o in c e n tiv o p a r a se t o r n a -
re m m e lh o r e s s e g u id o r e s d e C r is to e n q u a n to p e r m a n e c e m b u d is ta s , m u -
ç u lm a n o s e ju d e u s ? N ã o é e q u iv a le n te a d iz e r q u e a ú n ic a c o is a q u e e s tá
f a lt a n d o p a r a e les é o e x e m p lo m o r a l s u p e r io r q u e J e s u s o fe re c e ? E n ã o
é a r r o g a n t e d iz e r a a lg u é m q u e é j u d e u q u e r e a lm e n te e le é u m s e g u id o r
d e J e s u s - u m “ c r i s t ã o a n ô n i m o ” - q u e r e le q u e i r a o u n ã o s e r? A s E s-
c r it u r a s n ã o e n s in a m q u e h á m a is g r a ç a c o m u m d e m o n s t r a d a a c r is tã o s
d o q u e a n ã o c r is tã o s , m a s h á u m a d if e r e n ç a e n tr e g r a ç a c o m u m e g r a ç a
s a lv a d o r a . A o s n o s s o s o lh o s , m u i to s n ã o c r is tã o s s ã o b o a s p e s s o a s . A o s
o lh o s d e D e u s , n in g u é m d e n ó s s a tis fa z esse r e q u is ito : “ n ã o h á q u e m fa ç a
o b e m , n ã o h á n e m u m s e q u e r ” (R m 3 .1 0 - 1 2 ) .
H o j e , c o s t u m a m o s o u v i r r e f e r ê n c ia s a o j u d a í s m o , a o c r i s t i a n i s m o e
a o is la m is m o c o m o “ a s c r e n ç a s d a t r a d i ç ã o a b r a â m i c a ” . C o m o filh o s d e
A b r a ã o , p o r q u e e s ta m o s n o s e n g a lf in h a n d o ? A d e c la r a ç ã o d ir e ta d e P a u lo
p o d e s o a r h o je p a r a n ó s c o m o a r r o g a n t e . T a lv e z e la f u n c io n e q u a n d o es-
t a m o s f a la n d o a r e s p e ito d e u m a c u l t u r a r e m o t a . N ó s r e a lm e n te n ã o re -
c u a m o s d ia n te d a s d u r a s c rític a s a o s e p ic u r e u s e a o s e s to ic o s . N o e n ta n to ,
c e r ta m e n te ele n ã o c o lo c a r ia o s “ p o v o s d o l i v r o ” (ju d e u s e m u ç u lm a n o s )
ju n to c o m o s p o lite ís ta s d e a n tig a m e n te . N a v e r d a d e , P a u lo c o lo c a r ia a té
m esm o cristãos n o m in a is j u n t o c o m a q u e le s q u e n ã o a c e ita m C r is to c o m
t o d o s o s se u s b e n e fíc io s s a lv ífic o s . N ã o é s e r u m a d e p to d e u m a r e lig iã o
( m e r o a s s e n tim e n to ) q u e c o n s titu i fé s a l v a d o r a , m a s c o l o c a r n o s s a c o n -
fia n ç a a p e n a s e m J e s u s C r is to .
V im o s n o c a p ítu lo 2 q u e J o ã o B a tis ta p r e p a r o u o c a m in h o p a r a J e s u s
a o a n u n c ia r u m a s e p a r a ç ã o q u e v in h a p a r a Is ra e l. “ N ã o c o m e c e is a d iz e r
e n tr e v ó s m e s m o s : T e m o s p o r p a i a A b r a ã o ; p o r q u e e u v o s a f ir m o q u e
d e s ta s p e d r a s D e u s p o d e s u s c ita r filh o s a A b r a ã o . J á e s tá p o s t o o m a c h a -
d o à r a iz d a s á r v o r e s ” ( M t 3 .9 - 1 0 ) . J e s u s C r is to é o “ filh o d e A b r a ã o ” , a
s e m e n te e m q u e m t o d a s a s n a ç õ e s s e r ia m a b e n ç o a d a s ( M t 1 .1 ; v e ja ta m -
b é m G n 1 2 .3 ) . J e s u s d is s e a o s líd e re s r e lig io s o s :

Eu vos disse que morrereis nos vossos pecados; porque se não crer-
des que Eu Sou, morrereis nos vossos pecados... Se vós permane-
cerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará... Bem sei que sois
‫ ו‬14

descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me, porque a


minha palavra não está em vós. Eu falo das coisas que vi junto de
meu Pai; vós, porém, fazeis o que vistes em vosso pai... Se sois filhos
de Abraão, praticai as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-
-me, a mim que vos tenho falado a verdade que ouvi de Deus; assim
não procedeu Abraão. Vós fazeis as obras de nosso pai... Qual a
razão por que não compreendeis a minha linguagem? E porque sois
incapazes de ouvir a minha palavra. Vós sois do diabo, que é vosso
pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. (Jo 8.24,31-32,37-41,43-44)

P o r t a n t o , P a u l o e s tá a p e n a s e l a b o r a n d o s o b r e a m e n s a g e m d e J e s u s
q u a n d o d iz q u e t o d o s a q u e le s q u e c o n f ia m e m C r is to s ã o o s v e r d a d e ir o s
h e r d e ir o s d e A b r a ã o (R m 4 ). “ S a b e i, p o is , q u e o s d a fé é q u e s ã o filh o s
d e A b r a ã o ... E , se so is d e C r is to , ta m b é m so is d e s c e n d e n te s d e A b r a ã o e
h e r d e ir o s s e g u n d o a p r o m e s s a ” (G1 3 .7 ,2 9 ) . A q u e le s q u e s ã o m e r a m e n -
te d e s c e n d e n te s é tn ic o s d e A b r a ã o , q u e s ã o c ir c u n c id a d o s n o o ita v o d ia ,
m a s n ã o c o m p a r t il h a m d a fé d e A b r a ã o n o p r o m e t i d o S a lv a d o r d o m u n -
d o , n ã o e s tã o r e a lm e n te c ir c u n c id a d o s i n t e r io r m e n te (R m 2 .2 8 - 2 9 ) . E les
p e r m a n e c e m s o b a m a ld iç ã o d a lei q u e n ã o c u m p r i r a m (G l 3 .1 0 - 1 4 ) . E m
t e r m o s te o ló g ic o s e n ã o é tn ic o s , e les s ã o filh o d e A g a r e n ã o d e S a ra : es-
c r a v o s e n ã o filh o s (G l 4 .2 1 - 3 1 ) .
E d e v e m o s r e s p e i t a r o j u d a í s m o e o i s la m is m o , p e r m i t i n d o q u e e les
r e g is tr e m s e u “ n ã o ” a J e s u s C r is to e a o e v a n g e lh o s e m d iz e r a e les q u e o
“ n ã o ” q u e e le s e s tã o d i z e n d o é r e a lm e n te u m “ s i m ” . S e g u n d o e s s a s re -
lig iõ e s , o D e u s t r i n o é u m íd o lo . O s s e re s h u m a n o s n ã o s ã o i m p o te n te s
p a r a s a lv a r a si m e s m o s , m a s r e c e b e r a m le is p a r a o b t e r a v id a e te r n a . A
d e id a d e , e n c a r n a ç ã o , m o r t e s a c r if ic ia l, r e s s u r r e iç ã o , a s c e n s ã o e r e t o r n o
e m g ló r ia p a r a ju lg a r o s v iv o s e o s m o r t o s s ã o r e iv in d ic a ç õ e s b la s f e m a s .
M e s m o n o c a s o d e a lg u é m r e c o n h e c e r q u e D e u s se re v e la r e d e n to r a m e n -
te n a r e v e la ç ã o g e r a l, e ssa s re lig iõ e s m o n o te ís ta s e x p líc ita m e n te negam a
e x is tê n c ia d e sse D e u s e s u a o b r a s a lv a d o r a e m C r is to . R e c o n h e c e r n o s s a s
r e s p e c tiv a s d if e r e n ç a s n ã o é a p e n a s o p r im e ir o p a s s o n a d ir e ç ã o d a e v a n -
g e liz a ç ã o g e n u ín a ; é u m g e s to d e g e n u ín o r e s p e ito .
O in c lu siv ism o e m q u a lq u e r d e su a s fo r m a s e lim in a a u rg ê n c ia d a G ra n -
d e C o m issã o . N o e n ta n to , u m in c lu siv ism o q u e d e fin a a re d e n ç ã o c o m o n ó s
t e n d o q u e c o n c lu ir a o b r a d e C r is to p o r m e io d e o b r a s d e a m o r e s e rv iç o
é o u t r o e v a n g e lh o . E e v id e n te q u e se o e v a n g e lh o é s e g u ir o e x e m p lo d e
J e s u s , e n tã o c o m p le ta r s u a o b r a r e c o n c ilia d o r a n o m u n d o é a lg o q u e d e -
v e m o s fa z e r e n ã o a lg o q u e te m o s q u e p r o c la m a r c o m o já te n d o s id o fe ito .
UM IMPERATIVO URGENTE ‫ ו‬15

C o m o e n s i n a d o p e l o S e g u n d o C o n c i l io V a ti c a n o e a p o i a d o p o r a l-
g u n s e v a n g é lic o s , o in c lu s iv is m o a f ir m a q u e C r i s t o é a p e n a s a f o n t e d a
s a lv a ç ã o , m a s a fé e x p líc ita e m C r is to n ã o é n e c e s s á r ia . O p lu r a lis m o re -
lig io s o d á o p a s s o a d ic io n a l, t r a t a n d o t o d a s a s re lig iõ e s c o m o c a m in h o s
p a r a D e u s . É e sse p a s s o a d i c i o n a l q u e e s c r i to r e s c o m o B r ia n M c L a r e n
p a r e c e m te r d a d o . N o n o v o t i p o d e c r is tia n is m o q u e ele p r o p õ e , a e v a n -
g e liz a ç ã o n ã o s e r á m a is u m a t e n t a t i v a p a r a le v a r p e s s o a s a C r i s t o p a r a
s a lv a ç ã o d e u m f u t u r o ju lg a m e n to . “ S e ria c o n v id a r a s p e s s o a s p a r a u rn a
f o r m a ç ã o e s p ir itu a l q u e d u r a r í a a v id a i n t e i r a c o m o d is c íp u lo s d e J e s u s ,
n u m a c o m u n i d a d e d e d ic a d a ( c o m o v im o s ) a e n s in a r o s m o d o s m a is e x -
c e le n te s d o a m o r , q u a l q u e r q u e s e ja a a f ilia ç ã o r e lig io s a , o u f a lt a d é la ,
d o n o v o d i s c í p u l o . ” 28 N u m liv r o a n t e r i o r , M c L a r e n se r e f e r e a u m “ ju -
d e u a g n ó s t i c o a m ig o m e u q u e m e p e r g u n t o u : ‘C o m o é J e s u s ? ’ Q u a n d o
lh e d e i u m a e x p lic a ç ã o n ã o d if e r e n te d a q u e c o m p a r t il h e i n e s te s c a p ítu -
lo s, ele d is s e : ‘E u p o d e r í a c r e r n e s s e J e s u s ’. E s p e r o q u e v o c ê p o s s a f a z e r
is s o e f a ç a . E u c r e i o , e is s o fe z t o d a a d i f e r e n ç a ” .29 N ã o h á i n d i c a ç ã o
a q u i q u e s e u a m ig o tiv e s s e t e n t a d o se a r r e p e n d e r d o s e u a g n o s t i c i s m o
e in v o c a d o o n o m e d e C r i s t o p a r a s a l v a ç ã o . A f in a l d e c o n t a s , se J e s u s
é p r i m a r i a m e n t e u m m o d e l o a s e g u ir e u m a f o n t e p a r a n o s s a o b r a re -
d e n to ra , e n tã o n ã o h á q u a lq u e r p e c a d o c o m o q u a l u m a p e s s o a te n h a
d e lu ta r .
L o n g e d e s e r u m a g n ó s t i c o , P a u l o h a v i a s id o u m z e lo s o l íd e r ju d a i-
c o , q u e p e r s e g u ia a ig r e ja a té q u e o C r i s t o q u e já h a v ia a s c e n d id o a p a -
re c e u a e le n a e s t r a d a p a r a D a m a s c o . D if e r e n te m e n te d o s se u s in im ig o s ,
ele n ã o c r ia q u e o e v a n g e lh o fo s s e j u d a í s m o m a is J e s u s . A n te s , e le c r ia ,
c o m o J e s u s , q u e o s líd e re s r e lig io s o s e s ta v a m le v a n d o o p o v o ju d e u p a r a
lo n g e d o s e u p r ó p r i o M e s s ia s , lo n g e d o c u m p r i m e n t o d o fim d o s te m -
p o s d o g r a n d e d r a m a q u e h a v ia s id o c o n f ia d o a eles c o m o g u a r d iã e s . E le
n ã o d isse q u e s u a ju s tiç a c o m o u m “ h e b r e u d e h e b r e u s ” e r a in s u fic ie n te
e p r e c is a v a s e r c o m p le m e n ta d a o u a p e r f e iç o a d a p o r J e s u s . A n te s , ele d is-
se q u e e la e r a “ r e f u g o ” (F p 3 .8 ; n a v e r d a d e , “ e s t e r c o ” é u m a t r a d u ç ã o
m a is e x a ta ) . J u s tif ic a d o e m C r i s t o , e le a g o r a tr a n s f e r e t o d a e s s a ju s tiç a
q u e ele p e n s a v a h a v e r a c u m u la d o p e la lei p a r a a c o lu n a d e débito e obri-
gação. E , c o m o J e s u s , e le c r ia q u e t o d o s (ju d e u s e g e n tio s ) u n id o s a C ris -
to p o r m e io d a fé s e r ã o s a lv o s , e t o d o s o s q u e n ã o e s tã o u n id o s a C r is to
p o r m e io d a fé (ju d e u s e g e n tio s ) s e r ã o c o n d e n a d o s .
Se o s in c lu s iv is ta s e s tiv e re m c o r r e to s , e n tã o o c o r a ç ã o d e P a u lo e s ta v a
m u tilm e n te p e s a r o s o q u a n d o e le e s c re v e u :
116

Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus


a favor deles são para que sejam salvos. Porque lhes dou testemu-
nho de que eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento.
Porquanto, desconhecendo a ju stiça de D e u s e procurando estabe-
lecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. Porque o
fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê. (Rm 10.1-4;
ênfase acrescentada)

M u i t a s p e s s o a s ( in c lu in d o a lg u n s c r is tã o s ) c o n s id e r a m e s s a s p a la v r a s
c o m o in to le r a n te s e a r r o g a n te s . N a v e r d a d e , n ó s é q u e s o m o s a r r o g a n te s
q u a n d o p r e s u m i m o s a p r e s e n t a r a n o s s a p r ó p r i a ju s tiç a - o u i n c e n tiv a r
o u t r o s a a p r e s e n t a r a d e le s - d i a n t e d e D e u s e m v e z d e s e r ju s tif ic a d o s
p o r m e io d a fé a p e n a s e m C r is to . A n te s d e s u a c o n v e r s ã o , o z e lo d e P a u lo
p e la s b o a s o b r a s e r a m o t i v a d o p e l o o r g u l h o e s p i r i t u a l , e r e s u l t a v a e m
v io lê n c ia . A g o r a , n o e n t a n t o , ele s a b e q u e a lei c o n d e n a a to d o s e o e v a n -
g e lh o t r a z ju s tif ic a ç ã o e v id a e te r n a a t o d o s o s q u e c r e e m .
E m o u tr a s p a la v r a s , P a u lo te ria a c h a d o a a c u s a ç ã o d e a r ro g â n c ia
i n c o m p r e e n s í v e l . P a r a e le , a c o is a q u a s e i m p o s s ív e l d e c r e r n ã o é q u e
n in g u é m s e rá c o n d e n a d o n o ú ltim o d ia , m a s q u e a lg u é m re c e b e rá as b o a s -
-v in d a s n o s á b a d o e te r n o . E le é o r i e n t a d o p e la s b o a s - n o v a s q u e a té m e s-
m o u m g e n tio id ó la tr a p o d e se r ju s tif ic a d o , s a n tific a d o e g lo rific a d o . P a r a
e le , o e v a n g e lh o é t o d o s o b r e a in c lu s ã o , p o r D e u s , d e p e s s o a s d e Is ra e l
e d a s n a ç õ e s q u e , c o m o ele , h a v ia m te im o s a m e n te se o p o s t o a D e u s e a
seu s p r o p ó s ito s e m C ris to . P r o f u n d a m e n te c o n s c ie n te d a s u a p r ó p r ia c o n -
v e r s ã o , P a u lo s a b ia q u e n in g u é m e s tá a lé m d o a lc a n c e d a g r a ç a d e D e u s .
E le h a v ia s id o libertado d a v io lê n c ia r e lig io s a p e la r e v e la ç ã o d e C r is to .
N ã o h á d ú v i d a d e q u e e s s a s c o n c lu s õ e s s ã o c o n s i d e r a d a s c o m o a l-
t a m e n t e o f e n s iv a s - n o n o s s o m u n d o a t u a l . N o e n t a n t o , e s s a a c u s a ç ã o
d e a r r o g â n c i a c r is tã n ã o é r e a l m e n t e n o v a . O S in é d r io a c u s o u J e s u s d e
id é ia s r e v o lu c io n á r ia s a r e s p e ito d a s o c ie d a d e o r g a n iz a d a o u , c o m o S ó-
c r a te s , d e c o r r o m p e r o s jo v e n s . E le fo i a c u s a d o d e b la s f ê m ia , d e fa z e r-s e
“ ig u a l a D e u s ” (Jo 5 .1 8 ) . Q u a n d o J e s u s c u r o u o m e n in o p a r a l í t i c o , o s
líd e r e s r e lig io s o s s e n tir a m - s e i n s u l ta d o s n ã o p o r c a u s a d o m ila g r e , m a s
p e lo f a to d e J e s u s te r e x p líc ita m e n te ig n o r a d o o te m p lo , o f e r e c e n d o p e r-
d ã o d i r e t a m e n t e e m s u a p e s s o a : “ F ilh o , o s t e u s p e c a d o s e s t ã o p e r d o a -
d o s ” . R e s m u n g a n d o e n tr e si, o s e s c r ib a s p e r g u n ta v a m : “ P o r q u e f a la ele
d e s te m o d o ? I s to é b la s f ê m ia ! Q u e m p o d e p e r d o a r p e c a d o s , s e n ã o u m ,
q u e é D e u s ? ” (M c 2 .5 - 7 ) . O s r o m a n o s p e r s e g u ir a m o s c r is tã o s p o r q u e a s
UM IMPERATIVO URGENTE 117

a f ir m a ç õ e s e x c lu s iv is ta s q u e e le s f a z ia m a r e s p e ito d e C r is to e r a m u m a
a m e a ç a à r e lig iã o civ il d o im p é r io .

Pos-modernismo ou mais que modernismo?


C o n t r a r i a m e n te a o q u e s e u s a m ig o s e v a n g é lic o s e a d v e r s á r io s a r g u m e n -
ra m , o p ó s - m o d e r n is m o n ã o é r e s p o n s á v e l p e lo r e la tiv is m o e p e lo s u b je ti-
v ism o . Se v o lta r m o s a o s líd e re s d o Ilu m in is m o - o e p íto m e d o p e n s a m e n to
moderno - r a p id a m e n te a p r e n d e r e m o s q u e n ã o h á n a d a d e re a lm e n te
“ p ó s - m o d e r n o ” n o r e la tiv is m o r e lig io s o . I m m a n u e l K a n t fe z u m a c la r a
d i s t in ç ã o e n t r e “ r e lig iã o p u r a ” , q u e c o n s i s t i a d e m o r a l i d a d e u n iv e r s a l
“ a lei m o r a l n o i n t e r i o r ” ) e “ c r e n ç a s e c le s iá s tic a s ” q u e e r a m m e r a m e n te
o r e v e s tim e n to e x t e r i o r d e s s e s p r in c íp io s e te r n o s n a s p e c u lia r id a d e s d o s
e v e n to s m ito ló g ic o s , m e s s ia s , d o u t r i n a s e r itu a is .
G . E . L e ssin g , c o n te m p o r â n e o d e K a n t, fez a m e s m a d is tin ç ã o a o f a la r
d o a m o r c o m o o c e rn e in te r io r d a m o r a lid a d e u n iv e r s a l e d o s c r e d o s e ri-
m a is c o m o m e r a m e n te o r e v e s tim e n to e x te r io r d e c a d a re lig iã o p a r tic u la r.
O f u n d a d o r d a te o lo g ia m o d e r n a , F r ie d r ic h S c h le ie r m a c h e r , c o n s id e r a v a
a p u r a r e lig iã o c o m o c o n s is tin d o d a e x p e r iê n c ia p ie d o s a d e a b s o l u t a d e-
p e n d ê n c ia d e D e u s , q u e d if e r e n te s re lig iõ e s e x p r e s s a m e m s u a s p r ó p r ia s
d o u tr in a s e s a c r a m e n to s . O p r in c ip a l e le m e n to é e ssa e x p e riê n c ia re lig io s a
u n iv e rs a l. T o d o s esse s p e n s a d o r e s f o r a m c r ia d o s n o p ie tis m o e v a n g é lic o ,
e S c h le ie r m a c h e r c o n t i n u a v a a p e n s a r a r e s p e ito d e si m e s m o c o m o u m
‫ ־‬m o r a v i a n o [p ie tis ta ] d e u m a o r d e m e l e v a d a ” .
E m 1 7 7 8 , L e s s in g a p r e s e n t o u u m a p e ç a i n t i t u l a d a Nathan the wise
X a t ã , o s á b io ) . A m b ie n ta d a e m J e r u s a lé m d u r a n t e a T e r c e ir a C r u z a d a ,
c o m o s c r u z a d o s c r is t ã o s a m e a ç a n d o a P a l e s t i n a c o n t r o l a d a p e lo s m u -
ç u lm a n o s , a p e ç a d e L e s s in g a p r e s e n t a o líd e r m u ç u l m a n o S a la d in o p e r-
g u n t a n d o a N a t ã , o s á b i o , q u a l é a v e r d a d e i r a r e lig iã o . N a t ã r e s p o n d e
c o m u m a p a r á b o l a d e u m p a i e se u s trê s filh o s. A m o r a l d a h is tó r ia é q u e
c a d a filh o ( ju d a ís m o , c r is tia n is m o e is la m is m o ) e r a a m a d o p e lo p a i, q u e
s im p le s m e n te e x ig ia q u e e les se a m a s s e m m u t u a m e n t e . R e s o lv e n d o e ssa
d is p u ta e n tr e o s filh o s n o t r i b u n a l , o “ ju iz m o d e s t o ” e r a , s e m d ú v id a , o
p r ó p r io L e s s in g .
A d e s p e ito d e t o d a a s u a im p r e s s io n a n te c r ític a d a s d ic o to m ía s e h ie -
ra rq u ia s d a m o d e rn id a d e e su a p re o c u p a ç ã o e m re s g a ta r “ o e s c â n d a lo
d o p a r t i c u l a r ” d a o b s e s s ã o d a m o d e r n i d a d e c o m o “ u n i v e r s a l ” , o s ú lti-
m o s e s c r ito s d e J a c q u e s D e r r i d a r e p e te m a p r e f e r ê n c ia d e K a n t p e la re li-
g iã o p u r a c o n t r a a s c r e n ç a s e c le s iá s tic a s . E le e s c re v e u a r e s p e ito d e u m a
‫ ו ו‬8

“ c o n s c iê n c ia m e s s iâ n ic a ” - a e x p e r iê n c ia u n iv e r s a l d e o l h a r p a r a o f u tu -
r o c o m e s p e r a n ç a - q u e n u n c a d e v e a n u n c ia r a c h e g a d a d e n e n h u m m e s-
s ia s p a r ti c u la r . E s e u c o n t r a s t e é a t é m e s m o d e f e n d i d o c o m o s m e s m o s
a r g u m e n t o s d e L e s s in g e K a n t: u m t r a z p a z u n iv e r s a l, e n q u a n t o o o u t r o
r e s u lta e m d iv is ã o e v io lê n c ia .
Em Finding our way again: the return of the ancient practices [R e e n -
c o n t r a n d o n o s s o c a m in h o : o r e to r n o d e p r á tic a s a n tig a s ] , B ria n M c L a r e n
t e n t a m o s t r a r q u e q u a n d o v e m o s o c r is t i a n i s m o c o m o p r á t i c a s e m v e z
d e c o m o u m s is te m a d e c r e n ç a , h á m u i to s p o n t o s d e c o n v e r g ê n c ia c o m
o u t r a s re lig iõ e s . C o m o o “ N a t a ” d e L e s s in g , M c L a r e n c o n c lu i c o m a se-
g u in te e s p e c u la ç ã o :

E se houver um tesouro escondido num campo de nossos três gran-


des monoteísmos, há muito tempo enterrado, mas esperando para
ser redescoberto? E se o tesouro for um modo... um modo que pode
nos treinar para pararmos de nos matar e nos odiar e, em vez dis-
so, trabalharmos juntos, sob Deus, junto com Deus, para construir
um mundo melhor, uma cidade de Deus? E se nosso sofrimento e
nosso temor não sejam intencionados para inspirar ciclos mortais
de defesa e contra-ataque numa busca vã pela paz por meio da do-
minação, mas, em vez disso, eles possam servir para nos quebrar
e nos enternecer como um campo arado depois da chuva de modo
que a semente do reino de Deus - algumas notas da eterna harmo-
nia de Deus - possa crescer dentro de nós e entre nós? Essa é a mi-
nha esperança. E essa é a nossa esperança. Amém.30

M c L a r e n a i n d a se in c lu i e n t r e a q u e le s q u e r e c o n h e c e m C r i s t o c o m o
o S a lv a d o r d o m u n d o ( e m b o r a n o p r o c e s s o “ s a l v a ç ã o ” se ja re d e f in id a ) .
N o e n t a n t o , a o m o v e r o q u e i m p o r t a m a is n o c r is tia n is m o - s u a s re iv in -
d ic a ç õ e s p ú b lic a , p a r tic u la r , s in g u la r e e x c lu s iv a - d o e x te r io r p a r a a á r e a
d a e x p e r iê n c ia i n t e r i o r e e s p i r i t u a l i d a d e , e le d e m o n s t r a a a le r g ia c a r a c -
te r is tic a m e n te moderna a o e s c â n d a lo d o p a r tic u la r . O r e in o d e J e s u s é o
id e a l d a h a r m o n i a u n iv e r s a l, e le d iz : “ E ta lv e z im a g in á - lo a c o n te c e n d o
se ja m u i to p a r e c id o c o m t e r fé; n a v e r d a d e , ta lv e z a q u e la c a n ç ã o fo s s e o
m o d o d e J o h n L e n n o n d izer, d e m o d o b e lo , m e s m o q u e im p e r f e ita m e n te ,
‘v e n h a o te u r e in o ; fa ç a -se a t u a v o n ta d e , a s s im n a t e r r a c o m o n o c é u ’” .31
N u n c a v o u m e e s q u e c e r d e u m a s é rie d e p a l e s t r a s d a d a s p o r u m p r o -
fe s s o r e x -e v a n g é lic o e m O x f o r d . S u a te se b á s ic a e ra q u e to d a s a s re lig iõ e s
- n a s s u a s m a is m ís tic a s v e r s õ e s (c o m f r e q u ê n c ia c o n s id e r a d a s h e r é tic a s
UM IMPERATIVO URGENTE 119

p e la ig r e ja t r a d i c i o n a l ) - e s t a v a m n a v e r d a d e d i z e n d o a m e s m a c o is a .
C o n c lu íd a a p a l e s t r a , a lg u n s d e n ó s - i n c lu in d o u m m u ç u l m a n o , u m ju -
d e u e u m c a tó lic o r o m a n o - f o m o s a o b a r e c o n c o r d a m o s q u e e le h a v ia
b a s ic a m e n te d e s c o n s id e r a d o t u d o o q u e e r a i m p o r t a n t e s o b r e c a d a u m a
d a s n o s s a s r e lig iõ e s . A o s u b s t it u í - l a s p e la s s u a s p r ó p r i a s c r e n ç a s p a r t i -
c u la r e s ( c a r a c te r ís tic a s d e u m te ó lo g o b r a n c o , d e m e ia - id a d e , o c id e n ta l
e lib e r a l) n o s s o p r o f e s s o r im a g in a v a q u e e la s e r a m o c e r n e a b s o l u t o d a
v e r d a d e u n iv e r s a l. E m n o m e d a to l e r â n c i a e d a p u r a r e lig iã o d o “ N a t ã ”
d e L e s s in g , ele d e m o n s t r a v a in t o le r â n c ia e m r e la ç ã o a q u a l q u e r r e lig iã o
e m p a r ti c u la r e à s s u a s p r ó p r ia s r e iv in d ic a ç õ e s d is tin ta s . A o c o n t r á r i o d a
r e s s u r r e iç ã o d e C r is to , e le n ã o t i n h a n a d a q u e a p e la s s e a n ó s c o m o u m a
d e m o n s t r a ç ã o d e s u a a f ir m a ç ã o - a p e n a s u m a c o n f ia n ç a n o s e u p r ó p r io
c r ité r io s u p e r io r ( m o r a lid a d e e m is tic is m o ) p a r a id e n tif ic a r o m a is p u r o
c e r n e d a v e r d a d e ir a r e lig iã o .
M u ito s e v a n g é lic o s q u e n a s c e r a m e n tr e 1 9 4 6 e 1 9 6 4 (a g e r a ç ã o baby-
-boomer), c r ia d o s n o p ie tis m o e n o f u n d a m e n ta lis m o , e s tã o a n s io s o s p a r a
u s a r o s a c e s s ó rio s d a m o d a p ó s - m o d e r n a se m p e r c e b e r e x a ta m e n te q u a n -
to e le s s ã o m o d e r n o s . A m ú s ic a “ I m a g i n e ” d e J o h n L e n n o n p o d e s e r a
b a l a d a d o s p ó s - m o d e r n o s , m a s é s im p le s m e n te o u t r o v e r s o n o h i n o d a
m o d e r n i d a d e - b a s ic a m e n te u m r e c o n t a r d a p a r á b o l a d e L e s s in g . N a d a
h á d e r a d ic a l , e m u i t o m e n o s n o v o , n a s n e g a ç õ e s c o n t e m p o r â n e a s d a s
r e iv in d ic a ç õ e s e x c lu s iv a s d e J e s u s C r is to . D e f a to , a d e s c r iç ã o d e H . R i-
c h a r d N i e b u h r d o e v a n g e lh o s o c ia l é e x a ta m e n t e t ã o r e le v a n te n o n o s s o
c o n te x to : “ U m D e u s s e m ir a c o m p r o u h o m e n s s e m p e c a d o p a r a u m re in o
sem ju lg a m e n to p o r m e io d a s m in is tra ç õ e s d e u m C ris to se m u m a c r u z ” .32
E n q u a n t o M c L a r e n e lo g ia a d e f e s a d o p l u r a l i s m o r e lig io s o d e H a r -
v ey C o x c o m o u m a lib e r t a ç ã o d a n o s s a e r a p ó s - m o d e r n a , G e o r g e H u n -
sin g e r, d o P r i n c e t o n S e m in a ry , f o r n e c e u m v e r e d i t o d if e r e n te : “ N ã o h á
r e a lm e n te n a d a d e ‘p ó s - m o d e r n o ’ n is s o . N o m e l h o r d o s c a s o s , e le sim -
p le s m e n te r e a r r a n j a a m o b ília n o a n tig o c ô m o d o m o d e r n i s t a ” .33 T e n ta r
h a r m o n i z a r r e v e la ç ã o c o m e x p e r iê n c ia h u m a n a , se ja d o in d iv íd u o o u d a
c u l t u r a , é a lg o q u e e s tá c o n d e n a d o d o in íc io . C o m o H u n s i n g e r o b s e r v a ,

O Cristo da teologia natural é sempre abertamente ou secretamen-


te o Cristo relativizado da cultura. A trajetória da teologia natural
vai do Cristo que não é supremo para o Cristo que não é suficiente
para o Cristo que não é necessário... “ Deus pode falar conosco” ,
escreveu Barth, “por meio de um comunista russo ou de uma flauta
120

num concerto, um arbusto em floração ou um cachorro morto.


Faremos bem em prestar atenção a ele se ele realmente fizer isso” .
Nenhum desses itens, no entanto, pode jamais ter permissão de se
tornar uma fonte de autoridade para a pregação da igreja, porque
nenhum deles tem posição de revelação independente ou epistemo-
lógica. Apenas pelo critério derivado da única autêntica voz escri-
tural de Cristo podemos saber se Deus está falando conosco dessas
maneiras ou não.34

H u s i n g e r c o n c lu i a p e l a n d o a o e r u d i t o j u d e u M i c h a e l W y s c h o g r o d :
“ Q u e re r in c o r p o r a r a te o lo g ia a o c a rá te r in a p r o p r ia d o d a c u ltu r a d o
a m b ie n te , W y s c h o g r o d s u g e re , é u m a a s p ir a ç ã o e s s e n c ia lm e n te g e n t i a ” .35
O s v e r d a d e ir o s d is s id e n te s n o n o s s o m u n d o a tu a l s ã o a q u e le s q u e c o n -
f e s s a m o C r i s t o q u e f o i a n t e c i p a d o p e lo s p r o f e t a s e p r o c l a m a d o c o m o
r e s s u s c ita d o p e lo s a p ó s to lo s e m á r tir e s . A v e r d a d e ir a a r r o g â n c ia n ã o e s tá
e m c r e r n a P a la v r a d e D e u s e tr a n s m iti- la a o u t r o s c o m u r g ê n c ia , m a s n a
f a ls a h u m ild a d e q u e n e g a - e m b a s e s p u r a m e n t e d o g m á tic a s e s u b je tiv a s
- q u e q u a lq u e r c re n ç a p a r tic u la r p o s s a ser v e rd a d e ira . E m 1 9 0 8 , G . K.
C h e s te r to n o b s e r v o u : “ O s e s c a r n e c e d o r e s d e a n tig a m e n te e r a m o r g u lh o -
sos demais p a r a s e r e m c o n v e n c id o s ; m a s e s te s s ã o h u m ild e s demais p ara
s e r e m c o n v e n c id o s ” .36 C h e s t e r t o n f a lo u d e u m a d e s lo c a ç ã o d a h u m ild a -
d e n o p e n s a m e n to m o d e r n o , e e la f u n c io n a t a m b é m c o m o u m a d e s c riç ã o
d o q u e m u ita s p e s s o a s e s tã o c h a m a n d o d e p ó s - m o d e r n o :

Do que nós sofremos hoje é de humildade no lugar errado. A mo-


déstia se moveu do órgão da ambição. A modéstia estabeleceu-se
no órgão da convicção, em que ela jamais deveria estar. Um ho-
mem deveria duvidar de si mesmo, mas não duvidar da verdade;
isso foi exatamente revertido. Hoje em dia, a parte de um homem
que um homem afirma é exatamente a parte que ele não deveria
afirmar - ele mesmo.37

V o lta r - s e p a r a d e n t r o , p a r a o q u e é v e r d a d e i r o e m t o d a s a s r e lig iõ e s
e v is õ e s m o r a i s , r e v e r t e o f lu x o d o s d o n s d e D e u s p a r a o s p e c a d o r e s e
t r a n s f o r m a o s m is s io n á r io s e m p a g ã o s .
E s t a m o s t o d o s c a n s a d o s d e e v a n g e l i s ta s b e l i c o s o s , a p o l o g i s t a s e x -
c e s s iv a m e n te c o n f ia n te s e p r e g a d o r e s c o m a r d e in f a l i b i l id a d e q u e p r o -
c l a m a m a si m e s m o s e m v e z d e p r o c l a m a r a C r i s t o . A s v i r t u d e s d a
h o n e s t i d a d e , d a h u m i ld a d e e d a d e c ê n c ia - o u v i r o s o u t r o s , r e c o n h e c e r
UM IMPERATIVO URGENTE ‫ ו‬21

o v a l o r d e s u a s c r ític a s - s ã o e lo g ia d a s a o l o n g o d o N o v o T e s t a m e n to
c o m o e x p r e s s õ e s d e a m o r. N o e n t a n t o , a ig re ja p r im itiv a d e s e n v o lv e u -s e
n u m a m b i e n t e p a g ã o n ã o a p e n a s p o r q u e o s c r e n te s e s t a v a m d i s p o s to s
a m o r r e r p e la s u a fé , m a s t a m b é m p o r q u e e s ta v a m d is p o s to s a a p r e s e n -
t a r a r g u m e n t o s p a r a e la . P a u lo n o s le m b r a : “ P o r q u e a s a r m a s d a n o s s a
m ilíc ia n ã o s ã o c a r n a i s , e s im p o d e r o s a s e m D e u s , p a r a d e s t r u i r f o r ta -
le z a s , a n u l a n d o n ó s s o f is m a s e t o d a a ltiv e z q u e se l e v a n te c o n t r a o c o -
n h e c im e n to d e D e u s , e le v a n d o c a tiv o t o d o p e n s a m e n to à o b e d iê n c ia d e
C r i s t o ” ( 2 C o 1 0 .4 - 5 ) . P o d e m o s a p r e n d e r a l g u m a s c o is a s i m p o r t a n t e s
d a s a b e d o r i a d o m u n d o - a n tig o , m e d ie v a l, m o d e r n o , p ó s - m o d e r n o , o u
o q u e v e n h a a s e g u ir - m a s is s o n ã o c h e g a p e r t o d a s a b e d o r i a d e D e u s
r e v e l a d a n o e v a n g e lh o d e C r is to . O q u e q u e r q u e nós q u e i r a m o s d iz e r
é m u i to m e n o s i n te r e s s a n te .
D in e s h D 'S o u z a e s tá c e r to q u a n d o o b s e r v a q u e a lg u n s p r e te n s o s c ris-
t ã o s - e s p e c ia lm e n te p a s t o r e s e te ó lo g o s - “ a s s u m i r a m u m a m is s ã o a o
c o n t r á r i o : e m v e z d e s e r e m m is s io n á r io s d a ig r e ja p a r a o m u n d o , e les se
t o r n a r a m m is s io n á r io s d o m u n d o p a r a a ig r e j a ” .38 E le c h a m a is s o d e u m
c r is tia n is m o “ s im - m a s ” . E m b o r a n ã o p o s s a m o s m a is a c r e d i t a r e m m ila -
g re s o u n u m D e u s d e a u t o r i d a d e s o b e r a n a e ir a s a n t a , p o d e h a v e r a in -
d a a lg o q u e v a lh a a p e n a s a lv a r - g e r a lm e n te a lg u m a s m á x im a s m o r a is .
“ E s s e c r i s t i a n i s m o ‘s i m - m a s ’ é c h e io d e r e t r a i m e n t o i n t e l e c t u a l , e e s tá
ta m b é m se t o r n a n d o m e n o s r e l e v a n t e ” , e m p í r i c a m e n t e v e r if ic á v e l p e lo
g r a n d e n ú m e r o d e p e r d a d e m e m b r o s p e lo p r o t e s t a n t i s m o t r a d i c io n a l.
I m p á v id o s d ia n te d e s s e tr á g ic o e x e m p lo , u m c r e s c e n te n ú m e r o d e e v a n -
g é lic o s p a r e c e e s t a r c o n v e n c id o d e q u e a r e t i r a d a é a m e l h o r e s t r a té g i a
p a r a v e n c e r a b a t a l h a p e lo s c o r a ç õ e s e m e n te s .39
U m a d e c is ã o d e d e c l a r a r o e v a n g e lh o c o n t r a o p l u r a l i s m o religioso
d e v e s e m p re s e r a c o m p a n h a d a p o r u m a d e c is ã o d e d e f e n d e r o p lu r a lis m o
político. A lib e r d a d e r e lig io s a é u m d o m d e D e u s q u e é fá c il m a n te r m o s
p a r a n ó s m e s m o s e d ifíc il d a r a o s o u tr o s . A té m e s m o h o je , e ssa lib e r d a d e
é a m e a ç a d a n ã o a p e n a s n a s s o c ie d a d e s m u ç u lm a n a s , h in d u s o u se c u la ris -
ta s , m a s p e la s ig re ja s o fic ia is e s e m io fic ia is n o O r ie n te e n o O c id e n te . O s
c o n g r e g a c io n a lis ta s f o r a m p a r a a N o v a I n g l a t e r r a e m b u s c a d e lib e r d a -
d e d e c u lto , m a s e x e c u t a r a m q u a e r e s e e x ila r a m b a tis ta s . A s c a m p a n h a s
p re s id e n c ia is d e J o h n F. K e n n e d y (c a tó lic o r o m a n o ) e, m a is re c e n te m e n te ,
M itt R o m n e y ( m ó rm o n ) e B a ra c k O b a m a ( p r o te s ta n te lib e ra l) n o v a m e n te
te s ta r a m o c o m p r o m is s o d e c r is tã o s e v a n g é lic o s c o m esse p lu r a lis m o p o -
lític o . M a is r e c e n te m e n te , a lg u n s líd e re s c r is tã o s q u e s t i o n a r a m o d ir e ito
122

d e os m u ç u lm a n o s c o n s tru íre m m e s q u ita s e m su a s c o m u n id a d e s . C o m


esse tip o d e r e tó r ic a , a r e iv in d ic a ç ã o e x c lu s iv a d e C r is to fu n d e -s e p e r ig o -
s á m e n te c o m u m a p o lític a d e e x c lu s ã o . V ig ila n te s n a d e fe s a d a lib e r d a d e
d e n o s s o s v iz in h o s , d e v e m o s , n o e n t a n t o , u s a r n o s s a lib e r d a d e p a r a p r o -
c l a m a r C r is to c o m o o ú n ic o c a m in h o p a r a a s a lv a ç ã o .
P o r m a is c u i d a d o s o s q u e d e v e m o s s e r p a r a e v i t a r r e c o r r e r à r e tó r ic a
h o s til - m u i t o m e n o s a t e n t a t i v a s d e u s a r p o d e r s e c u la r p a r a le g is la r e
im p o r a fé e p r á tic a c r is tã - há u m a g u e r r a a c o n te c e n d o e x a ta m e n te a g o -
r a , e e la é n ã o a p e n a s a m a io r q u e já tiv e m o s , m a s t a m b é m a m a is lo n g a .
E la n ã o é t r a v a d a c o m a r m a s o u m e s m o c o m c a m p a n h a s d e marketing e
o p e r a ç ã o d e p o d e r e s p o lític o s . E la é t r a v a d a c o m t e s t e m u n h o a m o r o s o ,
p a c ie n te , b e m i n f o r m a d o e b e m a r g u m e n t a d o d e J e s u s C r is to . E sse n ã o
é o t e m p o d e d e s is tir d e n o s s a s e g u r a n ç a n a ú n ic a c o is a q u e te m o p o d e r
d e li b e r t a r t a n t o a ig re ja q u a n t o o m u n d o d e s u a e s c r a v id ã o a d e u s e s es-
t r a n h o s . O e v a n g e lh o n ã o é u m c o n s o lo p a r a o c o r a ç ã o se n ã o p u d e r se r
a c e ito p e la m e n te . U m g r a n d e n ú m e r o d e p e s s o a s d á a p r ó p r i a v id a p o r
t o d o tip o d e c o is a s v a lio s a s e s e m v a lo r.
A f a ls a h u m i ld a d e d e L e s s in g é e v id e n te n a s u a c o n c lu s ã o . F in g in d o
s e r o “ ju iz m o d e s t o ” q u e d e v e d a r l u g a r a u m ju iz m a is s á b io n o f u t u r o ,
e le já a t u o u c o m o e s te ú l tim o a o lo n g o d a p a r á b o l a . N o e n t a n t o , o ju iz
m o d e s to é r e a lm e n te ju lg a d o c o m o u m e m b u s te ir o p o r C r is to . “ N ã o le-
v o u D e u s e m c o n ta o s te m p o s d a i g n o r â n c i a ” (A t 1 7 .3 0 ) , q u e a g o r a c h e -
g a r a m a o fim . A lg o a c o n te c e u n a H i s t ó r i a q u e n ã o p o d e s e r d e s f e ito . O
F ilh o d e D e u s a p a r e c e u e m c a r n e - n a n o s s a H i s t ó r i a . A o c u m p r i r a lei
q u e h a v ía m o s tr a n s g r e d i d o , s u p o r t a r a m a ld iç ã o q u e m e r e c ía m o s , e se n -
d o r e s s u s c ita d o à m ã o d ir e ita d o P a i, a p e n a s e le p o s s u i a u t o r i d a d e p a r a
c o n d e n a r e p a r a s a lv a r. J e s u s C r is to é n ã o a p e n a s u m n o m e q u e o s c ris -
t ã o s u s a m p o r a c a s o p a r a a ú n ic a d i v i n d a d e a d o r a d a p o r t o d o s o s p o -
v o s . A n te s , é o ú n ic o n o m e “ d a d o e n t r e o s h o m e n s , p e lo q u a l i m p o r t a
q u e s e ja m o s s a l v o s ” (A t 4 . 1 2 ; v e r t a m b é m J o 1 .1 2 ; 2 0 .3 1 ; A t 3 . 2 1 ,3 8 ;
R m 1 0 .1 3 ) e s u a c o m u n i d a d e r e d im i d a é v isív e l a p e n a s o n d e p e c a d o r e s
se r e ú n e m e m se u n o m e ( M t 1 8 .2 0 ) .
M e n te s p r e g u iç o s a s p r o d u z e m c o r a ç õ e s e m ã o s p r e g u iç o s a s . A m a i o r
a m e a ç a a o c r is tia n is m o n u n c a é u m a v ig o ro s a c r ític a in te le c tu a l, m a s u m a
s e n ilid a d e r a s te ja n te q u e t r a n s f o r m a v e r d a d e s e m s e n tim e n to s , re iv in d ic a -
çõ e s p ú b lic a s e m e x p e riê n c ia s p r iv a d a s e fa to s e m m e ro s v a lo re s . O c ris tia -
n is m o é v e r d a d e ir o o u fa ls o , m a s n ã o é ir r a c io n a l. Se s u a s re iv in d ic a ç õ e s
n ã o s ã o o b j e t i v a m e n t e v e r d a d e i r a s , e n t ã o e la s n ã o s ã o s u b j e t i v a m e n t e
UM IMPERATIVO URGENTE 123

ú te is. Se a n o s s a ú n ic a r a z ã o p a r a c r e r q u e J e s u s e s tá v iv o é q u e “ ele e s tá
d e n tr o d o m e u c o r a ç ã o ” , e n t ã o , c o m o d is s e P a u lo :

“ é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; e somos tidos por falsas


testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que
ele ressuscitou a Cristo... E, se Cristo não ressuscitou, é vão a vossa
fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados... Se a nossa esperança
em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens” (ICo 15.14-15,17,19).

A fé n ã o é u m a d e c is ã o a r b itr á r ia , m a s u m d o m m is e ric o r d io s o d e D e u s
q u e v e m p e lo o u v ir e e n te n d e r a p e s s o a e a o b r a d e C r is to . É c e r ta m e n te
v e r d a d e ir o q u e fé é a c o n f ia n ç a n u m a p e s s o a , m a s n ã o p o d e m o s c o n f ia r
n u m a p e s s o a s e m s a b e r q u e m e la é e o q u e e la fez q u e se ja d ig n o d e n o s s a
c o n f ia n ç a . F é é m a is d o q u e c o n h e c e r o s f a to s e c o n c o r d a r c o m ele s, m a s
n ã o é m e n o s q u e is s o . A té m e s m o o a r r e p e n d i m e n t o s ig n ific a “ m u d a n -
ça d e m e n t e ” . A n te s q u e p o s s a m o s d a r o f r u to d o a r r e p e n d im e n to n u m a
v id a p ie d o s a , n o s s a m e n te te m d e s e r m u d a d a . T e m o s d e r e c u p e r a r n o s s o
c o m p r o m is s o d is tin tiv a m e n te b íb lic o c o m u m p e n s a m e n t o r ig o r o s o , in -
q u is itiv o e p e r s u a s iv o a n te s q u e p o s s a h a v e r u m a g e n u ín a r e n o v a ç ã o d a
c o n v ic ç ã o , d a fé , d o a r r e p e n d i m e n t o e d o d is c ip u la d o c r is t ã o . É te m p o
m a is u m a v e z d e a m a r a D e u s c o m n o s s a m e n te . C e r ta m e n te n ã o é su fi-
c ie n te c o n h e c e r a v e r d a d e , m a s e sse é u m p o n t o in e v itá v e l p a r a c o m e ç a r.
C o m o P a u lo d isse n o s e u s e r m ã o d o C a m p o d e M a r te , a r e s s u r r e iç ã o
h is tó ric a d e Je s u s C ris to é a p e rg u n ta q u e c o n f ro n ta to d o s n ó s. N ã o é
u m a p e r g u n ta s o b r e q u e r e lig iã o f u n c io n a m e lh o r a lo n g o p r a z o , o u q u a l
p r o d u z o s m a io r e s b e n e f íc io s p a r a o m a i o r n ú m e r o d e p e s s o a s . J e s u s fo i
r e s s u s c ita d o c o m o a s p r im ic ia s d a n o v a c r ia ç ã o ? E s s a é a p e r g u n t a q u e
t r a z o u t r a s n a s u a e s te ir a . O e v a n g e lh o trata d a s n o s s a s m a is p r o f u n d a s
1e m b o r a s u p rim id a s ) a n s ie d a d e s e x is te n c ia is a r e s p e ito d o s ig n ific a d o ú lti-
m o d a v id a , d a m o r te , d a c u lp a e d o ju lg a m e n to . N o e n t a n t o , ele fa z isso
e x a ta m e n te p o r q u e anuncia u m f a to h is tó r ic o . A r g u m e n to s e e v id ê n c ia s
p o d e m p e r s u a d ir o in te le c to , m a s o e v a n g e lh o n ã o é a p e n a s v e r d a d e iro ; ele
é “ o p o d e r d e D e u s p a r a a s a lv a ç ã o d e t o d o a q u e le q u e c r ê ” (R m 1 .1 6 ) .
Se, c o m o a r g u m e n t e i , a le i é u n i v e r s a lm e n te c o n h e c i d a p o r t o d a s a s
p e s s o a s n o m a is í n t im o d o ser, n ã o d e v e m o s n o s a d m i r a r c o m a s e m e -
l h a n ç a e n t r e a s r e lig iõ e s q u a n d o e s t a m o s a n s i a n d o e t r a b a l h a n d o ju n -
to s p a r a m a i o r a m o r , ju s tiç a e p a z n o m u n d o . N o e n t a n t o , é a p e n a s n o
e v a n g e l h o q u e v e m o s o a m o r m i s e r i c o r d i o s o e a p u r a j u s t iç a d e D e u s
ju n t o s n a c r u z . P r e c is a m e n te q u a n d o n o s s a m e n s a g e m e a n o s s a m is s ã o
p a r e c e m s e r m a i s e s t r a n h a s , c o n t r a i n t u i t i v a s e a t é m e s m o o f e n s iv a s , é
q u e e la s s ã o m a is in t e r e s s a n t e s e r e le v a n te s . A h i s t ó r i a q u e t e m o s p a r a
c o n t a r a o m u n d o n ã o é c o n t a d a d e d if e r e n te s m a n e i r a s n a s o u t r a s re li-
g iõ e s . O e v a n g e lh o é a c o is a m a is e s t r a n h a q u e j a m a is o u v ir e m o s - o u
c o n ta r e m o s . E se ele n ã o é v e r d a d e ir o p a r a t o d o s n ó s , e n t ã o ele n ã o s e r á
v e rd a d e iro p a r a n e n h u m d e n ó s.
4‫_________________׳‬
_________________

Oro só gvangglho g
maitas cuitaras
Contextualização

e s m o q u e c o n c o r d e m o s q u e a fé v e m p o r o u v ir o e v a n g e lh o , a o r-
d e m p a r a le v a r e sse e v a n g e lh o a t o d a s a s n a ç õ e s r e q u e r s e n s ib ili-
d a d e a o s d iv e r s o s c o n t e x t o s c u l t u r a is . N u m e x t r e m o , p o d e m o s i g n o r a r
a r e a lid a d e d o n o s s o c o n t e x t o c u l t u r a l, c o m o se “ a p e n a s p r e g á s s e m o s a
B íb lia ” s e m q u a l q u e r p r e c o n c e ito . E s s a p o s iç ã o p o d e n o s im p e d ir d e le-
v a r a s é r io a d iv e r s id a d e d e c o n t e x t o s q u e e n c o n tr a m o s n o s d ia s d e h o je
a té n a s n o s s a s p r ó p r ia s v iz in h a n ç a s . A in d a d e m o d o m a is s in is tr o , im p e -
d e - n o s d e r e c o n h e c e r q u e já e s ta m o s c o n d ic io n a d o s p e lo n o s s o a m b ie n te
c u ltu r a l- lin g u ís tic o , p o l í ti c o e s o c io e c o n ó m ic o . C o m o t o d o s o s d e m a is ,
in te r p r e ta m o s a r e a lid a d e - in c lu in d o a E s c r itu r a - c o m c e r to s p re c o n c e i-
to s q u e p r e c is a m s e r r e c o n h e c id o s e a n a lis a d o s à lu z d a P a la v r a d e D e u s.
N o o u t r o e x t r e m o , p o d e m o s f ic a r t ã o p r e o c u p a d o s c o m a n e c e s s id a d e
d e t o r n a r o e v a n g e lh o r e le v a n te q u e in s e r im o s n e le a s n o s s a s id e o lo g ia s ,
p r e f e r ê n c ia s e d e m o g r a f ía s c u ltu r a is .
Há um só evangelho em diferentes contextos culturais·, e sse f a to é evi-
d e n te n o p r ó p r i o N o v o T e s t a m e n to . O s s e r m õ e s d o s a p ó s t o l o s e m J e -
r u s a lé m e n a s s in a g o g a s p o d i a m r e l a t a r a h i s t ó r i a d e I s r a e l e p r o c la m a r
C ris to c o m o o se u c u m p r im e n to . N o e n ta n to , o s e r m ã o d e P a u lo e m A te -
n a s c h e g o u à r e s s u r r e iç ã o d e C r is to p o r m e io d e u m d is c u r s o a r e s p e ito
d o “ D e u s d e s c o n h e c id o ” .
E m g e r a l, o s a p ó s to lo s e a ig re ja p r im itiv a ti n h a m d e se r e u n ir s e c re ta -
m e n te , e m b o r a p r o c la m a s s e m a P a la v r a s e m p re q u e p o s s ív e l n a s in a g o g a
e n a p r a ç a d o m e r c a d o . I r m ã o s n a fé p e r te n c e n te s a ig r e ja s p e r s e g u id a s
n o m u n d o a t u a l p o d e m id e n tif ic a r - s e c o m e s s a s i t u a ç ã o m a is d o q u e a
126

m a i o r i a d e n ó s . N o s p a ís e s e s t r i t a m e n t e m u ç u lm a n o s , o b a tis m o é m u i-
to m a is i m p o r t a n t e d o q u e é n o O c id e n te . G e r a lm e n te e le n ã o é s e g u id o
p o r u m b e lo a lm o ç o p a r a o p a s t o r e p a r e n te s , m a s p o r a m e a ç a s d e m o r -
te . M u i t o m a is d o q u e u m v a g o r i t u a l , a C e ia d o S e n h o r é u m a p e r ig o s a
r e f e iç ã o c o m u n a l . E m m u i ta s p a r te s d o m u n d o a t u a l o s s a n t o s , i r m ã o s
e m C r is to , e s tã o m a is c o n c r e ta m e n te c ie n te s d o q u e m u ita s v e z e s n ó s d e
q u e to r n a r a m - s e e s tr a n g e ir o s e e x ila d o s , a té m e s m o n a s u a t e r r a n a ta l. O
c o n t e x t o m o d e la a m a n e ir a c o m o e f e tu a m o s a G r a n d e C o m is s ã o .
Contextualização é u m t e r m o p o p u l a r n o s c ír c u lo s c r is t ã o s h o je e m
d ia . B a s ic a m e n te , c o n t e x t u a li z a ç ã o é a t e n t a t i v a d e s i t u a r c r e n ç a s e p r á -
tic a s p a r ti c u la r e s n o s e u a m b i e n t e c u l t u r a l. M i g r a n d o d o s lim ite s r a r e -
f e ito s d a s o c io lo g ia s e c u la r p a r a a t e o r i a m is s io ló g ic a , e d e p o is p a r a o
d e p a r t a m e n t o d e te o lo g ia p r a g m á tic a e p a r a o s p r o g r a m a s d e m in is té r io ,
o im p e r a tiv o p a r a c o n t e x t u a li z a r o e v a n g e lh o t o r n o u - s e u m a e s p é c ie d e
m a n t r a e n tr e p a s to r e s , jo v e n s m in is tr o s e e v a n g e lis ta s .
O r e c o n h e c im e n to d a d iv e r s id a d e é b e m - v in d o . C o m o v im o s , a o b r a
r e a liz a d a p e lo E s p ír ito n o P e n te c o s té s c r io u u m a u n id a d e n a p lu r a lid a d e ,
e u m a p lu r a lid a d e n a u n id a d e : u m só e v a n g e lh o , f o r m a n d o u m só c o r p o ,
e, c o n t u d o , c a d a p e s s o a o u v iu e ste e v a n g e lh o n a s u a p r ó p r ia lín g u a . E ssa
u n i d a d e n a p l u r a l i d a d e é e v id e n te n a c r ia ç ã o , p r in c ip a lm e n te n a c r ia ç ã o
d a h u m a n id a d e q u e p o r t a a im a g e m d e D e u s: h o m e m e m u lh e r. T o d a v ia ,
d e p o is d a Q u e d a , a d if e r e n ç a t o r n o u - s e o p o s i ç ã o , s u s p e ita e v io lê n c ia .
E sse tr á g ic o c u r s o é i l u s tr a d o d e m o d o to c a n t e p e la t o r r e d e B a b e l. N ã o
o b s ta n te , o E s p ír ito d e s c e u n o P e n te c o s té s n ã o p a r a e s p a lh a r a s o r g u lh o -
s a s n a ç õ e s e d iv id ir s u a s lín g u a s , m a s p a r a j u n t á - l a s n u m a n o v a h u m a -
n id a d e , em toda a sua diversidade, e m t o r n o d o e v a n g e lh o . N e m m e s m o
n a e r a p o r v ir v a m o s e s p a lh a r n o s s o s c o r p o s d e a c o r d o c o m s e u s g ê n e -
r o s , n e m a s c a r a c te r ís tic a s c u ltu r a is e lin g u ís tic a s q u e e s tã o in e x tr ic a v e l-
m e n te e n tr e la ç a d a s n a e s t r u t u r a d a n o s s a id e n tid a d e . N ã o e s c a p a m o s d a
c r ia ç ã o n a e r a p o r v ir; a n te s , a c r ia ç ã o - i n c lu in d o a d if e r e n ç a c u l t u r a l -
é l i b e r t a d a d o ju g o d o p e c a d o e d a m o r te .
A c o n d iç ã o p e c a m in o s a é u n iv e r s a l; t o d o s n ó s n a s c e m o s “ e m A d ã o ” .
N o e n t a n t o , o p e c a d o é s o c ia liz a d o d if e r e n te m e n te d e c u l t u r a p a r a c u l-
t u r a . U m a c u l t u r a t e n d e a c u l t u a r a o r d e m , o u t r a a lib e r d a d e , p o r e x e m -
p i o . E v e n t u a l m e n t e , u m a o u o u t r a t e m d e ir, u m a v e z q u e o u t r o d e u s
fiq u e c o m in v e ja . N o r e in o d e C r is to , p o r é m , e x is te lib e r d a d e o r d e n a d a
e o r d e m l i b e r t a d o r a . A s s im c o m o n ã o p o d e m o s d e i x a r n e n h u m a o u t r a
p e s s o a d e f o r a c o m u m d a r d e o m b r o s , d iz e n d o : “ É s im p le s m e n te a s s im
UM SO EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 127

q u e e la é ” , n ã o b a s t a d e s c r e v e r u m a c u l t u r a c o m o se fo s s e u m f a to n e u -
tr o . O s p a d r õ e s c u ltu r a l- lin g u ís tic o s tê m d e s e r a v a lia d o s p e la P a la v r a d e
D e u s , n ã o t o ta lm e n te a c e ito s o u t o ta lm e n te r e je ita d o s . T o d a s a s c u ltu r a s
e s tã o e s c r a v iz a d a s a o p e c a d o e à m o r te . E t o d a s a s c u l t u r a s o f e r e c e m ri-
c o s te s o u r o s , d a d o s p e lo E s p ír ito n a g r a ç a c o m u m .
C o n t u d o , a a p r o p r i a d a s e n s ib ilid a d e e m fa c e d e c o n t e x t o s c u l t u r a is
d iv e r s o s à s v e z e s é t r a n s f o r m a d a n u m a id e o lo g ia q u e le v a a d is to r ç õ e s
o u d e s v io s d o e v a n g e lh o . N u m a é p o c a d e p r o p a g a n d a c o m p a r tim e n ta li-
z a d a , c o n t e x t u a l i z a r r e fe re -s e n ã o s o m e n te a u m a a p r o p r i a d a c a p a c ita -
ç ã o m is s io n á r ia , m a s t a m b é m a f o r m a r e s p e c ia lis ta s n a s d e m o g r a f ía s d a s
n o s s a s p r ó p r i a s s o c ie d a d e s c o n s u m is ta s d o O c id e n te .
M u i t o s s e m in á r io s e v a n g é lic o s a t u a i s o f e r e c e m u m a p a n o p l i a d e c u r-
so s e le tiv o s s o b r e m in is té r io c o n te x tu a liz a d o (p. e x ., u r b a n o , p a r a a m o -
c id a d e , p a r a o s e s p o r te s , s u b u r b a n o , e m e r g e n te , a f r o - a m e r i c a n o , la tin o ,
p a r a h o m e n s e p a r a m u lh e r e s ) . O b v ia m e n te , a lg o t e m d e s e r s a c r if ic a d o
- o c u rríc u lo d o s e m in á rio só p o d e d a r c o n ta de u m a s ta n ta s h o ra s de
c r é d ito . C a d a v e z m a is , p e lo m e n o s b a s e a d o n a s m in h a s c o n v e r s a s c o m
a m ig o s , p a r e c e q u e o s c u r s o s c e n tr a is s o b r e lín g u a s b íb lic a s , te o lo g ia sis-
te m á tic a e h is tó r ic a , h is tó r ia d a ig re ja e a te o lo g ia p a s t o r a l m a is tr a d ic io -
n a l, é q u e e s tã o s e n d o d e s b a s ta d o s p a r a a b r i r e s p a ç o . E m c o n s e q u ê n c ia ,
m u i t o s p a s t o r e s , m i s s i o n á r i o s e e v a n g e l i s ta s n o r t e - a m e r i c a n o s a t u a i s
p o d e m s a b e r m a is a c e r c a d o m e r c a d o e m q u e e le s p r e te n d e m a t u a r d o
q u e s o b r e “ u m só S e n h o r, u m a s ó fé, u m só b a t i s m o ” q u e e les p a r ti l h a m
c o m o s p r o f e ta s , c o m o s a p ó s to lo s , c o m o s p a is d a ig r e ja e c o m o s re fo r-
m a d o r e s , o u c o m s e u s ir m ã o s e ir m ã s n a C h in a , n o M a la v i e n a R ú s s ia .
N a d é c a d a d e 1 9 2 0 , o p r o f e s s o r d e N o v o T e s ta m e n to e m P r in c e to n , J.
G r e s h a m M a c h e n , já e s ta v a se q u e i x a n d o d e q u e a o b s e s s ã o p e lo “ c ris -
n a n is m o a p l i c a d o ” e r a t ã o d if u n d id a q u e lo g o iria r e s ta r m u ito p o u c o d o
c r is tia n is m o p a r a a p lic a r. E s ta m o s v e n d o o s e fe ito s , a té m e s m o n o s c írc u -
lo s e v a n g é lic o s e r e f o r m a d o s , d e u m in te r e s s e p r a g m á tic o p e lo s m é to d o s
d o m in is té r io q u e m in im iz a o in te re s s e p e la r e a l m e n s a g e m ? N o s s o s p a s -
to r e s q u e s a e m d e p o is d e tr ê s o u q u a t r o a n o s d e i n s t r u ç ã o n o s e m in á r io
re a lm e n te c o n h e c e m a B íb lia c o m o p a s to r e s e r u d ito s p r o n to s a p ro c la m a r,
a e n s in a r e g u ia r a s o v e lh a s p a r a a s ric a s p a s ta g e n s d a r e d e n ç ã o ? O u eles
e s tã o se t o r n a n d o e s p e c ia lis ta s e m c u l t u r a p o p u l a r e e m p r o p a g a n d a d e -
m o g rá f ic a ? T r a n s f o r m a r o s q u e a s p i r a m a o p a s t o r a d o e m c o n h e c e d o r e s
d o s e u p r ó p r i o p e r f il c o n s u m i s t a c o n s t r ó i ig r e ja s c o m u m a h e g e m o n i a
c u ltu r a l (m e s m ic e ), a p e s a r d e h a v e r u m a s e lv a g e m d iv e r s id a d e q u a n t o à
d o u t r i n a c r is tã , a o c u lto e à v id a . E m c o n t r a s te , o e v a n g e lh o c r ia u n id a -
d e e s p ir itu a l e m v e z d e u n i f o r m i d a d e c u ltu r a l.
E m a lg u n s a s p e c to s , a p r e o c u p a ç ã o p e la c o n t e x t u a l i z a ç ã o te m s id o
u m a c o m p r e e n s ív e l r e a ç ã o à i n g ê n u a p r e s s u p o s i ç ã o m o d e r n a d e q u e a
v e r d a d e é c a p ta d a in tu itiv a m e n te , im e d ia ta m e n te e a m p la m e n te p e la
m e n t e o u p e la e x p e r i ê n c i a . A t e o r i a p ó s - m o d e r n a e n f a t i z a q u e t o d o o
n o s s o c o n h e c im e n to é in t e r m e d i a d o p e la s p r á ti c a s s o c ia is , lin g u ís tic a s e
c u ltu r a is . E sse p o n t o n ã o d e v e r ia c a u s a r s u r p r e s a a o s c r is tã o s q u e c r e e m
q u e D e u s i n te r m e d e ia a s u a g r a ç a s a l v a d o r a e m C r is to e p e la P a l a v r a e
s a c r a m e n to s .
D e u s é e t e r n o , m a s e le se r e v e lo u p r o g r e s s i v a m e n t e n a H i s t ó r i a . D e
f a t o , d e p o i s d e “ D e u s , o P a i T o d o - p o d e r o s o ” , t u d o o m a is n o C r e d o
d o s A p ó s to lo s - d e s d e “ C r i a d o r d o c é u e d a t e r r a ” a té “ a v id a e t e r n a ”
- é u m a v e r d a d e h i s t ó r i c a , n ã o u m a v e r d a d e a t e m p o r a l p e r te n c e n t e a o
d o m í n io d a s f o r m a s e te r n a s . N ã o h o u v e t e m p o e m q u e o P a i fic o u s e m
o F ilh o e o E s p í r i t o , m a s o F ilh o fe z -s e c a r n e n a “ p l e n i t u d e d o t e m p o ”
(G1 4 .4 ) . J e s u s m o r r e u p o r n ó s “ a s e u t e m p o ” ( R m 5 .6 ) , e “ a p a r e c e r á
s e g u n d a v e z ” ( H b 9 .2 8 ) . Q u e a s c o n v ic ç õ e s c e n tr a is d o c r is tia n is m o s ã o
v e rd a d e s h is tó ric a s , e n ã o v e rd a d e s s u p o s ta m e n te e te rn a s d a r a z ã o , d a
m o r a l i d a d e e d a e x p e r iê n c ia , te m s id o u m e s c â n d a lo p a r a g r e g o s , r o m a -
n o s e o s filó s o fo s m o d e r n o s .
D e u s r e v e lo u - s e a t r a v é s d a s c u l t u r a s p a r t i c u l a r e s , p e r s o n a l i d a d e s e
l í n g u a s d o s p r o f e t a s e d o s a p ó s t o l o s a o lo n g o d e u m p e r í o d o d i s t i n t o
d a g e o g r a f ia e d a H i s t ó r i a . N ã o a s c e n d e m o s d a s u p o s t a e s f e r a d a s s o m -
b r a s p a r a a e t e r n i d a d e n u m a c o n t e m p l a ç ã o e s p e c u la tiv a d o S e r I m u t á -
v e l. A n te s , D e u s d e s c e u a t é n ó s n a P a l a v r a e n c a r n a d a e a i n d a n o s f a la
p o r m e io d a lín g u a h u m a n a , d a á g u a , d o p ã o e d o v in h o c o m u n s . C o m o
o m is s io n á r io c o n s u m a d o , o t r i n o D e u s é o m e s tr e d a c o n te x tu a liz a ç ã o .
C o m o C a l v i n o o b s e r v o u , D e u s f a la n u m a l i n g u a g e m p a r a b e b ê s , d e s -
c e n d o m u i to a b a ix o d a s u a e x a lt a d a a l t i tu d e a fim d e c o m u n ic a r a s s u a s
m is e r ic ó r d ia s sa lv ífic a s.
N ã o te m o s s o m e n te id é ia s . N o s s a s c r e n ç a s s ã o m o d e l a d a s e m g r a n -
d e m e d i d a p e lo s h á b i t o s c u l t u r a i s , p e l a lí n g u a , p e lo s c o s t u m e s e p e la s
p r á ti c a s d e g r u p o s p a r ti c u la r e s . A t e o lo g ia b íb lic a d a a lia n ç a fa z m u i to
m a is s e n tid o n a s s o c ie d a d e s fe u d a is d o q u e n a s d e m o c r a c ia s lib e ra is . A fé
n u m D e u s q u e é R e i d o s re is e S e n h o r d o s s e n h o r e s , q u e s a lv a p e c a d o r e s
p o r s u a a ç ã o m is e r ic o r d io s a , p o r s u a g r a ç a , e n ã o se c o lo c a n d o n a c é d u -
la d e u m v o to p a r a u m a e le iç ã o g e r a l, p o d e s e r m e n o s p la u s ív e l p a r a o s
UM SO EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 129

c a p ita lis ta s d e s u c e s s o e p a r a o s f e m in is ta s p o l i ti c a m e n t e p o d e r o s o s d o
q u e p a r a o s p r is io n e ir o s o u p a r a o s o p e r á r i o s o p r im id o s .
O s líd e re s d a ig r e ja q u e d e r a m a s b o a s - v in d a s à f u s ã o d e C r is to c o m
a c u l t u r a s o b C o n s ta n t in o e se u s s u c e s s o r e s , c e r ta m e n te t i n h a m c o n t a t o
c o m o s e u c o n t e x t o s o c ia l. C o n t u d o , u m a f a lt a d e c la r e z a a r e s p e ito d a
v is ã o n e o t e s t a m e n t á r i a d o r e in o d e C r i s t o e a f a l t a d e c o n f ia n ç a n e s s a
v is ã o b íb lic a e n f r a q u e c e r a m a c a p a c i d a d e d e le s d e c r it i c a r a s u a lo c a li-
z a ç ã o e a s s u a s a lia n ç a s c o m o s e u c o n t e x t o s o c ia l. E m b o r a d e s a f ia n d o
a c o n f u s ã o d o s r e in o s e m p r i n c í p i o , a R e f o r m a n ã o r o m p e u s u f ic ie n te -
m e n te c o m e s s a c o n f u s ã o n a p r á ti c a . A s s im c o m o é im p o s s ív e l e n te n d e r
a R e f o r m a s e m le v a r e m c o n t a o s u r g im e n to d o s E s ta d o s n a c io n a is m o -
d e r n o s , d o m e s m o m o d o ta m b é m o s u r g im e n to d o r e a v iv a lis m o s ó p o d e
ser e n te n d id o n o c o n te x to d a R e v o lu ç ã o I n d u s tr ia l, d a e x p a n s ã o d a s fro n -
te ir a s e d o in d iv id u a lis m o . I g u a lm e n te , a e v a n g e liz a ç ã o c o n t e m p o r â n e a
n o r te - a m e r ic a n a fo i m o l d a d a p e la m a c iç a r e v o lu ç ã o te c n o ló g ic a e s o c ia l
d a h is tó r ia re c e n te . P a r a o s c r is tã o s n o r te - a m e r ic a n o s é m a is fá c il le v a r a
s é rio a c o n t e x t u a li z a ç ã o q u a n d o e s ta m o s n o s p r e p a r a n d o p a r a u m a v ia -
g e m m is s io n á r ia à Á fric a . S o m o s m e n o s s e n sív e is à s m a n e ir a s p e la s q u a is
a n o s s a fé e a n o s s a p r á ti c a s ã o m o d e la d a s p a r a o b e m e p a r a o m a l p e la
n o s s a p r ó p r i a lo c a liz a ç ã o .
A h i s t ó r i a d a s m is s õ e s f o r n e c e e x e m p l o s d e u m a p e r ig o s a c o n f u s ã o
e n tr e C r is to e a c u l t u r a , c o m o m i s s io n á r io a c o m p a n h a n d o o s c o n q u is -
ta d o r e s e o s n a v io s m e r c a n te s . N o e n t a n t o , m o v im e n to s n a tiv o s c o n t r a
a o p re s s ã o c o lo n ia l m u ita s v ezes fo r a m in s p ira d o s e in c e n tiv a d o s p o r
m is s io n á r io s , e a s e n s ib ilid a d e e m r e la ç ã o a c u l t u r a s n ã o o c id e n ta is e m
m u ito s a s p e c to s te v e a s m is s õ e s m o d e r n a s c o m o p io n e ir a s . S eja c o m o fo r
q u e se i n t e r p r e t e o p a s s a d o , o c r e s c im e n to e x p lo s iv o d o c r is tia n is m o n o
te r c e ir o m u n d o a t u a l n ã o p o d e s e r id e n tif ic a d o c o m o im p e r ia lis m o o c i-
d e n ta l. C h r i s t o p h e r J . H . W r ig h t o b s e r v a q u e o s é c u lo 2 0 c o m e ç o u c o m
9 0 p o r c e n to d o s c r is tã o s d o m u n d o n a E u r o p a e n a A m é r ic a d o N o r t e ,
m a s t e r m i n o u c o m “ p e lo m e n o s 7 5 p o r c e n t o ” n a A m é r ic a L a t i n a , n a
Á fric a , n a Á s ia e n o P a c ífic o .1 O c r is tia n is m o g lo b a l m o v e u -s e p a r a o sul:
“ a p r ó x i m a c r i s t a n d a d e ” , c o m o P h ilip J e n k in s c h a m a is s o .2
C e r ta m e n te , o m u n d o d e s e n v o lv id o - p r in c ip a lm e n te o s E s ta d o s U n i-
d o s - e x p o r t a s u a s a b e r r a ç õ e s r e li g i o s a s ( c o m o o e v a n g e l h o d a p r o s -
p e r id a d e , p e c u li a r m e n t e n o r t e - a m e r i c a n o ) . N o e n t a n t o , o c r is t i a n i s m o
o r t o d o x o t a m b é m e s t á c r e s c e n d o r a p i d a m e n t e . A c o m u n h ã o a n g lic a -
n a e s t á c l a r a m e n t e d i v i d id a q u a n t o à f id e lid a d e à fé e à p r á t i c a c r is tã .
130

A s b e m - s u c e d id a s ig r e ja s d a Á f r ic a , d a Á s ia e d a A m é r ic a L a t i n a e s tã o
p r o c u r a n d o a f a s ta r - s e d a s c o m u n i d a d e s l ib e r a liz a n te s e m o r i b u n d a s d a
I n g l a t e r r a e d a A m é r ic a d o N o r t e . A s d e n o m in a ç õ e s p r e s b it e r i a n a s e re -
f o r m a d a s c o n s e r v a d o r a s n o s E s ta d o s U n id o s e n o C a n a d á c o n t a m c e r c a
d e m e io m ilh ã o d e m e m b r o s , m a s h á u m m ilh ã o e m e io d e p r e s b ite r ia n o s
c o n s e r v a d o r e s n o M é x ic o . H á m a is c r is t ã o s r e f o r m a d o s n a N i g é r ia d o
q u e e m t o d a a A m é r ic a d o N o r t e . “ S ã o a s ig re ja s d o s p a ís e s e m e r g e n te s
q u e a g o r a e s tã o e n v ia n d o a m a io r ia d a s p e s s o a s a t o d o s o s tip o s d e o b r a
m is s io n á r ia t r a n s c u l t u r a l ” , W r ig h t o b s e r v a . O s e g u n d o m a i o r p a ís e n tr e
o s q u e e n v ia m m is s io n á r io s n o m u n d o a t u a l é a í n d i a . 3 Se a lg o p o d e s e r
d i to , a s ig re ja s d o s p a ís e s e m d e s e n v o lv im e n to e s tã o m o d e l a n d o a s m is -
s õ e s o c id e n ta is , e n ã o o c o n t r á r i o .

A ANALOGIA COM A ENCARNAÇÃO


O u t r o m o d o d e f a la r s o b r e c o n t e x t u a li z a ç ã o n o s c ír c u lo s c r is tã o s a tu a is
é s u g e r ir q u e d e v e m o s “ p e r s o n if ic a r ” o a m o r d e D e u s , o u v iv e r “ d e m a -
n e ira e n c a r n a d a ” . T em o s, p o ré m , d e d a r u m p a s s o a trá s e in te rro g a r a
n ó s m e s m o s s o b r e e ssa s f ó r m u la s q u e a c e ita m o s c o m o p o n t o p a c íf ic o .
A m a r a v i lh a d o e v a n g e lh o é q u e D e u s se fe z c a r n e , c o n d e s c e n d e n d o
e m b a i x a r d a s r iq u e z a s d o e s p le n d o r c e le s te à p o b r e z a e h u m ilh a ç ã o p o r
a m o r d e n ó s . M a s , q u e s ig n ific a p a r a m im e u m e e n c a r n a r o u v iv e r d e
“ m a n e ir a e n c a r n a d a ” e m a lg u m lu g a r ? D e q u e c é u e u d e sc i? C o m o p o d e
o f a to d e e u p e r te n c e r a u m a r e d e d e f a m ilia r e s e d e v iz in h o s c o n s t i t u ir
u m a t o d e c o n d e s c e n d ê n c ia , p a r a n ã o m e n c io n a r a m in h a g ló r ia c e le s tia l
e s u p o r ta r a c u lp a h u m a n a ? P e n so q u e a m a io r p a r te d a s vezes as pes-
s o a s q u e r e m d iz e r c o m e sse s t e r m o s q u e o s c r is t ã o s d e v e m ir t ã o lo n g e
q u a n t o p u d e r e m n o e s f o r ç o p a r a t o r n a r o e v a n g e lh o a c e ssív e l a n ã o c ris-
tã o s p a r ti c u la r e s e m c o n t e x t o s s o c io lin g u ís tic o s e s p e c ífic o s . N o e n t a n t o ,
o r e s u l t a d o te m s id o m u i t a o b s e s s ã o s o b r e como c o m u n ic a r e n q u a n to
s u p o m o s ( e q u iv o c a d a m e n te ) q u e s a b e m o s m u i to b e m o que c o m u n ic a r .
E m F ilip e n s e s 2 s o m o s c h a m a d o s a i m it a r a humildade de Jesu s n a su a
e n c a r n a ç ã o , n ã o a i m it a r a s u a e n c a r n a ç ã o p r o p r ia m e n t e d ita .
Q u a n d o a v e r d a d e i r a e n c a r n a ç ã o a c o n te c e u , D e u s a s s u m i u a n o s s a
h u m a n id a d e . E ú til le m b r a r - n o s d o q u e c r e m o s c o m o c r is tã o s o r t o d o x o s
a r e s p e ito d e s s e a c o n te c im e n to . N u m e x tr e m o d o d e b a te c r is to ló g ic o es-
t a v a o d o c e tis m o , q u e n e g a v a a r e a l h u m a n i d a d e d e C r is to , d iz e n d o q u e
ele só parecia h u m a n o . N o o u tr o e x tr e m o d o e s p e c tro e s ta v a o a r ia n is m o ,
q u e n e g a v a a s u a d iv in d a d e . O u t r a h e r e s ia , o e u t i q u i a n i s m o , a s s im ilo u
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 131

a s u a h u m a n i d a d e à s u a d i v in d a d e , a o p a s s o q u e a c r is to lo g ia “ k e n ó ti-
c a ” d o lib e r a lis m o a le m ã o d o s é c u lo 1 9 a s s im ilo u a s u a d iv in d a d e à s u a
h u m a n id a d e .
S e g u n d o o c o n s e n s o o r t o d o x o , o F ilh o e t e r n o é o s u je ito p r ó p r i o d o
a c o n te c im e n to . O F ilh o a s s u m iu a n o s s a h u m a n i d a d e . J e s u s C r is to n ã o
é u m a c o m b i n a ç ã o d e h u m a n i d a d e e d i v in d a d e . T a m p o u c o o F ilh o a s-
s u m iu u m a pessoa humana, m as a humanidade q u e p e r te n c e a t o d a s as
p e s s o a s . N ã o h o u v e t r a n s f o r m a ç ã o d e d iv i n d a d e e m h u m a n i d a d e , n e m
d e h u m a n id a d e em d iv in d a d e , m a s a u n iã o d e duas naturezas em uma
ú n ic a pessoa.
Se o s c o n s e r v a d o r e s p o d e m se r in g ê n u o s q u a n t o a o p a p e l d o c o n d ic io -
n a m e n t o s o c io lin g u ís tic o , c u ltu r a l e e c o n ô m ic o (o e q u iv a le n te a u m tip o
d e d o c e tis m o ) , p e n s o q u e g r a n d e p a r t e d a s a b o r d a g e n s a tu a is d a m is s ã o
c e n tr a l i z a d a e m “ v iv e r d e m a n e i r a e n c a r n a d a ” t e n d e n a d ir e ç ã o d e a lg o
e q u iv a le n te à h e r e s ia “ k e n ó t i c a ” . S e g u n d o e s s a v is ã o , D e u s n ã o s o m e n -
te a s s u m i u a n o s s a n a t u r e z a h u m a n a , s e m n e n h u m a m u d a n ç a n a s u a
e s s ê n c ia d iv in a o u e m s e u s a t r i b u t o s , m a s r e a lm e n te se e s v a z io u d a s u a
d iv in d a d e p a r a c o m p a r t i l h a r d a e x p e r iê n c ia h u m a n a . P e lo m e n o s c o m o
a a n a lo g ia é f r e q u e n te m e n te a p lic a d a à m is s ã o c r is tã c o n t e m p o r â n e a , o
c h a m a d o a o m in is té r io e n c a r n a c i o n a l , p a r a m im , s o a m u i to c o m o d iz e r
q u e o c o n t e x t o n ã o a p e n a s m o d e la a h u m a n i d a d e n a q u a l o e v a n g e lh o é
tr a n s m i t id o , m a s ta m b é m d e te r m in a a f o n te e o c o n t e ú d o d o e v a n g e lh o .
Se p e r c o r r e r m o s e s s a v e r e d a “ k e n ó t i c a ” , n o s s a p r i m e i r a p a r a d a s e r á
p a r a e s v a z ia r a G r a n d e C o m is s ã o d o s seu s m é to d o s d iv in a m e n te a u to r iz a -
d o s. C o m f r e q u ê n c ia é d ito q u e o e v a n g e lh o n u n c a m u d a , m a s o s m é to d o s
e s tã o s e m p re e m f lu x o , d e te r m in a d o s p e lo se ja o q u e f o r q u e c a lc u la m o s
s e r e m o s m e io s m a is e fic a z e s q u a n t o à c ir c u n s c r iç ã o d e m o g r á f ic a e s p e -
c ífic a q u e e s ta m o s t e n t a n d o a lc a n ç a r . A lé m d a a p r o p r i a d a s e n s ib ilid a d e
q u a n t o a o s h á b i t o s c u l t u r a is , is s o f r e q u e n te m e n te se e s te n d e , c h e g a n d o
a r e la t iv i z a r a p r e g a ç ã o , o s s a c r a m e n t o s e a d is c ip lin a . C h e g a m o s a g o -
r a a o e s tá g io n o q u a l a lg u n s e v a n g é lic o s a r g u m e n t a m q u e a m e n s a g e m
p r o p r i a m e n t e d i t a e s tá s e m p r e m u d a n d o , v is to q u e D e u s f a la p o r m e io
d a c u l t u r a b e m c o m o p e la E s c r itu r a , e q u e e sse a c o n te c im e n to c o n s titu i
u m a s ó f a la u n if ic a d a .4
N a v e g a r e n t r e e s s e s d o is e x t r e m o s r e q u e r q u e , a n t e s d e t u d o , r e c o -
n h e ç a m o s a s lim ita ç õ e s d a a n a lo g i a c o m a e n c a r n a ç ã o . C o m o t o d a s a s
a n a lo g ia s , e s ta s u c u m b e . H á a p e n a s u m a e n c a r n a ç ã o n a H i s t ó r i a . D e u s
c o n d e s c e n d e u c o m n o s s a fra q u e z a fa z e n d o -se c a rn e . Je su s C ris to é a
r e v e la ç ã o e n c a r n a d a d e D e u s . S e g u n d o , a P a la v r a n ã o s o m e n te se re v e s -
tiu d a n o s s a h u m a n id a d e ; D e u s r e v e s tiu s u a P a la v r a c o m a s p a la v r a s d o s
p r o f e ta s e d o s a p ó s to lo s . S u a fa la a u t o r i z a d a , a g o r a d e p o s ita d a n o c â n o -
n e e s c r itu r ís tic o , é q u a l i t a t i v a m e n t e d if e r e n te d a s n o s s a s in te r p r e ta ç õ e s .
S eu p a n o d e f u n d o c u lt u r a l- li n g u í s t ic o n ã o fo i d iv in iz a d o , m a s t o m a d o
p a r a o s e rv iç o d e c o m u n ic a ç ã o d e D e u s (i.e ., fo i fe ito s a n to ) , m a s p e r m a -
n e c e n d o h u m a n o . N ã o p riv ile g ia m o s a c u ltu r a d e le s n e m u m p o u c o m a is
d o q u e p r iv ile g ia m o s a n o s s a p r ó p r i a c o m o r e v e la tó r ia .
A o m e s m o t e m p o , a e n c a r n a ç ã o d e f a to n o s e n s in a q u e D e u s a s s u m iu
p le n a m e n te a n o s s a h u m a n id a d e e m C r is to . H á u m a a n a lo g ia le g ítim a en -
tr e a e n c a r n a ç ã o e a n o s s a c o m u n ic a ç ã o d o e v a n g e lh o . C o n q u a n t o J e s u s
te n h a a s s u m id o a n o s s a h u m a n id a d e , ele fo i - e é - u m a p e s s o a p a r tic u la r :
u m j u d e u d o s e x o m a s c u lin o , u m r a b in o e o filh o d e M a r i a , q u e c r e s c e u
e m s a b e d o r ia e e n te n d im e n to à m e d id a q u e fo i m o d e la d o p e la s u a lin h a -
g e m g e n é tic a e p e lo se u a m b ie n te c u ltu r a l- lin g u ís tic o . A p r ó p r ia V e rd a d e ,
e le n ã o é u m a m e n te d e s i n c o r p o r a d a , i s o la d a , c o m o o e g o d e D e s c a r te s
( “ u m a c o is a q u e p e n s a ” ). A r e a lid a d e s e m p r e é i n t e r p r e t a d a . A v e r d a d e
é t r a n s m i t i d a s o c i a l m e n t e p o r m e io d a s n o s s a s c u l t u r a s e lín g u a s . P o r-
t a n t o , te m o s d e r e s is tir à p r e s s u p o s iç ã o m o d e r n is ta e f u n d a m e n ta lis ta d e
q u e “ s im p le s m e n te le m o s a B í b li a ” s e m n e n h u m a p r e s s u p o s i ç ã o in te r -
p r e ta t iv a . N ã o h á n e n h u m a “ v is ã o v in d a d e l u g a r n e n h u m ” n e u t r a . S o -
m e n te D e u s v ê a r e a lid a d e c o m o e la r e a lm e n te é, v is to q u e e le a c r io u , a
s u s te n ta e a g u ia p a r a o s e u fim d e te r m in a d o . N ó s s a b e m o s a p e n a s o q u e
a D e u s a p r o u v e n o s r e v e la r, e m e s m o e s s a r e v e la ç ã o n o s v e m p o r m e io
d a i n te r m e d ia ç ã o d a i n t e r p r e t a ç ã o h u m a n a d a s E s c r itu r a s . A d if e r e n ç a é
q u e D e u s i n s p ir o u e a u t o r i z o u e s s a s in t e r p r e t a ç õ e s , e n ó s c o n f o r m a m o s
a s n o s s a s i n te r p r e ta ç õ e s a e s s a r e g r a . S e ja m p r é - m o d e r n a s , m o d e r n a s o u
p ó s - m o d e r n a s , a s n o s s a s lo c a liz a ç õ e s c u ltu r a is p e r te n c e m a “ e s ta e r a q u e
se d e s v a n e c e ” . E s o m o s e x o r ta d o s a n ã o m a is n o s c o n f o r m a r a o p a d r ã o
d e s ta e r a , m a s a s e r m o s t r a n s f o r m a d o s p e la P a la v r a d e D e u s (R m 1 2 .2 ).
A s s im , p o r u m la d o te m o s d e r e s is tir à t e n t a ç ã o d o c é tic a . E t ã o p e r i-
g o s o p r e s s u p o r q u e s a b e m o s a v e r d a d e d e m a n e i r a n ã o m e d i a t a e d ir e -
ta c o m o p re s s u p o r q u e , p o rq u e a v e rd a d e é se m p re in te rp re ta d a , é m e ra
c o n s t r u ç ã o h u m a n a d e t e r m in a d a p e la lín g u a e p e la c u l t u r a d e u m p o v o
p a r ti c u la r . A ig r e ja m e d ie v a l d o s fin s d a q u e le p e r í o d o r e s is tiu a C o p é r -
n ic o e a G a lile u p o r q u e n ã o r e c o n h e c e u a l ig a ç ã o d a ig r e ja c o m a s o r-
t o d o x i a s filo s ó fic a s q u e e la h a v i a c o n f u n d i d o c o m a B íb lia . P a s s a r p o r
a lto a r e a lid a d e d a in te r p r e ta ç ã o - e o p a p e l d a n o s s a p r ó p r ia lo c a liz a ç ã o
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 133

s o c io c u ltu r a l n e s s e a t o - te m c o n t r i b u í d o p a r a u m a s u c e s siv a t o r r e n te d e
a f ir m a ç õ e s d o g m á t i c a s q u e , i r o n ic a m e n te , s ó s e r v e m p a r a m i n a r a c o n -
fia n ç a n a a u t o r i d a d e d a P a la v r a d e D e u s .
P a r a p e s s o a s c o m o e u , é f á c il d e s t a c a r a s m a n e i r a s d is t in t i v a s p e la s
q u a is “ o u t r o s ” (n ã o b ra n c o s , n ã o o c id e n ta is ) le v a m seu s p r e c o n c e ito s p a r a
a s E s c r itu r a s . P a r a m im , é m u i to m a is d ifíc il e x a m i n a r o s m e u s p r ó p r io s
ó c u lo s - p r i n c i p a lm e n t e q u a n d o o s e s to u u s a n d o . É p o r is s o q u e p r e c i-
s a m o s ler, e x p e r i m e n t a r e v iv e r a s E s c r itu r a s j u n t o c o m o u t r o s ir m ã o s e
ir m ã s p r o v e n ie n t e s d e o u t r a s f o r m a ç õ e s e a n t e c e d e n t e s a m b i e n t a i s . O s
n o s s o s i r m ã o s e ir m ã s a f r o - a m e r i c a n o s d ã o p e r s u a s iv o te s t e m u n h o d o s
m e io s p e lo s q u a is c r is tã o s b r a n c o s s u p r im e m s is te m a tic a m e n te a lg u m a s
p a r te s d a E s c r i t u r a , t o m a n d o c o m o d a d o s b íb lic o s o q u e d e f a t o n a d a
m a is é q u e f r u t o d e p r e c o n c e ito s c u ltu r a is .
P o r é m , d e v e m o s r e s is tir à te n d ê n c ia o p o s t a ( “ k e n ó t i c a ” ) d e a s s im ila r
a f a la d e D e u s à f a la h u m a n a , a P a la v r a d e D e u s à i n t e r p r e t a ç ã o d a c o -
m u n i d a d e . O r o t e i r o , a s d o u t r i n a s e a s p r á ti c a s f u n d a m e n t a i s d a B íb lia
tê m u n i d o c r e n te s a o lo n g o d e t o d o s o s t e m p o s e e m t o d o s o s lu g a r e s .
E s ta n d o a c im a d e t o d a e q u a l q u e r c u l t u r a , a P a la v r a d e D e u s te m o p o -
d e r d e a t r a v e s s a r a s d is to r ç õ e s s is te m á tic a s d a r e a lid a d e q u e a s s u m im o s
c o m o d a d a s . N ã o h á m u i t o s e v a n g e lh o s , m a s u m s ó . E n ã o h á m u i ta s
ig re ja s c a tó lic a s [u n iv e r s a is ], m a s u m a s ó ig re ja c a tó lic a q u e e s tá p r e s e n -
te n u m a v a s t a p l u r a l i d a d e d e c o n g r e g a ç õ e s lo c a is a o l o n g o d e t o d o s o s
te m p o s e e m t o d o s o s lu g a r e s . O q u e t o r n a a ig r e ja católica não é que
h a j a u m a s ó o r g a n iz a ç ã o s u b o r d i n a d a a u m ú n i c o c h e fe h u m a n o , n e m
q u e h a j a u m a p l u r a l i d a d e d e s c e n tr a liz a d a c o n s t i t u íd a d e m ic r o te o lo g ia s
b a s e a d a s e m c u l t u r a s lo c a is o u e m c o n d i ç ã o s o c io e c o n ó m ic a . E a o b r a
de Deus - p r o c la m a r , b a t i z a r e e n s i n a r - q u e t o r n a a s m u i ta s e m u m a ,
se m d e s is tir d a s u a d iv e r s id a d e .

D efen so r es de D e u s : n o s s a l o c a l iz a ç ã o m a is d e c is iv a

J á m e r e f e r i à m o d a a t u a l , p r i n c i p a l m e n t e e n t r e o s c r is t ã o s o c i d e n t a is ,
d e in c e n tiv a r a p r o l i f e r a ç ã o d e “ te o lo g ía s c o n t e x t u á i s ” ( a s iá tic a , a f r ic a -
n a , a f r o - a m e r i c a n a , l a t i n o - a m e r i c a n a , f e m in is ta , e tc .) . C o n t u d o , c o m o
C h r i s t o p h e r W r ig h t o b s e r v a , “ e s s a e x p r e s s ã o , e m si, t r a i u o a r r o g a n t e
e tn o c e n tr is m o d o O c id e n te , p o is a p r e s s u p o s iç ã o e r a q u e o u t r o s lu g a r e s
s ã o c o n t e x t o s e q u e a s te o lo g ía s s ã o f e ita s p a r a a q u e le s c o n t e x t o s ; n ó s ,
n a t u r a l m e n te , te m o s a c o is a r e a l, a te o lo g ia o b je tiv a , n ã o c o n t e x t u a l ” .5
E u a c r e s c e n ta r ia q u e esse é o p e r ig o in e re n te d e t o m a r a e n c a r n a ç ã o c o m o
134

u m p a r a d i g m a p a r a a n o s s a v id a e a n o s s a m i s s ã o , e m v e z d e t o m á - l a
c o m o u m e v e n to ú n ic o , c u ja humildade d e v e m o s im ita r . Q u a n t o a n ó s ,
n ã o h á c o n d e s c e n d ê n c ia , n e n h u m a t r a n s i ç ã o d e u m e s ta d o d e e x a lt a ç ã o
a u m e s ta d o d e h u m ilh a ç ã o . N e n h u m d e n ó s te m u m a p u r a v is ã o , c o m o
a d e D e u s , d a r e a lid a d e , p a r a e n t ã o “ t r a d u z i - l a ” p a r a o u tr o s .
É i m p o r t a n t e r e c o n h e c e r o s n o s s o s p r e c o n c e ito s c u ltu r a l- lin g u ís tic o s ,
m a s é ig u a lm e n te i m p o r t a n t e c r itic á - lo s , e m v e z d e p e r m i t i r q u e v e n h a m
a t o r n a r - s e n o r m a t i v o s , c o m o a p r ó p r i a E s c r itu r a . O s te ó lo g o s d a lib e r-
t a ç ã o e s t ã o t ã o c o n v e n c id o s , q u a n t o q u a l q u e r f u n d a m e n t a l i s t a , d e q u e
tê m a le n te in t e r p r e t a t iv a c e r ta p a r a i n t e r p r e t a r a E s c r itu r a . J a m e s C o n e
p a r e c e s u g e r ir q u e v o c ê s ó p o d e le r f ie lm e n te a B íb lia se i n t e r p r e t á - l a
p a r ti n d o d a p e r s p e c tiv a d a e x p e r iê n c ia d o s a f r o - a m e r ic a n o s . E s s a s v o z e s
p o d e m a ju d a r p e sso a s c o m o eu a re c o n h e c e r as n ã o c o n fe s s a d a s p re ssu -
p o s iç õ e s q u e s is te m a t ic a m e n t e d is t o r c e m a m i n h a l e i t u r a d a E s c r it u r a ,
m a s n ã o d e v e m o s t o d o s n ó s l u t a r ju n to s p a r a o u v ir a v o z d e D e u s a c im a
d e t o d a s a s d e m a is ?
W r ig h t a c r e s c e n ta : “ O q u e m u ita s d e s s a s m a is r e c e n te s te o lo g ía s tê m
e m c o m u m é a s u a p o s t u r a d e d e fe s a . O u se ja , e la s s u r g e m d a c o n v ic ç ã o
d e q u e é f u n d a m e n ta l p a r a a fé b íb lic a t o m a r p o s iç ã o a o la d o d a s v ítim a s
d e in ju s tiç a e m q u a l q u e r d e s u a s f o r m a s . P o r c o n s e g u in te , a B íb lia d e v e
s e r lid a c o m u m a h e r m e n ê u t i c a l i b e r t á r i a - is to é , c o m a p r e o c u p a ç ã o
d e l i b e r t a r p e s s o a s d a o p r e s s ã o e d a e x p l o r a ç ã o ” . N o e n t a n t o , W r ig h t
a c o n s e lh a q u e , “ n ã o h á r a z ã o , p a r e c e - m e , p a r a f a z e r o p ê n d u l o o s c ila r
d a h e g e m o n ia h e r m e n ê u tic a o c id e n ta l e d a ig n o r â n c ia d o m u n d o e m d e -
s e n v o lv im e n to d a e r u d iç ã o b íb lic a p a r a a a d u l a ç ã o q u e e s tá n a m o d a d e
t o d a e q u a l q u e r c o is a q u e v e n h a d o r e s ta n te d o m u n d o e a r e je iç ã o d o s
m é to d o s e s ta b e le c id o s p a r a a e x e g e s e g r a m á t ic o - h i s tó r ic a , c o m o se fo s -
s e m a lg o in tr ín s e c a m e n te o c id e n ta l, c o lo n ia l o u i m p e r i a l i s t a ” .6
A m o d e r n id a d e te n d ia a s u p r im ir a d if e r e n ç a , e n q u a n to a p ó s - m o d e r -
n id a d e te n d e a s u p r im ir a p o s s ib ilid a d e d e se c h e g a r a u m a v e r d a d e q u e
t r a n s c e n d a t o d o s o s lim ite s t e m p o r a is e c u ltu r a is . E c e r to q u e t o d o s n ó s
te m o s “ in t e r e s s e s ” e p r e c o n c e ito s . A s e p ís to la s d e P a u lo f o r a m e n d e r e -
ç a d a s à “ ig re ja d e D e u s q u e e s tá e m C o r i n t o ” , “ e m R o m a ” , e a s s im p o r
d ia n te . C o n tu d o , a lo c a liz a ç ã o p r im á r ia d e la s é “ e m C r is to ” . A id e n tid a d e
p r im e ir a d o s c r e n te s , q u a n d o o u v e m e i n t e r p r e t a m a s E s c r itu r a s ju n to s ,
n ã o é r ic o o u p o b r e , ju d e u o u g re g o , e s c ra v o o u liv re , h o m e m o u m u lh e r,
m a s v e r d a d e i r o s filh o s d e A b r a ã o p e l a fé e m C r i s t o (G1 2 . 2 0 ) . N a e r a
m o d e r n a , t a n t o à e s q u e r d a c o m o à d i r e i t a , o in te r e s s e t e m s id o a j u s t a r
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 135

D e u s e s u a P a la v r a à s n o s s a s h is tó r ia s . I n v e n ta m o s v á r io s e v a n g e lh o s c o m
o o b je tiv o d e s e r v ir à m e t a n a r r a t i v a d o p r o g r e s s o e d a e m a n c ip a ç ã o , d e
u m d e s tin o m a n if e s to , d a p a z e r iq u e z a p e s s o a l, o u d a h a r m o n i a g lo b a l.
P o d e m o s t r a n s f o r m a r o a n t i g o m ito d o v o o d a a lm a à s a l t u r a s n o m ito
m o d e r n o d a a s c e n s ã o g r a d a t i v a d a h u m a n i d a d e n a H i s t ó r i a . N o e n ta n -
t o , o m o v im e n to r e a lm e n te r a d ic a l é a c e ita r o ju íz o d e D e u s s o b r e a s h is-
t ó r i a s d a n o s s a v id a e s o b r e a s m e t a n a r r a t i v a s c u l t u r a is p a r a q u e s e ja m
e s c r ita s n o s e u d r a m a q u e e s tá e m d e s e n v o lv im e n to .
A u n iã o c o m C r is to n ã o e r r a d ic a a d iv e r s id a d e c u ltu r a l o u s o c ia l, m a s
a lo c a liz a ç ã o p r i m á r i a d o s c r is tã o s d e q u a lq u e r p a r te d o m u n d o n ã o é “ o
p o b r e ” , “ o r i c o ” , n e m q u a l q u e r o u t r a d e m o g r a f ía s o c ia l e c u l t u r a l. D e
f a to , “ e m C r i s t o ” é a lo c a liz a ç ã o d e c is iv a p a r a a q u a l P a u lo a p e la a fim
d e c h a m a r o s c r e n te s c o r in tio s a se a r r e p e n d e r e m d o s p a d r õ e s e a titu d e s
p e c a m in o s o s p r e d o m i n a n te s n a s o c ie d a d e d e le s .
A p r o p r i a d a m e n t e , W r ig h t in c e n tiv a o s c r is tã o s a le re m a B íb lia

no interesse daqueles que entregaram sua própria história pessoal


à história bíblica dos propósitos de Deus para as nações. Mas isso
será feito com convicção ainda mais forte se essa entrega for a pos-
tura normal de toda a igreja, pois, nessa leitura da Escritura, uma
igreja que é governada pela Bíblia não pode fugir do impulso mis-
sional do Deus e do evangelho nela revelados.7

É to m a n d o o n o s s o lu g a r n e ssa h is tó ria , n ã o n a s h is tó ria s d e s ta e ra


ím p ia p a s s a g e ir a , q u e d e f a to e n c o n tr a m o s u m a h e r m e n ê u tic a p a r a a ver-
d a d e ir a lib e r ta ç ã o . E n a c r u z e n a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to q u e a lib e r ta ç ã o
c ó s m ic a d a c r ia ç ã o d o ju g o d o p e c a d o , d a m o r t e , d o m a l, d a v io lê n c ia
e d a o p r e s s ã o fo i a s s e g u r a d a . “ D e s s a p e r s p e c tiv a , s o m o s a d v o g a d o s d e
Deus, a n te s d e s e rm o s a d v o g a d o s d e outros.” * S o m o s advogados de D eus
n o m u n d o . S o m e n te q u a n d o n o s d a m o s c o n t a d is s o é q u e r e a lm e n te te -
m o s a lg u m a e s p e r a n ç a q u a n t o a o s o u tr o s - e q u a n t o a n ó s m e s m o s - q u e
ja z e m s o b a e s c r a v id ã o d o p e c a d o s is te m á tic o n a q u a l n ó s m e s m o s , q u e -
r e n d o o u n ã o , ta lv e z p a r tic ip e m o s .
N a m in h a p r ó p r i a e x p e r iê n c ia , t e n h o s id o e s m a g a d o p e lo z e lo d e cris-
tã o s de o u tr a s p a r te s d o m u n d o p e la v e r d a d e d o e v a n g e lh o . C a tiv a d o s p e lo
e v a n g e lh o m a is d o q u e p e la s u a c u l t u r a o u p o r s e u m e r c a d o d e m o g r á f i-
c o , e le s e s tã o c o n c e n t r a d o s n a m e n s a g e m e n a m is s ã o q u e C r is to e n tr e -
g o u . E les r e s is te m - d e m o d o t o ta lm e n te e x p líc ito - à s t e n ta tiv a s d e c r ia r
c r is tia n is m o s n a tiv o s . E les fic a m e n c o le r iz a d o s e m fa c e d a s s u g e s tõ e s , ge-
r a ím e n te v in d a s d e n o r te - a m e r ic a n o s e d e e u r o p e u s , p a r a d e s e n v o lv e re m
u m a “ te o lo g ia a f r i c a n a ” , u m a “ te o lo g ia b r a s il e i r a ” , e a s s im p o r d ia n te .
E les q u e r e m se r e v a n g e lis ta s a f r ic a n o s e b r a s ile ir o s d a “ fé d e u m a v ez p o r
t o d a s c o n f ia d a a o s s a n t o s ” . E s ã o a s ig re ja s d e le s q u e e s tã o c r e s c e n d o .
P a r a s e r h o n e s to , d e c la ro -m e u m t a n t o c é tic o a c e rc a d e q u e m q u e r q u e
se a r r o g u e f a la r e m n o m e d e u m g r u p o p a r tic u la r , p r in c ip a lm e n te d e u m a
r a ç a , d e u m a c o m u n id a d e é tn ic a o u d e d e te r m in a d o g ê n e r o . N ã o a c r e d i-
to q u e J a m e s C o n e fa le p e lo s a f r o - a m e r ic a n o s m a is d o q u e T. D . J a k e s . ‫־‬i'
O d é b i t o d e C o n e p a r a c o m K a r l M a r x e p a r a c o m o t e ó l o g o l i b e r a l-
-e x is te n c ia lis ta P a u l T illic h é t ã o e v id e n te c o m o o d é b ito d e J a k e a A d a m
S m ith e a K e n n e th C o p e la n d . M u i t o s c r is tã o s e líd e re s d a ig r e ja q u e c o -
n h e ç o n a A m é r ic a C e n tr a l e n a A m é r ic a d o S u l s ã o m a is c r ític o s d o q u e
e u q u a n t o a te ó lo g o s d a l i b e r ta ç ã o c o m o G u s ta v o G u tié r r e z . Q u e m e s tá
q u a lif ic a d o p a r a e s c r e v e r u m a “ te o lo g ia a s i á t i c a ” ? A o r t o d o x i a c r is tã é
m o d e l a d a p o r u m a lo n g a c o n v e r s a ç ã o e n tr e p e s s o a s d o O r i e n te M é d io ,
d o n o r t e d a Á fr ic a e d a E u r o p a . E ssa o r t o d o x i a e s tá s e n d o e n r iq u e c id a e
le v a d a a p r o g r e d i r p o r c r is tã o s d a Á s ia , d a A m é r ic a L a tin a , d o r e s to d a
Á f r ic a e d e o u t r o s lu g a r e s . P o r q u e o s c r is tã o s d e s s e s p a ís e s h a v e r ía m d e
s e r m a is a b e r to s p a r a m o ld a d o r e s d a c u l t u r a e u r o p e ia c o m o M a r x , D u r-
k h e im e M o l t m a n n d o q u e p a r a e s s a h e r a n ç a c u l t u r a lm e n t e m a is a m p la
e m a is r ic a d a o r t o d o x i a ?
O m e s m o é v e r d a d e ir o q u a n t o à s te o lo g ía s f e m in is ta s . N ã o n o s a tr e -
v e m o s a fa z e r o u v id o s m o u c o s p a r a o c la m o r d a s n o s s a s ir m ã s q u e lu ta m
c o n t r a a in ju s tiç a , e a s s u a s e x p e riê n c ia s n o s a ju d a m a r e c o n h e c e r p re s s u -
p o s iç õ e s c u ltu r a is q u e d is to r c e m a P a la v r a d e D e u s . M a s , a “ e x p e r iê n c ia
d a s m u l h e r e s ” é m o n o lític a , o u m u ita s v e z e s n ã o p a s s a d e u m a v a r ia ç ã o
d e u m a id e o lo g ia d e s e n v o lv id a p r i m a r i a m e n te p o r h o m e n s c o m o M a r x ,
F r e u d e L a c a n ? E , n a m e d i d a e m q u e se t r a t a d e u m a “ e x p e r iê n c ia d a s
m u l h e r e s ” , n ã o p o s s o e u , c o m o u m s e r h u m a n o m a s c u lin o p r iv ile g ia d o ,
m a n tê - lo a u m b r a ç o d e d is tâ n c ia p a r a e s tu d á - lo c o m a p lic a d a o b je tiv i-
d a d e , sem te r de tr a ta r d o a s s u n to c o m o se n d o a p re o c u p a ç ã o d e u m a
ir m ã q u e r e c la m o u a lg o d e m im ? S e ria m a is g e n u in a m e n te p ó s - m o d e r n o *

* James Hal Cone (1938— ) é um teólogo norte-americano defensor de uma teolo-


gia afro de libertação. Thomas Dexter “T. D.” Jakes, Sr. (1957— ) é pastor de uma
megaigreja de 30 mil membros com diversos empreendimentos e notável receita. São
exemplos de extremos marxistas e capitalistas (N. do E.).
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS ‫ ו‬37

q u e s t i o n a r a s a le g a ç õ e s t o t a l iz a n t e s d e ta is id e o lo g ia s . P e lo m e n o s p a r a
o s c r is tã o s , o o b je tiv o d e d e s c o b r ir o s n o s s o s ó c u lo s c u l t u r a is p a r tí c u la -
re s c o n s is te e m o l h a r através d e le s , n ã o a p e n a s p a r a eles. À m e d id a q u e
fic a m o s m a is c ie n te s d a s n o s s a s te n d ê n c ia s s a d ia s e n ã o s a d ia s , fic a m o s
m a is b e m c a p a c i t a d o s p a r a le r m a is fie lm e n te a P a la v r a d e D e u s ju n to s .
Se a s te o lo g ía s c o n s e r v a d o r a s d o O c id e n te r e f le te m e m g r a n d e p a r te
u m a lo c a liz a ç ã o c u l t u r a l d a c la s s e m é d ia , a s te o lo g ía s lib e r a is f r e q u e n -
te m e n te s ã o m a is c o n d e s c e n d e n te s e m s e u im p e r ia lis m o . O b s e r v e m o s o
a n g lic a n is m o m u n d ia l. O q u e a c o n te c e q u a n d o a s ig re ja s a f r ic a n a s q u e -
re m s e r m a is fiéis à E s c r itu r a d e u m m o d o q u e r e a lm e n te a s lig a a m u ito s
c r is t ã o s a t r a v é s d e t o d o s o s te m p o s e lu g a r e s , m a is d o q u e s u c e d e c o m
o s s e u s c o le g a s a n g lic a n o s d a I n g l a t e r r a e d a A m é r ic a d o N o r t e ? C lé ri-
g o s lib e r a is c o m o o b is p o J o h n S p o n g , d o s E s t a d o s U n id o s , o s a c u s a m
d e s e r e m r e t r ó g r a d o s , p r im itiv o s e in s u f ic ie n te m e n te e m a n c i p a d o s ( p o r
p e s s o a s c o m o ele) d o se u p a s s a d o c o lo n ia l.9 A lig a ç ã o c o m o c r is tia n is m o
h is tó r ic o é “ p r i m i ti v a ” o u ta lv e z “ c o l o n i a l ” , a o p a s s o q u e , a p a r e n te m e n -
te , a s c u l t u r a s e o s d o g m a s d a s a c a d e m ia s o c id e n ta is lib e r a is c o n s titu e m
o m o d o e m q u e a s c o is a s d e v e r ía m ser.
C o m o W r ig h t s u g e r e , o s c r is tã o s s ã o p r im e ir a m e n te e a c im a d e t u d o
advogados de Deus·, s u a m is s ã o , s e u r e in o , s u a v o n t a d e e s e u e v a n g e lh o .
D ific ilm e n te a n o s s a e r a é a p r i m e i r a n a q u a l o s c r is tã o s tê m tid o d e d e -
d ic a r s é r ia r e f le x ã o a o e v a n g e lh o e a o c o n t e x t o c u l t u r a l d e le s . A t e n s ã o
c a u s a d a p e la p r o c la m a ç ã o d o e v a n g e lh o n u m a m b ie n te p l u r a l i s t a é t ã o
v e lh a c o m o a p r ó p r i a ig re ja . Is ra e l lu to u c o m e ssa te n s ã o q u a n d o s u a c a -
p itu la ç ã o a o s íd o lo s d o s s e u s v iz in h o s o le v o u f in a lm e n te a o e x ílio . E r a
■jma t e n s ã o b e m c o n h e c id a p e lo s p r im e ir o s c r is tã o s . T o d a v ia , fo i s u a fé
:m “ u m só S e n h o r, u m a só fé, u m só b a t i s m o ” q u e o s u n iu , c h a m a n d o -
-o s a d e s is tir e m d a s s u a s q u e r id a s lo c a liz a ç õ e s é tn ic a , s o c io e c o n ó m ic a e
« e g ê n e r o c o m o s u p r e m a s e n o r m a t i v a s p a r a a id e n t i d a d e d e le s.
A h e r m e n ê u tic a p ó s - m o d e r n a n o s f o r n e c e u u m a t e r a p i a ú til c o n t r a a
a r r o g â n c ia m o d e r n is ta d o O c id e n te p ó s - I lu m in is m o . C o n tu d o , se v o u se r
= b e rto d a s m in h a s i n t e r p r e ta ç õ e s d is to r c id a s , n ã o h á e s p e r a n ç a n o f a ta -
‫ ס ו ו זי ג‬q u e d iz q u e n ã o h á n e n h u m te x t o , n a d a q u e e s te ja f o r a d a s n o s s a s
- r e r p r e t a ç õ e s p a r a ju lg á - la s e c o r r ig i- la s . O u t r a v e z W r ig h t n o s a j u d a
■%este p o n to :

Onde a hermenêutica missional se separa da pós-modernidade ra-


dical é na sua insistência de que, ao longo de toda essa variedade,
localidade, particularidade e diversidade, a Bíblia é, no entanto, a
história. É assim que é. Essa é a grande narrativa que constitui a
verdade para todos. E dentro dessa história, como narrada ou an-
tecipada pela Bíblia, há trabalhando o Deus cuja missão é evidente
da criação à nova criação... Essa é a história universal que dá lugar
a todas as pequenas histórias.10

E s s a g r a n d e n a r r a t i v a é a t r a m a q u e le v a d a e x i s t ê n c ia “ e m A d ã o ”
p a r a a e x is tê n c ia “ e m C r i s t o ” .
“ E m A d ã o ” e s to u e n c e r r a d o e m m im m e s m o , n a m in h a p r ó p r i a id e n -
t id a d e . A té m e s m o a s o u t r a s p e s s o a s q u e p e r te n c e m a o m e u c ír c u lo s ã o
a c e s s ó r io s d o m e u n a r c i s is m o , n u t r i n d o m e u s e s tr e ito s a n s e io s , a s p i r a -
ç õ e s , id e n tid a d e s e e s c o lh a s . “ E m C r i s t o ” , p o r é m , s o u u m a p e s s o a a b e r -
ta , c h a m a d a p a r a f o r a d o m e u c a s u lo n a in te r io r id a d e p a r a a c e ita r o u tr o s
- d e f a to , a té m e s m o e s t r a n h o s - q u e D e u s t o r n o u m i n h a n o v a f a m ília .
S e ja “ e m A d ã o ” o u “ e m C r i s t o ” , t o d o s s ã o p e r s o n a g e n s d e s s e d r a m a
e m d e s d o b r a m e n t o . O c h a m a d o p a r a p r e g a r o e v a n g e lh o a t o d o o m u n -
d o p r e s s u p õ e n ã o a p e n a s u m a ir r e d u tív e l p lu r a lid a d e , m a s t a m b é m u m a
u n id a d e fu n d a m e n ta l d a ra ç a h u m a n a .

G e n u ín a c a t o l ic id a d e

H á s o m e n te u m e v a n g e lh o , q u e é “ o p o d e r d e D e u s p a r a s a lv a ç ã o d e t o d o
a q u e le q u e crê: p r im e ir o d o ju d e u e ta m b é m d o g r e g o ” (R m 1 .1 6 ). P o r q u e
h á s o m e n te u m e v a n g e lh o , h á s o m e n te u m a ig re ja . Católico sig n ifica “ u n i-
v e r s a l” , m a s p a r a o s c r is tã o s o te r m o se re fe re e s p e c ífic a m e n te à u n id a d e
d e t o d o s o s c r e n te s d e t o d o s o s te m p o s e d e to d o s o s lu g a re s n o c o r p o d e
C ris to . R e fle tin d o o D e u s t r in o q u e c o n f e s s a m o s , e ssa c a to lic id a d e c o n s is -
te d e uma unidade de fé numa pluralidade de vozes. C a to lic id a d e n ã o sig-
n ific a m u ito s tip o s d e fé o u m u ito s e v a n g e lh o s , m a s , a n te s , m u ito s s a n to s
d e m u ito s te m p o s e lu g a re s q u e o u v e m e fa la m a P a la v r a d e D e u s ju n to s .
S o u o b r ig a d o , c o m o u m c a lif o r n ia n o n a tiv o b r a n c o , n a s c id o e m 1 9 6 4 ,
n u m a fa m ília d a c la sse m é d ia b a ix a , a in te r p r e ta r a B íb lia ju n to c o m m e u s
ir m ã o s e ir m ã s a f r o - a m e r ic a n o s , la tin o s e a s iá tic o s n a m in h a ig re ja lo c a l
t o d o D ia d o S e n h o r. N o e n t a n t o , m a is é r e q u e r i d o . M i n h a ig re ja lo c a l é
u m m ic r o c o s m o d e t o d o o c o r p o d e C r is to a tr a v é s d e t o d a s a s e r a s e c u l-
t u r a s . P r e c is a m o s lig a r a s n o s s a s i n t e r p r e t a ç õ e s à f a m ília d e D e u s e s p a -
l h a d a p e lo s se te c o n tin e n te s e p o r tr ê s m ilê n io s .
U m a fé c o m u m é u m a a m e a ç a m a io r à s n o s s a s q u e r id a s lo c a liz a ç õ e s d o
q u e o s ã o as te o lo g ía s c o n te x tu á is . P o s s o a c h a r in te re s s a n te u m a “ te o lo g ia
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS ‫ ו‬39

la t i n o - a m e r ic a n a ” , m a s s o u u m in tr u s o . P o s s o to m á - la o u d e ix á - la . U m a
c o is a c o m p l e t a m e n t e d if e r e n te é se i r m ã o s e ir m ã s e s tã o c o n f e s s a n d o a
fé d e se u s d if e r e n te s s u b s t r a t o s a m b ie n ta is , s o c ia is e c u ltu r a is . A g o r a e u
s o u ta m b é m a lg u é m q u e e s tá d e n tr o , e s o u o b r ig a d o n ã o s o m e n te a o u v ir
e ssa s v o z e s , m a s a o u v ir c o m e les a v o z d e D e u s . S o m o s o b r ig a d o s a c u l-
t u a r ju n t o s , a o r a r ju n to s , a e s t u d a r ju n to s e a v iv e r ju n to s s o b a P a la v r a
d e D e u s . N ã o n o s é p e r m i t i d o m a is a c e i t a r o aparteide q u e p re d o m in a
n a s ig re ja s s u b u r b a n a s e n a s ig re ja s n e g r a s d o c e n tr o d a c id a d e , c o n g r e -
g a ç õ e s p a r a jo v e n s e p a r a v e lh o s (a té m e s m o d if e r e n te s c u lto s d e b a ix o d o
m e s m o te to ) e a q u e le s q u e h a s te ia m b a n d e ir a s e a q u e le s q u e a s q u e im a m .
A u n i d a d e p r o d u z i d a p e lo e v a n g e lh o n o c o r p o d e C r i s t o é d e s c o n f o r tá -
vel. C a d a q u a l te m d e d e s is tir d o se u “ d i r e i t o ” d e p r iv ile g ia r s u a c u ltu r a ,
s u a g e r a ç ã o , s u a p o lític a o u o p e rfil c o n s u m is ta e m f a v o r d o e v a n g e lh o .
Se n ã o h á n a r r a tiv a a lé m d a s n o s s a s h is tó r ia s lo c a is e p e s s o a is e m c o m -
p e tiç ã o , e n tã o d e q u e a d i a n t a o u v ir u n s a o s o u tr o s ? P o r q u e d e v e m o s a té
te n ta r c h e g a r a u m acordo , se s ó e x is te m “ te o lo g ía s c o n t e x t u á i s ” , e n ã o
u m a fé c o m u m ? Se o m e s m o e v a n g e lh o n ã o p o d e s e r e n t e n d i d o e a c e ito
p o r p e s s o a s d e t o d o s o s te m p o s e lu g a r e s , is s o s ig n ific a q u e C r i s t o n ã o
a s s u m iu a h u m a n i d a d e , m a s , n o m á x i m o , u m a p e s s o a o u r a ç a p a r ti c u -
la r; n e s s e c a s o , e le n ã o s e r ia o S a l v a d o r d o m u n d o , e s u a P a l a v r a e s e u
E s p ír ito n ã o t e r ia m a d e n t r a d o n e m p o s t o té r m i n o à p r e s e n te e r a c o m o s
p o d e r e s tr a n s c e n d e n t a i s d a e r a p o r vir.
A i n j u n ç ã o q u e r e q u e r m e r a p o lid e z p a r a c o m “ o o u t r o ” é d if e r e n te
d o c h a m a d o a t o d o s o s c r is tã o s , d e t o d a p a r t e , a o u v ir e m o e v a n g e lh o e
a le re m a B íb lia ju n to s , c o m o o c o r p o d e C r is to . A is s o p r e c is a m a t e n t a r
a m in h a p r ó p r ia c o m u n id a d e : a s I g r e ja s R e f o r m a d a s e P r e s b ite r ia n a s . À s
v e z e s, n o s r e f e r im o s à n o s s a c o n f is s ã o c o m o “ a fé r e f o r m a d a ” . C o n t u -
d o , n ã o e x is te t a l c o is a . H á a p e n a s a fé cristã. A s I g r e ja s R e f o r m a d a s e
P r e s b ite r ia n a s fiéis a c e ita m o s c r e d o s e c u m ê n ic o s e a s n o s s a s c o n f is s õ e s
e c a te c is m o s c o m o u m p a d r ã o s e c u n d á r io p a r a a n o s s a fé e p r á ti c a . E les
só t ê m a u t o r i d a d e p o r q u e r e s u m e m o e n s in o c e n tr a l d a s E s c r it u r a s c a -
n ô n ic a s , q u e c o m p a r t il h a m o s c o m t o d o s o s c r e n te s .
T e r c r e d o s e c o n f is s õ e s e s tá lo n g e d e s e r le g a lis m o . O f a to é q u e s ã o
a s c o n f is s õ e s q u e n o s im p e d e m d e t o r n a r - n o s e x c e s s iv a m e n te e s tr e ito s .
A s c o n fis s õ e s r e f o r m a d a s , p o r e x e m p lo , t r a t a m d e t o d o o a lc a n c e d a fé e
p r á tic a c r is tã , n ã o a p e n a s d e u m a s p o u c a s d o u t r i n a s . E , p o r é m , e la s n ã o
e x ig e m s u b m is s ã o q u a n t o a q u e s tõ e s d iv is ó r ia s , q u e a t u a l m e n t e m u ito s
c r is tã o s c o n s id e r a m f u n d a m e n ta is .
140

M u i t a s v e z e s o u ç o a p e r g u n t a : “ C o m o p o d e u m d o c u m e n t o e s c r ito
p o r e u r o p e u s d o n o r t e d o s s é c u lo s 1 6 e 1 7 c o n s t i t u i r a nossa c o n f is s ã o
h o j e ? ” M a s , q u a n d o d e f a to le m o s esse s d o c u m e n to s , v e m o s q u e e les re -
fle te m a s a b e d o r ia a c u m u la d a d e ig re ja s e s p a lh a d a s p o r m u ito s s é c u lo s e
e m m u ito s lu g a re s d ife re n te s . C e r ta m e n te é v e r d a d e q u e eles n ã o s ã o a c u l-
t u r á is o u a te m p o r a is , m a s s ã o tr a n s c u ltu r a is , e s u s te n ta m a ig re ja a tr a v é s
d e t o d a s a s g e r a ç õ e s . E le s n o s e n s in a m q u e o p r i n c i p a l fim d a c r ia ç ã o é
“ g lo r if ic a r a D e u s e g o z á - lo p a r a s e m p r e ” , e q u e a n o s s a “ ú n ic a c o n s o -
la ç ã o n a v id a e n a m o r t e ” é q u e p e r te n c e m o s a C r is to , q u e n o s s a lv o u e
q u e n o s p r e s e r v a a té o fim . Q u e o s c ila ç ã o s ís m ic a d a n o s s a c u l t u r a to r -
n a e s s a s v e r d a d e s fa ls a s o u in c o m p r e e n s ív e is p a r a p e s s o a s c o m o n ó s n o s
d ia s a tu a is ? Se a lg o p o d e s e r d i t o , o s n o r t e - a m e r i c a n o s p r e c is a m o u v ir
e s ta m e n s a g e m c e n tr a d a e m D e u s e f o c a liz a d a e m C r is to m a is q u e n u n c a .
E s s a s v e r d a d e s n ã o s ã o i r r e le v a n te s o u in c o m p r e e n s ív e is p a r a n ó s h o je ;
e la s s e m p r e f o r a m o f e n s iv a s p o r c o n t r a d i z e r e m a s a b e d o r i a d o m u n d o .
A p r e n d e m o s - e c o n f e s s a m o s - q u e h á u m s ó D e u s e m tr ê s p e s s o a s , u m
só C r is to e m d u a s n a t u r e z a s , e q u e e s te D e u s e s c o lh e u , r e d im iu , c h a m o u
e ju s tif ic o u p e c a d o r e s ; e le e s tá n o s s a n tif ic a n d o ; e u m d ia ele v a i n o s g lo -
rific a r. Se é v e r d a d e q u e A b r a ã o fo i ju s tif ic a d o p e la g r a ç a s o m e n te , p o r
m e io d a fé s o m e n te , e m C r is to s o m e n te , c o m o J e s u s e o s a p ó s to lo s te s ti-
fic a m , e n t ã o is s o e r a c e r to e m 1 5 6 1 e é c e r to n o te r c e ir o m ilê n io .
E m b o r a s e ja m o s m a is p r o p r i a m e n t e s e n s ív e is à s p r e s s u p o s iç õ e s c u l-
t u r á i s , n ã o o b s t a n t e p r e c is a m o s m a is d e te o lo g ía s c a to liz a d a s d o q u e d e
t e o l o g í a s c o n t e x t u a l i z a d a s . P r e c is a m o s d e u m a fé e p r á t i c a q u e s e ja m
d e t e r m in a d a s p e la P a la v r a d e D e u s n o s t e r m o s e m q u e é i n t e r p r e t a d a e
c o n f e s s a d a p o r m u ito s c r is tã o s fiéis a tr a v é s d e m u ito s t e m p o s e lu g a r e s .
S in to - m e m a is à v o n ta d e n a ig re ja s o c ia lm e n te , g e r a c io n a lm e n te e p o liti-
c a m e n te m is ta d a q u a l s o u u m m in is tr o d o q u e n u m a r e u n iã o d e fa m ilia .
M a s is s o s ó a c o n te c e p o r q u e o s a n g u e d e C r is to é m a is d e n s o d o q u e o
d a p a r e n te la . C o m p a r t i lh a m o s u m a só fé, u m só S e n h o r, u m s ó b a tis m o .
N a s ig r e ja s n o r t e - a m e r i c a n a s d e h o je , m u ita s v e z e s o s c r e n te s v iv e m
e m c o n t e x t o s e x t r a o r d i n a r i a m e n t e e s tr e ito s e h o m o g ê n e o s . N a d é c a d a
d e 1 9 7 0 o c h a m a d o p r i n c í p i o d o c r e s c im e n to h o m o g ê n e o d a ig r e ja e r a
d e f e n d id o a té c o m o u m a e s tr a té g ia m is s io n á r ia . C o m o s o m o s d iv id id o s
n ã o s o m e n te p o r r a ç a , e t n i a e p o lític a , m a s c a d a v e z m a is p o r g e r a ç ã o ,
e s tilo m u s ic a l e d e m o g r a f ía s s o c ia is , o id e a l a p o s tó lic o d e r ic o s e p o b r e s ,
jo v e n s e a d u l t o s , e s c r a v o s e liv re s r e u n id o s n o b a tis m o e à m e s a e s tá se
r e n d e n d o à f a ls a c a to lic id a d e d o m e r c a d o .
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 141

N ã o h á d ú v id a d e q u e a h e g e m o n ia é tn ic a d e v e -se , às v ez es, a b a r-
r e ir a s lin g u ís tic a s d e i m ig r a n t e s d e p r i m e i r a g e r a ç ã o . N o e n t a n t o , q u e
a c o n te c e q u a n d o é a s e g u n d a , a te r c e ir a e a q u a r t a g e r a ç õ e s d e m e m b r o s
q u e c o n s is te m p r i n c i p a l m e n t e d e u m g r u p o é tn ic o ? P o d e m o s r e a lm e n -
te d iz e r q u e a ig r e ja n e g r a o u a ig r e ja s u b u r b a n a c o n s t i t u íd a e m g r a n d e
p a r t e d e b r a n c o s , u m a ig r e ja l u t e r a n a s u e c a , u m a ig r e ja p r e s b i t e r i a n a
c o r e a n a o u u m a ig r e ja r e f o r m a d a h o l a n d e s a , é t ã o s a u d á v e l q u a n t o p o -
d e r ia s e r se fo s s e m e n o s f o c a l i z a d a n a e tn ia , n a c u l t u r a e n a p o l í ti c a d o
q u e n o e v a n g e lh o ? C o m o u m m ic r o c o s m o d a I g r e ja C a tó lic a , c a d a ig re ja
lo c a l d e v e r ia r e f le tir a d i v e r s id a d e d o c o r p o d e C r is to . U m a ig r e ja s e m
p e s s o a s m a is v e lh a s é t ã o i m a t u r a q u a n t o u m a ig r e ja s e m jo v e n s é m o -
r i b u n d a . Q u a n d o u m a ig r e ja é c o n s t i t u íd a p r i m a r i a m e n te d e r ic o s o u d e
p o b r e s , a lg o e s tá f a lt a n d o . C a d a D ia d o S e n h o r d e v e s e r c o m o o N a t a l ,
c o m t r o c a d e p r e s e n te s o u d o n s q u e D e u s n o s d á p a r a s e r e m c o m p a r t í-
lh a d o s u n s c o m os o u tro s .
N o s s a s ig re ja s “ c o n t e x t u a l i z a d a s ” d e m o g r á f ic a m e n te c o n s t i t u íd a s d e
n ic h o s s ã o m a is h o m o g ê n e a s - n a r e a lid a d e , m a is e s tr e ita s - d o q u e u m a
ig r e ja d e t r a d i ç ã o c o n f e s s io n a l. A d e s p e ito d e t o d a a s u a c r ític a p e r s p i-
c a z a o c o n s u m i s m o d a m e g a ig r e ja , o m o v i m e n to e m e r g e n te é d ir i g i d o
m a is p o r u r b a n i s t a s d a A m é r ic a d o N o r t e , b r a n c o s , e m e r g e n te s s o c ia l-
jazz e m ú s ic a indie à m u s ic a country o u t r a n q u i l a ,
m e n te , q u e p r e f e r e m
e co m p ra r em boutiques e m v ez d e n o W a lm a r t. T o n y J o n e s a d m ite : “ A s
ig re ja s e m e r g e n te s s ã o p r e d o m in a n te m e n te b r a n c a s , p e lo m e n o s a té h o je
n o m o v i m e n to a i n d a jo v e m . T ã o b r a n c a s , d e f a to , q u e o j o r n a l r e lig io -
so s a tír ic o The holy observer, u m a v e z p u b l i c o u u m a h i s t ó r i a i n t it u l a d a
‘F r ig h te n e d b la c k fa m ily flees e m e r g e n t c h u r c h ’ [‘F a m ilia n e g r a a te m o r i-
z a d a fo g e d a ig re ja e m e r g e n te ’] ” .11 V isite i a p e n a s a lg u n s g r u p o s e m e r g e n -
te s, m a s n ã o v i m u ito s p a is e filh o s c u l t u a n d o ju n to s , m u i to m e n o s a v ó s .
U m s u je ito d e m e ia - id a d e o r i u n d o d e O k l a h o m a p o d e r í a s e n tir - s e f o r a
d e lu g a r n u m a ig re ja d e s s a s , c o m o se s e n tir ía f o r a d e lu g a r n u m mitzvah
n a p a r t e m a is r ic a d e M a n h a t t a n .
Se o ím ã d a n o s s a u n i d a d e f o r a a f in id a d e c u l t u r a l e n ã o a P a la v r a , o
b a tis m o e a e u c a ris tia , o aparteide* e c le sial c o n tin u a r á a f r a c io n a r a ig re ja

* Na língua original, “ apartheid” (pronuncia-se aparteide), expressão que se referia à


política de não reconhecimento dos direitos civis das populações negras e mulatas da
África do Sul. As diferenças raciais eram apenas pretexto. A sede de poder e a cobi-
ça das enormes riquezas do país estavam na origem do “ desenvolvimento separado”
(N. do E.).
142

v isív e l. C a d a ig r e ja s e r á u m c ír c u lo d e a m ig o s , m a is d o q u e u m a c o m u -
n h ã o d e s a n to s . T o n y J o n e s p a r e c e ju s tif ic a r e ssa s u s p e ita q u a n d o escrev e:

Enquanto os agrupamentos de cristãos são ou conjuntos interliga-


dos (p. ex., o catolicismo romano ou o presbiterianismo - você sabe
que está dentro ou fora com base na sua presença no rol de mem-
bros), ou conjuntos centralizados (p. ex., o evangelicalismo, que se
concentra em certas crenças centrais), os cristãos emergentes não
têm nem rol de membros nem doutrina que os mantenham juntos.
A cola é o relacionamento. Isso torna difícil indicar com exatidão
o que realmente o emergente é. À pergunta: “ O que vocês têm em
comum?” , a resposta mais provável é: “ Somos amigos” .12

N e s s a a b o r d a g e m (c o m o e m o u tr a s ) , a ig re ja é d e f in id a m a is p e lo c o n -
te ú d o c o m u m d o s iP o d s d o s se u s m e m b r o s d o q u e p o r u m a fé c o m u m . A
ig re ja to r n a - s e m e n o s a c a s a d e D e u s d o q u e a c a s a d e u m líd e r d e g r u p o
e se u s a m ig o s . S e ria p o r isso q u e to d o s eles p a r e c e m s e r t ã o s e m e lh a n te s ?
E m c o n tr a s te , o e v a n g e lh o c r ia u m a c o m u n id a d e m u ltig e r a c io n a l, m u i-
tié tn ic a e m u ltin a c io n a l d e p e c a d o r e s p e r d o a d o s e r e n o v a d o s , c u ja u n iã o
c o m C r is to e c u ja c o m u n h ã o e m s u a P a la v r a e e m se u s s a c r a m e n to s fa z
d e le s a f a m ília m a is e s t r a n h a e m a is m a r a v ilh o s a d o m u n d o .
T e n h o g ra n d e s a m iz a d e s c o m n ã o c r is tã o s , b e m c o m o c o m irm ã o s
c r e n te s e m C r i s t o . N o e n t a n t o , a comunhão no evangelho é c o m p le ta -
m e n t e d i f e r e n t e . D if ic ilm e n te v a l e r á a p e n a a l e r t a r a m í d ia q u a n t o a o
a n ú n c i o d e a m ig o s q u e se r e ú n e m . M a s a ig r e ja se t o r n a r e a l m e n t e in -
t e r e s s a n t e q u a n d o j u d e u s e g e n tio s se a p r e s e n t a m e se v e e m c o m o u m
só p o v o c o n s t i t u íd o a d e s p e ito d e le s m e s m o s , q u a n d o n e g r o s e b r a n c o s
c o m p a r t il h a m d e u m c á lic e c o m u m e q u a n d o r e p u b lic a n o s e d e m o c r a ta s
se in c e n tiv a m m u t u a m e n t e a v iv e r e m d e a c o r d o c o m a fé d a q u a l te s te -
m u n h a r a m n o b a t i s m o e e n s in a m o c a te c is m o a o s filh o s u n s d o s o u t r o s
d e p o is d o c u lto .
P o r m a i s d iv is õ e s q u e h a j a e n t r e a s d e n o m i n a ç õ e s p r o t e s t a n t e s , a s
c o n f is s õ e s t r a d ic io n a is e s tã o n o m ín im o lig a d a s a o c o r p o m a is a m p lo d e
C r i s t o a tr a v é s d a s g e r a ç õ e s e d a s c u l t u r a s . U m a c o n f is s ã o c o m u m c o n -
t r a s t a a g u d a m e n t e c o m a s e s tr e ita s e x p e r iê n c ia s e in f lu ê n c ia s d e m o v í-
m e n to s m o tiv a d o s c u ltu r a lm e n te .
O aparteide d a Á fr ic a d o S u l p o d e s e r v ir c o m o u m a h is tó r ia p a r a n o s
a c a u t e l a r q u a n t o a is s o . D e a c o r d o c o m a lg u n s d o s p r i n c i p a is te ó lo g o s
q u e d e s a f ia r a m esse s is te m a d e s e g r e g a ç ã o b a s e a d o e m q u e s tõ e s r a c ia is ,
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 143

e s s a s e g r e g a ç ã o d e s e n v o lv e u - s e a p a r t i r d e u m a e s t r a té g i a m i s s i o n á r i a .
D e a c o r d o c o m J o h n d e G ru c h y , a s ig re ja s r e f o r m a d a s n ã o e r a m s e g re g a -
d a s a té o s r e a v iv a m e n to s p e la s a n t i d a d e d o p r e g a d o r A n d r e w M u r r a y e
d e m is s io n á r io s p ie tis ta s d e m e a d o s d o s é c u lo 1 9 . “ F o i s o b a d o m in a ç ã o
d e s s e tip o d e e v a n g e liz a ç ã o ” , d iz d e G ru c h y , “ e n ã o d o c a lv in is m o e s tri-
t o d e D o r t , q u e a Ig r e ja R e f o r m a d a H o l a n d e s a , e m s e u S ín o d o d e 1 8 5 7 ,
c o n c o r d o u e m q u e a s c o n g r e g a ç õ e s p o d e r i a m d iv id ir -s e s e g u n d o lin h a s
r a c i a i s ” . E le a c r e s c e n ta :

Embora esse desenvolvimento tenha ido contra decisões sinodais


anteriores de que essa segregação da igreja era contrária à Pala-
vra de Deus, ele foi racionalizado com base na missiologia e na
necessidade prática. Missiologicamente foi argumentado que as
pessoas eram mais bem evangelizadas e cultuavam melhor a Deus
na sua própria língua e no seu próprio contexto cultural, posição
reforçada pela missiologia luterana alemã e de algum modo ten-
do afinidade com a filosofia do crescimento da igreja do nosso
próprio tempo.13

A “ filo so fia d o c r e s c im e n to d a ig re ja d o n o s s o p r ó p r io t e m p o ” , à q u a l
G r u c h y se r e f e r e , é o “ p r i n c í p i o d o c r e s c im e n to h o m o g ê n e o d a i g r e j a ” ,
d e s e n v o lv id o p r in c ip a lm e n te p o r D o n a ld M c G r a v a n . N e s s e m o d e lo m u n -
d ia lm e n te in flu e n te , o f a to s o c io ló g ic o d e q u e a s p e s s o a s g r a v ita m e m to r-
n o d e p e s s o a s q u e lh e s ã o s e m e lh a n te s t o r n o u - s e u m a ju s tif ic a tiv a p a r a
a s e g m e n ta ç ã o d e m e r c a d o d a s ig r e ja s .14
Q u a n d o p e r m itim o s q u e o u t r a c o is a q u e n ã o o e v a n g e lh o d e te r m in e
a id e n t i d a d e d a ig r e ja , a n o s s a m is s ã o to r n a - s e u m a e x te n s ã o d o s p o d e -
re s d a e r a a t u a l e m v e z d o ir r o m p e r d a e r a p o r vir. O r e s u lt a d o é q u e as
n o s s a s ig r e ja s fic a m p r i v a d a s d a q u e la g e n u í n a d iv e r s id a d e c u l t u r a l q u e
re fle te a n o v a c r ia ç ã o .
D e ix o p a s s a r c o is a s i m p o r t a n t e s , e x a g e r o o u t r a s e d is to r ç o a i n d a o u -
t r a s s im p le s m e n te p o r c a u s a d a m i n h a p r ó p r i a s o c ia liz a ç ã o . D e m o g r a -
f ic a m e n te , e u m e e n c a i x o m e l h o r n o p e r f il d a ig r e ja e m e r g e n te d o q u e
c o m m u ita s ig re ja s d a m in h a p r ó p r i a d e n o m in a ç ã o . N o e n t a n t o , p r e c is o
s e r m o l d a d o e d is c ip lin a d o p o r o u t r o s s a n to s d e d if e r e n te s a n te c e d e n te s ,
e x p e r iê n c ia s e g e r a ç õ e s q u e i n t e r p r e t a m a E s c r itu r a e a n o s s a c o n f is s ã o .
A c o m u n h ã o d o s s a n t o s a b r a n g e n ã o a p e n a s t o d o s o s c r e n te s a o r e d o r
d o m u n d o q u e v iv e m a t u a lm e n te , m a s ta m b é m a n u v e m d e te s te m u n h a s
q u e n o s p re c e d e ra m .
144

T r a n s f o r m a r a ig r e ja n u m c ír c u lo d e a m ig o s e d e f a m ília s e s te n d id a s
a c o n te c e ta m b é m n a s ig re ja s c o n s e r v a d o r a s . O q u e e s ta m o s d iz e n d o ac e r-
c a d o la ç o q u e n o s u n e q u a n d o a b a n d e ir a n o r te - a m e r ic a n a é h a s te a d a a o
la d o d o p ú l p i to , d a p ia b a tis m a l e d a m e s a ? O u q u a n d o substituímos os
s ím b o lo s d o s m e io s d e g r a ç a e s ta b e le c id o s p o r D e u s p o r u m ó r g ã o , u m
c o r a l o u u m c o n j u n t o d e lo u v o r ? A lg o m u d a . A c a to lic id a d e g e r a d a p o r
“ u m s ó S e n h o r, u m a s ó fé , u m s ó b a t i s m o ” r e n d e - s e à f a ls a c a to lic id a d e
q u e d iv id e n a ç õ e s , g e r a ç õ e s e c o n s u m id o r e s .
T r a z id a p a r a o s E s ta d o s U n id o s p o r im ig r a n te s h o la n d e s e s (n a m a io -
r ia d e p o is d a S e g u n d a G u e r r a M u n d ia l) , a d e n o m in a ç ã o d a q u a l s o u m i-
n i s t r o t e m m u i t a s ig r e ja s q u e e s t ã o e n t r i n c h e i r a d a s e m p e c u li a r i d a d e s
é tn ic a s . N i n g u é m d iz a “ e s t r a n h o s ” : “ V o c ê n ã o é b e m - v in d o a q u i ” . A o
c o n t r á r i o , te n h o v iv e n c ia d o t r e m e n d o c a lo r, e t e n h o o u v id o a m e s m a c o i-
s a d e o u tr o s v is ita n te s n ã o h o la n d e s e s . T o d a v ia , h á a lg o q u a n t o a o s m o i-
n h o s d e v e n to , a o s r i t u a i s é tn ic o s e a o s g r a c e jo s d o s q u e s ã o d e d e n t r o ,
à s “ c e ia s h o l a n d e s a s ” e a o u t r a s c e le b r a ç õ e s c o le tiv a s d a e tn ic id a d e q u e
p o d e m m u ito b e m s e r p r ó p r ia s p a r a u m c lu b e s o c ia l, m a s q u e e s tã o f o r a
d e lu g a r n a ig r e ja . Q u a n d o a s c o is a s s ã o ju s tif ic a d a s p o r q u e “ s e m p r e fi-
z e m o s a s c o is a s d e sse j e i t o ” , fa z -s e a p e r g u n ta : “ Q u e m s ã o esses ‘n ó s ’ d e
q u e m e s ta m o s f a l a n d o ? ” .
Se v o c ê n ã o fo i c r ia d o n o Jesus Moviment, p o d e t e r s e m e lh a n te s e n -
t i m e n t o d e a lie n a ç ã o n u m a ig r e ja q u e s u r g iu d u r a n t e ele . H o u v e t e m p o
e m q u e a r e u n iã o e r a “ a u t ê n t i c a ” , a i n d a q u e d o m i n a d a p o r u m a e s tr e i-
t a d e m o g r a f ía d e s u r f is ta s . C o n t u d o , o s a tu a is id o s o s surfistas-pró-Jesus
m u i t a s v e z e s s ã o v is to s c o m o u m c lic h ê p o r s e u s f ilh o s , q u e a g o r a fr e -
q u e n t a m a a g r e m ia ç ã o e m e r g e n te lo g o a li d e s c e n d o a r u a . H a v e r á a lg u -
m a r a z ã o p a r a se a c r e d ita r q u e isso v a i t o r n a r d ife r e n te s o s a ju n ta m e n to s
e m e r g e n te s ? “ M a m ã e , is s o c o s t u m a v a s e r le g a l, m a s n ã o é m a i s . ” T e n -
d o s u b i d o a o t o p o d o s g r á f ic o s , c a d a n o v o m o v i m e n to “ q u e r e in v e n t a
a i g r e j a ” a c a b a se t o r n a n d o t ã o a l i e n a n te , f o r a d a m o d a e c o m c r e s c i-
m e n t o f e c h a d o , v o l t a d o p a r a d e n t r o q u a n t o a s ig re ja s m a is t r a d i c io n a is
q u e e le s a b a n d o n a r a m a n o s a n te s . M u i t a s v e z e s , p e r it o s e m c r e s c im e n -
t o , c a t e q u i z a d o s p e l a a r t e d a p e s q u i s a d e m e r c a d o , d e f a t o e s t i m u la m
e s s a o b s o le s c ê n c ia p l a n e j a d a . Q u a n d o a f e s ta a c a b a , v o c ê se v ê d i a n t e
d e u m a e s c o lh a : o u r e i n v e n t a e r e la n ç a o s e u p r o d u t o , o u o d á p o r li-
q u i d a d o e se r e tir a .
A ig r e ja q u e J e s u s e s t á e d i f i c a n d o é u m m e io d a f id e lid a d e d e D e u s
“ d e g e r a ç ã o a g e r a ç ã o ” e “ p r o v é m d e t o d a t r i b o , p o v o , lín g u a e n a ç ã o ” .
UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS 145

E m v ez d a e x p lo r a ç ã o d a e s tr a té g ia d e m e r c a d o , q u e c o n s is te e m “ d iv id ir
e v e n c e r ” , a q u i v e m o s u m a s u c e s s ã o d a s b ê n ç ã o s p a c tu a i s p a s s a n d o d e
p a is p a r a f ilh o s . A q u i te m o s d e d a r a d e u s a o n o s s o n a r c is is m o e d e i x a r
q u e o e v a n g e lh o c r ie o t i p o d e e s t r a n h a c o m u n i d a d e q u e , p o r n ó s m e s -
m o s , n u n c a te r í a m o s c o n s e g u id o re u n ir.
Se a s s im é, s ig n ific a q u e p r e c is a m o s d e m e n o s te o lo g ía s contextuáis e
d e m a is te o lo g ía s católicas, d e s d e q u e v e r d a d e ir a m e n te c a tó lic a s : is to é,
c o m u n id a d e s in t e r p r e t a t iv a s r ic a s o b a s t a n t e p a r a f o r n e c e r m ú t u a c o r r e -
ç ã o e d is c e r n im e n to d a P a la v r a d e D e u s o r i u n d a s d o s d iv e rs o s c o n te x to s
d e d if e r e n te s te m p o s e lu g a r e s . A n o s s a lig a ç ã o c o m a m o d a d a c o n te x -
tu a liz a ç ã o , re c e io , e s tá te n d o n a v e r d a d e o e fe ito o p o s to a o a lm e ja d o . E m
v ez d e n o s t o r n a r m a is g e n u in a m e n te p l u r a i s , m u l tic u ltu r a is e d if e r e n te s
e m r iq u e z a , a c o n t e x t u a li z a ç ã o e s tá t o r n a n d o a s n o s s a s ig re ja s m a is c u l-
t u r a l m e n t e h o m o g ê n e a s e s e p a r a d a s u m a s d a s o u tr a s .
T o d o s n ó s t e m o s n e c e s s id a d e n ã o a p e n a s d e s e r e n r i q u e c i d o s p e la s
c o n trib u iç õ e s p a r tic u la re s de c a d a u m a d a s o u tra s in te rp re ta ç õ e s c o n -
te x tu a is , m a s ta m b é m d e se rm o s libertos d o s c a tiv e ir o s d a s n o s s a s d is -
to r ç õ e s lo c a is d o e v a n g e lh o , q u e p r e te n d e m q u e s o m e n te e la s p o s s u e m a
v e r d a d e u n iv e r s a l v á lid a p a r a t o d o s n ó s . N a a d o r a ç ã o c e le s tia l d e s c r ita
e m A p o c a lip s e 5 .9 - 1 0 , e ssa c a to lic id a d e ú ltim a e s u p r e m a to r n a - s e a v is ã o
p a r a a s n o s s a s r e a liz a ç õ e s p a r c ia is a q u i e a g o r a . N a q u e l a c e n a , o fo c o d a
a d o r a ç ã o n ã o s ã o o s p o b r e s o u o s r ic o s , o s p r iv ile g ia d o s o u o s m a r g in a -
fiz a d o s , o s o r i e n t a is o u o s o c id e n ta is , m a s o C o r d e i r o . O r d e n a d a m e n te
d is p o s to s a o r e d o r d o t r o n o , o s e le ito s c a n ta m : “ D ig n o és d e t o m a r o li-
v ro e d e a b r ir - lh e s o s s e lo s , p o r q u e f o s te m o r t o e c o m o te u s a n g u e c o m -
p r a s te p a r a D e u s o s q u e p r o c e d e m d e t o d a t r i b o , lín g u a , p o v o e n a ç ã o e
p a r a o n o s s o D e u s o s c o n s t i t u ís t e r e in o e s a c e r d o te s ; e r e i n a r ã o s o b r e a
t e r r a ” . N o p r ó x i m o c a p ít u l o e x p l o r a r e m o s o q u e s ig n ific a p a r a n ó s ser-
m o s fe ito s u m “ r e in o d e s a c e r d o t e s ” p a r a o n o s s o D e u s .
5
O objetivo
“Fazei discípulos”

e a c o r d o c o m in ú m e r o s e s tu d o s , a m a i o r i a d o s n o r t e - a m e r i c a n o s
se c o n s i d e r a “ e s p ir itu a l, m a s n ã o r e li g i o s a ” . E m o u t r a s p a la v r a s ,
e les e x p e r i m e n t a m q u a i s q u e r c r e n ç a s e p r á ti c a s q u e i n t u itiv a m e n te c o n -
s id e re m v á lid a s e ú te is p a r a a v id a d iá r ia , m a s re s is te m a t o d a e q u a lq u e r
a m e a ç a à s u a a u t o n o m i a in d iv id u a l. E s tã o d is p o s to s a s e r e m c o n s u m id o -
re s n o m e r c a d o e s p ir itu a l, m a s n ã o d is c íp u lo s d e J e s u s C r is to . N o e n ta n -
t o , J e s u s a d v e r te : “ N e m t o d o o q u e m e d iz : S e n h o r, S e n h o r! e n t r a r á n o
r e in o d o s c é u s , m a s a q u e le q u e f a z a v o n t a d e d e m e u P a i, q u e e s tá n o s
c é u s ” ( M t 7 .2 1 ). M u ito s fic a rã o s u rp re s o s n o ú ltim o d ia , J e s u s a c re s c e n ta :

Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura,


não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expe-
limos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? En-
tão, lhes direi explícitamente: nunca vos conhecí. Apartai-vos de
mim, os que praticais a iniquidade. (Mt 7.22-23)

O s e v a n g é lic o s s e m p r e f o r a m c o n h e c i d o s p o r l e v a r a s é r io e s s a a d -
v e r tê n c i a , c ie n te s d o p e r ig o d a p r o f is s ã o c r is t ã n o m i n a l ( “ s o m e n te e m
n o m e ” ). D e f a t o , a e v a n g e l i z a ç ã o b íb lic a é u m a h i s t ó r i a d e s u c e s s iv o s
m o v i m e n to s d e r e n o v a ç ã o d e n t r o d a s ig r e ja s o f ic ia is , o n d e s e r c r i s t ã o
e r a s im p le s m e n te p a r te d a c i d a d a n i a d e u m a n a ç ã o s u p o s ta m e n te c r is tã .
C o n t u d o , c a d a v e z m a is p a r e c e q u e o s p r ó p r io s e v a n g é lic o s e x ib e m u m a
lig a ç ã o n o m in a l c o m a fé. O s a l e s tá p e r d e n d o o s e u s a b o r ?
E e s s a p r e o c u p a ç ã o q u e i m p u ls i o n a e s c r ito r e s c o m o D a lla s W i l l a r d ,
R i c h a r d F o s te r e o u t r o s p io n e ir o s d a ê n f a s e c o n t e m p o r â n e a n o d is c ip u -
la d o c o m o t r a n s f o r m a ç ã o i n t e r i o r p o r m e io d e d is c ip lin a s e s p ir itu a is , e
q u e ta m b é m m o tiv a o m o v im e n to d a ig re ja e m e rg e n te . P o r m a is q u e esses
m o v im e n to s a d o t e m u m r e la c i o n a m e n t o u m t a n t o c r ític o c o m o e v a n g e -
lic a lis m o m o d e r n o , e m m u i to s a s p e c to s e le s r e f le te m u m r e s s u r g im e n to
d a s ê n f a s e s e v a n g é lic a s t r a d ic io n a is .
P u b lic a d o e m 1 9 7 8 , o liv ro d e R ic h a r d F o s te r Celebration of discipline:
the path to spiritual growth [ C e le b r a ç ã o d a d is c ip lin a : o c a m i n h o p a r a
o c r e s c im e n to e s p ir itu a l] r a p id a m e n t e se e s ta b e le c e u c o m o u m c lá s s ic o .
J u n t a n d o - s e a o c h a m a d o d e F o s te r p a r a q u e n o s to r n e m o s d is c íp u lo s sé-
rio s , v e io D a lla s W illa r d , c o m su a s o b r a s q u e e s tiv e ra m n a s lista s d e liv ro s
The spirit of the disciplines [O e s p í r i t o d a s d is c ip lin a s ;
m a is v e n d i d o s ,
1990] e The divine conspiracy [A c o n s p i r a ç ã o d iv in a ; 1 9 9 8 ] . A m b o s o s
a u t o r e s s ã o e v a n g é lic o s ( F o s te r é q u a e r e e W il l a r d é m e to d is ta ) p r e o c u -
p a d o s c o m o f a to d e q u e o s c r is tã o s n o r te - a m e r ic a n o s s ã o c o n s u m id o r e s ,
e n ã o s e g u id o r e s t r a n s f o r m a d o s d e C r i s t o , e a m b o s e s t ã o c o n v e n c id o s
de q u e a tra d iç ã o m o n á s tic a d a e s p iritu a lid a d e fo rn e c e re c u rs o s p a r a a
re n o v a ç ã o c o n te m p o râ n e a .
E s c r ito r e s c o m o F o s te r e W i l l a r d e s tã o r e s p o n d e n d o a u m a c r is e g e-
n u í n a , a s a b e r, a r e d u ç ã o d o e v a n g e lh o a “ u m s e g u r o c o n t r a i n c ê n d i o ” e
c o m o “ g e r e n c ia m e n to d o p e c a d o ” , c o m a v id a i n t e r i o r r e le g a d a à s d is-
t r a ç õ e s d e u m a c u l t u r a q u e p r e z a m a is a l t a m e n t e a s a tiv id a d e s d o m u n -
d o d o q u e e s t a r a só s c o m D e u s e m o r a ç ã o e m e d ita ç ã o n a s u a P a la v r a .
A lg u n s a p r e n d e r a m q u e J e s u s p o d e s e r o S a l v a d o r d e u m a p e s s o a s e m
q u e s e ja o S e n h o r d e la . N o e n t a n t o , e sse é u m g r a v e e r r o . O d is c ip u la d o
n ã o é a lg o o p c io n a l. O s d is c íp u lo s f r e q u e n t e m e n t e e n te n d e m m a l o se u
S e n h o r e d e s o b e d e c e m a ele , m a s o s e g u e m . Se n ã o s o m o s s e g u id o r e s d e
C r is to , n ã o s o m o s se u s d is c íp u lo s . Is s o n ã o q u e r d iz e r q u e s o m o s a p e n a s
“ c r is t ã o s c a r n a i s ” - c r e n te s d e s e g u n d a c la s s e q u e s ã o s a lv o s , m a s q u e
p e r d e r ã o se u s g a la r d õ e s . N a v e r d a d e , q u e r d iz e r q u e não somos cristãos.
P o r m a is c r ític o s q u e p o s s a m o s s e r q u a n t o a m u ito s a s p e c to s d a a b o r -
d a g e m m o n á s tic a d a e s p iritu a lid a d e , s o m o s te n ta d o s , p a r tic u la rm e n te
n a n o s s a c u l t u r a d e d i s t r a ç õ e s , a i g n o r a r a s r o t i n a s d iá r ia s d a o r a ç ã o e
d a m e d i t a ç ã o n a P a la v r a d e D e u s . O r i t m o d a v id a e m e c o n o m ia s a lta -
m e n te d e s e n v o lv id a s c o m o a n o s s a a m e a ç a r e s tr in g ir e e lim in a r o s h á b i-
to s d iá r io s q u e p e r m ite m d a r m o s u m p a s s o a t r á s e a v a lia r a s c o is a s q u e
r e a lm e n te m a is i m p o r t a m . Is s o é v e r d a d e a té m e s m o q u a n t o a o s p a s t o -
r e s , p r in c ip a lm e n te n a m e d id a e m q u e a g e m c o m o p r o f is s io n a is e c o m o
g e r e n te s e m s e u o fíc io , o u p a s s a m m a is t e m p o f a la n d o a o c e lu la r d o q u e
e s t u d a n d o e a te n d e n d o o s m e m b r o s n e c e s s ita d o s d a ig re ja .
O OBJETIVO 149

A o m e s m o t e m p o , a p i e d a d e m o n á s t i c a t e m s id o u m t a n t o a m b iv a -
le n te a r e s p e ito d o p a p e l d a ig r e ja i n s titu c io n a l, e o p ie tis m o te m c o n tr i-
b u i d o p a r a u r n a c a u te l a e m t o d a s a s s u a s f o r m a s e x t e r n a s . N a p ie d a d e
m e d ie v a l, o s le ig o s a tiv o s n o m u n d o e r a m c r is tã o s c o m u n s , e n q u a n t o os
m o n g e s e a s f r e ir a s e r a m v is to s c o m o s é r io s d is c íp u lo s q u e a c e ita v a m o s
m a n d a m e n to s d e J e s u s e v iv ia m d e a c o r d o c o m ele s, q u e e les c h a m a v a m
d e “ c o n s e lh o s e v a n g é lic o s ” .
U m a v is ã o s e m e lh a n te s u r g iu n o p ie tis m o , q u a n d o o s v e r d a d e ir a m e n -
te c o m p r o m e ti d o s f o r m a v a m c lu b e s s a n t o s , g r u p o s e m c é lu la s , o u u m a
ig r e ja d e n t r o d a ig r e ja . M u i t a s v e z e s , o s c r e n t e s s ã o i n c e n t i v a d o s a se-
p a r a r a s o v e lh a s d o s b o d e s p e la in t e n s i d a d e d a t r a n s f o r m a ç ã o in te r io r ,
d iv id in d o a ig r e ja e m n ív e is m a is a l t o e m a is b a i x o d e “ p le n a m e n te s u b -
m is so s e v i t o r i o s o s ” e “ d e r r o t a d o s e c a r n a i s ” . Isso p o d e le v a r a té m e s m o
a u m tip o d e o p e r a ç ã o d e v ig ilâ n c ia , e m q u e c a d a c r e n te a s s u m e a r e s p o n -
s a b ilid a d e d e “ e x c o m u n g a r ” o u t r o s : d e c id in d o q u e m e s tá e m p e c a d o e
q u e m n ã o e s tá - q u e m é “ r e a lm e n te s a lv o ” - m e s m o q u e a p e s s o a v is a d a
se ja u m m e m b r o q u e o c u p a b o a p o s iç ã o n a ig re ja . O b a tis m o n ã o c o n ta
p a r a n a d a . T u d o isso é m e r a m e n te f o r m a l e e x te r n o . A a c e ita ç ã o d e u m a
p r o f is s ã o d e fé p o r p a r t e d o s p r e s b ít e r o s p a s s a a s e r c o m p l e t a m e n t e se-
c u n d á r i a n o e x a m e q u e f a ç o d a e x p e r iê n c ia e d o f r u t o d e u m i r m ã o o u
d e u m a ir m ã . A f r e q u ê n c ia r e g u la r à ig r e ja n ã o é u m s in a l d e c o n v e r s ã o
g e n u ín a , m a is d o q u e u m a m á q u i n a e s t a c i o n a d a n u m a g a r a g e m é p r o v a
d e q u e e la é u m a u to m ó v e l.
C o m o m u i to s q u e f o r a m c r ia d o s n o e v a n g e lic a lis m o , c r e s c i a c h a n d o
q u e te r u m a h o r a t r a n q u i l a d iá r ia e r a m a is i m p o r t a n t e d o q u e a fr e q u ê n -
c ia r e g u la r à ig re ja . A fin a l d e c o n ta s , é u m “ r e la c io n a m e n to p e s s o a l c o m
J e s u s C r is to ” q u e re a lm e n te im p o r ta . O s p ro f e s s o re s d a E s c o la D o m in ic a l,
a m o c id a d e e o s o b r e ir o s q u e t r a b a l h a v a m n a u n iv e r s id a d e , v i n h a m a té
c a d a u m d e n ó s p a r a u m e x a m e r o t i n e i r o . “ C o m o e s tá o s e u a n d a r c o m
o S e n h o r ? ” - q u e e r a o c ó d ig o d e le s p a r a : “ V o c ê m a n t é m r e g u la r m e n te
u m a h o r a t r a n q u i l a d i á r i a ? ” A a tm o s f e r a d a ê n f a s e n a e x p e r iê n c ia in te -
r io r e n a f o r m a ç ã o d o c a r á te r já e r a m u ito d e n s a n o s c írc u lo s e v a n g é lic o s .
M i n h a m ã e a té m e s m o t i n h a u m e x e m p l a r b a s t a n t e u s a d o d a Imita-
ção de Cristo, d e T h o m a s à K e m p is , n a s u a e s ta n te . R e c e n te m e n te r e e x a -
m in e i e sse liv r o e s c r ito p o r u m n o tá v e l m o n g e d o fin a l d a I d a d e M é d ia ,
e m e c h o c o u o f a to d e q u e h a v ia n e le m u ito p o u c a c o is a s o b r e C r is to e m
s e u o f íc io s a lv íf ic o . A n te s , e sse c lá s s ic o , q u e t e m e s t a d o e n t r e o s liv r o s
m a is v e n d id o s , e s tá c h e io d e s e v e ra s a d v e r tê n c ia s s o b r e a n e c e s s id a d e d e
c o lo c a r o e x e m p lo d e C r is to e m p r á ti c a p e lo t e m o r d o ju íz o e p e la e sp e -
r a n ç a d e re c o m p e n s a s . N a ig re ja , c a n tá v a m o s a c e r c a d e ir a o ja r d im p a r a
e s ta r a s ó s c o m J e s u s , s e n tin d o u m a a le g r ia q u e e r a t ã o s in g u la r, p e s s o a l
e in d iv id u a l q u e “ n in g u é m ja m a is c o n h e c e u ” . E a p e r g u n ta : “ O q u e f a r ia
J e s u s ? ” fo i a b a se d o re g im e n o s c írc u lo s e v a n g é lic o s d u r a n te m u ito te m p o .
M u i t o s d e n ó s r e a g im o s c o m e x a g e r o a e sse p a n o d e f u n d o , a c e ita n -
d o o e v a n g e lh o e o m in is té r io c o r p o r a t i v o d a ig r e ja c o m o se e les n o s li-
b e r ta s s e m d a o b e d iê n c ia a C r i s t o e d e u m r e la c i o n a m e n t o p e s s o a l c o m
ele. E s s a é u m a f a ls a e s c o lh a . O e v a n g e lh o n o s lib e r ta para a o b e d iê n c ia ,
não da o b e d iê n c ia , e o m in is té r io d a P a la v r a e d o s s a c r a m e n to s e s tim u la
n o s s a v id a d e v o c io n a l c o m o c r e n te s in d iv id u a is . C o n t u d o , se a lg o r e d u -
z iu o d is c ip u la d o a m e r o “ s e g u r o c o n t r a i n c ê n d i o ” , o p e r ig o d o m o d e lo
d a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is é a r e d u ç ã o d o d is c ip u la d o à i m ita ç ã o d e C ris -
to . E m v e z d is s o , t e m o s n e c e s s id a d e d a r i q u e z a , d a p r o f u n d i d a d e e d a
a m p l i tu d e d o e v a n g e lh o c o m p l e t o . E sse e v a n g e lh o n ã o é u m a r e s p o s t a
à p e r g u n ta : “ O q u e J e s u s f a r i a ? ” , m a s a “ O q u e J e s u s f e z ? ” A r e s p o s ta
p r o v o c a m a is u m a p e r g u n ta : “ C o m o p o s s o r e c e b ê - l o ? ” E , p o r s u a v e z ,
isso n o s le v a a p e r g u n ta r : “ C o m o p o s s o v iv e r à lu z d e sse f a t o ? ” E s c r ito -
re s re c e n te s c o m o J a m e s W ilh o it in c e n tiv a m u m c a m in h o m a is e q u ilib r a -
d o p a r a n o s s o a v a n ç o , c o m u m a a b o r d a g e m m a is in t e g r a ti v a d a ig r e ja e
d a s d is c ip lin a s e s p i r i t u a i s .1 A o b r a d e D ie tr ic h B o n h o e f f e r , Life together
[V id a c o m u n i t á r i a ] p e r m a n e c e s e m p a r a l e l o q u a n t o a is s o , m o s t r a n d o a
s a b e d o ria d a p ie d a d e d a R e fo rm a .
A s c o r r e n te s a n a b a t i s ta e p ie tis ta a lim e n ta r a m e m o l d a r a m a s d iv e rs a s
f o r m a s d e e s p ir itu a lid a d e e v a n g é lic a p o r m u i to t e m p o . T o d a v ia , h á d ife -
r e n ç a s a té d e n t r o d a s c o m u n id a d e s m o n á s tic a s , p a r ti c u la r m e n t e q u a n t o
à v id a a tiv a versus v id a c o n t e m p l a t i v a . V á r ia s o r d e n s m e d ie v a is f o r a m
f u n d a d a s e m d e f e s a d e u m a o u d e o u t r a . M u i t a s f a v o r e c ia m a c o n te m -
p la ç ã o ( o r a ç ã o , s o lid ã o e o u t r a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is ) c o m o o c a m in h o
d a v e r d a d e ir a e s p ir itu a lid a d e , a o p a s s o q u e o u t r a s , p r in c ip a lm e n te a d o s
f r a n c is c a n o s (a s s im d e n o m i n a d o s p o r c a u s a d e F r a n c is c o d e A s s is ), e n -
f a tiz a v a m a v id a d e s e rv iç o a tiv o , e s p e c ia lm e n te e m f a v o r d o s p o b r e s .
D e s a f i a n d o a s b a s e s d o m o n a s t i c i s m o e m t e r m o s g e r a is , a R e f o r m a
e n s in a v a q u e t o d o s o s c r e n te s s ã o d is c íp u lo s d e C r is to e q u e n ã o a s e e n -
d e m a D e u s n e m p e la s u a c o n te m p la ç ã o n e m p o r s u a s o b r a s . A n te s , D e u s
d e s c e u a té n ó s e m C r is to , i m p e lin d o - n o s p a r a f o r a d e n ó s m e s m o s p e la
s u a p a l a v r a p a r a q u e o lh e m o s p a r a C r is to c o m fé e p a r a o n o s s o p r ó x i ­
m o c o m a m o r.
0 OBJETIVO 15‫ו‬

P r im e ir o , o s r e f o r m a d o r e s r e je i ta r a m t o d o o p a r a d i g m a d o p la to n is -
m o c r is t ã o , c o m s u a e s c a d a l e v a n d o d a “ e s f e r a m a is b a i x a ” d o c o r p o e
d o s s e u s s e n tid o s , p a r a a “ e s f e r a m a is a l t a ” d o e s p ír ito . S e g u n d o , p o r -
q u e C r is to c u m p r i u t o d a a ju s tiç a e m n o s s o l u g a r e s a tis f e z p le n a m e n te
a ju s tiç a p o r t o d o p e c a d o ( ta n to n o q u e fa z e m o s c o m o n o q u e d e ix a m o s
d e f a z e r ) , n ã o a p r e s e n t a m o s a s n o s s a s o b r a s a o P a i c o m o u m s a c r if íc io
p e la c u lp a . C o m o r e s u lt a d o , a s n o s s a s b o a s o b r a s n ã o tê m p a r a o n d e ir,
e x c e to p a r a o n o s s o p r ó x i m o n e c e s s ita d o d e n ó s . T e r c e iro , o p e c a d o n ã o
d e v e s e r id e n tif ic a d o c o m o m u n d o c o m o ta l, m a s c o m o n o s s o p r ó p r i o
c o r a ç ã o . A m e t a n ã o é a b a n d o n a r o m u n d o e a s o c ie d a d e c o m u m , d e i-
x a n d o d e la d o o c o r p o e a v id a c o m u m ( in c lu in d o o c a s a m e n to , a fa m í-
lia e a s v o c a ç õ e s s e c u la re s ) . A n te s , o v e r d a d e ir o d is c ip u la d o c o n s is te e m
r e c e b e r C r i s t o o n d e e le p r o m e t e u n o s s a l v a r e n o s g u i a r n a c o m u n h ã o
c o m e le e u n s c o m o s o u t r o s , p r in c ip a lm e n te n o c u lto p ú b lic o e n o c u lto
e m f a m ília . E ta m b é m c o n s is te e m n o s im e r g ir m o s n a P a la v r a d e D e u s e
n a o r a ç ã o , d e m o d o q u e p o s s a m o s a p e g a r- n o s m a is f irm e m e n te a C r is to e
d a r o f r u to d a fé n u m se rv iç o d e a m o r a o s n o s s o s s e m e lh a n te s n o m u n d o .
L o n g e d e e lim in a r o o b je tiv o d e f o r m a r v e r d a d e ir o s d is c íp u lo s , o u d e
r e b a i x a r a i m p o r t â n c i a d a o r a ç ã o e d a m e d ita ç ã o , a R e f o r m a p r o p i c i o u
o e s tu d o m e d ita tiv o d a s E s c r itu r a s p a r a t o d o s o s c r e n te s . T a n to o r a p a z
t r a b a l h a n d o c o m s e u a r a d o q u a n t o a m ã e n o s s e u s la b o r e s i n te r r o m p e m
s u a lid a e se v o l t a m p a r a a B íb lia e m s u a p r ó p r i a lín g u a c o m u m .
O id e a l m o n á s tic o te v e c o n t i n u i d a d e n a h e r a n ç a a n a b a t i s t a e p ie tis ta
e é c la r a m e n te e v id e n te n a s a b o r d a g e n s c o n t e m p o r â n e a s d o d is c ip u la d o
e m n o s s o s d ia s . N o e n ta n to , a lg u n s m o v im e n to s s ã o m a is o r ie n ta d o s p a r a
a v id a c o n t e m p l a t i v a (p . e x ., o s m o v i m e n to s d a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is
a s s o c ia d o s p r i n c i p a lm e n t e c o m D a lla s W il l a r d e c o m R i c h a r d F o s te r ) e
o u t r o s m a is d i r e c i o n a d o s à v id a a t i v a ( ê n f a s e e v id e n te n o m o v i m e n to
d a ig r e ja e m e r g e n te ) . W i l l a r d in s is te c o m o s p a s t o r e s q u e p e r g u n te m a
si m e s m o s : “ M e u p r im e ir o o b je tiv o é fa z e r d is c íp u lo s ? O u a p e n a s a d m i-
n is tr o u m a o p e r a ç ã o ? ” 2 W illa r d ju lg a c o m p e n e tr a n t e d is c e r n im e n to q u e
o d is c ip u la d o p e r d e u a s u a c u n h a g e m :

Teologicamente à direita, o discipulado passou a significar uma


preparação para a conquista de almas, sob a direção de esforços
paraeclesiásticos, que receberam essa incumbência porque a igreja
local realmente não o estava realizando. À esquerda, o discípula-
do passou a significar algum tipo de atividade social ou de serviço
social, de servir sopa a protestos políticos... o que quer que seja.
Hoje, o termo “ discipulado” está empobrecido no que concerne a
sólido conteúdo psicológico e bíblico.3

M a is a d ia n te v a m o s in te r a g ir c o m essa s a b o r d a g e n s , m a s p e r m ita m q u e
e u c o m e c e f a z e n d o u m a b re v e e x p l o r a ç ã o d o d is c ip u la d o n a s E s c r itu r a s .

O DISCIPULADO NO NOVO TESTAMENTO


Rabi s ig n ific a “ m e s t r e ” e, n o te m p o d e J e s u s , o s d is c íp u lo s se lig a v a m a
u m r a b i n o p a r ti c u la r , f r e q u e n t a n d o r e g u la r m e n t e a s in a g o g a e à s v e z e s
a c o m p a n h a n d o o m e s tr e e m c a m i n h a d a s o u e m v is ita s d i á r i a s a m e m -
b r o s d a c o m u n i d a d e . C o m p a r a d o c o m u m b o i, o d i s c í p u l o a c e i t a v a o
“ j u g o ” d o m e s tr e . P o r t a n t o , a o p r o n u n c i a r a s s u a s m a ld iç õ e s s o b r e o s
líd e re s re lig io s o s d o s se u s d ia s , J e s u s p ô d e d iz e r : “ A ta m f a r d o s p e s a d o s
[e d if íc e is d e c a r r e g a r ] e o s p õ e m s o b r e o s o m b r o s d o s h o m e n s ; e n t r e -
t a n t o , e les m e s m o s n e m c o m o d e d o q u e r e m m o v ê -lo s . P r a tic a m , p o r é m ,
to d a s a s s u a s o b r a s c o m o fim d e s e r e m v is to s d o s h o m e n s ” ( M t 2 3 .4 - 5 ) .
E m c o n t r a s te , e le c o n v id a t o d o s o s q u e e s tã o “ s o b r e c a r r e g a d o s ” a ir e m
a e le p a r a o b t e r d e s c a n s o . “ T o m a i s o b r e v ó s o m e u jo g o e a p r e n d e i d e
m im , p o r q u e s o u m a n s o e h u m ild e d e c o r a ç ã o ; e a c h a r e is d e s c a n s o p a r a
a v o s s a a l m a ” ( M t 1 1 .2 9 ) .
D u a s ir m ã s , M a r i a e M a r t a , e s ta v a m e n tr e o s d is c íp u lo s m a is c h e g a -
d o s d e Je su s. S o m o s in fo rm a d o s d e q u e M a r ia “ q u e d a v a -s e a s s e n ta d a
a o s p é s d o S e n h o r a o u v ir - lh e o s e n s in a m e n to s . M a r t a a g ita v a - s e d e u m
l a d o p a r a o u t r o , o c u p a d a e m m u i to s s e r v iç o s ” (L c 1 0 .3 9 - 4 0 ) . Q u a n d o
M a r t a se q u e i x o u d e q u e M a r i a e s t a v a d e i x a n d o p a r a e la t o d o o t r a -
b a l h o , J e s u s r e s p o n d e u : “ M a r t a ! M a r t a ! A n d a s i n q u i e t a e te p r e o c u -
p a s c o m m u i ta s c o is a s . E n t r e t a n t o , p o u c o é n e c e s s á r io o u m e s m o u m a
s ó c o is a ; M a r i a , p o is , e s c o lh e u a b o a p a r t e , e e s ta n ã o lh e s e r á t i r a d a ”
(L c 1 0 .4 1 - 4 2 ) . O s d is c íp u lo s s ã o p r i m e i r o a p r e n d iz e s ; d e p o is se t o r n a m
s e r v o s d o s e u M e s tr e .
E m M a t e u s 1 0 . 2 4 - 4 2 J e s u s n o s e n s i n a o q u e s ig n if ic a s e r d i s c í p u l o
n o s e u r e in o , e n f a t i z a n d o q u e é q u e s t ã o d e s e g u ir l ite r a lm e n te o M e s tr e
p a r a a p r e n d e r e viver. A p r ó p r i a G r a n d e C o m is s ã o lig a o d is c ip u la d o e s-
t r e ita m e n te a o m in is té r io p ú b lic o : p r o c la m a r o e v a n g e lh o a t o d o s , “ b a ti-
z a n d o - o s e m n o m e d o P a i, e d o F ilh o , e d o E s p ír ito S a n to , e n s in a n d o - o s
a g u a r d a r t o d a s a s c o is a s q u e v o s t e n h o o r d e n a d o ” ( M t 2 8 .1 9 - 2 0 ) . S er
d is c íp u lo d e C r is to s ig n ific a le v a r a s p e s s o a s p a r a a e s f e ra d o m in is té r io
O OBJETIVO 153

d e p r e g a ç ã o e d e a d m i n i s tr a ç ã o d o s s a c r a m e n t o s d a ig r e ja . E n v o lv e s e r
in s t r u í d o n ã o s o m e n te n o s f u n d a m e n to s d o e n s in o b íb lic o , m a s e m t u d o
o q u e J e s u s o r d e n o u p a r a a n o s s a d o u t r i n a e p a r a a n o s s a v id a .
P o r e sse s m e io s i n s t it u í d o s p o r C r i s t o , o M e s t r e a i n d a e s tá c o n o s c o
a o lo n g o d o c a m i n h o d e E m a ú s , a b r i n d o n o s s o c o r a ç ã o p a r a o r e c e b e r-
m o s e , c o m e le , t o d o s o s s e u s b e n e f íc io s (L c 2 4 . 1 3 - 3 5 ) . V is ta p o r e s s a
lu z , a ig re ja n ã o é a p e n a s a i n s titu iç ã o q u e f in a n c ia e e n v ia m is s io n á r io s ,
m a s é e la m e s m a u m p o s t o m is s i o n á r i o . A G r a n d e C o m is s ã o é t a n t o o
m a n d a t o p a r a q u e se c u id e d a s o v e lh a s d e u m a ig r e ja d e d u z e n to s a n o s
d e i d a d e e m N o v a Y o r k , c o m o t a m b é m p a r a q u e se b u s q u e m o s p e r d i-
d o s e m N a ir o b i. N ó s n u n c a n o s f o r m a m o s n a e s c o la d e d is c ip u la d o a té
o d ia d a n o s s a m o r te .
N a n o s s a lín g u a , a p a la v r a discípulo s ig n if ic a “ a l u n o ” . É e v i d e n t e
q u e o c o n t e x t o n ã o é o d e u m a s a la d e a u la s , t o m a r n o t a s e s u b m e te r - s e
a u m e x a m e n o fin a l. A n te s , é d e u m a c la s s e m ó v e l, a o a r liv re , n o q u a l
o t r a b a l h o d o s p r e c e p to r e s o c o r r e n o c o n t e x t o d a s o c o r r ê n c ia s d iá r ia s e
d a s a n a lo g ia s d a e x p e r iê n c ia fa m ilia r. N o e n t a n t o , e sse r e l a c i o n a m e n t o
p r o v o c a p e r g u n t a s e r e s p o s t a s , c o n v e r s a s e a té m e s m o d e b a te . M e s m o
o s s in a is m ila g r o s o s d o n o s s o S e n h o r e s ta v a m s e m p r e r e la c io n a d o s c o m
a r e a lid a d e q u e eles s ig n ific a v a m o u s im b o liz a v a m : J e s u s c o m o o P ã o d o
C é u , o S e n h o r d o s á b a d o , o M é d i c o q u e o b r e o s o lh o s d o s c e g o s e q u e
p r e g a o e v a n g e lh o a o s p o b r e s , a R e s s u r r e iç ã o e a V id a . E sse s s in a is n ã o
e r a m a p e n a s liç õ e s c o n c r e t a s , m a s p r e c u r s o r e s d o r e in o q u e e le e s ta v a
i n a u g u r a n d o . C o n t u d o , e s ta v a m s e m p r e lig a d o s a o s e u ensino a r e s p e ito
d a s u a p e s s o a e d a s u a m is s ã o .
T a n t o o s s e u s d i s c íp u lo s c o m o o s s e u s c r ític o s i a m t e r c o m e le c o m
p e r g u n ta s , e g r a n d e p a r te d o s se u s p r o n u n c ia m e n t o s n a r r a d o s n o s E v a n -
g e lh o s te m r e la ç ã o c o m s u a s r e s p o s ta s n a f o r m a d e “ e n s i n a m e n to s ” . O s
d is c íp u lo s a p r e n d i a m n o c a m p o , o b s e r v a n d o J e s u s i n a u g u r a r o s e u r e in o
e o u v in d o o M e s tr e e x p lic a r o q u e e s ta v a a c o n te c e n d o . N o e n t a n t o , n e m
e les e n t e n d e r a m r e a lm e n te a d o u t r i n a e n s in a d a p o r ele e n q u a n t o n ã o se
c u m p r i r a m o s a c o n te c im e n to s d o s q u a is e le f a la v a e e n q u a n t o o E s p íri-
to n ã o a b r iu o s se u s o lh o s p a r a e n te n d e r e m a s E s c r itu r a s p r o f é tic a s c o m
C r i s t o n o c e n t r o (L c 2 4 ) . S e u s a p a r e c i m e n t o s p ó s - r e s s u r r e i ç ã o f o r a m
a c o m p a n h a d o s d e e n s in o , c o m u n h ã o e c e le b r a ç ã o d a C e ia .
J e s u s n ã o im a g in a v a q u e o s e u exemplo fo s s e s u fic ie n te p a r a q u e ele
v e n c e s s e . D e f a to , ele s a b ia q u e e s ta v a i n d o p a r a J e r u s a lé m p a r a r e a liz a r
o q u e s o m e n te e le p o d i a r e a l i z a r p e s s o a lm e n te , s u s t e n t a d o t ã o s o m e n te
154

p e la o r d e m d o P a i e p e lo p o d e r d o E s p ír ito . O s in a l p r i m o r d i a l d o d is -
c ip u l a d o e r a a a c e ita ç ã o d o e n s in o d e J e s u s a c e r c a d e le p r ó p r i o . A s a c u -
s a ç õ e s d e b la s f ê m ia e a té o e s c â n d a lo e x p r e s s o p e lo s p r ó p r io s d is c íp u lo s
d a r - s e - ia m p o r c a u s a d o s e u ensino so b re a su a p e sso a . Jesu s p re p a ro u
o s s e u s s e g u id o r e s p a r a p e r s e g u iç ã o i m in e n te p o r a m o r d o s e u n o m e e
n o te s t e m u n h o q u e e les d a r ia m d a s u a o b r a sa lv ífic a . E d ito q u e a s p e r-
s e g u iç õ e s r e la t a d a s n o liv r o d e A to s a c o n te c e r a m p o r c a u s a d o te s te m u -
n h o q u a n to à p e s s o a e à o b ra d e C ris to . A s a u to rid a d e s ju d a ic a s n ã o
p r o i b i r a m o s c r is tã o s d e a l i m e n t a r o s p o b r e s e d e m e l h o r a r a c u l t u r a d e
J e r u s a lé m , m a s o s p r o i b i r a m d e p r e g a r C r is to c o m o a q u e le a q u e m eles
d e v ia m c l a m a r p a r a s a lv a ç ã o .
E m J o ã o 6 J e s u s e s c a n d a liz a a m u l ti d ã o d e p r e te n s o s d is c íp u lo s a o d i-
z e r a e les q u e e le h a v ia v in d o d o c é u p a r a d a r v id a e te r n a a t o d o s o s q u e
o P a i lh e d e u (v .3 9 ). E m a is : “ E m v e r d a d e , e m v e r d a d e v o s d ig o : se n ã o
c o m e r d e s a c a r n e d o F ilh o d o H o m e m e n ã o b e b e r d e s o s e u s a n g u e , n ã o
te n d e s v id a e m v ó s m e s m o s . Q u e m c o m e r a m i n h a c a r n e e b e b e r o m e u
s a n g u e te m a v id a e t e r n a , e e u o r e s s u s c ita r e i n o ú l tim o d i a ” ( v .5 3 -5 4 ).
“ O E s p ír ito é o q u e v iv ific a ” , d is s e J e s u s a se u s f r u s t r a d o s d is c íp u lo s e m
J o ã o 6 , “ a c a r n e p a r a n a d a a p r o v e ita ; as palavras que eu vos tenho dito
são espírito e são vida. C o n t u d o , h á d e s c r e n t e s e n t r e v ó s ... P o r c a u s a
d is to , é q u e v o s t e n h o d ito : n in g u é m p o d e r á v ir a m im , se, p e lo P a i, n ã o
lh e f o r c o n c e d i d o ” (v .6 3 - 6 5 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . E d ito q u e m u ito s se-
g u i d o r e s o a b a n d o n a r a m n e s s e p o n t o “ e já n ã o a n d a v a m c o m ele . E n -
t ã o , p e r g u n t o u J e s u s a o s d o z e : P o r v e n t u r a , q u e r e is t a m b é m v ó s o u t r o s
r e tir a r - v o s ? R e s p o n d e u - lh e S im ã o P e d r o : S e n h o r, p a r a q u e m ire m o s ? T u
te n s a s p a la v r a s d a v id a e te r n a ; e n ó s te m o s c r id o e c o n h e c id o q u e t u és o
S a n to d e D e u s ” (v .6 6 -6 9 ). O s d is c íp u lo s tê m d e e n g o lir tudo o q u e Jesu s
d iz : a n z o l, lin h a e c h u m b a d a . A o a p r e n d e r e s s a liç ã o d e m a n e i r a d u r a ,
o s d is c íp u lo s o u v i r a m J e s u s p ô r a c o r r e r a s m u ltid õ e s d e c o n s u m id o r e s
e n s in a n d o - lh e s “ d u r a p a l a v r a ” .
O liv r o d e A to s n o s d iz c o m o é o d is c i p u l a d o c h e io d o E s p ír ito . A té
n o D ia d e P e n te c o s té s , q u a n d o o E s p ír ito fo i d e r r a m a d o , o r e s u lt a d o fo i
a p r o c la m a ç ã o p ú b lic a d e C r is to p o r P e d r o n a s e s c a d a s d o te m p lo , c o m
b a s e n a s E s c r itu r a s d o A n tig o T e s ta m e n to , e s e g u id a d o b a t i s m o , e e les
“ p e rse v e ra v a m n a d o u trin a d o s a p ó s to lo s e n a c o m u n h ã o , n o p a r tir d o
p ã o e n a s o r a ç õ e s ” (A t 2 . 4 2 ) . Se q u i s e r m o s v e r c o m o é a G r a n d e C o -
m is s ã o n a p r á ti c a , é isso ! E se o e x t r a o r d i n á r i o m in is té r io d o s a p ó s to lo s
- p a r a n ã o m e n c i o n a r o e x t r a o r d i n á r i o e v e n to d o P e n te c o s té s - e s ta v a
O OBJETIVO 155

c e n tr a liz a d o n o m in is té r io c o m u m d a P a la v r a e d o s a c r a m e n to , p o r q u e
d e v e r í a m o s e s t a r p r o c u r a n d o m a is m is s õ e s e m é t o d o s e x t r a o r d i n á r i o s
q u a n t o à G r a n d e C o m is s ã o ?
T a n t o o c o n t e ú d o d a m e n s a g e m d a ig r e ja a p o s t ó l i c a c o m o a s s u a s
p r á ti c a s d is tin g u ia m e s s a c o m u n i d a d e d e d is c íp u lo s d o m u n d o e e r a m a
f o n te e o m e io p e lo q u a l e r a m f e ito s d is c íp u lo s n o m u n d o . C e r ta m e n te ,
o e n s in o q u e e le s r e c e b e r a m t r a n s f o r m o u r a d ic a lm e n te a s u a p r á ti c a . E ,
c o m o r e s u lt a d o , e les c o m p a r t il h a v a m s e u s b e n s t e r r e n o s e n t r e si, e n in -
g u é m p a s s a v a n e c e s s id a d e d e c o is a s t e m p o r a is . U m s u r p r e e n d e n te e v a n -
g e lh o c r io u u m a c o m u n i d a d e s u r p r e e n d e n te , q u e v iv ia n a f r a g r â n c ia d a
e r a p o r vir, e n ã o n a f u m a ç a e v a n e s c e n te d e s ta e r a p a s s a g e ir a .
A o lo n g o d e t o d o o m i n is té r io d e J e s u s , e n c o n tr a m o s s u a r e c o r r e n t e
ê n fa s e n o se u e n s in o , n a s s u a s p a la v r a s q u e d ã o v id a . E p o r o u v ir o e v a n -
g e lh o q u e p e c a d o r e s s ã o s a lv o s e d is c íp u lo s s ã o c o n f o r m a d o s à im a g e m
d e C r is to (R m 8 .2 9 ; 2 C o 3 .1 8 ) . Q u a n d o o a p ó s t o l o f a la e m “ c r e s c e r ” -
e m a lc a n ç a r a “ m a t u r i d a d e ” , a t é “ a p l e n i t u d e d e C r i s t o ” - s e u p r im e i-
r o p e n s a m e n t o é q u e s e ja m o s r e c e p tá c u lo s d a “ o b r a d o m i n is t é r io ” q u e
C r is to in s titu iu

com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do


seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de
Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude
de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de
um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutri-
na, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao
erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo na-
quele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado
e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa coopera-
ção de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação
de si mesmo em amor. (Ef 4.12-16)

C o m b a s e n e sse m in is té r io d e p r e g a ç ã o , e n s in o e s a c r a m e n to - q u e n o s
e d ific a e m C r is to - c a d a m e m b r o e x p r e s s a o s e u d is c ip u la d o c o m o n o v a
c r ia tu r a p o r m e io d a s u a in te r a ç ã o d iá r ia c o m c r e n te s e c o m seu s v iz in h o s
n ã o c r e n te s (E f 4 .1 7 - 3 2 ) . S o m e n te e n tã o eles p o d e m s e g u ir o e x e m p lo d e
a m o r e d e h u m i ld a d e d e C r is to : “ S e d e , p o is , i m ita d o r e s d e D e u s , c o m o
filh o s a m a d o s ; e a n d a i e m a m o r, c o m o t a m b é m C r is to n o s a m o u e se en -
t r e g o u a si m e s m o p o r n ó s , c o m o o f e r t a e s a c r if íc io a D e u s , e m a r o m a
156

s u a v e ” (E f 5 .1 - 2 ) . O b s e r v e n e s s a p a s s a g e m q u e d e v e m o s i m it a r o a m o r
d e D e u s e m J e s u s C r is to , n ã o im it a r a s u a o b r a r e d e n t o r a .
N ó s n o s o fe re c e m o s n ã o c o m o u m s a c rific io e x p ia to r io , m a s c o m o u m
“sacrificio vivo, santo e agradável” , c o m o P a u l o d iz e m R o m a n o s 1 2 ,
“ p e la s [o u e m v is ta d a s ] m is e r ic ó r d ia s d e D e u s ” ( v .l) . A lé m d is s o , e s s a
c o n s ta n te tr a n s f o r m a ç ã o o c o r r e n ã o p o r e v ita r a in v e s tig a ç ã o d o u tr in á r ia ,
m a s “ p e la r e n o v a ç ã o d a v o s s a m e n te ” , p o r m e io d a P a la v ra d e D e u s (v.2).
J e s u s r e a lm e n te n o s c h a m a p a r a o d is c ip u la d o , n ã o a p e n a s p a r a “ to -
m a r m o s u m a d e c is ã o ” . N o e n t a n t o , a n te s d e p o d e r se rv ir, te m o s d e s e r
s e r v id o s p e lo n o s s o S a l v a d o r ( M t 2 6 .2 8 ) . D e v e m o s s e n ta r - n o s , o u v i r e
a p r e n d e r d o M e s tr e q u e c h a m a : “ V in d e a m im , t o d o s o s q u e e s ta is c a n -
s a d o s e s o b r e c a r r e g a d o s , e e u v o s a liv ia r e i. T o m a i s o b r e v ó s o m e u ju g o
e a p r e n d e i d e m im , p o r q u e s o u m a n s o e h u m ild e d e c o r a ç ã o ; e a c h a r e is
d e s c a n s o p a r a a v o s s a a l m a ” ( M t 1 1 .2 8 - 2 9 ) . E sse r e c e b im e n to h u m ild e
n ã o é a lg o q u e a c o n te c e u r n a s ó v e z n o in íc io d a n o s s a v i d a c r i s t ã , d e
m o d o q u e p o s s a m o s d a r p ro s s e g u im e n to à a tiv id a d e real d o d is c íp u la -
d o (o u s e ja , a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is , a s o p o r t u n i d a d e s d o m i n is té r io e
o s p r o je to s d e s e rv iç o s o c ia l). E a f o n te à q u a l o s d is c íp u lo s v o lta m t o d a
s e m a n a , t o d o d ia . É o s e u p ã o d iá r io .
Ser d i s c íp u lo e n v o lv e u m a t o t a l f o r m a ç ã o d a v id a , c o m n o v a s e s c o -
lh a s , n o v o s h á b i t o s e n o v a s v ir tu d e s , q u e e x ib e m u m n o v o c a r á te r . C o n -
tu d o , fazer d is c íp u lo s - a ç ã o d e f in id a p e la G r a n d e C o m is s ã o - d e p e n d e
d o e v a n g e lh o c o m o e s te n o s é t r a n s m i t id o p e la P a la v r a , p e lo s a c r a m e n -
to e p e la d is c ip lin a . A G r a n d e C o m is s ã o é u m m a n d a t o e s p e c ífic o , c o m
m u ltif o r m e s e f e ito s e c o n s e q u e n te s r e s p o n s a b ilid a d e s .

D o DRAMA AO DISCIPULADO: O QUE DISTINGUE ESSA COMISSÃO DAS OUTRAS?


A s c o m p a n h ia s d e su c e sso e a s a g ê n c ia s d e se rv iç o q u e n ã o v is a m a o lu c ro
tê m u m a d e c la r a ç ã o d e m is s ã o , u m a d e c la r a ç ã o d e e s tr a té g ia e u m p l a n o
e s tr a té g ic o . C e r t a m e n te a ig re ja n ã o é d if e r e n te . M a s , e m q u e c o n s is te m
esse s e le m e n to s ? S ã o a lg o q u e c a d a ig re ja n e c e s s ita e s c re v e r p o r si e p a r a
si, o u já f o r a m e s c r ito s p e lo se u f u n d a d o r e p r e s id e n te ?
O q u e d is tin g u e a ig re ja d o R o t a r y C lu b e , d e u m c o m itê d e a ç ã o p o lí-
tic a o u d e u m a c o r p o r a ç ã o m u ltin a c io n a l? É a antiguidade da instituição?
M u ita s re lig iõ e s o r g a n iz a d a s (p. e x ., o h in d u ís m o , o b u d is m o , o ju d a ís m o )
tê m s u a s o r ig e n s n a E r a A x ia l ( 8 0 0 a .C . a 2 0 0 a .C .) . C o m o in s t it u i ç ã o
p o lític a , a d e m o c r a c ia e s te n d e s u a h i s t ó r i a p e lo m e n o s a té A te n a s , c in c o
s é c u lo s a n t e s d e C r i s t o . S e rá q u e a ig r e ja se d i s tin g u e p e lo s e u alcance
O OBJETIVO 157

global? O M c D o n a l d ’s e a C o c a - C o la s ã o p o d e r o s a s f o n te s d e in flu ê n c ia
g l o b a l . A s i n g u l a r i d a d e d a ig r e ja é a s s e g u r a d a p o r s u a s leis e por seus
principios eternos para o progresso humano? O b u d is m o , o h in d u ís m o ,
o ja in is m o e o s iq u is m o c o m p a r t il h a m c o m o ju d a ís m o , o c r is tia n is m o e
o is la m is m o o r e s p e i to p o r u r n a leí u n iv e r s a l e s c r ita n a c o n s c iê n c ia h u -
m a n a . D e f a t o , o s h i n d u s m u i t a s v e z e s se r e f e r e m à s u a r e li g i ã o c o m o
“ S a ñ a t a n a D h a r m a ” (a lei e te r n a ) .
O q u e d is tin g u e a fé c r is tã d a s re lig iõ e s e filo s o fia s d o m u n d o é a bis-
tória que ela conta acerca da missão de Deus como Alfa e Ômega, Cria-
dor, Sustentador, Redentor e Consumador. À m e d i d a q u e se d e s d o b r a ,
e sse d r a m a p a r t i c u l a r d á s u r g i m e n t o a g r u p o s d e d o u t r i n a q u e n o s e n -
c h e m d e d o x o lo g ia e d ã o f o r m a c o n c r e ta a o m o d o d e v iv e r (d is c ip u la d o )
n o m u n d o . H á u m c la r o p a d r ã o , p r in c ip a lm e n te e m m u ito s d o s s a lm o s e
n a s c a r t a s d o N o v o T e s ta m e n to : d r a m a , d o u t r i n a , d o x o l o g i a e d is c ip u -
la d o . N e m s e m p r e c o m o f ó r m u la s , n a tu r a lm e n te . O s e x e m p lo s m a is c ia -
r o s s ã o a s c a r t a s d o a p ó s t o l o P a u lo . E m R o m a n o s , p o r e x e m p lo , P a u lo
c o m e ç a r e f e r in d o - s e a o drama·.

... evangelho de Deus, o qual foi por Deus, outrora, prometido por
intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, com respei-
to a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de
Davi e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito
de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo,
nosso Senhor, por intermédio de quem viemos a receber graça e
apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé, entre
todos os gentios, de cujo número sois também vós, chamados para
serdes de Jesus Cristo. (Rm 1.1-6)

D e p o is , P a u l o c o m e ç a a f o r m u l a r o s e u p r i m e i r o i m p o r t a n t e a r g u -
m e n to doutrinário·, q u e o m u n d o t o d o e s tá s o b a c o n d e n a ç ã o d a lei. E le
v a i d o p e c a d o o r ig in a l p a r a a r e d e n ç ã o e ju s tif ic a ç ã o , p a r a o b a tis m o e m
C r is to e p a r a a s a n tif ic a ç ã o e g lo r if ic a ç ã o , e a se g u ir, d e p o is d e u m in te r-
lú d io d o x o ló g ic o , v o lta a o s p r o p ó s i t o s d a e le iç ã o d iv in a , p r in c ip a lm e n te
c o m r e la ç ã o a o Is r a e l é tn ic o .
E sse s p a n o r a m a s d o u t r i n á r i o s p r o v o c a m e n c a n t a m e n t o e lo u v o r : do-
xologia. C o m o m ir a n te s n u m c a m in h o m o n ta n h a a c im a , P a u lo fa z p a u s a s
sim p le sm e n te p a r a o b s e r v a r a v ista e e x c la m a r: “ Q u e d ire m o s , p o is , à v ista
d e s ta s c o isa s? Se D e u s é p o r n ó s , q u e m s e rá c o n t r a n ó s ? ” (R m 8 .3 1 ). M e -
d ia n te e ssa s e x c la m a ç õ e s d e lo u v o r, o e v a n g e lh o e x te r n o é in te r io r iz a d o .
158

V e m o -n o s n ã o a p e n a s c o n c o r d a n d o c o m ele, m a s c o n f ia n d o n e le , fe s te ja n -
d o e b r i n c a n d o c o m ele. N a d a n a c r ia ç ã o “ p o d e r á s e p a r a r - n o s d o a m o r
d e D e u s , q u e e s tá e m C r is to J e s u s , n o s s o S e n h o r ” (R m 8 .3 9 ) .

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecí-


mento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão ines-
crutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do
Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu
a ele para que lhe venha a ser restituido? Porque dele, e por meio
dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamen-
te. Amém! (Rm 11.33-36)

D e p o is , n o c a p í t u l o 1 2 , o f o c o m u d a p a r a a s m a n e i r a s p e la s q u a i s
e sse d r a m a , e s s a d o u t r i n a e e s s a d o x o lo g ia g e r a m u m t i p o d e “ c u lto r a -
c io n a l” p a rtic u la r - o discipulado - q u e o f e r e c e m o s t e n d o e m v is ta a s
m is e r ic ó r d ia s d e D e u s ( 1 2 .1 ) . C o m o a q u e le s q u e f o r a m e s c o lh id o s , r e d i-
m id o s , c h a m a d o s , ju s tif ic a d o s , q u e e s tã o s e n d o s a n tif ic a d o s e q u e s e r ã o
g lo rific a d o s e m C r is to , d e v e m o s v iv e r n o s s a s o b e r a n a v o c a ç ã o e m n o s s o s
r e la c i o n a m e n t o s c o m o E s t a d o , c o m e m p r e g a d o r e s e e m p r e g a d o s , c o m
m e m b r o s d a f a m ília e c o m o s ir m ã o s , m e m b r o s d a ig r e ja , c o m o s q u a is
d iv e r g im o s q u a n t o a q u e s tõ e s d a l ib e r d a d e c r is tã .
D r a m a , d o u t r i n a , d o x o l o g i a e d is c ip u la d o : s ã o e sse s o s a s p e c to s d a
n o s s a v o c a ç ã o s o b e r a n a q u e d e v e m e s t a r in t e g r a d o s . O s c o n s e r v a d o r e s
p o d e m s e r t e n t a d o s a a b s t r a ir a d o u t r i n a d a n a r r a t i v a d r a m á tic a , d a p r á -
tic a d o x o ló g ic a e d o d is c ip u la d o . G r a n d e p a r t e d o c u lto e v a n g é lic o d u -
r a n t e a g e r a ç ã o p a s s a d a t i n h a s e u f o c o n o lo u v o r , s e m f u n d a m e n t a r - s e
a d e q u a d a m e n te n o d r a m a , n a d o u t r i n a e n o d is c ip u la d o . E a tu a lm e n te a
ê n f a s e n o d is c ip u la d o e s tá a m e a ç a d a p o r n ã o se f u n d a m e n t a r a d e q u a d a -
m e n te n e s s e s o u t r o s a s p e c to s i m p o r t a n t e s d a m a t u r i d a d e c r is tã . O p e r i-
g o é q u e o d is c ip u la d o se t o r n e p o u c o m a is d o q u e e x e r c íc io s e s p ir itu a is
e a tiv is m o m o r a lis ta : “ t e n d o f o r m a d e p ie d a d e , n e g a n d o - lh e , e n t r e t a n t o ,
o p o d e r ” ( 2 T m 3 .5 ).
P rim e iro p re c is a m o s a p r e n d e r o d ra m a e a d o u tr in a . A o to rn a r -s e
d is c íp u lo , v o c ê n ã o p o d e s im p le s m e n te “ i r ” . V o c ê te m d e se s u b m e te r à
g r a m á t i c a d a fé e p r á t i c a c r is tã . Is s o f o i a s s im a t é p a r a o s a p ó s t o l o s , a
q u e m J e s u s i n s t r u i u d u r a n t e q u a r e n t a d ia s a n te s d a s u a a s c e n s ã o . A s s im
c o m o se d á c o m o e s t u d o d o m a n d a r i m , d o s m o v i m e n to s d e d a n ç a , d o
f u te b o l, o u ( p a r a a lg u n s d e n ó s ) c o m o u s a r u m iP h o n e , to r n a r - s e c r is tã o
O OBJETIVO 159

t o m a o t e m p o d a v id a t o d a . V o c ê t e m d e p e r m a n e c e r n o m u n d o q u e es-
se s n o v o s v o c a b u lá r i o s e p r á ti c a s g e r a m . V o c ê r e a l m e n t e n ã o c o n s e g u e
t o c a r p i a n o s e m e s t u d a r p ia n o .
P a s s a m o s n o s s a v id a c o m o c r e n te s e s t u d a n d o o s e n r e d o s e o s p e r s o -
n a g e n s c e n tr a i s d a h i s t ó r i a . A s e g u ir, t e m o s d e n o s f a m i l i a r i z a r c o m a s
in te r p r e ta ç õ e s r e v e s tid a s d e a u t o r i d a d e e a s im p lic a ç õ e s ( d o u tr in a ) . C o n -
t u d o , é r e a lm e n te q u a n d o s o m o s m o v id o s a la m e n t a r e a l o u v a r q u e c o -
m e ç a m o s a i n t e r i o r i z a r a h is tó r ia e a v iv ê -la . Q u a n d o n ã o s o m o s a p e n a s
im ita d o r e s d o s p e r s o n a g e n s , m a s d e f a to e s ta m o s u n id o s à fig u ra c e n tr a l
d a p e ç a , v e m o - n o s r e a l m e n t e r e l a n ç a d o s d a s n o s s a s h i s t ó r i a s p e s s o a is
a c e r c a d e c o is a a lg u m a à m a is g r a n d io s a h is tó r ia já c o n t a d a . D iz e m o s (e
o r a m o s e c a n ta m o s ) nossos v e r s o s n a h is tó r ia .
E sse p a d r ã o d e d r a m a , d o u t r i n a , d o x o l o g i a e d is c ip u la d o r e a lm e n te
n ã o é s e g u id o e m e s tá g io s . N ã o é c o m o se p a s s á s s e m o s o s p r im e ir o s a n o s
d a v id a c r is tã a s s im ila n d o o e n r e d o b á s ic o d a E s c r itu r a e a p r ó x i m a d é -
c a d a d e s e n v o lv e n d o a d o u t r i n a , e s o m e n te d e p o is d is s o c h e g á s s e m o s a o
c u lto e a o d is c ip u la d o . E m v e z d e e s tá g io s , o q u e h á s ã o f a c e ta s d e c a d a
m o m e n to n a n o s s a p e r e g r in a ç ã o . N o e n ta n to , h á c e r ta o r d e m ló g ic a a q u i.
S e m a h i s t ó r i a , a d o u t r i n a é a b s t r a t a . S e m a d o u t r i n a , a h i s t ó r i a fica
s e m s e n tid o e s e m im p o r tâ n c ia p a r a n ó s . N o e n t a n t o , se n ã o s o m o s le v a -
d o s p e lo d r a m a e p e la d o u t r i n a a l a m e n ta r - n o s e a fe s te ja r, t e r e m o s n ó s
r e a l m e n t e s id o a b s o r v id o s p o r e la - v iv e n c ia lm e n te , n ã o a p e n a s c o m o
v e r d a d e , m a s c o m o b o a s - n o v a s ? Se n ã o a r r e b a ta r o n o s s o c o r a ç ã o , a d o u -
t r i n a n ã o c o n s e g u e a n i m a r a s n o s s a s m ã o s e o s n o s s o s p é s . M a s , se c o n -
c e n tr a r m o s t u d o n a d o x o lo g ia e m si e p o r si, a c a b a r e m o s t e n t a n d o a g ir
n u m e s ta d o d e p e r p é t u o lo u v o r s e m s a b e r q u e m e s ta m o s lo u v a n d o e p o r
q u ê . E a o b s e s s ã o p e lo d is c ip u la d o , d e ix a n d o d e la d o esse s o u t r o s a s p e e -
to s , g e r a r á u m a e s p é c ie d e m o r a lis m o n e g lig e n te e f in a lm e n te in s e n s ív e l,
q u e c o n f u n d e a tiv is m o c o m o f r u t o d o E s p ír ito .
O c r i s t i a n i s m o n ã o se d i s t i n g u e d a s r e li g i õ e s e d a s c i v iliz a ç õ e s d o
m u n d o m e r a m e n t e p e lo f a t o d e q u e te m u m a h i s t ó r i a q u e d á o r ig e m a
d o u t r i n a s , r i t u a i s e e s tilo s d e v id a p a r ti c u la r e s . O G o o g le c a te q u i z a o s
seu s f u n c io n á r io s c o m c e r ta “ f o r m a d e v i d a ” , e o in te r c â m b io d o a c e rv o
a b re -s e c a d a d ia c o m u m r itu a l d e s in o s t o c a n d o , p a la v r a s e s a c r a m e n to s ,
d o g m a s e h á b i t o s d o v iv e r d i á r i o q u e c o n s t i t u e m u m “ c u l t o r a c i o n a l ”
e m v is ta d a s a p a r e n t e s m is e r ic ó r d ia s e d a f a lt a d e m i s e r i c ó r d ia d a in v i-
sív el m ã o d o m e r c a d o . A r r a i g a d o n a h i s t ó r i a d e M a o m é , o is la m is m o é
o r g a n iz a d o e s t r i t a m e n t e p o r u m a s é r ie d e d o g m a s , r i t u a i s e c ó d ig o s d e
c o n d u t a q u e m o d e l a m a i d e n t i d a d e d e m ilh õ e s d e p e s s o a s a o r e d o r d o
m u n d o . A s c r ia n ç a s j u d i a s o r t o d o x a s r e c e b e m e m c a d a P á s c o a i n s t r u -
ç ã o p a r a c o n s i d e r a r e m a si m e s m a s c o m o s e n d o a q u e le s q u e Y a h w e h
l i b e r t o u d o E g ito .
O que realmente d is tin g u e o c r is tia n is m o é o c o n t e ú d o e s p e c ífic o d a
s u a n a r r a tiv a , s u a s r e iv in d ic a ç õ e s d e v e r d a d e , e o c u lto e o m o d o d e v iv e r
q u e e sse s f a to r e s g e r a m . A fé c r is tã é d i r e c i o n a d a p e lo e v a n g e lh o n o s e u
c e r n e , c o m u m a p e ç a t e a t r a l q u e se d e s d o b r a d e G ê n e s is a A p o c a lip s e .
L o n g e d e se r u m c a tá lo g o d e p r in c íp io s e te r n o s e d e v e r d a d e s a te m p o r a is ,
a B íb lia é p r o c la m a d a p e lo s a p ó s to lo s c o m o a h is tó r ia d o s p r o p ó s ito s re -
d e n to r e s d e D e u s . H á u m g e n u ín o m o v i m e n to d a c r ia ç ã o à q u e d a , e a o
lo n g o e f r e q u e n te m e n te t o r t u o s o c a m i n h o d a p r o m e s s a d e u m r e d e n t o r
a té o s e u c u m p r i m e n t o e m J e s u s C r is to .
E s s a é u m a d a s r a z õ e s p e l a s q u a i s s u r g i u e m I s r a e l u m a c o n s c iê n -
c ia v e r d a d e i r a m e n t e h i s t ó r i c a . E n q u a n t o a s c o s m o v is õ e s p a g ã s a n t i g a s
s ã o c íc lic a s (c o m e s te m u n d o c o m o u m a o b s c u r a im a g e m d o m o v im e n -
t o e t e r n o d o s c o r p o s c e le s te s ) , o p a d r ã o d e p r o m e s s a - c u m p r i m e n t o d a
r e v e la ç ã o b íb lic a é o r i e n t a d o n o s e n tid o d o s a c o n te c im e n to s h is tó r ic o s .
E n q u a n t o a s n a ç õ e s c e le b r a v a m o s c ic lo s a n u a is d e n a s c im e n to , m o r t e e
r e n a s c im e n to p o r m e io d a s e s ta ç õ e s n a t u r a i s , a s fe s ta s d e I s r a e l g ir a v a m
e m t o r n o d e n o v o s a to s d e ju íz o e d e l i v r a m e n to d e Y a h w e h . S o m o s im -
p e lid o s a s a ir d e n ó s m e s m o s p a r a o “ n o v o f e i t o ” q u e D e u s r e a l i z o u e
q u e a in d a re a liz a rá n o fu tu ro .
P o r t a n t o , a s g e r a ç õ e s m a is n o v a s e r a m i n s t r u í d a s e m c a d a P á s c o a a
se c o n s i d e r a r e m c o m o a q u e le s q u e t i n h a m p a s s a d o p e lo m a r V e r m e lh o
c o m M o is é s . A n te s d e t u d o , o ê x o d o f o i H i s t ó r i a , m a s e s ta fo i in te r io -
r i z a d a c o m o a h i s t ó r i a v iv a d o p o v o d a a li a n ç a n a m e d i d a e m q u e e les
im e r g ir a m n a c o n t í n u a v id a d a fid e lid a d e p a c tu a i d e D e u s . N ã o e r a a p e -
nas história objetiva-, e r a ta m b é m a história deles.
A r e m e m o r a ç ã o d e s s a n a r r a t i v a fo i o t e m a d o m e u liv r o a n t e r i o r , A
vida segundo o evangelho. M e s m o q u e o o u ç a m o s e x p o s t o d e G ê n e s is
a A p o c a lip s e a n o s s a v id a i n t e i r a , a p e n a s c o m e ç a m o s a s o n d a r a s s u a s
p r o f u n d e z a s . N o e n t a n t o , é n e s s e e n r e d o b á s ic o q u e p r e c is a m o s e n tr a r .
P e lo m e n o s e m p a r t e , é is s o q u e s ig n ific a s e r b a t i z a d o e m C r is to , re v e s -
tir - s e d e C r i s t o , s e r e s c r ito n o s e u r o t e i r o p e lo E s p í r i t o S a n to . O s a lm o
7 8 r e m e m o r a a s r e v ir a v o l t a s d a n a r r a t i v a s o b r e a a li a n ç a d e D e u s : “ O
q u e o u v im o s e a p r e n d e m o s , o q u e n o s c o n t a r a m n o s s o s p a is , n ã o o e n -
c o b r ir e m o s a se u s filh o s ; c o n t a r e m o s à v in d o u r a g e r a ç ã o o s lo u v o r e s d o
O OBJETIVO 161

Senhor, e o s e u p o d e r , e a s m a r a v ilh a s q u e f e z ” (v .3 -4 ). D e p o is o s a lm is -
ta p a s s a a r e le m b r a r a m is e r ic ó r d ia d e D e u s , a s tr a n s g r e s s õ e s d e I s r a e l, e
o f a to d e D e u s t e r d e s ig n a d o D a v i p a r a g o v e r n a r a s u a c a s a , a p e s a r d o s
p ecad o s d o seu p o v o .
D e ssa n a r ra tiv a s u rg e u m g ra n d e n ú m e ro d e im p o rta n te s d o u trin a s .
D is c e r n im o s o s a t r i b u t o s d o s e u a t o r c e n tr a l à m e d id a q u e D e u s a g e n a
c r ia ç ã o , n o ju íz o , n a s p r o m e s s a s , n o liv r a m e n to e n a c o n s u m a ç ã o d o se u
r e in o . P a s s a m o s a c o n h e c e r D e u s e m tr ê s p e s s o a s : o P a i, o F ilh o e o E s-
p í r i t o . P a s s a m o s a e n t e n d e r t a m b é m q u e m s o m o s , t a n t o n a n o s s a c r ia -
ç ã o à im a g e m d e D e u s c o m o n a t r a g é d i a d o p e c a d o o r ig in a l. C o n t u d o ,
ta m b é m o u v im o s o e v a n g e lh o d e D e u s , c o n d u z id o s p e la s s o m b r a s d a lei
a J e s u s C r is to c o m o o n o s s o p r o f e ta , s a c e r d o te e re i. S u a e n c a r n a ç ã o , s u a
o b e d iê n c ia a tiv a , s u a m o r te le v a n d o s o b r e si a m a ld iç ã o e a s u a re s s u r r e i-
ç ã o q u e d e s tru iu a m a ld iç ã o , b e m c o m o a su a a sc e n sã o e o seu re to r n o
e m g ló r ia , g a n h a m c r e s c e n te c la r e z a e p le n itu d e à m e d id a q u e a n a r r a d -
v a se d e s d o b r a . D e s c o b r im o s o s e n tid o d o r e in o e d a ig re ja d e C r is to , d o
m in is té r io d a ig r e ja , s e u s o fíc io s e s e u g o v e r n o . E a g u a r d a m o s o f u t u r o
c u m p rim e n to d a s p ro m e ssa s de D e u s p a r a o n o v o m u n d o .
A o lo n g o d o c a m in h o , c a d a re c ita l d a h is tó r ia e c a d a e n te n d im e n -
to m a i s p r o f u n d o d e u m a d o u t r i n a r e v e l a d a le v a m - n o s a f a z e r p a u s a
p a r a m e d ita ç ã o , d e ix a n d o - n o s c a ti v a r p e la s r e v e la ç õ e s q u e t r a n s c e n d e m
p a la v r a s e m is té r io s e n c a n t a d o r e s d e m a is p a r a s e r e m p l e n a m e n te c o m -
p r e e n d id o s p o r n o s s a r a z ã o . V e m o s a s n o s s a s in v e s tig a ç õ e s se r e n d e r e m
à a d o r a ç ã o e a o lo u v o r : c o n h e c e n d o D e u s v iv e n c ia lm e n te , e n ã o a p e n a s
s a b e n d o a lg o a r e s p e ito d e le .
E e n t ã o o n o s s o d i s c i p u l a d o fa z s e n tid o . N ã o é m e r o a t i v i s m o , m a s
u m a a tiv id a d e p r o v i n d a d o f a to d e t e r m o s s id o fe ito s d e s t i n a t á r io s p a s -
siv o s d e u m r e in o i n a b a lá v e l. A g o r a o n o s s o d i s c i p u l a d o n ã o e s tá m a is
f o c a liz a d o n a n o s s a v id a in te r io r , n a m o r a l i d a d e e n a e x p e r i ê n c i a , m a s
n a v i tó r ia d e C r is to s o b r e o p e c a d o e a m o r te .
N ã o s o m o s e n v ia d o s a o m u n d o p a r a m u d á -lo , p a r a tra n s f o rm á -lo ,
p a r a fa z e r d e le o r e in o d e D e u s . A n te s , s o m o s e n v ia d o s a o m u n d o c o m o
p e s s o a s e s c o lh id a s p o r D e u s e p o r ele r e d im id a s , c h a m a d a s , ju s tif ic a d a s
e r e n o v a d a s , e q u e s a b e m q u e a c o n d iç ã o d o m u n d o é m u i to p i o r d o q u e
o s n o s s o s v iz in h o s p e n s a m , e q u e o f u t u r o d e D e u s p a r a ele é m u ito m a is
g lo rio s o d o q u e eles (o u n ó s ) p o d e m im a g in a r. P o d e p a re c e r, n a s u p e rfíc ie ,
q u e a s n o s s a s b o a s o b r a s n ã o s ã o d if e r e n te s d a s p r a ti c a d a s p e lo s n o s s o s
v iz in h o s e c o le g a s d e t r a b a l h o n ã o c r is tã o s . P o d e m o s a g ir a o la d o d e n ã o
c r e n te s n o c u id a d o d e u m a c r ia n ç a c o m u m a d o e n ç a te r m in a l, p a r ti c ip a r
d e m a r c h a s p e lo s d i r e i t o s d e u m a m i n o r i a o p r i m i d a o u c o n t r a o a b o r -
t o , p a g a r n o s s o s i m p o s to s e a j u d a r v ítim a s d e d e s a s tr e s . N o e n t a n t o , o
n o s s o m o d o d e s e r n o m u n d o - a s m o tiv a ç õ e s b á s ic a s d o n o s s o c o r a ç ã o
- é f o r m a d o p e la h i s t ó r i a , p e la d o u t r i n a e p e la d o x o l o g i a q u e r e s u lt a m
d e t e r m o s s id o u n id o s a C r is to p e lo E s p ír ito . C o m o n o s s a s a n tif ic a ç ã o ,
o e f e ito t r a n s f o r m a d o r d a n o s s a v id a s o b r e o u t r a s p e s s o a s s e r á a lg o q u e
e le s n o t a r ã o m a is d o q u e n ó s m e s m o s .

D a GRAMÁTICA À r e t ó r ic a : r e c u p e r a n d o o s in s t r u m e n t o s p e r d id o s

DO DISCIPULADO
E m m u i to s a s p e c to s , e s s a c o n e x ã o e n t r e d r a m a , d o u t r i n a , d o x o l o g i a e
d is c ip u la d o s e g u e a t r a n s i ç ã o d a g r a m á t ic a p a r a a r e tó r ic a n a e d u c a ç ã o
c lá s s ic a . O s q u e e s tã o f a m ilia r iz a d o s c o m a o b r a d e D o r o th y S a y e rs, Lost
tools of learning [O s r e c u r s o s p e r d id o s d o a p r e n d i z a d o ] d e v e m se le m -
b r a r d e c o m o e la e x p lic a o m o d e l o e d u c a c i o n a l c lá s s ic o d e g r a m á t i c a ,
d ia lé tic a (ló g ic a ) e r e tó r ic a . N o s p r i m e i r o s a n o s d a n o s s a v id a e s t u d a n -
til, s o m o s e s p o n ja s q u a n t o à gramática - n ã o s o m e n te d a lín g u a , m a s d e
t u d o . É e sse o t e m p o d e a p r e n d e r a s c o r e s p r i m á r i a s , o s n o m e s c o m u n s
d a s c o is a s e o s n o m e s p r ó p r i o s d a s p e s s o a s , c o m o le r liv r o s e m ú s ic a ,
e c o m o n o s c o m p o r t a r à m e s a . C a s o v o c ê t e n h a m a is d e u m filh o n e s -
s a fa s e , v e r á q u e e les g o s t a m d e a p o n t a r p a r a o s p o n t o s f r a c o s d o s se u s
i r m ã o s e ir m ã s n e s s a s q u e s tõ e s . E le s e s tã o a p r e n d e n d o a gramática que
u s a r ã o s im p le s m e n te c o m o é d e se e s p e r a r a o lo n g o d e t o d a a v id a . E n -
t ã o , v e m o e s tá g io d a dialética (ló g ic a ), q u a n d o g o s t a m d e a r g u m e n ta r ,
q u e s t i o n a r e e x p l o r a r a s c o n e x õ e s e n tr e v á r io s a s s u n to s . (Isso se c h a m a
s e r u m a d o le s c e n te .) F in a lm e n te , c h e g a m a o e s tá g io d a retórica, quando
c o m e ç a m a c o m u n ic a r s u a s c o n v ic ç õ e s c o m s u a s p r ó p r ia s p a la v r a s , c o m
m a is r ic o d is c e r n im e n to e c o m m a is c la r e z a , c a p a c i d a d e d e p e r s u a s ã o e
b e le z a . T o r n a m - s e p r o f ic ie n te s p r a ti c a n t e s d e u m a lín g u a p a r tic u la r . E s-
ses e s tá g io s se re f le te m n ã o s o m e n te n o p e n s a m e n t o e n a c o m u n ic a ç ã o ,
m a s t a m b é m n o viver.
Q u a n d o c r ia n ç a s , a p r e n d e m o s a a n d a r d e b ic ic le ta d a n d o a te n ç ã o , p ri-
m e iro , a o s p e d a is e a o g u id ã o , d e s v ia n d o c o m s o la v a n c o s p a r a a e s q u e r d a
e p a r a a d ir e ita . D e p o is d e c a ir a lg u m a s v e z e s, g r a d a t i v a m e n t e d o m in a -
m o s o e q u ilíb r io . Se e s tu d a m o s u m i n s t r u m e n t o m u s ic a l, f o c a liz a m o s a s
te c la s e a e s c a la , p o n d o a te n ç ã o n a s n o ta s d a p á g in a . N u m s e n tid o ó b v io ,
a m ú s ic a é e x t e r n a e m r e la ç ã o a n ó s : u m o b je to n u m a p á g in a . S ó d e p o is
O OBJETIVO 163

d e m u i t a p r á t i c a c o m e ç a m o s a t o c a r a m ú s ic a s e m f o c a l i z a r o s n o s s o s
d e d o s . N o d e v id o t e m p o , n o s v e m o s v iv e n d o a m ú s ic a , h a b i t a n d o - a . E la
d e ix a d e s e r a lg o e s t r a n h o . T o r n a - s e p a r t e d a n o s s a v id a .
O p r o c e s s o é o m e s m o p a r a a p r e n d e r a ler, d e g u s ta r u m v in h o d e b o a
q u a lid a d e c o m b o m p r o v e it o , in ic ia r u m n o v o p a s s a te m p o o u t o r n a r - s e
u m c ie n tis ta e s p e c ia liz a d o e m p e s q u is a . É , d e f a to , d e s s e m o d o q u e n o s
to r n a m o s p ro f ic ie n te s e m q u a lq u e r c o is a : c o m o p a is , a m ig o s , n a m o r a d o s ,
e n c a n a d o r e s e j o g a d o r e s d e f u te b o l. E esse o e s tá g io in ic ia l d e a p r e n d e r
a g r a m á t ic a , q u e a s c r ia n ç a s a c h a m t ã o n a t u r a l e o s a d u l t o s a c h a m t ã o
d e s a fia d o r, m a s é e s s e n c ia l, se é q u e h a v e m o s d e jo g a r o jo g o d a v id a e m
t o d a a s u a v a r ie d a d e e r iq u e z a .
A q u e le s q u e n u n c a a p r e n d e r a m a g r a m á t i c a t e n d e m a e s t a r s e m p r e
d o la d o d e f o r a d e u m a c u l t u r a , o l h a n d o p a r a d e n t r o d e la . A q u e le s q u e
n u n c a a p r e n d e r a m a p e n s a r c la ra m e n te e a r e la ta r o se u c o n h e c im e n to
s e g u in d o u m p a d r ã o c o e r e n te , m u ita s v e z e s v e r ã o q u e é n e c e s s á r io s im -
p le s m e n te s e g u ir a p a la v r a d o s c h a m a d o s p e r ito s p a r a a s c o is a s e m g e ra l.
E a q u e le s q u e n u n c a a p r e n d e r a m a e x p r e s s a r- s e b e m - t a n t o e m p a la v r a s
c o m o e m a ç õ e s - m u i ta s v e z e s se v e r ã o c a tiv o s d e p o d e r e s p e r s u a s iv o s
q u e p o d e m n ã o p a r t i l h a r d a s c r e n ç a s e p r á tic a s q u e e les d iz e m s e r e sse n -
c ia is à s u a id e n tid a d e .
P o d e -s e c o m p a r a r o d is c ip u la d o c r is t ã o c o m esse m o d e lo d e a p r e n d í-
z a d o . P r im e ir o , a p r e n d e m o s a g r a m á tic a e le m e n ta r. C e r ta m e n te e la in c lu i
m e m o r iz a ç ã o . E p o r is s o q u e é i m p o r t a n t e d e c o r a r v e r s íc u lo s - c h a v e d a
B íb lia , e fo i p o r is s o q u e a R e f o r m a r e s ta b e le c e u a p r á t i c a d e c a te c is m o
d a I g r e ja P r im itiv a , s e g u n d o o q u a l o s p a is , c o m o t a m b é m o s p a s t o r e s ,
d e v ia m e n s in a r ig u a lm e n te jo v e n s e a d u lto s .
M u i t o s d e n ó s f o m o s c r ia d o s n a e r a d o s p r in c íp io s e d u c a c io n a is m o -
d e r n o s , n o s q u a is a c r ia n ç a é o c e n tr o d o u n iv e rs o . N e s s a v is ã o r o m â n tic a
d a in f â n c ia , m u ita s v e z e s a id e ia é q u e o s n o s s o s p r e c io s o s p e q u e n in o s já
tê m t u d o d e q u e n e c e s s ita m n o i n t e r i o r d e le s , e o o b je tiv o d a in s t r u ç ã o é
s im p le s m e n te d e s c o b r ir o se u p o te n c ia l. Is s o g e r a lm e n te é r e a liz a d o c o m
g e n e r o s a s d o s e s d e e lo g io g r a t u i t o d e s t i n a d o a f a z e r in f la r a a a u t o e s -
t i m a d e le s . E , a c im a d e t u d o , a p r e n d e r t e m d e s e r divertido! H á m u i to
“ e d u c a m e n t o ” p o r a í p r o m e t e n d o e lim in a r a s é r ia r e s p o n s a b i li d a d e d e
to r n a r - s e a d u l t o . E s e m p r e d iv e r tid o e x a m i n a r e s tu d o s q u e in d ic a m q u e ,
m e s m o q u a n d o a lu n o s d o s e c u n d á r io o u d e f a c u ld a d e n o r te - a m e r ic a n o s
fic a m e m ú l t i m o l u g a r e m m a t e m á t i c a e c iê n c ia , e le s e s t ã o e m p r im e i-
r o l u g a r n a a u t o e s t i m a ( ju lg a n d o q u e se s a ír a m m e lh o r n a p r o v a d o q u e
164

a c o n te c e u r e a lm e n te ) , e n q u a n to o c o r r e e x a ta m e n te o in v e rs o q u a n t o a o s
a s iá tic o s e a o s e u r o p e u s .
N a tu r a l m e n t e , o p e r ig o é ó b v io : c a d a v ez m a is , e ssa s g e r a ç õ e s e x ig e m
p r o g r a m a s r á p id o s e fá c e is p a r a r e s u lta d o s im e d ia to s . M a s m u ita s c o is a s
im p o r t a n t e s q u e p r e c is a m o s a p r e n d e r n ã o s ã o n e m d iv e r tid a s , n e m r á p i-
d a s , n e m fá c e is: o c a s a m e n to e a c r ia ç ã o d e u m a f a m ília , p o r e x e m p lo . E
q u e m q u e r s e r a t e n d i d o p o r u m m é d ic o q u e r e c e b e u a s u a i n s t r u ç ã o m é-
d ic a p o r c o r r e s p o n d ê n c i a p o r u m c u r s o fe ito p e la in te r n e t? E n t r e t a n t o ,
m u i to s c r is t ã o s e s t ã o d i s p o s t o s a s u je ita r - s e a e m p e n h a r - s e n a r e t ó r i c a
s e m t e r e m a p r e n d i d o a g r a m á t ic a e a ló g ic a d a fé . Se a c o n v e n iê n c ia , a
a c e s s ib ilid a d e e a g r a tif ic a ç ã o i m e d ia ta f o r e m o s n o s s o s c r ité r io s , a c a b a -
re m o s c o m c o m id a se m o s n u tr ie n te s n e c e s s á rio s , v in h o b a r a t o e v id a su -
p e r fic ia l. Q u a n d o tr a z e m o s c o n o s c o e s s a a b o r d a g e m p r e g u iç o s a d a v id a
p a r a a ig r e ja , j a m a is p o d e r e m o s s u b i r a c im a d o n ív e l d e c o n s u m i d o r e s
p a r a o d e d is c íp u lo s . C o m o a m u l ti d ã o q u e s e g u iu J e s u s e n q u a n t o ti n h a
c o m id a d e g ra ç a , a b a n d o n a r e m o s J e s u s q u a n d o ele m o s t r a r a p a r te d ifícil.
C a d a v e z m a is s a b e n d o m e n o s a t a b u a d a e a g r a m á t ic a , n o s s o s filh o s
e s tã o ta m b é m s e n d o p r iv a d o s d e f a m ilia r iz a r - s e c o m o e n r e d o b á s ic o , os
p e r s o n a g e n s , a s d o u tr in a s e a s p r á tic a s d o c r is tia n is m o . E , ta m b é m , a im -
p o r t a n t e ê n fa s e n a r e la ç ã o p e s s o a l (in d iv id u a l) c o m C r is to p o d e se r fa ls a -
m e n te in te r p r e ta d a c o m o o p o s ta a o a p r e n d iz a d o d e u m a fé c o m p a r tilh a d a .
N o e n t a n t o , a g r a m á tic a d a fé n ã o se a p r e n d e só p o r in s tr u ç ã o d ir e ta .
E la t a m b é m a c o n te c e m e d ia n te p a is v ig ila n te s e ir m ã o s e ir m ã s v iv e re m
s u a fé , e p e la p a r t i c i p a ç ã o n o c u l t o p ú b lic o c o m c r e s c e n te e n te n d im e n -
to e e n v o lv im e n to p e s s o a is . A s c r ia n ç a s a p r e n d e m a g r a m á t ic a d o e v a n -
g e lh o p e lo c a n to , p e la l e i t u r a p ú b lic a d a E s c r itu r a , p e la s o r a ç õ e s e p e lo
q u e e la s p o d e m c a p t a r d o s s e r m õ e s , d o s b a t i s m o s e d a s c e le b r a ç õ e s d a
C e ia - e d a s c o n v e r s a s q u e e la s o u v e m n a c o m u n h ã o d o s s a n t o s . T a m -
b é m a p r e n d e m a g r a m á tic a o b s e r v a n d o c o m o o s a d u lto s a u s a m n a v id a
d i á r i a , t a n t o f ie lm e n te q u a n t o d e m a n e i r a in fie l. I s s o s ig n ific a q u e e la s
tê m r e a lm e n te q u e fic a r p e r to d o s c r is tã o s m a is v e lh o s , e m v e z d e p a s s a r
t o d o o s e u t e m p o c o m c r ia n ç a s d a m e s m a id a d e .
S e g u n d o , c o m e ç a m o s a fa z e r p e r g u n ta s a c e rc a d o q u e n o s e n s in a m . (A
p r o p ó s ito , q u a n t o a esse e s tá g io - b a s ic a m e n te , a d o le s c ê n c ia - s ã o n e c e s-
s á r io s c a te q u is ta s o u p r o f e s s o r e s d a E s c o la D o m in ic a l q u e in c e n tiv e m o
q u e s t i o n a m e n t o e m v ez d e s im p le s m e n te p a p a g u e a r e m e a c e ita r e m p a s -
s iv a m e n te a g r a m á t ic a .) C o m e ç a m o s a v e r a s c o n e x õ e s e n t r e u m e p is ó -
d io d a B íb lia e o u t r o , m e s m o q u e e s te ja m e m d if e r e n te s T e s ta m e n to s . O
O OBJETIVO 165

p la n o d a E s c r itu r a e m d e s d o b r a m e n to c o m e ç a a fa z e r s e n tid o , e a s d iv e r-
sa s d o u t r i n a s c o m e ç a m a e n c o n t r a r a s s u a s c o n e x õ e s ló g ic a s .
F in a lm e n te , c o m o c r is tã o s m a d u r o s , o s c r e n te s c o n f e s s a m s u a fé p e lo
fa la r, p e lo c a n t o e p e la o r a ç ã o , c o m s e n t i m e n t o p e s s o a l, e p o d e m c o m -
p a r t i l h a r s u a fé n a c o n v e r s a n a t u r a l e p e r s u a s iv a c o m o u t r a s p e s s o a s , es-
t a n d o p r o n t o s a e x p lic a r e a d e f e n d e r a fé ( l P e 3 .1 5 ) . D e ss e m o d o , eles
e d ific a m o u t r o s s a n to s c o m s e u s d o n s e a p r e s e n t a m C r is to a in c r é d u lo s .
A o lo n g o d e to d o esse p ro c e s s o , re a lm e n te n ã o h á u m a c la r a d iv is ã o
e n tr e c o n h e c e r , s e n tir e fa z e r. P r in c ip a lm e n te q u a n d o a m a d u r e c e m o s , a
d o u t r i n a e a v id a t o r n a m - s e v i r t u a l m e n t e u m a c o is a s ó . N ã o q u e r o d i-
z e r q u e se t o r n a m m a is perfeitas, m a s s im m a is c o m o jogando fu te b o l
e m v e z d e e s t u d a n d o a s r e g r a s . M e s m o q u a n d o n ã o e s ta m o s e s t u d a n d o
u m a v e r d a d e p a r tic u la r , e s ta m o s v iv e n d o c o m e la , m o v e n d o - n o s c o m e la
e s e n t i n d o c o m e la . C o m e ç a m o s a a p r e n d e r a t o c a r p i a n o f o c a l i z a n d o
d e s a je ita d a m e n te a s n o t a s , a s te c la s e o s n o s s o s d e d o s , e, d e p o is d e m u i-
to s a n o s d e p r á ti c a , v e m o - n o s s im p le s m e n te t o c a n d o a m ú s ic a . S o m e n te
q u a n d o c o m e te m o s e r r o s o lh a m o s d e n o v o p a r a a n o ta q u e p e r d e m o s o u
p a r a a c o l o c a ç ã o d o s n o s s o s d e d o s . S e m p r e p r e c i s a m o s v o l t a r a o liv r o
d e m ú s ic a , e x p a n d i n d o e a p r o f u n d a n d o o n o s s o r e p e r t ó r i o , m a s c o m o
o b je tiv o d e t o c a r d e f a to .
C o m o n o a p r e n d i z a d o d e u m a n o v a l í n g u a o u d e p i a n o , o d i s c íp u -
lo n ã o p o d e s im p le s m e n te c o m e ç a r a v iv e r a v id a c r is tã s e m a p r e n d e r a
g r a m á tic a e a ló g ic a d a fé c r is tã . N ã o q u e r e m o s a p e n a s “ t o c a r d e o u v i-
d o ” ; q u e r e m o s t o c a r p e la p a r t i t u r a d e D e u s . O u , p a r a v o l t a r à a n a lo g ia
d o d r a m a , n ã o q u e r e m o s a p e n a s e s c re v e r o n o s s o r o t e i r o p a r a o film e d a
n o s s a p r ó p r i a v id a ; q u e r e m o s t e r u m p a p e l c o m o u m n o v o p e r s o n a g e m
d o d r a m a d e D e u s e m d e s e n v o lv im e n to , a p r e n d e n d o esse p a p e l n o r o te ir o
e s c rito p o r ele. E isso n ã o é u m t e a t r o d o im p r o v is o , n e m u m m o n ó lo g o .
A f o r m a ç ã o d o d is c íp u lo só p o d e o c o r r e r e m c o m u n id a d e , n a a lia n ç a d a
g r a ç a e m q u e o T r in o D e u s p r o m e te u s a lv a r - n o s , a m o ld a r - n o s à im a g e m
d e C r is to e g u a r d a r - n o s a té o fim .
A n o s s a c u l t u r a o c id e n ta l fa z u m a c la r a d is tin ç ã o e n tr e t e o r i a e p r á ti-
c a , e isso te m a f e ta d o o n o s s o c o n c e ito d o r e la c io n a m e n to e n tr e d o u t r i n a
e v id a . N o A n tig o T e s ta m e n to , “ s e g u i r ” o S e n h o r o u “ a n d a r a p ó s ” e le
e n v o lv ia a m e n te , o c o r a ç ã o e t o d o o c o r p o . S ig n ific a v a e n t e n d e r e a c e i-
ta r a v e r d a d e , r e s p o n d e r c o m fé e g r a ti d ã o , e o f e r e c e r t o d o o p r ó p r io se r
e m o b e d iê n c ia . A fé v e m p e lo o u v ir , n ã o p o r c o n t e m p l a r , e s p e c u l a r o u
im a g in a r. A P a la v r a d e D e u s p r e c is a s e r e n te n d id a , m a s e sse c r e s c im e n to
166

n a g ra ç a o c o r re p o r u m e n v o lv im e n to c o o r d e n a d o d e to d a s as n o s s a s
f a c u ld a d e s : o u v id o s , o lh o s , m ã o s , c o r a ç ã o , m e n te e p é s . O s e u c o r a ç ã o
te m d e s e r m o v id o p o r o u t r a c o is a q u e n ã o u m a e x u b e r â n c ia e m o c io n a l,
m a s , c o m o v o c ê p o d e d iz e r q u e c o n h e c e D e u s , se n ã o c o n fia n e le n e m se-
g u e o s e u m a n d a m e n to q u e e x ig e a m a r - n o s u n s a o s o u t r o s (Jo 1 5 .7 -1 7 )?

M a is q u e im it a ç ã o

A s E s c r i t u r a s n o s d i r e c i o n a m p a r a a lg o m a i o r , m a is p r o f u n d o e m a is
tra n s fo rm a d o r d o q u e aimitação de Cristo. E la s f a la m s o b r e e s t a r m o s
r e a lm e n te unidos a Cristo·, c r u c if ic a d o s , e n t e r r a d o s e r e s s u s c ita d o s c o m
e le , v iv e n d o n o s s a v id a n o m u n d o ( n ã o n u m c la u s tr o ) c o m o q u e m e s tá
a s s e n ta d o c o m C r is to .
E s s a m a r a v ilh o s a v e r d a d e é o a n t í d o t o t a n t o p a r a a p r e g u iç a q u a n t o
p a r a o le g a lis m o . P o r u m la d o , o e v a n g e lh o n o s d iz q u e t o d o a q u e le q u e
é ju s tif ic a d o ta m b é m é r e n o v a d o e e s tá s e n d o c o n f o r m a d o g r a d u a lm e n te
à im a g e m d e C r is to . E n t ã o , n ã o h á l u g a r p a r a o c r e n te q u e é p e r d o a d o
e, n o e n t a n t o , n ã o e s tá s e n d o s a n tif ic a d o . P o r o u t r o la d o , n ã o é p o r q u e
a lg u é m , h o m e m o u m u lh e r , e s tá i m i t a n d o o e x e m p lo d e C r i s t o q u e ele
o u e la e n t r a n e sse tip o d e n o v a c r ia ç ã o , m a s sim p o r q u e e s s a p e s s o a e s tá
u n i d a a C r is to p e la fé s o m e n te , p r o d u z in d o o f r u to d a ju s tiç a . A g r a ç a é
t a n t o u m f a v o r d e D e u s p o r c a u s a d e C r is to c o m o o d o m d e C r is to c o m
t o d o s o s s e u s b e n e f íc io s , q u e in c lu i a p r e s e n ç a p e r m a n e n t e d o E s p ír ito
s e m p r e r e n o v a d o r e m c a d a c r is tã o .
E m b o r a p e r m a n e c e n d o p e c a d o r e s , o s c r e n te s a g o r a l u t a m c o n t r a o
p e c a d o q u e re s id e n e le s . O e v a n g e lh o , n ã o p r in c íp io s p a r a a tin g ir a v id a
m a is e le v a d a , é a r e s p o s t a d o a p ó s t o l o P a u lo à p e r g u n ta : “ P e r m a n e c e -
r e m o s n o p e c a d o , p a r a q u e s e ja a g r a ç a m a is a b u n d a n t e ? ” ( R m 6 .1 ) . O
a p ó s t o l o n ã o s e p a r a o c o r p o d e C r is to e m c r is tã o s c a r n a is e e s p ir itu a is .
A n te s , e le s i m p le s m e n te d e c l a r a q u e todo aquele q u e fo i b a tiz a d o em
C r is to é ju s tif ic a d o e r e n o v a d o in te r io r m e n te , p a r ti l h a n d o s u a m o r te , se u
s e p u lta m e n to e s u a r e s s u r r e iç ã o . E sse é o a n ú n c io in d ic a tiv o (e v a n g e lh o )
d e c o m o a s c o is a s s ã o p a r a todos o s c r e n te s .
P o r is s o , d e v e m o s o l h a r p a r a o im p e r a tiv o (a o r d e m ) q u e d e c o r r e d is-
s o , e, c o m o o fa z u s u a lm e n te , P a u lo n ã o n o s d e s a p o n ta : " ... N ã o r e in e ,
p o r t a n t o , o p e c a d o e m v o s s o c o r p o m o r t a l , d e m a n e ir a q u e o b e d e ç a is às
s u a s p a i x õ e s ” (R m 6 .1 2 ) . E , e n t ã o , e le v o lta a o in d ic a tiv o : “ ... o p e c a d o
n ã o te r á d o m ín io s o b r e v ó s ; p o is n ã o e s ta is d e b a ix o d a lei, e sim d a g ra -
ç a ” (R m 6 .1 4 ) . E le n ã o d iz : “ C e r tif iq u e m - s e d e q u e o p e c a d o n ã o te n h a
O OBJETIVO 167

d o m í n io s o b r e v o c ê s ” , o u : “ A q u i e s t ã o o s p r i n c í p i o s p a r a v e n c e r e m o
d o m ín io d o p e c a d o ” . A n te s , ele s im p le s m e n te d e c la r a o e s ta d o d e c o is a s ,
a s a b e r, q u e o p e c a d o não pode d o m i n a r a q u e le s q u e e s tã o e m C r is to , e
não os dominará; s u a t i r a n i a fo i d e s t r u í d a d e c is iv a m e n te .
A in d a p e c a m o s , m a s n u n c a d a m a n e ir a c o m o o fa z ía m o s a n te r io r m e n -
te. A g o r a n ó s a m a m o s o q u e o d iá v a m o s e o d ia m o s o q u e a m á v a m o s . R o -
m a n o s 7 f o c a liz a e sse p a r a d o x o . P o r m a is f r e q u e n te m e n te q u e e r r e m n a
v id a c r is t ã , a p e n a s o s c r e n te s lutam contra o p ecad o , p o rq u e o p ecad o
é t a n t o u m a r e a l i d a d e p e r m a n e n t e (c o m m u i to s re v e s e s ) c o m o ta m b é m
o in im ig o d o c r e n te . R o m a n o s 6 e 7 p a r e c e m q u a s e c o n t r a d i t ó r i o s . H á
a d e c is iv a d e r r u b a d a d o d o m ín io d o p e c a d o , s e g u id a p o r u m r e la t o p e s-
s o a i d e r e p e tid a s f a lh a s n a v id a c r is tã . M a s n ã o se t r a t a a í d e d e s c riç õ e s
d e d o is tip o s d e c r is tã o ( v ito r io s o e c a r n a l) , n e m m e s m o d e d u a s d ife r e n -
te s c o n d i ç õ e s n a s q u a i s o c r e n t e p o d e r i a e s t a r e m d iv e r s o s e s tá g io s d a
v id a . A n te s , c a d a p e s s o a q u e e s tá e m C r is to é d e f in id a s im u lta n e a m e n te
p o r e s s a e x p e r iê n c ia p a r a d o x a l . C o m o P a u lo c o n c lu i n o fim d o c a p ítu lo
7 , a ú n ic a c o is a q u e p o d e r e s t a u r a r a n o s s a e s p e r a n ç a e m fa c e d o c o n fli-
t o e s p i r i t u a l é v e r C r i s t o c o m o e le e s tá v e s tid o e m s e u e v a n g e lh o . P a r a
a n o s s a s a n tif ic a ç ã o , n ã o é d e p r in c íp io s p a r a a v itó r ia , n e m d e té c n ic a s
p a r a a s c e n s ã o e s p ir itu a l, n e m d e u m a n o v a e x p e r iê n c ia - u m a “ s e g u n d a
b ê n ç ã o ” - q u e n e c e s s ita m o s , m a s s im d o m e s m o e v a n g e lh o m e d i a n t e o
q u a l s o m o s ju s tif ic a d o s .
E m p a r te a lg u m a d e s s a p a s s a g e m e s tr e la - g u ia p a r a a v id a c r is tã P a u lo
d irig e a n o s s a a te n ç ã o p a r a a im ita ç ã o d e C r is to . E le já p i n to u u m q u a d r o
p o r d e m a is s o m b r io (r e a lis ta ) d a d e p r a v a ç ã o h u m a n a p a r a im a g in a r q u e
o d ia b o , o m u n d o e o n o s s o c o ra ç ã o p e c a m in o s o p o d e r ía m se r u m ad -
v e r s á r io à a l t u r a d o n o s s o m a is p r o f u n d o c o m p r o m is s o d e s e g u ir o e x e m -
p io d e C r is to . C r is to n ã o v e m p a r a m e l h o r a r a n o s s a v id a , m a s p a r a n o s
m a t a r a fim d e n o s t o r n a r v iv o s n e le . E le n ã o n o s c h a m a s im p le s m e n te
p a r a q u e im ite m o s C r is to , m a s p a r a q u e v iv a m o s e d e s e n v o lv a m o s a n o s -
sa u n iã o c o m ele. E le n ã o se o fe re c e a p e n a s p a r a e d i t a r o r o t e i r o q u e n ó s
e s c re v e m o s p a r a a n o s s a v id a (o u q u e a c u l t u r a e s c re v e u p a r a n ó s ) , m a s
v e m p a r a e s c re v e r-n o s n a s u a p e ç a . C o n s e q u e n te m e n te , a n te s d e p r o f e r ir
u m im p e r a tiv o , ele a n u n c ia o in d ic a tiv o d o e v a n g e lh o : a o b r a s a lv ífic a d e
C r is to r e a liz o u m u ito m a is d o q u e im a g in a m o s . A o b r a d o E s p ír ito , p e la
q u a l ele n o s u n e a C r is to , fa z d e n ó s n ã o m e r o s im ita d o r e s , m a s m e m b r o s
v iv o s d o c o r p o d e C r is to . F o m o s i n c o r p o r a d o s - b a t i z a d o s - n a m o r t e ,
n o s e p u l t a m e n t o e n a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to .
‫ ו‬68

C o m o m u i to s e v a n g é lic o s , D a lla s W i l l a r d v ê o d i s c i p u l a d o m a is e m
t e r m o s d a i m it a ç ã o d e C r i s t o m e d i a n t e p r á t i c a s e s p ir itu a is p a r ti c u la r e s
d iá r ia s d o c r is tã o . E le te m o c u id a d o d e a c r e s c e n ta r : “ N ã o e s ta m o s fa la n -
do aq u i de perfeição, nem de conquistar o d o m d e D e u s d a v id a . N o s s a
p r e o c u p a ç ã o é s o m e n te c o m a m a n e ir a d e entrar n e s s a v i d a ” .4 C o n t u d o ,
n ã o e s tá c la r o , p e lo m e n o s p a r a m im , c o m o entrar n e s s a v id a p o r n o s s a
v o n t a d e e p o r n o s s o e s f o r ç o d if e r e d e conquistá-la. D e q u a l q u e r m o d o ,
s e g u n d o W i l l a r d , n ã o e n t r a m o s n a v id a d o E s p ír ito a n ã o s e r m e d ia n te
p r á ti c a s d iá r ia s q u e le v e m a u m a t r a n s f o r m a ç ã o in te r io r .
E m m e u m o d o d e v er, e s s a p e r s p e c tiv a p o p u l a r n ã o é suficientemen-
te r a d ic a l n a s u a v is ã o d e f a z e r d is c íp u lo s . H á u m l u g a r p r ó p r i o p a r a a
i m it a ç ã o d o e x e m p lo d e C r i s t o , m a s is s o n ã o é o e v a n g e lh o ; é a lei. T e-
m o s u m m a n d a m e n to a o q u a l o b e d e c e m o s im p e r f e ita m e n te b a s e a d o s n a s
b o a s - n o v a s d a o b e d iê n c ia , m o r te e r e s s u r r e iç ã o d e C r is to e m n o s s o fa v o r.
Q u a n d o se fa z d is s o u m a c o n d i ç ã o p a r a “ e n t r a r n e s s a v i d a ” d a g r a ç a e
d o E s p ír ito , a i m it a ç ã o d e C r is to t o r n a - s e u m a lei c o n d e n a t o r i a . É in te -
r e s s a n te q u e P a u lo p e d e a T im ó te o p a r a im itá - /o , p r in c ip a lm e n te p o r q u e
“ e u , p e lo e v a n g e lh o , v o s g e re i e m C r is to J e s u s ” ( I C o 4 . 1 5 ) . '‫יי‬
‫־‬, T e m o s n e -
c e s s id a d e d e b o n s e x e m p lo s p a r a im ita r. N ã o s o m o s o fic ia is s o litá r io s , se-
g u n d o a n o s s a p r ó p r ia lu z in te rio r, m a s d is c íp u lo s q u e p a r tic ip a m d a v id a
d a ig re ja , o s c r e n te s m a is n o v o s a p r e n d e n d o c o m o s m a is v e lh o s . N a c o -
m u n h ã o c r is tã , s o m o s f o r m a d o s p e lo s s á b io s p a d r õ e s d e u m c a r á t e r e d e
h á b i t o s p ie d o s o s q u e flu e m d a s p r o f u n d e z a s m a d u r a s d o c r e s c im e n to n a
g r a ç a p r o v a d o p e la v id a . T o d a v ia , n ã o é e s s a a p r in c ip a l m is s ã o d e J e s u s
C r is to . Q u a n d o o a p ó s t o l o P a u lo a p o n t a p a r a C r is to é c o m o Salvador e
Senhor. A té m e s m o q u a n d o s o m o s c h a m a d o s p a r a s e g u ir o e x e m p lo d e
s e r v iç o a m o r o s o d e C r is to , isso p e r te n c e a o “ te r c e ir o u s o d a le i” , q u e é:
o r i e n t a r o s c r e n te s e m s u a a g r a d e c id a r e s p o s ta a o e v a n g e lh o . E u m m o d o
de v id a , n ã o u m c a m in h o para a v id a .
A v id a d e C r is to é ú n ic a . E le n ã o v e io c o m o m e r o p r o t ó t i p o p a r a o u -
t r o s s e g u ir e m , m a s c o m o o S a lv a d o r d o m u n d o q u e u n e a si p e c a d o r e s
p a r a q u e c o m p a rtilh e m sua v i tó r ia s o b r e o p e c a d o e a m o r t e . G r a ç a s a
C r is to , n ã o e s ta m o s m a is f e c h a d o s n o c ír c u lo v ic io s o d e lu ta r , d o m i n a r e
fa z e r to d a s a s o u t r a s p e s s o a s g ir a r e m a o r e d o r d o n o s s o so l. C o m o C ris -
t o , v iv e m o s p a r a o s o u t r o s , n ã o m e r a m e n te p o r q u e o e s ta m o s s e g u in d o ,
m a s p o r q u e e s ta m o s in e x tr ic a v e lm e n te u n id o s a ele p e lo s e u E s p ír ito . *

* Cf. lTm 1.2; 2Tm 3.10-11. (N. do T.)


0 OBJETIVO ‫ ו‬69

E n c o n tr a m o s a m e s m a m e n s a g e m n o s lá b io s d o n o s s o S e n h o r e m J o ã o
1 5. S eu s d is c íp u lo s n ã o e s tã o a p e n a s p e r d o a d o s ; lig a d o s a ele c o m o a V i-
d e ir a q u e d á v id a , e les se t o r n a m r a m o s v iv o s , d a n d o f r u t o q u e p e r m a -
n e c e r á . N ã o te m o s v id a e m n ó s m e s m o s , J e s u s C r i s t o d iz a e le s. I m i t a r
C ris to , e m si m e s m o , é m e r a r e p r e s e n ta ç ã o , c o m o c o la r f r u ta p lá s tic a n u m
r a m o m o r t o . S o m e n te d e p o is d e i n s i s t i r n e s s e p o n t o s o b r e a v id a p e la
união c o m ele, J e s u s e m ite o s seu s im p e r a tiv o s n o s e n tid o d e q u e a m e m o s
e s ir v a m o s u n s a o s o u t r o s c o m o ele n o s a m o u e n o s s e r v iu .
H á u m m u n d o d e d if e r e n ç a e n tr e te r m o s u m p a p e l- m o d e lo c u jo e x e m -
p io n u n c a c o n s e g u ir e m o s r e p r o d u z ir , e s e r m o s c o r ta d o s d a á r v o r e m o r t a
d e A d ã o p a r a s e r m o s e n x e r t a d o s n a Á r v o r e d a V id a . F a z e r o q u e J e s u s
fez é d if e r e n te d e d a r o f r u t o d a v id a r e ta d e C r is to . A v e r d a d e é q u e a s
c o is a s m a is i m p o r t a n t e s q u e J e s u s fe z n ã o p o d e m s e r d u p l i c a d a s . U m a
v ez q u e ele c u m p r i u a lei e m n o s s o lu g a r, s o f r e u a m a ld iç ã o q u e n o s c a -
b ia e fo i r e s s u s c ita d o e m g ló r ia p a r a a s s u m ir o s e u t r o n o à d e s tr a d o P a i,
p o d e m o s t e r u m r e la c i o n a m e n t o c o m e le - e c o m o P a i - u m r e la c io n a -
m e n t o q u e é m u i t o m a is í n t im o d o q u e o r e l a c i o n a m e n t o d e u m a l u n o
c o m s e u p r o f e s s o r o u d e u m s e g u id o r c o m o s e u m e s tr e .

O po d e r de D e u s p a r a o d is c ip u l a d o

C o m o R ic h a r d F o s te r, D a lla s W illa r d e n te n d e q u e o r e a l p r o b l e m a é q u e
te m s id o d a d a m u i t a ê n f a s e à g r a ç a e à ju s tif ic a ç ã o : “ Se h á a lg o q u e já
d e v e r ia m o s s a b e r é q u e um evangelho de justificação somente não re-
genera discípulos” .s M u i t a s p a s s a g e n s fre q u e n te m e n te tr a ta d a s c o m o
“ p a s s a g e n s s o b r e o p e r d ã o ” , t r a t a m r e a lm e n te d o n o v o n a s c im e n to e d a
t r a n s f o r m a ç ã o , a r g u m e n t a e le .6
Q u a n t o a is s o , p o d e m o s e r r a r e m d u a s d ire ç õ e s . O p r im e ir o e r r o c o n -
s is te e m s u b o r d i n a r ( o u a s s im ila r ) a ju s t if ic a ç ã o à s a n t i f i c a ç ã o . G e r a l-
m e n te is s o é fe ito p o r u m a p r e o c u p a ç ã o e m r e f u t a r o a n t i n o m is m o (i.e .,
a v is ã o d e q u e a g r a ç a e lim in a q u a l q u e r n e c e s s id a d e d e o b e d iê n c ia a o s
m a n d a m e n to s d e D e u s). O s e g u n d o e r r o , u m a r e a ç ã o c o n t r a o le g a lis m o ,
é s e p a r a r a ju s tif ic a ç ã o d a s a n tif ic a ç ã o , c o m o se u m a p e s s o a p u d e s s e t e r
u m a sem a o u tra .
N o e n t a n t o , a g l ó r i a d a n o v a a li a n ç a é q u e o m e s m o e v a n g e lh o q u e
a b s o lv e p e c a d o r e s t a m b é m o s r e n o v a e o s s a n tif ic a . F o n g e d e c r i a r u m
s u b je tiv is m o e in d iv id u a lis m o m ó r b id o , c o m o e ssa v is ã o f r e q u e n te m e n te é
a c u s a d a , e la n o s lib e r ta d e c u r v a r - n o s s o b r e n ó s m e s m o s , q u e ix a n d o - n o s
a r e s p e i to d e n o s s a p r ó p r i a a lm a . N u m a e m o c i o n a n te c a r t a a o c a r d e a l
S a d o le to , C a lv in o c o n f ir m o u is s o q u a n d o a r g u m e n t o u q u e s o m e n te se n -
d o l i b e r ta d o s d e t e r d e a m a r o s n o s s o s s e m e lh a n te s p a r a a te n d e r à n o s s a
p r ó p r i a s a lv a ç ã o é q u e s o m o s c a p a z e s d e r e a l m e n t e a m á - l o s p o r c a u s a
d e le s m e s m o s .7 A s a n tif ic a ç ã o é u m a v id a n ã o d e a d q u i r i r m o s , m a s d e
re c e b e rm o s d o e x c e sso d a d iv in a a le g ria q u e d e p o is c o n tin u a a tra n s -
b o rd a r em ex cesso p a r a o n o sso p ró x im o e d o n o sso p ró x im o p a r a n ó s.
E n q u a n t o R o m a s im p le s m e n te a s s im ilo u a ju s tif ic a ç ã o à s a n tif ic a ç ã o ,
a R e f o r m a a f ir m o u a m b a s c o m o d o n s d is tin to s e, n o e n t a n t o , in s e p a r á -
v e is. G . C . B e r k o u w e r r e s p o n d e à q u e le s q u e n e g a m o in te r e s s e d e L u te -
r o p e la r e n o v a ç ã o m i s e r ic o r d io s a d o s c r e n te s o p e r a d a p o r D e u s : “ P a r a
q u e m q u e r q u e t e n h a u m m í n im o d e c o n h e c i m e n t o d o s e s c r ito s d e L u -
te r o , e s s a c o n c e p ç ã o é in a c e itá v e l. A té m e s m o u m a in ic ia ç ã o d e fic ie n te é
s u f ic ie n te p a r a q u e a p e s s o a se c o n v e n ç a d e q u e , p a r a L u t e r o , ju s tif ic a -
ç ã o sig n ific a m u ito m a is d o q u e u m a c o n te c im e n to e x te r n o se m n e n h u m a
im p o r t â n c i a p a r a o h o m e m i n t e r i o r ” .8 C o m o se d á c o m o r e la c io n a m e n -
t o d a d o u t r i n a d a s u b s t it u i ç ã o c o m o u t r o s a s p e c to s d a e x p i a ç ã o , a s s im
ta m b é m a ju s tif ic a ç ã o f o r e n s e n ã o s o m e n te d á l u g a r a o u t r o s b e n e fíc io s
d e C r is to , m a s t a m b é m é s u a f o n te e g a r a n tia . A fé n o s u n e a C r is to p a r a
ju s tif ic a ç ã o , s a n tific a ç ã o e g lo rific a ç ã o . A ssim , c o n q u a n to s e ja m o s u n id o s
a C r i s t o p e la fé s o m e n te , p r e c is a m e n te p o r q u e e s ta m o s u n id o s a C r is to
a fé n u n c a p e r m a n e c e s o z in h a . E só p o r q u e a fé recebe t o d a b o a d á d iv a
d e D e u s , in d e p e n d e n te m e n te d e b o a s o b r a s , é q u e a fé p o d e ocuparse d e
b o a s o b r a s , c u i d a n d o d o s n o s s o s s e m e lh a n te s c o m a m o r.
O s r e f o r m a d o r e s v ia m “ C r is to p o r n ó s ” (a ju s tiç a a lh e ia im p u ta d a ) e
“ C r is to e m n ó s ” (a ju s tiç a s a n tif ic a d o r a i n f u n d i d a ) , n ã o s o m e n te c o m o
c o m p a tív e is , m a s t a m b é m c o m o in e x tr ic a v e lm e n te r e la c io n a d a s . A g r a -
ça é ta n to favor de D e u s c o m o seu dom. O e v a n g e lh o n ã o é a n o s s a e x -
p e r iê n c ia d e c o n v e r s ã o ( “ c o m o fu i s a l v o ” ). N ã o é u m r e l a t ó r i o s o b r e o
q u e a c o n te c e u o u a c o n te c e d e n t r o d e n ó s . A n te s , é s e m p r e u m a m e n s a -
g e m a r e s p e i to d o q u e D e u s fe z d e c is iv a e s i n g u l a r m e n t e e m s e u L ilh o
p a r a a n o s s a s a l v a ç ã o . E , p r e c i s a m e n t e c o m o a c o n te c e c o m a P a l a v r a
e x t e r n a e m r e la ç ã o a n ó s , o e v a n g e lh o t r a n s f o r m a - n o s p a r a s e m p r e d e
d e n tro p a r a fo ra .

M a is q u e n o v o s h á b it o s : o fr u t o d o E s p ir it o
Em After you believe [ D e p o is q u e v o c ê c r ê ] , N . T . W r i g h t a f ir m a q u e
a tu a lm e n te m u ito s c r is tã o s e s tã o c o n f u s o s . E les c o n f ia r a m e m C ris to , m a s
a g o r a p r e c is a m s a b e r c o m o viv er. N o e n t a n t o , o u fic a m p a r a l i s a d o s p o r
O OBIETIVO 171

te m e r o le g a lis m o , o u c a e m d e f a to n u m a p i e d a d e m e r a m e n te o r i e n t a d a
p o r le is o u r e g r a s . W r ig h t e x p lic a q u e o s c r is t ã o s s ã o c h a m a d o s p a r a a
o b e d iê n c ia , e is s o r e q u e r t r a b a l h o . N ã o a c o n te c e p u r a e s im p le s m e n te .
E m b o r a ele fa ç a u m a c a r ic a tu r a d a s v isõ e s d o s r e f o r m a d o r e s , isso e r a a lg o
q u e eles e n f a tiz a v a m . P rin c ip a lm e n te n a tr a d i ç ã o r e f o r m a d a , a s é ria v is ã o
d a v id a c r is tã c o m o d e u m a l u t a p a r a a v id a i n t e i r a - u m a l o n g a c a m i-
n h a d a n a m e s m a d ir e ç ã o - fo i e n f a tiz a d a . P r e c is a m o s d e n o v o s h á b ito s ,
e eles e n v o lv e m d is c ip lin a s e s p ir itu a is q u e in c o r p o r a m o s in te n c io n a lm e n -
te à s n o s s a s r o t i n a s a tiv a s . M a is q u e W i l l a r d e F o s te r, W r ig h t e n f a tiz a a
i m p o r tâ n c ia d a r e u n iã o c o r p o r a t i v a d o s s a n to s p a r a a p r e g a ç ã o e p a r a o
s a c r a m e n to . O d is c ip u la d o é “ u m e s p o r te d e e q u i p e ” .9
N o e n t a n t o , se é m a i s d o q u e u m a q u e s t ã o p r i v a d a e i m i t a ç ã o d e
C r is to , n o N o v o T e s ta m e n to o d is c ip u la d o ta m b é m é m a is d o q u e n o v o s
h á b i t o s . N ã o h á d ú v i d a d e q u e a u n i ã o c o m C r is to d á o f r u t o d o E s p í-
r i t o , e, p o r s u a v e z , e le m o t iv a n o v o s h á b i t o s , m a s h á p e r ig o e m p e n s a r
q u e o s n o v o s h á b i t o s s ã o e m si a f o n te d a n o s s a v id a . A s s im c o m o b o a s
leis n ã o f a z e m b o n s c i d a d ã o s , o s c r e n te s n ã o p o d e m to r n a r - s e b o n s p e -
lo s b o n s h á b i t o s .
C o e r e n te c o m o e n s in o d e J e s u s e m J o ã o 1 5 , P a u lo p r im e ir o e x p lic o u
a o s g á l a t a s q u e e le s e s ta v a m e m C r i s t o e d e p o is o s c h a m o u p a r a a n d a -
r e m n o E s p ír ito , c o l o c a n d o o f r u t o d a c a r n e p a r a m o r r e r e p r o d u z i n d o
o f r u t o d o E s p í r i t o (G1 5 . 1 6 - 6 . 1 0 ) . N e s s e c a s o , o E s p í r i t o é o Espírito
Santo, não o nosso e s p í r i t o o u “ s e r i n t e r i o r ” . E o E s p í r i t o q u e te s tif ic a
d e C r i s t o , d i r e c i o n a n d o a n o s s a fé u n i c a m e n te p a r a ele . U n id o s a C ris -
to p e la fé m e d ia n te o E s p ír ito , d e v e m o s v iv e r c o m o q u e m já fo i d e f in id o
p o r e s s a id e n tid a d e .
U m a n o v a id e n t i d a d e p r o d u z n o v a s a t i t u d e s , e n o v a s a t i t u d e s p r o d u -
z e m n o v o s h á b i t o s . E m E fé s io s 4 P a u lo e x p lic a q u e o d o m d e p a s t o r e s e
m e s tre s e d ific a o c o r p o d e C r is to in d u z i n d o - o à m a t u r i d a d e . D e p o is , n o
c a p ítu lo 5 , o a p ó s t o l o a c r e s c e n ta :

Sede... imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor,


como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós,
como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave. Mas a impudi-
cicia e toda sorte de impurezas ou cobiça nem sequer se nomeiem
entre vós, como convém a santos;... Portanto, vede prudentemen-
te como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o
tempo, porque os dias são maus. (Ef 5.1-3; 15-16)
O a p ó s t o l o lis ta a lg u n s d o s e le m e n to s d o f r u to d o E s p ir ito e m G á la -
ta s 5 , c o n t r a s ta n d o - o s c o m o f r u t o d a c a r n e :

As obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza,


lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfías, ciúmes, iras, dis-
córdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coi-
sas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como
já, outrora, vos prevení, que não herdarão o reino de Deus os que
tais coisas praticam. Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domí-
nio próprio. Contras estas coisas não há lei. E os que são de Cristo
Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscencias.
Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. (G1 5.19-25)

À m e d id a q u e a m a d u r e c e m o s n a g r a ç a e n o c o n h e c im e n to d e C r is to ,
t o r n a m o - n o s m a is ú te is n o s n o s s o s r e la c i o n a m e n t o s m ú tu o s .
C o n t u d o , v iv e m o s n u m a e r a q u e é c h e ia d e in v e ja e ó d i o , e n ã o d e
a m o r e p a z , im e rs o s n u m a c u ltu r a q u e c e le b ra o f r u to d a c a r n e . P o d e m o s
admirar o s q u e se d e d ic a m a l tr u is tic a m e n te a o s p o b r e s e a o s m a r g in a li-
zad o s, m as gostaríamos de ser a s c e le b r id a d e s q u e a t r a e m n o s s o s o lh o s
n a s c a p a s d a s r e v is ta s . E m a g u d o c o n t r a s te c o m a s g e r a ç õ e s a n t e r i o r e s ,
p a g a m o s s a lá r io s e x tr a v a g a n te s a c e le b r id a d e s - a to r e s , a t le ta s , m o d e lo s
e h o m e n s d e n e g ó c io s - e n q u a n t o p r o f e s s o r e s , o p e r á r i o s e u m a m ir ía d e
d e o u t r o s h o m e n s e m u lh e r e s q u e f o r n e c e m b e n s e s e rv iç o s e s s e n c ia is vi-
v e m à b e ir a d a p o b r e z a . N o s s o s h á b ito s re fle te m n o s s a p a r ti c ip a ç ã o n e s -
ta c u l t u r a d e c o n s u m is m o e d e c e le b r id a d e s . N o d o m in g o , e s ta m o s m a is
d i s p o s t o s a a s s i s t i r a u m film e q u e e s t á s e n d o m u i t o c o m e n t a d o o u a
p a s s a r o d ia c o m o p o v o d e D e u s ? C o n s id e r a m o s o shopping center t ã o
a t r a t i v o q u e p r e f e r im o s s e r c o n s u m i d o r e s e m v e z d e h e r d e ir o s p a c tu a is
a té m e s m o n o d ia q u e D e u s p r o m e te u p a s s a r c o n o s c o ?
P a u lo a d v e r t i u T i m ó te o d e q u e a té m e s m o n a ig r e ja h a v e r í a a q u e le s
q u e p r o m e te m s a ú d e , r iq u e z a e fe lic id a d e e n q u a n to c ita m v e r s íc u lo s f o r a
d o c o n te x to :

Sabe... isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os


homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfe-
madores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoa-
dos, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos
do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres
O OBJETIVO 173

que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entre-


tanto, o poder. Foge também destes. (2Tm 3.1-5)

M u i t o s d o s e le m e n to s d o “ f r u to d o E s p i r i t o ” m e n c io n a d o s p o r P a u lo
p o d e r ia m m u i to b e m e s ta r e m q u a l q u e r lis ta d e tr a ç o s p o s itiv o s d o c a r á -
ter. D u r a n t e a m a i o r p a r t e d a s u a h i s t o r i a , o c r is tia n is m o te m in c e n tiv a -
d o o s p r im e ir o s e m d e t r i m e n t o d o s s e g u n d o s :

Mansidão e brandura Orgulho e afirmação pessoal


Fidelidade para com os afligidos e provados Perpétua inovação e novidade
Lento crescimento na mesma direção Rápido e fácil sucesso pelo uso de métodos eficientes
Compromisso/lealdade/fidelidade Conveniência/inconstância
Responsabilidade (presença) Anonimato (ausência)
Gratificação adiada Gratificação instantânea
Poupar e dar Gastar e consumir
Pastorear/ensinar Empreendimento empresarial/entretenimento
Reflexão serena e paciente, e ação prudente Ação altissonante, expressiva e impulsiva
A maturidade da idade adulta (crescer) As modas da mocidade (“jovens para sempre”)
Viver uma vida piedosa Passar bons momentos
Agradar a Deus e servir ao próximo Agradar à multidão e servir a si próprio

N e n h u m c r is t ã o - m u i to m e n o s q u a l q u e r e r a d a ig r e ja - p o d e a le g a r
q u e d o m i n o u o s h á b ito s p ie d o s o s d o c o r a ç ã o . A lé m d o m a is , a s c a r a c te -
r ís tic a s d a c o lu n a d a e s q u e r d a p o d e m to r n a r - s e u m p r e te x to p a r a p a s s iv i-
d a d e , fa ls a h u m ild a d e e u m c o n s e r v a d o r is m o m o r to . N o e n t a n t o , o q u e é
d if e r e n te q u a n t o à n o s s a c u l t u r a a t u a l - e m u ita s v e z es q u a n t o à s n o s s a s
ig re ja s, f a m ília s e v id a - é q u e , p e lo m e n o s n a p r á tic a c o n c r e ta , c h e g a m o s
a celebrar e ssa s c a ra c te rís tic a s a c im a d a q u e la s . Se a s p r ó p r ia s ig re ja s e s tã o
s e n d o e s ta b e le c id a s , m u ltip lic a d a s e s u s te n ta d a s c o m b a s e e m p re s s u p o s i-
çõ es d a c a rn e , e n ã o d o E s p írito , n ã o d e v e m o s fic a r s u rp re s o s q u a n d o le m o s
p e s q u is a s q u e d iz e m q u e c r is tã o s p r o f e s s o s n ã o s ã o r e a lm e n te d is c íp u lo s ,
q u e c r e e m e v iv e m d e m o d o n ã o d if e r e n te d o s se u s v iz in h o s n ã o c r is tã o s .
O n t e m , o u v i u m a e n tr e v is ta c o m u m a jo v e m p e lo r á d io . F o i p e r g u n -
t a d o a e la , n u m a c o m p e tiç ã o i n t i t u l a d a “ L e ia p a r a c r e s c e r ” , p o r q u e e la
g o s ta v a d e le r liv ro s a té m e s m o d u r a n te a s fé ria s d e v e r ã o . C o m e n tu s ia s -
m o , a jo v e m f a lo u s o b r e o s m u ito s o u t r o s m u n d o s q u e e la h a v ia v is ita d o
n o s liv r o s . “ O q u e v o c ê d ir ia a a lg u é m q u e d is s e s s e q u e is s o é t e d io s o e
q u e ele n ã o c o n s e g u e 1er?” , o e n tr e v is ta d o r p e r g u n to u . “ V o cê só te m q u e
c o m e ç a r ” , a jo v e m r e p lic o u . “ Q u a n t o m a is v o c ê lê, m a is q u e r c o n t i n u a r
a f a z e r is s o . E n t ã o , a l e i t u r a p a s s a a s e r u m h á b i t o , e é o q u e m a is v o c ê
q u e r fa z e r s e m p re q u e p o d e . ” E c o m o s e ria se o s p a is e o s jo v e n s p a s to r e s
a d o ta s s e m e s s a a b o r d a g e m q u a n t o a o d is c ip u la d o c o m m a is f r e q u ê n c ia ?
P r e c is a m o s d e s e s p e r a d a m e n te r e c u p e r a r b o n s h á b ito s : s e p a r a r o D ia
d o S e n h o r, a c a te q u e s e f a m ilia r e o c u lto d o m é s tic o , c o m o ta m b é m a o ra -
ç ã o e a m e d ita ç ã o p e s s o a l e m p r iv a d o . C o m o a c o n te c e c o m q u a lq u e r v o -
c a ç ã o , o c r e s c im e n to n a g r a ç a e n o c o n h e c im e n to d e C r is to n ã o a c o n te c e
p u r a e s im p le s m e n te . R e q u e r n o v a s p r i o r i d a d e s e d e c is õ e s c o n c r e ta s to -
d o s o s d ia s . C o n t u d o , é o f r u to e n ã o a o r ig e m d a n o s s a e n t r a d a n a n o v a
c r ia ç ã o q u e C r i s t o já c o n q u i s t o u p a r a n ó s . T a n t o o c u lto p ú b lic o c o m o
a s d is c ip lin a s p e s s o a is p a r ti c u la r e s p o d e m se t o r n a r r o t i n a s s e m s e n tid o
a m e n o s q u e c o n tin u a m e n te n o s e x p o n h a m o s a o T rin o D e u s, q u e n o s
f a la p o r m e io d a s u a P a la v r a e d o s e u E s p ír ito .

D is c ip u l a d o d e s l ig a d o

C e r t a v e z , u m jo v e m e m p r e s á r i o n o r t e - a m e r i c a n o ( v a m o s c h a m á - l o d e
J a c k ) e n c a n t o u - s e c o m u m r e ló g io c u c o m u i t o b e m e l a b o r a d o , q u e e le
c o m p r o u u m d ia n u m a v ila e x ó tic a q u a n d o e s ta v a in d o d e c a r r o d e G e -
n e b r a p a r a Z u r i q u e . U m a n o d e p o is , J a c k v o l t o u lá c o m e s t a id e ia : se
p u d e s s e d e s c o b r i r c o m o o r e ló g i o q u e e le c o m p r a r a e r a f e it o , p o d e r i a
d e s e n v o lv e r u m p r o t ó t i p o e m a n d a r f a b r i c a r n a C h in a p a r a d is tr ib u iç ã o
e m m a s s a a o r e d o r d o m u n d o . O r e ló g io p o d e r ia s e r f e ito m a is r a p i d a -
m e n te e c o m m a is e fic iê n c ia e, a s s im , s e r ia m a is b a r a t o , u m a v e z q u e o s
s e g r e d o s d a s u a f a b r ic a ç ã o fo s s e m p o s to s n o p a p e l. D e p o is d e lo c a liz a r o
a r tífic e q u e h a v ia f e ito o s e u r e ló g io , J a c k a b r iu s e u laptop, p ro n to p a ra
t o m a r n o ta s , e c o m e ç o u a p e r g u n ta r d e ta lh e s s o b r e a f a b r ic a ç ã o d o re ló -
g io . L o g o , p o r é m , o a r tífic e p a s s o u a n ã o c o n s e g u ir d a r a s r e s p o s ta s , d e
m o d o q u e o e m p r e s á r i o p r o c u r o u v e r c o m o o a r tíf ic e f a z ia o t r a b a l h o .
“ C o m o v o c ê fe z e s s a p e ç a ? ” , p e r g u n t o u . “ N ã o s e i ” , o a r tíf ic e r e s p o n -
d e u . “ F a z a n o s q u e e u f a ç o isso . C re s c í f a z e n d o e sse s r e ló g io s c o m m e u
p a i - e s ta lo ja é d e le - e o q u e f a ç o é s im p le s m e n te a lg o q u e e s tá n o m e u
s a n g u e , e u a c h o .” F in a lm e n te , J a c k t e n t o u c o p ia r o re ló g io , c o m to d a s a s
s u a s p e ç a s , m a s o r e s u lt a d o n ã o fo i o e s p e r a d o . V o c ê s im p le s m e n te n ã o
c o n s e g u e fa z e r u m a g r a n d e p e ç a d a c u l t u r a u s a n d o f ó r m u la s q u e p o s s a m
s e r f e ita s e m s é rie e d u p lic a d a s n u m a lin h a d e p r o d u ç ã o .
O d is c ip u la d o c r is tã o é m u ito p a r e c id o c o m o o fíc io d o s a r te s ã o s . N ã o
p o d e s e r p r o d u z id o p o r m e io d e f ó r m u la s , p r in c íp io s e p a s s o s . O s d isc i-
p u lo s n ã o s ã o fe ito s n u m a lin h a d e p r o d u ç ã o . N ã o h á n e n h u m e s q u e m a
O OBJETIVO 175

p a r a to r n a r - s e e s p ir itu a l r a p id a m e n te . E x ig e te m p o , e n e r g ia , e s f o r ç o , p a -
c iê n c ia e h a b ilid a d e . A lg u m a s c a r a c te r ís tic a s c o m p a r t il h a d a s id e n tif ic a m
r e ló g io s c u c o m u i to b e m f a b r i c a d o s , m a s c a d a p e ç a é f e ita à m ã o , c o m
s u a s m a r c a s p r ó p r ia s . Is s o fa z p a r t e d o c h a r m e d e le s.
C o m o a rtífic e s d e D e u s, c a d a u m d e n ó s fo i r e c r ia d o p e lo P a i, e m C ris-
t o , e e s tá s e n d o c o n f o r m a d o à im a g e m d e C r i s t o p e la p o d e r o s a h a b ili-
d a d e d o E s p ír ito . “ Is s o é t e o l o g i a ” , a lg u é m p o d e r á d iz e r, “ n ã o r e c u r s o s
e i n s tr u m e n to s p r á ti c o s p a r a a v i d a ” . T u d o o q u e p o d e m o s d iz e r é q u e é
o p r ó p r i o D e u s q u e n o s d iz , p o r m e io d a s u a P a la v r a , q u e a s c o is a s m a is
p r á tic a s q u e p r e c is a m o s s a b e r s ã o a s m a r a v ilh o s a s v e r d a d e s d o q u e D e u s
fe z, e s tá f a z e n d o e f a r á p o r n ó s n a p e s s o a d e s e u F ilh o . A t r a n s f o r m a ç ã o
n ã o o c o r r e p o r m e io d e f ó r m u la s d e u m a f o r m a t a m a n h o ú n ic o , m a s p o r
p e r te n c e r m o s a u m a c o m u n id a d e q u e n o s im e rg e n o d r a m a , n a d o u tr in a ,
n a d o x o l o g i a e n o d i s c i p u l a d o d a “ fé q u e u m a v e z p o r t o d a s f o i e n tr e -
g u e a o s s a n t o s ” (Jd 3 ). S ig n ific a p e r te n c e r m o s à c o m u n i d a d e s a n t a q u e
t r a n s c e n d e o s h á b i t o s - m u ito s d o s q u a is n ã o p o d e m s e r d e c la r a d o s e x -
p lic ita m e n te e m t a n t a s p a la v r a s . O s h á b ito s d o a r te s ã o s ã o s im p le s m e n te
d if e r e n te s d o s d o e m p r e s á r io o u d o g e r e n te in d u s tr ia l.
E s ta m o s n o s to r n a n d o c a d a vez m a is u m a s o c ie d a d e q u e e s tá p e r d e n d o
a h e r a n ç a d e s a b e d o r ia e d o s h á b ito s d o a r te s a n a t o . N ã o s u r p r e e n d e n te -
m e n te , e s ta m o s v i r a n d o u m a ig r e ja q u e e s tá p e r d e n d o a h e r a n ç a d e sa -
b e d o r ia e d o s h á b ito s d o d is c ip u la d o . A lg u n s d iz e m : “ B e m , se a o m e n o s
p u d e r m o s t e r a d o u t r i n a c e r ta , t u d o m a is se lh e s e g u ir á ” . O u t r o s g r ita m
d e v o lta : “ N ã o , a ç õ e s n ã o c r e d o s . S ó p r e c i s a m o s s e g u ir o p r o g r a m a ” .
N o e n ta n to , n e n h u m a d a s re s p o s ta s v a i a o p o n t o p r in c ip a l d e q u e c re sc e r
e m C r i s t o n ã o p o d e s e r r e d u z i d o a in te l e c t u a l i s m o o u a a tiv is m o . N ã o
h á p r o p o s i ç ã o d o u t r i n á r i a n e m p r o g r a m a e s p ir itu a l q u e n o s a m o ld e m à
im a g e m d e C r is to . O e v a n g e lh o d e v e t r a n s f o r m a r - n o s d u r a n te t o d a u m a
e x is tê n c ia d e h á b i t o s t o t a l m e n t e c o m u n s e, p o r v e z e s , d e h á b i t o s la b o -
r io s o s , q u e n e m s e m p r e p o d e m o s s e q u e r a r tic u la r .
E p o r is s o q u e o s d is c íp u lo s a n d a v a m c o m J e s u s , c o n v e r s a v a m c o m
J e s u s e o b s e r v a v a m s u a s a ç õ e s b e m c o m o o s e u e n s in o . N e s s e p r o c e s s o ,
m u ita s v e z e s é d ifíc il d is tin g u ir e n tr e i n s t r u ç ã o d o u t r i n á r i a e v id a p r á ti -
c a . Q u a n d o le m o s o s E v a n g e lh o s , o lh a m o s p o r s o b r e o s o m b r o s d e le s e
d iz e m o s : “ A h ! , o r e in o d e D e u s é is s o ! ” É a s s im q u e D e u s “ fa z u m re ló -
g io c u c o ” , p o r a s s im d izer.
E m c o n tr a s te , im a g in e m o s o q u e a c o n te c e r ia se o s p a is , o s p ro f e s s o re s ,
o s p a s to r e s , e o u t r o s q u e n o s e n s in a m v e r d a d e s e h a b ilid a d e s d e ix a s s e m
176

q u e n ó s m e s m o s n o s e n s in á s s e m o s . M u i t o p r o v a v e lm e n te , is s o le v a r ia a
u m a g e r a ç ã o q u e b a te n a s te c la s d o p i a n o s e m s a b e r a e s c a la , q u e c o n s -
t r ó i c a s a s q u e d e s a b a m e q u e c r ia a lg u m a “ c o m u n i d a d e ” c o m o s e sc a sso s
r e c u r s o s d o s lim ita d o s in te re s s e s e e x p e r iê n c ia s d e u m c ír c u lo d e a m ig o s .
R e p e tin d o o s p a is d a ig r e ja , J o ã o C a lv in o d iz ia q u e o s c r e n te s p r e c i-
s a m d o c u id a d o p a te r n o d a ig re ja d u r a n te t o d a a s u a p e r e g r in a ç ã o . H o je ,
u m a b e m c o n h e c i d a m e g a i g r e j a d e c la r a q u e , à m e d i d a q u e o s c r is t ã o s
c r e s c e m , m e n o s p r e c is a m d a ig re ja . O t r a b a l h o d a ig r e ja c o n s is te e m fa -
z e r “ a u t o a l i m e n t a d o r e s ” . C o n tu d o , d e p o is d o d e s je ju m c o m P e d r o , J e s u s
r e s s u r r e t o lh e d isse :

Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele res-
pondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse: Apascenta
os meus cordeiros. Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Si-
mão, filho de João, tu me amas? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor,
tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Pastoreia as minhas ovelhas.
Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me
amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu
me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sa-
bes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas...
Depois de assim falar, acrescentou-lhe: Segue-me. (Jo 21.15-17,19)

A G r a n d e C o m is s ã o é u m m a n d a t o p a r a q u e o s c r is tã o s r e ú n a m , a li-
m e n te m e p r o t e j a m a s o v e lh a s d e C r is to a té q u e o G r a n d e P a s to r v o lte .
O s n o s s o s filh o s , b e m c o m o t a m b é m o s n o v o s c o n v e r tid o s à fé, p re c i-
s a m d e te m p o p a r a a m a d u re c e r, e p re c is a m de p a s to re s , n ã o d e p ro g r a m a s .
E p r e c is o q u e e les p e r te n ç a m a u m a c o m u n i d a d e d e d is c íp u lo s - c r e n te s
m a is v e lh o s , c o m p a n h e i r o s s a n to s d e v á r ia s p r o f is s õ e s e d e v á r io s a n te -
c e d e n te s é tn ic o s - q u e m o s tr e m e a o m e s m o t e m p o d ig a m o q u e s ig n ific a
c o n f ia r e m C r i s t o e a m a r e s e r v ir a o p r ó x i m o . N ã o e x is te m a n u a l p a r a
is s o . N e m m e s m o a B íb lia é r e a l m e n t e u m m a n u a l d e d is c i p u l a d o . E la
é, n a v e r d a d e , u m a p e d r e i r a q u e o s p a s t o r e s e s c a v a m t o d a s e m a n a p a r a
n o s s o b e n e f íc io . A B íb lia n ã o é u m p r o g r a m a d e “ c o m o f a z e r ” , m a s a
n a r r a t i v a ú n ic a q u e d á s u r g im e n to à s d o u t r i n a s , a o s r i t u a i s d o b a tis m o
e d a C e ia , a o s h á b ito s d e lo u v o r e d e o r a ç ã o , à c o m u n h ã o , e a o te s te m u -
n h o q u e e la a u t o r i z a c o m o o n o s s o c â n o n e .
N ã o h á c a m in h o r á p id o e fácil, u m a ta lh o p a r a o su c e sso . R e q u e r m u ito
t r a b a l h o . E m b o r a n ã o e s te ja m o s t r a b a l h a n d o para a n o s s a s a lv a ç ã o , n ó s
a e s ta m o s o p e r a n d o , à m e d id a q u e D e u s o p e r a e m n ó s “ t a n t o o q u e r e r
0 OBJETIVO ‫ ו‬77

c o m o o re a liz a r, s e g u n d o a s u a b o a v o n t a d e ” (F p 2 .1 3 ) . O c a s a m e n to en -
v o lv e m u ito tr a b a l h o , e só se fo r ta le c e c o m o te m p o e p a c iê n c ia . N e n h u m
p r o g r a m a “ c o m o c r ia r u r n a f a m i l i a ” r e a lm e n te c r ia r á o s n o s s o s filh o s e
f a r á d e n ó s p a is m e lh o r e s . P a r a r e a liz a r b e m e sse t r a b a l h o , m u ita s v e z es
te m o s d e m u d a r a s n o s s a s p r i o r i d a d e s e a s n o s s a s r o t i n a s d iá r ia s . E n ã o
p o d e m o s f a z e r is s o s o z in h o s ; p r e c is a m o s d e o u t r o s . T e m o s a i n d a m a is
n e c e s s id a d e d o s h á b i t o s d e fa m ília c o n s ta n te s , c o m u n s , à s v e z e s p o r d e-
m a is f a m ilia r e s d o c u l t o d o m é s tic o , d o D ia d o S e n h o r, d a c o m u n h ã o e
d a le itu r a p e s s o a l d a B íb lia , e d a o r a ç ã o - p r in c ip a lm e n te q u a n d o o s fa r-
d o s e a s d is tr a ç õ e s d a s n o s s a s c a r r e ir a s te m p o r a is a m e a ç a m to r n a r e m - s e
íd o lo s e m v e z d e d o n s .
A té m e s m o a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is p r i v a d a s n ã o t e r ã o b e n e f íc io al-
g u m n a m o d e l a g e m d o n o s s o d i s c i p u l a d o c r is t ã o s e m o u s o d o s m e io s
d e g r a ç a c o m u n s n a ig r e ja e o d i s t i n t o t i p o d e p ie d a d e q u e s u r g e d e s s a
p r á tic a . T a lv e z , e m v ez d e d iz e r “ v id a c r i s t ã ” , d e v é s s e m o s f a la r e m “ to d a
a d u r a ç ã o d a v id a c r i s t ã ” . A té m e s m o n o fim d o s n o s s o s d ia s n ã o s e re -
m o s u m a p e ç a a c a b a d a d e e n g e n h o s id a d e d iv in a . N o e n t a n t o , o n o s s o
e s t r ê n u o e s f o r ç o é a liv re e ju b i lo s a r e s p o s t a à o b r a p e r f e i t a e a c a b a d a
d e C r is to . O b s e r v e c o m o , m a is u m a v e z , o a p ó s t o l o P a u l o lig a o im p e -
r a ti v o a o in d ic a tiv o :

Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas


prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquista-
do por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo al-
cançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para
trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo
para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo
Jesus. Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento;
e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos es-
clarecerá. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos.
(Fp 3.12-16, ênfase acrescentada)

S o m e n te c o m o e v a n g e l h o n o n o s s o c o r a ç ã o p o d e m o s d iz e r, c o m a
c o n f ia n ç a d e P a u lo : “ o s s o f r im e n to s d o t e m p o p r e s e n te n ã o p o d e m se r
c o m p a r a d o s c o m a g ló r ia a s e r r e v e la d a e m n ó s ” (R m 8 .1 8 ) .
TERCEIRA PARTE

0 plano estratégico
T ct
1
o d a d e c la r a ç ã o m i s s i o n á r i a p r e c is a d e u m b o m p l a n o e s tr a té g ic o .
A q u e le a q u e m t o d a a a u t o r i d a d e fo i d a d a , n ã o a p e n a s c o n f io u a o s
s e u s a p ó s t o l o s a m e n s a g e m e a m is s ã o , m a s t a m b é m i n s t i t u i u o s m é to -
d o s . J á s u g e r i q u e e s ta m o s s e n d o a m e a ç a d o s p e la mission creep [o u se ja ,
a te n d ê n c ia d e ir a lé m d o o b je tiv o o r ig in a l d a m is s ã o ]. O p e r ig o é e v id e n -
te n ã o a p e n a s n a s d is to r ç õ e s d a m e n s a g e m , m a s t a m b é m n a s u p o s iç ã o d e
q u e s o m o s liv re s p a r a m u d a r o p l a n o e s tr a té g ic o e n q u a n t o a v a n ç a m o s .
J e s u s n ã o s o m e n te n o s d e u a m e n s a g e m e a d e c la r a ç ã o m i s s io n á r ia ; ele
in c lu iu o p l a n o e s tr a té g ic o : como d e v e m o s c u m p r i r a G r a n d e C o m is s ã o .
6
Coroo fazgr discípulos
Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. Eis que estou
convosco todos os dias até à consumação do século.
(Mt 28.19-20)

Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda


criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém,
não crer será condenado.
(Mc 16.15-16)

E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no


partir do pão e nas orações... Enquanto isso, acrescentava-lhes o
Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.
(At 2.42,47)

á h o je m u i ta s e s t r a té g i a s p a r a f a z e r d is c íp u lo s . P r e c is a m o s le r a
B íb lia , o r a r e e n v o lv e r - n o s n a e v a n g e liz a ç ã o p e s s o a l. P r e c is a m o s
d e d ir ig e n te s e s p ir itu a is e d e g r u p o s r e s p o n s á v e is - é p r e c is o v iv e r m a is
a v id a e m c o m u n i d a d e . A lé m d is s o , p r e c is a m o s t e s t e m u n h a r c o m p a la -
v r a s e a to s p a r a o m u n d o . C o n t u d o , t o d o s esse s p o n t o s d e in te r e s s e s ã o
t r a t a d o s n a G r a n d e C o m is s ã o e m te r m o s d o m in is té r io p ú b lic o d a ig re ja
d e p r o c la m a r o e v a n g e lh o , b a t i z a r e e n s in a r . I m p o r t a n t e s c o m o s ã o p a r a
o s c r is tã o s a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is e o e n v o lv im e n to c u l t u r a l, e s s a s a ti-
v id a d e s flu e m d e sse a u t o r i z a d o s e rv iç o q u e D e u s n o s p r e s ta e m se u F ilh o
e e m s e u E s p ír ito .
O N o v o T e s ta m e n to n o s f o r n e c e m u i to s d e ta lh e s c o n c e r n e n te s à o r-
g a n i z a ç ã o e e x e c u ç ã o a p r o p r i a d a d o m in is t é r io d a ig r e ja . A o lo n g o d e
182

t o d o o liv ro d e A to s , o c r e s c im e n to d a ig r e ja é in d i c a d o p e la fr a s e : “ e a
p a l a v r a d e D e u s se e s p a lh a v a ” , j u n t a m e n t e c o m o r e la t o d e b a tis m o s d e
a d u l t o s c o n v e r t i d o s j u n t a m e n t e c o m t o d a a c a s a d e le s . E le s se r e u n ia m
r e g u la r m e n te p a r a o m in is té r io p ú b lic o d e p r e g a ç ã o e e n s in o , d a c o m u -
n h ã o , d a C e ia e d a s o r a ç õ e s . O S e n h o r a c r e s c e n ta v a d ia r ia m e n te à ig re ja
a q u e le s q u e ia m s e n d o s a lv o s (A t 2 .4 7 ) . “ A s s im , a s ig re ja s e r a m f o r ta le -
c id a s n a fé e, d ia a d ia , a u m e n t a v a m e m n ú m e r o ” (A t 1 6 .5 ) . N o N o v o
T e s ta m e n to n ã o h á d is tin ç ã o e n tr e se r d is c íp u lo e p e r te n c e r à ig re ja - n ã o
a p e n a s à ig r e ja in v is ív e l (i.e ., d o s c r e n te s r e g e n e r a d o s ) , m a s à ig r e ja v isí-
v el. S er m e m b r o d e sse c o r p o v isív e l d e C r is to é id e n tif ic a d o p e la p ú b lic a
p r o f is s ã o d e fé e b a t i s m o (n o c a s o d e c o n v e r tid o s a d u l t o s ; o in v e r s o n o
c a s o d o s p e q u e n in o s , filh o s d a a lia n ç a ) .
N u m s e n tid o , e s ta p a r t e d e s te liv r o é a m a is fá c il d e e s c re v e r, d a d a a
s im p lic id a d e e c la r e z a d o m a n d a t o d o n o s s o S e n h o r. N o e n t a n t o , é ta m -
b é m a p a r te m a is d ifíc il, p o r q u e , a o q u e p a r e c e , a tu a lm e n te n ó s n o s d e s-
v ía m o s m u i to d e s s e s m é t o d o s . E c e r t o q u e , c o m o a m e n s a g e m q u e e les
t r a n s m ite m , esse s m é to d o s s e m p re p a r e c e r a m f r a c o s e to lo s a o s o lh o s d o
m u n d o . E e sse j u l g a m e n to parece prevalecer cada vez mais nos círculos
evangélicos hoje em dia. P re g a ç ã o ? V o cê q u e r d iz e r te r m o s d ia n te d e n ó s
a lg u é m q u e n o s d iz n o q u e d e v e m o s c r e r e c o m o d e v e m o s v iv e r? Batís-
mo? E u sei q u e J e s u s o o r d e n o u , m a s n ã o se i b e m p o r q u e - a n ã o s e r
p a r a te s tif ic a r q u a n t o a o n o s s o c o m p r o m is s o d e s e g u i-lo . Q u a n t o à Ceia
do Senhor, c o n s ig o m e l e m b r a r d e a lg u m a s im p o r t a n t e s e x p e r iê n c ia s re -
la c io n a d a s c o m e la , e J e s u s a o r d e n o u , m a s n ã o é r e a lm e n te c e n tr a l n e m
n o c u lto e n e m n a m in h a v id a c o m o d is c íp u lo .
Sei q u e h á m u ita s e x c e ç õ e s , m a s , e m m in h a e x p e r iê n c ia , e ssa s re a ç õ e s
s ã o m u i to c o m u n s . S e n d o a s s im , a n o s s a a p r e c ia ç ã o d a e fic iê n c ia d e sse s
m e io s d e s i g n a d o s p o r C r i s t o d e p e n d e e m g r a n d e p a r t e d o q u e c r e m o s
a c e r c a d e le s , e m p r i m e i r o lu g a r. Se a p r e g a ç ã o é p r i m a r i a m e n te e x o r ta -
ç ã o n a q u a l d e v e m o s c r e r e q u e d e v e m o s p r a ti c a r , e se o s s a c r a m e n t o s
s ã o p r in c ip a lm e n te n o s s o s a to s d e c o m p r o m is s o , é c o m p re e n s ív e l q u e eles
n ã o s e ja m b e m a c o lh id o s . N o e n t a n t o , se s ã o meios de graça - o u s e ja ,
m e io s p e lo s q u a is D e u s n o s r e s s u s c ita d a m o r t e e s p i r i t u a l p e la p a l a v r a
d o e v a n g e lh o e r a tif ic a p u b l i c a m e n t e a s u a p r o m e s s a p a c t u a i p o r m e io
d o b a tis m o e d a C e ia - e n t ã o t u d o m u d a .
P r e g a r o e v a n g e lh o , b a tiz a r e e n s in a r t u d o o q u e C r is to o r d e n o u - in s-
tr u m e n t o s d e s ig n a d o s p a r a o t r a b a l h o d e f a z e r d is c íp u lo s - n ã o s ã o a p e -
n a s c o is a s q u e fa z e m o s p a r a in g r e s s a r n a v id a c r is tã . N ã o s ã o n e c e s s á rio s
COMO FAZER DISCIPULOS ‫ ו‬83

m e r a m e n te p a r a a c o n v e r s ã o o u p a r a e s ta b e le c e r u m a ig r e ja . S ã o m e io s
p e r p é tu o s p e lo s q u a is o s d is c íp u lo s - e o s q u e f a z e m d is c íp u lo s - s ã o fe i-
to s a o lo n g o d a v id a . E sse é o m i n is té r io q u e C r i s t o d e t e r m in o u p a r a a
n o s s a ig re ja d o m é s tic a b e m c o m o p a r a o s n o s s o s m is s io n á r io s n u m a te r-
r a e s tr a n g e ir a .
C o m b a s e n a G r a n d e C o m is s ã o - e e m m u ita s p a s s a g e n s q u e a d e s e n -
v o lv e m - a s ig r e ja s d a R e f o r m a a f ir m a m q u e a v e r d a d e i r a ig r e ja é v isí-
vel o n d e q u e r q u e a P a la v r a se ja c o r r e ta m e n te p r e g a d a e o s s a c r a m e n to s
s e ja m c o r r e t a m e n t e a d m in is tr a d o s . C o m b a s e p r in c ip a lm e n te n a s p a s s a -
g e n s q u e s e r ã o e x p l o r a d a s n o p r ó x i m o c a p í t u l o , a s ig r e ja s r e f o r m a d a s
a c r e s c e n ta m a d is c ip lin a c o m o u m a te r c e ir a m a r c a .
H o j e e sse c o n s e n s o n ã o é m a is ó b v io . M u i t o s d e n ó s f o m o s c r ia d o s
p o r a p e lo s e v a n g e lís tic o s q u e d is tin g u ia m a g u d a m e n te e n tr e “ s e r s a l v o ”
e “ u n ir - s e a u m a i g r e j a ” ; u m a “ r e la ç ã o p e s s o a l c o m J e s u s ” e “ t o r n a r - s e
m e m b r o d a ig r e ja ” . E isso r e m o n ta a o p ie tis m o e a o re a v iv a lis m o , e, a n te s
d is s o , a o s m o v im e n to s p r o t e s t a n t e s r a d ic a is , e, a i n d a a n te s , à e s p ir itu a -
lid a d e m o n á s t i c a . A id e ia é q u e o s verdadeiros d is c íp u lo s s ã o f o r m a d o s
n ã o n o t e a t r o d o m in is té r io c o m u m d a P a l a v r a - s a c r a m e n t o e d o c u id a -
d o e x e r c id o p o r p r e s b íte r o s e d iá c o n o s , m a s n o s e n c la v e s p a r a e c le s iá s ti-
e o s p a r a s u p e r e s p ir itu a lid a d e . E x a m in e m o s b r e v e m e n te o s m é to d o s q u e
C r is to in c lu iu n a G r a n d e C o m is s ã o , e d e p o is p r o c u r e m o s in t e r a g ir c o m
a lg u n s d e s a fio s .

C r is t o in s t it u iu o s m é t o d o s p a r a fa z er d is c íp u l o s

P a u lo n o s a s s e g u r a q u e n ã o p r e c is a m o s s u b ir a o c é u n e m d e s c e r à s p r o -
f u n d e z a s p a r a e n c o n tr a r C r is to , m a s q u e ele e s tá p r e s e n te n a P a la v r a q u e
é p r e g a d a (R m 1 0 .6 -8 ). S o m o s b a tiz a d o s n a m o r te , n o s e p u lta m e n to e n a
r e s s u r r e iç ã o d e C r is to (R m 6 .1 - 1 1 ) . E le d isse a o s c o r in tio s q u e , n a C e ia ,
s o m o s p a r t i c i p a n t e s d o c o r p o e d o s a n g u e d e C r i s t o ( I C o 1 0 .1 6 ) . E n o
c o n t e x t o d a p r e g a ç ã o e d a d is c ip lin a d a ig re ja , J e s u s p r o m e t e u e s ta r p r e -
s e n te n o m e io d o s e u p o v o p o r i n te r m é d io d o m in is té r io d a s c h a v e s - li-
g a n d o e d e s lig a n d o , r e te n d o e p e r d o a n d o p e c a d o s ( M t 1 6 .1 9 ; 1 8 .1 5 - 2 0 ) .

Pregando a Palavra
A B íb lia t o d a é a P a la v r a d e D e u s . C o n t u d o , e s ta P a la v r a c o n s is te d a lei
e d o e v a n g e lh o . A lei o r d e n a , d iz e n d o o q u e d e v e m o s f a z e r e n o s a m e a -
ç a n d o d e m o r te e m c a s o d e tr a n s g r e s s ã o ; o e v a n g e lh o p r o m e te , d iz e n d o -
- n o s o q u e D e u s fe z e m C r i s t o p a r a a n o s s a s a lv a ç ã o . V is to q u e s o m o s
184

d e f a to tr a n s g r e s s o r e s , a lei t r a z o ju íz o d e D e u s , d is c e r n in d o o s n o s s o s
p e n s a m e n t o s e m o tiv o s o c u lto s b e m c o m o a s n o s s a s a ç õ e s e x t e r n a s , d e
m o d o q u e t o d a b o c a fic a f e c h a d a n o t r i b u n a l d e D e u s . O e v a n g e lh o t r a z
a a le g r e n o tíc ia d e q u e , e m b o r a d ia n te d e D e u s a n o s s a ju s tiç a se ja c o m o
t r a p o d e im u n d íc ia , D e u s n o s r e v e s te c o m a ju s tiç a p e r f e ita d e C r is to . E
p o r isso q u e o s a p ó s to lo s e n f a tiz a m q u e é o evangelho q u e é “ o p o d e r de
D e u s p a r a a s a lv a ç ã o ” (R m 1 .1 6 ). Q u a n d o o u ç o p re g a r, s o u u m d e s tin a -
t á r i o . N ã o s u b o a o c é u , s u b in d o e s c a d a s p o r m e io d e d iv e rs o s e x e rc íc io s
e s p ir itu a is . A n te s , s o u f e ito b e n e f ic iá r io d e t o d a s a s p r o m e s s a s d e D e u s
e m s e u F ilh o . D o m e s m o m o d o , n o b a tis m o n ã o s o u a p a r te a tiv a , m a s o
d e s t i n a t á r io d o a t o p a c tu a i d e D e u s p e lo q u a l ele r a tif ic a a s u a p r o m e s -
sa . D e u s e s c o lh e u meios d e g r a ç a p r ó p r io s p a r a a mensagem d a g ra ç a .
N a n o s s a c u l t u r a a tu a l , a p r e g a ç ã o t e m a s s o c ia ç õ e s n e g a tiv a s . A m ú -
sic a c a n ta d a p o r M a d o n n a , “ P a p a , d o n 't p r e a c h ” [P a p a i, n ã o p r e g u e u m
s e r m ã o ], c a p ta a s u p o s iç ã o p r e d o m in a n te d e q u e a p r e g a ç ã o é b a s ic a m e n -
te a d m o e s ta ç ã o , o u a o m e n o s e x ig e a lg u m a f o r m a d e a s s e n tim e n to o u d e
c o n s e n tim e n to . E m o u t r o s c a s o s , à s v e z e s a p r e g a ç ã o é r e d u z id a a o e n si-
n o . O e n s in o o c u p a u m i m p o r t a n t e l u g a r (p o is J e s u s o a c r e s c e n ta n o fim
d a G r a n d e C o m is s ã o ) , m a s n ã o é o m e s m o q u e p r e g a ç ã o . N a p r e g a ç ã o
o m i n is t r o n ã o d á s o m e n te i n s t r u ç ã o d o u t r i n á r i a e m o r a l ( e m b o r a is s o
e s te ja e n v o lv id o ) , m a s D e u s d e f a to e s tá n o s m a t a n d o e n o s f a z e n d o vi-
v er, r i s c a n d o - n o s d a h i s t ó r i a m a r c a d a “ e m A d ã o ” e n o s in s c r e v e n d o n o
s e u r o t e i r o d a n o v a c r ia ç ã o .
A o lo n g o d a s E s c r it u r a s , a P a l a v r a d e D e u s , p e lo s l á b i o s d e e m b a í-
x a d o r e s p e c a d o r e s , é d e s c r ita c o m o o “ p o d e r d e D e u s p a r a a s a l v a ç ã o ”
(R m 1 .1 6 ; cf. M c 8 .3 8 ; I C o 1 .1 8 ,2 4 ; 2 .9 ) e c o m o e fic ie n te e m t o d a m is-
s ã o q u a n t o a o fim p a r a o q u a l e la é e n v ia d a (Is 5 5 .1 0 - 1 1 ) . A P a la v r a d e
D e u s é i n e r e n te m e n te “ v iv a , e e f ic a z ” ( H b 4 .1 2 ) , j u lg a n d o e ju s tif ic a n d o
(v .1 3 -1 4 ). P e d r o n o s d iz q u e f o m o s “ r e g e n e r a d o s ... m e d i a n t e a p a l a v r a
d e D e u s , a q u a l v iv e e é p e r m a n e n t e ... e s ta é a p a l a v r a q u e v o s fo i e v a n -
g e liz a d a ” ( l P e 1 .2 3 ,2 5 ) . O e v a n g e lh o n ã o n o s d iz m e r a m e n te c o m o “ se r
s a lv o ” o u c o m o “ c o n s e g u ir s e r s a l v o ” , c o m o se fo s s e u m m a n u a l d e in s-
t r u ç ã o ( o u t r o m a n d a m e n t o ) ; e le é o m e io p e lo q u a l D e u s d e f a to s a lv a
p ec a d o re s.
A p re g a ç ã o n ã o é a tra n s m is s ã o d e in fo rm a ç ã o d e u m a m e n te p a r a
o u t r a . D e u s n ã o s o m e n t e n o s f a la a r e s p e i to d e C r i s t o , m a s o e n tr e g a ;
n ã o s o m e n te e x p lic a a n o s s a c o n d iç ã o p e c a m in o s a e o s s e u s p r o p ó s i t o s
s a lv ífic o s , m a s ju lg a e ju s tif ic a ; n ã o s o m e n te f a la d e u m n o v o m u n d o n o
COMO FAZER DISCÍPULOS 185

q u a l p o d e r ia m o s e n tr a r , m a s n o s i n t r o d u z n e s s e n o v o m u n d o . A P a la v r a
d e D e u s n ã o s o m e n te n o s d iz q u e d e v e m o s c r e r - e la é o m e io p e lo q u a l
o E s p í r i t o n o s d á a fé . N e s s a p e r s p e c tiv a , n ã o se p o d e r e d u z i r a p r e g a -
ç ã o a u m e x e r c íc io in te le c tu a l, m o r a l o u e x p e r im e n ta l, p o r q u e é o b r a d e
D e u s , n ã o n o s s a . E q u a n d o D e u s f a la , e le f a la c o m t o d a a n o s s a e x is tê n -
c ia . C o n t in u a h a v e n d o u m i m p o r t a n t e lu g a r p a r a i n s t r u ç ã o d o u t r i n á r i a
e p a r a e x o r ta ç ã o m o r a l, m a s esse s s ã o a s p e c to s d e u m a o b r a m u i to m a is
p r o f u n d a e m u i to m a is a m p l a d e D e u s . A s d o u t r i n a s e x p lic a m o d r a m a
e m d e s d o b r a m e n t o q u e n o s e n v o lv e n a fé e n a a ç ã o d e g r a ç a s , e a s e x o r -
ta ç õ e s v ê m a s e r o “ c u l t o r a c i o n a l ” q u e o f e r e c e m o s e m v is ta d a s “ m is e -
r ic ó r d ia s d e D e u s ” (R m 1 2 .1 ).
P o r ta n to , a p re g a ç ã o n ã o é u m m e io in d ife re n te q u e sim p le s m e n te a c o n -
te c e u d e e s t a r d is p o n ív e l n a e r a d e J e s u s e d o s a p ó s t o l o s , m a s q u e p o d e
s e r s u b s t i t u í d o p o r m e io s m a is e fic a z e s n a n o s s a é p o c a . H á n a P a l a v r a
p r e g a d a a lg o in tr ín s e c o q u e a t o r n a e s s e n c ia l a o m in is té r io e à m is s ã o d a
ig r e ja - n a v e r d a d e , à s u a p r ó p r i a e x is tê n c ia . E u m a p a l a v r a q u e v e m d e
D e u s , p o r m e io d e u m m e n s a g e ir o a u t o r i z a d o , q u e d e s t r a n c a p o r t a s d e
p r is õ e s . N ã o é u m a p a l a v r a i n t e r i o r q u e b r o t a d e d e n t r o d e n ó s n a s o li-
d ã o e s p iritu a l o u d e u m a c o n v e rsa c o m u n itá ria , m a s u m a e s tra n h a v o z
d o c é u p o r in te r m é d io d e o u t r o p e c a d o r c o m o n ó s .
Q u a n d o L u t e r o d is s e q u e “ A ig r e ja n ã o é u m a c a s a d e c a n e t a , m a s
u m a c a s a d e b o c a ” , ele e s ta v a r e s s a lta n d o a i m p o r tâ n c ia d e o u v ir a P a la -
v r a n u m a a s s e m b lé ia p ú b lic a , a té a c im a d a l e itu r a p r i v a d a d a B íb lia q u e
e le h a v ia t r a d u z i d o p a r a o v e r n á c u l o .1 D o m e s m o m o d o , o s te ó lo g o s d e
W e s tm in s te r c o n f e s s a r a m q u e o E s p í r i t o a b e n ç o a “ a l e i t u r a , m a s p r i n -
c ip a lm e n te a p r e g a ç ã o d a P a l a v r a ” c o m o u m “ m e io d e g r a ç a ” , p r e c is a -
m e n t e p o r q u e p o r m e io d e la o E s p í r i t o “ n o s c h a m a p a r a f o r a d e n ó s ”
p a r a n o s a p e g a r m o s a C r i s t o .2 E le s e s ta v a m a f ir m a n d o q u e a l e itu r a d a
E s c r it u r a c o m f id e lid a d e , m e d i t a ç ã o e o r a ç ã o e m p r i v a d o o u n a s d e v o -
ç õ e s f a m ilia r e s e r a e s s e n c ia l, m a s , n ã o o b s t a n t e , e s ta v a s u b o r d i n a d a a o
m in is té r io p ú b lic o d a P a la v r a n a v id a c o m u m d a ig re ja .
A s s im , n ã o é i n t e n c i o n a d o q u e a p r o c la m a ç ã o d a P a la v r a se ja a p e n a s
u m a f o r m a d e e n r iq u e c im e n to in te le c tu a l. O u t r a o b je ç ã o q u e à s v e z e s se
o u v e é q u e a p r e g a ç ã o é e s tá tic a d e m a is . P r e c is a m o s d e m a is m o v im e n to
e im a g e n s , d e d a n ç a e t e a t r o , d e videoclips, e d e c o is a s d o g ê n e r o . T a lv e z
v o c ê t e n h a o u v id o a lg u m a s d e s s a s c r ític a s , o u t o d a s e la s , à c e n tr a lid a d e
d a p r e g a ç ã o n a ig r e ja . E , m e n o s o s videoclips, v o c ê o u v ir ía m u i to s d o s
m e s m o s a r g u m e n t o s n a ig r e ja m e d ie v a l, e m q u e a m is s a e r a u m t e a t r o ,
186

c o m p a lc o , ilu m in a ç ã o , s a íd a s e e n t r a d a s d r a m á t ic a s , e t u d o q u a n t o e r a
p r ó p r io p a r a o f u s c a r o s s e n tid o s . N o e n t a n t o , h a v ia u m a n s e io p o r o u v ir
a s p a la v r a s d e D e u s - p r in c ip a lm e n te o e v a n g e lh o d a ju s tif ic a ç ã o g r a tu i-
t a e m C r i s t o J e s u s s o m e n te . A in v e n ç ã o d e n o v a s e s t r a té g i a s (“ mission
creep” ) a c a b o u l e v a n d o à m a r g i n a li z a ç ã o , à p e r v e r s ã o e, f in a lm e n te , à
n e g a ç ã o d a m e n sa g e m q u e Je su s n o s m a n d o u p ro c la m a r a o m u n d o .
O p r in c ip a l p o n t o q u e d e v e m o s te r e m m e n te é q u e D e u s e s tá p r e s e n -
te o n d e e le promete e s t a r p r e s e n te . N ã o o p u x a m o s d o c é u p a r a b a i x o ,
n e m o t i r a m o s d o t ú m u lo ; a n te s , ele v e m a n ó s p o r m e io d a s u a P a la v r a ,
p r in c ip a lm e n te q u a n d o p r e g a d a . D e u s é o n ip r e s e n te , m a s a q u e s tã o p a r a
n ó s n ã o é o n d e ele e s tá p r e s e n te e m s u a m a je s ta d e e g lo r ia , m a s o n d e ele
e s tá p r e s e n te e m s u a m is e r ic o r d ia e g r a ç a p a r a c o n o s c o , p e c a d o r e s . C er-
t a m e n t e D e u s e s tá p r e s e n te n u m b e lo p ô r d o s o l, n u m c o n c e r t o d e v io -
lin o , n a g r a n d i o s i d a d e d o G r a n d C a n y o n , e a t é n a b o n d a d e d o s m e u s
v iz in h o s n ã o c r is t ã o s . A q u e s t ã o , p o r é m , é o n d e D e u s e s tá p r e s e n te em
paz, c o m a c e r te z a d e q u e ele m e a c e ita , m e p e r d o a e m e a d o t a c o m o u m
h e r d e ir o d o s seu s b e n s. Isso só v e m p o r m e io d o e v a n g e lh o - u m e s tr a n h o
e s u r p r e e n d e n t e r e la t o q u e n ã o a p r e n d e m o s c o m o m a t é r ia d e u m c u r s o
e n e m p o r m e io d a c u l t u r a c o m u m . É u m a h i s t ó r i a q u e s ó p o d e se r c o n -
t a d a , b o a s - n o v a s q u e só p o d e m s e r a n u n c ia d a s .
Se a p r e g a ç ã o f o r f r e q u e n te m e n te r e d u z id a à in f o r m a ç ã o e e x o r ta ç ã o ,
a o r d e m d e C r i s t o p a r a “ p r o c l a m a r o e v a n g e l h o ” f r e q u e n t e m e n t e fica -
r á r e d u z i d a a u m a p e lo e v a n g e lís tic o a n ã o c r is t ã o s . É is s o q u e m u i ta s
p e s s o a s p e n s a m q u a n d o n o s o u v e m d iz e r q u e p r e c is a m o s p r e g a r o e v a n -
g e lh o t o d a s a s s e m a n a s . Is s o fa z s u r g ir a im a g e m d e u m a a p r e s e n t a ç ã o
m e d ia n te f ó r m u la s s e g u id a p o r u m c h a m a d o p a r a q u e o s o u v in te s a c e i-
te m J e s u s c o m o S e n h o r e S a lv a d o r p e s s o a l. N o e n t a n t o , o e v a n g e lh o n ã o
é u m c h a m a d o p a r a f a z e r m o s a l g u m a c o is a , m a s a s b o a s - n o v a s a c e r c a
d o q u e C r is to fe z. C o m o e x p lo r e i e m A vida segundo o evangelho, e ssa
m e n s a g e m e n c h e a n o s s a a lm a d u r a n te t o d a a n o s s a v id a c r is tã , n ã o a p e -
n a s n o in íc io .
A lé m d is s o , é fá c il d iz e r q u e já c o n h e c e m o s o e v a n g e lh o , se ele f o r re -
d u z id o a u m a d e s iv o p a r a c o la r n o c a r r o . N o e n t a n t o , é p o s s ív e l r e s u m ir
o e v a n g e lh o a u m a ú n i c a s e n t e n ç a , c o m o e m J o ã o 3 . 1 6 , e e le t a m b é m
p o d e s e r e x p l o r a d o e m s u a s ilim ita d a s p r o f u n d id a d e e l a r g u r a d e G ê n e -
sis a A p o c a lip s e .
A s h i s t ó r i a s b íb lic a s q u e a p r e n d e m o s n a E s c o la D o m i n i c a l n ã o s ã o
c o n ta d a s p rin c ip a lm e n te c o m o e x e m p lo s m o ra is p a r a im ita r m o s , m a s
COMO FAZER DISCÍPULOS ‫ ו‬87

c o m o h i s t ó r i a s d e p e c a d o r e s q u e , a d e s p e ito d a s u a in f id e lid a d e , f o r a m
b e n e fic iá rio s d a p r o m e s s a g ra c io s a d e D e u s. C o m o fa z ia J o ã o B a tis ta , e las
s e m p r e a p o n t a m p a r a a lé m d e la s m e s m a s , p a r a “ o C o r d e i r o d e D e u s ”
(Jo 1 .2 9 ) . O p r ó p r i o N o v o T e s ta m e n to i n t e r p r e t a a h i s t ó r i a d e A b r a ã o
d e s s a m a n e ir a . P a r a J e s u s e p a r a o a p ó s to lo P a u lo , o p a tr ia r c a é u m e x e m -
p io p a r a n ó s c o m o u m p e c a d o r q u e fo i ju s tif ic a d o p e la fé n o e v a n g e lh o
q u e e le t i n h a o u v id o (Jo 8 .5 6 ; R m 4 .3 ; G1 3 .6 ) . A h i s t ó r i a d e J o n a s e d a
b a le ia n ã o é p r im a r ia m e n te u m a liç ã o s o b r e t e s te m u n h a r m e s m o q u a n d o
v o c ê n ã o se s e n te b e m c o m is s o , m a s u m s in a l q u e a p o n t a v a p a r a a re s-
s u r r e iç ã o d e C r is to d e n t r e o s m o r t o s ( M t 1 2 .3 9 ) . Se le r m o s o s p r o f e t a s
p a r a q u e p o s s a m o s “ o u s a r se r u m D a n ie l” , p e r d e r e m o s o p o n to p r in c ip a l,
d a d o q u e o liv ro d e D a n ie l é c o m o a e s tr e la - g u ia p a r a a s d e c la r a ç õ e s d e
J e s u s a c e r c a d e si p r ó p r i o c o m o o “ F ilh o d o H o m e m ” . D a v i, “ o h o m e m
s e g u n d o o c o r a ç ã o d e D e u s ” , c e r ta m e n te é u m c a r á t e r m is to , m a s a s u a
i m p o r t â n c i a e s ig n if ic a ç ã o e s t ã o n o p a p e l q u e D e u s lh e d e u n a h i s t ó r i a
d a r e d e n ç ã o , c o lo c a n d o o m a io r F ilh o d e D a v i n o s e u t r o n o p a r a se m p re .
A B íb lia é u m a g r a n d e h i s t ó r i a , d e G ê n e s is a A p o c a lip s e , c o m C ris -
t o c o m o o p r i n c i p a l p e r s o n a g e m . Q u a n t o m a is o u v im o s e s s a h i s t ó r i a ,
m a is n o s v e m o s s e n d o e s c r ito s n e la c o m o p e r s o n a g e n s . D e s c o b r im o s a
n ó s m e s m o s , n ã o n o s e v a n e s c e n te s r o t e i r o s d e s ta e r a , n e m n a s b r ilh a n -
te s im a g e n s d a s r e v is ta s , m a s n a h i s t ó r i a d a c r ia ç ã o , q u e d a , r e d e n ç ã o e
c o n s u m a ç ã o . A li e s t a m o s c o m A d ã o e E v a , c a p i t u l a n d o à m e n t i r a . A li
e s ta m o s c o m A b r a ã o e S a ra , o u v in d o o e v a n g e lh o e c r e n d o n e le e s e n d o
ju s tif ic a d o s . A n d a m o s j u n t o c o m o s d is c íp u lo s , n ã o a p r e e n d e n d o a h is -
t ó r i a , d e p o is a a p r e e n d e n d o , d e p o is n ã o a a p r e e n d e n d o d e n o v o , e e n tã o
r e a lm e n te d e s c o b r in d o d o q u e t r a t a v a e s s a j o r n a d a . E a li e s ta m o s c o m o
g r u p o q u e e s tá n o c é u , a d o r a n d o o C o r d e i r o . E p r o p ó s i t o d a p r e g a ç ã o
e d o s a c r a m e n t o c o lo c a r - n o s a li, m a t a r o n o s s o p e r s o n a g e m s e m s a íd a e
in s c r e v e r - n o s n o r o t e i r o d e D e u s .
T e m o s a in d a d e e v ita r m a is u m a f o r m a d e r e d u ç ã o . E m b o r a o s e r m ã o
s e ja a f o r m a c e n t r a l d e p r o c l a m a ç ã o d a P a l a v r a , t o d o o c u l t o d e v e s e r
u m m in is té r io d a P a la v r a . N ó s n o s r e u n im o s a c a d a D ia d o S e n h o r p a r a
o u v ir a Deus, n ã o p a r a v e r s ím b o lo s i n s p ir a d o r e s , e x p r e s s a r n o s s o s in s-
ti n to s e s p ir itu a is , te r e x p e r iê n c ia s a n i m a d o r a s e n e m m e s m o p a r a m e r a -
m e n te o u v i r d is c u r s o s in t e r e s s a n t e s e in f o r m a t i v o s . A lé m d is s o , v a m o s
n ã o s o m e n te p a r a o u v ir e s s a P a l a v r a p r o c l a m a d a n o s e r m ã o , m a s p a r a
o u v ir D e u s fa la r-n o s e m t o d o o c o n te ú d o d o c u lto : n a c e le b ra ç ã o d e D e u s,
n a le i, n a a b s o lv iç ã o , n a l e i t u r a p ú b l i c a d a E s c r it u r a e n a b ê n ç ã o . P a r a
c a d a u m a d e s s a s p a r te s o r a is , s e g u n d o e sse r o t e i r o , h á t a m b é m n o s s a s
fa la s c o r r e s p o n d e n te s : a in v o c a ç ã o , a c o n f is s ã o d e p e c a d o , o “ a m é m ” e
a c o n f is s ã o d e fé , a s o f e r t a s e o s c â n ti c o s . P o r t a n t o , c o m o a c o n te c e n a
n o s s a s a lv a ç ã o , a o b r a d e D e u s é s e m p re o p r in c ip a l e v e n to e o n o s s o e n -
v o lv im e n to é a r e s p o s ta a p r o p r i a d a . A té m e s m o o p r o p ó s i t o d o c a n to n a
ig r e ja n ã o é e x p r e s s a r n o s s a d e v o ç ã o in d iv id u a l - a p ie d a d e , o c o m p r o -
m is s o e o s s e n t i m e n t o s ( m u ito e m b o r a t u d o is s o f a ç a p a r t e ) . A n te s , d e
a c o r d o c o m o a p ó s to lo P a u lo , f a la m o s e n tr e n ó s c o m “ s a lm o s , e n t o a n d o
e l o u v a n d o d e c o r a ç ã o a o S e n h o r c o m h in o s e c â n tic o s e s p i r i t u a i s ” , d e
m o d o q u e “ H a b it e , r ic a m e n te , e m v ó s a p a l a v r a d e C r is to ; in s tr u í- v o s e
a c o n s e lh a i- v o s m u t u a m e n t e e m t o d a a s a b e d o r i a ” (C l 3 .1 6 ; cf. E f 5 .1 9 ) .
A té m e s m o o s s a c r a m e n t o s s ã o palavras visíveis, r a ti f i c a n d o d i a n t e d o s
n o s s o s o lh o s fís ic o s a p r o m e s s a q u e o u v im o s c o m n o s s o s o u v id o s .
O m in is té r io d a P a la v r a e n v o lv e to d o s esse s e le m e n to s e a b r a n g e t o d o
o n o s s o se r n u m a c o m u n h ã o d e s a n to s . E m b o r a a le itu r a p r iv a d a d a B íb lia
se ja d e e n o r m e v a lo r p a r a o f o r ta le c im e n to d a n o s s a fé p o r a p r o f u n d a r o
n o s s o e n te n d im e n to , D e u s e s c o lh e u a p r e g a ç ã o c o m o u m a c o n te c im e n to
s o c ia l e m q u e n ó s o u v im o s , e isso fa z d e e s tr a n h o s u m a fa m ília . R e s e n h e i
b o m n ú m e r o d e liv ro s r e c e n te s s o b r e té c n ic a , m é to d o s e d is c ip lin a s p a r a
o c r e s c im e n to c r is t ã o . E m m u i to s d e le s , a p r e g a ç ã o p ú b l i c a d a P a la v r a
( c o m o t a m b é m o s s a c r a m e n to s ) é s u b o r d i n a d a a m é to d o s n ã o p r e s c r ito s
p e la E s c r itu r a . E m a lg u n s , e sse m e io c e n tr a l d e g r a ç a n e m s e q u e r é m e n -
d o n a d o . C o n t u d o , o s m é to d o s c o m o s q u a is e s ta m o s h a b i t u a d o s s ó ser-
v em p a r a n o s a p r o f u n d a r em n ó s m e sm o s. E m c o n tra s te , o Catecismo
Maior de Westminster e n s in a q u e é “ p r in c ip a lm e n te a P a la v r a p r e g a d a ”
q u e é u m “ m e io d e g r a ç a ” , v is to q u e p o r esse m é to d o D e u s c o n f r o n t a o s
p e c a d o r e s e m s u a e x is tê n c ia e n c e r r a d a e m si m e s m a , “ f a z e n d o - o s s a ir d e
si m e s m o s , e l e v a n d o - o s a C r i s t o ” .3 E s s a P a la v r a n o s t i r a d a n o s s a s u b -
je tiv id a d e e n o s t o r n a c r ia t u r a s s o c ia is e q u e o l h a m p a r a f o r a , m a s c r ia -
t u r a s d e u m a c la s s e p a r t i c u l a r d e s o c ie d a d e , q u e se a p e g a a C r i s t o p e la
fé e c o m u n ic a - s e c o m o p r ó x i m o e m a m o r.
U m a g e r a ç ã o c o lo c a t o d a a ê n f a s e n o s e r m ã o , c o m o se e le fo s s e n ã o
a p e n a s o m e io p r i m á r i o d e c o m u n i c a ç ã o d a P a l a v r a , m a s o ú n i c o . O
d r a m a litú r g ic o d a c o n v e r s a p a c tu a i e n tr e D e u s e s e u p o v o a q u i e a g o r a ,
r e n d e u - s e a g o r a a a lg o q u e m a is p a r e c e s e r u m s a l ã o d e l e i t u r a o u u m
t e a t r o . E a g o r a o s s e u s f ilh o s a d u l t o s p e r g u n ta m se a f in a l p r e c is a m o s d e
s e r m õ e s . P o u c o a p o u c o , a P a la v r a d e D e u s e s tá s e n d o o u v i d a c a d a v e z
m e n o s e m n o s s a s ig re ja s . D e f a to , a “ l e i t u r a ” p ú b lic a d a E s c r itu r a , q u e
COMO FAZER DISCÍPULOS 189

P a u lo c o n s id e r a v a c o m o u m a p a r te e sse n c ia l d o se u m in is té r io ( l T m 4 .1 3 ),
p a r e c e te r d e s a p a r e c id o d e m u ito s c u lto s . N ã o a d m i r a q u e h a j a t a n t a ig-
n o r â n c i a d a s h i s t ó r i a s , d o s t e m a s e d o s e n s in o s m a is b á s ic o s d a B íb lia .
N ã o é q u e n ã o c r e m o s m a is n a B íb lia , m a s s im q u e n ã o a c o n h e c e m o s
m u ito b e m . O o b je tiv o d e a té m e s m o m u ita s d a s “ B íb lia s d e e s t u d o ” p a -
re c e m e n o s t r a n s m i t ir o c o n te ú d o r e a l d a E s c r itu r a d o q u e e n c o n tr a r (o u
a p r e s e n ta r ) s u g e s tõ e s m a is o s te n s iv a m e n te r e le v a n te s p a r a c a d a c ir c u n s -
c riç ã o d e m o g rá fic a . I n d e p e n d e n te m e n te d a n o s s a d e c la r a d a v is ã o d a E scri-
t u r a , n ó s te m o s litu r g ia s , c â n tic o s e s e r m õ e s s u f ic ie n te m e n te s u b s ta n c ia is
p a r a c o m u n ic á - la a n ó s ? M e s m o n o s p o n t o s s o b r e o s q u a is n ã o h á m a n -
d a m e n t o s c la r a m e n te b íb lic o s , te m o s d e s e r p r u d e n te s n a m a n e i r a c o m o
p e n s a m o s e m m u d a n ç a s n a s litu r g ia s , n o s c â n tic o s , n a s o r a ç õ e s e e m o u -
t r o s m e io s p e lo s q u a is a P a la v r a é c o m u n i c a d a d e g e r a ç ã o e m g e r a ç ã o .
H o je e m d ia , m u ito s q u e f o r a m c r ia d o s e m ig re ja s e v a n g é lic a s n e m se-
q u e r tê m u m a p r o v is ã o d e p a s s a g e n s m e m o r iz a d a s . S e rá q u e a s p a r te s d e
v e r s íc u lo s e n t o a d o s r e p e t i d a m e n t e n o s “ c o r i n h o s ” a t u a i s f a z e m a P a la -
v r a d e C r is to h a b i t a r e m n ó s (e e m n o s s o s filh o s) r ic a m e n te e c o m t o d a a
s a b e d o r ia ? N ã o s e r á u m a e s p é c ie d e in te le c tu a lis m o o p a s t o r s u p o r q u e
o se u ú n ic o tr a b a lh o é p re g a r u m s e rm ã o , d e ix a n d o a d ire ç ã o d a s de-
m a is p a r te s d o c u lto c a lc a d o n a P a la v r a c o m u m c o m itê ? A P a la v r a n ã o
é s o m e n te e n s i n a d a , m a s t a m b é m é a p r e e n d i d a , e a q u e le s q u e c r e s c e m
n a ig r e ja f r e q u e n t e m e n t e a p r e n d e m m a is p e la r e p e t i d a a p r e s e n t a ç ã o d e
c â n tic o s e d a litu r g ia d o q u e p o r q u a l q u e r s e r m ã o p a r ti c u la r q u e eles p o -
d e r ia m r e c o r d a r . N ã o s ã o s o m e n te a s ig re ja s q u e s ã o f r a c a s n o c o n h e c í-
m e n to d a s E s c r itu r a s q u e d e ix a r ã o d e c u m p r ir a d e q u a d a m e n te a G r a n d e
C o m is s ã o ; o s p r ó p r io s m is s io n á r io s p r e c is a m s e r c o n v e r tid o s .
T a lv e z se ja n e c e s s á r io l e m b r a r a o s c o n s e r v a d o r e s q u e o m in is té r io d a
P a l a v r a é m a is d o q u e i n s t r u ç ã o d o u t r i n á r i a e m o r a l , e d e q u e e n v o lv e
m a is d o q u e o s e r m ã o . P r e g a ç ã o e s a c r a m e n t o n ã o s ã o m e r o s e x e rc íc io s
p a r a r e m e m o r a ç ã o d e v e r d a d e s a t e m p o r a i s , o u m e s m o d e a c o n te c im e n -
to s p a s s a d o s , m a s o m e io p e lo q u a l D e u s r e a liz a s e u s p o d e r o s o s a t o s d e
ju íz o e d e l i b e r t a ç ã o a q u i e a g o r a e n t r e n ó s . A o m e s m o t e m p o , t e m o s
d e e s t a r c ie n te s d o p e r ig o d a r e a ç ã o e x a g e r a d a , m a r g i n a li z a n d o a P a la -
v r a e m f a v o r d e m e io s m a is o s te n s iv a m e n te e fic a z e s. E u m d ia g r a n d io -
so s e m p r e q u e D e u s c h e g a p a r a f a z e r u m a n o v a c r ia ç ã o p o r m e io d a s u a
P a la v r a . A té à v o l t a d e C r i s t o , a fé s e m p r e v i r á - e t o r n a r á a v ir - p o r
o u v ir o e v a n g e lh o . E p e n s o q u e n u n c a n o s c a n s a r e m o s d e o u v i- lo , p r in -
c ip a lm e n te n o c é u , q u a n d o e le f a r á m a is s e n tid o .
190

Batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo


A s m e s m a s p r e s s u p o s iç õ e s q u e e s tã o p o r t r á s d e u m a v is ã o d a p r e g a ç ã o
c o m o m e r a i n s tr u ç ã o e m d o u t r i n a e e m m o r a l , a n te s q u e c o m o u m m e io
d e c o m u n i c a ç ã o d a g r a ç a s a l v a d o r a d e D e u s , f ic a m e v id e n te s q u a n d o
d is c u tim o s o s s a c r a m e n to s . R e p ito q u e n ã o e s to u d iz e n d o q u e a p r e g a -
ç ã o n ã o e n v o lv e e n s in o e e x o r t a ç ã o , m a s q u e e s te s s ã o a s p e c to s d e u m
a c o n te c i m e n t o c o m u n i c a ti v o m u i t o m a is a m p l o n o q u a l o T r i n o D e u s
n ã o s o m e n te é o tópico c e n tr a l , m a s t a m b é m o ator c e n tr a l . Is s o é v e r-
d a d e ir o ta m b é m q u a n t o a o b a tis m o e à C e ia d o S e n h o r. D e u s a g e e n ó s
re s p o n d e m o s , n ã o o c o n trá rio .
N a a lia n ç a d a g r a ç a D e u s to m a a s e u c u id a d o o s c r e n te s e se u s filh o s ,
p r o m e t e n d o - l h e s s e u fa v o r. A b r a ã o c r e u e m D e u s e fo i ju s tif ic a d o , m a s
e le c i r c u n c i d o u s e u s filh o s p e q u e n o s d e a c o r d o c o m o m a n d a m e n t o d e
D e u s . O s d o is filh o s e r a m h e r d e i r o s d a a l i a n ç a d a g r a ç a , se b e m q u e a
li b e r d a d e d e D e u s n a e le iç ã o f o i m a n t i d a e I s a q u e r e c e b e u a p r o m e s s a ,
a o p a s s o q u e Is m a e l n ã o . “ N ã o p e n s e m o s q u e a p a la v r a d e D e u s h a ja fa -
lh a d o , p o r q u e n e m to d o s o s d e Is ra e l s ã o , d e f a to , is r a e lita s ; n e m p o r se-
r e m d e s c e n d e n te s d e A b r a ã o s ã o t o d o s s e u s filh o s ; m a s : E m I s a q u e s e r á
c h a m a d a a t u a d e s c e n d ê n c ia ” (R m 9 .6 - 7 ) . E s ig n if ic a tiv o q u e E s a ú n ã o
e s ta v a f o r a d a a lia n ç a , m a s rejeitou o seu direito de primogenitura. S ão
e x e m p lo s c o m o esse s q u e o e s c r ito r d e H e b r e u s e v o c a q u a n d o e x o r ta o s
p a r t i c i p a n t e s d a n o v a a li a n ç a a n ã o a b a n d o n a r e m a fé ( H b 3 . 1 2 - 4 . 1 3 ;
6 .4 - 1 2 ; 1 2 .1 6 ) .
E m b o r a o s s in a is t e n h a m m u d a d o e o E s p ír ito s e ja d e r r a m a d o t a n t o
s o b r e m u lh e r e s c o m o s o b r e h o m e n s , o N o v o T e s ta m e n to a f ir m a q u e p e r-
te n c e m o s à m e s m a a lia n ç a d a g r a ç a q u e o s c r e n te s u s u f r u ía m n o A n tig o
T e s ta m e n to . A b r a ã o é o p a i d e t o d o s o s q u e c r e e m e m C r is to (G1 3 .7 - 9 ) ,
e o s filh o s d e c r e n te s ( m e s m o q u e s ó u m d o s p a i s s e ja c r e n te ) s ã o c o n -
s id e r a d o s s a n t o s ( I C o 7 .1 4 ) . A p r o m e s s a d a a lia n ç a é p a r a o s c r e n te s e
s e u s filh o s .
Q u a n d o o p o v o se r e u n iu n o P e n te c o s té s , o s p r e s e n te s , a o o u v ir e m a
p r o c la m a ç ã o q u e P e d r o fez d e C r is to , f ic a r a m c o m o c o r a ç ã o c o m p u n g í-
d o e p e r g u n ta r a m : “ Q u e f a r e m o s , i r m ã o s ? ” (A t 2 .3 7 ) . E P e d r o r e s p o n -
d e u : “ A r r e p e n d e i- v o s , e c a d a u m d e v ó s se ja b a t i z a d o e m n o m e d e J e s u s
C r is to p a r a r e m is s ã o d o s v o s s o s p e c a d o s , e re c e b e re is o d o m d o E s p ír ito
S a n to . P o is p a r a v ó s o u t r o s é a p r o m e s s a , p a r a v o s s o s filh o s e p a r a to d o s
o s q u e a in d a e s tã o lo n g e , is to é, p a r a q u a n t o s o S e n h o r, n o s s o D e u s , c h a -
m a r ” (A t 2 .3 8 - 3 9 ) . N a v e r s ã o d e M a r c o s d a G r a n d e C o m is s ã o a o r d e m
COMO FAZER DISCÍPULOS 191

é: “ I d e p o r t o d o o m u n d o e p r e g a i o e v a n g e lh o a t o d a c r i a t u r a . Q u e m
c r e r e f o r b a t i z a d o s e r á s a lv o ; q u e m , p o r é m , n ã o c r e r s e r á c o n d e n a d o ”
(M e 1 6 .1 5 - 1 6 ) .
O a t o p ú b lic o d e u n ir - s e v is iv e lm e n te a C r is to e s u a ig r e ja n ã o e r a ir
à f r e n te n a ig re ja o u f a z e r a o r a ç ã o d o p e c a d o r , m a s s e r b a tiz a d o . Q u a n -
d o o o f ic ia l e t í o p e a c e i t o u a s b o a s - n o v a s a c e r c a d e J e s u s p r o c l a m a d a s
p o r F ilip e , e le f o i b a t i z a d o i m e d i a t a m e n t e (A t 8 .3 4 - 4 0 ) . D e u - s e o m e s -
m o c o m C o r n é lio e c o m o s g e n tio s q u e o a c o m p a n h a v a m e q u e c r e r a m
(A t 1 0 .3 4 - 4 8 ) . E sse é o p a d r ã o a o lo n g o d e t o d o o liv r o d e A to s .
C o m o a c i r c u n c i s ã o , o b a t i s m o é a p r e s e n t a d o n o N o v o T e s ta m e n to
c o m o d e c is ã o d e D e u s e q u e a p e s s o a p e r te n c e a ele. E m b o r a n o s o b r ig u e
a r e s p o n d e r c o m fé e o b e d iê n c ia , o b a tis m o é u m s in a l e s e lo d a a lia n ç a
d e D e u s f e ita c o m j u r a m e n to . N e s s e a t o , c o m o n a p r e g a ç ã o d a P a la v r a ,
D e u s g a r a n t e o s e u c o m p r o m is s o c o n o s c o . E m A to s , o s a d u l t o s c o n v e r-
tid o s s ã o b a t iz a d o s , e h á r e g is tr o s d e e les a p r e s e n t a r e m t o d a a s u a fa m í-
lia p a r a s e r b a t i z a d a (A t 1 6 .1 5 ,3 0 - 3 3 ; I C o 1 .1 6 ) . N ã o h á d ú v id a d e q u e
m u ito s c r is tã o s d e h o je n ã o p r a ti c a m o b a tis m o d o s filh o s d a a lia n ç a n a
in f â n c ia , b a s e a d o s p r in c ip a lm e n te n a c o n v ic ç ã o d e q u e o b a tis m o é p r in -
c ip a lm e n te , o u a té e x c lu s iv a m e n te , u m a t o h u m a n o d e c o m p r o m i s s o , e
n ã o u m m e io d e g r a ç a d iv in o . C o n t u d o , a c e r te z a d e P e d r o d e q u e “ p a r a
v ó s o u t r o s é a p r o m e s s a , p a r a v o s s o s s e u s f il h o s ” s ig n ific a q u e a G r a n -
d e C o m is s ã o c o m e ç a c o m a f a m ília p a c tu a i e in c lu i “ t o d o s o s q u e a in d a
e s tã o lo n g e ... p a r a q u a n t o s o S e n h o r, n o s s o D e u s , c h a m a r ” (A t 2 .3 9 ) .
E u a c e ite i o b a tis m o p a c tu a i p o r ra z õ e s e x e g é tic a s, m a s ta m b é m ele te m
e n o r m e s b e n e f íc io s p r á ti c o s n a v id a d a ig r e ja e s u a m is s ã o . N ã o v e m o s
n o s s o s filh o s p e q u e n o s c o m o p e r te n c e n t e s a o S e n h o r ? N ã o o s c r ia m o s
c o m o c r is tã o s , v is u a liz a n d o - o s p r o f e s s a r e m a fé, r e c e b e n d o a c o m u n h ã o
e se t o r n a n d o m e m b r o s a tiv o s d o c o r p o d e C r is to ? O u o s c o n s id e r a m o s
d e s c r e n te s , e s p e r a n d o q u e , a lg u m d ia , v e n h a m a te r u m a e x p e r iê n c ia d e
c o n v e r s ã o id e n tific á v e l? C o n q u a n t o h a ja t o d o tip o d e e x c e ç õ e s , n ã o n o s
a p e g a m o s à p ro m e s s a d e D e u s d e o p e r a r p o r se u E s p írito n o c o ra ç ã o
d o s n o s s o s filh o s p o r m e io d o m in is té r io c o m u m d a ig r e ja a o lo n g o d o s
a n o s ? O u e s ta m o s e s p e r a n d o p o r u m a e x p e r iê n c ia r a d ic a l d e c o n v e r s ã o
o b t i d a f o r a d o la r c r is tã o e d o m in is té r io d a ig r e ja , ta lv e z n u m a c a m p a -
m e n to o u r e ti r o p a r a e c le s iá s tic o ?
A m a n e i r a p e la q u a l fiz e s s a s p e r g u n t a s o m i te i m p o r t a n t e s n u a n c e s .
N o e n ta n to , n a m in h a p r ó p r ia e x p e r iê n c ia d e c r e s c im e n to , q u a n t o m e n o s
a m in h a e x p e r iê n c ia d e c o n v e r s ã o te v e q u e v e r c o m a ig re ja in s titu c io n a l
‫ ו‬92

e c o m se u m in is té r io e x te r n o , t a n t o m a is g e n u ín a p r o v a v e lm e n te d e v e ria
s e r c o n s i d e r a d a . (U m a i r o n i a , u m a v e z q u e a p r e g a ç ã o e o s a c r a m e n t o
s ã o o s m é to d o s q u e J e s u s o r d e n o u n a G r a n d e C o m is s ã o .) O s s e r m õ e s e
a s l i tu r g ia s c o m o r a ç õ e s e c â n ti c o s p ú b l i c o s , c o n f is s ã o d e p e c a d o e d e -
c l a r a ç ã o d o p e r d ã o e r a m v is to s c o m o “ r e lig iã o f o r m a l ” . Q u a n t o m a is
in f o r m a l o c o n t e x t o , m a is e s p o n tâ n e a e g e n u ín a a e x p e r iê n c ia . E q u a n t o
à n o ç ã o d e a p e g o a C r is to p o r m e io d o b a tis m o e d a C e ia , isso s e r ia u m
d e c la r a d o “ s a c r a m e n t a l i s m o ” . N o s c ír c u lo s e v a n g é lic o s , a e x p e r iê n c ia
p e s s o a l d e c o n v e r s ã o te m p r e c e d ê n c ia s o b r e o s m e io s d e g r a ç a p ú b lic o s
( c o m o o b a tis m o ) , e o f o c o d o s d o is e v e n to s é minha a ç ã o m a is d o q u e
a de D eu s.
Q u a n d o o b a t i s m o é e n t e n d i d o p r in c i p a lm e n t e c o m o u m a p r o m e s s a
q u e e u fiz e m c e r t a d a t a n o p a s s a d o , e le p e r d e s e u s e n t i d o d e r e le v â n -
c ia p a r a a m in h a v id a n o p r e s e n te , c o m o a p r o m e s s a s a lv ífic a d e D e u s à
q u a l e u r e t o r n o c o n t i n u a m e n t e . O u , se e u r e t o r n o c o n t i n u a m e n t e a ele ,
é a d e c is ã o d e D e u s o u a m in h a q u e é d e c is iv a p a r a m im a c a d a d ia ? F a z
m u i ta d if e r e n ç a q u a n d o v o c ê c r ê q u e a p r e g a ç ã o , o b a tis m o e a C e ia d o
S e n h o r n ã o s ã o s o m e n te o m a n d a t o d e C r is to n a G r a n d e C o m is s ã o , m a s
t a m b é m s ã o m e io s d e g r a ç a d o s q u a is D e u s fa z u s o p a r a d a r - n o s fé e m
C r is to e p a r a f o r ta le c e r e s s a fé a té o fim . H o je , t o d a v e z q u e te s te m u n h o
u m b a t i s m o , p a r ti c ip o d e n o v o d e s s e e v e n to . Q u a n d o c o n f r o n t a d o p o r
a l g u m a c o n f u s ã o , t e n t a ç ã o o u d ú v i d a , n ã o r e c o r r o a u m a d e c is ã o q u e
to m e i, m a s s im à c e r tif ic a ç ã o p ú b lic a d e C r is to d e q u e e le m e r e c la m o u
p a r a si e q u e n ã o m e a b a n d o n a r á . E le n ã o m e a b a n d o n a r á , e n ã o p e r m i-
t i r á q u e e u m e s u je ite a o u t r o s e n h o r , q u e m e p r e n d e r í a e m e d e s tr u ir ía .
Is s o fa z u m a g r a n d e d if e r e n ç a n a n o s s a v id a d e d is c ip u la d o .
P a r a m u ito s h o je e m d ia , o b a tis m o p e r d e u s u a lig a ç ã o c o m a v id a d e
d is c ip u la d o . M u i t o s d o s te s te m u n h o s q u e se o u v e m a p o n t a m p a r a u m a
e x p e riê n c ia t id a n u m a c a m p a m e n to , n u m e v e n to m in is te r ia l n u m a e sc o la ,
n u m c o n c e r to o u n u m a c r u z a d a e v a n g e lís tic a . U m a p e r g u n ta d e a c o m p a -
n h a m e n t o p o d e r e v e la r q u e a p e s s o a n a s c e u n u m a f a m ília c r is tã , fo i b a -
ti z a d a e c r e s c e u n a ig r e ja , m a s esse s p o r m e n o r e s f r e q u e n te m e n te f a lt a m
n o t e s t e m u n h o . E f e ita p r e s s ã o p a r a q u e se i g n o r e m e sse s p o r m e n o r e s ,
o u a té p a r a q u e se d e f in a a e x p e r i ê n c i a d e c o n v e r s ã o d e f o r m a c o n t r á -
r ia a q u a l q u e r lig a ç ã o a n t e r i o r c o m a ig re ja . À s v e z e s , a im p r e s s ã o é q u e
J e s u s te m d e le v a r v o c ê p a r a f o r a d a ig r e ja , a s ó s n u m j a r d im , p a r a v o c ê
realmente v iv e n c ia r a g r a ç a d e le . T o d a v ia , s e g u n d o a E s c r itu r a , o m in is -
t é r io p ú b lic o d a ig r e ja é o ja r d im .
COMO FAZER DISCIPULOS 193

M e s m o q u e a lg u é m c r e s ç a n u m a ig r e ja e m p r i n c íp io , é c a d a v e z m a is
p o s s ív e l e le e s t a r f o r a d a ig r e ja n a p r á t i c a . C o n h e c í a d u l t o s q u e f o r a m
c r ia d o s e m ig re ja s e v a n g é lic a s , m a s q u e n u n c a f o r a m b a tiz a d o s - m e s m o
d e p o is d e te r e m p r o f e s s a d o a fé e m C r is to (o q u e e m m u ito s c a so s o c o r r e u
n u m e v e n to c e le b r a d o p o r u m m o v im e n to p a r a e c le s iá s tic o ) . U m a p e s s o a
p o d e ir d o b e r ç á r io a o d e p a r t a m e n t o i n f a n til d a ig r e ja , a o g r u p o d e jo -
v e n s, a o m in is té r io n o c a m p u s u n iv e r s itá r io , a p e q u e n o s g r u p o s , a p a i o u
m ã e c u jo s filh o s já s ã o a d u lto s e à v e lh ic e , e r e a lm e n te n u n c a te r s id o in -
c o r p o r a d a n a c o m u n h ã o d o s s a n to s . E d e a d m i r a r q u e a q u e le s q u e n u n c a
f r e q u e n ta r a m r e g u la r m e n te o c u lto p ú b lic o d a P a la v r a e d o s s a c r a m e n to s
n u n c a se u n i r a m a u m a ig r e ja d u r a n t e a v id a u n iv e r s itá r ia , e m b o r a p o s -
s a m s e r a tiv o s n u m m in is té r io n o c a m p u s ? Se e les se j u n t a m a u m a ig re -
ja d e p o is d a u n iv e r s id a d e , e s s a é c o m f r e q u ê n c ia u m a n o v a e x p e r iê n c ia .
Q u a n d o e u e s ta v a e x p o n d o u m p o n t o s e m e lh a n te a e s te n u m a c o n -
fe rê n c ia h á a lg u m t e m p o , u m jo v e m p a s t o r d e u m a ig r e ja r e f o r m a d a m e
d e s a f io u u m b o c a d o . O s m i n is t é r io s c o m a m o c i d a d e s ã o i m p o r t a n t e s ,
d is s e e le , p o r q u e o s jo v e n s se r e l a c i o n a m c o m r a p a z e s e m o ç a s d o s e u
p r ó p r io n ív e l, “ o n d e e les e s t ã o ” . “ É j u s ta m e n te is s o , n ã o é ? ” , p e r g u n te i.
“ O n d e eles e s t ã o ? ” P r e s u m iv e lm e n te , a lo c a liz a ç ã o d e le s é “ e m C r i s t o ” .
E les f o r a m b a tiz a d o s e, p o r t a n t o , s ã o m e m b r o s d o c o r p o v isív e l d e C ris -
to , s u a c o m u n i d a d e p a c tu a i . Essa é a lo c a liz a ç ã o p r i m á r i a d e le s . A s s im
c o m o eles se d e s e n v o lv e m c o m o m e m b r o s d a s s u a s fa m ília s n a tu r a is , c o m
to d o s o s p riv ilé g io s e r e s p o n s a b ilid a d e s d e sse lar, d o m e s m o m o d o eles se
d e s e n v o lv e m n o c o r p o d e C r is to . “ C o lo q u e m o s isso e m te r m o s c o n c r e to s
e p r á ti c o s ” , su g e ri. “ U m a d o le s c e n te c re sc e n a ig re ja t e n d o c o n h e c im e n to
d e u m c a s a l m a is v e lh o q u e v e m e n f r e n t a n d o o s a lto s e b a ix o s d a v id a -
u m p e r í o d o a t r i b u l a d o d o c a s a m e n t o , u m a filh a p e r d i d a p a r a o c â n c e r ,
e o u t r a s p r o v a ç õ e s d a fé e d a v i d a . ” C o n t i n u e i a c o n t a r e s s e e x e m p l o
fic tíc io , m a s r e p r e s e n t a ti v o , d a q u e le jo v e m q u e f in a lm e n te fo i p a r a a fa -
c u ld a d e o u p a r a u m t r a b a l h o p r o f is s io n a l, c a s o u - s e e d e s c o b r iu q u e p r e -
c is a v a d e a lg o m a is d o q u e d a s c a lo r o s a s l e m b r a n ç a s d e pizza, r e ti r o s e
a m ig o s (m e s m o c o m o u m jo v e m p a s to r ) m a is o u m e s m o d a s u a g e r a ç ã o .
E le p r e c is a s a b e r c o m o a fé q u e a c e i t o u r e s is te a o s v e n to s c o r t a n t e s d a
v id a r e a l. Se ele c r e s c e u n u m a c o m u n id a d e p a c tu a i , lo g o se v e r á f o r ç a d o
a r e c o n h e c e r q u e te m n e c e s s id a d e d e u m a c o m u n id a d e p a c tu a i. A lé m d o
m a is, ele te m n e c e s s id a d e d e le m b ra r-s e d e q u e a s u a lo c a liz a ç ã o p r im á r ia
é “ e m C r i s t o ” , n ã o e m s u a s d iv e r s a s c ir c u n s c r iç õ e s d e m o g r á f ic a s d e te r -
m in a d a s p a r a ele p o r e s ta e r a d e s v a n e c e n te . E le n ã o a p e n a s é p riv ile g ia d o
p o r p e r te n c e r a C r is to ; é o b r i g a d o a p e r te n c e r a o c o r p o v isív e l d e C r is to
n u m p e r m a n e n t e in te r c â m b io d e d o n s d u r a n t e a v id a in te ir a .
U m d is c ip u la d o g e n u ín o e n v o lv e h o m e n s e m u lh e r e s m a is v e lh o s e n -
s i n a n d o o s m e m b r o s m a is jo v e n s , p e s s o a s d e d if e r e n t e s e t n i a s e e x p e -
r iê n c ia s d a v id a e n r iq u e c e n d o a s v id a s u m a s d a s o u t r a s , r ic a s e p o b r e s
p r e e n c h e n d o o q u e f a lta n o m ú t u o a m o r e s e r v iç o . O s filh o s d a a lia n ç a
d e v e m s e r in c lu íd o s n a a s s e m b lé ia p a c tu a i , a n s io s a m e n te a n t e c i p a n d o o
d ia e m q u e p o s s a m f a z e r a s u a p ú b lic a p r o f is s ã o d e fé e s e r a d m i t id o s à
M e s a d o S e n h o r. Se e les e s tã o s e n d o c r ia d o s c o m o c o n t r a s te e n tr e u m a
r e la ç ã o p e s s o a l c o m J e s u s e p e r te n c e r à ig re ja - e s u a e x p e r iê n c ia v iv e n d o
à m a r g e m d a a s s e m b lé ia p a c t u a i c o n f ir m a is s o - n ã o é m u i to d e a d m i-
r a r q u e e les d e ix e m d e u n ir-s e à ig r e ja o u d e a c a t a r a s r e s p o n s a b ilid a d e s
p a c tu a is c o m o a d u l t o s jo v e n s .
C o m o u m s in a l e s e lo d o c o m p r o m is s o c o m D e u s , o b a tis m o p r o v o c a
u m a r e s p o s ta p o r p a r te d o b a tiz a n d o (p r o f e s s a r p u b lic a m e n te a fé n o d e-
v id o t e m p o ) , c o m o ta m b é m p r o v o c a o s p a is , b e m c o m o t o d a a ig r e ja , a
g u ia r e m esse filh o o u filh a p a r a esse fim . E m b o r a o b a tis m o seja u m e v e n -
t o ú n ic o , ja m a is d e v e n d o s e r r e p e tid o , é o d o m q u e e s tá s e m p r e d o a n d o .
A c a d a d ia r e n o v a m o s o n o s s o b a t i s m o , m o r r e n d o p a r a n ó s m e s m o s e
r e s s u s c ita n d o e m n o v id a d e d e v id a . O b a tis m o é h o je t ã o c e n tr a l n a n o s -
sa a d o r a ç ã o p ú b lic a e n a n o s s a id e n tid a d e e n o s s a v id a d iá r ia c o m o e ra
n o liv r o d e A to s ?

Ensinando
Q u a n d o J e s u s in c lu iu e m s u a c o m is s ã o “ e n s i n a n d o - o s a g u a r d a r t o d a s
a s c o is a s q u e v o s t e n h o o r d e n a d o ” , e le s a l i e n t o u o a r g u m e n t o q u e d e -
f e n d í a c im a , d e q u e o d is c íp u lo é a n t e s d e t u d o u m a p r e n d i z - s e m d ú -
v id a , é m a is q u e is s o , m a s n ã o m e n o s . E p o r is s o q u e a I g r e ja P r im itiv a
p e r s e v e r a v a “ n a d o u t r i n a d o s a p ó s t o l o s ” (A t 2 .4 2 ) . P o r is s o a ig r e ja a n -
tig a f u n d o u e s c o la s d e c a te q u e s e e e s p e r a v a q u e o s c o n v e r s o s p a s s a s s e m
p o r u m r i g o r o s o p e r ío d o d e i n s t r u ç ã o d e t a l h a d a a r e s p e ito d e d o u t r i n a
e p r á ti c a c r is tã . E p o r is s o q u e o s r e f o r m a d o r e s p r o t e s t a n t e s e s c r e v e r a m
c a te c is m o s p a r a a in s t r u ç ã o d o p o v o , p r in c ip a lm e n te o s jo v e n s , q u a n d o
p o u c o s a d u lto s c o n h e c ia m s e q u e r os D e z M a n d a m e n to s , a O r a ç ã o d o
S e n h o r o u o C r e d o A p o s tó lic o . A ju lg a r p e la s e s ta tís tic a s , n o c r is tia n is -
m o n o r t e - a m e r i c a n o e s ta m o s d e n o v o n e s s e p o n t o .
A G r a n d e C o m is s ã o é o p r o j e t o d e D e u s p a r a a p r e n d iz e s d e t o d a u m a
v id a , o s q u a is tê m p a s t o r e s e m e s tr e s q u e c u id a m d e le s o s u fic ie n te p a r a
COMO FAZER DISCIPULOS ‫ ו‬95

c o n d u z i- lo s s e m p r e a c a d a v e z m a i o r m a t u r i d a d e e m C r is to . A e v a n g e -
liz a ç ã o n ã o é s ó p a r a o s q u e e s tã o f o r a ; t a m b é m é p a r a a ig re ja . T e m o s
d e r e a v a lia r a p r e s s u p o s iç ã o c o m u m h o je e m d ia d e q u e n o s m o v e m o s d a
c o n d iç ã o d e evangelizados p ara a de discipulados. E sse s t e r m o s s ã o si-
n ô n im o s . O s c r e n te s p r e c is a m s e r im e r s o s n o e v a n g e lh o t o d a s a s s e m a -
n a s . T a m b é m p r e c is a m a p r e n d e r o s m a n d a m e n to s d e D e u s p a r a v iv e r d e
m a n e ir a g r a t a p e la s m is e r ic ó r d ia s r e c e b id a s . Is s o s ó p o d e a c o n te c e r m e -
d ia n te e n s in o c o n s is te n te , c o e r e n te , a m o r o s o , p a c ie n te e e m p r o f u n d id a -
d e . O b a t i s m o n ã o é a p e n a s u m a t o c e r i m o n ia l q u e a d m i n i s t r a m o s n o
in íc io d a v id a c r is tã ; é o a t o p ú b lic o d e D e u s p e lo q u a l e le n o s re iv in d ic a
p a r a si, a t o q u e r e c o r d a m o s t o d o D ia d o S e n h o r e a o lo n g o d a s e m a n a .
N ã o c o m p e te a n ó s d e c id ir o q u e a c h a m o s q u e é i m p o r t a n t e e d e p o is
d e i x a r c o m o e s tá . D a lla s W i l l a r d e s tá c e r t o q u a n d o a f ir m a q u e n ã o se
p o d e r e d u z i r o d is c ip u la d o a u m “ s e g u r o c o n t r a i n c ê n d i o ” . P a r a m im é
fá c il d e i x a r c o m e s p e c ia lis ta s o s c á lc u lo s d o s m e u s im p o s to s , o c u i d a d o
p e la m in h a s a ú d e e u m a m ir ía d e d e o u t r a s r e s p o n s a b ilid a d e s . E p o d e m o s
fa z e r o m e s m o c o m a n o s s a fé: “ C r e io e m t u d o o q u e a B íb lia d i z ” . B em ,
o q u e is s o q u e r dizer} E s s a p e r g u n ta m e é f e ita f r e q u e n te m e n te . “ Q u a n -
to v o c ê p r e c is a c r e r p a r a s e r s a lv o ? ” M a s is s o t r a n s f o r m a a s a lv a ç ã o e m
o u t r a v e r s ã o d a ju s tiç a p e la s o b r a s , e m q u e n o s f o r m a m o s c o m a n o t a
m ín im a . O p o n t o q u e se d e v e d e f e n d e r é q u e s o m o s s a lv o s p o r C r i s t o ,
n ã o p o r n o s s a s r e s p o s ta s , e q u e o C r is to q u e n o s s a lv a e s p e r a q u e a p r e n -
dam os tudo o q u e ele te m p a r a d izer.
T u d o n a E s c r itu r a n o s é d a d o p a r a n o s s a in s tr u ç ã o . O a p ó s to lo P a u lo
e x o r ta a té m e s m o o in s tr u íd o T im ó te o a p e r m a n e c e r “ n a q u ilo q u e a p r e n -
d e s te e d e q u e fo s te i n t e i r a d o ” m e d ia n te a c a te q u e s e fe ita p e la m ã e e p e la
a v ó d e le “ e q u e , d e s d e a in f â n c i a , s a b e s a s s a g r a d a s l e t r a s , q u e p o d e m
t o r n a r - t e s á b io p a r a a s a lv a ç ã o p e la fé e m C r is to J e s u s ” ( 2 T m 3 .1 4 - 1 5 ) .
E a c r e s c e n ta : “ T o d a a E s c r itu r a é i n s p i r a d a p o r D e u s e ú til p a r a o e n s i-
n o , p a r a a r e p r e e n s ã o , p a r a a c o r r e ç ã o , p a r a a e d u c a ç ã o n a ju s tiç a , a fim
d e q u e o h o m e m d e D e u s s e ja p e r f e i t o e p e r f e i t a m e n t e h a b i l i t a d o p a r a
t o d a b o a o b r a ” ( 2 T m 3 .1 6 - 1 7 ) . A s e g u ir e le o r d e n a : “ p r e g a a p a l a v r a ”
(4 .2 ). Q u a lq u e r s u c e s s o e m o u t r a s ta r e f a s , p r o g r a m a s e té c n ic a s d e n a d a
v a le r á se n ã o f o r e m d e s e m p e n h a d o s p le n a m e n te .

A Ceia do Senhor
E m b o r a n ã o seja m e n c io n a d a n a G r a n d e C o m is s ã o , a C e ia d o S e n h o r e s tá
in c lu íd a n a o r d e m p a r a ensinar t u d o o q u e J e s u s C r is to h a v ia tr a n s m itid o
a seu s a p ó s to lo s . J e s u s in s titu iu a C e ia n o C e n á c u lo n a n o ite a n te r io r à su a
c r u c if ic a ç ã o c o m o u m s a c r a m e n t o d e c o n t í n u a i n c o r p o r a ç ã o à s u a m o r-
te s a c rific ia l e n a s b ê n ç ã o s d a n o v a a lia n ç a ( M t 2 6 .2 6 - 2 8 ; M c 1 4 .2 2 - 2 4 ;
L c 2 2 .1 9 - 2 0 ) .
N a C e ia , C r is to ra tific a v is iv e lm e n te e p u b lic a m e n te s u a ú ltim a v o n ta -
d e e t e s t a m e n t o c o m v is ta s a t o d o s o s q u e r e c e b e m o s in a l e s e lo c o m fé.
R e p e tin d o a s p a la v r a s d a in s titu iç ã o , P a u lo e sc re v e u : “ . . . e u re c e b i d o Se-
n h o r o q u e ta m b é m v o s e n tr e g u e i” ( I C o 1 1 .2 3 ). D e f a to , e ssa c e le b ra ç ã o é
t ã o c e n tr a l n o m in is té r io c o m u m q u e P a u lo p ô d e re fe rir-s e a e la c o m o u m
a c o n te c im e n to p a r a o q u a l o s ir m ã o s se r e u n ia m c o m o ig r e ja ( “ q u a n d o
v o s r e u n is n a i g r e j a ” ), e p ô d e r e p r e e n d e r o s c o r in tio s p o r c o r r o m p e r e m
a re fe iç ã o c a u s a n d o d iv is ã o e e s c â n d a lo a ta l p o n t o q u e ele q u e s tio n o u se
r e a lm e n te e s ta v a s e n d o c e le b r a d a a C e ia ( I C o 1 1 .1 7 - 2 2 ) . “ P o r v e n tu r a , o
c á lic e d a b ê n ç ã o q u e a b e n ç o a m o s ” , d iz o a p ó s t o l o , “ n ã o é a c o m u n h ã o
d o s a n g u e d e C r is to ? O p ã o q u e p a r t i m o s n ã o é a c o m u n h ã o d o c o r p o
d e C r is to ? P o r q u e n ó s , e m b o r a m u ito s , s o m o s u n i c a m e n te u m p ã o , u m
só c o r p o ; p o r q u e t o d o s p a r ti c ip a m o s d o ú n ic o p ã o ” ( I C o 1 0 .1 6 - 1 7 ) .
A ê n f a s e é c o lo c a d a n a n o s s a p a r ti c ip a ç ã o (koinonia) e m C r is to a q u i
e a g o r a p o r c o m e r m o s d o p ã o e b e b e r m o s d o v in h o . C o m o n a p r e g a ç ã o
e n o b a tis m o , a C e ia m o tiv a a n o s s a r e s p o s ta , m a s a s u a e fic á c ia n ã o e s tá
e m n ó s e n a n o s s a a ç ã o - s e ja a n o s s a r e m e m o r a ç ã o d a o b r a d e C r i s t o
n o p a s s a d o , s e ja a n o s s a r e c o n s a g r a ç ã o a ele n o p r e s e n te . E n q u a n t o o s
se u s v iz in h o s n ã o c r e n te s se u n e m a d e m ô n io s n o s se u s r itu a is p a g ã o s , os
c r e n te s u n e m - s e a C r i s t o e a s e u s a c r if íc io e x p i a t ó r i o p o r m e io d a C e ia
( I C o 1 0 .1 8 - 2 2 ) . P o d e p a r e c e r t ã o e s tr a n h o p a r a n ó s h o je c o m o o fo i p a r a
se u s o u v in te s o r ig in a is q u a n d o J e s u s a n u n c io u : “ E m v e r d a d e , e m v e r d a -
d e v o s d ig o : se n ã o c o m e r d e s a c a r n e d o F ilh o d o H o m e m e n ã o b e b e r-
d e s o se u s a n g u e , n ã o te n d e s v id a e m v ó s m e s m o s . Q u e m c o m e r a m in h a
c a r n e e b e b e r o m e u s a n g u e te m a v id a e te r n a , e e u o r e s s u s c ita r e i n o ú l-
tim o d i a ” (Jo 6 .5 3 - 5 4 ) . D e f a to , a c e le b r a ç ã o d a C e ia d o S e n h o r le v o u à
a c u s a ç ã o d e q u e o s p r im e ir o s c r is tã o s e r a m c a n ib a is . C la r o e s tá q u e é a
fé q u e se a lim e n ta d e C r is to p a r a a v id a e te r n a , m a s D e u s n o s d e u m e io s
c o n c r e t o s p a r a r e c e b e r m o s C r i s t o p e la fé. J u n t o d o e n s in o d o s a p ó s t o -
lo s , d a c o m u n h ã o e d a s o r a ç õ e s , o “ p a r t i r d o p ã o ” é in c lu íd o c o m o u m
e le m e n to e s s e n c ia l d o c u lto n a ig r e ja a p o s tó lic a (A t 2 .4 2 ) . P r e c is a m e n te
p o r q u e a C e ia é d á d i v a d e D e u s a n ó s , e n ã o d á d i v a n o s s a a D e u s , n ó s
s o m o s c h e io s d e a ç ã o d e g r a ç a s (o s e n tid o d e Eucaristia). P r e c is a m e n te
p o r q u e n o s fo i d a d o o m a is r ic o t e s o u r o d o c é u e d a t e r r a , o E s p ír ito n o s
COMO FAZER DISCÍPULOS 197

f o r m a p o r m e io d e s s e s a c r a m e n t o n u m a c o m u n h ã o c a d a v e z m a is p r o -
f u n d a c o m C r is to , e, p o r c o n s e g u in te , u n s c o m o s o u tr o s .
C o m o esse s o u t r o s e le m e n to s , a c e le b r a ç ã o d a C e ia n ã o é m e r o re c u r-
so p a r a a p i e d a d e p e s s o a l, m a s u m m e io p e lo q u a l o E s p ír ito f o r ta le c e a
n o s s a fé e e d ific a t o d o o c o r p o e m C r i s t o c o m o a s u a C a b e ç a . A p r e g a -
ç ã o tr a n s m i t e a p r o m e s s a d o R e i, e o b a tis m o e a C e ia s ã o o s s e lo s fix a -
d o s a o c o m p r o m is s o p a c tu a i d e D e u s q u e a s s e g u r a a t o d o s o s q u e c r e e m
q u e e le s s ã o c o - h e r d e ir o s c o m C r is to .
P o r m e io d a p r e g a ç ã o d o e v a n g e lh o , d o b a tis m o , d o e n s in o e d a C e ia
d o S e n h o r, o T r i n o D e u s c r ia u m o á s is n o d e s e r t o . D e u s fa z u s o d e s s e s
m e io s n ã o a p e n a s p a r a n o s e n s in a r a r e s p e ito d a n o v a c r ia ç ã o , m a s p a r a
c r iá - la d e f a to . O R e i v e m c o m b a n d e ir a s d e s f r a ld a d a s , p r o c la m a n d o p a z
a s e u s in im ig o s e l i b e r a n d o p e r d õ e s c o m o e n d o s s o d o s s e lo s r e a is . E s-
ses m e io s n ã o s ã o n o s s o s in s t r u m e n t o s d e c o m p r o m e ti m e n t o , n e m n o s -
sa s e s tr a té g ia s p a r a a e d if ic a ç ã o d a ig r e ja e p a r a a lc a n ç a r o m u n d o , m a s
s ã o o s m e io s d e g r a ç a d e D e u s . A s m a r c a s d a ig r e ja (a p r e g a ç ã o e o s sa -
c r a m e n to s ) e s t ã o f u n d a m e n t a d a s e x p l í c i t a m e n t e n a G r a n d e C o m is s ã o ,
c o m o n e n h u m a o u t r a e s tr a té g ia o é - n e m m e s m o a q u e la s q u e n o s v ê m
p r o n t a m e n t e à m e n te .

D ons e s p ir it u a is , o r a ç ã o p e s s o a l e e v a n g e l iz a ç ã o : m e io s d e g r a t id ã o

E m a c r é s c im o a o s m e io s d e g r a ç a p ú b l i c o s , h á in s t r u ç õ e s n a E s c r it u r a
p a r a a s d is c ip lin a s p e s s o a is d e o r a ç ã o , m e d ita ç ã o n a E s c r itu r a e e v a n g e -
liz a ç ã o . O s m e io s d e g r a ç a - p r e g a ç ã o e s a c r a m e n t o - s ã o a s e s tr a té g ia s
d e D e u s p a r a e n tr e g a r C r is to a n ó s e a o m u n d o . A s e ta a p o n t a p a r a b a i-
x o , d e D e u s p a r a n ó s. N ã o s o m o s n ó s q u e v a m o s e o s o b te m o s ; D e u s
v e m e o s d á . T o d a v ia , a E s c r it u r a o r d e n a u m a v a r ie d a d e d e d is c ip lin a s
e s p ir itu a is p a r a q u e p o r e la s r e s p o n d a m o s a p r o p r i a d a m e n t e a e ssa g ra ç a .
C o m o v e m o s n a a lia n ç a q u e Is ra e l fez c o m D e u s n o S in a i, a r e s p o s ta a d e -
q u a d a à te r r ív e l o r d e m , “ F a ç a m is s o , e v i v e r ã o ! ” , é: “ T u d o o q u e f a lo u
o S enhor f a r e m o s e o b e d e c e r e m o s ” (v e ja E x 2 4 .7 ) . C o n t u d o , a r e s p o s -
t a a d e q u a d a a u m d o m g r a tu i t o é gratidão. O Catecismo de Heidelberg
d e s c re v e a o r a ç ã o c o m o “ o p r in c ip a l m e io d e g r a t i d ã o ” . A lé m d a o r a ç ã o
c o r p o r a t i v a n o c u lto p ú b lic o e n o c u lto d o m é s tic o , s e g u im o s o e x e m p lo
d e C r i s t o d e d e d ic a r p e r ío d o s r e g u la r e s p a r a c o m u n h ã o c o m n o s s o P a i
p e la m e d i a ç ã o d e C r i s t o e p e lo p o d e r d o E s p í r i t o S a n to q u e r e s id e e m
n ó s . P e lo s m e io s d e g r a ç a , o E s p ír ito n o s c o m u n ic a C r is to e n o s d á a fé
p a ra re sp o n d e rm o s: “ A m é m !” .
198

P o r m e io d a g r a t i d ã o , n ó s n o s d e s e n v o lv e m o s n a n o s s a r e s p o s t a . O
b e b ê c o m e ç a a c o m u n ic a r-s e c h o r a n d o . C o m o c o r r e r d o te m p o , seu s p a is
o in s tr u e m : “ U se s u a s p a l a v r a s ” . J e s u s a té n o s d e u u m m o d e lo p a r a p a la -
v ra s a p r o p r i a d a s n a O r a ç ã o d o S e n h o r. E c e r to q u e n ã o p o d e m o s te r u m
r e la c io n a m e n to p e s s o a l se m s a b e r a lg u m a s c o is a s a c e rc a d a o u t r a p e s s o a ,
c o m o t a m b é m é c e r to q u e u m r e la c io n a m e n to g e n u ín o e n v o lv e c o n v e r s a
m a n t i d a c o m a lg u m a r e g u la r id a d e . D e u s n o s f a la p o r m e io d a s u a P a la -
v r a , e n ó s f a la m o s c o m ele n a o r a ç ã o . M e s m o a q u i n ã o s o m o s d e ix a d o s
p o r n o s s a c o n ta . N a B íb lia (e m e sp e c ia l n o s s a lm o s ) v e m o s n ã o s o m e n te a
P a la v r a d e D e u s - s u a s p a la v r a s n o r o t e i r o - m a s t a m b é m a n o s s a . S ilen -
c ia d o s p e la Q u e d a , r e c e b e m o s d e v o lta a n o s s a v o z p e la g r a ç a . A p r e n d e r
a o r a r d e m a n e i r a c o r r e t a e s tá in c lu íd o n a s “ t o d a s a s c o i s a s ” q u e d e v e -
m o s e n s in a r a c a d a p e s s o a . N ã o te m o s n e c e s s id a d e d e o u t r a s e s tr a té g ia s
in te lig e n te s p a r a c o m u n ic a r - n o s c o m D e u s : la b i r i n t o s d e o r a ç ã o , c o n ta s
d o r o s á r i o , íc o n e s e videoclips. P r e c is a m o s m e d i t a r n a P a la v r a d e D e u s e
d e r r a m a r o n o s s o c o r a ç ã o d ia n te d e le e m o r a ç ã o .
P a r a o m in is té r io f o r m a l d e p r e g a ç ã o , s a c r a m e n to , o r a ç õ e s , e n s in o e
d is c ip lin a , C r is to in s t it u i u o fíc io s . N ã o o b s t a n t e , t o d o s o s c r e n te s c o m -
p a r t i l h a m d a u n ç ã o d e C r is to e, p o r t a n t o , s ã o c h a m a d o s p a r a d irig ir-s e
a o P a i e m n o m e d e C r is to , s e m n e n h u m o u t r o m e d ia d o r , e p a r a te s te m u -
n h a r d e C r is to e n tr e o s n o s s o s v iz in h o s .
E m v á r io s p o n to s a o lo n g o d e s te liv ro su g e ri q u e p re c is a m o s r e c u p e r a r
i m p o r t a n t e s d is tin ç õ e s , s e m d e i x a r q u e e la s se t o r n e m o p o s iç õ e s . Is s o é
ig u a lm e n te c e r to q u a n d o c o n s id e r a m o s a r e la ç ã o e n tr e o s d o n s q u e C ris -
t o d á p a r a o m i n is té r io p ú b l i c o e o s d o n s q u e e le d á a t o d o s o s s a n to s .
O N o v o T e s ta m e n to n ã o p e r m ite n e m q u e e lim in e m o s a d is tin ç ã o e n tr e
o m in is té r io o r d e n a d o e o m a is a m p lo i n te r c â m b io d e d o n s n o c o r p o d e
C r is to , n e m q u e c r ie m o s u m m o d e lo h ie r á r q u ic o q u e s e p a r a o s se rv o s d o s
s e r v id o s . C r i s t o n ã o c h a m a t o d a s a s o v e lh a s p a r a s e r e m p a s t o r e s , m a s
c h a m a t o d a s a s o v e lh a s p a r a c u id a r e m u m a s d a s o u t r a s . P a s to r e s , p re s -
b íte r o s e d i á c o n o s s e m p r e s ã o s e r v o s , n u n c a s e n h o r e s , e o s e u s e r v iç o é
s e m p re c o m v is ta s a o p r o g r e s s o d e t o d o o c o r p o . P r e c is a m e n te p o r q u e o
e v a n g e lh o é o a n ú n c io d a s a lv a ç ã o g r a t u i t a e m C r i s t o , e le p r o d u z b o a s
o b r a s . D e ig u a l m o d o , u m m in is té r io flo re s c e n te d e o fic ia is o r d e n a d o s n a
ig r e ja d á u m a c o lh e ita d e d o n s .
E n q u a n t o E fé s io s 4 lim ita o s e u f o c o a o s d o n s d e e v a n g e lis ta s , p a s -
t o r e s e m e s tr e s , R o m a n o s 1 2 e 1 C o r i n t io s 1 2 lis ta m u m a v a r ie d a d e d e
d o n s . O s d i á c o n o s p o d e m s e r c h a m a d o s p a r a c o le ta r , s u p e r i n t e n d e r e
COMO FAZER DISCÍPULOS ‫ ו‬99

d i s t r i b u ir d o n s e s e r v iç o s m a te r ia is d e t o d o o c o r p o , m a s t o d o s o s e r e n -
te s s ã o c h a m a d o s p a r a a p r á ti c a d a h o s p i t a l id a d e , e a a lg u n s e sse d o m é
d a d o e m m a i o r m e d id a d o q u e a o u tr o s . O s p a s to r e s e o s p r e s b íte r o s s ã o
c h a m a d o s p a r a e x e r c e r o g o v e r n o c o m o u m c o n s e lh o c o le tiv o s o b r e o
b e m - e s ta r e s p ir itu a l d a ig r e ja , m a s n ó s t o d o s s o m o s c h a m a d o s - m e s m o
n o c u l t o p ú b l i c o - p a r a e x e r c e r e d if ic a ç ã o e i n s t r u ç ã o m ú t u a e n t o a n d o
h in o s q u e e x p r e s s a m a P a la v r a d e D e u s (C l 3 .1 6 ). O s p a s to r e s n o s g u ia m
n a o r a ç ã o p ú b lic a e n a c o n f is s ã o d o s n o s s o s p e c a d o s , a n u n c ia n d o a a b -
s o lv iç ã o d a d a p o r C r i s t o , m a s t o d o s o s c r e n te s s ã o i n c e n tiv a d o s a c o n -
f e s s a r “ o s v o s s o s p e c a d o s u n s a o s o u t r o s ” e a o r a r “ u n s p e lo s o u t r o s ”
(T g 5 .1 6 ) . A o r d e n a ç ã o f a z d e a lg u n s m i n is t r o s , m a s o b a t i s m o f a z d e
t o d o s n ó s s a c e r d o te s . N e m t o d o s tê m u m o fíc io p a r ti c u la r n a ig re ja , m a s
t o d o s n ó s te m o s o o f íc io g e r a l d e p r o f e t a , s a c e r d o te e re i e m v i r t u d e d a
n o s s a u n iã o c o m C r is to .
Se v ir m o s o s o f íc io s e a o r d e m n a ig r e ja h i e r a r q u i c a m e n t e , c o n c lu i-
r e m o s q u e o p a s t o r é a t e s t e m u n h a d e C r i s t o d e t e m p o i n te g r a l. N u m a
c u l t u r a m a is o r i e n t a d a p e lo c o n s u m i s m o c o m o a n o s s a , e sse m o d e l o é
lite r a lm e n te v is to f in a n c e ir a m e n te e m te r m o s d e a lg o a s s im : p a g a m o s o
p a s t o r p a r a q u e ele se ja o n o s s o d is c íp u lo s u b s t it u t o . N ã o d iz e m o s is s o ,
c l a r o , m a s m u i t a s v e z e s é o q u e p e n s a m o s . O p a s t o r lê a B íb lia , o r a e
e v a n g e liz a p o r n ó s . T a lv e z a m p lie m o s u m p o u c o o c ír c u lo d i z e n d o q u e
a ig r e ja e s ta b e le c e o p o r t u n i d a d e s m in is te r ia is p a r a o s d is c íp u lo s v e r d a -
d e ir a m e n te c o m p r o m e tid o s a fa z e r isso p o r n ó s , liv r a n d o - n o s d a s n o s s a s
r e s p o n s a b ilid a d e s . A s s im se d e s e n v o lv e a “ ig r e ja d e n t r o d e u m a i g r e j a ” ,
o s m o n g e s e f r e ir a s q u e v iv e m n u m p l a n o m a is e le v a d o d e d is c ip u la d o e
d e e s p ir itu a lid a d e , e n q u a n to n ó s , o s r e s ta n te s , c o n te n ta m o - n o s e m c o n s -
ti tu i r a m é d ia c o m o c r is tã o s c o m u n s . A fin a l d e c o n ta s , e s ta m o s o c u p a d o s
c o m a v id a , e p o d e m o s p a g a r o s q u e n o s s e r v e m .
O s d o n s d e p a s t o r e s , m e s tr e s , m is s io n á r io s , e v a n g e lis ta s , p r e s b íte r o s
e d iá c o n o s tê m u m a a m p litu d e e s s e n c ia l, m a s lim ita d a . E sse s o fic ia is n ã o
tê m t o d o s o s d o n s q u e u m a ig r e ja p r e c is a t e r p a r a p r o s p e r a r . P o r u m a
v a r ie d a d e d e r a z õ e s , o s e u p a s t o r p o d e n ã o s e r o m e m b r o m a is d o t a d o
p a r a a h o s p i t a l id a d e . E t e r p e s s o a s o t e m p o t o d o e m c a s a p o d e d e s v ia r
u m m i n i s t r o d o m i n is t é r io d a p a l a v r a d e D e u s p a r a “ s e r v ir à s m e s a s ”
(A t 6 .2 ). N o e n t a n t o , a h o s p ita lid a d e é c r u c ia l. F eliz é o p a s t o r q u e c o n ta
c o m m e m b r o s q u e se e n v o lv e m a v id a m e n te n o m in is té r io d e p a r ti l h a r su a
fé c o m c o l a b o r a d o r e s - a té r e u n in d o a m ig o s e v iz in h o s p a r a d is c u s s õ e s
in f o r m a is a r e s p e i to d a fé. R i c a m e n te s e r v id o s , e sse s i r m ã o s t ê m m u i to
200

p a r a o f e r e c e r a o u t r o s a o lo n g o d a s e m a n a . O s p r e s b íte r o s a d m i n i s tr a m
b e m s u a s c a s a s , m a s o u t r o s p a is p i e d o s o s t a m b é m a d m i n i s tr a m b e m a s
s u a s - e c u id a m d a fé e p r á tic a d e o u t r a s p e s s o a s jo v e n s d a ig re ja a q u e m
eles fiz e ra m u m a p r o m e s s a c o le tiv a n o b a tis m o . G r a ç a s a D e u s p o r esse s
m e m b r o s d a ig re ja - e m e s p e c ia l p e lo s s a n to s m a is id o s o s , p e lo s v iú v o s e
v iú v a s e s o lte ir o s - q u e p o d e m c o n t r i b u i r c o m m a is t e m p o e m a is ta le n -
to s p a r a a o r a ç ã o e p a r a p r e s ta ç ã o d e s e r v iç o e m f a v o r d o c o r p o .
T o d a a c o m u n id a d e r e u n id a n o C e n á c u lo n o D ia d e P e n te c o s té s re c e -
b e u p o d e r p a r a a g ir c o m o te s t e m u n h a s d e C r is to . O E s p ír ito c o n f ir m o u
s u a p r e s e n ç a n o m e io d e Is ra e l c o m u m a só c o lu n a d e f o g o , m a s n o P e n -
te c o s te s e le b a i x o u c o m o “ lín g u a s , c o m o d e f o g o , e p o u s o u u m a s o b r e
c a d a u m d e le s ” (A t 2 .3 ) . O r e s u lta d o n ã o fo i u m a lín g u a d e o r a ç ã o p riv a -
d a , m a s u m d o m s o b r e n a t u r a l d e f a la r e m lín g u a s q u e a q u e le q u e o r a v a
n u n c a t i n h a a p r e n d i d o , m a s q u e e r a e n t e n d i d a p e lo s ju d e u s q u e , o r iu n -
d o s d e m u i ta s lín g u a s e r e g iõ e s , e s ta v a m r e u n id o s e m J e r u s a l é m p a r a a
f e s ta d e P e n te c o s té s . O s v is ita n te s f ic a r a m “ a t ô n i t o s e se a d m i r a v a m ” ,
n ã o p o r q u e e s ta v a m p r o f e r i n d o e x p r e s s õ e s e x t á t i c a s , m a s “ c a d a u m o s
o u v ia f a l a r n a s u a p r ó p r i a l í n g u a ... C o m o o s o u v im o s f a l a r e m n o s s a s
p r ó p r ia s lín g u a s a s g r a n d e z a s d e D e u s ? ” (A t 2 .6 - 7 ,1 1 ) .
P e d ro p re g o u o s e r m ã o d o P e n te c o s té s , e m u ito s fo r a m b a tiz a d o s ,
m a s a P a la v r a d o S e n h o r se e s p a lh o u r a p id a m e n t e p o r m e io d o te s te m u -
n h o d e c r e n te s c o m u n s ta m b é m . A s a u t o r i d a d e s t e n t a r a m a p a g a r o fo g o
p r e n d e n d o o s a p ó s to lo s e m a t a n d o o d iá c o n o E s tê v ã o , m a s a p a la v r a d e
D e u s c o n t i n u o u a e s p a lh a r-s e . N o liv r o d o A p o c a lip s e , o s m á r tir e s e s tã o
triu n fa n te s so b re o m u n d o , a c a rn e e o d ia b o p o r c a u s a d a p a la v r a d o
t e s t e m u n h o d e le s .
A q u i, d e n o v o , é im p o r t a n t e q u e r e c o n h e ç a m o s q u e , p r im a r ia m e n te , a
e v a n g e liz a ç ã o p e s s o a l n ã o se p r e o c u p a e m te s tif ic a r d e n ó s m e s m o s , m a s
s im e m te s tif ic a r d e C r is to . N ã o h á n a d a d e e r r a d o e m r e la t a r m o s n o s s a
e x p e r iê n c ia c r is tã . N a r e a lid a d e , m u ita s v e z e s é u m b o m m e io d e in ic ia r
u m a c o n v e r s a c o m u m a m ig o o u p a r e n te n ã o c r e n te . E , p o r é m , u m m e r o
p r e â m b u l o p a r a o e v a n g e lh o . O s a p ó s t o l o s e o s m á r t i r e s e n f r e n t a r a m a
m o r te n ã o p o r q u e ti n h a m e x p e r iê n c ia e s p ir itu a l, n e m p o r q u e o s se u s c a -
s a r n e n to s e r a m m a is f o r te s e eles e r a m p e s s o a s m e lh o r e s n e s ta v id a , m a s
p o r c a u s a d o s e u te s te m u n h o de Cristo.
Se h á p e s s o a s q u e p o d e r ía m te s tific a r d a d ife r e n ç a q u e J e s u s fez e m su a
e x p e r iê n c ia in te r io r e n o s se u s r e la c io n a m e n to s c o m o s o u t r o s , s e r ia m o s
a p ó s to lo s . D iv e r s a m e n te d e m im , eles r e a lm e n te a n d a r a m e c o n v e r s a r a m
COMO FAZER DISCÍPULOS 201

c o m J e s u s n u m ja r d im . E m v ez d is s o , o r e la to q u e te m o s é o te s te m u n h o
o c u la r d e le s d a s c o is a s m a is i m p o r t a n t e s q u e J e s u s d isse e fe z , e d a ín te r-
p r e t a ç ã o i n s p i r a d a d e le s . N ã o h á d ú v i d a d e q u e o e v a n g e lh o m u d o u o
c o r a ç ã o d e le s e d e u f r u t o e m b o a s o b r a s , m a s o te s t e m u n h o e r a q u a n t o
a o s a c o n te c im e n to s q u e se d e r a m p o r n ó s t o d o s e n ã o a p e n a s d o s q u e se
d e r a m n a e x p e r i ê n c i a p e s s o a l d e le s . P a u l o r e l a t o u s e u e n c o n t r o n o c a -
m in h o d e D a m a s c o c o m o C r is to r e s s u r r e to , m a s n u n c a s u g e r iu q u e e ssa
p r á ti c a e r a n o r m a t i v a , e m u i to m e n o s e s tim u lo u o u t r o s a te r e m s u a p r ó -
p r ia “ e x p e r iê n c ia n o c a m in h o d e D a m a s c o ” . A n te s , o o b je tiv o d o se u re -
la to fo i te s tific a r d e C r is to c o m o r e s s u r r e to e e x e r c e n d o s u a r e a le z a , e d o
s e u p r ó p r i o c h a m a d o c o m o te s t e m u n h a o c u la r a p o s tó lic a .
A c h o fá c il f a la r s o b r e m im m e s m o . P o s s o r e l a t a r m in h a i n t e r p r e ta ç ã o
d e “ c o m o f u i s a l v o ” , e q u e m p o d e r á c o n te s ta r ? É a minha e x p e r iê n c ia .
C o n t u d o , o s c r e n te s d ã o t e s t e m u n h o d e f a to s d a H i s t ó r i a d o s q u a is to -
d a s a s p e s s o a s s e r ã o o b r ig a d a s a p r e s ta r c o n ta s . M u ito s c r e n te s , p a r a n ã o
f a la r d e n ã o c r e n te s , j a m a is o u v i r a m u m a in te lig e n te d e f e s a d a s a f ir m a -
ç õ e s c r is tã s . P o r t a n t o , te m o s d e a p r e n d e r a h i s t ó r i a e a s d o u t r i n a s q u e
d e la p r o v ê m . T e m o s d e v iv e r e ssa n a r r a t i v a c o m o d e s t i n a t á r io s n o r m a is
d o m i n is té r io d e p r e g a ç ã o e s a c r a m e n t o . E m o u t r a s p a l a v r a s , te m o s d e
n o s t o r n a r d is c íp u lo s .
E q u a n t o m a is c r e s c e r m o s n e s s e c o n h e c i m e n t o e n e s s a e x p e r i ê n c i a
d e C r is to , m a is v a m o s e s t a r “ s e m p r e p r e p a r a d o s p a r a r e s p o n d e r a t o d o
a q u e le q u e v o s p e d ir r a z ã o d a e s p e r a n ç a q u e h á e m v ó s ” e a fa z ê -lo “ c o m
m a n s id ã o e t e m o r ” ( l P e 3 .1 5 - 1 6 ) . O s q u e s a b e m n o q u e c r e e m e p o r q u e
c r e e m n ã o p r e c is a m c o n f ia r e m c lic h ê s e e m f ó r m u la s m e m o r iz a d a s . N ã o
tê m n e c e s s id a d e d e s e n tir-s e le v a d o s a f a z e r u s o d e lis o n ja n e m d e s e n tir-
-se i n tim id a d o s a o c o m p a r t il h a r e m s u a fé. C o m p a r t i lh á - l a t o r n a - s e u m a
p a r te n a t u r a l d a s r e la ç õ e s d o d ia a d ia e d a s c o n v e r s a s c o m u n s .
Q u a n d o C r i s t o e s tá s e n d o e n t r e g u e a n ó s s e m a n a l m e n te n a P a l a v r a
e n o s a c r a m e n to , a r e u n iã o c o r p o r a t i v a d o s s a n to s to r n a - s e o c a m p o n o
q u a l a l a v o u r a c r e s c e . L e v a m o s p a r a c a s a s o b r a s d e s s a f e s ta s e m a n a l e
s a b o r e a m o s r ic a s p o r ç õ e s a c a d a d ia . A lg u n s p a s to r e s im p r im e m , c o m o
s u g e s tã o , le i t u r a s e p e r g u n t a s b íb lic a s p a r a q u e o s c r e n te s p o n d e r e m a
r e s p e ito d e la s d u r a n t e a s e m a n a - c o m o s o b r a s d o d o m i n g o a n t e r i o r e
u m p r e p a r o p a r a o p r ó x i m o . À s v e z e s ta m b é m p a s s a g e n s d a E s c r itu r a e
p e r g u n ta s d o c a te c is m o s ã o r e c o m e n d a d a s p a r a i n s tr u ç ã o d a f a m ília d u -
r a n t e a s e m a n a . E m t o d o s e sse s m e io s , o b a n q u e t e n o r m a l d o p o v o d e
D e u s é a d á d iv a q u e c o n t i n u a r e n d e n d o b e n e fíc io s a c a d a d ia .
202

M is s õ e s d o m é s t ic a s : f a z e n d o d is c íp u l o s n a n o s s a f a m íl ia

N o s s a f a m ília é o n o s s o c a m p o m is s io n á r io m a is p r ó x i m o . L u te r o c h a -
m a v a s u a fa m ília d e “ m in h a p e q u e n a p a r ó q u i a ” . N o se u s e r m ã o n o P e n -
te c o s te s P e d r o d e c la r o u : “ P o is p a r a v ó s o u tr o s é a p r o m e s s a , p a r a v o s s o s
f ilh o s e p a r a t o d o s o s q u e a i n d a e s tã o lo n g e , is to é, p a r a q u a n t o s o Se-
n h o r, o n o s s o D e u s , c h a m a r ” (A t 2 .3 9 ) . A s s im é q u e a G r a n d e C o m is s ã o
é u m c h a m a d o n ã o s o m e n te p a r a m is sõ e s n o e s tr a n g e ir o e e s ta b e le c im e n -
to d e ig re ja s , m a s t a m b é m p a r a a s u c e s s ã o d a s b ê n ç ã o s p a c tu a i s d e u m a
g e r a ç ã o p a r a a s e g u in te .
T o d o a q u e le q u e fo i b a t i z a d o é u m m e m b r o v isív e l d a f a m ília , e isso
s ig n ific a q u e c a d a u m d e n ó s n ã o a p e n a s é p r iv ile g ia d o , m a s é ta m b é m
r e s p o n s á v e l p o r a p r e n d e r a g r a m á t ic a e p o r v iv ê -la e n tr e o s s a n to s e n o
m u n d o . N i n g u é m q u e fo i b a t i z a d o p o d e d iz e r q u e a p r e n d e r e c r e s c e r n a
fé e p r á t i c a c r is tã é u m e x t r a o p c io n a l. M u i t o o c u p a d o e m e s c a la r a la -
d e ir a p r o f is s io n a l? F o m o s c o m p r a d o s p o r u m p r e ç o , n ã o c o m d in h e ir o ,
m a s c o m o s a n g u e d e C r is to ( l P e 1 .1 8 - 1 9 ) . E s ta m o s p o r d e m a is im e rs o s
e m e n t r e t e n i m e n t o s , e s p o r te s e e m o u t r o s in te r e s s e s c u l t u r a is p a r a p a s -
t o r e a r o p e q u e n o r e b a n h o d e C r is to n o n o s s o la r? O b a tis m o n o s d is tr a i
d a s n o s s a s d is tr a ç õ e s . A a tiv id a d e f e b ril d a “ v id a e m f a m í l i a ” é t ã o c o n -
s u m i d o r a q u e n ã o te m o s t e m p o n e n h u m p a r a a g r a ç a ? Se é a s s im , n ã o
d e v e m o s fic a r s u r p r e s o s se u m d ia o s n o s s o s f ilh o s n ã o fiz e re m p a r t e d a
c o m u n h ã o d o s s a n to s .

O Dia do Senhor
O D ia d o S e n h o r n ã o é u m d ia d e je ju m e s o lid ã o , m a s d e fe s ta : c o m e r e
b e b e r n a p r e s e n ç a d o S e n h o r - e d o se u p o v o . N e s s e f e r ia d o s e m a n a l, re -
u n in d o - n o s c o m o s s a n to s p a r a v iv id o c o m p a n h e ir is m o e c o m u n h ã o e m
C r i s t o , f o r m a m o s u m a f a m ília u n i d a p o r o u v i r a m e s m a P a l a v r a e p o r
c o m p a r tilh a r u m só E s p írito . N e s s a a s s e m b lé ia , o re in o d e D e u s e s tá m a is
v is iv e lm e n te p r e s e n te n o m u n d o e m s u a f o r m a a tu a l: c o m o u m a e m b a i-
x a d a d a g r a ç a , c r ia n d o u m a s o c ie d a d e p e r d o a d a e p e r d o a d o r a .
Q u a n d o d e u o s D e z M a n d a m e n to s , D e u s b a s e o u o q u a r to m a n d a m e n to
(o s á b a d o ) n a im ita ç ã o d e D e u s p e lo p o r t a d o r d e s u a im a g e m : “ p o r q u e ,
e m seis d ia s , fe z o S enhor os c é u s e a t e r r a , o m a r e t u d o o q u e n e le s h á
e, a o s é tim o d ia , d e s c a n s o u ; p o r is s o , o S enhor a b e n ç o o u o d ia d e s á -
b a d o e o s a n t i f i c o u ” (E x 2 0 .1 1 ) . L o g o , e sse m a n d a m e n t o n ã o se b a s e ia
m e r a m e n te n o r e la c i o n a m e n t o e s p e c ia l d e Is ra e l c o m D e u s , m a s n o re la -
c i o n a m e n to o r ig in a l d e D e u s c o m a h u m a n i d a d e n a c r ia ç ã o .
COMO FAZER DISCÍPULOS 203

C e r ta m e n te a c e le b r a ç ã o s o b a n o v a a lia n ç a d o D ia d o S e n h o r é d ife -
r e n te d a s u a o b s e r v â n c i a s o b a a n t i g a a lia n ç a . N ã o e s ta m o s m a is o b r i-
g a d o s à s leis c e r im o n ia is lig a d a s a e la n a a lia n ç a m o s a ic a . A lé m d is s o , o
i m p a c to s ís m ic o d a r e s s u r r e iç ã o d e C r i s t o m u d o u a r e u n iã o p a c t u a i d o
s á b a d o p a r a o d o m i n g o : o D ia d o S e n h o r. E s s e d i a f o i s e p a r a d o in te i-
r a m e n t e p a r a o m in is té r io d a P a l a v r a e d o s s a c r a m e n t o s , d o e n s in o , d a
o r a ç ã o e d a c o m u n h ã o (A t 2 .4 2 ; 2 0 .7 ; I C o 1 6 .2 ; H b 1 0 .2 5 ; A p 1 .1 0 ) .
E s s a r e u n iã o r e g u la r d a c o m u n i d a d e p a c t u a i é u m a c e le b r a ç ã o s e m a n a l
d a P á s c o a , o a n i v e r s á r i o d a n o v a c r ia ç ã o . N ã o é u m d i a c o m u m , m a s
u m s a n t o d ia n o q u a l s o m o s le v a d o s r e p e t i d a s v e z e s d e v o lta à h i s t ó r i a
d e J e s u s C r is to p o r s u a P a la v r a e p e lo s e u E s p ír ito j u n t o c o m s e u p o v o .
O s á b a d o c r i s t ã o t e m s i d o p r a t i c a d o c o m v a r iá v e i s g r a u s d e ê x i t o
n a t r a d i ç ã o r e f o r m a d a . N o s e u m e lh o r , te m s id o p r a t i c a d o c o m a le g r ia
c o m o ta m b é m c o m r e v e r ê n c ia , e m a n t e c i p a ç ã o c o m o ta m b é m c o m c o n -
t e n t a m e n t o , c o m e s t u p e n d o d e le ite p e lo s d o n s d e D e u s c o m o t a m b é m
c o m in te r e s s e e m p a r t i l h a r e sse s d o n s c o m o u t r a s p e s s o a s . E u m d ia d e
d e s c a n s o , n ã o s o m e n te p a r a o n o s s o c o r p o e m e n te , m a s ta m b é m p a r a a
n o s s a a lm a , q u a n d o d e s c a n s a e m C r is to e d e ix a m o s d e c o n f ia r n a n o s s a
p r ó p r i a a tiv id a d e . A ê n f a s e n ã o e s tá n o q u e n ã o p o d e m o s f a z e r n o D ia
d o S e n h o r, m a s d e q u a is o b r ig a ç õ e s p r o f is s io n a is c o m u n s s o m o s lib e r a -
d o s p a r a d e s f r u t a r d e u m a n t e g o s t o d o s a b á e te r n o . P a r a a n o s s a fe lic i-
d a d e t e m p o r a l b e m c o m o p a r a a n o s s a s a lv a ç ã o , p a r a m o s d e t r a b a l h a r
p a r a t e s tif ic a r d o f a t o d e q u e D e u s é o n o s s o p r o v e d o r . N ó s d e s c a n s a -
m o s e m C r is to .
A lé m d e p a r t i c i p a r d o s c u l t o s d a m a n h ã e d a n o i t e n a i g r e j a p a r a
n o s s a n u t r i ç ã o e s p i r i t u a l , e d e d e s c a n s a r n o s s o c o r p o , t e m s id o p r á t i -
c a r e f o r m a d a c o m u m v i s i t a r p e s s o a s i m p e d i d a s d e s a ir, p a c ie n t e s n o s
h o s p i t a i s , la r e s d e a p o s e n t a d o s e p r is õ e s . A s “ o b r a s d e m i s e r i c ó r d i a ” ,
c o m o sã o c h a m a d a s , fa z e m p a r te d a a le g ria e d a r e s p o n s a b ilid a d e d o
D ia d o S e n h o r.
N ã o é a p e n a s d e s s a m a n e i r a q u e a s ig re ja s r e f o r m a d a s tê m p r a ti c a d o
e s s a d is c ip lin a . M u i t a s v e z e s o D ia d o S e n h o r te m s id o u m f a r d o , e n ã o
u m p r a z e r , s e p u l t a d o d e b a ix o d e u m a lis ta d e t r a d i ç õ e s e le is e s c r ita s e
n ã o e s c r ita s q u e n ã o s ã o o r d e n a d a s p a r a a c e le b r a ç ã o d a n o v a a lia n ç a .
N o e n t a n t o , a s m á s c e le b r a ç õ e s d e s s e d ia n ã o ju s tif ic a m a b a n d o n a r s u a
p r á t i c a , c o m o t a m b é m a m á p r e g a ç ã o e a m á a d m i n i s tr a ç ã o d o s s a c r a -
m e n t o s , d a s o r a ç õ e s e d a s a p r e s e n t a ç õ e s e v a n g e lís tic a s n ã o ju s tif ic a m
a b a n d o n a r a a d o ra ç ã o o rd e n a d a p o r D eu s.
2 04

O c é tic o V o lta ir e u m a v e z i r o n i z o u d iz e n d o q u e , se v o c ê se l i v r a r d o
r e p o u s o s e m a n a l c r is t ã o , v a i se liv r a r d o c r is tia n is m o . A s s im é, n ã o p o r
a lg u m a lig a ç ã o s u p e r s tic io s a , m a s p o r q u e é n e s s e d ia q u e o T r in o D e u s
p r o m e t e u a b e n ç o a r a t e r r a c o m o i r r o m p i m e n t o d o s e u r e in o , c r i a n d o
to r r e n te s n o d e s e rto . P elo s m e io s d e g r a ç a e n tr a m o s n o s a b á d e D e u s, d es-
c a n s a n d o d a s n o s s a s o b r a s ju s ta m e n te c o m o D e u s o fez d a s s u a s (H b 4 .9 ).
C a d a D ia d o S e n h o r é u m a n t e g o z o d a g l ó r i a d o s a b á e t e r n o q u e n o s
a g u a r d a . N e s s e d ia , n e s te lu g a r , c h e g a m o s d e n o v o c o m o o “ s a l d a te r-
r a ” , q u e p re c is a te r r e n o v a d a a s u a s a lin id a d e . D e s is ta d o D ia d o S e n h o r,
o u p r o c u r e - o e m a lg u m a o u t r a c o is a q u e n ã o o m i n is té r io d e P a l a v r a e
s a c ra m e n to , e n ã o d e m o ra rá q u e o sal p e rc a o seu sab o r. A p ro m e s s a
- q u e é p a r a n ó s , p a r a o s n o s s o s f ilh o s e p a r a t o d o s o s q u e e s t ã o lo n -
g e - s e r á f r a c a m e n te o u v id a e m m e io a o e s t r é p it o d a m ú s ic a a m b i e n t a l
no shopping center (o u n a ig re ja ) e d a s m a n c h e te s q u e c h a m a m a n o s s a
a t e n ç ã o d u r a n t e a s e m a n a . P r e c is a m o s d a s n o tíc ia s d o c é u p a r a q u e n o s
d e s v ie m o s d a s n o tíc ia s d iá r ia s . E , q u a n d o d e r m o s a te n ç ã o à s n o tíc ia s d o
c é u e m p r i m e i r o lu g a r, e m t r o c a s a b e r e m o s le r a s n o tíc ia s d iá r ia s d e u m
m o d o u m p o u c o d if e r e n te .
P o d e ser q u e a c e le b ra ç ã o d o D ia d o S e n h o r seja u m a d a s p r á tic a s m a is
d e s a fia d o ra s e n tr e o s c r is tã o s a tu a lm e n te . E n tr e ta n to , m u ita s v ezes a s d is-
c ip lin a s m a is d ifíc e is s ã o t a m b é m a s q u e t r a ç a m a s m a is c la r a s d is tin ç õ e s
e n tr e o s c i d a d ã o s d a e r a p o r v ir e o s c id a d ã o s d a e r a a tu a l.
A q u i d e n o v o te m o s d e a g ir c o n t r a a c r e s c e n te te n d ê n c ia d e e lim in a r
a d is tin ç ã o e n t r e o s a n t o e o c o m u m , o s m e io s d e g r a ç a e a v id a d e se r-
v iç o q u e p r e s t a m o s a o s n o s s o s s e m e l h a n te s d u r a n t e a s e m a n a . A s v o -
c a ç õ e s , a s t r a n s a ç õ e s , a s t a r e f a s c o m u n s e a s a ti v i d a d e s s o c ia is c o m o s
n o s s o s c o n c id a d ã o s n ã o c r is tã o s , s ã o - n o s d a d a s p o r D e u s p a r a seis d ia s
d a s e m a n a , m a s n o D ia d o S e n h o r s o m o s c h a m a d o s d e t o d a s a s n a ç õ e s
p a r a o e x e r c íc io d o s a c e r d ó c io c r is tã o . E c o m o u m a q u e c i m e n t o p a r a a
c e ia d a s b o d a s d o C o r d e i r o . N u m a s o c i e d a d e m o v i d a p e lo c o n s u m i s -
m o , n ó s b o i c o t a m o s o s u p e r m e r c a d o n o d ia d o s a n t o r e p o u s o s e m a n a l.
N ó s n o s r e c u s a m o s a r e n d e r - n o s à c u l t u r a d o e n tr e te n im e n to . N e s s e d ia ,
c a d a u m d á t e s t e m u n h o d o d e u s q u e a d o r a . N e s s e d ia , d a m o s te s te m u -
n h o a o m u n d o - e a c a d a p ró x im o e a n ó s m e sm o s - de q u e é neste q u e
r e a l m e n t e e s ta m o s : “ e m C r i s t o ” ; n ã o “ e m A d ã o ” , r e c l a m a d o s p e lo E s-
p í r i t o e a n i m a d o s p e la e r a p o r vir. Q u a n d o e x e r c e m o s a n o s s a lib e r d a d e
c r is tã p a r a c o m e r, b e b e r, d iv e r tir - n o s , t r a b a l h a r , fa z e r c o m p r a s e a t e n d e r
a o s n o s s o s p a s s a te m p o s e m se is d ia s , z e lo s a m e n te g u a r d a m o s o D ia d o
COMO FAZER DISCÍPULOS 205

S e n h o r p o r q u e e s te n o s a n u n c ia e a n u n c ia a o m u n d o q u e s o m o s f e ito s
p a r a a lg o m a is . A d ia n te d e n ó s h á a lg o m a i o r d o q u e p o d e m o s im a g in a r,
e, a i n d a a q u i, q u e r e m o s r e c e b e r c a d a m ig a lh a q u e c a ia d a q u e la m e s a , e
a s p i r a r c a d a a r o m a d a q u e le b a n q u e te .
É o D ia d o S e n h o r, n ã o m e u , n e m s e u , n e m d o m e u g r u p o . N ã o é u m
fe ria d o n a c io n a l, m a s u m s a n to d ia c e le stia l. N e s s e d ia , n a c o m u n h ã o d o s
s a n to s , d e s c o b r im o s q u e a s n o s s a s id e n tid a d e s e a f in id a d e s m a is p r o f u n -
d a s n ã o s ã o c u l t u r a is n e m s o c io e c o n ó m ic a s . N e s s e d ia , n e s te lu g a r, n ã o
h á te m p o p a r a c e le b r a r m o s n o s s a h e r a n ç a n a c io n a l o u é tn ic a . N ã o s o m o s
u m a s o c ie d a d e d e p e s s o a s d e in te r e s s e s , p a s s a te m p o s , g o s to s e p e r fis d e
c o n s u m o s e m e lh a n te s . N ã o n o s r e u n im o s c o m o ir m ã o s c o m o n o s s o cír-
c u lo d e a m ig o s e v iz in h o s c o m o s q u a is c o m p a r t il h a m o s in te r e s s e s e afi-
n id a d e s c u ltu r a is s e m e lh a n te s . N ã o c h e g a m o s c o m u m p r o g r a m a p o lític o .
V a m o s p o r q u e o u v im o s a p r o m e s s a d a “ c id a d e q u e te m f u n d a m e n to s , d a
q u a l D e u s é o a r q u it e to e e d i f i c a d o r ” ( H b 1 1 .1 0 ) . N e s s e lu g a r e s t r a n h o ,
n e s s e d ia e s t r a n h o , o s s a n t o s m a is m a d u r o s e n s in a m o s m a is n o v o s , o s
p o b r e s e n r iq u e c e m o s r ic o s e o s r ic o s e n r iq u e c e m o s p o b r e s , o s m a r g in a -
f iz a d o s r e c e b e m a s b o a s - v in d a s , o s c a n s a d o s e s o b r e c a r r e g a d o s e n t r a m
n o re p o u s o d o s a b á d e D e u s, e os c o n s u m id o re s a u tô n o m o s m o rre m e
s ã o r e s s u s c i ta d o s c o m C r i s t o . E lim in e o D ia d o S e n h o r e n c h e n d o - o d e
t r a b a l h o s , e n tr e te n im e n to s e in te r e s s e s c o m u n s , e v o c ê e lim in a r á a q u e le
d ia e s p e c ia l n o q u a l D e u s p r o m e t e u r e u n ir , a l i m e n t a r e s a lv a r o s e u re -
b a n h o , e v o c ê n ã o m a is t e s t e m u n h a r á a o m u n d o .
C e le b r a n d o a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to - e s e n d o r e g u la r m e n te tr a z id o d e
v o lta c o m s u a s e n e r g ia s r e v ig o r a d a s - e sse s a n t o d ia é a d á d iv a d e D e u s
p a r a a r e n o v a ç ã o s e m a n a l d a a lia n ç a d a g r a ç a . N e s s e d ia , n e s s a r e u n iã o ,
o S e n h o r J e s u s C r is to se d irig e a o m u n d o c o m ju íz o e c o m p e r d ã o , b a ti-
z a o s se u s c i d a d ã o s , a lim e n ta - o s e v e s te - o s c o m m e io s d e s u s te n to e s p iri-
tu a l, e a té m a te r ia l, e s e m e ia n e le s te s te m u n h o s q u e p e n e tr a m c a d a c a n to
e r e c a n t o d o m u n d o d u r a n t e o s d ia s d a s e m a n a . N ã o p o d e r e m o s le v a r a
s é r io a r e a lid a d e d o r e in o d e D e u s e n tr e n ó s se n ã o s e p a r a r m o s e sse d ia
p a r a c o m u n h ã o c o m C r is to , p r e c is a m e n te c o m o ele o s e p a r o u p a r a n ó s .

Discípulos no lar
R e s p e ito o s m o tiv o s d e p a s to r e s , jo v e n s p a s to r e s e p a is a tu a is q u e d e s e ja m
m a n t e r a s s u a s c r ia n ç a s in te r e s s a d a s e m C r i s t o s e m d e i x a r d e d a r a te n -
ç ã o a t o d a s o r te d e d is tr a ç õ e s e a tr a ç õ e s v in d a s d e o u t r a s d ir e ç õ e s . S u a s
in te n ç õ e s n ã o s ã o m á s . N ã o o b s t a n t e , a j u l g a r p e lo s p a d r õ e s b íb lic o s ,
2 06

a e s p i r i t u a l i d a d e e n t r e o s jo v e n s m e m b r o s o u f r e q u e n t a d o r e s d e ig r e ja
e n c o n tr a - s e n u m e s t a d o d e g r a v e c r is e . N a i n t r o d u ç ã o , e u m e r e f e r i a o
r e la tó rio d o g ru p o de p e s q u is a B a rn a , se g u n d o o q u a l q u a n d o c h e g a m
à f a ix a d o s 2 0 a n o s d e i d a d e , 6 0 p o r c e n to d o s jo v e n s q u e p e r te n c i a m
à ig r e ja e s t ã o f o r a d e l a .4 O s e s t u d o s in te n s iv o s d o s o c ió lo g o C h r i s t ia n
S m ith e s u a e q u ip e r e fle te m u m a v a g a e s p ir itu a lid a d e q u e n ã o d ife r e sig-
n if ic a tiv a m e n te d a d o s n ã o c r is t ã o s .5
M e s m o d e p o is d e u m d ia n a e s c o la , n o s s o s f ilh o s t ê m liç ã o d e c a s a
p a r a fa z e r. A p e n a s u m d ia p o r s e m a n a v a m o s à ig r e ja c o m o f a m ília . L á
o s n o s s o s filh o s s ã o c a te q u i z a d o s e se j u n t a m a n ó s p a r a o c u l t o p ú b li-
c o , e o n o s s o p a s t o r in c lu i p e r g u n t a s p a r a r e s p o n d e r m o s c o m o f a m ília
e m c a s a . D u r a n t e a s e m a n a le m o s e d is c u tim o s a s E s c r it u r a s , o r a m o s e
e s tu d a m o s a s p e r g u n ta s e r e s p o s ta s d o c a te c is m o . A s s im c o m o a j u d a r o s
n o s s o s filh o s e m s u a t a r e f a d e c a s a , e ssa s a tiv id a d e s f o r m a m u m a r o t i n a ,
u m a d is c ip lin a e u m h á b ito . À s v ez es isso é a b o r r e c id o , m a s m u ita s v ezes
e u e m in h a m u l h e r n o s e n c h e m o s d e a le g r ia q u a n d o o u v im o s n o s s o s fi-
lh o s fa z e r e m p e r g u n ta s , a p r e s e n ta r e m p e n e tr a n te s p e r c e p ç õ e s e e x p r e s s a -
re m s u a c re s c e n te fé e m C r is to . Se a e s c o la fica c o m o s n o s s o s filh o s c in c o
d ia s p o r s e m a n a e a i n d a p r e c is a q u e o s p a is o s a ju d e m e m s u a s t a r e f a s
d e c a s a , o d is c ip u la d o n a fé r e q u e r n ã o m e n o s a t e n ç ã o e fo c o . F a lh a m o s
n u m a m ir ía d e d e m a n e i r a s , m a s e u e m i n h a m u l h e r c h e g a m o s a v er, d e
f o r m a s c o n c r e ta s , a i m p o r t â n c i a d e s s e in e x tr ic á v e l e lo e n tr e ig r e ja e lar.
N e n h u m d e n ó s fo i c r ia d o d e s s a m a n e ir a , m a s a g o r a s o m o s te s te m u n h a s
d a fid e lid a d e d e D e u s à s u a p r o m e s s a p a c tu a i.
N ã o se e x ig e m u i ta a n á lis e c u ltu r a l p a r a q u e se p e r c e b a q u e , se o s jo -
v e n s q u e C r i s t o c o n f io u à ig r e ja e s t ã o s a i n d o d e la e e v id e n c ia m p o u c o
c o n h e c im e n to s é r io d a E s c r itu r a e d a fé c r is tã , e s ta m o s f a lh a n d o n a p r á -
tic a d a G r a n d e C o m is s ã o n o s e u n ív e l m a is b á s ic o e lo c a l.
C o m o p a is , é fá c il t r a t a r m o s a s ig re ja s e o s g r u p o s d e jo v e n s c o m o o
p r o b l e m a , c o m o t a m b é m c u l p a r a s e s c o la s p e lo a u m e n t o g e r a l d o a n a l-
f a b e tis m o . C o n t u d o , m e s m o q u e a ig r e ja e s te ja f a z e n d o t u d o o q u e e la é
c h a m a d a p a r a f a z e r p o r C r is to , a fé e a p r á ti c a g e n u ín a s n ã o s e r ã o re a is
n a v id a d e u m a p e s s o a jo v e m , a n ã o s e r q u e f a ç a m p a r te d a te s s itu r a d o
lar. A s c r ia n ç a s c re s c e m o u v in d o se u s p a is f a la r e m f r e q u e n te m e n te s o b r e
D e u s e s o b r e a im p o r tâ n c ia d a “ e s p i r i t u a l i d a d e ” n a v id a d e la s , e n q u a n to
q u e , n a v id a d i á r i a d e le s , h á p o u c a e v id ê n c ia d o q u e e n s in a m . A té m e s -
m o q u a n d o v e e m q u e e r r a m o s - e q u e v o lta m o s a C r is to p a r a c o n f is s ã o
e c e r te z a d o p e r d ã o - é u m a e x p e r iê n c ia c r u c ia l d e a p r e n d iz a d o .
COMO FAZER DISCIPULOS 2 07

F a z e r d is c íp u lo s c o m e ç a e m c a s a , e o s p a is s ã o o s m is s io n á r io s . E s te
p o n t o é i m p o r t a n t e p o r q u e h o je e m d ia a s ig r e ja s m u ita s v e z e s e s p e r a m
q u e c a d a m e m b r o e n c o n tr e u m “ m in is t é r io ” n a ig re ja . C o n h e ç o c r is tã o s
q u e , a lé m d e t r a b a l h a r e m d o is e m p r e g o s , p a s s a m h o r a s e m a tiv id a d e s
r e la c i o n a d a s c o m a ig r e ja , c h e g a n d o a n e g lig e n c ia r o s m e m b r o s d a s u a
p r ó p r ia fa m ília , o s q u a is te n ta m n ã o c u lp a r D e u s p o r m a n te r p a is o u
c ô n ju g e s t ã o o c u p a d o s . D e p o is e le s v ã o à ig re ja e se s e p a r a m , in d o c a d a
u m p a r a o s e u p r ó p r i o g r u p o . C o m o s e r ia se a s f a m ília s f o s s e m à ig re -
ja j u n t a s e c o m p a r t il h a s s e m a m e s m a c o m u n h ã o , e d e p o is tr o u x e s s e m
p o r ç õ e s p a r a c a s a p a r a a a d o r a ç ã o e m f a m ília d u r a n t e a s e m a n a ? N ã o
s e r ia m m a is b e m p r e p a r a d a s p a r a s e r e m s a l e lu z e m c a s a , n a e s c o la e
n o tra b a lh o ?
S e g u in d o a ig re ja p r im itiv a , r e f o r m a d o r e s c o m o L u te r o e C a lv in o e la -
b o r a r a m c a te c is m o s , e v ia m c o m o u m a p a r t e e s s e n c ia l d a s u a v o c a ç ã o
e n s in a r eles m e s m o s o c a te c is m o a o s jo v e n s . N o e n ta n to , o c a te c is m o e r a
u t i li z a d o p r i m a r i a m e n t e e m c a s a , e n s i n a d o p e lo s p a is d u r a n t e a s e m a -
n a . U m liv ro r e c e n te , d e a u t o r i a d e J . I. P a c k e r e G a r y A . P a r r e t t, c h a m a
a a te n ç ã o p a r a a n e c e s s id a d e d e r e n o v a ç ã o d a c a te q u e s e n a ig re ja a t u a l ,
o b s e r v a n d o q u e e sse tip o d e i n s tr u ç ã o r e g u la r r e q u e r u m e s f o r ç o c o m b i-
n a d o e n tr e a ig r e ja e o la r.6 N o e s tá g io d a g r a m á t ic a , o á v id o e m p e n h o
e m m e m o r iz a r é o id e a l p a r a se a p r e n d e r e m a s p e r g u n ta s e r e s p o s ta s d o
c a te c is m o , j u n ta m e n te c o m a s p a s s a g e n s b íb lic a s q u e lh e s d ã o a p o io . D e -
p o is , q u a n d o a s c r ia n ç a s se t o r n a m a d o le s c e n te s p r e c is a m d e lib e r d a d e -
n a v e r d a d e , d e in c e n tiv o - p a r a q u e s tio n a r s u a fé h e r d a d a n u m a m b ie n te
em q u e as su a s e x p lo ra ç õ e s p o s s a m ser o rie n ta d a s e as su a s p e r g u n ta s
p o s s a m se r r e s p o n d id a s . A lé m d is s o , p r e c is a m v e r a r e le v â n c ia d a fé c ris-
t ã n a v id a d o s s e u s p a is .
É p o s s ív e l t e r “ c o n h e c i m e n t o n a m e n t e ” s e m t e r “ c o n h e c i m e n t o n o
c o r a ç ã o ” , m a s é im p o s s ív e l te r o s e g u n d o s e m te r o p r im e ir o . T e m o s d e
c o n h e c e r n o m ín im o a lg u m a s c o is a s p a r a s e rm o s le v a d o s a lo u v a r, a a m a -
d u r e c e r e a o b e d e c e r . C o n t r a r i a m e n t e a o p r o f u n d o a n t i - in te le c tu a lis m o
d e m u ito s c r is tã o s , n in g u é m ja m a is a b a n d o n o u a fé c r is tã p o r r e fle tir d e-
m a is , n e m p o r te r d e m a s ia d o c o n h e c im e n to . A s a n tif ic a ç ã o se r e la c io n a
t a n t o c o m a m e n te q u a n t o c o m o c o r a ç ã o e a s a ç õ e s . D e f a to , é q u a n d o
a n o s s a m e n te é r e n o v a d a p e la P a la v r a q u e s o m o s c a p a z e s d e o f e r e c e r o
n o s s o c o r p o e m s a c rifíc io v iv o .
Q u a n d o m e d i t a m o s n a E s c r it u r a , a d e n t r a m o s o s e u d r a m a e s o m o s
in s tru íd o s e m su a s d o u tr in a s . N a o ra ç ã o , re s p o n d e m o s c o m lo u v o r,
2 08

q u e s tio n a m e n to s , c la m o r e s , a ç ã o d e g r a ç a s , a n s ie d a d e s e e s p e r a n ç a . E n -
c o n t r a m o - n o s v iv e n d o n e s te n o v o m u n d o n u m r e la c i o n a m e n t o p e s s o a l
c o m o n o s s o S en h o r. E e n tã o v e m o s o m u n d o e a n o s s a v o c a ç ã o n ele c o m o
s e rv o s d o n o s s o p r ó x i m o q u e p r e c is a d e n ó s . D e v e m o s c r e s c e r “ n a g r a ç a
e n o c o n h e c im e n to d e n o s s o S e n h o r e S a lv a d o r J e s u s C r i s t o ” (2 P e 3 .1 8 ) .
G o t e j a n d o c o m o s c o r r o s iv o s á c id o s d o s n o s s o s p e c a d o s , c o m o ta m -
b é m a s p r e s s u p o s iç õ e s c u l t u r a is q u e e x s u d a m d o s n o s s o s p o r o s , m e s m o
c o m o c r is tã o s , p e r d e m o s a n o s s a s a lin id a d e e n o s t o r n a m o s in d is tin g u í-
v e is d o m u n d o . S o m e n te s e n d o c o n s t a n t e m e n te t r a n s f o r m a d o s p e la re -
n o v a ç ã o d a n o s s a m e n te p o d e m o s r e c e b e r d e v o lta a s a lin id a d e p e la a ç ã o
d o E s p ír ito m e d ia n te a P a la v r a (v e r R m 1 2 .1 - 2 ) .
7_____________________
_____________________

*Discípulos s2 disciplina
“Ensinando-os aguardar todas as coisas
que vos tenho ordenado”

u a n d o c r ia n ç a , e u c o s t u m a v a d e i x a r a m i n h a p r o f e s s o r a d e p ia -
n o ir r ita d a p o r q u e in s is tia te im o s a m e n te em to c a r d e o u v id o
e m v e z d e m e b e n e f ic ia r d a s u a p e r íc i a . E u a c h a v a q u e n ã o p r e c i s a v a
a p r e n d e r a s n o t a s ; p o d i a a p r e n d e r s o z in h o a to c a r . E o r e s u l t a d o é q u e
h o je , n a tu r a lm e n te , só p o s s o e x ib ir u m r e p e r tó r io m u ito re d u z id o d e
m e lo d ia s .
M e s m o n u m a b o a i g r e ja , h á p o u c o s m o z a r t s , m a s o s p a s t o r e s e o s
p r e s b íte r o s s ã o c h a m a d o s p o r q u e s ã o m a is m a d u r o s n o e n s in o e e m to -
c a r a m ú s ic a d e D e u s . A n o s s a s u je iç ã o à d is c ip lin a d o s o fic ia is d a ig re ja
m u ita s v e z e s é v is ta c o m o u m a a m e a ç a à r e la ç ã o p e s s o a l d o c r e n te c o m
J e s u s . N o e n t a n t o , t o r n a r - s e u m d is c í p u l o d e C r i s t o s ig n if ic a v iv e r n a
h i s tó r ia , a p r e n d e r a d o u t r i n a e j u n ta r - n o s a o s n o s s o s i r m ã o s e ir m ã s n o
l o u v o r e n a g r a t a o b e d iê n c ia . Se só t o c a r m o s d e o u v id o , n u n c a c r e s c e re -
m o s e m C r is to . O n o s s o r e p e r t ó r i o fic a r á l i m ita d o a o q u e a p r e n d e m o s e
e x p e r im e n ta m o s p o r n o s s a c o n ta .
A c h a v e p a r a a a q u is iç ã o d e h a b i l i d a d e e m q u a l q u e r c a m p o , n o q u e
f a z e m o s c o m o p a s s a te m p o , n o e s p o r te o u n a s r e la ç õ e s , é a disciplina -
s u b m e te r - n o s à s n o r m a s e à p e r íc ia d o s m e s tr e s . Is s o p o d e p a r e c e r m e -
c â n ic o , p r in c ip a lm e n te n o in íc io , e a g o r a te m o s u m a c u l t u r a in te ir a q u e
e s tá p e r d e n d o a p a c iê n c ia c o m esse e s tá g io . A lé m d o m a is , a n o s s a c u ltu r a
p r e z a a a u t o n o m i a in d iv id u a l. S o m o s u m a n a ç ã o d e a d u l t o s q u e v a r r e m
p a r a lo n g e a s u b m is s ã o a t o d a i n s t r u ç ã o c o m a p u e r il r e s p o s ta : “ E u sei,
e u s e i ” . T o d o m u n d o já é c o m p e te n te . Só p r e c is a m o s d e i n s t r u m e n t o s e
r e c u r s o s . E e sse h á b i t o c u l t u r a l e s tá s e n d o le v a d o p a r a o d is c ip u la d o d o
tip o “ f a ç a v o c ê m e s m o ” .
210

E m c o n tr a s te c o m e ssa p r e s s u p o s iç ã o , e s te c a p ítu lo e x p lo r a o s o fíc io s


q u e C r is to e s ta b e le c e u p a r a a e d ific a ç ã o d o s e u c o r p o . A G r a n d e C o m is -
s ã o f a la , p r i m e i r o , d oministério d a P a l a v r a e d o s s a c r a m e n t o s p o rq u e ,
n ã o s o m e n te e le é o m in is té r io da ig r e ja , m a s p o r q u e t a m b é m é o m in is -
té r io q u e c r ia , s u s te n ta e e x p a n d e a ig re ja . O s m e io s d e g r a ç a c o n s titu e m
o m in is té r io d e D e u s p a r a n ó s , n ã o n o s s o s in s tr u m e n to s p a r a a u t o a j u d a .
A ig re ja n ã o só cumpre a G r a n d e C o m is s ã o ; e la é o fruto d a G ra n d e C o-
m is s ã o - e n ã o s o m e n te n a s u a f u n d a ç ã o , m a s s e m p r e e a c a d a v e z q u e
e la se r e ú n e . A ig r e ja e x is te p o r c a u s a d o m in is té r io , n ã o o c o n t r á r i o .
E , n o e n t a n t o , C r is to c r io u u m a ig r e ja v isív e l c o m e s t r u t u r a s e o fíc io s
p a r ti c u la r e s . O E s p í r i t o d e s p e d a ç a e d e s o r g a n i z a a n o s s a v id a , a s o c ie -
d a d e h u m a n a e a s p r e s s u p o s iç õ e s c u l t u r a is , s o m e n te p a r a r e o r g a n i z a r -
-n o s c o m o se u p o v o . E m b o r a a ig re ja n ã o t e n h a s id o c o m is s io n a d a p a r a
a d m i n i s t r a r o s in te r e s s e s d o s E s ta d o s s e c u la r e s , e la é, n a v e r d a d e , u m a
i n s titu iç ã o p o lític a . É a e m b a i x a d a d e C r is to n o m u n d o . Q u e r to m e m o s
a f o r m a v isív e l d a ig r e ja a s é r io q u e r n ã o , a s n o s s a s ig r e ja s n ã o p o d e m
d e i x a r d e e x i b i r u m a o r d e m p o l í ti c a p a r ti c u la r . N u m e x t r e m o e s tá u m
g o v ern o hierárquico, em q u e a a u to rid a d e v em de u m ca b e ç a te rre n o .
N o o u t r o e x t r e m o e s tá u m g o v e r n o democrático, e m q u e a a u to rid a d e
ja z p r i m a r i a m e n te n o in d iv íd u o ( c o le tiv a m e n te , “ o p o v o ” ), q u e p o d e o u
n ã o r e c o n h e c e r a s a u to r id a d e s e x te r n a s . E n tr e esses d o is e x tr e m o s h á u m
g o v ern o pactuai n o q u a l C r is to , c o m o o ú n ic o C h e fe d a ig r e ja , d is tr ib u i
s u a a u to r id a d e d e le g a d a a tr a v é s d e u m a r e d e d e r e s p o n s a b ilid a d e m ú tu a ,
lo c a lm e n te e m a is a m p la m e n te .
N ã o s o m o s n ó s q u e f a z e m o s d e D e u s o n o s s o S a lv a d o r, m a is d o q u e
f a z e m o s d e le o n o s s o C r ia d o r . U m a v e z q u e C r is to é S a lv a d o r e S e n h o r,
e q u e e s tá p r e s e n te e m a tiv id a d e s a lv ífic a o n d e q u e r q u e t e n h a s id o p r o -
m e t i d o q u e e s t a r i a , e x is te u m a ig r e ja v is ív e l q u e a d m i n i s t r a a s u a p a z
e te r n a e m se u n o m e . A ig re ja n ã o s u rg e n e m d a lid e r a n ç a d e u m c h e fe o u
c a b e ç a t e r r e n o , n e m d a v o n t a d e d o p o v o , m a s d a o b r a s a lv ífic a d e D e u s
e m J e s u s C r is to . O p r im e ir o p r in c íp io d e t o d a e q u a l q u e r s ã d o u t r i n a d a
ig r e ja é q u e u n ic a m e n te C r is to é s u a C a b e ç a v iv a .
M u ita s v ez e s, n o a n tig o O r ie n te P r ó x im o , o s g o v e r n a n te s e r a m d e sc ri-
to s m e t a f o r i c a m e n t e c o m o p a s t o r e s d o s e u r e in o , e a B íb lia se a p r o p r i a
d e s s a im a g e m p a r a a p lic á - la a o s e u R e i P a s to r :

Sabei que o Senhor é Deus; foi ele quem nos fez, e dele somos; so-
mos o seu povo e rebanho do seu pastoreio. Entrai por suas portas
DISCIPULOS E DISCIPLINA 211

com ações de graças e nos seus átrios, com hinos de louvor; rendei-
-lhe graças e bendizei-lhe o nome. Porque o Senhor é bom, a sua
misericórdia dura pra sempre, e, de geração em geração, a sua fi-
delidade. (SI 100.3-5)

N o e n t a n t o , c o m o o v e lh a s , t o d o s n ó s n o s e x t r a v i a m o s , c a d a u m se-
g u in d o o s e u p r ó p r io c a m in h o (Is 5 3 .6 ; J r 5 0 .6 ) , m a s D e u s p r o m e te u a o s
n o s s o s a n t e p a s s a d o s q u e r e u n i r í a a s s u a s o v e lh a s s o b u m B o m P a s t o r
(E z 3 4 .1 1 ; M q 2 .1 2 ) .
A ig r e ja é u m p o v o (o v e lh a s ), m a s é ta m b é m u m lu g a r (a p r is c o ) o n d e
o B o m P a s t o r a l i m e n t a , p r o t e g e e d is c ip lin a o s e u r e b a n h o . A s o v e lh a s
p o r n a t u r e z a se e x tr a v ia m , p r o c u r a n d o se u p r ó p r i o t r e c h o d e g r a m a - e
se p e r d e m . N ã o te m o s n e c e s s id a d e d e p r e c e p to r e s a p r o p r i a d o s q u e n o s
a ju d e m a t o r n a r - n o s c a p a z e s d e a lim e n ta r - n o s p o r n ó s m e s m o s . N e c e s s i-
t a m o s d e p a s t o r e s q u e n o s c o n d u z a m e q u e n o s p r o t e j a m n a s r ic a s p a s -
ta g e n s d a P a la v r a d e D e u s .
O N o v o T e s ta m e n to n ã o n o s d á s o m e n te a m e n s a g e m , a m is s ã o e o s
m é t o d o s d a G r a n d e C o m is s ã o , m a s t a m b é m n o s d á i n s t r u ç ã o s o b r e o
g o v e r n o d a ig r e ja . C l a r o e s tá q u e n ã o e n c o n tr a m o s t o d o s o s p o r m e n o -
re s n a E s c r itu r a , m a s h á n e la p r in c íp io s b á s ic o s : (1) s o m e n te C r is to é o
c h e f e e o c a b e ç a d a ig r e ja ; (2) C r i s t o a u t o r i z o u c e r to s o f íc io s ( p a s to r e s
e p r e s b íte r o s ) p a r a a m a n u t e n ç ã o d o m in is té r io p ú b lic o e p a r a o c u id a -
d o e s p ir itu a l d o s s a n to s , b e m c o m o p a r a a te n d e r e m à s s u a s n e c e s s id a d e s
t e m p o r a is ( d iá c o n o s ) ; (3 ) h á u m r e la c i o n a m e n t o o r g â n ic o e n tr e a s ig re -
ja s lo c a is q u e se e x p r e s s a n u m a u n id a d e o r g a n iz a c io n a l.

O f íc io s o r d e n a d o s n a ig r e ja p o r C r is t o
C o m o a r g u m e n te i n o c a p ít u l o a n te r io r , n ã o p o d e m o s t r a n s f e r i r o n o s s o
d is c ip u la d o p a r a o s m i n is t r o s o r d e n a d o s . O b a t i s m o q u a lif ic a t o d o s o s
c r e n te s c o m o p r o f e ta s , s a c e r d o te s e re is . A t o d o s n ó s f o r a m d a d o s d o n s
p a r a b e n e fíc io d o c o r p o t o d o , c o m o P a u lo e x p õ e e m I C o r í n t i o s 1 2 e e m
R o m an o s 12.
A o m e s m o t e m p o , t o d o s esse s d o n s v ê m d o E s p ír ito p o r m e io d o m i-
n is té r io d a P a la v r a . P a u lo e x p lic a isso e m E fé s io s 4 . P r im e ir o , e le d iz:

Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chama-


dos numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só
fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos,
2‫ ו‬2

age por meio de todos e está em todos. E a graça foi concedida a


cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo, (v.4-7)

D e u s “ é s o b r e t o d o s , a g e p o r m e io d e t o d o s e e s tá e m t o d o s ” (v .6 ).
T o d o c r e n te p a r ti c ip a ig u a lm e n te d o d o m d a g r a ç a . C o n t u d o , te m o s d i-
fe r e n te s d o n s n e s s e ú n ic o c o r p o .

Por isso, diz [SI 68.18]: Quando ele subiu às alturas, levou cati-
vo o cativeiro e concedeu dons aos homens... Aquele que desceu é
também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para encher
todas as coisas. E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros
para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e
mestres, (v.8,10-11)

N e s s e c o n t e x t o , o s d o n s q u e C r i s t o d e u (e d á ) e m s u a a s c e n s ã o s ã o
o fic ia is d a ig re ja . J á a r g u m e n te i n o s e n tid o d e q u e o s o fíc io s d e p r o f e ta s
e a p ó s t o l o s t iv e r a m fim q u a n d o o a s s e n ta m e n t o d a b a s e d a ig r e ja já es-
ta v a c o lo c a d o . A g o r a te m o s e v a n g e lis ta s , p a s to r e s e m e s tr e s .
Q u a l o p r o p ó s i t o d e s s e s d o n s ? E m m u ita s d a s n o s s a s t r a d u ç õ e s m o -
d e r n a s , o s v e r s íc u lo s s e g u in te s d iz e m : “ c o m o fim d e p r e p a r a r o s s a n to s
p a r a a o b r a d o m in is té r io , p a r a q u e o c o r p o d e C r is to se ja e d if ic a d o , a té
q u e t o d o s a l c a n c e m o s a u n i d a d e d a fé e d o c o n h e c i m e n t o d o F ilh o d e
D e u s ” (v .1 2 -1 3 ; N V I ). O v e r b o g re g o tr a d u z id o p o r “ p r e p a r a r ” (katartis-
mon) t a m b é m p o d e s e r tr a d u z i d o p o r “ c o m p le ta r o u a p e r f e iç o a r ” , c o m o
d e f a to e s ta v a n a s v e r s õ e s m a is a n tig a s n a n o s s a l ín g u a .* S e n d o a s s im ,
s ig n ific a q u e é p e la o b r a d e p a s t o r e s e m e s tr e s q u e o E s p ír ito c o m p le ta
o u a p e r f e iç o a o c o r p o . Is s o fa z m u i to s e n tid o c o m a a n a lo g ia d e e d ifíc io
f e ita p o r P a u lo . S ã o o s s a n to s e m g e r a l q u e e s tã o s e n d o e d if ic a d o s p a r a
a f o r m a ç ã o d e u m a e s t r u t u r a c o m C r i s t o c o m o c a b e ç a . E le s s ã o p r e p a -
ra d o s, n ão para e sse m in is té r io , m a s por e sse m in is té r io p a r a o u t r a s v o -
c a ç õ e s p ie d o s a s n a ig r e ja e n o m u n d o .
O u t r o p o n to : eis p o d e se r t r a d u z id o o u c o m o “ p a r a d e n t r o / p a r a ” (p ro -
p ó s ito ) o u c o m o “ p o r o u c o m ” (in s tr u m e n to ) . A tr a d u ç ã o fa z t o d a a d ife-
r e n ç a . S o m o s p a s to r e s e m e s tre s “ p a r a p r e p a r a r o s s a n to s p a r a a o b r a d o
m in is té r io ” o u “ p a r a c o m p le ta r o s s a n to s p e la /c o m a o b r a d o m in is té r io ” ?
E u p o d e r ia s e g u ir u m a o u o u t r a , e x c e to p e lo f a to d e q u e e ssa c lá u s u la é a
p r i m e i r a d e u m a s é rie d e o u t r a s : “ c o m o fim d e p r e p a r a r o s s a n to s p a r a

* Assim também na versão ARA (“com vistas ao aperfeiçoamento...” ). (N. da R.)


DISCÍPULOS E DISCIPLINA 2‫ ו‬3

a o b r a d o m in is té r io , p a r a q u e o c o r p o d e C r is to se ja e d if ic a d o , até que
todos alcancemos a u n i d a d e d a fé e d o c o n h e c im e n to d o F ilh o d e D e u s ,
e c h e g u e m o s à m a t u r i d a d e [ c o n d iç ã o d e a d u lto s ] , a tin g in d o a m e d id a d a
p le n itu d e d e C r is to . O propósito é q u e n ã o s e ja m o s m a is c o m o c r ia n ç a s ,
le v a d o s d e u m la d o p a r a o u t r o p e la s o n d a s , n e m jo g a d o s p a r a c á e p a r a
lá p o r t o d o v e n to d e d o u t r i n a ” ( 4 .1 2 - 1 4 ; N V I ; ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) .
E m o u t r a s p a la v r a s , P a u lo e s tá d iz e n d o q u e C r is to d e u à ig re ja o d o m
d e p a s to r e s e m e s tre s c o m o s e g u in te p r o p ó s ito : c o m p le ta r o s s a n to s c o m
o m in is té r io d a P a la v r a p a r a q u e se u n a m n a fé e n o m a d u r o c o n h e c im e n -
to d e C r is to , e m v ez d e s e r e m c r ia n ç a s jo g a d a s p a r a c á e p a r a lá p o r t o d o
v e n to d e d o u t r i n a . O r e s u l t a d o é q u e t o d o o c o r p o é s e r v id o , d e m o d o
q u e “ f a la n d o a v e r d a d e e m a m o r ” , n o s j u n t a m o s u n s a o s o u t r o s n u m a
fé c o m u m , t e n d o C r is to c o m o o n o s s o c a b e ç a , e c a d a p a r te d o c o r p o se-
g u in d o a o r d e m p r ó p r i a d e t r a b a l h o . D e ss e m o d o , t o d a a ig r e ja fic a p re -
p a r a d a p a r a v iv e r u m a n o v a v id a n o m u n d o , n ã o v iv e n d o m a is “ c o m o
o s g e n tio s , n a v a i d a d e d o s s e u s p r ó p r i o s p e n s a m e n t o s ” (v .1 7 ). T o d o o
c o r p o se b e n e fic ia d o m in is té r io d o s p a s to r e s e m e s tr e s , n ã o a p e n a s p a r a
q u e c a d a u m s e ja e d if ic a d o j u n t o a o s d e m a is e m C r i s t o m e d i a n t e a s ã
d o u t r i n a , m a s t a m b é m p a r a q u e t o d o s a m e m e s ir v a m u n s a o s o u tr o s .
N a p r ó p r ia G r a n d e C o m is s ã o , o p la n o e s tr a té g ic o já d e te r m in a a ig re -
ja c o m o u m a i n s titu iç ã o v isív e l e c o r p o r if ic a d a n a H i s t ó r i a , u m a c o m u -
n i d a d e p a c t u a i a o lo n g o d e t o d o s o s t e m p o s e t o d o s o s lu g a r e s . V is to
q u e o r e in o é, e m c a d a m o m e n to , o b r a d o T r in o D e u s , d e s c e n d o d o c é u ,
n ã o p o d e s e r r e d u z i d o a u m a in s t it u i ç ã o h i s t ó r i c a . N o e n t a n t o , o r e in o
d e C r is to n ã o fic a p a i r a n d o n o a lto , a c im a d o m u n d o , c h a m a n d o a lm a s
p a r a q u e s u b a m , s a in d o d o c o r p o , d a H i s t ó r i a e d o m u n d o . A n te s , c o m o
s u c e d e u n a p r ó p r i a e n c a r n a ç ã o , esse r e in o a d e n tr a o m u n d o , p le n a m e n te
c o r p o r if ic a d o . A p r e g a ç ã o é a u d ív e l. O b a tis m o e a c o m u n h ã o s ã o e v e n -
t o s fís ic o s , c o r p o r i f i c a d o s , p ú b l i c o s e c o n c r e t o s . A c o n f is s ã o d e C r i s t o
a c o n te c e n o c u l t o p ú b lic o e se d e r r a m a p a r a a s r u a s q u a n d o o s c r e n te s
te s tif ic a m d o e v a n g e lh o e v iv e m à lu z d a s m is e r ic ó r d ia s d e D e u s . A P a -
la v r a é o u v id a n ã o s o m e n te n a p r e g a ç ã o , m a s ta m b é m n o s c â n tic o s , n a s
o r a ç õ e s e e m o u t r a s r e s p o s ta s p ú b lic a s d o s s a n to s . E s ta m e s m a P a la v r a é
p r a tic a d a n u m a c o m u n id a d e n a q u a l e s tr a n h o s to r n a m - s e ir m ã o s e irm ã s ,
c o - h e r d e ir o s c o m C r is to e a p o io s u n s d o s o u tr o s , t a n t o m a te r ia l c o m o es-
p ir i t u a l . O v e lh a s d e s g a r r a d a s s ã o tr a z i d a s d e v o lta . E a P a la v r a é v isív e l
a té n a s u a o r g a n iz a ç ã o p o l í ti c a c o m o u m a s o c ie d a d e d e p e c a d o r e s p e r-
d o a d o s e r e n o v a d o s s o b o s e n h o r io sa lv ífic o d o s e u R e i q u e s u b iu a o cé u .
2 14

O B o m P a s t o r e x e r c ita o s e u c u i d a d o p o r m e io d e s u b p a s to r e s . L o n -
g e d e s e r u m a c o r r u p ç ã o s e c u la r , o s o f ic io s d e p a s t o r , p r e s b í t e r o e d iá -
c o n o s ã o i d e n t i f i c a d o s e x p l í c i t a m e n t e n a E s c r i t u r a , c o m q u a lif ic a ç õ e s
e s p e c ífic a s ( l T m 3 - 4 ; 2 T m 2 . 1 4 - 4 . 8 ; T t 1 . 5 - 3 . 1 1 ) e in s t r u ç õ e s p a r a a
o r d e m c o r r e t a e n t r e o r e s ta n te d o s m e m b r o s , in c lu in d o o c u lto p ú b lic o
( I C o 1 0 - 1 2 ; l T m 5 ).

Os dons que ele deu: ofícios na igreja


E m b o r a to d o s o s c re n te s s e ja m s a c e rd o te s , n e m to d o s s ã o p a s to r e s . C o m o
d is s e u m a m ig o m e u , a s E s c r it u r a s n ã o e n s in a m q u e c a d a o v e lh a é u m
p a s to r. N o e n t a n t o , a ig re ja n ã o é u m a o lig a r q u ia g o v e r n a d a p o r c lé rig o s
m a is d o q u e u m a d e m o c r a c ia g o v e r n a d a p e lo p o v o . A n te s , é u m r e in o d e
u m a l i d e r a n ç a s e r v a , c o m a u t o r i d a d e e s p a lh a d a e n t r e p a s t o r e s q u e e n -
s in a m e p r e s b íte r o s q u e g o v e r n a m . A p e s a r d e o r d e n a d o s , o s p r e s b íte r o s
n ã o s ã o m in is tr o s , m a s r e p r e s e n t a n te s c h a m a d o s p o r C r is to m e d ia n te a
a c la m a ç ã o o u e le iç ã o d o s e u p o v o . E le s n ã o r e p r e s e n t a m o p o v o , m a s
C r is to p a r a o s e u p o v o .
P o r m a is o c u p a d o q u e P a u lo e s tiv e s s e c o m s e u m in is té r io a p o s tó lic o ,
ele n ã o c o n s id e r a v a u m a ig r e ja p r o p r ia m e n t e c o n s t i t u íd a a té q u e tiv e s s e
p r e s b íte r o s . “ P o r e s ta c a u s a te d e ix e i e m C r e t a ” , le m b r a ele a T ito , “ p a r a
q u e p u s e s s e s e m o r d e m a s c o is a s r e s ta n te s , b e m c o m o , e m c a d a c id a d e ,
c o n s titu ís s e s p r e s b íte r o s , c o n f o r m e te p r e s c r e v í” (T t 1 .5 ). O te r m o “ p re s -
b íte ro s ” (presbyteroi) m u ita s v e z e s é u m te r m o a b r a n g e n t e q u e se r e f e r e
a o s líd e r e s e s p i r i t u a i s d a ig r e ja , i n c l u i n d o p a s t o r e s (à s v e z e s c h a m a d o s
episcopoi, q u e sig n ifica “ s u p e r in te n d e n te s ” o u “ s u p e r v is o r e s ” ), c o m o ta m -
b é m o s p r e s b íte r o s q u e g o v e r n a m , m a s n ã o p r e g a m n e m a d m in is tr a m o s
s a c r a m e n to s . “ D e v e m s e r c o n s id e r a d o s m e r e c e d o r e s d e d o b r a d o s h o n o -
r á r i o s o s p r e s b ít e r o s q u e p r e s id e m b e m ” , d iz o a p ó s t o l o P a u lo a T im ó -
te o , “ c o m e s p e c ia lid a d e o s q u e se a f a d ig a m n a p a l a v r a e n o e n s in o ... A
n in g u é m im p o n h a s p r e c i p i ta d a m e n t e a s m ã o s ” ( l T m 5 .1 7 ,2 2 ) . D e f a to ,
T ia g o a c re s c e n ta : “ M e u s ir m ã o s , n ã o v o s to r n e is , m u ito s d e v ó s , m e s tre s ,
s a b e n d o q u e h a v e m o s d e re c e b e r m a io r ju íz o ” (T g 3 .1 ). O s m in is tr o s n ã o
s ã o c h a m a d o s p a r a s e r e m e x e c u tiv o s n o c o m é r c io o u n a i n d ú s t r i a , n e m
d i r e t o r e s d e p r o p a g a n d a c o m e r c ia l, n e m p a r a d a r o r i e n t a ç ã o q u a n t o à
v id a . A n te s , P a u lo e x o r ta T im ó te o , d iz e n d o : “ a p lic a - te à l e itu r a , à e x o r -
ta ç ã o , a o e n s in o . N ã o te f a ç a s n e g lig e n te p a r a c o m o d o m q u e h á e m ti,
o q u a l te fo i c o n c e d id o m e d ia n te p r o f e c ia , c o m a im p o s iç ã o d a s m ã o s d o
p r e s b ité r io [presbyteriou] ” ( l T m 4 .1 3 - 1 4 ) .
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 215

O s d is c íp u lo s n ã o e n t r a m e s a e m d a ig r e ja c o m o c o m p r a d o r e s ( u m
c o n tr a to ) . O b a tis m o d e le s n ã o é a p e n a s o s in a l e se lo d e s u a p a r tic ip a ç ã o
n a s b ê n ç ã o s d a a lia n ç a ; e sse s a c r a m e n t o o s i n t r o d u z n u m a n o v a lin g u a -
g e m , n u m a n o v a f a m ília e n u m n o v o e s tilo d e v id a ( u m a a lia n ç a ) . E les
n ã o c r ia m a a lia n ç a ; a a lia n ç a o s c r ia .
A s s im c o m o e x is te m fa m ília s p a r a f o r m a r e m p e s s o a s , e e s t r u t u r a s so -
c ia is e p o lític a s p a r a f o r m a r e m c id a d ã o s , d o m e s m o m o d o o discipulado
re q u er disciplina. E m b o r a e s s a p a l a v r a t e n h a u m a c o n o t a ç ã o n e g a ti v a
n a n o s s a c u l t u r a , d is c ip lin a sig n ific a s im p le s m e n te “ i n s t r u ç ã o ” , e o d isc i-
p u lo é a lg u é m q u e re c e b e in s t r u ç ã o . O s d is c íp u lo s s ã o a p r e n d iz e s v ita lí-
c io s . E les n ã o d e c id e m p o r si m e s m o s n o q u e v ã o c r e r e c o m o v ã o v iv er,
m a s se s u b m e te m a o ju g o d e C r is to p o r m e io d o s seu s o fic ia is o r d e n a d o s .
O s d o is ú ltim o s c a p ít u l o s d e H e b r e u s l e m b r a m - n o s d e q u e d e v e m o s
e s t a r c o m p r o m e ti d o s c o m u m a f r e q u ê n c ia r e g u la r a u m a ig r e ja e d e q u e
d e v e m o s s u b m e t e r - n o s à d i s c i p l in a d a q u e le s q u e D e u s c o l o c o u s o b r e
n ó s . C o m o u m b o m P a i, o S e n h o r d i s c i p l in a a q u e le s a q u e m e le a m a
( H b 1 2 .3 - 1 7 ) . E le n ã o fa z is s o m o t iv a d o p o r d e s a p o n ta m e n t o , i r r i t a ç ã o
o u im p a c iê n c ia , m a s c o m u m a g e n e r o s a d e t e r m in a ç ã o d e p r e p a r a r - n o s
p a r a a s g ló r ia s d a e r a p o r vir. “ P o r is s o , r e c e b e n d o n ó s u m r e in o i n a b a -
lá v e l, r e te n h a m o s a g r a ç a , p e la q u a l s irv a m o s a D e u s d e m o d o a g r a d á v e l,
c o m r e v e r ê n c ia e s a n to te m o r ; p o r q u e o n o s s o D e u s é fo g o c o n s u m i d o r ”
( H b 1 2 .2 8 - 2 9 ) . D e u s n o s d á p a s to r e s p a r a , p o r m e io d e le s , c o n d u z ir - n o s
à n o s s a c id a d e c e le s tia l:

Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de


Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé
que tiveram... Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas
buscamos a que há de vir... Obedecei aos vossos guias e sede sub-
missos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve
prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo;
porque isto não aproveita a vós outros. (Hb 13.7,14,17)

O b s e r v e , n o v a m e n t e , q u e e s s a d is c ip lin a n ã o é u m f a r d o s o b o q u a l
n o s ir r ita m o s . A n te s , é proveitoso p a r a n ó s q u e n o s s u b m e ta m o s a o s q u e
v e la m p o r n ó s . F o r m a d o s p o r e sse m i n is té r io d e P a l a v r a e s a c r a m e n t o ,
o s s a n t o s e x ib e m - e s ã o c h a m a d o s a e x ib ir c a d a v e z m a is - c o m u n h ã o
d e c o r p o e a l m a u n s c o m o s o u t r o s , e t a m b é m h o s p i t a l id a d e p a r a c o m
e s t r a n h o s ( H b 1 3 .1 - 3 ) .
216

T ã o i m p o r t a n t e é e sse t r a b a l h o d e p a s t o r e s e p r e s b ít e r o s q u e f o i es-
ta b e le c id o o o f íc io d e d iá c o n o p a r a q u e o s a p ó s to lo s p u d e s s e m c u m p r i r
s e u m i n is t é r io d a P a l a v r a e d a o r a ç ã o s e m s e r e m d e s v ia d o s p e la n e c e s -
s á r ia o b r a d e c u i d a r d a s n e c e s s id a d e s t e m p o r a is d o r e b a n h o (A t 6 .1 - 4 ) .

Disciplina da igreja
J á v im o s q u e t o r n a r - s e c r is tã o é u m p r o c e s s o q u e d u r a a v id a in te ir a . E a
ig r e ja é a m ã e d o s fiéis. A G r a n d e C o m is s ã o n u n c a se c o m p le ta , m e s m o
p a r a a q u e le s q u e f o r a m c r e n te s a v id a in t e i r a , d u r a n t e a s u a p e r e g r in a -
ç ã o . A s d is c ip lin a s e s p ir itu a is p r iv a d a s s ã o im p o r t a n t e s , m a s n ã o p o d e m
s u b s t it u i r a d is c ip lin a d a ig re ja .
F a la - s e m u i t o h o j e s o b r e d i r i g e n t e s e s p i r i t u a i s e t r e i n a d o r e s p a r a a
v id a . A s p e s s o a s s e n te m a n e c e s s id a d e d e m e n to r e s e m á r e a s d a v id a d a s
q u a is o s p a s t o r e s , o s p r e s b ít e r o s e o s m e m b r o s s á b io s d a f a m ília c o s tu -
m a v a m d a r c o n ta . O q u e a c o n te c e u ? E m p a r te , o s la ç o s in s titu c io n a is fo -
r a m r o m p id o s . A d in â m ic a s o c ia l n o s t o r n o u m a is a n ô n i m o s , s e p a r a d o s
d e m o g r á f ic a m e n te e g e o g r a f ic a m e n te d e n o s s a f a m ília e s te n d id a . M u ita s
v ez es, o s p a s to r e s e s tã o t ã o o c u p a d o s e m seu s c a r g o s a d m in is tr a tiv o s q u e
n ã o tê m te m p o p a r a m e n to r e a r o s m e m b r o s d e s u a s ig re ja s , e isso t o r n o u
m u i to fá c il s im p le s m e n te t r a n s f e r i r o s filh o s d a a lia n ç a p a r a m in is té r io s
c o m jo v e n s , e o u tr o s p a r a v á r io s c o n s e lh e ir o s e g r u p o s d e a p o io , o u p a r a
o u t r o s m in is té r io s p a r a e c le s iá s tic o s .
O p r in c íp io “ d iv id ir p a r a v e n c e r ” n a n o s s a c u l t u r a d e p r o p a g a n d a e
c o n s u m o s e p a r a a té m e m b r o s d a fa m ília u n s d o s o u tr o s . A v ó s id o s o s tê m
s e u “ l a r ” , o s p a is e s tã o o c u p a d o s c o m r e s p o n s a b ilid a d e s , t a r e f a s e g r u -
p o s p r ó p r i o s d o s a d u l t o s , e n q u a n t o o s filh o s m a is v e lh o s p o d e m t a n t o
s e p a r a r - s e d o s se u s ir m ã o s m a is jo v e n s p o r s u a s “ n e c e s s id a d e s ” p r o g r a -
m a d a s , q u a n t o e s tã o s e p a r a d o s d o s seu s p a is . E ssa ló g ic a d e s e g m e n ta ç ã o ,
q u e t o r n a a s o p o r t u n i d a d e s d a p r o p a g a n d a d e m e r c a d o e m n e c e s s id a -
d e s c r i a d a s , t r a g o u a s n o s s a s ig r e ja s c o m o u m d e r r a m a m e n t o d e ó le o .
C r e n te s m a is n o v o s p o d e m s e r b a r r a d o s d a c o m u n h ã o m a is a m p l a p o r
r e c o r r e r e m à s i n g u l a r i d a d e d o s g o s to s , n e c e s s id a d e s e in te r e s s e s d a s u a
g e r a ç ã o . A s e g m e n t a ç ã o d e m e r c a d o q u e i n u n d a a s f a m ília s d u r a n t e a
s e m a n a , s e p a r a n d o a s g e r a ç õ e s p s ic o ló g ic a , e m o c io n a l e in te le c tu a lm e n -
te , t r a n s b o r d a p a r a d e n t r o d a ig re ja .
I n d e p e n d e n te m e n te d o q u e d iz e m o s , n a p r á ti c a m u ita s v ez es t r a b a l h a -
m o s c o n tra a p ro m e ssa de D e u s de ser o n o sso D e u s e o D e u s de n o sso s
f ilh o s . T e m o s a t u a l m e n t e u m p a r d e g e r a ç õ e s d e e v a n g é lic o s p r o f e s s o s
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 217

q u e n ã o s a b e m a g r a m á t ic a b á s ic a d a fé c r is tã . É d e a d m i r a r q u e a v id a
e o s v a lo r e s d e c r is tã o s p r o f e s s o s n ã o d if ir a m s ig n if ic a tiv a m e n te d o s d a
c u l t u r a c ir c u n d a n te ?
J e s u s n o s c h a m a p a r a q u e p e r m a n e ç a m o s n e le p e r m a n e c e n d o e m s u a s
palavras (Jo 1 5 .7 ) . S u a s p a l a v r a s c r ia m o n o v o m u n d o n o q u a l h a b i t a -
m o s n o p o d e r d o E s p írito . E é seu m u n d o q u e é p e rm a n e n te , a o p a sso
q u e o q u e c h a m a m o s “ m u n d o r e a l ” v a i se d e s v a n e c e n d o . C o m o a c o n -
te c e q u a n d o a p r e n d e m o s a t o c a r n o t a s m u s ic a is o u p e d a la r u m a b ic ic le -
t a , n o d e v id o t e m p o n ã o só o lh a m o s para e s ta o u a q u e la d o u t r i n a , m a s
o lh a m o s através d e la s , e v e m o s o m u n d o - e n e le v iv e m o s - d e m o d o d i-
fe re n te . E la s n ã o s ã o m a is m e r o s “ o b j e t o s ” e x te r n o s a n ó s , m a s t o r n a m -
-se a s “ a n t e n a s ” p e la s q u a is i n t e r p r e t a m o s a r e a lid a d e .
E n tã o , n a v id a c r is tã , a c h a v e e s tá e m fo c a liz a r d ir e ta m e n te a d o u tr in a
n ã o c o m o u m fim , m a s c o m a f in a lid a d e d e c o n s e g u ir m o s a n e c e s s á ria p e -
r íc ia p a r a f o c a liz a r d ir e ta m e n te a a tiv id a d e q u e n o s c a b e n o m u n d o (i.e .,
o d is c ip u la d o ) . É p o r is s o q u e D e u s n o s d e u p a s t o r e s , m e s tr e s e p r e s b í-
te r o s . E les p o d e m e n s in a r - n o s a t o c a r a m ú s ic a - e d e p o is a v iv e r n e la e
p o r m e io d e la , o u s e ja , a v iv ê -la , a t é n ã o m a is e s t a r m o s f i t a n d o n o s s a s
m ã o s , m a s o l h a n d o p a r a C r i s t o c o m fé e p a r a o s n o s s o s v iz in h o s c o m
a m o r. V is to q u e e s s a é u m a liç ã o s e m fim , n u n c a c h e g a m o s a o p o n t o d e
p o d e r d is p e n s a r o s m e s tr e s .
C o n q u a n t o h a ja g r a n d e in te re s s e p e la s d is c ip lin a s e s p ir itu a is p r iv a d a s ,
a d is c ip lin a d a igreja é c a d a vez m a is n e g lig e n c ia d a , e às v ezes s o fre a b u s o ,
p a r tic u la r m e n te o n d e e s t r u t u r a s e o fíc io s o r d e n a d o s n ã o e s tã o p re s e n te s .
D e f a to , f r e q u e n t e m e n t e a n e g lig ê n c ia le v a a a b u s o , q u a n d o p e r s o n a li-
d a d e s f o r te s - se ja u m líd e r d o m in a d o r , s e ja m v ig ila n te s a u to d e s ig n a d o s
- d e s p r e z a m o “ d e v id o p r o c e s s o ” d e d is c ip lin a a p r o p r i a d o e a u to r iz a d o .
J e s u s p r o m e t e u à ig r e ja q u e e s ta r ia p r e s e n te “ o n d e e s tiv e r e m d o is o u
tr ê s r e u n id o s e m m e u n o m e ” ( M t 1 8 .2 0 ) . E sse v e r s íc u lo à s v e z e s é e m -
p r e g a d o p a r a a p o i a r a id e ia d e q u e J e s u s e s tá p r e s e n te t a n t o e m in ic ia -
t iv a s i n f o r m a i s c o m o f o r m a i s d a i g r e ja . C o n t u d o , n o c o n t e x t o , J e s u s
f a la s o b r e a q u e s t ã o d a d is c ip lin a d a ig r e ja . Se u m i r m ã o o u u m a ir m ã
p e c a , a q u e s tã o é t r a t a d a p r iv a d a m e n te , c o m “ d u a s o u trê s t e s te m u n h a s ” .
J e s u s a c r e s c e n ta :

... se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir tam-


bém a igreja, considera-o como gentio e publicano. Em verdade
vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus,
218

e tudo o que desligardes na terá sido desligado nos céus. Em ver-


dade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, con-
cordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem,
ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio
deles. (Mt 18.17-20)

O c o n t e x t o n ã o é u m a r e u n iã o i n f o r m a l d e c r e n te s . N e m é n e m m e s -
m o u m a r e u n iã o r e g u la r d a ig r e ja . A n te s , f a la d e u m a a ç ã o d is c ip lin a r ,
q u e d e v e s e r s u p e r v is i o n a d a p e lo s a p ó s t o l o s e p r e s b ít e r o s , e, e n t ã o , d e -
p o is d a e r a a p o s tó lic a , p e lo s m in is tr o s e p r e s b íte r o s c o m u n s .
T o d o s o s c r e n te s s ã o c h a m a d o s p a r a f a z e r a s u a p a r t e n o e n s in o , n o
in c e n tiv o , n a r e p r o v a ç ã o e n a c o r r e ç ã o u n s d o s o u t r o s . C o n t u d o , C r is to
e s ta b e le c e u o fíc io s n a ig re ja , d a n d o s u a p r ó p r i a a u t o r i d a d e a o s p a s to r e s
p a r a o m i n is té r io d a P a l a v r a e d o s s a c r a m e n t o s , e a o s p r e s b ít e r o s p a r a
a s u p e r v is ã o e s p ir itu a l. J u n t o s , o s m i n is t r o s e o s p r e s b ít e r o s e x e r c e m o
o fíc io d a s c h a v e s ( lig a n d o e d e s lig a n d o ) p e la p r o c la m a ç ã o d o p e r d ã o d o s
p e c a d o s e p o r im p e d i r q u e p a r ti c ip e m d a M e s a d o S e n h o r a q u e le s q u e
n ã o se a r r e p e n d e m , t a n t o q u a n t o à d o u t r i n a q u a n t o à v id a .
P o r t a n t o , t o d o s n ó s e s ta m o s s o b a d is c ip lin a d a ig r e ja , n u m g r a u o u
n o u t r o , c o m o a l u n o s d e C r is to q u e e s tã o r e c e b e n d o , a p r e n d e n d o e e re s -
c e n d o n a fé e n a o b e d iê n c ia . A té m e s m o a s c e n s u r a s d a ig re ja tê m o p r o -
p ó s i t o d e n o s le v a r a o a r r e p e n d i m e n t o , n ã o o d e p u n i r e e x p u ls a r . E sse
p o n t o é i m p o r t a n t e , p o r q u e e m a n o s r e c e n te s te m se t o r n a d o c a d a v e z
m a is c o m u m o u v ir p a s t o r e s se g a b a r e m d e q u e o s se u s m in is té r io s fin a l-
m e n te p a s s a r a m a te r s u c e s s o d e p o is q u e eles p u d e r a m e lim in a r d a ig re ja
c e r ta s p e s s o a s . Is s o p o d e s e r u m a f o r m a d e e x c o m u n h ã o i n f o r m a l, p a s -
s iv o - a g r e s s iv a , q u e o p a s t o r e x e r c e b a s e a d o n a s u a p e s s o a , n ã o n o s e u
o fíc io ( ju n to c o m o s p r e s b íte r o s ) , e e s tá lo n g e d a d is c ip lin a c o r r e t a , q u e
le v a o p a s t o r a d e i x a r 9 9 o v e lh a s p a r a b u s c a r e t r a z e r d e v o l t a a q u e se
e x tr a v io u .
A a lte r n a tiv a a u m a o r d e m a tiv a , fo r m a l e n ã o in te n c io n a l n a ig re ja n ã o
é l ib e r d a d e , a m o r e t o le r â n c ia , m a s o “ O e s te s e lv a g e m ” , c o m o p o v o d a
c id a d e o u b u s c a n d o a p r o t e ç ã o d e u m v a le n tã o o u f a z e n d o a ju s tiç a c o m
s u a s p r ó p r ia s m ã o s . T e n h o v is to i n ú m e r o s c a s o s e m q u e c o r p o s m a io r e s
d o s t r i b u n a i s d a ig r e ja ( u m p r e s b it é r i o o u s ín o d o ) s a l v a r a m u m a ig re -
ja lo c a l d e u m m in is tr o o u p r e s b íte r o s d e s p ó tic o s e p o u p a r a m a s ig re ja s
d e a c e n d e r e m o f o g o d o m e x e r ic o e d o s l in c h a m e n to s d e v ig ila n te s , q u e
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 2 19

o c o r r e m q u a n d o n ã o h á lei e o r d e m n a c id a d e . Q u a n d o d is c ip lin a m o s c o m
o r d e m e d e c ê n c ia , s e g u in d o o p r o c e s s o c o r r e t o , p r o te g e m o s o s a c u s a d o s
e a ig r e ja m a i o r d e fa ls a s a c u s a ç õ e s e d e c a lú n ia s . O s p e c a d o s p r i v a d o s
s ã o t r a t a d o s p r i v a d a m e n t e , e o s p e c a d o s p ú b lic o s s ã o t r a t a d o s p u b lic a -
m e n te . D e f a to , t e n h o t e s t e m u n h a d o c a s o s e m q u e o s a c u s a d o r e s f o r a m
d is c ip lin a d o s m a is r ig o r o s a m e n t e d o q u e o o fe n s o r, p o r q u e t o m a r a m as
q u e s tõ e s e m s u a s m ã o s , p r o c u r a n d o v in g a n ç a e m v e z d e r e c o n c ilia ç ã o .
A ig re ja d e C o r in to tin h a se t o r n a d o u m a ig re ja tip o “ O e s te s e lv a g e m ” ,
c o m o a c o n te c e c o m m u i ta s h o je e m d ia . A ig r e ja t i n h a p a s s a d o a e s p e -
lh a r o m u n d a n is m o d a s u a s o c ie d a d e litig io s a , a r r o g a n t e , e g o ís ta , a v a r a ,
i m o r a l e q u e se a g a r r a v a a o p o d e r . E r a u m a ig r e ja i m a t u r a , m a is c o m o
u m a d e f r a te r n id a d e d e c la sse d o q u e a fa m ília d e D e u s. N o e n ta n to , d ife-
r e n te m e n te d e m u ito s d e n ó s (e ta lv e z d e a lg u n s c r e n te s c o r in tio s ) , P a u lo
n ã o la n ç a a c u lp a d e s s a c o n d iç ã o n o m u n d o . E le n ã o a p r e s e n ta n e n h u m a
la m ú r i a c o n t r a a c u l t u r a d a c id a d e d e C o r i n t o , n e m in c e n tiv a n e n h u m a
m a r c h a c o n tr a a p r e f e itu r a lo c a l. N e m d iz ele q u e o s s a n to s c o r in tio s p re -
c is a m e v ita r t o d o e q u a l q u e r c o n t a t o c o m o s d e s c r e n te s . E le d iz:

Já em carta vos escreví que não vos associásseis com os impuros;


refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo,
ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, te-
ríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos asso-
cieis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento,
ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse
tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar
os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus
os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor. (ICo 5.9-13)

P o r a lg u m a r a z ã o , f ic a m o s a c o s tu m a d o s a ju lg a r o m u n d o , e n q u a n to
n a ig r e ja e s tá f a lt a n d o d is c ip lin a .
N a s ig re ja s c o m a s q u a is e s to u f a m ilia r iz a d o n o m e u p r ó p r io m in is té -
rio , a e x c o m u n h ã o é o ú ltim o r e c u r s o , d e p o is d e te n ta tiv a s r e p e tid a m e n te
fr a c a s s a d a s d e r e c o n c ilia r ir m ã o s e m e r r o c o m a tu te la d e C ris to . M e s m o
n e s s a tr á g ic a s itu a ç ã o , o o b je tiv o c o n t i n u a s e n d o in c e n tiv a r o a r r e p e n d í-
m e n to e a fé e m C ris to , c o m as p o r ta s b e m a b e r ta s p a r a o s filh o s p ró d ig o s .
C o m o m u i to s p a s t o r e s , p o s s o a t e s t a r d o s e f e ito s m is e r ic o r d io s o s d o
E s p í r i t o p o r m e io d o s m i n i s t r o s e d o s p r e s b í t e r o s q u e t r a b a l h a m c o m
o r a ç ã o , c o m p a c iê n c i a e c o m c o e r ê n c ia n e s s e d if íc il, a i n d a q u e g r a tif i-
c a n te , a s p e c to d a s u a v o c a ç ã o . J a m a i s v o u e s q u e c e r a i r m ã q u e d e i x o u
220

s e u m a r i d o p o r o u t r o h o m e m e e n t ã o , d e p o is d e r e p e tid a s t e n t a t i v a s d e
le v á - la a c o r r ig ir - s e p r i v a d a m e n t e , f o i p u b l i c a m e n t e a f a s t a d a d a M e s a
d o S e n h o r. A lg u n s a n o s d e p o is , e la v o l t o u a r r e p e n d id a . E la d is s e q u e o
S e n h o r a t r o u x e r a d e v o lta p o r m e io d a P a la v r a q u e e la h a v ia a p r e n d i d o
e q u e n ã o c o n s e g u ia e x p u l s a r d a s u a m e n te e d o s e u c o r a ç ã o , p e la tr á g i-
c a p e r d a d e n ã o v iv e r o se u b a tis m o e n ã o c o m p a r t il h a r c o m o s s a n to s a
C e ia , e p e la s o r a ç õ e s q u e e la s a b ia q u e e s ta v a m s e n d o f e ita s p e la ig r e ja
t o d a p a r a q u e e la r e to r n a s s e .
É t ã o f á c il s i m p le s m e n te d e i x a r u m a i g r e j a , q u a n t o é f á c il p a r a o s
p a s to r e s e p r e s b íte r o s s im p le s m e n te d e ix a r q u e a lg u é m se v á . A p r e g u iç a
s e m p r e p o d e s e r c o n s i d e r a d a c o m o t o l e r â n c i a . O a m o r e x ig e u m a re s -
p o n s a b i l i d a d e m a i o r d e t o d o s o s q u e e s tã o e n v o lv id o s .

O s DISCÍPULOS E AS DENOMINAÇÕES
U m g o v e r n o r e p r e s e n ta tiv o , p a c tu a i e f o r te m e n te a s s o c ia tiv o e s ta v a p re -
s e n te n a ig r e ja p ó s - a p o s t ó l i c a . J á h a v i a m a c o n te c i d o d iv is õ e s n a ig r e ja
a p o s tó lic a q u a n t o a q u e s tõ e s d e d o u t r i n a e t a m b é m q u a n t o à lig a ç ã o see-
t á r i a a p e s s o a s . N o e n t a n t o , a ig r e ja e r a lid e r a d a p o r p a s t o r e s e a n c iõ e s
(p r e s b íte ro s ) ju n to s e m a s s e m b lé ia s lo c a is e d e m a io r â m b ito . L o g o d e p o is
d a e r a a p o s tó lic a , m o d e r a d o r e s d e p r e s b ité r io f o r a m id e n tif ic a d o s c o m o
b is p o s , p r á ti c a q u e se d e s e n v o lv e u v in d o a p r o d u z ir u m o fíc io d is tin to . E
in te r e s s a n te o b s e r v a r q u e t a n t o o te ó lo g o o r t o d o x o J o ã o Z iz io u la s q u a n -
t o o e x - p a p a B e n to r e c o n h e c e m q u e o m o d o c o m o é o r g a n iz a d a a Ig re ja
P r e s b i t e r i a n a é a m a is a n t i g a f o r m a d e g o v e r n o d a i g r e ja .1 N o e n t a n t o ,
t a n t o a s ig r e ja s d o O r i e n te c o m o a s d o O c id e n te c o m e ç a r a m a i m it a r o
s is te m a p o lític o h i e r á r q u i c o d o im p é r io .
E m face d o s v á rio s d e sa fio s in te rn o s , u m a m p lo c o n s e n s o e c u m ê n ic o fo i
o b t i d o p o r m e io d e s ín o d o s e c o n c ilio s g e ra is . N ã o o b s ta n te , a te n d ê n c ia
h ie r á r q u i c a le v o u a o p a p a d o o c id e n ta l, o q u e c o n t r i b u i u p a r a o G r a n d e
C is m a e n tr e a s ig re ja s o r ie n ta l e o c id e n ta l e m 1 0 6 4 . A id e ia d e c o m e ç a r
u m a n o v a ig r e ja e s ta v a lo n g e d a s m e n te s d o s r e f o r m a d o r e s p r o te s ta n te s .
E p o r isso q u e eles f o r a m reformadores, n ã o n o v o s p r o f e ta s o u a p ó s to lo s .
N o e n t a n t o , a t u a l m e n t e , s o b o g u a r d a - c h u v a p r o t e s t a n t e e x is te u m
d e s c o n c e r ta n te n ú m e r o d e d e n o m in a ç õ e s . T a lv e z se ja m a is fá c il p a r a n ó s
v e r q u e a ig r e ja a n t i g a f o i p e r v e r t i d a p o r s u a c u l t u r a im p e r ia l, e q u e a s
ig re ja s d a R e f o r m a a in d a se m a n tin h a m u n id a s m a is p o r s u a a lia n ç a c o m
o E s t a d o , m a s a n o s s a c u l t u r a d e m o c r á t i c a a i g u a l i tá r i a a t u a l t a m b é m
t e m m o d e l a d o - e m a l - o n o s s o e n t e n d i m e n t o d a ig r e ja . H o j e , m e s m o
DISCIPULOS E DISCIPLINA 22‫ו‬

g r u p o s q u e c o m e ç a r a m c o m o m o v im e n to s q u e in ic ia r a m d e m o d o im p r o ‫־‬
v is a d o p e la a ç ã o d o E s p ír ito to r n a r a m - s e in s titu c io n a liz a d o s . O s p ro c e s -
s o s d a m o d e r n i d a d e q u e le v a r a m a in ic ia tiv a s e m p r e s a r ia is d e s u c e s s o e
a a g ê n c ia s b u r o c r á t i c a s s ã o t ã o e v id e n te s n a s d e n o m in a ç õ e s q u a n t o n o s
n e g ó c io s e n o s g o v e r n o s .
N a e r a m o d e r n a , d e p o is d a tr a g é d i a d a s g u e r r a s r e lig io s a s , o s p r o te s -
t a n t e s p e lo m e n o s a c e i t a r a m , e m b o r a n ã o in t e i r a m e n t e , a e x is tê n c ia d e
d e n o m i n a ç õ e s s e p a r a d a s c o m d i f e r e n te s c o n f is s õ e s . N a s u a m e l h o r e x -
p r e s s ã o , e les tê m p r e s e r v a d o a c a to lic id a d e , r e c o n h e c e n d o o u t r a s d e n o -
m in a ç õ e s c o m o v e r d a d e i r a s ig r e ja s , o u , p e lo m e n o s , c o m o c o m u n h õ e s
q u e p r e s e r v a m a lg o d a s m a r c a s d a ig re ja . N a s u a p i o r e x p r e s s ã o , e les se
i d e n tif ic a r a m c o m s u a p r ó p r i a t r a d i ç ã o - e a té m e s m o c o m s u a p r ó p r i a
d e n o m i n a ç ã o - c o m o a ú n ic a ig re ja v e r d a d e ir a .
N e s s a c o n f u s ã o , p o r é m , m u ito s c r is tã o s tê m b u s c a d o u m a a b o r d a g e m
“ n ã o d e n o m i n a c i o n a l ” o u “ p ó s - d e n o m i n a c i o n a l ” . A lg u n s g r u p o s n e m
tê m u m a lis ta d e m e m b r o s . N ã o o b s t a n t e , c a d a u m d e s s e s n o v o s m o v i-
m e n to s a c a b a se t o r n a n d o u m a d e n o m i n a ç ã o n a p r á ti c a , se n ã o n a te o -
r ia . C o m f r e q u ê n c ia , e le s se t o r n a m a té m a is h i e r á r q u i c o s e o r i e n t a d o s
p e la p e r s o n a l id a d e d o q u e a s d e n o m in a ç õ e s d a s q u a is s a ír a m .
H a v e r á a lg u m c a m in h o q u e n o s leve a d ia n te , o u d e v e m o s a p e n a s a p r e n -
d e r a a c e i t a r a c o n d i ç ã o d i v id id a d a ig r e ja v is ív e l? D e p o is d e d e f e n d e r
o p r i n c í p i o d e lig a ç ã o , v o u e x p l o r a r a lg u m a s m a n e i r a s p e la s q u a is p o -
d e r ía m o s s e r c a p a z e s d e a p lic á - lo , m e s m o n u m f r a g m e n t a d o m u n d o d e
d e n o m in a ç õ e s .

A igreja e igrejas: ligação orgânica


A lg u m a s d a s e p ís to la s p a u lin a s f o r a m d e s tin a d a s a ig re ja s e sp e c ífic a s q u e
tin h a m v á ria s c o n g re g a ç õ e s lo cais. N o e n ta n to , as c a rta s e r a m d irig id a s a o s
c r e n te s q u e e s ta v a m “ e m R o m a ” , à ig re ja “ q u e e s tá e m C o r i n t o ” , e a s s im
p o r d ia n te . A lé m d o m a is , o N o v o T e s ta m e n to se re fe re à ig re ja n u m se n ti-
d o a in d a m a is a m p lo , in c lu in d o t o d a a ig re ja v isív el. A ssim c o m o a ig re ja
lo c a l re fle te o p r in c íp io d e “ m u ito s e m u m e u m e m m u i t o s ” , d o m e s m o
m o d o a s ig re ja s lo c a is s ã o m u ita s , m a s , ju n ta s , f o r m a m u m a s ó ig re ja d e
to d o s o s te m p o s e e m to d o s o s lu g a re s. C a d a ig re ja lo c a l é u m m ic ro c o s m o
d a “ ú n ic a ig r e ja s a n t a , c a tó lic a e a p o s t ó l i c a ” . D e f a to , a a u t o r i d a d e d a s
a s s e m b lé ia s m a io r e s o u d o s s ín o d o s c o n s is te d o f a to d e q u e s ã o r e u n iõ e s
d e le g a d a s e r e p r e s e n ta tiv a s d a s ig re ja s lo c a is . N o e n t a n t o , s u a s d e c is õ e s
s ã o o b r ig a tó r ia s p a r a a s ig re ja s lo c a is q u e a q u e le s c o n c ilio s r e p r e s e n ta m .
222

E m A to s fic a m o s s a b e n d o q u e a q u e s t ã o d e in c lu ir g e n tio s n a ig r e ja
s e m e x ig ir q u e e les a d o ta s s e m p r á ti c a s ju d a ic a s p r o v o c o u u m a c o n s id e -
r á v e l c o n t r o v é r s i a . E sse é u m i m p o r t a n t e p o n t o n o q u a l p o d e m o s v er,
e m te r m o s c o n c r e to s , c o m o o d r a m a d á o r ig e m à d o u t r i n a , à d o x o lo g ia
e a o d i s c ip u la d o . A b o a - n o v a r a d ic a l é q u e C r is to le v o u s o b r e si a m a l-
d i ç ã o d a lei t a n t o p e lo s j u d e u s q u a n t o p e lo s g e n t i o s , e q u e e le s a g o r a
r e c e b e m a ju s tif ic a ç ã o e a n o v a v id a p e la fé n e le . E m C r i s t o , o m u r o d e
d iv is ã o e n tr e D e u s e a h u m a n i d a d e e e n tr e ju d e u s e g e n tio s fo i d e r r u b a -
d o . E sse c a b e ç a lh o p o d e s e r d e s d o b r a d o e m v á r ia s d o u t r i n a s . E m fa c e
d is s o , o q u e p o d e m o s fa z e r s e n ã o c e le b ra r a p r o f u s a g ra ç a d e D e u s?
T o d a v ia , isso s ig n ific a q u e h á m u i ta m u d a n ç a a i n d a a s e r f e ita n a b a s e .
H a v e r á m u i to m a l - e s t a r e e s t r a n h e z a q u a n d o c r i s t ã o s j u d e u s se v ir e m
s e n d o b a t i z a d o s , c o m e n d o d o m e s m o p ã o e b e b e n d o d o m e s m o c á lic e ,
e c o m p a r t i l h a n d o o s s e u s b e n s e s p ir itu a is e t e m p o r a is c o m “ o s g r a n d e s
n ã o l a v a d o s ” ( g e n tio s ) . Q u e a c o n te c e q u a n d o a lg u é m le v a c o s te le ta d e
p o r c o p a r a a m e s a ? O d r a m a t r a n s f o r m a o d is c i p u l a d o n o q u e e le d e v e
s e r n a v id a r e a l.
A s c o is a s e s q u e n t a r a m q u a n d o P a u l o e B a r n a b é v o l t a r a m p a r a A n -
t i o q u ia (d a S íria ) e r e la t a r a m o p r o g r e s s o d o e v a n g e lh o e n tr e o s g e n tio s :
“ A li c h e g a d o s , r e u n id a a ig re ja , r e la t a r a m q u a n ta s c o is a s fiz e ra D e u s c o m
e le s e c o m o a b r i r a a o s g e n tio s a p o r t a d a fé. E p e r m a n e c e r a m n ã o p o u -
c o te m p o c o m o s d is c íp u lo s ” (A t 1 4 .2 7 - 2 8 ) . C o n t u d o , e m A to s 1 5 , v e io
d a J u d e i a u m g r u p o a A n t i o q u i a , q u e in s is tia : “ Se n ã o v o s c ir c u n c id a r -
d e s s e g u n d o o c o s tu m e d e M o is é s , n ã o p o d e is s e r s a lv o s ” ( v .l) . D e p o is
d e a lg u m d e b a te , “ r e s o lv e r a m q u e esse s d o is [P a u lo e B a r n a b é ] e a lg u n s
o u tr o s d e n tr e eles s u b is s e m a J e r u s a lé m , a o s a p ó s to lo s e p r e s b íte r o s , c o m
r e s p e i to a e s s a q u e s t ã o ” (v .2 ). É i n t e r e s s a n t e q u e , e m b o r a P a u l o fo s s e
a p ó s t o l o , a ig r e ja d e A n tio q u ia o designou, c o m B a rn a b é e o u tro s , p a ra
r e p r e s e n tá - la e m J e r u s a lé m . O g r u p o c o n s t i t u iu u m a e m b a i x a d a delega-
da , a té m e s m o q u a n t o a P a u lo .
O r e s u l t a d o d e s s a in i c i a t i v a d a ig r e ja d e A n t i o q u i a ( p r o v a v e l m e n t e
c o n s t i t u í d a d e v á r ia s c o n g r e g a ç õ e s ) f o i a c o n v o c a ç ã o d e u m s í n o d o o u
c o n c ilio e s p e c ia l. A e x p r e s s ã o “ a o s a p ó s to lo s e p r e s b ít e r o s ” o c o r r e re p e -
t id a m e n te e m t o d a a n a r r a t i v a d e s s e a c o n te c im e n to , p o r q u e a ig re ja n ã o
d e v ia s e r g o v e r n a d a a p e n a s p e lo s a p ó s to lo s ( m u ito m e n o s só p o r P e d r o ) ,
m a s p e lo a s s e n tim e n to c o m u m de a s s e m b lé ia s d e le g a d a s . “ E n tã o , se re u n i-
r a m o s a p ó s to lo s e o s p r e s b íte r o s p a r a e x a m in a r a q u e s t ã o ” (v.6). E ra u m
g o v e r n o r e p r e s e n ta tiv o , n ã o u m a m o n a r q u i a , o lig a r q u ia o u d e m o c r a c ia .
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 2 23

A p ó s o d e b a t e in ic ia l, P e d r o fe z u m c o m o v e n t e s e r m ã o s o b r e c o m o
D e u s o h a v ia e s c o lh id o “ p a r a q u e , p o r m e u in te r m é d io , o u v is s e m o s g e n -
tio s a p a la v r a d o e v a n g e lh o e c r e s s e m ” (v.7); d e u a eles o m e s m o E s p írito e

não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes


pela fé o coração. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo so-
bre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam
suportar, nem nós? Mas cremos que fomos salvos pela graça do Se-
nhor Jesus, como também aqueles o foram, (v.9-11)

A se g u ir, P a u lo e B a r n a b é c o n t a r a m s u a s h is tó r ia s d e c o n v e r s ã o e n tr e
o s g e n tio s . “ D e p o is q u e e les t e r m i n a r a m , f a lo u T ia g o , d iz e n d o : I r m ã o s ,
a te n ta i n a s m in h a s p a la v r a s : e x p ô s S im ã o c o m o D e u s , p r im e ir a m e n te , vi-
s ito u o s g e n tio s , a fim d e c o n s titu ir d e n tr e eles u m p o v o p a r a o se u n o m e ”
( 1 5 .1 3 - 1 4 ) . D e p o is d e e n s i n a r q u e a p a l a v r a d o s p r o f e t a s a g o r a e s ta v a
s e n d o c u m p r id a , ele c o n c ito u a a s s e m b lé ia a q u e d e s is tis s e d e q u e r e r im -
p o r a o s g e n tio s a id e n t i d a d e d o s ju d e u s (v. 1 2 - 2 1 ) .
E , e n t ã o , c h e g o u a h o r a d a d e c is ã o :

... pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igre-
ja, tendo elegido homens dentre eles, enviá-los, juntamente com
Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram Judas, chamado Barsabás, e
Silas, homens notáveis entre os irmãos, escrevendo, por mão de-
les: Os irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros, aos irmãos
de entre os gentios em Antioquia, Síria e Cilicia, saudações. Vis-
to sabermos que alguns [que saíram] de entre nós, sem nenhuma
autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando a
vossa alma, pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, eleger al-
guns homens e enviá-los a vós outros com os nossos amados Bar-
nabé e Paulo, homens que têm exposto a vida pelo nome de nosso
Senhor Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais
pessoalmente vos dirão também estas coisas. Pois pareceu bem ao
Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas
coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ído-
los, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das re-
lações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes.
Saúde. (At 15.22-29)

V e m o s q u e “ to d a a ig r e ja ” é r e p r e s e n ta d a p o r o ficiais d e le g a d o s , “ a p ó s -
to lo s e p r e s b í t e r o s ” , d a s d iv e r s a s ig re ja s lo c a is .
2 24

O s c r e n te s g e n tio s n ã o s e r ia m m a is p e r tu r b a d o s p o r ju iz e s a u to d e s ig -
n a d o s , p o r q u e t o d a a ig re ja f a lo u c o m u m a só v o z p o r m e io d e ssa d e c is ã o
e s c r ita . D e f a to , e m g r e g o is s o é c h a m a d o dogma ( d e c is ã o ) . A ig r e ja d e
A n tio q u ia a le g ro u -s e a o o u v ir o v e r e d ic to d a a s s e m b lé ia p o r m e io d o s seu s
d e le g a d o s . N o c a p ítu lo s u b s e q u e n te , fic a m o s s a b e n d o q u e P a u lo e n c o n -
t r o u T im ó te o e o t o m o u c o m o s e u a u x ilia r. F ilh o d e c r e n te ju d ia e d e p a i
g re g o , T im ó te o n ã o ti n h a s id o c ir c u n c id a d o e, c o n t u d o , a c e ito u a c irc u n -
c is ã o p o r c a u s a d a c o n s c iê n c ia m a is fr a c a d e ju d e u s c r is tã o s . “ A o p a s s a r
p e la s c id a d e s , e n tr e g a v a m a o s ir m ã o s , p a r a q u e a s o b s e r v a s s e m , a s d e c i-
sõ e s to m a d a s p e lo s a p ó s to lo s e p r e s b íte r o s d e J e r u s a lé m . A ssim , a s ig re ja s
e r a m fo r ta le c id a s n a fé e, d ia a d ia , a u m e n ta v a m e m n ú m e r o ” (A t 1 6 .4 -5 ).
D a d o o fa to d e q u e tin h a h a v id o c o n s id e rá v e l te n s ã o e n tre T ia g o e
P a u lo a r e s p e ito d e s s a q u e s t ã o , c o m P e d r o a l t e r n a n d o e n t r e e le s, a u n i-
d a d e c o n s e g u id a d u r a n te e sse c o n c ilio é n o tá v e l. E o p r in c íp io d e m ú tu a
r e s p o n s a b ilid a d e e a d m o e s ta ç ã o e m a ç ã o . A m e ta d a u n id a d e d a ig re ja é
c o n s e n s o q u a n to à d o u tr in a e à v id a , n ã o o p o d e r d e u m a p ó s to lo o u m es-
m o d e t o d o s eles. E m b o r a o s a p ó s to lo s a in d a e s tiv e s s e m v iv o s , a d e c is ã o
fo i t o m a d a e m c o n j u n t o . A p r á ti c a o fic ia l d a ig r e ja n ã o e r a d e te r m in a d a
p o r u m só a p ó s t o l o , n e m p e lo c o lé g io a p o s tó lic o , m a s p o r d e le g a d o s re -
p r e s e n ta tiv o s ( a p ó s to lo s e p r e s b íte r o s ) . A lé m d o m a is , a d e c is ã o n ã o fo i
c o m u n i c a d a d e u m a ú n ic a ig r e ja p a r a o r e s ta n te d o c o r p o , n e m fo i d e i-
x a d a a o ju íz o d e c a d a ig r e ja lo c a l. A n te s , fo i a lc a n ç a d a p o r esse s r e p r e -
s e n ta n te s d e t o d a s a s ig re ja s r e u n id o s e m a s s e m b lé ia .
Se e r a a s s im c o m a ig r e ja a p o s tó lic a , c e r ta m e n te é a s s im q u e d e v e se r
n a e r a p ó s - a p o s t ó l i c a . P a u l d is s e : “ P o r q u e n i n g u é m p o d e l a n ç a r o u t r o
f u n d a m e n t o , a lé m d o q u e fo i p o s t o , o q u a l é J e s u s C r i s t o ” ( I C o 3 .1 1 ) .
O s a p ó s to lo s la n ç a r a m o f u n d a m e n t o p e la e x t r a o r d i n á r i a v o c a ç ã o e m i-
n i s t é r i o d e le s , e n q u a n t o o s m i n is t r o s c o m u n s q u e o s s e g u ir ía m e d ific a -
r ia m s o b r e e sse a lic e rc e ( I C o 3 .9 - 1 7 ) .
O f u n d a m e n t o n ã o e s tá m a is s e n d o l a n ç a d o . O s m i n is t r o s e o s p r e s -
b íte r o s , c o m o T im ó te o , s ã o c h a m a d o s n ã o p a r a a c r e s c e n ta r a lg o a o d e -
p ó s i t o , m a s p a r a q u e o g u a r d e m : “ G u a r d a o b o m d e p ó s ito , m e d ia n te o
E s p ír ito S a n to q u e h a b i t a e m n ó s ” (2 T m 1 .1 4 ). “ T u , p o is , filh o m e u , fo r-
tific a -te n a g r a ç a q u e e s tá e m C r is to J e s u s . E o q u e d e m in h a p a r te o u v is -
te a tr a v é s d e m u ita s t e s te m u n h a s , isso m e s m o t r a n s m ite a h o m e n s fiéis e
ta m b é m id ô n e o s p a r a i n s tr u ir o u t r o s ” (2 T m 2 .1 - 2 ) . E m fa c e d e h e r e s ia e
c is m a , o s m in is tr o s e o s p r e s b íte r o s c o m u n s d e v e m b a t a l h a r “ p e la fé q u e
u m a v e z p o r t o d a s fo i e n tr e g u e a o s s a n t o s ” (Jd 3 ).
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 2 25

N ã o h á a p ó s to lo s h o je . N ã o h á s u c e s so re s d o s a p ó s to lo s h o je . E sse fo i
u m o f íc io e x t r a o r d i n á r i o p a r a u m a e r a e x t r a o r d i n á r i a , q u a n d o o E s p íri-
to S a n to c o m u n i c o u u m c â n o n n o r m a t i v o p a r a a fé e p r á t i c a d a ig r e ja .
O s a p ó s to lo s f o r a m c h a m a d o s d ir e ta m e n te p o r J e s u s C r is to e, p o r t a n t o ,
t i n h a m a u t o r i d a d e ú n i c a . A g o r a , p o r é m , o s o f ic ia is d a ig r e ja s ã o c h a -
m a d o s p o r C r is to p o r m e io d a v o z d a ig re ja , c o m a u t o r i d a d e m in is te r ia l
s u b o r d i n a d a à P a la v r a . P a u lo p o d i a f o r ta le c e r - s e n o s e u t r a b a l h o r e c o r -
d a n d o o s e u c h a m a d o i m e d i a t o f e ito p o r J e s u s n o c a m i n h o d e D a m a s -
c o - “ a p ó s to lo , n ã o d a p a r t e d e h o m e n s , n e m p o r in te r m é d io d e h o m e m
a lg u m , m a s p o r J e s u s C r is to e p o r D e u s P a i, q u e o r e s s u s c ito u d e n tr e o s
m o r t o s ” (G1 1 .1 ) - m a s ele in c e n tiv a T im ó te o a le m b r a r - s e d o d ia d a s u a
o r d e n a ç ã o , “ c o m a i m p o s iç ã o d a s m ã o s d o p r e s b i t é r i o ” ( l T m 4 .1 4 ) . O
m i n is t é r io c o m u m d e P a l a v r a e s a c r a m e n t o é baseado em C ris to e n o s
a p ó s to lo s , m a s n ã o é u m a continuação d a q u e le m in is té r io e x tr a o r d in á r io .
O m e s m o E s p írito q u e in s p ir o u a s p a la v r a s d o s p r o f e ta s e d o s a p ó s to lo s
a g o r a ilu m in a o c o r a ç ã o e a m e n te d o s p a s to r e s e m e s tre s , b e m c o m o d o s
p re s b íte ro s e d o s d iá c o n o s , p a r a q u e lid e re m a ig re ja n a su a G ra n d e C o m is-
sã o . A ig re ja n ã o é c o n s titu íd a h ie r a r q u ic a m e n te (d e c im a ), n e m d e m o c r a -
tic a m e n te (de b a ix o ) , m a s p a c tu a lm e n te ( n u m a re d e d e in te rd e p e n d ê n c ia ).
E n t ã o , o N o v o T e s ta m e n to e n s in a u m m o d e lo c o n e c tiv o d e g o v e r n o
d a ig re ja , n o q u a l o s m in is tr o s e o s p r e s b íte r o s c o m p a r t il h a m a lid e r a n ç a
- a té m e s m o d u r a n te o m in is té r io d o s a p ó s to lo s . E esse g o v e r n o é lig a d o
à c o m u n i d a d e m a is a m p l a d a s ig r e ja s p a r ti c u la r e s . N o n ív e l c o n g r e g a -
c io n a l, h á u m a d is tin ç ã o e n tr e o s o fic ia is e o s d e m a is m e m b r o s d o c o r p o ,
p o r é m s e m p re a s e rv iç o d a ig re ja t o d a . O s o fic ia is s ã o s e rv o s , n ã o s e n h o -
re s. U n i c a m e n t e C r i s t o é o c h e f e d a ig r e ja , m a s e le e x e r c e o s e u o f íc io
c o m o S u m o P a s to r p o r m e io d e p a s to r e s s u b a lte r n o s . P re c is a m e n te c o m o
a c o n g r e g a ç ã o é “ m u i to s e m u m ” e “ u m e m m u i t o s ” , a s c o n g r e g a ç õ e s
e s tã o u n i d a s n u m s ó c o r p o e m t o d a s a s c id a d e s p o r m e io d o s s e u s o fi-
c iais d e le g a d o s (p a s to r e s e p r e s b íte r o s ) , e e ssa s ig re ja s e s tã o u n id a s n u m a
ig re ja m a i o r e s p a lh a d a a tr a v é s d e t o d o s o s te m p o s e lu g a r e s , r e u n in d o - s e
e m a s s e m b lé ia s m a io r e s . E s s a s a s s e m b lé ia s tê m r e a l a u t o r i d a d e d e C ris -
to e s o b C r is to p a r a d e t e r m in a r a s in t e r p r e t a ç õ e s c o r r e t a s d a P a la v r a d e
D e u s p a r a a fé e a p r á tic a .

Governo conectivo e as denominações


A té m e s m o n a ig r e ja a p o s tó lic a h a v ia p a r ti d a r i s m o : p e s s o a s q u e d iz ia m
ser “ d e A p o i o ” , “ d e P a u l o ” , “ d e C e fa s [ P e d r o ] ” , e a s s im p o r d ia n te . N o
2 26

e n t a n t o , u m a u n i d a d e v is ív e l e i n s t i t u c i o n a l , b e m c o m o o r g â n i c a , fo i
p r e s e r v a d a p o r m e io d a a u t o r i d a d e m in is te r ia l d e p a s t o r e s e p r e s b íte r o s
r e u n id o s e m a s s e m b lé ia . C o m o , e n t ã o , p o d e m o s p r e s e r v a r o p r i n c í p i o
c o n e c tiv o n e o t e s t a m e n tá r i o n u m m u n d o d e n o m in a c io n a l e p ó s - d e n o m i-
n a c io n a l? P a r a m im , c o m o m in is tr o r e f o r m a d o , s e r ia p r e te n s io s o im a g i-
n a r q u e a s a s s e m b lé ia s g e r a is e o s s ín o d o s d a s n o s s a s d e n o m in a ç õ e s s ã o
e q u iv a le n te s a o C o n c ilio d e J e r u s a lé m e m A to s 1 5 , o u m e s m o a o s c o n c í-
lio s e c u m ê n ic o s p ó s - a p o s tó lic o s q u e a s n o s s a s ig re ja s a c e ita m .
Primeiro, o princípio conectivo não pode ser mantido tão perfeitamente
na atual situação como o era na era apostólica, mas isso não deve levar
à apatia a respeito dele. C o n f ia n te s n o p o d e r s o b e r a n o d o T r in o D e u s ,
p o d e m o s e s p e r a r q u e a a t u a l s itu a ç ã o m u d e , m a s a s a n tif ic a ç ã o d a ig re -
ja , c o m o t a m b é m d o s c r e n te s in d iv id u a is , é a p e n a s p a r c ia l n e s ta e r a . N o
e n t a n t o , n ó s n o s e m p e n h a m o s e m p r o s s e g u ir e m b u s c a d o p r ê m io . N ã o
p o d e m o s i g n o r a r o s m a n d a m e n t o s d e C r i s t o s im p le s m e n te p o r q u e n ã o
p o d e m o s c u m p r i- lo s p e r f e ita m e n te . A s d e n o m in a ç õ e s p o d e m s e r m e io s
a p r o x im a d o s d e r e a liz a r , d e m a n e ir a s c o n c r e t a s , a g e n u ín a c a to lic id a d e
d e u m r e l a c i o n a m e n t o r e p r e s e n t a t i v o e d e lig a ç ã o e n t r e ig r e ja s lo c a is ,
m u i to e m b o r a e la s n ã o s e ja m e x p r e s s õ e s e x a u s tiv a s d e la ? A c r e d ito q u e
p o d e m , c o n t a n t o q u e f o r n e ç a m g u a r d a - c h u v a s s o b o s q u a is v á r ia s c o n -
g r e g a ç õ e s p o s s a m c o m p a r t i l h a r d a s lig a ç õ e s o r g â n ic a s d e m ú t u a in s tr u -
ç ã o e a d m o e s ta ç ã o q u e C r is to d e s e ja p a r a a s u a ig re ja . A tr á g ic a d iv is ã o
d a s d e n o m in a ç õ e s , a t u a l m e n t e , n ã o ju s tif ic a m a is d iv is ã o e m c o n g r e g a -
ç õ e s in d e p e n d e n te s .
Segundo, pergunto-me se podemos alcançar um maior acordo basea-
do em termos referentes aos diferentes níveis de união e comunhão entre
as denominações. O s r e f o r m a d o r e s p r o t e s t a n t e s n ã o f o r a m s e p a r a tis ta s ,
m a s r e f o r m a d o r e s . E les e s ta v a m se e s f a lf a n d o e m c o n f e r ê n c ia s n a e sp e -
r a n ç a d e c h e g a r a u m a c o r d o a r e s p e ito d e q u e s tõ e s q u e c a u s a v a m d iv isã o
q u a n d o a Ig r e ja C a tó lic a R o m a n a la n ç o u s e u s f a ta is a n á te m a s c o n t r a a
ju s tif ic a ç ã o p e la g r a ç a s o m e n te , p e la fé s o m e n te , b a s e a d a u n ic a m e n te n o s
m é r ito s d e C r is to . E x c o m u n g a d a s e s u je ita s a in t e r d i t o o u a o b a n im e n to
im p e r ia l, a s ig r e ja s d a R e f o r m a , n ã o o b s t a n t e , a c r e d i t a v a m q u e fa z ia m
p a r te d a c o n t i n u i d a d e d a I g r e ja C a tó lic a q u e e s ta v a s e n d o r e f o r m a d a de
a c o r d o c o m a P a la v r a d e D e u s. E la s c o n s id e r a v a m q u e s e p a ra r- s e d e u m a
ig r e ja v e r d a d e i r a e v isív e l e r a u m a t o d e c is m a .
C o n t u d o , h o je n ã o s ã o s o m e n te c r e n te s in d iv id u a is q u e v ã o d e ig re ja
e m ig r e ja , m a s t a m b é m a p r ó p r i a ig r e ja p a r e c e c o n c lu ir q u e a d e s u n iã o
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 2 27

é to le r á v e l m e r a m e n te c o m b a s e e m d if e r e n te s h is tó r ia s , a n te c e d e n te s ét-
n ic o s e p e rfis c o n s u m is ta s . J á v im o s q u e o N o v o T e s ta m e n to f a la d e n o s -
sa u n id a d e e m “ u m só S e n h o r, u m a só fé, u m só b a t i s m o ” (E f 4 .5 ) , u m a
c o n f is s ã o c o m u m e u m a só e s p e r a n ç a , b a t a l h a n d o “ p e la fé q u e u m a v ez
p o r to d a s fo i e n tr e g u e a o s s a n t o s ” (Jd 3 ). N ã o p o d e h a v e r u n id a d e o n d e
h á d e s a c o r d o f u n d a m e n t a l a r e s p e i to d e s s e s p o n t o s . N o e n t a n t o , e s s a s
d if e r e n ç a s e x p lic a m a e x is tê n c ia d e 3 3 .8 2 0 d e n o m i n a ç õ e s p r o t e s t a n t e s
a tu a lm e n te ? S e g u n d o a World Christian Encyclopedia, esse n ú m e r o e re s-
c e u d e 8 .1 9 6 e m 1 9 7 0 , e u m e s tim a d o n ú m e r o d e 2 7 0 - 3 0 0 n o v a s d e n o -
m in a ç õ e s s u r g e m a c a d a a n o . 2 O q u e a p o s iç ã o o b je tiv a d e C r is to c o m o
R e i s ig n ific a s u b je tiv a m e n te p a r a a v id a e o g o v e r n o d a s n o s s a s ig re ja s
n e sse c o n te x to ?
N ã o h á m o t iv o p a r a i n c e n t i v a r a s ig r e ja s e a s d e n o m i n a ç õ e s a b u s -
c a r e m (1 ) u m a u n i d a d e o r g â n i c a , v is ív e l e e m c o n e x ã o o n d e q u e r q u e
h a ja u m a c o n f is s ã o d e fé c o m u m ; (2 ) c o o p e r a ç ã o s e m p r e q u e f o r p o s s í-
vel ( p r in c ip a lm e n te n a s m is s õ e s e n o s m in is té r io s d e m is e r ic ó r d ia ) ; e (3)
f ó r u n s p a r a m ú t u a i n s t r u ç ã o e a d m o e s t a ç ã o s o b r e q u e s tõ e s q u e t r a t e m
d e d e s a c o r d o s q u e te n d e m a d iv id ir a ig re ja ?
N o p r i m e i r o p l a n o e s tã o ig r e ja s p a r ti c u la r e s , b e m c o m o d e n o m i n a -
ç õ e s q u e c o m p a r t il h a m u m a c o n f is s ã o c o m u m , m e s m o se p o s s u a m d ife -
r e n te s d o c u m e n to s c o n f e s s io n a is . G u a r d a - c h u v a s p r o t e t o r e s já e x is te m ,
c o m o o s te n s iv o o b je tiv o d e f a c ilita r m a i o r c o o p e r a ç ã o e n tr e d e n o m in a -
ç õ e s c o n s e r v a d o r a s . A s ig r e ja s n ã o p o d e m s u p e r a r o c a r á t e r d is tin tiv o
d a s s u a s c i r c u n s tâ n c i a s , d a s u a h e g e m o n ia é tn ic a e d e t r a d i ç õ e s in d ife -
r e n te s p a r a a te n d e r a o m a n d a m e n to e x p líc ito d e C r is to p a r a a u n id a d e ?
A o q u e p a r e c e , a s ig re ja s c o n f e s s io n a is r e f o r m a d a s e r a m m a is e c u m ê n i-
c a s n o s s é c u lo s 1 6 e 1 7 d o q u e n o s d ia s a t u a i s . P o r e x e m p lo , C a lv in o e
o u tr o s líd e re s r e f o r m a d o s e s ta v a m d is p o s to s a f a z e r c o n c e s s ã o a té s o b r e
o g o v e r n o d a ig r e ja p a r a o b e m d e u m te s t e m u n h o u n id o . Ig r e ja s re f o r -
m a d a s d e u m a v a r ie d a d e d e n a ç õ e s d a E u r o p a se r e u n ir a m n o S ín o d o d e
D o r t ( 1 6 1 8 - 1 6 1 9 ) , j u n ta m e n te c o m r e p r e s e n ta n te s d a Ig r e ja d a E s c ó c ia e
d a I g r e ja d a I n g la te r r a . H o je , n o e n t a n t o , a té m e s m o d e n o m in a ç õ e s q u e
c o n f e s s a m a m e s m a fé e p r á ti c a ( in c lu in d o o g o v e r n o d a ig re ja ) p e r m a -
n e c e m d iv id id a s .
N o s e g u n d o p l a n o , a té m e s m o o n d e a i n d a n ã o h á a c o r d o s o b r e u m a
c o n f is s ã o c o m u m e m t o d o s o s p o n t o s , n ã o p o d e r i a h a v e r c o m itê s in te r-
d e n o m in a c io n a is p a r a e s t u d a r á r e a s d e a c o r d o , c o m o ta m b é m d e d e s a -
c o r d o , e a c r ia ç ã o d e u m m a p a c o m p a r t il h a d o p a r a o e s ta b e le c im e n to d e
2 28

ig re ja s e p a r a m is s õ e s e s tr a n g e ir a s ? N a tu r a l m e n t e , esse s e s f o r ç o s m is s io -
n á r io s s e r ia m i n t e i r a m e n t e f u n d a d o s e d ir ig id o s p o r t o d a d e n o m in a ç ã o .
N o e n t a n t o , o in te r e s s e s e r ia “ p r e g a r o e v a n g e lh o , n ã o o n d e C r i s t o já
f o r a a n u n c ia d o , p a r a n ã o e d ific a r s o b r e f u n d a m e n t o a lh e io ; a n te s , c o m o
e s tá e s c r ito : H ã o d e v ê - lo a q u e le s q u e n ã o t iv e r a m n o t í c i a d e le , e c o m -
p r e e n d ê - lo o s q u e n a d a t i n h a m o u v i d o a s e u r e s p e i t o ” (R m 1 5 .2 0 - 2 1 ) .
A G r a n d e C o m is s ã o , n ã o u m m e r c a d o c o m p a r t i l h a d o , s e r ia o o b je tiv o .
D e n t r o d e s s e c i n t u r ã o d e ig r e ja s r e l a c i o n a d a s , o s c o r p o s p a r t i c i p a n t e s
r e c o n h e c e r í a m u n s a o s o u t r o s c o m o ig r e ja s le g ítim a s , a p e s a r d e t e r e m
d if e r e n te s c o n fis s õ e s q u e re fle tis s e m d e s a c o r d o s a i n d a c o n s id e r á v e is . E m
a c ré s c im o , e s fo rç o s c o o r d e n a d o s p a r a a r e a liz a ç ã o d e m in is té r io s d e m ise-
r ic ó r d ia t a m b é m p o d e r ía m s e r e s ta b e le c id o s . M e s m o q u e a lg u m a s ig re ja s
n ã o p e r m itis s e m in t e r c â m b io c o m s e u m in is té r io o fic ia l, p o d e r ía m c o o -
p e r a r c o o r d e n a n d o o s s e u s p r ó p r io s m in is té r io s c o m r e c o n h e c im e n to d a
v a lid a d e d o s m in is té r io s d e o u t r a s ig re ja s .
E n t ã o , f in a lm e n te , n ã o p o d e r ia h a v e r u m te r c e ir o c ír c u lo c o n c ê n tr ic o
d e e n g a ja m e n to n o q u a l a s d e n o m in a ç õ e s p a r tic ip a s s e m d e c o n v e r s a ç ã o
e d e m ú t u a i n s t r u ç ã o e c o r r e ç ã o , a t é m e s m o o n d e o m ú t u o r e c o n h e c í-
m e n t o c o m o v e r d a d e i r a s ig r e ja s , m u i t o m e n o s u m a u n i d a d e o r g â n ic a ,
n o s p a r e c e im p r o v á v e l a tu a lm e n te ?
A Confissão de Westminster le m b r a - n o s d e q u e a ig re ja , b e m c o m o os
c r e n te s in d iv id u a is , p e r m a n e c e s im u lta n e a m e n te ju s tif ic a d a e p e c a d o r a :

Esta igreja católica tem sido às vezes mais, às vezes menos visível.
E as igrejas particulares, que são membros dela, são mais ou menos
puras, na medida em que a doutrina do evangelho é ensinada e acei-
ta, as ordenanças são administradas e o culto público é realizado
nelas mais ou menos puramente. As igrejas mais puras debaixo do
céu estão sujeitas tanto à mistura como a erro; e algumas degene-
raram tanto que se tornaram não igrejas de Cristo, mas sinagogas
de Satanás. Não obstante, haverá sempre uma igreja na terra para
prestar culto a Deus de acordo com a sua vontade.3

A s d e s c r iç õ e s “ à s v e z e s m a is , à s v e z e s m e n o s v is ív e l” e “ m a is o u m e -
n o s p u r a s ” r e s s a lta m a i m p o r t â n c i a d o d is c e r n im e n to .
N ã o h á d ú v i d a d e q u e h á d e s a f io s q u e d if ic u lta m a b u s c a d e s s e s v á -
r io s p l a n o s d e e n g a ja m e n to in te r d e n o m i n a c i o n a l . N a s ig re ja s c o n f e s s io -
n a is p r o t e s t a n t e s ( r e f o r m a d a s e l u te r a n a s ) , a s d if e r e n ç a s g e n u ín a s tê m se
t r a n s f o r m a d o c a d a v e z m a is e m c a r i c a t u r a s . C o m o e n d u r e c i m e n t o d a s
DISCIPULOS E DISCIPLINA 2 29

a r té r ia s q u e se s e g u ir a m a o c is m a e n tr e o O r ie n te e o O c id e n te n o s é c u lo
1 1 , a s d iv is õ e s in te r c o n f e s s io n a is e n tr e a s ig re ja s d a R e f o r m a b a s e ia m -s e
t a n t o n a d e s c o n f ia n ç a e n o m a u e n t e n d i m e n t o c o m o e m s é r ia s e p e r m a -
n e n te s d if e r e n ç a s . A té n a s d e n o m in a ç õ e s c o n f e s s io n a is dentro da mesma
tradição, o c o m p r o m i s s o c o m a u n i d a d e d a ig r e ja v is ív e l p a r e c e m e n o s
i m p o r t a n t e d o q u e e m q u a l q u e r p e r ío d o a n te r io r . A s d e n o m in a ç õ e s to r -
n a m - s e m a r c a s , c o m o P e p s i e C o c a , c o m p e t i n d o p e la p a r t i c i p a ç ã o n o
m e r c a d o . O u se t o r n a r a m g u a r d a s d e u m a t r a d i ç ã o m o r t a , a p e g a d a s a o s
heróis d o p a s s a d o m a is d o q u e à fé q u e o s a n im a v a e m s u a g e r a ç ã o . A p a -
tia e c u m ê n ic a é u m a t o d e c o le tiv a d e s o b e d iê n c ia a o s m a n d a m e n t o s d e
C r is to , t ã o e r r a d o q u a n t o q u a l q u e r o u t r o a t o d e f a z e r p a z c o m o s n o s -
so s p e c a d o s p e s s o a is c o n t r a o c h a m a d o p a r a a s a n tif ic a ç ã o . A s d e n o m i-
n a ç õ e s c o n t i n u a m v á lid a s , m a s o d e n o m i n a c io n a li s m o é u m a f o r m a d e
n a r c is is m o c o le tiv o .
C o m f r e q u ê n c ia , e s s a f a lt a d e v is ã o e c u m ê n ic a n o s c í r c u l o s c o n f e s -
s io n a is é in f lu e n c ia d a p e lo e n f r a q u e c im e n to d a ig r e ja v isív e l n a e v a n g e -
liz a ç ã o m a is a m p l a . C o n q u a n t o in c e n tiv e u m e c u m e n is m o r a s t e i r o e m
d ife r e n te s tr a d iç õ e s , o e v a n g e lic a lis m o é u m m o v im e n to , n ã o u m a ig re ja .
N ã o se id e n tif ic a v is iv e lm e n te p o r u m só líd e r, c o m o o p a p a (a d e s p e ito
d a f a m o s a d e f in iç ã o fe ita p o r G e o rg e M a r s d e n d e e v a n g é lic o c o m o “ t o d a
p e s s o a q u e g o s te d e B illy G r a h a m ” ). A lé m d o m a is , m u i to s e v a n g é lic o s
d a a t u a l i d a d e f ic a r a m e x te n u a d o s p e la d e c e p ç ã o e p e la f a d ig a n a s d e n o -
m in a ç õ e s p r in c ip a is , q u e p a r e c ia m c o m p r o m e tid a s c o m a a u to d e s tr u iç ã o .
C o m o a ig re ja c o m o in s titu iç ã o v isív e l s u c u m b iu s o b a s b u r o c r a c ia s q u e
c o m p r o m e te m a g e n u ín a fé e p r á ti c a , n ã o a d m i r a q u e e la t e n h a p e r d id o
a s u a c r e d ib ilid a d e . P o r t a n t o , t o d a e s ta c o n v e r s a s o b r e u n i d a d e e m c o -
n e x ã o e s o b r e c o n v e r s a ç õ e s e c u m ê n ic a s s o a c o m o p e r d a d e t e m p o p a r a
m u ito s . A d e m a is , q u e m r e p r e s e n ta r ia “ a ig re ja e v a n g é lic a ” n a s c o n s u lta s
c o m v á r ia s d e n o m in a ç õ e s ? M a is u m a v e z , o s e v a n g é lic o s d e s a b a f a m e m
a g ê n c ia s p a r a e c le s iá s tic a s p a r a c o o p e r a ç ã o p o p u la r , m a s e se e ssa e n o r m e
v ita lid a d e fo s s e in v e s tid a n a m a i o r u n id a d e d a ig r e ja v isív e l?
N ã o é q u e e u p e n s e q u e o o b je tiv o d a u n iã o e v a n g é lic a s e ja im p o s s í-
v el, c o m o p e n s o q u e é v a z io . J e s u s C r is to n ã o e s ta b e le c e u u m c o m itê d e
a ç ã o p o l ític a , u m c e n tr o d e f o r m a ç ã o e s p i r i t u a l , u m site na internet o u
u m c ír c u lo d e a m ig o s . E le p r o m e t e u q u e e s t a r ia c o m a s u a igreja a té o
fim , o n d e a P a l a v r a fo s s e p r e g a d a e o s s a c r a m e n t o s f o s s e m a d m i n i s tr a -
d o s . P e n s o q u e se i o q u e a c o n te c e r i a se h o u v e s s e u m a f u s ã o d e b a tis ta s
e p e n te c o s ta is o u d e lu t e r a n o s e a n g lic a n o s , m a s é d ifíc il im a g in a r o q u e
2 30

s ig n ific a ria p a r a o e v a n g e lic a lis m o e s ta r u n id o e m a lg o c o m o te r m o s c o n -


e r e to s . O e c u m e n is m o p r e c is a d e ig re ja s , n ã o d e r e d e s d e t r a b a l h o p a r a -
le la s à ig re ja e líd e re s f a m o s o s .
A s d e n o m in a ç õ e s tê m i m p o r tâ n c ia p o r q u e a s ig re ja s tê m im p o r tâ n c ia .
C o n s id e r a d a s e m si m e s m a s , a s d e n o m in a ç õ e s s ã o m e r o s g u a r d a - c h u v a s
o r g a n iz a c i o n a is p a r a a u n i d a d e c o n e c tiv a d e ig r e ja s p a r a f lo r e s c e r e m e
p a r a a s ig re ja s a j u d a r e m u m a s à s o u t r a s a c u m p r i r a G r a n d e C o m is s ã o .
N a m e d id a e m q u e fa c ilita m e ssa m is s ã o e esse p l a n o e s tr a té g ic o d o n o s -
so S e n h o r, e la s s ã o ú te is . N a m e d id a e m q u e se t o r n a m e n c la v e s b u r o c r á -
tic o s d e o r g u l h o e in t r o s p e c ç ã o , e la s s ã o o b s t á c u l o s . A s d e n o m in a ç õ e s
p o d e m v ir e ir, m a s a s p a r te s d o c o r p o d e C r i s t o q u e e la s a l i m e n t a m e
in c e n tiv a m - is to é, a s ig re ja s r e a is - f o r m a m o o r g a n is m o in d is p e n s á v e l
q u e é c r ia d o e c u m p r i d o p e la G r a n d e C o m is s ã o .

Igreja e paraigreja
Se o e v a n g e lic a lis m o é e m g r a n d e p a r t e u m a r e d e d e a g ê n c ia s paraecle-
siásticas e C r is to c o n f io u a G r a n d e C o m is s ã o à s u a ig r e ja , n ã o h á lu g a r
p a r a a q u e la s ? J á c ite i o p e r s p ic a z c o m e n t á r i o d e D a lla s W illa r d n o q u a l
ele d e c la r a q u e “ N o d ir e ito te o ló g ic o , d is c ip u la d o p a s s o u a s ig n ific a r p re -
p a r a ç ã o p a r a a c o n q u i s t a d e a lm a s , s o b a d ir e ç ã o d e e s f o r ç o s p a r a e c le -
s iá s tic o s q u e a s s u m ir a m a a d m i n i s tr a ç ã o d o d is c ip u la d o p o r q u e a ig re ja
lo c a l r e a lm e n te n ã o o e s ta v a f a z e n d o ” .4
E ssa é u m a a c u s a ç ã o fe ro z c o n tr a a ig re ja . N u m s e n tid o , a tin g e o a lv o .
E m t o d a s a s é p o c a s , a ig re ja é t e n t a d a p e la mission creep ( d is tr a ç ã o ; d es-
v io ) o u p o r u m a p re g u iç o s a a u to s s a tis f a ç ã o (v is a n d o à s u a s o b re v iv ê n c ia ).
P o r m u ita s r a z õ e s d if e r e n te s , a ig r e ja p o d e d e s v ia r s e u s o lh o s d a b o la e
e r r a r m is e r a v e lm e n te . C o n t u d o , a r e s p o s t a n ã o e s tá e m e x t r a i r a s e n e r-
g ia s d e c r e n te s firm e s c o m m e n ta lid a d e m is s io n á r ia d a ig r e ja e b o m b e á -
-la s p a r a d e n t r o d e m in is té r io s p a r a e c le s iá s tic o s . A n te s , a r e s p o s t a e s tá
em reformar as igrejas.
A o m e s m o t e m p o , e s to u c o n v e n c id o d e q u e a in d a h á u m lu g a r im p o r-
t a n t e p a r a o s e s f o rç o s p a r a e c le s iá s tic o s . O p re fix o para sig n ific a “ a o la d o
d e ” . Q u a n d o g r u p o s d e c r is t ã o s se p õ e m a o l a d o d a ig r e ja p a r a f o r m a r
e d ito r a s , e s c o la s , a g ê n c ia s s o c ia is e o u t r a s o r g a n iz a ç õ e s v o lu n tá r ia s , e la s
p o d e m s e r m o t o r e s g e r a d o r e s d e r e c u r s o s e n o r m e m e n t e ú te is . A R a fik i
F o u n d a tio n (w w w .r a f ik i- f o u n d a tio n .o r g ) c r io u in ú m e r a s v ila s p a r a ó rf ã o s
p o r t o d o la d o n a Á fric a . E m p a r c e r ia c o m ig re ja s lo c a is , a R a fik i fo r n e c e
i n f r a e s t r u t u r a ( in c lu in d o a c o n s t r u ç ã o d e m o r a d i a s ) , t r e i n a m e n t o p a r a
DISCÍPULOS E DISCIPLINA 231

o b t e n ç ã o d e e m p r e g o e t r a t a m e n t o m é d ic o ( v is a n d o p r i n c i p a lm e n t e a o
H IV /A ID S ). A s ig r e ja s n e m f o r a m c o m i s s i o n a d a s n e m e s t ã o e q u i p a d a s
p a r a e n f r e n t a r e sse s d e s a f io s , m a s c r is t ã o s se j u n t a r a m p a r a p r o v e r n e -
c e s s id a d e s fís ic a s e s s e n c ia is . S ã o esses o s tip o s d e e s f o rç o q u e , c a m in h a n -
d o a o la d o d a ig re ja , e x p r e s s a m o a m o r d e C r is to c o m p a l a v r a e a ç ã o .
P o d e -s e d iz e r o m e s m o d e f a c u ld a d e s , s e m in á r io s e o r g a n iz a ç õ e s q u e
p r o m o v e m a o b r a d a ig re ja se m s u b s titu í- la . E m b o r a e u se ja u m m in is tr o
n a m in h a ig re ja lo c a l e s irv a e m c o m itê s d e n o m in a c io n a is , p a s s o a m a io r
p a r t e d o m e u t e m p o c o m o p r o f e s s o r d e t e m p o i n te g r a l n u m s e m in á r io
in d e p e n d e n te q u e p r e p a r a e f o r m a e le m e n to s p a r a v á r ia s d e n o m in a ç õ e s .
T a m b é m d ir ijo u m a o r g a n iz a ç ã o c o m u m p r o g r a m a d e r á d i o c h a m a d o
The white horse inn, c o m o t a m b é m u m a r e v is ta , Modem Reformation.
E s c r e v o liv r o s c o m o e s te p a r a e d i t o r a s p a r a e c le s iá s tic a s e f a lo e m c o n -
f e r ê n c ia s p a r a e c le s iá s t ic a s . E m t o d a s e s s a s a ti v i d a d e s , s o u r e s p o n s á v e l
p e r a n t e m i n h a ig r e ja . N ã o o b s t a n t e , n e n h u m a d e s s a s o r g a n iz a ç õ e s a le -
g a q u e r e a liz a a o b r a d a ig r e ja . H á u m i m p o r t a n t e l u g a r p a r a p r e p a r a r
m in is tr o s p a r a p a r ti c ip a r e m d a G r a n d e C o m is s ã o e p a r a a j u d a r p e s s o a s
m a is g e r a lm e n te p a r a a e n te n d e r e m . C o n t u d o , a j u d a r é d if e r e n te d e re a l-
m e n te e x e c u t a r e s ta C o m is s ã o .
A o f o r n e c e r s is te m a s d e a p o i o , a s a g ê n c ia s p a r a e c le s iá s t ic a s p o d e m
a j u d a r a s ig re ja s a p e r m a n e c e r c o n c e n t r a d a s n a e x e c u ç ã o , m a s tr a n s g r i-
d e m o s s e u s lim ite s q u a n d o a s s u m e m o p a p e l q u e C r i s t o c o n f io u à s u a
ig re ja . E la s n ã o e s tã o a u to r iz a d a s a fa z e r d is c íp u lo s . N ã o f o r a m c o m is s io -
n a d a s p a r a p r o c la m a r a P a la v r a , p a r a a d m i n i s tr a r o b a tis m o n e m a C e ia
d o S e n h o r, p a r a d e t e r m in a r a fé e a p r á ti c a , n e m p a r a e x e r c e r d is c ip lin a
e s p ir itu a l. S eja o q u e f o r q u e e la s f a ç a m , d e v e s e r f e ito p a r a s e r v ir a esse
m in is té r io d a ig r e ja , n ã o c o m o u m p a i o u m ã e s u b s titu to s .
O s c r is tã o s s ã o c h a m a d o s p a r a f a z e r m u ita s c o is a s q u e a ig re ja n ã o é
c h a m a d a p a r a fa z e r. O l u g a r o n d e o s c r e n te s s ã o feitos s a l e lu z é o n d e
q u e r q u e a P a la v r a se ja p r e g a d a e o s s a c r a m e n to s s e ja m a d m i n i s tr a d o s ,
m a s o l u g a r p r i m á r i o o n d e o s c r e n te s são s a l e lu z é o m u n d o . A lg u n s
c r e n te s s ã o c h a m a d o s p a r a o f íc io s n a ig r e ja , m a s a m a i o r i a é c h a m a d a
p a r a o fíc io s n o m u n d o . R e to m a r e m o s esse a s s u n to n o p r ó x i m o c a p ítu lo .
8_____________________
_____________________

fl Srand¡2 Comissão !2
o (Srando Mandamento
Evangelização e justiça social

á p o u c o te m p o , p e r g u n te i a o s e c re tá r io - g e ra l d o C o n c ilio M u n d ia l
d e Ig r e ja s se e s s a o r g a n iz a ç ã o a i n d a se m a n t é m fiel a o s e u v e lh o
le m a : “ A d o u t r i n a d iv id e , o s e rv iç o u n e ” . R in d o , ele d isse: “ C é u s! N ã o ” .
E le p r o s s e g u iu p a r a c o n t a r q u e , a o lo n g o d a s d é c a d a s , o g r u p o a p r e n d e u
que o serviço d iv id e . A lg u n s a c h a m q u e o c a p it a li s m o é o c a m i n h o d o
p r o g r e s s o , e n q u a n to o u t r o s in s is te m n o s o c ia lis m o . A t o r t a p o d e s e r c o r-
t a d a d e m il m a n e ir a s . “ M a s e n t ã o v im o s q u e , q u a n d o v o lta m o s a f a la r
s o b r e o C r e d o N ic e n o o u s o b r e a lg o p a r e c id o , s e n te - s e a o m e n o s q u e a s
p e s s o a s v o l t a m à s a la e se s e n ta m u m a s c o m a s o u t r a s p a r a c o n v e r s a r .”
V ale a p e n a m e n c io n a r q u e o C M I e m e r g iu d e u m a c o n f e r ê n c ia m is s io n á -
ria e v a n g é lic a r e a liz a d a e m 1 9 1 0 , o q u e n o s le m b r a q u e g e r a lm e n te é e m
n o m e d a m is s ã o q u e n o s d e s v ia m o s d a m e n s a g e m e d a m is s ã o d e C r is to .
N u m re c e n te n ú m e r o d a re v is ta Christianity Today, o r e it o r d o F u lle r
S e m in a ry , R i c h a r d M o u w , n a r r a a h is tó r ia d e u m a r tig o s e u q u e fo i s u b -
m e tid o a e s s a e m b le m á tic a r e v is ta e v a n g é lic a , e n t ã o s o b a l i d e r a n ç a d e
C a r l H e n r y .1 O p r ó p r i o H e n r y h a v ia d e s a f ia d o p e s s o a lm e n te o s e v a n g é -
líe o s a e n v o lv e r e m - s e c o m o s in te r e s s e s s o c ia is e m s e u liv r o The uneasy
conscience of modem fundamentalism [A c o n s c iê n c ia i n q u i e t a d o f u n -
d a m e n ta lis m o m o d e r n o ] ( p u b lic a d o e m 1 9 4 7 ) . C o n t u d o , e le d isse a o jo -
v e m e s t u d a n t e r e c é m - f o r m a d o q u e p r e c is a v a fa z e r a lte r a ç õ e s e m a lg u n s
d o s a r g u m e n t o s d o s e u a r tig o .
E m b o r a a g r a d e c id o p o r H e n r y te r c o n s id e r a d o o se u a r tig o , M o u w re -
c o r d a : “ T a m b é m m e p r e o c u p e i c o m a m u d a n ç a q u e ele e s ta v a p r o p o n d o .
Esse fo i u m p e r ío d o d a m in h a v id a e m q u e m u ita s vezes m e s e n ti a lie n a d o
2 34

d o e v a n g e lic a lis m o e m r a z ã o d o q u e e u v ia c o m o s e u e r r o e m n ã o t r a t a r
a p r o p r i a d a m e n t e d e q u e s tõ e s le v a n t a d a s p e la l u t a p e lo s d ir e ito s c iv is e
p e la g u e r r a n o s u d e s te d a Á s ia . C o m o c o r r e tiv o , e u q u e r ia q u e a ig re ja ,
como igreja, re c o n h e c e s s e a s u a o b r i g a ç ã o d e t r a t a r d e s s a s q u e s t õ e s ” .2
H e n r y n ã o se d e ix o u c o n v e n c e r. O n d e M o u w in s is tia q u e e r a d e v e r da
igreja t r a t a r d e s s a s q u e s tõ e s d i r e t a m e n te , H e n r y q u e r ia q u e ele d is s e s s e
q u e is s o e r a d e v e r do cristão. A ig r e ja te m a r e s p o n s a b ilid a d e d e p r o c la -
m a r a P a la v r a d e D e u s , a té m e s m o c o m a p lic a ç ã o e s p e c ífic a , o n d e q u e r
q u e e la fa le . E la te m a u t o r i d a d e v in d a d e D e u s p a r a a n u n c ia r u m ju lg a -
m e n t o fin a l d a o p r e s s ã o , d a v io lê n c ia d e s e n f r e a d a e d a in ju s tiç a e p a r a
c o n v o c a r to d a s a s p e s s o a s ( in c lu in d o o s c r is tã o s ) a o a r r e p e n d im e n to e fé
e m C r is to à lu z d e s te d ia fin a l d e ju lg a m e n to . N o e n t a n t o , “ A ig re ja in s-
t i t u c i o n a l ” , d is s e H e n r y , “ n ã o te m n e m m a n d a t o , n e m ju r is d iç ã o e n e m
c o m p e tê n c ia p a r a a p o i a r n e n h u m a le g is la ç ã o p o lític a , n e m q u a l q u e r tá -
tic a m ilita r e n e m p o lític a s e c o n ô m ic a s e sp e c ífic a s e m n o m e d e C r i s t o ” .3
H e n r y c ito u o e tic is ta P a u l R a m s e y , d a P r in c e to n U n iv e rs ity : “ A id e n -
tif ic a ç ã o d a é tic a s o c ia l c r is tã c o m p r o p o s t a s p a r t i d á r i a s e s p e c ífic a s q u e
c la r a m e n te n ã o s ã o as q u e p o d e m s e r c a r a c te r iz a d a s c o m o c r is tã s e c o m o
m o r a lm e n te a c e itá v e is a p r o x im a - s e d o s e n tid o n e o te s ta m e n tá r io o rig in a l
de heresia” .4 A o m e s m o t e m p o , H e n r y a r g u m e n to u n o s e n tid o d e q u e os
e v a n g é lic o s n ã o s o m e n te e s tã o a u to r iz a d o s , m a s ta m b é m lh e s é o r d e n a d o
q u e p r o c la m e m o c la r o “ n ã o ! ” d e D e u s à v io lê n c ia e x c e s s iv a , à in ju s tiç a
r a c ia l e a o u t r a s g ra v e s c ris e s m o r a is . A P a la v r a d e D e u s m o d e la a c o n s -
c iê n c ia d o s se u s o u v in te s , m a s o n d e e la n ã o o fe re c e p r e s c r iç õ e s p o lític a s
e s p e c ífic a s , a ig r e ja n ã o te m a u t o r i d a d e p a r a fa la r.
D e p o is d e re fle tir, M o u w c o n c lu i: “ H e n r y e s ta v a c e r to , e e u e s ta v a er-
r a d o ” . R e c o r r e n d o à s u a h e r a n ç a r e f o r m a d a , p r in c i p a lm e n t e a o le g a d o
d e A b r a h a m K u y p e r, M o u w r e s s a l ta q u e h á u m i m p o r t a n t e l u g a r p a r a
os cristãos p e n s a r e m e t r a b a l h a r e m ju n t o s c o m v is ta s a a p lic a r o e n s in o
b íb lic o a e s s a s q u e s tõ e s . N o e n t a n t o , a ig re ja n ã o d e v e t r a n s p o r o s lim i-
te s d o s e u m a n d a t o .
H o j e , é m u i t o p r o v á v e l q u e se o u ç a o m a n t r a “ a ç õ e s , n ã o c r e d o s ” ,
d o s r in c õ e s d o p r o t e s t a n t i s m o e v a n g é lic o , c o m o h á u m s é c u lo é o u v id o
d o p r o t e s t a n t i s m o t r a d i c io n a l. E m p a r t e , e s s a é u m a r e a ç ã o c o m p r e e n -
sív e l a u m a a p a r e n t e f a lta d e p r e o c u p a ç ã o c o m o s corpos, e n ã o som en-
te c o m c o r p o s h u m a n o s , m a s ta m b é m c o m a c r ia ç ã o p r o p r ia m e n t e d ita .
Se a s a lv a ç ã o só d iz r e s p e ito a u m a fu g a d o c o r p o e a q u e e s ta t e r r a s e rá
d e s t r u í d a ( a m b a s a s id é ia s e x p líc ita m e n te r e je ita d a s p e la E s c r itu r a ) , q u e
A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 235

a d i a n t a c o n s e g u ir q u e to d o s lu te m c o n tr a a in ju s tiç a so c ia l? M a u s c r e d o s
a lim e n ta m m á s a ç õ e s: o s p e c a d o s d e o m is s ã o b e m c o m o o s d e c o m is s ã o .
É o b r ig a ç ã o d a s ig re ja s s e m p re e n s in a r o s d is c íp u lo s a “ g u a r d a r to d a s
a s c o is a s q u e v o s t e n h o o r d e n a d o ” ( M t 2 8 .2 0 ) - n ã o a p e n a s a s n o s s a s
p a r te s f a v o r i ta s , m a s “ t o d o o d e s íg n io d e D e u s ” (A t 2 0 .2 7 ) . A m e d id a
q u e n o s t o r n a m o s m a is c o n s c ie n te s d a m u d a n ç a d o c lim a e d a s a m e a -
ç a s q u e a a c o m p a n h a m q u e c o lo c a m e m r is c o t o d o o n o s s o p l a n e ta , s e rá
t e o lo g ic a m e n te i n c o r r e t o e e s p i r i t u a l m e n t e i r r e s p o n s á v e l a s ig r e ja s p e r-
m a n e c e r e m c a la d a s a r e s p e ito d a o r d e m d e D e u s p a r a q u e s e ja m o s se u s
m o r d o m o s . A n c o r a d a n a o b r a p a s s a d a d e D e u s (c r ia ç ã o ) e e m s u a se m -
p r e v ig ila n te p r o v id ê n c ia , a e s p e r a n ç a d a ig re ja é o r ie n ta d a n o s e n tid o d a
r e s ta u r a ç ã o d e t o d a a c r ia ç ã o (R m 8 .2 0 - 2 5 ) . A e s c r a v id ã o e a s e g r e g a ç ã o
n o s E s ta d o s U n id o s e o a p a r t e i d e n a Á f r ic a d o S u l e r a m f a ls a m e n te ju s-
tif ic a d o s m o r a l e te o lo g ic a m e n te p o r g r o s s e ir a s d is to r ç õ e s d a P a la v r a d e
D e u s . F o i q u a n d o a s ig re ja s fiz e ra m o q u e só e la s e s ta v a m a u t o r i z a d a s a
fa z e r (isto é, d e c la r a r h e r é tic a e ssa e x e g ese) q u e h o u v e u m a m u d a n ç a a m -
p ía m e n te d i f u n d id a n o s e n tid o d e o s c r is tã o s f a z e r e m o q u e eles e s ta v a m
a u t o r i z a d o s a fa z e r c o m o c id a d ã o s : t r a b a l h a r a o la d o d e n ã o c r is tã o s n o
d e s m a n t e la m e n t o d a s leis e d o s p a d r õ e s s o c ia is q u e a q u e la p r e g a ç ã o ti-
n h a a j u d a d o a le g itim a r.
A ig r e ja e x e c u t a a s u a c o m is s ã o - “ e n s i n a n d o - o s a g u a r d a r t o d a s as
c o is a s q u e v o s t e n h o o r d e n a d o ” - q u a n d o p r o c la m a o ju íz o d e D e u s so -
b r e m a le s e s p e c ífic o s e e n s in a o s c r e n te s a p e n s a r e m e a v iv e re m d e m a -
n e ir a d if e r e n te c o m o se u s d is c íp u lo s . C o n t u d o , q u a n d o a ig re ja se v o lta
p a r a a p r e s c r i ç ã o d e p l a n o s d e a ç ã o , e la e n t r a n a e s f e r a d o e x e r c í c i o
p r o p r i a m e n t e c o e r c itiv o d o p o d e r le g a l. A e s p a d a e s p i r i t u a l d a P a la v r a
e d o E s p ír ito c o n f u n d e - s e c o m a e s p a d a t e m p o r a l d o E s ta d o . P o n tif ic a n -
d o s o b r e q u e s tõ e s q u e e s tã o a lé m d a s u a e s p e c ia lid a d e e d a s u a a u t o r i -
d a d e , a ig r e ja r e a lm e n te p e r d e a q u e la c o n s id e r á v e l a u t o r i d a d e e s p ir itu a l
q u e p o s s u i d e f a la r a o m u n d o e m n o m e d e C r is to c o m o s u a e m b a i x a d a
o fic ia l. N u m e x tr e m o e s tá a v is ã o d e q u e o s c r is tã o s n ã o d e v e m ín te r e s -
sa r-s e p e lo p r o c e s s o s o c ia l e p o lític o e m f a v o r d o b e m c o m u m , e m u i to
m e n o s p a r t i c i p a r d e le . N o o u t r o e x t r e m o e s tá a v is ã o d e q u e e sse in te -
re s se e e s s a p a r ti c ip a ç ã o c o n s titu e m a m is s ã o d a ig re ja . H i s to r ic a m e n te ,
e s s a s p o s iç õ e s s ã o i d e n tif ic a d a s c o m a s t r a d i ç õ e s a n a b a t i s t a e c a tó lic a -
r o m a n a , r e s p e c tiv a m e n te . P e lo m e n o s n a t e o r i a , a s ig r e ja s d a R e f o r m a
s u s t e n t a m q u e o s c r is tã o s s ã o c i d a d ã o s d e d o is r e in o s s im u lta n e a m e n te
- c a d a r e in o s e n d o d is tin to e, t o d a v i a , c r u z a n d o a v id a d e c a d a c r e n te .
236

N o fin a l d a m in h a a d o le s c ê n c ia , e u e s ta v a f ic a n d o e n c a n ta d o n ã o a p e -
n a s c o m a s d o u t r i n a s d a g r a ç a , m a s ta m b é m c o m a v is ã o m a is a m p la d a
te o lo g ia r e f o r m a d a . S e n tia -m e m a r a v i lh a d o c o m o i m p a c to h is tó r ic o d o
c r is t i a n i s m o r e f o r m a d o n a a s c e n s ã o d a a l f a b e t i z a ç ã o , d a i n s t r u ç ã o , d a
c iê n c ia , d a s a r te s , d a l i te r a t u r a , e d e o u t r o s c a m p o s . D e v o r e i o s e s c r ito s
p r o d u z id o s n o fim d a d é c a d a d e 1 9 7 0 p o r F r a n c is S c h a e ffe r, q u e e s ta v a
t ã o p r e o c u p a d o c o m o r a c is m o (Verdadeira espiritualidade) e c o m a a d -
m in is tra ç ã o so b D e u s em f a v o r d o m e io a m b i e n t e (Poluição e a morte
do homem), q u a n to c o m o a b o r to e a e u ta n á s ia . A s a lv a ç ã o to rn o u -s e
m u i to m a is d o q u e “ ir p a r a o c é u d e p o is d a m o r t e ” . S e n ti-m e d e s a f ia d o
e l i b e r a d o p o r is s o t u d o .
A n o s d e p o is , fiz u m c u r s o n o I n t e r n a t i o n a l I n s titu te o f H u m a n R ig h ts
[ I n s titu to I n t e r n a c i o n a l d e D ir e ito s H u m a n o s ] , e m E s tr a s b u r g o , F r a n ç a ,
e p a s s e i h o r a s , t o d a s a s n o ite s , c o m p e s s o a s d e v á r io s p a ís e s q u e n a r r a -
v a m a t r o c i d a d e s c o m e tid a s c o m o a p o i o d i r e t o o u i n d i r e t o d o s E s ta d o s
U n id o s . Q u a n d o li o s te ó lo g o s d a l i b e r ta ç ã o , e n tr e i e m r e s s o n â n c ia c o m
a a f ir m a ç ã o s o b r e a c r ia ç ã o e s o b r e a r e d e n ç ã o d o s c o r p o s , n ã o a p e n a s
d a s a lm a s . C o n t u d o , q u a n t o m a is e u lia , m a is in s a t i s f e i t o f ic a v a . C o n -
q u a n t o eles v is s e m o p e c a d o n ã o a p e n a s c o m o c o m p o r t a m e n to p r iv a d o
e p e s s o a l, m a s t a m b é m c o m o in ju s tiç a s is tê m ic a e p ú b lic a , p a r e c ia q u e ,
i r o n i c a m e n te , e le s r e d u z i a m o p e c a d o a a ç õ e s , t a n t o q u a n t o o s f u n d a -
m e n t a l i s t a s o f a z ia m . O q u e a m b o s o s g r u p o s p a r e c i a m o m i ti r é o f a to
d e q u e o p e c a d o é, a n te s d e t u d o , u m a condição e qu e vai tã o fu n d o que
n ã o c o n s e g u im o s lib e r ta r - n o s d e le - t a n t o in d iv id u a lm e n te q u a n t o c o r p o -
r a tiv a m e n te . A i n t e r p r e t a ç ã o d a E s c r itu r a , t r a ç a n d o u m a c o r r e s p o n d ê n -
c ia u m a u m e n tr e a l i b e r ta ç ã o d e Is r a e l d o E g ito e a r e v o lu ç ã o p o lític a ,
p a r e c i a e x a ta m e n t e t ã o s e le tiv a e a s e r v iç o p r ó p r i o . A e s c a to lo g ia d e le s
p a r e c i a m a is q u e r e a l i z a d a : o r e i n o d e g l ó r i a a q u i e a g o r a s e n d o le v a -
d o à c o n c lu s ã o p e lo s n o s s o s e s f o r ç o s . E le s q u e r ia m t o r n a r o r e in o d e s-
te m u n d o o r e in o d e C r is to . M a s n ã o fo i esse t i p o d e e x e g e s e d e f e itu o s a
q u e le v o u a o s u r g im e n to d a “ c r i s t a n d a d e ” e m p r im e ir o lu g a r ? A lé m d o
m a is , t e n t a r t r a n s f o r m a r o s r e in o s d e s t a e r a n o r e in o d e C r i s t o m u i ta s
v e z e s a c a b a e m v io lê n c ia h i p ó c r i t a e e m d e s ilu s ã o . E m v e z d is s o , d e v e -
m o s p a r tic ip a r , a o la d o d e n ã o c r is tã o s , d e e s f o r ç o s p a r a r e a liz a r m e lh o -
r a m e n to s m a is m o d e s to s - e m e n o s e s c a to lo g ic a m e n te fin a is - d a s n o s s a s
s o c ie d a d e s c o m u n s .
E m a is d ifíc il d is tin g u ir n o s s a c i d a d a n i a d u a l q u a n d o a c h a m o s q u e a
n o s s a c u l t u r a (o u o n o s s o p a r t i d o p o lític o ) é a c e r ta - ta lv e z a té m e s m o
A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 2 37

“ c r i s t ã ” (o u p e lo m e n o s “ j u d a i c o - c r i s t ã ” ). D u r a n t e v á r ia s d é c a d a s , o s
e v a n g é lic o s p a r e c ia m s e r o p a r t i d o r e p u b lic a n o e m o r a ç ã o . M a s a g o r a o
m o v im e n to a r ris c a - s e a s im p le s m e n te m u d a r a s u a filia ç ã o p o lític a , lig a n -
d o o e v a n g e lh o a u m p r o g r a m a p o lític o d ife r e n te . O s c r is tã o s tê m a o b r i-
g a ç ã o d e a m a r e s e r v ir a tiv a m e n te o s se u s v iz in h o s , m a s is s o é d if e r e n te
d a G r a n d e C o m is s ã o q u e C r is to c o n f io u a o m in is té r io o fic ia l d a ig re ja .
P o r m e io d a p r e g a ç ã o e d o s s a c r a m e n to s , D e u s n o s c h a m a e n o s r e tir a
d a d a n ç a d a m o r te e n o s fa z a s s e n ta r n a fe s ta d e c a s a m e n to c o m A b r a ã o ,
I s a q u e e J a c o . V o lta d o s p a r a n ó s m e s m o s , s o m o s d o u t o r e s e m e n g a n o .
N a n o ssa p re o c u p a ç ã o c o m n ó s m e sm o s, o u a to la m o s n o d e se sp e ro , o u
e x u lta m o s n a n o s s a ju s tiç a p r ó p r ia . N o e n t a n t o , e s ta P a la v r a n o s c h a m a
p a r a q u e s a ia m o s d e n ó s m e s m o s , d a c o n te m p la ç ã o in tr o s p e c tiv a d o n o s -
so u m b ig o , d o n o s s o d e s e s p e r o e d a n o s s a ju s tiç a p r ó p r i a e d o c ír c u lo d e
a m ig o s s e m e lh a n te s a n ó s , p a r a o l h a r p a r a D e u s c o m fé e p a r a o n o s s o
p r ó x i m o c o m a m o r. U n id o s a C r is to p e lo s e u E s p ír ito , e s ta m o s u n id o s a
i r m ã o s e ir m ã s q u e n ã o f o m o s n ó s q u e e s c o lh e m o s . A s s im c o m o C r is to
é o d o m d o P a i e d o E s p í r i t o p a r a n ó s , e le fa z d e n ó s d o n s u n s p a r a o s
o u tr o s . P e la p r e g a ç ã o , p e lo b a tis m o , p e la C e ia , e p e lo c u i d a d o e s p ir itu a l
d o s p r e s b íte r o s , s o m o s r e tir a d o s d e n ó s m e s m o s : p e la fé e m C r is to e p e lo
a m o r a o n o s s o p r ó x im o .
C o n t u d o , a e v id ê n c ia d e q u e o r e in o d e C r is to e s tá p r e s e n te e n tr e n ó s
n ã o se r e s tr in g e a o c u i d a d o e s p ir itu a l q u e e le p r o v ê c o m o o n o s s o p r o -
f e ta , s a c e r d o t e e re i; e s s a p r o v a a b r a n g e t a m b é m t u d o o q u e e le fa z d e
b o m p a r a a s n o s s a s n e c e s s id a d e s te m p o r a is . O c e rn e d o m e u d e s a fio n e s-
te c a p ítu lo é q u e r e c o n h e ç a m o s a d is tin ç ã o e n tr e a G r a n d e C o m is s ã o e o
G r a n d e M a n d a m e n t o s e m s e p a r á - lo s . E s te a r g u m e n t o o p e r a e m c írc u lo s
c o n c ê n tr ic o s , p a r t i n d o d a o b r a d a igreja e m s u a m is s ã o d e m is e r ic ó r d ia
p a ra a o b ra dos cristãos e m s u a s d iv e r s a s v o c a ç õ e s .

M in is t é r io s d e m is e r ic ó r d ia

C r is to , p o r in te r m é d io d o s se u s a p ó s to lo s , i n s titu iu o o fíc io d e d iá c o n o .
I s s o f a z d o c u i d a d o d a s n e c e s s id a d e s t e m p o r a i s u m a p a r t e d a G r a n d e
C o m is s ã o . O s m in is té r io s d e m is e r ic ó r d ia p e r te n c e m a “ t o d a s a s c o is a s ”
q u e C r is to o r d e n o u a o s a p ó s to lo s e n s in a r e m .
O S e rm ã o d o M o n te a p r e s e n ta u m a é tic a r a d ia lm e n te n o v a p a r a o re i-
n o d e D e u s . A a n tig a a lia n ç a e s tá e s m a e c e n d o s o b o m in is té r io d e J e s u s ;
a n o v a e n t r o u e m v ig ê n c ia . N ã o é u m r e a v iv a m e n to d a a lia n ç a d o S in a i.
E m v ez d e e x p u ls a r o s in im ig o s d e D e u s, e ssa c o n q u is ta a s s u m iría a f o r m a
2 38

p a r a d o x a l d e s o f r im e n to e d e a m o r o s a o r a ç ã o p e lo s p e r s e g u id o r e s , b e m
c o m o d e p r e s ta ç ã o d e s e rv iç o a eles. A é tic a d e J e s u s e s ta b e le c e u m n o v o
r e g im e - n ã o u m r e g im e q u e o s c r is t ã o s im p õ e m a o s d e s te m u n d o , m a s
u m re g im e q u e c o m e ç a a m o s tr a r - s e n a ig re ja c o m o u m a c o lô n ia d o c é u .
N a s u a p a r á b o l a d o g r a n d e b a n q u e te , J e s u s d isse :

Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos,


nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não
suceder que eles, por sua vez, te convidem e sejas recompensado.
Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os
coxos e os cegos; e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem
eles com que recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a rece-
berás na ressurreição dos justos. (Lc 14.12-14)

E m o u t r a s p a la v r a s , se v o c ê c o n v i d a r o s se u s a m ig o s e p a r e n t e s p a r a
e s s a s a n t a f e s ta , e la n ã o s e r á d if e r e n te d e q u a l q u e r r e f e iç ã o c o m u m . A s
re fe iç õ e s c o m u n s s ã o m u ito b o a s . V o c ê p o d e r e u n ir o s se u s a m ig o s e p a -
r e n te s . T o d o s n ó s s a b e m o s c o m o f a z e r o jo g o d e c o n v i d a r o p a t r ã o o u
v iz in h o s ric o s q u e p o d e m r e t o r n a r o f a v o r d e u m m o d o o u d e o u t r o . P o -
r é m , p a r a e s s e s a n t o b a n q u e t e d o r e in o v o c ê v a i procurar o p o b r e e o
d e s v a lid o c o m o se u s c o n v id a d o s - “ e s e rá s b e m - a v e n tu r a d o , pelo fato de
não terem eles com que recompensar-te” . A ig re ja é u m lu g a r e s tr a n h o .
N ã o é e x a ta m e n te d e s s a m a n e ir a q u e a c o n te c e a t o d o s n ó s q u e v a m o s
à f e s ta e, ju n t o s , c o m e m o s e b e b e m o s c o m D e u s ? E in te r e s s a n te o q u e o
a p ó s t o l o P a u lo d iz e m R o m a n o s 5 .6 : “ C r is to ... m o r r e u a se u t e m p o p e-
lo s í m p i o s ” . Q u a l é e sse “ a s e u t e m p o ” ? É “ q u a n d o n ó s a i n d a é r a m o s
f r a c o s ” , q u a n d o é r a m o s “ a in d a p e c a d o r e s ” , q u a n d o é r a m o s “ in im ig o s ”
(R m 5 .6 ,8 ,1 0 ) . D e u s d e u se u F ilh o n e s te p r e c is o m o m e n to : q u a n d o n ã o
e s tá v a m o s e m c o n d iç õ e s d e r e c o m p e n s á - lo . E s s a b o n d a d e in d e s c r itív e l
v is a a g o r a a i m p u ls i o n a r - n o s a o l h a r p a r a a lé m d a s r e g r a s c o m u n s d a
c o n d u t a s o c ia l e a b u s c a r a tiv a m e n te o s p o b r e s , o s f r a c o s e o s m a r g in a -
liz a d o s . M u i t a s v e z e s n o s u n im o s à ig r e ja p o r s e r c o m p o s t a d e p e s s o a s
c o m o n ó s - o u p e s s o a s à s q u a is g o s t a r í a m o s d e s e r s e m e lh a n te s . M a s o
r e in o te m p r io r id a d e s d if e r e n te s . N ã o é s im p le s m e n te q u e te m o s p e s s o a s
c o m n e c e s s id a d e s e m n o s s a s ig re ja s e q u e d e v e m o s c u i d a r d e la s , m a s sim
q u e d e v e m o s ir e m b u s c a d a q u e la s q u e não fa z e m p a r t e d o n o s s o c írc u -
lo d e a m ig o s , q u e não s ã o p e s s o a s c o m a s q u a is n o s s e n tim o s à v o n ta d e ,
que não c o m p a r t il h a m d o s n o s s o s g o s to s c u l t u r a is o u d a n o s s a p o s iç ã o
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 239

s o c io e c o n ó m ic a , e q u e não e s tã o e m c o n d iç õ e s d e c o ç a r n o s s a s c o s ta s se
c o ç a r m o s a s d e la s .
N e s s a c o m u n h ã o d e s a n to s , n ã o e s ta m o s n u m a e c o n o m ia d e d é b ito ,
m a s n u m a e c o n o m ia d e d á d iv a . N ã o s o m o s p r o p r ie tá r io s , m a s h e r d e ir o s .
O p r o p r i e t á r i o c r is tã o d e u m b a n c o é o b r i g a d o a e x ig ir o p a g a m e n t o d e
j u r o s p o r e m p r é s tim o s f e ito s , m a s o s c r e n te s n ã o c o b r a m j u r o s u n s d o s
o u t r o s . C o m o o fic ia l d a p o líc ia , o c r is tã o p o d e t e r d e f a z e r u s o d a f o r ç a
p a r a p r e n d e r u m c r im in o s o , m a s o c r is t ã o , h o m e m o u m u lh e r , d e v e su -
p o r t a r s o f r im e n to e m fa c e d a p e r s e g u iç ã o p o r s u a fé. O T r in o D e u s é o
d o a d o r d e t o d a s a s b o a s d á d iv a s , e q u a n d o e le n o s i n t r o d u z n e s s e in te r-
c â m b io d e d á d iv a s e n tr e o P a i e o F ilh o e o E s p ír ito S a n to , n ó s fic a m o s
c h e io s e t r a n s b o r d a n t e s . N e s s a e c o n o m i a , c o m o C a l v i n o r e s s a l to u , o s
c r e n te s m a is r ic o s n e c e s s ita m d o s s a n to s m a is p o b r e s , e x a ta m e n t e c o m o
o in v e r s o . C o e r e n te s c o m a ló g ic a d a g r a ç a , t o d o s n ó s r e c e b e m o s a q u i-
lo d e q u e n e c e s s ita m o s p r e c is a m e n te n o p r o c e s s o d e n o s d o a r . V is to q u e
D e u s te m t e m p o p a r a n ó s , te m o s t e m p o u n s p a r a o s o u t r o s - p a r a c a d a
u m d e n ó s . V is to q u e te m o s s id o r ic a m e n t e a b e n ç o a d o s c o m t o d o tip o
d e p r o v is ã o , a b e n ç o a m o s u n s a o s o u tr o s .
Isso n ã o é a p e n a s u m a b o a id e ia , m a s u m a r e a lid a d e c o n c r e ta n o m u n -
d o , c u jo s d e ta lh e s C r is to in c lu iu n a s u a c o n s titu iç ã o p a r a a n o v a a lia n ç a .
T u d o o q u e C r is to o r d e n o u p a r a a s u a ig re ja e s tá in c lu íd o n o N o v o T es-
ta m e n t o . E le n ã o c u id a s o m e n te d a ig re ja in v is ív e l, m a s ta m b é m d a s u a
v is ib ilid a d e . A ig r e ja n ã o é t ã o s o m e n te u m a c r ia ç ã o e s p i r i t u a l ; é u m a
in s titu iç ã o re a l, h is tó r ic a , c o n c r e ta . E la fo i c r ia d a e é s u s te n ta d a p o r m e io
d a P a la v r a f a la d a , d a á g u a , d o p ã o e d o v in h o . E n ã o s ã o a p e n a s a s al-
m a s q u e s ã o s a lv a s , m a s ta m b é m o s c o r p o s . Se h a v e m o s d e s e r re s su s c i-
ta d o s ju n to s e m g ló r ia n o ú ltim o d ia c o r p o r a lm e n te , sig n ific a q u e s o m o s
o b r ig a d o s a c u i d a r u n s d o s o u t r o s c o m o p e s s o a s in te ir a s , a q u i e a g o r a .

Instituindo o ofício de diácono


O o f íc io d e d i á c o n o é t ã o e s s e n c ia l p a r a a d i s c i p l in a c o r r e t a d a ig r e ja
q u a n t o o o fíc io d e m in is tr o o u d e p r e s b íte r o . J e s u s C r is to n ã o é s o m e n te
o nosso profeta, p r o c la m a n d o s u a P a la v r a p o r m e io d o s p r e g a d o r e s , e o
n o s s o rei, g o v e r n a n d o - n o s p o r m e io d o s p r e s b íte r o s ; ele é ta m b é m o n o s -
so sacerdote q u e n ã o s o m e n te in te r c e d e p o r n ó s , m a s ta m b é m c u id a d a s
n o s s a s n e c e s s id a d e s fís ic a s p o r m e io d o s d iá c o n o s . J e s u s c h a m a a ig re ja
n ã o s o m e n te p a r a s a lv a r a lm a s , m a s ta m b é m p a r a c u i d a r d o s c o r p o s . 5
A i n s titu iç ã o d o d i a c o n a t o é r e la t a d a e m A to s 6:
2 40

Naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve


murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas
deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária. Então, os
doze convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: Não é
razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às
mesas. Mas, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa repu-
tação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos
deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao
ministério da palavra, (v.1-4)

E s tê v ã o e v á r io s o u t r o s f o r a m e s c o lh id o s . “ A p r e s e n ta r a m - n o s p e r a n -
te o s a p ó s t o l o s , e e s te s , o r a n d o , lh e s i m p u s e r a m a s m ã o s ” (v .6 ). N u m a
o r d e n a ç ã o c o m o e s s a , o u v im o s o e c o d a s p a l a v r a s d e J e s u s a o s a p ó s t o -
lo s q u a n d o lh e s d e u a s c h a v e s d o r e in o : “ T a m b é m v o s d ig o q u e , se d o is
d e n tr e v ó s , s o b r e a t e r r a , c o n c o r d a r e m a r e s p e ito d e q u a l q u e r c o is a q u e ,
p o r v e n tu r a , p e d ire m , se r-lh e s-á c o n c e d id a p o r m e u P a i, q u e e s tá n o s c é u s ”
( M t 1 8 .1 9 ) . E le s a g ir a m c o m o p o d e r d e C r is to c o m o a d v o g a d o , c o m o
se u s e m b a ix a d o r e s .
E , e n tã o , a s n e c e s s id a d e s te m p o r a is d o s c r e n te s f o r a m m a is b e m a te n -
d id a s p e lo s d iá c o n o s , e o s a p ó s to lo s p u d e r a m c o n t i n u a r s u a e m b a ix a d a ,
s e m d e s v io s . “ C re s c ia a p a l a v r a d e D e u s , e, e m J e r u s a lé m , se m u ltip lic a -
v a o n ú m e r o d o s d is c íp u lo s ; ta m b é m m u itís s im o s s a c e r d o te s o b e d e c ia m
à f é ” (A t 6 .7 ). O m in is té r io d e p a l a v r a e s a c r a m e n to é d is tin to d o m in is -
t é r i o d e m is e r i c ó r d ia , q u e a t e n d e a s n e c e s s id a d e s t e m p o r a is . Se fo s s e m
ig u a is , P e d r o e o s d e m a is a p ó s to lo s n ã o te r ia m v is to o “ s e r v ir à s m e s a s ”
c o m o u m d e s v io d o se u m in is té r io . C o n t u d o , eles v ir a m esse c u id a d o d a s
n e c e s s id a d e s t e m p o r a is c o m o u m a p a r t e in t e g r a n te d a v id a d a ig r e ja d e
ta l m o d o q u e fo i e s ta b e le c id o u m m in is té r io s e p a r a d o p a r a a te n d ê - la s .
A q u a lif ic a ç ã o d o s d i á c o n o s é c la r a m e n t e e x p lic a d a e m I T i m ó t e o 3 .
A lé m d e t e r e m c a r á t e r í n t e g r o , e le s d e v e m c o n s e r v a r “ o m i s té r i o d a fé
c o m a c o n s c iê n c ia lim p a . T a m b é m s e ja m e ste s p r im e ir a m e n te e x p e rim e n -
ta d o s ; e, se se m o s tr a r e m irre p re e n s ív e is , e x e r ç a m o d i a c o n a t o ” (v .9 -1 0 ).
P a u lo a té m e s m o s a ú d a a ig re ja d e F ilip o s d iz e n d o : “ a to d o s o s s a n to s e m
C r is to J e s u s , in c lu s iv e b is p o s e d iá c o n o s q u e v iv e m e m F ilip o s ” (F p 1 .1 ).

A coleta para os santos: uma obsessão do apóstolo


P a u lo e r a o b c e c a d o p e lo e v a n g e lh o - e p o r le v á -lo a o s g e n tio s , r a z ã o p e la
q u a l ele e s ta v a t ã o d e s e jo s o d e p e r c o r r e r t o d o o c a m in h o a té R o m a a n te s
d e m o r r e r . H á , p o r é m , a lg o m a is p e lo q u e e le p a r e c i a q u a s e o b c e c a d o ,
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 241

a l g o q u e e u n ã o e n x e r g u e i d u r a n t e m u i t o s a n o s e n q u a n t o lia a s s u a s
e p ís to la s . E r a u m a c o le ta f e ita n a m a i o r i a d a s ig r e ja s g e n tílic a s p a r a le-
v a r a o s c r e n te s n e c e s s ita d o s d e J e r u s a lé m . P o d e m o s fa c ilm e n te d e ix a r d e
n o t a r e s s a r e p e t i d a r e f e r ê n c ia j u n t o c o m t o d a s e s s a s s a u d a ç õ e s e in s tr u -
ç õ e s in c id e n ta ls a p e s s o a s p a r tic u la r e s n o fim d a s s u a s e p ís to la s , m a s isso
p e s a v a n o c o r a ç ã o d e P a u lo . E , c o m o v e r e m o s , e s s a o b r a e s ta v a in e x tr i-
c a v e lm e n te lig a d a a o s e u m in is té r io d o e v a n g e lh o (se b e m q u e n ã o fo s s e
id ê n tic a a ele).
V o u c o m e ç a r c o m a m e n ç ã o q u e P a u lo fa z d e s s a c o le ta e m 1 C o r in tio s .
A o lo n g o d e s s a c a r t a P a u lo e x o r t o u o s c o r in tio s a a m a d u r e c e r e m . C o n -
t u d o , o g r u p o p a r a o q u a l e le e s c re v e u n ã o e r a u m c lu b e d e a lg u m tip o
d e p a s s a te m p o , n e m u m a a s s o c ia ç ã o d e v e te r a n o s e n e m m e s m o u m a fa -
m ília . N ã o e r a u m a c o m u n id a d e n a t u r a l , m a s sim u m p o s to a v a n ç a d o d o
r e in o c e le s tia l d e C r is to n e s ta a t u a l e r a ím p ia . E ra u n id a n ã o p o r la ç o s d e
f a m ília , n e m p o r a f in id a d e s c u l t u r a is , n e m m e s m o p o r e s c o lh a p e s s o a l,
m a s p e la g r a ç a e le tiv a , r e d e n t o r a , j u s tif ic a d o r a e s a n tif ic a d o r a d e D e u s .
D iv id id a e m f a c ç õ e s a r e s p e ito d e p e r s o n a l id a d e s n a li d e r a n ç a e p o r
q u e s tõ e s c o m o d o n s e s p i r i t u a i s e c o m e r c a r n e q u e t i n h a s id o u t i li z a d a
n a s c e r im ô n ia s p a g ã s , e s s a e r a u m a c o m u n i d a d e e m d e s o r d e m . C o m o a
q u e ix a f e ita p e lo e s c r ito r d e H e b r e u s , P a u lo d isse q u e e r a te m p o d e eles
s e r e m m e s tr e s , m a s q u e , e m v e z d is s o , e s t a v a m a g i n d o c o m o “ c r ia n ç a s
e m C r i s t o ” (3 .1 ). A lé m d e se e n v o lv e re m e m c o n te n d a s s e c tá ria s e ím p ia s ,
a t é u s a v a m a C e ia d o S e n h o r e o s d o n s e s p i r i t u a i s c o m o o c a s iã o p a r a
0 s e u u n ila te r a lis m o p e r s o n a l is t a e m v ez d e fa z ê - lo p a r a a e d if ic a ç ã o d o
c o r p o d e C r is to . E m v ez d e u m h a r m o n io s o c o r a l, a ig re ja ti n h a se tr a n s -
f o r m a d o n u m p a lc o p a r a a e x e c u ç ã o a r tí s t i c a d e v ir tu o s e s : u m a v e r s ã o
e c le siá stic a d o American idol. E m v ez de se re m u m a c a b e ç a d e p o n te p a r a
n e la o E s p ír ito c r ia r u m a c o lô n ia d a c id a d e c e le s te , a M e s a d o S e n h o r se
t o r n a r a u m a p a r ó d i a d a S a n ta C o m u n h ã o . N o e n t a n t o , a p e s a r d e t u d o
is s o , o s d e s t i n a t á r io s d e s s a s s e v e ra s c e n s u r a s c o n t i n u a v a m s e n d o o s in -
d iv íd u o s id e n tif ic a d o s n o p r in c íp io c o m o “ a ig r e ja d e D e u s q u e e s tá e m
C o r in to , a o s s a n tif ic a d o s e m C r is to J e s u s ” (1 .2 ).
D e p o is d e p r o c l a m a r o e v a n g e lh o in d i c a t i v o m a is u m a v e z ( “ C r is to
c r u c if ic a d o ” [ I C o 1 .2 3 ] e “ C r is to e e s te c r u c if ic a d o ” [2 .2 ]), P a u lo e m ite
se u s im p e r a tiv o s p a r a q u e eles s e ja m o q u e s ã o e m C r is to . B a s ic a m e n te ,
1 C o r i n t io s é u m c h a m a d o p a r a a r e f o r m a d a ig r e ja e m t e r m o s d e s u a s
m a r c a s v isív e is: fiel p r e g a ç ã o d o e v a n g e lh o (c a p . 1 e 2 ); c o r r e t a a d m in is -
t r a ç ã o d o s s a c r a m e n to s , p r in c ip a lm e n te a C e ia (c a p . 1 0 e 1 1 ) e d is c ip lin a
2 42

n o c u lto e n a v id a d a ig re ja , p a r a q u e e s ta f u n c io n e c o m o u m c o r p o (c a p .
4 - 7 ; 1 2 -1 4 ).
É d e n tr o d esse c o n te x to q u e P a u lo f a la d e u m p r o je to q u e e s ta v a lig a d o
e e r a c a r o a o s e u c o r a ç ã o : u m a c o le ta e m f a v o r d o s s a n to s d e J e r u s a lé m :

Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei


às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós
ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá jun-
tando, para que se não façam coletas quando eu for. E, quando ti-
ver chegado, enviarei, com cartas, para levarem as vossas dádivas
a Jerusalém, aqueles que aprovardes. Se convier que eu também vá,
eles irão comigo. (ICo 16.1-4)

A p r in c íp io , isso p a r e c e u m a n o t a fe ita d e p a s s a g e m n o fin a l d a c a r ta .


M a s n a v e r d a d e é m a is q u e isso .
P r im e ir o , a c o le ta fo i o c a s io n a d a p o r u m a n e c e s s id a d e d e s e s p e r a d a .
A s a g ita ç õ e s p o lític a s d e v á r io s g r u p o s d e ju d e u s z e lo te s t i n h a m le v a d o
a o u t r a v i o le n ta r e a ç ã o r o m a n a , e e s ta a u m b lo q u e i o d o s s u p r i m e n t o s
p a r a a s n e c e s s id a d e s b á s ic a s d e J e r u s a lé m . M u i t o s m o r r e r a m d e fo m e .
F o i d u r a n te esse te m p o (m e a d o s d a d é c a d a d e 4 0 ) q u e T ia g o e s c re v e u s u a
e p ís to la , f a la n d o s o b r e o c o n f lito s o c ia l h a v id o n a ig re ja d e J e r u s a lé m en -
tr e o s r ic o s e o s p o b r e s , e c o n c la m a n d o o s c r e n te s a s e r e m p r a ti c a n t e s , e
n ã o m e r o s o u v in te s d a P a la v r a .
S e g u n d o , a c o le ta e r a e s p e c ia lm e n te f o r m a l. N ã o se t r a t a v a a p e n a s d e
o u t r a c o le ta f e ita “ n o p r im e ir o d ia d a s e m a n a ” , c o m o o s c r is tã o s fa z e m
n o c u lto p ú b lic o d e s d e a q u e le te m p o . P a u lo p r e s s u p õ e a lg u m a f a m ilia r i-
d a d e g e r a l c o m e sse p r o je to : “ Q u a n t o à c o le ta p a r a o s s a n t o s ” ( 1 6 .1 ) , o
q u e ele m e n c io n o u s o m e n te a q u i, p e la p r im e ir a v e z , n e s s a c a r t a .
T e r c e ir o , a c o le ta e r a c a tó lic a ( u n iv e r s a l) . N ã o fo i m e r a in ic ia tiv a d e
u m a c o n g r e g a ç ã o lo c a l: “ f a z e i v ó s t a m b é m c o m o o r d e n e i à s ig r e ja s d a
G a l á c i a ” ( v .l) . E u m a in j u n ç ã o a p o s t ó l i c a q u e d e v e r ia s e r a c e ita e o b e -
d e c id a p o r t o d a s a s ig re ja s .
Q u a r t o , e m b o r a t o d a s a s ig re ja s d e v e s s e m p a r tic ip a r , c a d a c o le ta e r a
lo c a l, d e v e n d o s e r f e ita a c a d a D ia d o S e n h o r e m t o d a s a s ig r e ja s . N e -
n h u m d i n h e i r o le v a d o n o ú l t i m o m i n u t o , q u a n d o P a u l o c h e g a s s e . O s
c r e n te s d e C o r i n t o s ã o c h a m a d o s a f a z e r d e s s a c o le ta u m a p a r t e d o se u
se rv iç o d e a d o r a ç ã o s e m a n a l. S eg u e-se, p o is , q u e e ssa c o le ta n ã o é u m em -
p r e e n d im e n to q u e fo i im p o s to d e c im a p a r a b a ix o , m a s é u m m o v im e n to
d e c a r id a d e d e t o d a s a s a s s e m b lé ia s lo c a is a o u t r a a s s e m b lé ia lo c a l. Isso
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 243

e x p r e s s a u m a g e n u ín a c a to lic id a d e . E m b o r a a o r d e m s e ja a p o s t ó l i c a , a
a d m in is tr a ç ã o d e v e ria s e r d e te r m in a d a p e lo s o fic ia is (m a is p r o v a v e lm e n -
te o s d iá c o n o s ) d e c a d a ig re ja . “ E , q u a n d o tiv e r c h e g a d o , e n v ia r e i, c o m
c a r t a s , p a r a l e v a r e m a s v o s s a s d á d i v a s a J e r u s a l é m , a q u e le s q u e a p r o -
v a r d e s ” (v .3 ). P a u lo r e s p e i ta a in t e g r i d a d e d e s s a ig r e ja lo c a l e d o s s e u s
o f ic ia is . C o m o a p ó s t o l o , ele e n v i a r á o s o f ic ia is ( m u i t o p r o v a v e l m e n t e
d iá c o n o s ) c o m a o f e r t a p a r a J e r u s a lé m , m a s e n v ia r á a q u e le s “ q u e a p r o -
v a r d e s ” , c o m “ c a r t a s ” . E a i n d a a c r e s c e n ta : “ Se convier que eu também
vá, e les ir ã o c o m i g o ” ( 1 6 .4 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . P a u lo r e a lm e n te q u e -
r ia e s ta r lá p a r a a d o a ç ã o d a g r a n d e c o le ta , m a s c e d e esse d ir e ito p e s s o a l
a o s o fic ia is d e s s a ig re ja .
P a u lo se r e f e r e a e s s a c o le ta ta m b é m e m R o m a n o s 1 5 :

... certo estou, meus irmãos, sim, eu mesmo, a vosso respeito, de


que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento,
aptos para vos admoestardes uns aos outros. Entretanto, vos escre-
vi em parte mais ousadamente, como para vos trazer isto de novo
à memória, por causa da graça que me foi outorgada por Deus,
para que eu seja ministro de Cristo Jesus entre os gentios, no sa-
grado encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modo que a
oferta deles seja aceitável, uma vez santificada pelo Espírito Santo.
Tenho, pois, motivo de gloriar-me em Cristo Jesus nas coisas con-
cementes a Deus. Porque não ousarei discorrer sobre coisa alguma,
senão sobre aquelas que Cristo fez por meu intermédio, para con-
duzir os gentios à obediência, por palavra e por obras, por força de
sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo; de maneira que,
desde Jerusalém e circunvizinhanças até ao Ilírico, tenho divulga-
do o evangelho de Cristo, esforçando-me, deste modo, por pregar
o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar
sobre fundamento alheio, (v. 14-20)

M a s , e sp e re u m m in u to ! E ssa p a s s a g e m n ã o e s tá fa la n d o d a o f e r ta p a r a
o s s a n to s e m n e c e s s id a d e . P a u lo e s tá f a la n d o s o b r e s u a v o c a ç ã o p a r a “ o
s a g r a d o e n c a r g o d e a n u n c ia r o e v a n g e lh o d e D e u s ” , t o r n a n d o o s gentios
u m a o f e r ta a c e itá v e l a D e u s.
C e r to , m a s c o n tin u e m o s a le itu r a :

Essa foi a razão por que também, muitas vezes, me senti impedido
de visitar-vos... Mas, agora, estou de partida para Jerusalém, a ser-
viço dos santos. Porque aprouve à Macedonia e à Acaia levantar
244

uma coleta em benefício dos pobres dentre os santos que vivem em


Jerusalém. Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; por-
que, se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais dos
judeus, devem também servi-los com bens materiais. Tendo, pois,
concluído isto e havendo-lhes consignado este fruto, passando por
vós, irei à Espanha. E bem sei que, ao visitar-vos, irei na plenitude
da bênção de Cristo, (v.22,25-29)

P a u lo c o n c lu i p e d i n d o o r a ç ã o e m s e u f a v o r:

Para que eu me veja livre dos rebeldes que vivem na Judeia, e que
este meu serviço em Jerusalém seja bem aceito pelos santos; a fim
de que, ao visitar-vos, pela vontade de Deus, chegue à vossa pre-
sença com alegria e possa recrear-me convosco. E o Deus da paz
seja com todos vós. Amém! (15.31-33)

P o r q u e e s s a c o le ta é t ã o c e n tr a l p a r a a m is s ã o a p o s t ó l i c a d e P a u lo ?
E m R o m a n o s , e la é u m a e x p r e s s ã o c o n c r e t a d o o b je tiv o d e t o d o o m i-
n is té r io d e P a u lo . S eu m in is té r io s a c e r d o ta l d e o f e r e c e r o s g e n tio s c o m o
u m s a c r if íc io - n ã o d e e x p ia ç ã o , m a s d e a ç ã o d e g r a ç a s - a D e u s o P a i,
n o F ilh o e m e d ia n te o E s p ír ito é e x p r e s s o e m te r m o s c o n c r e to s , m a te r ia is
e t e m p o r a is p o r m e io d e s s a o f e r t a f e ita a o s ju d e u s c r e n te s . J e r u s a l é m é
o l u g a r o n d e t u d o a c o n te c e u : “ a s a l v a ç ã o v e m d o s j u d e u s ” . A G r a n d e
C o m is s ã o s a i d e J e r u s a lé m p a r a a J u d e i a e S a m a r ia e a té a o s c o n f in s d a
te r r a . L o g o , é s im p le s m e n te p r ó p r io q u e o d o m e s p ir itu a l q u e sa i p a r a o s
g e n tio s v o lte p a r a o s s a n to s ju d e u s e m b ê n ç ã o m a te r ia l.
E ra c e n tr a l n o e v a n g e lh o d e P a u lo q u e e m C ris to a p a r e d e d e s e p a ra ç ã o
e n tre ju d e u e g e n tio f o r a d e r r u b a d a . E a g o r a e ssa c o le ta e x p r e s s a e ssa ver-
d a d e . O d r a m a le v a à d o u t r i n a , à d o x o lo g ia e a o d is c ip u la d o . “ C o lo q u e
o s e u d i n h e ir o o n d e s u a b o c a e s t á ” , c o m o se d iz . I m p lic ita m e n te P a u lo
p a r e c e d iz e r e m R o m a n o s 1 5 .1 4 - 1 5 q u e o s c r is tã o s d a c id a d e d e R o m a ,
e m b o r a “ a p t o s p a r a v o s a d m o e s t a r d e s u n s a o s o u t r o s ” , p r e c is a v a m re -
c e b e r u m a f o r te a d m o e s t a ç ã o p a r a q u e c u id a s s e m d o s s a n to s .
E , p ro v a v e lm e n te , isso fo i u m te s te d o d is c ip u la d o t a n t o p a r a o s ju d e u s
c r e n te s c o m o p a r a o s g e n tio s . A c e ita r c a r id a d e e r a a lg o c o n s tr a n g e d o r n o
m u n d o a n tig o , a té m a is d o q u e h o je , m a s o s ju d e u s tin h a m s id o e sp e c ia l-
m e n te c u id a d o s o s e m e v ita r a c a r id a d e d o s seu s o c u p a n te s r o m a n o s . E ra m
m e m b r o s d a ig r e ja d e J e r u s a lé m q u e e x ig ia m q u e o s g e n tio s c o n v e r tid o s
a d o ta s s e m a c ir c u n c is ã o ju d a ic a e leis d ie té tic a s . E n tã o , tr a n q u i l o , P a u lo ,
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 245

o a n tig o p e r s e g u id o r d a q u e la m e s m a ig re ja d e J e r u s a lé m , a g o r a u m a p ó s -
to lo e n v ia d o a o s g e n tio s , f l a n q u e a d o p o r r e p r e s e n ta n te s ( p r o v a v e lm e n te
d iá c o n o s ) o r i u n d o s d e d is ta n te s ig re ja s g e n tílic a s , v a i le v a n d o u m te s o u -
r o p a r a d e p o s i t a r a o s p é s d e a f lito s i r m ã o s e ir m ã s . N a d a m o s t r a m a is
c l a r a m e n t e o e v a n g e lh o e m a is d e s a fia a a r r o g â n c ia e s p ir itu a l d o q u e o
c r e n te s e r d e s t i t u íd o - a té m e s m o f is ic a m e n te - e d e p e n d e r d a b o n d a d e
de “ e s tra n h o s ” o u de “ e s tra n g e iro s ” . N o e n ta n to , nesse m esm o a to , os
ju d e u s c r e n te s f ic a r a m m a is e s tr e ita m e n te lig a d o s a o s s e u s c o - h e r d e ir o s
g e n tio s d o q u e e r a m a o s se u s c o n te r r â n e o s ju d a ic o s . E les n ã o e r a m m a is
e s tr a n g e ir o s e e s tr a n h o s .
E n t ã o , o q u e o s c o r i n t i o s f iz e r a m q u a n d o P a u l o f in a lm e n te c h e g o u
p a r a e s s a c o le ta ? D e s c o b r i m o s is s o e m s u a s e g u n d a c a r t a a e s s a ig r e ja
( 2 C o 8 . 1 - 9 . 1 5 ) . P a u lo p r o v o c o u c iú m e n o s c o r in t i o s f a la n d o a r e s p e i-
to d a g e n e r o s i d a d e d a s ig r e ja s d a M a c e d o n i a a p e s a r d a p o b r e z a d e la s :
“ T a m b é m , ir m ã o s , v o s f a z e m o s c o n h e c e r a g r a ç a d e D e u s c o n c e d id a à s
ig r e ja s d a M a c e d o n i a ; p o r q u e , n o m e io d e m u i t a p r o v a d e t r i b u l a ç ã o ,
m a n i f e s t a r a m a b u n d â n c i a d e a le g r ia , e a p r o f u n d a p o b r e z a d e le s s u p e -
r a b u n d o u e m g r a n d e r iq u e z a d a s u a g e n e r o s id a d e ” ( 8 .1 -2 ). E les a té m e s-
m o p e d i r a m “ c o m m u i to s r o g o s , a g r a ç a d e p a r ti c ip a r e m d a a s s is tê n c ia
a o s s a n to s ... o q u e n o s le v o u a r e c o m e n d a r a T ito q u e , c o m o c o m e ç o u ,
a s s im t a m b é m c o m p le te e s ta g r a ç a e n tr e v ó s ” ( 8 .4 ,6 ) .
E n tã o , P a u lo v ia c la r a m e n te e s s a c o le ta c o m o lig a d a a o p r ó p r io e v a n -
g e lh o . E la n ã o é o e v a n g e lh o , m a s é a r e s p o s ta ju s ta a ele. E les p re c is a v a m
p a r a r d e p e n s a r n e s s a c o le ta c o m o u m im p o s to - eles d e v e ría m v ê -la c o m o
“ e x p r e s s ã o d e g e n e r o s id a d e e n ã o d e a v a r e z a ” (9 .5 ). O s c o r in tio s tin h a m
se t o r n a d o e x c e le n te s n o c o n h e c im e n to ; a g o r a e r a t e m p o d e se to r n a r e m
e x c e le n te s n a g e n e r o s id a d e (8 .7 -8 ). “ P o is c o n h e c e is a g r a ç a d e n o s s o Se-
n h o r Je su s C ris to , q u e , s e n d o ric o , se fez p o b r e p o r a m o r d e v ó s, p a r a q u e ,
p e la s u a p o b r e z a , v o s t o r n á s s e is r i c o s ” ( 8 .9 ) . E le o s le m b r a q u e h a v ia m
c o m e ç a d o esse p r o j e t o d e c o le ta r f u n d o s e m C o r i n t o u m a n o a n te s , e o s
in c ita e n tã o a c o m p le ta r e m -n o . A ssim c o m o n o s e d ific a m o s u n s a o s o u tr o s
p e la d iv e r s id a d e d o s n o s s o s d o n s e s p ir itu a is , d o m e s m o m o d o ta m b é m
d e v e m o s f a z ê - lo p e la d iv e r s id a d e d o s n o s s o s r e c u r s o s m a te r ia is . O s p o -
b re s p r e c is a m d o s r ic o s , e o s ric o s t a m b é m tê m n e c e s s id a d e d a a b u n d â n -
c ia d e d o n s q u e o s m e m b r o s m a is p o b r e s tr a z e m p a r a o c o r p o ( 8 .1 2 - 1 5 ) .
O s p r im e ir o s c r is tã o s n ã o e r a m u m a s o c ie d a d e c o m u n is ta p r im itiv a .
C ad a p essoa d ava livremente, d i s t r i b u in d o b e n s e s e r v iç o s a q u e m tin h a
n e c e s s id a d e . E e le s d a v a m l iv r e m e n te p r e c i s a m e n t e p o r q u e a s le is e o s
246

v a lo r e s q u e g o v e r n a m a s o c ie d a d e n ã o s ã o fin a is e s u p r e m o s , e a p r á ti c a
d a ig r e ja se b a s e a v a n a s u a v is ã o d e q u e a t e r r a é d o S e n h o r, d e q u e n ó s
s o m o s d o S e n h o r, e q u e , p o r t a n t o , c o m p a r t i l h a m o s t o d a s a s c o is a s e m
c o m u m (A t 2 .4 4 - 4 5 ) . D e n i n g u é m se e s p e r a v a q u e v e n d e s s e s u a c a s a e
d o a s s e o d i n h e i r o a o f u n d o c o m u m , e m b o r a a lg u n s tiv e s s e m f e ito is s o .
D e f a t o , f r e q u e n t e m e n t e o s c r e n te s se r e u n i a m e m r e s id ê n c ia s p a r ti c u -
la r e s . N ã o h á s e q u e r u m a p a l a v r a a r e s p e i to d e t o r n a r e s s a p r á t i c a u m
p l a n o d e a ç ã o p ú b lic o p a r a o I m p é r io R o m a n o . N o e n t a n t o , a g e n e ro s i-
d a d e d e v e c a r a c te r i z a r a c o m u n h ã o d o s s a n to s . A s s im c o m o t u d o o q u e
o P a i te m p e r te n c e a o F ilh o e a o E s p ír ito (e v ic e - v e rs a ), t u d o o q u e c a d a
c r e n te te m p e r te n c e a t o d o o c o r p o .
M u i t a s v e z e s p a r e c e m o s m a is a n s io s o s p a r a d iz e r q u e o s c r is tã o s p ri-
m itiv o s n ã o e r a m c o m u n i s t a s d o q u e p a r a d iz e r o q u e e s s a s p a s s a g e n s
c l a r a m e n t e a f ir m a m , o u s e ja , q u e , n u m s e n tid o r e a l, d a r p a r a a s n e c e s -
s id a d e s d o s p o b r e s e n tr e n ó s n ã o é c a r i d a d e , m a s ju s tiç a - n ã o a ju s tiç a
p r ó p r i a d o s r e in o s d e s ta e r a , m a s a ju s tiç a q u e só p o d e s e r u m a n te g o z o
d a e r a p o r vir. O s s a n t o s c o m p a r t i l h a m C r i s t o p e lo b a t i s m o , p e la d o u -
t r i n a d o s a p ó s t o l o s , p e lo p a r t i r d o p ã o e p e la s o r a ç õ e s ; e n t ã o , p o r q u e
n ã o p o r t u d o o m a is ? E s s a s s ã o p e s s o a s c o m a s q u a is p e r e g r in a m o s p o r
t o d a a n o s s a v id a r u m o à C id a d e S a n ta . S ã o n o s s o s v e r d a d e ir o s ir m ã o s
e ir m ã s , m ã e s e p a is . C o n q u a n t o o f o c o e s tiv e s s e n o c u i d a d o d o s s a n to s ,
h a v ia u m a e x p r e s s ã o d a v id a e c o m u n h ã o e m c o m u m e m C r is to q u e a tin -
g ia c a d a á r e a d a s s u a s v id a s e m c o m u m .
D e a c o r d o c o m o N o v o T e s ta m e n to , fa z e r d is c íp u lo s e s e rv ir a eles e n -
v o lv e s e rv ir às n e c e s s id a d e s m a te r ia is d o s c re n te s . Isso a b r a n g e n ã o a p e n a s
o s m e m b r o s d a c o n g r e g a ç ã o lo c a l, m a s ta m b é m a c o m u n h ã o m a is a m p la
d a s ig re ja s . A s s im c o m o o s p a s t o r e s e o s p r e s b ít e r o s s ã o r e p r e s e n t a n te s
d a s a s s e m b lé ia s lo c a is e m o u t r a s m a is a m p la s , d o m e s m o m o d o ta m b é m
f a z e m o s d i á c o n o s a o c o le ta r , s u p e r in t e n d e r e d i s t r i b u i r b e n s e s e r v iç o s
d o c o r p o d e C r is to a o s m e m b r o s q u e p a s s a m n e c e s s id a d e s .
P e r g u n to - m e se le v a m o s is s o s u f ic ie n te m e n te a s é r io h o je e m d ia . E s-
tim a - s e q u e d u z e n to s m ilh õ e s d e c r is tã o s e s tã o n e s te e x a to m o m e n to s o b
a m e a ç a d e d e te n ç ã o , p r i s ã o , m u tila ç ã o e m o r te . ( N ã o q u e r e n d o m in im i-
z a r a p e r s e g u iç ã o s o f r id a p e la I g r e ja P r im itiv a , a s m a is a lta s e s tim a tiv a s
f e ita s p o r e s p e c ia lis ta s c o lo c a m o t o t a l d e m a r t í r i o s s o f r id o s s o b o s im -
p e r a d o r e s r o m a n o s n a c a s a d o s c e m m il, e n q u a n to c e rc a d e d o is m ilh õ e s
d e c r is t ã o s f o r a m m a r t i r i z a d o s n o s te m p o s m o d e r n o s , a p e n a s n o s a n o s
r e c e n te s .) E s tã o n o s s o s r e c u r s o s s e n d o d e v id a m e n te d iv id id o s , c o m o fo i
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 2 47

fe ito n a c o le ta o r d e n a d a p o r P a u lo , p a r a s e r v ir c o m o te s te m u n h o d o p o -
d e r d o e v a n g e lh o ? C o m o r e a lm e n te e s ta m o s c u id a n d o d a fa m ília d e D e u s?
A s fa m ília s d e m á r tir e s d a N ig é r ia e s tã o s e n d o a s s is tid a s p o r d o a ç õ e s d a s
ig r e ja s d a N o v a I n g la te r r a ? E se c a d a ig r e ja lo c a l d a A m é r ic a d o N o r t e
f o r m a s s e u m r e la c io n a m e n to c o n c r e to c o m u m a ig re ja lo c a l p a r ti c u la r d e
a lg u m lu g a r n u m a r e g iã o q u e e s te ja s o f r e n d o o p r e s s ã o e c o n ô m ic a - se ja
n o n o s s o p a ís , o u e m q u a l q u e r o u t r a p a r t e d o m u n d o ? O u c o m a lg u m a
ig r e ja q u e lu t a n u m l u g a r o n d e v ítim a s d e p e r s e g u iç ã o e s tã o e m tr e m e n -
d a n e c e s s id a d e d e s u p r im e n to s m a te r ia is ? E se ig re ja s lo c a is “ a d o ta s s e m ”
ig re ja s d e s tr u íd a s p o r u m d e s a s tr e n a t u r a l , a ju d a n d o - a s a r e c o n s tr u ir se u
lo c a l d e c u lto e s u a s v id a s ?
A t u a l m e n t e , m u i ta s v e z e s o s d i á c o n o s s ã o t r a t a d o s c o m o “ p r é s b ite -
r o s q u e s e r v e m ” . N e m s e m p r e e s ta m o s s e g u r o s d o q u e e le s fa z e m . C e r-
t o , e le s fa z e m a lim p e z a d e p o is d o c a f é o u d o a lm o ç o , fa z e m a c o le ta e
p õ e m e m o r d e m a s c a d e ir a s , m a s , a o q u e p a r e c e , o o fíc io p e r d e u a lg o d a
s u a d ig n id a d e .
T iv e o p r a z e r d e s e r v ir e m ig re ja s n a s q u a is a lg u n s d o s d iá c o n o s e r a m
b e m -s u c e d id o s h o m e n s d e n e g ó c io . E les d is trib u e m re c u rs o s g e n e ro s a m e n te
o n d e n e c e s s á r io , m a s ta m b é m d e d ic a m g e n e r o s a m e n te p a r te d o s e u te m -
p o e d o s s e u s ta l e n t o s a o a c o n s e l h a m e n t o d e m e m b r o s q u e p e r d e r a m o
e m p r e g o o u q u e p r e c is a m d e u m p la n o p a r a s a ld a r s u a s d ív id a s . E m b o r a
m u ito s d eles p u d e s s e m ser ex c e le n te s p re s b íte r o s , d e le ito -m e a o v e r q u e eles
e n c o n tr a r a m o se u n ic h o n o d ia c o n a to e n ã o q u e r e m d e ix á - lo . E les s a b e m
q u e c u id a r d o b e m - e s ta r t e m p o r a l d o r e b a n h o d e C r is to é t ã o i m p o r ta n te
q u a n to o c u id a d o m in is tr a d o p o r p a s to re s e p re s b íte r o s . O s s a c e rd o te s sã o
e q u iv a le n te s a o s p r o f e ta s e a o s re is. S im p le s m e n te fa z e m c o is a s d ife re n te s .
O s h i s t o r i a d o r e s o b s e r v a m q u e G e n e b r a t o r n o u - s e u m m o d e lo p a r a
o u tr a s c id a d e s d u r a n te o p e r ío d o d a R e f o r m a , c o m e x -m o n g e s e e x -fre ira s
s e r v in d o n u m d i a c o n a t o r e a tiv a d o . P a r a g r a n d e m o r tif ic a ç ã o d e m u ito s
d a s e lite s d e G e n e b r a , a c id a d e e s ta v a c h e ia d e r e f u g ia d o s q u e f u g ia m d e
p e r s e g u iç ã o r e lig io s a . O d i a c o n a t o s u p e r v is io n a v a e a d m i n i s tr a v a u m a
v a s t a r e d e d e s e r v iç o s . C u i d a r d o s s a n t o s , n o s s o s i r m ã o s n a fé , é o b r a
d a ig re ja ; é o n o s s o f a r d o d a c o m u n h ã o c o m u m e m C r is to , n ã o u m fa r-
d o q u e m e r a m e n te c o lo c a m o s s o b r e o s o m b r o s d o s n o s s o s c o n c id a d ã o s .

Os ministérios de misericórdia e a justiça social


A q u e s t ã o m a is d ifíc il q u e e n f r e n ta m o s h o je é se o s m in is té r io s d e m ise -
r i c ó r d i a se r e s tr in g e m a o s s a n t o s o u d e v e m s e r u n i d o s à e v a n g e liz a ç ã o
2 48

c o m o u m i n s t r u m e n t o e s s e n c ia l p a r a a lc a n ç a r o s d e s c r e n te s . O a p ó s to lo
P a u lo d iz : “ P o r is s o , e n q u a n to tiv e r m o s o p o r t u n i d a d e , f a ç a m o s o b e m a
t o d o s , m a s p r in c i p a lm e n t e a o s d a f a m ília d a f é ” (G1 6 .1 0 ) . H e b r e u s 1 3
e x o r ta : “ S eja c o n s ta n te o a m o r f r a te r n a l. N ã o n e g lig e n c ie is a h o s p ita lid a -
d e , p o is a lg u n s , p r a ti c a n d o - a , s e m o s a b e r a c o lh e r a m a n jo s ... N ã o n e g li-
g e n c ie is , ig u a lm e n te , a p r á ti c a d o b e m e a m ú t u a c o o p e r a ç ã o ; p o is , c o m
ta is sa c rifíc io s , D e u s se c o m p r a z ” (v .1 -2 ,1 6 ). P ro v a v e lm e n te , d a r a c o lh id a
a a n jo s “ se m o s a b e r ” se ja u m a re f e r ê n c ia a A b r a ã o q u e , s e m se d a r c o n -
ta d o q u e f a z ia , h o s p e d o u e s t r a n h o s q u e n a r e a lid a d e e r a m a n jo s e n v ia -
d o s p a r a s a lv á - lo e à s u a f a m ília d a d e s tr u iç ã o d e S o d o m a . D e q u a l q u e r
m o d o , a r e f e r ê n c ia a e s t r a n h o s a q u i, c o m o o s p r is io n e ir o s m e n c io n a d o s
n o v e r s íc u lo 3 , é m a is p r o v a v e lm e n te a c r e n te s q u e e s ta v a m a b r i n d o a s
p o r t a s p a r a s a n t o s , i r m ã o s n a fé, q u e p r o c u r a v a m u m l u g a r p a r a se es-
c o n d e r d a s a u to rid a d e s .
Je s u s já h a v ia p r e p a r a d o o s seu s d is c íp u lo s p a r a esse c e n á rio . U m a p a s-
s a g e m é a d e M a te u s 2 4 - 2 5 , e m q u e ele f a la d o q u e a c o n te c e r ia n o p e r ío -
d o e n tr e s u a a s c e n s ã o e s e u r e t o r n o e m g ló r ia . H a v e r í a p e r s e g u iç ã o . O s
c r e n te s e m C r is to s e r ia m e x p u ls o s d a s s in a g o g a s , s e u s p r ó p r io s p a r e n te s
os e n tre g a ria m às a u to rid a d e s e h a v e ría g u e rra s e ru m o re s d e g u e rra s ,
a té q u e o e v a n g e lh o fo s s e p r e g a d o a t o d a s a s n a ç õ e s . E e n t ã o J e s u s f a la
d o ju íz o fin a l, q u a n d o e le ir á s e p a r a r a s o v e lh a s d o s b o d e s :

Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos
de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado des-
de a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer;
tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes;
estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes
ver-me. (Mt 25.34-36)

O q u e é e s p e c ia lm e n te n o tá v e l é a r e s p o s ta d o s ju s to s : “ S e n h o r, q u a n -
d o fo i q u e te v im o s c o m fo m e e te d e d e m o s d e c o m e r ? O u c o m se d e e te
d e m o s d e b e b e r? ... O R e i, r e s p o n d e n d o , lh e s d irá : E m v e r d a d e v o s a f ir m o
q u e , s e m p re q u e o fiz e ste s a u m destes meus pequeninos irmãos, a m im o
fiz e s te s ” ( v .3 7 ,4 0 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . N e s s e m e io - te m p o , o c o n t r á r i o
a c o n te c e n o c a s o d o s b o d e s : J e s u s o s c u lp a p o r d a r e m a s c o s ta s p a r a o s
s a n to s - e, p o r t a n t o , p a r a ele - e m b o r a eles p r o te s te m c o n t r a a a c u s a ç ã o
e d e f e n d a m a s u a r e ti d ã o (v .4 1 -4 5 ).
O la ç o e x is te n te e n tre a C a b e ç a e o c o r p o é t ã o in e x tric á v e l q u e , q u a n -
d o J e s u s , a s s u n to a o c é u , a p a r e c e u a S a u lo n o c a m in h o d e D a m a s c o , ele
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 2 49

p e r g u n to u : “ S a u lo , S a u lo , p o r q u e m e p e r s e g u e s ? ” E le p e r g u n to u : Q u e m
é s t u , S e n h o r ? E a r e s p o s t a f o i: “ E u s o u J e s u s , a quem tu persegues"
(A t 9 .4 - 5 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . P a u lo ja m a is e s q u e c e r ía - e o s e u e n te n -
d i m e n t o d is s o a p e n a s a u m e n t a r i a - a i m p o r t â n c i a d e s s e la ç o d e u n i ã o
e n tr e C r is to e s u a ig re ja .
E m m in h a o p in iã o , p o r t a n t o , n e n h u m a d a s p a s s a g e n s g e r a lm e n te c ita -
d a s d á r e a lm e n te a p o io à ê n fa s e n a a ç ã o so c ia l (i.e., m in is té r io s d e se rv iç o
à c o m u n id a d e c iv il) c o m o u m e le m e n to d a G r a n d e C o m is s ã o .

O G rande M andamento ea G rande C omissão


E x a t a m e n te n e s te p o n t o , a lg u n s le ito r e s p o d e r ã o , c o m p r e e n s iv e lm e n te ,
o b je ta r : “ V ocê e s tá d iz e n d o q u e a ig re ja n ã o te m n e n h u m a c o m is s ã o p a r a
e s te n d e r o a m o r d e C r is to a o s n ã o c r is tã o s m e d ia n te o b r a s d e c a r i d a d e ? ”
P rim e iro , e u n ã o a c r e d ito q u e h a ja a lg u m m a n d a m e n to p r o ib in d o a ig re ja
d e a te n d e r a s n e c e s s id a d e s d e n ã o c r is tã o s . E n t r e t a n to , se o a t o d e d a r d e
m o d o r e g u la r s a c rific ia l é r e q u e r i d o d e t o d o s o s c r e n te s ( c o m o a c r e d ito
q u e é), e n t ã o a s ig re ja s tê m d e t e r c u i d a d o q u a n t o a o n d e d is tr ib u e m es-
s a s d á d iv a s f o r a d a e x p líc ita in s titu iç ã o d e C r is to .
A s ig re ja s o b r ig a m a c o n s c iê n c ia d o s c r e n te s p e la a u to r id a d e d e C r is to
o n d e q u e r q u e p r e g u e m , e, p o r t a n t o , f a r ã o b e m e m e s ta r c e r ta s d e q u e es-
t ã o p r e g a n d o a P a la v r a d e D e u s , e n ã o a s s u a s p r ó p r ia s d o u tr in a s e m a n -
d a m e n t o s . A m e s m a v e r d a d e se a p lic a à s d o a ç õ e s . M i l h õ e s d e c r is tã o s
e v a n g é lic o s d a s d e n o m in a ç õ e s t r a d i c io n a is q u e c o n t r i b u e m d e m a n e i r a
g e n e ro s a e r e g u la r e m o b e d iê n c ia a o m a n d a m e n to d e C r is to e a o a m o r a o
p r ó x i m o tê m v is to s u a s o f e r ta s r e g u la r e s ir e m , e m p a r te , d a r a p o i o a re -
v o lu ç õ e s p o lític a s p e lo m u n d o a f o r a . O m e s m o p o d e a c o n te c e r c o m ig re -
ja s m a is c o n s e r v a d o r a s , q u a n d o r e c u rs o s s ã o e n v ia d o s p a r a a p o i a r c a u s a s
c o m a s q u a is m e m b r o s p a r tic u la r e s p o d e m , e m b o a c o n s c iê n c ia , d is c o rd a r.
E m m u ita s d e n o m in a ç õ e s e s p e ra -s e q u e q u o ta s s e ja m e n v ia d a s d e c a d a
ig re ja lo c a l p a r a s u s te n to d e e s c o la s , h o s p ita is , o r g a n iz a ç õ e s a s s is te n c ia is
e in ú m e r o s p r o g r a m a s r e la c io n a d o s c o m a ig re ja . S em d ú v id a , te m o s n e -
c e s s id a d e d e sse tip o d e in s titu iç õ e s s o c ia is , m a s a ig re ja n ã o te m c o m is s ã o
d e C r is to p a r a p o s s u í-la s e g e re n c iá -la s . A ig re ja te m t o d a a a u to r id a d e n o
c é u e n a t e r r a p a r a p r o c la m a r a lei e o e v a n g e lh o d e D e u s - e p a r a e x ig ir
q u e o s se u s m e m b r o s s u s te n te m a o b r a q u e C r is to a u to r iz o u . N o e n ta n to ,
é u m a b u s o d o p o d e r d a ig r e ja f o r ç a r a c o n s c iê n c ia d o s s e u s m e m b r o s ,
c o n t r a a s u a v o n t a d e , a c o n t r i b u í r e m p a r a in te r e s s e s q u e n ã o p o d e m se r
d e r iv a d o s d e u m a b o a e n e c e s s á r ia c o n c lu s ã o d a E s c r itu r a .
2 50

N ã o e s to u i n s i n u a n d o q u e a ig r e ja s ó d e v e e s t e n d e r o s s e r v iç o s d ia -
c o n a is a s e u s m e m b r o s p r o f e s s o s , n e m q u e a ig r e ja n ã o p o s s a o f e r e c e r
e s f o r ç o s d e s o c o r r o e m fa c e d a s c o n s e q u ê n c ia s d e u m d e s a s tr e n a t u r a l .
O b v ia m e n te , o s d iá c o n o s tê m d e u s a r o s e u p r ó p r i o d is c e r n im e n to n e s-
ses tip o s d e c a s o . O q u e e s t o u s u g e r in d o é q u e h á u m a m i r í a d e d e c a u -
sa s b o a s , m á s e in d if e r e n te s p a r a a s q u a is a ig r e ja n ã o t e m c o m p e tê n c ia
n e m c o m i s s ã o e s p e c ia l. P o r q u e p e n s a m o s q u e , se h o u v e r a lg o e m q u e
v a le a p e n a o c r is t ã o (o u u m g r u p o d e c r is tã o s ) in v e s tir, is s o te m d e s e r
fe ito p e la ig r e ja c o m o u m a a tiv id a d e o fic ia l? O a p o i o d a d o p o r c r is tã o s
a u m a o r g a n iz a ç ã o a s s is te n c ia l m u n d ia l p r o v a v e lm e n te s e r á m u i to m a is
e fic ie n te d o q u e o d a d o p o r u m a ig re ja q u e e s tá t e n t a n d o t o r n a r - s e u m a .
O s c r is tã o s c u jo t r a b a l h o s e c u la r é n a s á r e a s d o d ir e ito , d o s n e g ó c io s , d a
e c o n o m i a , d a s a ú d e e d a c iê n c ia e s t a r ã o e m m u i t o m e lh o r e s c o n d iç õ e s
d o q u e u m p a s t o r o u u m g r u p o d e líd e re s d a ig r e ja p a r a i n t e g r a r s u a fé
c o m a s q u e s tõ e s s o c ia is d o m o m e n to .
A b r a h a m K u y p e r fo i, c o m o d iz e m , u m h o m e m d e m u ita s p a r te s . A lé m
d e s e r p a s t o r e te ó lo g o , ele f u n d o u u m im p o r t a n t e jo r n a l e u m a u n iv e rs i-
d a d e , e e m 1 9 0 1 se t o r n o u p r i m e i r o - m i n i s t r o d a H o l a n d a . N o e n t a n t o ,
ele d e f e n d ia a in d e p e n d ê n c ia d a s d iv e rs a s e s fe ra s . N ã o s o m e n te o E s ta d o
n ã o e s tá s o b re a ig re ja , m a s ta m b é m a ig re ja n ã o e s tá s o b re o E s ta d o , n e m
s o b r e a s a r te s , a c iê n c ia e o u tr o s c a m p o s c u ltu r a is . A lé m d o m a is , ele d is-
t in g u ia e n tr e a ig r e ja c o m o u m a organização à q u a l f o r a m c o n f ia d o s o s
m e io s d e g r a ç a , e a ig r e ja c o m o u m organismo c o m p o s t o d e c r e n te s q u e
e r a m s a l e lu z n e s s a s d iv e r s a s e s f e ra s . S ã o e s s a s e s f e r a s e e s s a d is tin ç ã o
e n tr e a ig r e ja c o m o lu g a r e c o m o p e s s o a s q u e f ic a r a m c o n f u s a s n a c o n -
v e r s a m o d e r n a s o b r e a ig r e ja t r a n s f o r m a n d o a s o c ie d a d e .
O Grande Mandamento é d ife re n te d a Grande Comissão, m as os
c r is tã o s s ã o r e s p o n s á v e is p o r a m b o s . U m jo v e m le g is la d o r p e r g u n t o u a
Je s u s : “ M e s tr e , q u a l é o g r a n d e m a n d a m e n to n a L e i? ” ( M t 2 2 .3 6 ) . “ R es-
p o n d e u - lh e J e s u s : A m a r á s o S e n h o r, te u D e u s , d e t o d o o t e u c o r a ç ã o , d e
t o d a a t u a a lm a e d e t o d o o t e u e n te n d im e n to . E s te é o g r a n d e e p r im e i-
r o m a n d a m e n t o . O s e g u n d o , s e m e lh a n te a e s te , é: A m a r á s o te u p r ó x i -
m o c o m o a ti m e s m o . D e s te s d o is m a n d a m e n to s d e p e n d e m t o d a a L ei e
o s P r o f e ta s ” ( M t 2 2 .3 7 - 4 0 ) . J e s u s e s ta v a s im p le s m e n te r e p e tin d o M o is é s
(L v 1 9 .1 8 ; D t 6 .5 ) . O s e g u n d o m a n d a m e n t o é s e m e lh a n te a o p r i m e i r o
p o r q u e o a m o r a D e u s e s tá in e x tric a v e lm e n te lig a d o a o a m o r a o p r ó x im o .
J á f a la m o s s o b r e a te n d ê n c ia d e c o n f u n d ir esse s m a n d a t o s , c o m o se o
G r a n d e M a n d a m e n t o fo s s e a G r a n d e C o m is s ã o e a s b o a s o b r a s fo s s e m
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 25 ‫ו‬

o e v a n g e lh o . N ã o h á n a d a n a G r a n d e C o m is s ã o q u e fa le s o b r e t r a n s f o r -
m a r a c u l t u r a . N o e n t a n t o , o G r a n d e M a n d a m e n t o c o n c la m a c a d a p e s -
s o a - c r e n te e n ã o c r e n te ig u a lm e n te - p a r a a p r á ti c a d e o b r a s d e a m o r
e s e r v iç o n a n o s s a v id a c o tid ia n a . Se a lg u n s c o n f u n d e m esse s m a n d a t o s ,
o u tr o s o s s e p a r a m , c o m o se o n o s s o “ c h a m a d o c e le stia l d e D e u s e m C ris-
to J e s u s ” n ã o tiv e s s e n e n h u m a lig a ç ã o c o m u m a m o r d o m i a e c id a d a n ia
r e s p o n s á v e is n o m u n d o .
O s c r is tã o s e o s n ã o c r is tã o s tê m ig u a l o b r ig a ç ã o e m fa c e d a m e s m a lei
m o r a l q u e e x ig e ju s tiç a p e s s o a l e so c ia l - a té m e s m o a m o r - e n tre to d a s as
p e sso a s. N o e n ta n to , c o m o as b e m -a v e n tu ra n ç a s q u e o p re c e d e m , o S e rm ã o
d o M o n te é a lei d o a m o r d a n o v a a lia n ç a d a d a e sp e c ífic a m e n te à c o m u n i-
d a d e d o s s a n to s , n ã o u m p r o je to p a r a a s o c ie d a d e m a is a m p la . A s in ju n -
ç õ e s d o a p ó s to lo P a u lo e m 1 C o r in tio s s ã o c o e r e n te s c o m esse s e r m ã o d o
n o s s o S e n h o r: o s c r is tã o s n ã o d e v e m p ro c e s s a r u n s a o s o u tr o s n o s trib u n a is
s e c u la r e s , m a s d e v e m s o lu c io n a r a s d is p u ta s n o s t r i b u n a i s d a ig re ja . N o
e n ta n to , n ã o h á p r o v a d e q u e o s c r is tã o s n ã o se e n v o lv ia m c o m tr ib u n a is
s e c u la re s , t a n t o c o m o litig a n te s q u a n t o c o m o o fic ia is. O N o v o T e s ta m e n -
t o p r o í b e q u a l q u e r u s o d a f o r ç a n a G r a n d e C o m is s ã o ; c o n t u d o , s o ld a -
d o s r o m a n o s se a r r e p e n d e r a m e c r e r a m e m C r is to se m q u e h a ja q u a lq u e r
m e n ç ã o d e eles te r e m d e ix a d o s u a v o c a ç ã o s e c u la r (L c 7 .9 ; A t 1 0 .1 -4 8 ).

Confundindo esses mandatos


Se confundirmos e sse s m a n d a t o s , e n t ã o a G r a n d e C o m is s ã o se t o r n a r á
a G r a n d e S o c ie d a d e : o u t r a t e n t a t i v a s e m e lh a n te à q u e p r o d u z iu a “ c ris -
t a n d a d e ” . A ig re ja n ã o é m a is c a p a z d e a lc a n ç a r o m u n d o e f ic ie n te m e n te
c o m o e v a n g e lh o p o r q u e e la p r ó p r i a n ã o fo i e v a n g e liz a d a p r o p r ia m e n te .
E m v e z d e s e r u m a f o n t e d e s a l i n i d a d e p a r a o p o v o d e D e u s q u e se es-
p a lh a n o m u n d o d u r a n te a s e m a n a , o n d e eles p o d e r ía m r e a lm e n te s e rv ir
a o s n ã o c r is tã o s , a p r ó p r i a ig r e ja p e r d e u s e u m in is té r io d is tin tiv o e o sa l
p e r d e u o se u s a b o r. A o m e s m o t e m p o , a m a r o n o s s o p r ó x i m o fa c ilm e n te
p a s s a a s e r u m p r e t e x t o p a r a a e v a n g e liz a ç ã o , e m v e z d e s e r u m a le g íti-
m a r e iv in d ic a ç ã o f e ita p o r u m p o r t a d o r d a im a g e m d e D e u s ( c r e n te o u
n ã o c r e n te ) d o m e u te m p o , d a m in h a e n e r g ia e d o m e u a p o io . N e s s a li-
n h a d e p e n s a m e n to , é fá c il t a n t o s u b s titu ir a e v a n g e liz a ç ã o p e la o b r a so -
c ia i q u a n t o u s a r e s ta m e r a m e n te c o m o a c e n o u r a d a v e lh a h is tó r ia p a r a
a c o n v e r s ã o d e p e c a d o r e s . D e n o v o , isso n ã o a p e n a s t r a n s f o r m a o e v a n -
g e lh o e m n o s s a s o b r a s ; ta m b é m a s s u m e q u e a m a r e s e r v ir a o n o s s o p r ó -
x im o te m d e s e r ju s tif ic a d o c o m b a s e n a G r a n d e C o m is s ã o .
2 52

V is to q u e c a d a s e r h u m a n o é c r ia d o à im a g e m d e D e u s e c o n h e c e a lei
m o r a l d e D e u s (m e s m o q u e s u p r im id a p e la in ju s tiç a ), o c r e n te p o d e tr a b a -
lh a r c o m o n ã o c r e n te p e lo b e m c o m u m d a s o c ie d a d e . A r e v e la ç ã o e sp e -
c iai n ã o n o s d á s o m e n te a re v e la ç ã o ; e la n o s d á o s ó c u lo s p r ó p r io s a tra v é s
d o s q u a is v e m o s a lei. N ã o o b s ta n te , p o d e m o s r e c o r r e r à lei d e D e u s q u e
r e s s o a n a c o n s c iê n c ia d o s n o s s o s s e m e lh a n te s , q u e r a r e c o n h e ç a m c o m o
t a l , q u e r n ã o . E m b o r a o s d e s c r e n te s d e t e n h a m “ a v e r d a d e p e la in ju s ti-
ç a ” (R m 1 .1 8 ), eles n ã o p o d e m s u p r im ir t u d o a o m e s m o te m p o . A lé m d o
m a is , o s c r is t ã o s e s tã o c o m f r e q u ê n c ia e r r a d o s . A r e g e n e r a ç ã o n ã o n o s
t o r n a m a is in te lig e n te s n e m m a is h á b e is p a r a a s a tiv id a d e s c u ltu r a is ; d e
f a to , m u ita s v e z e s te m a c o n te c id o q u e n ã o c r is tã o s c o r r ig e m o s c r is tã o s
d e m a n e ir a s p r o v e ito s a s e r e s p o n s á v e is . P o d e m o s c h e g a r a u m c o n s e n s o
d e t r a b a l h o c o m n ã o c r is tã o s n u m a v a r ie d a d e d e q u e s tõ e s m o r a is , s o c ia is
e p o lític a s q u e n o s c o n f r o n t a m . 6 N ã o c r is tã o s , b e m c o m o c r is t ã o s , tê m
c o n t r i b u í d o p a r a o s u r g im e n to d e lib e r d a d e s r e lig io s a s n a e r a m o d e r n a ,
e p a r a o p r o g r e s s o c ie n tífic o , leis ju s ta s e a s s is tê n c ia d e a lc a n c e m u n d ia l.
C o m o u m a in s titu iç ã o c o m is s io n a d a p o r D e u s , a ig r e ja n ã o s e g u e o se u
m a n d a t o p o r m e io d e m a r c h a s , t r i b u n a i s s e c u la re s e a s s e m b lé ia s le g isla -
tiv a s . C o n tu d o , o s c r is tã o s , a o la d o d e n ã o c r is tã o s , s e g u e m s e u m a n d a t o
(a m o r a o p r ó x im o ) p o r m e io d e ssa s e d e o u tr o s tip o s d e a tiv id a d e c u ltu ra l.
N o e n t a n t o , q u a n d o c o n f u n d im o s a G r a n d e C o m is s ã o c o m o G r a n -
d e M a n d a m e n t o , tr ê s t r a g é d ia s s e g u e m -s e in e v ita v e lm e n te . A p r i m e i r a é
q u e c o n f u n d im o s o e v a n g e lh o c o m a lei. A s e g u n d a é q u e a g o r a d a m o s a
im p r e s s ã o d e q u e e s ta m o s t e n t a n d o le g is la r e i m p o r o e v a n g e lh o e m v ez
d e d e f e n d e r o s d i r e i t o s c iv is e o b e m d o n o s s o p r ó x i m o . E a t e r c e i r a é
q u e , e m v e z d e r e c o r r e r m o s à r e v e la ç ã o g e r a l, q u e se e s te n d e a c r e n te e a
n ã o c r e n te ig u a lm e n te , a c a b a m o s d iv id in d o n ã o s o m e n te a c u l t u r a , m a s
ta m b é m a ig r e ja a o lo n g o d e lin h a s p o lític a s e id e o ló g ic a s .
N o p a p e l, p r o t e s t a n t e s n e g r o s e b r a n c o s d o s E s ta d o s U n id o s c o m p a r -
tilh a m c r e n ç a s s e m e lh a n te s . T o d a v ia , c a d a u m a d a s ig re ja s a f r o - a m e r ic a -
n a s e s u b u r b a n a s b r a n c a s se t r a n s f o r m o u n u m a “ b a s e d o m é s t i c a ” p a r a
u m p r o g r a m a p o l í ti c o e s o c ia l, m a is d o q u e u m p o s t o a v a n ç a d o d o re i-
n o d e C r is to n o m u n d o . F a l a n d o e m t e r m o s g e r a is , a s ig r e ja s s u b u r b a -
n a s b r a n c a s e a s ig r e ja s u r b a n a s n e g r a s se t o r n a r a m m e n o s c o n h e c id a s
p o r s u a f r a n c a p r o c l a m a ç ã o d e C r i s t o d o q u e p o r s e r e m p r e n u n c iá v e is
ó r g ã o s a g i n d o e m f a v o r d o s p a r t i d o s r e p u b l i c a n o e d e m o c r a t a . A in -
f lu ê n c ia q u e t o d o s e sse s m ilh õ e s d e c r is t ã o s p o d e r í a m te r, e m s e u s m o -
v im e n to s d e n t r o d e s u a s c o m u n id a d e s , q u a n d o r o ç a m o m b r o s c o m n ã o
A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 2 53

c r is t ã o s , é s o l a p a d a p e la s u a d e t e r m in a ç ã o d e c o n s t i t u í r e m u m “ b lo c o
d e e le ito r e s ” . T o d o p o lític o s a b e q u e p o d e c o n t a r c o m u m lu g a r n o p ú l-
p i t o n a é p o c a d e e le iç õ e s .

Cumprindo 05 dois mandatos


O q u e e s to u d e f e n d e n d o a q u i é r a d ic a lm e n te d ife re n te d o e v a n g e lh o so c ia l
d e e s q u e r d a e d e d ir e ita a t u a l . P a r a C h a r le s F in n e y e o S e g u n d o G r a n d e
D e s p e r t a m e n t o , f a la n d o e m t e r m o s g e r a is , a ig r e ja e r a c o n c e b id a c o m o
u m a s o c ie d a d e d e t r a n s f o r m a d o r e s m o r a is . S em n e n h u m a d is tin ç ã o e n tr e
a ig re ja c o m o o r g a n iz a ç ã o e c o m o o r g a n is m o , F in n e y s u b s titu iu o m in is -
té r io o fic ia l d a ig re ja p o r u m a sé rie d e o r d e n s e sp e c ífic a s q u e n ã o s ã o e n -
c o n tr a d a s e m p a r te a lg u m a n a E s c r itu ra e q u e d e v e ría m se r tr a n s f o r m a d a s
e m p o lític a p ú b lic a p o r m e io d e le g is la ç ã o e d e im p o s iç ã o . A G r a n d e C o -
m is s ã o p r o v o c a r ia as p e s s o a s p o r m e io d e “ e s tím u lo s su fic ie n te s p a r a in -
d u z ir o a r r e p e n d im e n t o ” e, d e p o is , a t r a z e r r e ti d ã o m o r a l e ju s tiç a s o c ia l
p a r a a n a ç ã o . N o fim d o s é c u lo 1 9 , o e v a n g e lis ta D . L . M o o d y a d o t o u
u m a v is ã o m a is p e s s im is ta d a m u d a n ç a s o c ia l, c o n c lu in d o q u e o s c r is tã o s
d e v e ría m te n t a r s a lv a r o m a io r n ú m e r o p o ssív e l d e a lm a s d e u m n a u f rá g io .
H o j e , e s ta m o s p r e s o s e n tr e esse s d o is e x tr e m o s : u m e v a n g e lh o s o c ia l
(de e s q u e r d a e d e d ire ita ) q u e c o n f u n d e a G r a n d e C o m is s ã o c o m o G r a n -
d e M a n d a m e n t o , e u m d u a lis m o q u e n ã o v ê lig a ç ã o e n tr e a v o c a ç ã o d a
ig r e ja e a v o c a ç ã o d o c r is t ã o n o m u n d o .
C o m o e m b a i x a d a o f ic ia l d e C r i s t o , a ig r e ja e s tá a u t o r i z a d a a a n u n -
c i a r a o m u n d o i n t e i r o a s e x ig ê n c ia s d iv in a s d a le i m o r a l e o e v a n g e lh o
d a g r a ç a . C o n t u d o , a ig r e ja n ã o te m a u t o r i d a d e p a r a d e t e r m in a r p o líti-
c a s q u e s e ja m n e g o c ia d a s e i m p o s ta s p o r m e io d o b r a ç o p e r tin e n te m e n -
te c o e r c itiv o d o g o v e r n o c iv il. N o e n t a n t o , o s c i d a d ã o s c r is t ã o s (e n ã o
c r is tã o s ) s ã o c h a m a d o s a se e n v o lv e r e m n e s s e p r o c e s s o p o lític o . O n d e a
E s c r itu r a n ã o o b r ig a a n o s s a c o n s c iê n c ia , a ig r e ja n ã o p o d e fa z ê - lo . N a s
s u a s v o c a ç õ e s o u c a r r e ir a s c o m u n s , n a s u a c id a d a n ia e n o se u s e rv iç o , o s
c r is tã o s s ã o liv re s p a r a e x e r c e r a s u a p r ó p r i a s a b e d o r ia . O s c r is tã o s n ã o
s ã o liv re s p a r a p r iv a r d o s e u a m o r o s se u s s e m e lh a n te s , s e p a r a n d o - s e e m
p io s e n c la v e s q u e e v ita m a s r e iv in d ic a ç õ e s d a c i d a d a n i a . M a s esse a m o r
a o p r ó x i m o n ã o é o e v a n g e lh o ; é a le i, q u e é o b r i g a t ó r i a t a n t o p a r a c ris -
t ã o s q u a n t o p a r a n ã o c r is tã o s .
E s s a v is ã o c o n t r a d i z a s c o n c lu s õ e s d o s a r a u t o s d o e v a n g e lh o s o c ia l
d o s d o is la d o s d o c o r r e d o r . E la r e q u e r q u e a s p e s s o a s d e f e n d a m a s s u a s
id é ia s n a a r e n a p ú b l i c a d a s o p in iõ e s e q u e a r g u m e n t e m o s e m f a v o r d e
2 54

c e r to s p la n o s d e a ç ã o , n ã o p o r q u e s ã o c r is tã s , m a s p o r q u e v is a m a o b e m
c o m u m q u e t a n t o c r is tã o s c o m o n ã o c r is tã o s d e v e m d e c id ir ju d ic ia lm e n -
te c o m o c id a d ã o s , le g is la d o r e s , ju iz e s e o fic ia is e le ito s .
A r e t ó r i c a d a e s q u e r d a e d a d i r e i t a e v a n g é lic a s n a p o l í ti c a a t u a l m e
p a r e c e s im p lis ta t a n t o n a i n t e r p r e t a ç ã o d a E s c r itu r a c o m o n a a p lic a ç ã o
d e la a o s p l a n o s p o lític o s p a r a a á r e a p ú b lic a . A s s im c o m o o d i r e ito re -
lig io s o e x t r a i p a s s a g e n s d o A n tig o T e s ta m e n to d o s e u c o n t e x t o h i s tó r i-
c o ‫־‬r e d e n t o r p a r a c e le b r a ç õ e s p a t r i ó t i c a s , c r u z a d a s m o r a is e c a m p a n h a s
m ilita r e s , a e s q u e r d a re lig io s a fa z o m e s m o c o m o s p r o f e ta s e c o m J e s u s .
A m b a s as a b o rd a g e n s p a re c e m p re s s u p o r q u e essas p assa g e n s o fe rec em
v e r d a d e s a te m p o r a is q u e se a p lic a m a to d a s a s p e s s o a s e n a ç õ e s e m t o d a
p a r te e e m t o d o s o s te m p o s . A s e n s ib ilid a d e q u a n t o à c o m p le x id a d e d a s
d ife re n te s a lia n ç a s e a d m in is tr a ç õ e s n ã o d ev e in te rfe rir n o u so d e u m
t e x t o - p r o v a r e a lm e n te ú til.
N ã o h á d ú v i d a q u e , n e s s a s p a s s a g e n s , D e u s n o s e n s in a s o b r e o s e u
c a r á t e r i n t r í n s e c o e s o b r e o c u i d a d o e x e r c i d o e m f a v o r d a s v ítim a s d a
v io lê n c ia e d a in ju s tiç a . N o e n t a n t o , o s p l a n o s d e a ç ã o p o lític o s f o r a m
in c lu íd o s e x p l í c i t a m e n t e p o r D e u s n o livro da aliança. Q u e a lia n ç a ? A
a lia n ç a à q u a l Is ra e l j u r o u le a ld a d e n o m o n te S in a i. Q u a n d o D e u s t o m o u
I s r a e l c o m o s u a n a ç ã o e s p e c ia l, a s a lv a ç ã o e a p o l í ti c a s o c ia l a n d a v a m
de m ã o s d a d a s. U m a vez q u e re c o n h e ç a m o s q u e o S e rm ã o d o M o n te é
u m a é tic a d e u m a n o v a a lia n ç a p a r a o p o v o d e D e u s , n a s n a ç õ e s c o m u n s ,
e m ú l t im a i n s t â n c i a g o v e r n a d a s p e la p r o v i d ê n c i a d e D e u s e n ã o n u m a
te o c r a c ia g o v e r n a d a im e d ia ta o u d ir e ta m e n te p e lo s d e c r e to s e s c r ito s p o r
D e u s, c ita r a B íb lia fic a rá m a is c o m p lic a d o . C o m o d is s e m o s , n ã o h á m u i-
to n o N o v o T e s ta m e n to s o b r e c o m o o r d e n a r a s o c ie d a d e . Is s o n ã o q u e r
d iz e r q u e e s s a q u e s t ã o n ã o se ja i m p o r t a n t e , m a s s im q u e é u m a q u e s tã o
d a g r a ç a c o m u m , d e i x a d a a c a r g o d a v a r ie d a d e d e h i s t ó r i a s , c u l t u r a s e
g o v e r n o s q u e e x is te m n a e r a a tu a l.
A lé m d e e x ib ir u m a e x e g e se s im p lis ta , a p o lític a e v a n g é lic a m u ita s v e-
zes m e im p r e s s io n a c o m o s im p lis ta e m s u a s s o lu ç õ e s p o lític a s . E q u a n d o
D e u s e s tá a o s e u l a d o , n ã o h á l u g a r p a r a n e g o c ia ç ã o e c o n c e s s õ e s . E n -
t r e t a n t o , c o m p o r p o lític a s c o m u n s p o r m e io d e n e g o c ia ç õ e s e c o n c e s s õ e s
é o n d e a s in s titu iç õ e s d o r e p u b lic a n is m o d e m o c r á tic o r e f u lg e m . A id e o -
lo g ia é d e p u r a d a p e lo a t u a l e s t a d o d e c o is a s . A r g u m e n to s e m f a v o r d e
u m a m p lo e s p e c tr o d e p la n o s d e a ç ã o s ã o e x p o s to s n a a r e n a p ú b lic a . N o
f in a l, a s c o m p le x id a d e s r e c e b e m m a is d o q u e o d e v id o , e a s c o n c e s s õ e s
e m e r g e m . H a v ia p o u c o e s p a ç o p a r a is s o e m I s r a e l, c o m a lei d iv in a q u e
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 255

re g u la v a a v id a p e s s o a l e p ú b lic a d o p o v o d e D e u s n o s m ín im o s d e ta lh e s .
C o n t u d o , a g o r a v iv e m o s a o r ie n te d o É d e n e d e J e r u s a lé m .
T e n h o a m ig o s c r is tã o s n o s d o is la d o s d o c o r r e d o r p o lític o q u e f o r a m
c h a m a d o s p a r a o e x e r c íc io d e o f íc io p ú b lic o m o v id o s p e lo m e s m o se n -
t i m e n t o d e a m o r a o p r ó x i m o , c o m a s m e s m a s c o n v ic ç õ e s te o ló g ic a s , e
q u e , n ã o o b s t a n t e , d is c o r d a m e n tr e si q u a n t o à m e lh o r m a n e i r a d e h o n -
r a r o G r a n d e M a n d a m e n t o . C r is tã o s q u e m a n t ê m a m e s m a fé e p r á ti c a ,
ta m b é m s u s t e n t a m p o s iç õ e s d if e r e n te s a r e s p e ito d e p o l í ti c a a m b ie n ta l,
im p o s to s e a s s is tê n c ia à s a ú d e q u e c o b r e m c o m p le ta m e n te o e s p e c tr o p o -
lític o . Is s o a c o n te c e n ã o p o r q u e a B íb lia n ã o se ja c la r a , n e m p o r q u e u m
g r u p o c rê n a B íb lia e o u t r o n ã o . É p o r q u e a B íb lia n ã o é u m m a n u a l d e
p o lític a , n e m u m a p l a t a f o r m a p o lític a . P o r t a n t o , o s c r is tã o s , a s s im c o m o
o s n ã o c r is tã o s , s ã o r e s p o n s á v e is p o r in v e s tig a r o s d a d o s e o s a r g u m e n -
to s a p r e s e n t a d o s e m f a v o r d e s te s o u d a q u e le s p o n t o s p a r ti c u la r e s , e p o r
v o t a r d e a c o r d o c o m s u a c o n s c iê n c ia . C o m o a c o n te c e c o m o e v a n g e lh o
d a G r a n d e C o m is s ã o , a lei m o r a l q u e e s tá n o c e r n e d o G r a n d e M a n d a -
m e n t o é a m e s m a e m t o d a s a s é p o c a s e e m t o d o s o s lu g a r e s . T o d a v ia , é
p r e c is o q u e a lei d o a m o r se ja i n t e r p r e t a d a e a p lic a d a e m c o n te x to s c o n -
e r e to s e à s v e z e s d ifíc e is , n o s q u a is c o n c e s s õ e s tê m d e s e r fe ita s . E s ã o os
p r ó x im o s re a is q u e e n c o n tr a m o s , n ã o “ o p r ó x i m o ” n o a b s t r a to , a q u e m
a G r a n d e C o m is s ã o d ir e c io n a n o s s a p r e o c u p a ç ã o .

As vocações dos cristãos no


mundo (família e próximos)

Comunhão dos santos (disciplina


e cuidado diaconal liderado pelos
presbíteros e diáconos)

Ministério da Palavra e sacramentos


(liderado pelos pastores)
2 56

A G r a n d e C o m is s ã o e s ta b e le c e u m e s tr e ito m a n d a t o p a r a a ig r e ja e m
s e u m i n is té r io o fic ia l; n o e n t a n t o , e sse m e s m o m in is té r io e s p e c ífic o n o s
m o ld a p a r a a s n o s s a s in u m e r á v e is v o c a ç õ e s n o m u n d o .

W ilberforce: um estudo de caso


U m a d a s i r o n i a s d a H i s t ó r i a é o m o d o e m q u e d if e r e n t e s m o v i m e n to s
c r is tã o s tê m in f lu e n c ia d o a c u ltu r a m a is a m p la . O s p r im e ir o s c r is tã o s so -
f r e r a m p e r s e g u iç ã o - a té m e s m o m a r t í r i o - p o r c a u s a d o se u te s te m u n h o
d e C r is to . P o r u m la d o , e les n ã o se r e ti r a v a m p a r a m o s te ir o s , m a s c u m -
p r i a m a s s u a s v o c a ç õ e s n o m u n d o a o l a d o d o s n ã o c r is t ã o s . P o r o u t r o
l a d o , e le s n ã o t i n h a m u m p r o g r a m a s o c ia l p a r a t r a n s f o r m a r o I m p é r io
R o m a n o . E , n o e n t a n t o , t r a n s f o r m a d o s p e lo e v a n g e lh o , e les se t o r n a r a m
sa l e lu z e m s u a s c o m u n id a d e s , e isso t r o u x e a s b ê n ç ã o s d a g r a ç a c o m u m
p a r a a c u l t u r a m a is a m p la .
P o r p e lo m e n o s u m s é c u lo e m e io , o s p r o t e s t a n t e s n o r t e - a m e r i c a n o s
tê m e v id e n c ia d o u m a m a r c a n te p r e f e r ê n c ia p o r “ a ç õ e s a c im a d e c r e d o s ”
e, c o n t u d o , d e s d e o a n ú n c io d e F in n e y d e q u e a ig r e ja é u m a s o c ie d a d e
d e r e f o r m a d o r e s m o r a is , a ig r e ja p a r e c e m e n o s g e n u in a m e n te e v a n g e li-
z a d a e a c u ltu r a o c id e n ta l é d o m in a d a p o r im p u ls o s s e c u la ris ta s . D e f a to ,
e s s a i r o n i a ( e n tr e o u t r a s ) fo i e x p l o r a d a c o m g r a n d e d is c e r n im e n to p e lo
s o c ió lo g o J a m e s D a v is o n H u n t e r n o s e u liv r o T o change the world: the
irony, tragedy, and possibility of Christianity in the late modern world
[ T r a n s f o r m a r o m u n d o : a ir o n i a , a t r a g é d ia e a p o s s ib ilid a d e d o c r is tia -
n is m o n o fim d o m u n d o m o d e r n o ] .7
S o b e ssa lu z , e n c o n tr e i W illia m W ilb e r f o r c e ( 1 7 5 9 - 1 8 3 3 ) , u m a fig u ra
e x c e p c io n a l e m s u a é p o c a . U m le ig o d a Ig r e ja d a I n g la te r r a , W ilb e r f o r c e
v e io a fa z e r a s u a p ú b lic a p r o f is s ã o d e fé p e la le itu r a d o s p u r i t a n o s . W il-
b e r f o r c e fo i c o n v e n c id o p e lo s e u a m ig o e p a s to r , J o h n N e w t o n ( a u to r d o
h in o “ A m a z in g g r a c e ” ) a e n t r a r p a r a a p o lític a . U m a d a s m a io r e s a m b i-
ç õ e s q u e o s d o is h o m e n s c o m p a r tilh a v a m e r a a a b o liç ã o d o tr á f ic o d e es-
c r a v o s . N o e n t a n t o , N e w t o n s a b ia q u e a s u a v o c a ç ã o e r a p re g a r, e n s in a r
e p a s t o r e a r o r e b a n h o d e C r is to . E n t r e t a n to , c a tiv a d o p o r esse e v a n g e lh o
e im e r s o n a s s u a s v e r d a d e s , W ilb e r f o r c e p ô d e u s a r o s se u s c o n s id e r á v e is
d o t e s n a p o l í t i c a p e lo b e m c o m u m . H u m a n a m e n t e f a l a n d o , p o d e r - s e -
-ia d iz e r : “ N e m N e w t o n , n e m W il b e r f o r c e ” . Is s o p o d e s e r v ir c o m o u m
ministério da igreja como uma
e x e m p lo h is tó r ic o d o m e u a r g u m e n to : O
instituição ou como uma embaixada instituída por Cristo - id e n tif ic a d o
p e la p r e g a ç ã o , p e lo b a t i s m o , p e la c o m u n h ã o e p o r e n s i n a r t u d o o q u e
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 2 57

C r is to lh e e n s in o u - é o n d e o s d is c íp u lo s s ã o fe ito s . A s v o c a ç õ e s t e r r e n a s
s ã o p a r a o n d e o s d is c íp u lo s s ã o enviados.
N o s e u e x t r a o r d i n á r i o liv ro , A practical view of Christianity [U m a vi-
s ã o p r á ti c a d o c r is tia n is m o ; 1 7 9 7 ] , W ilb e r f o r c e c o n t r a s t a o c r is tia n is m o
a u tê n tic o c o m o c r is tia n is m o n o m in a l e n tã o p r e d o m in a n te n a I n g la te r r a .
U m a d a s m a is n o tá v e is ê n f a s e s d o liv ro é a c o n v ic ç ã o d o a u t o r d e q u e o
“ g r a n d e d e f e i t o ” d a n o s s a é p o c a e s tá e m “ n e g lig e n c ia r a s d o u t r i n a s es-
p e c íf ic a s d o c r i s t i a n i s m o ” .8 E s ta m o s a c o s tu m a d o s a o u v i r n o e v a n g e li-
c a lis m o n o r t e - a m e r i c a n o a t u a l q u e te m o s a d o u t r i n a c o r r e t a , m a s n ã o a
v iv e m o s n a p r á ti c a - e, to d a v i a , e n c o n tr e i n a d e s c r iç ã o q u e W ilb e r f o r c e
fa z d o v a g o c r is tia n is m o d o s e u t e m p o u m n o tá v e l p a r a le lo c o m a n o s s a
m o lé s tia d o “ c r is tia n is m o s e m C r i s t o ” .
W i l b e r f o r c e a r g u m e n t o u q u e o c o l a p s o d a p r á t i c a c r is t ã v i t a l t i n h a
s u a o r ig e m n a a m p la e g e n e r a liz a d a i g n o r â n c ia e n tr e o s c r is tã o s p r o f e s -
so s c o m r e s p e ito a o q u e c r ia m e p o r q u e c r ia m . E le d iz q u e e s c re v e u m o -
v id o p e la p r e o c u p a ç ã o c o m o f a to d e q u e “ a m a s s a d o s q u e p e r te n c e m à
c la s s e d o s c r is tã o s o r t o d o x o s ” p a r e c e , n ã o o b s t a n t e , p o s s u ir “ q u a s e n e -
n h u m c o n h e c im e n to d i s t in t o d a v e r d a d e i r a n a t u r e z a e p r in c íp io s d a re -
lig iã o q u e p r o f e s s a m ” .9 O p r o b l e m a n ã o e r a c r e d o s s e m a ç õ e s , m a s u m
v a g o m o r a lis m o q u e n e g a v a o p o d e r d o e v a n g e lh o :

Se ouvirmos a conversa deles, a virtude é elogiada e o pecado é


censurado; a piedade é talvez aplaudida e a profanidade é con-
denada. Até aqui, tudo bem. Mas se alguém não se deixar enga-
nar por essas “ generalidades estéreis” e examinar mais de perto
o que é dito, verá que não é o cristianismo em particular, mas, no
melhor dos casos, a religião em geral, talvez a mera moralidade,
que eles estão homenageando. Com o cristianismo, como distinto
desses, eles estão pouco familiarizados; suas idéias sobre ele são
tão apressadas e superficiais que, longe de discernirem as suas ca-
racterísticas e a sua essência, eles têm pouco mais que percebido
as circunstâncias exteriores que o distinguem das outras formas
de religião.10

N ã o m a is lh e s s e n d o e n s in a d o s o s f u n d a m e n t o s d a fé c r is tã , o s filh o s
f a c ilm e n te s u c u m b e m a o c e tic is m o , o u s i m p le s m e n te i g n o r a m o s s e u s
a n te c e d e n te s s u p e r f ic ia lm e n te c r is tã o s q u a n d o c h e g a m à f a c u ld a d e . E les
s ã o a b a la d o s “ p o r f r ív o la s o b je ç õ e s ... q u e , se fo s s e m f u n d a d a s n a r a z ã o
258

e n a a r g u m e n ta ç ã o , te r ia m p a s s a d o p o r e les c o m o o s ‘v e n to s o c io s o s ’,* e
d if ic ilm e n te lh e s p a r e c e r í a m m e r e c e d o r a s d e a t e n ç ã o ” .11 E le s se t o r n a -
r a m p r e s a f á c il. N e m é p r e c is o u m a te ís m o g r o s s e ir o p a r a s o l a p a r e sse
tip o de e s p iritu a lid a d e ra sa .
E s s a “ p o b r e z a d a r e lig iã o s u p e r f ic ia l” , e s s a “ i g n o r â n c ia v o l u n t á r i a ” ,
n e c e s s a r ia m e n te n ã o só e n f r a q u e c e a fé d o s c r e n te s , m a s ta m b é m o s le v a
a s e g u ir o f lu x o d a c u l t u r a . 12 A r e v e la ç ã o s o b r e n a t u r a l d e D e u s d á - n o s
n o v a s v e r d a d e s q u e ja m a is p o d e r ia m o s c o n h e c e r d e o u t r a m a n e ir a , e n ã o
a p e n a s “ m á x im a s d o s p la n o s d e a ç ã o m u n d a n o s o u u m e s q u e m a d e m e r a
m o r a l i d a d e ” .13 O c e r n e d e s ta P a la v r a é o e v a n g e lh o , a p r o m e s s a d o S al-
v a d o r . T o d o s o s s a n to s d o A n tig o T e s ta m e n to a g u a r d a v a m a n s io s a m e n te
a s u a v i n d a , m a s m u i ta s ig r e ja s a t u a i s p a r e c e m p r o c e d e r c o m o se n a d a
ja m a is tiv e s s e a c o n te c i d o .14
W ilb e r f o r c e d á , e n t ã o , s e g u im e n to a o s s e u s a r g u m e n t o s n o s e g u n d o
c a p ít u l o d e s u a o b r a , e x a m i n a n d o “ i n a d e q u a d a s c o n c e p ç õ e s d a c o r r u p -
ç ã o d a n a t u r e z a h u m a n a ” . “ Se s e n tís s e m o s c o m o d e v e r ía m o s o p e s o d o s
n o s s o s p e c a d o s , q u e e les s ã o u m f a r d o q u e a s n o s s a s p r ó p r ia s f o r ç a s s ã o
in c a p a z e s d e s u p o r t a r , e q u e o p e s o d e le s n o s a f u n d a r á in e v ita v e lm e n te
n a p e r d iç ã o , o n o s s o c o r a ç ã o t e r i a d a n ç a d o a o s o m d o m i s e r i c o r d io s o
c o n v ite : ‘V in d e a m im , to d o s o s q u e e s ta is c a n s a d o s e s o b r e c a r r e g a d o s , e
e u v o s a liv ia r e i’” . C o n t u d o , a p e s a r d o c r e d o e d a litu r g ia e v a n g é lic o s d a
Ig r e ja d a I n g la te r r a , m u ito s c r is tã o s c o n f ia m e m s u a p r ó p r ia ju s tiç a .15 E m
v e z d e a b r ig a r e m s u a a c e ita ç ã o p o r p a r t e d e D e u s n o s a c r if íc io d e C ris -
to , “ eles r e a lm e n te d e s c a n s a m s u a s e s p e r a n ç a s e te r n a s n u m a v a g a e g e ra l
p e r s u a s ã o d e u m a in d e f in id a m is e r ic ó r d ia d o S er S u p r e m o ” , o u , “ a in d a
m a is i n c o r r e t a m e n t e , p õ e m s u a c o n f ia n ç a e s s e n c ia lm e n te n o s s e u s p r ó -
p r i o s m é r ito s n e g a tiv o s o u p o s i t i v o s ” .16 E le s p o d e m e n c e r r a r s u a s o r a -
ç õ e s c o m o n o m e d e C r i s t o , m a s “ r e p u d i a m o u i g n o r a m u m S a lv a d o r ,
o u d e c l a r a d a m e n t e d e s p r e z a m s e u d i r e i t o d e p a r t i c i p a r d o s b e n e f íc io s
d e s u a m o r t e ” . I m a g in a m q u e a t u a l m e n t e D e u s é “ m a is i n d u l g e n t e ” d o
q u e ta lv e z t e n h a s id o n o p a s s a d o . 17 E s tá a lé m d e le s r e c o n h e c e r q u e s ã o
“ p e c a d o r e s c u l p a d o s e i m p o t e n t e s ” . “ N u n c a se c o n v o c a r a m a e s s a re -
n ú n c ia t o t a l e in c o n d ic io n a l d o s s e u s p r ó p r io s m é r ito s , e d e s u a p r ó p r ia
f o r ç a ; e , p o r t a n t o , p e r m a n e c e m a lh e io s à p e r d i ç ã o n a t u r a l d o c o r a ç ã o
h u m a n o ... N ã o c o n s id e r a m o c r is tia n is m o c o m o u m e s q u e m a q u e ‘ju s ti-
fica o s ímpios’ [R m 4 .5 ] , g r a ç a s à m o r te d e C r is to p o r eles ‘quando ainda

Alusão à tragédia “Júlio César”, de William Shakespeare. (N. da R.)


A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 259

pecadores’” , e, e m v e z d is s o , f a z e m d o s f r u to s d a s a n t i d a d e “ a c a u s a e
n ã o o s e f e ito s ” d a ju s tif ic a ç ã o e d a r e c o n c ilia ç ã o .18 Só e ssa ig n o r â n c ia d o
e v a n g e lh o p o d e e x p lic a r a f a lta d e a f e to p o r J e s u s C r is to e p e la P a la v r a
d e D e u s q u e p r e v a le c e e n tr e o s c r is tã o s n o m in a is . S o m e n te o e v a n g e lh o
d a g r a ç a , e m t o d a a s u a p le n itu d e , d á s e n tid o à fr a s e , q u e d e o u t r o m o d o
é v a g a : “ c r e r e m J e s u s ” .19
As doutrinas d o v a g o m o r a lis m o lib e r a l s ã o e s té r e is e, p o r t a n t o , n e m
s e q u e r p o d e m d a r o f r u t o d a ju s tiç a q u e eles p r o c u r a m in c u lc a r .20 T o d o s
o s c h a m a d o s d o c r is tia n is m o p a r a a o b e d iê n c ia e o a m o r p r á ti c o s e m e r-
g e m d a s u a d o u t r i n a c e n t r a l , q u e le v a a u m d i s c i p u l a d o r a d i c a l m e n t e
d if e r e n te n o m u n d o .21 O e v a n g e lh o n ã o é s u b o r d i n a d o à re lig iã o e à m o -
r a lid a d e , m a s d á s u r g im e n to a u m tip o p a r ti c u la r d e p r á tic a , c o m a g r a ç a
c o m o s u a b a s e e a g ló r ia d e D e u s c o m o o s e u o b je tiv o .22
M a l e q u ip a d o p o r e ssa d is tin tiv a m e n s a g e m e e s p e ra n ç a , o c r is tia n is m o
n o m in a l se t o r n a d e p e n d e n te d o “ d e s e jo d e e s tim a e d e a p l a u s o d o s h o -
m e n s ” .23 M a is u m a v e z , W ilb e r f o r c e b a s e ia o s e u c h a m a d o à h u m ild a d e
e à f id e lid a d e n a r e c u p e r a ç ã o d a d o u t r i n a c r is tã . O p e c a d o n ã o é m e r a -
m e n te u m e n g a n o . “ N a E s c r itu r a o p e c a d o é c o n s id e r a d o c o m o r e b e liã o
c o n t r a a s o b e r a n i a d e D e u s , e t o d o e q u a l q u e r a t o f o r a d e la ig u a lm e n te
t r a n s g r id e a s u a le i e, se p e r s is tir n is s o , n e g a a s u a s u p r e m a c ia . P a r a o s
i n c o n s id e r a d o s e f o lg a z õ e s , e ssa d o u t r i n a p o d e p a r e c e r d u r a , e n q u a n to ,
f ú t i l m e n t e a d e j a n d o a o f u l g u r a n t e s o l d a p r o s p e r i d a d e m u n d a n a , e les
e m b a la m a si m e s m o s n u m a t e r n a s e g u r a n ç a .” 24
A lg u n s se c o n te n ta m c o m se u p ro g r e s s o n u m a r e f o r m a m o ra l, e n q u a n to
o u t r o s s ã o le v a d o s a o d e s e s p e r o d e p o is d e s u c e s s iv a s te n t a t i v a s d e r e n o -
v a r u m a e s tr ita o b e d iê n c ia , e m u ito s d e s te s f in a lm e n te t e r m i n a m n a in fi-
d e lid a d e . P a r a o s c r is tã o s n a d a m e n o s é n e c e s s á r io d o q u e “ r e a s s u m ir e m
o f u n d a m e n t o g e r a l d a s u a R e lig iã o ” p a r a d e s c o b r ir e m a s v e r d a d e s q u e
p r o f e s s a m n o c r e d o .25 E m p a r tic u la r , e les p r e c is a m r e c u p e r a r a g r a ç a d e
D e u s n o e v a n g e lh o .26 “ M a n t i d a s e m v is ta e s s a s g ig a n te s c a s v e r d a d e s , a
in s ig n ific â n c ia d a s u a m o r a lid a d e a n ã p a s s a r ia v e r g o n h a .” 27 “ O l h a r p a r a
J e s u s ” é o ú n ic o m e io d e v iv e r g r a ta v id a d e a m o r e s e rv iç o e m f a v o r d o s
p r ó x i m o s . 28 “ E s s a s d o u t r i n a s p e c u lia r e s c o n s t i t u e m o c e n tr o e m t o r n o
d o q u a l [o v e r d a d e ir o c r is tã o ] g r a v ita ! O v e r d a d e ir o s o l d o s e u s is te m a !
A a l m a d o m u n d o ! A o r ig e m d e t u d o o q u e é e x c e le n te e b e lo ! A f o n te
d e lu z , d e v id a , d e m o v im e n to , d e c a lo r b e n ig n o e d e e n e r g ia p l á s t i c a ! ” 29
E c e r ta m e n te u m f a to q u e o c r is tia n is m o e le v o u a m o r a l d a s c u l t u r a s
n a s q u a is ele p re v a le c e u . C o n tu d o , p e s s o a s d e d iv e rs a s re lig iõ e s - o u se m
2 60

r e lig iã o n e n h u m a - p o d e m c o n f o r m a r - s e e x t e r i o r m e n t e à p r á t i c a s o c ia l.
E m v is ta d a s d o u t r i n a s d i s t in t i v a s d o e v a n g e lh o , e s s a s f o r m a s e x t e r i o -
re s s ã o “ a p a r ê n c ia s s u p e r f ic ia is ” .30 E m a g u d o c o n t r a s t e c o m o s c r e n te s
s o b a c r u z d a p e r s e g u i ç ã o , o v e r d a d e i r o c r is t i a n i s m o n a G r ã - B r e t a n h a
t e m s i d o e n f r a q u e c i d o p e l a r e l i g i ã o c iv il e p e l a p r o s p e r i d a d e g e r a l . 31
“ S e u e f e ito é in e v itá v e l; e se a p r o x i m a r a p i d a m e n t e o t e m p o e m q u e o
c r is tia n is m o s e r á q u a s e t ã o a b e r t a m e n t e n e g a d o n a lin g u a g e m c o m o d e
f a to já se p o d e im a g in a r q u e d e s a p a r e c e u d a c o n d u t a d o s h o m e n s ; q u a n -
d o a in f id e lid a d e f o r c o n s i d e r a d a u m n e c e s s á r io a p ê n d ic e d o h o m e m d a
m oda, crer s e r á c o n s i d e r a d o in d ic a ç ã o d e u m a m e n te f r a c a e d e u m e n -
t e n d i m e n t o e s t r e i t o . ” 32
A o c o n tr á r io , b a s e a d o e m s u a s d o u tr in a s c e n tr a is , o c r is tia n is m o a p e la
p a r a a m e n te c o m o ta m b é m p a r a o c o r a ç ã o e p a r a a a ç ã o . “ T e n d o m e -
l h o r a d o e m q u a s e t o d o s o s d e m a is r a m o s d o c o n h e c i m e n t o , te m o s n o s
to r n a d o c a d a vez m e n o s fa m ilia riz a d o s c o m o c r is tia n is m o ” , tr o c a n d o
s u a s d o u t r i n a s p o r “ u m m e r o s is te m a d e é t i c a ” .33
L e m b r e m o - n o s d e q u e o a u t o r d e s s e a r g u m e n t o e s ta v a z e lo s a m e n te
c o m p r o m e ti d o c o m a m e l h o r i a d a h u m a n i d a d e , e d e q u e o t í t u l o d e s s a
o b ra é A practical view of Christianity [U m a v is ã o p r á ti c a d o c r is tia n is -
m o ]. O tip o d e m o r a lis m o lib e ra l q u e n o te m p o d e le e r a id e n tific a d o c o m
a h e r e s ia “ s o c i n i a n a ” n ã o p ô d e n e m m e s m o p r o d u z ir o s e f e ito s tr a n s f o r -
m a d o r e s c o m o s q u a is e ssa h e r e s ia s u b s titu iu o p o d e r d o e v a n g e lh o . A fé
q u e W ilb e r f o r c e e lo g ia é s im p le s m e n te “ o c r is tia n is m o e m se u s m e lh o r e s
d i a s ” , c o m o v is to n a “ r e lig iã o d o s r e f o r m a d o r e s m a is e m in e n te s ” , e, e n -
t ã o , c l a r a m e n t e in c u lc a d o n a l i tu r g ia e n a c o n f is s ã o d a I g r e ja d a I n g la -
t e r r a . 34 “ Q u e o s o c in ia n o e o m e s tr e d e m o r a l se a p r e s e n te m e n o s d ig a m
q u e e f e ito s e les p r o d u z i r a m s o b r e a s c la s s e s in f e r io r e s . D if ic ilm e n te eles
n e g a r ã o a in e fic á c ia d a s s u a s i n s t r u ç õ e s . ” E n t r e t a n t o , o n d e q u e r q u e se
p r o c la m e o e v a n g e lh o d a g r a ç a g r a t u i t a , t o d a a v i z i n h a n ç a e a s c o m u -
n id a d e s d o s p o b r e s v ã o s e n d o t r a n s f o r m a d a s . 35 “ M a s i n f r u tíf e r a s s e r ã o
to d a s a s t e n ta tiv a s d e s u s te n ta r , o u m u ito m a is d e re v iv e r, a d e s v a n e c e n te
c a u s a d a m o r a lid a d e , a n ã o s e r q u e , e m a lg u m a m e d id a , v o c ê r e s ta u r e a
p r e d o m i n â n c i a d o c r is tia n is m o e v a n g é lic o .” 36
A o m e s m o t e m p o , W ilb e r f o r c e p e r c e b e u q u e m e s m o e s s a s m o d e s ta s
r e iv in d ic a ç õ e s c o m v is ta s a o s e f e ito s s o c ia is m a is a m p lo s d o e v a n g e lh o
p o d e r í a m to r n a r - s e m e r o s m e io s p a r a a f in a lid a d e d a m o r a l i d a d e civ il,
“ c o m o se o in te r e s s e p e la e t e r n i d a d e se f u n d is s e n u m a m e r a q u e s t ã o d e
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 261

v a n ta g e m te m p o r a l o u d e c o n v e n iê n c ia p o lític a ” .37 O e v a n g e lh o te m e feito s


p o d e r o s o s p o r q u e é f o n te d e v id a , n ã o p o r c a u s a d a s u a u tilid a d e p r á tic a .
E m r e s u m o , W ilb e r f o r c e s a b ia q u e u m a g e r a ç ã o d e c r is tã o s p r o f e s s o s
q u e ig n o ra os seu s te s o u ro s o u o s to m a c o m o g a r a n tid o s os e n tre g a ria
s e m l u t a . E le s a b i a t a m b é m q u e , se a s f a m ília s e a s ig r e ja s e v ita s s e m a s
p r o f u n d e z a s d a d o u t r i n a , t r o c a n d o - a s p e la p a r te r a s a d a p is c in a , p e r d e r-
- s e - ia m t o d o s o s r e c u r s o s d is tin tiv a e a u t e n t i c a m e n t e c r is tã o s c o n t r a o s
p o d e r e s d e p r i n c ip a d o s . O p r o b l e m a n ã o é q u e te m o s c r e d o s s e m a ç õ e s ,
m a s q u e , a o q u e p a r e c e , a n o s s a p r á ti c a n ã o é m a is i n f o r m a d a p e la n o s -
s a fé. “ Q u e a s n o s s a s ig re ja s n ã o m a is te s tif iq u e m d a q u e la d is c o r d â n c ia
in d e c o r o s a q u e t a n t o te m p r e v a le c id o e n tr e a s o r a ç õ e s e o s e r m ã o q u e se
lh e s s e g u e .” 38 A o m e s m o te m p o , ele a d v e r te c o n t r a o s c r is tã o s o r to d o x o s
q u e d ã o p le n o a s s e n tim e n to à s d o u t r i n a s , m a s o fa z e m d e m a n e ir a g e ra l.
S ã o c r is tã o s n o m in a is d e tip o d if e r e n te , m a s n ã o m e n o s s é r io .39 U m c ris -
tia n i s m o d o u t r i n á r i o s e p a r a d o d a v id a n ã o te m m a i o r p r o b a b il i d a d e d e
p r o d u z ir f r u to d o q u e u m m o r a lis m o a tiv is ta s e p a r a d o d a d o u tr in a c r is tã .
W ilb e r f o r c e é u m n ítid o e x e m p lo d o c a m in h o a p r e s e n ta d o a q u i, p r in -
c ip a lm e n te q u a n d o u m a r e c e n te p e s q u is a d a P e w d o s q u e o c u p a m o s b a n -
c o s d a s ig r e ja s r e l a t a q u e a te u s e a g n ó s t i c o s a l c a n ç a m ín d ic e m a is a lto
q u a n t o a o c o n h e c im e n to d o s d e ta lh e s b á s ic o s d a B íb lia e d o e n s in o c ris-
t ã o d o q u e o s e v a n g é lic o s . (O s m ó r m o n s e o s ju d e u s e s tã o lo g o a se g u ir,
e m s e g u n d o lu g a r.)40 D e le a p r e n d e m o s p e lo m e n o s d u a s liç õ e s v ita is . P ri-
m e ir a , a p r e n d e m o s q u e a ig r e ja c o m o i n s titu iç ã o ( c o m o a fa m ília ) é c o -
m i s s io n a d a p a r a u m a t a r e f a q u e d if e r e d a d o c r e n te e m s u a v o c a ç ã o n o
m u n d o . Se a ig r e ja n ã o c u m p r i r a s u a c o m is s ã o ú n ic a , n e n h u m a o u t r a
in s titu iç ã o o c u p a r á a v a g a . S e g u n d a , ele n o s in c e n tiv a a r e t o r n a r à s “ p ri-
m e ira s c o i s a s ” : à s d o u t r i n a s c e n tr a is d o c r is tia n is m o q u e t r a n s f o r m a m o
n o s s o p e n s a m e n to e n o s le v a m à d o x o lo g ia , q u e a lim e n ta o n o s s o e s tilo
d e v id a n o m u n d o . N a s g r a n d e s v e r d a d e s d a fé n ã o só e n c o n tr a m o s c o i-
sas à s q u a is a s s e n tim o s , m a s a lim e n to p a r a a n o s s a a lm a , m ú s ic a p a r a o s
n o s s o s o u v id o s e u m a v e r d a d e ir a m o tiv a ç ã o p a r a s e rv iç o a tiv o e m f a v o r
d o s n o s s o s s e m e lh a n te s n o m u n d o .

P erdoando pecados e fazendo o bem

C o m o e m b a ix a d a d a g r a ç a d e C r is to , a ig re ja é c o m is s io n a d a , a g o r a m e s-
m o , c o m a m a is i m p o r t a n t e v o c a ç ã o d o c o s m o s : o p e r d ã o e a r e n o v a ç ã o
d e p e c a d o r e s . O m in is té r io d a ig re ja - p r e g a r o e v a n g e lh o , b a tiz a r , a c o -
m u n h ã o e o c u id a d o p e lo c re s c e n te r e b a n h o - já fo i d e te r m in a d o p e lo se u
2 62

R ei a s s u n to a o cé u . D iz e r q u e essa é a o b r a m a is im p o r ta n te a ser re a liz a d a


n o m u n d o a q u i e a g o r a n ã o é d iz e r q u e é a ú n ic a o b r a q u e d e v e s e r fe ita .
A ig r e ja n ã o p o d e d iz e r n e m f a z e r t u d o o q u e é n e c e s s á r io q u e s e ja d ito
e f e ito p e lo s c r is tã o s t r a b a l h a n d o a o la d o d o s n ã o c r is tã o s n a s o c ie d a d e .
O q u e d iz e r d o s s in a is m ir a c u lo s o s d e C ris to ? E les n ã o s ã o in d ic a tiv o s
d e u m a re n o v a ç ã o to d o - a b r a n g e n te d a c ria ç ã o ? J e s u s n ã o s o m e n te p e r d o a
e r e n o v a , m a s ta m b é m c u r a e n f e r m o s e r e s s u s c ita m o r to s . S im , isso t u d o
é v e r d a d e . O r e in o é e x a ta m e n t e a s s im a b r a n g e n t e , m a s n e m t o d o s s ã o
c u r a d o s e r e s s u s c ita d o s . O s a t o s d e r e s s u r r e i ç ã o n ã o a p e n a s f o r a m n u -
m e r ic a m e n te p o u c o s , m a s ta m b é m o s q u e f o r a m b e n e f ic ia d o s a c a b a r a m
m o r r e n d o d e n o v o e m o u t r a o c a s iã o . N ã o f o r a m r e s s u s c ita d o s e m g ló -
r i a , c o m o o fo i J e s u s e c o m o n ó s o s e r e m o s u m d ia . O q u e te m o s n e s s e s
s in a is m i r a c u lo s o s é u m te s t e m u n h o d e C r is to e d a i n a u g u r a ç ã o d o se u
r e in o , n ã o u m p a d r ã o p a r a n o s s a o b r a v is a n d o à s u a c o n s u m a ç ã o . A e r a
p o r v ir e s tá i r r o m p e n d o n e s ta a t u a l e r a ím p ia , m a s e s ta c o n t i n u a s e n d o
u m a a t u a l e r a ím p ia . J e s u s c u r o u o p a r a l í ti c o e d isse : “ T e m b o m â n im o ,
filh o ; e s tã o p e r d o a d o s o s te u s p e c a d o s ” ( M t 9 .2 ) , p r o v o c a n d o a c u s a ç õ e s
d e b la s fê m ia p o r p a r te d o s líd e re s re lig io s o s . C o n h e c e n d o o s p e n s a m e n to s
d e le s , J e s u s d isse : “ P o r q u e c o g ita is o m a l n o v o s s o c o r a ç ã o ? P o is q u a l é
m a is fá c il? D iz e r: E s tã o p e r d o a d o s o s te u s p e c a d o s , o u d iz e r: L e v a n ta - te
e a n d a ? O r a , para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra
autoridade para perdoar pecados - d is s e , e n t ã o , a o p a r a lític o : L e v a n ta -
-te , to m a o te u le ito e v a i p a r a t u a c a s a ” ( M t 9 .4 - 6 , ê n fa s e a c r e s c e n ta d a ) .
A s o b r a s r e a l i z a d a s p o r J e s u s e r a m s in a is d e q u e t o d a a a u t o r i d a d e lh e
f o r a d a d a p a r a ju lg a r e p a r a p e r d o a r , n ã o liç õ e s c o n c r e ta s p a r a o n o s s o
c u m p r i m e n t o d a G r a n d e C o m is s ã o .
A s ig re ja s q u e o b r ig a m a c o n s c iê n c ia d o s se u s m e m b r o s a p o n t o s n ã o
e x p líc ita m e n te tr a ta d o s n a E s c r itu r a e s tã o fa z e n d o v io lê n c ia à c a to lic id a d e
d a ig r e ja e à l i b e r d a d e d o s c r is tã o s . E m r e s u m o , e la s e s tã o a c r e s c e n ta n -
d o a lg o a o e v a n g e lh o c o m o c o n d iç ã o e s s e n c ia l p a r a h a v e r c o m u n id a d e .
Q u e r o f a la r d e p o lític a q u a n d o v o u à ig re ja . É e x a ta m e n te o q u e e u q u e r o
f a la r s o b r e - e o u v ir a e sse r e s p e ito - d a p o lític a d o c é u q u e a g o r a m e s-
m o e s tá i r r o m p e n d o n e s ta a t u a l e r a ím p ia . E e s p a n to s o c o m o a s ig re ja s
r e lu ta m , n o s d ia s a tu a is , a d e ix a r q u e C r is to fa le c la r a m e n te e c o m a u to -
r id a d e a r e s p e ito d e q u e s tõ e s “ d iv is ó r ia s ” d e d o u t r i n a e p r á ti c a , e n q u a n -
t o e la s m e s m a s p a r e c e m m u i to d i s p o s ta s a d iv id ir a ig r e ja p o r q u e s tõ e s
c u l t u r a is e p o lític a s .
A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 2 63

U m r e c e n te a r ti g o n a Newsweek, e s c r ito p o r L is a M ille r , r e l a t a q u e


e v a n g é lic o s q u e d e r a m a p o io p ú b lic o à c a m p a n h a p r e s id e n c ia l d e B a ra c k
O b a m a m o s tr a m - s e c a d a v e z m a is im p a c ie n te s c o m o a p a r e n t e f r a c a s s o
d e u m a a in d a n ã o c u m p r i d a c o n s u m a ç ã o d a H i s t ó r i a . “ Q u a n d o B a r a c k
O b a m a e s ta v a c o n c o r r e n d o à p r e s id ê n c ia , u m g r u p o c h a m a d o M a t e u s
2 5 o a j u d o u a e le g e r-se . M e d i a n t e p r o p a g a n d a e d iv u lg a ç ã o , e sse g r u p o
c o n v e n c e u le g iõ e s d e e v a n g é lic o s m o d e r a d o s d e q u e O b a m a o s r e p r e s e n -
t a r i a .. . E m M a t e u s 2 5 J e s u s p r o m e t e u a s e u s d is c íp u lo s q u e e le s s e r ia m
r e c o m p e n s a d o s n o m u n d o f u tu r o p o r te r e m a lim e n ta d o o s f a m in to s e c u i-
d a d o d o s e n f e r m o s .” 41 M i l le r r e la ta : “ T e m o s n e c e s s id a d e d e u m l í d e r ” ,
d isse -m e [Jim ] W a llis, “ q u e c la m e , n ã o p o r m u d a n ç a in c re m e n ta i, m a s p o r
u m a p o lític a t r a n s f o r m a c io n a l. O p r e s id e n te p o d e r ia f a z e r is s o ” . A p e n a s
m u d e o p r o g r a m a , e o r e s u lta d o s o a r á c o m o a m a io r ia m o r a l n o v a m e n te .
O m e s s ia n is m o p o lític o im p õ e -s e à e s q u e rd a e à d ire ita . P o r m a is q u e m u i-
to s c o n s e r v a d o r e s d e p lo r e m o “ g o v e r n o g r a n d e ” , t o d o s p a r e c e m q u e r e r
q u e o P re s id e n te d o s E s ta d o s U n id o s i n t r o d u z a o m ilê n io . R ic h a r d C iz ik ,
e x - lo b is ta d a N A E , é c o f u n d a d o r d a N e w e v a n g e lic a l p a r tn e r s h i p f o r th e
c o m m o n g o o d [a n o v a p a r c e r ia e v a n g é lic a p a r a o b e m c o m u m ] , “ q u e v isa
r e d e f in ir o p r o g r a m a c r i s t ã o ” . H á ta m b é m a p r o g r e s s is ta u s in a d e id é ia s
T h i r d w a y [T e rc e iro c a m in h o ] . J o h n D a n f o r t h , e x - s e n a d o r r e p u b lic a n o e
c rític o d e O b a m a , d iz q u e c h e g o u a h o r a de se p r o c u r a r u m te r r e n o c o m u m
p a r a o s e v a n g é lic o s p ro g r e s s is ta s e o s c o n s e rv a d o re s . D a n f o r th a c re s c e n ta :
“ A c h o q u e M a te u s 2 5 é u m b o m lu g a r p a r a se c o m e ç a r ” .42
T o m o a lib e r d a d e d e d is c o r d a r . A lei m o r a l, in s c r ita n a c o n s c iê n c ia d e
to d o ser h u m a n o , é o lu g a r p a r a se c o m e ç a r. J á a rg u m e n te i a c im a q u e M a -
te u s 2 5 n ã o é s o b r e a liv ia r a fo m e e a p o b r e z a d o m u n d o n e m u m p o u c o
m a is d o q u e o a n ú n c io n a t a l i n o f e ito p e lo s a n jo s d e p a z n a t e r r a é u m a
h i s t ó r i a g e r a l a r e s p e i to d e J e s u s g a n h a r o P r ê m io N o b e l d a P a z . J e s u s
p r o v o c o u d iv is ã o e m Is r a e l e c o n t i n u a d iv id in d o fa m ília s , m u ito e m b o r a
p r o í b a o u s o d a f o r ç a n e s s a m is s ã o . N o e n t a n t o , t o d o e q u a l q u e r a lív io
d a p o b r e z a e d a v io lê n c ia t e m p o r a i s exige o u s o d e f o r ç a le g ítim a m e -
d ia n te le g is la ç ã o e im p o s iç ã o . C o m o c i d a d ã o s d e r e in o s te r r e n o s , p r in c i-
p á lm e n te n a s d e m o c r a c ia s , o s c r is tã o s e s tã o n e c e s s a r ia m e n te e n v o lv id o s
n e sse p r o c e s s o p o lític o . Q u e r e m o s leis ju s ta s , e q u e r e m o s p o d e r e s n a c ió -
n a is e i n t e r n a c i o n a i s q u e lh e s d e e m r e t a g u a r d a , p a r a o b e m d o s n o s s o s
s e m e lh a n te s . C o n tu d o , s e r á q u e é d e s s a m a n e ir a q u e o r e in o d e J e s u s e s tá
c r e s c e n d o , d e u m a s e m e n te d e m o s t a r d a a u m a g r a n d e á r v o r e c o m se u s
r a m o s c o b r in d o t o d o o g lo b o ? E m p a r t e , é a c o n f u s ã o d o a t u a l r e in o d a
264

g r a ç a d e C r is to c o m s e u f u t u r o r e in o e m g ló r ia q u e p r o v o c a a d e s ilu s ã o
d e a lg u n s q u e a p o i a m O b a m a , j u s t a m e n t e c o m o o s c o n s e r v a d o r e s p e r-
d e r a m a c o n f ia n ç a e m G e o r g e W . B u sh .
M a s to d o s n ó s - p r in c ip a lm e n te c o m o c r is tã o s - d e v e m o s o r a r n o sen -
tid o d e q u e a p o lític a seja in c r e m e n ta i, e n ã o tr a n s f o r m a c io n a l, c o m e d id a ,
e n ã o m e s s iâ n ic a . M u ita s v ezes c o m in te n ç õ e s a ltr u ís ta s , líd e re s d o “ tr a n s -
f o r m a c io n a l” c o m p o d e r p o lític o se t o r n a r a m d é s p o ta s e d ita d o r e s . V isto
q u e o s s e u s m o tiv o s s ã o c o r r e t o s (ju s tiç a , l i b e r t a ç ã o d a o p r e s s ã o , a lív io
d a p o b r e z a ) , a v is ã o e a e s tr a té g ia d e le s d e v e m se r le v a d a s a e fe ito a t o d o
c u s to . E les tê m d e q u e im a r to ta lm e n te a v e lh a o r d e m e c o m e ç a r t u d o n o -
v a m e n te . M a s o f a to é q u e , se p e n s a r m o s e m e d ific a r o re in o d e D e u s d e ssa
m a n e ir a , p ro v a v e lm e n te v a m o s o s c ila r c o m o u m p ê n d u lo , d e “ H o s a n a ! ” a
“ C ru c ific a - ο ! ” , c o m o fa z e m o s n a m o d e r n a p o lític a o c id e n ta l. E u , p o r m im ,
a le g r o -m e p o r v iv e r n u m a n a ç ã o n a q u a l o p r o c e s s o p o lític o fr e ia a s p re -
te n s õ e s m e s s iâ n ic a s d a q u e le s q u e d e f e n d e m a e x is tê n c ia d e u m a lid e r a n ç a
“ r e d e n t o r a ” . O s c r is tã o s d a e s q u e r d a e d a d ir e ita tê m u m a ilu s ó r ia o b se s-
s ã o p e lo s p o lític o s q u e b e ir a a id o la tr ia . E sse m a l n ã o s o m e n te d e s v ia a s
ig re ja s d a s u a G r a n d e C o m is s ã o , m a s t a m b é m p r e s s u p õ e q u e a s c u ltu r a s
s ã o m o d e la d a s m a is p e lo q u e a c o n te c e n a s e le iç õ e s g e r a is a c a d a q u a t r o
a n o s d o q u e p e la s fa m ília s, v iz in h a n ç a s , e sc o la s e p e la s a tiv id a d e s d e esferas
m a is a m p la s , c o m o a s a r te s , a s c iê n c ia s , o e n tr e te n im e n to e a te c n o lo g ia .
A ig r e ja d e v e s e m p r e r e c o r r e r a t o d a a P a la v r a d e D e u s , e se u d r a m a ,
s u a d o u t r i n a e s u a d o x o lo g ia m o d e la m o n o s s o d is c ip u la d o , n ã o a p e n a s
n a ig re ja , m a s ta m b é m n o m u n d o . C . S. L e w is se e x p r e s s a e lo q u e n te m e n -
te a esse re s p e ito : “ E u c r e io n o c r is tia n is m o c o m o c r e io q u e o so l r a io u -
n ã o s o m e n te p o r q u e o v e jo , m a s p o r q u e p o r ele e u v e jo t u d o o m a i s ” .43
Q u a n d o a p lic a m o s D e z M a n d a m e n t o s , o s c a te c is m o s d a R e f o r m a e n si-
n a m q u e eles in c lu e m r e s p o n s a b ilid a d e s p o s itiv a s p a r a q u e c u id e m o s d o s
n o s s o s s e m e lh a n te s - n ã o s o m e n te r e f r e a n d o - n o s d e lh e s c a u s a r d a n o , m a s
p r a t i c a n d o a t o s d e ju s tiç a e d e c a r i d a d e . D e u s n o s d iz q u e s o m o s c r ia -
d o s n u m a a lia n ç a , n ã o s o m e n te c o m e le e u n s c o m o s o u t r o s , m a s c o m
t o d a s a s c r ia t u r a s , s o b o m a n d a t o q u e n o s im p õ e c u i d a r d a c r ia ç ã o , e m
v ez d e e x p l o r á - l a e s a q u e á - la . E n o e v a n g e lh o e le n o s d iz o q u e fe z , fa z
e f a r á p a r a t o r n a r n o v a s t o d a s a s c o is a s . M e d i a n t e a P a la v r a , o E s p ír ito
e s tá c r i a n d o u m a n o v a s o c ie d a d e d e n t r o d o s r e in o s s e c u la r e s d e s ta e r a
c o m o u m s in a l d a n o v a c r ia ç ã o .
A v is ã o m o r a l d e D e u s p a r a e s te m u n d o n ã o m u d o u . O m a n d a m e n to
p a r a a m a r m o s a D e u s e a o p r ó x im o n ã o m u d a . C o n tin u a s e n d o o p a d r ã o
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 2 65

d a ju s tiç a d iv in a p a r a t o d a s a s e r a s e p a r a t o d a s a s p e s s o a s . O q u e m u -
d o u é a t r a n s i ç ã o d e s ta “ a t u a l e r a ” (s o b o p e c a d o e a m o r te ) p a r a “ a e r a
p o r v i r ” ( tr a z e n d o ju s tiç a e v id a ) , e is s o fa z t o d a a d if e r e n ç a .
E s s a t r a n s i ç ã o é r e c o n h e c id a e m l j o ã o 2 , e m q u e o a p ó s t o l o c o n c la -
m a o s s a n to s a a m a r e m u n s a o s o u tr o s :

Amados, não vos escrevo mandamento novo, senão mandamento


antigo, o qual, desde o princípio, tivestes. Esse mandamento antigo
é a palavra que ouvistes. Todavia, vos escrevo novo mandamento,
aquilo que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas se vão dis-
sipando, e a verdadeira luz já brilha. (2.7-8; ênfase acrescentada)

O u v i r e sse m a n d a m e n t o “ e m A d ã o ” , s o b o r e in a d o d o p e c a d o e d a
c o n d e n a ç ã o , d e ix a - n o s se m n e n h u m a e s p e r a n ç a . E le só d iz o q u e não te-
mos feito. N o e n t a n t o , o u v ir esse m a n d a m e n to “ e m C r i s t o ” , s o b o r e in a -
d o d a ju s tif ic a ç ã o e d a v id a e te r n a , fa z - n o s s a b e r q u e s o m o s c o n v o c a d o s
p a r a u m n o v o e s tilo d e e x is tê n c ia .
E s p e c ia lm e n te n a n o s s a c u l t u r a , m u i t a s v e z e s l a n ç a m o s a lei c o n t r a
o a m o r , m a s n a B íb lia a lei é s im p le s m e n te a e s tip u la ç ã o d o s d e v e re s d o
a m o r. O m a n d a m e n to d o a m o r é t ã o c o n d e n a to r io - d e f a to , m a is c o n d e -
n a t ó r i o - d o q u e o m a n d a m e n to q u e e x ig e q u e n o s re f r e e m o s d e p r a ti c a r
a to s d e v io lê n c ia . J e s u s d e m o n s tr o u n a p a r á b o la d o B o m S a m a r ita n o e e m
o u tr a s p a s s a g e n s q u e o g e n u ín o c u m p r im e n to d a lei (isto é, o a m o r) é m u i-
to m a is e x ig e n te d o q u e a c o n f o r m id a d e e x te r n a a u m s is te m a d e r e g r a s .
E n t ã o , l j o ã o 2 e s t á d i z e n d o q u e já r a i o u a p r o m e t i d a e r a d a n o v a
a lia n ç a , q u a n d o o E s p ír ito n o s d a r ia u m n o v o c o r a ç ã o p a r a a m a r a D e u s
e o p r ó x im o - com base no perdão dos pecados (Jr 3 1 .3 1 - 3 4 ) . C o m a re s-
s u r r e iç ã o d e C r is to c o m o a s p r im ic ia s , a e r a p o r v ir ir r o m p e u n e s ta a tu a l
e r a ím p ia , e m e s m o a q u e le s q u e s ã o a p e n a s e x t e r i o r m e n t e m e m b r o s d a
c o m u n id a d e p a c tu a i p a r ti c ip a m d e s s e s trailers d o s f u t u r o s a t r a t iv o s p o r
m e io d a P a la v r a e d o s s a c r a m e n to s ( H b 6 .4 - 8 ) .
P a r a o s c r e n te s , o m a n d a m e n to p a r a a m a r a p r o f u n d a - s e n o s se u s c h a -
m a d o s e n a s u a in t e n s i d a d e . E p o r is s o q u e o S e r m ã o d o M o n t e é m a is
e x ig e n te a té d o q u e a lei d a d a a o p o v o n o m o n te S in a i. A m a r n o s s o s ini-
migos? O s s a lm o s in c lu e m o r a ç õ e s q u e c la m a m p e la m a l d i ç ã o d e D e u s
s o b r e o s s e u s i n im ig o s , m a s a g o r a J e s u s n o s e n s in a q u e , p e la fé , d e v e -
m o s o r a r p o r a q u e le s q u e n o s p e r s e g u e m p o r c a u s a d a n o s s a fé . C o m -
p a r t i l h a r n o s s o s b e n s te r r e n o s c o m o s p o b r e s , e s p e c ia lm e n te c o m n o s s o s
266

ir m ã o s e m C ris to ? M o s t r a r h o s p ita lid a d e p a r a c o m e s tr a n h o s , s e m e sp e -


r a r n e n h u m r e to r n o ? C o m p a r t i l h a r n o s s o s r e c u r s o s m a te r ia is c o m n o s -
s o s i r m ã o s e ir m ã s c o m o d á d iv a s d e D e u s , e m v e z d e o s c o n s i d e r a r m o s
c o m o n o s s o t e s o u r o p e s s o a l? S im , e sse é o p a d r ã o , n ã o a p e n a s p a r a o s
s u p e r s a n to s e p a r a o s m o n g e s , m a s p a r a t o d o c r e n te . E já n ã o é u m fa r-
d o , p o rq u e a a m e a ç a d e ju lg a m e n to p o r d e ix a r d e e x e c u ta r e ssa v o c a -
ç ã o a d e q u a d a m e n t e já n ã o p e s a s o b r e n ó s . A g o r a a m a m o s e s e r v im o s
a o s n o s s o s s e m e lh a n te s c o m o a q u e le s q u e f o r a m ju s tif ic a d o s e q u e e s tã o
s e n d o r e n o v a d o s d ia a d ia , c o n f o r m a d o s à im a g e m d o n o s s o S a lv a d o r.
P o r t a n t o , n u m s e n tid o , o G r a n d e M a n d a m e n t o é a n tig o , m a s e m o u t r o
s e n tid o , é n o v o . A g o r a e le v e m p a r a n ó s c o m o p a r a a q u e le s q u e p a r tic i-
p a m d a v id a r e s s u r r e ta d e C r is to .
E m b o r a o m a n d a m e n to d o a m o r p e r m a n e ç a , p a r a o s c r e n te s q u e e n -
c o n t r a m s u a ju s tif ic a ç ã o n a ju s tiç a d e C r is to ele n ã o v e m m a is c o m u m a
a m e a ç a . N ã o s ã o o s p r e c e ito s d a lei q u e s ã o c a n c e la d o s , d e a c o r d o c o m
C o lo s s e n s e s 2 , m a s s im “ O e s c r ito d e d ív id a , q u e e r a c o n t r a n ó s e q u e
c o n s t a v a d e o r d e n a n ç a s ” (v .1 4 ).
A ig re ja p r o c la m a o s d ir e ito s d e D e u s s o b r e o m u n d o n a c r ia ç ã o . E la
a n u n c ia a a u r o r a d a n o v a c r ia ç ã o q u e n o s d á u m n o v o m o d o a té m e s m o
d e v e r o G r a n d e M a n d a m e n t o . E e la te s tific a , n ã o s o m e n te d a in t e r r u p -
ç ã o d a g r a ç a n o e v a n g e lh o , m a s ta m b é m o ju íz o v in d o u r o s o b r e a B a b i-
lô n ia , a c id a d e d a o p r e s s ã o .

... sobre ela, choram e pranteiam os mercadores da terra, porque


já ninguém compra a sua mercadoria, mercadoria de ouro, de pra-
ta, de pedras preciosas, de pérolas, de linho finíssimo, de púrpu-
ra, de seda, de escarlata; e toda espécie de madeira odorífera, todo
gênero de objeto de marfim, toda qualidade de móvel de madeira
preciosíssima, de bronze, de ferro e de mármore; canela de cheiro,
especiarias, incenso, ungüento, bálsamo, vinho, azeite, flor de fa-
rinha, trigo, gado e ovelhas; e de cavalos, de carros, de escravos e
até almas humanas. (Ap 18.11-13)

E , n o c o r p o d e C r is to , já s o m o s c h a m a d o s p a r a u m a f o r m a r a d ic a l d e
e x is tê n c ia c o m o u m a n te g o z o d a c id a d e d e D e u s. N a ig re ja n ã o d e v e ex is-
t i r n e n h u m a d is tin ç ã o e n tr e e s c ra v o e liv re ( M t 2 0 .2 7 ; G1 3 .2 8 ; C l 3 .1 1 ) ,
n e m e n tr e r ic o e p o b r e ( I C o 1 1 .1 7 - 3 4 ) .
N o e n t a n t o , n o s se u s a f a z e re s civ is, a s ú n ic a s e x o r ta ç õ e s s ã o p a r a q u e
o s d o n o s d e e s c ra v o s e o s e s c ra v o s se t r a t e m c o m m ú tu o r e s p e ito (E f 6 .9 ;
A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 2 67

C l 3 .2 2 ; 4 .1 ; I P e 2 .1 8 ) . E n ã o e r a u m a e s c r a v id ã o b a s e a d a e m r a p t o o u
s e q u e s tr o , e m e s m o R o m a , e m s u a d e c a d ê n c ia , t r a t a v a o s e s c ra v o s c o m o
p e s s o a s . E m c o n t r a s t e c o m a e s c r a v i d ã o m o d e r n a , a e s c r a v a t u r a f a z ia
p a r t e d e u m s is te m a e c o n ô m ic o n o q u a l u m d e v e d o r p o d i a r e s g a t a r s u a
d ív id a o u t r a b a l h a r p o r e sse re s g a te c o m o e s c ra v o - o u p o d e r ía s e r re s g a -
t a d o p o r o u tr e m . C e r ta m e n te u m a v is ã o d e p le n a a b r a n g ê n c ia d o a m o r
a o p r ó x i m o a c a b a r ia e lim in a n d o a té m e s m o e s s a v e r s ã o d a e s c r a v id ã o ,
m a s o N o v o T e s t a m e n to n ã o f o r n e c e u o m a n d a t o o u o p r o j e t o p a r a a
s u a e lim in a ç ã o . O s c r is tã o s , t r a b a l h a n d o a o l a d o d e n ã o c r is tã o s , fin a l-
m e n te a b a n d o n a r a m e s s a in s t it u i ç ã o s o c ia l. A s E s c r itu r a s n ã o e n s in a m
n e m c a p ita lis m o n e m s o c ia lis m o , c o m o t a m p o u c o d á q u a l q u e r in s tr u ç ã o
a c e r c a d a e d if ic a ç ã o d e u m a i n f r a e s t r u t u r a s o c ia l o u p a r a g e r e n c ia r so -
c o r r o a d ív id a s in te r n a c io n a is .

A graça salvadora e a graça comum


S eg u e -se , p o is , q u e o N o v o T e s ta m e n to a lte r a f u n d a m e n ta lm e n te o n o s s o
m o d o d e s e r n o m u n d o , s e m d a r i n s tr u ç õ e s e s p e c ífic a s s o b r e n u m e r o s a s
q u e s tõ e s d a s q u a is t r a t a m o s c a d a d ia e m c o m u m c o m o s n o s s o s s e m e -
lh a n te s d e s c re n te s . E m a c ré s c im o a o s tr iu n f a is in d ic a tiv o s d o e v a n g e lh o , a
P a la v r a d e D e u s n o s f o r n e c e c la r o s im p e r a tiv o s q u a n t o a c o m o e s ta n o v a
c r ia ç ã o t r a n s f o r m a , d e a lto a b a ix o , o s n o s s o s r e la c io n a m e n to s . C o n tu -
d o , a p e s a r d o s n u m e r o s o s d e ta lh e s r e la c io n a d o s c o m a m e n s a g e m , a m is-
s ã o , o m in is té r io , o s o fíc io s e o s p a d r õ e s d o d is c ip u la d o c r is tã o d a ig re ja ,
q u a n d o se t r a t a d a s n o s s a s v o c a ç õ e s n o m u n d o , s im p le s m e n te n o s é d ito
q u e re s p e ite m o s a q u e le s q u e e x e r c e m a u t o r i d a d e s o b r e n ó s e o r e m o s p o r
e le s, e q u e a m e m o s e s ir v a m o s a o s n o s s o s s e m e lh a n te s . E m v is ta d a v o l-
t a d e C r is to , P a u lo e x o r ta o s te s s a lo n ic e n s e s : “ a d ilig e n c ia r d e s p o r v iv e r
tr a n q u ila m e n te , c u id a r d o q u e é v o s s o e t r a b a l h a r c o m as p r ó p r ia s m ã o s ,
c o m o v o s o r d e n a m o s ; d e m o d o q u e v o s p o r te is c o m d ig n id a d e c o m o s d e
f o r a e d e n a d a v e n h a is a p r e c i s a r ” ( l T s 4 .1 1 - 1 2 ) .
A m a r e s e rv ir a o s n o s s o s s e m e lh a n te s n a s n o s s a s v o c a ç õ e s c o m u n s n ã o
é “ o b r a d o r e i n o ” . É u m s e rv iç o q u e t o d o s o s se re s h u m a n o s s ã o o b r ig a -
d o s a p r e s ta r a o s se u s s e m e lh a n te s . Q u a n d o o d e s a fio se re fe re a p r o je to s
d e s e rv iç o , a p r o g r a m a s d a c o m u n id a d e e a o u t r a s f o r m a s d e a s s is tê n c ia ,
te m o s lib e r d a d e p a r a t r a b a l h a r a o l a d o d e n ã o c r is t ã o s p a r a a t e n d e r a s
n e c e s s id a d e s d o p r ó x im o . O s c r is tã o s tê m ta m b é m lib e r d a d e p a r a , ju n to s ,
f o r m a r a s s o c ia ç õ e s p a r a p r o je to s e in te re s s e s c o m u n s : h o s p ita is , a g ê n c ia s
de s o c o r r o , c e n tr o s d e a te n d im e n to a g r á v id a s , a b r ig o s p a r a o s s e m - te to ,
2 68

u s in a s d e id e ia s p o lític a s e s o c ie d a d e s p a r a a d v o g a d o s , m é d ic o s e o u tr o s
p ro fis s io n a is c ris tã o s . N o e n ta n to , seja t r a b a lh a n d o p rin c ip a lm e n te a o la d o
d e c r is tã o s , se ja d e n ã o c r is tã o s , o s se u s la b o r e s s ã o c o m u n s , n ã o s a n to s .
O tr a b a l h o n ã o p re c is a s e r s a n to p a r a se r im p o r t a n t e e h o n r a r a D e u s,
n ã o m a is q u e o c a s a m e n to n ã o p r e c is a s e r u m s a c r a m e n t o p a r a s e r u m a
in s t it u i ç ã o o r d e n a d a p o r D e u s . N ã o s o m e n te a ig r e ja , m a s “ a o S enhor
p e r te n c e a t e r r a e t u d o o q u e n e la se c o n t é m ” (SI 2 4 .1 ) . T o d o s o s d ia s ,
D e u s e s tá e m p e n h a d o n u m l a b o r c o m u m p a r a d a r a n ó s e a o n o s s o p r ó -
x i m o n ã o c r e n t e a q u i l o d e q u e n e c e s s ita m o s p a r a o s u s t e n t o d i á r i o . O
n o s s o t r a b a l h o c o m u m - a n o s s a la b u t a “ a o o r ie n te d o ja r d im d o É d e n ”
- é c r u c ia l, mas é ao oriente do jardim do Éden: o tra b a lh o de D eu s n a
g r a ç a c o m u m , n ã o n a g r a ç a s a lv a d o r a . Q u a n d o c o n s e r ta m o s u m te lh a d o
o u e s f re g a m o s u m a s s o a lh o , o u q u a n d o d e f e n d e m o s u m a c a u s a d ia n te d o
S u p r e m o T r ib u n a l, n ã o e s ta m o s c o n d u z in d o n in g u é m p a r a d e n tr o d o re i-
n o d e D e u s , m a s e s ta m o s c u m p r i n d o a n o s s a v o c a ç ã o d iv in a n o m u n d o
c o m o c o n c id a d ã o s . Q u a n d o f a z e m o s e s s a s c o is a s p a r a a g ló r ia d e D e u s ,
à lu z d a n o s s a s o b e r a n a v o c a ç ã o e m C r i s t o e c o m p a r t i c i p a ç ã o e m s e u
n o v o re g im e , a té v a r r e r o c h ã o re v e s te -s e d e n o b r e z a . P o r m a is v u lg a r e
Deus e s tá a m a n d o
in s ig n if ic a n te q u e a t a r e f a p o s s a p a r e c e r , e s e r v in d o
a o s n o s s o s s e m e lh a n te s por meio do nosso trabalho pesado.
N ã o p re c is a m o s d e m a is c r u z a d a s p o lític a s , m o r a is e c u ltu r a is . E m v ez
d is s o , n o s s a n e c e s s id a d e é d e c r is t ã o s “ s a l g a d o s ” , c u ja fé r o b u s t a e só -
lid o d is c i p u l a d o m o d e le m s e u m o d o d e p e n s a r , d e v iv e r e d e e x e r c e r o s
s e u s d o n s , o s e u t r e i n a m e n to e a s u a s a b e d o r i a n a s s u a s v o c a ç õ e s . N ã o
p r e c is a m o s d e m a is ig re ja s c h a m a d a s p a r a o b r ig a ç õ e s a tiv a s n a s g u e r r a s
c u l t u r a is . P r e c is a m o s d e m a is ig r e ja s q u e s e ja m u s in a s d e “ r e s s a lin iz a -
ç ã o ” , e n ã o de dessalinização, ig re ja s d e d ic a d a s a fa z e r e m d is c íp u lo s q u e
n ã o s o m e n te s e ja m p e r d o a d o s e r e n o v a d o s e m C r is to , m a s q u e ta m b é m
s e ja m b e m e n s in a d o s e q u e s e ja m d e f a to a tiv o s n o m u n d o - n a f a m ília ,
n a s v i z in h a n ç a s , n a e s c o la , n o lo c a l d e t r a b a l h o e e m o r g a n iz a ç õ e s v o -
lu n t á r i a s , a m a n d o o s se u s s e m e lh a n te s p o r m e io d e s u a e x c e lê n c ia v o c a -
c io n a l, c o m o ta m b é m p o r m e io d o s e u te s t e m u n h o d e C r is to .

Indicativos e imperativos
Os imperativos b íb lic o s s e m p re s ã o a r e s p o s ta r a c io n a l a o s indicativos bí-
b lic o s . E m o u tr a s p a la v r a s , o s m a n d a m e n to s d e D e u s se b a s e ia m n a s su a s
o b r a s . C o m o h e r d e ir o s p a c tu a i s , s ã o d a d o s a o s c r e n te s d o is m a n d a t o s :
a G r a n d e C o m is s ã o e o G r a n d e M a n d a m e n t o . O Grande Mandamento
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 2 69

te m s u a s ra íz e s n o a to d iv in o d e c r ia ç ã o . A m a r a D e u s e a o s n o s s o s se m e -
lh a n te s é a r e s p o s t a r a c i o n a l à o b r a d o T r in o D e u s e m c r ia r o s e u m u n -
d o , e e m c u i d a r d e le e g o v e r n á - l o . “ A o S e n h o r p e r te n c e a t e r r a e t u d o
o q u e n e la se c o n t é m ” (SI 2 4 .1 ) . A Grande Comissão tem suas raízes no
ato divino de redenção. L e v a r a s b o a s - n o v a s d a v itó r ia d e C r is to a té a o s
c o n f in s d a t e r r a é a r e s p o s t a a p r o p r i a d a à s u a o b r a s a lv ífic a . C o m o b e -
n e f ic iá rio d a G r a n d e C o m is s ã o , o c r e n te v e r á a té m e s m o o G r a n d e M a n -
d a m e n t o s o b n o v a lu z , s e r á li b e r t a d o p a r a a c e itá - la d e c o r a ç ã o , e v iv e rá
t e n d o e m v is ta a s u a p le n a c o n c r e tiz a ç ã o n o s á b a d o e te r n o .
T o d a a a u t o r i d a d e n o s c é u s e n a t e r r a p e r te n c e a C r is to , m a s e m d o is
s e n tid o s : c o m o o m e d i a d o r d a c r ia ç ã o e c o m o o m e d i a d o r d a r e d e n ç ã o .
O G r a n d e M a n d a m e n t o e a G r a n d e C o m is s ã o tê m s u a a u t o r i z a ç ã o n e s -
sa s d u a s o b r a s d is tin ta s . O s e g u in te g rá fic o a ju d a a e x p lic a r e s te p o n t o :
“ T o d a a a u t o r i d a d e m e fo i d a d a n o s c é u s e n a t e r r a . Id e , p o r t a n t o . . . ”

A Grande Comissão O Grande Mandamento


Proclamar o evangelho a toda criatura Amar a Deus e ao próximo
Batizar Fazer justiça e amar com misericórdia
Servir a Ceia Viver retamente, defender a justiça
Ensinar e obedecer Viver de maneira sábia
Cuidar do corpo e da alma dos santos Viver de maneira compassiva
Testemunhar ao próximo Servir ao próximo por meio das vocações

A G r a n d e C o m is s ã o r e f le te o s a n t o (a g r a ç a s a l v a d o r a ) , e é o n d e o s
d is c íp u lo s s ã o fe ito s . O G r a n d e M a n d a m e n t o re fle te a g r a ç a c o m u m , e é
p a r a o n d e o d is c ip u la d o v a i.

O REINO QUE ESTAMOS RECEBENDO: SEGUINDO O FLUXO DOS DONS


T ia g o n o s le m b r a : “ T o d a b o a d á d iv a e t o d o d o m p e r f e ito s ã o lá d o a lto ,
d e s c e n d o d o P a i d a s lu z e s , e m q u e m n ã o p o d e e x is tir v a r ia ç ã o o u s o m -
b r a d e m u d a n ç a . P o is , s e g u n d o o s e u q u e r e r, e le n o s g e r o u p e la p a l a v r a
d a v e r d a d e , p a r a q u e f ô s s e m o s c o m o q u e p r im ic ia s d a s s u a s c r i a t u r a s ”
(T g 1 .1 7 - 1 8 ) . D o m e s m o m o d o , P a u lo d is s e a o s filó s o fo s a te n ie n s e s q u e
D e u s n ã o te m n e c e s s id a d e d e c o is a a lg u m a , m a s f o r n e c e t o d a s a s c o is a s
b o a s , p a r a o n o s s o s u s te n to (A t 1 7 .2 4 - 2 5 ) . D e u s é o d o a d o r , n ã o o re c e -
b e d o r , d e t o d o b e m : “ Q u e m p r im e ir o d e u a e le p a r a q u e lh e v e n h a a s e r
r e s titu id o ? P o r q u e d e le , e p o r m e io d e le , e p a r a ele s ã o to d a s a s c o is a s . A
ele, p o is , a g ló r ia e te r n a m e n te . A m é m ! ” (R m 1 1 .3 5 - 3 6 ) .
2 70

As dádivas descent para nós e então fluem para os nossos próximos


por nosso intermédio. E ssa é u m a d a s ê n fa s e s p r á tic a s m a is ú te is d e M a r -
t i n h o L u te r o p a r a a n o s s a e s p ir itu a lid a d e n o m u n d o . D e u s n o s d á a sa l-
v a ç ã o ju n to c o m o n o s s o p ã o d iá r io , e e n tã o n o s c h a m a p a r a q u e s e ja m o s
m e io s p e lo s q u a is e le s ir v a a o s n o s s o s s e m e lh a n te s e m n o s s a s v o c a ç õ e s
e c o m o n o s s o te s te m u n h o . N ã o a p r e s e n ta m o s as n o s s a s b o a s o b ra s a
D e u s , c o m o se ele d e v e sse r e c o m p e n s a r - n o s , m a s a o s n o s s o s s e m e lh a n te s
c o m o q u e m e s tá liv re p a r a a m a r s e m a m e a ç a s n e m r e c o m p e n s a s . T e m o s
d e e n te n d e r a d ir e ç ã o n a q u a l a s d á d iv a s d e D e u s flu e m :

DEUS

1
C R E N T E S — ► P R Ó X IM O S

A h is tó r ia b íb lic a n ã o n o s le v a e x a ta m e n t e a c o n c lu ir q u e nós so m o s
a q u e le s q u e e d if ic a m o s o r e in o d e D e u s . M a i s c a r a c te r í s t ic a m e n t e , e m
a m b o s o s T e s t a m e n to s , a ig r e ja é a m b í g u a e m s u a id e n tif ic a ç ã o c o m o
r e in o d e D e u s , e m u i to m e n o s d e v e r e c e b e r o c r é d i t o p e la r e d e n ç ã o d o
m u n d o . D e f a to , o e s c r ito r d e H e b r e u s le m b r a - n o s q u e m e s m o a te o c r a -
c ia d a a n tig a a lia n ç a e r a u m r e in o f r á g il e te m p o r á r i o , e a g o r a , o b s o le to .
Tudo o que pode se r a b a la d o , será a b a la d o , d iz ele, a té q u a n d o tu d o o q u e
p e r m a n e c e r n o m e io d o r e s to l h o s e r á a c a s a c o n s t r u í d a p o r D e u s . “ P o r
isso , r e c e b e n d o n ó s u m r e in o in a b a l á v e l ” o e s c r ito r in s tr u i: " ... s ir v a m o s
a D e u s d e m o d o a g r a d á v e l, c o m r e v e r ê n c ia e s a n t o t e m o r ” ( H b 1 2 .2 8 ) .
É u m r e in o r e d e n to r , n ã o u m r e in o c iv il, e o T r in o D e u s é o a r q u i t e t o e
e d ific a d o r (H b 1 1 .1 0 ). A n o s s a r e s p o s ta é g r a tid ã o e te s te m u n h o , n ã o a u -
t o c o n g r a t u la ç ã o e a m b ic io s o p l a n e ja m e n to s o c ia l. N ã o e s ta m o s c r ia n d o
u m r e in o d e s a c e r d o te s p a r a o n o s s o D e u s . A n te s , C r is to é a c la m a d o n o
c é u n e s te s te r m o s : “ ... p o r q u e f o s te m o r t o e c o m te u s a n g u e c o m p r a s te
p a r a D e u s o s q u e p r o c e d e m d e t o d a t r i b o , lín g u a , p o v o e n a ç ã o e p a r a o
n o s s o D e u s 05 constituíste r e in o e s a c e r d o te s ; e r e i n a r ã o s o b r e a t e r r a ”
(A p 5 .9 - 1 0 ; ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) .
E r e a lm e n te u m g r a n d e a lív io s a b e r q u e n ã o s o m o s c h a m a d o s p a r a re -
d im ir o m u n d o o u p a r a tr a n s f o r m á - lo . F o m o s lib e r ta d o s p a r a p r o c la m a r
o e v a n g e lh o q u a n d o s a b e m o s q u e e s ta m o s recebendo u m re in o in a b a lá v e l.
E s o m o s r e a lm e n te lib e r a d o s p a r a a m a r e s e r v ir a o s n o s s o s s e m e lh a n te s
q u a n d o sab em o s que Deus tr a n s f o r m a r á o s re in o s d e s ta e ra q u a n d o C ris to
v o l t a r à T e r ra . A liv ia d o s d o f a r d o im p o s s ív e l d a s e x ig ê n c ia s d e r e d e n ç ã o
A GRANDE COMISSÃO E 0 GRANDE MANDAMENTO 271

e tr a n s f o r m a ç ã o d o m u n d o , fic a m o s liv re s p a r a c u m p r ir a G r a n d e C o m is-


s ã o e o G r a n d e M a n d a m e n t o c o m a to s c o n c r e to s , e sp e c ífic o s e g e r a lm e n -
te n ã o n o t a d o s e m f a v o r d e p r ó x im o s c o n c r e to s e e sp e c ífic o s a c a d a d ia .
J á é m u ito d ifíc il c r e r r e a lm e n te q u e s o m o s a q u e le s q u e re c e b e m e n ã o
o s c o l a b o r a d o r e s d a n o s s a r e d e n ç ã o . O d e s a fio a d ic io n a l é c r e r q u e e s ta -
m o s r e c e b e n d o , e n ã o e d if ic a n d o , u m r e in o in a b a lá v e l. P o d e m o s s e r sa l-
v o s p e la g r a ç a , m a s a g o r a o f o c o e s tá n a n o s s a o b r a d e tr a n s f o r m a ç ã o .
P a r a n ó s é d e f a to m u i to d ifíc il c r e r q u e t o d o s o s d o n s o u d á d iv a s v ê m
d e D e u s p a r a n ó s e, p o r n o s s o in te r m é d io , p a s s a m p a r a o s n o s s o s p r ó x i-
m o s . Q u e r e m o s in v e r te r e s s a d ir e ç ã o . C o m o P e d r o , m u ita s v e z e s s o m o s
p i e d o s o s d e m a is p a r a p e r m i t i r q u e D e u s n o s s irv a ; n ó s é q u e q u e r e m o s
s e r v i- lo (Jo 1 3 .3 - 2 0 ) . M a s t o d a s a s b o a s d á d iv a s v ê m d e D e u s p a r a n ó s
e p o r m e io d e n ó s p a r a o n o s s o p r ó x i m o , n ã o d e n ó s p a r a D e u s e p a r a
o n o s s o p r ó x im o .
B ria n M c L a r e n le v a n ta u m p o n t o im p o r ta n te : “ A b u s c a d a m in h a sal-
v a ç ã o p e s s o a l c o m o o fim s u p r e m o n ã o p o d e to r n a r - s e o s u p r e m o c o n -
s u m i s m o o u n a r c i s i s m o ? ” .44 D e f a t o , is s o é p o s s ív e l. N u m a s o c ie d a d e
o r i e n t a d a p e lo c o n s u m is m o , tudo e s tá à v e n d a , e h á u m a e sp é c ie d e n a r -
c is is m o e m f a z e r d a n o s s a s a lv a ç ã o o fim s u p r e m o d a n o s s a e x is tê n c ia .
N o e n t a n t o , h á d u a s m a n e ir a s d e l id a r c o m is s o . A p r im e ir a é d iz e r, c o m
M c L a r e n , q u e o e v a n g e lh o é u m c h a m a d o p a r a a m a r a D e u s e a o s n o s s o s
s e m e lh a n te s - e isso é s a lv a ç ã o . A s e g u n d a é d izer, c o m a s E s c r itu r a s , q u e
fo m o s c r ia d o s p a r a a g ló r ia d e D e u s, q u e s o m o s in c a p a z e s d e c u m p r ir esse
fim s u p r e m o ( n ã o p o r q u e “ m u i ta s v e z e s e s t a m o s i g n o r a n t e m e n te e r r a -
d o s e a g im o s c o m e s t u p i d e z ” , m a s p o r q u e s u p r im im o s in te n c io n a lm e n te
a v e r d a d e p e la in ju s tiç a ) , e q u e o e v a n g e lh o c o n s is te e x c lu s iv a m e n te d o
a n ú n c io d o q u e D e u s e m C r is to fe z p a r a r e d im ir a s u a c r ia ç ã o .
E s s a s e g u n d a r e s p o s t a fo i o c o n s e lh o q u e C a lv in o d e u a o c a r d e a l S a-
d o le to . O r e f o r m a d o r d is s e q u e q u a n d o a n o s s a s a lv a ç ã o é c o lo c a d a e m
n o s s a s m ã o s , s e m p r e d e s g o s ta m o s a n o s s a a lm a . T o d a e m o ç ã o o u a tiv i-
d a d e p i e d o s a é p l a n e j a d a t e n d o e m v is ta se v a i m e l h o r a r o n o s s o r e la -
c i o n a m e n to c o m D e u s . C o n t u d o , a r g u m e n t o u e le , q u a n d o e n tr e g a m o s
a n o s s a s a lv a ç ã o s o m e n te a C r is to , c o n f ia n d o n o s se u s m é r ito s , p e la
p r i m e i r a v e z s o m o s c a p a c i t a d o s a a m a r e s e r v ir a o s o u t r o s s e m n e n h u -
m a p r e o c u p a ç ã o c o m r e c o m p e n s a s o u p u n iç õ e s . U m a v e z q u e já n o s fo i
d a d a t o d a b ê n ç ã o e s p ir itu a l n o s lu g a r e s c e le s tia is , p o d e m o s d a r a o s n o s -
s o s p r ó x i m o s a q u i l o d e q u e e le s n e c e s s ita m , s e m n o s p r e o c u p a r c o m o
q u e c o lh e r e m o s d is s o .45 M a s is s o n ã o s e r ia p o s s ív e l se C r is to n ã o tiv e s s e
2 72

c u m p r id o a lei e m n o s s o lu g a r e n ã o tiv e s s e s u p o r t a d o a ir a d e D e u s p o r
n o s s a s tr a n s g r e s s õ e s . “ E n q u a n t o a s p e s s o a s n ã o s ã o p e r s u a d i d a s d e q u e
D e u s é a f o n te d e t o d o o n o s s o b e m , e q u e ele n ã o d e ix o u n e n h u m a p a r -
te d a s a lv a ç ã o a c a r g o d e l a s ” , C a lv in o in s is te , “ e la s n u n c a se d e d ic a r ã o
a ele d e m o d o t o t a l , v e r d a d e i r o e s i n c e r o ” .46 A g r a ç a in s p ir a a g r a ti d ã o .
“ N e s te a s p e c to , h á ... u m p a r a le lo e x a to e n tr e p ie d a d e e f é ” , o b s e v a B. A .
G e r r is h . S o m e n te p o r c a u s a d o p e r d ã o d o s p e c a d o s q u e v e m d e C r is to a
c o n s c iê n c ia in t r a n q u i l a p o d e fic a r c e r ta e s e g u r a d e q u e D e u s é v e r d a d e i-
r a m e n te b o m e a f o n te d e t o d o b e m .47
P o r t a n t o , u n ic a m e n te d e D e u s t o d a b o a d á d i v a e t o d o d o m p e r f e ito
v ê m a o m u n d o , e e n t ã o s ã o d i s tr ib u íd o s p o r n ó s p a r a a fe s ta . A ig re ja é
o lugar o n d e o s p e c a d o r e s se r e ú n e m p a r a re c e b e r, m a s é t a m b é m o povo
q u e é d is p e r s o p a r a c u m p r i r s u a s v o c a ç õ e s c o m u n s . N e s te ú ltim o c a s o ,
a ig re ja n ã o te m n e n h u m d o m ín io . E la n ã o p o d e m a n d a r a c o m u n id a d e
p a c tu a i a d o t a r p a r ti c u la r e s id e o lo g ia s p o lític a s , p r a x e s a d m in is tr a tiv a s ,
p a r t i d o s o u p o lític o s . A ig r e ja só p o d e te s tif ic a r d o r e in o d a g r a ç a , n ã o
i n a u g u r a r o r e in o d a g ló r ia . P o r t a n t o , C a lv in o , c o m o t a m b é m L u t e r o ,
re f e r e - s e a “ d o is r e i n o s ” q u e d e v e m s e r m a n t i d o s d i s t in t o s n a p r e s e n te
e r a , e m b o r a o c r e n te p a r tic ip e d e a m b o s .48
G u s ta v W in g r e n fa z u m b e lo r e s u m o d a p r e o c u p a ç ã o d e L u te r o c o m
o p r ó x i m o c o m o d e s t i n a t á r i o d a s b o a s o b r a s d o c r e n te . E m v e z d e v i-
v e r e m e m m o s t e i r o s , a s e r v iç o d e si m e s m o s e d a s u a p r ó p r i a s a lv a ç ã o ,
o u d e v iv e re m e m c a s te lo s , o r d e n a n d o a o m u n d o q u e e s p e lh e o r e in o d e
C r is to , L u te r o a r g u m e n t a : o s c r e n te s d e v e m a m a r e s e r v ir a s e u s p r ó x i -
m o s p o r m e io d a s s u a s v o c a ç õ e s n o m u n d o , o n d e o s se u s p r ó x im o s tê m
n e c e s s i d a d e d e l e s .49 “ D e u s n ã o p r e c i s a d a s n o s s a s b o a s o b r a s , m a s o
n o s s o p r ó x i m o p r e c i s a .” 50 Q u a n d o o f e r e c e m o s n o s s a s o b r a s a D e u s , si-
m u lta n e a m e n te “ t e n t a m o s d e p o r C r is to d o se u t r o n o ” e n e g lig e n c ia m o s
n o s s o p r ó x i m o , v is to q u e e ssa s o b r a s “ e v id e n te m e n te , f o r a m r e a liz a d a s
n ã o p a r a o b e m d o [n o s s o ] p r ó x i m o , m a s p a r a s e r e m e x ib id a s d ia n te d e
D e u s ” .51 W in g r e n o b s e r v a q u e “ N o s e u [d e L u te r o ] Tratado sobre a li-
berdade cristã, a p r in c ip a l id e ia é q u e o c r is t ã o v iv e e m C r is to p e la fé e
e m s e u p r ó x i m o p e lo a m o r ” .52

Em fé, que aceita a dádiva, o homem descobre que não é só “ o céu


que é puro com suas estrelas, onde Cristo reina em sua obra” , mas
que também a terra está limpa “com suas árvores e sua grama, onde
nos sentimos em casa com tudo o que é nosso” . Não há nada mais
A GRANDE COMISSÃO E O GRANDE MANDAMENTO 273

deleitável e amável na terra do que o nosso próximo. O amor não


pensa em realizar obras, o amor acha alegria nas pessoas; e quan-
do algo bom é feito pelo bem de outros, isso não parece ao amor
como obras, mas simplesmente como dádivas que fluem natural-
mente do amor.53

P o r t a n t o , o r e g im e d a g r a ç a n ã o e s tá e m c o n f lito c o m o d a c r ia ç ã o ,
m a s o c u m p r e . O m a n d a m e n to p a r a a m a r , L u te r o in s is te , é lei n a t u r a l . 54
C o n t u d o , a lei e s c r ita n a c o n s c iê n c ia n a c r ia ç ã o é g r a v a d a c o m le tr a s v i-
v a s p e lo E s p ír ito n o c o r a ç ã o d a q u e le s q u e s ã o a r r a s t a d o s p a r a d e n t r o d a
n o v a c r ia ç ã o .
9_______________________
_______________________

Indo alóm do objetivo


original da missão
Inventando o nosso próprio plano estratégico

<7^ g o ra q u e a p re se n te i u m a r g u m e n to p o sitiv o em fa v o r d o q u e e n te n d o

1Λ . c o m o o c e rn e d a c o m is s ã o d o n o s s o S e n h o r p a r a a s u a ig re ja , e ste
c a p ítu lo se e n v o lv e m a is c ritic a m e n te c o m os d e sa fio s c o n te m p o r á n e o s . M i-
n h a p r e o c u p a ç ã o é q u e n o s a f a s ta m o s d a m e n s a g e m , d a m is sã o e d o p la n o
e stra té g ic o q u e re c e b e m o s p a r a este te m p o e n tre o s d o is a d v e n to s d e C risto .
A m e n s a g e m d o r e in o d e t e r m in a a s u a m is s ã o , e a m b a s d e t e r m in a m
s u a e s t r a té g i a . Se p e n s a r m o s n o r e in o d e D e u s c o m o p r i m o r d i a l m e n t e
u m a t r a n s f o r m a ç ã o d o e u in te r io r , b u s c a r e m o s e s tr a té g ia s q u e fa c ilite m
o c r e s c im e n to p e s s o a l. Se o r e in o d e D e u s p r e o c u p a - s e p r i n c i p a lm e n t e
c o m a t r a n s f o r m a ç ã o d a s o c ie d a d e , e n tã o n o s c o n c e n tr a r e m o s e m e s tr a -
té g ia s q u e p r o m o v a m m a i o r ju s tiç a , p a z , m o r a l i d a d e e m o r d o m i a e c o -
ló g ic a n o m u n d o .
T e n h o a r g u m e n ta d o q u e o r e in o d e D e u s c e n tr a liz a - s e n a a p r e s e n ta ç ã o
d e C r is to , r e v e s tid o d e s e u e v a n g e lh o , a té a o s c o n f in s d a t e r r a p o r m e io
d o m i n is t é r io d a P a l a v r a e d o s a c r a m e n t o . O r e in o n ã o e m e r g e d e n t r o
d e n ó s , n e m e v o lu i m e d ia n te p r o g r a m a s m o r a is e c u ltu r a is . E le d e s c e d o
c é u , i r r o m p e n d o n e s ta a t u a l e r a n o p o d e r d o E s p ír ito , c o m e ç a n d o a re -
n o v a ç ã o d a c r ia ç ã o q u e s ó s e r á c o n s u m a d a q u a n d o d a v o l t a d e C r is to .
N e s t a fa s e , o r e in o d e D e u s é o p e r d ã o d o s p e c a d o s , o n o v o n a s c im e n to
e u m a v id a v iv id a p e lo s c r is tã o s n a r e a lid a d e d e s ta n o v a c r ia ç ã o ju n to s
c o m t o d o s o s s a n to s à m e d id a q u e c r e s c e m o s e m C r is to , q u e é a C a b e ç a
d a ig re ja . O s efeitos d o r e in o s e r ã o e v id e n te s n a s b o a s o b r a s d o s s a n to s ,
b e m c o m o n o te s t e m u n h o d e le s. N ã o o b s t a n t e , o r e in o se identifica com
a a p r e s e n t a ç ã o d e C r is to n o e v a n g e lh o .
2 76

A e s t r a té g i a o r d e n a d a p o r J e s u s é c o e r e n te c o m e s s a v is ã o d o r e in o .
U m a v ez q u e se t r a t a d e u m re in o q u e e s ta m o s recebendo, fa z s e n tid o q u e
D e u s t e n h a in s titu íd o esses m e io s n a s u a G r a n d e C o m is s ã o . S o m o s fe ito s
d e s tin a tá r io s d e C r is to e d e to d o s o s seu s b e n e fíc io s o u v in d o u m a P a la v r a
e x te r n a . E la n ã o b r o ta d e n tr o d e n ó s , n e m é u m p la n o d e a ç ã o q u e p ro je ta -
m o s p a r a a e d ific a ç ã o d e u m re in o . E p a la v r a d e D e u s p a r a n ó s , n ã o p a la -
v ra s n o s s a s a D e u s o u a c e rc a d e D e u s. E a a c u s a ç ã o e a b o a - n o v a tr a z id a s
p a r a n ó s p o r u m e m b a ix a d o r. D e u s sela a su a p r o m e s s a n o b a tis m o e re g u -
la r m e n te n a C e ia d o S e n h o r - m a is u m a v ez , a a tiv id a d e d e Deus, e m sua
g r a ç a , é in ic ia l e c e n tr a l. P o r s u a g r a ç a , o S e n h o r p a c tu a i d á - n o s p a s to r e s ,
p r e s b íte r o s e d iá c o n o s p a r a c u id a r e m d a s n o s s a s n e c e s s id a d e s e s p iritu a is e
m a te ria is . N ã o s o m o s a u to a lim e n ta d o r e s , m a s s o m o s a lim e n ta d o s ric a m e n -
te e b e m c u id a d o s p o r C r is to p o r in te r m é d io d o s se u s o ficia is. A f o r m a ç ã o
d e d is c íp u lo s in s titu íd a p o r C r is to g e r a u m a n o v a s o c ie d a d e d e p e c a d o r e s
p e r d o a d o s e r e n o v a d o s , u m a e s t r a n h a c o m u n h ã o q u e ig n o r a a s d iv is õ e s
e a s d e m o g r a f ía s d e s ta e r a a t u a l e q u e lib e r ta esse s d is c íp u lo s p a r a s e r e m
sa l e lu z n o m u n d o p o r m e io d o s se u s r e la c io n a m e n to s e s u a s v o c a ç õ e s .
E s te r e in o v e m a n ó s d e f o r a d e n ó s m e s m o s , m a s p r o d u z u m a t r a n s -
f o r m a ç ã o in te r io r e p r e n u n c io s d a e r a p o r v ir q u e t r a n s f o r m a m o s n o s s o s
r e la c io n a m e n to s n o m u n d o . E n t ã o , lo n g e d e i g n o r a r esse s a s p e c to s c r u -
c ia is d a n o v a c r ia ç ã o , e s to u a r g u m e n ta n d o n o s e n tid o d e q u e u m a v e r d a -
d e ir a t r a n s f o r m a ç ã o d e a lg u é m o u d e a lg u m a c o is a n e s ta a t u a l e r a ím p ia
só p o d e a c o n te c e r g r a ç a s a o p e r d ã o d o s p e c a d o s , r e g u la r m e n te a n u n c ia -
d o e r a tif ic a d o n o m in is té r io d o e v a n g e lh o . O s d e s tin a tá r io s d e sse m in is -
té r io s e r ã o t r a n s f o r m a d o s in t e r i o r m e n t e e e m s e u s r e la c io n a m e n to s c o m
o u t r o s à m e d id a q u e v iv e m e a g e m n o m u n d o .
Q u a n d o a c r e s c e n ta m o s n o s s a s p r ó p r ia s e s tr a té g ia s , o u p io r, s u b s titu í-
m o s o s m e io s d e s ig n a d o s p o r C r is to p o r e la s, a e x te n s ã o d a m is s ã o a lé m
d o s e u m a n d a t o o r ig in a l é in e v itá v e l. O s m e io s d e g r a ç a o r d e n a d o s p o r
C r i s t o s ã o in s e p a r á v e i s d a m is s ã o , e a m is s ã o é in s e p a r á v e l d a m e n s a -
g e m . E n tr e o u t r a s c o is a s , é e sse p o n t o q u e P a u l o d e f e n d e e m R o m a n o s
1 0 . A m e n s a g e m d e q u e “ a ju s tiç a d e c o r r e n te d a f é ” é o p o s t a à “ ju s tiç a
d e c o r r e n te d a l e i ” (o u “ d a s o b r a s ” ), e le d iz , e c a d a u m a d e s s a s m e n s a -
g e n s t e m s e u s p r ó p r i o s m é to d o s . Se o e v a n g e lh o f o r c o n f u n d id o c o m a
n o s s a p e le ja , c r ia r e m o s m é t o d o s p a r a s u b i r a o s c é u s p a r a t r a z e r C r is to
p a r a b a ix o , o u d e s c e r m o s à s p r o f u n d e z a s p a r a tr a z ê - lo d e n o v o d e e n tr e
o s m o r to s . E m v e z d is s o , P a u lo e n s in a , n e c e s s ita m o s re c e b e r C r is to o n d e
ele d e s c e u a té n ó s e o n d e a i n d a se e n c o n tr a c o n o s c o h o je .
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 277

H á a t u a l m e n t e m u i t a s q u e i x a s d e q u e a ig r e ja e s tá s e n d o p r e g u iç o -
s a , d e q u e o v e r d a d e i r o d i s c i p u l a d o é r a r o . N ã o e s t o u t ã o c e r t o d is s o .
N a tu r a l m e n t e h á m u i ta h ip o c r is ia e m u i to c o m p r o m is s o n o m in a l, c o m o
s e m p r e a c o n te c e u . A m á t e o lo g ia le v a a p r á ti c a s r u i n s , e m e s m o c o m a
s ã d o u t r i n a m u ita s v e z e s s o m o s in fié is à n o s s a v o c a ç ã o . O u t r o s p o d e m
te r m e lh o r c o n h e c im e n to , m a s e m m in h a e x p e r iê n c ia d ig o q u e h á m u ito s
c r is tã o s q u e e s tã o f a z e n d o o q u e a c h a m q u e se e s p e r a q u e f a ç a m , e m u i-
ta s ig re ja s q u e s ã o a tiv a s c o m o c o lm e ia s . T e m o s h o je “ m a r t a s ” p o r t o d o
la d o : i n d u s t r i o s a s , e m p r e e n d e d o r a s , a t i v a m e n t e e m p e n h a d a s e m t o d o
tip o d e e m p r e e n d im e n to s r e la c io n a d o s c o m a ig re ja . T e m o s m ir ía d e s d e
p r o g r a m a s d e d e s e n v o lv im e n to , p r o g r a m a s s o c ia is , p r o g r a m a s m is s io n á -
r io s , e a s s im p o r d ia n te .
D a q u i o n d e e s t o u s e n t a d o , o p r o b l e m a n ã o é t a n t o q u e a ig r e ja e s tá
preguiçosa, m a s sim q u e e s tá desviada. O m a io r p e rig o q u e a ig re ja e n fre n -
ta e m q u a lq u e r é p o c a n ã o é q u e p o d e n ã o e s ta r s u fic ie n te m e n te o c u p a d a ,
m a s s im q u e p o d e n ã o s e r s u f ic ie n te m e n te cristã, s e ja n a s u a b u s c a d e
n ã o c r e n te s s e ja n o s e u m i n is t é r io s e m a n a l a o s s a n t o s . M e s m o o n d e a
m e n s a g e m e a m is s ã o a in d a n ã o f o r a m a lte r a d a s d e f o r m a e x p líc ita , p o -
d e m o s e n t e r r a r o m in is té r io n u m m o n te d e p r o g r a m a s e e s tr a té g ia s p r o -
d u z id o s p o r n ó s .
D e sd e a Q u e d a , s o m o s to d o s , p o r n a tu re z a , id ó la tra s in v e te ra d o s .
A d ã o e E v a se v o l t a r a m d a L u z d o M u n d o p a r a a s u a p r ó p r i a lu z in te -
rio r. E les q u is e r a m d e te r m in a r p a r a si m e s m o s a v e r d a d e e o e r r o , o b e m
e o m a l, e m v e z d e d a r e m o u v id o s e se s u b m e te r e m à P a la v r a e x te r n a d o
s e u S e n h o r p a c t u a i . E m v e z d e a p r e s e n t a r o s a c r if íc io p e la c u l p a c o m o
D e u s h a v ia o r d e n a d o p a r a d ir e c io n a r a fé e m C ris to , C a im a p r e s e n to u s u a
p r ó p r ia o f e r ta , e t a n t o ele c o m o s u a a d o r a ç ã o f o r a m re je ita d o s p o r D e u s.
A r ã o d o b r o u - s e à p r e s s ã o d o s i s r a e lita s p a r a q u e m o d e la s s e u m b e -
z e r r o d e o u r o . N ã o d e m o r o u , p o r é m , p a r a e n c h e r- s e d e t e m o r p o r o u v ir
D e u s d iz e r : “ O p o v o a s s e n to u - s e p a r a c o m e r e b e b e r e le v a n to u - s e p a r a
d iv e r tir - s e ” (E x 3 2 .6 ) . C o m o q u e v e io a s e r a c lá s s ic a e x p r e s s ã o d e a u -
to d e f e s a p a s t o r a l, A r ã o fez u m a p e lo a M o is é s : “ N ã o se a c e n d a a ir a d o
m e u s e n h o r ; tu sa b e s q u e o p o v o é p r o p e n s o p a r a o m a l ” (E x 3 2 .2 2 ) . E vi-
d e n te m e n te , M o is é s n ã o h a v ia lid o a s p e s q u is a s . E t r a b a l h o d u r o m a n te r
o p o v o fe liz . A n o s d e p o is , p o r a c r e s c e n ta r e m u m a c e r im ô n ia a o c u lto d e
D e u s , o s filh o s d e A r ã o , N a d a b e e A b iú , m o r r e r a m n o a to .
O e s c rito r d e H e b r e u s le m b ra -n o s q u e h o je n ã o o u v im o s a v o z d e
D e u s n o s tr o v õ e s d o m o n te S in a i, m a s d a S iã o c e le s tia l e d e C r is to , n o s s o
2 78

m e d ia d o r . N o e n t a n t o ele d iz q u e is s o é m u i to m a i o r r a z ã o p a r a q u e d e -
m o s o u v id o s à P a la v r a d e D e u s. “ P o r isso , r e c e b e n d o n ó s u m r e in o in a b a -
lá v e l, r e te n h a m o s a g r a ç a , p e la q u a l s irv a m o s a D e u s d e m o d o a g r a d á v e l,
c o m r e v e r ê n c ia e s a n to te m o r ; p o r q u e o n o s s o D e u s é fo g o c o n s u m i d o r ”
( H b 1 2 .2 8 - 2 9 ) .
C o m o p r o t e s t a n t e s , p o d e m o s s e r m u i to p r e s u n ç o s o s . C o n h e c e m o s a
id o la tr ia q u a n d o a v e m o s , p r in c ip a lm e n te n o s e s tr a n h o s r itu a is e c e rim ô -
n ia s , íc o n e s e e s t á t u a s , a l t a r e s e o r a ç õ e s a M a r i a e a o s s a n to s . P o d e s e r
q u e t e n h a m o s t e s t e m u n h a d o u m c u l t o e m q u e f o r a m a c r e s c e n ta d o s v á -
r io s r ito s q u e n ã o se e n c o n tr a m e m p a r t e a lg u m a d a E s c r itu r a , e q u e te -
n h a m o s fic a d o e s p a n ta d o s e m fa c e d e t a n t a “ r e lig iã o fe ita p e lo h o m e m ” .
M e n o s ó b v ia s p a r a n ó s s ã o a s m iría d e s d e e x e m p lo s d o a c ú m u lo d o s n o s -
so s p r ó p r io s a c r é s c im o s a o p l a n o e s tr a té g ic o d e D e u s .
A p e s a r d a c la r e z a d a s e s t r a té g i a s o r d e n a d a s p e la G r a n d e C o m is s ã o
( p r e g a ç ã o , s a c r a m e n to s , e n s in o ) , o p r o t e s t a n t i s m o se t o r n o u e x a ta m e n te
t ã o c r ia tiv o e m u s u r p a r a a u t o r i d a d e s o b e r a n a d e C r is to p a r a d e te r m in a r
ta is c o is a s . O n d e n a E s c r itu r a se vê o “ c h a m a d o p a r a o a l t a r ” , p o r e x e m -
p io ? N ã o é m a is d o q u e irô n ic o q u e m u ita s ig re ja s q u e n u n c a c h a m a r ia m a
m e s a d a c o m u n h ã o d e a lta r, n ã o o b s ta n te t e n h a m u m a lta r p a r a u m n o v o
s a c r a m e n to ? C o m o fo i q u e a o r a ç ã o d o p e c a d o r se t o r n o u u m c e rtific a d o
m a is i m p o r t a n t e d o q u e o b a tis m o d e q u e a p e s s o a p e r te n c e a C r is to ? E
c o m o fo i q u e a h o r a tr a n q u i l a d iá r ia se t o r n o u m a is c e n tr a l p a r a a c o m u -
n h ã o c o m C ris to d o q u e a C e ia ? D a d a s as e s tra té g ia s e x p líc ita s d a G ra n d e
C o m is s ã o - e se u d e s e n v o lv im e n to p r á tic o e m A to s e n a s E p ís to la s - o n d e
fo i q u e p e g a m o s a id e ia d e q u e e las tê m m u ito p o u c o q u e v e r c o m a ig reja?

"N o v a s m e d id a s " : t o r n a n d o -n o s c r ia t iv o s c o m a G rande C o m is s ã o


A té m e s m o n o G r a n d e D e s p e r t a m e n t o h a v ia e v a n g e lis ta s q u e e s tim u la -
v a m o s c re n te s a v e re m a e x t r a o r d in á r ia o b r a d o E s p írito e m a v iv a m e n to s
e s p e ta c u la r e s , e n ã o a p o r e m s u a c o n f ia n ç a n a o b r a c o m u m d o E s p ír ito
m e d ia n te o s m e io s d e g r a ç a .
N o s é c u lo 1 9 , p o r é m , C h a r le s F in n e y s u b o r d i n o u e x p l í c i t a m e n t e o s
m e io s d e g r a ç a c o m u n s à p e r ió d ic a r e u n iã o d e a v iv a m e n to c o m s u a s “ n o -
v as m e d id a s ” . N e g a n d o o p e c a d o o rig in a l, a e x p ia ç ã o s u b s titu tiv a e a
ju s tif ic a ç ã o p e la fé s o m e n te , e le a r g u m e n t a v a c o m t e r m o s n ã o in c e r to s
q u e s o m o s s a lv o s p e la s n o s s a s p r ó p r ia s o b r a s . 1 F in n e y in v e s tiu c o n t r a o s
c r ític o s q u e in s is tia m e m q u e o n o v o n a s c im e n to e r a o b r a d e D e u s e q u e
o a v i v a m e n to n ã o d e p e n d e d e n ó s . S e g u n d o e le , u m a v i v a m e n to p o d i a
INDO ALEM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 2 79

s e r p la n e ja d o , e n c e n a d o e g e r e n c ia d o . D e u s n ã o in te r f e r ia n a d e te r m in a -
ç ã o d o s m é to d o s c o m o n ã o in te rfe ria n a p r ó p r ia c o n v e rs ã o . A G ra n d e
C o m is s ã o d is s e a p e n a s : “ I d e ” , d iz F in n e y : “ Ela não prescreveu formas.
N ã o a d m itiu n e n h u m a ... E o o b je tiv o [d o s d is c íp u lo s ] e r a t o r n a r c o n h e -
c id o o e v a n g e lh o da maneira mais eficiente... a fim d e o b t e r a a t e n ç ã o e
a s s e g u r a r a o b e d iê n c ia d o m a io r n ú m e r o p o s s ív e l. N in g u é m p o d e e n c o n -
t r a r a lg u m a forma d e f a z e r is s o r e g is t r a d a n a B íb lia ” .2
I n v o c a n d o R o m a n o s 1 0 n o v a m e n t e , a m e n s a g e m d e F in n e y e r a : “ a
ju s tiç a d e c o r r e n te d a le i” , e o s m é to d o s a a c o m p a n h a v a m d e m o d o c o e -
r e n te . A ig r e ja fo i d e f in id a c o m o “ u m a s o c ie d a d e d e r e f o r m a d o r e s m o -
r a i s ” , e n ã o c o m o u m a s o c ie d a d e d e p e c a d o r e s p e r d o a d o s e r e n o v a d o s ,
r e g u la r m e n t e e v a n g e liz a d o s p e la P a la v r a e o r i e n t a d o s a a m a r e s e r v ir a
se u s p r ó x i m o s e m s u a s v o c a ç õ e s o u c a r r e ir a s .
C o m o F in n e y , o s líd e re s d e r e a v iv a m e n to s n ã o a c h a v a m q u e t i n h a m
n e c e s s id a d e d e in s tr u ç ã o e s p e c ia l p a r a a s u a v o c a ç ã o . D e f a to , isso p o d e -
r ia e n f r a q u e c e r o se u e n tu s ia s m o e d e s v iá -lo s d o tr e in a m e n to p r á tic o q u e
e le s p o d i a m r e c e b e r d e e v a n g e lis ta s it in e r a n t e s . A f in a l d e c o n t a s , e r a m
s u a s a ç õ e s , a n te s q u e se u s c r e d o s , q u e im p u ls io n a v a m a m is s ã o d a ig re ja
n o m u n d o . G a r r y W ills o b s e r v a :

As reuniões no campo estabeleciam o padrão para credenciar mi-


nistros evangélicos. O ministério deles era validado pela resposta
do povo. Credenciamento organizacional, pureza doutrinária e ins-
trução pessoal eram inúteis ali - de fato, alguns ministros que ti-
nham recebido elevada instrução tinham que fingir ignorância. O
ministro era ordenado pelos de baixo, pelos conversos que ele fazia.
Esse era um procedimento até mais democrático do que a política
eleitoral, na qual o candidato se apresentava para o cargo e passava
algum tempo fazendo campanha. Era uma proclamação espontâ-
nea e peremptória que o Espírito concretizava. A religião do “faça
você mesmo” requeria um ministério do tipo “faça você mesmo” .3

W ills r e p e te a c o n c lu s ã o d e R i c h a r d F lo f s ta d te r d e q u e “ o s is te m a d e
e s tr e la to n ã o n a s c e u e m H o l l y w o o d , m a s n a t r i l h a d e s e r r a g e m d o s re a -
v iv a lis ta s ” .4
F u g in d o d o “ ig r e jis m o ” e m f a v o r d e “ s e g u ir a J e s u s ” , o Jesus Movi-
ment g e r o u v á r ia s r e d e s d e d e n o m i n a ç õ e s n ã o d e n o m i n a c io n a is . C a d a
n o v o m o v im e n to e r a a n u n c ia d o c o m o u m n o v o m o v im e n to d o E s p ír ito ,
u m a v iv a m e n to , v in h o n o v o q u e o s v e lh o s o d r e s d a s ig re ja s t r a d ic io n a is
2 80

n ã o p o d i a m c o n te r . A ig r e ja n ã o é u m a o r g a n iz a ç ã o , m a s u m o r g a n is -
m o , u m r e in o in v is ív e l d e c r e n te s z e lo s o s c o n t r a a ig r e ja v isív e l c o m se u
in s íp id o m in is té r io .
C o n t u d o , e s s a s u c e s s ã o d e a u t o p r o c l a m a d o s p r o f e ta s a n u n c ia n d o in -
d e p e n d ê n c ia d a s o r g a n iz a ç õ e s o fic ia is s ó c o n s e g u iu e s ta b e le c e r c ír c u lo s
e x tr a o r d in a r ia m e n te e s tre ito s e p r o te g id o s d e lid e r a n ç a e m t o r n o d e c a d a
f u n d a d o r c a r is m á tic o . O q u e e r a u m m o v im e n to ig u a litá r io n o su l d a C a -
l i f ó r n i a n a d é c a d a d e 1 9 7 0 , a g o r a se t r a n s f o r m o u n u m a d e n o m i n a ç ã o
n o ta v e lm e n te h i e r á r q u i c a l i d e r a d a p e lo s e u p a t r i a r c a . N a v e r d a d e , c a d a
u m d e sse s m o v im e n to s a c a b o u s e n d o in s titu c io n a liz a d o c o m o u m a d e n o -
m in a ç ã o s e p a r a d a , in s t a l a d a e m s e u s p r ó p r io s p a d r õ e s d e o r g a n iz a ç ã o .

O r ig e n s d o n o s s o d il e m a

A tra v é s d e u m a m p lo e s p e c tr o d a s ig re ja s a tu a is , é p o s s ív e l d is c e r n ir u m a
s é rie d e d i c o t o m ía s q u e t o r c e m a G r a n d e C o m is s ã o e n o s d e s v ia m d a s
e s tr a té g ia s q u e C r is to n o s fo r n e c e u . P e r m ita m - m e s u g e r ir a lg u m a s d e la s:

Contrato versus aliança


E ssa d ic o to m ía n ã o é u m a fa ls a e s c o lh a . E u m a r e a l b if u r c a ç ã o n a e s tr a -
d a . M u ito s c r is tã o s p e n s a m n a s a lv a ç ã o c o m o u m a tr a n s a ç ã o . D e u s o fe re -
ce m u ita c o is a . E le a s s e g u r a q u e ire m o s p a r a o c é u q u a n d o m o r r e r m o s , e
ta lv e z t a m b é m v iv e n c ie m o s v id a s e c o m u n id a d e s tr a n s f o r m a d a s n o in te r-
v a lo , se s e g u irm o s u m a s p o u c a s e x ig ê n c ia s s im p le s. D e u s t o r n a p o s s ív e l a
s a lv a ç ã o , m a s n ó s te m o s d e c o o p e r a r e fa z e r a n o s s a p a r te . M e s m o o n o v o
n a s c im e n to é d e s c r ito c o m o u m a c o n te c im e n to q u e p o d e m o s p r o d u z ir se-
g u in d o a s in s tr u ç õ e s c e r ta s , c o m o se v ê n o t ítu lo d e u m a o b r a q u e e ste v e
e n tr e a s m a is v e n d id a s h á a lg u n s a n o s : How to be born again [C o m o n a s -
c e r d e n o v o ] . N a b a r g a n h a , a n o s s a p a r t e p o d e s e r m ín im a ( c o m o fa z e r
u m a o r a ç ã o o u ir à f r e n te n u m a r e u n i ã o e v a n g e lís tic a ) . O u p o d e r í a s e r
a lg o m a is e x ig e n te , r e q u e r e n d o d e d ic a ç ã o r e g u la r a d is c ip lin a s e s p iritu a is ,
s e r ie d a d e m o r a l e, ta lv e z , u m a s e g u n d a e x p e r iê n c ia d e c o n v e r s ã o q u e n o s
in tr o d u z ir ía n u m a v id a m a is e le v a d a d o E s p írito . A lg u n s a té p o d e m ir tã o
lo n g e q u a n t o C h a r le s F in n e y fo i, f a z e n d o d a p e r f e ita o b e d iê n c ia à lei d e
D e u s a b a s e p a r a a s a lv a ç ã o , m a s esse tip o d e r ig o r é r a r o h o je .
N a m a i o r p a r te , o c o n t r a t o é o f e r e c id o c o m o u m a t r o c a r e la tiv a m e n -
te fá c il e c o m p e n s a d o r a . D e q u a lq u e r m o d o , o in d iv íd u o e s tá s e n ta d o n o
a s s e n to d o c o n d u to r . C o m o d iz o a d e s iv o : “ D e u s é m e u c o p i l o t o ” . V is to
q u e a s a lv a ç ã o se b a s e ia n a m i n h a e s c o lh a , d e p o is d e p e s a r o s p r ó s e o s
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 281

c o n t r a s , p e r te n c e r à ig r e ja é u m a e s c o lh a . S o u a u t ô n o m o , liv re p a r a ir e
v ir c o m o m e a g r a d e . Se n ã o fic a r c o m p le ta m e n te s a tis f e ito , p o s s o d e v o l-
v e r a p o r ç ã o n ã o u tiliz a d a p a r a r e c e b e r o r e e m b o ls o to t a l .
A a lia n ç a d a g r a ç a e s tá e m a g u d o c o n t r a s te . N e s s e p a r a d i g m a , o T ri-
n o D e u s e s tá n a fre n te e n o c e n tr o . N ã o s o u e u o s o b e r a n o q u e fa z a
e s c o lh a . O p l a n o g ir a e m t o r n o d e D e u s e d o s s e u s p r o p ó s i t o s , n ã o e m
t o r n o d e m im e d o s m e u s p r o p ó s i t o s . O P a i m e e s c o lh e u e m s e u F ilh o e
m e u n i u a C r i s t o p o r s e u E s p ír ito . E m b o r a s e u p o v o s e ja in fie l, e le p e r-
m a n e c e fiel p o r c a u s a d a s u a p r o m e s s a ( 2 T m 2 .1 3 ) . N e s s a a lia n ç a , D e u s
se c o m p r o m e te a p e r d o a r o s p e c a d o s d o s e u p o v o e a d a r - lh e u m n o v o
c o r a ç ã o (Jr 3 1 .3 1 - 3 4 ) . E le n ã o s o m e n te ju s tif ic a r á p e c a d o r e s , m a s ta m -
b é m o s r e n o v a r á e o s c o n f o r m a r á à im a g e m d o s e u F ilh o . P o r t a n t o , e ssa
a lia n ç a n ã o é a p e n a s u m “ s e g u r o c o n t r a i n c ê n d i o ” . N ã o é u m c o n t r a t o ,
n e m m e s m o c o m o s r e q u is ito s m ín im o s ; é u m a a lia n ç a , c o m b ê n ç ã o s a o
m á x im o . N o e n t a n t o , isso s ig n ific a q u e a n o s s a v id a e s ta r á c h e ia d e c o n -
f lito , d o r e c o n s t a n t e t u m u l t o à m e d id a q u e D e u s n o s a f a s t a d e s ta a t u a l
e r a ím p ia q u e d e fin iu a s n o s s a s e s p e r a n ç a s e o s n o s s o s te m o r e s - a n o s s a
p r ó p r i a v id a . A p r e s e n ç a e m n ó s d o E s p ír ito l a n ç a r á n o s s a b e la c a s a a o
d e s a r r a n j o à m e d id a q u e e le n o s a b r e p a r a a s e n e r g ia s r e n o v a d o r a s d a
e r a p o r vir. A lé m d o m a is , a g r a ç a s o b e r a n a c r ia u m a c o m u n i d a d e , n ã o
a p e n a s u m a j u n t a m e n t o d e in d iv íd u o s s a lv o s . C o m o o c o r r e c o m o re la -
c i o n a m e n to v e r tic a l c o m D e u s , o r e la c i o n a m e n t o h o r i z o n t a l c o m m e u s
i r m ã o s e i r m ã s t e m s u a o r ig e m n a s u a g r a ç a . N ã o se t r a t a d e u m g r u -
p o d e a m ig o s q u e e u m e s m o e s c o lh e r ía , m a s D e u s o s e s c o lh e p a r a si - e
p a r a m im . T o d o s n ó s s o m o s c o - h e r d e ir o s c o m C r is to n a fa m ília d e D e u s.
N u m p a r a d i g m a c o n t r a t u a l , o s m e io s d e g r a ç a t o r n a m - s e m e io s d e
o b r a s : r e c u r s o s p a r a tr a n s f o r m a ç ã o p e s s o a l o u s o c ia l. O r e s u lta d o é q u e ,
n e s s e c a s o , a ig r e ja é c o n c e b i d a p r i m a r i a m e n t e c o m o u m p r o v e d o r d e
r e c u r s o s . L o n g e d e s e r a “ m ã e d o s fié is ” d a q u a l n u n c a n o s a p a r t a m o s ,
u m e s tu d o f e ito p e la Willow Creek Community c o n c lu i q u e o t r a b a l h o
d a ig r e ja c o n s is te e m t r a n s f o r m a r o s c r e n te s e m “ a u t o a l i m e n t a d o r e s ” .
C om o um personal trainer n u m a a c a d e m ia d e g in á s tic a , a ig r e ja fo r n e -
ce o s e x e rc íc io s , m a s , à m e d id a q u e o s in d iv íd u o s o s s e g u e m , n e c e s s ita m
c a d a v e z m e n o s d a ig r e ja .5 L e v a d o a o se u e x tr e m o , o c o n c e ito c o n t r a t u a l
f a c ilm e n te le v a à id e ia e x p r e s s a p o r G e o r g e B a r n a , u m p io n e ir o e v a n g é -
lic o d a ig r e ja d e m e r c a d o : “ P e n s e e m s u a ig r e ja n ã o c o m o u m l u g a r d e
r e u n iã o r e lig io s a , m a s c o m o u m a a g ê n c ia d e s e rv iç o - u m a e n tid a d e q u e
e x is te p a r a s a tis f a z e r a s n e c e s s id a d e s d a s p e s s o a s ” .6
282

A ê n f a s e e v a n g é lic a n a “ ig r e ja in v is ív e l” ( ê n fa s e e m invisível) a le a n -
ç a p r o p o r ç õ e s d e s e n f r e a d a s n a e r a d a i n t e r n e t . B a r n a a g o r a c e le b r a o
c r e s c e n te a b a n d o n o d a s ig re ja s lo c a is p o r c o m u n id a d e s e r e c u r s o s d a in -
t e r n e t .7 D e f a to , ele in tr o d u z iu u m n o v o c ir c u ito d e m o g rá fic o : o s “ R e v o -
l u c i o n á r io s ” , o s “ m ilh õ e s d e c r e n t e s ” q u e s ã o a n u n c ia d o s c o m o a q u e le s
q u e “ f o r a m a lé m d a ig r e ja e s ta b e le c id a e e s c o lh e r a m s e r a ig r e ja e m lu -
g a r d e l a ” .8 O s “ R e v o l u c i o n á r io s ” a c h a r a m q u e , p a r a p o d e r s e g u ir u m a
fé a u tê n tic a , ti n h a m d e a b a n d o n a r a ig r e ja .9 A d o r a ç ã o ín tim a , d iz B a rn a ,
“ n ã o r e q u e r u m ‘s e rv iç o d e c u l t o ’” , m a s a p e n a s u m c o m p r o m is s o p e s s o a l
c o m a B íb lia , a o r a ç ã o e o d i s c i p u l a d o . 10 E n q u a n t o L u c a s r e l a t a q u e a
ig r e ja se r e u n ia r e g u la r m e n te p a r a o e n s in o d o s a p ó s to lo s , a c o m u n h ã o ,
o p a r t i r d o p ã o e a s o r a ç õ e s (A t 2 .4 2 - 4 7 ) , B a r n a s u g e r e q u e a p r e g a ç ã o é
s im p le s m e n te “ u m a c o n v e rs a b a s e a d a n a f é ” e q u e o s m e io s d e g r a ç a n ã o
s ã o m a is d o q u e q u e r q u e se e n t e n d a p o r “ c r e s c im e n to e s p ir itu a l in te n -
c i o n a l ” , “ a m o r ” , “ in v e s tim e n to d e r e c u r s o s ” e “ a m iz a d e s e s p i r i t u a i s ” .11
E n q u a n t o a a b o r d a g e m p a c tu a i c o m e ç a c o m a P a la v r a d e D e u s e fo r-
m a u m a c o m u n h ã o d e s a n to s , n o p a r a d ig m a d e B a r n a t u d o c o m e ç a c o m
a d e c is ã o p e s s o a l in d iv id u a l, f o r ta le c id a p o r m a is d is c ip lin a s p e s s o a is , e
t e r m i n a c o m o a b a n d o n o d a ig r e ja v isív e l. O s m e io s d e g r a ç a o r d e n a d o s
p o r D e u s s ã o s u b s titu íd o s p o r q u a l q u e r c o is a q u e se c a lc u le q u e fa c ilite
o s n o s s o s p r ó p r io s m e io s d e c o m p r o m is s o . “ A E s c r itu r a n o s e n s in a q u e
d e d ic a r s u a v id a a a m a r a D e u s c o m t o d o o n o s s o c o r a ç ã o , m e n te , fo r-
ç a s e a lm a , é o q u e o h o n r a . F a z e r p a r te d e u m a ig r e ja lo c a l p o d e fa c ili-
t a r is s o . O u n ã o . ” 12
N u m liv ro a n te r io r , B a rn a r e s u m iu o s n e f a s to s d a d o s d e s u a s p e s q u is a s
s o b r e a r e lig iã o c o m o s e g u e : “ P a r a c r e s c e n te s m ilh õ e s d e n o r te - a m e r ic a -
n o s , D e u s - se é q u e s e q u e r a c r e d i t a m o s n u m a d i v i n d a d e s o b r e n a t u r a l
- e x is te p a r a o p r a z e r d a h u m a n i d a d e . E le r e s id e n o r e in o c e le s tia l u n i-
c a m e n te p a r a s e r ú til p a r a n ó s e p a r a n o s s o b e n e fíc io . E m b o r a s e ja m o s
in te lig e n te s d e m a is p a r a e x p r e s s a r is s o , v iv e m o s p e la id e ia d e q u e te m o s
a c e s s o a o v e r d a d e i r o p o d e r n ã o o l h a n d o p a r a c im a , m a s p a r a d e n t r o d e
n ó s ” . 13 B a rn a l a m e n ta e ssa c o n d iç ã o , p r e d o m in a n te h o je , p r in c ip a lm e n te
c h a m a n d o a a te n ç ã o p a r a a tr a g é d ia q u e h á n o f a to d e q u e , a p a r e n te m e n -
te , e s s a c o n d i ç ã o c a r a c te r i z a t a n t o e v a n g é lic o s q u a n t o o u t r o s . E , t o d a -
v ia , e m v e z d e c u r a , s u a s p r e s c r iç õ e s p a r e c e m o f e r e c e r m a is d a m o lé s tia
q u e e le d ia g n o s tic o u . E sse d e s lig a m e n to - n ã o a p e n a s e n tr e fé e p r á ti c a ,
m a s e n t r e a n o s s a fé formal, n o p a p e l, e a fé operante q u e d e f a to le v a
a s q u e s tõ e s d e p r á ti c a - e n c o n tr a - s e n o c e r n e d a n o s s a i n c a p a c id a d e d e
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 283

r e c o n h e c e r a s n o s s a s c a p itu la ç õ e s à s p r e s s u p o s iç õ e s c o n t r a t u a i s e a n t r o -
p o c ê n tr ic a s d e u m a c u l t u r a o r i e n t a d a p e lo m e r c a d o .
C o m o a c o m u n h ã o i n c o r p o r a d a d o s s a n to s é s u b s t it u í d a p e lo e x p io -
r a d o r d a in te r n e t, a e x p r e s s ã o “ ig re ja in v is ív e l” t o m a u m s e n tid o n o v o e
s in is tr o . C o n t u d o , isso fa z p a r te d e u m a lo n g a h is tó r ia n a q u a l a r e u n iã o
p ú b lic a d a c o m u n id a d e p a c tu a i p a r a o u s o e d e s e n v o lv im e n to d o s m e io s
d e g r a ç a fo i s u b o r d i n a d a a c o n v e n tíc u lo s o u “ c lu b e s s a n t o s ” . E m n o m e
d a b u s c a d a q u e le s q u e e s tã o f o r a d a ig re ja , o e v a n g e lic a lis m o te n d e c a d a
v e z m a is a t i r a r d a ig r e ja o s q u e e s tã o n e la .
C o m o F in n e y , G e o r g e B a r n a a f ir m a q u e a B íb lia n ã o o fe re c e “ q u a s e
n e n h u m a r e s tr iç ã o a e s t r u t u r a s e m é t o d o s ” p a r a a i g r e ja .14 N a v e r d a d e ,
e le a c r e d i t a q u e a ig r e ja v isív e l é d e o r ig e m h u m a n a , n ã o d iv in a . A n a -
tu r e z a d e te s ta o v á c u o e, o n d e B a r n a im a g in a q u e a B íb lia n ã o p r e s c r e -
v e n e n h u m a e s t r u t u r a e n e n h u m m é t o d o , a m ã o in v is ív e l d o m e r c a d o
p re e n c h e o v a z io . B a r n a r e c o n h e c e q u e a m u d a n ç a d a ig re ja in s titu c io n a l
p a r a “ c o m u n id a d e s d e fé a l t e r n a t iv a s ” é a m p la m e n te d e v id a a f o r ç a s d o
m e r c a d o , à s q u a is e le in s is te e m q u e d e v e m o s c o n f o r m a r - n o s .15 S e g u n d o
a v is ã o d e B a r n a , o a n te g o z o d a c a to lic id a d e c e le s tia l re n d e - s e a o s p o d e -
re s d e s ta e r a a tu a l.
“ P o r t a n t o , se v o c ê é u m R e v o l u c i o n á r i o ” , c o n c lu i B a r n a , “ é p o r q u e
te v e s e n s ib ilid a d e e r e s p o n d e u a o c h a m a d o d e D e u s p a r a s e r e s te e s p e -
c ia i i m it a d o r d e C r is to . N ã o é u m a r e s p o n s a b ilid a d e d a ig r e ja e n c a i x a r
v o c ê n e sse m o ld e ... A e s c o lh a d e se t o r n a r u m R e v o lu c io n á r io - e se t r a t a
d e u m a e s c o lh a - é u m a a lia n ç a q u e v o c ê fa z u n ic a m e n te c o m D e u s ” .16
E m b o r a ele e m p r e g u e a p a l a v r a “ a l i a n ç a ” , s u a s p r e s s u p o s iç õ e s s u g e r e m
m a is u m c o n t r a t o : a d e c is ã o d e u m c o n s u m i d o r d e a c e ita r c e r to s te r m o s
e m t r o c a d e c e r to s b e n s e s e r v iç o s . N a a li a n ç a d a g r a ç a , o f o c o e s tá n a
a t i v i d a d e e le tiv a , r e d e n t o r a e r e g e n e r a d o r a d e D e u s , q u e r e s u lt a n u m a
c o m u n h ã o d e s a n to s . N u m m o d e lo c o n t r a t u a l , o f r e g u ê s é o re i, a q u e le
q u e e s c o lh e s o b e r a n a m e n t e , o q u a l p o d e p e r te n c e r à c o m u n i d a d e p a c -
tu a l o u n ã o .
M a i s r e c e n t e m e n te , B a r n a e F r a n k V io la p r o d u z i r a m e m c o a u t o r i a
a o b ra in titu la d a Pagan Christianity: exploring the roots of our church
practices [ C r is tia n is m o p a g ã o : e x p l o r a n d o a s r a íz e s d a s n o s s a s p r á tic a s
e c le s iá s tic a s ]. C o m o o s u b t í tu l o s u g e r e , e sse liv ro é u m a r a d ic a l r e je iç ã o
d o m i n i s t é r i o o f ic ia l, t a n t o d o s e l e m e n to s d o c u l t o p ú b l i c o c o m o d o s
o f íc io s p a r t i c u l a r e s . D e f a t o , o s a u t o r e s s u g e r e m : “ A c r e d i t a m o s q u e o
o f íc io p a s t o r a l r o u b o u o s e u d i r e i t o d e f u n c io n a r c o m o p l e n o m e m b r o
284

d o c o r p o d e C r i s t o ” .17 E m c o n t r a s te , o s a u to r e s e n f a tiz a m a c o n te c im e n -
to s e s p o n t â n e o s e i n f o r m a i s q u e f u j a m d e q u a l q u e r o r d e m f ix a d e c u l-
t o o u d e li d e r a n ç a o fic ia l. C l a r o e s tá q u e a R e f o r m a t r o u x e m u d a n ç a s ,
m a s L u t e r o e C a l v i n o c o n t i n u a r a m b a s i c a m e n t e a s e g u ir o p a r a d i g m a
c a t ó l i c o - r o m a n o , c o m s e u s o f íc io s e l i tu r g ia s f o r m a is , e c o m u m a c e ia
c o m u m t r a n s f o r m a d a n u m “ e s t r a n h o r i t o d e a p a r ê n c i a p a g ã ” .18 D a d a
a in te n ç ã o d e c h a m a r d e v o lta o s c r is tã o s c o n t e m p o r â n e o s p a r a o “ c ris -
t i a n i s m o d o N o v o T e s t a m e n t o ” , a f a lt a d e u m s é r io e n g a ja m e n t o c o m
p a s s a g e n s d o N o v o T e s ta m e n to q u e in s t it u e m c l a r a m e n t e o s o fíc io s d a
ig re ja e o m in is té r io p ú b lic o é d e c e p c io n a n te .
N o s e u liv ro Reimagining church: pursuing the dream of organic Ch-
ristianity [ R e im a g in a n d o a ig re ja : e m b u s c a d o s o n h o d e u m c r is tia n is -
m o o r g â n ic o ] , V io la a f ir m a q u e , m e s m o n o s e u c u l t o p ú b l i c o , f a lt a v a à
I g r e ja P r im itiv a u m a “ o f ic ia ç ã o h u m a n a ” , 19 e t u d o e r a “ e l é t r ic o ” e “ li-
v re e e s p o n t â n e o ” .20 D e s s a m a n e i r a , “ o S e n h o r J e s u s C r i s t o p r e s id e in -
v is iv e lm e n te ” p o r in te r m é d io d o m in is té r io d e c a d a m e m b r o .21 D e f a to ,
o r ig in a r ia m e n te , a C e ia d o S e n h o r n a d a m a is e r a q u e u m “ j a n t a r t r i v i a l ”
q u e in c lu ía p ã o e v in h o (o u s u c o d e u v a ) , e n o q u a l a s p e s s o a s o f e r e c ia m
( e s p o n ta n e a m e n te , c la r o ) u m “ b r i n d e ” a J e s u s d u r a n te a re f e iç ã o .22 C o n -
t u d o , o u t r a v e z se p o d e f a z e r a p e r g u n t a : se “ o N o v o T e s t a m e n to n ã o
n o s f o r n e c e u m p l a n o d e t a l h a d o p a r a a p r á ti c a d a i g r e j a ” ,23 p o r q u e es-
c r ito r e s c o m o B a r n a e V io la a c h a m q u e s a ím o s d o “ p l a n o o r i g i n a l ” n e s-
te s c e r c a d e d o is m il a n o s ? E p o r q u e e les f o r n e c e m s e u u r g e n te p r o j e t o
c o m o s e n d o o p a d r ã o o r ig in a l?
P o r m a is q u e o m o v im e n to e m e r g e n te o u m is s io n a l e n f a tiz e s u a n o v i-
d a d e , h á m u ito s p o n t o s d e c o n t i n u i d a d e e n tr e e le e o p ie tis m o e v a n g é li-
c o . A m u d a n ç a d a p r o c l a m a ç ã o d o e v a n g e lh o p a r a c o n v e r s a ç ã o a c e r c a
d a a tiv id a d e t r a n s f o r m a d o r a d o m u n d o e x e r c id a p e la c o m u n id a d e é ev i-
d e n te n a r e u n iã o p a r a a d o r a ç ã o . T o n y J o n e s d e s c re v e J a c o b 's w e ll (F o n -
te d e J a c o ) , u m a c o m u n i d a d e e m e r g e n te p i o n e i r a d e K a n s a s C ity : “ A o
c lá s s ic o s a n t u á r i o p r e s b i t e r i a n o , c o m s e u s b a n c o s d e c o r e s c u r a e u r n a
g a le r ía p a r a o c o r o , a J W a c r e s c e n to u a in d is p e n s á v e l t e la p a r a v íd e o e
s u b s titu iu o p ú lp ito p o r u rn a b a n d a . T o d a a p a r te f a la d a a c o n te c e e m b a í-
x o , n o n iv e l d a n a v e - apenas os músicos ficam no palco” (ê n fa s e a c re s -
c e n ta d a ) .24 (P o d e -se m u i to b e m p e r g u n ta r e m q u ê e x a ta m e n te isso d ife re
d o m o d e l o a p r e s e n t a d o c o m o p i o n e i r o p e la s m e g a ig r e ja s .) Q u a n d o o
p ú b lic o p r e d o m i n a n te m e n t e c o m p o s t o d e b r a n c o s se r e ú n e , n u m c a n to
d o r e c in to h á u m a m e s a n a q u a l se vê u m a c ita ç ã o d o te ó lo g o a n a b a t i s ta
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 285

c o n t e m p o r â n e o J o h n H o w a r d Y o d e r, s u g e r in d o , d iz J o n e s , q u e “ a ig re ja
v isív e l n ã o d e v e s e r p o r t a d o r a d a m e n s a g e m d e C r is to , m a s e la d e v e se r
a m e n s a g e m ” .25
R e a g in d o c o n t r a o in d iv id u a lis m o p r e s e n te n a s a b o r d a g e n s im p u ls io -
n a d a s p e lo c o n s u m is m o , o m o v im e n to e m e r g e n te e n f a tiz a a im p o r tâ n c ia
d a c o m u n id a d e . A q u e s t ã o é se, p o r c o n t i n u a r a s e g u ir o u t r a s p r e s s u p o -
s iç õ e s q u e m o d e la m a h e r a n ç a r e a v iv a lis ta , esse v a lo r n ã o p o d e v ir a se r
n a d a m a is q u e u m g r u p o d e a m ig o s lig a d o s p o r h is tó r ia s e d e m o g r a f ía s
c u l t u r a is s e m e lh a n te s .
A m a io r ia d o s p r im e ir o s p ie tis ta s c o n t i n u o u n a s ig re ja s e s ta b e le c id a s ,
m as fo rm a v am ecclesiolae in ecclesiam ( ig r e ja s d e n t r o d a ig r e ja ) , o n d e
a s é r ia o b r a d e d i s c i p u l a d o e r a r e s e r v a d a p a r a o s m e m b r o s m a is d e d i-
c a d o s . E les a i n d a se r e u n ia m c o m se u s m e d ío c r e s ir m ã o s e ir m ã s p a r a o
c u lto p ú b lic o , m a s a r e a l a ç ã o a c o n te c ia n e s s e s p e q u e n o s g r u p o s m a is d o
q u e p o r m e io d o m in is té r io c o le tiv o d e P a la v r a e s a c r a m e n to . O s W esle y s
c r i a r a m “ c lu b e s s a n t o s ” d e n t r o d a s ig r e ja s a n g lic a n a s q u e a c a b a r a m se
t o r n a n d o u m a d e n o m in a ç ã o s e p a r a d a : o m e to d is m o . N a v e r d a d e , o p r ó -
p r i o e v a n g e lic a lis m o n ã o é u m a ig r e ja , m a s u m a r e d e d e m o v im e n to s d e
r e n o v a ç ã o - à s v e z e s d e n t r o d e ig re ja s e à s v e z e s f o r a , e a té m e s m o c o n -
t r a t o d a e q u a l q u e r ig r e ja v isív e l.
A p e s a r d a s s u a s d u r a s c r ític a s a o e v a n g e lic a lis m o , o m o v im e n to e m er-
g e n te n ã o é r e a lm e n te u m s é r io a b a n d o n o d e s s a h e r a n ç a . C o m o se s e n ti-
m e n to s s e m e lh a n te s n u n c a tiv e s s e m s id o e x p r e s s o s p o r T h o m a s M ü n tz e r ,
G e o r g e F o x , J o h n R o b in s o n , C h a r le s F in n e y e u m g r a n d e n ú m e r o d e lu -
m in a r e s m a is r e c e n te s , T o n y J o n e s a n u n c ia : “ N o s é c u lo 2 1 , n ã o é D e u s
q u e e s tá m o r t o . É a ig r e ja . O u p e lo m e n o s a s f o r m a s c o n v e n c io n a is d a
ig re ja . N a v e r d a d e , a s ig re ja s a in d a s ã o n u m e r o s a s . A s s im c o m o a c o n te -
ce c o m o s ‘o r e lh õ e s ’... N a t u r a l m e n t e , a m o r t e d o ‘o r e l h ã o ’ n ã o s ig n ific a
q u e n ã o fa z e m o s m a is c h a m a d a s te le fô n ic a s . D e f a to , fa z e m o s m u ito m a is
c h a m a d o s d o q u e n u n c a a n te s , m a s o s fa z e m o s d e m a n e ir a d if e r e n t e ” .26
C o m o d ir ía F in n e y , p r e c is a m o s d e “ n o v a s m e d i d a s ” .
D o m e s m o m o d o , a p r ó p r i a ig r e ja d e J o n e s , a Solomon's porch (P ó r-
t i c o d e S a l o m ã o ) , e m M i n n e a p o l i s ( l i d e r a d a p o r D o u g P a d g i t t) , t r a n s -
fo r m a o c u lto tra d ic io n a l n u m a c o n v e rs a ç ã o . “ O o b je tiv o é jo g a r fo ra
o se rm ã o a u to r itá r io q u e g o v e rn o u g ra n d e p a r te d o p ro te s ta n tis m o d u -
r a n te q u i n h e n to s a n o s ” , J o n e s e x p lic a . “ A q u i o s e r m ã o é d e s c o n s tr u íd o ,
v ir a d o d e c a b e ç a p a r a b a ix o . A B íb lia é c ita d a c o m o u m ‘m e m b r o d a c o -
m u n i d a d e ’ c o m q u e m e s ta m o s c o n v e r s a n d o , e a i n t e r p r e t a ç ã o c o m u n a l
2 86

d e u m a p a s s a g e m e m e r g e b o r b u l h a n t e d a v id a d a c o m u n i d a d e . ” 27 P ã o e
v in h o e s u c o d e u v a s ã o o f e r e c id o s “ n u m a r u i d o s a a tm o s f e r a d e f e s ta , e
n u m a o p c io n a l s a la tr a n q u i l a d e m e d i t a ç ã o ” , m a s “ esse a s p e c to d o c u lto
n ã o é d ir ig id o p o r n e n h u m c lé r ig o ” . À s v e z e s, a c o m u n h ã o é i n tr o d u z id a
c o m u m p o e m a o u c o m “ u m te s te m u n h o a c e rc a ‘d o q u e a C e ia d o S e n h o r
s ig n ific a p a r a m i m ’, e, n o u t r a s e m a n a , c o m a s t r a d i c io n a is ‘P a la v r a s d a
I n s t i t u iç ã o ’ d o L iv r o d e O r a ç ã o C o m u m ” . D e p o is d is s o , “ s e n ta m o - n o s
p a r a o s a v is o s , e a s c r ia n ç a s c o m e ç a m a b r i g a r p e lo q u e s o b r o u d o p ã o
d a c o m u n h ã o , v is to q u e e m g e r a l s ã o p a s s a s c o m c a n e la , r a s p a s d e c h o -
c o la te o u p ã o d e q u e ijo cbeddar c o m ja la p e ñ o ” . P u ra d e so rd e m . “ M a s o
v e r d a d e i r o c u lto a D e u s é u m e m p r e e n d i m e n t o d e s o r d e n a d o . D ig o is s o
f r a n c a m e n te . N ã o é s e u p r o p ó s i t o q u e se ja r e a liz a d o ‘c o m d e c ê n c ia e o r-
d e m ’, m a s s im d e s o r d e n a d a m e n t e e c o m a p e n a s u m a a p a r ê n c i a d e o r-
d e m , e c o m m u i ta a l e g r i a .” 28
M e n o s o p ã o d e q u e ijo cheddar c o m ja la p e ñ o , esse c e n á rio p o d e -
r ia p a r e c e r f a m ilia r n u m a c o m u n i d a d e p ie tis ta o u n o “ C lu b e S a n t o ” d e
W e sle y e m O x f o r d , o u a a lg u é m q u e t e n h a tid o a n te c e d e n te s lig a d o s a o s
q u a e r e s o u a o s I r m ã o s d e P ly m o u th . L o n g e d e r e p r e s e n t a r u m a a b o r d a -
g e m r a d ic a lm e n te n o v a p a r a u m a e r a p ó s - m o d e r n a , e ssa s d e s c riç õ e s m e
l e m b r a m o m o v i m e n to ig r e ja e m c a s a d u r a n t e o q u a l e u f u i c r ia d o n a s
d écadas de 1970 e 1980.
E m t o d o s esse s m o v im e n to s , o m in is té r io p ú b lic o d e P a la v r a e d o sa-
c r a m e n to e s tá o u s u b o r d in a d o a r e u n iõ e s in fo rm a is , o u a té m e s m o é su b s-
t i tu íd o p o r e s ta s , s e m n e n h u m a lid e r a n ç a o r d e n a d a . O s a m ig o s (q u a e re s)
r e je ita m o b a tis m o e a C e ia d o S e n h o r, e a té m e s m o s u a s r e u n iõ e s s e m a -
n a is tê m s id o , p e lo m e n o s h i s t o r i c a m e n t e , c a r a c te r i z a d a s p o r u m c ír c u -
lo d e c o m u n h ã o c o m c a d a p e s s o a c o m p a r t i l h a n d o u m a r e f le x ã o q u e se
a c r e d ita q u e fo i d a d a p e lo E s p ír ito p o r m e io d e u m a lu z in te rio r. A o a ssi-
m ila r a G r a n d e C o m is s ã o a o G r a n d e M a n d a m e n t o , o E x é r c ito d e S a lv a -
ç ã o d is p e n s o u a s in s titu iç õ e s o r d e n a d a s d o b a tis m o e d a C e ia d o S e n h o r,
e n q u a n t o m a n t é m c e r ta s e x ig ê n c ia s q u e n ã o se e n c o n t r a m n a E s c r itu r a
(c o m o a a b s tin ê n c ia d e á lc o o l) . À lu z d e sse r e s u m o , D ie tr ic h B o n h o e f f e r
p r o v a v e l m e n t e n ã o e s ta v a t o t a l m e n t e e r r a d o q u a n d o d e s c r e v e u o c r is -
tia n is m o n o r t e - a m e r i c a n o c o m o “ u m p r o t e s t a n t i s m o s e m a R e f o r m a ” .

Interior versus exterior


S e n d o c o n d e s c e n d e n te p a r a c o n o s c o , D e u s a g e in te r io r m e n te e m n ó s
p e lo s e u E s p ír ito m e d ia n te m e io s e x te r n o s e c r ia d o s . N o s s a a lm a n ã o é
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 2 87

d iv in a , c o m u m r e la c io n a m e n to d ir e to e im e d ia to c o m D e u s . S o m o s c r ia -
t u r a s fís ic a s e n e s s a q u a l i d a d e D e u s se r e la c io n a c o n o s c o . N ã o fo i p e lo s
e s p í r i t o s s u b i n d o a o c é u , m a s p o r D e u s t e r se f e ito c a r n e é q u e f o m o s
r e d im id o s . E é p e lo E s p ír ito o p e r a n d o p o r m e io d a lin g u a g e m h u m a n a
c o m u m , e p o r m e io d a á g u a , d o p ã o e d o v in h o q u e C r is to n o s é c o m u -
n ic a d o a tu a lm e n te .
E e v id e n te q u e o s m e io s e x te r n o s n ã o b a s ta m . A p r e g a ç ã o e o s s a c r a -
m e n to s s ã o m e io s d e g r a ç a , n ã o a f o n te o u a c a u s a d a g r a ç a . E m o u t r a s
p a l a v r a s , esse s m e io s e x te r n o s , e m si m e s m o s , n ã o f a z e m c o is a a lg u m a .
A n te s , Deus o p e r a p o r m e io d e le s , c o m o ele q u e r e d e c id e . D e p o is d e se r
b a tiz a d o , re c e b e r a c o m u n h ã o e o u v ir a n o s de se rm õ e s, a p e sso a p o d e ,
n ã o o b s t a n t e , d e s is tir d o s e u d i r e ito h e r e d i t á r i o ( H b 6 .4 - 1 2 ) . C o n t u d o ,
D eus prometeu o p e r a r p o r m e io d esse s e le m e n to s m e d ia d o s p o r c r ia tu r a s ,
e e le s p e r m a n e c e m o q u e s ã o - m e io s d e g r a ç a - m e s m o q u e a r e a lid a d e
( C r is to e se u s b e n e fíc io s ) n ã o seja a c e ita . I n d e p e n d e n te m e n te d is s o , a P a -
la v r a d e D e u s p e r m a n e c e , m a s e n d u r e c e , e m v e z d e e n te r n e c e r o c o r a ç ã o .
O b a tis m o e a C e ia d o S e n h o r r e tê m s u a e fic á c ia , m e s m o q u e c o n f ir m e m
a in c r e d u lid a d e e a f a lta d e a r r e p e n d im e n t o , e n ã o a v id a .
O c o n t r a s t e r a d i c a l i n t e r i o r - e x t e r i o r ( o u e x t e r n o - i n t e r n o ) f o i m a is
p le n a m e n te e x p l o r a d o p e lo s a n tig o s g n ó s tic o s , q u e t e n t a r a m m i s tu r a r o
c r is t i a n i s m o c o m a filo s o fia g r e g a . E m b o r a a ig r e ja t e n h a c o n f r o n t a d o
d e c is iv a m e n te e ssa h e r e s ia , a s p r e s s u p o s iç õ e s g re g a s ( p r in c ip a lm e n te p ia -
tô n ic a s ) se m a n tiv e r a m in flu e n te s , e m e s p e c ia l n o s m o v im e n to s m o n á s ti-
e o s . O n d e q u e r q u e o p l a to n is m o se ja m u ito e v id e n te , h á u m a te n d ê n c ia
d e t r a t a r o s s in a is m e d ia d o s p o r c r ia t u r a s m e r a m e n te c o m o r e c u r s o s a u -
x ilia re s p a r a a c o n te m p la ç ã o . T a lv e z eles p o s s a m a ju d a r - n o s n a n o s s a ex -
p e r iê n c ia e s p ir itu a l e n a n o s s a a s c e n s ã o in te le c tu a l, o u - c o m o a c ré s c im o
d o e le m e n to c o n t r a t u a l q u e já d is c u tim o s - f o r n e c e r u m a o p o r t u n i d a d e
p a r a e x e r c e r m o s a n o s s a v o n t a d e . T o d a v i a , e le s n ã o s ã o c o n s i d e r a d o s
m e io s d e g r a ç a .
N a I d a d e M é d i a , o d u a l i s m o i n t e r i o r - e x t e r i o r le v o u a v á r io s m o v i-
m e n to s e s p ir itu a is . A lg u n s d e s s e s g r u p o s r e n u n c i a r a m a t o d a e q u a l q u e r
“ ig r e ja e x t e r n a ” , c o m s u a p r e g a ç ã o , s e u s s a c r a m e n t o s e s u a d is c ip lin a .
O u t r o s p e r m a n e c e r a m n a ig r e ja , m a s m i n i m i z a r a m o p a p e l d o s m e io s
c o r p o r a t i v o s e m f a v o r d e d is c ip lin a s e s p ir itu a is p r iv a d a s .
U m m o n g e f r a n c is c a n o c h a m a d o J o a c h im d e F io r e ( 1 1 3 5 - 1 2 0 2 ) esc re -
v e u u m c o m e n tá r io s o b r e o liv ro d o A p o c a lip s e q u e e x e r c e u e n o r m e im -
p a c to a lé m d a Id a d e M é d ia . N e s s a o b r a , ele d iv id iu a H is tó r ia e m trê s eras:
288

a E r a d o P a i (lei, e a o r d e m d o c a s a m e n to ) , a E r a d o F ilh o (g r a ç a , e a o r-
d e m d o c le ro ) e a E ra d o E s p írito . N a te rc e ira e r a , d o “ e v a n g e lh o e t e r n o ” ,
t o d a a t e r r a se t o r n a r i a u m m o s te ir o , c o m t o d a s a s p e s s o a s c o n h e c e n d o
D e u s d ir e ta e in tu itiv a m e n te n o p r ó p r io c o r a ç ã o , s e m a a ju d a d a E s c r itu -
r a , d a p re g a ç ã o , d o s s a c r a m e n to s o u d a ig re ja . M u ito s líd e re s e n tu s iá s tic o s
d a R e f o r m a R a d ic a l m a r c a r a m d a ta s p a r a o r a i a r d e s s a E ra d o E s p írito .
A te n d ê n c ia d o s a n a b a t i s ta s , p e lo m e n o s h i s t o r i c a m e n t e , e r a c o lo c a r
u m a c u n h a e n tr e o s in a l m e d ia d o p o r c r ia t u r a s e s u a r e a lid a d e c e le s tia l,
e n tr e o e x t e r n o e o in t e r n o , o f o r m a l e o i n f o r m a l, a ig r e ja v isív e l (in s ti-
tu c io n a l) e o g r u p o in v is ív e l d o s v e r d a d e ir o s d is c íp u lo s .29 T u d o is s o e r a
to s c a m e n te e q u iv a le n te a o d u a lis m o p la tô n ic o e n tr e a lm a e c o r p o . O s re -
f o r m a d o r e s o c h a m a r a m “ e n tu s ia s m o ” , q u e sig n ifica “ D e u s - d e n tr o - is m o ” ,
v is to q u e a t e n d ê n c i a e r a , p e lo m e n o s , s u b o r d i n a r a P a l a v r a d e D e u s à
lu z in te rio r. T u d o o q u e é e x te r n o e m r e la ç ã o a o e u i n te r io r é v is to c o m o
u m f a r d o , u m a a m e a ç a , a p r i s ã o d a a lm a . N ã o é a P a la v r a e x t e r n a q u e
fa z v i b r a r o ar, m a s é à p a la v r a o u lu z in te r io r q u e te m o s d e d a r a te n ç ã o .
E s s a p r e s s u p o s iç ã o é e v id e n c ia d a p e la m in im iz a ç ã o o u t o t a l r e je iç ã o d a
p r e g a ç ã o e d o s s a c r a m e n t o s p o r p a r t e d o s p r o t e s t a n t e s r a d ic a is , e m fa -
v o r d e c o n v e rs a s e s p ir itu a is e d is c ip lin a s p r iv a d a s . A lu z in te r io r tr i u n f o u
s o b r e o m in is té r io e x te r n o .
Q u a n d o c h e g a m o s a o I lu m in is m o , p o d e m o s v e r q u e e sse fo i u m m o -
v i m e n t o m u i to r e lig io s o . A te r c e i r a e r a d e J o a c h i m d e F io r e fo i “ s e c u -
la n z a d a ” c o m o a E ra d a Ilu m in a ç ã o . R e c o rre n d o às e x p e c ta tiv a s d o s
“ e n t u s i a s t a s d o s é c u lo 1 3 ” a r e s p e ito d e u m a v i n d o u r a E r a d o E s p ír ito
q u e tr a n s c e n d e r ía t o d a s a s n e c e s s id a d e s d e m e d ia ç ã o p o r p a r t e d e c r ia -
t u r a (in c lu s iv e d a B íb lia e d a ig re ja ), G . E . L e s s in g ( 1 7 2 9 - 1 7 8 1 ) g a b a v a -
-se d e q u e e sse d ia t i n h a c h e g a d o . E m p r e g a n d o u m a a n títe s e e n tr e le tr a
e e s p ír ito n u m a i n t e r p r e t a ç ã o q u e t i n h a s id o f r e q u e n te m e n te e m p r e g a d a
p e lo s a n tig o s g n ó s tic o s , o s m ís tic o s , e a lg u n s a n a b a t i s t a s r a d ic a is , L e s-
s in g in s is tiu : “ E m s u m a , a le tr a n ã o é o e s p ír ito , e a B íb lia n ã o é re lig iã o .
C o n s e q u e n te m e n te , a s o b je ç õ e s f e ita s à le tr a e à B íb lia n ã o s ã o t a m b é m
o b je ç õ e s a o e s p í r i t o e à r e l i g i ã o ” .30 D e f a t o , n o liv r o The education of
the human race [A e d u c a ç ã o d a r a ç a h u m a n a ] d e L e s s in g , “ a s e s p e c u la -
ç õ e s a c e r c a d o ‘e v a n g e lh o e t e r n o ’ e s tã o lig a d a s c o m a s a n te c ip a ç õ e s e m
J o a c h im e o s f r a n c is c a n o s e s p i r i t u a i s ” .31
C o m o T h o m a s M ü n tz e r , e le c o r r e l a c io n o u o c o n t r a s t e e n t r e “ l e t r a ”
e “ e s p í r i t o ” c o m a B íb lia e a v e r d a d e i r a e s p i r i t u a l i d a d e . 32 P a r a I m m a -
n u e l K a n t, e sse c o n t r a s t e f o i t r a ç a d o e m t e r m o s d a “ r e lig iã o p u r a ” d a
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 28 9

m o r a l i d a d e i n t e r i o r ( “ a le i m o r a l i n t e r i o r ” ) e “ a s c r e n ç a s e c le s iá s tic a s ” ,
c o m s e u s c r e d o s e r ito s p a r tic u la r e s .
N o R o m a n t i s m o , o g ir o p a r a o i n t e r i o r e s t a v a c o m p l e t o . N o in íc io
d o s é c u lo 1 9 , F r ie d r ic h S c h le ie r m a c h e r ( 1 7 6 8 - 1 8 3 4 ) , a d v e r t i u o s “ d e s -
p r e z a d o r e s d e c u l t o ” d o c r is t i a n i s m o d o s e u t e m p o a “ se a f a s t a r e m d e
t u d o o q u e u s u a l m e n t e e r a c h a m a d o r e l i g i ã o ” e a f ix a r e m s u a a t e n ç ã o
n o s s e n t i m e n t o s e n o s a t o s d a s a lm a s n o b r e s “ i n s p i r a d o s p o r D e u s ” .33
O s c r e d o s e a a d m i n i s t r a ç ã o o fic ia l d o m i n is t é r io e x t e r n o r e p r e s e n t a m
a “ l e t r a ” , n ã o o “ e s p í r i t o ” . S eja c o n c e b id a e m te r m o s d a r a z ã o i n t e r i o r
( D e s c a r te s ) , “ d a lei m o r a l i n t e r i o r ” (K a n t) , o u d o “ s e n tim e n to p i e d o s o ”
(S c h le ie r m a c h e r ) , a m o d e r n i d a d e fe z o u v id o s m o u c o s p a r a t o d a e q u a l-
q u e r a u t o r i d a d e e x te r n a .
O tra n s c e n d e n ta lis m o n o rte -a m e ric a n o (E m e rso n , T h o re a u , J a m e s e
o u tr o s ) fo i a v e r s ã o d o R o m a n t is m o q u e a t r a i u m u ito s s e g u id o r e s e n tr e
o s in te le c tu a is d e B o s to n . E m e r s o n h a v ia e s c r ito : “ A a l t u r a , a d iv in d a d e
d o h o m e m , d e v e s e r s u s t e n t a d a p o r si m e s m a , s e m n e c e s s id a d e d e n e -
n h u m d o m , n e m d e n e n h u m a fo rç a d e f o r a ” - n e n h u m D e u s e x te rn o ,
c o m u m a P a la v ra e c o m s a c ra m e n to s e x te rn o s , c o m o ta m b é m n e n h u m
m in is té r io f o r m a l.34 O le g a d o r e a v iv a lis ta d e F in n e y r e p r e s e n ta , n a s p a la -
v r a s d e G a r r y W ills , “ u m R o m a n tis m o a l t e r n a t iv o ” , u m a v e r s ã o p o p u l a r
d a a u to c o n f ia n ç a e d a e x p e r iê n c ia in te r io r , “ a s s u m in d o o n d e o tr a n s c e n -
d e n ta lis m o p a r o u ” .35
À lu z d e s s a h is tó r ia , p o d e m o s e n te n d e r p o r q u e a s p e s q u is a s r e v e la m
c o e r e n te m e n te q u e o s n o r t e - a m e r i c a n o s se c o n s id e r a m “ e s p ir itu a is , m a s
n ã o r e li g i o s o s ” . D e s c o n f ia n d o d a s ig r e ja s in s t it u c i o n a is , d o s c r e d o s , d a
p r e g a ç ã o e d o s s a c r a m e n to s , e le s, n ã o o b s t a n t e , a c r e d i t a m q u e m a n t ê m
u m r e la c io n a m e n to v ita l c o m D e u s . A s d e s c o b e r ta s d e W a d e C la r k R o o f
d if ic ilm e n te n o s s u r p r e e n d e m q u a n d o e le r e la ta : “ A d i s t in ç ã o e n tr e ‘es-
p í r i t o ’ e ‘i n s t it u i ç ã o ’ é d a m a i o r i m p o r t â n c i a ” p a r a o s i n q u ir id o r e s e sp i-
r itu a is d e h o je .36 “ O e s p ír ito é o a s p e c to in te r io r , v iv e n c ia l, d a re lig iã o ; a
in s titu iç ã o é a f o r m a e x te r n a , e s ta b e le c id a , d a r e lig iã o .” 37 E le a c re s c e n ta :
“ A e x p e r iê n c ia d i r e t a é s e m p r e m a is c o n f iá v e l, se n ã o p o r o u t r a r a z ã o ,
g r a ç a s à s u a ‘in te r i o r i d a d e ’ - q u a lid a d e q u e p a s s o u a s e r m u ito a p r e c ia d a
n u m a c u l t u r a a l t a m e n t e e x p r e s s iv a e n a r c i s i s t a ” .38 D e f a to , R o o f c h e g a
p e r t o d e s u g e r ir q u e o e v a n g e lic a lis m o f u n c io n a t ã o b e m n e s s e t i p o d e
c u l t u r a p o r q u e a j u d o u a c r iá - la .
N o s e u liv r o m a is r e c e n te , A new kind of Christianity [U m n o v o tip o
d e c r i s t i a n i s m o ] , B r ia n M c L a r e n s e g u e o t e ó l o g o l i b e r a l H a r v e y C o x
2 90

n o a n ú n c io d a c h e g a d a d a “ E r a d o E s p í r i t o ” . N e s t a e r a d e p a z e ju s tiç a
e m e r g e n te s , a ig re ja se e sv a i, to r n a n d o - s e “ c o m u n id a d e s d e f é ” . C a d a v ez
m a is , b u d is ta s , m u ç u lm a n o s , ju d e u s , c r is tã o s e a té m e s m o o s a te u s ir ã o
c o o p e r a r n a c r ia ç ã o d o r e in o d e D e u s . A s p r á ti c a s e x te r n a s q u e d iv id e m
a s r e lig iõ e s t e r ã o d e d a r l u g a r a o p r o g r e s s o h u m a n o u n iv e r s a l. À m e d i-
d a q u e a h u m a n i d a d e a m a d u r e c e , e la p r o g r id e d o s c o n c e ito s p r im itiv o s
a c e r c a d e D e u s ( p r in c ip a lm e n te n o A n tig o T e s ta m e n to ) p a r a o r e in o d e
p a z q u e J e s u s in a u g u r o u . Is s o é mais-m o d e r n o , n ã o p ó s - m o d e r n o . A in -
t e r p r e t a ç ã o q u e M c L a r e n fa z d a B íb lia c o m o r e f le tin d o u m a c o n s c iê n c ia
e s p ir itu a l e m e v o lu ç ã o d e id é ia s p r im itiv a s p a r a m a is m a d u r a s a c e r c a d e
D e u s é t ã o v e lh a q u a n t o Education of the human race, d e L e s s in g . D e
f a to , M c L a r e n fa z a lu s ã o a e sse t í t u l o . 39
N o e n t a n t o , a i n d a q u e c o m p r o p o s t a s m e n o s e x tr e m is ta s , o im p u ls o
d o p r o t e s t a n t i s m o r a d i c a l p r e v a le c e n o e v a n g e lic a lis m o a t u a l . E m Ce-
lebration of discipline [ C e le b r a ç ã o d a d is c ip lin a ] , o e s t u d o d e R i c h a r d
L o s te r d a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is q u e e le ju lg a e s s e n c ia is n ã o in c lu i n e m
o b a t i s m o n e m a C e ia d o S e n h o r. N a r e a l i d a d e , a ê n f a s e é n a e s p o n t a -
n e i d a d e e n a lib e r d a d e , c o n t r a a s f o r m a s . “ E n q u a n t o D e u s n ã o t o c a r e
n ã o l i v r a r o n o s s o e s p í r i t o , n ã o p o d e m o s a d e n t r a r e s s a e s f e r a ... E p r e -
c is o q u e o n o s s o e s p í r i t o s e ja in f l a m a d o p e lo f o g o d iv in o . O r e s u l t a d o
é q u e n ã o p r e c is a m o s fic a r p r e o c u p a d o s d e m a is c o m a q u e s t ã o d e u m a
f o r m a d e c u lto c o r r e t a ... Q u a n d o o E s p ír ito t o c a u m e s p ír ito , a q u e s tã o
d e f o r m a s fic a s e n d o t o t a l m e n t e s e c u n d á r i a . ” 40 O s u b t í t u l o d e s s a im -
p o rta n te o b ra é The path to spiritual growth [O c a m i n h o p a r a o e re s -
c i m e n t o e s p i r i t u a l ] , e e le t r a t a c o m o e s s e n c ia is m u i to s m é t o d o s p a r a a
p i e d a d e p e s s o a l q u e n ã o s ã o o r d e n a d o s n a E s c r it u r a . N o e n t a n t o , ele
n ã o fa z n e n h u m a m e n ç ã o d o s m e io s d e g r a ç a q u e C r is to o r d e n o u e x p li-
c i t a m e n t e p a r a f a z e r d is c íp u lo s .
The great omission: re-
W illa rd d á c o n tin u id a d e a essa ê n fa se em
claiming Jesus’ essential teachings on discipleship [A g r a n d e o m is s ã o :
r e c u p e r a n d o o s e n s in o s e s s e n c ia is d e J e s u s a r e s p e ito d o d is c ip u la d o ] , ar-
g u m e n t a n d o q u e a m a i o r i a d o s c r is tã o s a tu a is se s a tis f a z c o m u m e v a n -
g e lh o d e p e r d ã o q u e o m ite a tr a n s f o r m a ç ã o i n te r io r d a a lm a . E le o fe re c e
o q u e p a r e c e s e r s u a p r ó p r i a t r a d u ç ã o d a G r a n d e C o m is s ã o : “ F o i- m e
d a d o f a la r s o b r e t o d a s a s c o is a s n o c é u e n a t e r r a . P o r t a n t o , q u a n d o v o -
cê s f o r e m , f a ç a m d is c íp u lo s d e t o d o s o s tip o s d e p e s s o a , m e r g u lh e m - n o s
n a P r e s e n ç a T r i n i t á r i a e m o s tr e m a e les como fazer t u d o o q u e e u o rd e -
n e i. E a g o r a v e ja m : e u e s t o u c o m v o c ê s a c a d a m i n u t o , até que a obra
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 291

tenha sido completada” ( ê n fa s e a c r e s c e n t a d a ) .41 N e s s a e n g a n o s a p a r á -


f r a s e , o s m e io s d a g r a ç a s a l v a d o r a d e D e u s ( P a la v r a e s a c r a m e n t o ) s ã o
s u b s titu íd o s p o r m é to d o s p a r a a n o s s a a tiv id a d e . E m b o r a a s “ c h a v e s d o
r e i n o ” q u e J e s u s d e u a o s a p ó s to lo s e s te ja m a s s o c ia d a s a o m in is té r io o fi-
c ia i d a ig re ja d a p r e g a ç ã o , d o s s a c r a m e n to s e d a d is c ip lin a ( M t 1 6 .1 8 - 1 9 ;
1 8 .1 5 - 2 0 ) , W illa r d id e n tif ic a “ s o lid ã o , s ilê n c io e j e j u m ” c o m o a s “ c h a -
v es d o r e i n o ” .42 A s “ c h a v e s ” to r n a m - s e o s i n s tr u m e n to s o u té c n ic a s p a r a
a b r ir o n o s s o m u n d o in te r io r : “ E s ta m o s u s a n d o a s c h a v e s p a r a e n t r a r n o
R e i n o ” .43 “ Q u a s e n u n c a e n c o n tr e i a lg u é m q u e e s tiv e s s e e m fr ie z a e s p iri-
t u a l, p e r p le x id a d e , a f liç ã o e f r u s t r a ç ã o ” d iz e le , “ q u e fize sse u s o r e g u la r
d e s s e s e x e r c íc io s e s p ir itu a is q u e s ã o ó b v io s p a r a t o d a p e s s o a f a m ilia r i-
z a d a c o m o c o n t e ú d o d o N o v o T e s t a m e n to ” .44
W illa r d a r g u m e n t a q u e o c e r n e d o e v a n g e lh o c o n s is te e m r e n o v a ç ã o
in te r io r : “ O e v a n g e lh o é n o v a v id a m e d ia n te a fé e m J e s u s C r i s t o ” .45 T e-
m o s o n o s s o c a r á t e r t r a n s f o r m a d o p o r “ d is c ip lin a s c u id a d o s a m e n te p ia -
n e ja d a s e s u s t e n t a d a s p e la g r a ç a ” .46 E s s a s d is c ip lin a s d e o b e d iê n c ia n ã o
s ã o a p e n a s o s m e io s , m a s a fo n te d a n o s s a tr a n s f o r m a ç ã o in te rio r.47 “Je su s
re a lm e n te e s tá p r o c u r a n d o p e s s o a s às q u a is ele p o s s a c o n f ia r esse p o d e r .” 48
N u m a e n t r e v i s t a , q u a n d o s o l i c i t a d o a i d e n t i f i c a r “ a d i s c i p l in a q u e
v o c ê a c h a q u e p r e c is a m o s e x e r c e r p a r a p o d e r e x p l o r a r m a is n e s ta a ltu -
r a ” , F o s te r r e s p o n d e u : “ A s o l i d ã o ” .

Essa é a mais fundamental das disciplinas de abstinência, a via ne-


gativa. A paixão evangélica por envolvimento com o mundo é boa.
No entanto, como diz Thomas à Kempis, a única pessoa que está
segura para viajar é a pessoa que é livre para ficar em casa. E Pas-
cal dizia que resolveriamos os problemas do mundo se tão somente
aprendéssemos a ficar sentados sozinhos no nosso quarto. A soli-
dão é essencial para o correto envolvimento.49

F o s te r c o m p a r t i l h a d a c o n v i c ç ã o d e W i l l a r d d e q u e u m a ê n f a s e n a
g r a ç a d e D e u s p a r a l i s o u a b u s c a p e la t r a n s f o r m a ç ã o in te r io r . E n q u a n t o
a E s c r itu r a e n s in a q u e a o b r a o b je tiv a d e C r is to f o r a d e n ó s n a H i s t ó r i a
é o e v a n g e lh o - “ o p o d e r d e D e u s p a r a s a l v a ç ã o ” , F o s te r e sc re v e :

A obra mais importante, mais real e mais duradoura é realizada


nas profundezas do nosso coração. Essa obra é solitária e interior.
Ninguém a pode ver, nem nós mesmos. Só Deus a conhece. E a obra
que produz pureza do coração, conversão da alma, a transformação
2 92

interior, a formação da vida. ... Muito trabalho intenso de forma-


ção é necessário antes de podermos suportar o fogo do céu. Mui-
to treinamento é necessário antes de sermos o tipo de pessoas que
podem segura e facilmente reinar com Deus.50

D e m o d o p r o v e it o s o , W i l l a r d r e s s a l ta a i m p o r t â n c i a d a s p r á ti c a s d o
a m p la m e n te a b a n d o n a d o s a b á d a s g e r a ç õ e s a n te r io r e s .51 N o e n t a n t o , a té
m e s m o e s s a d is c ip lin a c r u c i a l p e r d e o c a r á t e r c o r p o r a t i v o q u e e la te m
n o N o v o T e s ta m e n to e v e m a s e r o u t r a o p o r t u n i d a d e p a r a s o lid ã o p r i-
v a d a . “ O s ilê n c io c o m p le ta a s o lid ã o , p o is s e m ele v o c ê n ã o p o d e e s ta r a
s ó s .” 52 P a r a c i t a r W illa r d d e n o v o : “ É u m tr á g i c o e r r o p e n s a r q u e J e s u s
e s ta v a n o s d iz e n d o , q u a n d o p a r t i u , p a r a in ic ia r m o s ig r e ja s , c o m o is s o é
e n te n d id o h o je e m d i a ” .53 N ã o e s to u in te ir a m e n te c e r to d a in te n ç ã o c o m
q u e é d ito : “ c o m o is s o é e n t e n d i d o h o je e m d i a ” , m a s , a o q u e p a r e c e ,
c o m b a s e n o N o v o T e s ta m e n to , é e v id e n te q u e o s a p ó s to lo s e n te n d e r a m
a G r a n d e C o m is s ã o p r e c is a m e n te c o m o in ic ia r ig re ja s .
S e g u n d o e ssa v is ã o , o m in is té r io d a s c h a v e s p ú b lic o , c o r p o r a tiv o e a u -
d ív e l t o r n a - s e a s s im ila d o a u m d u a l i s m o e s p í r i t o - c o r p o q u e s e m p r e fo i
p r e e m i n e n t e n a s t r a d i ç õ e s m o n á s t i c a s . “ B a s ic a m e n te a c a r n e e q u iv a le
espírito, e n tã o ?
a o n a t u r a l .. . O q u e é E s p ír ito é uma realidade e um po-
der incorpóreo pessoal.54‫ ״‬D e u s e s tá p ro c u ra n d o v e rd a d e iro s a d o r a d o -
re s . “ A c r e d ito q u e isso sig n ific a p e s s o a s q u e n o n ú c le o c e n tr a l d o s e u ser,
i n d e p e n d e n t e m e n t e d e t o d a a a p a r ê n c ia n o m u n d o fís ic o m e d i a n t e s e u
c o r p o , q u e r e m e s ta r p u r a s e r e ta s d ia n te d e D e u s . E e la s s ã o p e s s o a s q u e
d e d ic a m t o t a l m e n t e o s e u s e r m a is p r o f u n d a m e n t e i n t e r i o r - o c o r a ç ã o ,
a v o n t a d e o u o e s p ír ito h u m a n o - a f a z e r i s s o . ” 55 E s s a te n d ê n c ia p l a t ô -
n ic a t a m b é m é e v id e n te n a o b r a d e F o s te r .56 M a s , s e r á e s s a a d e f in iç ã o
n o N o v o T e s ta m e n to d e E s p ír ito e c a rn e ?
S e g u in d o P la tã o , m u ito s c r is tã o s d a tr a d iç ã o c o n te m p la tiv a tê m e n te n -
d i d o e s p ír ito (pneuma) e c a rn e (sarx) em te rm o s d o “ m u n d o s u p e r io r ”
d a r e a lid a d e e t e r n a e d o “ m u n d o i n f e r i o r ” d a s m e r a s a p a r ê n c ia s . O es-
p í r i t o (o u a m e n te ) é c o n s id e r a d o c o m o o e u m a is e le v a d o , v e r d a d e ir o , a
c e n te lh a im o r t a l d a d iv in d a d e , e n q u a n t o o c o r p o , c o m o s s e u s s e n tid o s ,
p e r te n c e à e s f e ra d a s s o m b r a s s e m p r e m u tá v e is : m e r a s a p a r ê n c ia s .
N o N o v o T e s t a m e n to , p o r é m , o c o n t r a s t e e n t r e E s p í r i t o e c a r n e re -
fe re -s e a o p o d e r r e g e n e r a d o r d o E s p í r i t o S a n to versus a i m p o tê n c i a d a
n a t u r e z a h u m a n a n a s u a c o n d i ç ã o c a íd a . E n q u a n t o o p l a t o n i s m o p e n -
s a n o e s p ír ito versus c a r n e e m te r m o s d e dois mundos ( e s p ir itu a l versus
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 293

m a te r ia l) , o N o v o T e s ta m e n to f a la d o E s p ir ito e d a c a r n e e m te r m o s d e
duas eras (e s ta e r a versus a e r a p o r v ir). C o m C r is to , a r e s s u r r e iç ã o fin a l
d o s m o r t o s já c o m e ç o u . O n o s s o c a b e ç a já fo i r e s s u s c ita d o e g lo rific a d o ,
p a r a a lé m d o a lc a n c e d o p e c a d o , d a c o n d e n a ç ã o e d a m o r t e . A lé m d o
m a is , o E s p ír ito fo i d e r r a m a d o e m to d o s o s s a n to s , p a s s a n d o a re s id ir n e-
les c o m o o d e p ó s ito d e r e s s u r r e iç ã o d e le s e m g ló r ia . L o n g e d e n o s le v a r
a n o s i n t e r i o r i z a r m a is p r o f u n d a m e n t e , a e s c a to lo g ia b íb lic a n o s d ir ig e
p a r a f o r a d e n ó s m e s m o s , p a r a a d e s c id a d o r e in o d e C r is to n a H i s tó r ia .
N ã o é a n o s s a a s c e n s ã o g r a d u a l n a e s c a d a d a c o n t e m p l a ç ã o e s p ir itu a l,
m a s s im a d e s c id a , a a s c e n s ã o e a v o lta d e C r is to n a c a r n e q u e o r i e n t a a
fé, a e s p e r a n ç a e o a m o r d o c r is tã o .
E m v e z d e e m p r e e n d e r v o o s d e s o lid ã o , a s c e n d e n d o d o e s p ír ito p a r a o
E s p írito , p re c is a m o s v iv e r n e s te m u n d o c o m o a q u e le s q u e “ u m a v ez f o r a m
ilu m in a d o s , e p r o v a r a m o d o m c e le s tia l, e se t o r n a r a m p a r ti c ip a n te s d o
E s p ír ito S a n to , e p r o v a r a m a b o a p a l a v r a d e D e u s e o s p o d e r e s d o m u n -
d o v i n d o u r o ” ( H b 6 .4 - 5 ) . A t e r r a a in d a n ã o fo i to t a l m e n t e r e n o v a d a e m
s u a g ló r ia c o n s u m a d a , m a s v iv e m o s n e s s a e s p e r a n ç a m e s m o a g o r a , c o m
b a s e n a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to . A té m e s m o a s n o s s a s d is c ip lin a s p r iv a d a s
d e o r a ç ã o e m e d i t a ç ã o n a E s c r it u r a s e r v e m p a r a q u e s e ja a t i n g i d o e sse
o b je tiv o d e f a z e r - n o s c r i a t u r a s e x t r o v e r t i d a s , o l h a n d o p a r a C r i s t o c o m
fé e p a r a o n o s s o p r ó x i m o c o m a m o r.
O c o n t r a s te e n tr e m e io s e x te r n o s e t r a n s f o r m a ç ã o i n t e r i o r ta m b é m é
e n f a tiz a d o p o r S ta n le y G r e n z , u m te ó lo g o p io n e ir o d o m o v im e n to em e r-
g e n te . D e f a to , ele t i r a in s p ir a ç ã o d a h e r a n ç a p ie tis ta d o e v a n g e lic a lis m o .
“ E m b o r a a lg u n s e v a n g é lic o s p e r te n ç a m a tr a d iç õ e s e c le s io ló g ic a s q u e e n -
t e n d e m q u e , e m a lg u m s e n tid o , a ig r e ja é u m a m i n i s t r a d o r a d a g r a ç a ” ,
e le o b s e r v a : “ g e r a lm e n te v e m o s a s n o s s a s c o n g r e g a ç õ e s p r in c ip a lm e n te
c o m o u m a c o m u n h ã o d e c r e n t e s ” .57 C o m p a r t i l h a m o s n o s s a s j o r n a d a s
( n o s s o “ t e s t e m u n h o ” ) d e t r a n s f o r m a ç ã o p e s s o a l.58P o r t a n t o , G r e n z ceie-
b r a a “ m u d a n ç a f u n d a m e n t a l ... d e u m a e s p ir itu a lid a d e b a s e a d a e m c re -
d o s p a r a u m a id e n tid a d e b a s e a d a n a e s p ir itu a lid a d e ” q u e é m a is p a r e c id a
c o m o m is tic is m o m e d ie v a l d o q u e c o m a o r t o d o x i a p r o t e s t a n t e .59 “ C o n -
s e q u e n te m e n te , a e s p ir itu a lid a d e é in te r io r e q u i e t i s ta ” ,60 p r e o c u p a d a e m
c o m b a te r “ a n a tu r e z a in f e r io r e o m u n d o ” ,61 n u m “ c o m p r o m is s o p e s s o a l
q u e se t o r n a o fo c o s u p r e m o d o s s e n tim e n to s d o c r e n t e ” .62
E m p a r t e a lg u m a d e s s a e x p lic a ç ã o G re n z lo c a liz a a o r ig e m d a fé n u m
e v a n g e lh o e x te r n o ; a n te s , a fé s u rg e d e u m a e x p e r iê n c ia in te r io r . “ V is to
q u e a e s p ir itu a lid a d e é gerada de dentro da pessoa, a m o tiv a ç ã o in te r io r
294

é c r u c ia l” - m a is i m p o r ta n te , d e f a to , d o q u e a s “ g r a n d e s a f ir m a ç õ e s te o -
l ó g ic a s ” (ê n fa s e a c r e s c e n t a d a ) .63

A vida espiritual é, acima de tudo, imitação de Cristo... Em geral


nós evitamos rituais religiosos. Não escravizada adesão a ritos, mas
fazer o que Jesus faria é o nosso conceito do verdadeiro discipulado.
Consequentemente, os evangélicos, em sua maioria, nem aceitam o
sacramentalismo de muitas igrejas tradicionais, nem se juntam aos
quaeres em eliminar completamente os sacramentos. Praticamos o
batismo e a Ceia do Senhor, mas entendemos o significado desses
ritos de uma maneira cautelosa.64

E m t o d o c a s o , d iz e le , esse s r ito s s ã o p r a ti c a d o s c o m o e s tím u lo s p a r a


a e x p e r iê n c ia p e s s o a l, e n ã o p o r o b e d iê n c ia a a lg u m a o r d e m d i v in a .65
G r e n z p e r c e b e q u e e s s e c o n c e i t o “ t r o c a a p r i o r i d a d e d a ig r e ja p e la
p r i o r i d a d e d o c r e n t e ” .66 C o n t u d o , is s o é m e r a m e n te d e c la r a r e x p lic ita -
m e n te a te o lo g ia e m a ç ã o q u e o s e v a n g é lic o s a s s u m e m , G r e n z o b s e r v a :

“Dê prosseguimento à tarefa; ponha sua vida em ordem pratican-


do os auxílios para crescimento e veja se você não amadurece es-
piritualmente” , nós exortamos. De fato, se um crente, homem ou
mulher, chega a um ponto em que sente que a estagnação se implan-
tou, o conselho evangélico é que redobre seus esforços na tarefa de
exercitar as disciplinas. “ Examine-se a si mesmo” , o conselheiro
espiritual evangélico admoesta.67

A ê n f a s e n o c r e n t e i n d i v i d u a l é e v id e n te , d iz e le , n a e x p e c t a t i v a d e
“ e n c o n t r a r u m m i n is t é r io ” d e n t r o d a c o m u n i d a d e lo c a l.68
T u d o is s o é a v e s s o a q u a l q u e r ê n f a s e n a d o u t r i n a , e, e s p e c ia lm e n te ,
G r e n z a c r e s c e n ta , n a ê n f a s e e m “ a lg u m p r i n c í p i o m a t e r i a l e f o r m a l ” -
r e f e r in d o - s e a o s le m a s d a R e f o r m a sola fide (ju s tif ic a ç ã o p o r C r is to so -
m e n te p o r m e io d a fé s o m e n te ) e sola scriptura (p e la E s c r itu r a s o m e n te ) .69
E m b o r a a s E s c r itu r a s d e c la r e m q u e “ a fé v e m p e la p r e g a ç ã o , e a p r e g a -
ç ã o , p e la p a l a v r a d e C r i s t o ” (R m 1 0 .1 7 ) , G r e n z d iz: “ A fé é p o r n a tu r e -
z a i m e d i a t a ” .70
C o e r e n te c o m s u a ê n f a s e n a p r i o r i d a d e d a e x p e r iê n c ia in te r io r , G re n z
in s is te n u m “ e n t e n d i m e n t o r e v is a d o d a natureza d a a u t o r i d a d e d a Bí-
b l i a ” .71 A n o s s a p r ó p r i a e x p e r iê n c ia r e lig io s a a t u a l p r e c is a s e r in c lu íd a
n o p r o c e s s o d e in s p ir a ç ã o .72 C o n s e q u e n te m e n te , G r e n z a c r e d ita q u e isso
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 295

“ m a p e a r á o c a m in h o p a r a a lé m d a te n d ê n c ia e v a n g é lic a d e e q u i p a r a r d e
m o d o s im p le s a r e v e la ç ã o d e D e u s c o m a B íb lia - is to é , d e e s ta b e le c e r
u m a c o r r e s p o n d ê n c i a u m a u m e n t r e a s p a l a v r a s d a B íb lia e a p r ó p r i a
P a l a v r a d e D e u s ” .73 A s s im , e m v e z d e a P a l a v r a d e D e u s v ir a t é n ó s d e
f o r a d e n ó s , d a n d o - n o s fé e p r o d u z i n d o t r a n s f o r m a ç ã o i n t e r i o r e m s u a
e s te ir a , a té m e s m o a E s c r itu r a se t o r n a a d e v o ta e x p r e s s ã o d a e x p e r iê n -
c ia d o in d iv íd u o o u d a c o m u n id a d e .
N o e n t a n t o , is s o é s im p le s m e n te v o l t a r a o e n tu s ia s m o m o r i b u n d o d e
F r ie d r ic h S c h le ie r m a c h e r . N ã o é u m a i n o v a ç ã o p ó s - m o d e r n a , m a s u m a
re v iv is c ê n c ia d o R o m a n tis m o - e, a n te s d is s o , d a d o u t r i n a d a lu z in te r io r
s u s t e n t a d a p e lo s p r o t e s t a n t e s r a d ic a is .
E s c r e v e n d o n o in íc io d o s é c u lo 2 0 , G . K . C h e s te r to n r e c o r d o u u m e n -
t ã o r e c e n te e d i t o r i a l d o j o r n a l . C h e s t e r t o n r e s u m i u s e u p r i n c i p a l a r g u -
m e n to d iz e n d o q u e “ o c r is tia n is m o , q u a n d o d e s p id o d e s u a a r m a d u r a d e
d o g m a ( c o m o se a lg u é m fa la s s e d e u m h o m e m d e s p id o d e s u a a r m a d u r a
d e o sso s), p a s s o u a ser n a d a s e n ã o a d o u tr in a q u a e re d a L u z I n te r io r ” .
“ P o r é m , se e u d isse sse q u e o c r is tia n is m o v e io a o m u n d o p r in c ip a lm e n te
p a r a d e s t r u i r a d o u t r i n a d a L u z I n te r io r , is s o s e r ia u m e x a g e r o ” , C h e s -
t e r t o n r e s p o n d e u . “ M a s e s t a r ia m u i to m a is p e r to d a v e r d a d e . ” 74 O s r o -
m a n o s d o s é c u lo 1 - ( e s p e c ia lm e n te o s e s to ic o s ) e r a m d e f e n s o r e s d a L u z
I n te r io r . N o e n t a n t o , C h e s t e r t o n c o n c lu i q u e , “ d e t o d a s a s re lig iõ e s h o r-
r ív e is , a m a is h o r r ív e l é a d o c u l t o a o d e u s i n t e r i o r ” .75 “ O c r is tia n is m o
v e io a o m u n d o p r im e ir a m e n te p a r a a f ir m a r c o m v io lê n c ia q u e o h o m e m
n ã o t i n h a s ó q u e o l h a r p a r a d e n t r o d e si, m a s t a m b é m t i n h a q u e o l h a r
p a r a f o r a , p a r a c o n t e m p l a r c o m a s s o m b r o e e n tu s ia s m o u m g r u p o d iv i-
n o e u m c a p it ã o d iv in o . A ú n ic a f o n te d e p r a z e r e m s e r c r is tã o e r a q u e o
h o m e m n ã o f o i d e ix a d o s o z in h o c o m a L u z I n te r io r , m a s d e f in id a m e n te
r e c o n h e c e u u m a lu z e x t e r n a , b e la c o m o o s o l, c la r a c o m o a lu z , te r r ív e l
c o m o u m e x é r c ito c o m s u a s b a n d e i r a s . ” 76
O s m ís tic o s e o s r a c i o n a l i s t a s i m a g i n a m q u e o e u i n t e r i o r é a p a r t e
m a is p r ó x i m a m e n t e d iv in a d e n ó s , m a s o N o v o T e s ta m e n to id e n tif ic a o
e u in te r io r , n a s u a c o n d iç ã o c a íd a , c o m o “ o v e lh o e u ” (o u “ o v e lh o h o -
m e m ” ) e c o m o “ a c a r n e ” , p e r te n c e n te à v e lh a c r ia ç ã o q u e e s tá p a s s a n d o .
E q u a s e c o m o se e sse “ v e lh o A d ã o ” m o r i b u n d o e m n ó s re v iv e s s e e re -
ju v e n e s c e s s e a c a d a v e z q u e n o s v o lta m o s p a r a o n o s s o s e r i n t e r i o r p a r a
c o n te m p lá - lo , p a r a c o n s o lá - lo o u ta lv e z a té m e s m o p a r a c u ltu á - lo .
E o b r a d o E s p ír ito d e s t r u i r esse íd o lo p e la p r e g a ç ã o d a lei e p a r a c h a -
m a r - n o s p a r a f o r a d e n ó s m e s m o s p a r a a b r ilh a n te lu z d o d ia , c o m C r is to
2 96

c o m o o so l. Q u a n d o isso a c o n te c e , n ó s n o s t o r n a m o s c r ia t u r a s e x tá tic a s
e m v e z d e in tr o s p e c tiv a s . C o n t e m p la m o s o n o s s o D e u s c o m fé e o n o s -
so p r ó x i m o c o m a m o r. E isso q u e fa z d o c r is tia n is m o u r n a fé in tr ín s e c a -
m e n te missionária, e n q u a n to ta m b é m a sse g u ra a p a r tic ip a ç ã o a tiv a d o
c r is tã o n o m u n d o p o r m e io d a s s u a s v o c a ç õ e s s e c u la re s .

Viver o evangelho versus proclamar o evangelho


M e n c io n e i q u e o s c h a m a d o s p a r a o d is c ip u la d o m u ita s v e z e s se d iv id e m
em d u a s ên fases - mudança pessoal mediante disciplinas espirituais e
mudança social mediante envolvimento cultural - e ta m b é m m e n c io n e i
q u e e s s a s ê n f a s e s r e fle te m r iv a lid a d e s m a is a n tig a s e n tr e a vida contem-
plativa e a vida ativa.
A ê n f a s e n o m o v i m e n to d a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is e s tá n a v id a c o n -
te m p la tiv a . P o r e x e m p lo , o a u t o r d e o b r a s q u e e s tã o e n tr e a s m a is v e n d í-
d a s , R ic h a r d F o ste r, o b s e r v a q u e h á m u ito in te re s s e n o s d ia s a tu a is p e lo s
“ p r o j e t o s d e s e r v iç o s o c i a l ” . “ T o d o o m u n d o p e n s a e m t r a n s f o r m a r o
m u n d o , m a s o n d e , s im , o n d e e s tã o o s q u e p e n s a m e m t r a n s f o r m a r a si
m e s m o s ? ” 77 C o n tu d o , p a r a a h e r a n ç a f r a n c is c a n a , o d is c ip u la d o é, a c im a
d e t u d o , im ita ç ã o d e C r is to - p a r ti c u la r m e n t e e m s u a p r e o c u p a ç ã o c o m
o s p o b r e s e c o m o s o p r i m i d o s n o m u n d o . U m a ê n f a s e s e m e l h a n te e s tá
o c o r r e n d o n o s e v a n g é lic o s d e h o je n o m o v im e n to d a ig r e ja e m e r g e n te .
N ã o h á firm e e fá c il d iv is ã o a q u i. D e f a to , o s líd e re s e m e r g e n te s o lh a m
p a r a a s f o r m a s d e e s p i r i t u a l i d a d e m e d ie v a l e a n a b a t i s t a , r e c o n h e c e n d o
a in f lu ê n c ia d e D a lla s W illa r d e d e R ic h a r d F o s te r. A m b o s o s m o v im e n -
to s e n f a tiz a m a s a ç õ e s s o b r e o s c r e d o s e d e a lg u m m o d o s u s p e ita m d a s
e s t r u t u r a s f o r m a is d a ig r e ja c o m o i n i b i d o r a s d a t r a n s f o r m a ç ã o liv r e e
e n t u s i á s t i c a . A m b o s e n f a t i z a m a i m it a ç ã o d e C r i s t o m a is d o q u e a sin -
g u la r id a d e d a s u a p e s s o a e o b r a , s e m n e g a r e s ta ú ltim a . N o e n t a n t o , h á
u m a s u til d if e r e n ç a n a ê n f a s e , c o m a g e r a ç ã o m a is r e c e n te d o s c r is tã o s
e m e r g e n te s p r o c u r a n d o u m p a d r ã o d e d is c ip u la d o m a is v o l t a d o p a r a o
e x te r io r , c u l tu r a lm e n te e n g a ja d o m e d ia n te t r a n s f o r m a ç ã o .
U m la ç o q u e lig a e s s a s d iv e r s a s a b o r d a g e n s é o c h a m a d o p a r a “ v i-
v e r o e v a n g e l h o ” . C o m f r e q u ê n c i a , is s o se r e f le te n a p r o p o s t a d e m u -
d a n ç a d e p e n s a r n o c r i s t i a n i s m o c o m o u m a fé missionária p a r a u m a
fé missional, o u em te rm o s d e salvar almas v ersu s redimir o mundo.
O c h a m a d o p a r a o c r is t i a n i s m o m is s io n a l, f e ito p o r e s c r i to r e s c o m o o
b is p o m i s s i o n á r i o L e s s lie N e w b i g in , s ig n if ic a v a q u e o n o s s o m a n d a t o
n ã o é s o m e n te p a r a e n v ia r m is s io n á r io s a o u t r a s p a r te s d o m u n d o , m a s
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 2 97

ta m b é m p a r a s e r m o s te s t e m u n h a s d e C r is to o n d e e s tiv e r m o s . N e w b ig in
l e m b r o u - n o s q u e a ig r e ja n ã o é c h a m a d a m e r a m e n t e p a r a envolver-se
e m m i s s õ e s , m a s q u e e la p r ó p r i a é u m a m i s s ã o . N e w b i g i n f o i f o r m i -
d á v e l a o m a n t e r j u n t o s v a lo r e s q u e h o je m u i ta s v e z e s s ã o s e p a r a d o s , a
s a b e r , o s a c e r d ó c io d e t o d o s o s c r e n t e s e a i m p o r t â n c i a d a ig r e ja v is í-
v e l c o m o s e u m i n is té r io p ú b lic o q u e t r a b a l h a c o m o s m e io s d e g r a ç a .78
C o m o p o d e m o s v e r a té n o s t í t u l o s d e s u a s i m p o r t a n t e s o b r a s , o c e r n e
d a G r a n d e C o m is s ã o c o n t i n u o u s e n d o , p a r a N e w b i g in , a p r o c la m a ç ã o
d e C r is to : Truth to tell: the Gospel as public truth [V e r d a d e a s e r d ita :
o e v a n g e lh o c o m o v e r d a d e p ú b l i c a ] ; The open secret: an introduction
to the theology of mission [O s e g r e d o r e v e la d o : u m a i n t r o d u ç ã o à te o -
l o g i a d e m is s õ e s ] ; e The Gospel in a pluralistic society [O e v a n g e l h o
n u m a s o c ie d a d e p l u r a l i s t a ] .
A in d a h á m u i to s q u e e m p r e g a m o t e r m o “ m i s s i o n a l ” d e s s a m a n e i r a
p r o v e ito s a . C o n tu d o , c a d a v ez m a is “ m is s io n a l” n ã o a p e n a s suplementa o
m o d e lo “ m is s io n á r io ” ; c o m f r e q u ê n c ia , ele o suplanta. E m c o n s e q u ê n c ia ,
o s a c e r d ó c io d e t o d o s o s c r e n te s (a ig re ja c o m o p e s s o a s q u e s ã o d is c íp u -
lo s) é f r e q u e n te m e n te e n f a t i z a d o e m c o n t r a s te c o m o m in is té r io f o r m a l
(a ig r e ja c o m o o lu g a r o n d e s ã o fe ito s d is c íp u lo s ) . O liv r o d e D a r r e l G u -
d er, The missional church [A ig re ja m is s io n a l] , a j u d o u a t r a n s f o r m a r u m
c o n c e ito n u m m o v i m e n to .79
A p e s a r d a s i m p o r t a n t e s d if e r e n ç a s , o m o v i m e n to e m e r g e n te e o d a s
d is c ip lin a s e s p ir itu a is c o m p a r t il h a m u m c o n c e ito d e d is c ip u la d o q u e e n -
f a tiz a a lg u n s c o n t r a s te s i m p o r t a n t e s .
O m o v im e n to e m e r g e n te e s tá r e a g in d o c o n t r a e x tr e m o s - a lg u n s re a is ,
o u t r o s c a r i c a t u r a s - e, c o m o a c o n te c e c o m m u ita s re a ç õ e s , ele se t o r n o u
se u p r ó p r i o e x tr e m o , o f e r e c e n d o u m g r a n d e n ú m e r o d e fa ls a s a lte r n a ti-
v a s. N o e n ta n to , d e v e m o s o u v ir p r im e ir o o q u e esses ir m ã o s e irm ã s e s tã o
d iz e n d o e p e r g u n t a r p o r q u e a c h a r a m a s ig r e ja s e v a n g é lic a s t ã o in ó s p i-
ta s p a r a i n c o r p o r a r o p e r d ã o e a g r a ç a q u e e la s p r o c la m a m a o m u n d o .
C o n t r a o q u ê t a n t o s n o v o s c r is tã o s e s tã o r e a g in d o q u e o s fa z a n s i a r p o r
u m a c o m u n id a d e g e n u ín a d e a m iz a d e a m o r o s a , p e r d o a d o r a e e n g a ja d a ?
Q u a is s ã o a s r e a lid a d e s q u e p r o v o c a m s u a d e n ú n c ia c o n t r a a s v id a s e as
ig r e ja s , a c u s a n d o - a s d e h ip o c r is ia , d o g m a tis m o e d e t e r e m s e u f o c o v o l-
t a d o p a r a si m e s m a s ? A c r e d ito q u e p e lo m e n o s p a r te d a r e s p o s ta e s tá n o
f a to d e q u e m u i to s a m b ie n te s t r a d i c io n a is e c r ia d o s p o r m e g a ig r e ja s se
t o r n a r a m e n f a d o n h o s o u f o r a m d e s v ia d o s d o e v a n g e lh o e d e s u a t r a n s -
m is s ã o p o r m e io d o m in is té r io d a P a la v r a e d o s a c r a m e n to .
2 98

D e i o u v id o s à c r ític a e m e r g e n te e m e se n ti p e s s o a lm e n te d e s a fia d o p e la
m e s m a . N ã o o b s t a n t e , a c a b e i f ic a n d o c o m a i n c ô m o d a s u s p e ita d e q u e
m e ia s - v e r d a d e s f o r a m t o m a d a s c o m o v e r d a d e s c o m p le ta s , e q u e a s c o i-
sa s q u e e s tã o e m p r i m e i r o p l a n o d o d r a m a b íb lic o s ã o e m p u r r a d a s p a r a
a p a r t e d e tr á s . V o u m e c o n c e n t r a r e m d o is i m p o r t a n t e s c o n t r a s te s q u e
p a r e c e m d o m i n a r o p r o g r a m a e m e r g e n te , e m b o r a r e f lita m u m a te n d ê n -
c ia m a is a n tig a e m a is a m p la d o e v a n g e lic a lis m o .
O m o v im e n to d a s d is c ip lin a s e s p ir itu a is p o d e f o c a liz a r m a is n a tr a n s -
f o r m a ç ã o p e s s o a l, e o m o v im e n to e m e r g e n te m a is n a t r a n s f o r m a ç ã o so -
c ia i, m a s d e a m b o s se o u v e m c o m f r e q u ê n c ia re frõ e s e v a n g é lic o s c o m u n s :
a ç õ e s , n ã o c r e d o s ; v id a , n ã o d o u t r i n a ; r e a lid a d e in te r io r , n ã o f o r m a s e x -
te r io r e s . B ria n M c L a r e n e x p lic a : “ O s a n a b a t i s ta s v e e m a fé c r is tã p r im a -
r i a m e n te c o m o u m e s tilo d e v i d a ” , f o c a liz a n d o o S e r m ã o d o M o n t e d e
J e s u s e m v e z d e P a u lo e a s d o u t r i n a s c o n c e r n e n te s à s a lv a ç ã o p e s s o a l.80
A lé m d is s o , p a r e c e h a v e r c e r ta s u s p e ita d a p r e g a ç ã o e d o e n s in o c o m o
m e io s d e tr a n s f o r m a ç ã o . A s p a la v r a s s ã o h a b i t u a l m e n t e to r c id a s , d is to r-
c id a s e v io l e n t a d a s n a n o s s a c u l t u r a - a té m e s m o p o r f ig u r a s r e v e s tid a s
d e a u to r id a d e . O c in is m o f o r ç o s a m e n te se in s ta la o n d e p a r e c e h a v e r f a lta
d e c o n e x ã o e n tr e o q u e se f a la e a m a n e ir a c o m o se v iv e . N e s s e c o n te x -
t o , n ã o a d m i r a q u e a s p a l a v r a s s e ja m v is ta s c o m o m e r a m e n te e x te r n a s ,
f o r m a is e s u p e r fic ia is , e m v e z d e v iv a s e a tiv a s .
E m c o n t r a s t e c o m o m u n d o d a s m e g a ig r e ja s n o q u a l m u i to s f o r a m
c r ia d o s , o s c r is t ã o s e m e r g e n te s e s tã o in te r e s s a d o s n a t e o lo g ia . E le s n ã o
q u e r e m q u e a fé c r is tã seja r e d u z id a a “ 4 0 D ia s c o m P r o p ó s i to ” o u “ Q u a -
t r o L e is E s p i r i t u a i s ” , T o n y J o n e s e x p lic a . “ O liv r o d e W a r r e n , u m a e x -
p e r iê n c ia d e q u a r e n t a d ia s d e v iv e r c o m p r o p ó s i t o , o s t e n t a c e r c a d e m il
v e r s íc u lo s d a B íb lia , a im e n s a m a io r ia c ita d a c o m p o u c a e x p lic a ç ã o e n e -
n h u m c o n t e x t o ” , q u e ix a - s e J o n e s . 81 E le c r itic a ta m b é m R o b e r t S c h u lle r
p o r t r a n s f o r m a r “ o e v a n g e lh o d e J e s u s C r is to n o ‘p o d e r d o p e n s a m e n to
p o s itiv o (c o m J e s u s ) ’” .82
E s s a s v e r s õ e s p o p u l i s ta s d o c r is t i a n i s m o n o r t e - a m e r i c a n o se d e s v ia -
r a m u m ta n to d o a p ó s to lo P a u lo , q u e p r o c la m a v a q u e a c ru z d a q u a l
C r is to p e n d e u fo i u m “ e s c â n d a lo ” . T a n to S c h u lle r c o m o W a r r e n s ã o p r o -
g e n ito r e s d o m o v i m e n to e c le s iá s tic o “ s e e k e r - s e n s itiv e ” ,* q u e d o m i n o u

* “Seeker-sensitive” significa “sensível ao que procura” e refere-se ao esforço para al-


cançar o indivíduo que visita uma igreja, que ainda não é cristão, mas está “seeking”,
procurando (N. do E.).
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 2 99

o e v a n g e lic a lis m o n o r t e - a m e r i c a n o n a s d é c a d a s d e 1 9 8 0 e 1 9 9 0 . P r e g a r
s o b r e c o n c e ito s c o m o p e c a d o e r a e v ita d o , o p ta n d o - s e , e m v ez d is s o , p o r
s é rie s d e s e r m õ e s s o b r e “ c o m o s e r u m a f a m ília c r is tã m e l h o r ” .
O s e m e r g e n te s s a b e m q u e a s r e s p o s ta s n ã o s ã o t ã o fá c e is a s s im e b u s -
c a m m a i o r p r o f u n d id a d e p o r r e s p o s ta s - te o ló g ic a s - m a is s é ria s p a r a as
g r a n d e s q u e s t õ e s .83 N o e n t a n t o , c o m o o m o v im e n to d a s m e g a ig r e ja s , a s
c o n v e r s a s e m e r g e n te s e v id e n c ia m p o u c o in te r e s s e p e lo s r e c u r s o s d a R e -
f o r m a , o u p o u c o c o n h e c im e n to d e le s .
À s e m e lh a n ç a de D a lla s W illa rd , m u ito s líd e re s e m e rg e n te s a tu a is v ee m
o g e n u í n o d i s c i p u l a d o m a is e m t e r m o s d e t r a n s f o r m a ç ã o c o n t r a o p e r-
d ã o d e p e c a d o s , e e s te n d e m a o b r a r e d e n t o r a d e C r is to c o m o s e g u ir se u
e x e m p lo e m v e z d e e n f a tiz a r a e x p ia ç ã o v ic á r ia d e C r is to e a ju s tif ic a ç ã o
p e la fé s o m e n te . C o m o J o n e s d e s c re v e :

Numa igreja emergente, é provável que você ouça frases como esta:
“Nossa vocação como igreja é sermos parceiros de Deus na obra
que Deus já está realizando no mundo - cooperar na edificação do
Reino de Deus” . Muitas pressuposições teológicas estão por trás
dessa declaração, não sendo a menos importante que há uma fé ro-
busta na presença de Deus e na sua atividade contínua no mundo.
Além disso, a ideia de que os seres humanos podem “cooperar” com
Deus é particularmente exasperante para os calvinistas conservado-
res, que geralmente negam a capacidade humana de participar da
obra de Deus. Essa postura, no entanto, é por demais passiva para
a maioria dos emergentes, que vê a Biblia como um chamado para
que contribuamos com os propósitos de Deus.84

O q u e d e v e m o s fa z e r c o m e sse c o n t r a s te e n tr e o e v a n g e lh o v iv id o e o
p r o c la m a d o ?
O e v a n g e lh o d e q u e f a la a E s c r itu r a é e x c lu s iv a m e n te a lg o q u e é pro-
clamado. D e f a t o , e s s e é o m a n d a t o d a G r a n d e C o m is s ã o : “ p r e g a i o
e v a n g e l h o ” . O c h a m a d o p a r a a ç õ e s a c im a d e c r e d o s c o n t r a d i z t a n t o as
a le g a ç õ e s h is tó r ic a s d o s c r is tã o s m a is a n tig o s c o m o a in te r p r e t a ç ã o d o u -
t r i n á r i a d e s s a s a le g a ç õ e s n o N o v o T e s ta m e n to .
Primeiro, as alegações históricas. C e r ta m e n te , h á v e r s íc u lo s q u e fa la m
d e v iv e r tendo em vista o e v a n g e lh o , d e m a n e i r a digna d o e v a n g e lh o , e
d a n d o o fruto d o e v a n g e lh o . C o n t u d o , n ã o h á n e n h u m a p a s s a g e m q u e
d iz q u e te m o s d e viver o evangelho. A q u e le s q u e a c r e d ita m q u e o e v a n g e -
lh o é u m c h a m a d o p a r a t r a n s f o r m a r o s re in o s d e s ta e r a e s tã o in v e n ta n d o
300

u m a m e n s a g e m q u e v a i c o n t r a as d e c la r a ç õ e s c e n tr a is q u e le v a r a m à c ru -
c ific a ç ã o d e J e s u s e à p e r s e g u iç ã o d o s p r im e ir o s c r e n te s .
A f ú r ia c r e s c e n te d o s líd e re s re lig io s o s c o n t r a J e s u s se c o n c e n tr a v a n o
f a to d e e le se f a z e r ig u a l a D e u s (Jo 5 .1 8 ) e d e p e r d o a r p e c a d o s d ir e ta -
m e n te e m s u a p r ó p r i a p e s s o a , c o n t r a o T e m p lo e s e u s is te m a s a c rific ia l
(M c 2 .7 ) . D e f a to , n o s e u ju l g a m e n t o e le fo i a c u s a d o p e lo c o n s e lh o ju -
d a ic o d e a n u n c i a r a d e s t r u i ç ã o d o t e m p lo , e fo i i n t e r r o g a d o p e lo s u m o
s a c e r d o te : “ É s t u o C r i s t o , o F ilh o d o D e u s B e n d i t o ? ” “ E u s o u ” , d is s e
J e s u s . “ E v e r e is o F ilh o d o H o m e m a s s e n ta d o à d i r e i t a d o T o d o - P o d e -
r o s o e v in d o c o m a s n u v e n s d o c é u ” (M c 1 4 .6 1 - 6 2 ) . C o m is s o , “ o s u m o
s a c e r d o te r a s g o u a s s u a s v e s te s e d is s e : Q u e m a is n e c e s s id a d e te m o s d e
te s te m u n h a s ? O u v is te s a b la s f ê m ia ; q u e v o s p a r e c e ? E t o d o s o j u lg a r a m
r é u d e m o r t e ” (M c 1 4 .6 3 - 6 4 ) .
J e s u s n u n c a fo i a c u s a d o c o m b a s e d e t e n t a r c u ltiv a r a v id a in te r io r p o r
m e io d e d is c ip lin a s e s p iritu a is . T a m p o u c o fo i ele le v a d o a ju lg a m e n to p o r
t e n t a r t r a z e r p a z a o m u n d o . N a v e r d a d e , ele d isse :

Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a
filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do
homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua
mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho
ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim. (Mt 10.34-37)

O s o p o n e n te s d e Je s u s n u n c a in c lu ír a m u m p r o je to r e v o lu c io n á r io p a r a
m e l h o r a r a s c o n d iç õ e s d o m u n d o e n tr e a s s u a s a c u s a ç õ e s c o n t r a ele. D e
f a to , s u a m is s ã o fo i u m c o m p le to f r a c a s s o p a r a a q u e le s q u e o v ia m c o m o
u m líd e r d e r e v o lu ç ã o p o lític a . E le d is s e f r a n c a m e n te a s e u s s e g u id o r e s
q u e e le s s e r ia m p e r s e g u id o s e q u e a lg u n s d e le s m o r r e r í a m p o r c a u s a d o
s e u te s t e m u n h o a r e s p e ito d e le .
A r e a ç ã o d a R o m a im p e r ia l ta m b é m se c o n c e n t r o u n a s a le g a ç õ e s h is-
t ó r i c a s e t e o ló g ic a s d o s p r i m e i r o s c r is t ã o s . E le s n ã o f o r a m p e r s e g u id o s
p o r s e g u ir o e x e m p lo d e J e s u s . D e f a to , o s g e n tio s e x p r e s s a v a m a d m ir a -
ç ã o p e lo e s tre ito la ç o q u e u n ia o s c r e n te s e p o r c u id a r e m m u tu a m e n te d a s
s u a s n e c e s s id a d e s m a te r ia is b e m c o m o e s p ir itu a is . E n t ã o , p o r q u e t o d o s
e s ta v a m t ã o e x a lta d o s a r e s p e ito d o s c r is tã o s ?
N u m a c a r t a e s c r ita a o I m p e r a d o r T r a ja n o p o r v o lta d o a n o 1 1 2 d .C .,
P lín io , o J o v e m , s u p e r v is o r d a B itín ia ( a tu a l r e g iã o c e n tr o - n o r t e d a T u r-
q u ia ) r e p r e s e n t a n d o C é s a r, e x p lic a q u e in f o r m a n t e s v i n h a m t e r c o m ele
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 30‫ו‬

c o m o s n o m e s d e seu s p r ó p r io s p a r e n te s e a m ig o s q u e e r a m c r is tã o s . U m a
a c u s a ç ã o e ra q u e eles “ c a n ta m a n tifo n ic a m e n te u m h in o p a r a C ris to c o m o
p a r a u m d e u s ” .85 O q u e se d e s ta c a v a p a r a P lín io , p o r é m , e r a a in t r a t a b i -
lid a d e d e s s e s “ c r im i n o s o s ” ; t u d o o q u e e les t i n h a m d e f a z e r p a r a s e r e m
e n v ia d o s e m l ib e r d a d e p a r a c a s a e r a a m a ld iç o a r J e s u s e o f e r e c e r in c e n s o
a o im p e r a d o r . P o r é m , eles n ã o fa z ia m is s o , n e m m e s m o n o m o m e n to e m
q u e e s ta v a m p a r a s e r e x e c u t a d o s .86
A s d e n ú n c ia s , t a n t o d o s ju d e u s c o m o d a s a u t o r i d a d e s r o m a n a s , c e n -
tr a liz a v a m - s e n a c o n f is s ã o d e J e s u s c o m o o C r is to , D e u s e n c a r n a d o , R e i
d o s re is e S a lv a d o r d o m u n d o . E m t o d o o N o v o T e s ta m e n to é d ito q u e o s
c r e n te s s o f r e m e s p e c ífic a m e n te “ p o r m in h a c a u s a ” e “ p o r c a u s a d o m e u
n o m e ” ( M t 1 0 .1 8 ,2 2 ) . A s a u t o r i d a d e s d o te m p lo a d v e r t i r a m o s c r is tã o s
d e J e r u s a l é m q u e p a r a s s e m d e f a l a r d e J e s u s (A t 4 . 1 7 - 1 8 ; 5 .4 0 ) , E s tê -
v ã o fo i a p e d r e j a d o c o m b a s e n a a c u s a ç ã o d e b la s f ê m ia s a c e r c a d e J e s u s
(A t 6 . 8 - 8 . 1 ) , e o a p ó s t o l o P a u lo se r e f e r e à s i n ú m e r a s p e r s e g u iç õ e s q u e
so fre u c o m o te n d o - a s s o frid o p e lo n o m e d e C ris to (2 C o 1 1 .2 2 - 2 9 e o u tr a s
p a s s a g e n s ) .8’ D e f a to , a n te s d e s u a c o n v e r s ã o , P a u lo é d e s c r ito p o r L u c a s
c o m o p e r s e g u i n d o a q u e le s q u e i n v o c a m o n o m e d e J e s u s (A t 9 .1 4 ,2 1 ) .
O p r ó p r i o P a u lo c o n t a q u e , d u r a n t e a q u e le s a n o s , “ a m im m e p a r e c i a
q u e m u ita s c o is a s d e v ia e u p r a ti c a r c o n t r a o n o m e d e J e s u s , o N a z a r e n o ”
e q u e t e n t a v a f a z e r c o m q u e o s c r is t ã o s b la s f e m a s s e m o n o m e d e J e s u s
(A t 2 6 .9 ,1 1 ) . E s s a d e n ú n c ia d e b la s f ê m ia in d ic a n ã o a p e n a s a a c u s a ç ã o
c e n tr a l d o s o p o s ito r e s , m a s a c o n v ic ç ã o c e n tr a l d o s c r is tã o s p r im itiv o s :
J e s u s C r is to c o m o D e u s e o ú n ic o S a lv a d o r.
J u n t a n d o p r o v a s a d v in d a s d e t e s t e m u n h o e x t e r n o (in c lu s iv e o d e P lí-
n io ), o e s p e c ia lis ta e m N o v o T e s ta m e n to L a r r y H u r t a d o r e s u m iu o c e rn e
d a fé e d a p r á ti c a d o s c r is tã o s p r im itiv o s . E les se r e u n ia m r e g u la r m e n te
p a r a a s s e g u in te s p r á tic a s :

1. E n t o a r h in o s c o m o p a r te d o c u lto c r is tã o p r im itiv o ;
2. O r a r a D e u s “ p o r m e io d e ” J e s u s e “ e m n o m e d e J e s u s ” , e a té m es-
m o o r a r d ir e ta m e n te à p e s s o a d e J e s u s , in c lu in d o p a r tic u la r m e n te
a in v o c a ç ã o d e J e s u s n o c o n t e x t o d o c u lto c o r p o r a t i v o ;
3. “ I n v o c a r o n o m e d e J e s u s ” , p a r ti c u la r m e n t e n o b a t i s m o c r is t ã o ,
n a s c u r a s e n o e x o r c is m o ;
4. A r e f e iç ã o c r is t ã c o m u m e n c e n a d a c o m o u m a r e f e iç ã o s a g r a d a ,
n a q u a l o J e s u s r e s s u r r e t o p r e s id e c o m o “ S e n h o r ” d o s q u e e s tã o
r e u n id o s c o m o c o m u n id a d e ;
302

5. “ C o n f e s s a r ” J e s u s r i t u a l m e n t e n o c o n t e x t o d o c u lto c r is tã o ; e
6. P r o f e tiz a r c o m o o r á c u lo s d o J e s u s r e s s u r r e to , e d o E s p ír ito S a n to ,
d a p r o f e c ia , e n t e n d i d o t a m b é m c o m o o E s p ír ito d e J e s u s .88

P lín io e s ta v a p r e o c u p a d o c o m a r á p i d a p r o p a g a ç ã o d a fé e m C r is to ,
c o m o v e m o s e m s u a q u e i x a a C é s a r d e q u e o s te m p lo s p a g ã o s e s ta v a m
“ q u a s e d e s e r t o s ” , e d e q u e , c o m o u m r e s u lt a d o d is s o , o e n o r m e c o m é r -
c io e c o n ô m ic o q u e h a v ia n a s d iv e rs a s s e ita s , b e m c o m o o s s a c rifíc io s , es-
ta v a m d e s a p a r e c e n d o .89 O s r o m a n o s a c u s a v a m o s p r im e ir o s c r is tã o s d e
a te ís m o e d e s o l a p a r a r e lig iã o c iv il d o im p é r io p o r se r e c u s a r e m a p a r -
t ic ip a r d o c u lto a o im p e r a d o r . T á c ito , s e n a d o r e h i s t o r i a d o r r o m a n o , re -
l a ta q u e “ u m a im e n s a m u l t i d ã o ” fo i p r e s a , d e p o is d e te r e m r e c o n h e c id o
q u e e r a m c r is tã o s , a c u s a d o s d e “ ó d io à r a ç a h u m a n a ” .90 N o e n t a n t o , es-
ses m á r tir e s fa z ia m u s o a té m e s m o d o se u ju lg a m e n to c o m o o c a s iã o p a r a
a r tic u la r , e x p lic a r e d e f e n d e r o e v a n g e lh o (a lé m d o s n u m e r o s o s e x e m p lo s
q u e c o n s t a m e m A to s , v e r l P e 3 .1 5 - 1 6 ) .
T a n to n a s fo n te s e x te rn a s c o m o n a s in te rn a s , e n tã o , n ã o h á p ro v a
a l g u m a d e q u e o s c r i s t ã o s e r a m p e r s e g u i d o s m e r a m e n t e p o r s e g u ir o
e x e m p lo d e J e s u s . F ilip e n s e s 2 .6 - 1 1 c o n c la m a o s c r e n te s a t e r e m a m e s -
m a m e n te d e C r is to , h u m ilh a n d o - s e , m a s a a n a lo g ia c la r a m e n te se r o m -
p e . H u r t a d o o b s e r v a : “ N ã o te m o s m o tiv o p a r a p e n s a r q u e se e s p e r a v a
q u e o s a lm e ja d o s le ito r e s a s p ir a s s e m a u m a e x a lt a ç ã o e q u iv a le n te p a r a
si m e s m o s , c o m o c o s m o s in te ir o a c la m a n d o - o s c o m o ‘S e n h o r ’ d i v in o ” .91
E sses p r im e ir o s c r is tã o s r e a liz a v a m m u ita s o b r a s d ig n a s , m a s eles f o r a m
m a r t i r i z a d o s p e la c r e n ç a q u e p r o f e s s a v a m , q u e e r a e x p o s t a n o c u lto p ú -
b lic o q u e f a z ia m .
Segundo, o lema “viver o evangelho” confunde a lei com o evangelho.
E sse é q u a s e q u e o m a io r e r r o q u e c re n te s p o d e m c o m e te r n a in te r p r e ta ç ã o
d a E s c r itu r a . “ S a b e m o s , p o r é m , q u e a lei é b o a , se a lg u é m d e la se u tiliz a
d e m o d o l e g ítim o ” ( l T m 1 .8 ). A lei é b o a n ã o s o m e n te p o r q u e e x p õ e o
n o s s o p e c a d o , a d e s p e ito d e t o d o s o s n o s s o s e s f o rç o s p a r a c o n t o r n á - l a e
n o s ju s tific a r, e n o s e n v ia a C r is to p a r a ju s tif ic a ç ã o , m a s t a m b é m p o r q u e
n o s o r ie n ta . A lei n o s d iz c o m o c r e n te s o q u e a g r a d a a D e u s . N a v e r d a -
d e , a lei m o r a l d e D e u s o u t r a c o is a n ã o é q u e a e s tip u la ç ã o d o q u e sig n i-
vivemos o evangelho. Cremos
fic a a m a r a D e u s e a o p r ó x i m o . M a s n ã o
no evangelho e seguimos os mandamentos. O e v a n g e lh o é o a n ú n c io d e
q u e u m a v id a já fo i v iv id a p e r f e ita m e n te p o r n ó s , e n tr e g o u - s e p o r n ó s e
fo i le v a d o d e v o lta c o m o a s p r im ic ia s d a n o v a c r ia ç ã o . C r e n d o q u e e ssa
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 303

é a b o a - n o v a , n ó s , e n t ã o , n o s o f e r e c e m o s n ã o c o m o s a c rifíc io s d e e x p ia -
ç ã o , m a s c o m o s a c rifíc io s v iv o s d e a ç ã o d e g r a ç a s , e x a la n d o o a r o m a d e
C r is to (R m 1 2 .1 ; 2 C o 2 .1 5 ) .
N a d a q u e e u , o u v o c ê , o u t o d o s n ó s ju n to s p o s s a m o s fa z e r a c r e s c e n ta
u m a t a r e f a s e q u e r à m is s ã o d e C r is to já c o n s u m a d a . S u a m is s ã o é lig a d a
à n o s s a m is s ã o c o m o a b a s e p a r a o s s e u s e f e ito s , m a s e la s s ã o q u a lita ti-
v a m e n te d if e r e n te s . E le é o S a lv a d o r, e n ó s o s s a lv o s ; e le r e d im iu , e n ó s
f o m o s r e d im id o s ; ele e s tá e d if ic a n d o s u a ig re ja , e n ó s e s ta m o s r e c e b e n d o
u m r e in o in a b a lá v e l. T u d o is s o é u m d o m , u m p r e s e n te . E u m p r e s e n te
q u e p r e c is a s e r a b e r t o , e x p l o r a d o , c o n t e m p l a d o c o m e n c a n t o , e u tiliz a -
d o . E ta m b é m u m p r e s e n te q u e é p a r a s e r d a d o : s e m p r e d i s p e n s a d o se m
ja m a is d im in u ir.
Terceiro, Cristo ordenou a proclamação do evangelho. N ã o cabe a nós
d e c id ir se a p r e g a ç ã o d o e v a n g e lh o é a d e q u a d a à n o s s a a t u a l s itu a ç ã o .
C e r t a m e n te , a n o s s a h i p o c r is ia re p e le e o n o s s o a m o r a t r a i , m a s a o b r a
d o E s p írito é in s e p a r á v e l d a p a la v r a - e s p e c ífic a m e n te , a p a la v r a d o e v a n -
g e lh o c o n c e r n e n te a C r is to . É p o r is s o q u e o m a n d a t o c e n tr a l d a G r a n -
d e C o m is s ã o é p a r a p r e g a r “ o e v a n g e lh o a t o d a c r i a t u r a ” ( M c 1 6 .1 5 ) .
“ E , a s s im , a fé v e m p e la p r e g a ç ã o , e a p r e g a ç ã o , p e la p a l a v r a d e C r i s t o ”
(R m 1 0 .1 7 ) . A fé é expressa p o r m e io d o n o s s o a m o r e d a s n o s s a s b o a s
o b ra s, m as n ã o vem d a í. D iz P e d r o q u e f o m o s “ r e g e n e r a d o s ... m e d ia n te
a p a la v r a d e D e u s , o q u a l v iv e e é p e r m a n e n te ... E s ta é a p a la v r a q u e v o s
f o i e v a n g e liz a d a ” ( l P e 1 .2 3 ,2 5 ) .
O a p ó s t o l o P a u lo v ia a r e n o v a ç ã o d a n o s s a m e n te p e la P a la v r a c o m o
a fo n te p a r a se r tr a n s f o r m a d a , e n ã o c o n f o rm a d a a o p a d r ã o d e s ta e ra
(R m 1 2 .1 -2 ). Se a s m a s s a s d e c r is tã o s n ã o e s tã o v iv e n d o d e a c o r d o c o m a
s u a p r o f is s ã o d e fé, a r e s p o s ta n ã o é m u d a r d o s c r e d o s p a r a a s a ç õ e s , m a s
im e rg ir- n o s n o c r e d o q u e d á s u r g im e n to a o tip o c e r to d e v id a p r á tic a . Se
a lg u m a v ez h o u v e u m a ig re ja d e c o n s u m id o r e s q u e im ita v a m o s m o d e lo s
n a r c is is ta s d a s u a c u ltu r a , fo i a ig re ja d e C o r in tio s . N o e n ta n to , P a u lo n ã o
a s s u m iu s im p le s m e n te q u e eles e n te n d ia m o e v a n g e lh o . E le o s le m b r o u d e
q u e e n q u a n to e s tiv e ra c o m eles n ã o lh e s p r e g a r a n a d a s e n ã o C r is to , e e ste
c ru c ific a d o ( I C o 2 .2 ). “ A h ! ” , a lg u n s a d v e rs á rio s d e P a u lo p o d e r ía m te r re -
p lic a d o , “ é p o r isso q u e s u a ig re ja é t ã o c o n f u s a ! Se v o c ê tiv e sse s id o m a is
e q u i l i b r a d o e m s e u e n s in o , e n f a t i z a n d o a n e c e s s id a d e d e tr a n s f o r m a ç ã o
in te r io r e d e im ita r a C ris to , n ã o e s ta r ia e s c re v e n d o e ssa c a r ta d is c ip lin a r ” .
M a s P a u lo n ã o a p e n a s n ã o a c h a v a q u e tin h a c o m e tid o e r r o ; ele v o lto u di-
r e ta m e n t e a o e v a n g e lh o , r e le m b r a n d o - o s d e q u e m e le s e r a m e m C r is to .
304

Só d e p o is d e fa z e r isso fo i q u e ele o s r e p r e e n d e u p o r v iv e re m d e m a n e ir a
in c o n s is te n te c o m esse e v a n g e lh o q u e eles p ro f e s s a v a m . O q u e o a p ó s to lo
a s s u m iu fo i q u e , se u m a ig re ja n ã o e s tá c o n s e g u in d o v iv e r d e a c o r d o c o m
se u c r e d o , p o d e b e m se r q u e e la a in d a n ã o o te n h a e n te n d id o .
O E s p í r i t o c r ia a fé p o r m e io d o e v a n g e l h o , e e s s a fé d á o f r u t o d a
ju s tiç a n o n o s s o v iv e r d i á r i o . P r e c is a m o s d a lei p a r a d e f in ir a ju s tiç a de
D e u s e d o e v a n g e lh o p a r a n o s a n u n c ia r a ju s tiç a procedente de D e u s , que
é u m d o m q u e n o s é d a d o e m C r is to . H á m u i ta c o is a q u e n o s c a b e fa zer,
c o m o p r e s c r i t a n o s m a n d a m e n to s d a B íb lia , m a s o e v a n g e lh o n o s d iz o
q u e fo i f e ito e m n o s s o fa v o r. P o r is s o o e v a n g e lh o é b o a - n o v a . E p r o p ó -
s ito d e s s e e v a n g e lh o q u e e le se ja p r o c la m a d o , r e c i t a d o , d e s v e n d a d o , a d -
m i n is t r a d o n o b a t i s m o e n a E u c a r is tia , e n t o a d o n o s n o s s o s h in o s , fe ito
o b je to d e n o s s a s o r a ç õ e s e d is c u tid o n a c o m u n h ã o d o s s a n to s . A té m e s-
m o c a n t a r n a ig r e ja é o u t r o m o d o d e f a z e r c o m q u e “ h a b ite , r ic a m e n te ,
e m v ó s a p a la v r a d e C r is to ; in s tr u í- v o s e a c o n s e lh a i- v o s m u t u a m e n t e e m
t o d a a s a b e d o r i a , lo u v a n d o a D e u s , c o m s a lm o s , e h in o s , e c â n tic o s es-
p i r itu a is , c o m g r a ti d ã o , e m v o s s o c o r a ç ã o ” (C l 3 .1 6 ) .
E sse m in is té r io d o e v a n g e lh o t i r a - n o s d e n ó s m e s m o s e n o s im p e le a
C r is to e a n o s s o s ir m ã o s e ir m ã s e, d e p o is , p a r a o m u n d o . E le r e m o d e la
a n o s s a p e r c e p ç ã o d e q u e m s o m o s e p a r a o n d e v a m o s . D e u s c r io u e su s-
t e n t a o m u n d o p o r m e io d a s u a P a la v r a . D e u s r e d im e p o r m e io d e s u a
P a la v r a v iv a e a tiv a . N ã o h á m e io d e s a lv a ç ã o à p a r te d a s b o a s p a la v r a s .
P r e c is a m o s t a n t o d o e v a n g e lh o h o je c o m o q u a n d o n o in íc io c r e m o s . O
e v a n g e lh o n o s “ r e v e r b a li z a ” , r e ti r a n d o - n o s d a t r a m a d a e x is tê n c ia “ em
A d ã o ” , d e s titu íd a d e p r o p ó s i t o e n o s i n t r o d u z n o m a r a v ilh o s o d r a m a d e
e s ta r “ e m C r i s t o ” . P o r t a n t o , o e v a n g e lh o é a lg o q u e ouvimos-, a lei é a lg o
que fazemos p o r c a u s a d o e v a n g e lh o q u e o u v im o s .
P a r te d o p r o b l e m a é q u e esse r ic o e in e x a u r ív e l e v a n g e lh o q u e v a i d e
G ê n e sis a A p o c a lip s e fo i r e d u z id o a le m a s e m c a m is e ta s e c a n e c a s d e café.
C o m o a s m o e d a s q u e p e r d e m o re le v o p e lo u s o c o n s ta n te , a fa m ilia rid a d e
g e r a d e s c a s o . A n e c e s s id a d e q u e te m o s n ã o é d e p o u c a s p a la v r a s , m a s d e
p a la v r a s m e lh o r e s , m a is d e n s a s , m a is ric a s e m a is p r o f u n d a s . P re c is a m o s
e s t a r c o n s t a n t e m e n t e e m b e b id o s n a P a l a v r a d e D e u s e d e c o m u n i c a r a
P a la v r a d e D e u s a c a d a u m a d a s o u t r a s p e s s o a s e a o r e s ta n te d o m u n d o .
E p r e c is a m o s p e r g u n t a r c o m o a n o s s a v id a , o s n o s s o s r e la c i o n a m e n t o s
e a s n o s s a s ig r e ja s e s t ã o s e n d o m o l d a d o s p e la p a l a v r a d e s s e e v a n g e lh o
q u e te m o s o u v id o e c a n ta d o , p e lo q u a l te m o s o r a d o e o q u a l te m o s c o m -
p a r t i l h a d o c o m o u tr o s .
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 305

S em d ú v id a , o s g r u p o s e m e r g e n te s a in d a fa z e m u s o d a s p a la v r a s , m a s
o f a z e m m a is n o e s tilo d e c o n v e r s a . T o n y J o n e s a c r e s c e n ta : “ A lé m d o
m a is , o s e m e r g e n te s s ã o a p a ix o n a d o s p o r h is tó r ia s , p a r ti c u la r m e n t e p o r
c o n ta r e m s u a s p r ó p r ia s h is tó r ia s e p o r o u v ire m h is tó r ia s d e o u t r o s ” .92 E m
q u ê is s o d if e r e d a s é rie d e “ a n t e s ” e “ d e p o i s ” d o s t e s te m u n h o s e d o s “ o
q u e e sse v e r s íc u lo s ig n ific a p a r a m i m ” d o s e s tu d o s b íb lic o s q u e te m c a -
r a c t e r i z a d o o e v a n g e lic a lis m o tr a d i c io n a l h á t a n t o te m p o ? E c o m o f a la r
s o b r e n ó s m e s m o s v a i n o s t i r a r d o tip o d e f o c o i n t e r i o r q u e c r ia u m cír-
c u lo d e a m ig o s ig u a is a n ó s , a b r in d o - n o s p a r a u m a c o m u n h ã o d e s a n to s
q u e e s tã o u n id o s a p e n a s p o r t e r e m o u v id o e a c e ito o m e s m o S a lv a d o r?
P r e c is a m o s o u v i r a h i s t ó r i a , c o m C r is to c o m o o p e r s o n a g e m p r in c i-
p a l. P re c is a m o s te r o p e r s o n a g e m q u e h á e m n ó s ig u a lm e n te m o r t o n e s s a
c e n a , e r e s s u s c ita d o c o m u m a n o v a id e n t i d a d e e m C r is to . E m u i to m a is
f á c il f a la r s o b r e n ó s m e s m o s e s o b r e a s n o s s a s j o r n a d a s d o q u e s o b r e a
jo r n a d a d e D e u s d a c r ia ç ã o a o ê x o d o , à c o n q u is ta e à c o n s u m a ç ã o a tra v é s
d a e x p o s iç ã o b íb lic a . N o e n t a n t o , f a la r s o b r e n ó s m e s m o s r e a lm e n te n ã o
le v a à c o m u n id a d e , p e lo m e n o s n ã o a o tip o d e c o m u n id a d e q u e e n c o n tr a
s u a h i s t ó r i a n o e n r e d o b íb lic o . N ó s n o s r e u n im o s c o m n o s s a s p r ó p r i a s
h is tó r ia s , c o m o a d e u m s u je ito d e I o w a q u e l u ta c o m a s u a s e x u a lid a d e ,
o u a de u m a m u lh e r n e g ra de A tla n ta q u e p e rd e u su a c a sa p o r c a u sa d a
c r is e d o m e r c a d o , o u a d e u m a id o s a m u l h e r q u e a c a b o u d e p e r d e r s e u
m a r i d o p a r a o c â n c e r , o u a d e u m c a s a l n o r m a l q u e se d e f r o n t a c o m o s
d e s a fio s n o r m a i s d o c a s a m e n to e d a f o r m a ç ã o d e u m a f a m ília , o u a in d a
a d e u m C E O o u d e u m z e la d o r q u e a c a b o u d e se r m a n d a d o e m b o r a . T o -
d a s e s s a s h is tó r ia s c o n t r i b u e m p a r a a d iv e r s id a d e q u e e n r iq u e c e e q u e é
e n r iq u e c id a p e lo c o r p o t o d o . C o n t u d o , q u a n d o n o s r e u n im o s p a r a o u v ir
a “ h i s t ó r i a d e C r i s t o ” , n ó s n o s t o r n a m o s u m a f a m ília . T r a ta - s e d e “ u m
só S e n h o r, u m a só fé, u m só b a t i s m o ” (E f 4 .5 ) . E m o u t r a s p a la v r a s , t r a -
ta - s e d a G r a n d e C o m is s ã o : a d á d iv a q u e p r o s s e g u e d a n d o n ã o s o m e n te
p a r a o s c a m p o s d a s m is s õ e s e s tr a n g e ir a s , m a s t a m b é m a q u i e m c a s a , a
c a d a d ia d a s e m a n a .
S u s p e n d a m o s o r e c ita l d e s s a n a r r a t i v a g r a n d io s a , e o ú n ic o s o m q u e
o u v ir e m o s s e r á a c a c o f o n í a d a p r o s a d e u m a c u l t u r a q u e g o s ta d e f a la r
c o n s ig o m e s m a e d e si. T o d o s o s d ia s s o m o s s u b m e r g id o s p o r u m a im p e -
t u o s a t o r r e n t e d e p r o p a g a n d a d e p u b lic id a d e , p o lític a , e n tr e te n im e n to e
p s ic o lo g ia p o p u la r . T o d o s o s d ia s s o m o s b a tiz a d o s e c a te q u iz a d o s n a sa -
b e d o r ia e e m c o is a s e f ê m e ra s d e s ta e r a p a s s a g e ir a , o q u e t o r n a o m in is té -
r io c r is tã o fiel s o b r e m o d o e sse n c ia l. N ã o e s ta m o s a p e n a s f u n d in d o n o s s a
306

i g n o r â n c ia o u c o m p a r t i l h a n d o n o s s a s e x p e r iê n c ia s . E s ta m o s r e c e b e n d o
n o v a s v e r d a d e s e e x p e r iê n c ia s q u e n u n c a a n te c ip a m o s .
F a l a n d o d e m o d o m a is g e r a l s o b r e o m o v i m e n to e v a n g é lic o ( p r in c i-
p á lm e n te n o s E s ta d o s U n id o s ) , o t e o r a n t i d o u t r i n á r i o d a s n o s s a s ig re ja s
é c o e r e n te c o m o t e o r a n ti- in te le c tu a l d o s n o s s o s te m p o s . N ó s n o s t o r n a -
m o s m u n d a n o s e m p o n to s e m q u e a c h á v a m o s q u e é r a m o s m a is p ie d o s o s .
N ã o é s in a l d e fid e lid a d e , m a s d e m u n d a n i s m o , id e n tif ic a r o d is c ip u la d o
c r is tã o m e r a m e n te c o m e s ta o u a q u e la e x p e r iê n c ia e m o c io n a l o u c o m u m
a tiv is m o m o r a l e s o c ia l q u e e v ita d o u t r i n a . “ A ç õ e s , n ã o c r e d o s ” é e q u i-
v a le n te a “ le i, n ã o e v a n g e l h o ” . E m ú l t im a i n s t â n c i a , is s o s ig n ific a q u e
f ic a m o s f a la n d o a r e s p e ito d e n ó s m e s m o s , e n ã o d e C r is to . A té m e s m o
a d o x o l o g i a to r n a - s e u m a v a g a a u t o e x p r e s s ã o , se n ã o f o r u m a r e s p o s ta
à P a l a v r a d e D e u s . “ V a m o s s im p le s m e n te l o u v a r a o S e n h o r .” Por quê?
“ V a m o s s im p le s m e n te s e g u ir J e s u s e f a z e r o q u e e le f a r i a . ” D e n o v o se
n o s im p õ e a p e r g u n ta : Por quê? V iv e m o s “ p e la s m is e r ic ó r d ia s d e D e u s ” .
O s e n tid o d is s o é q u e n ã o p o d e m o s s e r t r a n s f o r m a d o s s e n ã o p e la P a la -
v r a d e D e u s , q u e r e n o v a a n o s s a m e n te , e x p o n d o - n o s r e p e t i d a s v e z e s à
e x p lo s iv a n o tíc ia a r e s p e ito d a p e r t u r b a d o r a o b r a r e d e n t o r a d e D e u s .
A n o s s a v id a p o d e fa z e r q u e a s p e s s o a s se s in ta m a tr a íd a s o u re p e lid a s
p e la p a la v r a d o e v a n g e lh o . C o n t u d o , D a n K im b a ll e s tá s im p le s m e n te er-
r a d o q u a n d o e le ( c o m o J o n e s ) e v o c a o c o n s e lh o d e S ã o F r a n c is c o d e A s-
sis s o b r e u m a p r e g a ç ã o s e m p a la v r a s e d iz : “ N o s s a v id a p r e g a r á m e lh o r
d o q u e q u a l q u e r c o is a q u e p o s s a m o s d i z e r ” .93 T u d o o q u e h á n o N o v o
T e s ta m e n to a p o n t a p a r a a in s t r u ç ã o n a fé q u e r e s u lt a n o v e r d a d e ir o d is-
c i p u l a d o , g e n u í n a m a t u r i d a d e e g e n e r o s a f r u tif ic a ç ã o . M i n h a v id a não
p re g a m e lh o r d o q u e o te s te m u n h o p r o f é tic o e a p o s tó lic o d e J e s u s C r is to ,
m a s a in d a p o s s o s e r s a lv o - a té m e s m o d a m in h a h ip o c r is ia - a o o u v ir o
e v a n g e lh o t o d a s a s s e m a n a s .
M e r o s im p e r a tiv o s p a r a u m a v id a m a is fiel só le v a r ã o a p e s s o a a o d e -
s e s p e r o o u à h ip o c r is ia (o u a u m p o u c o d e a m b o s ) . S o m o s t r a n s f o r m a -
d o s n ã o p o r o u v ir m a is s o b r e n ó s m e s m o s e s o b r e o u t r o s , m a s p o r o u v ir
m a is s o b r e D e u s e s e u s p o d e r o s o s a to s d e s a lv a ç ã o a tr a v é s d a H i s t ó r i a .
N o s s o s p r im o s b u d is ta s , n o s s o s v iz in h o s m u ç u lm a n o s e o s e s g o ta d o s fre -
q u e m a d o r e s d e ig re ja p r e c is a m e n c o n tr a r d is c íp u lo s d e C r is to q u e a p o n -
te m p a r a f o r a d e le s m e s m o s , te s t e m u n h a n d o d e C r is to c o m o o S a lv a d o r
dos pecadores - a té m e s m o c r is tã o s c o m o n ó s , a in d a c a re n te s d a g ló ria d e
D e u s . E p r e c is o a p r e s e n t a r a e les a s b o a s - n o v a s q u e s ã o m a io r e s d o q u e
t o d o o n o s s o p e c a d o , in c lu s iv e o s p e c a d o s d e c r is tã o s . E les n ã o p r e c is a m
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 307

m a is v e r c r is tã o s d e s f r a ld a n d o s u a s v id a s c o m o o e v a n g e lh o , p a r a d e p o is
v ê - lo s c a ir ; e le s p r e c is a m d e m a is c r is t ã o s a p r e s e n t a n d o C r i s t o c o m o o
e v a n g e lh o q u a n d o c o n f e s s a m se u s p e c a d o s e re c e b e m s u a a b s o lv iç ã o sa-
c e r d o ta l. E les p r e c is a m e n c o n tr a r - s e c o m M a r i a M a d a le n a , q u e se a s s e n -
t o u a o s p é s d o n o s s o S e n h o r p a r a f e s te ja r s u a p e s s o a e s u a o b r a , e d e p o is
se le v a n t a r p a r a a m a r e s e r v ir se u s p r ó x im o s .
E , ir o n ic a m e n te , q u a n d o b u s c a m o s C r is to e n ã o u m i m p a c to s o c ia l e
m o r a l g e n é r ic o , a lg o q u e p o d e r ia m o s te r in d e p e n d e n t e m e n t e d e le , a lg o
e s t r a n h o a c o n te c e . E m e r g e u m a c o m u n h ã o e m t o r n o d o C o r d e i r o , re u -
n in d o p e s s o a s “ d e t o d a t r i b o , lín g u a , p o v o e n a ç ã o ” c o m p o n d o u m “ re i-
n o e s a c e r d o te s ” p a r a o n o s s o D e u s (A p 5 .9 - 1 0 ) . D e u m a c o m u n h ã o c o m
C ris to q u e ju stific a e s a n tific a , e d a q u a l eles p a r tic ip a m ju n to s , e m e rg e u m
a n te g o s to d e g e n u ín a p a z , a m o r e ju s tiç a q u e p o d e o r i e n t a r a n o s s a v id a
c o m u m e a n i m a r a n o s s a a tiv id a d e n a s n o s s a s v o c a ç õ e s te r r e n a s . C o m e -
ce c o m a p r o c la m a ç ã o r e g u la r d o e v a n g e lh o , e v o c ê te r á t u d o o m a is q u e
v e m ju n to : a fé, a ju s tific a ç ã o , a s a n tific a ç ã o e a g lo rific a ç ã o . C o m e c e c o m
q u a lq u e r o u t r a c o is a , e o n e g ó c io é v o c ê fin g ir p ie d a d e . D e v e ria m o s p o d e r
d iz e r c o m o a p ó s to lo P a u lo : “ N ã o m e e n v e r g o n h o d o e v a n g e lh o , p o r q u e
é o p o d e r d e D e u s p a r a a s a lv a ç ã o d e t o d o a q u e le q u e c r ê ” (R m 1 .1 6 ).
A m a is a n t i g a ê n f a s e d o “ r e a v i v a l i s m o ” e v a n g é lic o e r a n a “ s a lv a ç ã o
d a a l m a ” . O m u n d o v a i s e r d e s tr u íd o , m a s a n o s s a c o m is s ã o c o n s is te e m
c o n s e g u ir q u a n ta s p e s s o a s p u d e r m o s q u e fa ç a m a o r a ç ã o d o p e c a d o r, p a r a
q u e p o s s a m ir p a r a o c é u q u a n d o m o r r e r e m . P a r a m im fo i r e v o lu c io n á -
r io q u a n d o e n c o n tr e i e s c rito r e s q u e d e s c re v e ra m o h o r iz o n te b íb lic o m a is
a m p lo d e u m a n o v a c r ia ç ã o q u e a b r a n g e t o d a a r e a lid a d e c r ia d a . E v id e n -
te m e n te , a r e s s u r r e iç ã o d o c o r p o s e m p r e h a v ia s id o u m a r tig o d a fé q u e
a c e ite i, m a s q u e n ã o f a z ia p a r te d e u m a r e s ta u r a ç ã o c ó s m ic a d o m u n d o .
L e m b r o - m e d e q u e J . I. P a c k e r d is s e n u m a c o n f e r ê n c ia q u e , e n q u a n t o o
f u n d a m e n ta lis m o “ n e g a o m u n d o ” , a te o lo g ia r e f o r m a d a “ a f ir m a o m u n -
d o ” . Is s o fa z t o d a a d if e r e n ç a d o m u n d o , lite r a lm e n te .
N e s s e p o n t o e n c o n tr a m o s u m a á r e a d e in te r e s s e c o m p a r t il h a d o e n tr e
as ê n fa se s e m e r g e n te e r e f o r m a d a . T o n y J o n e s o b s e rv a : “ A p r o v a e s tá em :
m ilh õ e s d e p e s s o a s ‘c o n v i d a n d o J e s u s C r is to p a r a a d e n t r a r n o s e u c o r a -
ç ã o c o m o o se u S e n h o r e S a lv a d o r p e s s o a l’ n a s m e g a ig r e ja s , e a s c r u z a d a s
d e B illy G r a h a m tê m f e ito p o u c o p a r a c o m b a t e r a d is s o lu ç ã o m o r a l d a
A m é ric a . E , ir o n ic a m e n te , fo i o p r ó p r io in d iv id u a lis m o g e r a d o p e lo e v a n -
g e lic a lis m o q u e r e s u lt o u n e s s e a p u r o ” .94 D e a c o r d o c o m J o n e s , “ ig re ja s
e v a n g é lic a s d e m a is tê m e n f a t i z a d o a r e la ç ã o v e r tic a l, o r e la c i o n a m e n t o
308

‘s im p le s m e n te e u e J e s u s ’, c o m a e x c lu s ã o d o s r e la c io n a m e n to s h o r iz o n -
t a i s c o m o u t r o s s e r e s h u m a n o s e c o m t o d a a c r ia ç ã o . D e f a t o , u m im -
p o r t a n t e e s tu d o f e ito n a d é c a d a d e 1 9 9 0 m o s t r o u q u e o in d iv id u a lis m o
in e r e n te a o e v a n g e lic a lis m o n o r t e - a m e r i c a n o é d i r e t a m e n te r e s p o n s á v e l
p e la i n c a p a c id a d e d o s e v a n g é lic o s d e d ia g n o s t i c a r e d e s o l u c i o n a r q u e s -
tõ e s s o c ia is s is tê m ic a s c o m o o r a c is m o e o a b o r t o ” .95 T a lv e z a a n á lis e seja
u m p o u c o s im p lis ta , m a s p e n s o q u e h á m u i ta v e r d a d e n a d e n ú n c ia f e ita
p o r J o n e s . C o n t u d o , p e lo m e n o s p a r a m im , a c u r a p r o p o s t a p o r J o n e s
p arece p io r q u e a d o en ç a.
H á u m a c o r r e l a ç ã o d i r e t a e n tr e a s s im ila r o e v a n g e lh o à lei; a p e s s o a
e a o b r a d e C r i s t o à s n o s s a s ; a p r e g a ç ã o d o e v a n g e lh o a “ v iv e r o e v a n -
g e lh o ” ; e s ta e r a a e r a p o r v ir; e o s a g r a d o m in is té r io d a ig re ja a o s e rv iç o
s e c u la r d o s c r e n te s n o m u n d o . M c L a r e n e lo g ia o m o d e lo m is s io n a l p o r
e lim in a r “ a s v e lh a s d i c o t o m ía s c o m o ‘e v a n g e liz a ç ã o ’ e ‘a ç ã o s o c ia l’” .96
A ig r e ja c o m o in s titu iç ã o (c o m a G r a n d e C o m is s ã o ) é a s s im ila d a à ig re -
ja c o m o c r e n te s (c o m a c o m is s ã o d e t e s t e m u n h a r a o u t r o s e d e s e rv i-lo s
p o r m e io d a s s u a s v o c a ç õ e s o u c a r r e ir a s ) . D i c o t o m í a s à p a r t e , h á u m a
d i s t in ç ã o c r u c i a l q u e se d e v e f a z e r e n t r e a e v a n g e liz a ç ã o ( p r o c l a m a r o
e v a n g e lh o , b a t i z a r e e n s in a r ) e a a ç ã o s o c ia l ( a m a r o n o s s o p r ó x i m o e
s e r v ir a ele , p r in c ip a lm e n te n a n o s s a f a m ília e e m n o s s a s v o c a ç õ e s se c u -
la re s ). O s cristãos tê m m u ita s v o c a ç õ e s n o m u n d o , m a s a igreja te m um a
só v o c a ç ã o p a r a o m u n d o .
U m a c o is a é d iz e r q u e s o m o s p a r c e ir o s d e D e u s e m le v a r a s b o a s - n o -
v a s a o m u n d o e e m a m a r o s n o s s o s p r ó x im o s e m n o s s a s v o c a ç õ e s , o u t r a
m u ito d if e r e n te é d iz e r q u e s o m o s p a r c e ir o s d e D e u s n a o b r a d e r e d im ir
e r e c o n c ilia r o m u n d o . S e g u n d o o b is p o a n g lic a n o N . T. W r ig h t, “ A ig re -
ja é c h a m a d a p a r a r e a l i z a r a o b r a d e C r i s t o , p a r a s e r o i n s t r u m e n t o d e
s u a a ç ã o n o m u n d o e p e lo m u n d o .. . D e u s te m a i n t e n ç ã o d e e n d i r e i ta r
o m u n d o ; ele la n ç o u d r a m a tic a m e n te e sse p r o j e t o p o r m e io d e J e s u s . O s
q u e p e r te n c e m a J e s u s s ã o c h a m a d o s , a q u i e a g o r a , n o p o d e r d o E s p ír ito ,
p a r a s e r e m a g e n te s d e s s e p r o p ó s i t o d e e n d i r e i ta r a s c o i s a s ” .97
E m b o r a a in d a c e n tr a l e e s s e n c ia l, J e s u s p a r e c e m a is c o m o a lg u é m q u e
p e g a a b o la r o l a n d o d o q u e a ú n ic a p e s s o a c u ja o b r a sa lv ífic a e m se u p r i-
m e ir o e e m se u s e g u n d o a d v e n to s é ir r e p r o d u z ív e l e in im itá v e l. J e s u s la n -
ç a d r a m a t ic a m e n t e o p r o j e t o . A s s im , o r e in o d e g ló r ia já e s tá p r e s e n te ,
d e s d o b r a n d o - s e g r a d a tiv a m e n te . “ D e u s e s tá n o s s a lv a n d o d o n a u f r á g io
d o m u n d o n ã o p a r a q u e p o s s a m o s s e n t a r - n o s j u n t o d e le o c i o s a m e n te ,
m a s p a r a q u e p o s s a m o s fa z e r p a r te d o seu p la n o d e re c o n s tru ç ã o d o
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 309

m u n d o . ” 98 N ã o f o i p r e c i s a m e n t e e s s e t i p o d e p e n s a m e n t o q u e le v o u à
f u s ã o d e C r is to e a c u l t u r a n a c r is ta n d a d e ?
D o m e s m o m o d o , M c L a r e n re d e fin e a G r a n d e C o m is s ã o c o m o c o m p le -
t a n d o a a tiv id a d e r e c o n c ilia d o r a d e C ris to : “ D iz e r q u e J e s u s é S a lv a d o r é
d iz e r q u e , e m J e s u s , D e u s e s tá in te r v in d o c o m o S a lv a d o r e m t o d o s esse s
a s p e c to s e m o d o s , j u l g a n d o ( c h a m a n d o a o m a l, m a l) , p e r d o a n d o (q u e -
b r a n d o o c ír c u lo v ic io s o d e c a u s a e e f e ito , p o s s ib ilita n d o a re c o n c ilia ç ã o )
e e n s in a n d o ( m o s tr a n d o c o m o a c io n a r re a ç õ e s e m c a d e ia d o b e m ) ” .99 E le
m e n c i o n a o s o f r i m e n t o d e J e s u s , m a s a p e n a s c o m o t e r s u p o r t a d o a ir a
d o s s e re s h u m a n o s . D a c r u z J e s u s p e r d o a , m a s s o fre o ju íz o d e D e u s so -
b r e o s p e c a d o r e s n a c r u z ? Se fo i a s s im , n ã o h á n e n h u m a m e n ç ã o d is s o .
“ E n t ã o , v is to q u e s o m o s t ã o f r e q u e n te m e n te e r r a d o s e to l o s , p o r n o s s a
ig n o r â n c ia , J e s u s v e m c o m e n s in o s a lv ífic o , p r o f u n d o a in d a q u e m a r a v i-
lh o s a m e n te c o m p a c to : Ame a Deus de todo o seu coração, alma, mente
e força, J e s u s d iz , e ame o seu próximo como a si mesmo, e isso b a s t a ” .
E isso q u e sig n ific a d iz e r q u e “ J e s u s e s tá s a lv a n d o o m u n d o ” .100 E m b o r a
J e s u s d ig a q u e e sse m a n d a m e n to é o s u m á r io d a lei ( M t 2 2 .3 7 - 4 0 , c ita n -
d o D t 6 .5 ) , p a r a M c L a r e n e le se t o r n a o r e s u m o d o evangelho.
E sses e s c rito re s le m b r a m - n o s d o p e r ig o d e d e s c o n e c ta r o r e la c io n a m e n -
t o v e r tic a l c o m D e u s d o r e la c io n a m e n to h o r iz o n ta l c o m o s n o s s o s p r ó x i-
m o s . D e f a to , d e p o is d e r e s u m ir a p r im e ir a t á b u a d a lei q u e o r d e n a a m a r
a D e u s , J e s u s a c re s c e n ta : “ O segundo, semelhante a este é\ ‘A m a r á s o te u
p r ó x i m o c o m o a ti m e s m o ’” ( M t 2 2 .3 9 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . C o n t u d o ,
esse s e s c r ito r e s se a r r is c a m a c o m e te r o m e s m o e r r o , só q u e d e s ta v ez fo -
c a liz a n d o o r e la c i o n a m e n t o h o r i z o n t a l à p a r te d o v e r tic a l. Q u a n d o isso
a c o n te c e , o p e c a d o é f a c ilm e n te r e d u z id o a c o is a s m á s q u e fa z e m o s u n s
a o s o u t r o s q u e le v a m a o r o m p im e n to d o s r e la c io n a m e n to s in te r p e s s o a is .
O p e c a d o d e ix a d e s e r v is to c o m o u m a tr a n s g r e s s ã o d a a lia n ç a d e D e u s
q u e t r a z o ju íz o d e D e u s e, p o r t a n t o , u m a m a ld iç ã o e m t o d o s o s d e m a is
r e la c io n a m e n to s . “ N a v e r d a d e , m u ito s c r is tã o s e m e r g e n te s c o n c o r d a r ã o
e m q u e v iv e m o s n u m m u n d o p e c a m in o s o , u m m u n d o d e g u e r r a s , fo m e s
e m a s s a c r e s ” , d iz J o n e s . “ M a s eles se in c lin a m a a t r i b u i r esse p e c a d o n ã o
à d is tâ n c ia e x is te n te e n tr e o s s e re s h u m a n o s e D e u s , m a s a o s r e la c io n a -
m e n t o s r o m p i d o s q u e p õ e m e m d e s o r d e m a n o s s a v id a e o n o s s o m u n -
d o . ” O q u e isso q u e r d iz e r é q u e , n a S e x ta -f e ira d a P a ix ã o , a c r u c ific a ç ã o
d e C r is to t o r n o u - s e “ o e s tím u lo p a r a r e la ç õ e s c u r a d a s e c u r a d o r a s n u m
m u n d o q u e n e c e s s ita d e s e s p e r a d a m e n te d e la s . E a c o n c e n tr a ç ã o n a d o u -
t r i n a c o r r e t a é ta m b é m o re fle x o d e u m te m p o a n t e r i o r ” .101
BIO

J o n e s c o n f u n d e o r e la c i o n a m e n t o v e r tic a l d o s s e re s h u m a n o s (n a ver-
d a d e , d a c r ia ç ã o ) c o m D e u s c o m o in d i v id u a li s m o . E s s a s q u e s t õ e s s ã o
d if e r e n te s . A B íb lia f o c a liz a a r u p t u r a d a lei d e D e u s c o m o a f o n te d o s
b o n s o u m a u s r e la c i o n a m e n t o s h o r i z o n t a is . A m a ld iç ã o d o p e c a d o o ri-
g in a l e d a c u lp a é o ju íz o d e D e u s b a s e a d o e m s u a in a lte r á v e l s a n tid a d e e
ju s tiç a . A p a l a v r a “ m a l d i ç ã o ” p e r te n c e a o m u n d o d a d i p lo m a c ia d o a n -
tig o O r ie n te P r ó x im o , c o m s u a s a m e a ç a s p e la v io la ç ã o d e u m t r a t a d o . A
m a l d i ç ã o d e D e u s s o b r e a h u m a n i d a d e (e s o b r e a c r ia ç ã o p o r c a u s a d a
h u m a n id a d e ) e r a a s a n ç ã o a r e s p e ito d a q u a l D e u s a d v e r tiu q u a n d o c o -
m is s io n o u A d ã o c o m o s e u s e r v o p a c tu a i.
E n o tá v e l q u e , m u ito e m b o r a D a v i t e n h a s e d u z id o B a te -S e b a e d e p o is
t e n h a f e ito c o m q u e s e u m a r i d o f o s s e e n v i a d o à m o r t e n a b a t a l h a , s u a
c o n f is s ã o c o m e ç a : “ P e q u e i c o n t r a ti, c o n t r a ti s o m e n te , e fiz o q u e é m a u
p e r a n t e o s te u s o lh o s , d e m a n e ir a q u e s e r á s t i d o p o r ju s to n o t e u f a la r e
p u r o n o te u ju lg a r. E u n a s c í n a in iq u id a d e , e e m p e c a d o m e c o n c e b e u m i-
n h a m ã e ” (SI 5 1 .4 - 5 ) . P o d e m o s n ó s , h o je , id e n tific a r -n o s c o m e sse a g u d o
s e n tim e n to d e p e c a d o - a té m e s m o te r r ív e is a t r o c i d a d e s c o m e tid a s c o n -
t r a o n o s s o p r ó x i m o - c o m o p r im e ir a m e n te e a c im a d e t u d o u m a o f e n s a
f e ita c o n t r a Deus?
A im p r e s s ã o q u e m u ita s v e z e s te m o s h o je é q u e o p e c a d o só o f e n d e a
D e u s i n d ir e ta m e n te - p o r q u e p r im e ir o fe re o u t r a s p e s s o a s o u a n ó s m e s -
m o s , n ã o p o r s e r p r i m e i r o e a c im a d e t u d o u m a t o d e t r a i ç ã o c o n t r a o
n o s s o b o m e fiel C ria d o r. Ir o n ic a m e n te , o f u n d a m e n ta lis m o e o m o v im e n -
to e m e r g e n te m o s tr a m - s e ig u a is n e s s e p o n t o . O p r i m e i r o p o d e d e s ta c a r
sex o , d ro g a s e o rock and roll, e n q u a n t o o s e g u n d o v is a a o m ilita r is m o ,
à a v a r e z a e à n e g lig ê n c ia c o m r e la ç ã o à s q u e s tõ e s a m b ie n ta is . T o d a v ia ,
am b o s re d u zem o pecado p r i m a r i a m e n te a pecados ( c o m p o r ta m e n t o er-
r a d o ) , s e m v e r q u e e s te s s ã o f r u t o d e u m a c o n d iç ã o m o r a l q u e e n g o lf o u
t o d a a n o s s a r a ç a e p r o v o c o u a ir a d e D e u s . “ N ã o h á ju s to , n e m u m se-
q u e r, n ã o h á q u e m e n te n d a , n ã o h á q u e m b u s q u e a D e u s ; to d o s se e x tr a -
v ia r a m , à u m a se fiz e ra m in ú te is ; n ã o h á q u e m f a ç a o b e m , n ã o h á n e m
u m s e q u e r ” (R m 3 .1 0 - 1 2 , c i t a n d o SI 1 4 .1 - 3 ; 5 3 .1 - 3 ) .
U m a v e z q u e p e r d e m o s a d im e n s ã o v e r tic a l d o p e c a d o - q u e fa z d e le
a lg o v e r d a d e ir a m e n te p e c a m in o s o - n ã o h a v e r á m a is lu g a r p a r a se e n te n -
d e r a c r u z c o m o a q u e le m a r a v ilh o s o p a r a d o x o d e a m o r e ira , m is e ric ó r d ia
e ju s tiç a . N ã o m a is u m s a c rifíc io v ic á r io e p r o p ic ia to r io (c o m o se h o u v e s -
se a lg o c o m o a ir a d e D e u s p a r a q u e n o s p r e o c u p e m o s ) ; a o b r a d e C ris -
to s im p le s m e n te p a s s a a s e r u m a t o p a r a d i g m á t ic o d o s r e la c io n a m e n to s
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 31 ‫ו‬

c u r a d o r e s e r e s ta u r a d o r e s e n tr e o s se re s h u m a n o s e o m e io a m b ie n te . Se-
g u in d o s e u e x e m p lo , p o d e m o s f a z e r n o s s a p a r te n a r e d e n ç ã o d o m u n d o .
Se v o c ê r e c o n h e c e a p r i o r i d a d e d o r e la c i o n a m e n t o v e r tic a l, o im p a c -
t o d o p e c a d o e d a o b r a s a lv ífic a d e C r is to s o b r e o p l a n o h o r i z o n t a l fa z
s e n tid o . Q u a n d o o b s c u r e c e m o s a q u e la (o u p io r, q u a n d o a n e g a m o s ) , a té
a g r a v id a d e m o r a l d o s n o s s o s p e c a d o s c o n t r a o s o u t r o s p e r d e s e u p e s o .
C o m o o c h o q u e d e u m m a c iç o m e t e o r o , o i m p a c t o d a t r a n s g r e s s ã o
d e A d ã o n ã o s o m e n te d e ix o u u m a c r a t e r a , m a s e n v ia d e s ta s u a f u m a ç a
e s u a s c in z a s p a r a a a t m o s f e r a , e n v o lv e n d o o g lo b o . O p r o b l e m a é v e rti-
c a l, c o m e f e ito s h o r iz o n ta is . A s s im ta m b é m é a s o lu ç ã o . C o m o f a m o s o
h i n o d e I s a a c W a tts , “ A le g r ia p a r a o m u n d o ” , c a n t a m o s a r e s p e i to d a
r e d e n ç ã o q u e se e s te n d e a t o d o c a n to e r e c a n to d a c r ia ç ã o : “ lo n g e c o m o
e s tá a m a l d i ç ã o ” . O e v a n g e lh o a n u n c ia q u e “ t r a g a d a f o i a m o r t e p e la
v i t ó r i a ” ( I C o 1 5 .5 4 ) p o r q u e a b a s e legal d a m a ld iç ã o r e c e b e u o d e v id o
t r a t a m e n t o . A m o r t e n ã o é t ã o s o m e n te a lg o q u e in v a d e a n o s s a v id a e
n o s fa z v ítim a s . A n te s , c o m o D e u s a d v e r t i u n o s t e r m o s d a a li a n ç a o ri-
g in a l, a m o r t e e n t r o u n o m u n d o p o r m e io d e A d ã o c o m o a p e n a li d a d e
ju d ic ia l p e la tr a n s g r e s s ã o (R m 5 .1 2 - 2 1 ) . A o r ig e m d o s n o s s o s m a le s n ã o
são sentimentos d e c o n d e n a ç ã o e c u lp a , m a s o juízo de Deus: “ p o rq u e o
s a l á r io d o p e c a d o é a m o r t e , m a s o d o m g r a t u i t o d e D e u s é a v id a e te r-
n a e m C r is to J e s u s , n o s s o S e n h o r ” (R m 6 .2 3 ) . “ O a g u i l h ã o d a m o r t e é
o p e c a d o , e a f o r ç a d o p e c a d o é a l e i ” ( I C o 1 5 .5 6 ) . A m o r t e e a re s s u r -
r e iç ã o d e C r i s t o g a r a n t i r a m n ã o a p e n a s a s a lv a ç ã o d a n o s s a a lm a , m a s
ta m b é m a r e d e n ç ã o d o n o s s o c o r p o - n a v e r d a d e , a r e s ta u r a ç ã o d e t o d a
a o r d e m c r ia d a (R m 8 .1 9 - 2 1 ) . C o n t u d o , e s te s e g u n d o a t o a in d a a g u a r d a
o r e t o r n o d e C r is to . “ M a s , se e s p e r a m o s o q u e n ã o v e m o s , c o m p a c iê n -
c ia o a g u a r d a m o s ” (R m 8 .2 5 ).
Se a o b r a r e d e n t o r a d e C r is to n ã o t r a t a d a crise judicial d o s pecados
d ia n te d e u m D e u s s a n to e d a condição d e e s c r a v id ã o q u e re v e la e e x p õ e
t o d o s o s n o s s o s p e c a d o s e sp e c ífic o s, sig n ific a , e n tã o , q u e o m u n d o a in d a
e s tá s o b o m a n t o d a m o r te , d a v io lê n c ia , d a o p r e s s ã o e d a in ju s tiç a , p a r a
se m p re . Q u e a d ia n ta t e n t a r fa z e r algo a r e s p e ito d o s p r o b le m a s im e d ia to s
d o m u n d o , n a n o s s a v iz in h a n ç a e n a n o s s a f a m ília , e m n ó s m e s m o s , se,
e m ú ltim a a n á lis e , a in d a e s ta m o s s o b o d o m ín io d a m o r t e e d o in f e r n o ?
C e r ta m e n te , h á m a is n a c r u z d o q u e a p r o p i c i a ç ã o , o p e r d ã o e a ju s -
tif ic a ç ã o . N a c r u z , J e s u s t o r n o u - s e ta m b é m o v e n c e d o r s o b r e o s p o d e r e s
e o s p r in c ip a d o s d e s ta a t u a l e r a ím p ia . N o e n t a n t o , m e s m o n a p a s s a g e m
p r i m á r i a e m f a v o r d e s s a v is ã o , a c o n q u i s t a d e C r i s t o s o b r e o s p o d e r e s
312

b a s e ia - s e n o f a t o d e q u e , n a s u a o b r a n a c r u z , C r i s t o le v o u s o b r e si o s
n o s s o s p e c a d o s , “ t e n d o c a n c e l a d o o e s c r i to d e d i v i d a , q u e e r a c o n t r a
n ó s e q u e c o n s ta v a d e o r d e n a n ç a s , o q u a l n o s e r a p r e ju d ic ia l, r e m o v e u -
-o i n t e i r a m e n t e , e n c r a v a n d o - o n a c r u z ; e, d e s p o j a n d o o s p r i n c i p a d o s e
a s p o t e s t a d e s , p u b l i c a m e n t e o s e x p ô s a o d e s p r e z o , t r i u n f a n d o d e le s n a
c r u z ” (C1 2 .1 4 - 1 5 ) .
A lé m d e fr a s e s ta is c o m o “ v iv e r o e v a n g e lh o ” e c h a m a d o s p a r a c o n ti-
n u a r a o b r a d e e n c a r n a ç ã o e d e s a lv a ç ã o d e C r is to , f r e q u e n te m e n te o u v i-
m o s a p e lo s p a r a q u e p a r tic ip e m o s d a o b r a d e r e c o n c ilia ç ã o r e a liz a d a p o r
C r is to . C o m f r e q u ê n c ia , is s o é e x t r a í d o d a r e f e r ê n c ia d o a p ó s t o l o P a u lo
a o “ m in is té r io d a r e c o n c i l i a ç ã o ” e m 2 C o r í n t io s 5 . 1 8 - 6 . 2 . N e s s a p a s s a -
g e m n o s é d ito , p r im e ir o , q u e e ssa r e c o n c ilia ç ã o - t o d a e la - “ p r o v é m d e
D e u s ” . S e g u n d o , q u e isso t u d o é “ e m C r i s t o ” . T e rc e iro , q u e D e u s c o n f io u
a se u s e m b a ix a d o r e s “ o m in is té r io d a r e c o n c ilia ç ã o ” , q u e o a p ó s to lo d e -
fin e e m te r m o s e s tr ita m e n te v e r tic a is - is to é, p a z c o m D e u s m e d ia n te a
c r u z d e C r is to , n a q u a l a s n o s s a s d ív id a s f o r a m c a n c e la d a s .
N ã o h á d ú v id a d e q u e e s s a r e c o n c ilia ç ã o c o m D e u s g e r a m ir ía d e s d e
e f e ito s n o p l a n o h o r i z o n t a l n a n o s s a v id a e n o s n o s s o s r e la c io n a m e n to s
in te r p e s s o a is . C o n t u d o , P a u lo d e fin e c la r a m e n t e o e v a n g e lh o d a r e c o n -
c ilia ç ã o c o m o a m e n s a g e m a r e s p e ito d a e x p ia ç ã o v ic á r ia d e C r is to . A l-
g u é m p o d e r ia d is p o r - s e a m o r r e r p o r u m a p e s s o a b o a , d iz P a u lo ,

... mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de
ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, mui-
to mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele
salvos da ira. Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados
com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já
reconciliados, seremos salvos pela sua vida. (Rm 5.8-10)

E s s a o b r a d e r e c o n c ilia ç ã o n ã o é f e ita p o r n ó s , m a s p a r a n ó s . N ã o é
a lg o q u e é p r e c is o c o m p le ta r , m a s a lg o c o m o q u e d e v e m o s a le g r a r - n o s
e q u e d e v e m o s a n u n c i a r a o u t r o s : “ e n ã o a p e n a s is to , m a s ta m b é m n o s
g lo ria m o s em D e u s, p o r n o s s o S e n h o r Je su s C ris to , p o r in te rm é d io de
quem recebemos, agora, a r e c o n c ilia ç ã o ” (R m 5 .1 1 , ê n fa s e a c re s c e n ta d a ) .
E s s a o b r a d e r e c o n c ilia ç ã o c u m p r i d a p o r C r is to é d is tin ta d o m in is té -
r io d a r e c o n c ilia ç ã o c o n f ia d o a P a u lo . O a p ó s t o l o n ã o d iz q u e p a r ti c ip a
d a o b r a d e r e c o n c ilia ç ã o . A o b r a d e r e c o n c i l i a ç ã o n ã o é u m m o v im e n -
to em a n d a m e n to o u u m p ro c e sso em d e s d o b ra m e n to n a H is tó ria . D e
f a to , o a p ó s to lo P a u lo a f ir m a “ q u e D e u s e s ta v a em C r is to r e c o n c ilia n d o
INDO ALEM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 313

c o n s ig o o m u n d o , n ã o i m p u t a n d o a o s h o m e n s a s s u a s tr a n s g r e s s õ e s , e
nos confiou a palavra d e r e c o n c i l i a ç ã o ” ( 2 C o 5 .1 9 ) . O q u e c o n t i n u a - e
n o q u e o s e m b a i x a d o r e s d e C r is to s ã o c h a m a d o s p a r a p a r t i c i p a r c o m o
c o l a b o r a d o r e s c o m D e u s - é o m i n is té r io d e p r o c l a m a ç ã o d e s s a s b o a s -
- n o v a s a t é a o s c o n f in s d a t e r r a . P o r m e io d e s s e m i n is t é r io , e s t r a n h o s e
in im ig o s v iv e n c ia m e a c e ita m a r e c o n c ilia ç ã o q u e C r is to r e a liz o u h á m a is
d e d o is m ilê n io s . C o e r e n te c o m a G r a n d e C o m is s ã o , P a u l o c la r a m e n t e
id e n tific a o m in is té r io d a r e c o n c ilia ç ã o c o m o m in is té r io d a s c h a v e s : is to
é, c o m a e n tr e g a d e C r is to c o m se u e v a n g e lh o p o r m e io d a P a la v r a e d o s
s a c r a m e n to s . O m in is té r io d a ig re ja é a f o r m a v isív e l d o r e in a d o d e C ris-
t o n o m u n d o n e s te e x a to m o m e n to . É a s s im q u e n o s t o r n a m o s c id a d ã o s
d a e r a p o r v ir e a a p r e s e n t a m o s a o u t r o s , e n q u a n t o t a m b é m p a r ti c ip a -
m o s d a v id a c o m u m d o s n o s s o s p r ó x i m o s n ã o c r is tã o s .
J o n e s a c r e s c e n ta : “ N e m e x is te t a l c o is a c o m o u m a ‘d iv is ã o e n tr e sa -
g r a d o e s e c u la r ’. S em le v a r e m c o n ta a C id a d e d e D e u s versus C id a d e d o
H o m e m , d e A g o s t i n h o ( 3 5 4 - 4 3 0 ) o u o s ‘d o is r e i n o s ’ d e L u t e r o ( 1 4 8 3 -
1 5 4 6 ) o u a s m ir ía d e s d e a r tic u la ç õ e s d e u m a d iv is ã o p l a t ô n i c a e n t r e as
c o is a s d e D e u s e a s c o is a s d e s te m u n d o , o s e m e r g e n te s v e e m a c u l t u r a
e a c r i a ç ã o e m g e r a l c o m o u m a g r a n d e c o n f u s ã o n a q u a l D e u s e s tá se
m o v e n d o ” .102 N ã o h á , r e a l m e n t e , n e n h u m a d i s t in ç ã o e n t r e a ig r e ja e o
m u n d o , o u e n tr e e s t a r r e u n id o c o m o r e b a n h o d e C r is to p a r a a P a la v r a ,
o b a tis m o , a c o m u n h ã o , o c o m p a n h e ir is m o e a s o r a ç õ e s , e c r is tã o s ire m
a u m c o n c e r to c o m se u s c o le g a s d e tr a b a l h o ?
M a is u m a v ez , n ã o s ã o o s d o is m u n d o s d e P la tã o , m a s a s d u a s e r a s d o
N o v o T e s ta m e n to q u e le v a r a m o s r e f o r m a d o r e s a d is tin g u ir e n tr e o r e in o
d a g r a ç a e s u a c o n s u m a ç ã o n a g ló r ia , c o m o ta m b é m e n tr e a g r a ç a s a lv a -
d o r a e a g r a ç a c o m u m . O s r e f o r m a d o r e s c h a m a v a m o s c r e n te s p a r a q u e
d e ix a s s e m o s m o s te ir o s e fo s s e m p a r a o m u n d o , p a r a q u e se c a s a s s e m e
c o n s t i t u ís s e m f a m ília s , e p a r a s e u s p r ó x i m o s n a s s u a s v o c a ç õ e s s é c u la -
re s . O d u a lis m o p l a t ô n i c o n ã o le v a a o s e n s o d e v o c a ç ã o m u n d i a l m e n t e
a b r a n g e n t e , c o m o q u a l o s h i s t o r i a d o r e s c r e d i t a m a R e f o r m a . E sse m o -
v i m e n t o n ã o s ó le v o u à r e e v a n g e liz a ç ã o d a “ c r i s t a n d a d e ” e i n a u g u r o u
a s m is s õ e s m o d e r n a s ; t a m b é m e x e r c e u e n o r m e i m p a c t o s o b r e a e d u c a -
ç ã o , a s a r te s , a c iê n c ia , a v id a e m f a m ília , a a s s is tê n c ia s o c ia l e e m u m
g r a n d e n ú m e r o d e o u t r o s in te r e s s e s . O s c r e n t e s f o r a m l i b e r t a d o s p a r a
g lo rific a r a D e u s e d e s f r u ta r d ele e m su a s v o c a ç õ e s se c u la re s . O s r e f o r m a -
d o r e s c r itic a v a m o s a n a b a t i s ta s p o r u m a c o s m o v is ã o d u a lis ta q u e d e fe n -
d ia o a f a s t a m e n t o d a c u l t u r a c o m u m . D e f a to , h is t o r i a d o r e s a n a b a t i s ta s
314

c o n t e m p o r â n e o s r e c o n h e c e m a d ív id a d e s u a t r a d i ç ã o a o d u a lis m o m a -
té r ia - e s p ír ito d e P l a t ã o . 103
L u t e r o d i s tin g u ía e n t r e o r e in o d e p o d e r ( g o v e r n o s e c u la r ) e o r e in o
d a g r a ç a (o m in is té r io d a ig re ja ), m a s o s d e s c re v ia c o m o “ o r e in o d a m ã o
e s q u e r d a ” e o d a “ m ã o d i r e i t a ” , r e s p e c tiv a m e n te . M ã o s d e q u e m ? S ã o
as m ão s de Deus, q u e o P a i e x e r c ita n o F ilh o e p o r s e u E s p ír ito . T o d a a
t e r r a é d o S e n h o r (SI 2 4 .1 ) . N o e n t a n t o , n o a t u a l p e r í o d o e n tr e o s d o is
a d v e n to s d e C r is to , a in d a n ã o v e m o s a a s s im ila ç ã o d o s r e in o s d e s ta e r a
a o r e in o d e C r i s t o . P o r t a n t o , a q u e s t ã o n ã o é s o b r e se a o b r a r e d e n t o -
r a d e C r i s t o se e s te n d e a o s c o r p o s b e m c o m o à s a l m a s , m a s é s o b r e o
a j u s t a m e n t o n o t e m p o . O q u e d e v e m o s f a z e r n e s te in te r v a lo ? D e v e m o s
c u m p r i r a G r a n d e C o m is s ã o e a s n o s s a s v o c a ç õ e s d iá r ia s , c o m o d is c íp u -
lo s e c o o p e r a d o r e s , e t a m b é m c o m o c o n c id a d ã o s d o s r e in o s t e m p o r a is .
“ A q u e le , p o r é m , q u e perseverar até o fim, esse s e r á s a lv o . E s e rá p r e g a d o
e s te e v a n g e lh o d o r e in o p o r t o d o o m u n d o , p a r a t e s t e m u n h o a t o d a s a s
nações. Então, v ir á o f im ” ( M t 2 4 .1 3 - 1 4 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) .
N a s n o s s a s ig re ja s e n o s n o s s o s r e la c io n a m e n to s c o m o s n ã o c r is tã o s ,
s o m o s c h a m a d o s p a r a r e f le tir a l i d e r a n ç a d e s e r v o e x e r c i d a p o r J e s u s
C r is to , “ q u e n ã o v e io p a r a s e r s e r v id o , m a s p a r a s e r v ir e d a r a s u a v id a
e m r e s g a te p o r m u i t o s ” ( M t 2 0 .2 8 ) . P o r é m , c o m o s e r á u m a v e r d a d e i r a
v id a s a c rific ia l, u m a c o n d iç ã o g e n u ín a d e s e r v o , se n ã o m a is c r e r m o s q u e
J e s u s , e m s u a p e s s o a , m o r r e u o f e r e c e n d o - s e c o m o u m s a c rifíc io v ic á r io ,
s o f r e n d o a j u s t a i r a d e D e u s , n o l u g a r d e p e c a d o r e s q u e c o m j u s t iç a a
m e r e c ia m ? O c e r t o é q u e te m o s d e r e lig a r o v e r tic a l a o h o r i z o n t a l, n o s -
sa s a n t a v o c a ç ã o e m C r is to c o m a s n o s s a s v o c a ç õ e s c o m u n s n o m u n d o .
N o e n t a n t o , se a m o r t e d e C r is to n ã o fo i u m s a c r if íc io v ic á r io e m f a v o r
d e s e u s in im ig o s , le v a n d o s o b r e si a ir a e m s u a g r a ç a p e r d o a d o r a , c o m o
p o d e m o s se r c h a m a d o s p a r a re fle tir a c o n d iç ã o d e se rv o d e C r is to n a n o s -
s a r e c o n c ilia ç ã o in te r p e s s o a l c o m in im ig o s e e n t r e e le s, p e r d o a n d o s u a s
f a lta s m e s m o q u a n d o e les se e n f u r e c e m c o n t r a n ó s ?
L iv re - s e d o c a r á t e r r a d ic a l d a a ti v i d a d e d e D e u s n a c r u z d e C r i s t o e
v o c ê p e r d e r á t o d a e q u a l q u e r b a s e p a r a u m d is c ip u la d o r a d ic a l, c r u c ifo r-
m e . V is to q u e o s a c rifíc io v ic á r io d e C r is to é ú n ic o , p o n d o fim a t o d o s o s
o u t r o s s a c rifíc io s p e lo p e c a d o , s e g u e -s e q u e o n o s s o v iv e r s a c rific ia l n ã o
é q u e s t ã o d e s o f r e r m o s a ir a d e D e u s . S e ja o q u e f o r q u e t e n h a m o s d e
s u p o r t a r d e o u t r o s , s e ja m q u a is f o r e m a s in ju s tiç a s q u e s o f r a m o s d e in i-
m ig o s , s e ja m q u a is f o r e m a s d e s le a ld a d e s q u e s o f r a m o s d e a m ig o s , n ã o
ir e m o s e n f r e n t a r a ju s ta ir a d e D e u s .
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 315

A lé m d o m a is , is s o l i b e r t a a e s p o s a d e t e r q u e a c e i t a r a v io lê n c ia d e
u m m a r i d o a b u s iv o , u m g r u p o m i n o r i t á r i o d e t e r q u e s o f r e r a c u lp a d e
t u m u lt o s s o c ia is la n ç a d a s o b r e e le p e la m a i o r i a , e d e u m a v ítim a d e in -
j u s tiç a s o c ia l, h o m e m o u m u lh e r , t e r q u e se r e n d e r p a s s i v a m e n t e à s u a
s e n te n ç a . N ã o m a is s a c r if íc io s p e lo s p e c a d o s d e o u t r o s , n e m b o d e s e x -
p i a t ó r i o s p a r a le v a r e m a c u lp a d o s s e u s o p r e s s o r e s .
H á u m a c o n e x ã o ó b v ia e n tr e a s fa ls a s a n títe s e s q u e s ã o in c e n tiv a d a s
p e lo m o v im e n to e m e r g e n te . Se o e v a n g e lh o é a lg o q u e v iv e m o s e m v ez d e
a lg o q u e p r o c la m a m o s , sig n ific a q u e o e v a n g e lh o t e r á d e s e r o u t r a c o is a
q u e n ã o o a n ú n c io d e q u e D e u s se fe z c a r n e p a r a n o s s a lv a r d a m o r t e e
d o in f e r n o e p a r a n o s r e c o n c ilia r c o m D e u s . E se o e v a n g e lh o é u m c h a -
m a d o p a r a q u e s e ja m o s p a r c e ir o s d e D e u s e m s u a m is s ã o d e t r a n s f o r m a r
o m u n d o i m ita n d o o e x e m p lo d e C r is to , s e g u e -se q u e a ig re ja d e v e r ia se r
u m g r u p o i n f o r m a l d e s e g u id o r e s d e J e s u s , e n ã o u m a e m b a ix a d a f o r m a l
in c u m b id a d o s m e io s d e g ra ç a . Se o fo c o e s tá e m n ó s e n o q u e fa z e m o s , a
p r e g a ç ã o é, e n tã o , s u b s titu íd a p o r c o n v e rs a m o tiv a c io n a l, d e s v ia n d o -s e d a
h is tó r ia d e D e u s p a r a a n o s s a ; o b a tis m o e a C e ia to r n a m - s e n o s s o s a to s
d e c o m p r o m e tim e n to , e n ã o a d á d iv a q u e D e u s fa z d e s e u F ilh o ; e n ó s só
p r e c is a m o s v iv e r m a is c o e r e n te m e n te d ia n te d o s p r ó x i m o s n ã o c r is tã o s ,
e m v e z d e p r o c la m a r o e v a n g e lh o c o m o u m a q u e s tã o d e v id a o u m o r te .
V is to p o r e s s a lu z , o m o v im e n to e m e r g e n te é m e n o s r a d ic a l d o q u e é
p r o p a l a d o . S im p le s m e n te le v a o e v a n g e lic a lis m o m o d e r n o a o p r ó x i m o
e s tá g io . D e f a to , J o n e s d e s c re v e o s e u m o v im e n to p a r t i n d o d a C r u z a d a
U n iv e r s itá r ia ( C a m p u s C r u s a d e ) p a r a u m a a b o r d a g e m m a is e m e r g e n te
p o r m e io d e “ u m a e v a n g e liz a ç ã o p e lo e s tilo d e v i d a ” (o u “ e v a n g e liz a ç ã o
p e la a m iz a d e ” ) n a s fa c u ld a d e s . “ A p re m is s a b á s ic a é q u e a maneira como
a pessoa vive é u m a r g u m e n t o m a is f o r te e m f a v o r d a fé c r is tã d o q u e o
q u e e la d iz . O u c o m o F r a n c is c o d e A ssis s u p o s t a m e n t e d isse : ‘P r e g u e o
e v a n g e lh o s e m p r e , e, se n e c e s s á r io , u s e p a l a v r a s ’. ” 104
C o n t u d o , se a f ir m a m o s a ig re ja c o m o organismo ( e s p a lh a d o c o m o sa l
e lu z n o m u n d o ) e c o m o organização ( c o m is s io n a d a p a r a c o m u n ic a r o s
m e io s d e g r a ç a d e D e u s ) , h á u m lu g a r p r ó p r i o p a r a e lo g ia r o e v a n g e lh o
p e lo m o d o c o m o v iv e m o s d ia n te d o s n o s s o s p r ó x im o s . N ã o te m o s d e ir
t r a b a l h a r c a d a d ia c o m a m e ta p r i m á r i a d e c o n v e r t e r n o s s o s c o le g a s d e
t r a b a l h o . A o fa z e r o n o s s o t r a b a l h o “ c o m o p a r a o S e n h o r ” , c o n q u is ta n -
d o o r e s p e ito d o s o u t r o s e d e s e n v o lv e n d o a m iz a d e s n a t u r a i s , n o s s a v id a
d e v e le v á -lo s a fa z e r e m p e r g u n ta s a r e s p e ito d o q u e n o s m o v e . C o m o tr a -
b a lh a m o s a o la d o d e n ã o c r is tã o s c o m o v o lu n tá r io s e a m a m o s o s n o s s o s
316

p r ó x i m o s e m n o s s a c o m u n i d a d e , n o s s a lu z n ã o m a is f ic a r á o c u l t a n o s
p r o j e t o s s o c ia is relacionados com a igreja. E s ta r e m o s c o n t r i b u i n d o p a r a
o b e m c o m u m n u m a c u ltu r a c o m u m c u jo s f a r d o s e p r a z e r e s c o m p a r tilh a -
r e m o s c o m n ã o c r e n te s . E p o r q u e f o m o s b e m in s tr u íd o s n a fé p o r n o s s a s
ig r e ja s , e s t a r e m o s p r e p a r a d o s p a r a d a r a c a d a q u a l u m a r e s p o s t a p e la
e s p e r a n ç a q u e te m o s . S e g u e -se , p o is , q u e n ã o te m o s q u e p r e g a r o e v a n -
g e lh o o te m p o t o d o , m a s n ã o n o s a tr e v e m o s a s u b s t it u i r e s s a p r o c la m a -
ç ã o p e la n o s s a v id a .
H o j e , a p r o m i s s o r a ê n f a s e n u m s é r io d i s c i p u l a d o é u m e s t i m u la n t e
d e s a fio à p a s s iv id a d e o r i e n t a d a p e lo c o n s u m is m o q u e r e d u z a s a lv a ç ã o a
u m “ s e g u r o c o n t r a i n c ê n d i o ” o u a “ ir p a r a o c é u q u a n d o v o c ê m o r r e r ” .
C o n t u d o , e ssa ê n f a s e é s e m p r e a m e a ç a d a p o r u m a f o r te te n d ê n c ia d e re -
d u z ir o s e g u ir a C r is to a u m a tiv is m o m o r a l e s o c ia l - à p a r te d a sã d o u -
t r i n a (e à s v ezes a té m e s m o c o n t r a e la ). E e s p e c ia lm e n te u m ris c o q u a n d o
o e v a n g e lh o já n ã o é a p a l a v r a c o n c e r n e n te a C r is to e à s u a o b r a , m a s é
a n o s s a p r ó p r i a a ti v i d a d e r e d e n t o r a e r e c o n c i l i a d o r a . C o m o P a u l o n o s
le m b r a e m R o m a n o s 1 0 , n ã o s a lv a m o s n e m a n ó s m e s m o s n e m o m u n d o
s u b in d o a o s c é u s o u d e s c e n d o à s p r o f u n d e z a s d a te r r a p a r a t r a z e r C r is to
d e n tr e o s m o r to s . A n te s , o C r is to r e s s u r r e to v e m a n ó s n a s u a P a la v r a . E
t e m p o d e o l h a r p a r a f o r a d e n ó s e p a r a lo n g e d e n ó s , p a r a o T r in o D e u s
q u e d e s c e a té n ó s . S ó e n t ã o p o d e r e m o s o l h a r v e r d a d e i r a m e n t e p a r a o s
n o s s o s p r ó x i m o s e p a r a o n o s s o m u n d o , n ã o r e a lm e n te c o m o “ n o s s o ” ,
m a s c o m o d e D e u s , e v iv e r n e s te m u n d o c o m o c id a d ã o s d o r e in o d e C ris-
to v e r d a d e ir a m e n te t r a n s f o r m a d o s .

>45 marcas da igreja versus a missão dos santos


E s tre ita m e n te r e la c io n a d a c o m “ v iv er o e v a n g e lh o ” e s tá a p r io r id a d e d a d a
a ser a igreja e não ir à igreja. E u m c o n tr a s te e n tr e a s m a r c a s (a P a la v r a ,
o s s a c r a m e n t o s e a d is c ip lin a ) e a m is s ã o ( t r a n s f o r m a ç ã o p e s s o a l e s o -
c ia i). A ig r e ja n ã o é u m l u g a r o n d e c e r ta s c o is a s a c o n te c e m , d iz e m - n o s ,
m a s u m p o v o q u e fa z c e r ta s c o is a s .
C o m o G e o rg e M a r s d e n d e m o n s tr o u , o S e g u n d o G r a n d e D e s p e rta m e n -
to é, e m m u ito s a s p e c to s , a o rig e m c o m u m , t a n t o d o lib e ra lis m o c o m o d o
f u n d a m e n t a l is m o p r o t e s t a n t e . 105 M e s m o q u a n d o a n u n c ia d a c o m o n o v a
e “ e m e r g e n t e ” , e s s a d i c o t o m ía p e r te n c e a u m a lo n g a h i s t ó r i a lig a d a a o
p r o t e s t a n t i s m o r a d ic a l , d e T h o m a s M ü n t z e r a r e p r e s e n t a n te s t ã o d iv e r-
so s c o m o o e v a n g e lis ta d o s é c u lo 1 9 C h a r le s F in n e y e o te ó lo g o lib e r a l
c o n te m p o râ n e o H a rv e y C o x .
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 3‫ ו‬7

N o s e u liv r o The secular city [A c id a d e s e c u la r ; 1 9 6 5 ] , C o x e s c re v e u :


“ A i n s is tê n c ia d o s r e f o r m a d o r e s d e q u e a ig r e ja e s tá ‘o n d e a p a l a v r a é
c o r r e t a m e n t e p r e g a d a e o s s a c r a m e n t o s c o r r e t a m e n t e a d m i n i s t r a d o s ’,
s im p le s m e n te n ã o f u n c io n a a t u a l m e n t e ” . A n te s , d iz e le , “ v ê -se a i g r e j a ”
o n d e q u e r q u e “ u rn a n o v a c o m u n id a d e h u m a n a in c lu s iv a v e n h a a e m e r-
g i r ” m e d ia n te a ç ã o s o c ia l.106 Is s o é c o e r e n te c o m a d e s c r iç ã o q u e F in n e y
f a z d a i g r e j a c o m o “ u m a s o c i e d a d e d e r e f o r m a d o r e s m o r a i s ” . D a ll a s
W i l l a r d c o m e n ta : “ É u m tr á g i c o e r r o p e n s a r q u e J e s u s , q u a n d o p a r t i u ,
n o s d is s e q u e c o m e ç á s s e m o s ig r e ja s , c o m o is s o é e n t e n d i d o h o j e ... E le
q u e r q u e e s ta b e le ç a m o s ‘c a b e ç a s d e p o n t e ’ o u b a s e s d e o p e r a ç ã o p a r a o
R e i n o d e D e u s o n d e q u e r q u e e s t e j a m o s ... O e f e ito e x t e r n o d e s t a v id a
e m C r is to é u m a p e r p é t u a r e v o lu ç ã o m o r a l , a té q u e o p r o p ó s i t o d a h u -
m a n i d a d e n a t e r r a se ja c o m p l e t a d o ” .107 P o r t a n t o , a v e r d a d e i r a q u e s t ã o
p a r a o s v e r d a d e i r o s d i s c íp u lo s é: “ T e r ã o e le s q u e s a i r d a s ig r e ja s p a r a
s e r e m s u a i g r e j a ? ” 108 D o m e s m o m o d o , D a n K im b a ll d iz : “ N ã o p o d e -
m os ir à ig re ja p o r q u e nós somos a i g r e j a ” .109 D is s o K im b a ll e x t r a i o
c o n h e c id o c o n t r a s te e n tr e a e v a n g e liz a ç ã o (m is s ã o ) e a s m a r c a s d a ig re -
ja ( m e io s d e g r a ç a ) .
R e c o r r e n d o à o b r a d e D a r r e ll G u d e r , The missional church [A ig re ja
m is s io n a l] , K im b a ll e n te n d e q u e a s c o is a s d e r a m e r r a d a s n a R e f o r m a :

Os reformadores, no esforço para elevar a autoridade da Bíblia e


garantirem sã doutrina, definiram as marcas de uma verdadeira
igreja: um lugar onde o evangelho é corretamente pregado, os sa-
cramentos são corretamente administrados e a disciplina da igreja
é exercida. No entanto, com o passar do tempo, essas marcas es-
treitaram a definição da própria igreja como um “lugar onde” , em
vez de “ um povo que constitui” a realidade. A palavra igreja veio
a ser definida como “ um lugar onde certas coisas acontecem” tais
como a pregação e a comunhão.110

C o n t u d o , v e jo p e l o m e n o s t r ê s p r o b l e m a s n e s s a te s e c a d a v e z m a is
p ro p a g a d a . Primeiro, é outro exemplo de confusão entre a lei e o evan-
gelho. A m e n o s q u e a ig re ja se ja , e m p r im e ir o lu g a r, u m lu g a r o n d e D e u s
ju lg a e ju s tific a o s c u lp a d o s , r e n o v a n d o - o s c o n s ta n te m e n te p o r s u a P a la -
v r a e p o r s e u E s p ír ito , e la n ã o p o d e s e r u m p o v o q u e c o n s t i t u a a lg u m a
c o is a m a is d o q u e o u t r o g r u p o d e in te r e s s e e s p e c ia l. O s c r e n te s s ã o c h a -
m a d o s p a r a f a z e r m u ita s c o is a s , m a s esse é o te r c e ir o u s o d a lei ( o r ie n ta r
o s c r e n te s ) , n ã o o e v a n g e lh o . C o m o e f e ito d o e v a n g e lh o , a s n o s s a s b o a s
BI 8

o b r a s tr a z e m g ló r ia a D e u s e s e r v e m a o s n o s s o s p r ó x im o s . C o n t u d o , su -
g e r ir q u e e la s (o u n ó s ) s ã o o e v a n g e lh o é u m a c o n f u s ã o f a ta l.
Segundo, essa visão introduz um dilema entre a essência da igreja e
sua missão que não é encontrado no Novo Testamento. N ã o h á , a n te s
d e t u d o , u m a r e u n i ã o d a ig r e ja , p o r s u a p r ó p r i a d e c is ã o , e d e p o is c e r-
ta s c o is a s q u e a ig r e ja fa z . A n te s , a ig r e ja v e m à e x is tê n c ia , é s u s t e n t a d a
e c re s c e p o r m e io d a m e s m a P a la v r a q u e e la p r o c la m a a o m u n d o . O n d e
q u e r q u e e sse e v a n g e lh o c o n c e r n e n te a C r i s t o s e ja p r o c l a m a d o a p e c a -
d o r e s e r a tif ic a d o n o s s a c r a m e n t o s , u m fr á g il f r a g m e n to d e s ta t r a n s i t o -
r ia e r a ím p ia t o r n a - s e u m t e a t r o p a r a o d e s e m p e n h o d e D e u s e o lu g a r
d e u m a m i s te r i o s a i n t r u s ã o d o s p o d e r e s d a e r a p o r vir. N e s s a p r e c á r ia
b re c h a e n tr e e s ta s d u a s e r a s , u m a ig re ja n a s c e , c re s c e e se t o r n a u m a e m -
b a i x a d a d o r e in o c e le s tia l d e C r is to n a t e r r a . O p r ó p r i o C r is to i n s titu iu
u m a a s s e m b lé ia v isív el n u m a n o v a a lia n ç a , c o n f ia n d o a e la n ã o a p e n a s a
s u a m e n s a g e m , m a s ta m b é m o s s e u s r ito s e o fíc io s p ú b lic o s .
P e la G r a n d e C o m is s ã o e p e lo liv r o d e A to s f ic a m o s s a b e n d o d e u m
r e in o q u e d e s c e d o c é u e se e x p a n d e p o r t o d a s a s n a ç õ e s p r e c is a m e n te
p o r m e io d a s m a r c a s d a p r e g a ç ã o , d o s s a c r a m e n t o s e d a d is c ip lin a . H á
m u ita s c o is a s a lé m d e s s a s m a r c a s q u e id e n tif ic a m u m a ig r e ja saudável,
ta is c o m o o s d o n s d e h o s p i t a l id a d e , d e g e n e r o s id a d e , d e a d m i n i s tr a ç ã o
e d e s e r v iç o . N a v e r d a d e , s o m o s c h a m a d o s p a r a ser a ig r e ja , m a s s ó p o -
d e m o s v ir a s e r a ig r e ja p o r m e io d o m in is té r io p ú b lic o q u e C r is to p r o -
m e te u a b e n ç o a r . T o d o s e sse s d o n s s ã o d a d o s e f o r ta le c id o s p o r m e io d a
P a l a v r a e d o s s a c r a m e n to s . P o r t a n t o , u m a ig r e ja à q u a l f a lt a o e s p ír ito
d e a m iz a d e n ã o g o z a b o a s a ú d e , m a s u m a ig r e ja à q u a l f a lt a a P a la v r a
não é igreja.
N ã o te m o s n e c e s s id a d e d e u m a p ro lif e r a ç ã o d e m a rc a s (d a s q u a is q u a s e
t o d a s d e s v ia m o f o c o d a a ç ã o d e D e u s p a r a a n o s s a e x p e r iê n c ia i n t e r i o r
e p a r a a n o s s a a tiv id a d e ) , m a s p r e c is a m o s c u m p r i r a G r a n d e C o m is s ã o
a c a d a s e m a n a , e n t r e g a n d o C r is to à s o v e lh a s já r e u n id a s ( “ p a r a v ó s o u -
t r o s é a p r o m e s s a , p a r a v o s s o s f ilh o s ” ) e “ p a r a t o d o s o s q u e a in d a e s tã o
l o n g e ” (A t 2 .3 9 ) . U m a ig r e ja q u e n ã o é m is s io n a l n ã o e s tá p r o c la m a n d o
fie lm e n te a P a la v r a , n e m b a tiz a n d o n e m e n s in a n d o t u d o o q u e C r is to n o s
e n s in o u , a s s im c o m o u m a ig re ja q u e n ã o e s tá e x e c u ta n d o fie lm e n te essa s
m a r c a s n ã o é m is s io n a l, c o m o d e f in id a p e la G r a n d e C o m is s ã o .
Terceiro, essa ideia confunde a igreja como reunida com a igreja como
espalhada. O u , p a r a fa z e r u m a c o lo c a ç ã o d if e r e n te , e la te n d e a a s s im ila r
a ig r e ja v is ív e l à ig r e ja in v is ív e l. N ã o te m o s q u e e s c o lh e r e n t r e a ig r e ja
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 319

c o m o lu g a r e c o m o a s p e s s o a s . P o r t a n t o , te m o s d e ir à ig r e ja , se q u is e r-
m os ser a ig re ja .
E x a t a m e n te c o m o n ã o p o d e m o s e s c o lh e r e n tr e o s m e io s d e g r a ç a e x -
t e r n o s e a o b r a i n t e r i o r d o E s p ír ito , n ã o p o d e m o s e s c o lh e r e n tr e a ig re ja
c o m o in s titu iç ã o h is tó r ic a a u t o r i z a d a p o r C r is to c o m o s u a e m b a ix a d a , e
a ig re ja c o m o p e s s o a s q u e se r e ú n e m e m c o m u n h ã o e se e s p a lh a m c o m o
s a l e lu z e m s u a s v o c a ç õ e s .
A s u g e s tã o d e q u e n ã o p o d e m o s ir à ig r e ja p o r q u e s o m o s a ig re ja fo r-
n e c e a o c a s iã o p a r a a ó b v ia p e r g u n ta s o b r e p o r q u e d e v e r ia m o s p a r tic i-
p a r r e g u la r m e n te d o s c u lto s d a ig re ja . C o m o G e o rg e B a r n a n o s le m b r o u ,
o s r e c u r s o s p a r a a e s p i r i t u a l i d a d e p e s s o a l e p a r a a a ç ã o s o c ia l p o d e m
s e r e n c o n t r a d o s e m d iv e r s o s sites d a i n t e r n e t . C o n t u d o , se n ã o s o m o s
a u t o a l i m e n t a d o r e s n e c e s s ita d o s d e r e c u r s o s p a r a o n o s s o p r ó p r i o p l a n o
d e t r a b a l h o , m a s o v e lh a s n e c e s s ita d a s d e u m p a s to r , e n t ã o te m o s d e ir à
ig r e ja p a r a s e r m o s a ig r e ja . D e u s o p e r a d e f o r a p a r a d e n t r o , e p o r m e io
d a s m a r c a s d a ig r e ja ele p r o s s e g u e n a s u a m is s ã o .
A lé m d e n e g a r im p lic ita m e n te o c la r o te s te m u n h o d a E s c r itu r a d o f a to
d e q u e e s ta m o s u n id o s n a sã d o u tr in a e c o m o m e m b ro s d e u m c o r p o
v is ív e l, b e m c o m o t o d a a d if e r e n ç a e n t r e o o f íc io g e r a l d o s c r e n te s e o s
o f íc io s e s p e c ia is d e p a s t o r e s , p r e s b ít e r o s e d i á c o n o s , J o n e s d iz : “ M a s o
v e r d a d e ir o c u lto a D e u s é u m e s f o r ç o c o n f u s o . N ã o h e s ito n e m u m p o u -
c o q u a n t o a is s o . N ã o te m o p r o p ó s i t o d e q u e s e ja f e ito ‘c o m d e c ê n c ia
e o r d e m ’, m a s c o n f u s a m e n t e e c o m a p e n a s c e r t a a p a r ê n c ia d e o r d e m , e
c o m g r a n d e a l e g r i a ” . 111 E m I C o r í n t i o s 1 4 , o a p ó s t o l o P a u lo r e p r e e n d e
o s c o r in t i o s p o r s u a i m a t u r i d a d e e s p ir itu a l i l u s tr a d a p e lo s e u c u lto c a ó -
ti c o ( “ c o n f u s o ” ). “ T u d o s e ja f e ito p a r a a e d if ic a ç ã o d a i g r e j a ” , d iz ele
n o v e r s íc u lo 2 6 , n ã o p a r a e x p r e s s ã o p e s s o a l d o c r e n t e . “ P o r q u e D e u s
n ã o é d e c o n f u s ã o , e s im d e p a z ” (v .3 3 ). E , se a f r a s e q u e J o n e s c ita s o a
f a m ilia r , é p o r q u e v e m d o v e r s íc u lo 4 0 : “ T u d o , p o r é m , s e ja f e ito c o m
d e c ê n c ia e o r d e m ” .
F in a lm e n te , a t r a j e t ó r i a q u e le v a à s d is c ip lin a s e s p ir itu a is p r i v a d a s e
a c o n v e r s a s t r a n s f o r m a d o r a s s o b r e p o n d o - s e a o s m e io s d e g r a ç a c o r p o -
r a ti v o s , e q u e a m e a ç a t r a n s f o r m a r a ig r e ja v is ív e l n u m a l a n c h o n e t e d a
i n t e r n e t, é a lg o p a r e c i d o c o m u m n o v o g n o s tic is m o . E m b o r a o s g r u p o s
e m e r g e n te s a f ir m e m e s p e c ia lm e n te a im p o r tâ n c ia d e J e s u s e d e c o n s titu í-
r e m c o m u n id a d e s fís ic a s , c o n c r e ta s , c o r p o r a t i v a s , a ig r e ja v isív e l p a r e c e
e v a p o r a r - s e n o ar. A p e s a r d e t o d a a ê n f a s e n a c o m u n id a d e , J o n e s e c o a o
f a s c ín io d e B a r n a p e la c o m u n h ã o i n c o r p ó r e a d o s s a n to s : “ C o n s id e r o o
320

‘s u p e r b lo g u e ir o ’ B o b C a r l t o n d e S ã o F ra n c is c o c o m o u m d o s m e u s m a is
ín tim o s a m ig o s , e m b o r a n u n c a te n h a m o s e s ta d o n a m e s m a s a l a ” . 112
Is s o n ã o é m a is u m a a d a p t a ç ã o d a ig r e ja a o s e u m e r c a d o , u m a v is ã o
m a is o r ie n ta d a p e lo c o n s u m is m o d o q u e a té m e s m o o q u e a s m e g a ig r e ja s
f a z e m ? I r o n ic a m e n t e , d a d a s a s d u r a s c r ític a s a o c o n s u m i s m o e v a n g é li-
c o , e s c r ito r e s e m e r g e n te s c o m o T o n y J o n e s c o m p a r t il h a m o fa s c ín io p e la
a n a lo g i a c o m a i n te r n e t: “ N ã o e x is te n e n h u m q u a r te l - g e n e r a l d a in te r -
n e t. V o c ê n ã o p o d e d ir ig ir r u m o a u m e d ifíc io d e e s c r itó r io s , d e i x a r se u
c a r r o n o e s t a c i o n a m e n t o e a n d a r a t é a p o r t a d a f r e n te d a i n t e r n e t In c .
Q u a n d o se t r a t a d a i n t e r n e t, n ã o h á a li n e n h u m ali” . E x is te , m as com o
u m a “ r e d e s e m e s c a la s ” c o m m u ito s p o n t o s c e n tr a i s .113
A o c u n h a r o te r m o “ W i k ic h u r c h ” [W ik i-ig re ja ], J o n e s d iz q u e o m o v i-
m e n to e m e rg e n te é m u ito s e m e lh a n te à e n c ic lo p é d ia online W ik ip é d ia . “O
te r m o wiki p a s s o u a re fe rir-s e a u m a te c n o lo g ia d a in te r n e t q u e p e r m ite a
q u a l q u e r u s u á r io m o d if ic a r o c o n t e ú d o n u m a d a t a b a s e , c o m p o u c a s , o u
n e n h u m a , re s tr iç õ e s ... Wiki é u m a p a la v r a h a v a ia n a q u e sig n ifica ‘r á p id o ’,
e os wikis s ã o d e s e n v o lv id o s p a r a s e r e m r á p i d a e f a c ilm e n te a c e s s ív e is ...
U m a p e s s o a p o d e o b s e r v a r a s q u a l i d a d e s d a W ik i p é d i a e a n a lo g iz á - la s
c o m m u ita s o u t r a s r e d e s s e m e s c a la s , in c lu in d o a ig r e ja e m e r g e n te .” 114
P o d e o d i s c i p u l a d o , c o m o é d e f in id o p e la E s c r it u r a , s e r u m r e la c io -
n a m e n t o i n c o r p ó r e o v ia e-mail} E p o d e a ig r e ja q u e C r i s t o c r ia s e r g e-
r a d a p e lo s v a lo r e s d e a lg o “ r á p i d o ” (wiki), e s e r d e s e n v o lv id a p a r a s e r
“ r á p i d a e f a c i l m e n te ” a c e s s ív e l, m o d if ic a n d o o c o n t e ú d o “ c o m p o u c a s ,
o u n e n h u m a , r e s tr iç õ e s ” ? Is s o é r e a lm e n te p ó s - m o d e r n o o u m a is m o d e r -
n o ? É u m c h a m a d o r a d ic a l a o s c r is t ã o s p a r a v iv e r e m e m c o m u n i d a d e ,
o u u m a a c e i t a ç ã o d a f a ls a c a to l i c i d a d e d e u m m u n d o p l u g a d o ? E a lg o
q u e p o d e p a s s a r u m te s o u ro de g e ra ç ã o a g e ra ç ã o e a o re d o r d o m u n d o
e m d if e r e n te s c u ltu r a s ? E p o d e e x i s t i r a lg o s e m e lh a n te a u m a ig r e ja d o
N o v o T e s t a m e n to , se a c o m u n h ã o d o s s a n t o s e m t o r n o d a P a l a v r a , d a
á g u a , d o p ã o e d o v in h o f o r s u b s t it u í d a p o r s im p le s m e n te o u t r o c ír c u lo
d e a m ig o s , in c lu in d o “ o s m e lh o r e s ” a m ig o s c o m o s q u a is v o c ê n u n c a es-
te v e d e f a to n a m e s m a sa la ?
H á u m r is c o e m s u p o r q u e a g u e r r a e s p i r i t u a l e n t r e o e v a n g e lh o e a
in c r e d u lid a d e é m e r a q u e s t ã o d e id é ia s e c o n d u t a p r iv a d a s - a p e n a s afir-
m a n d o a lg u n s p o n to s f u n d a m e n ta is e se a b s te n d o d a im o r a lid a d e s e x u a l.
M u i t a s v e z e s im a g in a m o s q u e o s p a d r õ e s c u l t u r a is s ã o n e u tr o s . A m e n -
s a g e m n ã o m u d a , m a s o s m é to d o s e s tã o s e m p re m u d a n d o , d e te r m in a d o s
p e la s te c n o lo g ia s m a is e fic a z e s q u e e s te ja m à m ã o .
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 321

E s p e c ia lis ta s e m e c o lo g ia d a m í d ia tê m o b s e r v a d o q u e n ã o s o m e n te
u s a m o s a t e c n o l o g i a ; a t e c n o l o g i a n o s u s a . O u , p a r a s e r m a is p r e c is o ,
o s in s t r u m e n t o s q u e u s a m o s n a v e r d a d e n o s m o d e la m e m o d e la m n o s s a
v id a c o m o s o c ie d a d e s . A p e s a r d e t o d a a s u a m a r a v ilh o s a u tilid a d e - a té
m e s m o p a r a a c o m u n ic a ç ã o d o e v a n g e lh o - a i n te r n e t t a m b é m e s tá a lte -
r a n d o o n o s s o m o d o d e s e r m o s h u m a n o s . O p r o f e s s o r S h e rr y T u r k le , d o
M IT , o b s e r v a q u e a s p e s s o a s e s tã o c a d a v e z m a is v iv e n d o e m r e a lid a d e s
a lte r n a tiv a s : c o m u n id a d e s s in té tic a s q u e e v ita m o tip o d e s o c ie d a d e s d e
“ v id a r e a l ” q u e a in te r a ç ã o físic a g e r a . “ À m e d id a q u e m a is p e s s o a s p a s -
s a m m a is t e m p o n e s s e s e s p a ç o s , a lg u m a s v ã o t ã o lo n g e q u e c h e g a m a o
p o n t o d e d e s a f ia r a id e ia d e d a r q u a l q u e r p r i o r i d a d e à V R [V id a R e a l] .
A fin a l d e c o n ta s ,... p o r q u e a t r i b u i r u m a p o s iç ã o t ã o s u p e r io r a o s e r q u e
te m c o r p o q u a n d o o s s e r e s q u e n ã o tê m c o r p o p o d e m t e r d if e r e n te s ti-
p o s d e e x p e r iê n c ia ? ” 115
A s m a r c a s d a ig r e ja s ã o e x e m p lo s d e u m a s o c ie d a d e d e “ v i d a r e a l ”
q u e r e q u e r p r e s e n ç a fís ic a . N ã o é a p e n a s q u e a lm a s is o la d a s se r e ú n e m
n u m lu g a r ; a P a la v r a q u e o u v im o s j u n t o c o m n o s s o s o u v id o s , n o p o d e r
d o E s p ír ito , r e a lm e n te c r ia , fa z c r e s c e r e e x p a n d e a ig re ja t o d a s a s s e m a -
n a s . S o m o s b a t i z a d o s c o m á g u a r e a l e c o m e m o s e b e b e m o s u m a re fe i-
ç ã o r e a l, q u e , c o m o c r is t ã o r e f o r m a d o , c o n f e s s o c o m o n a d a m e n o s q u e
“ o v e r d a d e ir o e n a t u r a l c o r p o e s a n g u e d e C r i s t o ” . 116 N e s s e s e v e n to s , o
p r ó p r io C r is to e s tá p r e s e n te e se e n tr e g a a o se u p o v o n o p o d e r d o s e u E s-
p í r i t o . E le é o C a b e ç a q u e d á v id a , e n ó s s o m o s o s se u s m e m b r o s . U m a
p a r tic ip a ç ã o d e “ v id a r e a l ” n o c o r p o e n o s a n g u e d e C r is to t a m b é m g e r a
u m a c o m u n h ã o d e “ v id a r e a l ” d o s s a n to s . A ig r e ja é o c o r p o d e C r is to ,
n ã o o e s p ír ito d e C r is to .
A o n o s c o lo c a r e m c o n ta to c o m p e s s o a s q u e de o u tr o m o d o n ã o c o n h e -
c e ría m o s , a in te r n e t p o d e facilitar a c o m u n id a d e , m a s n ã o p o d e constituir
a c o m u n i d a d e . A c o m u n h ã o d o s s a n t o s é c o n s t i t u í d a p o r c o m u n ic a ç ã o
o r a l, á g u a , p ã o e v in h o , e e x is te f is ic a m e n te c o m o u m a r e a l c o m u n h ã o
d e p e s s o a s . L o n g e d o s a n ô n im o s s u rfis ta s e d o s q u e só se c o m u n ic a m p o r
e-mails n a W e b , s o m o s c o lo c a d o s n u m r e la c io n a m e n to d e m ú tu a s u b m is -
s ã o . O f e r e c e m o s n o s s o c o r p o , n ã o a p e n a s n o s s a a lm a , c o m o u m s a c rifí-
c io v iv o d e lo u v o r . L o n g e d e s e r m o s voyeurs o u e s p e c ta d o r e s p a s s iv o s ,
s o m o s p a r ti c ip a n te s a tiv o s d a s v id a s u n s d o s o u tr o s .
Se e s p ir itu a liz a r m o s is s o t u d o , n ã o h a v e r á r a z ã o p a r a fa z e r o b je ç ã o à
s u b s t it u i ç ã o d a c a s a d a fé v isív e l p o r u m a c o m u n i d a d e d ig ita l in v is ív e l.
A G r a n d e C o m is s ã o f o r m a ig re ja s , n ã o web sites. D e sse m o d o , D e u s e s tá
322

c o lo n iz a n d o o se u m u n d o c a íd o c o m a s e n e rg ia s v iv ific a n te s d a e ra p o r vir.
P o r is s o , n ã o é s u fic ie n te d a r a s s e n tim e n to in te le c tu a l à “ r e s s u r r e iç ã o d o
c o r p o e à v id a e t e r n a ” , e n q u a n t o n e g a m o s e s s a e s p e r a n ç a n a n o s s a v id a
r e a l - p a r ti c u la r m e n t e n o m o d o c o m o v iv e n c ia m o s a G r a n d e C o m is s ã o .
P r e c is a m e n te p o r q u e p r e c is a m o s s e r d is c íp u lo s , e m v e z d e c o n s u m id o -
re s, e c o m u n id a d e s u n id a s e m C r is to p e lo E s p írito , e n ã o in d iv íd u o s a u tô -
n o m o s , p r e c is a m o s d e u m a v is ã o d a G r a n d e C o m is s ã o e d o s se u s e fe ito s
q u e seja m a is c o m p le ta , m a is ric a e m a is fiel a o N o v o T e s ta m e n to . A ig re ja
é p u r a c o n f u s ã o , c e r to , c o m o c a d a u m d e n ó s ta m b é m o é. E s e r á a s s im
a té a v o lta d e C r is to . P a r te d e s s a c o n f u s ã o se d e v e à d e s o r d e m q u e D e u s
c a u s a à n o s s a v id a p e lo s e u ju íz o e s u a g r a ç a . N o e n t a n t o , o D e u s q u e
d e s o r d e n a t a m b é m r e o r d e n a ; o D e u s q u e r a s g a d e a l t o a b a ix o ta m b é m
re e d if ic a ; o D e u s q u e fa z c o n f u s ã o t a m b é m l i m p a e a c e r t a t u d o . N o s s a
c o n t í n u a c o n f u s ã o é u m p e c a d o a c o n f e s s a r, n ã o u m a v ir tu d e a c e le b ra r.

Igreja versus reino


H á u m a v a la e m c a d a l a d o d e s s a q u e s t ã o . N u m la d o h á a te n d ê n c i a d e
s im p le s m e n te identificar a ig re ja c o m o r e in o d e D e u s . N ã o h á a m b ig u i-
d a d e n e m p r e c a r ie d a d e n a e x is tê n c ia d a ig re ja n e s ta p r e s e n te e r a . A ig re -
ja v is ív e l, in c l u i n d o s e u s o f íc io s e s e u m in is t é r io e x t e r n o s , é o r e in o d e
C r is to d e s d o b r a n d o - s e n a H i s t ó r i a . N o o u t r o l a d o h á o p e r ig o d e sepa-
rar o r e in o d a ig re ja , à s v e z e s a té c o lo c a n d o u m c o n t r a o o u t r o . O r e in o
e s tá a q u i e a ig r e ja e s tá a li. N ã o d e ix e m q u e a ig r e ja fiq u e n o c a m i n h o
d o r e in o d e C ris to !
O c a tó lic o lib e r a l A lf r e d L o is y é f a m o s o p o r te r d ito s a r c a s tic a m e n te
q u e J e s u s a n u n c io u u m r e in o e e m v e z d e le fo i a ig re ja q u e v e io . D e d ic a -
d o s d e v o to s d e u m r e in o p le n a m e n te c o n s u m a d o a q u i e a g o r a f a c ilm e n te
se t o r n a m c r ític o s d e s e n c a n t a d o s q u a n d o o s r e s u lt a d o s n ã o s ã o o s q u e
e les e s p e r a v a m . F o i p o r isso q u e J e s u s fo i r e je ita d o p o r m u ita s m u ltid õ e s
q u e e s p e r a v a m q u e ele fo s s e t r a z e r lib e r ta ç ã o p o lític a . N ã o h á d ú v id a d e
q u e J e s u s v a i t r a z e r g lo r io s a lib e r t a ç ã o p a r a o s c a tiv o s n o s t e r m o s m a is
c o n c r e t o s , p o l í ti c o s , fís ic o s e t e r r e n o s q u a n d o v o lta r . N e s s e d i a , o se u
r e in o n ã o se li m i t a r á a o s c r e n te s e à ig r e ja , m a s a b r a n g e r á t o d a a t e r r a ,
e t o d o s s a b e r ã o q u a n d o esse r e in o c h e g a r.
E m b o r a d iv id id o s a r e s p e ito d e c a p it a li s m o e s o c ia lis m o , o s e v a n g e -
lis ta s d a p r o s p e r id a d e e o s d e f e n s o r e s d o e v a n g e lh o s o c ia l c o m p a r tilh a m
d o q u e c h a m a m d e “ e s c a to lo g ia o v e r - r e a liz a d a ” . O u s e ja , a m b o s o s g ru -
p o s c o n f u n d e m o r e in o d a g r a ç a d e C r i s t o n a s u a a t u a l fa s e c o m o seu
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 323

r e in o d e g l o r i a e p o d e r n o s e u r e t o r n o . E le s e s p e r a m q u e o r e in a d o ce-
le s tia l d e C r i s t o n a t e r r a s o b r e o s r e in o s p o lític o s d e s te m u n d o c o m e c e
a g o r a , t r a z e n d o p r o s p e r i d a d e , o fim d a v io lê n c ia e a ju s tiç a p a r a t o d o s .
A igreja p o d e fic a r o b c e c a d a p e la p r e g a ç ã o , p e la a d m i n i s tr a ç ã o d o s sa -
c r a m e n to s e p e lo c u i d a d o d o r e b a n h o , m a s é n o reino q u e e s tá a a ç ã o -
r e a lm e n te f a z e n d o d if e r e n ç a n o m u n d o . N e s s a v is ã o , c o n s t r u i r a G r a n d e
S o c ie d a d e é m a is in te r e s s a n te d o q u e c u m p r ir a G r a n d e C o m is s ã o . C o m o
r e s u lt a d o , a p a r e c e u m a f e n d a p r o f u n d a e n t r e o q u e é z o m b e t e ir a m e n t e
c h a m a d o “ m in is té r io d e m a n u t e n ç ã o ” (o s m e io s d e g r a ç a ) e a “ e v a n g e -
liz a ç ã o m i s s i o n a l ” .
Is s o d e la n ç a r a ig re ja c o n t r a o r e in o t a m b é m p o d e a c o n te c e r e m cír-
c u lo s m a is p ie tis ta s , q u e a s s u m e m q u e o r e in o d e D e u s é u m a r e a lid a d e
p u r a m e n t e i n t e r i o r e p e s s o a l só r e la c i o n a d a a m b ig u a m e n te c o m a ig re ja
v isív el e m s u a s p r á tic a s e x te r n a s d a P a la v r a , d o s s a c r a m e n to s e d o g o v e r-
n o . A d e c la ra ç ã o d e m is s ã o d a C a m p u s C ru s a d e diz: “ L a n ç a r m o v im e n to s
e s p ir itu a is c o n q u i s t a n d o , e d if ic a n d o e e n v ia n d o d is c íp u lo s m u ltip lic a d o -
re s c e n tr a d o s e m C r i s t o ” . A C a m p u s C r u s a d e te m fe ito m u ito b e m . N ã o
o b s t a n t e , n o s c o n t e x t o s u n iv e r s itá r io s c o m o s q u a is e s to u f a m ilia r iz a d o ,
h á s e m p re a te n d ê n c ia d e ta is g r u p o s se t o r n a r e m u m a ig re ja a lte r n a tiv a .
H á p r e g a ç ã o e a té m e s m o , às v ez es, b a tis m o e c o m u n h ã o , e c e r ta m e n te h á
d is c ip lin a - e m a lg u n s c a s o s , c o m “ s u p e r v is ã o ” d u r a e p e s a d a . P o r m a is
q u e se e s tim u le q u e o s in t e r e s s a d o s se t o r n e m m e m b r o s d e u m a ig r e ja
v isív e l, o e s tu d a n te p o d e r ía m u ito b e m p e r g u n ta r p o r q u e d e v e ria ju n ta r -
-se a u m a ig re ja . E d a d a a a u s ê n c ia d e in d ic a ç ã o d e u m a ig re ja p r ó x i m a
e d o s e u m in is té r io n o s e s c rito s m a is r e p r e s e n ta tiv o s d o m o v im e n to p r ó -
- d is c ip lin a s e s p ir itu a is , g r a n d e p a r t e d o c r e s c im e n to e s p ir itu a l d o s p a r ti-
c ip a n te s p a r e c e a c o n te c e r e m o u t r o s lu g a r e s .
H á u m a lo n g a h i s t ó r i a d e a g ê n c ia s p a r a e c le s iá s tic a s a s s u m ir e m o p a -
p e l q u e C r i s t o c o n f io u à ig r e ja . M u i t a s v e z e s , o s m o v i m e n to s m o n á s t i -
c o s s u r g ir a m n a I d a d e M é d ia c o m o u m m e io d e r e t i r a r d o m u n d o - e a té
m e s m o d e u m a ig re ja m u n d a n a - o s d is c íp u lo s v e r d a d e ir a m e n te c o m p r o -
m e tid o s e f o r m a r c o m u n id a d e s d e e s p ir itu a lid a d e v ita l.
E n q u a n t o a s ig re ja s t r a d ic io n a is fa z e m d is tin ç ã o e n tr e c le r o e la ic a to ,
T o n y J o n e s a n u n c ia c o m u m b o c a d o d e flo re io m a r x i s t a q u e “ a s ig re ja s
e m e r g e n te s e s tã o a c a b a n d o c o m e ssa s d is tin ç õ e s d e c la s s e ” . 117 “ V o c ê p o -
d e r ia p e n s a r n is s o c o m o u m a c o n f ia n ç a in e r e n te n a n a t u r e z a h u m a n a , o
o p o s t o d a d o u t r i n a a g o s t i n i a n a d o P e c a d o O r ig in a l (q u e a f ir m a q u e to -
d o s n ó s fo m o s e e s ta m o s in e r e n te m e n te c o n ta m in a d o s p o r u m a n a tu r e z a
324

p e c a m in o s a ). E m a lg u n s a s p e c to s , isso e s tá c o r r e to ... Q u a n d o m u ito , n es-


se c e n á r io o p a s t o r é a lg u é m q u e in ic ia u m a c o n v e r s a - é d e sse m o d o q u e
e la e n s i n a .” 118 J o n e s r e la ta : “ O s e m e r g e n te s m in im iz a m - o u r e je ita m to -
ta lm e n te - a d if e r e n ç a e n tr e c le r o e l a i c a t o ” .119
N o e n t a n t o , J o n e s a c r e s c e n t a q u e a W i k i p é d i a - a a n a l o g i a q u e e le
t r a ç o u q u a n t o à s ig r e ja s e m e r g e n te s - n ã o é a b e r t a a t o d o s in d is c r im i-
n a d a m e n t e . H á o s q u e r e a liz a m o d e s e n v o lv im e n to , o s d e s p e n s e ir o s , o s
b u r o c r a t a s , o s a d m i n i s tr a d o r e s e o s s u p e r v is o r e s . “ E o f u n d a d o r , J im m y
W a le s , te m a c e s s o i r r e s t r i t o a o s u s u á r i o s e a o c o n t e ú d o d a W ik ip é d ia .
A p e n a s ele p o d e b a n i r e s te o u a q u e le u s u á r io p a r a s e m p r e .” D o m e s m o
m o d o , J o n e s a r g u m e n t a , a s ig re ja s e m e r g e n te s tê m líd e r e s , m a s e le s s ã o
f a c ilita d o r e s , e n ã o p e s s o a s q u e “ p r é - d e t e r m i n a m o q u e a ig r e ja d e v e r á
fa z e r, n e m o q u e o s q u e c o n g r e g a m d e v e m c re r, n e m q u a l q u e r o u t r a c o i-
s a ” .120 A ssim , se isso n ã o é u m a c o n fis s ã o c o m u m e u m c o r p o d e p ré s b ite -
r o s a o s q u a is t o d o s s ã o r e s p o n s á v e is , in c lu in d o o e q u iv a le n te e c le s iá s tic o
d e J im m y W a le s, q u a l é o c r ité r io p a r a u m e x e rc íc io a p a r e n te m e n te a b u -
siv o d e u m p o d e r q u e c h e g a a “ b a n i r u m u s u á r io p a r a s e m p r e ” ? E esse o
p o n t o e m q u e o s m o v im e n to s liv re s r e q u e r e m u m d é s p o t a n o t o p o p a r a
c o n tro la r o caos?
E s e m d ú v i d a c e r t o q u e (1 ) a ig r e ja n ã o é a p e n a s u m a o r g a n i z a ç ã o
v is ív e l, m a s é t a m b é m u m o r g a n i s m o c r i a d o p e l o E s p í r i t o e c h e io d o
E s p ír ito ; (2 ) n ã o é t ã o s o m e n te u m l u g a r o n d e c e r t a s c o is a s a c o n te c e m
( c o m o p r e g a ç ã o e s a c r a m e n to ) , m a s é ta m b é m u m p o v o c h a m a d o c o m o
s a l e lu z d o m u n d o ; (3 ) a P a l a v r a n ã o n o s d á s o m e n t e u m e v a n g e l h o
n o q u a l d e v e m o s c r e r , m a s a o q u a l t a m b é m n o s m a n d a o b e d e c e r ; (4 )
o s c re n te s n ã o só re c e b e m d o n s d e D e u s n a a s s e m b lé ia p ú b lic a , m a s
c o m p a r t i l h a m e sse s d o n s c e le s tia is e m a t e r ia is e n t r e si e c o m s e u s p r ó -
x im o s ; e (5 ) D e u s s e rv e a o m u n d o n ã o a p e n a s c o m s e u s d o n s s a lv ífic o s
p o r m e io d o s a g r a d o m in is t é r io , m a s t a m b é m c o m d o n s t e m p o r a is p o r
m e io d a s v o c a ç õ e s c o m u n s d o s c r e n t e s (e d o s d e s c r e n te s ) . C o n t u d o , a
t e n d ê n c i a a t u a l é s im p le s m e n te j u n t a r o p r i m e i r o e le m e n to d e c a d a u m
d e s s e s p a r e s c o m o s e g u n d o . A ig r e ja v is ív e l é a s s im ila d a à ig r e ja in v i-
s ív e l, e, p o r t a n t o , o s m e io s o fic ia is d e g r a ç a fic a m r e d u z i d o s à r e u n iã o
i n f o r m a l d o s c r e n te s .
M a is u m a v ez v e m o s q u e a m e n s a g e m , a m is s ã o e a e s tr a té g ia f o r m a m
u m c o n ju n to . Se o se u p a r a d i g m a é p r in c ip a lm e n te a im ita ç ã o d e C r is to ,
s e g u e -s e q u e a p r e g a ç ã o f o c a liz a a a p r e s e n t a ç ã o d e m o d e lo s e d e e x o r -
ta ç õ e s , o b a tis m o m o s t r a q u e n ó s s o m o s s é r io s n o q u e p r e te n d e m o s , e a
INDO ALÉM DO OBJETIVO ORIGINAL DA MISSÃO 325

C e ia n o s d á p e r ió d ic a s o p o r t u n i d a d e s d e le m b r a r o m o d e lo d e C r is to e
d e n o s r e d e d ic a r m o s a im itá - lo .
A d is tin ç ã o e n tr e a ig re ja in v is ív e l e a v isív e l é ú til a q u i. E la s n ã o s ã o
d u a s ig r e ja s d if e r e n te s , m u i to m e n o s a s s o c ia d a s a o s d o is r e in o s d e P ia -
t ã o . A n te s , m a is u m a v e z , é a e s c a to lo g ia d a s d u a s e r a s q u e p r o v o c a a
d is tin ç ã o e n tr e a ig re ja c o m o D e u s a c o n h e c e e m s u a g r a ç a e le tiv a e c o m o
n ó s a c o n h e c e m o s v is iv e lm e n te n o m u n d o n e s te e x a to m o m e n to . N o seu
c o n s e lh o a T im ó te o , e m m e io a f r u s tr a ç õ e s a r e s p e ito d e d iv is õ e s e fa ls o
e n s in o , o a p ó s t o l o P a u lo a s s e g u r a a o jo v e m p a s to r : “ E n t r e t a n to , o firm e
f u n d a m e n t o d e D e u s p e r m a n e c e , t e n d o e s te se lo : O S e n h o r c o n h e c e o s
q u e lh e p e r te n c e m ” ( 2 T m 2 .1 9 ) .
P r e c is a m e n te c o m o n a P a la v r a e n o s s a c r a m e n to s h á u m a u n iã o d o si-
n a l m e d ia d o p e la c r ia t u r a c o m s u a r e a lid a d e e s c a to ló g ic a , a ig re ja v isív el
n ã o é n e m id ê n tic a a o r e in o p le n a m e n te c o n s u m a d o (i.e ., a ig r e ja in v isí-
vel) e n e m s e p a r a d a d e s te . E m t o d a ig re ja lo c a l h á a q u e le s q u e p r o f e s s a m
p u b lic a m e n te fé e m C r is to , m a s q u e n ã o s ã o v e r d a d e i r a m e n t e c o n v e r tí-
d o s . N ã o o b s t a n t e , o s a p ó s t o l o s d ir ig e m s u a s c a r t a s à ig r e ja v isív e l: “ À
ig re ja d e D e u s q u e e s tá e m C o r i n t o ” , e tc . A ig re ja v isív e l n ã o c o n s is te d e
t o d o s q u a n t o s s ã o e le ito s e v e r d a d e i r a m e n t e r e g e n e r a d o s , m a s c o n s is te
d e t o d o s o s c r is tã o s p r o f e s s o s , j u n t o c o m se u s filh o s.
P o r t a n t o , a id e n tid a d e d a ig re ja é d e te r m in a d a p e la a ç ã o s a n tif ic a d o r a
d e D e u s - ele t o r n a to d a a la v o u r a s a n ta , c o m o a te r r a n a q u a l ele p la n ta ,
r e g a e d a q u a l c u id a . E m b o r a h a j a jo io n o m e io d o tr ig o , ele s e r á s e p a -
r a d o p e lo p r ó p r i o S e n h o r n a c o lh e ita ( M t 1 3 .2 4 - 3 0 ) . N a q u e l e d ia , n ã o
h a v e r á n e n h u m a d is tin ç ã o e n tr e a ig r e ja v isív e l e a in v is ív e l. A s o v e lh a s
s e r ã o r e c o n h e c id a s e b e m r e c e b id a s n o r e in o e te r n o p r e p a r a d o p a r a e la s
d esd e a fu n d a ç ã o d o m u n d o .
O b v i a m e n t e , n e s s a c o n c e p ç ã o , a ig r e ja é d e f in id a n ã o a p e n a s c o m o
o p o v o v e r d a d e ira m e n te re n a s c id o , m a s ta m b é m c o m o o lu g a r o n d e
C r i s t o e s tá e m a ç ã o p o r m e io d a s u a P a l a v r a e d o s e u E s p ír ito , p r o d u -
z i n d o o n o v o n a s c im e n to . Is s o é t ã o c e r t a m e n t e v e r d a d e i r o a r e s p e i to
d e u m a ig r e ja d e d u z e n to s a n o s d e i d a d e e m I llin o is c o m o d e u m p o s t o
m is s i o n á r i o n o C a m b o j a . O n d e a P a l a v r a é p r o c l a m a d a e o s s a c r a m e n -
to s s ã o a d m i n i s t r a d o s c o r r e t a m e n t e , h á u m a ig r e ja , a i n d a q u e m u i to s
d o s s e u s m e m b r o s a e s te ja m a d u l t e r a n d o , p o s t o q u e é p o r m e io d a q u e -
le m i n i s t é r i o fiel q u e o E s p í r i t o p r o d u z c o n v e r s ã o g e n u í n a . A ig r e ja é
u m a i n s t it u i ç ã o v is ív e l n a H i s t ó r i a , n ã o a p e n a s u m a a s s o c ia ç ã o in v is í-
v e l d e p e s s o a s s a lv a s .
326

C o m o o c o r p o d e C ris to a se r re v e la d o n o ú ltim o d ia , a ig re ja é, n a v er-


d a d e , o r e in o d e D e u s : a h u m a n i d a d e r e s t a u r a d a j u n t o c o m u m a c r ia ç ã o
r e n o v a d a , c o m o C o r d e i r o e n t r o n i z a d o c o m o s e u c e n tr o . C o m o é a g o r a
- v is iv e lm e n te p a t e n t e p a r a n ó s h o je - a ig re ja é u rn a c o lo n ia d e s s e r e in o
c e le s tia l. É u m c o r p o m is to , c o m t r ig o e jo io , e m u ita s v e z e s a té o tr i g o
p a r e c e jo io . É p o r isso q u e J e s u s a d v e r te o s se u s e m b a ix a d o r e s a q u e n ã o
c o lh a m o tr ig o e n q u a n t o e le n ã o v ie r p a r a a c o lh e ita ( M t 1 3 .2 4 - 3 0 ) . D e
f a to , é p a r a e s s a a s s o m b r o s a e s p e r a n ç a q u e v a m o s v o l t a r a n o s s a a te n -
ç ã o n o c a p ítu lo fin a l.
ío
flts2 qaq !21? vqnha
A grande certeza

E eis que estou convosco todos os dias


até à consumação do século.
Mateus 28.20

s te liv ro fo i in ic ia d o c o m “ A n te s q u e v o c ê v á ” e x p lo r a n d o o tr iu n -
fa l a n ú n c io q u e ju s tif ic a a G r a n d e C o m is s ã o . A o b r a c o n c lu i c o m
“ A té q u e e le v e n h a ” , a c e r te z a d e C r is to d e q u e a G r a n d e C o m is s ã o n ã o
f a lh a r á .
O e v a n g e lh o n ã o é o “ A h !, s e m d ú v i d a ! ” q u e p o d e m o s t o m a r c o m o
c e r to c o m o a m e n s a g e m q u e le v a m o s a o m u n d o . A n te s , é a p r im e ir a e a
ú ltim a p a l a v r a q u e J e s u s n o s d á n a p r ó p r i a G r a n d e C o m is s ã o . N a re a li-
d a d e , é a G r a n d e C o m is s ã o q u e é o “ s e m d ú v i d a ” - o c u lto r a c io n a l q u e
p r e s ta m o s s im p le s m e n te g r a ç a s a o f a to d a v i tó r ia d e C r is to n o p a s s a d o ,
s u a p r e s e n ç a h o je e s u a p r o m e s s a p a r a o f u t u r o .
J e s u s n ã o e s tá e s p e r a n d o q u e n ó s c u m p r a m o s a G r a n d e C o m is s ã o a n -
te s d e s u a v o l t a e m g ló r ia ; a n t e s , e le e s tá c u m p r i n d o a G r a n d e C o m is -
s ã o p o r m e io d a s u a P a la v r a e d o se u E s p ír ito , e v o l t a r á n o d ia q u e o P ai
e s ta b e le c e u . Is s o n o s liv r a d e u m f a r d o im p o s s ív e l, l i b e r a n d o - n o s p a r a
p a r ti c ip a r d o m o v im e n to m is s io n á r io e m q u e o T r in o D e u s se e m p e n h o u
d e s d e o p r in c íp io d o m u n d o .

A PROMESSA PARADOXAL
E x a t a m e n te n o m o m e n t o e m q u e s u b iu a o s c é u s , J e s u s se c o m p r o m e te u
a e s t a r p r e s e n te c o n o s c o a té o fim d a e r a . N o e x a to m o m e n to e m q u e o s
d is c íp u lo s f in a lm e n te e n t e n d e r a m o o b je tiv o d a j o r n a d a d e J e s u s p a r a a
328

c r u z e, p o r m e io d a c r u z , p a r a a r e s s u r r e iç ã o , ele partiu. C o m o a s p r im í-
c ia s d a c o lh e ita , J e s u s s u b iu fis ic a m e n te p a r a a d e s tr a d o P a i. E n t r e t a n to ,
q u e m o m e n to p a r a p a r tir , ju s ta m e n te q u a n d o a s c o is a s e s ta v a m r e a lm e n -
te p a r a c o m e ç a r. O q u e é u m r e in o s e m u m re i?
N o e n t a n t o , e le já o s t i n h a p r e p a r a d o p a r a s u a p a r t i d a (Jo 1 4 - 1 6 ) .
E le n ã o ia d e ix a r o s se u s c o m o ó r f ã o s , m a s e n v ia r ia o p r o m e t i d o E s p íri-
to p a r a o s g u ia r a t o d a a v e r d a d e , ilu m i n a n d o o c o r a ç ã o e a m e n te d e le s
p a r a e n te n d e r e m e a c a ta r e m t u d o o q u e ele t i n h a e n s in a d o , e re v e s tin d o -
-o s d e p o d e r p a r a le v a r e m e sse t e s te m u n h o a té a o s c o n f in s d a te r r a . D is-
se J e s u s : “ M a s e u v o s d ig o a v e r d a d e : c o n v é m - v o s q u e e u v á , p o r q u e , se
e u n ã o fo r, o C o n s o la d o r n ã o v ir á p a r a v ó s o u t r o s ; se, p o r é m , e u fo r, e u
v o - lo e n v ia r e i. Q u a n d o e le vier, c o n v e n c e r á o m u n d o d o p e c a d o , d a ju s-
tiç a e d o j u í z o ” (Jo 1 6 .7 - 8 ) . P o r q u e C r is to a s c e n d e u e e n v io u o E s p ír ito ,
h o je c o n h e c e m o s J e s u s C r is to a té m e lh o r d o q u e o s d is c íp u lo s a n te s d e s-
se a c o n te c im e n to . O E s p ír ito n o s u n e a C r is to , f a z e n d o - n o s a s s e n ta r n o s
lu g a r e s c e le s tia is , e, p e lo m in is té r io d o e v a n g e lh o , ele l e v a n ta d o v a le d e
o s s o s se c o s u m p o d e r o s o e x é r c ito c o m p o s t o p e lo s h e r d e ir o s d o r e in o .
A c o m is s ã o d o n o s s o S e n h o r c o m e ç o u c o m u m t r i u n f a n t e in d ic a tiv o
e a g o r a c o n c lu i c o m u m a s ó lid a p r o m e s s a . A l o j a d a n a p r e c á r ia b r e c h a
d a s u a P a la v r a , e m q u e o s p o d e r e s d e s ta p r e s e n te e r a e s tã o s e n d o a ta c a -
d o s p e lo s p o d e r e s d a e r a p o r vir, a ig re ja p a r e c e f r a c a e t o la a o s o lh o s d o
m u n d o . N ã o p a r e c e a ig r e ja u n a , s a n t a , c a tó l i c a e a p o s t ó l i c a q u e , n ã o
o b s t a n t e , o S e n h o r d iz q u e e la é.
A p r o m e s s a d e J e s u s d e e s t a r c o n o s c o a té o fim d a e r a n ã o se p a r e c e
e m n a d a c o m o s e n t i m e n t a l i s m o p a g ã o q u e f a la d e e n te s q u e r id o s q u e
“ c o n t i n u a m c o n o s c o ” p o r m e io d o s s e u s e s p ír ito s o u d e l e m b r a n ç a s . O
E s p ír ito q u e J e s u s p r o m e t e u é u m a p e s s o a : a te r c e ir a p e s s o a d a T r in d a -
d e . E m b o r a J e s u s e s te ja a u s e n te d e n ó s n a c a r n e , o E s p ír ito n o s u n e a o
C r is to c o m p le to n o c é u p o r s u a m is te r io s a g r a ç a .
C o m o a r g u m e n te i n o s c a p ítu lo s in ic ia is , n a d a p o d e c o m p e n s a r a a u -
s ê n c ia d e J e s u s n a c a r n e . N e m m e s m o o E s p ír ito S a n to é u m s u b s t it u t o
d e n o s s a C a b e ç a V iv a ; d e f a t o , a p r e s e n ç a p e r m a n e n t e d o E s p í r i t o e m
n ó s p r o v o c a n o n o s s o c o r a ç ã o o b r a d o p e lo r e t o r n o d e J e s u s , q u a n d o o
n o s s o e x ílio t e r á fim e n o s ju n t a r e m o s a ele n o s a b á e te r n o . Se n ã o o E s-
p í r i t o , e n tã o n e n h u m m e r o s e r h u m a n o s e r á s u fic ie n te p a r a p r e e n c h e r a
a u s ê n c ia físic a d o n o s s o S e n h o r. N ã o h á n e n h u m “ v ig á rio d e C r i s t o ” q u e
s u b s titu a Je s u s n a c a rn e . N e m o s a p ó s to lo s s u b s titu ír a m J e s u s , m a s f o r a m
seu s e m b a ix a d o r e s n e ste m u n d o , e a tu a lm e n te n ã o e x iste n e n h u m su c e sso r
ATÉ QUE ELE VENHA 329

v iv o , n e m d e P e d r o n e m d e q u a l q u e r d o s o u t r o s a p ó s to lo s . N e m m e s m o
o p o v o d e D e u s , c o m o u m a c o m u n id a d e n a t e r r a , p o d e s u b s t it u i r J e s u s .
A o c o n t r á r i o , a ig r e ja s u p o r t a e a té m e s m o v e n c e d e e r a e m e r a e d e
n a ç ã o e m n a ç ã o n a d e p e n d ê n c ia d o E s p ír ito , q u e n o s u n e a o n o s s o Se-
n h o r q u e a o c é u s u b iu e n o s d á t o d a s a s b ê n ç ã o s n o s lu g a r e s c e le s tia is .
E o E s p ír ito q u e , m e s m o a g o r a , fe z -n o s a s s e n ta r c o m C r is to , e n tr o n iz a -
d o a c im a d a m o r t e e d o in f e r n o . F o i o E s p ír ito q u e i n s p ir o u a s p a la v r a s
d o s p r o f e t a s e d o s a p ó s to lo s c o m o a P a la v r a d e D e u s , P a la v r a p o r m e io
d a q u a l C r is to c o n t i n u a a o r i e n t a r o s e u p e q u e n o r e b a n h o . É o E s p ír ito
q u e n o s lig a a C r is to n o b a tis m o e n a C e ia d o S e n h o r, d e m o d o q u e p o -
d e m o s s e r b a n h a d o s p e lo n o s s o S e n h o r e a l i m e n t a d o s c o m s e u c o r p o e
co m seu san g u e.
C o m o J e s u s p ô d e a n u n c i a r a s u a p a r t i d a n a c a r n e , e a té d iz e r a s e u s
d is c íp u lo s q u e v o l t a r i a fis ic a m e n te a p e n a s n o fim d o s é c u lo , e, c o n t u d o ,
a o m e s m o t e m p o , p r o m e te r : “ E eis q u e e s to u c o n v o s c o t o d o s o s d ia s a té
à c o n s u m a ç ã o d o s é c u lo ” ( M t 2 8 .2 0 ) ? A ú n ic a r e s p o s ta p o s s ív e l é a q u e
e le d e u a s e u s d is c íp u lo s n o C e n á c u lo e r e p e t i u e m s u a a s c e n s ã o : o d e r-
r a m a m e n t o d o E s p ír ito S a n to e s u a p e r m a n ê n c ia e m n ó s , o p e r a n d o p o r
m e io d a P a la v r a .
N ã o é c o n f ia n d o n o s s e u s p r o g r a m a s , e s t r a té g i a s , r e a liz a ç õ e s o u n a
p u b lic id a d e , m a s p e la d e p e n d ê n c ia d o E s p ír ito e c o n f ia n ç a n a s u a P a la -
v r a q u e a ig r e ja c u m p r e a s u a G r a n d e C o m is s ã o . S e g u e -se , p o is , q u e u m
r e n o v a d o c o m p r o m e tim e n to c o m e sse m a n d a t o e x ig e n ã o a p e n a s u m e n -
te n d im e n to m a is p r o f u n d o d o s in d ic a tiv o s d o e v a n g e lh o q u e o ju s tifiq u e e
u m a a p r e c ia ç ã o m a is c o m p le ta d o s m e io s d e g r a ç a q u e ele o r d e n o u p a r a
esse p r o p ó s ito ; t a m b é m e x ig e u m e n te n d im e n to m a is p r o f u n d o e u m a d e-
p e n d ê n c ia ta m b é m m a is p r o f u n d a d a P e s s o a e d a o b r a d o E s p ír ito n e s te
te m p o , e n tr e a a s c e n s ã o e a v o lta d e C r is to n a c a r n e .

| esu s para P r e s id e n t e
O s p r o te s ta n te s r e je ita m a a le g a ç ã o d e q u e q u a lq u e r p a s t o r o u líd e r p o d e
s e r o c h e fe o u c a b e ç a d e t o d a a ig re ja . C r is to n ã o d e ix o u o s se u s ó r f ã o s
p a r a s e r e m c u id a d o s p o r a lg u é m n o s e u lu g a r. A n te s , o B o m P a s to r c o n -
ti n u a a g u a r d a r e a a u m e n t a r o se u r e b a n h o p o r m e io d e s u b p a s to r e s q u e
s e rv e m , m a s n ã o s u b s titu e m s u a s o b e r a n ia d ir e ta s o b r e ele. J e s u s p re s id e
s o b r e s u a ig re ja , e n ã o p o r n o s s a e le iç ã o .
N o e n ta n to , h á m e io s p r o te s ta n te s d e c o m e te r o m e s m o e r r o . P a r a n ó s
é fá c il p r o c u r a r s u b s titu to s . P o d e m o s ir a tr á s d e u m líd e r c a r is m á tic o q u e
330

e x s u d a e n e r g ia e p o d e r e s p ir itu a l. P o d e m o s a d e r ir a u m a t r a d i ç ã o a n tig a
o u a u m n o v o m o v im e n to , e n ã o a C r is to . H á m ir ía d e s d e m a n e i r a s d e
d e s v ia r o f o c o d e C r is to e d o r e in o q u e e le e s tá e d if ic a n d o p a r a n ó s m e s-
m o s e p a r a a n o s s a p r ó p r i a e d ific a ç ã o d e u m r e in o .
D e p o is q u e M o is é s p e r m a n e c e u n o m o n te c o m D e u s p o r m a is d e u m
m ê s , e m b a ix o o p o v o se in q u ie to u : “ V e n d o o p o v o q u e M o is é s t a r d a v a
e m d e s c e r d o m o n te , a c e r c o u - s e d e A r ã o e lh e d isse : L e v a n ta - te , f a z e - n o s
d e u s e s q u e v ã o a d ia n te d e n ó s ; p o is , q u a n t o a e s te M o is é s , o h o m e m q u e
n o s t i r o u d o E g ito , n ã o s a b e m o s o q u e lh e t e r á s u c e d id o ” (E x 3 2 .1 ) . O
r e s u l t a d o f o i o b e z e r r o d e o u r o . E m v e z d e r e p r e s e n t a r M o is é s e m s u a
a u s ê n c ia físic a , A r ã o t o m o u a s ré d e a s . E m v e z d e r e u n ir o p o v o p a r a o u -
v ir a p a l a v r a d o S e n h o r , A r ã o p e r m i t i u q u e o p o v o se r e u n is s e j u n t o a
ele. E les o in tim id a r a m : “ L e v a n ta - te , fa z e - n o s d e u s e s q u e v ã o a d ia n te d e
n ó s ” . E les e s ta v a m p r o n t o s a p r o s s e g u ir c o m o u s e m “ e s te M o is é s , o h o -
m e m q u e n o s t i r o u d o E g i t o ” . E e v id e n te q u e M o is é s d e s c e u o m a is r á -
p id o q u e p ô d e , q u a n d o D e u s o i n f o r m o u q u e o p o v o e s ta v a v io la n d o a s
leis q u e ele , D e u s , lh e e s ta v a d a n d o n o m o n te .
E m u ito m a is tr á g ic o q u a n d o a q u e le q u e é m a io r q u e M o is é s e q u e n o s
t i r o u d a m o r t e e d o in f e r n o e a s c e n d e u a o c é u p a r a in t e r c e d e r j u n t o a o
P a i e m n o s s o f a v o r é e s q u e c id o e s u b s t it u í d o p o r f a ls o s m e s s ia s . C o m o
I s r a e l, s o m o s im p a c ie n te s . N a a u s ê n c ia fís ic a d e C r is to , e x ig im o s n o v o s
m e d ia d o r e s , n o v o s m e io s e n o v a s e x p e riê n c ia s q u e n o s d e e m a lg u m a p re -
s e n ç a v isív e l, fís ic a e c o n c r e t a d e D e u s . D if e r e n te d a te r r ív e l e x p e r iê n c ia
d e o u v ir a v o z d e D e u s , o s is r a e lita s tiv e r a m u m t o l o íd o lo q u e e le s p o -
d ia m c o n tr o la r p o r q u e eles m e s m o s o h a v ia m fe ito . N ó s ta m b é m n o s c a n -
s a m o s d e e s p e r a r a v o lta d e C r is to n a c a r n e , e fic a m o s in s a tis f e ito s c o m
o u v ir s u a v o z e d e s c a n s a r c o n f ia n te s n o s e u E s p ír ito , q u e e m n ó s h a b i t a .
F ic a m o s c a n s a d o s d e e s p e r a r p e lo r e t o r n o d o n o s s o m e d i a d o r p a r a q u e
n o s le v e à T e r r a P r o m e tid a . Q u e r e m o s t o m a r C a n a ã e c o n s t r u i r o r e in o ,
n ó s m e s m o s . E te m p o d e s e g u ir e m fr e n te .

P rogram a de C r is t o , n ã o n o s s o

N ó s n ã o a s c e n d e m o s a D e u s ; D e u s d e s c e u a té n ó s e c o n tin u a a d e s c e r a té
n ó s e n v ia n d o - n o s a s u a P a la v r a , a P a la v r a d e C r is to , p o r m e io d e p r e g a -
d o r e s . C r i s t o e s tá t ã o p e r t o d e n ó s h o je q u a n t o a P a l a v r a q u e o u v im o s
p r o c la m a d a . E r a is s o q u e o a p ó s t o l o P a u lo e s ta v a d iz e n d o e m R o m a n o s
1 0 , c o m o v im o s . T e m o s d e m a n t e r o n o s s o fo c o n o p a d r ã o h is tó r ic o d a
d e s c id a d e C r is to n a c a r n e , d e s u a m o r t e e r e s s u r r e iç ã o n a c a r n e , d e s u a
ATÉ QUE ELE VENHA 33‫ו‬

a s c e n s ã o n a c a r n e , e n o s e u r e t o r n o , n o fim d a s e r a s , n a c a r n e . A o d e s-
c e r e a d e n t r a r a n o s s a h i s to r ia , e le a t r a n s f o r m o u p a r a s e m p r e , a b r in d o
u m a b r e c h a n e s s a h i s t o r i a d a m o r t e p e la s u a r e s s u r r e iç ã o . P o r m e io d o
s e u E s p ír ito , C r is to m a n t é m e s s a b r e c h a a b e r t a p a r a a p r o c la m a ç ã o d o
e v a n g e lh o , p a r a q u e a n o s s a v id a , m e s m o a g o r a , u n a - s e à n o v a h is tó r ia
d e a le g r ia e t e r n a n a q u a l e le já e n t r o u c o m o o n o s s o p i o n e i r o . N ã o se
tr a ta d a a sc e n sã o d a a lm a , n e m d a g ra d a tiv a a sc e n sã o d a h u m a n id a d e
r u m o a u m m u n d o m e lh o r, m a s d o i r r o m p i m e n t o d o r e in o d e C r is to , d o
q u a l a ig r e ja d á t e s te m u n h o . C r is to re d e f in iu a H i s t ó r i a p a r a n ó s e p a r a
t o d a a te r r a .
Em Cristianismo sem Cristo, e x p lo r e i o e s ta d o e m q u e se e n c o n tr a o
c r is t i a n i s m o c o n t e m p o r â n e o n o s E s ta d o s U n id o s . C o m b a s e e m v á r io s
e s tu d o s e a n á lis e s , te n te i a r tic u la r a lg u n s d o s c o n to r n o s e d a s r a z õ e s p a r a
a p r e d o m i n â n c i a d o q u e o s o c ió lo g o C h r i s t ia n S m ith r o t u l a d e “ d e ís m o
m o r a l i s t a e t e r a p ê u t i c o ” . A b o r d a m o s a G r a n d e C o m is s ã o c o m nossas
p e r g u n t a s , m u i t a s d a s q u a i s m o d e l a d a s p e l a c u l t u r a n a q u a l v iv e m o s .
C o m o P a u lo le m b r o u a T im ó te o , o s ú ltim o s d ia s s ã o m a r c a d o s p o r n a r-
c is is m o , a v a r e z a , d e s le a ld a d e e e g o ís m o . S eg u e-se q u e n ó s tr a n s f o r m a m o s
g ra d a tiv a m e n te a mensagem d a C o m is s ã o e m a lg o a r e s p e i to d e n ó s , e
n ã o a lg o a r e s p e ito d e D e u s e d o s se u s p r o p ó s i t o s s a lv ífic o s , d a s u a o b r a
e d o d e s tin o q u e ele te m r e s e r v a d o p a r a n ó s e m J e s u s C r is to . C o e r e n te s
c o m essa n o v a m e n sa g e m , tra n s fo rm a m o s a missão d a C o m is s ã o n u m
r e in o q u e e s ta m o s c o n s t r u i n d o , e n ã o r e c e b e n d o , e t r o c a m o s o s se u s mé-
todos d e a p r e s e n t a ç ã o d e C r is to p o r m e io d a p r e g a ç ã o e d o s s a c r a m e n -
to s p o r n o s s o s p r o g r a m a s , té c n ic a s e p r in c íp io s in te lig e n te s p a r a e f e tu a r
r e a l tr a n s f o r m a ç ã o d e n ó s m e s m o s e d o m u n d o .
N o e n ta n to , o r e s u lta d o te m s id o n ã o a p e n a s u m c re s c e n te fr a c a s s o d a s
te n t a t i v a s d e a lc a n ç a r m o s o s p e r d id o s , m a s ta m b é m a c r e s c e n te te n d ê n -
c ia d e p e r d e r m o s o s já a lc a n ç a d o s . C o lo c a m o s n o s s a e s p e r a n ç a e m leis,
p r in c íp io s , p r o g r a m a s : c o is a s q u e fa z e m o s p a r a s u b ir e p u x a r D e u s p a r a
b a ix o , p a r a n ó s , e m v ez d e p o r m o s a n o s s a e s p e ra n ç a n o e v a n g e lh o , q u e é
tr a z id o a n ó s p o r u m a r a u to c o m o b o a s - n o v a s to ta lm e n te c o n tr a in tu itiv a s .
E m c e r t a o c a s iã o , n u m a e n t r e v i s t a p a r a a r e v is t a Decision, d e B illy
G r a h a m , p e r g u n t a r a m a C . S. L e w is : “ V o c ê a c h a , e n t ã o , q u e a c u l t u r a
m o d e r n a e s tá s e n d o d e s c r i s ti a n iz a d a ? ” . L e w is r e s p o n d e u :

Não posso falar dos aspectos políticos da pergunta, mas tenho al-
gumas idéias definidas sobre a descristianização da igreja. Acredito
332

que existem muitos pregadores acomodados e muitos profissio-


nais na igreja que não são crentes. Jesus Cristo não diz: “ Vão pelo
mundo todo e digam ao mundo que está tudo bem com ele” . O
evangelho é algo completamente diferente. E, de fato, diretamente
oposto ao mundo.1

C o m o A t a n á s io , n o s s o le m a d e v e se r: “ C o n t r a o m u n d o , a f a v o r d o
m u n d o ” . E n o s m e lh o r e s in te re s s e s d o m u n d o q u e re s is tim o s a ele , re c u -
s a n d o - n o s a c o n f o r m a r a n o s s a m e n s a g e m , a n o s s a m is s ã o e o s n o s s o s
m é to d o s a o p a d r ã o d e s ta e r a p a s s a g e ir a .
C r e m o s , v iv e m o s e a g im o s c o m b a s e n a a lia n ç a q u e fo i f e ita e n tr e a s
p e s s o a s d a T r in d a d e a n te s d e t o d o s o s t e m p o s p a r a a n o s s a r e d e n ç ã o , a
o b r a sa lv ífic a d e C r is to , q u e já e s tá c o m p le ta . E c r e m o s , v iv e m o s e a g i-
m o s c o m b a s e n a p r o m e s s a q u e C r is to n o s fe z d e e s ta r c o n o s c o p o r s u a
P a la v r a e p o r s e u E s p ír ito a té o d e f in itiv o fim , q u a n d o e le v a i v o l t a r fi-
s ic a m e n te e m g ló r ia . E ssa p r o m e s s a c o m a q u a l J e s u s d e u s e g u r a n ç a a o s
a b a la d o s a p ó s t o l o s n o fim d a G r a n d e C o m is s ã o é s e m e lh a n te à q u e e le
fe z e q u e e s tá r e g i s t r a d a e m M a t e u s 1 6 , q u a n d o lh e s d e u a s c h a v e s d o
r e in o : “ ed ific are¿ a m in h a ig re ja , e a s p o r t a s d o in f e r n o n ã o p r e v a le c e r ã o
c o n t r a e l a ” (v .1 8 ).
R e p e t i d a s v e z e s , e n c o n t r a m o s e s s a ê n f a s e d o n o s s o S e n h o r n o r e in o
q u e e le e s tá e d if ic a n d o e q u e n ó s e s ta m o s r e c e b e n d o . J e s u s d is s e a s e u s
d is c íp u lo s q u e n ã o fic a s s e m a n s io s o s q u a n t o a o f u t u r o . “ N ã o te m a is , ó
p e q u e n in o r e b a n h o ; p o r q u e v o s s o P a i se a g r a d o u e m d a r - v o s o s e u re i-
n o ” (L c 1 2 .3 2 ). N a v is ã o d e J o ã o e m A p o c a lip s e 5 , o c o r o c e le s tia l e n to a
s e u h i n o a o C o r d e i r o q u e e s tá n o t r o n o , q u e d e c la r a q u e n ã o s o m e n te
“ c o m o te u s a n g u e c o m p r a s te p a r a D e u s o s q u e p r o c e d e m d e t o d a t r i b o ,
lín g u a , p o v o e n a ç ã o ” , m a s ta m b é m “ p a r a o n o s s o D e u s os constituíste
r e in o e s a c e r d o t e s ” (v .9 -1 0 , ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) . N ã o é o q u e n ó s fa z e -
m o s d e C r i s t o , o u d o m u n d o , m a s o q u e C r i s t o fa z d e n ó s q u e t o r n a o
se u r e in o e v id e n te n o m u n d o . P o d e m o s fa z e r to d o s o s tip o s d e c o is a . P o -
d e m o s f o r m a r m o v i m e n to s , p e r s o n a l id a d e s , p r o g r a m a s e o r g a n iz a ç õ e s
g e r a d o r a s d e p u b lic id a d e . C o n t u d o , s ó J e s u s p o d e f o r m a r o u e d if ic a r a
s u a ig re ja . E ig r e ja d e le , n ã o n o s s a ; o m in is té r io é d e le , n ã o n o s s o . E le a
e d ific a e m p r e g a n d o m e io s , s e m d ú v i d a , m a s s ã o m e io s q u e e le in s titu iu
e p r o m e te u a b e n ç o a r c o m s u a p r e s e n ç a sa lv ífic a .
E s s a ig re ja p o d e n ã o te r b o a a p a r ê n c ia . P o d e e s t a r c h e ia d e c o n t r a d i -
ç õ e s in t e r n a s , d e f r a q u e z a s , d e c o n f lito s e d e e r r o s . P o d e s e r p e r s e g u id a
ATÉ QUE ELE VENHA BB3

p o r c a u s a d a v e r d a d e e, à s v e z e s, tr a g ic a m e n te , p o d e a té p e r s e g u ir a q u e -
les q u e d ã o te s te m u n h o d a v e r d a d e . N ã o o b s ta n te , a p r o m e s s a d o S e n h o r
n ã o é a p e n a s q u e o in f e r n o n ã o p r e v a le c e r á sobre a ig r e ja , m a s t a m b é m
q u e as p o r t a s d o in fe r n o n ã o p re v a le c e rã o contra e la . E m o u tr a s p a la v r a s ,
a ig r e ja e s tá n a o f e n s iv a , n ã o n a d e f e n s iv a , n e s ta a t u a l e r a ím p ia . In d e -
p e n d e n te m e n te d a a p a r ê n c ia e x t e r n a d a ig re ja , m e s m o e m se u s o f r im e n -
t o , a p r o m e s s a d e C r is to t r i u n f a s o b r e t o d o s o s p o d e r e s t e r r e n o s . O n d e
q u e r q u e e s ta ig r e ja e s te ja p r e g a n d o C r is to , b a t i z a n d o , a d m i n i s tr a n d o a
C e ia , c o n f e s s a n d o s e u s p e c a d o s , r e c e b e n d o a a b s o lv iç ã o d e C r is to , c o n -
f e s s a n d o s u a fé n o e v a n g e lh o , c u i d a n d o d a s o v e lh a s e li b e r a n d o o s se u s
s a n t o s c o m o s a l d a t e r r a e m c ír c u lo s c a d a v e z m a is a m p l o s d e m is s ã o ,
t e s t e m u n h o e s e r v iç o e m s u a s v o c a ç õ e s o u c a r r e ir a s c o m u n s , o r e in o d e
S a ta n á s e s t a r á se d e s p e d a ç a n d o . E s ta m o s t o m a n d o d e a s s a lto a B a s tilh a ,
a q u e la m is e rá v e l p r is ã o q u e m a n té m o te s o u r o d e c a tiv o s a d q u ir id o s p e lo
s a n g u e d e C r is to . E s ta m o s le v a n d o a s b o a s - n o v a s d e q u e a lo n g a n o ite é
p a s s a d a e a L u z v e io a o m u n d o .
J á v im o s c o m o o a p ó s to lo P a u lo , e m E fé sio s 4 , d e s c re v e a t r iu n f a l e n -
t r a d a d e C r i s t o p e la s p o r t a s d o P a r a ís o , p r o c l a m a n d o s u a v i t ó r i a , c o m
o s c a tiv o s e m s e u s é q u ito . D o s e u t r o n o e le d is tr ib u i o s d e s p o jo s d a s u a
v i t ó r i a a o s s a n to s p o r m e io d o m in is té r io d o s e u e v a n g e lh o . D o m e s m o
m o d o , e m 2 C o r í n t io s 2 .1 4 - 1 7 le m o s :

Graças... a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo


e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrancia do seu
conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume
de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem. Para
com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma
de vida para vida. Quem, porém, é suficiente para estas coisas? Por-
que nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra
de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com
sinceridade e da parte do próprio Deus.

Um p o v o p e r e g r in o

Se v o c ê q u e r s a b e r quem. v o c ê é n a H i s t ó r i a , a ju d a s a b e r onde v o c ê e s tá
n a H is tó r ia . A o lo n g o d e t o d o o N o v o T e s ta m e n to , J e s u s lo c a liz a o s seu s
d i s c íp u lo s n a q u e l a p r e c á r i a i n t e r s e c ç ã o e n t r e a a t u a l e r a í m p ia e a e r a
p o r vir. E p o r isso q u e o s a p ó s to lo s n o s t r a t a m c o m o “ e s tr a n g e ir o s e p e-
r e g r i n o s ” ( H b 1 1 .1 3 ) , c o m o o s ju d e u s n a B a b ilô n ia , e n ã o n a te o c r a c ia
d a a n tig a a lia n ç a .
334

C o m o C a im , a p e s s o a m o d e r n a e r a (e é) a lg u é m q u e m a n d a . O r e in o
d e s s a p e s s o a é d e s te m u n d o - a lg o q u e e le o u e la e s tá c o n s t r u i n d o , u m a
t o r r e q u e a lc a n c e o s c é u s . U m a c o n s t a n t e t o r r e n t e d e p e s s o a s q u e m a n -
d a m te m le v a d o d e r o l d ã o a n o s s a c iv iliz a ç ã o , a r r a s t a n d o m ilh õ e s d e ví-
tim a s c o m a s u a c o r r e n te z a m o r ta l. E m p a r te a g in d o e m r e a ç ã o , a p e s s o a
p ó s - m o d e r n a é u m in d iv íd u o e r r a n te , o u ta lv e z u m t u r is ta , se m n e n h u m a
a s p i r a ç ã o u tó p ic a . O t u r i s t a s ó q u e r t e r p a is a g e n s o u e s p e tá c u lo s , s a r a -
c o t e a n d o d e p r a z e r e m p r a z e r n a F e ira d a V a id a d e .
Se v o c ê t e m d i n h e i r o e p o d e r , s e r - lh e - á f á c il s e r a lg u é m q u e m a n d a .
T a m b é m é fá c il s e r u m t u r i s t a , p r e s c in d in d o d e t o d o o r e b u liç o c a u s a d o
p o r q u e r e r c h e g a r a a lg u m d e s tin o p a r tic u la r . U m i t i n e r á r i o t o t a l m e n t e
liv re , se m s e g u ir n e n h u m a sé rie d e o r ie n ta ç õ e s p r e s c r ita s , o r o te ir o d o tu -
r is ta é e s ta b e le c id o p e lo q u e lh e d á n a v e n e ta e p e la in tr ig a d o m o m e n to .
É d iv e r tid o s e r t u r i s t a , a o m e n o s p o r a lg u m te m p o , m a s , c o m o e s tilo d e
v id a , é p u r o c o n s u m is m o q u e ig n o ra a s re s p o n s a b ilid a d e s d o s la ç o s lo c a is.
O q u e é r e a lm e n te d ifíc il n e s ta e r a d e p e c a d o e m o r t e é s e r u m pere-
grino. P o r d e f in iç ã o , o p e r e g r in o v iv e n a te n s ã o e n tr e o “ j á ” e o “ a in d a
n ã o ” . O s p e r e g r in o s s ã o im p e lid o s p e la p r o m e s s a d e u m a c id a d e a re s -
p e ito d a q u a l o u v ir a m fa la r, m a s q u e n u n c a v ir a m . T e n d o s e u f o c o n u m
d e s tin o c o n c r e to , n ã o p o d e m s a ir d a r o t a . N ã o p o d e m i n t e r r o m p e r a s u a
p e r e g r in a ç ã o p a r a d e s v ia r -s e se ja q u a l f o r a b e la e s t r a d a q u e se u s o lh o s
v e ja m . E les e s tã o a c a m in h o d e a lg u m lu g a r, e o s d ia s e s tã o f ic a n d o c a d a
v e z m a is c u r to s . E n t r e t a n t o , s ó tê m u m a p r o m e s s a , c o n f ir m a d a p o r u m
b a n h o e p o r u m a m e s a p o s t a n o d e s e r to , à b e ir a d o c a m i n h o , p a r a q u e
se re f r e s q u e m e se re n o v e m a n te g o z a n d o o b a n q u e te q u e o s a g u a r d a p a r a
q u a n d o c h e g a r e m lá .
P a r a n ó s é d ifíc il s e r p e r e g r in o s . E s e m p r e d ifíc il, c la r o . T u d o q u a n t o
h á n o a r s e n a l d e S a ta n á s é d ir ig id o c o n t r a a n o s s a c o n f ia n ç a e m C r is to .
P o r e s tr a n h o q u e p o s s a p a r e c e r à lu z d a s r iq u e z a s e m C r is to , n o s s o c o r a -
ç ã o a i n d a e s tá im p r e s s io n a d o p o r e s ta p a s s a g e ir a e r a ím p ia . A té m e s m o
n a ig r e ja s ã o m u i ta s a s d is tr a ç õ e s : m a n e ir a s m a is f á c e is , m a is s im p le s e
m a is r á p id a s d e t e r m o s a n o s s a m e l h o r v id a a g o r a . A p e r e g r i n a ç ã o - o
c a m in h o p a r a S iã o , lo n g o , m u ita s v ez es d ifíc il e te d io s o , e q u e r e q u e r a b -
n e g a ç ã o - d iz r e s p e ito à id e ia m a is a n tia m e r ic a n a q u e se p o s s a im a g in a r.
S e r c h a m a d o c o m o fo i A b r ã o p a r a a b a n d o n a r a s u a f a m ília a d o r a -
d o r a d a lu a e m U r, o u c o m o P e d r o , p a r a a b a n d o n a r s u a s r e d e s e s e g u ir
a J e s u s , m e s m o s ig n if ic a n d o ir p a r a o C a lv á r io , é a v o c a ç ã o o u c a r r e ir a
m a is d ifíc il q u e se p o d e a c e ita r . E , d e f a to , im p o s s ív e l. C o m o A b r a ã o ,
ATÉ QUE ELE VENHA 335

P e d r o e t o d o s o s c r e n te s d e lá p a r a c á c o m p r e e n d e r a m : t o r n a r - s e u m p e -
r e g r in o c r is t ã o é d o m d a g r a ç a d iv in a . T u d o a r e s p e ito d a j o r n a d a p a r a
S iã o p a r e c e e s t r a n h o , s u r p r e e n d e n t e e c o n t r a i n tu i t i v o . A b r ã o s a b ia q u e
a p r o m e s s a d e D e u s c o n t r a d i z i a o s f a to s d a s u a e x p e r ie n c ia p e s s o a l. A s-
s u m i n d o q u e a g lo r ia , e n ã o a c r u z , o s a g u a r d a v a , P e d r o n ã o e n t e n d e u
o o b je tiv o d a j o r n a d a d o s e u S e n h o r d a G a lile ia p a r a J e r u s a lé m a té d e -
p o is d e t e r n e g a d o J e s u s tr ê s v e z e s e, n ã o o b s t a n t e , fo i r e s t a u r a d o p e lo
s e u v ito r io s o S a lv a d o r d e p o is d a s u a r e s s u r r e iç ã o . A ju lg a r p e lo s in u o s o
e p o r v ez es a s s u s t a d o r c a m in h o s e g u id o p e lo p e r e g r in o d e B u n y a n , a p e-
r e g r i n a ç ã o c r is tã n ã o é fá c il. C o m f r e q u ê n c ia , o p e r e g r i n o d e p a r a c o m
se u s m a io r e s o b s tá c u lo s n ã o n a f o r m a d e ó b v io s g ig a n te s q u e b lo q u e ia m
o p a s s o r u m o à C id a d e C e le s tia l, m a s n a f o r m a s u til d e d is tr a ç õ e s e d is-
to r ç õ e s d a fé q u e p r o m e t e m t o r n a r a v ia g e m m a is fá c il.
I n d o a lé m d a im a g e m d e B u n y a n d e u m a v ia g e m s o l i tá r i a , te m o s n a
E s c r itu r a a c o n f ia n ç a n u m a “ n u v e m d e t e s t e m u n h a s ” ( H b 1 2 .1 ) q u e n o s
a n im a m d a s a r q u ib a n c a d a s c e le stia is. E m b o r a t e n d o id o m a is lo n g e , n e m
m e s m o eles c h e g a r a m f in a lm e n te n o se u d e s tin o , p o is c o n o s c o a g u a r d a m
a r e s s u r r e iç ã o e a g lo r if ic a ç ã o . N a q u e le d ia , to d o s n ó s te r e m o s c h e g a d o ,
e o c o r p o d e C r i s t o s e r á t ã o g l o r i o s o c o m o a s u a C a b e ç a . U m d ia n ã o
te r e m o s n e c e s s id a d e d e fé p a r a c r e r c o m o a u t o r d o h in o q u e d iz : “ S ó li-
d o s g o z o s e d u r a d o u r o s te s o u r o s o u t r o s n ã o c o n h e c e r ã o , s e n ã o s o m e n te
o s filh o s d e S iã o ” .2
P o d e m o s c a n ta r : “ E s ta m o s m a r c h a n d o p a r a S iã o ” , m a s n a m a io r p a r-
te d o t e m p o n o s s e n tim o s c o m o se e s tiv é s s e m o s c o x e a n d o . À s v e z e s, a té
p e r g u n ta m o s se “ S iã o ” n ã o é c o m o a c id a d e p e r d id a d e A tlâ n tid a : u m a
e sp é c ie d e c o la g e m d e s o n h o s h u m a n o s p r o je ta d o s n u m m a p a m ito ló g ic o .
C o n t u d o , s a b e m o s q u e S iã o é u m d e s tin o r e a l p o r q u e J e s u s C r is to já
c h e g o u lá . F o i e le q u e p r o m e t e u q u e c u m p r i r í a t o d a a ju s tiç a e q u e n o s
le v a r ia s e g u r o s a t r a v é s d a s f u r io s a s á g u a s d a m o r t e p a r a o o u t r o l a d o ,
n o r e s p le n d o r d a re s s u r r e iç ã o . S u a r e s s u r r e iç ã o n ã o é u m m ito ; é u m f a to
h i s t ó r i c o , c o m p r o v a d is p o n ív e l p a r a a in v e s tig a ç ã o p ú b lic a . P o r t a n t o ,
d e s d e q u e a n o s s a C a b e ç a já c h e g o u c o m r e a l e s p le n d o r , a n u n c ia n d o s u a
v i tó r ia , c o m e x é r c ito s d e l i b e r ta d o s e m s e u s é q u ito , e s ta m o s c e r to s e se-
g u r o s d e q u e , c o m o s e u c o r p o q u e s o m o s , c h e g a r e m o s lá n o d e v id o c u r-
s o d o te m p o .
N o ín te r im , a p e r e g r in a ç ã o é u m a lu ta . N ã o d ê o u v id o s a n in g u é m q u e
fa le d ife re n te m e n te . E su a fa lsa p r o p a g a n d a c o n v id a r p e sso a s p a r a q u e p ro -
c u r e m C r is to c o m o u m a p a n a c e ia p a r a o s p r o b le m a s , o d e s a p o n ta m e n to
336

e a t e n ta ç ã o . C o m o c r e n te , v o c ê é c o - h e r d e ir o c o m C r is to , c o m d ir e ito a
h e r d a r c o m ele t o d a a p r o p r ie d a d e d e D e u s . O d i a b o s a b e q u e v o c ê e s tá
e q u ip a d o c o m to d a s a s a r m a s n e c e s s á ria s p a r a p ô r a b a ix o o se u r e in o en -
q u a n t o v o c ê p r o p a g a o e v a n g e lh o m e d ia n te o se u te s te m u n h o .
É v e rd a d e q u e S a ta n á s é d e s c rito c o m o “ o d e u s d e ste s é c u lo ” (2 C o 4 .4 ).
N o e n t a n t o , lo n g e d e s e r v ir c o m o p a s s a g e m - p r o v a p a r a q u e p r a tiq u e m o s
e x o r c is m o p a r a a e x p u l s ã o d e d e m ô n io s t e r r i t o r i a i s e d e m a ld iç õ e s q u e
sã o tr a n s m itid a s a tra v é s d a s g e ra ç õ e s , o a p ó s to lo P a u lo p a s s a a d a r o
s e n tid o q u e e le p r e te n d e e x p r im ir c o m a e x p r e s s ã o “ d e u s d e s te s é c u lo ” .
P r i m e i r a m e n t e , e la te m d e v e r n ã o c o m t e c n o l o g i a e s p i r i t u a l , m a s c o m
o e v a n g e lh o :

... se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se per-


dem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o en-
tendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do
evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus. Porque
não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor.
(2Co 4.3-5)

E m o u t r a s p a la v r a s , S a ta n á s te m in d u z id o e n g a n o s a m e n te o m u n d o a
n e g a r o D e u s q u e o c r io u , e e n t ã o , q u a n d o o R e d e n t o r é p r o c la m a d o , o
m u n d o o re je ita a g o r a c o m o q u a n d o ele a p a r e c e u e m s u a p r im e ir a v in d a
(cf. J o 1 4 - 1 6 ) . P a r a d iz e r is s o d e o u t r o m o d o , e s ta m o s l i d a n d o a q u i n a
e s f e ra d a fé e d a in c r e d u lid a d e , n ã o d a m a g ia .
P o r c a u s a d o p e c a d o q u e r e s id e e m n ó s e d a f r a q u e z a d a n o s s a fé , o
c o m b a t e e s p ir itu a l d e s c r ito n a E s c r itu r a é m u i to m a is d e s a f ia d o r d o q u e
a s a lte r n a tiv a s d a fic ç ã o c ie n tífic a . N o e n t a n t o , d á m a is s e g u r a n ç a . A c o i-
s a m a is a n i m a d o r a e l i b e r t a d o r a q u e o c r e n te p o d e o u v i r e m p le n a d e -
p r e s s ã o e s p ir itu a l e fís ic a n ã o é q u e h á u m p l a n o d e b a t a l h a s e c r e to p a r a
d e r r o t a r o s p o d e r e s d a s tr e v a s , se a p e n a s n o s j u n t a r m o s e s e g u ir m o s o s
p a s s o s d e u m p l a n o à p r o v a d e e r r o , m a s o a n ú n c io d e q u e J e s u s C r is to
já fe z is s o p o r n ó s n o s e u p r im e ir o a d v e n to . D e p o is q u e J e s u s e n v io u 7 2
d is c íp u lo s p a r a a c o l h e i t a , e le s v o l t a r a m a le g r e s : “ S e n h o r , o s p r ó p r i o s
d e m ô n io s se n o s s u b m e te m p e lo te u n o m e ! ” E J e s u s r e s p o n d e u : “ E u v ia
S a ta n á s c a in d o d o c é u c o m o u m r e lâ m p a g o ” , te n d o - lh e s d a d o a u t o r i d a -
d e s o b r e S a ta n á s e se u s a u x ilia r e s q u e c e g a m o m u n d o . “ N ã o o b s t a n t e ” ,
J e s u s a c r e s c e n ta : “ a le g r a i- v o s , n ã o p o r q u e o s e s p ír ito s se v o s s u b m e te m ,
e s im p o r q u e o v o s s o n o m e e s tá a r r o l a d o n o s c é u s ” (L c 1 0 .1 7 - 2 0 ) .
ATE QUE ELE VENHA 337

U m c la r o te m a e s tá e m e r g in d o a q u i: a p r is ã o d e S a ta n á s e d o s p o d e r e s
d a s tr e v a s o c o r r e c o m a c h e g a d a d o r e in o , e se c e n tr a liz a n a c e g u e ir a es-
p i r i t u a l c u ja r e s ta u r a ç ã o físic a d a v is ta é a p e n a s u m s in a l. A s c u r a s e o s
e x o r c is m o s r e a liz a d o s p o r J e s u s e seu s a p ó s to lo s s ã o p o s te s d e s in a liz a ç ã o
a n u n c ia n d o q u e o r e in o d o e v a n g e lh o f in a lm e n te c h e g o u : “ Se, p o r é m , e u
e x p u ls o d e m ô n io s p e lo E s p ír ito d e D e u s ” , J e s u s d e c la r o u , “ c e r ta m e n te é
c h e g a d o o r e in o d e D e u s s o b re v ó s . O u c o m o p o d e a lg u é m e n t r a r n a c a s a
d o v a le n te e r o u b a r - lh e o s b e n s se m p r im e ir o a m a r r á - lo ? ” ( M t 1 2 .2 8 -2 9 ).
A lé m d o m a is , esse t i p o d e c o m b a t e e s p ir itu a l q u e o N o v o T e s ta m e n -
to d e s c re v e n ã o é d e u m s o litá r io p e r e g r in o a c a m in h o d a C id a d e C e ie s-
tia l; é d e u m a g r a n d e m u l ti d ã o v o l t a n d o d a e s c r a v id ã o d o E g ito p a r a a
T e r r a P r o m e tid a . A c o n v o c a ç ã o p a r a a g u e r r a e s p ir itu a l n ã o é u m a p e lo
p a r a u m p r o g r a m a g e r a l p e lo q u a l v is a m o s d e r r o t a r S a ta n á s , m a s a c o n -
fis s ã o d e J e s u s c o m o “ o C r is to , o F ilh o d o D e u s v i v o ” , q u e e v o c a o u t r o
a n ú n c io d e J e s u s , r e g is t r a d o e m M a t e u s 1 6 .1 8 - 1 9 : “ T a m b é m e u te d ig o
q u e t u és P e d r o , e s o b r e e s ta p e d r a e d ific a re i a m in h a ig r e ja , e a s p o r t a s
d o in f e r n o n ã o p r e v a le c e r ã o c o n t r a e la . D a r - te - e i a s c h a v e s d o r e in o d o s
c é u s ; o q u e lig a re s n a t e r r a t e r á s id o lig a d o n o s c é u s ; e o q u e d e s lig a re s
n a t e r r a t e r á s id o d e s lig a d o n o s c é u s ” . A a u t o r i d a d e p a r a lig a r e d e s li-
g a r é e x e r c id a o n d e q u e r e s e m p r e q u e o e v a n g e lh o é p r o c la m a d o , o n d e
q u e r q u e a f o r ta le z a d o d ia b o se ja s a q u e a d a e o s se u s p r is io n e ir o s s e ja m
b a t i z a d o s , t r a n s f e r i d o s d o r e in o d o p e c a d o e d a m o r t e p a r a o r e in o d a
v id a e te r n a . S e g u n d o o s E v a n g e lh o s , a b a t a l h a c ó s m ic a g ir a e m t o r n o d a
fé e m C r i s t o e a d m is s ã o n o s e u r e in o . O c o m b a t e e s p i r i t u a l te m t u d o a
v e r c o m o e v a n g e lh o . É q u a n d o a c o n f is s ã o d e P e d r o é o u v id a d o s lá b io s
d e h o m e n s , m u lh e r e s e c r ia n ç a s d e J e r u s a lé m a té o s c o n f in s d a t e r r a q u e
v e m o s o s o l se p ô r s o b r e o im p é r io d e S a ta n á s .
A p a s s a g e m - p r o v a m a is ó b v ia a r e s p e ito d o c o m b a te e s p ir itu a l é E fé-
s io s 6 . N e s s a p a s s a g e m h á a lu s õ e s a I s a ía s 5 9 . N a q u e l e c e n á r io v e te r o -
te s ta m e n tá r io d e tr ib u n a l, Y a h w e h a c u s a p u b lic a m e n te se u p o v o e os
d e c la r a c u lp a d o s , c o m b a s e e m c la r a e v id ê n c ia . E les a d m ite m s u a c u lp a ,
m a s Y a h w e h se e s p a n ta p o r n ã o h a v e r n e n h u m m e d ia d o r , n in g u é m q u e
in te r c e d a . P o r is s o , ele m e s m o se re v e s te d e ju íz o e d e s a lv a ç ã o , e q u ip a -
-se c o m u m a c o u r a ç a d e ju s tiç a e e m p u n h a u m a e s p a d a .
E m E fé s io s 6 , e n t ã o , o a p ó s t o l o P a u lo r e c o r r e a esse ju lg a m e n to c ó s-
m ic o e o r e la c io n a c o m a n o s s a p r ó p r i a e x p e r iê n c ia c r is tã in d iv id u a l. S a-
t a n á s v e m a té n ó s , c o m o f o i a t é A d ã o , I s r a e l e J e s u s , e n o s p r o m e t e o s
re in o s d o m u n d o se o s e r v ir m o s . O s q u e r e n u n c ia r a m a S a ta n á s e à s s u a s
338

m e n tir a s s ã o m a r c a d o s p a r a p e r s e g u iç ã o , t e n t a ç ã o e s o f r im e n to . T u d o o
q u e te m o s - e é s u fic ie n te - s ã o a s a r m a s f o r n e c id a s p o r D e u s . E o b s e r v e
q u e a v e s te m i l i t a r e a s a r m a s li s ta d a s p o r P a u lo s ã o i d ê n t i c a s à s m e n -
c i o n a d a s p o r I s a ía s - c o m u m a d if e r e n ç a c r u c ia l. E m I s a ía s 5 9 e la s s ã o
u tiliz a d a s p e lo p r ó p r i o Y a h w e h , o R e d e n t o r q u e v a i a S iã o . E m E fé s io s
6 e la s s ã o u tiliz a d a s p o r n ó s . F o i o q u e P a u lo q u is d iz e r u m p o u c o a n te s
n e s s a c a r t a , q u a n d o n o s d is s e q u e o s c r is tã o s d e v e m se d e s p o j a r “ d o v e-
lh o h o m e m ” o u re v e s tir-s e “ d o S e n h o r J e s u s C r i s t o ” (E f 4 .2 2 ; R m 1 3 .1 4 ;
cf. R m 6 .6 ; C l 3 .9 - 1 5 ) .
N e n h u m a d e s s a s d e f e s a s m e n c io n a d a s é n o s s a . N ã o le m o s a q u i n a d a
s o b r e a n o s s a m a r a v i lh o s a e x p e r iê n c ia c r is tã , s o b r e o n o s s o a m o r p e lo s
s a n to s , s o b r e o n o s s o p r o g r e s s o n a o b e d iê n c ia , s o b r e a n o s s a p a i x ã o p o r
D e u s . E s te s s ã o a lg u n s d o s e f e ito s q u e v iv e n c ia m o s q u a n d o “ n o s re v e s -
tim o s d e C r i s t o ” n e s s a b a t a l h a e s p ir itu a l, m a s a a r m a d u r a p r o p r ia m e n t e
d ita n ã o d e v e s e r n a d a m e n o s q u e o p r ó p r io C r is to , c o m s u a P a la v r a , s u a
ju s tiç a e se u e v a n g e lh o . N ã o v á p a r a o c a m p o d e b a t a l h a c o m a s r o u p a s
c o m q u e v o c ê s a i à s r u a s - o u c o m se u e q u ip a m e n to d e p r o te ç ã o . N ã o se
a t r e v a a e n t r a r n e s s e c o n f lito c o m s u a ju s tiç a p r ó p r i a , c o m s e u z e lo o u
c o m s u a s f o r ç a s . E q u ip a n d o - s e c o m a a r m a d u r a d e a lg u m a o u t r a p e s s o a ,
v o c ê e s ta r á d e p e n d e n d o d a s fo r ç a s d e s s a o u t r a p e s s o a . O te s te m u n h o q u e
p r e v a le c e n e s s a b a t a l h a n ã o é a n o s s o r e s p e ito e d o q u e te m o s f e ito , o u
d e c o m o m e lh o r a m o s p e s s o a lm e n te , o u d e c o m o m e lh o r a m o s o m u n d o ,
m a s é u m te s te m u n h o d e D e u s e d o q u e ele r e a liz o u e m C r is to . A p o n t a r
p a r a fo ra d e n ó s m e sm o s, p a r a C ris to , é a ú n ic a d e fe sa se g u ra q u a n d o
S a ta n á s n o s a c u s a n o t r i b u n a l d e D e u s .
Há o cinto da verdade. C o m o p o d e r e m o s r e s p o n d e r a s a c u s a ç õ e s e as
fa ls ific a ç õ e s d a E s c r itu r a f e ita s p e lo d i a b o , se n ó s m e s m o s n ã o c o n h e c e -
m o s a P a la v r a d e D e u s ? U m a te o lo g ia r u i m é m o r t a l . A s ã d o u t r i n a n ã o
é, c o m o m u ito s p a r e c e m s u p o r h o je e m d ia , p e lo m e n o s im p lic ita m e n te ,
u m a d i s t r a ç ã o q u e n o s a f a s t a d a v id a r e a l d o d i s c i p u l a d o c r i s t ã o , m a s
u m a p r e p a r a ç ã o p a r a e s ta .
A seg u ir, h á a couraça da justiça q u e u s a m o s - a q u e la “ ju s tiç a a l h e i a ” ,
c o m o lh e c h a m a v a m o s r e f o r m a d o r e s , a j u s t iç a d e C r i s t o i m p u t a d a a
n ó s , e m b o r a s e ja m o s ím p io s e m n ó s m e s m o s . S o m e n te e ssa ju s tiç a re s is te
a o ju íz o d e D e u s e, p o r t a n t o , à s a c u s a ç õ e s d e S a ta n á s . A fin a l d e c o n ta s ,
m u ita s v e z es S a ta n á s e s tá c e r to q u a n d o n o s a c u s a , e ele a t e r r o r i z a a n o s -
sa c o n s c iê n c ia im p r im in d o e m n ó s o m e d o d e q u e e s ta m o s f o r a d o f a v o r
d e D e u s . Se d e a l g u m m o d o e le c o n s e g u e s o l a p a r a n o s s a fé e m C r i s t o
ATÉ QUE ELE VENHA 339

e n a s u fic iê n c ia d e s u a ju s tiç a , o q u e p o d e r ia c o n s t i t u i r m a is r é g ia v itó -


ria ? M a s e le n ã o p o d e r á s e r b e m - s u c e d id o n is s o se e s tiv e r m o s u s a n d o a
ju s tiç a d e C r is to e n ã o c o n f ia n d o n o n o s s o p e ito n u , p a r a n o s p r e s e r v a r
d o s s e u s g o lp e s .
D e p o is , o evangelho da paz. S ã o n o s s o s c a lç a d o s q u e n o s h a b i l i ta m
a c o r r e r a c a r r e i r a q u e n o s e s tá p r o p o s t a . C o m o o c i n t o d a v e r d a d e e
a c o u r a ç a d a ju s tiç a , o e v a n g e lh o n ã o é a lg o q u e g ir a e m t o r n o d e n ó s ,
m a s s im d e o u t r e m : é o “ E s tá c o n s u m a d o ! ” d e C r is to . A lé m d is s o , S a-
ta n á s n ã o c o n se g u e p e n e tr a r o escudo da fé. Se f ô s s e m o s c o m b a t e r c o m
n o s s a e x p e r iê n c ia , c o m n o s s o in te le c to o u c o m n o s s a s o b r a s , c a ir ia m o s
r a p i d a m e n t e ; m a s a fé t a m b é m a p o n t a p a r a a lé m d e n ó s , p a r a C r i s t o ,
q u e in te r c e d e p o r n ó s .
F in a lm e n te , P a u lo m e n c io n a a espada do Espírito, q u e n ã o é u m fa n -
ta s io s o e le v ia n o s a b r e ‫־‬d e -lu z * m a n e ja d o p o r h e r ó is e s p ir itu a is , m a s q u e
n a d a m a is é d o q u e “ a p a la v r a d e D e u s ” (E f 6 .1 7 ) . N ã o h á n a d a e m n ó s ,
n e m fe ito p o r n ó s , q u e se ja v ito r io s o n a b a t a l h a e s p ir itu a l. Só p o d e m o s
a p a g a r a s s e ta s in c e n d iá r ia s d a d ú v id a , d o t e m o r e d a a n s ie d a d e d ire c io -
n a n d o o m u n d o , a c a r n e e o d i a b o p a r a o n o s s o C o m a n d a n t e , q u e e s tá
à d e s t r a d o P a i e q u e e s m a g o u a c a b e ç a d e S a ta n á s t o r n a n d o in ú te is a s
s u a s a c u s a ç õ e s e o s se u s e s f o rç o s . T o d a s e ssa s p e ç a s q u e P a u lo m e n c io n a
c o n s t i t u e m r e a lm e n te u m a p e s s o a : J e s u s C r is to . E le é a n o s s a p a z . E le é
a n o s s a c o u r a ç a . A fé n e le é o e s c u d o q u e n o s p r o te g e d e t o d o e q u a lq u e r
in im ig o . S u a P a la v r a é a n o s s a ú n ic a e s p a d a .
C o m t u d o is s o e m m e n t e , o a p ó s t o l o P a u lo c o n c lu i e s t i m u l a n d o o s
s e u s l e ito r e s a o r a r e m c o n t i n u a m e n t e “ p o r t o d o s o s s a n t o s ” e n ã o so -
m e n te p o r e le s m e s m o s , e p a r t i c u l a r m e n t e p o r e le , P a u lo , e n ã o a p e n a s
p o r ele p e s s o a lm e n te p o r s u a i m p o r t â n c i a , n e m , n a v e r d a d e , n o s e n tid o
d e q u e ele fo s s e m a n t i d o liv re d e t o d o s o f r im e n to , m a s , s im , “ p a r a q u e
m e s e ja d a d a , n o a b r i r d a m i n h a b o c a , a p a l a v r a , p a r a , c o m in tr e p id e z ,
f a z e r c o n h e c id o o m is té r io d o e v a n g e lh o , p e lo q u a l s o u e m b a i x a d o r e m
c a d e ia s , p a r a q u e , e m C r is to , e u se ja o u s a d o p a r a fa la r, c o m o m e c u m p r e
f a z ê - lo ” (E f 6 .1 9 - 2 0 ) . Is s o n ã o sig n ific a q u e n ã o d e v e m o s o r a r p o r t o d a
a im e n s a g a m a d e o u tr a s c o is a s , incluindo n e c e s s id a d e s físic a s c o n c r e ta s ,

* No original, “ lightsaber” . O autor faz uma referência às espadas utilizadas pelos he-
róis Jedi nos clássicos filmes pop Guerra nas Estrelas, que são “espadas de luz” , ou
sabres-de-luz, como são chamados. Os Jedis são considerados mestres ou gurus espi-
rituais na mitologia do filme (N. do T.).
340

m a s q u e , p a r a o a p ó s to lo P a u lo , a té o p a p e l d a o r a ç ã o se c e n tr a liz a v a n o
p r o g r e s s o d e s te e v a n g e lh o d e C r is to a v a n ç a n d o a té a o s c o n f in s d a te r r a .
A fin a l d e c o n ta s , é a s s im q u e o r e in o d e S a ta n á s é e s m a g a d o e o r e in o d a
g r a ç a é c o n s t r u i d o e m c im a d e s u a s c in z a s .
N o e n t a n t o , p o r o r a , o i n s t a n t á n e o q u e se v ê e m A p o c a lip s e 1 2 le m -
b r a - n o s q u e S a ta n á s s a b e q u e “ p o u c o te m p o lh e r e s t a ” (v .1 2 ), e, p o r isso ,
n u m a to d e d e s e s p e ro , ele v o lta se u ú ltim o a t o d e v io lê n c ia c o n t r a o s p ri-
s io n e ir o s q u e C r i s t o l i b e r t o u . N ã o n o s d e s e n v o lv e r e m o s s e m l u t a , s e m
p a r t i c i p a r d o s s e u s s o f r i m e n t o s . D i v e r s a m e n t e d a ju s tif ic a ç ã o , a n o s s a
s a n tif ic a ç ã o é u m a l u ta p a r a t o d a a v id a - e e n t ã o e s q u e ç a o “ e s q u e ç a e
d e ix e isso p a r a D e u s ” . S o m o s a p e n a s beneficiários d a v i tó r ia d e C r is to
n a g u e r r a d o s c é u s , m a s , n o í n t e r i m , te m o s d e p ô r e m a ç ã o “ a [n o s s a ]
s a lv a ç ã o c o m t e m o r e t r e m o r ; p o r q u e D e u s é q u e m e f e tu a e m v ó s t a n t o
o q u e r e r q u a n t o o r e a liz a r , s e g u n d o a s u a b o a v o n t a d e ” (F p 2 .1 2 - 1 3 ) .
P e q u e n a s v i t ó r i a s s ã o v a l o r i z a d a s ; b a t a l h a s p e r d id a s s ã o lo g o e s q u e c í-
d a s , e x tr a in d o - s e d e la s liç õ e s p a r a a s p r ó x im a s . N e n h u m d o s n o s s o s in i-
m ig o s - n e m o m u n d o , n e m a c a r n e , n e m o d i a b o - s i m p le s m e n te v a i
a f a s ta r - s e e h a s t e a r u m a b a n d e ir a b r a n c a . E , c o n t u d o , n a n o s s a lu ta n ã o
p o d e m o s e s c o n d e r a n o s s a im o d e r a d a a n te c ip a ç ã o , p r é - f ig u r a d a p e la ch e-
g a d a d e Is r a e l à T e r r a P r o m e t i d a , o a n t e g o z o d o t e m p o e m q u e , a f in a l,
a t e r r a e s t a r á v e r d a d e ir a m e n te e m r e p o u s o , liv re d e g u e r r a s . A té e n tã o ,
l u ta m o s c o m o q u e m p e r te n c e a o D e u s G u e r r e ir o q u e já c o n q u i s t o u c o m
s e u b r a ç o d ir e ito .
N a s c i d o s d o a l t o n a p r e c á r ia b r e c h a e n tr e a a s c e n s ã o e o r e t o r n o d e
s u a C a b e ç a r e s s u r r e ta , a ig re ja c o n s titu i s u a p r ó p r i a c u ltu r a , d is tin ta d a s
d e m a is . E m c e r to s e n tid o , é u m a c o n t r a c u l t u r a . A fin a l d e c o n ta s , p e r te n -
c e m o s à n o v a c r ia ç ã o , e m q u e já p r o v a m o s o s p o d e r e s d a e r a v in d o u -
r a . J á re c e b e m o s o v e r e d ito d e D e u s q u e s e r á p r o c la m a d o n o ju íz o fin a l:
“ A g o r a , p o is , já n e n h u m a c o n d e n a ç ã o h á p a r a o s q u e e s t ã o e m C r is to
J e s u s ” (R m 8 .1 ) . J á f o m o s t r a n s f e r i d o s d o r e in o d o p e c a d o e d a m o r t e
p a r a o r e in o d e ju s tiç a e v id a ; o u t r o r a “ n ã o é re is p o v o ” , m a s a g o r a so -
m o s “ o p o v o d e D e u s ” ( l P e 2 .9 - 1 0 ) .
E n t r e t a n t o , a ig r e ja é, ta m b é m , a o m e s m o te m p o ju s tif ic a d a e p e c a -
d o r a ; d e f in itiv a m e n te r e iv in d ic a d a p e lo T r in o D e u s p e la g r a ç a , m a s a in -
d a lo n g e d e c h e g a r a o s e u d e s tin o , a C id a d e d e D e u s . N e s t a a t u a l e r a , a
ig re ja se t o r n a v isív el, n ã o n a m e d id a d o q u e é u m a c o n tr a c u ltu r a , m a s n a
m e d id a e m q u e e la a p o n t a p a r a a lé m d e si m e s m a , p a r a C r is to - q u e che-
gou a o c é u c o m o n o s s o p r e c u r s o r . C o m s e u e v a n g e lh o e p o r m e io d o se u
ATÉ QUE ELE VENHA 34‫ו‬

E s p ír ito S a n to , C r is to e s tá e d ific a n d o “ u m r e in o in a b a lá v e l” ( H b 1 2 .2 8 ).
A o re c e b e r e s te e v a n g e lh o e te s tif ic a r d e le , a t r a n s f o r m a ç ã o q u e r e d u n d a
n u m m o d o d e p e n s a r , s e n tir e a g ir v e r d a d e ir a m e n te d if e r e n te , s e u r e in o
se c o n c r e tiz a p a r c ia lm e n te e m n o s s o t e m p o e lu g a r.
A o m e s m o te m p o , ta m b é m s o m o s c i d a d ã o s d a c u l t u r a s e c u la r. A q u í
s o m o s g u ia d o s p e la v e r d a d e b íb lic a , c e r ta m e n te , m a s ta m b é m p e la p r u -
d ê n c ia p ie d o s a , re fle tid a n u m a v a r ie d a d e d e e s tilo s c u ltu r a is , d e p r e f e r ê n -
c ia s e d e v is õ e s s o c io p o lític a s . A ig re ja n ã o te m o p r o p ó s i t o d e s e r u m a
s u b c u l t u r a , c r ia n d o s e u s p r ó p r io s r o m a n c e s , film e s, t e r r i t ó r i o s , c o m itê s
d e a ç ã o p o lític a e c lu b e s . A n te s , u m a v ez q u e a ig re ja f o c a liz a s e u s in g u -
la r c h a m a d o p a r a c u m p r ir a G r a n d e C o m is s ã o , e la m o d e la a m a n e ir a d e
v iv e r m o s c o m o c r is t ã o s e m n o s s a s v o c a ç õ e s t e r r e n a s , c o m n ã o c r e n te s
e c o m c r e n te s ig u a lm e n te . C o m o J e r e m ia s n a s u a c a r t a a o s e x ila d o s n a
B a b ilô n ia , P e d r o n o s le m b r a :

... cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteira-


mente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus
Cristo. Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que
tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo
é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos e também vós
mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede
santos, porque eu sou santo. Ora, se invocais como Pai aquele que,
sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-
-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo
que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que
fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos
legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito
e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da
fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por
amor de vós que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o res-
suscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé
e esperança estejam em Deus. (lPe 1.13-21)

V o l t a n d o pa r a c a sa

P r e p a r a n d o o s s e u s d is c íp u lo s p a r a a s u a p a r t i d a e p a r a o e n v io d o E s-
p í r i t o , J e s u s in c lu iu n o s e u d is c u r s o n o C e n á c u lo a s e g u in te p r o m e s s a :

Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em


mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora,
eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e
342

vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para
que, onde eu estou, estejais vós também.... Deixo-vos a paz, a mi-
nha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se tur-
be o vosso coração, nem se atemorize. Ouvistes que eu vos disse:
vou e volto para junto de vós. Se me amásseis, alegrar-vos-íeis de
que eu vá para o Pai, pois o Pai é maior do que eu. Disse-vos ago-
ra, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós creiais.
(Jo 14.1-3,27-29)

J e s u s n ã o fu g iu d o m u n d o p a r a o q u a l ele a g o r a e s ta v a c h a m a n d o o s
s e u s d is c íp u lo s p a r a s o f r e r e m e te s t e m u n h a r e m . T a m p o u c o e le e s tá m e -
r a m e n te e s p e r a n d o n o c é u a té v o l t a r a lg u m d ia .
T o d o d ia q u e p a s s a n a t e r r a é u m a d ia m e n to p r o d u t i v o d o ju íz o fin a l.
N o ín te r im , J e s u s e s tá r e u n in d o u m p o v o p a r a si n a t e r r a , p e r d o a n d o - o s
e r e n o v a n d o - o s p e la s u a P a la v r a e p e lo se u E s p ír ito , in te r c e d e n d o e m fa -
v o r d o s s e u s c o - h e r d e ir o s , e p r e p a r a n d o o s e u s a n t u á r i o c e le s te p a r a a
nossa chegada.
T o d a e s ta c r i a ç ã o s e r á t o t a l m e n t e s a lv a , e, t o d a v i a , s e r á t o t a l m e n t e
n o v a . Se o n o s s o o b je tiv o é a n o s s a lib e r ta ç ã o d a c r ia ç ã o , e n ã o a lib e rta -
ç ã o d a c r ia ç ã o , s e r á c o m p r e e n s ív e l q u e m o s tr e m o s p o u c o in te r e s s e p e lo
m u n d o q u e D e u s c r io u . Se, c o n t u d o , e s ta m o s o lh a n d o p a r a d ia n te , p a r a
“ te m p o s d a r e s ta u r a ç ã o d e t o d a s a s c o is a s , d e q u e D e u s f a lo u p o r b o c a
d o s s e u s s a n t o s p r o f e t a s d e s d e a a n t i g u i d a d e ” (A t 3 .2 1 ) , e p a r a a p a r -
t i c i p a ç ã o d e t o d a a c r ia ç ã o n a n o s s a r e d e n ç ã o ( R m 8 .1 8 - 2 1 ) , s e g u e -s e ,
e n tã o , q u e o s n o s s o s a to s a q u i e a g o r a p e r te n c e m a o m e s m o m u n d o q u e
u m d ia s e r á fin a l e c o m p le ta m e n te r e n o v a d o .
E r g u e n d o c o m fé o s n o s s o s o lh o s p a r a D e u s , a lc a n ç a m o s n o s s o s c o m -
p a n h e ir o s s a n to s e n o s s o s p ró x im o s c o m n o s s o c o r a ç ã o e c o m n o s s a s
m ã o s , e m a m o r . A s s im c o m o D e u s n o s a t e n d e c o m s e u s d o n s c e le s tia is
p o r m e io d o m i n is té r io d a ig r e ja e m s u a G r a n d e C o m is s ã o , a s s im ta m -
b é m e le a t e n d e o s n o s s o s p r ó x i m o s c o m b ê n ç ã o s c o m u n s p o r m e io d a s
n o s s a s v o c a ç õ e s t e r r e n a s . V iv a m o s n o s s o d is c i p u l a d o c o m o q u e m s a b e
q u e t o d a a a u t o r i d a d e n o c é u e n a t e r r a p e r te n c e a o n o s s o R e d e n to r , q u e
ele e s tá c o n o s c o a té o fim d a s e r a s e q u e p o r fim v o l t a r á f is ic a m e n te p a r a
ju lg a r o s v iv o s e o s m o r t o s e p a r a t o r n a r n o v a s t o d a s a s c o is a s . “ C r is to
m o r r e u , C r is to r e s s u s c ito u , C r is to v ir á o u t r a v e z .”
Notas
I ntrodução 2. O ÊXODO E A CONQUISTA
1 Jim Hoagland, “Prepared for non-combat”, 1 Wright, Mission of God, 10.
Washington Post (15 de abril de 1993). 2 Jon Levenson, Resurrection and the res-
2 Ver Mercer Schuchardt, “Hugh Hefner’s toration of Israel: the ultimate victory of
hollow victory” , Christianity Today, 23 the God of life (New Haven: Yale Uni-
de dezembro de 2003. versity Press, 2008); ver também Kevin J.
3 LaTonya Taylor, “The church of 0” , Ch- Madigan e John Levenson, Resurrection:
ristianity Today, 22 de março de 2002, 12. the power of God for Christians and Jews
4 Ralph Waldo Emerson, “Harvard Divinity (New Haven: Yale University Press, 2008).
School Address”, em American philoso- 3 Kim Riddlebarger, A case for amillennia-
phic addresses,1700-1900, org. Joseph I. lism (Grand Rapids: Baker, 2003), 56.
Blau (Nova York: Columbia University 4 Brian McLaren escreve: “Dessa maneira,
Press, 1946), 588-604. a parousia seria o sinal da plena chegada,
5 The Barna Group, “Most twentysome- presença e manifestação de uma nova era
things put Christianity on the shelf fol- na história humana. Significaria a presença
lowing spiritually active teen years” , ou o aparecimento na terra de uma nova
11 de setembro de 2006, http://www. geração da humanidade, Cristo novamente
barna.org./barna-update/article/l 6- presente, encarnado numa comunidade de
-teeensnext-gen/14 7mo st-twenty- pessoas que verdadeiramente possuiríam e
somethings-put-christianityon-the- expressariam o seu Espírito, continuando
-shelf-following-spiritually-activeteen- sua obra. Essa seria a era do Espírito e da
-years ?q=twentysomethings+put+chris- graça, e não da lei e da guarda da lei... Se
tianity+shelf. esse entendimento alternativo tem mérito,
6 Terry Eastland, “Sunday morning, staying a parousia - a chegada ou a presença - da
at home” , The Wall Street Journal, 2 de nova era ou nova aliança começou depois
setembro de 2008; Julia Duin, Quitting de um período intermediário, durante o
church (Grand Rapids: Baker, 2008). qual a antiga era ou antiga aliança coexts-
7 Ed Stetzer, “ Chicken little was wrong” , tiu com a nova” . Ele acrescenta: “Quando
Christianity Today, janeiro de 2010, 37. os ‘últimos dias’ cataclísmicos da antiga era
completaram seu curso, a nova era. a nova
1. A ntes que você vá aliança, o novo testamento, alcançou sua
1 Christopher J. H. Wright, The mission of conclusão, e sua parousia chegou. Según-
God: unlocking the Bible’s grand narrati- do esse modo de ver, a nossa vocação não
ve (Downers Grove, Illinois: Intervarsity consiste em esperar por algo que não está
Academic, 2006). presente (apousia), mas, antes, em parti-
2 Ibid., 21-38. cipar apaixonadamente de algo que está
presente (parousia) - plenamente presente, 5 The Pew forum on religion and public life,
mas não completo em seu desenvolvimen- “U.S. religious landscape survey” , 16 de
to, convocando-nos, assim, para a nossa novembro de 2009, http://religions.pewfo-
participação irrestrita” . Brian McLaren, rum.org/reports/. Ver “Portraits: beliefs &
A new kind of Christianity: ten questions practices: evangelical churches” .
that are transforming the faith (Nova York: 6 Joseph Cummings fornece um estudo
HarperOne, 2010), 198-199, (ênfase acres- muito útil dessas posições em “Muslim
cemada). 309 - _horton_comission_ww_ followers of Jesus?” , Christianity Today,
djm.indd 309 12/1/10 3:24 PM dezembro de 2009, 32-35.
Raymond B. Dillard, “Intrabiblical exege- 7 Pew forum, “U.S. religious landscape
sis and the effusion of the Spirit in Joel” , survey” .
em Creator, Redeemer, Consummator: A 8 John Hick, “The pluralist view”, em Four
Festschrift for Meredith G. Kline, orgs. views on salvation in a pluralist world,
Howard Griffith e John R. Muether orgs. Dennis L. Ockholm e Timothy R.
(Greenville, SC: Reformed Academic Press, Phillips (Grand Rapids: Zondervan,
2000), 90. 1996), 27-59.
Lewis Sperry Chafer, Major Bible doctri- 9 Brian McLaren, A generous orthodoxy,
nes, rev. John Walvoord (Grand Rapids: 109-110.
Zondervan, 1974), 136; 10 Ibid.
Ibid. 11 Ibid., 112,114.
Brian McLaren, A generous orthodoxy 12 A melhor crítica recente ao inclusivismo
(Grand Rapids: Zondervan, 2004), 206. que encontrei é uma coleção de ensaios
McLaren, A new kind of Christianity, 138. organizada por Christopher W. Morgan
João Calvino, Harmony of the evangelists, e Robert A. Peterson, Faith comes by
trad. William Pringle (Grand Rapids: Ba- hearing: a response to inclusivism (Dow-
ker, 1996), 179. ners Grove, Illinois: InterVarsity, 2008).
Ibid., 201. Além disso, os seguintes recursos são re-
comendados: R. Douglas Geivett e W.
Um imperativo urgente Gary Phillips, “A particularist view: an
Citado por Douglas Farrow, Ascension evidentialist approach” , em Four views
and ecclesia (Grand Rapids: Eerdmans, on salvation in a pluralistic world, orgs.
2009), 115, de Orat. 1.6-2.5. Dennis L. Okholm e Timothy R. Phillips
Agostinho, The city of God, trad. Henry (Grand Rapids: Zondervan, 1995); D. A.
Bettenson (Nova York: Penguin Classics, Carson, The gagging of God: Christia-
2003). Ver o excelente estudo de Robert nity confronts pluralism (Grand Rapids:
Markus, Saeculum: history and society in Zondervan, 1996); Ajith Fernando, The
the theology of St. Augustine (Cambridge: supremacy of Christ (Wheaton, Illinois:
Cambridge University Press, 1989), como Crossway, 1995); Paul R. House e Gre-
também suas mais recentes (e ligeiramente gory A. Thornbury, orgs., Who wil be sa-
revistas) reflexões em Christianity and the vedf: Defending the biblical understanding
secular (South Bend: University of Notre of God, salvation, and evangelism (Whea-
Dame Press, 2006). ton, Illinois: Crossway, 2000); Douglas
Robert Payne, The dream and the tomb: a Moo, “Romans 2: saved apart from the
history of the crusades (Nova York: Stein Gospel?” , em Through no fault of their
& Day, 1985), 34. own f: The fate of those who have never
Michael Novak, citado no artigo de Da- heard, orgs., William V. Crockett e James
vid Van Biema, “The passion of the pope”, G. Sigountos (Grand Rapids: Baker, 1991),
Time, 19 de novembro de 2006, 6. 137-145; Daniel Strange, The possibility
NOTAS 345

o f salvation among the unevangelized: an têm ideia de quem Jesus é, mas que mos-
analysis of inclusivism in recent evange- traram por meio dos seus atos que amam
lical theology (Carlisle, UK: Paternoster o reino de Deus (\lt 25.37Γ. Deve ser
Press, 2002). observado que nenhuma dessas passagens
13 Larry W. Hurtado, How on earth did Je- sequer sugere que as pessoas estão fora
sus become a God? Historical questions da comunidade pactuai. Pelo contrário,
about earliest devotion to Jesus (Grand por exemplo, em Mateus 25 Jesus fala de
Rapids: Eerdmans, 2005), 59. uma separação final de ovelhas e bodes,
14 Cânones de Dort, Cap. 1, Art. 17, no Psal- sendo dito às primeiras: “Vinde, bendi-
ter hymnal: doctrinal standards and liturgy tos de meu Pai! Entrai na posse do reino
of the Christian reformed church (Grand que vos está preparado desde a fundação
Rapids: Board of Publications of the CRC, do mundo” (25.34, ênfase acrescentada ·.
1976), 95. As boas obras que a seguir Jesus passa
15 Karl Barth, Church dogmatics, vol. 2, pt. a descrever são consequências e evidên-
2, 13; vol. 4, pt. 2, 271; vol. 4, pt. 3a, cias de que essas pessoas estão ou esta-
3. Ver também Karl Barth, The Word of riam em Cristo, não o meio, e o contexto
God and the word of man, trad. Douglas é a inerente ameaça de perseguição, quan-
Horton (Nova York: Harper & Brothers, do os crentes seriam lançados na prisão
1956, 1957), 120. Contudo, Barth deixou por sua fé em Cristo. Pinnock recorre à
de afirmar a salvação universal (vol. 2, pt. “ Declaration on the relationship of the
2,417). church to non-Christian religions”, parte
16 Sobre a visão de Moltmann, ver princi- 2, em The documents of Vatican II, org.
pálmente Jürgen Moltmann, “The logic of Walter M. Abbott, trad. ed. Joseph Gal-
hell”, em God will be all in all: the escha- lagher (Nova York: Herder & Herder,
tology of Jürgen Moltmann, org. Richard 1966), 662.
Bauckham (Edimburgo: T & T Clark, 20 Ibid., 35-36: “Encontro apoio na decía-
1999), 43-48. ração de Paulo de que as pessoas podem
17 Terrance, L. Tiessen, Who can be saved: buscar a Deus e achá-lo de qualquer parte
reassessing salvation in Christ and world do mundo (At 17.27). Aprecio o fato de
religions (Downers Grove,IL: InterVarsity, ele dizer que os gentíos têm a lei de Deus
2004). escrita no coração (Rm 2.16) e que bem
18 Clark Pinnock, “Overcoming misgivings podem receber a vida eterna quando, pela
about evangelical inclusivism”, Southern paciente prática do bem, buscam a gloria,
Baptist Journal of Theology, 2, n2. 2 (ve- a honra e a imortalidade (Rm 2.7). Como
rão de 1998); 33-34. Ele acrescenta: “Con- um católico podería dizer, existem pessoas
cordo que o inclusivismo não é um tópico que desejam o batismo e que não podem
de discussão central na Biblia, e que a evi- ser batizadas”.
déncia em seu favor é menor do que gos- 21 McLaren, A generous orthodoxy, 254-255.
taríamos. No entanto, a visão do amor 22 Ibid., 260,264.
de Deus nela é tão forte que a prova que 23 Tony Jones, The new Christians: dispat-
existe me parece suficiente” (35). ches from the emergent frontier (San Fran-
19 Ibid., 34: “A Escritura fala de diferentes cisco: Jossey-Bass, 2008), 76.
modos acerca de como as pessoas são sal- 24 Ibid., 96.
vas subjetivamente. Por exemplo, ela diz 25 Ibid., 99.
que Deus ama os que o buscam e os re- 26 James L. Kugel, Traditions of the Bible: a
compensa, mesmo que não sejam judeus guide to the Bible as it was at the start of
nem cristãos (Hb 11.6). Diz também que the Commom Era (Cambridge: Harvard
Cristo salvaria algumas pessoas que não University Press, 1988), 276-278.
346

27 Esses exemplos frequentemente apresen- 9 Andrew Carey, “African Christians: ‘just a


tados por inclusivistas, bem como outros step from witchcraft’?, Church of England
principais argumentos desse campo, são Newspaper” , 10 de julho de 1998.
tratados com respeito e cuidado in Chris- 10 Wright, The mission of God, 47.
topher W. Morgan e Robert A. Peterson, 11 Jones, The new Christians, 25.
orgs., Faith comes by hearing: a response 12 Ibid., 56.
to inclusivism (Downers Grove, IL: Inter- 13 John de Gruchy, Liberating reformed theo-
Varsity Academic, 2008). logy: a South African contribution to an
28 McLaren, A new kind of Christianity, ecumenical debate (Grand Rapids: Eerd-
216. mans, 1991), 23-24. Ver também Allen
29 McLaren, A generous orthodoxy, 101. Boesak: Black and reformed: Apartheid,
30 Brian McLaren, Finding our way again: the liberation and the calvinist tradition, org.
return of the ancient practices (Nashville: Leonard Sweetman (Maryknoll, Nova
Thomas Nelson, 2008), 202. York: Orbis, 1984), 87.
31 Ibid. 14 Donald M cGravan, Understanding
32 H. Richard Niebuhr, The kingdom of God church growth, org. e rev. C. Peter Wag-
in America (Nova York: Harper &c Row, ner (Grand Rapids: Eerdmans, 1970),
1959), 193. 163,174-175. C. Peter Wagner defen-
33 George Hunsinger, Disruptive Grace: stu- deu a abordagem de McGravan em Our
dies in the theology of Karl Barth (Grand kind of people: the ethical dimensions of
Rapids: Eerdmans, 2000), 76. church growth in America (Atlanta: John
34 Ibid., 80. Knox, 1979).
35 Ibid.
36 G. K. Chesterton, Orthodoxy: the roman- 5. O objetivo : " fazei discípulos "

ce of faith (Nova York: Doubleday, 1959), 1 James C. Wilhoit, Spiritual formation as if


32. the church mattered (Grand Rapids: Baker
37 Ibid., 31. Academic, 2008).
38 Dinesh D'Souza, What's so great about 2 Dallas Willard, The great omission: reclai-
Christianity? (Washington, DC: Regnery ming Jesus’ essential teachings on disciple-
Publishing, 2007), 3. ship (Nova York: HarperOne, 2006), 11.
39 Ibid. 3 Ibid., 53.
4 Ibid., 10.
4 . UM SÓ EVANGELHO E MUITAS CULTURAS: 5 Ibid., 62, ênfase no original.
CONTEXTUALIZAÇÃO 6 Ibid., 47.
1 Christopher J. H. Wright, The mission of 7 João Calvino, A Reformation debate:
God: unlocking the Bible’s grand narrati- Sadoleto’s letter to the Genevans and
ve (Downers Grove, IL: InterVarsity Aca- Calvin’s reply, org. John C. Olin (Grand
demic, 2006), 38. Rapids: Baker, 1966), 56.
2 Philip Jenkins, The next Christendom: the 8 G. C. Berkouwer, Studies in dogmatics:
coming of global Christianity (Oxford: faith and sanctification (Grand Rapids:
Oxford University Press, 2002). Eerdmans, 1952), 29.
3 Wright, The mission of God, 43. 9 N. T. Wright, After you believe (Nova
4 John Franke, The character of theology York: HarperOne, 2010).
(Grand Rapids: Baker, 2005), 142.
5 Wright, The mission of God, 42. 6. C omo fazer discípulos
6 Ibid., 42, n. 14. 1 Martinho Lutero, Church postil of 1522,
7 Ibid., 44. citado in Stephen H. Webb, The divi-
8 Ibid., 45. ne voice: Christian proclamation and a
NOTAS 347

theology of sound (Grand Rapids: Bra- como sinônimos no Novo Testamento (p.
zos, 2004), 143. 122-123).
2 Westminster Shorter Chatechism, em The 2 David Barrett, George Kurian e Todd
Book of Confessions (PCUSA: General As- Johnson, World Christian encyclopedia,
sembly, 1991), Pergunta 89. 2i ed. (Oxford: Oxford University Press,
3 Westminster Larger Catechism, em The 2001), 3.
Book of Confessions (PCUSA: General As- 3 Confissão de fé de Westminster, 25.IV-V,
sembly, 1991) Resposta 155. em The Trinity Hymnal, ed. rev. (Atlanta:
4 The Barna group, “Most twenty-some- Great Commission Publications, 1990),
things put Christianity on the shelf folio- 863.
wing spirituality active teen years”, 11 de 4 Willard, The great ommission, 53.
setembro de 2006, http://www.barna.org/
barna-update/article/16-teensnext-gen/l 47. 8. A G rande C omissão e o G rande
most-twentysomethings-put-christianity- M andamento : evangelização e iustiça social
-on-the-shelf-following-spiritually-active- 1 Richard Mouw, “Carl Henry was right” ,
-teen-years ?q=twentysomethings+put+ch Christianity Today, janeiro de 2010, 30-
ristianity+shelf. 33.
5 Christian Smith e Melinda Linquist, Soul 2 Ibid., 30.
searching: the spirituality of America’s 3 Ibid., 32.
teens (Nova York: Oxford University 4 Ibid., 33.
Press, 2007). 5 Para um tratamento útil desse tríplice ofí-
6 J. I. Packer e Gary A. Parrett, Grounded cio e da sua conexão com a igreja, ver Der-
in the gospel: building believers the old-fa- ke Bergsma, “Prophets, priests, and kings:
shioned way (Grand Rapids: Baker, 2010). offices in the church”, em The compromi-
Publicado no Brasil pela Cultura Cristã sed church, org. John Armstrong (West-
com o título Firmados no evangelho, de Chester, IL: Crossway, 1998), 117-132.
J. I. Packer e Gary A. Parrett. 6 Ver o notável estudo de David Van Dru-
men Natural law and two kingdoms in the
7. D iscípulos e disciplina : " E nsinando -os reformed tradition (Grand Rapids: Eerd-
a g u a r d a r t o d a s a s c o is a s q u e v o s t e n h o
mans, 2010).
o rd en ad o "
7 James Davison Hunter, To change the
1 John Zizioulas, Being as communion world: the Irony, tragedy, and possibility
(Crestwood, NJ: St. Vladimir’s Seminary of Christianity in the late modern world
Press, 1997), 195: “De um lado, [o bispo] (Nova York: Oxford University Press,
era entendido como ‘copresbítero’, i.e., 2010 ).
como um - presumivelmente o primeiro 8 William Wilberforce, A practical view of
- dos membros do colégio do presbyte- Christianity, org. Kevin Charles Belmonte
rion” . “Isso é claramente indicado pelo (Peabody, MA: Hendrickson, 1996), 176.
uso de Irineu do termo ‘presbíteros’ para 9 Ibid., X X X V .
referir-se aos bispos (Haer. IV 26:2). Po- 10 Ibid., 1.
de-se entender isso como a sobrevivén- 11 Ibid., 2.
cia de um velho uso no Ocidente, como 12 Ibid., 4-5.
se pode inferir de / Clement 44, IPedro 13 Ibid., 6.
5.1, etc.” (195, nota 85). Em Called to 14 Ibid., 7.
communion, trad. Adrian Walker (San 15 Ibid., 38-39.
Francisco: Ignatius Press, 1996), o papa 16 Ibid., 67.
Bento (então cardeal Ratzinger) reconhece 17 Ibid., 68.
que presbyter e episcopoi são empregados 18 Ibid., 69-70.
348

19 Ibid., 71-72. 9. I ndo além do objetivo original da missão :

20 Ibid., 85. INVENTANDO O NOSSO PRÓPRIO PLANO ESTRATÉGICO


21 Ibid., 87-88. 1 Charles G. Finney, Systematic theo-
22 Ibid., 96-97. logy (Minneapolis: Bethany, 1976),
23 Ibid., 116-137. 31,46,57,179-180, 206-209,236,320-322.
24 Ibid., 160-161. 2 Citado in Michael Pasquarello III, Chris-
25 Ibid., 177-178. tian preaching: a trinitarian theology of
26 Ibid., 179. proclamation (Grand Rapids: Baker Aca-
27 Ibid., 180. demic, 2007), 24; ênfase acrescentada.
28 Ibid., 181-189. 3 Garry Wills, Head and Heart: American
29 Ibid., 189. Christianities (Nova York: Penguin Press,
30 Ibid., 209. 2007), 294.
31 Ibid., 210. 4 Ibid., 302.
32 Ibid., 213. 5 Greg L. Hawkins e Cally Parkinson, Re-
33 Ibid., 214. veal: where are you? (Northbrook, IL:
34 Ibid., 215. Willow, 2007),4, 39,42-44,49,53,65.
35 Ibid., 229.
6 George Barna, Marketing the church (Co-
36 Ibid., 234.
lorado Springs: NavPress, 1988), 37.
37 Ibid., 235.
7 George Barna, Revolution: finding vibrant
38 Ibid.
faith beyond the walls of the sanctuary
39 Ibid., 262.
(Carol Stream, IL: Tyndale House Publi-
40 The Pew forum on religion and public life,
shers, 2005).
“U.S. religious knowledge survey”, 28 de
8 Ibid., última capa.
setembro de 2010.
41 Lisa Miller, “Heaven help him: religious 9 Ibid., 17.
centrists bail on Obama” , Newsweek, 8 10 Ibid., 22.
de fevereiro de 2010, 18. 11 Ibid., 24-25.
42 Ibid. 12 Ibid., 37.
43 C. S. Lewis, “Is theology poetry?”, em C. 13 George Barna, The second coming of the
S. Lewis: essay collection (Londres: Col- church (Nashville: Word, 1998), 7.
lins, 2000), 21. 14 Barna, Revolution, 175.
44 McLaren, A generous orthodoxy, 97. 15 Ibid., 62-63. Seguindo “a ‘onda de esta-
45 João Calvino, A Reformation debate: belecimento de nichos [de mercado]’, na
Sadoleto’s letter to the Genevans and América” , por parte do mercado global,
Calvin’s reply, org. John C. Olin (Grand no esforço de “exigir maior lealdade (e
Rapids: Baker, 1966), 56. lucros)”, agora temos “igrejas designadas
46 João Calvino, Institutes, org. J. T. McNeill, para diferentes gerações, as quais oferecem
trad. F. L. Battles (Filadélfia: Westminster diferentes estilos de música litúrgica, con-
Press, 1962), 1.2.2. gregações que enfatizam ministérios que
47 Ibid., 3.3.19. interessam a populações especializadas,
48 Ibid., 4.20.1-3 e assim por diante. O panorama da igre-
49 Gustav Wingren, Luther on vocation, trad. ja atual oferece essas igrejas tipo butique
Carl C. Rasmussen (Evansville, IN: Ballast ao lado de megaigrejas que oferecem algo
Press, 1994), 2. para todo o mundo. No mercado religio-
50 Ibid., 10. so, as igrejas que têm sofrido mais são as
51 Ibid., 13,31. que se apegaram à ideia de que um só for-
52 Ibid., 42. mato serve para todo tipo de abordagem,
53 Ibid., 43. tipicamente provando que um só formato
54 Ibid., 44. não serve para ninguém” .
NOTAS 349

16
Ibid., 70. 40 Richard Foster, C e le b ra tio n o f d iscip lin e:
17
Frank Viola e George Barna, Pagan Chris- the p a th to sp ir itu a l g r o w th (Nova York:
tianity: exploring the roots of our church HarperOne, 19881. 159.
practices (Ventura, CA: BarnaBooks, 41 Willard, T h e g re a t o m is s io n , xiii.
2008), 136. 42 Ibid., 34-35.
18
Ibid., 197. 43 Ibid., 37.
19
Frank Viola, Reimagining church: pur- 44 Ibid., 30.
suing the dream of organic Christianity 45 Ibid., 64.
(Colorado Springs: David C. Cook, 2008), 46 Ibid., 65.
55,65-66. 47 Ibid., 65-66.
20
Ibid., 31,40,54,56,63,137,220. 48 Ibid., 16.
21
Ibid., 234. 49 Entrevista de Mark Galli com Richard
22
Ibid., 80-81. Foster, “A life formed in the Spirit”, Ch-
23
Ibid., 244. ristianity Today, 12 de setembro de 2008.
24
Jones, The new Christians, 177. 50 Richard Foster, “ Spiritual formation
25
Ibid., 177-178. agenda: three priorities for the next 30
26
Ibid., 4. years”, Christianity Today, 4 de fevereiro
27
Ibid., 216. de 2009, 40.
28
Ibid., 217-218. 51 Willard, The great omission, 35.
52 Ibid., 36.
29
Recente trabalho de erudição especializada
53 Ibid., xiii.
confirmou a existência de três importan-
54 Ibid., 46-47.
tes tipos de grupo que frequentemente têm
55 Ibid., 46.
sido englobados sob o nome de “anabatis-
56 Por exemplo, as formas externas são con-
tas” : os racionalistas, os inspiracionistas
trastadas com o espírito interior, que é in-
e os anabatistas. Ver William Estep, The
flamado diretamente pelo “Espirito”, em
anabaptist story: an introduction to six-
Celebration of discipline, 159.
teenth century anabaptism (Grand Rapids:
57 Stanley Grenz, Revisioning evangelical
Eerdmans, 1996), 10-28.
theology: a fresh agenda for the 21“ cen-
30
G. E. Lessing, Lessing’s theological wri- tury (Downers Grove, IL: InterVarsity,
tings, org. Flenry Chadwick (Palo Alto, 1993), 32.
CA: Stanford University Press, 1957), 18. 58 Ibid., 33.
31
Ibid., 53. 59 Ibid., 38,41.
32
Ibid. 60 Ibid., 41-42.
33 Friedrich Schleiermacher, On religion: 61 Ibid., 44.
speeches to its cultured despisers, trad. 62 Ibid., 45.
Richard Crouter (Cambridge: Cambrid- 63 Ibid., 46.
ge University Press, 1996), 15. 64 Ibid., 48.
34
Citado in Wills, Head and heart, 273. 65 Ibid.
35
Ibid., 302. 66 Ibid., 51.
36
Wade Clark Roof, A generation of seekers: 67 Ibid., 52.
the spiritual journeys of the baby boom 68 Ibid., 55.
generation (San Francisco: Harper-Collins, 69 Ibid., 62.
1993), 23. 70 Ibid., 80.
37
Ibid., 30. 71 Ibid., 88.
38
Ibid., 67. 72 Ibid., 122.
39
McLaren, A new kind o f Christianity, 73 Ibid., 130. Estão em risco nessa perda da
103-104. sola scriptura (somente a Escritura) os
350

corolários solus Christus (somente Cris- 96 McLaren, A generous orthodoxy, 108.


to), sola gratia (somente a graça), sola fide 97 N. T. Wright, Simply Christian (São Fran-
(por meio da fé somente), e soli Deo glo- cisco: HarperCollins, 2006), 201,204.
ria (glória a Deus somente). Esses riscos 98 N. T. Wright, Justification: God’s plan and
não são altos demais para Brian McLaren, Paul’s vision (Downers Grove, Illinois: In-
por exemplo, que censura os cristãos re- terVarsity, 2009), 24.
formados pelo “seu caso de amor com a 99 McLaren, A generous orthodoxy (Grand
palavra latina ‘sola’” . Brian McLaren, A Rapids: Zondervan, 2004), 96.
generous orthodoxy, 23. 100
Ibid., 97.
74 Chesterton, Orthodoxy, 75. 101
Jones, The New Christians, 79.
75 Ibid., 75-76. 102
Ibid., 75.
103 Thomas N. Finger, A contemporary
76 Ibid., 76.
77 Richard Foster, “Thirty-year vision”, Ch- anabaptist systematic theology (Dow-
ristianity Today, janeiro de 2009, 41. ners Grove, IL: InterVarsity, 2004), 216-
78 Ver, principalmente, o excelente livro de 219,291,305,321,468.
Newbigin, The household of God (Carlis- 104 Jones, The new Christians, 101-102.
le, UK: Paternoster, 2002). 105
George M. Marsden, The evangelical mind
79 McLaren, A generous orthodoxy, 105: “O and the new school presbyterian experien-
termo missional surgiu na década de 1960, ce: a case study of thought and theology in
graças à Gospel and our culture network. nineteenth century America (New Haven:
Foi popularizado pelo importante livro da Yale University Press, 1970).
network The missional church (Darrell L. 106
Harvey Cox, The secular city (Londres:
Guder, et al., Grand Rapids: Eerdmans, SCM Press, 1965), 145. Mais recentemen-
1998)” . te, ver seu livro intitulado The future of
80 Ibid., 206. faith (Nova York: HarperOne, 2009).
81 Jones, The new Christians, 108.
107
Willard, The great omission, xiii,xiv.
82 Ibid.
108
Ibid., xv.
83 Ibid., 109.
109
Kimball, The emerging church, 91.
84 Ibid., 72.
110
Ibid., 93.
85 Plínio (o Jovem), Epistles, in A new Euse-
111
Jones, The new Christians, 218.
bius: documents ilustrative of the history
112
Ibid., 189.
of the church to A.D. 337, org. J. Steven-
113
Ibid., 180.
son (Londres: SPCK, 1974), 13-15, citado
114
Ibid., 182.
in Hurtado, How on earth did Jesus beco-
115
Sherry Turkle, Life on the screen (Nova
me a God?, 13. York: Simon and Schuster, 1995), 14.
86 Hurtado, How on earth did Jesus become
116
Confissão Belga, Artigo 35.
a God?, 15.
117
Jones, The new Christians, 183.
87 Ibid., 69-72.
118
Ibid., 183-184.
88 Ibid., 28.
119
Ibid., 204.
89 Ibid., 81.
120
Ibid., 186.
90 Ibid., 79.
91 Ibid.,79. 10 .. Até q u e ele v e n h a : a g r a n d e c er t ez a
92 Jones, The new Christians, 142. 1
A entrevista com Sherwood Wirt, publica-
93 Dan Kimball, The emerging church: vinta- da na revista Decision, foi incluída na obra
ge Christianity for new generations (Grand de C. S. Lewis intitulada God in the dock
Rapids: Zondervan, 2003), 185,194. (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 265.
94 Jones, The new Christians, 13 2
John Newton “Glorious things of thee are
95 Ibid., 17. spoken”, 1779.

Você também pode gostar