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Audiodescrição

Aspectos Teóricos e Práticos


da Audiodescrição

Vera Lúcia Santiago Araújo

1ª edição
Fortaleza - Ceará

2017

Especialização Especialização Especialização Especialização


Especialização em Gestão em Lingua em Educação Física em
em EaD Pedagógica Inglesa na Educação Básica Audiodescrição Pedagogia
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Sumário
Apresentação.......................................................................................... 5
Capítulo 1 – A audiodescrição ............................................................. 7
1. Definição................................................................................................9
2. Histórico............................................................................................... 11
3. Modalidades de AD..............................................................................12
3.1. AD de filmes..................................................................................17
3.2. AD de obras de arte......................................................................20
3.3. AD de peças de teatro..................................................................23
3.4. AD de jogos de futebol..................................................................25
Capítulo 2 – A audiodescrição dentro dos Estudos da Tradução .. 31
1. A tradução como disciplina..................................................................33
2. A visão de tradução dos primeiros audiodescritores............................43
3. Objetividade/subjetividade e neutralidade/interpreta-ção na AD..........50
Capítulo 3 – A Tradução Audiovisual (TAV)....................................... 61
1. Definição.............................................................................................63
2. Modalidades de TAV............................................................................64
2.1. Legendagem.................................................................................65
2.2. Dublagem......................................................................................70
2.3. Voice-Over....................................................................................72
3. A TAV acessível (TAVa).......................................................................75
3.1. Legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE).........................75
Capítulo 4 – A pesquisa em audiodescrição...................................... 79
1. A pesquisa na Europa.........................................................................81
1.1. Projeto TRACCE...........................................................................81
1.2. A Tradução de Roteiros de Audiodescrição..................................85
2. A pesquisa no Brasil............................................................................86
Sobre a autora.................................................................................... 102
Apresentação
EsEste livro tem o objetivo de apresentar as principais questões teóricas sobre
a audiodescrição, principalmente aquelas ligadas à reflexão da prática. Está
dividida em quatro capítulos.
O primeiro capítulo discute a definição de audiodescrição e suas principais mo-
dalidades. Por meio da discussão dos pressupostos teóricos presentes nas de-
finições postuladas por vários pesquisadores, pretende-se que os futuros au-
diodescritores e consultores em audiodescrição tenham a clara dimensão de
sua concepção sobre o que seja audiodescrição. As questões teóricas envol-
vidas nessas definições são a audiodescrição como tradução, a subjetividade/
objetividade envolvidas e as modalidades de audiodescrição. Também foram
abordados os diferentes formatos de audiodescrição (gravada, ao vivo com
roteiro e ao vivo sem roteiro), bem como foram discutidos os procedimentos
de quatro modalidades de audiodescrição: filme, obra de arte, teatro e futebol.
O segundo capítulo procurou situar a audiodescrição como tradução e suas
implicações. Como disciplina acadêmica, insere-se nos Estudos da Tradução,
mais especificamente como subárea da Tradução Audiovisual (TAV). Além
disso, foi feita também uma reflexão teórica sobre a questão da neutralidade/
interpretação preconizada pelos primeiros audiodescritores.
O terceiro capítulo dedica-se aos pressupostos teóricos e procedimentos
tradutórios da TAV e Tradução Audiovisual Acessível (TAVa), subáreas dos
Estudos da Tradução. Foram descritas cada uma das modalidades de TAV
(dublagem, legendagem e voice-over) e TAVa (legendagem para surdos e en-
surdecidos).
O quarto capítulo descreve o estado da arte da pesquisa em audiodescrição
no Brasil e na Europa, detalhando os procedimentos teórico-metodológicos
dos projetos realizados nesses países. A modalidade de AD mais estudada é
a de filmes, já com uma vasta produção tanto aqui como no exterior. Os tipos
de pesquisa utilizados pela maioria são estudos descritivos tanto explorató-
rios, com ênfase nas pesquisas de recepção, quanto baseado em corpus. As
disciplinas que fazem interface com os Estudos da Tradução para analisar a
AD são: Linguística de Corpus, Linguística Sistêmico-Funcional (Sistema de
Avaliatividade), Multimodalidade, Fonética, Fonologia e Fonoaudiologia.

A autora
Capítulo 1
A audiodescrição
9
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

1. Definição
Vamos agora discutir algumas definições de audiodescrição (doravante tam-
bém AD) dada por diferentes pesquisadores para que você, futuro audiodes-
critor ou consultor, construa a sua. Vamos começar pela de Benecke (2004),
um audiodescritor alemão que trabalha para um canal de TV. Ele foi um dos
primeiros audiodescritores profissionais. Essa definição foi adotada pelo gru-
po LEAD (audiodescrição e legendagem) no início da nossa trajetória como
pesquisadores da área (ARAÚJO, 2010, p. 93):

A audiodescrição é uma modalidade de tradução audiovisual definida como


a técnica utilizada para tornar o teatro, o cinema e a TV acessíveis para
pessoas com deficiência visual. Trata-se de uma narração adicional que
descreve a ação, a linguagem corporal, as expressões faciais, os cenários
e os figurinos. A tradução é colocada entre os diálogos e não interfere nos
efeitos musicais e sonoros. Seria a tradução das imagens, do enredo, do
cenário e da ação (BENECKE, 2004, p. 93).

Essa definição é problemática, porque não abrange todas as modali-


dades de AD, sendo adequada apenas para cinema e teatro. Ela exclui a AD
de eventos ao vivo, de obras de arte, de programas de televisão, de material
didático, dentre outras. Na época, acreditava-se que nem todos os produtos
audiovisuais poderiam ser audiodescritos, afirmação totalmente descartada
hoje em dia, já que a AD é uma realidade em quase todas as situações em
1
Não se encontra na
literatura dos Estudos
que a pessoa com deficiência visual (PcDV) necessite do recurso.
da Tradução, mais
Vejam agora como a definição de Benecke foi atualizada por outra mais especificamente, nos
ampla baseada naquela preconizada por dois audiodescritores de obra de estudos de Tradução
arte visual, De Coster e Mulheis (2007). Os dois autores a definem como “um Audiovisual (TAV) nenhuma
meio de traduzir as impressões visuais de um objeto em palavras”. Chamam a referência à tradução
intersensorial. Temos
AD também de tradução intersensorial1, certamente, porque acreditam que a
tradução intersemiótica,
tradução do visual também deve levar em conta os outros sentidos, principal- que seria a tradução entre
mente o tato e o olfato. Num artigo de 2013 (ARAÚJO e OLIVEIRA JR, 2013), dois meios semióticos
tentamos definir melhor o que seria a AD: diferentes, como no caso
da AD que traduz o visual
para o verbal.
10
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

[AD é] a tradução em palavras das impressões visuais de um objeto, seja


ele um filme, uma obra de arte, uma peça de teatro, um espetáculo de dan-
ça ou um evento esportivo. Esse recurso tem o objetivo de tornar esses
produtos acessíveis à pessoa com deficiência visual (ARAÚJO e OLIVEIRA
JR, 2013, p. 90).

Apesar de ser mais abrangente, essa definição ainda não enfatiza a área
da tradução, a qual a AD está contida. A AD se insere na disciplina Estudos
da Tradução, porque se encaixa na classificação de Jakobson (1995), o qual
divide a tradução em três tipos: a interlinguística ou tradução propriamente
dita (texto de partida e de chegada em línguas diferentes), a intralinguística
ou reformulação (texto de partida e de chegada na mesma língua) e a inter-
semiótica ou transmutação (texto de partida e de chegada em línguas em
meios semióticos diferentes). Jakobson só visualizou um tipo de intersemio-
se, a da tradução de um texto verbal para um visual, pensando, certamente,
na adaptação fílmica. Foi Plaza (2001) que ampliou a definição, incluindo aí
todas as possíveis transformações ou traduções intersemióticas, aí incluindo
a tradução do visual para o verbal, na qual a AD se insere. No entanto, a
Tradução Intersemiótica limitou-se aos estudos em adaptação fílmica. Como
disciplina acadêmica, o estudo da AD se estabeleceu mesmo como subárea
da Tradução Audiovisual (TAV), a qual abordaremos mais adiante. Então, para
discutirmos a AD dentro da academia AD teríamos que incluir a TAV nessa
definição. Além disso, é necessário não esgotar a lista de modalidades de AD,
já que a cada dia surgem novas possibilidades de uso.
Vejamos agora mais duas definições sobre o que seria uma audiodes-
crição: a de Aderaldo (2014) e Motta e Romeu Filho (2010). Segundo Aderaldo,

a audiodescrição é uma modalidade de tradução intersemiótica na forma au-


diovisual, isto é, é um texto verbal escrito para ser ouvido ao vivo, pré-gravado
ou com auxílio de leitores de tela em computadores. Por sua natureza voltada
ao compartilhamento, a audiodescrição contribui para o empoderamento e
a inclusão sociocultural das PcDVs no ambiente do trabalho, do lazer e da
família. (ADERALDO, 2014, p. 7)

Nessa definição encontramos duas informações novas. A primeira diz


respeito aos tipos de audiodescrição (pré-gravada, ao vivo ou por meio de
leitores de tela). Detalharemos mais as implicações desta subdivisão quando
tratarmos, ainda nesse capítulo sobre as etapas de elaboração de uma AD.
A segunda informação relaciona-se ao aspecto social que permite à pessoa
11
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

com deficiência visual ter acesso ao entretenimento e à informação gera-


dos pelos meios audiovisuais. Agora a nossa última definição. Para Motta e
Romeu Filho (2010),

A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento


das pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao
vivo, como: peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musi-
cais, óperas, desfiles e espetáculos de dança; eventos turísticos, esportivos,
pedagógicos e científicos tais como aulas, seminários, congressos, palestras,
feiras e outros, por meio de informação sonora. É uma atividade de media-
ção linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma
o visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à
informação, contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar. Além das
pessoas com deficiência visual, a audiodescrição amplia também o entendi-
mento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos (MOTTA e
ROMEU FILHO, 2010, p. 11).

Essa definição quase engloba todas as outras, faltando apenas a alu-


são à TAV, e ainda acrescenta a ideia de que a AD beneficia não apenas às
PcDVs, mas também pessoas com outros tipos de deficiência. Corroborando
essa afirmação, Silveira et alli (2013:201) fizeram uma pesquisa na APAE de
Salvador, apresentando um filme audiodescrito para pessoas com deficiência
intelectual. Os resultados foram bem animadores, sugerindo que a AD contri-
buiu para que os participantes pudessem acompanhar a trama do filme.
Agora chegou a hora de você construir a sua própria definição, 2
Título em inglês: The
baseado/a em todos os aspectos apresentados e discutidos nesta seção.
autobiography of Miss
É importante que esses aspectos sejam contemplados. No entanto, é ainda Jane Pittman: An all-audio
mais importante que vocês acreditem no que estão escrevendo, ou seja, não adaptation of the teleplay
interessa se como profissionais ou pesquisadores, a definição deve conter o for the blind and visually
que você realmente pensa sobre a AD. handicapped, Film and
Communication

2. Histórico
A audiodescrição foi criada no mundo acadêmico em 1975 com a disserta-
ção de mestrado de Gregory Frazier intitulada ‘A autobiografia da senhorita
Jane Pittman: uma áudio-adaptação da peça teatral para cegos e deficientes
visuais, Filme e Comunicação2’. Aderaldo (2014) assim define o trabalho de
Frazier (ADERALDO, 2014: p. 37; ADERALDO e NUNES, 2016; p. 19)
12
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

3
O Chacal foi produzido Gregory Frasier, professor da Universidade de São Francisco, na Califórnia
pelos Estados Unidos, Reino (Estados Unidos), contou que certo dia, enquanto assistia a um filme na tele-
Unido, França, Alemanha e visão em companhia de um amigo cego, notou que seu amigo necessitaria da
Japão, dos gêneros ação
sua ajuda visual para conhecer certos pormenores informados unicamente
e suspense, dirigido por
Michael Caton-Jones com pelo canal visual. Assim, durante o desenvolvimento do filme, Frasier passou
Bruce Willis e Richard Gere. a inserir rápidas descrições de elementos visuais que ele considerava essen-
ciais para o acompanhamento da narrativa.
4
O ‘Signo da Cidade’ foi
produzido pelo atores Bruna
Lombardi e Carlos Alberto
Ricelli e protagonizado pela Ao final da dissertação, apresentou um trecho audiodescrito. Em 1990,
atriz e Malvino Salvador. O seu instituto, o AudioVision Institute ganhou um prêmio por “suas importantes
roteiro e a locução foram
contribuições para levar a AD è televisão”. (FRANCO e SILVA, 2010, p. 25)
realizados pela Midiace.
Conforme Franco e Silva (2010), a primeira audiodescrição como ativi-
5
‘Ensaio sobre a cegueira’
produzido pelo Japão, dade profissional aconteceu em 1981 pelo casal Margaret e Cody Pfanstiehl.
Brasil e Canadá, dirigido por Foi no teatro com a peça Major Barbara exibida no Arena Stage Theater em
Fernando Meirelles e com Washington D.C no Estados Unidos. O casal também fez audiodescrições
roteiro baseado no livro do
para a televisão. Em 1982 audiodescreveram a série American Playhouse.
mesmo título do escritor
português José Saramago, Na época a AD era transmitida simultaneamente via rádio. A AD gravada
vencedor do Prêmio Nobel só aconteceu quatro anos depois com a criação do Programa de Áudio
com Mark Ruffalo e Julianne Secundário (a tecla SAP). (24-25)
Moore.
Além do teatro e do cinema, a AD começou a ser oferecida também em
6
‘Irmãos de fé’ é um do
óperas e cinemas. Em 1994, a ópera ‘Madame Butterfly’ foi audiodescrita. Já
gênero drama religioso,
dirigido por Moacyr Góes para o cinema, o primeiro filme exibido no cinema com audiodescrição foi ‘O
com Thiago Lacerda. Chacal3’ em 1997. Na década de 80, foi ganhando espaço em outros países,
7
‘Chico Xavier’ foi dirigido principalmente na Europa em países como Inglaterra, França, Espanha em
por Daniel Filho, com roteiro
Alemanha. Hoje em dia seu uso acontece em todo o continente (FRANCO e
de Marcos Bernstein. É
baseado no livro ‘As Vidas SILVA, 2010, p. 25)
de Chico Xavier’, de Marcel No Brasil a AD foi apresentada pela primeira vez em 2003 durante o
Souto Maior. No papel de
festival ‘Assim Vivemos’ (COSTA, 2010), o qual trata de filmes com temática
Chico Xavier, o ator Nelson
Xavier. voltada para a deficiência. Em 2007, tivemos o primeiro filme a ser exibido
no cinema com AD, ‘O Signo da Cidade4’. Em seguida veio o ‘Ensaio sobre
8
Baseado em livro de Chico
Xavier, a jornada espiritual a Cegueira5’ em 2008. Já o primeiro filme em DVD comercial foi ‘Irmãos de
conta a história de um Fé6’. A partir de então, vários DVDs foram produzidos tais como ‘Chico Xavier7’
médico, André Luiz, que (2010) e ‘Nosso Lar8’ (2010).
passa por um despertar
depois de sua morte. André Além de DVDs vários espetáculos teatrais, exposições de arte, eventos
Luiz teria se comunicado ao vivo, dentre outros, já receberam a audiodescrição no nosso país.
com Chico Xavier, contando
sua história de dor e
sofrimento em uma espécie 3. Modalidades de AD
de purgatório. O papel de
André Luiz foi do ator Renato Quase todas as produções que possuem elementos visuais a ser harmoniza-
Prieto. dos com o áudio ou que possuem somente imagens estáticas, como pinturas
13
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

e fotografias, podem ser audiodescritas. No entanto, cada uma dessas ativida-


des possui peculiaridades, as quais terão influência na realização de uma AD.
Antes de falar sobre essas modalidades, vamos discutir os diferentes
formatos de AD, pois esses também influenciam o produto final. Esses forma-
tos são gravados, ao vivo com roteiro e ao vivo sem roteiro. A audiodescrição
gravada pressupõe a elaboração de um roteiro com consultoria de PcDV, a
revisão desse roteiro, a locução e a equalização dos dois áudios. No que diz
respeito ao primeiro formato, nós da UECE, utilizamos o programa de legen-
dagem Subtitle Workshop (SW) por causa das facilidades oferecidas. Com
o SW, é possível rodar o filme, escrever a inserção de AD e ainda fazer uma
pré-visualização. O SW foi desenvolvido pela URUsoft. Pode ser encontrado
em várias versões (2.51, 4.0 e 6.0b). A versão 2.51 traz a opção de se colocar
o menu em Português, a 6.0b permite uma visualização total dos filmes com
as legendas. Então para os futuros audiodescritores e consultores, sugiro a
versão 2.51. A Figura 1 traz a tela do SW, versão 2.51.

Figura 1: Interface do Subtitle Workshop 2.51

DESCRIÇÃO DO SW: O programa é composto por um menu horizontal. Em


baixo do menu à esquerda, há várias caixas com opções de configuração do
programa. Abaixo do menu à direita tem uma tela, onde será exibido o filme a
ser audiodescrito. Abaixo da tela, os botões para operar o vídeo, como ligar,
14
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

desligar, parar etc. Embaixo desses botões, aparecem duas caixas de texto,
as quais trazem as inserções. A primeira caixa apenas mostra as inserções
de AD digitadas na segunda caixa localizada embaixo e à direita da primeira.
Na primeira caixa, à esquerda temos o medidor de tempo do filme, chamado
Leitor de código temporal.
9
de TCR, sigla em inglês para Time Code Reader 9 (TCR). São dados dois
TCRs, o do início e o final da inserção localizada ao lado. Na segunda caixa,
além da escrita das inserções de AD, aparece também na parte de cima, o
número de caracteres à medida que são digitados. As opções do menu são
nessa ordem da direita para a esquerda: ARQUIVO, EDITAR, PROCURAR,
FERRAMENTAS, VÍDEOS, PREFERÊNCIAS e AJUDA. A figura traz uma
cena do filme O homem que engarrafava nuvens (2009)10, na qual aparece o
10
Documentário sobre a
vida e música de Humberto rosto de Humberto Teixeira com a legenda HUMBERTO CAVALCANTI, COM
Teixeira, produzido por “I”. Os dados da primeira caixa estão iluminados em azul.
Denise Dumont e dirigido
No menu VIDEO, podemos carregar o filme e no menu ARQUIVO, car-
por Lírio Ferreira. A AD foi
elaborado pelo grupo LEAD/ regar inserções de AD pré-existentes ou começar um arquivo novo. É possível
UECE como parte do Projeto também escolher o formato da inserção (configurações de fonte, cor, tamanho
DVD Acessível patrocinado etc.) no menu PREFERÊNCIAS ou com um simples toque com o botão direito
pelo Banco do Nordeste
do mouse. Além disso, podem-se visualizar à esquerda, os tempos do filme
para o Cine Ceará 2009.
(total e parcial). As linhas abaixo e à esquerda da tela trazem os tempos ini-
ciais e finais da marcação, assim como a duração da legenda. O SW gera um
arquivo que serve de base para a elaboração do roteiro. Esse tipo de arquivo
pode ser conferido abaixo:
1
00:00:17,013 --> 00:00:23,449
Tela vermelha. Desenhos na cor branca vão surgindo, dentre eles: uma fer-
radura, um trevo, uma estrela de Davi e uma cruz.
2
00:00:24,352 --> 00:00:25,977
Good Ju-Ju.
3
00:00:30,463 --> 00:00:33,510
Asylum Films.
4
00:00:38,277 --> 00:00:43,002
Lereby.
5
00:00:47,116 --> 00:00:50,478
Total Entertainment.
15
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

6
00:00:52,488 --> 00:00:56,034
Patrocínio: Petrobras.
7
00:00:57,779 --> 00:01:02,037
Governo do Estado do Ceará.

8
00:01:03,561 --> 00:01:06,810
Banco do Nordeste.
9
00:01:08,322 --> 00:01:11,871
Patrocínio: Eletrobrás e Ministério da Cultura.
10
00:01:13,170 --> 00:01:16,789
BNDES.
11
00:01:17,943 --> 00:01:20,150
Apoio: Gran Marquise Hotel e TeleImage.
12
00:01:21,753 --> 00:01:26,531
Lei do Audiovisual e Lei de incentivo à cultura.
13
00:01:28,473 --> 00:01:30,850
Ancine: Agência Nacional de Cinema.
14
00:01:44,721 --> 00:01:49,106
Tela em preto e branco. Uma mulher caminha por uma rua dentro de
um cemitério.
15
00:02:10,587 --> 00:02:13,325
Aos poucos a tela fica colorida.

Como se pode observar, as 13 primeiras inserções referem-se aos cré-


ditos e as duas últimas já começam a descrever o filme. Antes da locução
16
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

elaboramos o roteiro a partir desse arquivo, como mostra a Figura 2 retirada


de Braga (2013):

Figura 2: Trecho do roteiro de AD de ‘O Grão11’(2007)


Filme de Petrus Cariri
11

audiodescrito na UECE
como parte do projeto DVD Múmero Tempo Tempo Deixa Texto Rubrica
sequencial inicial final
Acessível.

Nº ordem TCR Descrição


- Vamo vê quem joga a pedra mais longe?

114 00:26:58,726=>00:27:05,547 Os dois arremessam pedras no rio várias vezes.


Ao fundo várias carnaubeiras e um lindo céu azul
formam a paisagem.
No interior da casa, a mãe de Zeca observa da porta
115
00:27:11,135=>00:27:20,012 do quintal o entardecer atrás da serra. O vento sopra
balançando as folhagens.
(RÁPIDO)
116
00:27:41,020=>00:27:42,254
As crianças acariciam o cachorrinho.
Fonte: Braga, 2013, p. 141.

O roteiro é formado por três colunas. Na primeira o número da inserção


de acordo com a sequência do filme. Na segunda os tempos iniciais e finais
da Inserção. Na terceira as inserções acompanhadas de instruções para a
locução, ou rubricas. Em azul temos a última fala do filme antes da AD (Vamo
vê quem joga a pedra mais longe?), a qual chamamos de deixa. A outra rubri-
ca relaciona-se à velocidade da inserção. No caso da Figura 2, “As crianças
acariciam o cachorrinho” dura pouco mais de um minuto e precisa ser dita
rapidamente. Daí a rubrica RÁPIDO em vermelho.
As últimas etapas são a revisão, a gravação da locução e a posterior mi-
xagem entre os dois áudios, o da AD e o do filme. A revisão é feita por audiodes-
critores e consultores que não participaram da elaboração do roteiro. Depois de
revistos, os roteiros vão para a gravação. Com a ajuda de um fonoaudiólogo, os
locutores colocam significado na voz aos interpretarem os roteiros.
Finda a descrição da AD gravada, vejamos o segundo formato de AD,
aquele no qual a locução é realizada ao vivo, mas o roteiro é escrito pre-
viamente. Esse formato pode ser encontrado em espetáculos teatrais e em
mostras e festivais cinematográficos, quando a AD seria somente para aquele
evento em si. A diferença entre os dois seria apenas no que diz respeito à en-
cenação, já que num filme não há lugar para improvisações.
Para a AD ao vivo com roteiro, é preciso que os audiodescritores tenham
acesso à encenação. No teatro, é preciso que os produtores forneçam um
17
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

vídeo com o último ensaio e que os audiodescritores estejam no dia da estreia


para conferir os elementos não presentes nesse vídeo para dar os retoques
finais no roteiro. A elaboração tem a mesma sequência do roteiro dos filmes,
mas a locução segue muito mais as rubricas do que os TCRs. (LEÃO, 2013).
Em eventos ao vivo, como jogos de futebol e desfiles de escola de sam-
ba, a locução é feita sem roteiro. No entanto, o audiodescritor deve se prepa-
rar para o evento à semelhança de intérpretes simultâneos, os quais precisam
pesquisas as possíveis informações que serão úteis na hora da locução.
Após essa breve discussão sobre os formatos de AD, vamos agora às
modalidades. Aqui serão mencionadas apenas as mais comuns não sendo
possível esgotar a lista, devido à sua grande variedade: filmes, peças de tea-
tro, obras de arte, e jogos de futebol. No decorrer do curso, essas modalida-
des serão abordadas com mais profundidade.

3.1. AD de filmes
AD de filmes envolve a elaboração, revisão e narração (locução)12 de um 12
Os termos “narração”
roteiro (SEOANE, 2013; BRAGA, 2013). Essa locução será depois mixada e “locução” serão
intercambiáveis: “narração”,
ao som original do filme. Segundo Jimenez-Hurtado (2010, p. 70), a estrutura
porque é o termo utilizado no
narrativa de roteiro de AD deve ser pensada em três níveis: o narratológico, o mercado da audiodescrição
cinematográfico, ou da linguagem da câmera, e o gramático-discursivo. O ní- e “locução”, porque é o
vel narratológico relaciona-se à elaboração das inserções de AD de um rotei- termo acadêmico para a
atividade. Uma locução,
ro. O conteúdo é voltado para a descrição de elementos visuais verbais e não
seria, uma narração com
verbais. Os elementos visuais verbais são textos escritos diegéticos (fazem interpretação.
parte do filme) e não diegéticos (são externos ao filme). Dentre esses ele-
mentos, podemos citar legendas, os créditos iniciais e finais e o logotipo dos
produtores. O Quadro 1 traz um exemplo desses elementos visuais verbais:

Quadro 01: Elementos visuais verbais do filme ‘Corisco e Dadá’ (1996)13 Filme dirigido por
13

Rosemberg Cariri com


TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO
Produzido com o Patrocínio Cultural da Secretaria para o Desenvolvimento Audiovisual Chico Diaz e Dira Paes. A
00:00:01:01 à 00:00:07:06 AD foi produzida na UECE
e da FINEP.
00:00:07:07 à 00:00:14:18 Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, Lei do Audiovisual nº 8685 de 1993. como parte do projeto DVD
00:00:14:19 à 00:00:18:12 Apoio cultural Banco do Estado do Ceará e Banco do Nordeste do Brasil. Acessível.
Os cangaceiros eram homens rebeldes, misto de heróis e bandidos, que lutavam contra
00:00:18:13 à 00:00:25:27
a opressão social e a fatalidade do destino.

Fonte: Seoane, 2013, p. 108.

O quadro mostra parte dos créditos iniciais do filme. As três primeiras são
referentes aos patrocinadores e por fim o início de texto escrito extra-diegético,
contextualizando o tema do filme, as vidas dos cangaceiros Corisco e Dadá.
18
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Os elementos visuais não verbais são divididos em três, a descrição de


personagens, da ambientação e das ações. No que diz respeito aos persona-
gens, geralmente, são descritos os atributos físicos (idade, etnia, aspecto, ves-
tuário, expressões faciais e linguagem corporal. Além disso, os estados emocio-
nais (emoções positivas e negativas), físicos e mentais são também descritos.
O personagem Zeca de ‘O Grão’ é assim descrito segundo Braga (2013):

Quadro 2: Descrição do personagem Zeca


Nº ordem TCR Descrição
Um menino moreno de cabelos curtos, sem
18 00:02:49,707 => 00:02:56,228
camisa e com água na cintura segura uma vara.

Na estrada, Zeca, de perfil, caminha com a


caixa em uma das mãos e o cachorrinho na
79 00:18:10,098 => 00:18:20,417
outra. Usa camisa marrom de mangas curtas. A
vegetação é seca e cinzenta.

As mãos de Zeca cortando uma folha seca


222 01:02:56,405 => 01:03:04,836 preenchem a tela. Ele usa calção verde e está
sem camisa. Seus braços estão sujos.

Lentamente seu rosto é mostrado. Ele tem


223 01:03:28,594 => 01:03:35,397
cabelos e olhos pretos.

As crianças estão sentadas em cadeiras


259 01:16:58,499 => 01:17:08,118 de madeira. Zeca usa um chapéu verde. A
professora volta e distribui ovos coloridos.

Fonte: Braga, 2013, p. 142

Os espaços em silêncio não permitem ao audiodescritor descrever os


personagens de uma só vez como acontece nos romances. As lacunas deixa-
das para a inserção da AD podem não disponibilizar o tempo necessário para
que essa descrição seja feita. No caso em questão, temos a descrição de
aspectos físicos e do vestuário de Zeca que vão sendo revelados em certos
momentos do filme, compondo com a cena. Braga (2013) nos esclarece mais
a esse respeito:

Os personagens não foram descritos de uma vez só, como num conto ou ro-
mance. Seu perfil vai sendo traçado ao longo do filme. Aos poucos, o expec-
tador vai ouvindo pequenos detalhes singulares de cada um deles, tais como
o modo de vestir, a reação diante de uma determinada situação, algumas
características físicas etc. Vale ressaltar, ainda, que a construção da imagem
19
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

dos personagens por parte dos participantes se faz por meio de um misto de
informações contidas no roteiro e nos diálogos. (BRAGA, 2013: p. 142)

O segundo elemento visual não-verbal é a ambientação. Nela são con-


templados a localização (espacial e temporal), assim como a descrição de
espaços internos e externos. O ambiente também pode ajudar na caracteriza-
ção dos personagens, como aconteceu em ‘O Grão’:

Pelas inserções, pode-se ter uma ideia da situação de pobreza em que vive
o menino, já que ele aparece quase sempre sem camisa, com a mesma
roupa ou sujo de terra. Também o ambiente em que vive colabora para a
sua caracterização, pois mostra as condições precárias de subsistência que
aquele lugar tão longínquo oferece (BRAGA, 2013, p. 142).

Podemos observar que o ambiente em que vive Zeca pode mostrar a


aridez presentes em alguns personagens ou estabelecer o contraste entre
essa aridez e o afeto existente entre o menino e sua avó.

Sertão. A paisagem é seca e há duas árvores ao fundo. Atrás delas há


uma cerca de pau-a-pique. Bodes caminham perto das árvores. Ao longe,
o pai tange os animais.

Finalmente, temos a audiodescrição das ações. Aqui se localiza o vo-


lume maior de inserções, já que facilita o acesso ao enredo do filme. Essas
inserções não aparecem isoladas umas das outras. É só conferir no Quadro 2,
o qual vemos que todas as descrições trazem um pouco da história do filme,
ou seja, as ações estão presentes.
Quando ao segundo nível da estrutura narrativa, o cinematográfico ou
da linguagem da câmera, as escolhas do Diretor relacionadas aos ângulos
de câmera, planos, sequências e iluminação dizem muito a respeito do fil-
me e colaboram para que o espectador faça suas inferências sobre o enredo
(Mascarenhas, 2013; 2016). A autora propõe a escolha de itens linguísticos
que revelem essa linguagem. O corpus escolhido foi a minissérie do gênero
policial Luna Caliente exibida na TV em 1999. Para dar destaque aos persona-
gens (Focalização) em cenas de suspense, existe uma “... tendência ao uso
de planos subjetivos, construindo a percepção do agressor sobre a vítima ou
sobre o cenário do crime.” Nesses casos, no roteiro aparecem mais verbos de
percepção ou sinestésicos (2013, p. 195).
20
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

No que diz repeito ao nível gramático-discursivo, várias publicações ten-


tam sistematizar itens linguísticos que seriam sistemáticos na AD. Os dados
de Jimenez-Hurtado, Rodriguez e Seibel (2010:70) sugeriram uma estrutura
linguística na descrição dos sentimentos formada por:
sujeito + verbo de percepção + predicativo.
Um exemplo seria: Alguém sorri satisfeito. Praxedes Filho e Magalhães
(2013, p. 77), utilizando os sistemas de avaliatividade propostos por Martin e
White (2005) propõe que esses sentimentos (chamados pela teoria de tipos
de atitude) sejam descritos a partir do afeto, do julgamento e da apreciação.
No quesito afeto, estariam as avaliações sobre as emoções das pessoas; no
julgamento, a avaliação sobre o comportamento das pessoas; na apreciação,
a área estética dos sentimentos. Exemplos concretos desses tipos de avalia-
ção serão dados quando discutirmos a neutralidade na AD dentro dos Estudos
da Tradução no segundo capítulo.
Para escrever um roteiro de filmes, o audiodescritor não precisa fazer
uma espécie de checklist de todas essas categorias apontadas acima. É preci-
so, no entanto, basear suas escolhas na análise dos elementos mais relaciona-
dos ao gênero do filme. Sempre digo que o audiodescritor ou o consultor preci-
sam estar entre o espectador cinéfilo e o crítico cinematográfico. Não somente
em filmes, mas nos outros gêneros também, é preciso uma familiaridade com
a modalidade de AD para que a tarefa seja facilitada. Será que seria possível
audiodescrever uma pintura para alguém que não suporta frequentar museus?

3.2. AD de obras de arte


A principal estratégia a ser utilizada para quem vai audiodescrever uma obra
de arte é possibilitar uma experiência estética, ou seja, o roteiro e a locução
seriam um caminho para a apreciação ou criação do gosto pela arte. Baseada
em O’Toole (2011), Aderaldo (2013) aponta que a audiodescrição de uma obra
de arte pode ser realizada a partir da descrição dos elementos que podem ser
visualizados pelo espectador (função modal), do tipo de leitura que esses ele-
mentos podem suscitar (função representacional) e da composição estrutural
da obra (função composicional). Nunes (2016, p. 41) assim define as catego-
rias de análise propostas por O’Toole:

Cada uma dessas funções é analisada por meio de um esquema constituído


de quatro unidades que compõem uma imagem, no caso uma pintura: Obra,
Episódio, Figura e Membro, oferecendo um mapa da linguagem artística em
que os sistemas dessas unidades podem ser usados em conjunto ou de for-
ma separada, para que se possa esboçar uma interpretação da obra.
21
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

O Quadro 3 traz alguns elementos dessa relação:

Quadro 3: Funções e sistemas da linguagem visual


UNIDADE/FUNÇÃO REPRESENTACIONAL MODAL COMPOSICIONAL
Ritmo
Gestalt: Proporção
Temas narrativos Modalidade
Enquadramento Geometria
Cenas Olhar
OBRA Horizontais Linha
Retratos Enquadramento
Verticais Ritmo
Interação de episódios Luz
Diagonais Cor
Perspectiva
Ações, eventos
Proeminência relativa Posição relativa na obra
Agentes pacientes - metas
Escala Alinhamento
EPISÓDIO Foco / sequência focal
Centralidade Interação das formas
Sequência secundária
Interação das Modalidades Coerência
Interação de ações
Olhar
Personagem
Postura Posição relativa no episódio
Objeto
FIGURA Caracterização Paralelismo / Oposição
Ato /Postura/ Gesto
Contraste: Subenquadramento
Componentes do Vestuário
Escala/ Linha / Luz / Cor
Coesão: Referência
Parte do corpo / objetos
MEMBRO Estilização (Contraste / paralelismo /
formas naturais
Ritmo)

Fonte: Traduzido de O’Toole, 2011: p. 25

O sistema semiótico é acionado de acordo com as características da


obra a ser audiodescrita. Vejamos o exemplo de Nunes (2016ª, p. 134; 2016b,
p. 205) para o quadro Caçadores na Neve do pintor Belga Pieter Brueghel
(http://virusdaarte.net/pieter-bruegel-o-velho-cacadores-na-neve/). O quadro
faz parte de uma série de 6 quadros (somente 5 ainda sobrevivem) nos quais
o pintor retrata as estações do ano. Eis a audiodescrição do quadro (retratan-
do o inverno) proposta pela autora:

Caçadores na Neve foi pintado por Pieter Bruegel, pintor holandês, em


1565, por encomenda de um mercador de Antuérpia, cidade na época per-
tencente à Holanda. Faz parte de uma série de quadros referentes às esta-
ções e representa o inverno. Encontra-se hoje no Museu de História da Arte
em Viena, na Áustria. O quadro tem 117 cm de altura e 162 cm de largura.
É uma pintura em óleo sobre um painel de madeira. A pintura apresenta
caçadores diante de uma vasta paisagem de inverno em que a brancura da
neve recobre quase toda a superfície da tela. De uma colina espessamente
coberta de neve, no lado inferior esquerdo, entram três caçadores acom-
panhados de uma matilha de cães. Caminham, deixando pesados rastros
22
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

na brancura da neve. Seguem por entre três altos troncos de árvores que
se bifurcam em galhos. Galhos ressecados e desfolhados, salpicados de
neve, que alcançam toda a altura do quadro e nos quais pousam alguns
pássaros. Os caçadores estão de costas para o observador e parecem ca-
minhar em direção ao vilarejo, bem de frente às montanhas do outro lado do
vale. Eles se destacam no cenário pelo tamanho e pelas suas vestimentas
escuras, quase da cor dos troncos das árvores. Caminham curvados, como
se cansados e abatidos. Os cães, cabisbaixos, também denotam cansaço
na forma de se locomover. Apenas um dos caçadores traz um animal nas
costas pendurado numa longa lança ao ombro. Parece ser o único fruto
da caçada, pois os outros dois caçadores carregam somente a lança ao
ombro. À esquerda dos caçadores, três pessoas atiçam um fogo ao lado
de uma casa. A alta casa de tijolos exibe uma placa onde há uma inscrição
e o desenho de um cervo, o que seria indicativo de uma taverna. Seguindo
para o lado direito inferior do quadro, há uma pequena ponte e casas co-
bertas de neve em ambos os lados. Destaca-se, ainda, uma grande roda
de moinho totalmente recoberta de cristais de gelo. A absoluta quietude do
fim de tarde invernal parece ser interrompida por alguns poucos movimen-
tos. Entre a ponte e as montanhas, na superfície de dois lagos congelados,
patinadores, pequenas silhuetas que deslizam sobre o gelo em atitudes de
descontração. Os patinadores participam de diversos jogos e brincadeiras.
Outras pessoas simplesmente sentam à margem dos lagos e observam.
Numa branca e fria estrada que atravessa o vale, bem ao lado esquerdo dos
lagos dos patinadores, uma pessoa puxa um animal conduzindo uma car-
roça com uma carga em direção ao vilarejo, que fica nas proximidades das
montanhas. No canto superior direito, gélidas e pontiagudas montanhas,
com seus íngremes penhascos envoltos em neve. Ao sopé dessas mon-
tanhas, casas com telhados cobertos de neve são fronteadas pela alvura
do vale que se estende diagonalmente na paisagem. A torre de uma igreja,
revestida da brancura da neve, desponta em meio a um aglomerado de
casas que aparece à distância, à esquerda das montanhas. Esse povoado
situa-se na extremidade esquerda do vale e logo ali é feita a conexão com
a linha do horizonte e com um céu de tom cinza esverdeado, às vezes qua-
se alvacento, cor semelhante à dos lagos e das águas do ribeirão. O céu
brumoso, nublado, também se conecta às geladas montanhas ao fundo,
perpassando, assim, toda a superfície superior do quadro e se deixando
entrever por trás dos galhos secos e desfolhados das árvores. Um pássaro
atravessa, em voo solitário, o branco vale em direção às montanhas. Por um
instante, tem-se a impressão de que paira no ar, visualizando toda a cena.
Esse voo do pássaro, quase na altura das montanhas, dá um tom de pro-
fundidade ao vale, nos faz perceber o contraste entre as altas montanhas e
o longo vale entrecortado pelos riachos e lagoas.
23
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Comecemos pela função composicional. A “organização gestáltica das


linhas diagonais, verticais e horizontais” dão ao quadro uma perspectiva de
alguém que vê o quadro de cima para baixo, semelhante ao voo de um pás-
saro que efetivamente aparece à direita, como que conduzindo os especta-
dores para o fundo do quadro. A descrição já traz vários itens lexicais que nos
remete ao inverno, a estação retratada por Brueghel: paisagem de inverno,
brancura da neve, gélidas montanhas, envoltos em neve e cobertos de neve.
O aspecto mais ressaltado na função modal é a cor, principalmente a
cor branca, para remeter o espectador ainda mais para a paisagem de inverno:

.... por meio da repetida utilização de vocábulos do campo semântico de


branco ao longo da descrição. Alguns exemplos: alvo, alvura, brancura, al-
vacento, esbranquiçado. E o uso da palavra neve repetidamente (NUNES,
2016, p. 135).

Finalmente, temos as representações presentes no quadro, as quais


giram em torno de várias cenas que se passam dentro de um dia invernal.
Segundo a autora,

... a obra como um todo desenvolve uma narrativa da cena invernal com seus
diversos episódios estreitamente interconectados, com figuras que desempe-
nham determinados papéis dentro da narrativa (NUNES, 2016, p. 135).

O sistema semiótico de O’Toole (2011) auxilia o audiodescritor a criar


sua leitura do quadro e, assim, poder fazer suas escolhas dentro daquilo que
acredita ser pertinente para se audiodescrever um quadro. Nessa modalida-
de de AD, do mesmo modo que nos filmes, a familiaridade é fundamental do
audiodescritor com a arte, como já dissemos anteriormente. Principalmente,
porque, aqui as questões estéticas se sobressaem e precisam ser destaca-
das. A experiência estética é construída culturalmente, não sendo intrínseca à
obra. Cabe ao audiodescritor utilizar na sua descrição elementos da obra que
suscitem essa experiência estética.

3.3. AD de peças de teatro


Para construir o roteiro de AD de uma peça de teatro, é necessário ter acesso
a um vídeo do último ensaio antes da estreia. Depois é elaborado um roteiro,
o qual será narrado ao vivo. Os elementos contemplados são praticamente os
24
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

mesmos visuais não verbais da AD de filmes (descrição de personagens, do


cenário, da iluminação e das ações) (LEÃO, 2013, p. 32).
14
O espetáculo é de autoria Para a audiodescrição da peça ‘A Vaca Lelé’ (2005)14, foi elaborado
de Ronaldo Ciambroni, com um roteiro
produção do Grupo Bandeira
Artes. Bruna Alves Leão
interpreta a personagem
... voltado diretamente para o público infantil, com o uso de uma linguagem
principal. É também a autora
do texto que serviu de base mais simples e sensível a esse tipo de público, tentando criar uma proximi-
para a exemplificação da dade entre o audiodescritor e as crianças (LEÃO, 2013, p. 33).
AD de Teatro. A locução foi
feita por Klístenes Bastos
Braga, também pertencente Foram utilizadas 35 inserções de AD para descrever os personagens.
ao grupo Bandeira das Artes
Essas inserções apontam
e ao Grupo Legendagem e
Audiodescrição (LEAD) da
UECE.
.... para uma preocupação com a caracterização, principalmente pelo fato
de os personagens se tratarem de animais personificados e por terem um
figurino bem diferenciado. Em alguns momentos esta descrição se preocu-
pa em identificar o estado dos personagens, como em “O espantalho corre
assustado e sobe no tronco”, devido ao fato de esta informação, em alguns
momentos, não ser contemplada nos diálogos.

Cinco inserções apresentam o Espantalho, conforme mostra o Quadro 4.

Quadro 4: Descrição do personagem Espantalho



Descrição
Ordem
As sombras desaparecem. Um foco de luz ilumina um personagem com roupa de retalhos coloridos e chapéu
05
de palha.
06 Ele está em pé com os braços abertos em cima de um pequeno tronco de árvore.
Ele gira e põe uma máscara. Há mais dois troncos sobre um tapete verde no palco. Instrumentos musicais
07
estão espalhados no chão à esquerda.
08 Ele salta do tronco. Luzes brancas e laranjas iluminam o palco.
09 Ele pega um pandeiro.

Fonte: Leão, 2013: p.38

As inserções 05, 06 e 07 descrevem o vestuário e os estados físicos do


personagem, enquanto as duas últimas mostram suas primeiras ações, o que
ajuda também na caracterização.
A descrição do cenário só necessitou de 18 inserções, por causa de
sua simplicidade. Era composto apenas “por um tapete verde, que representa
25
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

o pasto; seis pernas azuis, que representam o céu e três pequenos bancos
em formato de troncos”. (LEÃO, 2013, p. 39)
A iluminação teve ainda um menor número de inserções (15). Conforme
Leão (2013, p. 41), foram priorizados as ações, os figurinos e os personagens,
por que a movimentação destes dentro do cenário que torna a peça mais
interessante. O que foi descrito referente a esse quesito, diz respeito à pas-
sagens do tempo, focalização das cenas dos personagens e à ausência de
luz. Mesmo em pequena quantidade, a iluminação teve papel de destaque na
AD, principalmente porque esse elemento é de muita relevância para o teatro.
A locução é de fundamental importância numa peça teatro, porque é,
por meio dela, que a emoção de estar num espetáculo ao vivo vai chegar para
a PcDV. Já temos uma proposta formatada para os filmes, a qual Bruna Alves
Leão vai avaliar, em sua tese de doutorado em andamento, se essa proposta
se aplica ao teatro. Nessa proposta, são as modulações de voz responsáveis
por descrever esses sentimentos. Ela será abordada no Capítulo 4, mas será
realmente estudada no livro sobre locução. Para finalizar esse item sobre al-
gumas modalidades de AD, veremos a AD de jogos de futebol, em que toda a
descrição é feita ao vivo sem roteiro. O papel da locução é ainda mais essen-
cial do que no teatro.

3.4. AD de jogos de futebol


Desde pequeno, Costa (2015), pessoa com deficiência visual, gosta muito de
futebol e sempre usou o rádio para assistir aos jogos no estádio. No início de
sua pesquisa de mestrado pensava que a locução do rádio poderia substituir a
audiodescrição, uma vez que só ela seria capaz de promover acessibilidade.
Com o objetivo de abordar esta pressuposição, dois grupos de PcDVs
foram ao Estádio Arena Castelão em Fortaleza para assistir ao jogo Ceará
contra a Portuguesa em 22/11/2014. Os participantes foram submetidos a
duas situações: um grupo ouviu somente com a AD e o outro com a AD e a
narração do rádio.
Os resultados mostraram que, para as PcDVs, preferiram uma AD que
contemplasse os detalhes não dados para os espectadores videntes que utili-
zam o rádio nos estádios de futebol e, que também copiasse o estilo de narra-
ção oferecida pelos locutores de rádio. Estes dados corroboram as ações até
agora empreendidas por profissionais de futebol para dar acessibilidade por
meio da audiodescrição.
A AD de uma partida de futebol deve, segundo Michalewicz (2014),
26
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

descrever o dinamismo das jogadas, a linguagem corporal, os gestos e as


expressões faciais dos jogadores, a reação dos treinadores, os comporta-
mentos dos torcedores (por exemplo, a formação de uma ola ou uma dança
nas arquibancadas), as cores e o movimento das bandeiras e as vestimen-
tas dos torcedores.

Michalewickz participou como audiodescritora da Copa da UEFA reali-


zada na Polônia em 2012. Para fazer esse trabalho, recebeu um treinamento
de dois dias, dado por alemães que haviam participado da mesma Copa qua-
tro anos antes. Ela chama a atenção para a questão da formação do audio-
descritor para trabalhar em estádios.
No caso da pesquisa de Costa (2015), o audiodescritor fez uma pesqui-
sa sobre os dois times, focalizando em aspectos como quem são os jogado-
res e como são seus uniformes. Também foram investigados vários aspectos
relacionados à situação dos clubes no campeonato (Série B do Campeonato
Brasileiro), como, por exemplo, qual a posição e a importância do jogo para a
permanência na competição. Essas informações ajudaram bastante na hora
do jogo. Existe uma peculiaridade da AD de jogos de futebol, ela começa an-
tes do início do jogo, não para no intervalo e segue até o esvaziamento do
estádio depois do final do jogo. É uma atividade bastante cansativa, por isso
exige mais de um audiodescritor. Tanto a questão da busca de informações
antes da AD quanto a presença de dois audiodescritores faz com que essa
modalidade se assemelhe à interpretação simultânea. Até mesmo o equipa-
mento é o mesmo, fones de ouvido ligados a um aparelho na mesma frequên-
cia do transmissor do audiodescritor. Esse sistema é usado em todas as ADs
ao vivo, inclusive o teatro.
Apesar de ser uma atividade frequente fora do Brasil, ainda não há mui-
tas pesquisas sobre o assunto que nos ajudem a conhecer a modalidade.
Por enquanto, vamos usando a intuição para conseguirmos chegar a padrões
sistemáticos para a formação de audiodescritores de futebol. O que sabemos
é que é necessário conhecimento na área da locução e do futebol.
27
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Atividades de avaliação
1. Reflita sobre o que foi dito no capítulo sobre audiodescrição e formule sua
própria definição, aquela que vai iniciar o seu TCC vai mostrar sua percep-
ção sobre a AD.
2. Faça uma pesquisa sobre os filmes lançados em DVD no Brasil que contam
com audiodescrição.
3. Escolha uma modalidade de AD de sua preferência e tente descrevê-la
como fizemos no capítulo.

Síntese do Capítulo
O capítulo faz uma rápida apresentação sobre o significado da audiodescri-
ção. Foram delineadas várias definições para que os futuros audiodescritores
e consultores tenham a clara dimensão de sua concepção sobre o que seja
audiodescrição. As questões envolvidas nessas definições são: a AD como
tradução, a subjetividade/objetividade envolvidas e as modalidades de AD.
Também foram discutidos os diferentes formatos de AD (gravada, ao vivo com
roteiro e ao vivo sem roteiro), bem como foram discutidos os procedimentos
de quatro modalidades de AD: filme, obra de arte, teatro e futebol.

Além dos textos referenciados, sugiro que sejam lidos, para um aprofun-
damento maior sobre as modalidades de audiodescrição, os artigos de Livia
Motta e Maurício Santana sobre a audiodescrição de ópera e propaganda,
respectivamente.
MOTTA, L. M. V. M. M. A audiodescrição vai à ópera. In MOTTA, L. M. M.;
ROMEU FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transformando imagens em
palavras. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, 2010, 67-82.
SANTANA, M. A primeira audiodescrição na propaganda da TV brasileira:
Natura Naturé um banho de acessibilidade. In MOTTA, L. M. M.; ROMEU
FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transformando imagens em palavras.
28
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência,


2010, 117-128.

Referências
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site/interativos.php. Acessado em 26/05/2017.
ADERALDO, M. F. Dom Portinari de la Mancha: acessibilidade visual por
meio da audiodescrição. Os novos rumos da pesquisa em audiodescri-
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crição de pinturas artísticas: interface da tradução audiovisual acessí-
vel e a semiótica social-multimodalidade. Tese de Doutorado não-publica-
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cegos: audiodescrevendo Cangaceiros. In ARAÚJO, V. L. S.; ADERALDO,
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ROMEU FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transformando imagens em
palavras. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com De-
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

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Capítulo 2
A audiodescrição dentro dos
Estudos da Tradução
33
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

1. A tradução como disciplina


Para se fazer uma pesquisa acadêmica sobre AD, é preciso definir em que
área do conhecimento ela se situa. Apesar de necessitarmos de interfaces
com várias disciplinas como veremos no Capítulo 4, a AD é abordada priori-
tariamente como modalidade de tradução, estando inserida, portanto, dentro
da disciplina Estudos da Tradução (ET). O que nos coloca dentro dos ET? Em
primeiro lugar, como mencionamos no Capítulo 1, pela classificação do lin-
guista Roman Jakobson (1995) sobre os tipos de tradução: interlinguística ou
tradução propriamente dita, intralinguística ou reformulação e intersemiótica
ou transmutação.
Tradução interlinguística ou tradução propriamente dita é aquela
ocorrida entre duas línguas diferentes. Por exemplo, a tradução do inglês para
o português e vice-versa. Por essa definição, vemos que Jakobson concebia
a tradução apenas pelo seu aspecto linguístico, visto que também denomina
esse tipo de tradução como “propriamente dita”. O que está implícito é a visão
de tradução tradicional e bem dentro do imaginário do senso comum, ou seja,
a tradução ocorre somente entre línguas. A tradução envolveria unidades de
tradução correspondentes ou fieis de uma língua de partida para uma língua
de chegada. Veremos que não é assim que os ET definem uma tradução. No
entanto, foi Jakobson o autor a vislumbrar que a tradução ocorre também em
outros contextos e abriu espaço para a teoria contemporânea de tradução
e para a proposição da tradução como disciplina. Mesmo não comungando
com a concepção de tradução de Jakobson, sua classificação ainda é ado-
tada pelos ET.
Tradução intralinguística ou reformulação é aquela ocorrida dentro da
mesma língua. A legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) é um exemplo
desse tipo de tradução, já que as falas de uma produção audiovisual são trans-
formadas em legendas. A LSE é a tradução dentro do mesmo meio semiótico, o
verbal, só que do oral (as falas) para o escrito (as legendas). Outro bom exem-
plo são os paradidáticos, os quais traduzem textos literários pensados para o
público em geral em forma de um texto mais acessível para aprendizes.
Tradução intersemiótica ou transmutação é aquela ocorrida entre
meios semióticos diferentes: do verbal para o visual e vice-versa; do acústico
para o verbal e vice-versa. Então a AD seria a transmutação/transformação da
imagem em palavras. Outros exemplos seriam a tradução de um texto literá-
34
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

rio, somente verbal, para o filme, texto multimodal e polissemiótico e tradução


do acústico (os sons de um filme) para o verbal (em palavras) na LSE. Como
vimos no Capítulo 1, apesar da classificação de Jakobson, a AD não se filiou
aos estudos de tradução intersemiótica, normalmente mais ligada à adapta-
ção fílmica. A AD está mesmo inserida dentro da Tradução Audiovisual (TAV),
junto com a legendagem, a dublagem, o voice-over e a interpretação. A TAV
será apresentada com mais detalhes no Capítulo 3.
Uma implicação direta de se considerar a AD como tradução seria a de-
finição do que entendemos por tradução, pois nossa visão de tradução deve
estar em consonância com o referencial teórico escolhido. Por esta razão,
antes de abordamos a disciplina Estudos da Tradução propriamente dita, seria
interessante trabalhar o conceito de tradução de cada um de vocês. Pagano
(2000) propõe que antes de começarmos essa discussão, trabalhemos um
pouco nossas crenças sobre tradução. O quadro 5 pontua várias concep-
ções, todas elas baseadas no senso comum. Você vai dizer se C (concorda),
D (discorda) ou NS (não sei).

Quadro 5: Crenças sobre a tradução e o tradutor


Crença C D NS
1. A tradução é uma arte reservada a uns poucos que podem exercê-la graças a
um dom especial
2. A tradução é uma atividade prática que requer apenas um conhecimento da
língua e um bom dicionário
3. O tradutor deve ser falante bilíngue ou ter morado num país onde se fala a língua
estrangeira com a qual trabalha
4. Só se pode traduzir da língua estrangeira para a língua materna, uma vez que só
dominamos esta última.
5. O tradutor é um traidor e toda tradução envolve certo grau de traição
Fonte: Pagano, 2000, p. 11-12

Dizer que a tradução é uma arte significa pensar o tradutor como um


artista possuidor de um talento, só necessitando aprimorá-lo. Deste ponto de
vista, a tradução seria para poucos, ou seja, somente para aqueles com o
dom de traduzir. A atividade de tradução desmente isso. O que a prática mos-
tra é que a tradução é um ofício que pode ser aprendido por qualquer pessoa.
E, como qualquer ofício, exigem-se competências por parte daquele que quer
exercê-lo. Isso sem falar na aptidão para o ofício. Pode-se aprender sozinho?
Segundo uma colega legendista, a resposta é sim. A diferença é que o apren-
diz pode ter em seis meses, o conhecimento que seu instrutor levou anos
para aprender. Então, aqui trataremos a tradução como ofício. Tudo o que
será ensinado terá como meta instrumentalizar o audiodescritor e o consultor
35
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

em audiodescrição com ferramentas que o auxiliem na tarefa tradutória. Para


nós, não é preciso ser artista dotado de um talento inato para produzir uma
audiodescrição.
A crença de que a tradução é uma atividade essencialmente prática
que exige apenas o uso do dicionário e o conhecimento das duas línguas de
trabalho é bastante comum. Na verdade, traduzir é bem mais do que pesqui-
sar em fontes externas, as quais não se resumem apenas ao dicionário. Além
disso, o conhecimento de línguas do tradutor pode não ser suficiente para que
ele faça a tradução. Muitas vezes precisamos recorrer a fonte inimagináveis,
como perguntar a um adolescente como funciona um videogame, por exem-
plo. Temos também a internet, que nos ajuda muito, mas somente um tradutor
experiente consegue fazer as consultas adequadas para ter uma resposta às
suas indagações. Sempre cito o caso de alunos de uma especialização em
língua inglesa, que tiveram que escrever seus trabalhos finais em português,
apesar de as aulas do curso terem sido ministradas em inglês. Eles diziam que
não podiam traduzir os textos, apesar de serem professores experientes de
cursos livres de Fortaleza. Simplesmente não conseguiam dizer em português
aquilo que liam em inglês.
A crença de que só consegue fazer uma boa tradução quem é nativo da
língua ou morou num país de língua estrangeira é desmentida pelo mercado de
tradução no país. Temos atuando no Brasil profissionais que traduzem de e para
diversas línguas. Um intérprete, por exemplo, traduz de e para as duas línguas
que está interpretando. Todos nós que atuamos na área fazemos isso sempre.
Somos mediadores entre várias culturas e procuramos dar acesso a diversas
pessoas a essas diferentes culturas, que não necessariamente é a nossa.
A crença de que o significado está fora do sujeito, sendo, portanto, in-
trínseco ao texto, é a mais comum dentre todas as crenças sobre tradução.
Para muitas pessoas, é possível encontrar sempre uma palavra ou expressão
que seja equivalente nas duas línguas. Não saber qual é palavra ou expressão
implica em traição ao que o autor quis dizer. Significaria dizer que traduzir seria
encontrar essa palavra ou expressão que é intrínseca ao texto. A individualida-
de dos tradutores não influenciaria a tradução. Então a tradução seria objetiva,
atemporal, e independente do tempo e da história. Em outras palavras, não
importa de onde seja o tradutor, a época em que a tradução foi realizada e
nem suas experiências de vida. Seria como se o conhecimento de mundo do
tradutor não influenciasse sua tarefa. Se assim fosse, a tradução automática
dispensaria totalmente a ação humana. Vamos usar como exemplo a ferra-
menta GOOGLE TRADUTOR para refletirmos melhor sobre esta questão.
O texto a ser traduzido para o inglês seria: “Só se pode traduzir da língua
estrangeira para a língua materna, uma vez que só dominamos esta última.”
36
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

O resultado do Google Tradutor foi o seguinte: “It can only be translated from
the foreign language into the mother tongue, since we only dominate the lat-
ter.” Se a afirmação de que o significado está no texto estivesse correta, o
texto já estaria pronto. No entanto, esse texto não é adequado à língua inglesa
necessitando de vários ajustes, tendo o tradutor humano diferentes possibili-
dades dentro da língua inglesa. Uma delas seria: One can only translate from
a foreign language to his/her mother tongue, as the latter is the one he/she can
really master.
Podemos ter várias outras traduções diferentes, dependendo do tradutor
e das circunstâncias envolvidas. No que diz respeito à equivalência, esta é uma
operação matemática que garante a reversibilidade do resultado. Por exemplo
3+1 será sempre equivalente a 4 e vice-versa. Não foi o que aconteceu com a
primeira tradução (It can only be translated from the foreign language into the
mother tongue, since we only dominate the latter) de volta para o português. O
resultado foi: “Só pode ser traduzida da língua estrangeira para a língua mater-
na, uma vez que só dominamos a segunda.” Se continuarmos com este exer-
cício, teremos sempre traduções diferentes que necessitam da intervenção do
tradutor humano. O que esse pequeno execício nos mostra é o caráter subjeti-
vo, histórico e dependente do contexto de todo o processo tradutório.
No que diz respeito à AD, se essa objetividade existisse, significaria di-
zer que não importando sua visão de mundo, sua subjetividade, sua idade,
sua origem, todos os audiodescritores priorizariam a mesma informação vi-
sual e todas as audiodescrições seriam iguais. Segundo essa concepção de
tradução, ao fazermos uma AD, as soluções estariam fora do audiodescritor e
não seriam fruto de sua análise da situação.
Vejamos agora a origem dessa concepção tão arraigada no senso
comum de que a tradução não é um trabalho intelectual, bastando transferir
informações de uma língua para outra, as quais possuem significados está-
veis, independentes do contexto, do sujeito e da história. Para essa corren-
te, a AD não seria considerada uma tradução, já que para eles, a tradução
é estritamente linguística, sendo, portanto, uma subdivisão dessa disciplina.
Teoricamente, é conhecida como Teoria da Tradução com base Linguística.
Vários autores defendem essa teoria, mas vamos ficar com os mais
significativos, já que estamos abordando a tradução para podermos entender
seu impacto na audiodescrição. Catford (1965) propôs a criação de uma teoria
de tradução que pudesse prever os problemas e, a partir da análise linguística
desses problemas, as soluções. Em outras palavras, para fazer uma tradu-
ção entre duas línguas, bastaria buscar essas soluções ou fazer uma análise
contrastiva entre as duas línguas e aí buscar as respostas para os problemas.
Essas respostas seriam aplicáveis a qualquer modalidade de tradução. Já
37
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Nida (1975), propôs a construção de uma teoria da tradução com base em


traduções da Bíblia. Para o autor, os problemas e soluções referentes a essa
modalidade de tradução poderiam ser aplicáveis às outras.
Para os linguistas, a problemática a ser abordada em uma reflexão so-
bre na área seria a resolução da questão da FIDELIDADE ao original e da
relação de EQUIVALÊNCIA entre original e tradução. As perguntas de pes-
quisa seriam: a) até que ponto o tradutor foi fiel às intenções do autor? b) o
tradutor expressou o estilo do original do autor? c) ao não conseguir ser fiel e
equivalente, não seria a tradução, afinal de contas, teoricamente impossível
ou ilegítima? Os resultados desse tipo de pesquisa não revelavam o que es-
tava acontecendo na prática. Por exemplo, como não era possível encontrar
equivalentes para traduzir o humor de uma cultura para outra, pensava-se que
sua tradução era impossível. Na prática sabemos que isso não se sustenta, já
que este tipo de texto encontra tradução em suas várias formas, ou seja, tanto
em textos orais quanto escritos.
Foi a partir desse tipo de constatação que se começou a ver que o
tradutor não buscava o significado no texto original. O ato tradutório acontece
sempre a partir de uma análise do texto pelo tradutor, o qual levaria em conta
o contexto, a história, o público alvo, dentre outros fatores que influenciam
uma tradução. Em resumo, o significado não está no texto e não é estável.
Para cada tradutor uma solução diferente.
Vejamos agora um exemplo dado por Arrojo (1986, p. 32). Ela apresenta
o mesmo texto com instruções diferentes para dois grupos de tradutores. Na
primeira, seria solicitada a tradução do conteúdo de “um bilhete deixado por um
hóspede americano para o seu anfitrião brasileiro, que não domina bem o inglês”:

This is just to say I have eaten the plums that were in the icebox and which
you were probably saving for breakfast. Forgive me, they were delicious: so
sweet and so cold. (ARROJO, 1986, p. 32)

Se esse anfitrião solicitasse uma tradução por algum amigo, uma das
possibilidades poderia ser esta:

Este bilhete é só para lhe dizer que comi as ameixas que estavam na gela-
deira e que provavelmente você estava guardando para o café da manhã.
Desculpe-me, elas estavam deliciosas, tão doces e geladas (ARROJO,
1986, p. 32).
38
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

No entanto, se a solicitação fosse em formato de poema, a tradução


traria um pouco mais de dificuldade. De fato, o texto em questão é um poema
15
William Carlos Williams do poeta americano William Carlos Williams15. A abordagem agora, em face
era um poeta estadunidense deste dado novo, teria que ser diferente. As soluções a serem encontradas
associado ao modernismo. precisariam considerar as peculiaridades de um texto poético. Neste caso, a
Desenvolveu uma poesia
carregada de imagens
análise do tradutor deveria ser mais cuidadosa.
visuais à moda das poesias Vejamos a tradução de Rodrigo Garcia Lopes16
japonesa e chinesa, além de
ser amplamente responsável
pela simplificação da Isto é só pra te avisar
linguagem literária norte- Comi
americana, o que o
as ameixas
aproxima do imagismo.
Utilizou um inglês coloquial que estavam na geladeira
em seus poemas, tendo
influenciado poetas da e que você
Geração Beat, como
provavelmente
Gary Snyder. Prefaciou o
livro “O Uivo” (Howl), de guardava
Allen Ginsberg e foi amigo pro café da manhã
pessoal de Kenneth Rexroth,
usualmente considerado
Desculpe
como o pai deste
movimento. Fonte: Wikipedia. estavam uma delícia
tão doces e tão frias
16
http://estudiorealidade.
blogspot.com.br/2007/02/ O tradutor imaginou um marido que chegou tarde em casa e deixou
isto-s-pra-te-avisar-
esse bilhete bem-humorado para a esposa. Para ele, esse poema simples
de-william-carlos.html.
Acessado em 20/01/2017) e singelo “é uma prova de que tudo, mesmo os acontecimentos mais banais
são matérias para poesia”. Ele ainda diz que tomou a liberdade de mudar o
título. Ao invés de traduzir this is just to say por ‘isto é só pra te dizer’, ele pre-
feriu substituir ‘dizer’ por ‘avisar’. Na verdade, ele não mudou o título, já que
os significados não são imutáveis. Ele usou a palavra que pensou ser a mais
apropriada para a sua leitura do poema.
Para demonstrarmos mais uma vez que são os tradutores que dão
17
http://antoniocicero.
blogspot.com.br/2009/09/ significados ao texto, aqui vai outra tradução de Antônio Cícero17 para o
william-carlos-williams-this- mesmo poema:
is-just-to.html. Acessado em
20/01/2016
Isto é só para dizer
Eu comi
as ameixas
que estavam na geladeira
39
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

as quais você
você decerto
guardara
para o desjejum

Desculpe-me
estavam deliciosas
tão doces
e tão frias

Antônio Cícero não comenta sua tradução, mas dá a ela um tom mais
formal pelo uso de palavras como “decerto”, “guardara”, “desjejum”, além da
forma correta “desculpe-me” ao invés de ‘desculpe’ como o fez o outro tradu-
tor. Qual seria a tradução correta? Ou ideal? Não é possível saber. O que na
verdade se analisa dentro dos Estudos da Tradução não é aquilo que deveria
ser, mas o que efetivamente foi feito. O enfoque principal não é o texto de
partida, não é o original, e sim o texto traduzido. Aliás dentro dos Estudos da
Tradução preferimos chamar o original de texto de partida ou texto fonte, jus-
tamente por causa dessa instabilidade do significado. Além do mais a origem
desse significado difere de sujeito para sujeito. Por exemplo, se assistirmos
uma adaptação fílmica antes de lermos o livro, o texto de partida para nós
será o filme. É o filme que governará nossas inferências quando lermos o livro.
Resumindo, para os linguistas a tradução é MANUTENÇÃO do senti-
do do original; SUBSTITUIÇÃO da mensagem original pela mensagem tra-
duzida; TRANSFERÊNCIA ou TRANSPORTE DE SIGNIFICADOS; NÃO-
INTERFERÊNCIA na mensagem original e garantia de REVERSIBILIDADE
AO ORIGINAL.
Todos os termos em caixa alta (manutenção, substituição, transferên-
cia/transporte de significados, não interferência, reversibilidade ao original) re-
montam à visão de tradução na qual o tradutor não tem nenhum protagonismo
na tarefa. Todos os significados já estão no texto, cabendo a ele apenas des-
cobrir quais são esses significados para manter as intenções do autor, encon-
trando o exato significado que traduz essas intenções. Ao utilizar tais termos, o
audiodescritor e o consultor em audiodescrição estarão trazendo estas ideias
para a sua prática. Muitas vezes deixa de utilizar descrições mais eficientes
para não burlar esta regra. O audiodescritor como pesquisador, também terá
problemas, já que sua análise será governada por prescrições (regras) e não
por descrições. O termo descrição aqui é concebido como análise. Quando
descreve, o profissional ou o pesquisador, analisa o contexto em que a AD
está inserida, levando em conta as singularidades da modalidade de AD, o
público local, sua visão de mundo, etc.
40
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Foi devido a uma reação à concepção dos linguistas sobre tradução,


que surgiram os Estudos Descritivos da Tradução (EDT) na década de 90,
cujo principal representante foi o israelense Gideon Toury (1995). Dentre os
principais pressupostos teóricos, estava o status do texto traduzido, não mais
considerado um texto secundário, produzido por um autor/tradutor. Além des-
se, temos:
1. O estudo de uma tradução deve começar pela análise do texto traduzido
e não pelo cotejo com o original, ou seja, o foco é a tradução e não o texto
de partida.
2. O texto traduzido é visto como parte integrante da cultura de chegada e não
como uma reprodução do texto de partida (EVEN-ZOHAR, 1990).
3. As normas sociais e as convenções literárias da cultura de chegada (a cul-
tura alvo) governam as pressuposições estéticas do tradutor e assim in-
fluenciam as decisões tradutórias (GENTZLER, 2001).
4. Outros elementos, além do linguístico, influenciam o processo tradutório,
como a subjetividade do tradutor e o contexto em que a tradução foi realizada.
5. As prescrições das teorias linguísticas foram substituídas pelas descrições
(análises) dos múltiplos processos de tradução, analisados a partir de uma
perspectiva histórica (GENTZLER, 2001).
Os EDT também propuseram uma metodologia para a análise de tra-
duções. A análise do processo tradutório seria a busca de NORMAS DE
TRADUÇÃO. Nas normas não estariam envolvidas nem regras nem uma
completa subjetividade. Elas seriam algo entre essas duas posições, seriam
intersubjetivas, pois refletiriam regularidades no comportamento de tradutores
em um determinado contexto de tradução. Por exemplo, em traduções passa-
das aqui no Brasil, costumava-se colocar NOTAS DO TRADUTOR todas as
vezes em que fosse difícil encontrar uma tradução. Essa norma hoje mudou,
os tradutores agora colocam uma explicação dentro do texto, numa norma
chamada de EXPLICITAÇÃO. Para Toury (1990, p. 65), então, as normas não
seriam regras, por não serem obrigatórias, não seriam idiossincrasias, por não
serem totalmente subjetivas. Para ele, a tradução está sujeita a limitações
compartilhadas pelos tradutores de uma certa comunidade, sendo influencia-
da pelos aspectos envolvidos na tradução (cliente, público receptor, cultura
da língua de chegada etc.). Essas limitações se transformam em instruções
apropriadas (normas) sobre o que é certo ou errado, adequado ou inadequa-
do e são aplicáveis a situações específicas, mas não funcionam como leis.
A identificação das normas é feita por meio do estudo de um corpus
composto de traduções autênticas e traduções diferentes de um mesmo tex-
to, com o intuito de verificar padrões regulares de tradução (BAKER, 1998, p.
41
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

164). No estudo, aquilo que está disponível para observação não são as nor-
mas em si, mas exemplos de comportamentos regidos por normas. A tarefa
do analista é reconstruir essas normas a partir de fontes textuais (os próprios
textos traduzidos e os textos virtuais analíticos) e extratextuais (formulação
semi-teóricas ou críticas, declarações de tradutores, editores, editoras, pesso-
as envolvidas na tradução, apreciações críticas de traduções individuais etc.)
Foi com base nessa teoria que fiz minha tese de doutorado (ARAÚJO,
2013) sobre a tradução de clichês18 em filmes dublados e legendados. Para 18
Expressões que os falantes
isso, foram analisados 250 clichês e 5 filmes. Os resultados apontaram para de determinada língua
transformam em estereótipos
traduções que seriam gramaticais, mas não naturais em português, como por
e lugares-comuns com o
exemplo traduzir you made day por “você fez meu dia” ao invés da expressão uso recorrente. O significado
mais natural que seria “você me fez ganhar o dia”. Este comportamento tradu- real é substituído por uma
tório pode ser explicado pela imposição dos produtores dos filmes, da lista de função social. Por exemplo,
quando dizemos “Como
estilo das empresas responsáveis pela tradução, pelas restrições de tempo e
vai?” Estamos apenas
espaço nas legendagens e dublagens e, finalmente, pela concepção de tra- cumprimentando a pessoa e
dução dos profissionais envolvidos. não realmente perguntando
como está a vida da pessoa.
Este referencial teórico-metodológico só poderia ser usado para gran-
des quantidades de tradução, tornando complicada a análise de poucos ou
de um só texto traduzido. No entanto, foi muito importante para o reconheci-
mento da tradução como disciplina. Apesar de ser posterior aos Estudos da
Tradução, foram os EDT que ajudaram a solidificar a então jovem discipli-
na. Hoje em dia, serviu de base para os Estudos da Tradução Baseados em
Corpus, como veremos mais no Capítulo 4.
Foi a visão mais abrangente da tradução dos EDT, que possibilitou que
os ET se transformassem numa disciplina independente e não mais perten-
centes à Linguística e à Literatura Comparada. A denominação Estudos da
Tradução veio de uma apresentação de congresso de Holmes (2000) em
1972, a qual traçou também toda a organização da disciplina num mapa.
42
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Figura 3: Mapa de Holmes.


Fonte: Aderaldo, 2014, p.25

De acordo com o mapa de Holmes, os ET estão divididos em duas


grandes subáreas: pesquisa básica e pesquisa aplicada. Na pesquisa bási-
ca, estão incluídos os estudos teóricos e descritivos; na pesquisa aplicada,
o ensino de tradução e o uso de ferramentas por tradutores. A pesquisa bá-
sica se preocupa com a descrição dos fenômenos da tradução, bem como
com o estabelecimento de princípios gerais, tanto para explicá-los como para
prever esses fenômenos. Subdivide-se em estudos teóricos e descritivos. Os
estudos teóricos se subdividem em estudos gerais (parâmetros) e parciais
(modelos), que podem restringir-se ao meio (humano, máquina, misto), à área
(língua e cultura), ao nível (da oração ou do texto), ao tipo de texto ou discurso
(gêneros científicos, religiosos, literários, etc), ao tempo (contemporâneos e
antigos) e ao tipo de problema ((problemas específicos, metáforas, nomes,
etc). Quanto aos estudos descritivos, estes se concentram no estudo dos pro-
dutos (textuais), no estudo do processo (mente) e no estudo da função como
resultado da tradução específica na cultura alvo (contexto).
Os estudos aplicados abrangem a formação, a crítica e as ferramentas
de auxílio ao tradutor, isto é, aqueles aspectos que se referem aos aspectos
43
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

práticos da tradução como a formação para o ensino e treinamento, ferra-


mentas de ajuda léxico-gramatical, posição econômica e social do tradutor,
situação sociocultural da tradução e aproximação da crítica com o tradutor.
Tendo por base essas informações sobre a tradução, vamos agora dis-
cutir a visão de tradução dos primeiros audiodescritores.

2. A visão de tradução dos primeiros audiodescritores


Para refletirmos sobre este assunto, discutiremos os artigos de quatro audio-
descritores (BENECKE, 2004; HYKS, 2005; MATAMALA, 2005; SNYDER,
2005), os quais foram os primeiros a teorizar sobre a sua prática. Benecke
(2004) lançou as bases para o processo de elaboração de uma AD. Em pri-
meiro lugar, vislumbrou a presença do consultor cego. No seu trabalho para a
TV alemã, a AD é elaborada por três pessoas, sendo uma delas uma PcDV,
cuja função é indicar os locais para a descrição, além de apontar que tipo de
informação é necessária para se acompanhar o filme/programa. Além desses
três profissionais, dois revisores (o autor e uma PcDV) concluem o trabalho.
Para Benecke, as etapas de elaboração de uma AD são: 1) escolha do progra-
ma/filme a ser audiodescrito; 2) visualização do programa/filme; 3) preparação
de um rascunho do script; 4) revisão do script pela equipe de audiodescrição;
5) gravação da AD; 6) mixagem dos dois áudios (2004, p. 79-80).
Na época, achava-se que não era possível audiodescrever certos pro-
gramas, como por exemplo, filmes com falas muito rápidas, noticiários, pro-
gramas de variedades etc. Hoje em dia, já sabemos que essa impossibilidade
não existe. Tudo pode ser audiodescrito, desde que seja encontrada a estra-
tégia adequada.
Agora vamos à nossa questão, qual seria a concepção de tradução de
Benecke. Em primeiro lugar, em nenhum momento o autor menciona que a
AD é uma modalidade de tradução, apesar de seu artigo constar numa revista
dedicada à disciplina. A AD é denominada de técnica. Apesar de enfatizar a
complexidade do processo, no final do artigo, ele diz que “uma boa audiodes-
crição deve ser neutra e discreta, mas nunca sem vida ou monótona” (2004:
p.80). Aqui temos uma contradição, como pode algo que está fora do sujeito
(neutra) e ao mesmo tempo não ser monótona? Não seria o próprio sujeito
que torna sua descrição interessante? Quem põe significado tanto no roteiro
quanto na locução não seria o próprio audiodescritor/locutor? No entanto, ape-
sar disso, o autor, no que diz respeito à locução, foi o primeiro a reconhecer a
possibilidade de se estabelecer significados por meio da voz, por mencionar
menciona a importância da locução para a AD. Para nós da UECE, esse texto
foi de fundamental importância para o início do trabalho com audiodescrição
44
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

em 2005. Apesar das contradições teóricas, foi relevante para a AD no Brasil


as reflexões de um audiodescritor atuante como Benecke.
Hyks (2005) acredita que AD não é tradução, porque considera que
a tradução é a reprodução fiel de algo escrito ou falado, enquanto que a AD
exige um trabalho de interpretação, por causa das restrições de tempo e espa-
ço durante sua elaboração. Como Benecke, também faz suas considerações
tendo em mente somente a AD de filmes. Na verdade, a autora, que apesar
de diferenciar tradução e audiodescrição, parece não ter muita certeza deste
posicionamento teórico, pois define a AD como “tradução oral”:

A audiodescrição (AD) é uma tradução oral [grifo nosso], precisa e su-


cinta dos aspectos visuais de uma produção ao vivo ou filmada, exposição
de arte ou evento desportivo para o benefício das pessoas com deficiência
visual. A descrição está colocada nos intervalos de silêncio entre diálogos,
efeitos sonoros ou comentários. No entanto, ao passo que o trabalho de
um tradutor é reproduzir conteúdos de uma língua para outra, a audiodes-
crição é a sinopse realizada com base na descrição da informação visual
(HYKS, 2005, p. 6).

Esta contradição acontece porque, segundo Arrojo (1993) a autora está


sendo fiel às suas convicções sobre o conceito de tradução e não a um origi-
nal estável e imutável. A autora acredita que um tradutor pode produzir “uma
tradução oral precisa e sucinta” e também “reproduzir conteúdos de uma lín-
gua para outra”. Como a AD não se enquadra nessa definição, Hyks não con-
sidera que a AD seja uma tradução.
Para refletirmos ainda mais, vejamos como Arrojo (1993) discute a
questão, analisando uma polêmica entre o crítico literário (e de tradução)
Nelson Ascher e o tradutor Paulo Vizioli sobre a tradução da antologia poé-
19
Poeta inglês do século
XVI considerado o maior tica de John Donne19. Os dois debateram em vários artigos do Jornal Folha
poeta metafísico de todos os de São Paulo, nos quais um respondia às considerações do outro. A crítica
tempos. principal de Nelson Archer às traduções de Paulo Vizioli é que ele não con-
seguiu traduzir a essência de Donne. Para o crítico, esta essência estaria em
Augusto de Campos:

Prosseguindo sua comparação entre as duas traduções, Ascher ob-


serva que o que as distingue, “de fato”, é a “concepção de tradução
que as norteia”. Enquanto a de Vizioli é a “obra empenhada de um
erudito”, “um valioso subsídio para o estudo e a apreciação do au-
tor, correta e esclarecedora”, a de Augusto de Campos é o “traba-
45
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

lho magistral de um poeta”, “o próprio Donne em português”. Entre o


trabalho “erudito” de Vizioli e o trabalho “magistral de poeta”, Ascher
prefere, obviamente, o segundo. Vizioli, “um erudito profissional e
competente, mas poeta amador”, não pode substituir o trabalho de
“um poeta-tradutor e inventor de linguagens profissional”. Enquanto a
tradução de Vizioli é “útil e muito necessária”, por sua “função didáti-
ca e informativa”, somente a de Augusto de Campos é “obra criativa”
(ARROJO, 1993, p. 20).

Paulo Vizioli responde que o crítico considera suas traduções infiéis,


porque elas se distanciam das de Augusto de Campos. Quanto à questão da
temporalidade, ele diz que suas traduções produzem poemas ultrapassados,
porque ele traduz um poeta do século XVI (ARROJO, 1993, p. 21). Na ava-
liação de Arrojo, na verdade, os dois são fiéis às suas convicções sobre suas
visões de tradução e às suas leituras da obra do poeta inglês:

a tradução de um poema e a avaliação dessa tradução não pode-


rão realizar-se fora de um ponto de vista, ou de uma perspectiva, ou
sem a mediação de uma “interpretação.” Portanto, a tradução de um
poema, ou de qualquer outro texto, inevitavelmente, será fiel à visão
que o tradutor tem desse poema e, também, aos objetivos de sua
tradução (ARROJO, 1993, p. 24).

Como exemplo, examinemos três traduções do poema Elegy: going to


bed de John Donne. A primeira de Augusto de Campos, a segunda de Paulo
Vizioli e a terceira de Péricles Cavalcante. A poesia é muito longa, possui
50 versos. Por esta razão, vamos comentar apenas 14 deles que se refe-
rem à canção composta para o poema para fazer parte do álbum ‘Cinema
Transcendental’ de Caetano Veloso. Segundo Ana Cristina César, o poema 20
Os poetas metafísicos
ingleses barrocos do século
XVII praticavam uma poesia
é um festejar de corpo, um poema de sacanagem em grande estilo, um tira meditaitva e filosófica sobre
a roupa meu bem como o que tem de melhor nos poetas metafísicos20: tom a morte, o tempo, Deus
e o amor. Seus principais
de conversa + colagens ou desdobramentos de metáforas precisas, com
representantes eram John
belas ousadias como a do final, quando ele manda a amante se mostrar tão Donne, George Herbert,
liberalmente como se fosse uma parteira (CESAR, 1993, p. 236). Richard Crashaw, Andrew
Marvell, Henry Vaughan e
Thomas Traherne.
46
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Comecemos com a tradução de Paulo Vizioli:

Quadro 5: Tradução de Paulo Vizioli para Elegy:Going to bed de John Donne


John Donne Paulo Vizioli

Licence my roving hands, and let them go


Before, behind, between, above, below.
Concede uma licença à minha mão errante,
Para ir ao meio, encima, embaixo, atrás, adiante.
O, my America, my Newfoundland,
Oh, minha América! Oh, meu novo continente,
Meu reino, a salvo porque um homem tens à frente.
My kingdom, safest when with one man mann’d,
Tenho aqui minhas minas, meu império aqui;
My mine of precious stones, my empery;
Que abençoado sou por descobrir a ti!
How am I blest in thus discovering thee!
Este acordo liberta a quem ele segura;
To enter in these bonds, is to be free;
Onde coloco a mão, eu deixo a assinatura.
Then, where my hand is set, my soul shall be.
Nudez completa, da alegria o cerne e a polpa!
Full nakedness! All joys are due to thee;
Como a alma sai do corpo, o corpo sai da roupa
As souls unbodied, bodies unclothed must be
Para o prazer total. A jóia da mulher
To taste whole joys. Gems which you women use
E maçã de Atalanta, que sua dona quer
Are like Atlanta’s ball cast in men’s views;
Lançar aos tolos, a que, vendo a gema bela,
That, when a fool’s eye lighteth on a gem,
Pensem sequiosos no que é dela, e não mais nela.
His earthly soul might court that, not them.
Como pintura, ou capa de volume, feita
Like pictures, or like books’ gay coverings made
Visando aos leigos, a mulher também se enfeita;
For laymen, are all women thus array’d.
Mas é obra mística, e seu tema se explicita
Somente àqueles a que a graça nobilita,
Themselves are only mystic books, which we
Como nós. Sendo assim, que eu te conheça inteira.
—Whom their imputed grace will dignify —
Must see reveal’d. Then, since that I may know...

Fonte: A autora com base em http://preciosidadesliterarias.blogspot.com.br/2015/11/elegia-xix-indo-para-


cama-john-donne.html acessado em 25/02/2016.

Nota-se que o tradutor segue rigidamente o texto de John Donne como


se fosse o próprio poeta inglês. Produz rimas bem parecidas, procurando pa-
lavras em português que se aproximassem daquelas da língua inglesa. Por
exemplo, a rima Newfoundland e mann’d foi traduzida por “continente” e “fren-
te”. Um texto erudito bem dentro da poesia metafísica, a qual o poeta inglês
era um dos representantes.
A crítica de Nelson Archer é baseada na tradução de Augusto de
Campos, comparando-a com a de Paulo Vizioli. Portanto, o texto de partida
para o crítico não é o texto de John Donne e sim o de Augusto de Campos:
47
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Quadro 6: Tradução de Augusto de Campos para Elegy: Going to bed de John Donne
John Donne Augusto de Campos

Licence my roving hands, and let them go Deixa que a minha mão errante adentre
Before, behind, between, above, below. Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.

O, my America, my Newfoundland, Minha América! Minha terra à vista,

My kingdom, safest when with one man mann’d, Reino de paz, se um homem só a conquista,
My mine of precious stones, my empery; Minha mina preciosa, meu Império,
How am I blest in thus discovering thee! Feliz de quem penetre o teu mistério!
To enter in these bonds, is to be free; Liberto-me ficando teu escravo;
Then, where my hand is set, my soul shall be. Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Full nakedness! All joys are due to thee; Nudez total! Todo o prazer provém
As souls unbodied, bodies unclothed must be De um corpo (como a alma sem corpo) sem vestes.

To taste whole joys. Gems which you women use As joias que a mulher ostenta
Are like Atlanta’s ball cast in men’s views; São como as bolas de ouro de Atalanta:
That, when a fool’s eye lighteth on a gem, O olho do tolo que uma gema inflama
His earthly soul might court that, not them. Ilude-se com ela e perde a dama.

Like pictures, or like books’ gay coverings made Como encadernação vistosa, feita
For laymen, are all women thus array’d. Para iletrados, a mulher se enfeita;

Themselves are only mystic books, which we Mas ela é um livro místico e somente
—Whom their imputed grace will dignify — A alguns (a que tal graça se consente)
Must see reveal’d. Then, since that I may know... É dado lê-la. Eu sou um que sabe

Fonte: A autora com base em https://azeiteealecrim.wordpress.com/2014/06/25/elegia-indo-para-o-leito-de-


john-donne-com-traducao-de-augusto-de-campos/Elegia: Indo para o Leito, de John Donne com tradução
de Augusto de Campos

Como vemos a tradução de Augusto de Campos é bem mais criati-


va, baseada em jogos de palavras e numa materialidade da linguagem bem
mais próxima do Concretismo, movimento ao qual se filia, do que à Metafísica.
(ARROJO, 1993, p. 23).
Finalmente, temos a canção de Péricles Cavalcante, também tendo
como texto de partida a tradução de Augusto de Campos.
48
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Quadro 7: Tradução de Péricles para Elegy: Going to bed de John Donne


Augusto de Campos Péricles Cavalcante
Deixa que a minha mão errante adentre
Deixa que a minha mão errante adentre Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre. Minha América! Minha terra à vista,
Minha América! Minha terra à vista, Reino de paz, se um homem só a conquista,
Reino de paz, se um homem só a conquista, Minha mina preciosa, meu Império,
Minha mina preciosa, meu Império, Feliz de quem penetre o teu mistério!
Feliz de quem penetre o teu mistério! Liberto-me ficando teu escravo;
Liberto-me ficando teu escravo; Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Onde cai minha mão, meu selo gravo. Nudez total!
Nudez total! Todo o prazer provém Todo o prazer provém do corpo
De um corpo (como a alma sem corpo) sem vestes. (como a alma sem corpo) sem vestes.

As jóias que a mulher ostenta As jóias que a mulher ostenta


São como as bolas de ouro de Atalanta: São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama. Ilude-se com ela e perde a dama.

Como encadernação vistosa, feita Como encadernação vistosa,


Para iletrados, a mulher se enfeita; feita para iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente Mas ela é um livro místico
A alguns (a que tal graça se consente) e somente a alguns
É dado lê-la. Eu sou um que sabe (a que tal graça se consente)
É dado lê-la.
Eu sou um que sabe

Fonte: A autora com base em https://azeiteealecrim.wordpress.com/2014/06/25/elegia-indo-para-o-leito-de-


john-donne-com-traducao-de-augusto-de-campos/Elegia: Indo para o Leito, de John Donne com tradução
de Augusto de Campos

No caso da canção, apesar de o texto de partida ser o mesmo de Nelson


Ascher, seu objetivo é outro. Segundo Low (2005, p. 191), para que uma tra-
dução de canção seja efetiva, é preciso seguir cinco critérios: Cantabilidade
(singability), significância, naturalidade, ritmo e rima. A cantabilidade refere-se
ao perfeito ajuste entre a melodia e a letra de uma canção. No caso em ques-
tão, vários versos tiveram que ser retirados (Ver Quadro 7) para que a poesia
virasse letra de música, trazendo assim naturalidade (segundo critério) para a
tradução. Só é possível saber que ‘Elegia’ é uma tradução recorrendo aos cré-
ditos do álbum Cinema Transcendental. O ritmo é o critério relacionado com a
métrica. Reparem que os últimos cinco versos foram transformados em sete
para que a música fosse cantada. As rimas foram quase todas aproveitadas,
com exceção da parte final da canção.
Agora vem a questão, como julgar qual das três versões seria a mais
fiel ao poema? Segundo Arrojo (1993, p. 25), não há como fazê-lo. Todas as
traduções são “legítimas e competentes” e relacionadas às concepções teó-
ricas de seus tradutores. Com base nesta discussão, podemos dizer que, dis-
cordamos de Hyks (2005) sobre a AD não ser uma modalidade de tradução.
49
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

No entanto, apesar de o artigo não ter uma base teórica sólida e nenhuma
observação que possa servir de padrões sistemáticos para dar instruções a
audiodescritores novatos, o texto serviu como um relato interessante sobre
como se fazia a AD no Reino Unido na época.
O artigo de Ana Matamala (2005) apresenta uma descrição do proces-
so sobre como se fazia a AD da ópera Boris Godunov no Liceu de Barcelona
pelo audiodescritor Llorenç Blasi. Segundo a autora, os elementos traduzidos
na ópera foram: a encenação, a legendagem e as informações contidas no
libreto sobre o espetáculo. A preparação envolveu a elaboração de um roteiro
preparado a partir da observação dos ensaios, de um vídeo com todo o espe-
táculo e das informações no libreto.
A AD da encenação envolveu a descrição do enredo, do cenário, dos
figurinos, dos adereços, das expressões faciais, além dos sentimentos dos
personagens, dentre outros elementos. A leitura das legendas também é fun-
damental para que a PcDV acompanhe a ópera. As óperas, normalmente em
língua estrangeira, são traduzidas por legendagem eletrônica (surtitiling)21. No
21
Legendagem eletrônica é
aquela na qual as legendas
caso em questão, as falas foram legendadas do russo para o espanhol e o
são projetadas em tempo
Catalão. Para superar a falta de visão de certos lugares, na frente deles, há real por meio de um projetor
uma tela plana que oferece uma visão completa do palco e das legendas. exclusivo para o lançamento
Orero (2007) chama essa leitura das legendas de audiolegendagem (audio- das legendas. Para
garantir a simultaneidade
subtitling). À semelhança das legendas, as informações contidas no libreto (o
entre legenda e fala, é
script da ópera) também devem ser lidas. Essas informações estão disponí- necessária presença de
veis no site do Liceu. um profissional, chamado
de marcador ou lançador.
Apesar de a autora não apresentar nenhuma base teórica para as ob-
São confeccionadas em
servações feitas, o texto já possui instruções sistemáticas para serem usadas programa de legendagem,
na AD de óperas, as quais provavelmente serão relevantes para o estabeleci- mas precisam ser coladas
mento teórico da área. É importante lembrar que a teoria não surge do nada, uma a uma em lâminas
de apresentação de slides
mas sim de uma reflexão sobre a prática. Para nós da UECE foi um texto mui-
para que sejam lançadas
to importante, quando tivemos que fazer AD de teatro. No texto de Matamala, individual e manualmente.
não há nenhum indício de que não considere a AD como tradução e nem da (ARAÚJO e CHAVES, 2016,
adoção da neutralidade tanto no roteiro como na locução. p. 75)

Snyder (2005) já deu uma definição mais ampla sobre a AD, engloban-
do outros tipos de arte. No entanto, para ele a AD é uma arte e não um ofício
e também uma técnica e não uma modalidade de tradução, como discutimos
no início deste capítulo.

A audiodescrição é uma forma de arte literária. É um tipo de poesia - um


haiku, a qual fornece uma versão verbal do visual. Usando palavras sucin-
tas, vívidas e imaginativas, audiodescritores inserem frases entre diálogos,
50
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

entre textos sonoros durante a realização de eventos de arte e em vídeo ou


filme. O objetivo fundamental é a mesmo: transmitir a imagem visual que
não é totalmente acessível a um segmento da população e não totalmente
realizado por nós, videntes, mas que podem não perceber esses elementos.
(SNYDER, 2005, p. 15)

O autor parece também não vislumbrar a AD como tradução, pois utili-


za a palavra “transmitir” e não “traduzir” a “imagem visual. Mesmo referindo-se
a palavras “vívidas” e “imaginativas”, defende que o audiodescritor deve ser
neutro tanto na elaboração do roteiro quanto na locução.

O narrador guia o público a acompanhar a produção com descrições con-


cisas e objetivas de novas cenas, de cenários, de figurinos e da lingua-
gem corporal, todos colocados entre porções dos diálogos ou das canções.
(SNYDER, 2005, p. 15)

Tanto os trechos do roteiro apresentados quanto os exemplos contidos


no seu sítio (http://www.audiodescribe.com/samples) trazem roteiros e locu-
ções, realizados pelo autor e seus alunos, com linguagem bem rebuscada e
enriquecida pela interpretação dos autores, sendo, portanto, bastante singula-
res, subjetivos e com a assinatura de quem os fez. Para encerrar a discussão
sobre a neutralidade, veremos a seguir o que os pesquisadores em AD têm a
dizer sobre o assunto.

3. Objetividade/subjetividade e neutralidade/interpreta-
ção na AD
Essas questões serão abordadas a partir da perspectiva de Costa (2014) e
Praxedes Filho e Magalhães (2013 e 2015), por terem discutido especifica-
mente sobre a neutralidade em AD a partir de referenciais teóricos adequa-
dos. Costa (2014) corrobora a nossa posição sobre a não neutralidade na AD.
Com base em Braun (2007, p. 6) trata a questão como sendo uma estratégia
escolhida pelo audiodescritor “entre o que [...] quer comunicar explicitamen-
te (explicitação) e pressuposições implícitas que são feitas pelo destinatário
(inferência).” (COSTA, 2014, p. 84). Então, a subjetividade está presente nos
dois casos, a diferença é que na explicitação o “audiodescritor sintetiza a in-
formação verbal explicando o que acontece na cena”, enquanto que quando
adota o critério da inferência “os elementos visuais” são dados “individualmen-
te para que o espectador infira o que acontece”. (COSTA, 2014, p. 84-85)
51
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

É preciso muito cuidado para utilizar a estratégia da inferência, pois a


mesma pode atrapalhar a coerência global, ou seja, a harmonização entre
todas as inserções de AD colocadas num filme. (COSTA, 2014, p. 89). Numa
das nossas primeiras audiodescrições, tivemos um problema relacionado
a isso. Na AD do filme ‘O Homem que Engarrafava Nuvens22’, optamos por Documentário brasileiro
22

utilizar a inferência para descrever Denise, a filha de Humberto Teixeira. Ela de 1h e 47 minutos sobre
aparece em todo o filme, entrevistando vários artistas brasileiros sobre seu a vida de Humberto
Teixeira de 2009. O filme
pai, tema principal do documentário. O filme começa com ela andando pelo
é dirigido por Lírio Ferreira
cemitério onde o pai foi enterrado. Depois da leitura dos créditos, as inserções e protagonizado pela filha
foram as seguintes: do compositor (Denise
Tela em preto e branco. Uma mulher caminha Dumont) e mais vários
por uma rua dentro de um cemitério. artistas brasileiros como
Caetano Veloso, Sivuca,
Gal Costa, Chico Buarque,
Aos poucos a tela fica colorida. dentre outros.

A mulher tem pele branca e cabelos ruivos. Ela


vira à direita.

Esculturas de dois anjos preenchem a tela.

Outra escultura de um anjo apontando para o


céu surge na tela.

A mulher caminha entre os túmulos. Ela usa


óculos escuros e blusa branca.

Ela carrega uma bolsa debaixo do braço e se-


gura um pequeno ramalhete.

Vista pelas costas, a mulher caminha por entre


os túmulos.

Rosto da estátua de um anjo com a mão no


queixo preenche a tela.

Ela toca em algumas plantinhas e chega ao tú-


mulo de seu pai. Para e olha a foto dele.

Três esculturas de anjos preenchem a tela,


uma delas faz sinal de silêncio.
52
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Plantas do túmulo de Humberto Teixeira preen-


chem a tela.

Lápide de Humberto Teixeira, onde está escri-


to: Dr. do Baião - “Enquanto existir a palavra
amigo o teu nome será lembrado.” 05/01/1915
a 03/10/1979.

O Corcovado coberto por nuvens é visto


do cemitério.

A tela escurece.

Nesse momento, Denise começa a falar sobre seu pai. Acreditávamos


que as PcDVs facilmente reconheceriam a voz dela, além de ligarem essa voz
ao nome por ele ser repetido muitas vezes por alguns dos entrevistados. Não
foi isso que aconteceu. Vários espectadores tiveram dificuldades em fazer
esta ligação. Um deles disse que se só percebeu que a entrevistadora era
Denise na metade do filme e ficou se perguntando porque não demos logo
essa informação. A audiodescrição tem coerência local, ou seja, faz sentido
neste trecho. No entanto, criou um ruído para o acompanhamento da obra
como um todo. Muito mais do que estar preocupado se deve ou não inter-
pretar, é importante que o audiodescritor opte por inserções de AD que vão
permitir um bom fluxo do filme (COSTA, 2014, p. 89).
Problema semelhante também foi observado por Silva (2012) ao anali-
23
Filme de 2007 de 95 sar a descrição de personagens no filme O Signo da Cidade23. O personagem
minutos foi dirigido por Orievaldo aparece no início do filme (4m25s) assaltando um casal. Como ele
Carlos Alberto Ricelli, é um personagem secundário, a descrição foi bem sucinta: “Eles [um casal]
roteirizado e protagonizado
por Bruna Lombardi.
são abordados por um assaltante”. Mais ou menos 15 minutos depois, ele
reaparece e teve as seguintes inserções:

Orievaldo, o assaltante, desce a escadaria de uma favela com sua filha

Orievaldo, o assaltante, chega ao hospital com sua filha no colo

Mesmo com a menção à primeira referência, devido à distância entre a


primeira referência e as duas enunciadas acima e também ao fato de a perso-
nagem ser secundária, a inferência de que Orievaldo roubava para ajudar no
tratamento de sua filha pode ter sido prejudicada. Talvez se seu nome tivesse
53
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

sido explicitado na primeira aparição, essa inferência por parte da PcDV teria
sido mais provável. Podemos dizer que embora não houvesse incoerência
local, a estratégia prejudicou a coerência global.
Outra pesquisa que se debruçou sobre a neutralidade na AD foi a de
Praxedes Filho e Magalhães (2013 e 2015). Por meio da Linguística Sistêmico
Funcional, mais especificamente, sobre o Sistema de Avaliatividade (SA), con-
duziu um estudo descritivo para avaliar AD de pinturas em inglês e português.
O SA avalia as escolhas lexicogramaticais do escritor/tradutor/audiodescritor
a partir de vários níveis de delicadeza. Aqui serão descritos apenas dois ní-
veis, os quais foram aqueles utilizados pelos autores.

Figura 3: Rede de Sistemas de Avaliatividade até o segundo nível de delicadeza:


Fonte: Praxedes Filho e Magalhães, 2015, p. 111

No primeiro nível de delicadeza, temos os termos escolhas de ATITUDE,


nos quais os sentimentos são avaliados positiva ou negativamente; os de
ENGAJAMENTO, nos quais os posicionamentos “sobre o que diz e via a re-
lação entre o dizer autoral e outras vozes avaliativas”; os de GRADAÇÃO,
nos quais são avaliados “a amplificação ou redução do grau das avaliações
atitudinais e do grau de avaliação das vozes autorais e a relação entre estas e
as vozes não autorais” (2015, p. 108).
No segundo nível delicadeza, no que diz respeito à ATITUDE, temos
mais três termos de escolha: AFETO, JULGAMENTO E APRECIAÇÃO:

O ‘afeto’ diz respeito a avaliações/interpretações sobre as emoções das pes-


soas (alegre/triste, confiante/inseguro, realizado/frustrado); o ‘julgamento’tem
a ver com avaliações/interpretações sobre o comportamento das pessoas,
podendo envolver valores que comprometem o indivíduo perante o círculo
de pessoas de seu convívio (determinado/preguiçoso) ou valores de caráter
que comprometem o indivíduo perante a lei (honesto/corrupto); a ‘apreciação’
54
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

contempla avaliações/interpretações sobre o aspecto estético das coisas,


das pessoas e dos fenômenos semióticos e naturais (atraente/desinteressan-
te, harmonioso/desajeitado, inovador/ultrapassado).

Ainda dentro do termo escolha atitude, os tipos de polaridade e tipos


de realização de atitude. Quanto aos tipos de polaridade, as realizações lexi-
cogramaticais podem ser POSITIVAS, NEGATIVAS ou AMBÍGUAS. No que
diz respeito aos tipos de realização de atitude podemos ter termos escolhas
INSCRITOS (explicitamente realizados) ou EVOCADOS (implicitamente rea-
lizados). Sobre esse tipo de realização de atitude os autores dizem que:

Enquanto a realização inscrita se dá através de itens lexicais e/ou estrutu-


ras que são declaradamente avaliativos (“Um menino corajoso de 5 anos
salvou sua irmã de um incêndio”), a realização evocada acontece ou por
provocação através de metáforas lexicais (menor nível de implicitude) (“Um
menino de 5 anos agiu como adulto e retirou sua irmã de um incêndio”) ou
por convite-sinalização através de avaliação de ‘gradação’ (dentre outros
meios) (nível intermediário de implicitude) (“Um menino de 5 anos tentou
muito retirar sua irmã de uma incêndio”) ou por convite-propiciação atra-
vés do conteúdo ideacional-experiencial representado na configuração
Processo-Participantes-Circunstâncias (maior nível de implicitude) (“Um
menino de 5 anos retirou sua irmã de um incêndio”). (PRAXEDES FILHO E
MAGALHÃES, 2015, p. 109)

Podemos ver que os tipos de realização de atitude se assemelham bas-


tante à proposta de Braun sobre inferência e explicitação.
No segundo nível de delicadeza, no que diz respeito a ENGAJAMENTO,
há duas possibilidades, a MONOGLOSSIA, relativa a “asserções categóricas”
que não dão margem a questionamentos, como, por exemplo, “Está choven-
do” e a HETEROGLOSSIA, na qual, outros pontos de vista são levados em
conta, como por exemplo, “Pode estar chovendo”.
Finalmente, para concluir o segundo nível de delicadeza, temos os ti-
pos de GRADAÇÃO, que são FORÇA (avalia intensidade ou quantidade) e
FOCO (avalia coisas não quantificáveis, mas ainda sim graduáveis quanto à
sua representatividade ou prototipicalidade perante uma dada categoria). À
semelhança da ATITUDE, existe também uma outra classificação que aliada
à força e foco, que são os termos AUMENTANDO e DIMINUINDO.
55
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Através da escolha do termo ‘força’, o falante-escritor ajusta as avaliações/interpretações


quanto à sua intensidade (muito corajoso - andar vagarosamente – pouco provável) ou
quantidade (vários alunos - alto/baixo - próximo/distante - recente/antigo). (PRAXEDES
E MAGALHÃES, 2015, p. 109)

[....]

[Exemplo de foco - AD do quadro Sem Título - série Olhos que não que-
rem ver] um homem branco apresenta um cabelo de corte arredondado
(característico dos índios caiapós], pintado com tinta avermelhada, com va-
riações de tons marrom e preto tracejando fios de cabelo. (PRAXEDES E
MAGALHÃES, 2015, p. 122)

Os resultados indicaram uma maior adesão do parâmetro da neutralida-


de por parte dos brasileiros. Isto pode ter acontecido pelo fato de os america-
nos, os quais professam esse parâmetro, já estarem fazendo audiodescrição
há mais tempo e, intuitivamente, já podem ter percebido que o mesmo é difícil
de ser implementado. Já os brasileiros, ainda acreditam na possibilidade, pro-
duzindo textos mais lacônicos e menos interpretativos.
Para concluir esta subseção, vejamos a análise da AD do quadro apre-
sentada no Capítulo 1, na qual a autora acredita ser impossível produzir um
texto dentro desta modalidade de AD sem interpretar, ou seja, sem colocar
sua visão de mundo e da arte. O quadro é ‘Caçadores na Neve’ (NUNES,
2016ª, p. 134; 2016b, p. 205)
No que diz respeito à ATITUDE, temos apenas duas inserções. Já que
o foco é a paisagem, nos elementos relacionados ao inverno (GRADAÇÃO) e
no posicionamento (ENGAJAMENTO) da audiodescrição em relação à aná-
lise do quadro. A primeira inserção de ATITUDE, diz respeito ao afeto. A AD
mostra explicitamente (inscrita e negativa) o estado emocional tanto dos ca-
çadores quanto dos cães.

Caminham curvados, como se cansados e abatidos. Os cães, cabis-


baixos, também denotam cansaço na forma de se locomover. (NUNES,
2016b, p. 205)

A outra inserção diz respeito à apreciação sobre o estilo de Brueghel no


que diz respeito à presença do pássaro no quadro.
56
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Um pássaro atravessa, em voo solitário, o branco vale em direção às mon-


tanhas. Por um instante, tem-se a impressão de que paira no ar, visuali-
zando toda a cena. Esse voo do pássaro, quase na altura das montanhas,
dá um tom de profundidade ao vale, nos faz perceber o contraste entre
as altas montanhas e o longo vale entrecortado pelos riachos e lagoas
(NUNES, 2016b, p. 205).

É como se o espectador visse o quadro de cima e parasse um pouco


para apreciar todos os detalhes.
No que diz respeito ao ENGAJAMENTO, a autora modaliza e divide com
outras vozes as impressões sobre o quadro. Portanto, é a HETEROGLOSSIA
que predomina na AD.

Os caçadores estão de costas para o observador e parecem caminhar em


direção ao vilarejo, bem de frente às montanhas do outro lado do vale.

[....]

Caminham curvados, como se cansados e abatidos.

[....]

Apenas um dos caçadores traz um animal nas costas pendurado numa lon-
ga lança ao ombro. Parece ser o único fruto da caçada, pois os outros dois
caçadores carregam somente a lança ao ombro.

[....]

A alta casa de tijolos exibe uma placa onde há uma inscrição e o desenho
de um cervo, o que seria indicativo de uma taverna.

[....]

A absoluta quietude do fim de tarde invernal parece ser interrompida por


alguns poucos movimentos.

[....]
57
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Por um instante, tem-se a impressão de que paira no ar, visualizando toda


a cena. (NUNES, 2016b, p. 205)

Vários itens lexicais relacionados ao inverno são intensificados (FORÇA) ou gra-


duados em relação a um protótipo (FOCO).
FORÇA FOCO
Esse povoado situa-se na extremidade esquerda
A pintura apresenta caçadores diante de uma vasta
do vale e logo ali é feita a conexão com a linha do
paisagem de inverno em que a brancura da neve recobre
horizonte e com um céu de tom cinza esverdeado,
quase toda a superfície da tela.
às vezes quase alvacento, cor semelhante à dos
lagos e das águas do ribeirão.
De uma colina espessamente coberta de neve, no lado
inferior esquerdo, entram três caçadores acompanhados de
O céu brumoso, nublado, também se conecta às
uma matilha de cães.
geladas montanhas ao fundo, perpassando, assim,
toda a superfície superior do quadro e se deixando
Seguindo para o lado direito inferior do quadro, há uma
entrever por trás dos galhos secos e desfolhados
pequena ponte e casas cobertas de neve em ambos os lados.
das árvores.
Destaca-se, ainda, uma grande roda de moinho totalmente
recoberta de cristais de gelo.

Podemos constatar que as avaliações/interpretações contidas no ro-


teiro enriquecem o texto da AD, tornando-o mais agradável às pessoas com
deficiência visual. Este assunto será melhor discutido no Capítulo 4 dedicado
à pesquisa em AD, no qual iremos comentar pesquisas de recepção e, dentre
elas, a recepção a esta pintura audiodescrita.

Atividades de avaliação
1. Na sua opinião, quais seriam as implicações para o trabalho do audiodes-
critor considerar a audiodescrição como tradução?
2. Você está convencido/a de que a audiodescrição não é neutra? Diga porque.

Síntese do Capítulo
O capítulo procurou situar a audiodescrição dentro dos Estudos da Tradução,
fazendo uma discussão sobre o conceito de tradução e suas consequentes
implicações para a audiodescrição. Foi feita também uma reflexão teórica so-
bre a questão da neutralidade/interpretação dentro da audiodescrição.
58
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Recomendo a leitura do livro de Rosemary Arrojo intitulado Oficina de Tradução


para uma melhor compreensão de concepção de tradução.
ARROJO, R. Oficina de tradução. São Paulo: Ática, 1986.

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Paulo: USP, 2000.
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59
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

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VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

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Capítulo 3
A Tradução Audiovisual (TAV)
63
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

1. Definição
A TAV (Audiovisual Translation ou AVT em inglês), como subárea dos Estudos
da Tradução, é aquela voltada para as práticas de tradução nos meios de co-
municação, os quais envolvem os meios audiovisuais (cinema, teatro, DVD,
Blue Ray, além de eventos artísticos e esportivos), ou pelo menos um deles,
já que essas práticas também aparecem no rádio. Pode ser inter (entre duas
línguas diferentes, como por exemplo, um filme traduzido do inglês para o
português) ou intralinguística (dentro da mesma língua, como por exemplo,
a legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) com áudio e legendas na
mesma língua) ou intersemiótica (entre meios semióticos diferentes, como a
audiodescrição que traduz imagens - meio visual - em palavras - meio verbal).
Antes da atual denominação, a área foi chamada de TRANSFERÊNCIA
LINGUÍSTICA (Language Transfer), TRANSFERÊNCIA LINGUÍSTICA
AUDIOVISUAL (Audiovisual Language Transfer), TRADUÇÃO PARA A TELA
(Screen Translation) e TRADUÇÃO DE MULTIMÍDIA (Multimedia Translation).
Os dois primeiros nomes foram utilizados na Europa no início da década de
1990 por profissionais da área, os quais não concebiam a TAV como tradu-
ção. Conforme vimos no Capítulo 2, muitos profissionais da área têm dificul-
dades em teorizar sobre sua atividade.
Tradução para a Tela, como o próprio termo diz, tem como meio de
exibição a TV, o computador e o cinema. (ARAÚJO e FRANCO, 2011). Foi
escolhido por Gambier (2003) para dar título ao número especial do periódi-
co britânico The Translator, contendo artigos dos principais pesquisadores da
área, na maioria europeus. Eu e Eliana Franco (FRANCO e ARAÚJO, 2003)
éramos as únicas não europeias a contribuírem com o número especial. Na
introdução, vê-se a confusão do autor em relação ao termo, já que no seu
texto, além de Tradução para a Tela, aparece também TAV e Tradução de
Multimídia. Apesar de ter o usado o termo Tradução de Multimídia num livro or-
ganizado dois anos antes (GAMBIER e GOTTLIEB, 2001), Gambier comenta
sobre a inadequação dessa denominação para a área:

Outra expressão que está ganhando terreno é Tradução de Multimídia, mas


essa expressão causa uma certa confusão já que algumas vezes ela pode
se referir ao teatro, aos quadrinhos e aos filmes e outras vezes à TV, ao ci-
nema, ao vídeo, a produtos on-line e off-line e a serviços (tais como página
64
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

da web, CDs e games) - como se não houvesse diferenças entre essas mí-
dias (TV, cinema e computador) e os códigos visuais e verbais. (GAMBIER,
2005, p. 171-172).

No livro de 2001 junto com Gottlieb, o comentário sobre a indefinição do


termo aparece tanto no conteúdo dos artigos, quanto na denominação dada
pelos autores da área, que também a chamavam de Tradução Audiovisual.
A TAV, então, acabou sendo o nome consensual nos dias de hoje, tanto para
profissionais quanto para pesquisadores. A mesma confusão sobre a denomi-
nação da área também apareceu na categorização das modalidades de TAV
como veremos na próxima subseção.

2. Modalidades de TAV
Na introdução de Screen Translation (2003), Gambier propõe a seguinte clas-
sificação para as modalidades de TAV:

[...] legendagem interlinguística ou legenda aberta (interlingual subtitling ou


open caption), legendagem bilingue (bilingual subtitling), dublagem (dub-
bing), dublagem intralingual (intralingual dubbing), interpretação conse-
cutiva (consecutive interpreting), interpretação simultânea (simultaneous
interpreting), interpretação de sinais (sign language interpreting), voice-
over ou meia-dublagem (voice over ou half dubbing), comentário livre (free
commentary), tradução à prima vista ou simultânea (simultaneous or sight
translation), produção multilinguística (multilingual production), legendagem
intralinguística ou closed caption (intralingual subtitling ou closed caption),
tradução de roteiro (scenario/script translation), legendagem ao vivo ou em
tempo real (live or real time subtitling), supra-legendagem ou legendagem
eletrônica (surtitling) e audiodescrição (audiodescription), nessa ordem.
(FRANCO e ARAÚJO, 2011, p. 2)

No que diz respeito à legendagem, na nossa opinião (FRANCO e


ARAÚJO, 2011), todas as modalidades citadas como independentes estão,
na verdade, incluídas dentro da legendagem. Muitas até categorizadas erro-
neamente, como é o caso da legenda interlinguística, citada como sinônimo
de legenda aberta, ou seja, aquela a qual está sempre disponível para o es-
pectador sem que ele necessite de nenhum recurso para acessá-la. Como
exemplo de legendas abertas que não são interlinguísticas podemos citar as
da campanha eleitoral (ARAÚJO, 2009). Do mesmo modo, podemos afirmar
que nem toda legenda intralinguística é closed caption. Aliás, aqui Gambier
65
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

classifica todas as legendas para surdo como intralinguísticas e elaboradas a


partir do sistema norte-americano de closed caption. O DVD exibe legenda-
gem interlinguística utilizando esse sistema. Discutiremos melhor os tipos de
legendagem mais adiante.
Também não faz sentido a classificação de voice-over como “meia du-
blagem”. A dublagem implica na participação de atores e de um diretor, na
qual os atores fazem a interpretação por meio da voz das falas de uma produ-
ção audiovisual. As vozes do texto de partida são completamente apagadas,
o que não ocorre no voice-over. Ainda podemos ouvir o texto de partida em
volume mais baixo do que o texto traduzido. Enquanto a dublagem é usada
para dar a ilusão de que a produção audiovisual pertence à língua de chega-
da, o voice-over, pelo menos nos países ocidentais, mostra claramente que
se trata de uma tradução.
Finalmente, apesar das interpretações citadas por Gambier (2003) se-
rem realizadas nos meios audiovisuais, elas são modalidades de interpretação
e não de TAV (FRANCO e ARAÚJO, 2011). No que diz respeito à tradução à
prima vista ou simultânea e a tradução de roteiro, elas

se caracterizam por serem: a primeira, uma tradução de documento escrito


para o discurso oral e a segunda, uma tradução de um documento escrito
para outro documento escrito, ou seja, nenhuma delas se caracteriza por
acontecer através de uma tela, necessariamente. Por exemplo, uma tradu-
ção à prima vista pode acontecer no tribunal, quando o tradutor traduz na
hora os escritos do processo na língua nativa para a língua dos acusados
estrangeiros; a tradução de roteiro já é, por sua vez, como a de um livro,
independentemente do fato de que aquele roteiro será levado às telas do
cinema ou ao palco do teatro. (FRANCO e ARAÚJO, 2011, p. 2)

Então, atualmente, são reconhecidos por pesquisadores da área, qua-


tro modalidades de TAV: legendagem, dublagem, voice-over e audiodescri-
ção. Essas modalidades, com exceção da audiodescrição, serão descritas
mais detalhadamente a seguir.

2.1. Legendagem
A legendagem é a tradução em forma de texto escrito das falas de uma
produção audiovisual. Pode ser classificada segundo critérios técnicos, cri-
térios linguísticos, o modo de exibição e o público alvo. No que diz respeito
aos aspectos técnicos, a legenda pode ser aberta (disponível para todos) ou
66
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

fechada (somente acessada pelo controle remoto do aparelho de TV). Quanto


aos critérios linguísticos, ela pode interlinguística, intralinguística ou bilíngue.
Seus modos de exibição podem ser gravados no vídeo, gravadas a laser na
película do filme ou projetadas (legendas eletrônicas). Finalmente, temos o
público alvo, os ouvintes e os surdos e ensurdecidos. Como nosso objetivo é
tratar sobre a acessibilidade, nosso foco será no público alvo.
A legenda para ouvintes é confeccionada a partir de parâmetros téc-
nicos e linguísticos. Os técnicos dizem respeito à velocidade, ao número de
linhas, ao tempo de exibição e ao formato. Segundo Diaz Cintas e Remael
(2007, p. 97-99), seriam as velocidades de 145, 160 e 180 palavras por minuto
(ppm) aquelas pelas quais um espectador teria uma melhor recepção de um
produto legendado. Com essas velocidades, ele teria tempo de ler as legen-
das, ouvir o áudio do texto de partida e olhar as imagens, podendo assistir a
filmes e programas legendados confortavelmente.
A base desse cálculo é a regra dos seis segundos utilizada na legenda-
gem profissional europeia. Essa regra diz que o espectador geralmente con-
segue ler em seis segundos até duas linhas de legenda com no máximo 37
caracteres por linha. A explicação matemática para esse cálculo é a seguinte:

Dois quadros (frames) se constituem em um espaço de legenda. Como a ilu-


são cinematográfica requer uma projeção de 24 quadros por segundo (e 25
na TV), isto significa que os legendistas podem utilizar 12 espaços de legen-
da por segundo. Em seis segundos, então, o total será de 72 ou 74 se a linha
de legenda for de 37 caracteres. (DIAZ CINTAS e REMAEL, 2007, p. 96)

Com o auxílio de um software de legendagem (WinCaps), os autores


calcularam os espaços possíveis em caracteres por segundo em cada uma
das três velocidades supracitadas. A Tabela 1 traz a velocidade de 145 pala-
vras por minuto:
67
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Tabela 1: Equivalência entre segundos/quadros e espaços


Segundos: Quadros Espaços de Legenda
01:00 16
01:04 17
01:08 18
01:12 20
01:16 23
01:20 25
02:00 29
02:04 32
02:08 34
02:12 36
02:16 38
02:20 40
03:00 44
145 palavras 03:04 46
por minuto 03:08 48
03:12 50
03:16 52
03:20 54
04:00 58
04:04 60
04:08 62
04:12 64
04:16 65
04:20 67
05:00 71
05:04 71
05:08 73
05:12 73
05:16 74
06:00 74
Fonte: Diaz Cintas e Remael, 2007, p.97

Com esta tabela, é possível calcular o número aproximado de caracte-


res usados para traduzir as falas de uma produção audiovisual legendada. Por
exemplo, se a fala durar 4 segundos e 20 quadros, o legendista pode usar até
67 espaços na sua tradução para obter uma velocidade de legenda de 145
palavras por minuto, uma velocidade considerada lenta. Em velocidades mais
altas, esse espaço subiria para 73 (160ppm) ou 77 (180ppm). (DIAZ CINTAS
e REMAEL, 2007, p. 97-99). No Brasil, o mercado de legendagem segue os
mesmos parâmetros, mas a legenda aqui só dura no máximo 4 segundos.
Para completar os parâmetros técnicos, temos o formato. Uma legenda
de duas linhas pode ser exibida de três formas − retângulo, pirâmide invertida
e pirâmide:
68
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Quadro 8: Formatos de legenda


Formato Legendas
O guardinha me parou por causa
Em forma de retângulo
de uma bobagem da placa que caiu!
Um tutuzinho de feijão,
Em forma de pirâmide invertida com a linha de cima maior
um lombinho.
[Deolinda] já imaginava,
Em forma de pirâmide com a linha de cima menor
por isso fiz o tutuzinho logo hoje.
Fonte: Araújo e Assis, 2014, p.162

Os parâmetros linguísticos relacionam-se com as edições a serem feitas


na transformação das falas em texto escrito se essas ultrapassarem a veloci-
dade de 180ppm. Essa transformação é feita por meio da SEGMENTAÇÃO
das falas em blocos semânticos por meio de critérios VISUAIS (com base nos
cortes de cena), RETÓRICOS (com base no fluxo da fala) e LINGUÍSTICOS
(com base nas unidades semânticas e sintáticas, mais especificamente nos
sintagmas e nas orações).
Araújo e Chaves (2016, p. 66) exemplificam como seria realizada
essa segmentação por meio de um trecho do documentário ‘O Amor na sua
Violência e na sua Doçura’ (2007) dirigido por Sara Benvenuto. O trecho de
aproximadamente 20 segundos traz as falas da Delegada responsável pela
Delegacia da Mulher na época. A fala foi reproduzida levando em conta as
marcas de oralidade, dentre as quais as pausas indicadas pelas barras.

A mulher cearense ainda é uma mulher muito/ atrelada a.../ vamos dizer
assim, a... conceitos, né?/ A padrões, né?/ Por que isso?/ Porque a grande
maioria das mulheres que chega aqui,/ o que que a gente percebe?/ Essas
mulheres, elas raramente,/ elas vêm diante da primeira agressão. (ARAÚJO
E CHAVES, 2016, p. 66)

Para realizar a segmentação, ou a marcação como chamam os profis-


sionais da área. Somente foram usados os critérios retóricos e linguísticos, já
que não houve corte da cena. O Quadro 9 detalha a marcação com base em
todas as pausas feitas Delegada.
69
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Quadro 9: Marcação com todas as pausas da personagem


Tempos inicial e final Duração Legenda
00:01:10,492 -->
2,7s A mulher cearense ainda é uma mulher muito
00:01:13,236
00:01:13,621 -->
1,6s atrelada a...
00:01:15,289
00:01:15,483 -->
2s vamos dizer assim, a... conceitos, né?
00:01:17,526
00:01:17,628 -->
1,9s A padrões, né?
00:01:19,593
00:01:20,268 -->
1,5s Por que isso?
00:01:21,860
00:01:22,003 -->
2,5s Porque a grande maioria das mulheres que chega aqui,
00:01:24,511
00:01:24,615 -->
1s o que que a gente percebe?
00:01:25,658
00:01:25,758 -->
2,5s Essas mulheres, elas raramente,
00:01:28,335
00:01:28,483 -->
2,2s elas vêm diante da primeira agressão.
00:01:30,765
Fonte: Araújo e Chaves, 2016, p. 67

Foram produzidas 9 legendas, mas as falas ficaram um pouco trunca-


das e telegráficas. Por esta razão e para dar mais coerência ao texto, foi pro-
posta uma nova segmentação com pausas mais longas, conforme o Quadro
10. (ARAÚJO e CHAVES, 2016, p. 68).

Quadro 10: Segunda marcação com pausas mais longas


Tempos inicial e final Duração Legenda
00:01:10,492 --> 00:01:13,441 2,9s A mulher cearense ainda é uma mulher muito...
00:01:13,552 --> 00:01:15,905 2,3s atrelada a... vamos dizer assim,
00:01:16,083 --> 00:01:19,603 3,5s a conceitos, né? A padrões, né?
00:01:20,268 --> 00:01:21,860 1,5s Por que isso?
Porque a grande maioria das mulheres que chega aqui, o que que a
00:01:22,003 --> 00:01:25,572 3,5s
gente percebe?
Essas mulheres, elas raramente,
00:01:25,741 --> 00:01:30,595 4,8s
elas vem diante da primeira agressão.
Fonte: Araújo e Chaves, 2016, p. 68

A penúltima legenda apresenta um problema de densidade. Ela tem mui-


to mais do que os 62 caracteres propostos por Diaz Cintas e Remael (2007)
para uma legenda de 3,5s de duração, pois possui 79 caracteres. Aqui existem
duas possibilidades, ou condensação por omissão (eliminação de informação
redundante) ou redução (uso de palavras mais curtas). A opção aqui foi pela
primeira, eliminando a pergunta retórica “o que que a gente percebe?”. Para
deixar o texto mais fluido entre a penúltima e a última legenda, também poderí-
amos eliminar “essas mulheres” e “elas”. A legendagem do trecho ficaria assim:
70
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

A mulher cearense ainda é uma mulher muito...


atrelada a... vamos dizer assim
a conceitos, né? A padrões, né?
Por que isso?
Porque a grande maioria das mulheres que chega aqui
raramente vem diante da primeira agressão.
Existe uma discordância sobre o uso desses padrões para a legenda-
gem para surdos, mas vamos deixar esta reflexão na subseção dedicada à
tradução audiovisual voltada para a acessibilidade a TAV Acessível ou TAVa.
Vejamos agora a dublagem.

2.2. Dublagem
A dublagem, segundo Chaume (2004, p. 32) é a tradução de um roteiro de
um texto audiovisual e a posterior interpretação dessa tradução por parte de
atores e de um diretor. Agost (1999, p. 16) diz ainda que o texto a ser dubla-
do deve dar conta de três tipos de sincronismo: visual, de caracterização e
de conteúdo. O sincronismo visual é obtido pela harmonização entre os mo-
vimentos articulatórios visíveis e a trilha sonora da produção audiovisual. O
sincronismo de caracterização envolve a harmonização entre a voz do ator/
atriz que dubla e aquele que aparece na tela. Finalmente, o sincronismo de
conteúdo envolve a congruência entre o roteiro da dublagem e o do filme ou
programa em questão.
Todos esses parâmetros visam dar ao espectador a ilusão de que aque-
le filme ou programa foi escrito na língua de chegada. É a modalidade pre-
ferida em países que querem difundir sua língua e cultura, como é o caso
da França, Alemanha e Espanha, e também em regimes ditatoriais, como
foi o caso de Franco na Espanha, Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha.
(FRANCO e ARAÚJO, 2011).
As etapas de elaboração de uma dublagem, ao contrário da legenda-
gem, diferem no Brasil e na Europa. Na Europa, temos a tradução das falas
feitas por um tradutor, a elaboração do roteiro adaptando e sincronizando es-
sas falas nas duas línguas feitas por um assistente de dublagem, a marcação
ou estabelecimento do início e do final de cada fala, a escalação do elenco
pelo diretor de dublagem, gravação das falas na língua de chegada pelos ato-
res com a participação do diretor e de técnicos de dublagem, e mixagem entre
os dois áudios. No Brasil, é o tradutor que faz “a tradução, adaptação, sin-
cronização e marcação do texto” (MACHADO, 2016, p. 43-46). Na verdade,
no Brasil, o tradutor é o roteirista. A principal diretriz para esse tradutor, é que
procure fazer a tradução com o mesmo número de sílabas tônicas do texto
71
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

de partida. Para termos uma ideia, vejamos um exercício feito na disciplina


Tradução de Textos Orais da graduação da UECE, o qual consistia na tradu-
ção das falas de uma novela de televisão do português para o Inglês. A cena
traz o diálogo entre um casal:

Quadro 11: Roteiro de dublagem de um trecho de novela


00:00:00,000 --> [Julio fala com raiva]
1 Julio Brigou de novo com a Vanda?
00:00:02,014 You argued again with Wanda?
00:00:02,015 --> [Julio fala com raiva]
2 Julio Eunice, o que você tem na sua cabeça?
00:00:03,763 Have you lost your mind?
00:00:03,764 --> [Eunice fala alto e gesticula]
3 Eunice Briguei, briguei sim, Júlio.
00:00:05,728 I did, I did, Julio.
00:00:05,729 -->
4 Eunice Eu não tenho sangue de barata. I ‘m not a zombie.
00:00:06,938
00:00:06,939 -->
5 Eunice E não sou mulher de levar desaforo pra casa. And she was driving me crazy.
00:00:08,490
00:00:08,491 --> [Julio abranda o tom]
6 Julio Eunice, escuta.
00:00:09,646 Listen to me.
00:00:09,647 --> It’s important to get
7 Julio É importante ficar de bem com a Vanda.
00:00:12,234 along with Wanda.
00:00:12,235 -->
8 Julio O Leo pode influenciar a mãe dele. Leo may influence her.
00:00:14,702
00:00:14,703 --> Ela pode impedir o Raul de me botar no olho She can stop Raul
9 Julio
00:00:17,225 da rua. from firing me.
00:00:17,226 -->
10 Julio Será que você não entende? Don’t you get it?
00:00:18,308
00:00:18,309 --> If Raul wants to
11 Julio Se o Raul quiser se vingar de você
00:00:20,864 get back at you
00:00:20,865 --> em retaliação ao ataque que você deu no just because of what
12 Julio
00:00:23,368 hospital com o Pedro you did to Pedro
00:00:23,369 -->
13 Julio ele vai me demitir. he’ll fire me.
00:00:24,936
[Eunice abranda a voz]
00:00:25,522 --> Eu não tô entendendo uma coisa. O que é que
14 Eunice There’s a thing I don’t get.
00:00:29,206 o Leo tem a ver com isso tudo?
What Leo has to do with it?
00:00:29,207 --> [Suspira]
15 Julio Ah!
00:00:29,867 Ah!
00:00:29,868 -->
16 Julio Eunice, olha só. Eunice, look.
00:00:32,416
00:00:32,417 --> Eu tô fazendo uma certa pressão em cima
17 Julio I’m kind of pressuring Leo.
00:00:35,330 do Leo.
00:00:35,331 --> O Raul me pedi pra fazer um levantamento da Raul asked me to analyze
18 Julio
00:00:39,366 situação financeira do escritório. the office’s financial situation.
Fonte: A autora

Como a novela é filmada em plano americano (da cintura para cima),


os movimentos dos lábios não são vistos com muita nitidez. Mesmo assim, os
alunos tentaram se manter na regra do número de sílabas tônicas, como, por
exemplo, na fala de número 1:
72
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Brigou de novo com a Vanda?


You argued again with Vanda?

A mesma estratégia foi adotada em 2, 3, 6, 7, 8, 10, 11, 13, 16, 17 e


18. Nos outros casos, em que expressões usadas unicamente em português
como “ter sangue de barata” e “levar desaforo para casa” não seguiram essa
diretriz, mas como já mencionei anteriormente, o plano americano não restrin-
giu tanto assim as soluções. O roteiro foi gravado e o texto proposto se ajustou
bem ao português, ou seja, funcionou como se fosse em língua inglesa.
A dublagem é muito importante para a audiodescrição, por causa da
não necessidade da leitura de legendas. Num filme ou programa dublado, é
possível harmonizar melhor os áudios em questão. Para concluir as modalida-
des de TAV, vamos apresentar o voice-over.

2.3. Voice-Over
O voice-over, semelhante à dublagem, também é um novo áudio na língua de
chegada. Porém, o áudio da língua de partida, que é apagado na dublagem,
aqui ainda pode ser ouvido. No Brasil, é usado prioritariamente para produ-
tos de não ficção como entrevistas e documentários. (FRANCO e ARAÚJO,
2011, p. 10). O termo é emprestado do cinema, mas com acepção diferente,
pois para os estudos fílmicos o voice-over significa a voz de um narrador fora
da tela que não faz parte da trama do filme (extra-diegético).
O texto tem sincronismo temporal e se inicia um pouco depois que do
falante do texto de partida e termina um pouco antes. O objetivo é mostrar
que está traduzindo exatamente o que está sendo dito. Para dar esta ilusão, é
preciso que se inicie e termine o texto com palavras semelhantes às pronun-
ciadas na língua de partida. Novamente, vamos conferir um exercício feito na
disciplina Tradução de Textos Orais. Os alunos fizeram o voice-over de uma
fala de Woody Allen no Oscar de 2002, poucos meses depois do ataque às
torres gêmeas em 11 de setembro.

Let me tell you why I am here exactly.


Vou dizer porque estou aqui exatamente.
About four weeks ago,
Há quatro semanas atrás,
I was sitting home in my apartment in New York
Estava em meu apartamento em Nova York
73
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

and the phone rang.


E o telefone tocou.
And a voice on the other end said this is the Motion Picture Academy of Arts
and Sciences.
Uma voz do outro lado disse que era da Academia Cinematográfica de Artes
e Ciências.
And I panicked immediately,
Entrei em pânico imediatamente,
because I thought that they wanted their Oscars back.
porque pensei que eles queriam os Oscars de volta.
Because I won a few Oscars over the years and I thought, you know, that they
were calling to get them back.
Porque ganhei alguns Oscars no decorrer dos anos e achei que eles os que-
riam de volta.
And I panicked because the pawn shop has been out of business for ages.
Entrei em pânico porque a loja de penhores estava fechada há séculos.
You know and I had no way of retrieving anything.
Pois é. Eu não tinha como recuperar nada.

Como podem observar, o texto em português é quase sempre menor


para facilitar o acompanhamento das falas do ator pelo locutor. Em algumas
situações, a tradução teve mais caracteres, mas isso não prejudicou o voice-
-over. Como em todas as atividades envolvendo TAV na UECE, o texto com a
locução também foi gravado.
Existe sempre uma confusão entre voice-over e interpretação, já que os
dois tem o mesmo formato na hora da apresentação. Mas o texto é completa-
mente diferente, já que o voice-over é gravado, enquanto e a interpretação é
feita na hora. A tradução produzida para o texto comentado (interpretação feita
na Entrega do Oscar em 2002) acima é um pouco diferente.

Let me tell you why I am here exactly.


Eu queria dizer porque estou aqui exatamente.
About four weeks ago,
Faz quatro semanas atrás,
I was sitting home in my apartment in New York
Eu estava em casa no meu apartamento em Nova York
74
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

and the phone rang.


E o telefone tocou.
And a voice on the other end said this is the Motion Picture Academy of Arts
and Sciences.
Uma voz da outra ponta do telefone disse o seguinte: eu sou da Academia.
And I panicked immediately,
Eu fiquei em pânico imediatamente,
because I thought that they wanted their Oscars back.
porque eu pensei que eles queriam que eu devolvesse os Oscars.
Because I won a few Oscars over the years and I thought, you know, that they
were calling to get them back.
Porque eu já ganhei alguns Oscars no decorrer desses anos e de repente eles
estavaam querendo que eu devolvesse o Oscar.
And I panicked because the pawn shop has been out of business for ages.
Eu fiquei em pânico. Fiquei paranoico porque eles sabem que penhor não
existe mais.
You know and I had no way of retrieving anything.
Eu não tinha como recuperar aquelas estátuas.

No caso da interpretação, a diretriz do início e final do voice-over não


existe. No entanto, os tradutores procuram também seguir o fluxo da fala.
Vejam que há algumas diferenças, mas o conteúdo é o mesmo.
A leitura de legendas, quando necessário na AD, também aparece
para o espectador como um voice-over, para que seja ouvida a trilha sonora
Filme de 2008 dirigido por
24 do filme ou programa. No filme ‘Ensaio sobre a Cegueira’24, a primeira pes-
Fernando Meireles. soa a ficar cega é um japonês. Mesmo na versão dublada, o diálogo entre
ele e a esposa é em língua japonesa. O público vidente tem acesso por meio
de legendas, o com deficiência visual por meio da leitura dessas legendas.
Quase não se consegue perceber a diferença entre a narração da AD e a
leitura das legendas, porque as duas vozes, a do audiodescritor e do locutor,
são muito semelhantes.
Como a nossa pesquisa na UECE é toda voltada para pessoas com
deficiência sensorial resolvemos adotar a denominação dada por Jimenez-
Hurtado (2007) para definir essa subárea da TAV. Temos em mente que
toda tradução torna acessível um conteúdo, mas estamos aqui focando no
público e não na atividade tradutória. É o que veremos na última subseção
desse capítulo.
75
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

3. A TAV acessível (TAVa)


As modalidades de TAV acessível são a audiodescrição, a legendagem para
surdos e ensurdecidos e a interpretação em Libras. Trataremos brevemente
sobre as duas ultimas.

3.1. Legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE)


A LSE proposta pela UECE tem os mesmos parâmetros da legendagem para
ouvintes, com o acréscimo das informações adicionais que traduzem as in-
formações dependentes da audição, as quais são a identificação de falantes
e efeitos sonoros. Esses parâmetros são destacados por meio de colchetes,
como na Figura 3 que traz a legenda de efeitos sonoros [Música triste].

Figura 3: Exemplo de informações adicionais.


Fonte: Arquivos do LEAD
Descrição da Figura: Um homem de perfil, segurando uma enxada no ombro, atravessa uma sala com
pouca mobília e paredes sujas. Na parte de baixo da figura, a legenda de cor amarela com bordas pretas
traz entre colchetes a expressão MÚSICA TRISTE.

Essa descrição difere da LSE oferecida principalmente pelos canais de


TV brasileiros, os quais usam o sistema americano de closed caption. Nesse
sistema, as legendas são convertidas em códigos eletrônicos e inseridas na
linha 21 do intervalo vertical em branco do sinal da TV, ou seja, na barra ho-
rizontal localizada entre as imagens da televisão. O telespectador acessa a
legenda por meio de um decodificador localizado no controle remoto do te-
levisor. Essa legenda é produzida por um profissional chamado estenotipista
(stenocaptioner), utilizando o estenótipo (stenotype), tipo de teclado ligado a
um estenógrafo computadorizado.
76
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

A maioria dos canais de TV do Brasil adotou a tecnologia norte-ameri-


cana e parece ter adotado também sua concepção de tradução, pois utiliza,
de um certo modo, a visão de tradução daquele país. A LSE, diferentemente
da de ouvintes, não é muito editada, constituindo-se quase numa transcrição
da fala. Pesquisas anteriores na UECE (FRANCO; ARAÚJO, 2003, 2004,
2005, 2007, 2008, 2009) apontaram que seria a velocidade o parâmetro que
influenciaria a recepção de surdos a filmes e programas legendados. Porém,
uma pesquisa exploratória realizada em oito estados de quatro regiões do país
sugeriu que legendas rápidas desde que bem segmentadas seriam aquelas
que proporcionariam uma boa recepção para surdos brasileiros. Pesquisas
recentes realizadas a partir de procedimentos experimentais confirmaram
esta hipótese (VIEIRA, 2016; MONTEIRO, 2016).
Como pudemos observar, todas as modalidades de TAV envolvem tex-
tos multimodais, os quais envolvem a harmonização de elementos orais e es-
critos. Esses elementos devem ser levados em contanto tanto na elaboração
quanto na pesquisa.

Atividades de avaliação
1. Na nossa opinião, a versão dublada é a melhor para se fazer uma audiodes-
crição, porque ambas serão apresentadas na mesma língua. O que você
acha disso?

Síntese do Capítulo
Continuando a discussão sobre a disciplina a qual a audiodescrição está
inserida, esse capítulo abordou a tradução audiovisual (TAV) e Tradução
Audiovisual Acessível (TAVa), subárea dos Estudos da Tradução. Foram des-
critas cada uma das modalidades de TAV (dublagem, legendagem e voice-
-over) e TAVa (legendagem para surdos e ensurdecidos).
77
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Recomendo a leitura do artigo sobre as modalidades de TAV contidas no artigo


FRANCO, E. P. C.; ARAÚJO, V. L. S. Questões terminológico-conceituais
no campo da tradução audiovisual. Tradução em Revista, Rio de Janeiro:
Editora da PUC RJ, número 11, 2011, disponível online em https://www.ma-
xwell.vrac.puc-rio.br/18884/18884.PDF.

Referências
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Ariel, 1999.
ARAÚJO, V. L. S. Closed subtitling in Brazil. Topics in audiovisual transla-
tion. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, v. 1, p. 199-212, 2004.
ARAÚJO, V. L. S. A legendagem para surdos no Brasil. In: Questões de Lin-
guística Aplicada: Miscelânea. Fortaleza: EdUECE, 2005, cap. 8, p. 163-188.
ARAÚJO, V. L. S. Subtitling for the deaf and hard-of-hearing in Brazil. Media
for All: Subtitling for the deaf, audio description and sign language. Kenilworth;
Nova Jersey, EUA: Rodopi, v. 30, p. 99-107, 2007.
ARAÚJO, V. L. S. Por um modelo de legendagem para Brasil. Tradução e
Comunicação. Revista Brasileira de Tradutores, São Paulo: UNBERO, n. 17,
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ARAÚJO, V. L. S. In Search of SDH Parameters for Brazilian Party Political
Broadcasts. The Sign Language Translator and Interpreter, Manchester: St.
Jerome Publishing Company, v. 3, n. 2, p. 157-167, 2009.
ARAÚJO, V. L. S; ASSIS, I.A.P. A segmentação linguística na legendagem
para surdos e ensurdecidos (LSE) de ‘Amor Eterno Amor’: uma análise ba-
seada em corpus. In Letras & Letras, v. 30, n. 2, 2014, 156-184. http://www.
seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/viewFile/27962/15809. Acessado
em 30/05/2017.
ARAÚJO, V. L. S. A; CHAVES, E. G. Orientações para a elaboração da le-
genda para surdos e ensurdecidos (LSE). ARAÚJO, V. L. S.; ALVES, S. F.;
MAUCH, C.; NAVES, S. B. Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis.
Brasília: Ministério da Cultura/Secretaria do Audiovisual, 2016, 42-81.
CHAUME, F. Cine y traducción. Madri: Cátedra, 2004.
78
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

DIAZ- CINTAS, J.; REMAEL, A. Audiovisual Translation: Subtitling. Man-


chester, UK, Kinderhook, N Y, UK : St. Jerome Publishing, 2007.
FRANCO, E.P.C.; ARAÚJO, V.L.S. Questões terminológico-conceituais no
campo da tradução audiovisual. Tradução em Revista, Rio de Janeiro: Edi-
tora da PUC RJ, número 11, 2011, disponível online em https://www.maxwell.
vrac.puc-rio.br/18884/18884.PDF. Acessado em 16/03/2017.
FRANCO, E.P.C.; ARAÚJO, V.L.S. Reading television: checking deaf people’s
reactions to closed subtitling in Fortaleza, Brazil. GAMBIER, Y. (ed.). Screen
Translation. The Translator. Volume 9, Número 2, 2003, 249-268.
AMBIER, Y. (ed.). Screen Translation. The Translator. Volume 9, Núme-
ro 2, 2003
GAMBIER, Y; GOTTLIEB, H. (eds.). (Multi) Media translation. Concepts,
practices and research. Amsterdã/Filadélfia: John Benjamins Publishing
Company, 2001.
JIMENEZ-HURTADO, C. Traducción y accessibilidad: subtitulación para
sordos y nuevas modalidades de traducción audiovisual. Frankfurt: Peter
Lang, 2007.
MONTEIRO, S. M. M. Legendagem para Surdos e Ensurdecidos (LSE) e
legendagem para ouvintes: um estudo sobre a segmentação e a velocida-
de na legendagem da campanha política de 2010. Tese de Doutorado não-
publicada. Fortaleza-UECE, 2016, http://www.uece.br/posla/dmdocuments/
Tese_%20Silvia%20Malena%20Modesto.pdf, acessado em 16/05/2017.
VIEIRA, P. A influência da segmentação e da legendagem na recepção
de legendas para surdos e ensurdecidos (LSE). Tese de Doutorado não-
publicada. Fortaleza-UECE, 2016, http://www.uece.br/posla/dmdocuments/
Tese%20-%20Patr%C3%ADcia%20Ara%C3%BAjo%20Vieira.pdf, acessado
em 16/05/2017.
Capítulo 4
A pesquisa em audiodescriçã
o
81
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

1. A pesquisa na Europa
A maioria dos projetos de pesquisa na Europa estão relacionados à AD de
filmes: TRACCE, ADLAB e Pear Tree Project. O TRACCE (Evaluación y ges-
tión de los recursos de accesibilidad para discapacitados a través de la tra-
ducción audiovisual: audiodescripción para ciegos. Protocolo para formar a
formadores) visa analisar roteiros de audiodescrição de filmes oriundos de
vários países europeus. O ADLAB (Audio description: lifelong access for the
blind) é realizado em diferentes países da Europa e tem o objetivo de criar
diretrizes comuns a serem seguidas por audiodescritores europeus25. O Pear Mais informações no site
25

http://www.adlabproject.eu/
Tree Project (PTP) tem como meta analisar como o mesmo filme foi audio-
Docs/adlab%20book/index.
descrito em várias línguas diferentes. Sua origem se deu com a criação de html. Nesse sítio pode ser
um filme Pear Tree (A Pereira), criado em meados da década de 1970, para encontrado um manual
um experimento que comparava a recepção de um filme contendo apenas produzido por diversos
pesquisadores europeus
imagens em diferentes línguas e culturas. Sua aplicação ao campo da AD foi
sobre diretrizes comum de
proposta por pesquisadores europeus cerca de dez anos depois da realização audiodescrição.
do filme. Aqui nos deteremos apenas no projeto TRACCE, pois foi o que teve
mais influência na pesquisa em AD de filmes no Brasil. Além desse projeto,
também comentaremos sobre aqueles relacionados à tradução de roteiros de
audiodescrição, pois serviram de inspiração para alguns projetos realizados
aqui no Brasil, principalmente na Universidade de Brasília.

1.1. Projeto TRACCE


Por meio de uma análise descritiva baseada em corpus, um grupo de pes-
quisadoras espanholas avaliou um corpus constituído de mais de 200 rotei-
ros de audiodescrição (JIMENES HURTADO, 2007; JIMENEZ-HURTADO;
ROCRIGUEZ; SEIBEL, 2010). Conforme já foi dito no Capítulo 1, essa análise
foi realizada a partir de três parâmetros: narratológicos, cinematográficos e
linguísticos (gramático-discursivos).
Uma metodologia baseada em corpus é realizada automaticamente e
envolve a etiquetagem das categorias a serem analisadas por um software
de análise linguística. No caso da pesquisa em questão, o programa de com-
putador escolhido foi o Wordsmiths Tools. Como exemplo podemos citar as
etiquetas (vão aparecer entre colchetes) utilizadas para a descrição de perso-
nagens (HURTADO, 2007, p. 69):
82
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Personagens [PERS]
1. Apresentação [PRES]
2. Atributos físicos [ATRFIS]
Idade [ED], etnia [ET], aspecto [ASP], vestuário [VEST]
Linguagem corporal [LC]
3. Estados emocionais [EMOC]
Positivos [POS]
Alegria [ALEG], ânimo [ANIM], serenidade [SEREN], ternura [TERN]
Negativos [NEG]
Tristeza [TRIS], desânimo [DESAN], desesperança [DESESP]
Ira [IRA], medo [MIE]
4. Estados físicos
5. Estados mentais

Cada inserção de AD que contenha algumas dessas categorias rece-


bem as etiquetas correspondentes, como mostra o exemplo abaixo (JIMENEZ-
HURTADO, RODRIGUEZ e SEIBEL, 2010):

26
Tradução de: La niña le
[ACC#ACCION] mira
A menina o [ACC#ACCION] observa [fin_ACC#ACCION]
[fin_ACC#ACCION] [PERS#EST#EMOC#POS#ALEG] sorridente [fin_
[PERS#EST#EMOC PERS#EST#EMOC#POS#ALEG].26
#POS#ALEG] sonriente
[fin_PERS#EST#
EMOC#POS#ALEG]. Na oração ‘a menina o observa’, temos a ação marcada pela etique-
ta [ACC#ACCION], a qual aparece no início e no final da parte oração in-
dicando que a inserção descreve uma ação. Por fim, temos uma descrição
do estado emocional da personagem − sorridente − por meio da etiqueta
[PERS#EST#EMOC#POS#ALEG], o qual foi classificado como ‘positivo’ e
‘alegre’. Esta etiquetagem foi feita com o auxílio de um etiquetador semiau-
tomático − o Taguetti – produzido por uma empresa participante do projeto
(JIMENEZ-HURTADO, 2007, p. 67). O Taguetti é semiautomático, porque
27
Software usado para permite que o pesquisador selecione a etiqueta desejada no texto. Foram cria-
encontrar padrões em das etiquetas para cada uma das categorias dos parâmetros narratológicos
textos de diferentes áreas
do conhecimento como
cinematográficos e gramático-discursivos.
linguística, literatura, direito, O passo seguinte é levar o texto etiquetado para o Wordsmith Tools27,
medicina, história, política e mais especificamente na ferramenta CONCORD, a qual trará a quantidade de
sociologia. A versão mais nova
inserções de cada categoria, assim como o contexto em que elas aparecem,
é a 7.0. Mais informações no
sítio http://www.lexically.net/ facilitando a análise dos textos. Esse tipo de metodologia pode avaliar uma
wordsmith/index.html. grande quantidade de textos simultaneamente.
83
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Vejamos agora alguns resultados de pesquisas do projeto. Serão abor-


dados os textos de Payá (2007 e 2010), Ballester (2007), Jimenéz Hurtado
(2007) e Bourne e Hurtado (2007). Payá (2007, p. 88-89) comparou dois tipos
de roteiro o do filme Pulp Fiction28 de Quentin Tarantino (1994) e seu roteiro Filme de 1995 dirigido por
28

Quentin Tarantino. Ganhou a


de AD. Apontou para as semelhanças e diferenças ente os dois tipos de ro-
Palma de Ouro em Cannes
teiros, porque ambos possuem objetivos distintos mesmo quando focalizam e o Oscar de melhor roteiro
a mesma cena. No entanto, a autora chamou a atenção para o fato de que a original.
linguagem cinematográfica funciona como texto de partida, portanto precisa
ser levada em conta na hora de se escrever um roteiro de AD. Ela cita como
exemplo uma cena, na qual um homem e uma mulher estão sentados numa
mesa de uma cafeteria. Na imagem, o homem olha em direção a alguém, er-
guendo uma xícara. O roteiro cinematográfico traria somente ‘o jovem chama
a garçonete’, enquanto que na AD o roteiro seria ‘o jovem toma um gole [de
café] e levanta sua xícara. Segundo Payá,

Os dois roteiros descrevem as ações do personagem, porém a audiodescri-


ção apenas sugere do mesmo modo que a imagem o faz para os videntes.
O gesto do ator indica que ele deseja que a garçonete traga mais café. O
texto audiodescrito parte da encenação concreta da ação geral [o jovem
chama a garçonete] descrita pelo roteirista (a materialização da cena está
relacionada com a direção de atores (2007, p. 88).

Então, enquanto um roteiro serve de guia para o diretor do filme produ-


zir a cena, o outro a descreve já como o diretor a idealizou, ou seja, a cena é
descrita como ela foi realizada no filme. A autora dá algumas sugestões sobre
como descrever uma cena tendo em mente os recursos cinematográficos uti-
No plano geral, ambiente
29
lizados. Quando a cena está em plano geral29, o objetivo é DESCREVER a é o elemento principal. O
ambientação, o cenário, a localização (espacial e temporal), os objetos cêni- enquadramento é preenchido
cos, a iluminação e as cores. Para a AD, de acordo com Payá, esses elemen- em sua maior parte por
tos devem seguir esta ordem: primeiro os maiores, depois os menores, os que esse ambiente, com os
personagens ocupando um
se movem e os estáticos (PAYÁ, 2007, p. 88). O plano americano30 NARRA, espaço menor.
por isso devem ser usadas as descrições dos elementos narratológicos rela-
cionados aos personagens, à ação e à ambientação. O primeiro plano, ou No plano americano, os
30

os personagens em close, ANALISA os estados emocionais, físicos e mentais personagens são focalizados
da cintura para cima.
desses personagens (PAYÁ, 2010, p. 129 a 131).
Ballester (2007, p. 137) apontou estratégias para a caracterização de
personagens numa AD. Segundo a autora, os personagens deveriam ser des-
critos à medida que aparecem na tela. Ela frisou também que essa descrição
deveria ser feita ao longo do filme, já que, muitas vezes, os tempos sem fala
84
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

que poderiam ser preenchidos com a AD são curtos. Quanto à sua análise dos
personagens do filme ‘Tudo Sobre Minha Mãe31’, ela os relacionou com os ob-
Filme espanhol (Todo Sobre
31
jetos de cena, além do que foi dito tanto linguisticamente (as falas) quanto pa-
Mi Madre) de 1999 dirigido por
Pedro Almodóvar. ralinguisticamente (entoação, ritmo e timbre de voz). Por exemplo, Manuela,
que tem o seu filho morto, é caracterizada como tendo

uns 37 anos, cabelo loiro e vestia uma bata verde no início do filme. Mais
tarde a vemos de óculos escuros na porta do Hospital de La Coruña onde
o coração de seu filho foi transplantado para um receptor (BALLESTER,
2007, p. 138).

Além dessa descrição física, temos o contraste dos dois lugares vividos
pela personagem em Madri, no início do filme, e em Barcelona, depois da
morte do filho. Em Madri, o apartamento é escrito como “elegante e acolhe-
dor”. Em Barcelona, seu apartamento alugado tem “papel pintado em estilo
brega dos anos 1970”. Outro objeto relacionado à Manuela são as fotos de
Steban, seu filho, dela mesma vestida de homem, de Steban, seu ex-marido,
como homem e vestido de Lola, razão pela qual, Steban, o filho, comenta com
a mãe o título em inglês do filme ‘A Malvada32’ (All about Eve − Tudo sobre
Filme espanhol (Todo Sobre
32

Mi Madre) de 1999 dirigido por Eve), dizendo que as anotações em seu diário se referem à sua mãe (Tudo
Pedro Almodóvar. sobre minha mãe). Ao descobrirmos mais tarde que Steban Pai é um travesti
de nome Lola, o título do filme passa a ser sobre ele e não sobre Manuela.
Jiménez-Hurtado (2007) investigou as palavras e a estrutura oracional
mais frequentes, além de propor parâmetros para a análise de roteiros de AD
de filmes e programas de TV. Segundo a autora, a AD de filme deveria ter
inserções, prioritariamente, entre as falas de uma produção audiovisual, ob-
servando a descrição de elementos visuais verbais (créditos iniciais e finais,
legendas e letreiros) e não verbais (personagens, ambientação, localização
temporal e espacial e ações). Seus resultados apontaram para a derrubada
de dois mitos dentro da prática da audiodescrição. O primeiro foi o do uso das
palavras “olhe” e “veja” (Jiménez-Hurtado, 2007, p. 74), consideradas politi-
camente incorretas em muitas diretrizes de AD. Ao procurar pelas palavras
mais frequentes, deparou-se justamente com essas duas. Depois das pre-
posições e dos artigos, elas foram as mais utilizadas pelos audiodescritores
europeus. O segundo mito derrubado foi a questão da neutralidade na AD já
abordada aqui no Capítulo 2. A estrutura oracional que mais apareceu (30%
dos casos) foi SUJEITO − PREDICADO − PREDICATIVO: ALGUÉM SORRI
EMOCIONADO. O predicativo nesse tipo de construção implicava em inter-
pretação. A descrição era feita a partir de uma visão subjetiva (emocionado)
85
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

da representação oferecida pelo verbo principal (sorri) (Jiménez-Hurtado,


2007, p. 77).
Finalmente, temos o trabalho de Bourne e Hurtado (2007) que comparou
os roteiros de AD para o filme As Horas (2003) de Stephen Daldry em inglês
(Reino Unido) e em espanhol (Espanha). Os resultados apontaramm para um
maior detalhamento na versão inglesa. Um exemplo é o caso da comida a ser
servida por Clarissa, uma das personagens principais, na festa em homena-
gem ao amigo Richard que está morrendo de AIDS. Ela preparou caranguejo,
porque é o prato preferido do homenageado. A versão espanhola omitiu este
detalhe, fazendo com que a cena do cancelamento da festa por causa do sui-
cídio de Richard ficasse sem sentido. A câmera ficou bastante tempo focali-
zando no prato antes de Clarissa jogá-lo no lixo. O tipo de pesquisa realizado
pelos autores chamou a atenção de uma questão interessante relacionado à
audiodescrição. Seria viável a tradução de roteiros de uma língua para outra?
É sobre esta questão que nos debruçaremos na próxima subseção.

1.2. A Tradução de Roteiros de Audiodescrição


Além de Bourne e Jimenez-Hurtado (2007), temos os trabalhos Lopez Vera
(2006), Arma (2011), e Jankowska (2015) que abordam a tradução de roteiros
de audiodescrição. Todos partem do princípio de que a tradução de roteiros
de audiodescrição é uma boa estratégia para lidar com a grande procura de
AD no mercado, já que essas ADs, geralmente vindas de países de língua
inglesa, já passaram por todas as etapas de elaboração de uma AD, por isso,
possuem qualidade. A tradução traria, portanto, economia de tempo e poderia
aumentar a oferta.
Lopez Vera (2006) foi o primeiro a se debruçar sobre a questão. Por
meio de uma pesquisa exploratória, o autor deu como tarefa a dois grupos
de tradutores a produção de um roteiro de AD para os primeiros dez minutos
de um filme. Um dos grupos cumpriu todas as etapas de elaboração de um
roteiro, enquanto o outro traduziu um roteiro já pronto. O quesito avaliado foi a
duração da tarefa. Os resultados indicaram que não houve diferença significa-
tiva entre os dois grupos, com uma leve vantagem para o grupo da tradução.
O grupo do roteiro original levou dez horas e meia e o da tradução o fez em
dez horas. Apesar destes dados, o autor ainda acredita na viabilidade da tra-
dução de roteiros de AD. Na sua opinião, os resultados foram inconclusivos,
porque os tradutores não eram audiodescritores. Concordamos plenamente
com esta observação. Por causa das questões técnicas, linguísticas e tradu-
tórias a serem observadas na execução de uma AD, é preciso que o tradutor
tenha familiaridade com a área.
86
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Arma não realizou nenhum experimento, mas chamou a atenção para o


fato de já existir um intercâmbio de roteiros entre os Estados Unidos e países
da Europa, como o Reino Unido e Alemanha. No entanto, como acontece
com qualquer modalidade de tradução, é preciso fazer adaptações linguísti-
cas e culturais durante a tradução.
Á semelhança de Lopez Vega (2006), Jankowska (2015) também re-
alizou um estudo exploratório feito em duas fases. Na primeira, dois grupos
realizaram uma tarefa semelhante à de Lopez Veja. Os grupos eram formados
por três audiodescritores em cada um deles. Os resultados não corroboraram
os de Lopez Veja. O grupo do roteiro original levou muito mais tempo para re-
alizar a tarefa do que o grupo da tradução. O tempo gasto foi três vezes maior
do que o grupo do roteiro traduzido (JANKOWSKA, 2015, p. 64).
Os dois roteiros foram avaliados por crianças com deficiência visual
para verificar se elas mostrariam algum estranhamento em relação ao texto
traduzido. A primeira metade do filme foi exibida com a AD do roteiro original,
enquanto a segunda metade utilizava a do roteiro traduzido. Foram exibidas
seis cenas do filme, cada uma delas nas duas versões. Os resultados apon-
taram para a aprovação da versão traduzida. Durante a exibição do filme, os
participantes eram estimulados a falar sobre suas preferências. Muitos deles
preferiram a versão traduzida.
Discutiremos mais esta questão quando apresentarmos as pesquisas
sobre tradução de roteiros no Brasil. Como veremos, os resultados corrobo-
ram os dos europeus e também defendem a possibilidade de tradução de um
roteiro de AD, principalmente, por causa da economia de tempo sem perder a
qualidade. Sem dúvida, essa é uma discussão interessante.

2. A pesquisa no Brasil
A pesquisa no Brasil se localiza basicamente em quatro universidades: UNESP,
com o grupo Mídia Acessível e Tradução Audiovisual (MATAV); UECE, com
o grupo Legendagem e Audiodescrição (LEAD); UNB, com o grupo Acesso
Livre e UFBA, com o grupo Tradução, mídia e audiodescrição (TRAMAD).
Falaremos um pouco dos trabalhos desenvolvidos por cada um dos grupos.
Mais informações
33 O grupo MATAV segundo seu blog33,
sobre o grupo podem ser
encontradas no blog do
grupo https://matavunesp. agrega pesquisadores e estudantes das áreas de Comunicação, Letras e
wordpress.com/.
Tradução que possuem em comum o interesse na investigação da linguagem
audiovisual. O foco das discussões teóricas encontra-se no acesso e direito
irrestrito que o cidadão possui aos conteúdos veiculados pelos meios audiovi-
87
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

suais (cinema, televisão, internet). Nos debates e projetos do grupo são ana-
lisados os parâmetros e características dos diversos recursos de Tradução
Audiovisual (audiodescrição, dublagem, legendagem, voice-over etc). As
atividades do grupo são divididas em reuniões quinzenais, produção de le-
gendas (intra e interlinguística), cursos de extensão, seminários e palestras.

As atividades do grupo não se restringem somente à audiodescrição,


mas também a todas as modalidades de TAV e TAVa. Uma grande preocupa-
ção do grupo tem sido a questão da acessibilidade de pessoas com deficiên-
cia no ensino superior. Uma publicação (VILELLA, MARTINS e LEITE, 2015)
traz o relato de pesquisas relacionadas a esses projetos.
O grupo LEAD da UECE34 é parte de um grupo de pesquisa maior liga-
Mais informações no
34

do ao CNPq intitulado ‘Tradução e Semiótica’. Sua atuação vem acontecen- blog https://grupoleaduece.
do desde 2005 tanto nos cursos de graduação quanto os de pós-graduação blogspot.com.br.
(stricto e lato senso). A pesquisa em audiodescrição gira em torno de dois
35
Projeto 008/2007
projetos, um de cooperação com a UFMG (PROCAD-CAPES35) e um do edi-
tal Universal 14/2012 do CNPq36. O primeiro, voltado para a elaboração de Projeto Número
36

roteiros, intitula-se ‘Elaboração de um modelo de audiodescrição para cegos 471100/2012-9


a partir de subsídios dos estudos de multimodalidade, semiótica social e es-
tudos da tradução’. O segundo, voltado para a locução, tem como título ‘A lo-
cução na audiodescrição para pessoas com deficiência visual: uma proposta
para a formação de audiodescritores (Projeto LOAD)’.
O projeto do PROCAD propôs parâmetros para a produção de audio-
descrição de pinturas com base no modelo semiótico de O’Toole, conforme
vimos na seção dedicada à AD de obras de arte no Capítulo 1. A partir destes
parâmetros foram produzidos vários estudos com propostas de audiodescri-
ção de obras de arte. Além dos trabalhos de Nunes (2016a e b) e Aderaldo
(2013 e 2014), já mencionados no Capítulo 1, também temos o de Araújo e
Oliveira Júnior (2013), Aderaldo (2013) e Araújo e Oliveira Júnior (2013). Os
autores fizeram uma proposta de roteiro para dois quadros de Aldemir Martins
retratando o cangaceiro, um de 1977/78 e o outro de 1979.
O PROCAD também estabeleceu as bases para a construção de uma
metodologia, que possibilitasse a avaliação da recepção de produtos audiodes-
critos. É o caso dos trabalhos de Braga (2013), Leão (2013) e Araújo, Nóbrega
e Souza (2015) e Nunes (2016a e b). O produto audiovisual é exibido indivi-
dualmente para os participantes que, em primeiro lugar, fazem um RELATO
LIVRE apontando suas considerações sobre o que assistiu. Em seguida, é
questionado pelos pesquisadores sobre aspectos técnicos, linguísticos e/ou
tradutórios por meio de entrevista semiestruturada (RELATO GUIADO).
88
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Braga (2011 e 2013) avaliou a recepção a um filme de autor, ‘O Grão’


de Petrus Cariri, 2007. Nesse tipo de narrativa não linear, as falas são menos
importantes do que a imagem, a qual, na verdade, é a responsável pelo de-
senvolvimento da narrativa. As decisões sobre as inserções de audiodescri-
ção tinham que levar em conta estas peculiaridades e, muitas vezes, escolher
entre deixar os muitos silêncios ou preencher com a AD. A meta do estudo,
então, era verificar como as PcDV reagiriam ao filme, também desafiador para
videntes. Os resultados indicaram uma reação positiva ao filme, como pode-
mos observar nas reflexões de um dos participantes:

O que mais me focou foi a questão de... enfim, várias questões, mostrar a
realidade da vida no campo... uma pessoa já bem experiente, que era a avó,
tentando passar pruma criança como era a realidade da vida, que existem
pessoas que estão se preparando, sonhando com a felicidade como tem
outras que estão partindo e que todo mundo vai passar por isso indepen-
dente de morar no campo ou na cidade (BRAGA, 2011, p. 123).

Vejamos que houve também uma identificação com o enredo que se pas-
sa no interior do Ceará, retratando uma família que tenta sobreviver em meio a
um ambiente de miséria e sofrimento. Eis o singelo relato de outro participante:

O filme falava sobre o sertão do Ceará, uma família humilde que morava
numa cidade do interior, que teve muita luta, muito esforço pra sobreviver,
pra conseguir se manter. O pai ganhava R$ 0,50 por cada bode que ele le-
vava para o açougue, para o abatedouro e tinha que dá conta da família dele
inteira, a mãe dele, a mãe do Damião, D. Perpétua, a mulher dele, D. Josefa,
e os filhos, a Fátima e o Zeca. Então, é uma história que se passa no interior,
uma família muito humilde, um caso bem de sertão mesmo de palha bem
caricato mesmo do interior, a menina querendo casar pra ir pra cidade, o
menino como é pequeno só pensa muito em brincar. A vó, tadinha, tá dodói,
tá doente, além de querer casar, costura, ajuda a mãe. Coisa bem caricata
mesmo de cenário de interior... algo bem real (BRAGA, 2011, p. 123).

O cotidiano da família foi o que causou maior impacto no participante, o


qual deu muitos detalhes sobre os personagens e sua caracterização.
Leão (2013) realizou um estudo sobre a recepção de crianças com defi-
ciência visual ao espetáculo infantil ‘A Vaca Lelé’ escrito por Ricardo Giambroni
e dirigido por José Alves Netto. Como os depoimentos foram tomados no dia
da encenação, não foi possível fazê-los individualmente. A peça foi muito con-
89
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

corrida, com a presença de mais de 60 crianças e grande parte da imprensa


do Ceará. O espetáculo é musical e conta a história de uma vaquinha chama-
da Matilde que queria muito voar. Desconhecendo o medo, vai a procura do
seu sonho. Conhece muitos animais no caminho e, no fim, ficamos sabendo
por outros personagens, que conseguiu voar com as asas do coração. De
acordo com a pesquisadora,

A avaliação apontou para uma boa recepção do espetáculo por parte das
crianças com deficiência visual, pois elas conseguiram desfrutar e interagir
com o espetáculo, mesmo sendo o primeiro contato delas com uma produ-
ção como esta. Os dados coletados sugeriram que as crianças possuem
uma grande capacidade de se adaptar ao recurso da audiodescrição, pois
não tiveram nenhum problema em manusear os fones e conseguiram cons-
truir uma relação dos diálogos e efeitos sonoros do espetáculo com a AD.
Assim sendo, podemos concluir que o teatro também pode ser apreciado
por crianças com deficiência visual por meio da AD (LEÃO, 2013, p. 44).

Diferentemente de Braga (2011 e 2013) e Leão (2013), Araújo, Nóbrega


e Souza (2015) investigaram a reação a dois tipos de roteiro para quatro cur-
tas-metragens diferentes. Os dois tipos de roteiro se constituíam num deta-
lhado, privilegiando as categorias narratológicas preconizadas por Jimenez-
Hurtado (2007) e o outro, tendo enfoque nas ações. Os resultados não reve-
laram diferença entre a recepção dos dois tipos e roteiro. Esperávamos que
o roteiro detalhado seria o mais adequado, porém isso não aconteceu. Um
estudo baseado em corpus mostrou que no roteiro ações estavam presentes
também os elementos narratológicos (descrição de personagens, ambienta-
ções e ações) contidos no roteiro detalhado.
Nunes (2016a e b) fez um estudo descritivo-exploratório para construir
o roteiro de dois quadros do pintor Pieter Brueghel (Ver AD no Capítulo 1). Em
primeiro lugar, dois participantes avaliaram que a AD proposta estava muito
longa e muito detalhada. A AD foi refeita e o resultado foi considerado positivo
para mais cinco participantes, conforme relato abaixo:

O que eu mais gostei foi a relação do tema do quadro com a pintura, como
ele conseguiu retratar o inverno bem europeu, vamos dizer assim. O pes-
soal cansado e tal, viajando na neve.... Remete a alguns filmes, caçando, o
vale entre as montanhas, a questão da paisagem mesmo. Acho que foram
essas questões que me chamaram bem atenção. O que eu menos gostei...
O que ficou mais incompreensível pra mim foi a questão final da descrição
90
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

quando ele começa a falar das montanhas e o vale, pelo que eu entendi é
uma imagem de fundo. É aonde o quadro vai se perdendo e se juntando
com o horizonte. Não é que eu tenha menos gostado, mas como ele é fundo
ele não chama a atenção, dá só uma profundidade.... Não tem muita rele-
vância (NUNES, 2016a, p. 211).

A AD possibilitou uma apreciação estética, permitindo que a PcDV fi-


zesse suas próprias inferências e pudesse fazer seu próprio julgamento da
obra. A pesquisa de recepção tem uma grande importância para os trabalhos
do LEAD, porque permite saber como o produto chega ao seu público alvo.
Pelo que vimos, todas as ADs, independente do gênero da produção audiovi-
sual, tem sido adequadas para as necessidades da PcDV.
O projeto do PROCAD ainda teve duas pesquisas que deram origem ao
próximo grande projeto do grupo: ‘Locução na audiodescrição para pessoas
com deficiência visual: uma proposta para a formação de audiodescritores
(Projeto LOAD). A primeira foi relacionada à locução, com o objetivo de avaliar
com base na fonética, fonologia e fonoaudiologia como estavam sendo narra-
dos os produtos audiovisuais pelos membros do Grupo LEAD (CARVALHO,
MAGALHÃES e ARAÚJO, 2013). A segunda abordou a neutralidade/interpre-
tação por meio da Linguística Sistêmico-Funcional, mais especificamente, do
Sistema de Avaliatividade. A meta era avaliar os roteiros a serem narrados e
que tipo de avaliação traziam para ajudar na locução. Como o Sistema de
Avaliatividade foi apresentado no Capítulo 2, vamos aqui somente comentar
sobre a questão da locução.
O objetivo geral do projeto foi propor parâmetros sistemáticos para a
produção da fala na locução da audiodescrição. Para isso, foram avaliados
aspectos segmentais e suprassegmentais da locução de dois curtas metra-
gens. Em seguida, foi ministrado um curso de 20 horas para discutir esses
aspectos com os audiodescritores. Ao final as locuções foram regravadas e
uma pesquisa de recepção avaliou as duas locuções.
Os parâmetros propostos para a locução são os seguintes: “mudanças
no tom [grave ou agudo], no volume da voz [aumentar ou diminuir] e na velo-
cidade da fala [lenta ou rápida], assim como uso de pausas interpretativas”.
(PALMEIRA, ARAÚJO e CAVALHO, 2015, p. 230). É preciso estudar o roteiro
para escolher qual significado será dado pela voz e aí aplicar um desses pa-
râmetros. Por exemplo, na inserção: “a senhora se levanta, apoiando-se num
oratório, onde há uma vela acesa”, temos um aumento do volume de voz em
‘senhora’, com a locução até ‘oratório’ mudando para um tom grave. Também
aqui se faz uma pausa e a próxima nuance a ser dada é encerrá-la, com o
sintagma ‘vela acesa’ sendo dito lentamente.
91
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

A pesquisa de recepção teve a participação de cinco PcDV. A maioria


(4 participantes) preferiu a locução mais expressiva, ou seja, aquela produzida
depois do curso de locução. Os motivos pela preferência podem ser conferi-
dos no relato de um dos participantes:

Eu gostei das duas, agora a segunda [a realizada depois do curso de locu-


ção] me chamou mais a atenção por ser um pouco mais rápida e eu acho
que a primeira tem uma coisa que eu achei legal, que ela tem um pouco
mais de detalhes né”? Gostei mais da segunda por isso, por essa questão
da velocidade dela. Eu achei essa segunda mais com o ‘pique’ assim, a pri-
meira era mais lenta. Se bem que até com o texto ela casava mais né tam-
bém? Porque era um cara morrendo também não dava para narrar como
se tivesse narrando futebol, mas o que eu gostei da segunda foi ela ser mais
viva assim, mais como é que eu posso dizer assim... a primeira parecia um
locutor de rádio da madrugada, [voz] calma aquela coisa assim. A segunda
não. Eu acho que ela já teve um pique maior (ARAÚJO, CARVALHO e
PRAXEDES FILHO, 2015, p. 23).

O próximo passo agora é aprimorar esses parâmetros para que possam


ser utilizados pelo audiodescritores para darem um direcionamento para a sua
locução como sendo dramática, suave, cômica, documental etc. ((PALMEIRA,
ARAÚJO e CAVALHO, 2015, p. 230).
O grupo Acesso Livre da UNB, segundo seu blog37 é Mais informações no sítio
37

https://grupoacessolivre.
wordpress.com/.
um grupo de pesquisa e extensão criado em 2010 no Departamento de
Línguas Estrangeiras e Tradução (LET) da Universidade de Brasília (UnB).
É formado por professoras/es e estudantes de graduação e pós-gradua-
ção e por membros externos à universidade. O grupo busca articular ativida-
des de pesquisa, ensino e extensão voltadas para a acessibilidade artística
e cultural – cinema, televisão, fotografia, teatro etc. – para as pessoas com
deficiência visual e auditiva.

Serão descritos aqui cinco projetos que representam os tipos de pesqui-


sa realizados pelo grupo. Quatro são relativos à AD de filmes (ALVES, TELES e
PEREIRA, 2011; ALVES, PEREIRA, GONÇALVES, 2013; TEIXEIRA, FIORE
e CARVALHO, 2013; GONÇALVES, 2013; LUCATELLI, 2015; SANTOS,
2017) e um de telenovelas (ALVES, PEREIRA, GONÇALVES, 2016).
Alves, Teles e Pereira (2011) fizeram uma pesquisa de recepção a seis
curtas metragens, com o objetivo de saber qual roteiro seria mais eficiente
92
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

para as PcDV de Brasília, a de ações ou detalhada. 18 alunos de uma escola


de Brasília participaram da pesquisa. Os resultados, à semelhança dos da
UECE, não mostraram diferenças significativas na recepção dos dois roteiros.
Alves, Pereira e Gonçalves (2013) propuseram a audiodescrição de
dois curtas metragens, levando conto a estética cinematográfica. Foram ana-
lisados os seguintes elementos: a narrativa, os pontos de vista, os tipos de
plano (grande plano geral, plano geral, plano médio, primeiro plano, plano de-
talhe), os ângulos e os enquadramentos. Para o grupo, esses elementos são
de fundamental importância para a descrição de obras fílmicas.
Teixeira, Fiore e Carvalho (2013) analisaram a AD de dois filmes infan-
tis a partir dos parâmetros narratológicos propostos por Jimenez-Hurtado da
descrição de personagens, da ambientação e da ação. Os resultados aponta-
ram para a avaliação das ADs como adequadas para o público infantil.
Gonçalves (2013), Lucatelli (2015) e Santos (2017) enfocaram a tra-
dução de roteiros de audiodescrição. Gonçalves (2013) abordou sua tradu-
‘Pequena Miss Sunshine’
38 ção de inglês para o português do filme ‘Pequena Miss Sunshine38’. Lucatelli
é uma comédia de 2006 (2015) analisou sua tradução do roteiro para o filme ‘A Marcha dos Pinguins39’
dirigida por Jonathan Dayton do inglês para o português. Além do roteiro, também realizou a narração des-
e Valery Farris.
se roteiro e a mixagem finais dos dois áudios (o do filme e da AD). Santos
Documentário de Luc
39 (2017) propôs uma tradução para o português de dois episódios da série da
Jacquet que retrata a rotina Netflix Orange is the New Black40. Como Lucatelli (2015) produziu nova lo-
dos pinguins da Antártica. cução. Os resultados dos três trabalhos corroboram com os de Jankowska
(2015) a respeito das adaptações a serem feitas no texto de chegada e da
Série da Netflix iniciada em
40

2013, já estando, portanto, economia de tempo em relação à AD realizada seguindo todas as etapas. Por
na quarta temporada. conta dessas adaptações é necessário que o tradutor tenha também familiari-
dade com a AD devido às questões técnicas a serem enfrentadas. Resultado
41
Ou Daredevil. Série de
semelhante também foi encontrado por Schwartz (2015) quando investigou
2014 que está na sua
terceira temporada. a tradução do roteiro da série ‘Demolidor41’ exibida pela Netflix. Seguindo a
metodologia de Jankowska (2015), a autora traduziu o roteiro um episódio e
contratou uma audiodescritora para cumprir todas as etapas de elaboração de
uma AD. Traduzir um roteiro de AD seria mais barato, mais rápido e aumen-
taria bastante a oferta de AD no mercado brasileiro sem perder a qualidade.
Para concluir as pesquisas realizadas na UNB, trazemos a confec-
ção do ‘Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis’ (NAVES et ali, 2016)
produzido em parceria da Universidade com a Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura. O objetivo é fornecer diretrizes para cineastas brasilei-
ros, que de acordo com instrução normativa da Secretaria terão que tornar
acessíveis as produções realizadas com financiamento público. Além de vá-
rios integrantes do Grupo Acesso Livre, participaram também pesquisadores
do LEAD e profissionais envolvidos na questão da Acessibilidade.
93
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

Em sua página do Facebook42, o grupo TRAMAD da UFBA assim se define: 42


Mais informações em
https://www.facebook.com/
tramadbahia/.
O grupo de pesquisa TRAMAD (Tradução, Mídia e Audiodescrição) foi for-
mado em 2005 na UFBA, com o objetivo de estudar e promover a aces-
sibilidade audiovisual através da audiodescrição, ou seja, a tradução de
imagens em palavras de produtos culturais audiovisuais e visuais (filmes,
peças de teatro, espetáculos de dança, fotos, pinturas, esculturas, instala-
ções, etc) para o público com deficiência visual e intelectual. Hoje, o grupo
também se dedica a outras formas de acessibilidade audiovisual.

O TRAMAD foi o primeiro grupo de pesquisa dedicado à audiodescri-


ção em atividade no país. Aqui serão apresentadas cinco pesquisas explora-
tórias, três de recepção (FRANCO, 2007; SILVA, 2009, SILVEIRA, FRANCO,
CARNEIRO e URPIA, 2013) e duas que avaliam roteiros (MASCARENHAS,
2016 e FARIAS, 2016). Estes trabalhos representam bem o tipo de pesquisa
defendidas pelo grupo.
Franco (2007) realizou uma pesquisa com o intuito de saber se a au-
diodescrição realmente fazia diferença na recepção de PcDVs a filmes audio-
descritos. Para isso, audiodescreveu junto com os integrantes do TRAMAD
um curta-metragem intitulado Pênalti43. Os participantes foram dez voluntários 43
Documentário de oito
(seis homens e quatro mulheres) divididos em dois grupos, os quais um assis- minutos filmado em Salvador
tiria ao filme com audiodescrição e o outro sem o recurso. Um questionário de e dirigido Por Adler Kibe Paz.
14 questões foi elaborado para ser respondido depois da exibição do curta. Os (FRANCO:2017: p. 180)
resultados apontaram para uma melhor recepção do grupo com audiodescri-
ção (acerto de 95% das questões). O grupo sem AD só teve 45% de acertos.
Pode parecer hoje em dia que este tipo de problemática não fosse pertinente
diante do cenário atual, no qual a audiodescrição é considerada fundamental
para o acesso de PcDVs à produções audiovisuais. No entanto, na época,
ainda havia a pergunta no ar sobre se a audiodescrição permitiria realmente
que alguém que não enxerga assistisse a um filme.
Silva (2009) foi a primeira dissertação de mestrado a ser defendi-
da sobre audiodescrição no país. Seu enfoque recaiu no público infantil.
Audiodescreveu alguns episódios de desenhos animados e os exibiu para
crianças uma instituição em Salvador. Além da recepção, Silva também deli-
neou algumas diretrizes de como deveria ser uma AD voltada para crianças.
Os resultados mostram que a AD teve influência positiva na recepção das
crianças e que, no que diz respeito aos parâmetros, existe
94
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

a preferência das crianças por um estilo de narração mais interpretativo,


e descartou-se a hipótese de uma audiodescrição necessariamente mais
explicativa que a feita para os adultos. Durante a realização do estudo tam-
bém foram colhidas várias observações interessantes acerca de questões
como a descrição de personagens, a preservação dos efeitos sonoros, a
sincronia das descrições com as imagens sendo exibidas e o uso de adjeti-
vos. Apesar da existência de inúmeras questões ainda a serem investigadas
antes da criação de um modelo de audiodescrição para crianças no Brasil,
os resultados obtidos reforçam a argumentação em favor da efetiva implan-
tação do recurso no país (SILVA, 2009, p. 6).

Os dados apresentados por Silva (2009) também corroboram as pes-


quisas do LEAD sobre não haver diferença na recepção entre uma AD fo-
cada nas ações e uma AD mais detalhada, envolvendo os parâmetros nar-
ratológicos (descrição de personagens, ambientação e ações) preconizados
por Jimenez-Hurtado (2007) e Jimenez-Hurtado et alli (2010) no Projeto
TRACCE. A demanda das crianças por uma audiodescrição mais expressiva
nos estimulou a abordar a locução na AD por meio do Projeto LOAD.
Como mencionamos no Capítulo 1, existe uma pressuposição por parte
de profissionais e estudiosos em audiodescrição de que o recurso também
facilita o acesso de “pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos
MOTTA e ROMEU FILHO, 2010, p. 11) a produtos audiovisuais. Foi com
esta problematização em mente, que Silveira et ali (2013) foram à APAE em
44
Filme de 2002 dirigido Salvador exibir o curta-metragem ‘Águas de Romanza44’ para pessoas com
por Gláucia Soares e deficiência intelectual. De acordo com as autoras,
Patrícia Baía. Faz parte do
Projeto DVD Acessível da
UECE (2010). O projeto foi para esse público, a audiodescrição representaria uma fonte adicional de in-
financiado pelo Edital 2009 formação acústica para as imagens e diálogos de filmes, o que os ajudaria a
BNB de Cultura.
entender o produto audiovisual mais diretamente e de forma independente.
(SILVEIRA et alli, 2013, p. 202)

Quatro alunos (dois deles com síndrome de Down) assistiram ao filme


duas vezes, a primeira sem e a segunda com AD. Depois disso, viram o filme
sem AD e comentaram livremente, além de responderam um questionário so-
bre o conteúdo do filme. A coleta sobre os filmes com AD foi semelhante, mas
teve a inclusão de dois itens: foram avaliadas as reações dos participantes du-
rante a exibição do filme e as PcDVs foram entrevistadas sobre a experiência
com a AD. Os resultados apontaram para uma boa recepção dos participan-
tes, revelados pelas observações mais detalhadas por parte deles depois da
95
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição

seção com AD. Com exceção dos dois alunos Down, os outros apresentaram
reações durante o filme com AD, o que sugere uma melhor recepção.
Para concluir, veremos os trabalhos de Mascarenhas (2016) e Farias
(2016) que fizeram pesquisa exploratória examinando dois roteiros diferentes
para a mesma produção audiovisual. O objetivo principal é avaliar a influên- Minissérie brasileira
45

cia da estética cinematográfica na elaboração de roteiros de AD. Mascarenhas produzida e exibida em 3


(2016) abordou a audiodescrição de cenas de suspense, levando em conside- capítulos pela Rede Globo
ração este tipo de narrativa na série ‘Luna Caliente45’, por meio da análise de em 1999. Escrita por Jorge
dois roteiros, um elaborado por uma das audiodescritoras do TRAMAD e o outro Furtado, Giba Assis Brasil
e Carlos Gerbase a partir
pela pesquisadora. Os aspectos analisados foram: encenação, cinematografia
da novela homômina do
e montagem. Os resultados sugerem que é necessário ainda que audiodes- escritor argentino Mempo
critores conheçam como a narrativa é construída a partir do gênero do filme e Giardinelli, foi dirigida por
reconheçam os recursos utilizados pelo diretor para realizar essa construção. Jorge Furtado e produzida
Os mesmos resultados foram apresentados por Farias (2016) ao ana- pela Casa de Cinema de
Porto Alegre.
lisar duas versões para o filme português ‘Atrás da Nuvens46’. Somente uma
das versões se preocupa em descrever a narrativa pensada pelo Diretor, que Filme português de
46

se realiza não por palavras, mas por vários recursos relacionados à imagem. 2007 dirigido por Jorge
Terminamos aqui por enquanto um resumo de algumas pesquisas so- Queiroga.
bre audiodescrição feitas aqui e no exterior. Apesar de ter avançado bastante,
ainda tem muitas problemáticas para trabalhar. A questão da consultoria e da
interface audiodescrição/educação, por exemplo. As continuidades destas re-
flexões serão fundamentais para a qualidade da AD oferecida no país.
96
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Atividades de avaliação
1. Faça uma resenha das pesquisas sobre audiodescrição de filmes, compa-
rando a realidade do Brasil com a da Europa.
2. Pesquise sobre as publicações, trabalhos acadêmicos (TCC, dissertação
de mestrado e tese de doutorado) que tratem da interface audiodescrição/
educação e consultoria em audiodescrição. Um bom lugar para procurar é
o banco de teses e dissertações da CAPES (www.bancodeteses.gov.br).

Síntese do Capítulo
O capítulo descreve o estado da arte da pesquisa em audiodescrição no
Brasil e na Europa, detalhando os procedimentos teórico-metodológicos dos
projetos realizados nesses países. A modalidade de AD mais estudada é a
de filmes, já com uma vasta produção tanto aqui como no exterior. Os tipos
de pesquisa utilizados pela maioria são estudos descritivos tanto explorató-
rios, com ênfase nas pesquisas de recepção, quanto baseado em corpus. As
disciplinas que fazem interface com os Estudos da Tradução para analisar a
AD são: Linguística de Corpus, Linguística Sistêmico-Funcional (Sistema de
Avaliatividade), Multimodalidade, Fonética, Fonologia e Fonoaudiologia.

Acesse o site do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da


UECE (www.uece.br/posla) e faça um apanhado das teses (http://www.uece.
br/posla/index.php/teses) e dissertações (http://www.uece.br/posla/index.php/
dissertacoes) sobre audiodescrição defendidas no programa.

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102
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO

Sobre a autora
Vera Lúcia Santiago Araújo é doutora em Letras pela Universidade de
São Paulo com pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Atualmente atua no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
(PosLA) da Universidade Estadual do Ceará. É pesquisadora nível 2 do
CNPq. Tem experiência na área de Linguística Aplicada, com ênfase em tra-
dução, atuando principalmente nos seguintes temas: tradução audiovisual, le-
gendagem para surdos e ensurdecidos e audiodescrição.

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