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1ª edição
Fortaleza - Ceará
2017
A autora
Capítulo 1
A audiodescrição
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
1. Definição
Vamos agora discutir algumas definições de audiodescrição (doravante tam-
bém AD) dada por diferentes pesquisadores para que você, futuro audiodes-
critor ou consultor, construa a sua. Vamos começar pela de Benecke (2004),
um audiodescritor alemão que trabalha para um canal de TV. Ele foi um dos
primeiros audiodescritores profissionais. Essa definição foi adotada pelo gru-
po LEAD (audiodescrição e legendagem) no início da nossa trajetória como
pesquisadores da área (ARAÚJO, 2010, p. 93):
Apesar de ser mais abrangente, essa definição ainda não enfatiza a área
da tradução, a qual a AD está contida. A AD se insere na disciplina Estudos
da Tradução, porque se encaixa na classificação de Jakobson (1995), o qual
divide a tradução em três tipos: a interlinguística ou tradução propriamente
dita (texto de partida e de chegada em línguas diferentes), a intralinguística
ou reformulação (texto de partida e de chegada na mesma língua) e a inter-
semiótica ou transmutação (texto de partida e de chegada em línguas em
meios semióticos diferentes). Jakobson só visualizou um tipo de intersemio-
se, a da tradução de um texto verbal para um visual, pensando, certamente,
na adaptação fílmica. Foi Plaza (2001) que ampliou a definição, incluindo aí
todas as possíveis transformações ou traduções intersemióticas, aí incluindo
a tradução do visual para o verbal, na qual a AD se insere. No entanto, a
Tradução Intersemiótica limitou-se aos estudos em adaptação fílmica. Como
disciplina acadêmica, o estudo da AD se estabeleceu mesmo como subárea
da Tradução Audiovisual (TAV), a qual abordaremos mais adiante. Então, para
discutirmos a AD dentro da academia AD teríamos que incluir a TAV nessa
definição. Além disso, é necessário não esgotar a lista de modalidades de AD,
já que a cada dia surgem novas possibilidades de uso.
Vejamos agora mais duas definições sobre o que seria uma audiodes-
crição: a de Aderaldo (2014) e Motta e Romeu Filho (2010). Segundo Aderaldo,
2. Histórico
A audiodescrição foi criada no mundo acadêmico em 1975 com a disserta-
ção de mestrado de Gregory Frazier intitulada ‘A autobiografia da senhorita
Jane Pittman: uma áudio-adaptação da peça teatral para cegos e deficientes
visuais, Filme e Comunicação2’. Aderaldo (2014) assim define o trabalho de
Frazier (ADERALDO, 2014: p. 37; ADERALDO e NUNES, 2016; p. 19)
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VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
3
O Chacal foi produzido Gregory Frasier, professor da Universidade de São Francisco, na Califórnia
pelos Estados Unidos, Reino (Estados Unidos), contou que certo dia, enquanto assistia a um filme na tele-
Unido, França, Alemanha e visão em companhia de um amigo cego, notou que seu amigo necessitaria da
Japão, dos gêneros ação
sua ajuda visual para conhecer certos pormenores informados unicamente
e suspense, dirigido por
Michael Caton-Jones com pelo canal visual. Assim, durante o desenvolvimento do filme, Frasier passou
Bruce Willis e Richard Gere. a inserir rápidas descrições de elementos visuais que ele considerava essen-
ciais para o acompanhamento da narrativa.
4
O ‘Signo da Cidade’ foi
produzido pelo atores Bruna
Lombardi e Carlos Alberto
Ricelli e protagonizado pela Ao final da dissertação, apresentou um trecho audiodescrito. Em 1990,
atriz e Malvino Salvador. O seu instituto, o AudioVision Institute ganhou um prêmio por “suas importantes
roteiro e a locução foram
contribuições para levar a AD è televisão”. (FRANCO e SILVA, 2010, p. 25)
realizados pela Midiace.
Conforme Franco e Silva (2010), a primeira audiodescrição como ativi-
5
‘Ensaio sobre a cegueira’
produzido pelo Japão, dade profissional aconteceu em 1981 pelo casal Margaret e Cody Pfanstiehl.
Brasil e Canadá, dirigido por Foi no teatro com a peça Major Barbara exibida no Arena Stage Theater em
Fernando Meirelles e com Washington D.C no Estados Unidos. O casal também fez audiodescrições
roteiro baseado no livro do
para a televisão. Em 1982 audiodescreveram a série American Playhouse.
mesmo título do escritor
português José Saramago, Na época a AD era transmitida simultaneamente via rádio. A AD gravada
vencedor do Prêmio Nobel só aconteceu quatro anos depois com a criação do Programa de Áudio
com Mark Ruffalo e Julianne Secundário (a tecla SAP). (24-25)
Moore.
Além do teatro e do cinema, a AD começou a ser oferecida também em
6
‘Irmãos de fé’ é um do
óperas e cinemas. Em 1994, a ópera ‘Madame Butterfly’ foi audiodescrita. Já
gênero drama religioso,
dirigido por Moacyr Góes para o cinema, o primeiro filme exibido no cinema com audiodescrição foi ‘O
com Thiago Lacerda. Chacal3’ em 1997. Na década de 80, foi ganhando espaço em outros países,
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‘Chico Xavier’ foi dirigido principalmente na Europa em países como Inglaterra, França, Espanha em
por Daniel Filho, com roteiro
Alemanha. Hoje em dia seu uso acontece em todo o continente (FRANCO e
de Marcos Bernstein. É
baseado no livro ‘As Vidas SILVA, 2010, p. 25)
de Chico Xavier’, de Marcel No Brasil a AD foi apresentada pela primeira vez em 2003 durante o
Souto Maior. No papel de
festival ‘Assim Vivemos’ (COSTA, 2010), o qual trata de filmes com temática
Chico Xavier, o ator Nelson
Xavier. voltada para a deficiência. Em 2007, tivemos o primeiro filme a ser exibido
no cinema com AD, ‘O Signo da Cidade4’. Em seguida veio o ‘Ensaio sobre
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Baseado em livro de Chico
Xavier, a jornada espiritual a Cegueira5’ em 2008. Já o primeiro filme em DVD comercial foi ‘Irmãos de
conta a história de um Fé6’. A partir de então, vários DVDs foram produzidos tais como ‘Chico Xavier7’
médico, André Luiz, que (2010) e ‘Nosso Lar8’ (2010).
passa por um despertar
depois de sua morte. André Além de DVDs vários espetáculos teatrais, exposições de arte, eventos
Luiz teria se comunicado ao vivo, dentre outros, já receberam a audiodescrição no nosso país.
com Chico Xavier, contando
sua história de dor e
sofrimento em uma espécie 3. Modalidades de AD
de purgatório. O papel de
André Luiz foi do ator Renato Quase todas as produções que possuem elementos visuais a ser harmoniza-
Prieto. dos com o áudio ou que possuem somente imagens estáticas, como pinturas
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
desligar, parar etc. Embaixo desses botões, aparecem duas caixas de texto,
as quais trazem as inserções. A primeira caixa apenas mostra as inserções
de AD digitadas na segunda caixa localizada embaixo e à direita da primeira.
Na primeira caixa, à esquerda temos o medidor de tempo do filme, chamado
Leitor de código temporal.
9
de TCR, sigla em inglês para Time Code Reader 9 (TCR). São dados dois
TCRs, o do início e o final da inserção localizada ao lado. Na segunda caixa,
além da escrita das inserções de AD, aparece também na parte de cima, o
número de caracteres à medida que são digitados. As opções do menu são
nessa ordem da direita para a esquerda: ARQUIVO, EDITAR, PROCURAR,
FERRAMENTAS, VÍDEOS, PREFERÊNCIAS e AJUDA. A figura traz uma
cena do filme O homem que engarrafava nuvens (2009)10, na qual aparece o
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Documentário sobre a
vida e música de Humberto rosto de Humberto Teixeira com a legenda HUMBERTO CAVALCANTI, COM
Teixeira, produzido por “I”. Os dados da primeira caixa estão iluminados em azul.
Denise Dumont e dirigido
No menu VIDEO, podemos carregar o filme e no menu ARQUIVO, car-
por Lírio Ferreira. A AD foi
elaborado pelo grupo LEAD/ regar inserções de AD pré-existentes ou começar um arquivo novo. É possível
UECE como parte do Projeto também escolher o formato da inserção (configurações de fonte, cor, tamanho
DVD Acessível patrocinado etc.) no menu PREFERÊNCIAS ou com um simples toque com o botão direito
pelo Banco do Nordeste
do mouse. Além disso, podem-se visualizar à esquerda, os tempos do filme
para o Cine Ceará 2009.
(total e parcial). As linhas abaixo e à esquerda da tela trazem os tempos ini-
ciais e finais da marcação, assim como a duração da legenda. O SW gera um
arquivo que serve de base para a elaboração do roteiro. Esse tipo de arquivo
pode ser conferido abaixo:
1
00:00:17,013 --> 00:00:23,449
Tela vermelha. Desenhos na cor branca vão surgindo, dentre eles: uma fer-
radura, um trevo, uma estrela de Davi e uma cruz.
2
00:00:24,352 --> 00:00:25,977
Good Ju-Ju.
3
00:00:30,463 --> 00:00:33,510
Asylum Films.
4
00:00:38,277 --> 00:00:43,002
Lereby.
5
00:00:47,116 --> 00:00:50,478
Total Entertainment.
15
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
6
00:00:52,488 --> 00:00:56,034
Patrocínio: Petrobras.
7
00:00:57,779 --> 00:01:02,037
Governo do Estado do Ceará.
8
00:01:03,561 --> 00:01:06,810
Banco do Nordeste.
9
00:01:08,322 --> 00:01:11,871
Patrocínio: Eletrobrás e Ministério da Cultura.
10
00:01:13,170 --> 00:01:16,789
BNDES.
11
00:01:17,943 --> 00:01:20,150
Apoio: Gran Marquise Hotel e TeleImage.
12
00:01:21,753 --> 00:01:26,531
Lei do Audiovisual e Lei de incentivo à cultura.
13
00:01:28,473 --> 00:01:30,850
Ancine: Agência Nacional de Cinema.
14
00:01:44,721 --> 00:01:49,106
Tela em preto e branco. Uma mulher caminha por uma rua dentro de
um cemitério.
15
00:02:10,587 --> 00:02:13,325
Aos poucos a tela fica colorida.
audiodescrito na UECE
como parte do projeto DVD Múmero Tempo Tempo Deixa Texto Rubrica
sequencial inicial final
Acessível.
3.1. AD de filmes
AD de filmes envolve a elaboração, revisão e narração (locução)12 de um 12
Os termos “narração”
roteiro (SEOANE, 2013; BRAGA, 2013). Essa locução será depois mixada e “locução” serão
intercambiáveis: “narração”,
ao som original do filme. Segundo Jimenez-Hurtado (2010, p. 70), a estrutura
porque é o termo utilizado no
narrativa de roteiro de AD deve ser pensada em três níveis: o narratológico, o mercado da audiodescrição
cinematográfico, ou da linguagem da câmera, e o gramático-discursivo. O ní- e “locução”, porque é o
vel narratológico relaciona-se à elaboração das inserções de AD de um rotei- termo acadêmico para a
atividade. Uma locução,
ro. O conteúdo é voltado para a descrição de elementos visuais verbais e não
seria, uma narração com
verbais. Os elementos visuais verbais são textos escritos diegéticos (fazem interpretação.
parte do filme) e não diegéticos (são externos ao filme). Dentre esses ele-
mentos, podemos citar legendas, os créditos iniciais e finais e o logotipo dos
produtores. O Quadro 1 traz um exemplo desses elementos visuais verbais:
Quadro 01: Elementos visuais verbais do filme ‘Corisco e Dadá’ (1996)13 Filme dirigido por
13
O quadro mostra parte dos créditos iniciais do filme. As três primeiras são
referentes aos patrocinadores e por fim o início de texto escrito extra-diegético,
contextualizando o tema do filme, as vidas dos cangaceiros Corisco e Dadá.
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VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
Os personagens não foram descritos de uma vez só, como num conto ou ro-
mance. Seu perfil vai sendo traçado ao longo do filme. Aos poucos, o expec-
tador vai ouvindo pequenos detalhes singulares de cada um deles, tais como
o modo de vestir, a reação diante de uma determinada situação, algumas
características físicas etc. Vale ressaltar, ainda, que a construção da imagem
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
dos personagens por parte dos participantes se faz por meio de um misto de
informações contidas no roteiro e nos diálogos. (BRAGA, 2013: p. 142)
Pelas inserções, pode-se ter uma ideia da situação de pobreza em que vive
o menino, já que ele aparece quase sempre sem camisa, com a mesma
roupa ou sujo de terra. Também o ambiente em que vive colabora para a
sua caracterização, pois mostra as condições precárias de subsistência que
aquele lugar tão longínquo oferece (BRAGA, 2013, p. 142).
na brancura da neve. Seguem por entre três altos troncos de árvores que
se bifurcam em galhos. Galhos ressecados e desfolhados, salpicados de
neve, que alcançam toda a altura do quadro e nos quais pousam alguns
pássaros. Os caçadores estão de costas para o observador e parecem ca-
minhar em direção ao vilarejo, bem de frente às montanhas do outro lado do
vale. Eles se destacam no cenário pelo tamanho e pelas suas vestimentas
escuras, quase da cor dos troncos das árvores. Caminham curvados, como
se cansados e abatidos. Os cães, cabisbaixos, também denotam cansaço
na forma de se locomover. Apenas um dos caçadores traz um animal nas
costas pendurado numa longa lança ao ombro. Parece ser o único fruto
da caçada, pois os outros dois caçadores carregam somente a lança ao
ombro. À esquerda dos caçadores, três pessoas atiçam um fogo ao lado
de uma casa. A alta casa de tijolos exibe uma placa onde há uma inscrição
e o desenho de um cervo, o que seria indicativo de uma taverna. Seguindo
para o lado direito inferior do quadro, há uma pequena ponte e casas co-
bertas de neve em ambos os lados. Destaca-se, ainda, uma grande roda
de moinho totalmente recoberta de cristais de gelo. A absoluta quietude do
fim de tarde invernal parece ser interrompida por alguns poucos movimen-
tos. Entre a ponte e as montanhas, na superfície de dois lagos congelados,
patinadores, pequenas silhuetas que deslizam sobre o gelo em atitudes de
descontração. Os patinadores participam de diversos jogos e brincadeiras.
Outras pessoas simplesmente sentam à margem dos lagos e observam.
Numa branca e fria estrada que atravessa o vale, bem ao lado esquerdo dos
lagos dos patinadores, uma pessoa puxa um animal conduzindo uma car-
roça com uma carga em direção ao vilarejo, que fica nas proximidades das
montanhas. No canto superior direito, gélidas e pontiagudas montanhas,
com seus íngremes penhascos envoltos em neve. Ao sopé dessas mon-
tanhas, casas com telhados cobertos de neve são fronteadas pela alvura
do vale que se estende diagonalmente na paisagem. A torre de uma igreja,
revestida da brancura da neve, desponta em meio a um aglomerado de
casas que aparece à distância, à esquerda das montanhas. Esse povoado
situa-se na extremidade esquerda do vale e logo ali é feita a conexão com
a linha do horizonte e com um céu de tom cinza esverdeado, às vezes qua-
se alvacento, cor semelhante à dos lagos e das águas do ribeirão. O céu
brumoso, nublado, também se conecta às geladas montanhas ao fundo,
perpassando, assim, toda a superfície superior do quadro e se deixando
entrever por trás dos galhos secos e desfolhados das árvores. Um pássaro
atravessa, em voo solitário, o branco vale em direção às montanhas. Por um
instante, tem-se a impressão de que paira no ar, visualizando toda a cena.
Esse voo do pássaro, quase na altura das montanhas, dá um tom de pro-
fundidade ao vale, nos faz perceber o contraste entre as altas montanhas e
o longo vale entrecortado pelos riachos e lagoas.
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
... a obra como um todo desenvolve uma narrativa da cena invernal com seus
diversos episódios estreitamente interconectados, com figuras que desempe-
nham determinados papéis dentro da narrativa (NUNES, 2016, p. 135).
o pasto; seis pernas azuis, que representam o céu e três pequenos bancos
em formato de troncos”. (LEÃO, 2013, p. 39)
A iluminação teve ainda um menor número de inserções (15). Conforme
Leão (2013, p. 41), foram priorizados as ações, os figurinos e os personagens,
por que a movimentação destes dentro do cenário que torna a peça mais
interessante. O que foi descrito referente a esse quesito, diz respeito à pas-
sagens do tempo, focalização das cenas dos personagens e à ausência de
luz. Mesmo em pequena quantidade, a iluminação teve papel de destaque na
AD, principalmente porque esse elemento é de muita relevância para o teatro.
A locução é de fundamental importância numa peça teatro, porque é,
por meio dela, que a emoção de estar num espetáculo ao vivo vai chegar para
a PcDV. Já temos uma proposta formatada para os filmes, a qual Bruna Alves
Leão vai avaliar, em sua tese de doutorado em andamento, se essa proposta
se aplica ao teatro. Nessa proposta, são as modulações de voz responsáveis
por descrever esses sentimentos. Ela será abordada no Capítulo 4, mas será
realmente estudada no livro sobre locução. Para finalizar esse item sobre al-
gumas modalidades de AD, veremos a AD de jogos de futebol, em que toda a
descrição é feita ao vivo sem roteiro. O papel da locução é ainda mais essen-
cial do que no teatro.
Atividades de avaliação
1. Reflita sobre o que foi dito no capítulo sobre audiodescrição e formule sua
própria definição, aquela que vai iniciar o seu TCC vai mostrar sua percep-
ção sobre a AD.
2. Faça uma pesquisa sobre os filmes lançados em DVD no Brasil que contam
com audiodescrição.
3. Escolha uma modalidade de AD de sua preferência e tente descrevê-la
como fizemos no capítulo.
Síntese do Capítulo
O capítulo faz uma rápida apresentação sobre o significado da audiodescri-
ção. Foram delineadas várias definições para que os futuros audiodescritores
e consultores tenham a clara dimensão de sua concepção sobre o que seja
audiodescrição. As questões envolvidas nessas definições são: a AD como
tradução, a subjetividade/objetividade envolvidas e as modalidades de AD.
Também foram discutidos os diferentes formatos de AD (gravada, ao vivo com
roteiro e ao vivo sem roteiro), bem como foram discutidos os procedimentos
de quatro modalidades de AD: filme, obra de arte, teatro e futebol.
Além dos textos referenciados, sugiro que sejam lidos, para um aprofun-
damento maior sobre as modalidades de audiodescrição, os artigos de Livia
Motta e Maurício Santana sobre a audiodescrição de ópera e propaganda,
respectivamente.
MOTTA, L. M. V. M. M. A audiodescrição vai à ópera. In MOTTA, L. M. M.;
ROMEU FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transformando imagens em
palavras. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, 2010, 67-82.
SANTANA, M. A primeira audiodescrição na propaganda da TV brasileira:
Natura Naturé um banho de acessibilidade. In MOTTA, L. M. M.; ROMEU
FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transformando imagens em palavras.
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VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
Referências
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breve percurso histórico. In ADERALDO, M.F.; DANTAS, J. F.; MASCARE-
NHAS, R.; ARAÚJO, V. L. S. Pesquisas teóricas e aplicadas em audiodescri-
ção. Natal: EDUFRN, 2016, 14-48. http://www.sedis.ufrn.br/bibliotecadigital/
site/interativos.php. Acessado em 26/05/2017.
ADERALDO, M. F. Dom Portinari de la Mancha: acessibilidade visual por
meio da audiodescrição. Os novos rumos da pesquisa em audiodescri-
ção no Brasil. Curitiba: CRV, 2013, 61-72.
ADERALDO, M. F. Proposta de parâmetros descritivos para audiodes-
crição de pinturas artísticas: interface da tradução audiovisual acessí-
vel e a semiótica social-multimodalidade. Tese de Doutorado não-publica-
da. Belo Horizonte: UFMG, 2014. http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/
handle/1843/MGSS-9LZPMM.
ARAUJO, V. L. S; OLIVEIRA Júnior, J. N. A pintura de Aldemir Martins para
cegos: audiodescrevendo Cangaceiros. In ARAÚJO, V. L. S.; ADERALDO,
M. F. In Os novos rumos da pesquisa em audiodescrição no Brasil. Curi-
tiba: CRV, 2013, 89-100.
ARAÚJO, V. L. S. A formação de audiodescritores Ceará e em Minas Ge-
rais: uma proposta baseada em pesquisa acadêmica. In MOTTA, L. M. M.;
ROMEU FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transformando imagens em
palavras. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com De-
ficiência, 2010, 93-106. http://pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/do-
cuments/LIVRO_AUDIODESCRICAO_TRANSFORMANDO_IMAGENS_
EM_PALAVRAS.pdf.
BENECKE, B. Audio-Description. Meta, v. 49, n. 1, p. 78-80, 2004. https://
www.erudit.org/revue/meta/2004/v49/n1/009022ar.pdf.
BRAGA, K. B. Filme de arte acessível: a audiodescrição de O Grão. In
ARAÚJO, V. L. S.; ADERALDO, M. F. In Os novos rumos da pesquisa em
audiodescrição no Brasil. Curitiba: CRV, 2013, 135-150.
COSTA, G. P. Audiodescrição e voice-over no Festival Assim Vivemos.
MOTTA, L. M. M.; ROMEU FILHO, P. (Ed) Audiodescrição. Transforman-
do imagens em palavras. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
O resultado do Google Tradutor foi o seguinte: “It can only be translated from
the foreign language into the mother tongue, since we only dominate the lat-
ter.” Se a afirmação de que o significado está no texto estivesse correta, o
texto já estaria pronto. No entanto, esse texto não é adequado à língua inglesa
necessitando de vários ajustes, tendo o tradutor humano diferentes possibili-
dades dentro da língua inglesa. Uma delas seria: One can only translate from
a foreign language to his/her mother tongue, as the latter is the one he/she can
really master.
Podemos ter várias outras traduções diferentes, dependendo do tradutor
e das circunstâncias envolvidas. No que diz respeito à equivalência, esta é uma
operação matemática que garante a reversibilidade do resultado. Por exemplo
3+1 será sempre equivalente a 4 e vice-versa. Não foi o que aconteceu com a
primeira tradução (It can only be translated from the foreign language into the
mother tongue, since we only dominate the latter) de volta para o português. O
resultado foi: “Só pode ser traduzida da língua estrangeira para a língua mater-
na, uma vez que só dominamos a segunda.” Se continuarmos com este exer-
cício, teremos sempre traduções diferentes que necessitam da intervenção do
tradutor humano. O que esse pequeno execício nos mostra é o caráter subjeti-
vo, histórico e dependente do contexto de todo o processo tradutório.
No que diz respeito à AD, se essa objetividade existisse, significaria di-
zer que não importando sua visão de mundo, sua subjetividade, sua idade,
sua origem, todos os audiodescritores priorizariam a mesma informação vi-
sual e todas as audiodescrições seriam iguais. Segundo essa concepção de
tradução, ao fazermos uma AD, as soluções estariam fora do audiodescritor e
não seriam fruto de sua análise da situação.
Vejamos agora a origem dessa concepção tão arraigada no senso
comum de que a tradução não é um trabalho intelectual, bastando transferir
informações de uma língua para outra, as quais possuem significados está-
veis, independentes do contexto, do sujeito e da história. Para essa corren-
te, a AD não seria considerada uma tradução, já que para eles, a tradução
é estritamente linguística, sendo, portanto, uma subdivisão dessa disciplina.
Teoricamente, é conhecida como Teoria da Tradução com base Linguística.
Vários autores defendem essa teoria, mas vamos ficar com os mais
significativos, já que estamos abordando a tradução para podermos entender
seu impacto na audiodescrição. Catford (1965) propôs a criação de uma teoria
de tradução que pudesse prever os problemas e, a partir da análise linguística
desses problemas, as soluções. Em outras palavras, para fazer uma tradu-
ção entre duas línguas, bastaria buscar essas soluções ou fazer uma análise
contrastiva entre as duas línguas e aí buscar as respostas para os problemas.
Essas respostas seriam aplicáveis a qualquer modalidade de tradução. Já
37
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
This is just to say I have eaten the plums that were in the icebox and which
you were probably saving for breakfast. Forgive me, they were delicious: so
sweet and so cold. (ARROJO, 1986, p. 32)
Se esse anfitrião solicitasse uma tradução por algum amigo, uma das
possibilidades poderia ser esta:
Este bilhete é só para lhe dizer que comi as ameixas que estavam na gela-
deira e que provavelmente você estava guardando para o café da manhã.
Desculpe-me, elas estavam deliciosas, tão doces e geladas (ARROJO,
1986, p. 32).
38
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
as quais você
você decerto
guardara
para o desjejum
Desculpe-me
estavam deliciosas
tão doces
e tão frias
Antônio Cícero não comenta sua tradução, mas dá a ela um tom mais
formal pelo uso de palavras como “decerto”, “guardara”, “desjejum”, além da
forma correta “desculpe-me” ao invés de ‘desculpe’ como o fez o outro tradu-
tor. Qual seria a tradução correta? Ou ideal? Não é possível saber. O que na
verdade se analisa dentro dos Estudos da Tradução não é aquilo que deveria
ser, mas o que efetivamente foi feito. O enfoque principal não é o texto de
partida, não é o original, e sim o texto traduzido. Aliás dentro dos Estudos da
Tradução preferimos chamar o original de texto de partida ou texto fonte, jus-
tamente por causa dessa instabilidade do significado. Além do mais a origem
desse significado difere de sujeito para sujeito. Por exemplo, se assistirmos
uma adaptação fílmica antes de lermos o livro, o texto de partida para nós
será o filme. É o filme que governará nossas inferências quando lermos o livro.
Resumindo, para os linguistas a tradução é MANUTENÇÃO do senti-
do do original; SUBSTITUIÇÃO da mensagem original pela mensagem tra-
duzida; TRANSFERÊNCIA ou TRANSPORTE DE SIGNIFICADOS; NÃO-
INTERFERÊNCIA na mensagem original e garantia de REVERSIBILIDADE
AO ORIGINAL.
Todos os termos em caixa alta (manutenção, substituição, transferên-
cia/transporte de significados, não interferência, reversibilidade ao original) re-
montam à visão de tradução na qual o tradutor não tem nenhum protagonismo
na tarefa. Todos os significados já estão no texto, cabendo a ele apenas des-
cobrir quais são esses significados para manter as intenções do autor, encon-
trando o exato significado que traduz essas intenções. Ao utilizar tais termos, o
audiodescritor e o consultor em audiodescrição estarão trazendo estas ideias
para a sua prática. Muitas vezes deixa de utilizar descrições mais eficientes
para não burlar esta regra. O audiodescritor como pesquisador, também terá
problemas, já que sua análise será governada por prescrições (regras) e não
por descrições. O termo descrição aqui é concebido como análise. Quando
descreve, o profissional ou o pesquisador, analisa o contexto em que a AD
está inserida, levando em conta as singularidades da modalidade de AD, o
público local, sua visão de mundo, etc.
40
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
164). No estudo, aquilo que está disponível para observação não são as nor-
mas em si, mas exemplos de comportamentos regidos por normas. A tarefa
do analista é reconstruir essas normas a partir de fontes textuais (os próprios
textos traduzidos e os textos virtuais analíticos) e extratextuais (formulação
semi-teóricas ou críticas, declarações de tradutores, editores, editoras, pesso-
as envolvidas na tradução, apreciações críticas de traduções individuais etc.)
Foi com base nessa teoria que fiz minha tese de doutorado (ARAÚJO,
2013) sobre a tradução de clichês18 em filmes dublados e legendados. Para 18
Expressões que os falantes
isso, foram analisados 250 clichês e 5 filmes. Os resultados apontaram para de determinada língua
transformam em estereótipos
traduções que seriam gramaticais, mas não naturais em português, como por
e lugares-comuns com o
exemplo traduzir you made day por “você fez meu dia” ao invés da expressão uso recorrente. O significado
mais natural que seria “você me fez ganhar o dia”. Este comportamento tradu- real é substituído por uma
tório pode ser explicado pela imposição dos produtores dos filmes, da lista de função social. Por exemplo,
quando dizemos “Como
estilo das empresas responsáveis pela tradução, pelas restrições de tempo e
vai?” Estamos apenas
espaço nas legendagens e dublagens e, finalmente, pela concepção de tra- cumprimentando a pessoa e
dução dos profissionais envolvidos. não realmente perguntando
como está a vida da pessoa.
Este referencial teórico-metodológico só poderia ser usado para gran-
des quantidades de tradução, tornando complicada a análise de poucos ou
de um só texto traduzido. No entanto, foi muito importante para o reconheci-
mento da tradução como disciplina. Apesar de ser posterior aos Estudos da
Tradução, foram os EDT que ajudaram a solidificar a então jovem discipli-
na. Hoje em dia, serviu de base para os Estudos da Tradução Baseados em
Corpus, como veremos mais no Capítulo 4.
Foi a visão mais abrangente da tradução dos EDT, que possibilitou que
os ET se transformassem numa disciplina independente e não mais perten-
centes à Linguística e à Literatura Comparada. A denominação Estudos da
Tradução veio de uma apresentação de congresso de Holmes (2000) em
1972, a qual traçou também toda a organização da disciplina num mapa.
42
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
Quadro 6: Tradução de Augusto de Campos para Elegy: Going to bed de John Donne
John Donne Augusto de Campos
Licence my roving hands, and let them go Deixa que a minha mão errante adentre
Before, behind, between, above, below. Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
My kingdom, safest when with one man mann’d, Reino de paz, se um homem só a conquista,
My mine of precious stones, my empery; Minha mina preciosa, meu Império,
How am I blest in thus discovering thee! Feliz de quem penetre o teu mistério!
To enter in these bonds, is to be free; Liberto-me ficando teu escravo;
Then, where my hand is set, my soul shall be. Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Full nakedness! All joys are due to thee; Nudez total! Todo o prazer provém
As souls unbodied, bodies unclothed must be De um corpo (como a alma sem corpo) sem vestes.
To taste whole joys. Gems which you women use As joias que a mulher ostenta
Are like Atlanta’s ball cast in men’s views; São como as bolas de ouro de Atalanta:
That, when a fool’s eye lighteth on a gem, O olho do tolo que uma gema inflama
His earthly soul might court that, not them. Ilude-se com ela e perde a dama.
Like pictures, or like books’ gay coverings made Como encadernação vistosa, feita
For laymen, are all women thus array’d. Para iletrados, a mulher se enfeita;
Themselves are only mystic books, which we Mas ela é um livro místico e somente
—Whom their imputed grace will dignify — A alguns (a que tal graça se consente)
Must see reveal’d. Then, since that I may know... É dado lê-la. Eu sou um que sabe
No entanto, apesar de o artigo não ter uma base teórica sólida e nenhuma
observação que possa servir de padrões sistemáticos para dar instruções a
audiodescritores novatos, o texto serviu como um relato interessante sobre
como se fazia a AD no Reino Unido na época.
O artigo de Ana Matamala (2005) apresenta uma descrição do proces-
so sobre como se fazia a AD da ópera Boris Godunov no Liceu de Barcelona
pelo audiodescritor Llorenç Blasi. Segundo a autora, os elementos traduzidos
na ópera foram: a encenação, a legendagem e as informações contidas no
libreto sobre o espetáculo. A preparação envolveu a elaboração de um roteiro
preparado a partir da observação dos ensaios, de um vídeo com todo o espe-
táculo e das informações no libreto.
A AD da encenação envolveu a descrição do enredo, do cenário, dos
figurinos, dos adereços, das expressões faciais, além dos sentimentos dos
personagens, dentre outros elementos. A leitura das legendas também é fun-
damental para que a PcDV acompanhe a ópera. As óperas, normalmente em
língua estrangeira, são traduzidas por legendagem eletrônica (surtitiling)21. No
21
Legendagem eletrônica é
aquela na qual as legendas
caso em questão, as falas foram legendadas do russo para o espanhol e o
são projetadas em tempo
Catalão. Para superar a falta de visão de certos lugares, na frente deles, há real por meio de um projetor
uma tela plana que oferece uma visão completa do palco e das legendas. exclusivo para o lançamento
Orero (2007) chama essa leitura das legendas de audiolegendagem (audio- das legendas. Para
garantir a simultaneidade
subtitling). À semelhança das legendas, as informações contidas no libreto (o
entre legenda e fala, é
script da ópera) também devem ser lidas. Essas informações estão disponí- necessária presença de
veis no site do Liceu. um profissional, chamado
de marcador ou lançador.
Apesar de a autora não apresentar nenhuma base teórica para as ob-
São confeccionadas em
servações feitas, o texto já possui instruções sistemáticas para serem usadas programa de legendagem,
na AD de óperas, as quais provavelmente serão relevantes para o estabeleci- mas precisam ser coladas
mento teórico da área. É importante lembrar que a teoria não surge do nada, uma a uma em lâminas
de apresentação de slides
mas sim de uma reflexão sobre a prática. Para nós da UECE foi um texto mui-
para que sejam lançadas
to importante, quando tivemos que fazer AD de teatro. No texto de Matamala, individual e manualmente.
não há nenhum indício de que não considere a AD como tradução e nem da (ARAÚJO e CHAVES, 2016,
adoção da neutralidade tanto no roteiro como na locução. p. 75)
Snyder (2005) já deu uma definição mais ampla sobre a AD, engloban-
do outros tipos de arte. No entanto, para ele a AD é uma arte e não um ofício
e também uma técnica e não uma modalidade de tradução, como discutimos
no início deste capítulo.
3. Objetividade/subjetividade e neutralidade/interpreta-
ção na AD
Essas questões serão abordadas a partir da perspectiva de Costa (2014) e
Praxedes Filho e Magalhães (2013 e 2015), por terem discutido especifica-
mente sobre a neutralidade em AD a partir de referenciais teóricos adequa-
dos. Costa (2014) corrobora a nossa posição sobre a não neutralidade na AD.
Com base em Braun (2007, p. 6) trata a questão como sendo uma estratégia
escolhida pelo audiodescritor “entre o que [...] quer comunicar explicitamen-
te (explicitação) e pressuposições implícitas que são feitas pelo destinatário
(inferência).” (COSTA, 2014, p. 84). Então, a subjetividade está presente nos
dois casos, a diferença é que na explicitação o “audiodescritor sintetiza a in-
formação verbal explicando o que acontece na cena”, enquanto que quando
adota o critério da inferência “os elementos visuais” são dados “individualmen-
te para que o espectador infira o que acontece. (COSTA, 2014, p. 84-85)
51
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
utilizar a inferência para descrever Denise, a filha de Humberto Teixeira. Ela de 1h e 47 minutos sobre
aparece em todo o filme, entrevistando vários artistas brasileiros sobre seu a vida de Humberto
Teixeira de 2009. O filme
pai, tema principal do documentário. O filme começa com ela andando pelo
é dirigido por Lírio Ferreira
cemitério onde o pai foi enterrado. Depois da leitura dos créditos, as inserções e protagonizado pela filha
foram as seguintes: do compositor (Denise
Tela em preto e branco. Uma mulher caminha Dumont) e mais vários
por uma rua dentro de um cemitério. artistas brasileiros como
Caetano Veloso, Sivuca,
Gal Costa, Chico Buarque,
Aos poucos a tela fica colorida. dentre outros.
A tela escurece.
sido explicitado na primeira aparição, essa inferência por parte da PcDV teria
sido mais provável. Podemos dizer que embora não houvesse incoerência
local, a estratégia prejudicou a coerência global.
Outra pesquisa que se debruçou sobre a neutralidade na AD foi a de
Praxedes Filho e Magalhães (2013 e 2015). Por meio da Linguística Sistêmico
Funcional, mais especificamente, sobre o Sistema de Avaliatividade (SA), con-
duziu um estudo descritivo para avaliar AD de pinturas em inglês e português.
O SA avalia as escolhas lexicogramaticais do escritor/tradutor/audiodescritor
a partir de vários níveis de delicadeza. Aqui serão descritos apenas dois ní-
veis, os quais foram aqueles utilizados pelos autores.
[....]
[Exemplo de foco - AD do quadro Sem Título - série Olhos que não que-
rem ver] um homem branco apresenta um cabelo de corte arredondado
(característico dos índios caiapós], pintado com tinta avermelhada, com va-
riações de tons marrom e preto tracejando fios de cabelo. (PRAXEDES E
MAGALHÃES, 2015, p. 122)
[....]
[....]
Apenas um dos caçadores traz um animal nas costas pendurado numa lon-
ga lança ao ombro. Parece ser o único fruto da caçada, pois os outros dois
caçadores carregam somente a lança ao ombro.
[....]
A alta casa de tijolos exibe uma placa onde há uma inscrição e o desenho
de um cervo, o que seria indicativo de uma taverna.
[....]
[....]
57
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
Atividades de avaliação
1. Na sua opinião, quais seriam as implicações para o trabalho do audiodes-
critor considerar a audiodescrição como tradução?
2. Você está convencido/a de que a audiodescrição não é neutra? Diga porque.
Síntese do Capítulo
O capítulo procurou situar a audiodescrição dentro dos Estudos da Tradução,
fazendo uma discussão sobre o conceito de tradução e suas consequentes
implicações para a audiodescrição. Foi feita também uma reflexão teórica so-
bre a questão da neutralidade/interpretação dentro da audiodescrição.
58
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
Referências
ADERALDO, M. F. Proposta de parâmetros descritivos para audiodescrição de pin-
turas artísticas: interface da tradução audiovisual acessível e a semió-
tica social-multimodalidade. Tese de Doutorado não-publicada. Belo Hori-
zonte: UFMG, 2014. http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/
MGSS-9LZPMM.
BRAUN, Sabine. Audio description from a discourse perspective: a
socially relevant framework for research and training. University of
Surrey, 2007. Disponível em https://www.researchgate.net/profile/Sabi-
ne_Braun3/publication/262047976_Audio_Description_from_a_discour-
se_perspective_a_socially_relevant_framework_for_research_and_training/
links/004635367de543aa8a000000.pdf. Acessado em 05/03/2017.
COSTA, L. M.; FROTA, M. P. Interpretar e descrever na audiodescrição, ou
o que poderia significar limitar a um mínimo a interpretação. In ARAÚJO, V.
L. S.; ADERALDO, M. F. (Org.); MASCARENHAS, R. O. (Org.); DANTAS, J.
F. L. (Org.) ; ALVES, J. F. (Org.) . Pesquisas teóricas e aplicadas em au-
diodescrição. 1. ed. Natal: EDUFRN, 2016, 71-97. http://www.sedis.ufrn.br/
bibliotecadigital/site/interativos.php. Acessado em 26/05/2017.
ARAÚJO, V. L. S. A; CHAVES, E. G. Orientações para a elaboração da le-
genda para surdos e ensurdecidos (LSE). In ARAÚJO, V. L. S.; ALVES, S.
F.; MAUCH, C.; NEVES, S. B. Guia para Produções Audiovisuais Aces-
síveis. Brasília: Ministério da Cultura/Secretaria do Audiovisual, 2016, 42-81.
ARAÚJO, V. L. S. Ser ou não ser natural, eis a questão dos clichês de
emoção na tradução audiovisual. Tese de doutorado não publicada. São
Paulo: USP, 2000.
ARROJO, R. Oficina de tradução. São Paulo: Ática, 1986.
59
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
1. Definição
A TAV (Audiovisual Translation ou AVT em inglês), como subárea dos Estudos
da Tradução, é aquela voltada para as práticas de tradução nos meios de co-
municação, os quais envolvem os meios audiovisuais (cinema, teatro, DVD,
Blue Ray, além de eventos artísticos e esportivos), ou pelo menos um deles,
já que essas práticas também aparecem no rádio. Pode ser inter (entre duas
línguas diferentes, como por exemplo, um filme traduzido do inglês para o
português) ou intralinguística (dentro da mesma língua, como por exemplo,
a legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) com áudio e legendas na
mesma língua) ou intersemiótica (entre meios semióticos diferentes, como a
audiodescrição que traduz imagens - meio visual - em palavras - meio verbal).
Antes da atual denominação, a área foi chamada de TRANSFERÊNCIA
LINGUÍSTICA (Language Transfer), TRANSFERÊNCIA LINGUÍSTICA
AUDIOVISUAL (Audiovisual Language Transfer), TRADUÇÃO PARA A TELA
(Screen Translation) e TRADUÇÃO DE MULTIMÍDIA (Multimedia Translation).
Os dois primeiros nomes foram utilizados na Europa no início da década de
1990 por profissionais da área, os quais não concebiam a TAV como tradu-
ção. Conforme vimos no Capítulo 2, muitos profissionais da área têm dificul-
dades em teorizar sobre sua atividade.
Tradução para a Tela, como o próprio termo diz, tem como meio de
exibição a TV, o computador e o cinema. (ARAÚJO e FRANCO, 2011). Foi
escolhido por Gambier (2003) para dar título ao número especial do periódi-
co britânico The Translator, contendo artigos dos principais pesquisadores da
área, na maioria europeus. Eu e Eliana Franco (FRANCO e ARAÚJO, 2003)
éramos as únicas não europeias a contribuírem com o número especial. Na
introdução, vê-se a confusão do autor em relação ao termo, já que no seu
texto, além de Tradução para a Tela, aparece também TAV e Tradução de
Multimídia. Apesar de ter o usado o termo Tradução de Multimídia num livro or-
ganizado dois anos antes (GAMBIER e GOTTLIEB, 2001), Gambier comenta
sobre a inadequação dessa denominação para a área:
da web, CDs e games) - como se não houvesse diferenças entre essas mí-
dias (TV, cinema e computador) e os códigos visuais e verbais. (GAMBIER,
2005, p. 171-172).
2. Modalidades de TAV
Na introdução de Screen Translation (2003), Gambier propõe a seguinte clas-
sificação para as modalidades de TAV:
2.1. Legendagem
A legendagem é a tradução em forma de texto escrito das falas de uma
produção audiovisual. Pode ser classificada segundo critérios técnicos, cri-
térios linguísticos, o modo de exibição e o público alvo. No que diz respeito
aos aspectos técnicos, a legenda pode ser aberta (disponível para todos) ou
66
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
A mulher cearense ainda é uma mulher muito/ atrelada a.../ vamos dizer
assim, a... conceitos, né?/ A padrões, né?/ Por que isso?/ Porque a grande
maioria das mulheres que chega aqui,/ o que que a gente percebe?/ Essas
mulheres, elas raramente,/ elas vêm diante da primeira agressão. (ARAÚJO
E CHAVES, 2016, p. 66)
2.2. Dublagem
A dublagem, segundo Chaume (2004, p. 32) é a tradução de um roteiro de
um texto audiovisual e a posterior interpretação dessa tradução por parte de
atores e de um diretor. Agost (1999, p. 16) diz ainda que o texto a ser dubla-
do deve dar conta de três tipos de sincronismo: visual, de caracterização e
de conteúdo. O sincronismo visual é obtido pela harmonização entre os mo-
vimentos articulatórios visíveis e a trilha sonora da produção audiovisual. O
sincronismo de caracterização envolve a harmonização entre a voz do ator/
atriz que dubla e aquele que aparece na tela. Finalmente, o sincronismo de
conteúdo envolve a congruência entre o roteiro da dublagem e o do filme ou
programa em questão.
Todos esses parâmetros visam dar ao espectador a ilusão de que aque-
le filme ou programa foi escrito na língua de chegada. É a modalidade pre-
ferida em países que querem difundir sua língua e cultura, como é o caso
da França, Alemanha e Espanha, e também em regimes ditatoriais, como
foi o caso de Franco na Espanha, Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha.
(FRANCO e ARAÚJO, 2011).
As etapas de elaboração de uma dublagem, ao contrário da legenda-
gem, diferem no Brasil e na Europa. Na Europa, temos a tradução das falas
feitas por um tradutor, a elaboração do roteiro adaptando e sincronizando es-
sas falas nas duas línguas feitas por um assistente de dublagem, a marcação
ou estabelecimento do início e do final de cada fala, a escalação do elenco
pelo diretor de dublagem, gravação das falas na língua de chegada pelos ato-
res com a participação do diretor e de técnicos de dublagem, e mixagem entre
os dois áudios. No Brasil, é o tradutor que faz “a tradução, adaptação, sin-
cronização e marcação do texto” (MACHADO, 2016, p. 43-46). Na verdade,
no Brasil, o tradutor é o roteirista. A principal diretriz para esse tradutor, é que
procure fazer a tradução com o mesmo número de sílabas tônicas do texto
71
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
2.3. Voice-Over
O voice-over, semelhante à dublagem, também é um novo áudio na língua de
chegada. Porém, o áudio da língua de partida, que é apagado na dublagem,
aqui ainda pode ser ouvido. No Brasil, é usado prioritariamente para produ-
tos de não ficção como entrevistas e documentários. (FRANCO e ARAÚJO,
2011, p. 10). O termo é emprestado do cinema, mas com acepção diferente,
pois para os estudos fílmicos o voice-over significa a voz de um narrador fora
da tela que não faz parte da trama do filme (extra-diegético).
O texto tem sincronismo temporal e se inicia um pouco depois que do
falante do texto de partida e termina um pouco antes. O objetivo é mostrar
que está traduzindo exatamente o que está sendo dito. Para dar esta ilusão, é
preciso que se inicie e termine o texto com palavras semelhantes às pronun-
ciadas na língua de partida. Novamente, vamos conferir um exercício feito na
disciplina Tradução de Textos Orais. Os alunos fizeram o voice-over de uma
fala de Woody Allen no Oscar de 2002, poucos meses depois do ataque às
torres gêmeas em 11 de setembro.
Atividades de avaliação
1. Na nossa opinião, a versão dublada é a melhor para se fazer uma audiodes-
crição, porque ambas serão apresentadas na mesma língua. O que você
acha disso?
Síntese do Capítulo
Continuando a discussão sobre a disciplina a qual a audiodescrição está
inserida, esse capítulo abordou a tradução audiovisual (TAV) e Tradução
Audiovisual Acessível (TAVa), subárea dos Estudos da Tradução. Foram des-
critas cada uma das modalidades de TAV (dublagem, legendagem e voice-
-over) e TAVa (legendagem para surdos e ensurdecidos).
77
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
Referências
AGOST, R. Traducción y doblaje: palavras, voces e imágenes. Barcelona:
Ariel, 1999.
ARAÚJO, V. L. S. Closed subtitling in Brazil. Topics in audiovisual transla-
tion. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, v. 1, p. 199-212, 2004.
ARAÚJO, V. L. S. A legendagem para surdos no Brasil. In: Questões de Lin-
guística Aplicada: Miscelânea. Fortaleza: EdUECE, 2005, cap. 8, p. 163-188.
ARAÚJO, V. L. S. Subtitling for the deaf and hard-of-hearing in Brazil. Media
for All: Subtitling for the deaf, audio description and sign language. Kenilworth;
Nova Jersey, EUA: Rodopi, v. 30, p. 99-107, 2007.
ARAÚJO, V. L. S. Por um modelo de legendagem para Brasil. Tradução e
Comunicação. Revista Brasileira de Tradutores, São Paulo: UNBERO, n. 17,
p. 59-76, 2008.
ARAÚJO, V. L. S. In Search of SDH Parameters for Brazilian Party Political
Broadcasts. The Sign Language Translator and Interpreter, Manchester: St.
Jerome Publishing Company, v. 3, n. 2, p. 157-167, 2009.
ARAÚJO, V. L. S; ASSIS, I.A.P. A segmentação linguística na legendagem
para surdos e ensurdecidos (LSE) de ‘Amor Eterno Amor’: uma análise ba-
seada em corpus. In Letras & Letras, v. 30, n. 2, 2014, 156-184. http://www.
seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/viewFile/27962/15809. Acessado
em 30/05/2017.
ARAÚJO, V. L. S. A; CHAVES, E. G. Orientações para a elaboração da le-
genda para surdos e ensurdecidos (LSE). ARAÚJO, V. L. S.; ALVES, S. F.;
MAUCH, C.; NAVES, S. B. Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis.
Brasília: Ministério da Cultura/Secretaria do Audiovisual, 2016, 42-81.
CHAUME, F. Cine y traducción. Madri: Cátedra, 2004.
78
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
1. A pesquisa na Europa
A maioria dos projetos de pesquisa na Europa estão relacionados à AD de
filmes: TRACCE, ADLAB e Pear Tree Project. O TRACCE (Evaluación y ges-
tión de los recursos de accesibilidad para discapacitados a través de la tra-
ducción audiovisual: audiodescripción para ciegos. Protocolo para formar a
formadores) visa analisar roteiros de audiodescrição de filmes oriundos de
vários países europeus. O ADLAB (Audio description: lifelong access for the
blind) é realizado em diferentes países da Europa e tem o objetivo de criar
diretrizes comuns a serem seguidas por audiodescritores europeus25. O Pear Mais informações no site
25
http://www.adlabproject.eu/
Tree Project (PTP) tem como meta analisar como o mesmo filme foi audio-
Docs/adlab%20book/index.
descrito em várias línguas diferentes. Sua origem se deu com a criação de html. Nesse sítio pode ser
um filme Pear Tree (A Pereira), criado em meados da década de 1970, para encontrado um manual
um experimento que comparava a recepção de um filme contendo apenas produzido por diversos
pesquisadores europeus
imagens em diferentes línguas e culturas. Sua aplicação ao campo da AD foi
sobre diretrizes comum de
proposta por pesquisadores europeus cerca de dez anos depois da realização audiodescrição.
do filme. Aqui nos deteremos apenas no projeto TRACCE, pois foi o que teve
mais influência na pesquisa em AD de filmes no Brasil. Além desse projeto,
também comentaremos sobre aqueles relacionados à tradução de roteiros de
audiodescrição, pois serviram de inspiração para alguns projetos realizados
aqui no Brasil, principalmente na Universidade de Brasília.
Personagens [PERS]
1. Apresentação [PRES]
2. Atributos físicos [ATRFIS]
Idade [ED], etnia [ET], aspecto [ASP], vestuário [VEST]
Linguagem corporal [LC]
3. Estados emocionais [EMOC]
Positivos [POS]
Alegria [ALEG], ânimo [ANIM], serenidade [SEREN], ternura [TERN]
Negativos [NEG]
Tristeza [TRIS], desânimo [DESAN], desesperança [DESESP]
Ira [IRA], medo [MIE]
4. Estados físicos
5. Estados mentais
26
Tradução de: La niña le
[ACC#ACCION] mira
A menina o [ACC#ACCION] observa [fin_ACC#ACCION]
[fin_ACC#ACCION] [PERS#EST#EMOC#POS#ALEG] sorridente [fin_
[PERS#EST#EMOC PERS#EST#EMOC#POS#ALEG].26
#POS#ALEG] sonriente
[fin_PERS#EST#
EMOC#POS#ALEG]. Na oração ‘a menina o observa’, temos a ação marcada pela etique-
ta [ACC#ACCION], a qual aparece no início e no final da parte oração in-
dicando que a inserção descreve uma ação. Por fim, temos uma descrição
do estado emocional da personagem − sorridente − por meio da etiqueta
[PERS#EST#EMOC#POS#ALEG], o qual foi classificado como ‘positivo’ e
‘alegre’. Esta etiquetagem foi feita com o auxílio de um etiquetador semiau-
tomático − o Taguetti – produzido por uma empresa participante do projeto
(JIMENEZ-HURTADO, 2007, p. 67). O Taguetti é semiautomático, porque
27
Software usado para permite que o pesquisador selecione a etiqueta desejada no texto. Foram cria-
encontrar padrões em das etiquetas para cada uma das categorias dos parâmetros narratológicos
textos de diferentes áreas
do conhecimento como
cinematográficos e gramático-discursivos.
linguística, literatura, direito, O passo seguinte é levar o texto etiquetado para o Wordsmith Tools27,
medicina, história, política e mais especificamente na ferramenta CONCORD, a qual trará a quantidade de
sociologia. A versão mais nova
inserções de cada categoria, assim como o contexto em que elas aparecem,
é a 7.0. Mais informações no
sítio http://www.lexically.net/ facilitando a análise dos textos. Esse tipo de metodologia pode avaliar uma
wordsmith/index.html. grande quantidade de textos simultaneamente.
83
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
os personagens em close, ANALISA os estados emocionais, físicos e mentais personagens são focalizados
da cintura para cima.
desses personagens (PAYÁ, 2010, p. 129 a 131).
Ballester (2007, p. 137) apontou estratégias para a caracterização de
personagens numa AD. Segundo a autora, os personagens deveriam ser des-
critos à medida que aparecem na tela. Ela frisou também que essa descrição
deveria ser feita ao longo do filme, já que, muitas vezes, os tempos sem fala
84
VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
que poderiam ser preenchidos com a AD são curtos. Quanto à sua análise dos
personagens do filme ‘Tudo Sobre Minha Mãe31’, ela os relacionou com os ob-
Filme espanhol (Todo Sobre
31
jetos de cena, além do que foi dito tanto linguisticamente (as falas) quanto pa-
Mi Madre) de 1999 dirigido por
Pedro Almodóvar. ralinguisticamente (entoação, ritmo e timbre de voz). Por exemplo, Manuela,
que tem o seu filho morto, é caracterizada como tendo
uns 37 anos, cabelo loiro e vestia uma bata verde no início do filme. Mais
tarde a vemos de óculos escuros na porta do Hospital de La Coruña onde
o coração de seu filho foi transplantado para um receptor (BALLESTER,
2007, p. 138).
Além dessa descrição física, temos o contraste dos dois lugares vividos
pela personagem em Madri, no início do filme, e em Barcelona, depois da
morte do filho. Em Madri, o apartamento é escrito como “elegante e acolhe-
dor”. Em Barcelona, seu apartamento alugado tem “papel pintado em estilo
brega dos anos 1970”. Outro objeto relacionado à Manuela são as fotos de
Steban, seu filho, dela mesma vestida de homem, de Steban, seu ex-marido,
como homem e vestido de Lola, razão pela qual, Steban, o filho, comenta com
a mãe o título em inglês do filme ‘A Malvada32’ (All about Eve − Tudo sobre
Filme espanhol (Todo Sobre
32
Mi Madre) de 1999 dirigido por Eve), dizendo que as anotações em seu diário se referem à sua mãe (Tudo
Pedro Almodóvar. sobre minha mãe). Ao descobrirmos mais tarde que Steban Pai é um travesti
de nome Lola, o título do filme passa a ser sobre ele e não sobre Manuela.
Jiménez-Hurtado (2007) investigou as palavras e a estrutura oracional
mais frequentes, além de propor parâmetros para a análise de roteiros de AD
de filmes e programas de TV. Segundo a autora, a AD de filme deveria ter
inserções, prioritariamente, entre as falas de uma produção audiovisual, ob-
servando a descrição de elementos visuais verbais (créditos iniciais e finais,
legendas e letreiros) e não verbais (personagens, ambientação, localização
temporal e espacial e ações). Seus resultados apontaram para a derrubada
de dois mitos dentro da prática da audiodescrição. O primeiro foi o do uso das
palavras “olhe” e “veja” (Jiménez-Hurtado, 2007, p. 74), consideradas politi-
camente incorretas em muitas diretrizes de AD. Ao procurar pelas palavras
mais frequentes, deparou-se justamente com essas duas. Depois das pre-
posições e dos artigos, elas foram as mais utilizadas pelos audiodescritores
europeus. O segundo mito derrubado foi a questão da neutralidade na AD já
abordada aqui no Capítulo 2. A estrutura oracional que mais apareceu (30%
dos casos) foi SUJEITO − PREDICADO − PREDICATIVO: ALGUÉM SORRI
EMOCIONADO. O predicativo nesse tipo de construção implicava em inter-
pretação. A descrição era feita a partir de uma visão subjetiva (emocionado)
85
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
2. A pesquisa no Brasil
A pesquisa no Brasil se localiza basicamente em quatro universidades: UNESP,
com o grupo Mídia Acessível e Tradução Audiovisual (MATAV); UECE, com
o grupo Legendagem e Audiodescrição (LEAD); UNB, com o grupo Acesso
Livre e UFBA, com o grupo Tradução, mídia e audiodescrição (TRAMAD).
Falaremos um pouco dos trabalhos desenvolvidos por cada um dos grupos.
Mais informações
33 O grupo MATAV segundo seu blog33,
sobre o grupo podem ser
encontradas no blog do
grupo https://matavunesp. agrega pesquisadores e estudantes das áreas de Comunicação, Letras e
wordpress.com/.
Tradução que possuem em comum o interesse na investigação da linguagem
audiovisual. O foco das discussões teóricas encontra-se no acesso e direito
irrestrito que o cidadão possui aos conteúdos veiculados pelos meios audiovi-
87
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
suais (cinema, televisão, internet). Nos debates e projetos do grupo são ana-
lisados os parâmetros e características dos diversos recursos de Tradução
Audiovisual (audiodescrição, dublagem, legendagem, voice-over etc). As
atividades do grupo são divididas em reuniões quinzenais, produção de le-
gendas (intra e interlinguística), cursos de extensão, seminários e palestras.
do ao CNPq intitulado ‘Tradução e Semiótica’. Sua atuação vem acontecen- blog https://grupoleaduece.
do desde 2005 tanto nos cursos de graduação quanto os de pós-graduação blogspot.com.br.
(stricto e lato senso). A pesquisa em audiodescrição gira em torno de dois
35
Projeto 008/2007
projetos, um de cooperação com a UFMG (PROCAD-CAPES35) e um do edi-
tal Universal 14/2012 do CNPq36. O primeiro, voltado para a elaboração de Projeto Número
36
O que mais me focou foi a questão de... enfim, várias questões, mostrar a
realidade da vida no campo... uma pessoa já bem experiente, que era a avó,
tentando passar pruma criança como era a realidade da vida, que existem
pessoas que estão se preparando, sonhando com a felicidade como tem
outras que estão partindo e que todo mundo vai passar por isso indepen-
dente de morar no campo ou na cidade (BRAGA, 2011, p. 123).
Vejamos que houve também uma identificação com o enredo que se pas-
sa no interior do Ceará, retratando uma família que tenta sobreviver em meio a
um ambiente de miséria e sofrimento. Eis o singelo relato de outro participante:
O filme falava sobre o sertão do Ceará, uma família humilde que morava
numa cidade do interior, que teve muita luta, muito esforço pra sobreviver,
pra conseguir se manter. O pai ganhava R$ 0,50 por cada bode que ele le-
vava para o açougue, para o abatedouro e tinha que dá conta da família dele
inteira, a mãe dele, a mãe do Damião, D. Perpétua, a mulher dele, D. Josefa,
e os filhos, a Fátima e o Zeca. Então, é uma história que se passa no interior,
uma família muito humilde, um caso bem de sertão mesmo de palha bem
caricato mesmo do interior, a menina querendo casar pra ir pra cidade, o
menino como é pequeno só pensa muito em brincar. A vó, tadinha, tá dodói,
tá doente, além de querer casar, costura, ajuda a mãe. Coisa bem caricata
mesmo de cenário de interior... algo bem real (BRAGA, 2011, p. 123).
A avaliação apontou para uma boa recepção do espetáculo por parte das
crianças com deficiência visual, pois elas conseguiram desfrutar e interagir
com o espetáculo, mesmo sendo o primeiro contato delas com uma produ-
ção como esta. Os dados coletados sugeriram que as crianças possuem
uma grande capacidade de se adaptar ao recurso da audiodescrição, pois
não tiveram nenhum problema em manusear os fones e conseguiram cons-
truir uma relação dos diálogos e efeitos sonoros do espetáculo com a AD.
Assim sendo, podemos concluir que o teatro também pode ser apreciado
por crianças com deficiência visual por meio da AD (LEÃO, 2013, p. 44).
O que eu mais gostei foi a relação do tema do quadro com a pintura, como
ele conseguiu retratar o inverno bem europeu, vamos dizer assim. O pes-
soal cansado e tal, viajando na neve.... Remete a alguns filmes, caçando, o
vale entre as montanhas, a questão da paisagem mesmo. Acho que foram
essas questões que me chamaram bem atenção. O que eu menos gostei...
O que ficou mais incompreensível pra mim foi a questão final da descrição
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VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
quando ele começa a falar das montanhas e o vale, pelo que eu entendi é
uma imagem de fundo. É aonde o quadro vai se perdendo e se juntando
com o horizonte. Não é que eu tenha menos gostado, mas como ele é fundo
ele não chama a atenção, dá só uma profundidade.... Não tem muita rele-
vância (NUNES, 2016a, p. 211).
https://grupoacessolivre.
wordpress.com/.
um grupo de pesquisa e extensão criado em 2010 no Departamento de
Línguas Estrangeiras e Tradução (LET) da Universidade de Brasília (UnB).
É formado por professoras/es e estudantes de graduação e pós-gradua-
ção e por membros externos à universidade. O grupo busca articular ativida-
des de pesquisa, ensino e extensão voltadas para a acessibilidade artística
e cultural – cinema, televisão, fotografia, teatro etc. – para as pessoas com
deficiência visual e auditiva.
2013, já estando, portanto, economia de tempo em relação à AD realizada seguindo todas as etapas. Por
na quarta temporada. conta dessas adaptações é necessário que o tradutor tenha também familiari-
dade com a AD devido às questões técnicas a serem enfrentadas. Resultado
41
Ou Daredevil. Série de
semelhante também foi encontrado por Schwartz (2015) quando investigou
2014 que está na sua
terceira temporada. a tradução do roteiro da série ‘Demolidor41’ exibida pela Netflix. Seguindo a
metodologia de Jankowska (2015), a autora traduziu o roteiro um episódio e
contratou uma audiodescritora para cumprir todas as etapas de elaboração de
uma AD. Traduzir um roteiro de AD seria mais barato, mais rápido e aumen-
taria bastante a oferta de AD no mercado brasileiro sem perder a qualidade.
Para concluir as pesquisas realizadas na UNB, trazemos a confec-
ção do ‘Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis’ (NAVES et ali, 2016)
produzido em parceria da Universidade com a Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura. O objetivo é fornecer diretrizes para cineastas brasilei-
ros, que de acordo com instrução normativa da Secretaria terão que tornar
acessíveis as produções realizadas com financiamento público. Além de vá-
rios integrantes do Grupo Acesso Livre, participaram também pesquisadores
do LEAD e profissionais envolvidos na questão da Acessibilidade.
93
Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
seção com AD. Com exceção dos dois alunos Down, os outros apresentaram
reações durante o filme com AD, o que sugere uma melhor recepção.
Para concluir, veremos os trabalhos de Mascarenhas (2016) e Farias
(2016) que fizeram pesquisa exploratória examinando dois roteiros diferentes
para a mesma produção audiovisual. O objetivo principal é avaliar a influên- Minissérie brasileira
45
se realiza não por palavras, mas por vários recursos relacionados à imagem. 2007 dirigido por Jorge
Terminamos aqui por enquanto um resumo de algumas pesquisas so- Queiroga.
bre audiodescrição feitas aqui e no exterior. Apesar de ter avançado bastante,
ainda tem muitas problemáticas para trabalhar. A questão da consultoria e da
interface audiodescrição/educação, por exemplo. As continuidades destas re-
flexões serão fundamentais para a qualidade da AD oferecida no país.
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VERA LÚCIA SANTIAGO ARAÚJO
Atividades de avaliação
1. Faça uma resenha das pesquisas sobre audiodescrição de filmes, compa-
rando a realidade do Brasil com a da Europa.
2. Pesquise sobre as publicações, trabalhos acadêmicos (TCC, dissertação
de mestrado e tese de doutorado) que tratem da interface audiodescrição/
educação e consultoria em audiodescrição. Um bom lugar para procurar é
o banco de teses e dissertações da CAPES (www.bancodeteses.gov.br).
Síntese do Capítulo
O capítulo descreve o estado da arte da pesquisa em audiodescrição no
Brasil e na Europa, detalhando os procedimentos teórico-metodológicos dos
projetos realizados nesses países. A modalidade de AD mais estudada é a
de filmes, já com uma vasta produção tanto aqui como no exterior. Os tipos
de pesquisa utilizados pela maioria são estudos descritivos tanto explorató-
rios, com ênfase nas pesquisas de recepção, quanto baseado em corpus. As
disciplinas que fazem interface com os Estudos da Tradução para analisar a
AD são: Linguística de Corpus, Linguística Sistêmico-Funcional (Sistema de
Avaliatividade), Multimodalidade, Fonética, Fonologia e Fonoaudiologia.
Referências
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Aspectos Teóricos e Práticos da Audiodescrição
Sobre a autora
Vera Lúcia Santiago Araújo é doutora em Letras pela Universidade de
São Paulo com pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Atualmente atua no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
(PosLA) da Universidade Estadual do Ceará. É pesquisadora nível 2 do
CNPq. Tem experiência na área de Linguística Aplicada, com ênfase em tra-
dução, atuando principalmente nos seguintes temas: tradução audiovisual, le-
gendagem para surdos e ensurdecidos e audiodescrição.