Você está na página 1de 131

SaintJosephAcademicPress

Poria et recteca boresequid molorita coreium voluptaspit vollectias pelitam idit, tem expliquia de ex et delibus dandunt essequiandem
eum est vellestrum alia qui digendis conseque et maio. Itatem est, enit que accabor estibus essimus doluptatem seditat pel inus idebis
consers peratem poreritasped que dit dolorem rat omniendis simus, modiam dolor aut maio. Velestorero tem autae nisitio cus consequiae
Lusofonia temped ma sus, sitis es apis id mil in nihitiur, inimenis aliquibus iunt est, nonsedi tiaspel enditatendi dolorep udantum faccus dolor mi,
Encruzilhadas Culturais dolupta ectur, accuptat estium sandis nos dolupta cus, culpa cumquia quis alisiniassit erendi as conet, aut esequossus rem que lautam non
edited by spideratus. conem. Ucil inverio sapiendusam iunt omnimost, nam volut unt qui cum
Ivo Carneiro de Sousa quiandam non num, tet explic te ni tetur? Otatus as aditat vendenime
Ana Maria Correia Verum auditiam con eum apeliantio. Odiam repudit, aceatibea quo pro volorem cus sequame veritin necerciis nos evelic te cuptur acimusd
et fugit incienihil eos dolupta tibust, se nus cus quae magnat. andiatem ratum ratur? Qui vellenditia volupta temporepudam sandunt
Design Graphic, Layout & Publishing by AxiusDesign LTd magnia voloribusa verferro ipsumenet eum id magnis pro qui opta nis
Macau Apid experibus si cusapernam, cupta vent estis atemolut pa ma nesequi abores conserum veriorpos plit labo. Itat.
simpore pelendanim aborate con rerum fugia alias volut laborro tem at.
Printed in Hong Kong
Itatqui ommo moluptat a idellit, qui illabo. Occaboreium ipsamus as doloris rent optur mo es et moles plaborecab imusam is as
People's Republic of China
explique dolore, si si dollab is rem solor sunt officia sit facestem iniendit, is aut
videlibusam, tempor mosa nullamus necersperent volupidunti nos
All rights reserved dolor modigent.
November 2011 First Edition
Uptatem sequi aut omnitatur, sint in pre, quo vel et apici cuptam
fugita esendio rescia nem et acipsam vel et, sit occuptate con eum
ISBN 979-xxxxx-734-1-2 aces dit labo. Cae moluptas dolupta quas doloria pratur sandi cuscient
invenis cuptibus soluptaepra nosam asped et atum ad etur, tenet in

2 3
Panos, Traje e Moda en Angola:
The construction of new Identity (ies) for the Estratégias convergentes da diversificação da A Linguagem Política do Corpo
Lusosphere: asynchrony and decentring língua portuguesa (o exemplo das literaturas africanas)
Ana Maria Correia
Maria Manuel Baptista 16 Inocência Mata 88 Xénia Flores Ribeiro 164

Fying with the "Papagaio Verde" Brasil, Brasis- Ensino da Cultura Brasileira e da
(Greeen Parrot): An Indo-Portuguese Folkoric Motif Língua Portuguesa no Japão Atual
Da Lusofonia: Formulações Teóricas e Práticas in South and Southeast Asia
Célia Morais Barbosa
Pedro Martins 24 Keneth D. Jackson 98 & Ikunori Sunsa 178

Lusofonia desaparecida e identidade no arquipélago


malaio-indonésio. Génese e marginalização das Os Excluídos da Lusofonia: A Lusofonia ou os Desafios (Políticos e Culturais)

Contents comunidades de origem portuguesa: O caso de Amboino

Manuel Lobato 34
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente

Jorge Morbey 120


de uma Cominidade Improvável?

Augusto Nascimento 190

“Lusofonia” and the Portuguese Heritage: Providing Access to Cultural Heritage: Post-colonial
Lusocreole Identity in West Africa and Asia Lusophone African literature collection A Lusofonia nas Parcerias Estratégicas

Cristopher Kohl 56 Mattye Laveme Page 132 Argemiro Procópio 210

Cultura e Múltiplas identidades linguísticas Pragmatic Partnership? Intelectuals for Tyranny:


O Bicho da Lusofonia ainda não é de seda em Timor-Leste Chinese Economic Engagement in Angola Pessoa and Salazar (1928-1930)

Ivo Carneiro de Sousa 6 Vicente Paulino 70 Malgorzata K. Krusiewicz, 148 Victor K. Mendes 248

4 5
O Bicho da Lusofonia ainda não é de como Garcia de Resende ou Diogo Brandão, transformadas também
em tipos cómicos e folclóricos nos textos teatrais de Gil Vicente.
seda Acrescente-se, por isso, ao cuidado esforço de reconstrução
etimológica que nos foi trazido nesta conferência pela investigação
Um dos principais objectivos desta conferência internacional “A de Pedro Martins a construção do mito, porque de mito se trata
Lusofonia entre encruzilhadas culturais” era o de procurar suscitar em matéria de genealogia que se quer linhageira da lusofonia.
um debate epistemológico plural sobre e em torno da noção de Representado para D. João III, em 1532, é a muito esquecida A
lusofonia, contrastando perspectivas oriundas de diferentes campos Farsa da Lusitânia,1 de Gil Vicente, a oferecer um mito fundador que
O BICHO DA LUSOFONIA AINDA NÃO É DE SEDA científicos, culturais e até, muito simplesmente, pessoais. A lusofonia apenas poderia naturalmente sair de um matrimónio de divindades
era, assim, mais pretexto do que rigorosamente texto que, enquanto entre, imagine-se, Lusitânia e Portugal, um par que muito ensarilha
sistema de conhecimento edificado com as principais teorias uma impossível história da lusofonia. Lusitânia é filha de Lisibea
que agora nos interrogam – do pós-colonial à complexidade, da (Lisboa) e do Sol, e por ela se apaixonou um caçador grego de
transculturalidade aos territórios da globalização, dos micro-trends nome Portugal. Como convinha à cultura elitária deste período,
às novas ciências dos network – não existe no rigoroso sentido em dominada por juristas e não por humanistas, o auto vicentino trata
que não ajuda a conhecer melhor culturas e gentes muitas que se de chamar um licenciado em Leis que, argumentador da obra,2
remetem, circulam ou apenas cruzam com curiosidade turística a explica a D. João III (homem especialmente confuso segundo o
Ivo Carneiro de Sousa palavra lusofonia.
Esta conferência depositando a palavra em encruzilhadas
Universidade de São José culturais não vai, felizmente, definir, esclarecer e, muito menos,
Macau iluminar a noção de lusofonia que, noutras formas que se queriam 1 A categorização da matéria teatral de Gil Vicente através dos títulos de autos e farsas não é
fundacionais, foi historicamente enformando desde as primeiras sempre fácil de estabelecer. Este texto normalmente fixado no índice das obras completas do
nosso mestre como “Farsa da Lusitânia” comparece apresentado na sua introdução como
décadas do século XVI o pensamento culto e a literatura elitária
“Auto chamado da Lusitânia. A farsa seguinte foi representada ao muito alto e poderoso Rei
portuguesas para acautelar sobretudo os terríveis impactos do Dom João, o terceiro deste nome em Portugal, ao nascimento do muito desejado Príncipe
império no reino, estendendo-se da mercantilização da nobreza à Dom Manuel, seu filho”. (VICENTE, Gil. Copilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente (intr. e ed.
De Maria Leonor Carvalhão Buescu). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, II,
muita exagerada invasão das cidades pelo negro denunciadas por
547).
humanistas como Nicolau Clenardo ou João de Barros, por poetas 2 VICENTE, 1984: 559.

6 7
humanista Diogo de Teive3 e a saborosa prosa de José Saramago Portugal, mas também o camponês, o parolo), cruzando estas BERZABU – Ora escreve lá, compadre, emigrantes e uma colecção cada vez mais interminável de outros
na sua magnífica ‘Viagem do Elefante’) que o Sol viu Lisibea nua sem acertadas máximas: não sejas tu preguiçoso. candidatos que já inclui a Guiné Equatorial e o seu distinto ditador
nenhuma cobertura (...) e houve dela uma filha tão ornada de sua DINATO – Quê? estranhamente interessados em fazer parte da CPLP.
luz, que lhe puseram nome Lusitânia, que foi diesa e senhora desta BERZABU – Que Todo-o-Mundo é mentiroso, Não sendo objecto nem sujeito e, logo, sem valor intrínseco,
província. Passados tempos, um famoso cavaleiro grego de nome NINGUÉM – Que andas tu i buscando? E Ninguém diz a verdade. seguindo as perplexidades da epistemologia da Crítica da Razão
Portugal ouviu falar da boa caça na serra da Solércia, e como este TODO-O-MUNDO – Mil cousas ando a buscar: Prática, de Immanuel Kant, a lusofonia não poderia ser conhecida
Portugal, todo fundado em amores, visse a formosura sobrenatural delas não posso achar, É o que provavelmente acontece com a lusofonia. Sendo, nem agir de forma racional, restando-lhe poder ser identificada
de Lusitânia, filha do Sol, improviso se achou perdido por ela.4 porém, ando porfiando, paradoxalmente, o mito qualquer coisa que existe porque não emocional e irracionalmente, entre outras várias categorias kantianas
Certamente para esclarecer e interpelar D. João III e a sua corte, por quão bom é perfiar. existe5, remetendo para a invenção de origens e as suas funções na despidas de boa vontade e autonomia, como bicho.6 Passemos,
Gil Vicente convidou para a farsa/auto dois demónios, Berzabu e NINGUÉM – Como hás nome, cavaleiro? apropriação de um território, a lusofonia parece muito dificilmente por isso, imediatamente para o mundo dos bichos em busca da
Dinato, que aparecem no texto como “capelães” das deusas, vêm TODO-O-MUNDO – Eu hei nome Todo-o-Mundo, poder ser todo-o-mundo, estando bem mais próxima de ninguém. lusofonia, pedindo ajuda a alguém independente e acima de
presenciar o casamento e escutam o contraditório diálogo entre e meu tempo todo inteiro, Por isso, não se afigura que possa ser classificada como um objecto, quaisquer suspeitas: o grande escritor argentino que foi Jorge Luis
Todo o Mundo e Ninguém. “Todo o Mundo” era um rico mercador sempre é buscar dinheiro, já que não se usa, pelo menos, em quaisquer actividades concretas Borges. Num texto complicado como convém intitulado El idioma
(o império, ou Lusitânia), e “Ninguém”, um homem pobre (o reino, e sempre nisto me fundo. – as do fazer –, não sendo também possível colocá-la na categoria analítico de John Wilkins, Borges conduz-nos à China onde estamos
NINGUÉM – E eu hei nome Ninguém, dos sujeitos com vontade autorizando a sua iluminação ontológica – para nos oferecer um maravilhado fragmento da enciclopédia O
3 BIGALLI, Davide. Immagini del Principe. Ricerche su politica e umanesimo nel Portogallo e
E busco a consciência. os do ser. Simplesmente, está e movimenta-se entre agitação, festas, Império Celestial de Conhecimentos Benévolos.7 Neste tratado
nella Spagna del Cinquecento. Milano: Franco Angeli Libri, 1985, pp. 91-116. BERZABU – Esta é boa experiência, conferências, blogs, irritação e contemplação nestes discursos em sínico, descobre-se esta muito acertada classificação dos animais
4 “O autor foi ensinado que há três mil anos que uma generosa ninfa chamada Lisibeia, filha Dinato, escreve isto bem. que se tenta perceber as relações – ou a abstinência – entre os
de uma Rainha de Berbéria, e de um Príncipe marinho que a esta Lisibeia os fados deram por DINATO – Que escreverei, companheiro? países de língua oficial portuguesa, aditados por Macau, diásporas, 6 Embora tanto os animais como os seres humanos possuam desejos que podem obrigá-los
morada naquelas medonhas barrocas que estão da parte do Sol, ao pé da serra de Sintra,
que naquele tempo se chamava Solércia. E como por vezes o Sol passasse pelo opósito
BERZABU – Que Ninguém busca consciência, a agir, somente os seres humanos são capazes de se distanciar dos seus desejos e escolher
da lustrante Lisibeia, e a visse nua, sem nenhuma cobertura, tão perfeita em suas coporais e Todo-o-Mundo dinheiro. (...) qual o curso de acção a ser tomado. Esta capacidade manifesta-se através da nossa
vontade. Dado que os animais não têm essa capacidade, falta-lhes a vontade e, portanto,
proporções, como fermosa em todolos lugares de sua gentileza, houve dela uma filha tão TODO-O-MUNDO – Folgo muito d’enganar, 5 Pode sempre convocar-se (porque, a e de propósito, “fica bem”...) o belíssimo verso de
não são autónomos. A única coisa com valor intrínseco é uma boa vontade. Uma vez que os
ornada de sua luz, que lhe puseram nome Lusitânia, que foi diesa e semhora desta província. abertura do “Ulisses” na Mensagem de Fernando Pessoa, destacando paradoxalmente que
Neste mesmo tempo, havia na Grécia um famoso cavaleiro e mui namordo em extremo, e
e mentir nasceu comigo. o mito é o nada que é tudo. Quando, porém, se coloca o verso no seu contexto textual, a animais não têm vontade em tudo, não podem ter boas vontades e, logo, não têm qualquer
grandíssimo caçador, que se chamava Portugal, o qual, estando em Hungria, ouviu dizer NINGUÉM – Eu sempre verdade digo, dimensão paradoxal e sacral do mito parece remeter para a muita complicada espiritualidade valor intrínseco. (KANT, Immanuel. Critique of Practical Reason. Upper Saddle River, NJ:
Prentice Hall, 1993 [original de 1788] in: http://www.iep.utm.edu/anim-eth/).
das diversas e famosas caças da serra Solércia, e veio-a buscar. E como este Portugal, todo sem nunca me desviar. pessoana sempre aberta às mais fabulosas especulações: O mito é o nada que é tudo/ O
fundado em amores, visse a fermosura sobrenatural de Lusitânia, filha do Sol, improviso se mesmo Sol que abre os céus / É um mito brilhante e mudo – / O corpo morto de Deus, / Vivo 7 BORGES, Jorge Luis. “El idioma analítico de John Wilkins”, in: Otras inquisiciones. Buenos
achou perdido por ela” (VICENTE, 1984: 561). e desnudo. Aires: Sur, 1952.

8 9
que se segue: representa o limite do pensamento e da linguagem para uma cultura, o Português Criou que, com prefácio de António Sérgio, foi XVI, se difunde como keroncong, coração para o indonésio comum,
aquilo que a circunda por fora e lhe escapa, sendo simultaneamente acolhido com entusiasmo pela velha oposição republicana, mais a o dedilhar das cordas do cavaquinho para os etnomusicólogos
a) pertencentes ao imperador; estranho e exterior.8 Edward Said haveria, em 1978, por partir democrática em formação, sendo saudado nas páginas da Seara que, sendo académicos como nós, não gostam das explicações
b) embalsamados; precisamente destas ideias para concluir o seu célebre Orientalism Nova.10 Um nacionalismo que cercou ainda mais de perto as simples.12 Recentemente, a vinda a Portugal do grupo musical
c) domesticados; que, infelizmente, não nos ajuda a pensar a lusofonia porque ignora colónias, esquecendo definitivamente os camponeses-emigrantes Portukis de Tugu, em Jakarta, permitiu mesmo “descoberta” da
d) leitões; textos, literaturas e espaços em que circularam e, nalguns casos, se que, apesar da casa portuguesa, começaram a sair do país em vagas rusga e da chula do Minho como fontes das suas danças. Mais
e) sereias; instalaram os colonialismos ibéricos. Absolutamente semelhantes na sucessivas, perdendo também a memória dessas comunidades ainda, neste mundo do arquipélago malaio-indonésio, na região de
f) fabulosos; sua organização política, administrativa, padroados e escravismos, deixadas na Ásia tanto pelo Estado da Índia quanto por essoutro Parisir, na costa noroeste de Sumatra, visita-se hoje a sikambang
g) cães vadios; fidalgos e mercadores, índios e mestiços. O império espanhol morreu império sombra de mercadores, mercenários, aventureiros e milhares kapri que, através da utilização dominante do violão, apresenta
h) incluídos na presente classificação; definitivamente em 1898 na guerra com os Estados Unidos da de eurasiáticos. traços das canções populares portuguesas e remete para as sínteses
i) que se agitam como loucos; América perdendo Cuba, Puerto Rico, Guam e as Filipinas, abrindo o Esqueceram, assim, essas melodias de origem portuguesa musicais luso-malaias que se descobrem nos litorais do Sudeste
j) inumeráveis; caminho para essa geração de 98, a de Miguel de Unamuno (1864- e afro-asiáticas como a baila e a kafferinga estudadas por David Asiático continental: Tari Makan Sirih, Tari Lancang Mersing, Tari
k) desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo; 1936), que reconstruiu a ideia de hispanidad e de nação espanhola Jackson na comunidade de Baticaloa e integradas nas tradições Seri Mersing, Tari Diondang Sayan.13 A introdução no Japão, entre
l) et caetera; mobilizando medievalismos, quixotes e pedaços de liberalismo.9 O musicais do Sri Lanka.11 Deixaram os lugares da memória também 1549 e 1639, do canto gregoriano, da polifonia e de instrumentos
m) que acabam de quebrar a bilha; outro império ibérico, o português, ainda resistiu mais um século as comunidades de mardijkers na Indonésia de que nos falou Manuel musicais europeus – harpa, orgão, viola de arco – encontra-se
n) que de longe parecem moscas. e tornou-se pilar fundamental do nacionalismo que definitivamente Lobato, uma complicada mistura de afro-luso-indiano-malaios, representada na fachada da igreja da Madre de Deus de Macau
uniu a Lusitânia e Portugal, o império e o reino, o burguês e o parolo, criadores de uma tradição musical sincrética que, a partir do século (as impropriamente chamadas ruínas de São Paulo) generosamente
Apesar de hesitarmos entre colocar a lusofonia na classe m) Viriato e esse Vasco da Gama que continua a baptizar as modernas financiada por ricos refugiados japoneses dos lucrativos tratos da
que acabam de quebrar a bilha, i) que se agitam como loucos e pontes sobre o Tejo. prata, mas construída por operários chineses do Fukien.14 Mais
mesmo a) pertencentes ao imperador, esta enciclopédia que Este nacionalismo de 1940, da Exposição do Mundo Português, 10 CASTELO, Cláudia. “O Modo Português de estar no Mundo”. O luso-tropicalismo e a
Borges revisitou literariamente para destacar o encanto exótico é o preciso ano em que Gilberto Freyre publicou O Mundo que ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 1999; CASTELO,
Cláudia. Leituras da Correspondência de Portugueses para Gilberto Freyre. 2000, in: http://
de um outro pensamento, significa rigorosamente o limite do ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7134.pdf; BURKE, Peter & PALLARES-BURKE, Maria Lúcia 12 FRANÇA, António Pinto da. Portuguese Influence in Indonesia. Lisboa: Fundação Calouste
nosso: a impossibilidade de pensar isso. Michel Foucault que G. Gilberto Freyre. Social Theory in the Tropics. Oxford: Peter Lang Ltd., 2008. Cf. SÉRGIO, Gulbenkian, 1985; WAWORUNTU, Mariah & TRIMAN, Ana. History of Keroncong Music.
Jakarta: Indonesian Heritage Society, in: http://www.heritagejkt.org/Keroncong_history.php.
utilizou directamente esta obra de Borges nas páginas iniciais de 8 FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Uma arqueologia das ciências humanas. Lisboa: António. “Prefácio”, in: FREYRE, Gilberto. O mundo que o Português criou. Lisboa: Livros do
Portugália Editora, 1968, p. 3. Brasil, 1940. 13 BETHENCOURT, Francisco. “Préface”, in : Lusophonie et Multiculturalisme. Lisboa-Paris :
As Palavras e as Coisas destacou que o pensamento ocidental se Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, vol. XLVI, 2003, p. VII.
9 ORTEGA y GASSET, José. Ensayos sobre la «Generación del 98» y otros escritores españoles 11 JACKSON, David. De Chaul a Batticaloa: As Marcas do Império Português na Índia e no Sri
solidificou num pensamento do Mesmo, para o qual a alteridade contemporáneos. Madrid: Alianza, 1981. Lanka. Ericeira: Mar de Letras, 2005. 14 BETHENCOURT, 2003 : VIII.

10 11
longe, o carnaval dessa Luanda pólo de atracção desde finais do os outros quando se tem lábia para isso; negociar com os outros e cosmógrafos, mas muito mais por aventureiros, gente violenta, Pato nosso/ santo pacetor anho tu e figuo/ valente tu
século XVIII dos portugueses e dos migrantes do interior, mobilizava quando se tem alguma coisa para oferecer; render-se aos outros mestiços, renegados cruzando diferentes oralidades. Tratou-se na e cinco cego/ salva tera, pão nosso quanto dão/ dá noves
géneros musicais tradicionais, o kaduke jogado nos musseques, o quando já não há mais nada a fazer do que tentar salvar a pele. Esta longa duração braudeliana da história de uma difusão do português caro e debrite nose/ debrita noses já libro nosso galo amen.
kazuguta das casas burguesas e a rebiota dos salões, inspirando última actividade, a acreditarmos tanto no Soldado Prático que Diogo a partir do mar enquanto poder ligado aos esforços imperiais, Jeju, Jeju, Jeju.20
a música angolana moderna de Mário Rui ou Liceu Vieira Dias.15 do Couto publicou em 1602, em Lisboa, quanto na contemporânea depois intentando a subordinação e erradicação das línguas locais,
Mais longe ainda, os índios Potiguara da Baía da Traição perto de Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia, de Francisco processo que Teresa Cruz e Silva nos ajudou a reflectir. Este mundo imperial que, contraditório e velhaco, Gil Vicente
João Pessoa juram que o coco-de-roda que dançam cada vez Rodrigues da Silveira, tinha-se tornado cada vez mais preferida Língua também de paradoxos, como todas: o português que soube gozar como ninguém desde o Auto da Índia, logo em 1509,
mais nas festas dos santos padroeiros oferece um dos seus rituais pelas milícias do Estado da Índia que gostavam de atacar o inimigo se foi afirmando historicamente como língua de dominação, foi recebeu um entendimento teórico que, vindo convenientemente de
tradicionais, como o do toré, esquecendo completamente as suas de sopetão, em multidão, com muito grito e barulho, mas quando instrumento de afirmação identitária em Timor Leste como mostrou um príncipe fundador das ciências sociais em língua portuguesa,
influências africanas.16 os outros não se intimidavam, não fugiam e ripostavam levava as Vicente Paulino, mas também serve no bairro kristang de Malaca se tornou irritantemente persistente: o luso-tropicalismo de Gilberto
Juntem-se as viagens de sabores intercambiando açúcares, mais das vezes a fugas desordenadas e a pungentes pedidos de para afirmar uma comunidade que jura falar uma língua (de origem) Freyre que, bebendo as suas bases epistemológicas em Casa
pimentas, mandiocas, batatas, essa a revolução dos sabores rendição.18 A difusão do Português como língua franca de comércio portuguesa. Língua também de costas largas: não podemos acusar a Grande e Senzala (1933), se consagrou viajadamente em Aventura e
na Europa Moderna de que falava Fernand Braudel.17 Somem-se no Sudeste Asiático, imposta no Brasil como língua única em língua que falamos de todas as desordens e frustrações à nossa volta Rotina (1953) e, sobretudo, no Luso e o Trópico, de 1960, obra muito
tratos de quase tudo, do âmbar tirado do fígado das baleias aos concorrência com o tupi-guarani normalizado pelos missionários e e que escondemos em nós mesmos: a língua que falamos limita-se divulgada e traduzida pelos favores do regime. Apesar de pouco
milhares e milhares de escravos que bichos e bichas se chamavam falado mesmo em São Paulo até às primeiras décadas do século a reflecti-los, a torná-los transparentes; a língua não os criou: retem- acolhido nos meios historiográficos, tendo sido qualificadamente
em Macau. Músicas, danças, especiarias, comidas, vestuários, XVIII, mas apenas difundido na África ocidental e oriental nos séculos nos simplesmente quando aqueles que a falam persistem em os criticado por Charles Boxer e Vitorino Magalhães Godinho,21 Freyre
tratos, doenças, orações devem ter precisado de comunicação, XIX e XX, é uma língua historicamente remendada para descrever reter.19 Língua sujeita a transformações, manipulações, equívocos, a ofereceu à política ultramarina de Salazar um paradigma discursivo
de língua. Mas a língua, como bem nos explicaram tanto Inocência mundos e pessoas vistos do mar. Por isso, crónicas, geografias, ser segunda e estrangeira ou mesmo a inventar-se. Como o fez com centrado no excepcionalismo português que, através da estranha
Mata como Ricardo Roque, não representa apenas uma economia relatórios tanto como as cartas que os jesuítas eram obrigados a típico mas cómico preconceito colonial Gil Vicente quando, na farsa comemoração da portuguesa natural preferência pela plasticidade
da comunicação. Exprime e configura formas de pensar, classificar, enviar anualmente ao Geral da companhia começam sempre por do Clérigo da Beira, de 1526, introduziu pela quarta vez nas suas da mistura, havia preferido à democracia política a democracia
conhecer e dominar. Mandar nos outros quando se pode; convencer descrever costas, a foz do rio, as restingas, praias, embocaduras, obras mais um negro da Guiné que haveria de roubar lebre, capões racial. Pese embora os seus muitos críticos, o lusotropicalismo
portos. Sempre que a língua penetrava estes continentes já não era e fruta ao vilão desta história enquanto lhe cantava o Pai Nosso:
transportada por esses homens do mar com os seus capitães, pilotos
15 BETHENCOURT, 2003 : IX. 20 VICENTE, 1984: 532.
16 SIMÕES, José Manuel. OS ÍNDIOS POTIGUARA: Memória, Asilo e Poder. Macau: 19 ALMEIDA, Onésimo Teotónio. “À propos de la Lusophonie: ce que la langue n’est pas“, 21 SOUSA, Ivo Carneiro de. “O Luso-Tropicalismo e a Historiografia Portuguesa: itinerários
Universidade de São José, Dissertação de Doutoramento, 2011, pol. 18 BOXER, Charles. The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825. London: Hutchinson and Co in : Lusophonie et Multiculturalisme. Lisboa-Paris : Arquivos do Centro Cultural Calouste críticos e temas de debate”, in: MOREIRA, Adriano & VENÂNCIO, José Carlos. Luso-
17 BETHENCOURT, 2003 : X. Ltd, 1969, p. 299. Gulbenkian, vol. XLVI, 2003, p. 145. tropicalismo. Uma Teoria Social em Questão. Lisboa: Vega, 2000.

12 13
mostrou-se especialmente resiliente, continuando a sobreviver fosse agradável às elites brasileiras perceberem, naquele Dunem (Van Dum no texto). O romance apresenta claramente uma
nessas noções de misceginação, mestiçagem e hibridismo que momento, que eram fruto do mundo português. Hoje angolana casa-grande e sanzala (como o termo é pronunciado em
contaminam práticas políticas emancipatórias com a mais profunda não, hoje aceitamos essa influência com muito prazer. Kimbundu), onde o assimilado flamengo Baltazar Van Dum vive
ambiguidade, simplesmente. Uma ambiguidade que, adejando alto Se é assim, e eu acho que é, por que razão não vamos com a sua mulher oficial D. Inocência, filha de um chefe africano,
por diplomacias, ministérios e presidências, se convida o leitor a trabalhar juntos na África?22 (276-77) mais larga prole mulata e muitos escravos. A casa-grande e sanzala
acompanhar neste trecho do diálogo do livro O Mundo em Português de Van Dum pinta-se como espaço multilinguístico Kimbundu-
entre Fernando Henrique Cardoso e Mário Soares: Português-Flamengo, marcado pela mistura racial, mas de estrita
E se quisermos pedir à investigação e reflexão saudavelmente ordem patriarcal. Freyre adoraria de certo este belíssimo romance
FHC—Na especificidade cultural brasileira há uma parte que é críticas de Inocência Mata para nos ajudar a esclarecer a enorme de Pepetela que desagua nos piores dramas psicológicos em que
também portuguesa: a plasticidade, a capacidade de sobrevivência destas ambiguidades, talvez se pudesse tentar fazé- se dissolve este sistema colonial-patriarcal, mas que o romance não
absorção de fatores culturais exógenos. Por que digo lo voltando a ler essa obra que Pepetela concluiu em 1997 com deixa de apresentar como uma das raízes de Angola.24
isso? Por causa do livro de Gilberto Freyre O mundo que o épico título de A gloriosa família: o tempo dos flamengos.23 O Regressemos encerradamente para os aprisionar (como o faz
português criou, que talvez, como já dissemos, tenha livro esclarece o papel das elites luso-fluminenses na expulsão dos qualquer sistema de classificação) ao variado mundo dos bichos da
sido mal percebido na época por causa da proximidade holandeses de Angola, em 1648, visitando a história da família Van sínica enciclopédia revisitada por Borges. Um qualquer entendimento,
de Freyre com o regime salazarista. Mas, a despeito disso agitação ou militância em torno da palavra lusofonia sem se libertar
tudo, mostra que o português criou um mundo diferente. destas e de outras ambiguidades transforma-a alternativamente no
Claro que há um pouco de ideologia conservadora, 22 CARDOSO, Fernando Henrique & SOARES, Mário. O Mundo Em Português. Um Diálogo. bicho b) embalsamados ou no o) que de longe parecem moscas.
sabemos que há. Mas há na cultura lusa uma percepção São Paulo-Lisboa: Paz e Terra, 1998, p.276-77. Mais recentemente, Fernando Henrique Pessoalmente, prefiro o d) leitões, mas como estou proíbido agora
Cardoso e Mário Soares voltaram a cruzar ideias semelhantes ao prefaciaram o livro do
do “outro” e a capacidade de aceitar o “outro.” director-curador do Museu Afro-Brasil, em São Paulo, Emanoel Araújo, com o título A Mão
por imperativas razões de saúde de comer tudo aquilo que é bom
MS—E uma grande curiosidade pelo outro. Afro-Brasileira (São Paulo: Imprensa Oficial, 2010). No seu texto, Mário Soares escreveu só posso mesmo abandonar o bicho da lusofonia na classe m) et
FHC—Há uma curiosidade pelo outro que é portuguesa e nós com data de 17 de Março de 2010 que “A miscigenação foi sempre um traço essencial do caetera.
colonialismo português, que extrapolou a mera exploração das riquezas dos continentes em
a herdámos, faz parte do ethos luso-brasileiro. Nesse que se implantou, diferentemente dos demais colonialismos.”
sentido, Gilberto Freyre tinha razão em buscar identidades 23 PEPETELA. A gloriosa família: o tempo dos flamengos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
que não eram aceitas naquele momento, principalmente 1999. Representações Identitárias Luso-Angolanas no Tempo dos Flamengos publicado
por razões políticas, e talvez também porque nessa altura 12/01/2010 por Isabel Leslie Figueirêdo de Menezes Lima em http://www.webartigos.com/
articles/31033/1/REPRESENTACOES-IDENTITARIAS-LUSO-ANGOLANA-NO-TEMPO-DOS- 24 PRADO, Patrícia Martins Alves do. “A historicidade do discurso identitário de Pepetela na
ainda existia um preconceito antiportuguês. Talvez não FLAMENGOS/pagina1.html#ixzz1GfGDsh2m. obra ‘A Gloriosa Família’”, in: Revista África e Africanidades, Ano 2, nº 6 (Agosto. 2009).

14 15
Abstract: 1-The Concept of Identity
epistemological transitions.
This paper will seek to articulate the issues of identity (briefly
engaging in the history of the evolution of the concept in Portugal
In L’identité, Lévi-Strauss refers to the theme of identity and
up until how it is contemporarily addressed in the context of Cultural
analyzes it problematically. There he states that this concept,
Studies) with the building up of the Lusosphere in the context of
although widely used, has no real existence. He claims that all the
strong economical, political, mediatical and cultural globalization.
approaches to this notion should first start by criticizing it.
The construction of new Identity (ies) The Lusosphere is far from being a movement / an aspiration
shifted in time. It now experiences very strong prospects to develop
Undeniably, the use of the term identity must include a critical
for the Lusosphere: and assemble, not anymore as the dream of the Fifth Empire (that
position directly from the outset. Somehow, and at first level of
approach, it contains a kind of appeal to tradition and to what it
asynchrony and decentring so deeply seduced the lusophones, from Vieira to Pessoa, and
Camoes) but as a way of articulating different cultural and linguistic
can imply of ‘uniqueness’ and ‘difference’. Therefore, the ‘issue of
identity’ implies in itself a question, and simultaneously a resolution:
perspectives capable of building the bridges of intra and intercultural
a question, because it represents an approach that chooses the
dialogue that the world nowadays requires.
problematical and critical procedure. It understands identity not
To this end, we will convene Portuguese authors such as Eduardo
as a response but as an always-open problem. In addition, it is a
Lourenço and Boaventura Sousa Santos (the latter from a post-
Maria Manuel Rocha Teixeira Baptista resolution proposal because the single choice of this approach to
colonialism perspective), which will outlook the construction (critical,
culture implies a philosophical positioning of resistance to the logic
but optimistic and productive) of a Lusosphere to be grounded.
University of Aveiro of post-modern societies’ cultural industries.
Other authors like Gadamer and Lotman, particularly vacationed to
Portugal The very notion of ‘Portuguese culture’ and even ‘Lusophone
the understanding and intercultural communication will be taken into
culture’, does not cease to signal that space of resistance, also
account in order to collect their contributions for the construction
cultural and political (in the broadest sense of the word) against the
and the deepening of the beautiful utopia that is the Lusosphere.
cultural standardization and globalization of the contemporary age.
Far from accepting the concept of culture as a rigid, fetish form, it
Keywords: Lusosphere, identity, Globalization, Postcolonialism,
seems to us that, in the current cultural context, it has a strategic
Intercultural Communication
value. It therefore allows a thorough critique of modern reason

16 17
instrumentality in order to prepare epistemological and didactically We nonetheless know that neither the matter of culture nor the We therefore consider, in the path of Savater that violence has so that they can integrate multiple cultures and let cultural diversity
the path towards a rationale that can only avoid some of the major identity issue can completely evade the political question that is, been inherent to the concept of nation state, which has used the live within their environment, while integrating in a coherent super-
difficulties of the concept of identity if it is deeply critical and historical moreover, the basic assumption of ‘cultural studies’. In this domain, national identity as a legitimizing myth of the centralizing function of structure level. In the case of Portugal and the Portuguese speaking
(self-critical, since the beginning). the greatest risk would be the one of allegedly finding shelter under the state, the linguistic and national claims akin other movements peoples, that super-structure level could precisely be the Lusosphere.
We clearly know the criticism that has already undergone the any political debate, refusing it, in order to avoid certain issues of that proclaim the right to difference (racial and sexual, difference
concept of cultural identity and the constant risk of instrumentalization concern, potentially dangerous, such as identity. It is rather, as we etc.).
of all kinds taken by this cultural approach standpoint. We know how do in this context, to delimitate the concept and know its hitches, With Savater it appears to us essential to distinguish the national
2 - Identity, Globalization and
Foucault opposed the concept of identity and all social constructs tensions and ambivalences, adopting an attitude of critical vigilance, consciousness of an exacerbated nationalism, considering the first Multiculturalism
that implied it (including the pairs male / female, homosexual/ setting off a dialectical and controversial conception of cultural as a lucid and balanced form of national identity, while the second
heterosexual, criminal / non-criminal, etc..), for being too present identity itself. involves a traumatic origin and implies an aggressive behaviour and Formerly Eliot, in his reflections on the question of contemporary
the risk of passing from implicit acts to implicit identities (e.g., the In an even more incisive way, Marcuse (and before him Horkheimer narcissism. Nationalism has isolationist logic, but also expansive, it societies’ culture, highlighted the tensions and difficulties concerning
case of the identity of homosexuals throughout history). Foucault and Adorno, Georg Lukács and even Marx) refuses the national has a fetishistic obsession for a certain concept of national identity, the traditional concept of culture. Cultural studies particularly
considered not knowing who he was, not always being the same, identity discourse, because it commonly refers to an exaggerated a special fondness for unanimism and popularity and is essentially pluralized or sprayed the very concept of culture while seeking to
not even wanting to be always the same. Well, this is the very sense nationalism, which usually results from bourgeois mercantilism now heterophobic. escape the discourse of cultural relativity in search of a concept of
of critique, open problematic and constant reversibility, which is expanded and involved in the concept of nation. On the opposite, the identitary topic, issued by a Lusophone culture that would define man in terms of quality and a universal
nowadays sought of to address identity issues. Criticism upon the identity issue, which underlies the most Community would have to be very different: the current cultural and form.
Similarly, regarding the consideration of dialectics which diverse contemporary nationalisms, we find it also in Savater in political situation requires dialogue, intense communication between Indeed, Eliot quickly realized that a global culture would not be
necessarily implies a certain ‘negative experience’, Adorno one of his most radical formulations, one that points to the pure different cultures, accepting the inevitable principle of ethnic, any culture, a finding that is nowadays particularly relevant in times
emphasizes that in our day societies tend not to recognize any and simple abolition of a certain concept of nation and even of the linguistic and cultural fusion within an unavoidable multiculturalism of globalization. However, on the contrary to what Eliot thought, the
philosophical dignity to this kind of experience, as they are submitted concept of homeland. Indeed, for Savater, men identify with a nation context. Despite the fact that language itself is also violence, it is representatives of this world culture are not poets or intellectuals.
to the identitary reckoning of a rationality abridged to its instrumental firstly through the confrontation with other men and the exclusion of nonetheless the only way to escape barbaric and, in the case of Rather, what we find is a ‘McDonaldization of society’ (Ritzer), a
condition. Thus, it is crucial that a theoretical path over the question other homelands. The concepts of nationalism (loyalty to an ethnical Lusosphere, the element that can serve as a powerful articulator homogenization of the responsibility of transnational economic
of identity allows reflection on non-identity, in order to achieve a or cultural lineage) and patriotism (belonging to a particular place between the different cultures that this community shelters. networks and rituals of global consumption. It is precisely in opposition
perspective of the humanities potentially refractory to the interchange of birth), although sometimes they are understood as essentially Moreover, the challenge of postmodernism is precisely to to this tendency toward homogenization that the expression ‘cultural
between rationality and domination. biological, upcoming from a social pact, the result of a political will transform the old European cultures, living in an age-old concept of identity’ (or ‘cultural identities’) can have a decisive importance.
that creates them arranging and imposing them on others. nation-state (first Spain itself, but also Portugal, France or England),

18 19
We are nevertheless aware of how the manipulation of a reifying clear symptom of a profound crisis of our societies, but especially of cultural relativism, which would restrict the concept of culture pretend to be global, the more others seem local. The fact that
concept of cultural identity can have negative impacts on cultural of the centres of knowledge production; the universities. The fact within a purely local, bearing only ethnographic or ethnological the global can be no more than a globalized localism is very
practice (the same way that multiculturalism began as a positive that the term has gained such a wide meaning has been leading interest. If the notion of culture can have some critical role within an often hidden and denied, in order to give rise to a new kind of
concept and at present is acquiring a negative connotation, to its void. Simultaneously, culture becomes an object of fetishistic eventual hegemonic process of globalization, it is because there is cultural imperialism.
sometimes bringing more trouble than solutions). One of the authors consumption, losing all its character and essential constituent of still room for a notion of culture at the global level. Its premise would
who stressed the consequences of use (or misuse) of identity was self-reflection and could therefore come to serve any instrumental rely upon a global ethics grounded on human rights and respect for The trend towards ethnicization of cultural identity is certainly
Samuel Huntington to describe the ‘clash of civilizations’. purpose. cultural diversity. Culture, in that sense, is not an abstract idea but one possible answer to the pressure of globalization and is part of
It is obvious that neither the word ‘globalization’ nor the word The fact that culture can not be reduced to a friendly object nor historical and social for it is rooted in the history of culture. an overall mechanism (now designated as ‘intercultural relations’ or
‘identity’ are neutral: they both represent different viewpoints on a hold a special status in any field, but be present at all levels of social At an intermediate level we propose the establishment of units “dialogue of cultures”) that connects the cultures of the centre to
range of social phenomena, political and cultural. The whole issue practices is a crucial piece of evidence in the context of Cultural aggregating linguistic and cultural sense but also holding a story with peripheral cultures, simulating the absence of asymmetrical power
is on bringing to reflection their key theoretical assumptions, reflect Studies. From here, it seems to us that one of the very first tasks of a common ballast, by societies who claim through their wills, political relations. With the digital age, the very concepts of centre and
on them and take positions that are primarily theoretical and political any reflection on the field of culture must begin by deconstructing the and economical power a desire for greater integration (at several periphery are in the process of dissolution, through the compression
choices. The challenge of Lusosphere resides exactly here, at the concept of ‘culture’, a propaedeutic task to any reasoning. levels) and of increasing approximation. That is the position where of space and time.
critical point that requires theoretical and political choices, that is the The very concept of globalization deserves to be rethought. The the Lusophone Community stands: an epistemological crossroads, Therefore, both the notion of ‘interculturalism’ and of ‘cultural
will and power of men, of the various Portuguese speaking worlds. contemporary world has become an interactive system so powerful but also social, political and historical. Briefly and to summarize it all, identity’ finds in the process of globalization some possibilities for
Considering Lusosphere as a mere organizer that enclose as the it can no longer deal with culture without addressing issues related cultural crossroads. reconstruction, despite being ambivalent and tensional. Indeed,
sole point of support culture and language, has been in our opinion to new communication technologies, which are offering us an what seems to be emerging is a new and dynamic concept of
one of the strategies for which Lusosphere has not been achieved. increasingly integrated world, a global culture with the trademarks 2.1 - Lusosphere and globalization cosmopolitanism that starts from an attitude that does not yield to
Firstly because the Portuguese language we all, Portuguese, speak of totality and of an extreme compression of space and time. a unique opportunity the logic of a blind globalization nor accepts the simple, pure cultural
is not, strictly speaking, the same Portuguese language. Secondly, Appadurai proposes that globalization continues to be seen not relativity.
because we all, Portuguese speaking peoples, are culturally very merely as a process of standardization, but as the production of a A re-evaluation and redefinition of cultural identity is closely In this context, Lusosphere has an opportunity: escape from the
different. Aggravating this situation is the fact that the very use of complex system, internally diverse and accepting difference. Then related to the understanding of the process of globalization. ethnicization of cultural identity, as well as from the overwhelming
the term ‘culture’ is at present so inflated, that we can scarcely there is certainly the possibility of eruption of identity movements Evidently, for certain cultural features to be regarded as marks centripetal absorption of globalization. Under the condition, that it is
fail to agree with Adorno and Horkheimer when they claim, in and differentiators. Thus, heterogeneity and fragmentation of identity, they must be viewed in a broader context. As stated understood as a political process, asymmetrical, from whatever point
their Dialectics of Enlightenment, that talking about culture, has will be an indispensable part of the globalization process. by Boaventura Sousa-Santos, the more certain phenomena of view we want to consider it, wills in construction, a community of
always been an act against culture. This inflation of the term is a In turn, the alternative to globalization is not necessarily the affirmation Portuguese speaking people is a beautiful project, a utopia that is

20 21
there to challenge and test us, the lusophones. all this is more frequent and common in post-Modernity than ever cultural memory. memory of the Other is the way that allows us to access the Another
before, whatever the moment in the History of humanity might be. not as one in itself, but other worlds, that language in its historical
Today, the identity issue is a question of multiple identities and In the case of Lusosphere, misunderstanding may arise leading us to and ontological density, encloses and keeps on enclosing. Just so
3 - A Lusophone Culture concept different belongings: one world, one language, one nation, one think that way is done. Reality shows us that we stand at crossroads can we build a Lusosphere which is not made or guaranteed in
to contemporary ages memory can be evoked almost always in a rational and technical- built upon paradoxes and ambiguities, from which we highlight some advance, but for which we can all, or not contribute.
instrumental context, while another may operate primarily as a family of the most widespread, more dangerous and stereotyped: that we In this postmodern era of globalization, the recognition of the
The concept of culture created and already criticized by homeland, affective and emotional (cf Amin Malouf) have a common History and that we all belong to the same country Other within and outside the Lusosphere, begins as a struggle, that
modernity, has undergone significant shifts in post-modernity. In this Moreover, that is why in bilingual or multilingual communities, the when and if we all speak the same language. only each culture alone can fight with itself and in face of its Others,
context, we have no other purpose than to propose a concept of question of cultural identity is far more complex, because in each The most striking recent events that shook the world, and so that afterwards it can become a battle between men, thereby
culture with which we can operate within the path that we will follow subject constantly lives the Other, the Other loved or hated, desired particularly the west (I am referring to September 11) are involved saving the humanity of its own Barbary. When such a struggle has no
on the issue of Lusophone cultural identity. or tolerated, but that is in him/her, that inhabits him/her or where we in this very logic of the denial of ‘otherness’ which has a logic of place in the spirit of each one of us, or it is immediately resolved in
The critical and hermeneutic perspective we have been adopting permanently inhabit. terror and scandal. The Other can neither be thought of as radically favour of a static and misleading speech about my Self, my country,
leads us to the difficult problem of formulating a concept of culture Difficult is, however, to know who is truly the Other or what Others different and incomprehensible, irreducible to our worldview and, my culture and my language, then the Other is permanently lost or
not only didactically operational, but also theoretically relevant to dwell in it and in us. ultimately, irrational, unpredictable according to our own logic, nor that is to say my Self was hopelessly amputated and Barbary can
the Portuguese and Lusophone contexts proving to be resistant to Ultimately, each (subject or culture) is enclosed in itself. It is just can it be diluted in the sameness of a global human being bearer finally settle down.
modern and postmodern criticism. not alone, but with its Others. Perhaps, though in other ways, Sartre of the ‘average’ American culture who speaks the internationalized In short, it is the co-construction of identities, of the Self and
Fernando Pessoa has said that “my language is my homeland”, was right to say that the Others are my own hell. Simply the Others English language. Ultimately, we ought to acknowledge that, from a the Other in me, constantly rebuilding my memory from an internal
meaning the place from where I view the world, my history, personal are not the pure externality, but cohabit, uncomfortably with the Self, historical and cultural perspective, the Other, Barbary is also caused and external cultural point of view, which is unavoidably Lusophone
and collective, and even the Other or Others who engrave themselves a space made of memory and time. To think such reality we only by us or even that it never really left us - us - the Lusophone first. as well, through the powers of criticism, art and, in particular, of
in me through my cultural memory, a presence that language itself is have our cultural memory and powers of language. If we go deeper, we shall have to accept that in each one of us poetic language that the question of Lusosphere may come to know
responsible both to veil and unveil. Now this is, in our opinion, precisely the situation of cultural there is a potential barbarian whom we exorcise by attributing to the crucial developments so to solve the main problems; the ethical,
Obviously, in this sense, the Lusosphere is the place of crossroads in which Lusosphere finds itself. Other all the barbarism (the Other African, Chinese, Romanian or aesthetic, political and cultural crossroads in which it finds itself to
construction of bilingualism, which requires at least the membership Perhaps some light can be thrown over this issue if we understand South American ...). be immersed in this fascinating and chaotic post- modernity time in
of two homelands, that is to say two worlds and two memories, that each of us (as every culture) is always an Other to someone and The whole question is misplaced: the issue of the Other will which we were offered to live.
which are often not compatible with each other, communicate little that the Other is never a pure externality, but is made of immanence, always have to go through the issue of the Self; the language and the
and are operated at different times and cultural opportunities. Now for it only exists in the speech act that names it on or after our own foreign cultures require listening and learning. Knowing the cultural

22 23
Resumo 1. Lusofonia: formulações teóricas
O conceito de Lusofonia representa uma realidade que se A abordagem ao conceito de Lusofonia que aqui pretendemos
estende muito para além da sua raiz etimológica, compreendendo, elaborar tem em consideração diferentes perspectivas (etimológica,
por isso, não só os oito países de língua oficial portuguesa, mas histórica, literária e linguística).
também todos aqueles que voluntária ou forçosamente contactam Do ponto de vista etimológico, verificamos, desde logo, que
com a sua cultura. o termo Lusofonia é formado por dois elementos distintos: Luso
DA LUSOFONIA: De entre as suas principais formulações teóricas, destacar-se-
iam a do V Império, a da República do Português e a das diferentes
e Fonia. O primeiro, nome do personagem mitológico filho ou
companheiro de deus Baco, equivale a Lusitano, a pessoa que
FORMULAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS Lusitânias. Aquelas, embora tivessem sido frequentemente vive na Lusitânia, outrora assim denominada a região romana que
classificadas como utópicas e/ou colonialistas, terão posteriormente compreendia grande parte do actual território de Portugal continental.
servido de base a muitas das mais recentes representações O segundo, derivação do grego foneo, transmite a ideia de fala,
formais e institucionais do mundo lusófono (exemplificativamente, de língua. Lusofonia representa, portanto, o(s) espaço(s) da língua
a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a União das lusa, lusitana ou portuguesa. Se, em termos concretos, podemos
Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas, o Prémio Camões, facilmente identificar os diferentes países ali compreendidos, em
o Acordo Ortográfico). Constata-se, deste modo, que a expansão termos abstractos, aquele conceito é, como veremos, bastante mais
Pedro Martins e diáspora levada a cabo pelos falantes de Português a partir do amplo e poliédrico.
século XV ainda hoje determina a configuração e imagem de todo o Do ponto de vista histórico, a ideia de uma nação portuguesa
Universidade de Siena
espaço lusófono. gloriosa, eterna e universal remonta ao momento da sua própria
Itália
A Lusofonia consubstancia, portanto, uma concepção poliédrica fundação, após a Batalha de Ourique, em 25 de Julho de 1139.
cuja história e evolução nos propomos analisar e divulgar. Reza a lenda que pouco antes de afrontar os Mouros naquele
decisivo combate, D. Afonso Henriques, futuro primeiro rei de
Portugal, teve uma visão na qual Cristo lhe revelou In hoc signo
Palavras-chave: Lusofonia, Conceito, Formulações teóricas e vinces, isto é, que com o sinal da cruz venceria, que com o sinal
práticas da cruz o povo e a nação portuguesa alcançariam a glória eterna e

24 25
universal, conquistando aquém e além mar os territórios que viriam stabilire (Quero em ti, e na tua descendência, estabelecer o meu (“Grécia, Roma, Cristandade, Europa”), tinha chegado o dia e a No seguimento desta proposta, na década de sessenta, o
a constituir o imenso espaço lusófono. Trata-se, assim, da primeira império). Após a Restauração da Independência em 1640, António hora de viver a verdade do destino luso. Encontramo-nos, assim, linguista e filólogo Celso Cunha retoma a ideia da língua como
representação de uma nação lusa com um potencial geográfico e Vieira viu assim no então recém-aclamado rei D. João IV o Messias perante um nacionalismo místico, perante um Sebastianismo metáfora da unificação dos territórios e advoga uma grande
temporal aparentemente ilimitado. que iria restituir a Portugal, não só o poder político para se reafirmar racional, que, de acordo com as palavras do poeta, assentaria o República do Português em prol da cultura. Segundo este autor,
O profetizado futuro universalista de Portugal ganharia depois como uma das grandes potências a nível internacional, mas também, seu poder no principal instrumento de comunicação e de cultura, seria uma República sem uma capital demarcada. Não estaria em
um novo alento a partir dos séculos XVI e XVII. e sobretudo, o poder que iria permitir a evangelização cristã de todo ou seja, na língua, na língua portuguesa. Dotada de plasticidade Lisboa nem em Coimbra, não estaria em Brasília nem no Rio de
Após o desaparecimento do rei D. Sebastião em Alcácer-Quibir o mundo. Trata-se de uma abordagem de carácter marcadamente e de riqueza expressiva, de um extenso território e de um elevado Janeiro. A capital da língua portuguesa estaria onde estivesse o
em 1578, e sucessiva perda da independência de Portugal para religioso que, tal como era corrente na época, concebia o poder número de falantes, a língua portuguesa reuniria todas as condições meridiano da cultura.
Espanha em 1580, nasce um dos mitos mais importantes para a político como um instrumento para a aplicação dos desígnios para a concretização deste novo império espiritual, tornando-se, ela Cerca de vinte anos mais tarde, e na continuação deste
cultura portuguesa: o Messianismo, ou seja, a crença e a esperança religiosos. Para a nossa análise, este contexto interessa-nos, própria, pátria de milhões de pessoas - nas palavras do alter-ego raciocínio, um outro linguista brasileiro, Sílvio Elia, apresenta uma
num salvador da pátria que, consoante os casos e contextos, por em especial, para melhor compreendermos como também já no pessoano Bernardo Soares “Minha pátria é a língua portuguesa.” classificação do mapa lusófono tendo em conta, não só a história
exemplo, lhe restituiria a independência (D. João IV, 1640), a defenderia século XVII se sentia o desejo de reunir sob um mesmo rei, sob (Soares: 16). e dispersão da língua pelo mundo, mas também as movimentações
contra o inimigo (D. Miguel, 1821) ou, ainda, que a conduziria em um mesmo deus, sob uma mesma língua, as diferentes populações Por fim, Agostinho da Silva, conjuga a mística e a razão, através dos seus falantes. A partir da soma de todos os territórios, Sílvio
direcção da riqueza, da liberdade e do sucesso (Humberto Delgado, que, embora espalhadas pela Europa, pela América do Sul, pela de um V (e último) “Império de fraternidade e de paz, de povos a Elia descreve uma imensa Lusitânia que compreende i) a Lusitânia
1958). Exaltam-se, deste modo, princípios, valores e costumes que África e pela Ásia, partilhavam um denominador comum, isto é, nenhum subjugado, de economia bem livre da privação e do lucro, Antiga, representada por Portugal enquanto berço linguístico-
possam contribuir para um destino português comum e de sucesso pertenciam ou contactavam directamente com um mundo lusófono, de verdadeira e criadora religião a todos se estendendo, de homens cultural de todo o grupo, ii) a Lusitânia Nova, simbolizada pelo Brasil,
à escala mundial, aquilo que, para alguns autores, assumiria a forma com um império lusófono. Depois dos quatro grandes Impérios da ascendendo a todo o sonho e resolutos a serem eles próprios o iii) a Lusitânia Novíssima, formada pelos mais recentes países de
de um verdadeiro Império português, aliás, de um V Império que Antiguidade (Assírios, Persas, Gregos e Romanos), os Portugueses pleno de si mesmo.” (Silva: 782). língua oficial portuguesa, isto é, os países africanos e, desde 2002,
reconquistaria o mundo. consubstanciariam, deste modo, o V Império. Do ponto de vista linguístico, os primeiros projectos para a Timor-Leste, iv) a Lusitânia Perdida, ou seja, os antigos territórios
Do ponto de vista filosófico-literário, de entre os principais Fernando Pessoa, por sua vez, reformula o pensamento de criação e valorização de um mundo lusófono surgiram logo no início de língua portuguesa (Macau, Goa, entre outros), e v) a Lusitânia
teóricos desta última concepção, destacam-se o Padre António António Vieira e apresenta um V Império já não religioso, mas sim do século XIX graças a Sílvio Romero. Dispersa, tal como o nome indica, o conjunto das comunidades de
Vieira (1608-1697), Fernando Pessoa (1888-1935) e Agostinho da cultural. Na sua única obra em Português publicada ainda em vida Para o jurista e filósofo brasileiro, à semelhança do que já língua portuguesa espalhadas pelo mundo.
Silva (1906-1994). (Mensagem) dedica-lhe inclusivamente um inteiro poema no qual, acontecia com o Império Britânico, o Brasil, Portugal e as suas A Lusofonia seria desta forma, e simultaneamente, um
Para o primeiro autor, o destino imperial da gente lusa residia na por um lado, critica a passividade daqueles que são felizes ao “Ter colónias deveriam organizar-se politicamente a fim de que se sentimento, uma cultura e um espaço geográfico comuns, mas
já referida aparição de Cristo a D. Afonso Henriques e, em especial, por vida a sepultura” e, por outro, os convida a seguir a “visão que formasse um bloco linguístico suficientemente autónomo e garante também uma língua própria e partilhada por milhões de pessoas.
numa sua outra frase - Volo in te, et in semine tuo imperium mihi a alma tem”, já que, depois dos quatro impérios ali denominados dos interesses de todos os falantes da língua portuguesa.

26 27
Esta formulação, no entanto, não é aceite por todos. Para passado. Nas suas próprias palavras, “A verdade é estarmos hoje A CPLP. A nível institucional, a Comunidade dos Países de de uma associação que agrupa os municípios das actuais e antigas
autores como Eduardo Lourenço e Alfredo Margarido, trata-se, pura perante teses [...] que confiam à língua a tarefa principal de manter Língua Portuguesa constitui uma das principais referências de e cidades capitais de língua oficial portuguesa, as cidades que pela
e simplesmente, de uma visão mágica, utópica e até mesmo neo- e de alargar o campo da dominação portuguesa.”; “O discurso para a Lusofonia. Na sua Declaração Constitutiva, assinada em sua dimensão histórica ou cultural desempenham um papel relevante
colonialista. lusófono actual limita-se a procurar dissimular, mas não a eliminar, 1996 pelos Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, para a União e ainda, pela mesma razão, comunidades e demais
Para o filósofo e intelectual português, não há nada que os traços brutais do passado. O que se procura de facto é recuperar Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e instituições públicas e privadas co-relacionadas. De entre as suas
realmente se possa designar por cultura ou comunidade cultural pelo menos uma fracção da antiga hegemonia portuguesa, de Príncipe, apela-se aos valores da Paz, da Democracia e do Estado principais actividades, destacam-se a formação, a ajuda humanitária,
lusófona. Tal acepção pertence ao domínio da ficção, do mais puro e maneira a manter o domínio colonial.” (Margarido: 74; 76). Critica- de Direito, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento e da Justiça a preservação do património arquitectónico, a divulgação cultural, e
típico lirismo português que se imagina como pólo e centro de uma se, portanto, o eventual neo-colonialismo previsto no conceito de Social, e aponta-se como objectivos fundamentais a concertação o apoio à educação e ao desenvolvimento agrícola, bem como a
comunidade à qual, na realidade, os outros membros se sentem Lusofonia, aludindo-se ainda, e com as devidas adaptações, a uma político-diplomática entre os seus Estados-Membros, a cooperação projectos específicos de higiene e crescimento urbano.
muito pouco vinculados. Eduardo Lourenço admite, obviamente, a espécie de neo-luso-tropicalismo. em todos os domínios (educação, saúde, ciência, defesa, justiça, O Prémio Camões. No âmbito literário, importa referir o Prémio
importância da língua como base para a aproximação e partilha de Em jeito de conclusão, podemos então afirmar que o conceito cultura, desporto, etc.), e a materialização de projectos de Camões. Instituído em 1988 pelos governos do Brasil e de Portugal
valores e princípios comuns aos vários territórios ditos lusófonos, de Lusofonia encontra as suas raízes, primeiro, na sua própria promoção e difusão da língua portuguesa. A Comunidade, que com o objectivo de estreitar os laços culturais entre os dois países,
porém, sublinha que se trata de algo relativo e finito. Nas suas interpretação etimológica, segundo, no mito da fundação de Portugal, tem um funcionamento próprio distribuído pelos diferentes órgãos o Prémio Camões é entregue anualmente a um escritor que se
palavras, “com o tempo, sem dúvida, os Brasileiros, os Angolanos, terceiro, nas explanações idealistas de autores como António Vieira, deliberativos, consultivos e executivos, releva a rotatividade exprima em Português e cuja obra contribua para o enriquecimento
os Moçambicanos, os Cabo-Verdeanos ou Guineenses farão com Fernando Pessoa ou Agostinho da Silva e, quarto, como acabámos obrigatória entre as várias nacionalidades, quer do Presidente do literário e cultural da língua portuguesa. Para além do seu valor
a nossa língua comum o que os Lusitanos fizeram outrora com a de ver, nas considerações teóricas (não consensuais) de vários Conselho de Ministros quer do Secretário Executivo, como forma económico, que ultimamente tem rondado os cem mil Euros,
língua imperial e imperiosa dos Romanos” (Lourenço: 132). Importa, pensadores e linguistas. de assegurar a independência e representatividade equitativa de representa o mais prestigioso prémio literário do mundo lusófono.
por isso, verificar o que verdadeiramente ou, melhor ainda, o que todos os membros que a constituem. Como o próprio nome indica, De entre os galardoados, poderíamos nomear José Craveirinha,
eventualmente existe de comum no imaginário cultural dos povos é formada pelos oito países de língua oficial portuguesa, mas admite por Moçambique em 1991, Jorge Amado, pelo Brasil em 1995,
falantes de Português. Sem se partir desta premissa, a Lusofonia
2. Lusofonia: ainda, na figura de Observadores Associados, a abertura a outros Sophia de Mello Breyner, por Portugal em 1999, e Luandino Vieira,
não passa de um conceito mágico e inventado. formulações práticas países que partilhem os seus princípios e objectivos e que, de certo por Angola em 2006. O último premiado, em 2010, foi o escritor
Para Alfredo Margarido, a questão da Lusofonia é bastante mais modo, demonstrem um interesse especial na CPLP, tal como já brasileiro Ferreira Gullar.
grave do que aparenta. De acordo com o sociólogo e historiador Em termos práticos, e independentemente das diferentes acontece com a Guiné-Equatorial, as Ilhas Maurícias e o Senegal. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. A nível linguístico,
português, a Lusofonia surge como ferramenta ideológica para formulações apresentadas supra, importa agora observar alguns A UCCLA. Com base naqueles mesmos princípios de cooperação confrontamo-nos actualmente com um tema muito controverso e
não só apagar o negativismo da história colonial, mas também, no dos principais instrumentos e manifestações da Lusofonia. e intercâmbio institucional, surge em 1985, com sede em Lisboa, a premente para todo o espaço lusófono, isto é, o Acordo Ortográfico
caso específico de Portugal, recuperar a hegemonia alcançada no União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas. Trata-se da Língua Portuguesa. Assinado numa sua primeira versão em 1990

28 29
e modificado entretanto em 1998 e 2004, o Acordo pretende unificar menos, deve existir um espaço lusófono, não deixa de ser caricato, Vieira, de Fernando Pessoa e de Agostinho da Silva ou, de um espírito tão lusófono como aquele que se prevê para o círculo no
a ortografia do Português, quer nos oito países que o usam como e até mesmo contraditório, aquilo que se tem assistido a nível da ponto de vista institucional, os membros efectivos da CPLP, quer qual está inserido. Por outras palavras, se, naquelas condições, se
língua oficial quer, a nível mais alargado, nas restantes entidades aplicação desta política linguística. Por esta mesma razão, e não as regiões e pessoas que, mesmo pertencendo a outros países e poderá ainda afirmar que aquele sujeito pertence automaticamente ao
internacionais e/ou estrangeiras que voluntária ou forçosamente obstante tudo o que aqui foi dito, seria interessante analisar, discutir culturas, partilham ou partilharam a língua e a história lusófonas, núcleo duro da Lusofonia ou se, tal como defendemos, fruto do seu
comunicam naquela língua. Trata-se de um texto marcadamente e reflectir, se se pode verdadeiramente falar de Lusofonia quando um o que, de acordo com o estudado e tal como entendido por Sílvio progressivo afastamento da língua e cultura pátria, não deveríamos
técnico, onde são apresentadas inúmeras regras relativas à dos seus elementos fundamentais, a Fonia, a língua como meio de Elia, corresponderia à Lusitânia Perdida (Macau, Goa, entre outros) antes colocá-lo no terceiro círculo. Por outro lado, e considerando a
introdução de novas letras, à hifenização, à supressão gráfica de comunicação, não se encontra assegurada enquanto tal. Por outras e à Lusitânia Dispersa (em especial, aos emigrantes de segunda e normal evolução das sociedades, julgamos igualmente certo que será
consoantes e de acentos, à utilização de acentuação e grafias duplas palavras, deveríamos talvez questionar-nos, se a Nação Lusófona terceira geração). No segundo círculo surgem as outras línguas e muito difícil manter a coesão dos oito países lusófonos ao longo das
e facultativas, entre outras. A sua aplicação e utilidade efectiva é, existe hoje e, inclusivamente, se tem condições para subsistir no culturas presentes nos vários países e regiões do primeiro círculo e próximas décadas, senão vejamos os seguintes exemplos, Portugal
contudo, discutível e, por isso, nada consensual, nem mesmo no futuro ou se tudo não se trata, tal como defendido pelas vozes mais que, por viverem em contacto directo com o Português, promovem e será cada vez mais europeu, o Brasil, enquanto futura potência
seio de cada um dos países lusófonos. Se, por um lado, se realçam cépticas e críticas, de uma grande utopia e invenção. enriquecem um diálogo e intercâmbio recíprocos (e.g. o Quimbundo mundial, tornar-se-á sempre mais autónomo e independente, Angola e
os aspectos positivos da unificação e uniformização da língua em Angola). No terceiro círculo, marcam presença todas as outras Moçambique continuarão a abrir os seus mercados a novos horizontes
línguas e culturas que se relacionam com o círculo central, ou seja, e parceiros (ao Oriente e à Commonwealth, respectivamente), e
escrita, nomeadamente, a coerência entre fonia e grafia, a economia
na produção, publicação e tradução de obras e materiais, bem
3. Parecer crítico e conclusivo todas as outras comunidades e falantes interessados em estabelecer, Timor-Leste aproximar-se-á cada vez mais da Austrália, bem como
manter e cultivar contactos e ligações com as línguas e culturas dos restantes países do Pacífico.
como a promoção e internacionalização da própria língua, por outro,
Enquanto parte interessada, gostaríamos de poder acreditar, sem lusófonas, exemplificativamente, as instituições e demais entidades Concluindo, não queremos deste modo afirmar que o mundo
criticam-se as interferências do Acordo Ortográfico no património
mais, no conceito de Lusofonia, contudo julgamos ser igualmente de ensino dos países não lusófonos onde se aprende Português. lusófono deixará de existir enquanto tal, pretendemos apenas sublinhar
linguístico de milhões de pessoas, a incoerência da própria reforma
necessário interpretar a realidade com alguma cautela. A imagem agora descrita representa, assim, uma realidade que, fruto do natural desenvolvimento de cada um dos oito países de
assim como das regras que lhe servem de base e, ainda, a forma
praticamente indiscutível, todavia, e concomitantemente, língua oficial portuguesa, as diferenças e as distâncias entre eles serão
ilegal como foi conduzido todo o processo. Hoje em dia, e embora Partimos, por isso, de uma análise crítica dos famosos círculos
consideramos esta visão algo histórica e até um pouco estática, cada vez mais e maiores. Se, de um ponto de vista da Lusofonia, esta
não haja uma sua aplicação homogénea, o Acordo está em vigor concêntricos presentes na teoria de Fernando Cristóvão. Segundo
pelo que salientaríamos, desde já, duas questões: por um lado, na ideia poderá parecer algo negativa, a nível global, poderá contribuir
no Brasil, em Cabo-Verde, na Guiné-Bissau, em Portugal, em São o professor português, a Lusofonia é representada por um conjunto
era da Globalização, onde todo o tipo de contactos e deslocações decisivamente para a tão desejada diversidade multi e intercultural.
Tomé e Príncipe e em Timor-Leste, faltando apenas, portanto, a sua de três círculos concêntricos atravessados por um raio comum -
geográficas são sempre mais fáceis e frequentes, interrogamo- Gostaríamos portanto de terminar a presente exposição de forma
implementação efectiva em Angola e Moçambique. Se aceitarmos, a Língua Portuguesa. No primeiro círculo, ao centro, encontram-
nos, por exemplo, se um jovem português e de língua materna optimista, reiterando a nossa convicção na riqueza e potencial de
tal como temos vindo a constatar, que a língua é considerada, não se, quer os países e falantes de Português como língua materna
portuguesa, que tenha vivido quase toda a sua vida no estrangeiro todo o mundo lusófono, pois, se porventura, agora ou no futuro, já
só o elo de ligação entre todos os países e comunidades lusófonas, e/ou oficial, isto é, uma espécie de núcleo duro da Lusofonia, se
e que se encontre perfeita e voluntariamente harmonizado com a não pudermos ser Lusófonos, seremos Lusófilos.
mas também, e sobretudo, a prova de que existe ou que, pelo quisermos, a base das formulações teóricas do Padre António sua nova sociedade de acolhimento, conserva obrigatoriamente um

30 31
Referências bibliográficas Internet
CRISTÓVÃO, Fernando (Dir. e Coord.) [2005] Dicionário temático da Lusofonia. http://www.cplp.org/
Lisboa: Texto Editores.
http://www.uccla.net/
CUNHA, Celso [1964] Uma Política do Idioma. Rio de Janeiro: Livraria São José.

LOURENÇO, Eduardo [1999] A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da


Lusofonia. Lisboa: Gradiva.

MARGARIDO, Alfredo [2000] A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos


Portugueses. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas.

MARTINS, Pedro [2009] “O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:


prós e contras de uma reforma linguística”. http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/
comunidades/?m=01&y=2010&d=03.

PESSOA, Fernando [1997] Mensagem. Lisboa: Assírio & Alvim.

SILVA, Agostinho da [1988] Dispersos. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua


Portuguesa.

SOARES, Bernardo [1982] Livro do Desassossego. Lisboa: Ática.

VIEIRA, António [1642] Sermam que pregou o R. P. Antonio Vieira da Companhia


de Jesus, na Capella Real o primeiro de janeiro de 1642. Brasília: Câmara dos
Deputados.

32 33
Introdução cristãos entre sociedades tradicionais islamizadas, reclamando para
si uma origem portuguesa, mais ou menos real, frequentemente
fictícia, como em Amboino ou em Jacarta.
As sociedades asiáticas de origem portuguesa dificilmente
O presente estudo diz respeito à génese e ao percurso
poderiam ter vingado se não tivessem beneficiado, tanto aos
muito acidentado da comunidade cristã de Amboino, no seio da
seus próprios olhos como aos dos seus vizinhos, de uma sanção
qual algumas famílias continuam a reclamar para si uma origem
religiosa, que, no contexto do arquipélago malaio, passa pelo
supostamente portuguesa. Sem entrar na questão de saber se tal
reconhecimento das práticas religiosas e dos seus agentes como
reivindicação corresponde ou não ao que se pode concluir a partir
Lusofonia desaparecida e identidade no detentores de poderes supostamente mágico-religiosos. O papel do
cristianismo revelou-se determinante como construtor de identidade
dos dados históricos disponíveis, é, no entanto, indubitável, que ela
é parte de uma herança cultural portadora de um valor positivo e
arquipélago malaio-indonésio. social, sobretudo por dar ensejo à criação de um novo universo
incontornável e que, enquanto tal, constitui um dado essencial deste
de crenças em que os elementos de origem cristã se misturaram
Génese e marginalização das comunidades de – mas também concorreram – com as crenças locais, partilhadas
estudo de caso.
Habitualmente, Amboino é considerada uma cidade de
origem portuguesa: O caso de Amboino tanto por segmentos sociais que permaneceram animistas como
por segmentos social e politicamente mais influentes e convertidos
fundação portuguesa. A sua captura pelos holandeses em 1605,
após a rendição do capitão Gaspar de Melo (1603-05), perpetuou
ao Islão.
a memória desse facto, que a historiografia gosta de recordar.
As estruturas sociais nativas desempenharam, pois, um papel
Menos lembrado é, contudo, o processo que conduziu à fundação
Manuel Lobato importante na Ásia do Sueste, onde as sociedades segmentárias
da cidade. O objectivo do presente estudo não é tanto o de
favoreceram a sobrevivência de pequenos grupos sociais com
descrever um processo que, com algumas lacunas de pormenor, é
Instituto de Investigação Científica Tropical personalidade própria. Podem, assim, multiplicar-se facilmente os
razoavelmente conhecido, mas o de explicar a fundação da cidade à
Portugal exemplos em que o gradual abandono da lusofonia não implicou
luz de um quadro regional complexo e persistente, cujos contornos,
perda de identidade social para grupos que ficaram cada vez mais
em termos de conflito político, étnico e religioso, continuam
isolados do contacto com as autoridades do Estado da Índia, à
presentes e a condicionar a história e o percurso dos habitantes
medida que estas foram sendo expulsas das suas cidades-fortaleza,
da cidade, da ilha e do arquipélago que os jornalistas designam por
como Ternate (1575), Amboino (1605), Tidore (1606), Solor (1613)
“Ambon”, empregando o termo que foi consagrado por holandeses
e Malaca (1641). Mesmo depois de se terem tornado grupos
e ingleses. Os historiadores, fiéis à forma usada nos séculos XVI e
minoritários nos seus centros urbanos de origem, sobreviveram como
XVII, chamam-lhe Amboino. A impropriedade no uso que hoje se faz

34 35
do termo inglês traduz, afinal, o desconhecimento da origem e da de um desfecho como aquele que se veio a verificar, haviam ilhas do mesmo grupo, algumas delas de muito maior dimensão, exceptuarmos Francisco Serrão, que, depois de ter sido resgatado
história da cidade, que foi, provavelmente, o mais importante dos começado a abandonar o arquipélago durante a descolonização. como Ceram, que a cinge pelo norte, Amboino deu o seu nome ao de um naufrágio, foi conduzido a Hitu, na costa norte de Amboino,
estabelecimentos portugueses no arquipélago indonésio. O seu destino preferido foi a Holanda, onde residem mais de 40 pequeno arquipélago. No contexto da navegação à vela de longo e daí a Ternate1, só em 1516 o primeiro navio capitaneado por um
mil expatriados provenientes das Molucas, bem como a África curso, apresenta um paralelismo evidente com Malaca ou Singapura, português, o embaixador Jorge Mesurado, enviado a Ternate pelo
do Sul, país onde o conhecimento da língua holandesa lhes deu, ao oferecer abrigo aos navios que percorriam a rota das especiarias capitão de Malaca, Jorge de Albuquerque, atingiria esta ilha. Entre
O regresso ao passado até à extinção do apartheid, vantagens sobre a generalidade dos entre Malaca ou os portos de Java e as Molucas do Norte. Quer na 1513 e 1515, os navios portugueses e luso-malaios despachados
habitantes de origem africana e asiática. ida, quer no regresso, os juncos javaneses e malaios invernavam no de Malaca para as Ilhas das Especiarias não foram além das ilhas de
Desde 1999, Amboino voltou a ser objecto de notícias na Não surpreende, pois, que, apesar de abafados, os problemas arquipélago de Amboino enquanto aguardavam pela alternância dos Banda e de Amboino, como é referido por Álvaro do Cocho, em carta
comunicação social a propósito do sangrento conflito que opõe políticos e sociais tenham eclodido de novo aos primeiros sinais ventos dominantes entre a chamada monção de sul, que começa a ao rei, enviada de Malaca após ter regressado de Banda, missiva em
cristãos e muçulmanos naquela que foi até recentemente a capital de derrocada do regime indonésio, depois de terem subsistido de soprar no mês de Junho, permitindo atingir as Molucas, e a monção que diz não ser ainda Maluco «descoberto de portugueses, somente
da província Indonésia de Maluco, agora dividida em duas províncias forma larvar ao longo de quatro décadas, período durante o qual a de noroeste, que sopra de Dezembro a Fevereiro e coincide com de Francisco Serrão que está lá»2.
(Propinsi Maluku e Maluku Utara). Já vai longe o tempo em que, após a situação se agravou devido ao apoio dado pelos poderes públicos à a estação húmida e pluviosa, o «inverno» das fontes portuguesas, Francisco Serrão era capitão da nau Sabaia, que naufragou na
descolonização das Índias Orientais Holandesas, Amboino se tornou, minoria muçulmana, nomeadamente através da conhecida migrasi, que permitia regressar a Java. Amboino passaria a representar o primeira viagem que os portugueses empreenderam às Molucas. Ele
com o apoio e a conivência da antiga potência colonial, na capital da a política indonésia de transferência massiva de populações. término da rota, na medida em que o cravo oriundo das Molucas e dez companheiros sobreviveram a um segundo naufrágio junto
efémera república das Molucas do Sul, cujos partidários (Republik A origem dos problemas políticos na ilha de Amboino, da qual a do Norte passou a ser ali conduzido em embarcações de remo de Nusa Pinju, também conhecida por ilha da Tartaruga, a que as
Maluku Selatan, RMS) continuam activos dentro e fora do país. A cidade tomou a designação, perde-se num passado muito longínquo, pelos habitantes de Ternate, Tidore e Makian, ilhas exportadoras de fontes portuguesas chamavam baixos de Lucupino ou Lucepinho, 25
experiência independentista durou pouco, tendo sido interrompida anterior mesmo à chegada dos portugueses, que foram os primeiros especiaria. léguas a oeste de Banda. Encontraram abrigo em Nusatelo, conjunto
brutalmente, em 1950, pela invasão do exército indonésio, de que europeus a visitar a região e a estabelecer-se nela. A situação que se de três ilhas a ocidente de Hitu, cujos habitantes imediatamente se
resultou a morte de milhares de patriotas, incluindo o presidente da vive hoje em Amboino, radica, porém, na política colonial adoptada aproveitaram militarmente dos náufragos portugueses no conflito que
jovem república, Chris Soumokil, capturado em 1956 e executado pelos holandeses, que, desde o século XVII, transformaram a ilha A islamização de Amboino segundo
dez anos mais tarde. Falhara a tentativa dos holandeses para dividir no mais importante bastião do seu domínio sobre a parte oriental as fontes portuguesas e locais
territorialmente a antiga colónia através da criação de um estado do arquipélago malaio e no segundo centro mercantil, militar e 1 Sobre Francisco Serrão veja-se Manuel Lobato, «A man in the shadow of Magellan.
tão dócil e permeável aos seus interesses quanto o novo governo administrativo logo a seguir a Batávia (hoje Jacarta), escolhida em Francisco Serrão, the First Portuguese in the Maluku Islands», comunicação apresentada
Os circunstâncias da navegação no arquipélago malaio e as
instalado em Jacarta se mostrava adverso. 1619 para capital das Índias Orientais holandesas. ao International Seminar Indonesia and Portugal: Past, Present and Future. In the
condições oferecida por Amboino fizeram com que os navios Commemoration of the 10 Years of the Reestablishment of Diplomatic Relations, Museu do
A repressão indonésia nas ilhas centrais de Maluku veio acentuar Com efeito, Amboino designa, antes de mais, uma pequena ilha, portugueses tenham demorado mais alguns anos a atingir as ilhas Oriente, Lisboa, 16 e 17 de Novembro de 2009.
o êxodo de cristãos e funcionários públicos comprometidos com a cuja importância deriva do seu excelente e abrigado ancoradouro no setentrionais das Molucas do que é habitualmente admitido. Se 2 Carta de Álvaro do Cocho ao rei D. Manuel, Malaca, 2 de Janeiro de 1516, IANTT, CC, Pte.
anterior administração colonial holandesa, os quais, na perspectiva interior da vasta e profunda baía de Leitimor. Rodeada por diversas III, maço 6, doc. 3, transcrita por L. F. Thomaz em «As cartas malaias de Abu Hayat (...)», cit.

36 37
os opunha aos vizinhos de Veranula3. Finalmente foram conduzidos seus corpos eram brancos e os seus olhos assemelhavam-se portugueses nesta ilha – foi o primeiro soberano a converter-se ao tratava de uma tradição fictícia, já que os «moluqueses» se haviam
a Hitu, na ilha de Amboino. aos dos gatos. Fizeram-lhes perguntas, mas eles não falavam a Islão em todo o arquipélago oriental, facto que terá ocorrido entre convertido ao islão antes dos próprios javaneses10. Referências
Safara Rijali, cronista e imame de Hitu4, registou no seu Hikayat língua da terra.»6 1465 e 1470. Ternate precedeu, pois, quer as ilhas de Banda, onde compiladas mais tarde pelos holandeses pretendem mesmo que
Tanah Hitu («Crónica da Terra de Hitu»), escrito cerca de 16465, o poder era exercido por um conselho representativo de diversas Hitu teria sido, na origem, uma colónia fundada por Tuban11, o que
esse acontecimento, tal como ficara gravado na memória dos seus Em Hitu, Serrão e os seus companheiros declararam, perante o comunidades aldeãs, que se terão convertido poucos anos depois, parece ser resultado de uma adição efectuada na segunda metade
habitantes e circulava entre eles por tradição oral: «conselho dos quatro» (empat perdana) e o seu porta-voz, Jamilu, a por volta de 1485, pelo menos a fazer fé no testemunho de Tomé do século XVI, durante a fase de conflito que opôs os hitueses
quem inicialmente tomaram por rei, que vinham de Portugal para fazer Pires, quer Hitu, cujas autoridades – um «conselho dos quatro» aos sultões de Ternate, inserindo na tradição local um registo
«Um dia as gentes de Nusatelo encontraram um barco cheio comércio. Na sequência deste primeiro contacto, os «omrrados» de (empat perdana)9 – eram já muçulmanas no início do século XVI, e fictício e revestindo-o da poderosa carga que possuem as lendas
de criaturas humanas, como eles nunca tinham visto antes. Os Amboino escreveram, em 1514, ao capitão de Malaca7. que assim terá sido a terceira formação política a adoptar o Islão. fundadoras, com o objectivo de retirar legitimidade ao domínio
A centralidade da ilha de Amboino, princípio e fim das monções As duas tradições que António Galvão, sendo capitão de Ternate ternatense, contrapondo­lhe a influência javanesa, na tentativa de
que regulavam a rota das especiarias indonésias, trouxe consigo (1536-39) recolheu nesta ilha, contêm versões contraditórias sobre apagar a de Ternate, que entretanto se tornara esmagadora devido
3 São de aceitar as informações de Gaspar Correia (Lendas da Índia, intr. e ver. de M. Lopes de a islamização precoce da ilha. Com efeito, Hitu, formação étnica e a introdução do Islão. De forma bastante evidente e não sem alguma à criação de uma rede de fortificações que cobria as principais ilhas
Almeida, II, Porto, Lello & Irmão, 1975, Cap. IX, p. 710) a este respeito, apesar de algumas política governada por um conselho de anciãos que agrupava mais ingenuidade, tentam conciliar a dupla influência javanesa e malaia do arquipélago de Amboino. Não obstante, a coexistência das duas
incorrecções e de propor uma cronologia inaceitável.
de trinta aldeias da costa norte de Amboino8, já se havia convertido que se fazia sentir nas Molucas. Contudo, subsiste a possibilidade tradições contraditórias mencionadas acima constitui um indício
4 Richard Chauvel, «Ambon’s Other Half: Some Preliminary Observations on Ambonese Society
and History», Review of Indonesian and Malayan Affairs, XIV, 1 (Jun. 1980), p. 43.
ao Islão quando os portugueses ali chegaram em 1512. Hitu terá sido de que tais tradições sejam parcialmente fictícias, correspondendo de que os mercadores de Malaca podem não ter desempenhado o
5 Z. J. Manusama (ed. e trad. hol.), Ridjali’s Hikayat Tanah Hitu: Historie en Sociale Structuur
a terceira formação política a converter-se ao Islão no arquipélago a uma tentativa tardia de conciliar aquelas duas influências. Assim, papel que frequentemente se lhes atribui na introdução do Islão nas
van Ambonse Eilanden in het Algemeen en Uli Hitu het Bijzonder tot het Midden de indonésio, tendo-o feito cerca de 1500, três décadas depois de a recomposição da memória colectiva, plasmada nas tradições
Zeventiende Eeuw, Dissertação de Doutoramento, Universidade de Leiden, 1977 (dactil.). A Ternate, cujo rei – de acordo com as tradições orais recolhidas pelos recolhidas pelos portugueses, não deverá ser anterior a finais
edição integral desta obra de Safara Ridjali, que Manusama, o seu editor, fez acompanhar
da respectiva tradução holandesa, mostra, segundo Jacobs (Documenta Malucensia (1542-
do século XV ou inícios do XVI. Do mesmo modo, semelhante 10 10 Hubert Th. Th. M. Jacobs SJ, A Treatise on the Molucas (c. 1544) Probably the Preliminary
1682), Edited and Annotated by Hubert Jacobs, I (1542-1577), Roma, 1974, p. XXXVI), que às tradições recolhidas em Ternate, também em Hitu, na ilha de Version of António Galvão’s lost Historia das Molucas, edited, annotated and translated into
6 Traduzido da versão inglesa de Paramita R. Abdurachman, «New Winds, New Faces, New English from the portuguese manuscript in the Archivo General de Indias, Seville, Roma e St.
a posterior versão oferecida por Valentyn (II b 1-14) se afasta bastante do original em língua
Forces», Prisma, 33, Set. 1984, p. 48.
Amboino, circulou na tradição oral a recordação de que o Islão teria
malaia (cf. Ch. Fraassen, «Historical Introduction», in Katrien Polman, The Central Moluccas. Louis, USA, Historical Institute, Sources and Studies for the History of the Jesuits, III 1971, p.
7 Carta de Jorge de Albuquerque ao rei, Malaca, 8 de Janeiro de 1515, in Artur Basílio de
sido ali introduzido pelos javaneses. Galvão, que recolheu essas 104. Não se nos afigura que a passagem em causa, em que Galvão discute a verosimilhan-
An Annotated Bibliography, KITLV, Bibliographical Series 12, Dordrecht/Cinnaminson, Forbis
Publications, 1983, p. 29. A obra de Ridjali foi publicada recentemente em edição anotada: Sá (ed.), Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente. tradições, acrescenta, neste passo, que teve o cuidado de indagar ça da narrativa oral por ele recolhida em Hitu, possa ser interpretada no sentido de que os
H. Stravers, Ch. Fraassen and J. Putten (eds.), Ridjali Historie van Hitu. Een Ambonse Insulíndia, I, Lisboa, AGU, 1954, p. 80. em Java sobre este assunto, recebendo como resposta que se ambonenses se reclamavam descendentes dos javaneses que Jacobs lhe atribui (Documenta
geschiedenis uit de zeventiende eeuw, Utrecht, Landelijk Steunpunt Educatie Molukkers, 8 O núcleo dessas aldeias era formado por dois pequenos centros urbanos — Hitulama Malucensia, I, cit., p. 173, nota 11).
2004, à qual infelizmente não tivemos acesso. Uma apreciação desta edição pode ler-se em e Hitumesing — que compunham Hitu propriamente dita (Cf. Hubert Jacobs SJ, «The 11 Cf. Meilink-Roelofsz, Asian Trade and European Influence in the Indonesian Archipelago
G. L. Koster, «Hikayat Tanah Hitu. A Rare Local Source of 16th and 17th Century Moluccan Portuguese town of Ambon, 1567-1605», Luís de Albuquerque & Inácio Guerreiro (eds.), II between 1500 and about 1630, Haia, Martinus Nijhoff, 1962, p. 160 e as fontes holandesas aí
History», Revista de Cultura de Macau, 28, 2008, pp. 132-142. Seminário Internacional de História Indo-portuguesa, IICT, Lisboa, 1985, p. 604). 9 Richard Chauvel, «Ambon’s Other Half», cit., p. 43. citadas.

38 39
Molucas. fossem muçulmanas desde o início do século XVI, as populações Ternate exerciam sobre o arquipélago de Amboino, que se traduziu emissários do sultão de Ternate. Conservou interesse estratégico
Seja como for, a introdução do Islão em Hitu dificilmente poderia a elas sujeitas permaneciam, um século depois, em grande parte no crescimento ao longo do século XVI da sua presença militar como escala quase obrigatória na rota de Maluco, na exploração
ter ocorrido antes de finais do século XV, quando as cidades animistas15. Essa era, aliás, a situação mais comum, pois, segundo e implantação territorial, remontava, segundo Ridjali17, a 1501, da qual os portugueses se limitaram a imitar as práticas marítimas
portuárias de Java, como Tubão, Japará ou Demá (Demak), diversos testemunhos, o mais citado dos quais é o de António quando o sultão Zainal Abidin18 teria celebrado com o Patih de Hitu dos marinheiros malaios e javaneses, os quais, desde uma época
adoptaram oficialmente o Islão, sendo, portanto, posterior à adopção Pigafetta, subsistia uma maioria animista no litoral e no interior das um acordo, ao abrigo do qual, ainda segundo o Hikayat Tanah Hitu, muito anterior, tomavam porto em Amboino, onde aguardavam pela
do Islão nas Molucas setentrionais. Não poderia ter ocorrido de outro ilha16, especialmente em Halmahera e em Ceram, ilhas de maiores Ternate passou a reivindicar uma certa a soberania sobre as ilhas monção que os levaria às ilhas do grupo setentrional. No regresso
modo, porquanto Hitu reconhecia uma certa autoridade ao rei de dimensões. Tal não traduz uma efectiva rejeição do islão, sendo antes de Buru, Ceram, Amboino, Lease e Banda. Esta situação é referida de Ternate a Malaca, tinham também forçosamente de invernar
Ternate. De resto, a própria tradição consagrava tal precedência das uma forma de preservar a identidade social e as prerrogativas ligadas por Tomé Pires ao afirmar, no final da descrição que faz de Amboino: três meses em Amboino, chegando alguns a invernar aí dois e
Molucas do Norte ao pretender, embora de forma incongruente, que à precedência da ocupação do solo por parte das comunidades «agora me paso a maluquo De cuia obidiemcia ambom hee»19. três anos20 nos diversos ancoradouros existentes nesta ilha. Este
os mercadores javaneses e malaios teriam chegado pela primeira do interior, muito comum na Ásia do Sueste. Esta divisão social estatuto de grande escala na rota interasiática das especiarias da
vez às Molucas do Norte sem terem aportado, no caminho, a Banda do espaço favoreceu claramente a conversão ao cristianismo de Insulíndia levou a que Amboino fosse mencionada desde tempos
e a Amboino: «primeiro se soube Maluquo que Bamda»12. segmentos sociais classificatoriamente considerados autóctones, O nascimento de uma comunidade muito recuados por autores árabes e javaneses21, fama de que os
Segundo o já citado Hikayat Tanah Hitu, este porto teria como aconteceu em regiões onde o cristianismo foi bem-sucedido, portuguesa em Amboino (1525) portugueses se fizeram eco e a que Tomé Pires alude, descrevendo
adoptado o Islão em fins do século XV, época em que outros caso das ilhas de Moro (Morotai e Morotia) e de certas zonas do o intenso tráfego de juncos22.
portos situados nas ilhas vizinhas de Hoamoal e Ceram também o arquipélago de Amboino. A ilha de Amboino foi demandada anualmente por navios Os transtornos, despesas e riscos inerentes a uma escala
fizeram13. Não restam pois dúvidas de que os membros das elites do Os casos de conversão ao cristianismo exprimem, não tanto enviados pelo capitão de Malaca antes mesmo de as próprias demorada fizeram com que embarcações carregadas com cravo
arquipélago de Amboino se contam entre os primeiros molucenses a rejeição do Islão, mas antes a recusa do modelo centralizador Molucas setentrionais terem sido visitadas, como foi dito. Quando, de Maluco afluíssem regularmente a Amboino e a Banda, onde
a abraçar o islão14. No entanto, ainda que as autoridades de Hitu protagonizado pelos sultões de Ternate, os quais instrumentalizaram a partir de 1516, tais navios começaram a dirigir-se às Molucas encontravam compradores oriundos de Java e de Malaca pouco
o islão com vista a apertarem o controlo sobre o mundo das Molucas, do Norte, Amboino não perdeu importância como porto onde dispostos a empreender essa derradeira e prolongada etapa da rota
facto evidenciado pelas contínuas mudanças de campo religioso por os portugueses podiam adquirir cravo e parlamentar com os das especiarias, preferindo ficar-se por aqueles arquipélagos, onde
12 Jacobs, A Treatise on the Molucas, cit., p. 82. Também Tomé Pires (A Suma Oriental de Tomé
Pires e o Livro de Francisco Rodrigues, ed. de Armando Cortesão, Coimbra, Imprensa da
parte de diversos agrupamentos populacionais.
Universidade, 1978, p. 331) alude a que o islão só chegara a Banda uns trinta anos antes, ou A soberania, embora um pouco vaga, que os sultões de
seja, cerca de 1485. 17 17 Ver supra nota 5. 20 Relação dos feitos (...) que Sancho de Vasconcelos, Cap. 11.º, Sá (ed.), Documentação, cit.,
13 Ch. F. van Fraassen, «Historical Introduction», cit., p. 2. 18 18 Zainal Abidin, também conhecido por Tidori Bongui, era pai do sultão Bayan Sirrulah — IV, pp. 195-196.

14 Cf. Gerrit J. Knaap, «Some Observations on a Thriving Dancing-Party: The Cultivation of 15 Paramita R. Abdurachman, «‘Niachile Pokaraga’. A sad Story of a Moluccan Queen», Modern também chamado Abu Lais —, que lhe sucedeu no trono. Cf. P. Abdurachman, «‘Niachile 21 O Nagara-Kertagama, crónica javanesa redigida cerca de 1365, menciona Amboino, bem
and the Competition for Cloves in Sixteenth and Seventeenth Century Ambon», Sartono Asian Studies, 22, 3 (1988), p. 575. Pokaraga’», cit., p. 574. como Hoamoal e Ceram, entre os potentados que reconheciam o primado político de
Kartodirdjo (ed.), Papers of the Fourth Indonesian-Dutch History Conference, I, Gadjah Mada 16 Antonio Pigafetta, Primer viaje alrededor del mundo, Leoncio Cabrero Fernández (ed.), 19 A Suma Oriental, cit., p. 338. Majapahit. Cf. Ch. F. van Fraassen, «Historical Introduction», cit., p. 2.
University Press, 1986, p. 79. Madrid, Historia 16, 1985, p. 147. 22 A Suma Oriental, cit., p. 338.

40 41
podiam adquirir maça e noz-moscada produzidos em Banda e cravo Covas»23, no qual dez galeões se podiam acolher lado a lado junto da Os Portugueses em Amboino armada javanesa26. O poderio militar português conduziu a uma
produzido nas ilhas situadas mais a Norte. O facto de a grande safra terra firme, fazendo-se o acesso aos navios através de passadiços presença com carácter de estabelecimento permanente, cujo
do cravo apenas ocorrer de dois em dois ou de três em três anos sem necessidade de se recorrer a escaleres. Gonçalo de Freitas, (1525-1562) estatuto jurídico sofreu uma trajectória bastante invulgar no contexto
desencorajava também a frequência anual das Molucas setentrionais. filho do capitão de Maluco, Jordão de Freitas, teria erguido aqui, em das possessões portuguesas no Oriente. Jordão de Freitas, capitão
Possivelmente, só os maiores armadores e mercadores, que 1544, um forte de madeira 24. Os seus habitantes eram animistas e A geopolítica do pequeno arquipélago de Amboino nesta época de Maluco (1544-46), obteve do sultão Tabarija (1533-35) de Ternate
adquiriam grandes quantidades de cravo, achariam compensador não mouros, como os de Hitu, motivo adicional para o lugar recolher não era particularmente complexa. Apesar da proximidade de a doação da ilha para dela usufruir a título pessoal, à semelhança
demandar as ilhas onde ele era produzido, como acontecia com a a preferência dos portugueses, cuja presença durante as longas Ceram, ilha de dimensões consideráveis, as principais comunidades das capitanias atlânticas. Tal doação foi confirmada, em 1543, por
nau do trato de Maluco, que ali era anualmente enviada a partir de invernadas deu origem a uma descendência mestiça, já que «se residiam nos portos situados na extremidade ocidental desta ilha, carta régia de D. João III. A passagem da Relação Vasconcelos
Goa ou de Malaca. cazavão com as mulheres naturais»25, de etnia Hatiwi, previamente designada nas fontes por Veranula (Varenula e outras grafias) e que reproduz os pontos de vista do sultão Hairun (1536-45 e
Em Amboino, os juncos javaneses e malaios não frequentavam baptizadas. Sendo o porto escolhido para ancoradouro sazonal da actualmente denominada península de Hoamoal, onde se localizavam 1546-70), sucessor de Tabarija, sobre este assunto, é deveras
apenas um único porto. Inicialmente, os navios portugueses nau — depois galeão — da carreira de Maluco, ali nasceria a futura Lacide (hoje Lesidi) e Cabelo (Kambelo); os portos mais importantes confusa e não ajuda a esclarecê-lo27. Os herdeiros de Jordão de
demandaram Hitu, porto desabrigado situado na bravia costa fortaleza de Amboino, embrião da cidade portuguesa e origem encontravam-se na própria ilha de Amboino, caso de Hitu, o Freitas não conseguiram, no entanto, obter da Coroa a confirmação
setentrional de Amboino. Em 1525 já aqui existia uma pequena daquela que hoje é a capital da província indonésia de Maluku. principal, e de Hatiwi; as demais povoações de alguma relevância da doação da ilha. Em 1574, o seu filho mais velho, Gonçalo de
comunidade portuguesa. Algum tempo volvido sobre os primeiros estavam dispersas pelas pequenas ilhas vizinhas, caso de Oma, na Freitas, continuava a insistir nesse sentido junto do rei português28,
contactos, os próprios nativos de Hitu conduziram os navios ilha de Haruku, por vezes designada nas fontes por Lease ou Liasse desencadeando um processo forense que se arrastaria ainda por
portugueses a uma enseada muito abrigada dos ventos no interior (Uliaser), e de Soreçore (Sirisore), em Saparua. Um aspecto saliente largos anos.
23 Cava, segundo Diogo do Couto, para quem esta designação abrange toda a baía (cf. Diogo
da baía que rasga a ilha de Amboino em duas penínsulas, Leitimor consiste em que, apesar das ilhas delimitarem um mar interior e Desde 1557, porém, os muçulmanos de Amboino, apoiados pelo
do Couto e a Década 8ª da Ásia, Edição Crítica e Comentada por M. Augusta Lima Cruz, I,
e Hitu. Esse surgidouro situava-se entre as povoações de Tavire Lisboa, CNCDP / INCM, 1993, Liv. IV, Cap. III, p. 336), embora a inspecção que fizemos ao abrigado ao longo da costa sul de Ceram, nenhum destes portos está sultão Hairun de Ternate e por javaneses de Japará, começaram
e Hatiwi, ao qual os portugueses deram o nome de Cova, ou «as local, em 1996, nos tenha permitido observar que as condições de ancoragem em grande situado à vista dos outros, não se podendo navegar em linha recta a combater a crescente influência cristã. A ofensiva de Hitu e de
parte da sua extensão não correspondem à descrição de um ancoradouro profundo e
entre eles, havendo sempre que contornar algum cabo ou porção
seguro, que se encontram apenas na zona do actual cais de acostagem que serve Ambon.
Schurhammer, porém, considera que o ancoradouro utilizado pelos portugueses se localizava
de costa. As suas posições relativas foram, pois, determinadas,
na parte mais interior da baía, separada da parte exterior por um estreito, no qual se situava desde uma época muito remota, por necessidades de defesa e de 26 Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da India pelos
a povoação de Hukunalo (apud Jacobs, Documenta Malucensia, I, p. 157, n. 1), localização delimitação de uma área de influência, em que as atalaias jogaram Portugueses, ed. M. Lopes de Almeida, I, 1979, liv. VIII, p. 200; Jacobs, A Treatise on the
esta que não se nos afigura exacta, preferindo aquela que o padre Jacobs estabeleceu, como Moluccas (...), cit., p. 304; idem, Documenta Malucensia, I, pp. 14* («General Introduction») e
ele diz, «on the N shore of the bay» (Jacobs, Documenta Malucensia, I, p. 350, nota 18).
um papel decisivo na detecção de eventuais armadas atacantes. 173, nota 11.
24 24 Jacobs, Documenta Malucensia, I, p. 157, n. 1.
Nos primeiros tempos, os adversários dos portugueses em 27 27 Cf. Relação dos feitos (...) que Sancho de Vasconcelos, Cap. 7.º, Sá (ed.), Documentação,
25 Relação dos feitos (...) que Sancho de Vasconcelos, Cap. 11.º, Sá (ed.), Documentação, cit.,
Amboino eram os estrangeiros que ali operavam, como se depreende cit., IV, p. 183.
IV, pp. 195-196. da derrota que Diogo Lopes de Azevedo infligiu, em 1538, a uma 28 Petição de Gonçalo de Freitas, 18 de Junho de 1574, BM, Add., 21526, fls. 72-74v.

42 43
Ternate na região intensificou-se, ficando marcada por perseguições através de Ternate e de outros lugares. A política do sultão Hairun Ternate, tendo apenas os habitantes de Hatiwi e de apenas dois o vice-rei projectara para aquele lugar37. O sultão Hairun não foi,
e ataques a missionários e às comunidades cristãs, as quais foram contemplava a perseguição sistemática de todos os nativos, cristãos outros lugares, como Kilang e Oma, permanecido cristãos33. Manuel, evidentemente, alheio à feroz oposição que os mouros de Amboino
igualmente pressionadas a revoltarem-se29. Dispersas pelas ilhas de ou não, que recusassem o Islão e, com ele, a sua autoridade. Hairun o Ative, que, quando jovem, servira de intérprete a Francisco Xavier ofereceram à construção da fortaleza. É provável que, ao enviar Pais
Lease, Ceram e Buru, além de Amboino, tais comunidades cristãs estava determinado a acabar com os apoiantes dos portugueses durante a estadia deste em Amboino, em 154634, foi o chefe a Amboino, a intensão da coroa fosse a de criar aqui uma nova
totalizavam, em 1565, de acordo com os números dos jesuítas, em Amboino, os quais desafiavam a sua autoridade. Para tal, Liliato carismático que conduziu a resistência nesses anos. capitania nesta ilha, já que, em Março de 1562, ou seja, menos
cerca de 70 mil conversos30. fez algumas cedências e procurou atrair os líderes das comunidades Com o objectivo de repor a hegemonia portuguesa, partiu de de um ano antes da sua chegada a Amboino, um novo capitão de
Não é talvez exagerado ver nas comunidades que se opunham ribeirinhas que se situavam na esfera de influência de Hatiwi através Goa, em Setembro de 1562, uma armada composta por apenas Maluco, Henrique de Sá, iniciara o seu triénio na fortaleza Ternate38.
à hegemonia alcançada por Hitu uma natural receptividade ao de uma hábil política de casamentos com membros da sua própria dois pequenos navios, cujo comando foi entregue pelo vice- Enquanto esteve activo, António Pais procurou levar todas as
cristianismo, já que os portugueses pareciam um aliado de peso família32 . rei conde do Redondo, D. Francisco Coutinho, a António Pais. povoações «que se governavaõ como Cidades livres, cada hum por
capaz de cercear as pretensões dos muçulmanos, apoiados pelo Chegado a Amboino em Fevereiro seguinte, Pais foi confrontado, seu Regedor & não reconheciaõ Principe natural, a quem rendessem
sultão de Ternate. As conversões estenderam-se às ilhas vizinhas na tranqueira que os portugueses haviam erguido em Hitu, com vassallagem»39, ou seja, as que se opunham aos muçulmanos de
de Amboino, como Haruku, cujos habitantes, pelo menos em dado A fortaleza de Nossa Senhora ataques contínuos dos mouros da terra e das aldeias vizinhas. Em Hitu e ao sultão de Ternate, a reunirem uma armada conjunta de cem
momento, aceitaram fazer-se cristãos, embora os habitantes de da Anunciada em Amboino e o seu Fevereiro de 1564 havia já falecido de doença35, não sem antes velas, entre juncos, coracoras e paraus, sob comando português,
Hatuhaha, na costa setentrional desta ilha, tivessem acabado por se ter rendido à evidência de que não dispunha de poderio militar com a qual tencionava controlar o arquipélago. Sabedor das suas
apostatar, sendo apelidados pelo tempo fora de «arrenegados». núcleo urbano suficiente para construir a nova fortaleza de pedra de que o vice- intenções, o sultão de Ternate antecipou-se, enviando um grande
Entre 1558 e 1578, o representante em Amboino do sultão Hairun rei o tinha encarregado de construir em Roçanive. Esta povoação número de embarcações para contrariar a formação de tal força.
de Ternate foi Liliato, ou Leliato31, que dispunha de meios militares As origens do estabelecimento português em Amboino são de quatro mil habitantes, situada à entrada da baía de Amboino, Nesta emergência, o papel desempenhado pelo capitão de Ternate,
consideráveis, compostos pelos seus apoiantes no arquipélago bastante obscuras. A fortaleza de Amboino conheceu um início foi então protegida por muros em taipa, obra dirigida pelo jesuíta Henrique de Sá, que não queria desagradar ao sultão, foi bastante
e por aqueles que o sultão punha à sua disposição, canalizados deveras difícil, acabando por tornar-se, na década de 1590, num Diogo de Magalhães36, que ficava, porém, muito aquém daquela que ambíguo.
entreposto com algum sucesso, habitado por um rico e influente
grupo de casados que governava sobre uma verdadeira cidade luso-
29 Meilink-Roelofsz, Asian Trade and European Influence in the Indonesian Archipelago, cit., p. asiática, dotada das necessárias instituições municipais, aspectos 33 33 Id., ibid. 37 Carta del-rei D. Sebastião ao vice rei D. Antão de Noronha, Almeirim, 14 de Março de 1565,
160; H. Jacobs, «The Portuguese town of Ambon», cit., p. 612. que seguidamente tratamos com maior detalhe. 34 Jacobs, Documenta Malucensia, I, pp. 310-311. 35 Id., ibid., «General Introduction», pp. 32*- Sá (ed.), Documentação, cit., III, p. 128.
30 Carta do irmão Manuel Gomes aos seus confrades, Maluco, 27 de Maio de 1565, Sá (ed.), As guerras de 1561-62 levaram numerosas pequenas 33* e 60*. 36 Carta do padre Baltazar de Araújo aos seus confrades, Maluco, 24 de Fevereiro 38 Manuel Teixeira, The Portuguese Missions in Malacca and Singapore (1511-1958), I, Lisboa,
de 1563, Sá (ed.),
Documentação, cit., III, p. 140. comunidades a apostatar perante o poderio das armadas de 1961 [reed., Macau, Instituto Cultural de Macau, 1987], p. 467.
31 Os textos portugueses, tal como alguns relatos tardios recolhidos pelos holandeses, 35 Id., ibid., «General Introduction», pp. 32*-33* e 60*. 39 Francisco de Sousa, Oriente Conquistado a Jesus Christo pelos padres da Companhia de
denominam-no Laulata (cf. Jacobs, Documenta Malucensia, I, pp. 346-347, nota 5). 32 36 Carta do padre Baltazar de Araújo aos seus confrades, Maluco, 24 de Fevereiro de 1563, Sá Jesus da Provincia de Goa, introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, Porto, Lello &
Jacobs, Documenta Malucensia, I, p. 347. 32 Jacobs, Documenta Malucensia, I, p. 347. (ed.),Documentação, cit., III, p. 34. Irmão, 1978, III, D. I, pp. 1049-1050.

44 45
No ano seguinte, em 1564, a nova fortaleza portuguesa na ilha mercantes Portuguezes, que navegavaõ para a India, carregadas de Mandovi em Abril de 1566, ia incumbido de, pelo caminho, acudir a Propôs em alternativa que a nova fortaleza fosse erguida em Hitu,
de Amboino era dada por acabada. Situada em Hatiwi, era uma cravo, & bem fornecidas de armas, & gente»44, as quais ali deviam Malaca na eventualidade de esta cidade ser cercada pelo Achém, pois, apesar de os hitueses serem hostis aos portugueses, desde
fortificação toda cercada em madeira40. Ali existia já um considerável invernar quatro meses esperando os ventos para regressarem a assim como deveria, uma vez chegado a Maluco, prender o sultão que haviam logrado expulsá-los das suas praias, haviam também
núcleo de cristãos e de mestiços luso-ambonenses. Na margem Malaca. Os mercadores, porém, recusaram-se a prestar auxílio aos de Ternate. Estava ainda encarregado de repor o controlo português tentado sacudir a influência de Ternate, sendo agora tratados como
oposta da baía, em Nusanive, os jesuítas trabalhavam com outro sitiados de Hatiwi, pois, na expressão de Francisco de Sousa, «Naõ sobre o arquipélago de Amboino, pondo termo às perseguições de rebeldes pelo sultão. Marramaque rejeitou as propostas de Hairun, o
grupo de cristãos41. Uma igreja igualmente de madeira ricamente estavaõ os Chatins para essas bizarrias»45. Entregues a si mesmos, que os cristãos locais eram vítimas e também impedir o comércio qual, por sua vez, recusou prestar qualquer auxílio aos portugueses49.
trabalhada foi erguida em Hatiwi, em Novembro de 1563, medindo os defensores viram-se obrigados a abandonar aquela posição. de cravo que os javaneses ali faziam. Para dar cumprimento a estes Segundo Francisco de Sousa, no cabo destas difíceis e infrutuosas
doze por oito braças42. O isolamento político de Hatiwi relativamente Ao contrário das fontes portuguesas, o Hikayat Tanah Hitu liga objectivos, uma fortaleza deveria ser erguida em Amboino, escala negociações, o capitão-mor teria tentado capturar o sultão, o qual,
a Hitu é afirmado de forma talvez exagerada mas expressiva: estes desenvolvimentos, ocorridos em 1565, ao estreitamento das estratégica dos galeões do cravo das Molucas. prevenido, se refugiou juntamente com a família real50.
«peleyavão com todo o Anboino e tres meses teverão o lugar de relações entre o sultanato de Ternate, Hitu e o porto javanês de Desviada para combater os castelhanos da armada de Miguel De qualquer modo, a despeito dos diferentes locais que se
serquo, e isto porque se não queriam fazer mouros»43. Grisek, atribuindo também aos javaneses a responsabilidade pelo Lopes de Legazpi, estabelecido em Cebu, só em finais de 1567 apresentavam como alternativa viável, a fortaleza que Gonçalo
Os motivos religiosos desta contenda parecem óbvios aos ataque desferido contra o estabelecimento mercantil e missionário Marramaque chegaria a Amboino militarmente bastante desgastado48. Pereira Marramaque queria erguer em Amboino deveria situar-se em
observadores europeus. Por detrás dela estava, contudo, a velha português em Solor, que levou os dominicanos ali residentes a Decidiu de imediato dar corpo ao projecto de construção de uma Hitu, em cumprimento das instruções que recebera em Goa e de
rivalidade entre Ulilima e Ulisiwa, transmutada em questão religiosa construírem nesta ilha uma nova fortaleza de pedra e cal46. «fortaleza de pedra e cal» em Amboino, que deveria substituir acordo com as promessas feitas por Jamilu, «governador» de Hitu51,
desde que o islão ganhara os nativos de Hitu, o que levou os seus O agravamento do conflito em Amboino gerou algum alarmismo o forte de madeira ali existente, o qual se revelara pouco eficaz e não no porto chamado «as Covas», onde a armada ancorou e onde
adversários de Hatiwi a rejeitarem-no e, depois, a abraçarem o em Goa e em Lisboa47, levando o vice-rei a decidir-se por uma e nada prestigiante. A campanha que Marramaque levou a cabo habitualmente aportavam os navios da carreira de Maluco, como
cristianismo que os portugueses, após o seu estabelecimento na intervenção em maior escala. Com o objectivo de solucionar o em Amboino visou, num primeiro tempo, reduzir à obediência as se disse52. Jamilu, contudo, recuou no que havia acordado sobre a
ilha, activamente promoviam. problema de Amboino, que na óptica do vice-rei era apenas parte da povoações de Veranula, Lacide e Cabelo, que andavam revoltadas construção da fortaleza, esperançado em que uma armada da rainha
Apenas concluída, a fortaleza portuguesa foi assediada por uma questão mais abrangente suscitada pela falta de lealdade do sultão contra a presença portuguesa. Contudo, o sultão Hairun mostrou-
força muçulmana imediatamente após a morte de Francisco Pais, de Ternate para com os portugueses, uma armada foi enviada de se desfavorável a que os portugueses se estabelecessem nestas 49 Relação dos feitos (...) que Sancho de Vasconcelos, cap. 7.º, Sá (ed.), Documentação, cit., IV,
seu capitão. Durante o cerco aportaram a Roçanive três naus «de Goa sob o comando de Gonçalo Pereira Marramaque. Partido do povoações, que havia muito lhe obedeciam e cuja autoridade, pp. 183-184.
alegava ele, a coroa portuguesa havia expressamente reconhecido. 50 Francisco de Sousa, Oriente Conquistado, cit., III, D. I, p. 1065.
51 O nome deste porta-voz do conselho que governava Hitu aparece grafado de diferentes
40 Carta do padre Manuel Gomes para os jesuítas na Índia, Ative, 15 de Abril de 1564, Jacobs, 44 Francisco de Sousa, Oriente Conquistado, cit., III, D. I, p. 1050.
formas, como Genulio ou Jemillo, todas elas aproximações da forma Jamilu, que também
Documenta Malucensia, I, cit., p. 442. 45 Idem, ibid.
48 Sobre a problemática que rodeou a intervenção de Marramaque e da sua armada nas partes ocorre em textos portugueses e foi registada pelo enciclopedista holandês Valentjn (Djamiloe).
41 Id., ibid. 46 P. R. Abdurachman, «Atakiwan, Casados and Tupassi», cit., p. 98. Cf. Jacobs, Documenta Malucensia, I, p. 461, nota 3.
do sul, veja-se o estudo de Maria Augusta Lima Cruz, «A viagem de Gonçalo Pereira Mar-
42 Jacobs, Documenta Malucensia, I, cit., p. 446. 47 Carta del-rei D. Sebastião ao vice rei D. Antão de Noronha, Almeirim, 14 de Março de 1565, ramaque do Minho às Molucas ou os itinerários da fidalguia portuguesa no Oriente», Stvdia, 52 Cf. António Pinto Pereira, Historia da India no tempo em que a governou o visorey dom Luis
43 Jacobs, Documenta Malucensia, I, cit., p. 310. Sá (ed.), Documentação, cit., III, p. 128. 49 (1989), pp. 315-340. de Ataide, Introdução de Manuel Marques Duarte, INCM, 1987, Liv. I, Cap. XXXI, p. 142.

46 47
de Japará, «a quem tinha dado obediencia», o viesse tirar daquele recurso ao trabalho de toda a cristandade de Amboino e uma «grande notavel»58. Com efeito, crescia entre os portugueses de Amboino «a qual fortaleza em tempo atras era muito fraca e soo parte dela
apuro. Atacou mesmo um embaixador português que Lopo de multidão de infieis pela conveniencia da paz»56. Era, contudo, um o número daqueles que defendiam o abandono do arquipélago. em pedra e barro, que caia com a chuva e se podia com hum salto
Noronha, capitão da nau da carreira de Maluco, lhe enviara. Porém, forte de madeira que não correspondia às necessidades de defesa O seu capitão-mor era agora João da Silva Pereira, sobrinho do deçer do muro abaixo»61.
o capitão Mem (ou Mendes) de Ornelas, comandando os galeões do vulnerável estabelecimento português em Amboino. capitão de Malaca, D. Leónis Pereira, o qual, por ver que a Índia Sancho de Vasconcelos desempenhou um papel da maior
de Marramaque, destroçou a armada de remo vinda de Japará, A missão de pôr em prática a política do sultão de Ternate para não socorria Maluco, o despediu num galeão pela rota mais curta importância na preservação e no crescimento do entreposto
queimando-lhe dois juncos e diversas embarcações menores53. o arquipélago de Amboino foi entregue a Rubohongi, «general» e de Bornéu. Contra o abandono de Amboino se levantou Sancho de português em Amboino. Trata-se de um caso ímpar de longevidade
Os defensores de Hitu, carregando as suas riquezas, acolheram- seu parente, o qual, sucedeu a Liliatu nessa tarefa. Contrariou com Vasconcelos, o qual convenceu uma parte dos portugueses a mudar à frente de uma fortaleza do Estado Índia, já que foi capitão de
se então a um ponto alto no interior montanhoso da ilha, «serra sucesso diverso a influência portuguesa, especialmente desde que a fortaleza das praias de Hitu para o lugar da Cova, no interior da Amboino de 1573 a 1591. Infelizmente, sabemos pouco sobre o
inaccessível aos Europeos», sempre perseguidos pelos portugueses, se dissipou o poderio da armada de Gonçalo Pereira Marramaque, baía59. Como o forte de madeira, além de velho e podre, se situava seu percurso anterior ao desempenho deste importante cargo, que
que acabaram por levar a melhor, entrando e saqueando a povoação falecido em 1572. Rubohongi dispôs de apoios vários, especialmente na proximidade de duas elevações que lhe serviam de padrasto, ficaria extensamente registado na anónima Relação dos feitos que
de Atutili e cortando os palmares ali existentes. Tanto Jamilu como por parte dos governantes de Hitu, como Jamilu, e dos javaneses de não valia a pena reconstruí-lo de pedra e cal no mesmo local. Com ostenta o seu nome, verdadeira crónica das guerras de Amboino62.
o «caciz mor» foram mortos e a nova e «grandiosa» mesquita foi Japará e de Tubão57. esses argumentos, Vasconcelos convenceu também as diversos Vasconcelos chegou à região como um dos capitães da armada
queimada. Avassalado Hitu, ao qual toda a ilha obedecia, Amboino Com a morte de Gonçalo Pereira Marramaque, ocorrida logo grupos étnicos de Amboino a ajudá­lo na tarefa de construção do de Gonçalo Pereira Marramaque. Figura entre os portugueses que,
ficou inteiramente submetida aos portugueses. Deu-se então início depois de uma importante derrota naval sofrida pelos portugueses, novo forte no qual viam uma oportunidade de combaterem Hitu em Cebu, tomaram parte nas negociações com Miguel López de
à construção da fortaleza, rapidamente erguida entre Maio e Julho seguiu-se o levantamento de grande número de povoações mais eficazmente. O local escolhido era uma «chã muito grande», Legazpi e assinaram acordos firmados entre as partes portuguesa
de 1569, conforme o padre Pero de Mascarenhas atesta 54 e o anteriormente por ele avassaladas. Vinte anos mais tarde, o padre situada do lado de Roçanive, tendo as obras sido dirigidas por um
embaixador espanhol em Lisboa, D. Juan de Borja, confirma55, com João Rebelo, registando os motivos que os próprios nativos mestre canarim, ficando a «trasa» a cargo do próprio Sancho de
davam da sua apostasia, afirma que esta fora causada «por verem Vasconcelos60. A fortaleza que Sancho de Vasconcelos assim ergueu
apodrecer os paos da fortaleza e não verem depois disso coisa na praia de Hatiwi, baptizada de Nossa Senhora da Anunciada,
53 Carta do padre Pero Mascarenhas SJ aos confrades em Portugal, Ternate, 3 de Agosto de enfermava de inúmeras insuficiências. O jesuíta João Rebelo dizia:
1569, Sá (ed.), Documentação, cit., VI, p. 315.
54 Carta do padre Pero Mascarenhas aos confrades em Portugal, Ternate, 3 de Agosto de 1569, 61 Parecer do padre João Rebelo sobre o abandono pelos jesuítas da missão de Maluco,
Sá (ed.), Documentação, cit., VI, pp. 316-317. Amboino, 27 de Abril de 1593, Sá (ed.), Documentação, cit., VI, p. 389.
58 Parecer do padre João Rebelo sobre o abandono pelos jesuítas da missão de Maluco,
55 Carta do embaixador em Lisboa, D. Juan de Borja, a Filipe II, Sintra, 5 de Agosto de 1570, 62 «A capitania de Amboino», obra de autor anónimo, também conhecida por «Historia de Malu-
56 Francisco de Sousa, Oriente Conquistado, cit., III, D. I, pp. 1066-1067. Amboino, 27 de Abril de 1593, Sá (ed.), Documentação, cit., VI, p. 389.
AGI, Patr. 46, R. 8. Nesta missiva, Borja afirma que Gonçalo Pereira «hizo una fortaleza en un co no tempo de Gonçalo Pereira Marramaque e Sancho de Vasconcellos» e por «Relação dos
lugar que se llama ambueno por parezerle convenir mucho al servjº delRey de portugal por 57 Sobre a frequência da ilha de Amboino por armadas de Tubão, veja-se o relato da batalha na- 59 Veja-se o relato em Diogo do Couto, Década Nona, Lisboa, Regia Officina Typografica, 1786, Feitos eroicos em Armas que Sancho de Vasconselos fez nas partes de Amboino e Maluco,
ser la llave y canal de maluco, començola a los Veinte y tantos de mayo del año de sesenta y val travada entre portugueses e juncos oriundos desse porto javanês, ocorrida cerca de 1578 Liv., Caps. IX e X, pp. 42-48. sendo capitão em ellas vinte annos pouco mais ou menos…», in Artur Basílio de Sá (org.),
nueue y para los Veinte de Julio del dicho Año estaua en defensa con quatro baluartes, hizose (Relação dos feitos (...) que Sancho de Vasconcelos, Cap. 70.º, Sá (ed.), Documentação, cit., 60 Relação dos feitos (...) que Sancho de Vasconcelos, Sá (ed.), Documentação, cit., IV, Cap. Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente. Insulíndia, IV,
con tanta priesa por ser mucha la gente de la isla que tabajaua en ella». IV, pp. 376-378). 37.º, pp. 285-287. Lisboa, AGU, 1956, doc. 37, pp. 164-454.

48 49
e espanhola63. Em 1591, Sancho de Vasconcelos foi rendido por Amboino holandês catolicismo pela acção de missionários franceses — em número vezes precário, entre a concentração humana e o meio ambiente.
António Pereira Pinto, primeiro capitão de Amboino nomeado pela muito inferior ao da multidão de muçulmanos da própria ilha e das No século XIX, nas cidades onde a arborização cedeu lugar aos
coroa, o qual trouxe consigo de Goa pedreiros e outros oficiais para ilhas vizinhas que, desde a introdução do Islão em fins do século XV, espaços pavimentados, a atmosfera tornou-se demasiado quente
Ao conquistarem Amboino aos portugueses, em 1605, os
as obras da fortaleza que, ao cabo de dois anos, oferecia maior nunca cessou de crescer a expensas da população animista. e insalubre, obrigando ao seu abandono. Sem constituir excepção,
holandeses depararam-se com uma cidade povoada quase
garantia de resistir aos ataques das gentes de Ito64. A variante ambonense da língua malaia contém ainda um maior também em Amboino, rodeando o pequeno burgo luso-asiático
exclusivamente por cristãos naturais, na sua maioria mestiços
Além da fortaleza, existiam outras fortificações periféricas, número de palavras de origem portuguesa do que o malaio falado situado intra-muros, existia um subúrbio densamente povoado, que,
e conversos, parcialmente europeizados nos modos de vida e
nomeadamente alguns baluartes de terra batida construídos pelos na Indonésia (Bahasa Indonesia), o que se deve ao facto de o crioulo aos olhos dos observadores europeus, se apresentava como um
no uso da língua crioula de origem portuguesa. Havia algumas
jesuítas em torno da sua residência, cujo jardim era igualmente português ter sido a língua oficial em Amboino até ao século XVIII. conjunto de aldeias.
décadas já que estes cristãos vinham sendo o sustentáculo militar
rodeado por um muro de pedra. Ao todo, existiam quatro igrejas em Devido à presença de grupos de diferentes origens étnicas, a Como se disse, Amboino foi fundada, de facto, por 1576, ou
e mercantil dos portugueses na região. Os holandeses souberam
Amboino: a igreja da fortaleza, da invocação de S. Paulo, era a mais cidade possui um tecido urbano heterogéneo, compartimentado em seja, um ano após a expulsão dos portugueses da cidade e fortaleza
tirar partido deles, recrutando entre os cristãos os colaboradores de
antiga; a igreja dos irmãos da Misericórdia, que funcionava anexa bairros que correspondem aos kampong existentes por toda a Ásia de Ternate. Por essa razão, um grande número de cristãos luso-
que necessitavam para a exploração mercantil e o relacionamento
ao hospital da mesma irmandade; a igreja de Santiago dos jesuítas, do Sueste, por vezes referidos com o sentido de aldeias pelas fontes molucenses de Ternate veio fixar-se na nova fortaleza. Embora
diplomático com as autoridades tradicionais das inúmeras ilhas
anexa à sua residência; por fim a igreja de São Tomé, também portuguesas e jesuítas. fossem considerados estrangeiros pelos habitantes da ilha de
vizinhas. Estes «homens livres» (malaio, mardika) serviam pois
pertença dos jesuítas. Pouco se sabe sobre a arquitectura de cada Aqui tocamos num aspecto essencial. Apenas alguns grupos Amboino, mesmo por aqueles que já haviam recebido o baptismo,
como intermediários entre os colonizadores e as populações,
uma destas igrejas, provavelmente construídas segundo a tradição socialmente mais importantes viviam dentro dos muros da cidade, estes grupos luso-asiáticos — designados por mardika —
desempenhando funções de intérprete, agentes diplomáticos e
local, sem recurso à pedra nem ao tijolo, como era o caso da igreja em redor dos quais se distribuíam várias destas aldeias ou kampong. acabaram por constituir o grupo socialmente dominante, sendo os
comerciais, soldados e marinheiros.
de Santiago, que, segundo uma descrição holandesa, era toda em Ora a tradição urbana na Ásia do sueste, apesar das influências antepassados dos actuais cristãos de “Ambon”. Este facto levou ao
A continuação sob o domínio holandês levou-os a trocarem o
madeira. recebidas do urbanismo indiano e chinês, afasta-se deles e do desenvolvimento da tese de que os mardika seriam antigos escravos
catolicismo recente pelo protestantismo reformado dos holandeses.
urbanismo mediterrânico. À semelhança do aconteceu nalgumas do sultão de Ternate, que os missionários jesuítas teriam alforriado
O advento do moderno colonialismo, em finais do século XIX,
cidades da Europa medieval, também no mundo malaio não existia e trazido para Amboino65. Embora possa haver um fundo factual
trouxe-lhes a oportunidade de ocuparem os quadros subalternos
uma separação paisagística entre áreas urbanas e rurais. Os nestas conjecturas, quer-nos parecer que tais interpretações tomam
do aparelho administrativo colonial, enquanto a reputação de
próprios palácios reais e os complexos de templos e mesquitas que demasiado literalmente a suposta origem dos estratos superiores da
colaboracionistas lhes valia a animosidade por parte da população
63 Cf. a «Notificação», cuja tradução inglesa foi publicada em Blair e Robertson, «Record of formavam, por assim dizer, o núcleo de algumas dessas cidades, não comunidade luso-ambonente, porquanto por «escravos do sultão»
muçulmana. Embora, até ao final da segunda guerra mundial, os
Negotiations», The Philippine Islands, II, cit., pp. 256-257, onde o nome de Sancho de Vas- passavam de uma sucessão de recintos arborizados e verdejantes. se entendia uma multiplicidade de comunidades austronésias
concelos surge como simples «fidalgo», enquanto Gonçalo de Sousa, outro dos signatários cristãos fossem maioritários em Ambon, onde constituíam 60% da
Em nenhum ponto da cidade era possível uma perspectiva de
do documento, figura como «fidalgo da casa real». população, esta percentagem inverteu-se posteriormente, sendo
conjunto. A cidade estende-se a perder de vista pelo meio de
64 Parecer do padre João Rebelo sobre o abandono pelos jesuítas da missão de Maluco, hoje os cristãos — dos quais alguns milhares foram convertidos ao
Amboino, 27 de Abril de1593, Sá (ed.), Documentação, cit., VI, p. 389. hortas, palmares, canais de irrigação, alcançando um equilíbrio, por 65 H. Jacobs, «The Portuguese town of Ambon», cit., p. 606, nota 5.

50 51
dispersas por uma região muito vasta que se estendia desde o sul Conclusão Por outro lado, antropólogos como Dieter Bartels acentuam o XIX. Dada a escassez de factos históricos incorporados na tradição
das Filipinas a Timor e que tinha por obrigação entregar ao sultão facto de que a desagregação dos laços tradicionais unindo cristãos oral, perdeu-se a lembrança das razões que levaram as diferentes
certas quantidades de bens, produtos e serviços, a que podemos e muçulmanos em torno da crença em antepassados comuns, mais comunidades aldeãs a optarem entre o islão e o cristianismo.
No quadro histórico de Amboino falta compreender, no entanto,
chamar «corveias». É muito possível que durante as guerras que acentuada no meio urbano, foi motivo da dissolução dos mecanismos Perante a obliteração da memória colectiva, os cientistas sociais –
como o conflito religioso entre muçulmanos e cristãos, despoletado
opuseram os cristãos aos muçulmanos, as quais se perpetuaram de solidariedade e aliança inter-confessional, conduzindo ao antropólogos, sociólogos e historiadores das escolas holandesa e
pelos proselitismos militares do século XVI, desapareceu nos
por meio século até à conquista holandesa da cidade e que confronto. Bartels considera que o despoletar deste processo radica anglo­saxónica – não formularam a questão de uma conflitualidade
séculos seguintes sem deixar marcas, para reaparecer no contexto
tiveram por cenário várias ilhas do arquipélago de Amboino, alguns nos líderes religiosos. Os ministros da igreja protestante de Maluku, pré-confessional, assumindo que tanto os muçulmanos como
pós-colonial.
grupos oriundos de comunidades que foram forçadas a aceitar a sucessora da igreja reformada holandesa em 1935, que tiveram os portugueses se teriam limitado a tentar influenciar e manipular
Esta incompreensão tem sido manifestada inclusive por alguns
autoridade do sultão, especialmente membros das elites guerreiras, oportunidade de fazer a sua formação na Europa no pós-guerra e as comunidades de acordo com o seu interesse no comércio de
dos maiores estudiosos da história e da sociedade ambonenses.
se tivessem vindo acolher entre os portugueses da fortaleza e muito que ascenderam à chefia da igreja, na ânsia de purificar as crenças especiarias. Assim, a origem dos credos que hoje se defrontam
Os tumultos de 1999 têm sido encarados como uma reacção muito
apropriadamente tivessem trocado o estatuto de «escravos» pelo de e as práticas religiosas, lograram não apenas demonizar a crença nas Molucas carece de um quadro explicativo e consistente com a
atrasada às mudanças políticas operadas desde 1950, quando os
mardika ou «homens livres». nos antepassados, como cristianizaram uma parte da codificação propensão das populações do arquipélago malaio para adoptarem
protestantes de Amboino passaram de servidores leais e localmente
Sem a interferência de portugueses e holandeses, os antagonismos tradicional (adat), eliminando outra. As comunidades muçulmanas modelos importados e rivalizarem entre si pela adesão aos novos
maioritários do estado colonial a uma minoria pouco confiável que
ancestrais entre as populações da ilha não teriam evoluído para um sofreram uma evolução semelhante por pressão do movimento pan- padrões transmitidos através de canais e agentes legítimos, num
persiste em ocupar a maior parte dos empregos na administração
conflito de contornos religiosos. À semelhança do que aconteceu Indonésio Muahammadiyah67. quadro de conflitualidade pré-existente que não corresponde ao
pública. Mas por outro lado, o papel desempenhado no decursos
um pouco por toda a Indonésia oriental, teria sido possível dirimir Ao chamar a atenção para o facto de que os conflitos inter- cenário idílico expresso quer nos mitos fundadores, que atribuem
dos vários tumultos quer pelos próprios chefes tradicionais, muito
a conflitualidade étnica pela acção dissolvente do estado moderno comunitários de 1999 ocorreram após quinhentos anos de suposta antepassados comuns a todas as populações do arquipélago de
especialmente pelos sultões, a quem são atribuídos poderes
sobre as estruturas sociais tradicionais. Ao cristalizar-se sob uma paz social nas Molucas, a imprensa limitou-se a fazer eco da Amboino, quer na obliteração da conflitualidade ancestral, quadro
sobrenaturais, quer pelos grupos e comunidades afiliados a um ou
capa religiosa, essa conflitualidade perpetuou-se nas Molucas, recomposição da memória social que apagou os conflitos dos tempos e factos esses de que as primeiras missivas dos funcionários
outro destes chefes, veio mostrar que a conclusão a que alguns
tal como subsiste nas demais ilhas onde subsistem comunidades dos portugueses e da VOC, retendo apenas a união de cristãos e portugueses e dos reis das Molucas escritas entre 1513 e 1522
académicos, como Ch. Fraassen, chegaram em meados da década
cristãs, caso das Celebes, de Timor ou das Flores, ou nas vizinhas muçulmanos na guerra contra os holandeses no início do século estão repletas, mas que continuam a ser ignoradas fora do estreito
de 80, nomeadamente a de que as instituições políticas ligadas ao
Filipinas, onde as ilhas dos Moros, de maioria muçulmana, resistem círculo de estudiosos portugueses.
sultanato de Ternate apenas sobreviviam como folclore, foi infirmada
pela força das armas ao domínio cristão imposto a partir de Manila. 67 Dieter Bartels, «Your God Is No Longer Mine: Moslem-Christian Fratricide in the Central
pela ressurgência dos sultanatos em 199966 .
Moluccas (Indonesia) After a Half-Millennium of Tolerant Co-Existence and Ethnic Unity», in
Sandra Pannell (ed.), A State of Emergency: Violence, Society and the State in Eastern Indo-
nesia. Selected papers from the 5th Maluku Conference held in Darwin, Australia, July 1999,
66 Gerry van Klinken, «The Maluku Wars: bringing society back in», Indonesia, 71 (Abr. 2001), pp. Darwin, Northern Territory University Press, pp. 128-153, http://www.nunusaku.com (acedido
15-16. em 8.2.2011).

52 53
Arquipélago de Amboino (Molucas centrais)

54 55
This paper intends to compare lusocreole identity and their Portugal's cultural heritage in many parts of the world. First, the
significance for postcolonial interethnic integration in West Africa notion can be interpreted in the sense that only those countries and
and Asia, outlining also future prospects of anthropological research. territories are linked to the “lusophone world” that were Portuguese
This manuscript will focus on different dimensions: First, I will colonies until quite recently, including Portugal as former colonizing
address some problems concerning the concept of “Lusofonia”, power and Brazil as largest lusophone country (in populational terms)
proposing a broader definition of the notion which also encompasses and emerging global player, and where Portuguese was – and in most
lusocreole culture. Second, I will examine differences and similarities cases still is – the only or one of the official languages, as it is, inter alia,
regarding the construction of lusocreole identity in both historical the case for Cape Verde, Guinea-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola,
“Lusofonia” and the Portuguese Heritage: and contemporary perspectives, focussing primarily on the cases Mozambique, and East Timor. These independent countries are also
Lusocreole Identity in West of Guinea-Bissau and Sri Lanka but including also sketches from
other areas. Part of this will form the analysis of the construction of
members of international organisations, such as the Community of
Portuguese Language Countries (CPLP, “Comunidade dos Países
Africa and Asia lusocreole identitarian boundaries, the interrelatedness of lusocreole de Língua Portuguesa”) and/or the African Countries of Portuguese
and other ethnic identities in West Africa and Asia. Third, I will analyse Official Language (PALOP, “Países Africanos de Língua Oficial
whether and how creole culture and identity have contributed to Portuguesa”) that aim at uniting lusophone countries. Exceptions are
interethnic and national integration since decolonisation, how creole the former Portuguese territories of Macau and Portuguese India that
identity relates to national identity, and how the relationship between did not achieve independence but instead became part of adjacent
Christoph Kohl national, creole and ethnic identities are officially conceived on the “mother countries” and have not joint a lusophone international
one hand and socially constructed from below on the other. The organisation. While Macau maintains Portuguese as one official
Max Planck Institute for Social Anthropology analysis will relate, amongst others, to the role of religion, language language, those Indian territories that used to form Portuguese India
Alemanha and imagined “civilisedness” in processes of identity construction. instead replaced Portuguese by other official languages. Second,
While findings for Guinea-Bissau and Cape Verde are also based the concept of “Lusofonia” (and the above-mentioned organisations)
on ethnographic findings, data concerning other parts of Africa as appears to suggest that in all those territories which – following
well as Asia are extracted from existing scholarly literature. this definition – belong to the community of lusophone countries
To begin with, let me reconsider the term “Lusofonia”. To my Portuguese is also the lingua franca in daily life of the majority of the
understanding, the term can be conceived too restrictive in various inhabitants. While this holds true for Portugal and Brazil, of course,
ways to cover all socio-cultural phenomena that to date relate to African and Asian countries give a different picture. Cape Verde, for

56 57
example, can be best described as a bilingual country where two appraisal). Third, if the concept of “Lusofonia” is understood as vis-à-vis other ethnic groups on the one hand and the evolution with the Portuguese maritime expansion, cultural manifestations –
languages are coexisting asymmetrically and are used on a socio- previously analyzed, the notion excludes a number of communities and transformation of certain cultural institutions and manifestations such as the Portuguese language and the Catholic faith – travelled
contextual case basis (cf.Braz Dias 2009: 82). While Portuguese, that have been linked to the Portuguese maritime expansion since referring to Portuguese colonial times – i.e. going beyond purely around the world with the Portuguese and have been serving as
the official language, is mastered by almost the entire population the fifteenth century and have thus integrated various cultural linguistic matters – on the other. To date, few efforts have been made identity marker among various lusocreole groups – both in Africa and
and serves, amongst others, as language of instruction and in the characteristics and discursive references that allude to the times of within social anthropology to systematically compare the evolution Asia – that emerged against heterogeneous cultural and ancestral
media, dialects of Crioulo, a lusocreole language, serve as lingua Portuguese colonialism and/or Portuguese culture. In many cases, and construction of lusocreole culture and identities in West Africa, backgrounds.
franca in every day life by Cape Verdeans. While an orthographic however, people who form these communities usually do not speak the Indian Ocean basin and East Asia. In general scholars have
convention of Crioulo (ALUPEC, “Alfabeto Unificado para a Escrita Portuguese as maternal language but used to or continue to speak mostly limited their scope to the Euroafrican Atlantic, researching The Upper Guinea Coast takes a particular position in the
do Crioulo Cabo-Verdiano”) was declared the official orthography in a lusocreole variety, as it is the case in Guinea-Bissau, São Tome migrations and sociocultural exchanges between continental Portuguese expansion. Colonial ideology used to depict Guinea-
2009 (Pedro Alexandre 2009: 2), no consensus has been reached on e Príncipe, the Equatorial-Guinean island of Annobón, and in the America, the Caribbean, and Africa, accompanying European Bissau as “first Portuguese possession” and sometimes as ”cradle”
the introduction of Crioulo as second official language (Seibert 2010: Antillean islands of Aruba, Bonaire and Curaçao, for example. colonialism and the transatlantic slave-trade. However, it would be (Reis Torgal 2005: 64) or even “dawn” (Governo da Guiné 1952) of
76-77). An extreme case, however, is Guinea-Bissau: According Besides, many of these lusocreole communities, as I term them, exist worthwhile to take a comparative look at lusocreole communities the Portuguese empire. It was the first location where – as part of a
to the penultimate census (the results of a more recent one have beyond those territories usually identified as “lusocreole” and can be that discursively trace and construct their identity by references to global “travel of ideas” – Portuguese cultural features “disembarked”,
not yet been published) conducted in 1991, Portuguese, Guinea- found, for instance, in Sri Lanka, Malaysia and parts of littoral India the maritime, global Portuguese expansion since the mid fifteenth so to say, and were on the long run appropriated, integrated and
Bissau’s only official language, was spoken by only about 12,000 that did not form part of Portuguese India until recently. Hence, these century. In this way they have underlined the power of ideas that transformed by the local population. Soon, creole culture and
(about 1%) inhabitants while Kriol – a lusocreole language linked to lusocreole communities are often shut out from political or medial refer to the former weak colonial power Portugal. This paper refrains identity emerged in the trading posts founded by the Portuguese.
the Cape Verdean variety and declared the national language after discourses on the “Lusofonia” although they attest impressively to from the focus on movements of people and instead turns towards For a long time, various creole categories of people have existed
independence (Scantamburlo 1999: 16) – was the first language of the durable travel, appropriation and transformation of Portuguese the present-day consequences of past and present “travel of in Guinea-Bissau: descendants of immigrants from Cape Verde
more than 191,000 inhabitants (around 20% of the total population) cultural representations and values at grassroots levels. ideas” (Czarniawska & Joerges 1996) in relation to the Portuguese can be distinguished from people of Kriston (literally: “Christian”)
(Instituto Nacional de Estatística e Censo 1996: vol. I, table 6.5A). expansion of the past. The basis of this approach is formed by origin (cf. Havik 2004, 2007; Kohl 2009). The Kriston identity was
Moreover, the total number of Kriol speakers (who spoke Kriol as Let me now continue with the comparative exploration of the understanding that impulses to changes that were largely transethnic: while identifying with one or another ethnic group,
a first, second, or third language) added up to more than 51% lusocreole identities in Africa and Asia. While many linguistic and initiated by the Portuguese. However, the subsequent handling of Kriston identity served as an umbrella that united several of these
of the population in that year (Instituto Nacional de Estatística e historical studies have been dedicated to the research of lusocreole “imported” ideas and norms was done locally in Africa and Asia, ethnic sub-categories. The Kristons who concentrated in a handful
Censo 1996: vol. I, tables 6.5A, B, C, D). Similar observations can communities both in Africa and Asia, as a social anthropologist I leading to different materialisations. Possibly, identitarian references of colonial settlements developed specific cultural representations
be made in other countries in Africa and Asia labeled “lusophone”, would like to focus on analyzing identity construction and the to Portuguese colonialism may be also constructed ex-post, that is that integrated both Iberian and African elements. So called
including Macau as well (cf. e.g. Batalha 1985: 287-292 for an early maintenance of sociocultural boundaries among lusocreole groups to say without necessarily originating in the respective times. Along manjuandadis – these are predominantly female associations that

58 59
provide for sociability and mutual solidarity (cf. Trajano Filho 1998, Malacca, Singapore, Macau, and East Timor (cf. Batalha 1985; and nation-building from below since independence and which role in identity construction. Similar to other lusocreole groups elsewhere
2001a, 2001b) –, for instance, have apparently integrated both Tómas 1988, 1990; Baxter 1990, 2005), highlighting the cultural the former single party played in this regard. Among these cultural Catholicism – also expressed by the Irmang di Greza brotherhood (cf.
features of Christian lay brotherhoods on the one hand and of African links that connected these South Asian territories with Africa, the features that may have played a role for interethnic integration are Sarkissian 1993: 147) – appears to be as one of the main markers of
age set organisations on the other. Similarly, carnival that used to be Americas, and Portugal by seaway. Catholic irmandades (“brotherhoods”) that share common origins sociocultural distinction. They have been one of the most influential
annually celebrated in the former trade settlements likewise integrated On their way southwards, along the West African coast, the with Bissau-Guinean manjuandadis and were, at least until the “Eurasian” groups in Malacca. Remarkably, lusocreole identity
Portuguese and African features (Kohl 2009). The Cape Verdeans Portuguese aarrived at the Gulf of Guinea where they left their early 1980s, dominated by the Forros. In addition to these, there proved to be attractive to such an extent that it even attracted Dutch-
in colonial Guinea-Bissau, by contrast, put increasingly emphasis mark not only on languages but also on identities and non-linguistic are old established and new so-called dance societies, which are creole individuals (descendants of a later colonisation by the Dutch)
on their distinctiveness from the Kristons since the late nineteenth cultural representations. Let me briefly sketch the case of São Tomé e frequented by various creole groups, depending on the society’s who increasingly switched religion and identified as “Portuguese
century (Havik 2004). To this day, many creoles of Cape Verdean Príncipe. The island state is – just like Guinea-Bissau – characterised reputation, except for the Cape Verdeans among the Tongas who – Eurasians” (Chan 1983: 266-267). Although the lusocreole heritage
descent claim to be more “Portuguese”, more “European” than by the existence of multiple creole groups. Creoles have contributed similar to Guinea-Bissau – stay largely apart from these associations of Malacca seems to be “age-old” and “unchanged” for centuries,
other inhabitants of Guinea-Bissau, including Kriston descendents. in varying degrees – in identitarian and cultural terms – to national (Eyzaguirre 1986: 263-265, 378-385). the city's “Portuguese Settlement” was only founded in the early
In general, many creoles in Guinea-Bissau continue to stress their identity and culture (see e.g. Seibert 2006). In the archipelago, Further south, likewise on the way to Asia, emerged creole 1930s (Chan 1971, 1983: 272) and has been promoted for the past
historical roles as Portuguese close brokers, emphasising part- the dominant Forros – these are descendants of freed slaves of communities in the Angolan cities of Luanda and Benguela. The few thirty years by the government and tourism activists, enhancing “[...]
European genealogies, urban residence, and Christian belief (Kohl various origins – a can be differentiated from Angolares – they derive historical studies available primarily concentrate on the nineteenth Malacca's position as Malaysia's premier destination for cultural
2009). Both Kristons and Cape Verdeans used to be united by themselves from communities of escaped slaves – and Tongas. The century. According to these sources, creoles in these coastal tourism [...]” (Sarkissian 2002: 218). Similarly, aspects of “Portuguese
their fluency in the lusocreole language Kriol, that emerged in the latter are descendants of Angolan, Mozambican, and Cape Verdean entrepôts tended to distinguish themselves from the rural population identity” in Malacca have been also reconstructed: “[...] the type
Upper Guinea Coast since the sixteenth century. Kriol continues to contract labourers on the cocoa plantations (Eyzaguirre 1986: 249- by using the Catholic religion, celebrating related popular festivals of [Portuguese style] music and dance for which it is now famous
be spoken in Guinea-Bissau, the Senegalese Casamance and Cape 251, Lorenzino 1998: 53-67, Seibert 2007). These are all creole like carnival, for example, and pointing to their supposed cultural was introduced to upper-class Eurasians by [a] foreign priest [...]”
Verde and is historically connected to Papiamento in the Caribbean groups that distance themselves from one another. In contrast to superiority by portraying themselves as “modern”, “Western”, and in the 1950s (Sarkissian 2002: 220). Hence, the exceptional case of
(Jacobs 2009). Following a theory put forward most prominently by Guinea- Bissau, however, the islands – which were only settled in “detribalised” (Bittencourt 2000: 658; see also António 1968; Stamm Malacca shows the attractiveness of lusocreole identity and how it
Valkhoff (1966, 1972), a lusocreole language once used to serve the course of colonisation and the slave trade – did not possess an 1972; Dias 1984). can be reconstructed and reified in processes of commodification.
as first global lingua franca, connecting the Indian Ocean basin autochthonous, non-creole population that may have served as a The global travel of Portuguese ideas with regard to luso-creole India is characterised by the existence of multiple lusocreole
with Africa. Indeed, lusocreole languages used or continue to be projection screen for identitarian boundary drawing. Yet, studies that culture and identity also finds it expression in South Asia: groups that reside along the West Coast of the subcontinent, amongst
spoken, amongst others, in São Tomé e Príncipe (Lorenzino 1998) ethnographically explore creole identities and intercreole relations at Creole groups in Malacca are also known as “Kristang” (e.g. others in Diu, Damão, Goa and Korlai. While those lusocreole groups
and Annobón (Ferraz 1976), along the west coast of India (Clements the grassroots level are rare. So far there is little knowledge about how Sarkissian 1993, 2002; de Campo Guimarães & Cabral Ferreira have been studied by linguists (e.g. Cardoso 2006, 2010, Clements
1991, 1996, 2002; Cardoso 2006, 2010), Sri Lanka (Smith 1977), creole culture and identity have contributed to transethnic integration 1996; Baxter 2005), alluding to the significance of the Catholic faith 1991, 1996, Clements & Koontz-Garboden 2002), historians

60 61
(Ferreira Reis Thomas 1981-82), folklorists (Jackson 1990, 2005) the settlement of Europeans, Africans, and Indians in a new, creole obviously in contrast to individuals “from the bottom of the status nation- and statehood that was achieved from Portugal in 1974.
and archaeologists (von Mitterwallner 1964), so far little attention identities that contrasted from local, “native” identities. The following ladder” – believed themselves to be more “civilised”, regarding the Further, the independence movement, under a creole leader, came
has been paid from a social anthropological perspective, most creole groups have coexisted: Dutch Burghers (cf. McGilvray 1982, Portuguese Burghers as residuum category that was regarded as up with a powerful and efficient, integrative state ideology. Due
notably with regard to identity construction, present day discursive Henry 1986, Roberts, Reheem & Colin-Thomé 1989, Roberts 1994) “poorer, darker, more numerous, and less European” (McGilvray to the above-mentioned transethnic character of Kriston identity
references to Portuguese culture and colonial times, and interethnic have pointed to extensively on their part-Dutch ancestry. They had 1982: 236, cf. 245; cf. Roberts 1994), ascribing them liberated and the “ethnic non-alignment” of their cultural manifestations,
relations. Lusocreole individuals in Korlai (located area south of been a small but influential creole minority before loosing ground slaves origins (McGilvray 1982: 249). Besides, these findings from selected representations of creole culture – such as carnival and
Mumbai and left by the Portuguese in the eighteenth century), for to Singhalese and Tamils after independence in 1948. By contrast, the early 1970s suggested that “a strict division between the Dutch manjuandadis – were initially used by the postcolonial state to
example, sometimes refer to themselves as “kristãw” (personal Portuguese Burghers (McGilvray 1982; Jackson 1990) and the so- and Portuguese Burghers was impossible to sustain” (McGilvray mobilise the population. On the long run, these developments also
communication Clancy Clements, 16 April 2010). Similar to Guinea- called Kaffirs (cf. Jackson 1990: xxi-xxii, 73-85; de Silva Jayasuriya 1982: 237) in social practice. Although there was a trend toward contributed to an interethnic integration. The postcolonial state
Bissau they thus have referred to Portuguese legacies, using their 2001, 2003, 2006) – these are descendants of African soldiers who endogamy in the 1970s, about one third of the Portuguese Burghers thus contributed to the development of a new, integrated national
Christian faith and their lusocreole languages to draw boundaries fought for the British – continue to emphasise Portuguese, Catholic had either a Tamil or Singhalese partner (McGilvray 1982: 260). culture after independence. Political and economic liberalisation
towards their “autochthonous” neighbours. Akin to West Africa, cultural heritage, expressed by a vanishing lusocreole language Burghers intermarried with Singhalese and Tamils and appeared to since the early 1990s has led to the commodification of carnival
Portuguese ideas were integrated in different ways and to varying as well as a music style, known as baila (the term can be derived speak Singhalese and Tamil in daily life (cf. Smith 1977: 3, 32-34), and manjuandadis, accelerating the countrywide spread of these
degrees. As elsewhere, Portugal’s Christian “civilising mission” led from the Portuguese term for “dance”), lusocreole folk songs, and depending of the geographic and socio-cultural settings. Because representations. Similarly, the lusocreole language Kriol that had
to the spread of Catholic lay brotherhoods along India’s West Coast narrations (cf. Jackson 1990, 2005, Sheeran 1997, de Mel 2006). of this integration, the Portuguese Burghers were included into the been hitherto reserved to tiny, mostly urban creole communities
(cf. da Rocha 1973, Ferreira Thomaz 1981/82: 38-39). In contrast Nevertheless, though, many surnames are of Dutch origin (McGilvray caste ranking – mostly middle class craftsmen castes. Therefore, the started to spread since the 1920s beyond the creole communities
to Guinea-Bissau, however, these brotherhoods integrated aspects 1982: 256). The Portuguese Burghers are all Roman Catholics Portuguese Burghers displayed some caste-like features (McGilvray in the former trading posts. This process was accelerated by the
of the caste system, at least in Goa and Diu (d’Costa 1977: 288; cf. and are concentrated in the Eastern part of the island, around 1982: 260). independence movement that used Kriol as language of instruction
Clements 1991: 638; Cardoso 2006:361). Batticaloa and Trincomalee (McGilvray 1982: 256). Unfortunately, no and command. Since independence Kriol has transformed into the
The case of Sri Lanka resembles the Bissau-Guinean case in ethnographic research has been so far conducted on recent modes Let me now turn to the third point, to the contribution of country’s lingua franca, fostered by the state and its representatives
the respect that various creole groups live in the island that refer and dimensions of interethnic and intercreole conviviality between creole culture and identity to processes of postcolonial nation- all over the country and the audio media. Thus Kriol is these days
to different threads of European ideas. Today, they account for less the Portuguese Burghers and Sri Lanka’s remaining population, building, focussing exclusively – owed to the problematic source spoken by both the creole minority and vast parts of the non-creole
than one per cent of the total population and live predominantly in including other creole groups. In the 1970s, however, one creole material situation – on the cases of Guinea-Bissau and Sri Lanka majority (cf. Kohl 2009). Nevertheless, many creoles who could afford
urban surroundings along the coast. Their origins can be traced group portrayed itself as socially more advanced and culturally more . In Guinea-Bissau both creole individuals and creole culture and migrated to Portugal after Guinea-Bissau’s independence (Machado
back to the times of Portuguese, Dutch, and British colonisation. The “civilised” than another, resembling the case of Guinea-Bissau. identity have made significant contributions to post-colonial nation- 2002: 3, 6, 79, 87, ch.2).
consecutive presence of these European colonial powers led to Especially those Dutch Burghers of middle class background – and building. Creoles dominated the armed struggle for independent Different from Guinea-Bissau, most Sri Lankan creoles – especially

62 63
middle class Dutch Burghers who stressed their “Europenness” Conclusion far beyond, passing ethnic and religious boundaries. This process Bibliography
– appeared to oppose independence of Ceylon from British rule. that was fuelled by the post-independent socialist one-party-state
They feared marginalisation, given the power of exclusive Sinhala António, M. 1968. “Luanda, 'Ilha' Crioula,” in Luanda, “Ilha” Crioula. Edited by M.
that sought to mass-mobilise the population, was facilitated by
The research on the significance of lusocreole identity and
nationalism. Indeed, once independence was achieved, the Dutch the transethnic, inclusive character of Kriston identity. By contrast, António, pp. 13-62. Lisbon: Agência-Geral do Ultramar.
groups for processes of postcolonial interethnic and national
Burghers became exposed to the “Sinhala Only” policy and its lusocreole baila music started to turn into Sri Lanka’s popular national
integration respectively is still in its infancy. As attempted to show Batalha, G. 1985. “Situação e perspectivas do Português e dos Crioulos de origem
excluding measurers, leading to their migration to Australia, Canada music as early as the 1950s and has been largely state-free and, for
above, historical data and ethnographic findings are fragmentary portuguesa na Ásia Oriental (Macau, Hong Kong, Malaca,
and the United Kingdom (Henry 1986: 106-112, Brohier 1998: 36). most of the time of its expansion at least, apolitical. Different from Sri
and therefore remain sketchy both in historical and contemporary
However, this process apparently also led to a redraw of intercreole Lanka Guinea-Bissau has been characterised by an integrative state Singapura, Indonésia),” in: Congresso Sobre a Situação Actual da Língua
perspectives, complicating or even rendering impossible a Portuguesa no Mundo. Actas. Volume I. Edited by Instituto de Cultura e Língua
boundaries, resulting in the temporary and partial closure of ranks ideology. Developed by a creole, this ideology actually conceives
systematic socio-anthropological cultural comparison based on well Portuguesa, pp. 287-304. Lisbon: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa
between Dutch and Portuguese Burghers. The Portuguese Burghers the nation as an umbrella of various ethnic groups. Conversely, Sri
defined dimensions and parameters to be compared. Nevertheless,
of Sri Lanka are widely believed to be the founders of baila, which Lanka is marked by an exclusive and militant pro-Sinhalese state Baxter, A. N. 1990. Notes on the Creole Portuguese of Bidau, East Timor. Journal of
the depictions given above allow for some conclusions to be drawn Pidgin and Creole Languages 5:1:1-38.
has transformed into one of the most popular music styles in Sri ideology, emanating from political and intellectual representatives of
about the intercontinental evolution, appropriation, transformation –
Lanka since the 1950s (Sheeran 1997). Although baila is nowadays the Sinhala majority. —. 2005. Kristang (Malacca Creole Portuguese) - a long-time survivor seriously
hence: significance and valorisation – of Portuguese cultural heritage
considered an apolitical, “light music” style, some bailas of the 1950s endangered. Estudios de Sociolingüística 6:1-37.
and the “Lusofonia” in general and about the cases of Guinea-Bissau
also “covered a variety of topics that served the Sinhala nationalist
in West Africa and Sri Lanka in South Asia in particular. Preliminarily, Bittencourt, M. 2000. “A resposta dos “Crioulos Luandeses” ao intensificar do
cause” (Sheeran 1997: 126). Likewise, some interpreters composed processo colonial em finais do Século XIX,” in A África e a Instalação do Sistema
it can be stated that while some lusocreole groups rather tended
bailas as war songs in the 1990s when the island was increasingly Colonial (c. 1885- c.1930). III Reunião Internacional de Historia de África. Edited
to welcome independence, as in the case of Guinea-Bissau, other by M. E. Madeira Santos, pp. 655-671. Lisbon: Centro de Estudos de Historia e
drawn into the civil war that is often characterised as an “ethnic
groups took a critical stance towards independent statehood, owed Cartografia Antiga do Instituto de Investigação Ciéntifica Trópical.
conflict” between the dominant Singhalese majority and the Tamils.
to fears of their social marginalisation, as the case of Sri Lanka
Since the 1970s baila has been increasingly sung in Singhalese and Braz Dias, J. 2009. Língua Crioula e Cultura Popular em Cabo Verde: Múltiplas
suggests. Despite their numerical inferiority, creole groups have, as vozes sobre as experiências de um povo. Papia 19:81-91.
has been marked by commodification and spread across the country.
the examples of Guinea-Bissau and Sri Lanka illustrate, contributed
As respects the lusocreole language, it long ago lost its former role Brohier, D. 1998. Flashback to the Dutch Burghers of Ceylon in the mid-fifties.
various cultural representations to national popular culture. In Guinea-
as a countrywide lingua franca that it held in the nineteenth century. Journal of the Royal Asiatic Society of Sri Lanka 43:33-37.
Bissau such features are comprised, amongst others, by carnival
Instead, it was replaced by Singhalese as the islands dominant
and manjuandadi associations. They used to be restricted to tiny Cardoso, H. C. 2006. Diu Indo-Portuguese at present. Journal of Pidgin and Creole
language, followed by Tamil. Languages 21:359-370.
lusocreole groups but have since the eve of independence spread

64 65
—. 2010. The African Slave Population of Portuguese India. Demographics and —. 2003. "The African Diaspora in Sri Lanka," in The African diaspora in the Indian Henry, R. J. 1986. 'A Tulip in Lotus Land'. The Rise and Decline of Dutch Burgher 263.
Impact on Indo-Portuguese. Journal of Pidgin and Creole Languages 25:95-119. Ocean Edited by S. de Silva Jayasuriya and R. Pankhurst, pp. 251-288. Trenton, Ethnicity in Sri Lanka. Master of Arts thesis, Australian National
Asmara: Africa World Press. University. Pedro Alexandre, N. M. 2009. Wh-constructions in cape verdean creole:
Clements, J. C. 1991. The Indo-Portuguese Creoles: Languages in Transition extensions of the copy theory of movement. Ph.D. Universidade de Lisboa.
Hispania 74:637-646. —. 2006. Afro-Sri Lankais: Liens et Racines. Cahiers des Anneaux de la mémoire Instituto Nacional de Estatísticas e Censos. 1996. Recenseamento Geral da Reis Torgal, L. 2005. De l’Empire atlantique eurafricain à la communauté des
9:171-186. População e Habitação 1991. Volume I. Bissau: Ministério do Plano e pays de langue portugaise. Réalité, mythe et utopie. Matériaux pour
—. 1996. The Genesis of a Language. The Formation and Development of Korlai Cooperação Internacional / Secretaria de Estado do Plano. l'histoire de notre temps 77:61-67.
Portuguese. Vol. 16. Creole Language Library. Amsterdam, Philadelphia: John Dias, J. R. 1984. Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às
Benjamins Publishing Company. transformações económicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre Jackson, K. D. 1990. Sing without Shame: Oral Traditions in Indo-Portuguese Roberts, M. 1994. The cultured Gentlemen: The Appropriation of Manners by the
1870 e 1930. Revista Internacional de Estudos Africanos 1:61-94. Creole verse. With a Transcription and Analysis of a Nineteenth-Century Middle Class in British Ceylon. Anthropological Forum 7:55-73.
Clements, J. C., and A. J. Koontz-Garboden. 2002. Two Indo-Portuguese Creoles Manuscript of Ceylon Portuguese. Vol. 5. Creole Language Library.
in Contrast. Journal of Pidgin and Creole Languages 17:191-236. Chan, K. E. 1971. Eyzaguirre, P. B. 1986. Small Farmers and Estates in São Tomé, West Africa. Ph.D., Roberts, M., I. Reheem, and P. Colin-Thomé. 1989. People Inbetween. The
The Portuguese Settlement of Malacca: A Socio-Economic Profil. Geographica Yale University. Amsterdam, Philadelphia & Macau: John Benjamins Publishing Company & Burghers and the Middle Class in the Tranformations within Sri Lanka,
7:27-38. Instituto Cultural de Macau. 1790s - 1960s. Vol. 1. Ratmalana: Sarvodaya Book Publishing Services.
Ferraz, L. 1976. The Substratum of Annobonese Creole. International Journal of the Sarkissian, M. 1993. Music, identity, and the impact of tourism in the Portuguese
—. 1983. “The Eurasians of Melaka,” in Melaka. The Transformation of a Malay Sociology of Language 7:37-48. —. 2005. De Chaul a Batticaloa. As marcas do império marítimo português na settlement, Melaka, Malaysia. Ph.D., University of Illinois.
Capital, c. 1400-1980. Edited by K. Singh Sandhu and P. Wheatley, pp. 264-281. Índia e no Sri Lanka. Ericeira: Mar de Letras.
Kuala Lumpur et al.: Oxford University Press. Ferreira Reis Thomaz, L. F. 1981/82. Goa: Une société Luso-Indienne. Bulletin des —. 2002. Playing Portuguese: Constructing Identity in Malaysia's Portuguese
études portugaises et brésiliennes 42/43:15-44. Jacobs, B. 2009. The Upper Guinea origins of Papiamento. Linguistic and Community. Diaspora 11:215-232.
Czarniawska, B., and B. Joerges. 1996. "Travels of Ideas," in Translating historical evidence. Diachronica 26:319-379.
Organizational Change, vol. 56, De Gruyter Studies in Organization. Edited by B. Governo da Guiné. 1952. Guiné: Alvorada do Império. Bolama: Tip. Of. Gráf. da Scantamburlo, L. 1999. Dicionário do Guineense. Vol. I. Introdução e notas
Czarniawska and G. Sevón, pp. 13-48. Berlin etc.: de Gruyter. d'Costa, A. 1977. Imprensa Nacional da Guiné. Kohl, C. 2009. Creole Identity, Interethnic Relations, and Postcolonial Nation- Gramaticais. Lisbon, Bubaque: Edições Colobri, Fundação para o Apoio ao
Caste stratification among the roman catholics of Goa. Man in India 57:283-292. Building in Guinea-Bissau, West Africa. Ph.D., Martin Luther University Desenvolvimento dos Povos do Arquipélago de Bijagós.
Havik, P. J. 2004. Silences and Soundbites. The Gendered Dynamics of Trade Halle-Wittenberg.
da Rocha, L. 1973. As confrarias de Goa, séculos XVI-XX. Conspecto and Brokerage in the Pre-Colonial Guinea Bissau Region. Vol. 2. Modernity and Seibert, G. 2006. Comrades, Clients and Cousins: Colonialism, Socialism and
históricojurídico. Lisbon: Centro de estudos históricos ultramarinos. Belonging. Münster: Lit. Lorenzino, G. 1998. The Angolar Creole Portuguese of São Tomé: Its Grammar Democratisation in São Tomé and Príncipe. Vol. 13. African Social Studies
and Sociolinguistic History. Newcastle: Lincom Europa. Series. Leiden: Brill.
de Campo Guimarães, J. P., and J. M. Cabral Ferreira. 1996. O Bairro Português de —. 2007. "Kriol without creoles: Afro-Atlantic connections in the Guinea Bissau
Malaca. Lisbon: Edições Afrontamento. region (16th to 20th centuries)," in Cultures of the lusophone Black Atlantic, Studies —. 2007. "Castaways, Autochthons, or Maroons? The Dabate on the Angolares
of the Americas. Edited by N. P. Naro, R. Sansi-Roca, and D. H. Treece, pp. 41-73. Machado, F. L. 2002. Contrastes e Continuidades. Migração, Etnicidade e of São Tomé Island," in Creole Societies in the Portuguese Colonial Empire, vol. 6,
de Mel, V. K. 2006. Music as symbol, music as emissary: A study of the Kalypso New York et al.: Palgrave Macmillan. Integração dos Guineenses em Portugal. Oeiras: Celta. Lusophone Studies. Edited by P. J. Havik and M. Newitt, pp.
and the Baila of Sri Lanka. Ph.D., University of California. 105-126. Bristol: Seagull/Faoileán.
McGilvray, D. B. 1982. Dutch Burghers and Portuguese mechanics: Eurasian
de Silva Jayasuriya, S. 2001. Les cafres de Ceylan: Le Chaînon portugais. Cahiers ethnicity in Sri Lanka. Comparative Studies in Society and History 24:235-
des Anneaux de la mémoire 3:229-253.

66 67
—. 2010. “Cape Verde,” in Africa Yearbook. Politics, Economy and Society South of
the Sahara in 2009. Edited by A. Mehler, H. Melber and K. van Walraven, pp. 75-80.
Leiden: Brill.
Sheeran, A. E. 1997. White noise: European modernity, Sinhala musical nationalism
and the practice of a Creole popular music in modern Sri Lanka. Ph.D., University of
Washington.

Smith, I. R. 1977. Sri Lanka Creole Portuguese Phonology. Ph.D., Cornell University.

Stamm, A. 1972. La société créole à Saint-Paul de Loanda dans les années 1838
1848. Revue Française d'Histoire d'Outre-Mer 59/217:578-610. Tómas, I. 1988. O
Crioulo Macaense (Algumas questoes). Revista de Cultura 2:2:36-48.

—. 1990. Da Vida e Morte de um Crioulo. Revista de Cultura 4:9:68-79. Trajano


Filho, W. 1998. Polymorphic Creoledom: The 'Creole' Society of Guinea- Bissau.
Ph.D., University of Pennsylvania.

—. 2001a. Manjuandadis e tabancas: duas formas associativas em duas


sociedades crioula. Artiletra 36/37:X-XI.

—. 2001b. Manjuandadis e tabancas: duas formas associativas em duas


sociedades crioula (continuação). Artiletra 38.

Valkhoff, M. F. 1966. Studies in Portuguese Creole. With a Special Reference to


South Africa. Johannesburg: Witwatersrand University Press.

—. Editor. 1972. New Light on Afrikaans and "Malayo-Portuguese". Louvain:


Éditions Peeters. 17

von Mitterwallner, G. 1964. Chaul. Eine unerforschte Stadt an der Westküste


Indiens (Wehr-, Sakral- und Profanarchitektur). Vol 6. Neue Münchner Beiträge zur
Kunstgeschichte. Berlin: Walter de Gruyter & Co.

68 69
Introdução significação, funções expressivas, e está na origem da elaboração
do sentido do mundo para o homem, porque o mundo é uma
A diversidade cultural é uma fonte de dinamismo social e construção e o resultado da própria elaboração linguística do
económico que pode enriquecer a vida humana no século XXI, mundo (Rodrigues 1996:15). E, hoje, as novas redes planetárias
suscitando a criatividade e fomentando a inovação. A diversidade de tecnologia de informação e comunicação colocam quase
cultural na expressão linguística é por definição múltiplas identidades instantaneamente a sociedade actual na transformação técnica da
linguísticas, a que têm sido visto num determinado território. experiência.
A língua é um elemento da cultura e, simultaneamente, é a
Cultura e Múltiplas No âmbito de comunicação e de afirmação identitária, a língua
e a cultura são termos que se associam de um modo quase expressão verbal da cultura. A cultura é a ideia de costume e as
identidades linguísticas automático, estabelecendo um paradigma sólido e coeso. A língua crenças de uma comunidade com uma língua distinta, que um
indivíduo utiliza como meio de comunicação e utiliza-la ao mesmo
em Timor-Leste é, antes de mais, um processo interlocutivo (Rodrigues 1999), onde
a relação entre o sujeito do “eu” e do “outro” evolui em primeiro tempo para identificar ou nomear o nome de coisas. Por exemplo, o
lugar na dialéctica da língua materna, depois alarga-se para as próprio vocabulário relativo ao parentesco em Timor, lança mão de
mais línguas como novos instrumentos em busca do conhecimento uma terminologia latina (pai, mãe, primo...) e às vezes germânica,
e de comunicação. A língua é o fundamento por excelência da (caso do vocábulo ‘irmão’)1. Porém, seja qual for a relação de
comunicação humana, indispensável para a constituição de uma alteridade entre grupos diferenciados, terá que existir algo que
Vicente Paulino sociedade comunicativa e integradora. Como é óbvio, a importância faz com que uma sociedade (quer a sociedade tradicional quer a
da língua para o homem reveste na sua capacidade de produzir sociedade pós-tradicional) cumpra o seu dever e valorize a sua
Universidade de Lisboa o sentido de coisas através de uma série de discurso. O discurso etnicidade diferenciada.
Portugal & Timor Leste pode então ser visto como dispositivo de constituição de sentido Outro exemplo, o latim não tem uma palavra para a amiga de
e das relações interlocutivas, visando não só a comunicação de um homem (a forma feminina do amicus é amica, o que significa
ideias (a capacidade de discursar), pensamentos (a capacidade de amante, não é amigo); e no caso dos esquimós têm muitas
pensar na ou pensar em) e sentimentos (a capacidade de exprimir palavras diferentes para a neve. Mesmo dentro de uma comunidade
o olhar ou o gesto), mas também a persuasão e o convencimento
de interlocutores. Deste modo, a língua desempenha funções de 1 O mesmo acontece com vocábulos de outras áreas, nomeadamente das cibernéticas, ou até
actividades.

70 71
linguística a codificação não é constante nem uniforme. No Tétum modo como as pessoas podem entender umas às outras quando não Se os homens de ciências sociais se entendem de forma a 1980) porque é sempre endereçada ao outro com uma determinada
(língua nacional timorense), por exemplo, qualquer pessoa escreve possuem as mesmas experiências culturais. No entanto, aspectos incorporar a língua e a cultura numa semântica de base social, então intencionalidade, num espaço e num tempo. Assim, segundo
segundo da sua compreensão dialéctica e semântica do som da relevantes de uma cultura podem facilitar o aprimoramento da é normal que se podem considerar a estrutura social, a história e o este autor: “uma interacção será definida como a totalidade da
respectiva língua. Tal facto nos indica que os recursos produtivos competência intercultural de um falante. Para tal perspectiva, Milton desenvolvimento das ideias como partes essenciais da evolução do interacção, seja qual for o seu momento, em que um determinado
do sistema permitem aos membros do grupo aumentar a própria Bennet em Intercultural Communication: A Current Perspective próprio ser humano. Isto é, a importância da história e da estrutura conjunto de indivíduo se encontra continuamente presentes uns aos
possibilidade de codificação naquilo que lhes interessa. (1998) caracteriza dois tipos de cultura: a cultura objectiva e a social de uma sociedade terão ser compreendidas através do outros” (Goffman 1993:26-54) na experiência da linguagem, visando
Ao propósito dos argumentos iniciais referidos neste pequeno cultura subjectiva. A cultura objectiva consiste nas manifestações meio de comunicação (verbal ou não-verbal). No entanto, a partir o entendimento recíproco e mútuo da comunidade dos homens
introdutório, pretendo justificar que em Timor-Leste existem produzidas pela sociedade, como literatura, música, ciência, arte, da leitura da linguagem verbal e da não-verbal, constatamos que (Rodrigues 1996:19)
algumas características não muito diferentes dos restantes países língua, enquanto estrutura, entre outras; seria o produto concreto para falarmos e sermos compreendidos, ou seja, para interagirmos É necessário, primeiro, considerar algumas relações da fala
onde o Português também é Língua Oficial, pois também apresenta criado pela sociedade; e a cultura subjectiva pode ser vistas ou com outras pessoas por meio de palavras, precisamos ter domínio enquanto actividade social num espaço e num tempo, por exemplo,
uma enorme variedade de línguas em uso, o que explica o reduzido encontrada em manifestações abstractas, como valores, crenças e de uma língua. Pois daí que se cria um novo saber sobre a desde princípio um indivíduo (timorense, africano, asiático) fala a
recurso ao uso do Português nos vários distritos do país. Em Timor- no uso da língua que leva para uma perspectiva de competência condição humana de certos grupos sociais (tradição e costume), o sua própria língua materna de que o ambiente físico e social que
Leste, a Língua Portuguesa não foi uma língua de comunicação diária intercultural (ver também Crespi 1997:14), que modela as diferentes ambiente e a natureza em geral. Em contexto de aprendizagem ou o envolve desde criança. Este tipo de relação, segundo Edmund
dos timorenses, nem língua de contacto entre os grupos linguísticos, formas de comunicação. enriquecimento do conhecimento, por exemplo, após de ter lido um Leach (1964) aparece como algo de contínuo e não constituído
o que é muito diferente com os PALOPS. Se assim, porque terá É preciso, portanto, justificar que ao falarmos da relação de romance ou um poema, o leitor sente ter adquirido conhecimentos por ‘coisas’ de sua natureza separada. Noutro exemplo, na cultura
sido escolhido, para língua oficial, um idioma que a maior parte da língua e cultura, não nos referimos meramente ao estudo da que antes não possuíam ou, como frequentemente acontece, ter americana a interacção de uma pessoa é marcada por uma
população desconhece? E porque é que o tétum precisa português língua e sua evolução ou ao estudo de cultura, mas sim ao estudo abordado de uma forma nova sobre o que já tinha lido. afectividade no tratamento interpessoal. De acordo com Stewart &
para sobreviver? Porque é que Timor tem-se justificado como Babel globalizante como a filosofia, comunicação, sociologia, antropologia A língua é assim um veículo de acção social. E como tal, devemos Bennett (1991), os americanos são informais, espontâneos e usam
linguístico? Estas questões terão a ser abordadas ao longo deste e até aos estudos de literatura. Embora no contexto linguístico há levar em consideração que falar uma língua não se restringe ao sempre o mesmo tipo de tratamento com diferentes pessoas (sejam
trabalho. uma diferença entre fazer afirmações histórica acerca da língua e vocabulário, é preciso ter domínio também da estrutura da língua e amigos, famílias ou até os desconhecidos); para eles, ser formal é
sua evolução ou identidade linguística, que assumem um carácter de sua cultura para não só construir adequadamente um enunciado, cumprir as regras do protocolo, ou seja, fazer uso de complexos
pessoal e seleccionam elementos de forma arbitrária, como as que como também saber se comportar e depreender o sentido dos métodos de tratamentos e rituais que se encontram em outras
Língua e cultura podem aparecer e apoiar a tese pré-estabelecida pelas ex-colónias diversos actos de linguagem de uma determinada língua. Enfim, a culturas (africanas, timorenses, asiáticas, latinas).
na escolha da língua, dita oficial. Esta forma de afirmação arbitrária linguagem é o centro dos homens – meio de comunicação e modo Segundo Thompson, cultura é “o conjunto de crenças, costumes,
Os estudos sobre a comunicação intercultural e a linguagem vem reforçar a história do passado com base numa teoria de de estar no mundo. É na e através dela que há o entendimento ou ideias e valores, bem como dos artefactos, objectos e instrumentos
usada na Idade Media nos trazem algumas considerações sobre o favorecimento das ideias e dos patrimónios coloniais. não entre os homens. A fala é, portanto, uma prática social (Goffman materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros

72 73
de um grupo ou sociedade” (Thompson 1998:173). A partir dessa Cada língua corresponde a uma reorganização dos dados da não existe a expressão equivalente “por favor”, no entanto para pôr As relações de parentesco são exemplos recorrentes na análise
definição, podemos dizer que, por exemplo, um professor de línguas experiência que lhe é sempre particular e será no caso da língua tal expressão na construção do tétum padronizado, achamos que dos campos semânticos das línguas, que na perspectiva da análise
deve ter consciência de que, na sala de aula, é um representante da materna, as pessoas percebem que o determinado objecto tem seu desnecessário ir buscar termos em português enquanto existem linguística ou semiótica há uma comparação que vem justificar
cultura de um povo. Pois no contexto de cultura e comunicação, o próprio significado, pois este já é dado por um nome. Daí que eles nas línguas locais: o fatuluku, por exemplo, “et mokorvan ira’unum algumas denominações dadas ao termo de identificação, cujo
professor de línguas é um difusor de uma dada cultura, visto que receberão uma determinada visão de mundo que é, portanto, pré- aninatinilai” ou “favorunipo et ira’unum aninatinilai” (Por favor dê- exemplo “irmãos” em português. Os falantes do tétum e da língua
a língua é um dos elementos culturais da sociedade. Portanto, a determinada pela sua própria língua falada. O clássico ditado nos me um pouco de água); no fatuluku de Fuiloro é “favor et ira’unum indonésia justificam que a sua compreensão sobre a tal denominação
língua não está dissociada da cultura, ou seja, uma não existe sem a diz que existe uma diferença na nomeação do nome de cores em aninatinila”; no bunak é “Favol bo’on nege il dele man ná). são diferentes, pois sabendo que as línguas classificam o nome
outra, não é mais importante, apenas se complementam. certos números que não ser o mesmo em todos os povos, isso leva- Atente-se que a pedagogia das línguas em geral e da língua da coisas (corpo humano, plantas e etc.,) de maneira distinta a
Língua e cultura são fundamentalmente inseparáveis. Isto é, nos pensar até que ponto a concepção do mundo é condicionada materna em particular tem maior igualdade com outras línguas, dita realidade. No entanto, tanto em tétum quanto em língua indonésia,
no nível mais básico, a língua é um método de expressar ideias pela língua. É no caso da língua nacional timorense “tétum”, por nacionais ou oficiais quando integra no seio uma teoria linguística as denominações “irmão” ou “irmã”, são expressões de naturais
e, simultaneamente, um processo interlocutivo. Ou seja, a língua exemplo, nomeia basicamente cinco cores: mean (vermelho), modok alargada à pragmática, isto é, não separa os enunciados do seu falantes da língua portuguesa, que por si só, comportam grande
é a comunicação, enquanto linguagem verbal, também pode ser (verde), kinur (amarelo), mutin (branco) e metan (preto) – as outras quadro situacional e que considera a análise do comportamento imprecisão.
visual (através de sinais e símbolos), ou semiótica (através de gestos denominações são delas expansões, como mean morek (marrom), verbal como inseparável a análise do comportamento em geral. A É necessário, por isso, fazer uma explicitação adequada e mais
com as mãos ou corpo). Cultura, por outro lado, é um conjunto entretanto, o nome de outras cores é justificado pelas expressões esta realidade, Fernanda Irene Fonseca, chega a afirmar que um precisa na abordagem do conteúdo. Jamais se diz em tétum (ou
específico de ideias, práticas, costumes e crenças que compõem portuguesas, como laranja, rosa, roxo etc. dos aspectos mais marcantes de tal aplicação é a possibilidade de em língua indonésia), genericamente, “maun” (irmão mais velho)
uma sociedade distinta. Se o tétum não tem denominações das cores, porque é que a aprofundar o modo de conceber o alcance e os objectivos do ensino ou “mana” (irmã mais velha), “alin” (irmão mais novo): é preciso
Sabendo que a língua organiza e articula a realidade de forma equipa do Instituto Nacional de Linguística não o enriqueça com da língua materna, “muito mais do que o aperfeiçoamento de uma especificar o modo de tratamento, se refere o irmão mais velho então
igual e diferente, dependendo do contexto geográfico que nela se o conjunto de denominações de cores de outras línguas locais competência linguística, ele visa o desenvolvimento da competência a melhor forma de dizer é “Maun bot”, em indonésia significa kakak
encontra. Assim, cada língua analisa diferentemente as experiências (Mambae, Makasae, Fatuluku, Bunak e Kemak, inclusive o baikeno), comunicativa, entendida como capacidade de integração activa na sulung (kakak sulung – irmão mais velho, kakak sulung – irmã mais
não-linguísticas do mundo circundante: por exemplo, um indivíduo que têm informações mais completas sobre tais denominações. praxis social” (Fonseca 1994:107). Nesta perspectiva, a pedagogia velha). O “alin” é pragmaticamente uma terminologia uniforme, isto
que aprende a língua e a cultura é simultaneamente está inserido Por exemplo, no Fatuluku: Pitine (branco), lakuváre (preto), karase da língua materna torna-se sinónimo de pedagogia discursiva e, é, denominado pelos conectores do género: masculino “alin mane”
num grupo social, conforme a hipótese do relativismo linguístico. (amarelho), mimireke (vermelho), laturose (roxo), paiahasa (cor-de- simultaneamente, ocupa o lugar de actividade colectiva na produção (irmão mais novo) e feminino “alin feto” (irmã mais nova). A “mana” é
Desta forma, o pensamento deste indivíduo reflecte na estrutura rosa), u’ureke (verde), morokarasu (laranja), rakasana (castanho), de sentido e estabelece uma relação de complementaridade no expressão derivada do português “irmã ou mana” e genericamente
da linguagem, pelo qual o seu modo de pensar é essencialmente vahuvahu (cinzento). Outro exemplo, em bunak: Belis (branco), sentido de apoiar o desenvolvimento de uma ou outra língua este modo de tratamento não é só utilizado pelos irmãos do mesmo
diferente de uma cultura para outra, e o que importante é adapta-la bule’en (vermelho), koxo (verde), kinul (amarelho), guju (preto), já-kinul materna que são declaradas como língua oficial de um país. O sangue (do mesmo pais), mas colectivizar-se na vivência social
de forma gradual. (amarelhado), já-bule’en (vermelhado). Linguisticamente, no tétum simples exemplo, é o caso de Timor-Leste. timorense, sendo não tenha relação de parentesco. Outro modo de

74 75
tratamento para referir a “irmã mais velha” é denominado por “bin”, Múltiplas identidades linguísticas seja, a língua possui diferenças internas classificadas em diatópicas vão até ao Hawai e à ilha de Páscoa e para sul até à Nova Zelândia2.
este é mais restrito porque tem usado apenas entre os irmãos do (espaço geográfico), diastrática (camadas socioculturais) e diafásica A descrição de evolução étnica e sociolinguística do povo
mesmo sangue. (aspecto expressivo). Por exemplo, O conceito do parentesco timorense, desde os seus primórdios, permite-nos notar que existe o
“Timor é um país plurilingue onde coexistem várias
É este, de qualquer modo, o género de descrição ou de timorense de feto-sá-umane é muito vulgar e profundo na sociedade hibridismo cultural (Hall 2002; Traube 1986). Este hibridismo cultural
línguas locais, de origem autronésia e papua, com o
tratamento a que chegamos quando cuidadosamente atendemos timorense (incluindo outras regiões asiáticas e africanas, mas com faz parte do resultado de uma miscigenação racial e adicionada por
português durante quatro séculos da administração colonial
à percepção de que os timorenses experienciam na sua vida diferentes designações), mais do que no ocidente. A expressão feto- diversas línguas nativas (Thomaz 2002; Gunn 1999 e 2001; Hull 1999
portuguesa e o bahasa indonésia durante vinte e quatro anos
quotidiana. Se o género de descrição ou de tratamento da pessoa – sá-umane ou feto-sau-umane, é equivalente a expressão de feto- e 2001). É por isso que, designamos Timor como uma manta de
de ocupação indonésia (Costa 2001:59).
como é o caso “mana” ou “Bin” na língua tétum – na sua profundeza, oan – na’i-hun, deriva destes quatro elementos vocabulares: feto retalhos etnolinguística, com importantes cisões políticas e sociais
é inteiramente participativa, porque foi determinada pela regra da (mulher); sau (ligar-se, aparentar, consagrar; “Uma” (casa), família; que pretende dar a mão ao projecto da construção do Estado-
A partir do momento em que o homem coloca a língua e a cultura
pragmática linguística. Deste modo, a percepção de um indivíduo mane (homem). nação. Nesse sentido, podemos afirmar que “o mais importante
em proveito de interacção social, ocorre sempre numa posição
é grandemente determinada pela língua que esse indivíduo fala As fronteiras sociolinguística que se encontram na Ásia, símbolo nacional é sem dúvida a língua. As dúvidas acerca da língua
de interacção verbal, que por sua vez é: o lugar de actividade
e em grande parte, está a seguir os hábitos linguísticos da sua sobretudo na zona onde Timor está inserida, não são como a arraia oficial envolvem também importantes questões acerca da identidade
colectiva de produção de sentido, que aliás, em certos pontos,
comunidade. Isto nos ajuda para compreender a construção do de Espanha e Portugal que foi fixada pelo tratado de Alcanizes há nacional” (Hall 2002).
implica também o sistema de negociações explicitas ou implícitas
discurso com certas interpretações. 700 anos atrás, é simultaneamente declarado como uma fronteira Naturalmente, a evolução linguística tem vindo a provocar
da interacção (Kerbrat-Orecchioni 1990). Por isso, o homem na sua
Como corolário da reflexão aqui desenvolvida, sobre a língua e cultural, linguísticas e política. No entanto, as fronteiras com que o desaparecimento de algumas línguas do nosso planeta terra,
integração social enquanto emissor e destinatário deve compartilhar
a cultura, vale a pena advogar que a língua pode evoluir sem uma deparamos na Ásia do Sueste são, de um modo geral, fronteiras absorvidas por outras de maior expressão ou reduzidas a minorias
os códigos e negocia os sentidos e posições. Assumindo assim,
ruptura com sua originalidade cultural. Certas línguas têm espaço mais ou menos recentes, que escondem por detrás de si outras circunscritas. Desde meados do século XX até hoje, as principais
a sua posição como negociador de sentidos para pôr a dimensão
para adaptações transculturais e comunicação, e não podem fracturas e outras linhas de união. Por exemplo, para além do que é línguas timorenses têm mantido uma percentagem de falantes
técnica da linguagem em acção, porque ela é um dispositivo por
realmente ser parte de qualquer cultura. Além disso, muitas línguas hoje a Indonésia, há povos que têm a mesma língua, como é o caso semelhante ou manifestado uma tendência para a diminuição, como
excelência da comunicação humana. Isso significa que toda a
são utilizadas por diferentes culturas, isto é, a mesma linguagem da Malásia e de um naco da Tailândia, ou línguas da mesma família, é o caso do tokodede e do kemak. Entre as línguas de Timor é o
actividade humana é regulada pela linguagem e, simultaneamente,
pode ser usada em várias culturas, é como o caso da língua uma vez que as línguas do grupo austronésico ou malaio-polinésico tétum que manifesta a maior tendência para crescer. Bem se sabe
mediada pelo agir comunicativo (Habermas 1987).
portuguesa onde se exerce a função como língua oficial da CPLP se estendem para ocidente até Madagascar, enquanto para oriente que é uma língua nacional – usada por cerca de 80% da população
Outra questão a ser ressaltada é, por exemplo, ao aprender a
(Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e
língua materna, o homem assimilará as características pertinentes
Príncipe, Guiné Bissau e Timor-Leste).
àquela região. Os factores como a região, o tempo e o grupo social, 2 A este propósito, veja-se: Ferro, João Pedro (1998), “Os Contactos Linguísticos e a Expansão
são caracterizadores da existência de variedades linguísticas. Ou da Língua Portuguesa”, in Marques, A. H. de Oliveira (coord), História dos Portugueses no
Extremo Oriente, vol 1, tomo I, p. 357-363.

76 77
– embora seja língua materna apenas de 23% da actual população. pacifiques ou nom” (Almeida 1975:311). A mesma ideia é partilhada católico falantes de um crioulo de Português e Malaio, que mais Português e Tétum como um dos
Algumas opiniões divergem quanto ao agrupamento também por seu amigo António A. Mendes Correia, justificando que tarde considerada como portadora de uma “cultura híbrida que
sociolinguístico de Timor-Leste. Os estudos desenvolvidos pela “em Timor os grupos étnicos estão numa pulverização máxima e vai da cozinha ao vestuário, religião, transferências linguísticas e pilares da identidade nacional
Missão Antropológica de Timor concluíram que existe pelo menos irregular, de que as diversidades linguísticas dão a medida” (Correia musicais” (Gunn 2001:17).
de 31 grupos etnolinguísticos3. O mesmo argumento é partilhado 1944:117). Quanto ao número de falantes, segundo dados da Direcção Se qualquer língua pode ser adquirida, a sua aquisição
também pelo investigador australiano Geoffry Gunn (1999). Para A situação linguística existente em Timor-Leste antes de 1974- Nacional de Estatística de Timor-Leste considera que o tétum, o exige grande parte da vida de uma pessoa: cada nova
este autor, os padrões etnolinguísticos de Timor-Leste foram 1975 apresentava três contextos: a utilização das línguas locais mambae, o kemak4, o tokodede, o bunak, o baiqueno, o aoni, o conquista luta contra dias cada vez mais curtos (Anderson
constituídos pela história de migrações e convergências de povos como forma de comunicação nas diferentes regiões; a utilização do galole, o makassai e o fataluku, são línguas de maior relevância 1983 [1991])
portadores de diferentes influências culturais, nomeadamente, de tétum, enquanto língua veicular, ou seja, funcionando como meio no território. Há que ter em conta também as línguas de menor
origem de uma cultura malaio-polinésia, vinda de sudoeste asiático, de comunicação entre as diferentes regiões e o uso do português, relevância. A estas línguas regionais há que juntar mais três, que A língua é um factor de identidade e um dos instrumentos mais
melanésia (vinda do Pacífico Sul) e a cultura cristã romana instruída enquanto língua administrativa, uma vez que era a única língua tiveram originariamente um papel diferente, mas hoje funcionam, importantes da herança cultural de um povo. Fernando Pessoa
pelos portugueses. Linguisticamente, a ilha de Timor é ocupada por escrita ensinada nas escolas e nas catequeses. Como descreve como elas, apenas como instrumento de comunicação em espaços chega mesmo a proclamar a identificação total entre “língua” e
duas famílias linguísticas distintas: austronésia e papua. Na parte Luís Costa: “as línguas de Timor correspondem às necessidades sociais restritos: por exemplo, o dialecto chinês hakka, falado pela “pátria” na célebre asserção: “A minha pátria é a língua portuguesa”.
ocidental de Timor encontra-se duas línguas de raiz austronésia, são de comunicação quotidiana, descrevem uma visão particular de minoria chinesa, composta essencialmente por comerciantes de Nesta estrofe, o poeta português assume a sua identidade pessoal
de atoni e tétum. No Timor-Oriental encontra-se mais de catorze e uma realidade e a forma como a comunidade que fala essa língua retalho espalhados pelos pequenos centros comerciais do território; enquanto um ser lusitano e reafirma-la firmemente de forma
mais línguas (Gunn 1999:43; Thomaz 2002). A esta heterogeneidade conceptualiza o mundo que a rodeia” (Costa 2005:614-615). o Malaio, falado por uma comunidade muçulmana de quatro provocatória e controversa, dizendo “Triste de quem vive em casa,
linguística de Timor, António de Almeida atribuía três elementos que Em seu artigo Língua e cultura na construção da identidade de centenas de indivíduos enquistada nos arredores de Díli conhecido Contente com o seu lar”, e “triste de quem é feliz” (Pessoa 2010:
é por ele considerado fundamental na caracterização das múltiplas Timor-Leste, Geoffrey Gunn examina a interacção correlativa entre por Campo Mouro; e o hoje quase extinto dialecto crioulo conhecido 111). É verdade que, o poeta pretende mostrar a felicidade de sua
identidades linguísticas timorenses: “insularité, existence d’une a língua e uma noção ampla da cultura. Na sua abordagem, este por “português de Bidau”. Pátria Portugal porque este foi construído por um império de longo
orographie vigoureuse (…) et sourtout les migrations humaines investigador australiano parte-se com a incursão da tese de Samuel tempo com características espirituais e eternas aspirações lusitanas
Huntington sobre o contexto civilizacional, acabando por concluir e cristãs, ou pretende mostrar que a felicidade torna o homem
que nas afinidades identidade múltiplas de Timor com a região onde calmo e sem ter o sonho, sabendo que um ser “vive porque a vida
3 Estes 31 grupos etnolinguísticos são atribuídos a população da colónia portuguesa (do actual
Estado Timor-Leste). Da ilha de Timor eram 28: Bàiquêno, Bècáis, Búnaque, Dàdua, Dagadá
se insere, prevaleceram a “experiência e os contactos coloniais e dura” e nada mais espera porque “Nada na alma lhe diz”. O que é
ou Fáta Luco, Galólen, Hábo, Idátè, ísni, Làcalei, Lólén, Lovaia-Epulo ou Macu’a, Macalère, as influências civilizadoras [europeias: português e holandês] que que Pessoa pretende ilustrar com estrofe, é tentar ajudar o homem
Macassáe, Mambáe, Maráe, Midíqui, Nai Damo, Ná-Ine, Ná-Náhèque, Nauéti, Óssò-Mócò, dividiram as duas metades da ilha” (Gunn 2001:17). A partir deste 4 De acordo com Geoffrey Hull (1999 e 2002) que em termos de escrita e da fala, o dialecto a compreender a paragem da sua última viagem que nenhum ser
Quémaque, Réssuque, Sá-âni, Tétum, Tócodéde e Uái Má’à. Os restantes 3 ocorriam na ilha da língua Kemak (Ema) na sua origem foi influenciado por línguas da população das ilhas
de Ataúro: Raclu’Un, Rái-Ésso e Óco Midíqui (Almeida 1975:310).
contacto que resultou a formação de comunidades crioulas (núcleo Malucas do Sul.
escapará, isto é, embora vive triste e feliz no seu lar à espera da

78 79
morte finita: “Ter por vida a sepultura” (Pessoa 2010: 111). é também um espelho da nação e eleva-la de forma tão grandiosa François Etienne Rosely, comandante de um navio francês que em culturais e administrativas”6. Contudo, na época da colonização
“Se a alma que sente e faz conhece” porque ela é o fio condutor como as outras; deve confundir-se com a nação porque está 1772 aportou a Timor. Na oportunidade visitou as localidades de portuguesa, a instrução entre os timorenses não foi bem abordada
da memória do homem, sendo por isso, existe memória num ser enraizar-se nas profundezas históricas que possuir as marcas do Lifau e Díli e outras zonas costeiras. De tudo quanto observou, disse: pedagogicamente; por outras palavras, os factores que impediram
sem esquecer o que aconteceu. O Viriato é real histórico para o povo. Dessa forma, a língua é um elemento de identidade nacional “quase todos os chefes falam português e nos reinos vizinhos dos o processo de instrução foram o deficiente regime escolar, os
povo Portugal, louvando-o como herói e defensor da identidade que passa a ser considerada como um factor indispensável do portugueses é a língua geral [...]. Conheci alguns muito sensatos, programas inadequados e os objectivos indefinidos; e ainda porque
Lusitânia, da primeira nacionalidade portuguesa, “Assim se Portugal sentimento de pertença a um povo e intimamente ligada à figura espirituais, engenhosos, sinceros e de boa fé, entre os quais um, a maior parte das escolas funcionava em regime de semi-internatos
formou” (Pessoa 2010:31). É uma nação que ainda o não era, mas do Estado-Nação. Pois é usada nas instituições como o exército, muito versado na história da Europa”5 (Thomaz 1994:645). É curioso e a distância de casa à escola era bastante grande.
cujas raízes ilustravam a futura identidade Lusitana, que neste caso as instituições políticas democráticas ou o ensino público que perceber que, 229 anos volvidos, testemunho idêntico é dado por Antes da invasão indonésia, a língua tétum, era a mais usada
refere-se a identidade Lusitana imaginada construída nas colónias. sustentam uma cultura nacional e congregadora. Neste sentido, um emérito linguista australiano que diz: “o maior legado civilizacional na comunicação quotidiana, sendo a portuguesa uma língua de
É como o caso de Timor, identificou-o como um Timor Lusitano ou a língua “é um lugar de memória, de resistência e de afirmação dos portugueses – e dominicanos – no arquipélago foi, sem dúvida, menor circulação, não obstante o seu ensino ser oficial. Após a
um Timor Português, dependendo do contexto em que se manifesta cultural, [e congrega as] raízes simbolizas da identidade nacional” a criação de numerosas comunidades crioulas, especialmente nas invasão do território pela Indonésia (que trouxe consigo a interdição
tal expressão identitária. (Stilwell 2000:185). Flores, Solor e em Timor. Como seria de esperar, estas comunidades da língua portuguesa) o tétum reforçou a sua condição de língua
Quando se escolhe uma língua para ser a língua oficial de um Se alguém venha a afirmar que o português é uma língua são católicas, os nomes e apelidos foram aportuguesados e a língua dominante, já que era falada em todo o território. A interdição do
país, como o ilustram os casos de Timor-leste ou de Moçambique, estrangeira ou colonizadora, por um lado, é verdade, mas por outro portuguesa pode ter sido falada” (Gunn 2001:17). uso do português nas celebrações religiosas, beneficiou o estatuto
em que a Língua Portuguesa foi adoptada como língua oficial, tal lado, uma língua que reflecte e preserva a cultura e identidade Regina de Brito, no seu artigo “O português de Timor- da língua tétum-praça, uma vez que a igreja timorense se viu na
decisão constitui um verdadeiro acto instaurador de identidade linguística timorense. Como se nota no primeiro instante antes da Leste”, sustenta que “Indiscutivelmente, a administração colonial necessidade de traduzir, para a língua autóctone, vários “textos
como o reconhece o escritor moçambicano Mia Couto. No caso invasão australiana à Timor em 1942 ou a invasão indonésia em privilegiava o português como língua de instrução, ensinada nas sagrados”, contribuindo desse modo para a valorização do tétum.
de Timor a adopção do “português” como língua oficial faz parte, 1975, a língua portuguesa já estava enraizada na terra dos timorense escolas (e, naturalmente, veiculando conteúdos da cultura lusa), Parecendo paradoxal, a escolha da língua portuguesa como
juntamente com o “tétum” e outras línguas locais como elementos desde mais 400 anos. O que significa os bisavôs timorenses já que se empregava na modalidade escrita e nas diversas actividades língua oficial de Timor-Leste, em vez de desvalorizar o tétum, veio
indispensáveis da Identidade Nacional de Timor-Leste. falavam e entendiam o português antes de o capitão Cook ter dar um contributo para o seu desenvolvimento. Vale a pena lembra
A escolha de uma língua em função de um património nacional pisado o solo australiano em meados do século XVIII; ou seja, antes que há uma relação secular entre uma e outra língua e que no tétum
e de modo mais abrangente, na medida em que se considera como os australianos terem a sua língua dita oficial; ou antes os jovens 5 Tal experiência tendo em conta também no curioso testemunho da escocesa Anna Forbes, existe uma grande quantidade de termos de raiz portuguesa. E é
que visitou a Timor em 1882: “É estranho não se ouvir malaio em Timor, já que o malaio se
figura representativa. No entanto, a justificação da escolha de uma nacionalistas indonésios declararam a língua indonésia como língua fala em todo o arquipélago civilizado. Mas aqui, os nativos têm de aprender a língua dos seus
justamente essa característica que confere ao tétum uma identidade
língua é fundamentada sempre pela expressão de qualquer ideia, oficial do seu país, em 1928; o português já havia sido assente em senhores (portugueses) se querem ter algum contacto com eles (...). Os nossos criados de
de qualquer realidade: das mais antigas às mas modernas, das Timor-Leste. Amboína, que estiveram connosco em Timor-laut [=Yamdena], dizem que terão gosto em ir
connosco a qualquer parte do arquipélago menos a Timor, porque ali ninguém fala a língua 6 Regina Helena Pires de Brito, O português de Timor-Leste, o texto está disponível em http://
mais abstractas às mais concretas. Pretendo afirmar que a língua Devido a este facto, é interessante registar o testemunho de deles, além de que os nativos são muito diferentes...” (obs cit. Hull 2002b). www.fflch.usp.br/eventos/simelp/new/pdf/mes/03.pdf (consulta a 23/11/2010).

80 81
única que a torna distinta das outras línguas dos países asiáticos e timorense, com um certo grau de escolaridade, retratam realizações O português faz parte da história e do povo timorense7 e é um lado da ilha, que também falam Tétum tendo em conta ainda que a
do Pacífico Sul. linguísticas que formam a regra geral da composição da frase que elemento essencial da sua identidade nacional, sendo que “o facto Indonésia se pauta pela “unidade na diversidade”, aos timorenses
No Congresso do CNRT, realizado em Díli em 2000, o linguista se podem encontrar em Timor-Leste. Uma análise dos enunciados de ter sobrevivido à perseguição que lhe foi movida, prova que é afigurava-se-lhes importante cultivar a desigualdade.
australiano Geoffrey Hull veio reforçar a ideia atrás exposta, do quadro anterior permite-nos constatar que no caso da frase parte da cultura nacional” (Mendes 2005:324). Destaca também Num Timor-Leste pluri-linguístico, temos fundamentalmente,
aconselhando os timorenses a escolherem o Português como a sua exemplificada em 1, nota-se que o falante reportou literalmente o Geoffrey Gunn (2001) que a execução da herança portuguesa o Português e o Tétum com as suas vantagens e desvantagens.
língua oficial em vez do inglês, porque para ele, o Tétum para sobreviver adjectivo complemento da expressão portuguesa “condição” para pelos timorenses é para contrapor a cultura indonésia e respectivas A vantagem do Tétum é ser falado recentemente pela maioria da
precisa do Português, pois estas duas línguas coexistiram num o tétum “kondisaun”, o que altera é a letra “C” para a letra “K” e influências na formação das gerações novas. No mesmo sentido, população timorense. Basta só ver a sua oficialização pela hierarquia
relacionamento mutuamente benefício, sendo por isso, o português o sufixo “são” para o “saun”. Isto é, na sua categoria de género, importa afirmar que apesar da brutalidade e da repressão cultural da Igreja Católica de Timor contrapondo-o ao “bahasa indonésio”.
é o suporte natural do tétum no seu desenvolvimento continuado. em concordância com a manutenção do sentido a que se refere a incrementada pela colonização indonésia, a língua e cultura Daí começar a escrevê-lo por questões morais [doutrinais] e
Aponta ainda o autor que o Instituto Nacional de Linguística da situação em questão não se altera radicalmente. Em frase 2 na fórmula portuguesa que chegaram à região de Timor-Leste há cerca de 500 litúrgicas. A Língua Portuguesa tem todas as vantagens como
Universidade Nacional de Timor-Leste: “ (…) reconhece o tétum- A, o predicado “vestido” e o substantivo do verbo complemento anos, continua persiste teimosamente. meio de comunicação oral e o seu uso como língua escrita tem
praça (o dialéctico tétum de Díli) agora considerado segunda língua (“podemos vestir”) não são flexionados de modo a concordar com O Português foi a língua utilizada pela Resistência durante a luta rigor científico, por outras palavras, o papel fundamental da língua
em todo Timor-Leste) como a base da língua literária nacional, hoje o determinante a que se refere na fórmula B (“com certeza”), e do pela independência e a sua utilização marcou uma diferença cultural portuguesa na civilização timorense é completamente inquestionável
em dia apelado tétum nacional” Hull & Eccles (2005:XVI). mesmo modo, a determinada divulgação de informação a que se face à Indonésia, sobretudo “rede comunicativa de maior valor (Hull (2002a:39), porque desempenha um papel fulcral na manutenção
Desta forma destacaremos agora apenas alguns exemplos de constata na fórmula C (“podemos vestir com certeza”) também não simbólico” (Carvalho 2001:70). Entretanto, por imposições política, das línguas locais, transformando-as de forma gradualmente como
expressões portuguesas que suportam o tétum: corresponde a referida questão expressada na respectiva fórmula A a língua indonésia passou ser declarado como língua oficial em génese da cultura nacional de Timor-Leste.
As quatros produções (1-3) que correspondem à fala de um e B. Apesar de linguisticamente, uma expressão errada suportada Timor-Leste e o tétum tornou-se como língua oficial, dita litúrgica da Tal vantagem é vista por Geoffrey Hull (2001) como preservadora
pela comunicação oral, não implica a compreensão do locutor sobre Igreja Católica. Etnicamente parecidos com os indonésios, do outro da variedade da identidade linguística da Nação de Timor-Leste,
Falar Português Falar Tétum o determinado objecto que tinha constatado na sua interacção. Em porque para ele o português não constitui uma ameaça para a ordem
Não podes ir à escola amanhã porque a tua Aban lalika ba eskola tamba ó nia kondisaun frase 3, não se procedeu à flexão do adjectivo “amigo” de forma a linguística tradicional. Nota-se isso na experiência de países que
condição não está bem. la’dun diak concordar com a forma verbal a que se refere (éramos), pois, de 7 A esta trajectória histórica e cultural, Xanana Gusmão era presidente da RDTL, participou no adoptaram o português como língua oficial: conseguiram manter as
A: Irmã! Qual é vestido que podemos vestir A: Madre! aban ami hotu tau bistido sá? facto é uma expressão adjectiva que forma o sentimento pessoal na IV Conferência de Chefes de Estados e de Governo da CPLP, realizada em Brasília – Brasil de suas línguas locais. De facto, na ordem histórico-cultural, a língua
amanhã? B: kon serteja 1 de Agosto de 2002 e defendia que: a escolha do português é “a opção política de Natureza
B: Com certeza A: Hei rona mai! Madre boot dehan aban ita
condução do “eu” a reconhecer do “outro eu”. estratégica que Timor-Leste concretizou com a consagração constitucional do Português
portuguesa tem-se mostrado mais capaz de se harmonizar com as
A: Hei ouvem! Irmã Superiora disse que amanhã hotu tau kon serteja. como língua oficial a para com a língua nacional, o Tétum, reflecte a afirmação da nossa línguas indígenas do que o inglês. No âmbito internacional, ela é um
podemos vestir com certeza. identidade pela diferença que se impôs ao mundo e, em particular, na nossa região onde, idioma de importante relevo no mundo globalizado e mais falada do
deve-se dizer, existem também similares e vínculos de carácter étnico e cultural, com os
Éramos amigos Amigos hori uluk kedan
vizinhos mais próximos. Manter esta identidade é vital para consolidar a soberania nacional”.
que outras línguas do mundo (russo, japonês, alemão, francês ou

82 83
javanês) com mais de 180 milhões de falantes na Europa (Portugal interessados, extraídos do 1º Congresso da Educação realizado em As ideias de um indivíduo estão diferentemente derivados no uso a possibilidade de a Língua Portuguesa poder chegar rapidamente
e Galiza), África (dos PALOP), Brasil e Timor-Leste, incluindo três Díli, de 29 a 31 de Outubro de 2003, indicavam que os indivíduos da linguagem dentro de sua cultura e todo o entrelaçamento destas a todos os timorenses no interior do país e em condições de ser
pequena áreas da Ásia (Goa, Malaca e Macau). com domínio efectivo, oral/escrito do Português não ultrapassariam relações começam com seu nascimento. útil para o cidadão de uma nação de língua oficial portuguesa e da
O problema de consolidação e de manutenção do português os 7 – 8%”, oscilando para os 11%, de acordo com documento de A composição multiétnica de Timor-Leste é uma realidade comunidade de países da mesma língua.
como língua de cultura e de língua oficial de Timor-Leste dependerá UNTAET (Carvalho 2001:70). largamente comprovada pela coexistência de 31 grupos étnico- A realidade hoje nos admite que no seio de todas as línguas de
muito da política educacional, da mobilização dos vários sectores No 2º Congresso Nacional de Educação, realizado em Dezembro linguísticos, entre os quais se foram sedimentando, ao longo dos expressão global, como o inglês, o espanhol, português ou o francês,
da sociedade timorense, da disposição da comunidade e do apoio de 2008 na capital de Timor-Leste, o ex-primeiro-ministro timorense, tempos, os traços de uma cultura comum que o uso da língua tétum são reforçadas pelo processo de mestiçagem, ou crioulização, a que
dos países lusófonos (Brito & Martins 2004:77). Pois, em certos Alkatiri, salientou que cresceu cada vez maior de jovens timorenses se encarregou de difundir. todos os idiomas estão sujeitos, em todas a parte. É por isso que,
modos, a questão das línguas nacionais, como então designada, em começa a falar e a escrever português. Estamos a assistir a um Vimos que a língua portuguesa (língua oficial) é um património surge as variedades dialectais da mesma língua, no caso do inglês,
posição de representação que emerge a afirmação de identidade processo de reapropriação cultural, talvez melhor, de ressurreição cultural que os timorenses guardam ciosamente. Atente-se, muito por exemplo, inglês da Austrália, inglês da América; ou no caso da
nacional, viva, nos versos de Luís de Camões que trouxeram Timor cultural e linguística, reafirmando aquilo que é nosso em detrimento especialmente, no facto de ela desempenhar a função de suporte língua portuguesa é do português Brasil. No entanto, nós somos
ao conhecimento do mundo: Alí também Timor que lenho manda; daquilo que nos é imposto (Notícia Lusa 10/12/2008). O que nos natural da língua tétum (língua nacional) uma vez que esta necessita mestiços e crioulos na cultura e na língua. A esse propósito, Adriano
Sândalo salutífero e cheiroso. parece um discurso esperançoso ao aumento do número falante da língua portuguesa para se desenvolver. De um ponto de vista Moreira invocou a delicada expressão de Eduardo Lourenço sobre
O relatório do Programa das Nações Unidades para o português no cheio da população juvenil, que segundo dados afectivo, lembremos que o português foi a língua da resistência e o a língua portuguesa, a qual justifica “A língua também é nossa”,
Desenvolvimento – PNUD de 2002, sustentou que “o Inquérito às de recenseamento de 2006 afirma que 37% da população fala veículo da comunicação clandestina nos períodos conturbados da cuja afirmação identitária de ser “português e lusitano”, ao mesmo
Famílias de 2001 mostrava que 82% da população falava tétum8, português. guerra pela libertação. Por tudo isso ela merece ocupar, juntamente tempo, afirmou Moreira: “o português não é nosso, mas já é nosso”.
ao passo que 43% conseguia falar indonésio. Apenas uma pequena com a língua tétum, um importante lugar na afirmação cultural do Isto justifica que a língua portuguesa não é dos portugueses, mas
proporção, principalmente pessoas mais velhas e a comunidade dos povo de Timor-Leste. sim, dos países da língua oficial portuguesa9. Assim, que lusofonia
que estiveram exilados, falava português, enquanto uma proporção
Reflexão final Entendemos que no contexto sócio-aprendizagem, o ensino da funciona e tem sua relevância.
ainda menor falava inglês (2%) (PNUD 2002:37-38). De acordo língua portuguesa aos jovens timorenses ainda é visto como uma Num mundo globalizado, a reflexão sobre a política das línguas
com os dados de recenseamento de 2004, 13,6% da população Neste trabalho, objectivou-nos na abordagem das relações entre língua segunda; no entanto, os indícios de aprendizagem mostram no contexto mundial contemporâneo é muito importante. Isto é, fazer
fala português, mas a percentagem cresceu um pouco, porque a língua e a cultura, particularmente o que diz respeito a cultura e que apesar de o número de contacto dos aprendentes é crescer ligar à temática desenvolvida em torno da relação entre a linguagem
o português tem sido ensinado à geração mais nova e a adultos múltiplas identidades linguísticas em Timor-Leste. cada vez mais, sendo assim, mantém-se a sua posição como língua
Percebemos que a relação entre língua e cultura está estrangeira. Isso não justifica que a posição da Língua Portuguesa
profundamente enraizada na vida social de uma sociedade. A língua como língua oficial esteja em causa, o que é mais importante é haver 9 Tal afirmação foi declarada na conferência internacional “Cultura e Identidade Nacional entre
8 O tétum é a língua materna de cerca de 16% da população (Relatório do Banco Mundial de o Discurso e Prático” que teve ocorrido no dia 16 a 17 de Maio de 2009 na FCSH-UNL, cuja
é utilizada para transmitir a cultura e os laços culturais de um povo. um maior número de timorenses falantes do português, dando assim
Dezembro de 2003) promovida pelo CEPESE da Universidade do Porto

84 85
humana – seus sistemas, seus usos e seus produtos – e os processos Bennett, Milton J. (1998), “Intercultural communication: A current perspective”, in Gunn, Geoffrey (1999), Timor Lorosae 500 anos, Lisboa: edição portuguesa – livros Hall, Stuart (2002), A identidade cultural na pós-modernidade, Rio de Janeiro:
Milton J. Bennett (ed), Basic concepts of intercultural communication: Selected do Oriente DP&A.
de globalização económica, social e cultural que definem o mundo readings. Yarmouth, ME: Intercultural Press.
contemporâneo. Inglês é uma língua de globalização, mas deve Gunn, Geoffrey (2001), “Língua e cultura na construção da identidade de Timor- Kerbrat-Orecchioni, Catherine (1990), Les interactions verbales, Paris: A. Colin.
considerar também à situação de outras línguas europeias como o Correia, António Augusto Mendes (1944), Timor Português – contribuições para o Leste”, in Revista de Letras e Cultura Lusófonas, nº 14 (p.16-25), Lisboa: Instituto
seu estudo antropológico, Lisboa: Imprensa Nacional. Camões. Leach, Edmund (1964), “Animal categorial and verbal abuse”, in E. H. Lenneberg,
português que faz parte de uma língua internacional falada por mais New Directions in the Study of Language, Cambridge: MIT Press.
de 180 milhões falantes nos cinco continentes. O uso de línguas – Costa, Luís (2001), “O tétum, factor de identidade nacional”, in Revista de Letras e Goffman, Erving (1980), Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade
como o inglês e o português – em zonas de contacto multilingue Cultura Lusófonas, nº 14 (p.59-64), Lisboa: Instituto Camões. deteriorada, Brasil: Zahar Editores. Mendes, Nuno Canas (2005), A multidimensionalidade da construção identitária em
Timor-Leste. Lisboa: ISCSP-UTL.
e multicultural é bem perceptível nos olhos dos observadores e Costa, Luís (2005), “Línguas de Timor”, in Dicionário Temático da Lusofonia, Lisboa: (Goffman, Erving 1993), A apresentação do eu na vida de todos os dias, Lisboa,
até dos próprios falantes dessas línguas. O inglês é uma poderosa Texto editorial. Relógio D’Água. Pessoa, Fernando (2010), Mensagem, Lisboa: Centro Atlântico
língua que não se preocupa com a sobrevivência de outras línguas
Carvalho, Maria Albarran de (2001), “Panorama linguístico de Timor: identidade Habermas, Jürgen (1987),Théorie de l’agir communicationel, vol. 2, Paris : Fayard. Relatório do Desenvolvimento Humanos de Timor-Leste 2002, Ukun Rasin A’na:
no mundo; ao passo que o português é uma língua que sustenta regional, nacional e pessoal”, in Revista de Letras e Cultura Lusófonas, nº 14 (p.67- o caminho à nossa frente, publicado por Programa das Nações Unidas para o
a preservação e manutenção das línguas de outros povos que o 79), Lisboa: Instituto Camões. Hull, Geoffrey (1999), “The languages of East Timor: 1772-1997: A Literature Desenvolvimento – PNUD, Díli: UN Agency House. http://pascal.iseg.utl.pt/~cesa/
adoptam como sua língua oficial, é como no caso da CPLP. Review”, in Studies in Languages and Cultures of East Timor, Sydney: University of rdhtl_final.pdfm (consulta a 11/12/2010).
Western Sydney Macarthur.
Crespi, F (1997), Manual de sociologia da cultura, Lisboa: Estampa.
Hull, Geoffrey (2001), “Língua, identidade e resistência”, in Revista de Letras e Stilwell, Peter (2000), “Timor: pensar a questão da língua”, in AAVV – Timor: um país
Bibliografias Rodrigues, Adriano Duarte (1996), Dimensões pragmáticas do sentido, Lisboa:
Edições Cosmos.
Cultura Lusófonas, nº 14, (p.14-25), Lisboa: Instituto Camões. para século XXI, Lisboa: Edições Atena.

Hull, Geoffrey (2002), Identidade, língua e política educacional, Díli: Instituto Stewart, E. C & Bennett, M. J (1991), American cultural patterns: A Cross-Cultural
Almeida, António de (1975 [1994]), “La tache pigmentaire congénitale chez des Rodrigues, Adriano Duarte (1999), As técnicas da comunicação e da informação, Camões. Perspective, Yarmouth, USA: Intercultural Press.
nouveaux nés du Timor portugais”, in António de Almeida, O oriente de Expressão Lisboa: Editorial Presença.
Portuguesa, Lisboa: Fundação Oriente, p. 303-318. Hull, Geoffrey (2002a), The languages of East Timor some basic facts, Díli: INL- Thomaz, Luís Filipe (1994), De ceuta a Timor, Lisboa: Edição Difel.
Ferro, João Pedro (1998), “Os contactos linguísticos e a expansão da língua UNTL
Anderson, Benedick (1983 [1991]), Imagined communities. Reflections on the Origin portuguesa”, in Marques, A. H. de Oliveira (coord), História dos portugueses no Thomaz, Luís Filipe (2002), Babel Lorosae: o problema linguístico de Timor-leste,
and Spread of Nationalism, New York: Verso. extremo oriente, vol 1, tomo I, p. 357-363. Hull, Geoffrey (2002b), “Língua portuguesa: o último capítulo da Reconquista”, Lisboa: Cadernos Camões.
in Revista Janus – Anuário de Relações Internacionais, Lisboa: Universidade
Brito, Regina. H. P & Martins, Moisés Lemos (2004), “Moçambique e Timor-Leste: Fonseca, Fernanda Irene (1994), Gramática e pragmática – estudos de linguística Autónoma de Lisboa. Thompson, J.B (1998), Ideologia e cultura moderna: Teoria social e crítica na era
onde também se fala o português”, in Actas do 3º Congresso Português da geral e de línguística aplicada ao ensino português, Porto: Porto Editora. dos meios de comunicação de massa, Rio Janeiro: Vozes.
SOPCOM – do IV LUSOCOM e II IBÈRICO, volume III, Covilhã: Universidade da Hull, Geoffrey & Eccles, L (2005), Gramática da língua tétum, Lisboa: Editora LIDEL.
Beira Interior, 22 a 24 de Abril.

86 87
O que não pode florir no momento certo acaba explodindo participação nos dois “reinos psíquicos e culturais” (MEMMI, 1977:
depois. 97), isto é, a interacção mundivivencial e ideológica entre os universos
(Outro dito de Tizangara, O Último Voo do Flamingo) culturais em presença, o africano e o europeu, de que se fazem as
literaturas africanas em línguas europeias. Estes dois universos vão-
No seu livro Retrato do Colonizado Precedido do Retrato se contaminando de forma irreversível e daí emergindo uma outra
do Colonizador (1957), o tunisino Albert Memmi afirma que a língua, que a escrita literária capta, tanto a nível da inventividade
“dilaceração essencial do colonizado encontra-se particularmente linguística (morfo-sintáctica e lexical), porventura a mais visível
expressa e simbolizada no bilinguismo colonial” (1989: 96), que não
Estratégias convergentes da se confunde com qualquer dualismo linguístico, porquanto língua
das contaminações, quanto a nível da ontologia da língua que a
materialidade discursiva regista, porém que a compreensão leitora
diversificação da língua portuguesa está a ser aqui pensada na ampla acepção, isto é, como veículo de
cultura, “uma língua nem escrita nem lida, que só permite a incerta e
nem sempre descodifica. Não admira que em O Último Voo do
Flamingo, num piscar de olho ao leitor, o tradutor moçambicano se
(o exemplo das literaturas africanas) pobre cultura oral” (MEMMI, 1989: 96). Memmi adianta ainda que o afirme incapacitado de traduzir a realidade dos outros ao estrangeiro
domínio das duas línguas pelo escritor que escreve em situação de italiano das Nações Unidas, ou que o jovem Mariano de Um Rio
colonização (leia-se, no caso, africano) – a saber: a língua europeia, Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra afirme:
do colonizador, e a língua africana através da qual interpreta o
mundo (mesmo que não língua materna)1 – permite ao escritor a Não é a língua local que eu desconheço. São esses outros
Inocência Mata idiomas que me faltam para entender Luar-do-Chão.
(COUTO, 2003: 211)
Universidade de Lisboa 1 O senegalês Makhily Gassama discorda desta noção de “língua materna”: “A notre avis
– diz ele – il faut donner à la expression langue maternelle une extension plus large: pour
Portugal Esta ideia de mundos intraduzíveis reforça essoutra de “outros
nous décourager dans nos enterprises relatives à l’enseignement de nos langues, certains
“spécialistes” nous effrayent en brandissant des chiffres : l’Afrique compte environ 2.000 idiomas” existentes na língua que são as crenças, as tradições e
langues et dialectes ! Ce chiffre, pour nous, est insignifiant: le problème n’est pas de quantité.
as outras linguagens culturais que fazem a ontologia da língua e a
Toutes ces langues sont crées pour exprimer des valeurs communes, des sensations
communes. Elles sont des langues-sœurs, ou, si l’on nous permet ces expresions, elles ne fazem elemento importante de identidade. Não admira por isso que
sont ni parallèles ni convergentes; elles se superposent. Aussi le baoulé est-il plus apte à Paul Zumthor, numa visão ainda disjuntiva entre oralidade e escrita,
exprimer mes realités sénégalaises que l’allemand ou le français. ” Kuma – Interrogation
afirme ser este lugar (o dos códigos literários) o da voz que a palavra
sur la Littérature Nègre de Langue Française (poésie-roman), Dakar-Abidjan, Les Nouvelles
Éditions Africaines, 1978. p. 18-19. escrita tem de recuperar, num jogo que tenta reconstruir uma “língua

88 89
outra” para traduzir culturas em contacto. Por essa operação, O jogo linguístico três escritores: Uanhenga Xitu, Luandino Vieira e Mia Couto (na sem olhar para quem o saudava. “Ele mesmo quando passa na
realiza-se a transformação dos elementos que continuam a construir continuidade de Ascêncio de Freitas), quanto a mim três exemplos gente parece já é branco...” (XITU, 1977: 27); além disso –
a matéria-prima dos escritores que, no entanto, enveredam por da representação da de transformação da língua colonial em língua nativa, materna, na
caminhos diferentes, neutralizando uma possível descontinuidade descontinuidade cultural: esteira do Makhily Gassama, já atrás citado. Nas reuniões em que estivesse com os seus
psico-cultural. Uanhenga Xitu, nome literário de Agostinho André Mendes contemporâneos bundava, sem regra, palavras caras e
Estas não são, porém, pressuposições não problemáticas. Para
os exemplos de Uanhenga Xitu, de Carvalho (1924), escritor angolano famoso pela sua original difíceis de serem compreendidas, mesmo por aqueles que
o escritor queniano Ngugi wa Thiong’o, por exemplo, essa voz só Luandino Vieira e Mia Couto personagem Mestre Tamoda de contaminação ambaquista, do livro sabiam mais do que ele e que eram portadores de algumas
pode ser perpetuada numa literatura em línguas africanas. Talvez “Mestre” Tamoda (1974), é um dos escritores em que é produtiva habilitações literárias.
Ngugi não se tenha apercebido desta visão essencialista que subjaz Neste contexto, o processo da construção de uma “outra língua” a representação da descontinuidade cultural, que resultou da (XITU, 1977: 11)
ao estudo da oralidade e suas categorias, que remete para uma para traduzir culturas em contacto realiza-se entre a descontinuidade dominação colonial, de que esta personagem é o paradigma. Mais
ideologia disjuntiva segundo a qual a ontologia africana é oral, e a transformação das formas que continuam a ser matéria-prima do que uma tensão linguística, que existe, a escrita de Uanhenga Portanto, mais do que tensões linguísticas, ou a “insuficiência”
enquanto a da Europa, eventualmente num estado superior, seria a dos escritores que, no entanto, enveredam por caminhos diferentes. Xitu denuncia sobretudo uma tensão na expressão da cultura e da do código para veicular a alteridade na expressão de realidades
civilização da escrita2: com efeito, o equívoco de que à escrita está Esse jogo, que se realiza no universo da linguagem, mais não é vivência simbólica das personagens, cuja significação não se esgota angolanas (como consideraria Chinua Achebe que por isso advoga
vinculada a ideia de civilização é partilhado por muitos estudiosos, do que o das representações: através da linguagem se procede à na africanização da língua portuguesa. o “desrespeito” em relação à língua do colonizador), porventura
nem sempre com uma visão evidentemente preconceituosa… Por valorização e preservação e simultânea transformação da tradição, Com efeito, a tensão, que é representada como resultado próprias de contextos multilingues, parece-me que estamos perante
isso, discutir ideias aparentemente consensuais impõe-se nestes locus seguro contra a ideologia cultural assimilacionista, aliás um da política do assimilacionismo cultural, passa também pela tensões transdiscursivas. Estas tensões revelam uma fragmentação
tempos em que, em meio de uma insistente filosofia da efemeridade, dos objectivos da colonização expresso no artigo 2º do Acto Colonial tematização do desfasamento entre a estruturação cultural da identitária em que os registos verbais (metonimicamente conotados
a dúvida pós-moderna se insinua muito produtiva. (1933): “possuir e colonizar domínios ultramarinos e (…) civilizar as língua portuguesa e a expressão de uma vivência conduzida em com o saber da letra) ganham significações que apontam para
populações indígenas que neles se compreendem”. outros lugares não harmoniosos de convivência de diferentes: o um funcionamento conflitivo entre sistemas culturais de veículos
Considerando a diversidade de existências de geografias português e o kimbundu, mas também a cidade e o campo, a letra idiomáticos diferentes (português e kimbundu).
culturais diferentes e actualizações geradas nas “zonas de e a voz, a modernidade e a tradição. Tamoda, a quem ironicamente É o que acontece em Manana (1977), outra obra de Uanhenga
contacto” construídas pela/na língua portuguesa e os meandros o narrador chamava “o novo intelectual”, porque se achava “uma Xitu: neste texto, duas filosofias linguísticas se entrechocam, a do
desse processo de diversificação, não obstante as particularidades sumidade da língua de Camões”, num meio em que as pessoas saber da letra (representado por Felito) e da voz (representado
daí geradas se tornarem dialogantes no concerto da sinfonia das falavam kimbundu, agia como um branco (metáfora não apenas do por Manana e sua família). Pode concluir-se por isso que, em
2 Já se sabe que esta questão já foi discutida, e relativizada, por Cheikh Anta Diop em Nations
várias línguas (histórias, expressões, vivências, experiências) que colonizador, em relação metonímica com a língua de dominação), última instância, o trabalho de Uanhenga Xitu tem consistido na
Négres et Cultures (Paris: Présence Africaine, 1954) e por Joseph Ki-Zerbo em Histoire de
l’Afrique Noire (Paris: Hatier, 1972) compõem o sistema da língua portuguesa, tomarei como exemplo segundo as gentes, ao responder desrespeitosamente à saudação oraturização do sistema verbal português, para o angolanizar, isto

90 91
é, para o transformar em “português chão – um português mal Tarrafal, em Cabo Verde nos idos de 60, porém de uma geração personagens luandinas, desconstrutoras da língua, são possuidoras emendei antes de sair de casa!
amanhado – que o povo compreende” (XITU. LABAN I, 1991: 130), literária anterior (pois a sua primeira obra é de 1948), é uma instância de um saber académico que utilizam em prol da causa de libertação Paulo – Mas, quer dizer que faz os poemas com o
num jogo de diferenciação que aponta para afirmação identitária por obrigatória para se perceber a transformação da língua colonial em política, sociocultural, espiritual e psicológica. Atente-se no seguinte dicionário?
via da fala, pois, como lembra Michel Wieviorka, “a experiência da língua nativa, própria, enfim, em instrumento de libertação. diálogo entre dois jovens angolenses, Tomás e Paulo, em “Em Olga (interrompendo) – E aquela palavra, Totó, tão poética,
alteridade e da diferença foi, em todos os tempos, acompanhada de Em todo o caso, em relação a Uanhenga Xitu, outra é a estratégia Estória de Família (Dona Antónia de Sousa Neto)”, uma das três a que encontraste?...
tensões e violências” (2003: 17). de Luandino Vieira perante a língua portuguesa, embora com a estórias de Lourentinho, Dona António de Sousa Neto & Eu, em que Tomás – É verdade! Sem querer, a desfolhar o nosso
Esse processo de recriação linguística ultrapassa, portanto, o mesma eficácia combativa. A linguagem literária de Luandino Vieira Tomás – para quem “sem o [António de]Assis [Júnior] não haverá Assis, dou de caras com aquela palavra altamente poética:
código linguístico e se expande afectando terrenos transdiscursivos releva do saber da letra de substância oral: as suas personagens poesia angolana” – utiliza a palavra miseke na sua poesia em vez masôxi. Má-sô-txi! O dicionário, jovem camarada, é
que, neste contexto, entendo como sendo o complexo cultural não são “confusas” nem assimilaram mal o saber académico, como do plural aportuguesado musseques, por respeito ao “património insubstituível para acumular reservas poéticas...
que atravessa – tomo ainda as duas obras citadas de Uanhenga Tamoda, nem são alienadas e complexadas em relação à cultura sagrado de nossos ancestres antepassados”: (VIEIRA, 1981: 109-110)
Xitu como instância exemplificadora –, tanto a onomasiologia original, como Felito: são, sim, urbanas e conscientes de que a
(a onomástica e a toponímia, sobretudo), como a cenarização (o língua portuguesa é um veículo com futuro se se harmonizar com os Tomás – (...) Conhece o Assis? O que faz Luandino Vieira é actualizar uma consciência meta-
registo das vozes, a rítmica da dicção e a representação dos gestos) substratos culturais. Tal é a postura de João Vêncio (João Vêncio: os Paulo – Qual Assis? O das musicadas? e interlinguística, integrando língua, cultura social e ideologia na
e a sugestão musical: estes são componentes da urdidura textual Seus Amores, 1979) e de Lourentino (Lourentino, Dona Antónia de Tomás – Quais musicadas! O dicionário do Assis. Não? performance literária através de estratégicas discursivas para dizer
que rubrica uma forma mimética à narração e permite identificar, Sousa Neto & Eu, 1981). Não é, por isso, despicienda a afirmação Incrível! Pois jovem, conselho numar um: compre o Assis. o (então) indizível.
na fala literária, a interacção entre a escrita e os textos verbais não de Luandino Viera, em entrevista a Michel Laban no longínquo ano Numar dois: leia e medite esse dicionário3. E talvez eu lhe Em ambos, porém, Uanhenga Xitu e Luandino Vieira, a intenção
escritos incorporados nas culturas locais, que se dão a conhecer de 1988, quando afirma que as interferências da língua popular, pareça profético mas a verdade é esta: sem o Assis não é anti-colonial, com um trabalho não de enfoque socioeconómico
em português fora do seu espaço original e não nativizado ainda. oral, dos anos da resistência, “hoje não são visíveis porque estão haverá poesia angolana! explícito e programático da estética neo-realista de combate e de
Escalpelizando o projecto assimilacionista, a obra de Uanhenga perfeitamente integradas, estão diluídas no discurso (…) sem a Temístocles – Bravo! Lugar aos angolenses ilustres! Assis afirmação identitária, mas através de um trabalho peculiar da língua,
Xitu significa também a um outro nível, segundo uma perspectiva carga agressiva que tinha (VIEIRA. LABAN I, 1991: 418-419). era um preclaro espírito, homem lhano em seu trato... um dos signos mais poderosos de assimilação cultural e, portanto,
pedagógica, pois transgride e transforma não apenas a língua Eis porque não me parece que se possa falar da dimensão Damasceno – Um elevado patriota, cultor dessa bela língua de dominação. Mas em Luandino Vieira a reinvenção é também
padrão mas ainda a própria tradição, tornando-a mais dinâmica, babélica em Luandino Vieira, como em Uanhenga Xitu: a portuguesa que é nosso quimbundu materno. metalinguística e é uma via de resistência e atributo de consciência
mais conveniente com o ritmo das exigências actuais. particularidade reinventiva de Luandino Vieira consiste em fazer Tomás – Pois. O plural de musseque é miseke, jovem. perante a ambiência insuportável à volta: pressão interior e espiritual,
Luandino Vieira, José Mateus Vieira da Graça (1935), nascido emergir as suas personagens de um contexto tendencialmente Mi-se-ke. Com cápa. Segredo artesanal, ainda lhe digo: opressão sociocultural e política.
português e nativizado geográfica e ideologicamente angolano, monolingue, regularmente escolarizado e com uma cultura urbana Por seu turno, Mia Couto, António Emílio Leite Couto (1955),
mais novo que Uanhenga Xitu, com o qual se cruzou na cadeia do e, naturalmente, resultando de um processo transculturativo. As 3 Referência ao Dicionário de Kimbundu – Português, de António de Assis Júnior.
escritor moçambicano com um investimento nítida e necessariamente

92 93
pós-colonial, concilia as duas filosofias reinventivas, com urdiduras (negro-) africano, afirma que, enquanto este busca novos modos de Finalmente, para terminar, devo dizer que é interessante pensar- cultural de outros povos que nele se inscrevem como segmentos de
que encenam um novo país a fazer-se. Nessa encenação expressão, aquele pesquisa a matéria, que não lhes vem da mesma se, neste contexto da intertextualização com as diversas oralidades, um universo plural que se foi formando a partir da Ibéria em busca
entretecem-se saberes de proveniências várias, mormente das maneira: o escritor africano tem atrás de si a cultura africana que quão paradoxal é a consolidação da língua portuguesa no Mundo, de outros portos da odisseia da expansão portuguesa, que não é
margens da nação, para a revitalizar, ela que se tem manifestado lhe é transmitida através da oralidade, enquanto o escritor europeu pela sua centrípeta dispersão. Na verdade, a sua amplitude é universalmente celebrada – pois a descoberta, essa, seria bilateral e
apenas pelo saber da letra, enquanto o da voz, pode dizer-se, tem como pano de fundo a cultura greco-latina que é transmitida de sobretudo cultural (e não eminentemente pragmática, como o inglês) nisso deve residir um dos loci do respeito e do reconhecimento. Na
continua subalternizado. Veja-se, por exemplo em A Varanda do geração em geração pela escrita (GASSAMA, 1978: 21). e tem como loci importantes de fertilização identitária tanto a sua verdade, como nos ensina a sageza de Tizangara, o que não pôde
Frangipani (1996), o desprezo que se infere da forma como Vasto É também esta a filosofia metaliterária de Mia Couto, que assume, preservação como a sua diversidade, necessárias à homogeneização florir no momento certo, acabou explodindo: explodiu em “idiomas
Excelêncio tratava os velhos do asilo, ou a distância que separava o como atrás já se disse, uma relação privilegiada4 com a língua do sistema, sem, no entanto, obliterar as várias valências culturais outros”, multifaces da mesma língua que se vem metamorfoseando
Inspector Izidine Naíta (encarnação de Ermelindo Mucanga) chegado em que busca, pelo “desarranjo”, construir uma outra linguagem que o saber-sentir dos falantes dos espaços receptores, que não o ao longo da sua existência.
de Maputo para investigar o assassinato daquele: em ambos se sobre o país. Assim, a revitalização translinguística que realiza têm como único idioma, adquirem e actualizam no uso desta língua.
denota um comportamento que releva, num caso, da hierarquização segue pela via da levedação em português de signos multiculturais Uma língua que pretenda veicular a filosofia do cosmopolitismo, ou
dos padrões culturais em presença (Vasto Excelêncio) e, noutro, da transpostos para a fala narrativa em labirintos idiomáticos como cosmopolitanismo (no duplo sentido em que Appiah entende esta
diferente ontologia da (mesma) língua que todos falavam. forma de resistência ao aniquilamento da memória e da tradição5: noção)6, linguístico tem que conciliar a sua dimensão universalizante
vozes tradicionais, saber gnómico (“formas simples”, segundo com a singularização para o que ela remete. Esta “essência” tem que
Aos poucos, [Ermelindo Mucanga/Izidine Naíta] vou André Jolles), estórias obliteradas, tempos rasurados pela ideologia implicar, por um lado, uma epistemologia que convoca atitudes com
perdendo a língua dos homens, tomado pelo sotaque do colonial, vozes sussurrantes como se estivessem submersas pela objectivos diferentes, tanto em relação ao sistema linguístico em si,
chão. Na luminosa varanda deixo meu último sonho, a árvore noite colonial… Em todo o caso, mais uma prolífera reinvenção do como em relação ao sistema cultural expresso no mesmo idioma;
do fangipani. Vou ficando do som das pedras. Me deito mais significante e do significado, uma inventividade mais do que de uma por outro lado, a exploração das especificidades de cada expressão
antigo do que a terra. Daqui em diante, vou dormir, mais língua, de expressão e sua substância, portanto, de linguagem. cultural, que a literatura capta para chegar ao (re)conhecimento
quieto que a morte. de realidades culturais próximas para que seja reforçada a
(COUTO, 1996: 152) familiarização com variedades de um mesmo veículo de expressão
4 Leia-se a entrevista de Mia Couto a Michel Laban, Moçambique: Encontro com Escritores –
Vol. III, Porto: Fundação Engenheiro António Almeida, s/d [1998] .
Nenhuma “subversão” linguística (sintáctica ou morfológica), 5 Neste contexto, é interessante conhecer o trabalho de Fernanda Cavacas, Mia Couto:
apenas uma natureza diferente dada às palavras, uma simbologia Brincriação Vocabular (Lisboa: Mar Além, 1999), Mia Couto: Pensatempos e Improvérbios 6 Kwame Anthony Appiah entende esta noção no seu duplo sentido: deveres para com os
e uma imagética diversas... O senegalês Makhily Gassama, (Lisboa: Mar Além, 2000) e Mia Couto: Acrediteísmos (Lisboa: Mar Além, 2001), que são outros com os quais se está ligado de qualquer forma e aquele outro sentido que se reporta
inventariações dos neologismos de Mia Couto (o primeiro título) e das suas recriações à aprendizagem com as diferenças dos outros. Ver: Cosmopolitanism: Ethics in a World of
ao reflectir sobre o objecto de pesquisa do escritor europeu e o proverbiais. Strangers, New York – London: W.W. Norton & Company, 2006.

94 95
LABAN, Michel, Moçambique: Encontro com Escritores – Vol. I, Porto: Fundação
Bibliografia citada Engenheiro António de Almeida, s/d [1998]

APPIAH, Kwame Anthony, Cosmopolitanism: Ethics in a World of Strangers, New MEMMI, Albert, Retrato do Colonizado Precedido do Retrato do Colonizador, Rio de
York – London: W.W. Norton & Company, 2006 Janeiro: Editora Paz e Terra, 3ª ed., 1989

CHIZIANE, Paulina, Ventos do Apocalipse (1993) Lisboa: Editorial Caminho, 1999 ONG, Walter J., Orality & Literacy, London, Routledge, 1997

CONSELHO DA EUROPA, Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, REIS, Carlos, O Conhecimento da Literatura, Coimbra: Livraria Almedina, 1995.
Lisboa, Edições Asa, 2001
ROSÁRIO, Lourenço Joaquim da Costa, A Narrativa Africana, Lisboa: ICALP, 1989
COUTO, Mia, A Varanda do Frangipani, Lisboa: Editorial Caminho, 1996
ROSCOE, Adrian, Mother is Gold, Cambridge: Cambridge University Press, 1971
COUTO, Mia, O Último Voo do Flamingo, Lisboa: Editorial Caminho, 2000
TINE, Alioune, “Por une théorie de la littérature africaine écrite”. Présence Africaine
COUTO, Mia, Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra, Lisboa: Círculo (Paris), nr 131-134, 1985
de Leitores, 2003
VIEIRA, Luandino, Lourentinho, Dona Antónia de Sousa Neto & Eu, Luanda: UEA/
GASSAMA, Makhily, Kuma – Interrogation sur la Littérature Nègre de Langue Edições 70, 1981
Française (poésie-roman), Dakar-Abidjan: Les Nouvelles Éditions Africaines, 1978
WEBER, João Hernesto, A Nação e o Paraíso – a Construção da Nacionalidade na
IRELE, Abiola, “The African Imagination”. Research in African Literature (Indiana), 21 Historiografia Literária Brasileira, Florianópolis: Editora da UFSC, 1997
(1), Spring, 1990 (p. 49-67)
XITU, Uanhenga, Mestre Tamoda e Outros Contos, Luanda: UEA, 1977
JAMESON, Fredric, Espaço e Imagem: Teorias do Pós-Moderno e Outros Ensaios.
Organização, tradução e notas de Ana Lúcia Almeida Gazolla. Rio de Janeiro, ZUMTHOR, Paul, Introduction à la Poèsie Orale, Paris: Editions du Seuil, 1983
Editora da UFRJ, 1994

LABAN, Michel, “Encontros com Luandino Vieira em Luanda”. A.A.V.V., Luandino


– José Luandino Vieira e a sua Obra (Estudos, Testemunhos, Entrevistas), Lisboa:
Edições 70, 1980

LABAN, Michel, Angola: Encontro com Escritores – Vol. I, Porto: Fundação


Engenheiro António de Almeida, s/d [1991]

96 97
O papagaio do paço on the theme of the green parrot (“papagaio verde”) sung in Creole
Não falava -- assobiava. Portuguese have been collected throughout Luso-Asian communities
Sabia bem que a verdade by linguists, folklorists, and ethnographers and remain part of folk
Não é coisa de palavra. traditions performed in Daman, Melaka, and Macao.
Fernando Pessoa1 Parrots, birds of the order Psittaciformes found in Portugal
and throughout tropical and semi-tropical lands contacted by the
The parrot in the palace never Portuguese voyages, appear as a motif in early Portuguese folk
spoke--whistled instead. verse and folksong. Popular seven-syllable quatrains or “cantigas”,
FLYING WITH THE It understood full well the truth’s collected in the field by ethnographer José Leite de Vasconcelos
“PAPAGAIO VERDE” (GREEN PARROT): not something to be said. (1858-1941)2, invoke birds with green feathers, or green parrots,
for their intelligence, playful social skills, ability to imitate the human
AN INDO-PORTUGUESE FOLKLORIC MOTIF voice, and long direct flight. In the nineteenth century it was common
IN SOUTH AND SOUTHEAST ASIA. to give a parrot as a gift. Brazilian statesman Joaquim Nabuco
(1849-1910) so favoured the English politician Charles Herbert Allen
The folksong “Papagaio Verde” (Green Parrot) is one of the oldest (1824-1904) with two parrots, and the recipient wrote in appreciation
and most widely known Portuguese “cantigas” – stanzas of verse on 09/02/1900:
Kenneth David Jackson sung to traditional melodies – that spread from Indo-Portuguese
communities to South and Southeast Asia. Sung from Diu to Macao, [Thank you] for so kindly bringing me another beautiful
Yale University the “Papagaio Verde” is a popular and agile motif: it flies in from green parrot.[…] You will be pleased to hear that the
USA afar to teach maxims, play the rogue, criticize or insult, sing to a beautiful parrot has grown into a very find bird and… is so
lover, or beat its wings and sing dance tunes. Variants of quatrains active and lively. He still calls himself “papagaio real” but has
already picked up many enough words and phrases. My
two daughters are extremely devoted to him and he really
1 Fernando Pessoa, Quadras, Luísa Freire, ed. (Lisboa: Assírio & Alvim, 2002), p. 48. Translation
with introduction by Philip Krummrich, In Critical, dual-language edition of Quadras ao gosta
popular/Quatrains in the popular style / by Portuguese writer Fernando Pessoa. (Lewiston, 2 José Leite de Vasconcellos, Cancioneiro Popular Português I, Maria Arminda Zaluar Nunes,
N.Y.: E. Mellen Press, 2003), p. 137. ed. (Coimbra: Universidade de Coimbra, 1975), pp. 32-33.

98 99
comes out of the cage to sit on their hands. The grey African A tradition circulates among the Guahiboes, that the warlike tradition transcribed in Thousand Nights and a Night treats the parrot Buddhist legend in which a parrot who loves a fig tree is tested by
parrot looks on him with contempt. […] He is wonderfully Atures, pursued by the Caribbees, escaped to the rocks that as keen observer of human activities: a truth-telling parrot is killed by the god Shakra who makes the tree barren, yet the parrot will not
imprudent.3 rise in the middle of the Great Cataracts; and there that nation, mistake for telling of a wife’s infidelity8. In British and Thai folk tales, abandon the home for which he feels gratitude; as a reward Shakra
heartofore so numerous, became gradually extinct, as well as parrots incapable of deceit tell inconvenient truths that denounce restores the tree to fruition12. In the Myanmar tale “Shin-Mway-
The magical presence of a parrot in the home is described by a its language. The last families of the Atures still existed in 1767, their deceitful owners – a baker whose loaves are too light, a farmer Loon and Min-Nanda” a prince uses his parrot as a matchmaker or
young narrator in Jorge de Sena’s story, “Homenagem ao Papagaio in the time of the missionary Gili. At the period of our voyage who killed and ate his neighbour’s buffalo -- for which they receive messenger to fly to a palace across a wide expanse of water, where
Verde” (Homage to the Green Parrot): “Era verde e velho… Não an old parrot was shown at Maypures, of which the inhabitants punishments9. In addition to their roles as truth tellers, parrots take the parrot describes his master to a princess, who immediately
tinha nome, era o Papagaio, e parecia-me, porque falava, um ser related, and the fact is worthy of observation that ‘they did not on magical powers: in a Tibetan folk take, “The Story of the Tree of falls in love with him; and when the parrot describes the princess
maravilhoso” (It was green and old… It had no name: it was just understand what it said, because it spoke the language of the Life,” a parrot king gives a magical seed to a merchant who saves on its return, the couple become lovers without having seen each
the Parrot, and because it could talk it seemed to me a marvellous Atures. his life, with the promise that after three years its fruit will make the other13. The parrot tries unsuccessfully to unite a maid with a rich
creature)4. The naturalist Alexander Humboldt (1769-1859) recounts merchant young again10. In Sir George Fraser’s (1854-1941) study of man’s son in the Chinese tale of “The Waiting Maid’s Parrot.14” Often
hearing at Maypures a parrot that was the last surviving speaker The role of parrots in popular Portuguese verse can be primitive cultures, The Golden Bough, the theme of metempsychosis after telling an inconvenient truth, or explaining a lawsuit in a village
of forty words of the language of the extinct Atures people of the considered an extension of their role in the oral folk tale and fable is illustrated by an invulnerable ruler or giant who removed his soul folk tale of Ceylon, the parrot flies away, a final touch or coda that
Orinoco5: dating from ancient times. The Motif-Index of Folk-Literature lists from his body and hid it in the body of a parrot, kept on a deserted emphasizes this authority over the community and the universality of
more than twenty themes in world folk tales centred on the parrot island in a cage under six jugs of water. By capturing the parrot, a his judgments: “Having said this the Parrot flew away and went to
that became part of its lore in different languages and cultures6. hero was able to defeat the ruler. Besides security, the cage was also the flock of Parrots.15” In a survey of the parrot in Western literature,
Aesop’s (620-564 B.C.E.) fable “The Parrot and the Cat” features a a symbol of entrapment, whether of bodies, souls, sprits, desires, or Anthony Gottlieb lists female infidelity, ruse and perjury, unnatural
3 Leslie Bethell and José Murilo de Carvalho, Joaquim Nabuco, British Abolitionists and the End
parrot boasting the advantages of the gift of speech7, while “The Tale people incarnated in the parrot11. A parrot’s fidelity is the theme of
of Slavery in Brazil (London: ISA, 2009). of the Husband and the Parrot” from the Persian and Arabian oral “The Steadfast Parrot” (or “The Parrot and the Fig Tree”), a Jataka
12 Rafe Martin, “The Steadfast Parrot,” The Hungry Tigress: Buddhist Legends and Jataka Tales (
4 Jorge de Sena, “Homenagem ao Papagaio Verde,” Os Grão-Capitães: Uma Sequência de
Berkeley: Parallax Press, 1990).
Contos (Lisboa: edições 70, 1976), pp. 23-52
8 “The Tale of the Husband and the Parrot,” The Book of the Thousand and a Night, Translated 13 Rafe Martin, “The Steadfast Parrot,” The Hungry Tigress: Buddhist Legends and Jataka Tales (
5 See David Crystal, Language Death (Cambridge: Cambridge Universit Press, 2000); also Mark 6 Stith Thompson, Motif-Index of Folk-Literature: A Classificaiton of Narrative Elements in
by Richard F. Burton. 3 vols. (New York: Heritage Press, 1934), vol. 1, pp. 62-64. Berkeley: Parallax Press, 1990).
Abley, Spoken Here: Travels Among Threatened Languages (New York: Houghton Mifflin Co., Folktales, Ballads, Myths, Fables, Mediaeval Romances, Exempla, Fabliaux, Jest-Books, and
Local Legends, Rev. Enl. Ed. 6 vols. (Bloomington: Indiana UP, 1955-58). 9 Katharine MaryBriggs, A Dictionary of British Folk-Tales in the English Language (Bloomington: 14 Jane Yolen, ed., The Waiting Maid’s Parrot (China). From Favorite folktales from around the
2005), pp. 190-200. In 1997 artist Rachel Berweck, based on Humboldt’s journals, taught
Indiana University Press, 1971), pp. 225-226. world (New York: Pantheon, 1986).
the 40 words to Amazonian parrots that were exhibited in 2000 at London’s Serpentine Gal- 7 Aesop, Aesopi Fabellas vna cvm argvmentis novis : Vobis admodvm conducibiles accipite
lery. Read more: Alexander von Humboldt, Personal Narrative of Travels to the Equinoctial adolescentuli, nunc demum ... solertius ... (Brixiae: Apud he̜redes Ludouici Britanici, 1563); 10 15 Village Folk Tales of Ceylon [1910], Collected & translated by H. Parker, 3 vols. 2.nd ed. (Dehi-
Regions of America during the Years 1799–1804, vol. 5 (London, Longman, Hurst, Rees, Fables of Aesop, Joseph Jacobs, sel. (New York: Macmillan, 1946). [“The Parrot and the 11 Sir George Fraser, The Golden Bough: A Study in Magic and Religion [1911-15] (New York: wala: Tisara Prakasakayo, 1971), Vol. 2, “How the Parrot explained the Law-suit”; “The Parrot
Orme, and Brown, 1814-29), p. 620. Cat”] Macmillan, 1922). and the Crow”.

100 101
wisdom and foresight, coarse and obscene personae, piety for the Os alegres passarinhos (The happy little birds Que passarinho é aquele, (What bird is that by D. Dinis (reigned 1279-1325)18. In four eight-line strophes, a
Virgin Mary or Trinity, and satire of language itself as main themes16. São cientes no cantar: Know what they’re singing Que canta no galho verde? Singing on the green branch? parrot speaks in reply to reassure a lady of the success of her love
In the bestiary by David Sedaris, Squirrel Seeks Chipmunk, the parrot Aprenderõ só de ôvir, They learned by listening Dorme com o bico na água, It sleeps with its beak in water, complaint: “Ben, per quant’ eu sei, senhora” (“Good, as far as I know,
continues to play the role of perching linguist and comedian: Sem ninguém nos ensinar. Didn’t need any teaching) Está sempre a morrer à sede! And is always dying of thirst!) my Lady”). When the lady exhorts the bird to tell the truth, as she is
(Alcoutim) about to die of love, the parrot repeats its hopeful message: “Senhora
“When asked why she’d chosen to become a journalist, the In the town of Marco de Canaveses, Porto District, the parrot comprida / de ben, e non vos queixedes, / ca o que vos á servida,
parrot was known to cock her head a half-inch to the right and In the town of Aguiar da Beira, District of Guarda, the parrot’s aggressively demands affection, and in a verse from Salvaterra do / erged’ olho e vee-lo edes” (“My Lady is overflowing with good, so
pause for a moment before repeating the question. ‘Why did I song celebrates the fruits and spices in poet’s garden: Extremo, Castelo Branco District, is always a faithful companion to don’t complain, as for what you will receive, just raise your eyes and
choose to become a journalist? Well, the easy answer is fairly the lady in its nest: you shall see it”)19. A parrot also speaks in the baroque fabulary
obvious, perfect recall is something I was born with, but I guess Papagaio pena verde (A parrot with green feathers Aves Ilustradas (1734) by poet Sóror Maria do Céu (1658-1723)20,
what really drives me is the money. That, and the free booze’” Foi cantar ao meu jardim; Came to sing in my garden; Que passarinho é aquele, (What bird is that in which fourteen different birds give advice and counsel on religious
(“The Parrot and the Potbellied Pig”)17. Pôs um pé na laranjeira He put one foot on the orange tree Que no ar faz ameaços? Making threats in the air? life in the monasteries, part of spiritualist and moralizing allegory in
E um pé no alecrim. And another on the rosemary bush) Co’o biquinho pede beijos, Its beak ask for kisses baroque literature. In “O Papagaio à Rodeira” (“The Parrot and the
Images of parrots with green wings were found by Leite de (Aguiar da Beira) Co’ as asas seus abraços. Its wings embraces). Wheel”), via rhetorical impossibilia, a noisy and exotic Brazilian parrot
Vasconcelos in popular verses or “cantigas”, in which the parrot – or (Marco de Canaveses) advises silence and discretion in use of the cylindrical wheel located
bird with green plumage – plays the part of an intelligent and often Verses from the northern Minho Dictrict depict the bird’s skill in at the entrance to convents that allows receipt of objects or even
crafty singer who learns by hearing or observation and needs no acting and deception, pretending to be thirsty while always keeping O passarinho canta alegre (The bird sings happily abandoned children: “Aqui (…) na roda, senhora, não serve quem
instruction. The characteristics of intelligence, voice, craftiness, and its beak in water: Por ter a dama no ninho, With a lady in its nest, fala como papagaio (…)” (“Here on the wheel, lady, people who talk
fidelity identify the birds as parrots; in some quatrains the colour Olha como é constante Look how constant is like parrots are undesirable”). The exemplary parrot repeats a story
green is projected into plants, water, or soil. A “cantiga” from Que passarinho é aquele (What bird is that O amor do passarinho! This bird’s love). about another of its species that immediately repeated everything it
Alcoutim, a small town in South eastern Portugal, praises the birds’ Que anda no lameiro verde, Walking in the green mud, (Salvaterra do Extremo)
innate happiness, song, and perceptive imitation: Sempre co’o biquinho n’água, With its beak always in water
Sempre morrendo á sede? Always dying of thirst?) In early Portuguese poetry reflecting oral traditions, the parrot 18 Cancioneiro da Biblioteca Nacional V534 f. 120v.

(Minho) appears in a collection of the Galician-Portuguese lyric in a pastorela 19 Rip Cohen, 500 Cantigas d’amigo, Critical edition by Rip Cohen (Porto: Campo das Letras,
2003), p. 643.
16 Anthony Gottlieb, “My Parrot, My Self”, New York Times (12 October 2008). 20 Maria do Ceo. Aves illustradas em avisos para as religiosas servirem os officios dos seus
17 David Sedaris, Squirrel Seeks Chipmunk (New York: Little Brown, 2010). mosteiros (Lisboa Occidental: Na Officina de Miguel Rodrigues, 1738).

102 103
heard, and thus lost its liberty through indiscretion when captured inconvenient truths on the margin of human speech and norms of Papagaio verde Green parrot Mangalore
by an old Indian woman. The parrot’s second counsel to observe social relations. Sentá sobre lêtêr Sitting on the milk pail
charity to the poor is exemplified in a second story about a poor old Batê, batê azas, surumbá Beats, beats its wings, Surumbá
Ai papagayo verde, Margarida , (Ah green parrot, Margarita
Spaniard in America who alone is rewarded with the discovery of Chamá rapaz solter (...) Calling the eligible bachelor... 24
gold because of his simplicity, poverty, and goodness. The parrot
South Asia Sube riba sebe, Flies up on the fence
Ai bate bate aza, Margarida, Ah beats his wings, Margarita
arrives at its moral through exempla in antonyms: “Papagaio, que Quatrains from Mangalore (1884) transcribed by Hugo Schuchardt
Panha manga verde Picks a green mango)27
grita, papagaio que fala, papagaio que inquieta, não é para aqui, Verses of “Papagaio Verde” performed in Creole Portuguese (1842-1927)25 and from Cochin (Jackson 1990)26 repeat the general
aonde se há de saber que só há pé para servir, e não há voz por communities across South and Southeast Asia attest to the pattern by which the parrot perches on some utilitarian object and
universality of the folk song and the figure of the parrot as a Cochin
conversar” (“The parrot that shouts, talks, fusses is not welcome beats its wings before performing a service or voicing a comment or
here, where there is only service and no voice for conversation”)21. In commentator on Indo-Portuguese and Luso-Asian community life. message directed at the community as a whole. The green parrot’s
The song is part of a shared legacy of traditional melodies and lyrics task in this case is to pick green mangoes, while a variant from Sri Papa gaya vade (Green parrot
the romantic theatre, parrots represent Brazilian indigenism, as in O
that functioned as essential components of social life, festivals, Lanka adapts the quatrain to a religious context by adding a verse, Santhad en tha save Sitting on the fence
Cedro Vermelho by Francisco Gomes de Amorim (1827-1891), first
ceremonies and rituals. Lyrics of the cantigas described community “Da per nona Mary” (Gives it to Virgin Mary). Batha Batha Agu Beats its wings
produced in Lisbon in 1856, where the character Lourenço, a Juruna
culture, especially courtship and marriage, and voiced both its social Panja manga verde Picks a green mango)
Indian from Pará, appears covered in parrot feathers22. In A Brasileira
de Prazins, romantic novel by Camilo Castelo Branco (1825-1890), concerns and private desires. Mons. Sebastião Rodolfo Dalgado
the parrot is said to enjoy a long life because of its sordid egotism: (1855-1922) comments on the spread of folk verses throughout Sri Lanka
“(…) o velho Alexandre Dumas disse que os egoístas e os papagaios Luso-Asian Creole communities by noting similarities in quatrains
viviam cento e cinquenta anos” (“old Alexandre Dumas said that of the “Papagaio Verde” from Daman and Malacca: “O passarinho Papugachi vardie (Green parrot
egotists and parrots lived to be one hundred and fifty years old”)23. verde (ou pastorinho verde dos actuais cristãos de Malaca) parece Riva aka Savie On top of the fence
Throughout Portuguese literature, the parrot gives advice or speaks ser uma deturpação de papagaio verde, forma que aparece na Panya manga vardie Picks a green mango
seguinte quadra de Damão” (The green parrot, or pastorinho verde 24 Mons. Sebastião R. Dalgado, “Dialecto Indo-Português de Damão”, Sep. Da Revista Ta-Ssy-
Da per nona Mary Gives to lady Mary)28
Yang-Kuo, Série III, 3.6; 4.2.4.5 (Lisboa, 1903), pp. 1-36. Cited in Ana Maria Amaro, Filhos da
of the current kristangs of Malaca, seems to be a deturpation of Terra (Macau, ICM, 1988), p. 65.
21 Sara Augusto, “O Papagaio Ilustrado – lição e exemplo na ficção barroca,” Máthesis 14 the papagaio verde, in a form found in the following quatrain from 25 25. Hugo Schuchardt, “Ueber das Indoportugiesische von Mangalore”. Sitzungsberichte der
(2005): 137-148. Daman): kaiserlichen Akademie der Wissenschaften zu Wien (philosophisch-historische Klasse) no. 105
22 Francisco Gomes de Amorim, O Cedro Vermelho (Lisboa: Imprensa Nacional, 1874). (1883b), pp. 881-904.
23 Camilo Castelo Branco, A brasileira de Prazins: Scenas do Minho (Porto: Lello & Irmão, 1882): 26 Kenneth David Jackson, Sing Without Shame (Amsterdam & Macau: John Benjamins; ICM, 27
Chapter XX. 1990). 28 Jackson, 1990, p. 26

104 105
In verses from Daman and Diu, the parrot returns to the role of Dalgado and Jeronynmo Quadros record comparable verses Coro : Papegaai ne giola (Parrot in the cage,
messenger, matchmaker, and ribald observer of social foibles. In from other Northern enclaves: Oh ! baby cur-cû-ry batté azas quer curre, beats its wings wanting to escape,
quatrains from Daman, the parrot delivers love letters to ungrateful Pentiá cabel pela manh cêd31 Menina na janela Young woman in the window,
lovers, throws engagement rings into the sea, and joins suitors who Papagaio verde, bai Monquim, (Green parrot, lady Monquim batté peto quer morre. beats her breasts wanting to die)32
drink to drown their lovesick sorrows at local bars: Biquinho de chumbo; With leaden beak In variants of the folk song from Sri Lanka, the parrot participates
Levae esta carta, bai Monquim, Take this letter, lady Monquim in dancing and singing of the “chikotie”, a fast dance style among the Margaret Sarkissian suggests that comparable verses from
Daman E pinchae no mar fundo. Toss it into the deep sea) Portuguese Burghers, the term used for mixed-race descendents of Melaka may refer to the time of Dutch persecution; the young maiden
the Portuguese. In a collection of “cantigas” from Matara dated1914, in the window, however, is a figure of courtship dramas throughout
Papagai verd (Green parrot Papagaio verde, bai Monquim, (Green parrot, lady Monquim the caged parrot is a metaphor for isolation of young women, as the the Portuguese world:
Sentá sobre lêtêr, Perched on the milk pail Perto de botiça (=botija); Near the bar parrot’s beating wings are compared to a lovesick young woman
Batê, batê azas, Surumbá, Beats, beats its wings,Surumbá De noite bebo vinho, bai Monquim, Drinks wine at night, lady Monquim) beating her breasts: Fina mina nã rentu kama (The virgin girl in her bed
Un garafo inteiro. An entire bottle)30 Baté korpu kerê murê Beats her body, wants to die)33
Chamá rapaz soltêr. Calls the eligible bachelor)
... Sri Lanka
Papagai verd (Green parrot Papágai verd (Green parrot The green parrot reaffirms its role of truth-teller through the
Com bic de prat; With silver beak Com bicc du lacre, With a lacquer beak Papugachi vardie (Green parrot verses of a Sri Lankan “cantiga”, all of which amount to the collective
Levae est cart, Surumbá, Take this letter, Surumbá, Levai est cart Deliver this letter Riva de pikotie On top of the well pump folk wisdom of a Creole group. Cantigas are repeated and reinforced
Entregae com aquel ingrat. Deliver it to that ingrate) Aquell ingrat To that ingrate) Batha Batha asa Beats its wings through performance at all important junctures of life, particularly
Vai Kantha chikotie Going to sing ‘chikotie’) during courtship, marriage, and other festive occasions, where they
Papagai verd (Green parrot are sung with the force of truth as community lore and lesson:
Com bic de chumb. With leaden beak,
Levae est anel, Surumbá, Take this ring, Surumbá
Mêt no mar fund. Throw it into the deep sea)29 30 Sebastião Rodolfo Dalgado, 1906. “Dialecto indo-português do Norte”, Revista Lusitana
9 (1906), pp. 142-166, 193-228; Jeronymo Quadros, Diu: Apontamentos para sua História 31 Sebastião Rodolfo Dalgado, “Dialecto indo-português de Damão”, Separata de Ta-Ssi-Yang-
e Chorographia (Nova Goa: Tipographia Fontainhas, 1899), p. 12. See. Schuchardt, Hugo. Kuo, Série III, 3.6; 4.2.4.5. 1-36 (Lisboa: Companhia “A Editora”, 1903), p. 26; Schuchardt, 32 32. Kenneth David Jackson, Sing Without Shame, p. 6; Cantigas ne o lingua de Portuguez,
Kreolisch Studien III. Ueber das Indoportugiesische von Diu. Sitzungsberichte der kaiserlichen Hugo. Kreolisch Studien III. Ueber das Indoportugiesische von Diu. Sitzungsberichte der Matre, Ceilão 23/06/1914.
Akademie der Wissenschaften zu Wien (philosophisch-historische Klasse) no. 103 (1883a), kaiserlichen Akademie der Wissenschaften zu Wien (philosophisch-historische Klasse) 103.3- 33 Margaret Sarkissian, D’Albuquerque’s Children: Performing Tradition in Malaysia’s Portuguese
29 Sebasitão Dalgado, “Dialecto indo-português de Damão”, Ta-Ssi-Yang-Kuo, p. 693. pp. 3-18. 18 (1883a), p. 11. Settlement (Chicago: University of Chicago Press, 2000), p. 195.

106 107
Maskie tha bunetoee (But how beautiful is Yang-Kuo, in 1900 by a Macau Portuguese living in Hong Kong37. To deal with this issue, we transcibe a series of quatrains whose Passarinho vardi Green bird
Papoogagu verdee The green parrot In her opinion, the verses demonstrate that nicknames used by first verse is a sung composition, found among the papers of João Riba de buiam-bico (bule) Perched on the teapot
Adie iste cantiges All these cantigas Macanese come not from Chinese nursemaids but rather from older Feliciano Marques Pereiras, as being from Macau. This collection of Capi capí aza Beats, beats its wings
Todoe then verdade All are true)34 Portuguese sources: quatrains was sent to him on Octo.ber 20, 1900 by Emílio Honorato Choma nhum Jejico (José) Calls the man Jejico (Joe)
de Aquino, a Portuguese residing in Hong Kong, where the creole
Não é nossa intenção fazer, aqui, um estudo comparativo
Macau survived and remained pure for a longer time.) Passarinho verdi Green bird
dos hipocorísticos nos vários crioulos portugueses. Apenas se Riba da janela Perched in the window
pretende demonstrar que os nominhos de Macau não devem
Verses of the “Papagaio verde” from Macau appeared in the DISPARATES (PREPOSTEROUS VERSES Capí, capí aza Beats, beats its wings
ter sido criados pelas amás chinesas, como alguns autores
“Cancioneiro Musical Crioulo” in the turn-of-the-century journal Ta- Choma nhi Miquela. Calls the maiden Miquela.
supõem, apoiados na sua forma dissilábica; outros-sim, devem
Ssi-Yang-Kuo (1899-1904)35. The parrot’s function is to identify the Passarinho verdi (Green bird
ter uma origem mais antiga.
Macanese by calling out their Portuguese nicknames: Riba de telhado Perched on the roof Passarinho verdi Green bird
A rematar este assunto, transcrevemos uma série de quadras
Capi, capi aza Beats, beats its wings Riba de bassora (vassoura) Perched on the broom
cujo primeiro verso corresponde a uma composição cantada,
Chomá nhum Ado (Eduardo) Calls the man Ado Capi capi aza Beats, beats its wings
Passarinho verde (Green parrot que consta dos papéis de João Feliciano Marques Pereira, como
Riva de butan On top of the buoy sendo de Macau. Este conjunto de quadras foi-lhe enviado a 20 Choma nhi dora (Theadora) Calls the maiden Dora
Capi capi aza Opening and closing wings de Outubro de 1900 por Emílio Honorato de Aquino, português Passarinho verdi Green bird
Chomá nhum Janjan Calls the man John)36 de Macau radicado em Hong Kong, onde o crioulo viveu e se Riba de coco Perched in the cocoanut palm Passarinho verdi Green bird
manteve mais puro, durante mais tempo38. Capi capi aza Beats, beats its wings Riba de escada Perched on the stairs
The attribution of Portuguese names in the folk song was traced Choma nhum Toco (Antonio) Calls the man Toco Capi, capi aza Beats, beats its wings
by scholar Ana Maria Machado in her book Filhos da Terra to twenty- (It is not our intention to make a comparative study here of naming Choma nhi Ada (Esmeralda) Calls the maiden Ada
two folk quatrains under the title “Disparates” (Preposterous Verses) in the various Portuguese Creoles. We only want to demonstrate that Passarinho verdi Green bird
mailed in a letter to João Feliciano Marques Pereira, editor of Ta-Ssi- nicknames in Macau were not coined by Chinese nursemaids, as Riba de porta Perched on the door Passarinho verdi Green bird
some authors suppose, based on their multiple syllables; rather they Capi, capi, aza Beats, beats its wings Riba de bassora –pena (espanador) Perched on the sweeper
had an older origin. Choma nhi Carlotta. Calls the maiden Carlotta. Capi capi aza Beats, beats its wings
34 Jackson, 1990, p. 47.
Choma nhi Mena (Philomena) Calls the maiden Mena
35 João Filiciano Marques Pereira, ed., “Cancioneiro Musical Crioulo”, Ta-Ssi-Yang-Kuo, Série II.
1.239-43; 2. 703-07 (Lisboa: Companhia “A Editora”, 1899-1902). 37 Ana Maria Machado, Filhos da Terra (Macau: ICM, 1988: 62-65).
36 Ta-Ssi-Yang-Kwo, p. 705 38 Ana Maria Machado, p. 62.

108 109
Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird de Malaca 39. For Silva Rego, the “cantigas” function as a mirror into
Riba de cosinha Perched over the kitchen Riba de lenço Perched on the handkerchief Riba de batente Perched on the doorframe the popular culture of Portuguese descendents in Melaka, across the
Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings centuries. In his Dialecto português de Malaca, the author comments
Choma nhi Anninha Calls the maiden Anninha Chama nhum Encho (Lourenço) Calls the man Encho Choma nhum Chente (Vicente) Calls the man Chente on 211 popular quatrains from the Portuguese tradition, which he
classifies using two categories borrowed from medieval cancioneiros:
Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird “Cantigas de Amigo” (female voice love laments), and “Cantigas de
Riba de fula (flor) Perched on the flower Riba de fugam Perched on the stove Riba de chaminé Perched on the chimney mal-dizer” (satire and personal insult). Silva Rego recognizes the
Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings importance of music, dance, and festivity to the community life of
Choma nhum Tula (Boaventura) Calls the man Tula Choma nhum Jamjam (João) Calls the man Jamjam (John) Choma chacha-néné (parteira) Calls the midwife chacha-néné Luso-Asian communities. His first-hand description applies as much
to Indian and Sri Lankan groups as it does to Melaka and Singapore:
Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird
Riba de tacho (frigideira) Perched on the frying pan Riba de hospital Perched on the hospital Riba de maca Perched on the stretcher Os “cristãos” possuem, em geral, um óptimo ouvido musical.
Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi,capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings Amigos da música e da dança, improvisam de vez em quando
Choma nhum Acho (Ignácio) Calls the man Acho Choma nhum Vital Calls the man Vital Choma nhi Caca (Clara) Calls the maiden Caca um branhô ou festa em que tomam parte homens e mulheres,
mancebos e donzelas, que rivalizam uns com os outros nas
Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird cantigas ao desafio. Estas festas são vulgares em dias de
Rib de caneca Perched on the vessel Riba de almario Perched on the almyra Riba de grade (cerca) Perched on the grate casamentos, aniversários, etc. Em Singapura encontram-se
Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings também festas assim em que se ouve o mesmo.
Choma nhi Eca (Angélica) Calls the maiden Eca Choma nhum Januario. Calls the man Januario Choma sium padri (sacerdote) Calls the man padri (priest) (The kristangs have in general a sharp musical ear. Friends of
music and dance, they throw a branhô or party from time to time
Passarinho verdi Green bird Passarinho verdi Green bird in which men and women take part, young boys and girls, who
Rib de painel (quadro) Perched on the painting Riba de campinha (campainha) Perched on the bell
Melaka compete with each other in singing folk stanzas. These parties
Capi, capi, aza Beats, beats its wings Capi, capi, aza Beats, beats its wings
Choma nhi Zabel Calls the maiden Zabel Choma chacha-dinha (avó madrinha) Calls grandma chacha-dinha The “Papagaio verde” folk song was transcribed for the first time
in Melaka in António da Silva Rego’s (1905-1986) Dialecto português 39 António da Silva Rego, S.J., Dialecto português de Malaca (Lisboa: Agência Geral das
Colónias, 1942), pp. 228-230; 2nd ed., Dialecto português de Malaca e outros escritos, Alan
N. Baxter, intro. (Lisboa: Imprensa Nacional, 1998), pp. 266-268.

110 111
are common on wedding days, birthdays, etc. In Singapore one mais lhes agradam, etc.41 songs belong as extremely rare and an inheritance from the past: Minha pastorinho berde, (My green little bird
also finds these parties with the same music)40. (The instruments that accompany the cantigas vary in “As primeiras são raras, muito raras e vêm provàvelmente de seus Na qui ramo bôs tá santá? On which branch are you perched?
number, according to circumstances. Sometimes one sees 10 or antepasados. São estas as únicas que nos interessam”43 (These Santá na ramo seco, If you’re on a dry branch
Silva Rego provides a rare early description of musical more instruments, and others only a violin and a drum make like are extremely rare and probably come from their ancestors. These Triste bida eu logo passá. I will soon have a sad life).46
performance by Catholic fishermen in Melaka and, by extension of a symphony orchestra. are the only ones that interest us). “Passarinho Berde” is grouped
the role of folk songs, music, and dance among speakers of Creole Some fishermen in Melaka play the violin with notable agility, with three other traditional songs “Nina, Boboi, Nina,” “Gingli Nona,” É uma crendice de Malaca. Se alguém observar um passarinho
Portuguese throughout Southeast Asia: not to say expression. In general the strings come from Chinese and “Galinha Caté”, each accompanied by a characteristic musical sentado num ramo seco, é isto sinal de que há-de passar “triste
stores that provide them for Chinese instruments. They are very score, which according to linguist Alan Baxter in his introduction bida” (It’s a popular belief of Melaka. If someone see a bird perched
Os instrumentos com que acompanham as cantigas variam rudimentary but in the hands of the Melakans they vibrate fully. to the second edition, are well-known melodies44. “Gingle Nona”, on a dry branch, it’s a sign that they will certainly have a “sad life”).
de número, conforme as circunstâncias. Assim há ocasiões em And it’s interesting to see a certain air of nostalgia in the shining or “Singelle Nona”, has been traced in variants across South and
que se vêem 10 ou mais instrumentos, e outras em que um eyes of the players, barefoot and wearing only long pants and a Southeast Asia45. 157
violino acompanhado por um tambor faz de orquestra sinfônica. poorly buttoned jacket, when they take up their violins, as in a Folk cantigas featuring the green parrot as a metaphor became Pastorinho berde, (Little green bird
Há em Malaca alguns pescadores que manejam o violino story that transports them back to distant countries of mystery integrated into popular beliefs and superstitions of the community, Ramo seco já santá; Lighted on a dry branch;
com notável agilidade, para não dizer expressão. As cordas são and dreams. featured in three examples noted by Silva Rego, who wryly notes Santá na ramo seco, On a dry branch perched,
em geral compradas em lojas chinesas que as fornecem para os I had occasion to attend various of these branhôs and could (1998, p. 73) that “Em Malaca, como em toda a parte, o povo não Qui repairo logo achá? What remedy will I soon find?)
instrumentos chineses. São cordas rudimentaríssimas, mas nas verify the great I interest that all, old and young, had in following pode falar durante dez minutos sem se arrimar a metáforas” (In
mãos dos malaqueiros vibram a valer. E é interessante ver um the unfolding of the challenges, applauding the funniest jokes, Melaka, as everywhere, people can’t talk for ten minutes without Ó meu passarinho verde que estás pousado em ramo seco; se
certo ar de nostalgia brilhar nos olhos dos tocadores, quando etc.) resorting to metaphors): tu assim ficas; que boa fortuna posso eu esperar? (Oh my green bird
eles, descalços e apenas com umas calças muito largas e um 155 perched on a dry branch; if you stay there, what good fortune can I
casaco mal abotoado, se encostam ao violino, conto a um esteio The eleven quatrains of “Papagaio berde” were edited by a local expect?)
que os transporta a longínquos paises de mistério e sonho. speaker of the Creole, Sr. David Teixeira, who noted that each song
Tive ocasião de assistir a vários destes branhôs e pude could have numerous different stanzas42. Silva Rego classifies the 43 Silva Rego, 1942, p. 219.
verificar o grande interesse com que todos, velhos e novos, vão category of “cantiga cristão” (kristang cantiga) to which the oldest 44 Alan Baxter, “Introdução”, In António da Silva Rego, Dialecto Português de Malaca e Outros
seguindo o desenrolar do desafio, aplaudindo as piadas que Escritos (Lisboa: CNCDP, 1998), p. 30, pp. 266-268.
45 Kenneth David Jackson, “Singelle Nona/ Jinggli Nona: A Traveling Portuguese Burgher Muse”,
41 Silva Rego, 1942, pp. 220- 221. Re-exploring the Links: History and Constructed Histories between Portugal and Sri Lanka,
40 Silva Rego, 1942, p. 220. 42 Silva Rego, 1942, p. 221 edited by Jorge Flores (Wiesbaden: Harrassowitz, 2007), pp. 299-323. 46 Silva Rego, 1942, p. 69; 1998, p. 115.

112 113
158 by the local flock. Standard themes reappear, including romance PASSARINHO BERDE 5
Pastorinho berde, (Little green bird --when the parrot calls a lady, who is later personified as the jasmine Passarinho berde, (Small green bird
Um ramo santá dôs dôs. Two perched on a single branch rose it smells in the garden -- and faithfulness, in the parrot’s wish 1 Rancho nun quê conhecê, The flock doesn’t recognize him
Eu nádi more lonzi, I won’t die far away to die near its friends. Superstitions are found in omnipresence of Passarinho berde, (Small green bird Abri êli sua asa, He opens up his wings
Eu logo more perto bôs. I will soon die near you). physical dangers faced by the parrot once outside the protection of Na gaiola subiá, Flying in its cage Aboá até disparecê. And flies away disappearing from sight)
its cage, symbolized in the thorny branch, coconut palm, or well. Chomá Siara, botá perto, It calls a lady to come close
Outro crendice de Malaca. Quando algum namorado vê dois Ultimately, the parrot flies away joyfully until it disappears from sight. Oubi Siara tá cantá. The lady hears it singing) 6
pássaros poisados juntos num ramo, acredita que não há-de morrer Passarinho berde, (Small green bird
longe do seu amor (Another popular belief of Melaka. When someone 2 Más berde di fôla cocu, Greener than the cocoanut frond
in love sees two birds perched together on a branch, he believe that Passarinho berde, (Small green bird Com alégri tá abod, Joyfully flies away,
he will not die far from his beloved)47. Más berde di serendê, Greener than the green Malay parrot Já perto cai na fogo. Here he would fall in the fire)
The popularity of folk metaphors is explained by Silva Rego by Já sai di sua gaiola, Has just left its cage
two factors: poetic style and simple vocabulary. The quatrains can Que correnti logo corrê. Escaped its chains and run away) 7
be recited on any occasion and at times show surprisingly original Passarinho verde, (Small green bird
content. Improvisation in their performance results often in a lack of 3 Aboá dreento di jardim Flies into the garden
logical connection between the first two and last two verses, which Passarinho berde, (Small green bird Já achá unha cheiro, There he finds an odor
may be joined only by rhyme, or as the singer’s memory allows48. Agora ficá largado, You now are freed Sua rosa mungaring. It is his jasmine rose)
The “Passarinho Berde” in Melaka becomes a popular moral tale Uma vêz já sai di gaiola Once you’ve left the cage
or fable for the Kristang community, in which the parrot may be an Mestí abod com cuidado. You’d better fly with caution) 8
augur of sad or happy destinies, a lover, or a faithful friend. The green Passarinho berde, (Small green bird
bird’s overseas origin is indicated by the verse “Mas berdi di serindit”, 4 Já bai na mato deserto, Flies into the deserted woods
or “Greener than the green Malay parrot”, by its bright green colour, Passarinho berde (Small green bird Causo querê more Wanting to die
“Greener than the cocoanut frond”, and its not being recognized Encontrá com sua rancho, Joining with your flock Na cambrado sua perto. Near his friend)
Chapá êli perto-perto He comes very close
47 Silva Rego, 1942, p. 70; 1998, p. 116.
Por querê fazIe cambrado. Because he wants to make friends)
48 Silva Rego, 1942, pp. 25-26.

114 115
9 Pasarinya bedri (Green bird Korus 2
Passarinho berde, (Small green bird Agora fika lagradu Now become free Pasarinya berdi,
Santado na ramo espinho, Perched on the thorny branch, M’bes ja sai di gayola, At once left the cage Agora fikah lagado,
Olá gente chapá perto, Sees people coming close, Mesti abua ku kuidadu And had to fly with care) Ungua bes ja sai di gaiola,
Bai êle outro caminho. He goes another direction) Misti abuah ku kuidadu.
and in Joan Margaret Marbeck’s book (1995) on her family
10 inheritance in the Kristang community51: Pasarinya berdi ngkontrah ku sa rancu,
Passarinho berde, (Small green bird Pasarinya berdi, rancu ngkereh kuniseh,
Suo peo ficá fendido, Gets a wound in its foot Abrih eli sa aza disparseh.
Num pôdi buscá sua comida, It can’t search for food, PASARINYA BERDI
Perdê êli sua sentido. It passes out) THE SLY, WILY, OLD, GREEN BIRD
Korus 1 Sly, wily, old, green bird,
11 Pasarinya berdi, Trapped in a cage
Passarinho berde, (Small green bird, Na gaiola subih, Mounts up to the perch,
Santá na rib di poço, Perched on top of the well, Comah siara, botah pertu, A tune to a lover he chirps.
Tocá um pedaço di pedra, Touches a piece of stone, Ubi siara ta kantah.
Já quebrá sua osso. And breaks a bone)49 Cadisa idade Pasarinya berdi (2x) Sly, wily, old, green bird.
Sly, wily, old, green bird.
Pasarinya berdi
Mas berdi di serindit, Sly, wily, old, green bird
Ja sai di sa gaiola, ku kurenti logu kureh. Greener than the green Malay parrot,
Silva Rego’s pioneering transcription was confirmed by similar Has escaped from captivity,
transcriptions of linguist Ian Hancock, who studied the origin of Melaka Despite chains, he’s fled into infinity.
Creole Portuguese, as found in his field notes (circa 1960)50:

51 Joan Margaret Marbeck, UNGUA ADANZA: An Inheritance, trans. Celine J. Ting (Melaka:
49 Rego 1942: 228-230; 1998: 266-268. 50 Ian Hancock, “Field Notes”, Personal copy. Loh, 1995), pp. 109-110.

116 117
Sly, old, green bird, keeps a beat with the music, and in the “cantigas” unites the Indo- them through a common musical folklore. ca entrava o verão,
Is happy to be free Portuguese and Luso-Asian communities that have kept traditional e diss: “Amigo loução,
But must be cautious performance alive for five centuries. The parrot applies themes Schuchardt, Hugo. Kreolisch Studien III. Ueber das que faria por amores,
Unseen lie the enemy. of world folklore to local Creole culture; quatrains that invoke the Indoportugiesische von Diu. Sitzungsberichte der kaiserlichen poir m’errastes tan en vão?
green parrot in the first two lines usually append in the final two an Akademie der Wissenschaften zu Wien (philosophisch-historische E caeu antr uas flores
Sly, wily, old, green bird, observation on community life, which accounts for their persistence Klasse) no. 103 (1883a): 3-18.
Meets his flock, and popularity as local lore. Ua gran peça do dia
Keeps close to one At the beginning of the twenty-first century, while louv’ali, que non falava,
He desires wedlock. technological advances and globalization have put the broad e a vezes acordava,
Appendix54 [e] a vezes esmorecia,
Lusophone world into contact through the internet, forces of war,
Sly, wily, old, green bird, disaster, immigration, and economic necessity have fundamentally e diss: “Ai santa maria
D. Dinis – pastorela ii que será de min agora?”
His flock recognizes him not, changed the old ways of life. Dennis McGilvray documents the
Ua pastora ben talhada e o papagai dizia:
Disappointed at her rejection disaster to befall the Portuguese Burghers of Sri Lanka’s East Coast
cuidava en seu amigo “Ben, per quant’ eu sei, senhora”
He spreads his wings to fly into oblivion52. with the loss of 157 lives at Dutch Bar, Batticaloa in the tsunami of
e estava, ben vos digo,
200453, and Sarkissian describes the politics of folkloric performance
per quant’ eu vi, mui coitada, “Se me queres dar guarida”
for tourism in Melaka’s Portuguese town. In all these enclaves,
e diss: “Oi mais non é nada diss’ a pastor, “Di verdade,
however, the green parrot continues to sing in “Portuguese” and
Conclusion flies away to entertain neighbouring communities. The flying parrot
de fiar per namorado papagai, por caridade,
nunca molher namorada, ca morte m’é esta vida”;
connects them across oceanic distances through shared cultural
The folk song “Papagaio Verde”, one of a handful of the oldest pois que mh o meu á errado” diss’ el<e>: “Senhor comprida
traditions. Just as the ships of the India fleet connected the
songs belonging to the musical tradition of the Portuguese maritime communities along the seaborne empire, the “papagaio verde” links de ben, e non vos queixedes,
voyages, recapitulates many of the themes found in folk literature: Ela tragia na mão ca o que vos á servida,
the parrot speaks, at times inconveniently, acts out a moral lesson, un papagai mui fremoso, erged’ olho e vee-lo edes”
53 Dennis McGilvray, “The Portuguese Burghers of Eastern Sri Lanka in the Wake of Civil War
criticizes and insults, is a lover or matchmaker, delivers messages, cantando mui saboroso,
and Tsunami”, Re-exploring the Links: History and Constructed Histories between Portugal
and Sri Lanka, edited by Jorge Flores (Wiesbaden: Harrassowitz, 2007), pp. 325-347; Biblioteca Nacional 534 f. 120v Biblioteca Apostolica Vaticana
Crucible of conflict: Tamil and Muslim society on the east coast of Sri Lanka (Durham: Duke
54 Cohen, 500 Cantigas d’Amigo, p. 643
137 f. 17r.
52 Marbek, pp. 109-110. University Press, 2008), p. 47.

118 119
Sumário: 1. Carta Aberta ao Presidente Eleito
da República Portuguesa, Prof.
1. Carta Aberta ao Presidente Eleito da República Portuguesa,
Doutor Aníbal Cavaco Silva, de 23
Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, de 23 de Janeiro de 2006 de Janeiro de 2006
2. O que é a Lusofonia
3. O fenómeno colonial

OS EXCLUÍDOS DA LUSOFONIA: 4.
5.
O Oriente Português
A identidade colectiva das Cristandades Crioulas Lusófonas Senhor Presidente,
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente

do Oriente 6. A eminente dignidade da pessoa humana e das suas


expressões culturais
Acaba Vossa Excelência de ser eleito Presidente da República
Portuguesa. Felicito-o e faço os melhores votos de que o
7. As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente: Portugal, desempenho de Vossa Excelência contribua efectivamente para o
a Universidade de S. José, a CPLP. sucesso de Portugal e dos Portugueses.
Em carta dirigida às Portuguesas e Portugueses da Diáspora,
datada de 16 de Janeiro de 2006, Vossa Excelência prometeu criar
Jorge Morbey uma assessoria política para as Comunidades Portuguesas no
âmbito dos serviços da Presidência da República.
Universidade de Ciência e Tecnologia
De entre todos os Portugueses, desejo referir a Vossa Excelência
Macau
os mais esquecidos ou - melhor dizendo – as excluídas Comunidades
Crioulas Lusófonas do Oriente.

120 121
A Carta Aberta concluía assim: 2. O que é a Lusofonia 3. O fenómeno colonial mesma cultura e pela mesma língua.
O Século XVII tinha sido a época de consolidação de uma nova
Senhor Presidente, ordem europeia no domínio do Mundo. O seu exclusivo, ditado em
A Lusofonia como, aliás, a Francofonia, a Hispanofonia e a O fenómeno colonial, na sua formulação pura e dura, consistiu
Tordesilhas, deixou de pertencer aos países ibéricos. Foi derrubado
Anglofonia, são espaços que radicam no fenómeno colonial. na validação entre as potências coloniais dos seus interesses de
No cumprimento da promessa de Vossa Excelência, na carta e substituído por holandeses, ingleses e franceses, em várias partes.
Assentam no uso da língua do ex-colonizador como cimento exploração em África. Formalmente assumida no Acto Geral da
acima referida, de criar uma assessoria política para as Comunidades A abertura dos mares à navegação de outros países europeus,
aglutinador. No interior das antigas colónias; nas relações entre elas; Conferência de Berlim, em 1885. Aí, muito antes de Shengen, Portugal
Portuguesas no âmbito dos serviços da Presidência da República, resultou da acção da Reforma iniciada com Martim Lutero. Reforma
e com as metrópoles do passado. viu-se forçado a aderir ao discurso europeu. A ocupação efectiva dos
venho sugerir-lhe vivamente a inclusão das Cristandades Crioulas que levou ao esvaziamento do poder central europeu pela autoridade
Em tais espaços, procura-se decantar a História de episódios territórios africanos vinha ao arrepio da sua própria tradição e muito
Lusófonas do Oriente! pontifícia romana que vigorava desde a queda do Império Romano.
de força e opressão; transformar em amigos anteriores inimigos; para além da sua capacidade económica, social e militar.
Bem haja!
substituir a violência pretérita pelo diálogo; suprir a antiga exploração O anticolonialismo do Século XX e a descolonização foi um facto
Jorge Morbey
pela moderna cooperação. sem precedentes na História da Expansão Europeia. Centrou-se 4. O Oriente Português
Ao contrário das teses que sustentam que tais espaços existem no objectivo impreterível de reconquista da Soberania pelos povos
para manter o espírito colonial, parece que no seu estádio actual colonizados. A hegemonia portuguesa no Índico e no Pacífico durou perto de
eles serão pouco mais do que áreas de catarse ou expiação. O Século XIX assistira à secessão das colónias americanas dos um século. Foi profundamente abalada com a chegada em força
A Carta Aberta foi publicada no jornal Ponto Final, de Macau.
E não parece que possam ir mais além, pelos fortes compromissos respectivos países ibéricos. O Século XVIII assistira à independência dos Holandeses àqueles mares.
Um exemplar dela foi enviado para o endereço electrónico dos
existentes entre os ex-países colonizadores, no seio da União das colónias inglesas da América do Norte. À excepção do Canadá. A transferência de domínios territoriais entre países europeus
serviços de candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República,
Europeia. Compromissos que inviabilizam irremediavelmente Para aí se deslocaram os colonos que preferiram manter-se leais à – principalmente de Portugal católico para a Holanda protestante,
gentilmente cedido pelo mandatário local do candidato.
a sua participação plena em qualquer outra “Comunidade de Coroa Britânica. Ficaram conhecidos por United Empire Loyalists. - constituiu o pano de fundo em que emergiram as Cristandades
Decorridos cinco anos – todo um longo mandato presidencial !
Povos”. O Acordo de Shengen inviabiliza qualquer expectativa de A independência das colónias americanas foi um fenómeno sui Crioulas Lusófonas do Oriente.
-, nunca se soube de qualquer reacção do Presidente. Eleito e,
livre circulação de cidadãos das antigas colónias no território das generis. Os respectivos territórios não foram restituídos aos seus povos Com a substituição da dominação portuguesa pela holandesa
novamente, reeleito.
antigas metrópoles. Apesar de pertencerem à mesma comunidade originários. Foram entregues aos europeus e seus descendentes que - permanecendo nas terras que as viram nascer; deportadas
O silêncio ensurdecedor - pelo desinteresse demonstrado -
linguística – anglófona, francófona hispanófona ou lusófona. aí se tinham estabelecido. para outras paragens; ou forçadas à emigração - as cristandades
encorajou-me a apresentar-vos aqui as reflexões contidas nessa
A descolonização dos Séculos XVIII e XIX constituiu, portanto, mestiças euro-asiáticas do Oriente talharam a identidade colectiva
Carta Aberta. Porque as Cristandades Crioulas Lusófonas do
o resultado da secessão de interesses em conflito. Que opunham de cada uma que perdurou até aos nossos dias e que assenta em
Oriente estão abandonadas há séculos nas Encruzilhadas Culturais
europeus geograficamente separados pelo Atlântico. Mas unidos pela dois pilares principais: a religião católica e a língua crioula.
da Lusofonia.

122 123
A religião católica fora trazida pelos portugueses. Directamente 5. A identidade colectiva das celebrações onde os padres se limitam à Eucaristia e à Confissão nas gente estrangeira. Durante décadas pagaram por isso o elevado
de Portugal ou através de Goa – a Roma do Oriente. Convertidos ou dos fiéis. Em tudo o mais, quem manda é a Irmandade. preço de lhes serem recusados os sacramentos. Só esporadicamente
nascidos nela, com ela haviam de morrer. Geração após geração. Cristandades Crioulas Lusófonas À medida que a dominação holandesa foi sendo substituída os recebiam. Quando aportava um navio com um sacerdote, ainda
Euro-asiáticos. Étnica ou culturalmente ligados a Portugal. Pelo do Oriente pela inglesa, as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente foram que espanhol. Clamaram sempre pelo envio de clero. De Portugal,
sangue e pela religião. “Cristão” e “Português” são ainda sinónimos ficando menos oprimidas. Em vários casos, as próprias autoridades de Goa ou de Macau. Em vão.
em muitas partes da Ásia. Nomeadamente, no seio das Cristandades coloniais britânicas tomaram a iniciativa de lhes proporcionar padres A firme identidade das Cristandades Crioulas Lusófonas, ainda
Crioulas Lusófonas e entre os povos não cristãos vizinhos. A identidade colectiva das Cristandades Crioulas Lusófonas portugueses. hoje, evita o casamento dos seus membros com indivídos exteriores
A sua língua – o crioulo - era a língua portuguesa. Na formulação cimentou-se em grande parte na adversidade. O conflito religioso Perdida a confiança que a Santa Sé depositara desde o Século a elas. Preferem que os futuros cônjuges dos seus filhos provenham
que lhe garantira o estatuto de língua franca no litoral da Ásia e da nascido na Europa, entre católicos e protestantes, ramificou-se por XV em Sua Magestade Fidelíssima o Rei de Portugal - após o corte do seu seio ou de outras Cristandades. Ainda que distantes.
Oceania. Desde o Século XVI até à sua substituição pelo inglês, no todas as paragens do Oriente onde o poderio holandês se firmou. das relações diplomáticas por iniciativa do Governo liberal, em Quando assim não acontece e o casamento une um membro seu a
Século XIX. A profanação e a destruição de igrejas e mosteiros; a expulsão 1833; e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio um não cristão, a regra é a conversão deste à religião católica e a
Holandeses, ingleses, dinamarqueses e franceses não podiam dos padres; a proibição de qualquer acto de culto católico; as de 1834 - o Padroado Português do Oriente sofreu um golpe mortal. aprendizagem da língua crioula.
prescindir de um “língoa” [intérprete] a bordo para poderem comerciar deportações maciças; a redução de muitos à condição de escravos, Na Índia, no Sri-Lanka, no Sudeste Asiático, na China e na Oceania. Algumas das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente
nos portos do Oriente. Na língua que era - nada mais, nada menos compeliram os membros dessas cristandades à clandestinidade e Permanecendo - os que podiam - os missionários do Padroado disfrutam de um status que as valoriza nos países onde vivem.
– aquela que as Cristandades Crioulas Lusófonas falavam e, muitas à emigração: Macau, Índia, Insulíndia, Sião e Indochina foram os não seriam substituídos pelos seus confrades. O clero secular Outras, porém, são socialmente desqualificadas. Os seus membros
delas, ainda falam. destinos principais. de Goa, numeroso e bem preparado, acorria em socorro das são depreciativamente designados por “negros”. Apesar da côr mais
Tratados, contra os interesses portugueses na Ásia, foram Muitos teimavam em ficar. Escondidos em suas casas ou Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente que iam ficando sem clara - da pele, do cabelo e dos olhos - relativamente aos naturais
firmados entre representantes desses países europeus e poderes refugiados nas florestas. Celebravam como podiam os actos de religiosos. Quase sempre em vão. Os missionários da Propaganda com outras origens étnicas.
locais, nessa mesma língua. Por ser a única a que os europeus culto. Sem padres e sem igrejas, organizaram-se em irmandades Fidae e das Missions Étrangères de Paris já as ocupavam e os A nível individual, nos países onde se encontram, podem
podiam recorrer para comunicar no Oriente. clandestinas. Ao fim de décadas, produziram fenómenos de respectivos vigários apostólicos impediam-lhes o exercício do seu encontrar-se membros originários destas Cristandades nos mais
cristalização cultural, de natureza religiosa e linguística. Isso impediria, múnus. A expansão missionária francesa no Oriente começara ainda elevados estratos da sociedade: do mundo da política à actividade
mais tarde, a sua plena integração nas paróquias católicas criadas no século XVII. empresarial próspera; nas mais elevadas funções da hierarquia
posteriormente pelos ingleses. Tais irmandades permaneceram As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, gente simples e eclesiástica ou simples párocos de aldeia. Onde se verifique
até aos nossos dias. Conservam determinadas prerrogativas que temente a Deus, mantidas na ignorância dos conflitos entre Portugal a existência de muitos destes cristãos no clero católico, pode
limitam a autoridade dos párocos. E tornam-se visíveis em algumas e a Santa Sé, lutaram anos sem fim contra as novas autoridades concluir-se pela existência de intensa discriminação de que são
eclesiásticas. Conflituavam abertamente com elas. Consideravam- objecto. No acesso ao ensino público e ao mercado de trabalho.

124 125
Público e privado. Em regra, dedicam-se a actividades modestas. A pequena cristandade lusófona de Korlai [junto a Chaúl], na O poder colonial inglês não descolonizou as Cristandades Verde, classificava-o de gíria ridícula, composto monstruoso
São pequenos proprietários, simples trabalhadores agrícolas ou Índia, somente em 1982 seria revelada ao Mundo pelo etnólogo Crioulas Lusófonas do Oriente, no sentido de restituir dignidade à de antigo Portuguez, e das Linguas de Guiné, que aquelle
pescadores. romeno Laurentiu Theban. O seu crioulo é designado por Kristi. sua identidade, de que a língua crioula faz parte integrante, o que, povo tanto présa, e os mesmos brancos se comprazem a
Embora omitindo algumas que se acrescentam entre parêntesis, Entre as Cristandades Crioulas da Birmânia – Myanmar já não se aliás, não era de esperar. Nem é de esperar que os poderes pós- imitar.
Leite de Vasconcelos, em 1901, como ensina Baltasar Lopes da fala crioulo. Ao contrário das demais, perderam os próprios nomes e coloniais de motu proprio venham a dedicar-lhes a atenção a que 3. Em 1988, na qualidade de Presidente do Instituto Cultural
Silva no seu “Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, estabeleceu um apelidos cristãos. Mas permanecem fiéis à religião católica. têm direito. de Macau, transmiti ao Secretário da Conferência Episcopal
quadro do que chamou “dialectos ultramarinos do português”: A incapacidade de Portugal nesta matéria é uma evidência Portuguesa, D. Albino Cleto, a disponibilidade do Governo
Em África: Cabo Verde, Guiné-Bissau, S. Tomé, Príncipe e Ano secular. Filha da ignorância e do preconceito, como atestam alguns de Macau em apoiar a ida de religiosos portugueses para a
Bom.
6. A eminente dignidade da pessoa exemplos que se registam de seguida e que ocorreram num intervalo Missão de S José de Singapura e para a paróquia de S. Pedro
No Oriente: Diu, Damão, Mangalor, Cananor, Mahé, Cochim, humana e das suas expressões de tempo pluri-secular. de Malaca. Nessa altura já se encontravam retirados, por
[Bombaim e Negapatão], na Índia; Batticaloa, Trincomalee e 1. O Bispo de Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, em doença e velhice, os últimos padres portugueses enviados
culturais
Puttalam, no Sri Lanka; Macau [Hong Kong e Xangai onde se carta ao Rei D. José I, de 22 de Dezembro de 1774, refere pelo Bispo de Macau. Respondeu-me S. E. Reverendíssima
extinguiu em 1949/50], na China; Java [Tugu e Brestagi], próximo que as mulheres macaenses “falam uma linguagem, que é - de um modo que me pareceu tocado de algum complexo
A independência das antigas colónias portuguesas de África
de Jacarta, na Indonésia; Malaca [Alor Star, Penang, Perak, Kuala mistura de todos os idiomas e gírias, imperceptível aos que colonial - que a iniciativa deveria partir do Arcebispo e Bispo
restituiu aos seus povos o direito de decidirem sobre as suas línguas
Lumpur, Seremban e Johor Baru] na Malásia; e em Singapura. não são criados no país, por culpa dos maridos e pais de respectivos. Sugeri que, ao menos, a Conferência Episcopal
nacionais. Em todas elas o português foi adoptado como língua
Mas, para além do inventário de Leite de Vasconcelos, a língua família, que há dois séculos não cuidaram em introduzir o Portuguesa os convidasse para as comemorações do
oficial. Ao mesmo tempo, reconheceu-se a expontânea dignidade
crioula falou-se também nas Cristandades Crioulas Lusófonas idioma português correcto, sobre o que vou trabalhando, Centenário da Missionação e, nessa altura, se abordasse
das línguas maternas dos seus povos.
da Tailândia – Ayutia e, posteriormente, Bangkok - até aos anos por ser esta coisa aquela em que cuidam todas as nações o assunto. Nem o Arcebispo de Singapura, nem o Bispo de
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, substituído o
50 do Século XX. Aí permanecem vocábulos de uso corrente no em seus domínios”. Malaca estiveram nessas comemorações.
domínio português, permaneceram sob domínio colonial europeu que
relacionamento familiar e nas práticas da religião católica. Na 2. José Joaquim Lopes de Lima, oficial de marinha e 4. Em Janeiro de 1996, teve lugar em Malaca uma
as hostilizava ou, pelo menos, não dignificava. Assim permaneceram
Indonésia, além de Java, fala-se crioulo na ilha das Flores [Larantuka administrador colonial - governador de Timor que cedeu Conferência sobre “O Renascimento do Papiá-Cristão e
até à independência dos países em que se encontram, onde
e Sikka], nas ilhas de Ternate e Tidore e em Bali. Em Timor [Lifau e a ilha das Flores aos holandeses -, no seu “Ensaios sobre o Desenvolvimento do Património Malaco-Português”, a
constituem minorias com reputação variável em cada um deles. Por
Bidau]. No Bangladesh, até aos anos 20 do século XX, era muito viva a Statistica das Possessões Portuguesas no Ultramar..” que tive a honra de presidir na qualidade de Conselheiro
naturais razões de unidade do Estado, esses países mantiveram
a presença da língua crioula nas Cristandades locais - Chittagong e (1844) dá uma pequena amostra da desconsideração e Cultural da Embaixada de Portugal e a convite da
como língua oficial o inglês – a língua do último colonizador – e
Dhaka. Numa breve passagem em Dhaka, em 1998, pude certificar- desrespeito nutrido em relação às Cristandades Crioulas e à respectiva Comissão Organizadora. Entre as comunicações
privilegiam as suas línguas como línguas nacionais.
me da existência de vocabulário crioulo entre os católicos locais. língua por elas falada. No que respeita ao Crioulo de Cabo apresentadas, abordaram-se temas da maior importância:

126 127
• as dificuldades que sobreviriam para os pescadores, Expressa ou implicitamente os oradores apelaram ao apoio de 7. As Cristandades Crioulas Na estrutura do Governo e da Administração em Portugal
representando 30% da Comunidade, em consequência “Portugal e das Fundações Portuguesas”. Estávamos no início do não existe espaço nem atenção para as Cristandades Crioulas
dos planos de desenvolvimento local que previam ano de 1996. Uma das dez conclusões da Conferência consistiu no Lusófonas do Oriente, Portugal, a Lusófonas do Oriente. Porque elas não são lucrativas para os cofres
extensos aterros, afastando o mar para longe das suas pedido de avaliação das possibilidades de ligação das Cristandades Universidade de S. José, a CPLP do Estado. Porque o Estado se habituou à vida fácil de, por lei ou
casas; Crioulas Lusófonas do Oriente à Comunidade de Povos de Língua por medidas administrativas, sobrecarregar os contribuintes com
• o estudo, então em curso, para avaliação do número de Portuguesa (CPLP). Outra propunha que Portugal viabilizasse a Na verdade, o que poderão as Cristandades Crioulas Lusófonas impostos e taxas que sucessivos desgovernos vão dissipando, em
falantes do Crioulo [Kristang] e das necessidades para o organização de um pavilhão das Cristandades Crioulas Lusófonas esperar de Portugal? Reflectindo quanto baste, parece poder alegre paralisia ante a eurodestruição da economia portuguesa.
respectivo ensino, por inciativa do Dr. Mário Pinharanda do Oriente na EXPO 98. concluir-se que: Por outro lado, ricas e poderosas instituições privadas de
Nunes, então leitor de português em Kuala Lumpur; Tudo foi transmitido ao Governo português pelos canais habituais. Não rendem votos aos partidos politicos portugueses, nem utilidade pública, criadas à custa de muito dinheiro levado do
• o crescente interesse da população estudantil da Malásia, A primeira resposta recebida enviava o preçário de arrendamento remessas de divisas, como as provenientes dos lucrativos emigrantes Oriente para Portugal, em condições que não dignificaram o País
espelhado em teses versando a influência do Português dos pavilhões! Insistiu-se através de nova diligência procurando portugueses no estrangeiro. Consequência: não há espaço num e que, em princípio, deveriam prestar atenção às Cristandades
sobre o Malaio e de docentes universitários daquele explicar melhor o sentido e alcance do que se pretendia. A resposta departamento governamental semelhante àquele que os sucessivos Crioulas Lusófonas do Oriente - saber onde estão, quantos são, que
país empenhados em trabalhos de investigação sobre o ignorante foi a de que cada Comunidade deveria diligenciar a sua governos nunca se esquecem de ter: uma Secretaria de Estado carências têm e as potencialidades que nelas existem - encaram
Papiá-Cristão; inclusão nas representações dos respectivos países. Assim se para a Emigração ou dos Negócios Estrangeiros e Comunidades as poucas de cuja existência vagamente sabem como criaturas
• a sumariação dos crioulos existentes no mundo, seus encerrou-se definitivamente o assunto. Portuguesas, conforme a semântica política mais ao gosto de cada interessantes a que, de vez em quando, se dão uns “amendoins”
diferentes estatutos, intercâmbio dos seus falantes Como me referiu o Arcebispo Emérito de Mandalay, na Birmânia, maioria parlamentar. Nem cabem aí. com o afecto próprio do visitante de uma aldeia de macacos num
para troca de experiências, inventário das respectivas U Than Aung - descendente de portugueses - onde a maioria do Não proporcionam negócios, nem representam quota de qualquer jardim zoológico.
necessidades, modos de entreajuda e internacionalização clero católico é de origem portuguesa e cuja Comunidade tem as mercado nas exportações portuguesas. Consequência: não há A Universidade de S. José - herdeira do património espiritual
desse património comum espalhado por vários países; suas origens na cidade de Pegú no ano de 1600, quem nunca espaço num departamento governamental semelhante aos que se do glorioso Padroado Português do Oriente, ingloriamente
• a complexidade do sistema educativo da Malásia em recebeu a mais ténue manifestação de solidariedade de Portugal dedicam à cooperação com a África ou a Europa. Nem cabem aí. desaparecido, que gerou as Cristandades Crioulas Lusófonas do
que coexistem várias línguas e que permite a inclusão nada tem a esperar daí. Não proporcionam receitas ao Fisco e à Segurança Social Oriente - terá uma palavra a dizer, um tempo para sobre elas reflectir
de qualquer idioma – incluindo o Papiá-Cristão e o portuguesa, nem a sua força de trabalho está à disposição de e um espaço institucional para elas, após o encerramento desta
Português padrão – mediante requerimento de quinze empresários portugueses. Consequência: não há espaço em Conferência sobre “A Lusofonia entre Encruzilhadas Culturais”?
pais ou encarregados de educação. estruturas do tipo Alto Comissariado para as Minorias Étnicas e As Missões Portuguesas nos Estreitos - Malaca e Singapura
Imigração. Nem cabem aí. - deixaram de existir em 1 de Julho de 1981, na sequência dos
acordos celebrados entre o Bispo de Macau, D. Arquimínio da Costa,

128 129
e os Bispos James Soorn Ceong, de Malaka-Johor, e Gregory Yong A Diocese de Macau foi, portanto, o último reduto do Padroado
Soon Nghean, Arcebispo de Singapura, em 26 de Julho de 1977 e Português do Oriente. Estará o Senhor Bispo D. José Lai na
ratificados por decreto da Santa Sé, de 27 de Maio de 1981. disposição de convidar os bispos das dioceses onde vivem as
A Missão Portuguesa de Malaca, desde a concordata de 23 Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente para uma conferência
de Junho de 1886, estava sujeita à dupla jurisdição exercida pelo em que se dê início ao trabalho de unir as pontas desta teia cuja
Bispo de Macau e pelo Bispo de Malaca e incluía as igrejas de S. destruição teve início com o corte das relações diplomáticas por
Pedro e de N. Senhora da Assunção e outras capelas. A Igreja de iniciativa do Governo liberal português em 1833 e a extinção das
S. Pedro manteve as suas funções de Igreja paroquial e os seus ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834?
padres continuaram a servi-las sob a autoridade do Bispo de As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente são comunidades
Malaca, enquanto o Bispo de Macau o permitisse. Morreram os de portugueses excluídos, apesar do seu forte sentimento de
Padres Augusto Sendirn e Manuel Pintado, últimos missionários pertença a Portugal, da sua fidelidade secular à Religião Católica e
portugueses em Malaca. do seu património linguístico – o crioulo – a que chamam Portugis .
A Missão Portuguesa de Singapura compreendia a Igreja Paroquial Ainda assim – ou talvez por isso mesmo - estão excluídas da
de S. José que dependia do Bispo de Macau. Enquanto paróquia Lusofonia.
deixou de existir passando às funções de simples igreja de devoção Mas o desconsolo maior – e para terminar - excluídos da Lusofonia
e os seus padres continuaram a servi-la - padres Francisco António somos todos nós. Porque apesar do denominador comum que é
Bata e João Guterres. O sustento e as despesas destes padres a Língua Portuguesa – padrão ou crioula - enquanto estivermos
continuaram sob a responsabilidade do Bispo de Macau. Os bens privados da liberdade básica de todas as outras que é o direito de
- imóveis e móveis - da Igreja de S. José continuaram a pertencer- estar e de ir de um lado para o outro – jus manendi, ambulandi
lhe, sendo administrados pelo respectivo Reitor e sob controlo do eunde ultro citroque - a CPLP pode ser tudo o que quiserem.
Arcebispo de Singapura, enquanto o Bispo de Macau continuasse Não é de certeza uma Comunidade inclusiva de povos livres de
a enviar missionários. Quando isto deixasse de se verificar, seria circularem no espaço que se diz pertencer-lhes.
realizado um acordo sobre a transferência civil desses bens.
As outras propriedades pertencentes à Missão Portuguesa
(Comission for the Administraüon of the States of Portuguese
Mission in China) não entraram neste Acordo.

130 131
Abstract institutional interaction, historic visits, programs and Internet
resources. The survey helped to illustrate the fact that the Library of
Congress holds a quality collection of African literature in Portuguese.
The Library of Congress holds a sizable collection of Africana
Areas were identified where the Library could enhance its collection,
materials in a large variety of formats, languages, and scripts. Yet,
such as in Crioulu language materials and literary journals. Efforts
the question raised is, does it meet the research needs of scholars
are on-going to identify and evaluate additional publishers as well as
focused on the Portuguese speaking areas of Africa? The basis for
more database resources for African literature.
this presentation is a survey that was conducted at the Library of
Providing Access to Cultural Heritage: Congress during the summer of 2010, as part of the methodology
to critically coordinate the planning and management of the Library’s
Keywords: Library of Congress; African & Middle Eastern
Post-colonial Lusophone African ongoing acquisitions efforts. A collection of post-colonial fiction
Division; AMED
Subject Keywords: Literatura africana de expressão portuguesa
literature collection from the Portuguese speaking countries of Africa was selected for
the survey. The purpose was to assess the quality and quantity
of the collection, to note appreciable gaps in the collection, and to Presentation
make recommendations for future acquisitions and preservation
needs. This paper therefore is a bibliographic discussion about this Librarians and libraries are essential to the world of scholarship.
collection of publications and the concluding opinion that the Library At the Library of Congress, our mission is to acquire, preserve and
Mattye Laverne Page adequately supports scholars, academia, the casual and the intense provide access to universal collections of knowledge and the record
researcher engaged in study of this geographic and linguistic area. of creativity. The African Section of the African & Middle Eastern
Library of Congress The survey ascertained that the Library of Congress holds important, Division (AMED) carries out this mission as it offers quality services
USA and possibly the most important authors for prose, short stories and to support the research of African Studies scholars and researchers.
poetry published after the independence of Angola, Cape Verde, We present our collections to new and broader audiences; educate
Guinea Bissau, Mozambique, and São Tomé & Príncipe. In addition through collections-related presentations; maintain a Web presence
to the Library’s collections, its researchers also benefit from a staff featuring our works; and contribute to scholarship and research by
engaged in public service and outreach activities. Therefore, this creating opportunities for scholars to make fuller use of our collection
essay cites details from the July 2010, survey as well as relevant resources. During the summer of 2010, the African Section focused

132 133
attention on the print collection of the Portuguese speaking African Portuguese was not a lingua franca as Africans spoke their own Andrade, his comrade in arms, and also in current days, the poetry association listservs. Much of the data received or revealed via the
countries, also referred to as the PALOP, ‘‘Países Africanos de Língua languages and educational opportunities for them and the local of the current president of Mozambique, Armando Emílio Guebuza, inventory was interesting. The survey ascertains that the Library
Oficial Portuguesa,” and conducted a survey concerning its strength Portuguese inhabitants were generally not available. As nationalism author of, Os tambores cantam (Maputo: Producão Lua, 2006). does indeed hold the most important Lusophone African authors for
and quality. This essay is based on the findings of the survey, our and the winds of change swept across the African continent, the A survey on literature from Lusophone Africa was conducted at prose, short stories and poetry published after independence. While
recognition of the significant instances of successful institutional Portuguese language, as observed by Amilcar Cabral, the father the Library of Congress during the summer of 2010, as part of the surveying catalog records and the actual books, certain conclusions
interactions and cultural exchanges over the past decade, and a of Cape Verdean and Guinean independence, began to serve as methodology to critically coordinate the planning and management could be drawn such as the fact that the Library holds more prose
heightening interest within the Library about its repository of material the instrument of politicization and mobilization of the masses and of the Library’s ongoing acquisitions efforts. Periodically, a curatorial than poetry from Mozambique and more poetry than prose comes
from and about the Portuguese speaking countries of Africa. later as a tool in nation-building. It cut across distance and ethno- unit engages in evaluations of collections or it conducts inventories. from Angola. Literature in the Cape Verdean Crioulo is prolific and
The nations of Angola, Cape Verde, Guinea Bissau, Mozambique, linguistic borders on the African continent. Each nation responded Selected for evaluation was the literature of the Lusophone countries. the Library should acquire more. Guinea-Bissau has published
as well as São Tomé and Príncipe comprise the Portuguese speaking in a unique way to the adoption of Portuguese as a transmitter of The topic “literature” was too broad, thus, the focus narrowed to a least of the five countries and the literature from São Tomé with a
world in Africa. The Portuguese presence in Africa dates from the late culture and literature and each nation reflects a different experience more manageable quantity of publications. The topic for review then population of about 160,000 is the least known.
1400’s. At times it was marginal, yet it remained virtually uninterrupted in its literature. Although they have a similar colonial experience, they became fictional works (novels and short stories) and poetry with Library staff rarely measures the collections against another
in Portugal’s two island and three continental territories. The islands, differ in their traditional culture and oral traditions, armed struggle the publication period commencing at independence from Portugal national or university libraries with similar collections since the
which began as slave ports, developed into the nations of São Tomé against the Portuguese, subsequent civil wars, and governments. and continuing to the present day. Independence came for Angola Library on occasion simply collects more globally than many other
& Príncipe and Cape Verde with their language evolving into Creoles Their cultures and literatures are often not well known in other in November 1975, Cape Verde in July 1975, Guinea Bissau in institutions. The African Section keeps abreast of intellectual
which became the maternal languages of island inhabitants who were PALOP countries or outside of Portuguese speaking areas. There September 1973 [recognized by Portugal a year later], Mozambique trends for reference purposes but does not streamline its collection
descended from a genetic mix of African slaves, Portuguese and other are fewer English translations of African literature in Portuguese than in June 1975 and São Tomé & Principe in July 1975. development efforts based on current popularity. For most African
Europeans. Guinea-Bissau, a multi ethnic society, historically, has of African literature in French. Curiously, the first translation from As part of the methodology for the survey, a staff member countries, material is not so abundant that it needs to be prioritized
close ties with Cape Verde. The same Portuguese Creole is spoken Portuguese is often into German or another European language conducted an internal literature review and analysis using the Library’s for selection. Gaps are to be avoided with newspapers, serials,
there, differing in that it incorporates more African loan words. In the before the work is translated into English. Large populations of online computer catalog to identify authors, titles, categories of series and such. Timeliness and an acquisitions source are the
vast continental territories that became the nations of Angola and people speak Portuguese, but not in contiguous areas. In Guinea works and to cluster them together into logical groupings. Using important factors to take into account to avoid gaps and to fulfill
Mozambique, the Portuguese presence, language and culture were Bissau and Mozambique only a minority speak Portuguese. It is the WorldCat Database, the staff member could identify gaps at the current and anticipated future needs of scholars and researchers.
less successfully integrated into the colonies. Portuguese became curious that these nations have produced so much poetry and fiction Library. It should be noted that there was no attempt to explain Many of the findings from the survey concerning overall collection
the dominant language mainly within communities of mulattos. Large and it is notable that so many freedom fighters and their leaders are these collection gaps. Much data and general information was strength were not unexpected. Action will result from observations
populations of Portuguese settlers arrived in those colonies only after published writers. Very well known is the poetry of Agostinho Neto, solicited about authors, genres, collection strengths and holdings at and recommendations. As Creole is a written language, though
World War II. first president of the Republic of Angola (1975-1979), Mário Pinto de other institutions from colleagues and via international professional not officially a national language, the Library should actively seek

134 135
publications in Crioulo for Cape Verde and Guinea Bissau. Writers vendors, it is still informative and reaps the most benefits for the The African Section participates in activities involving the Lusophone Seibert, a researcher at the Instituto Universario de Lisboa (ISCTE-
unions are important, they publish prolifically at times and we Library when subject specialists visit countries for acquisitions African world primarily though associations with Lusophone African IUL) Centro des Estudos Africanos in Lisbon, Portugal, spoke at
should acquire more material from them. Currently we acquire purposes. scholars in the United States, Portugal and the United Kingdom. A a well attended gathering on “Cape Verde & São Tomé Príncipe:
from the Associação dos Escritores Mocambicanos (Mozambican Preservation is always a factor to consider with print material but key associate is the Lusophone African Studies Organization (LASO) Commonalities & Differences of Two Lusophone Countries.” His
Writers’ Association), União dos Escritores Angolanos (Union of not in this instance. The books under review date from 1975 and are and a key communications network is its listserv, H-Luso-Africa, an lecture is video-recorded and available for viewing on Library sites.2
Angolan Writers), and the União Nacional de Escritores e Artistas not in need of any attention. Obviously this would not necessarily H-Net networking discussion tool for Lusophone African Studies. 1 We have consulted with and made welcome other published scholars
de São Tomé e Príncipe (National Union of Writers and Artists of be the case for older publications in the general collections. While Researchers, official visitors, visiting librarians from domestic and such as, to name a few, David Birmingham, Jeanne Penvenne, and
Sao Tome and Principe). The Library’s Field Office in Nairobi will be canvassing the Library’s stacks (prateleiras de livros) for this project, foreign government agencies, academic and research institutions John Thornton. Many scholars remain in contact and continue to
consulted concerning acquisition recommendations for Angola and I noted that some intervention may be needed for older works such tour and receive briefings by African Section staff in its home unit, the seek reference assistance via email. It was noted only recently that,
Mozambique and the approval plan dealer, Hogarth Representatives, as the 1938 volumes of Alguns aspectos da viagem presidencial African & Middle Eastern Division. In exile, one of our most notable Hilary Owen thanked me in her book, Mother Africa, Father Marx:
will be asked to seek more publications from São Tomé and Príncipe, às colónias de S. Tomé e Príncipe e Angola, [Lisboa] Agência geral visitors was Mário Pinto de Andrade (1928-1990), poet, one of the women’s writing of Mozambique, 1948-2002 (Lewisburg [Pa.]:
Cape Verde and Guinea-Bissau, especially for Creole language das colónias, 1939, published in two volumes, the work entitled, fathers of Angolan nationalism and first president of the Popular Bucknell University Press, c2007). She writes, “In Washington, I
literature. Alguns aspectos da viagem presidencial às colónias de Cabo Verde, Movement for the Liberation of Angola (MPLA). He visited the African acknowledge a real debt of gratitude to Laverne Page and Margaret
The work of the six Library of Congress overseas offices is central S. Tomé, Moçambique e Angola, e da visita do chefe do estado à Section accompanied by his daughter, Henda. See Mário Pinto de Wayne for going out of their way to help with tracking sources at the
to acquisitions work. In fact, the Nairobi Field Office plays the major União sul-africana, realizadas nos meses de junho, julho, agôsto e Andrade: uma olhar íntimo / coordenação, Henda Pinto de Andrade Library of Congress.”
role in collecting material for Angola and Mozambique. The overall setembro de 1939 ... ([Lisboa], Agência geral das colónias, 1940, (Luanda: Edições Cha de Caxinde, c2009). Within the past few years, The above mentioned interactions and cultural exchanges are
strength of the collection from Angola and Mozambique is due to also published in two volumes, with a supplemental work, Anexo ao from the Lusophone African countries, we have received visits from valuable to the Library staff in terms of knowledge transfer, networking
the efforts of the LC Nairobi Office. Without the consistent on-the- album da viagem presidencial à África em 1939; cortejo alegórico, prime ministers, ministers, the wife of a president, ambassadors and and acquisitions. A few others are listed below in chronological order.
ground assistance with identifying, selecting and acquiring these festival nocturno, iluminações em Lourenço Marques1940. other diplomats and government officials. With these visits come The most direct access point for Library of Congress webcasts on
titles, the Library would not have a strong collection. The overseas gifts of publications and exchanges of information leading to future Africa is via the African and Middle Eastern Division homepage. 3
field office’s summer projects in Cape Verde and in Guinea-Bissau programs and projects. In July 2010, the Library was honored with
took advantage of an opportunity to employ and effectively engage
Literature within the Context of a visit from Maria José Ramos, the Director of the National Library of
scholars traveling to these countries on sabbatical or for summer Research and Cultural Exchange Angola, with whom we expect to have more frequent contact. The
field work. They acquired publications, established contacts and most recent Library lecture took place in October, 2010. Dr. Gerhard 2 Webcast site for Seibert program <http://www.loc.gov/today/cyberlc/feature_wdesc.
php?rec=5065>
networks and relayed information about cultural, research and Area Studies units at the Library of Congress are often windows 3 See African Section webcasts < http://www.loc.gov/rr/amed/cybercasts/africancybercasts.
publishing developments. Despite approval plans with acquisitions for the Library for academic, professional and cultural exchange. 1 Internet site for H-LusoAfrica <http://www.h-net.org/~lusoafri/>. html>

136 137
1. In April, 2002, Library staff was invited to Brown University 4. On Feb. 4, 2004, the University of Massachusetts-Dartmouth “Contemporary Cape Verdean Literature” 1971 in Mozambique and in South Africa. The collection is
in Providence, Rhode Island, to attend a ‘first-time event in and the Library coordinated a program in Washington, Speaker: Phyllis Peres, University Maryland, College Park, rich and voluminous in primary source material, in published
the United States’ which was an interdisciplinary four-day entitled, “Contemporary Lusophone African Literatures and MD and unpublished works and it has possibilities for research
Lusophone conference, “Portuguese / African Encounters Cultures: A Colloquium On Cape Verde and Mozambique.” “Reflections on the Writing of Fiction in Cape Verde” in several disciplines. The material covers legislation, history,
Congress.” Hundreds participated along with all of the The video-recording of the full day program is available on Speaker: The Honorable Manuel Veiga, author, and law and government, slavery and the slave trade, genealogy
Lusophone ambassadors accredited to the United States, the African & Middle Eastern Division website.5 Among Member of Parliament, Cape Verde of African communities, language studies, development and
prominent scholars from Africa, Brazil and Europe, well- those providing a welcome address were His Excellency so much more. This collection is available at the Library.
known writers from Africa, and a host of Africanists. Jorge Tolentino, Minister of Culture, Cape Verde and The moderator for the Mozambican Literature panel was His 6. The Library has continuing cultural exchanges with Angola,
2. That same year, Angolan Ambassador to the United States, The Honorable Rui Machete, President, Luso-American Excellency Armando Panguene, Ambassador of the Republic Cape Verde and Mozambique at the diplomatic level. In
Her Excellency Josefina Pitra Diakité, complimented the Foundation. The Keynote speaker was His Excellency of Mozambique. December, 2009, at a ceremony held in Luanda, Angola,
Library by asking us to share in celebrating Angola’s 27th Fernando Henrique Cardoso, former president of Brazil, and the American Ambassador, His Excellency Dan Mozena
anniversary of independence from Portugal and its first year at that time, a Distinguished Visiting Scholar in the John W. Panel: accepted a gift of books and tapes for the Library of
of peace after a 25 year civil war. AMED invited Dr. Jorge Kluge Center of the Library of Congress. “Presentation of Portuguese Literary & Culture 10: Congress on the occasion of the 100th anniversary of the
Macedo, writer, journalist and ethno-musicologist to speak Reevaluating Mozambique” birth of Óscar Ribas (1909-2004), an iconic literary figure in
on Angolan culture on Nov. 14, 2002. A video-recording The moderator for the Cape Verdean Literature panel was Speaker: Phillip Rothwell, Rutgers University, Angola. As a feature of the celebration, officials in Angola
of a lecture, music and dancing, “As Marimbas de Angola His Excellency José Brito, Ambassador of the Republic of New Brunswick, NJ arranged for his works to be re-edited and distributed to
concert featuring Jorge Macedo” is available as a webcast.4 Cape Verde. “Contemporary Mozambican literature and Lília Momplé” educational institutions and public libraries within Angola
3. In 2002, the Library also invited the Embassy of Angola to Speaker: Russell Hamilton, Vanderbilt University, Nashville, and other Lusophone areas.
participate in the bi-centennial celebration of the Library of Panel: TN 7. To conclude with interaction examples, daily reference
Congress. Angola’s gift to the Library and its “Gift to the “Presentation of Portuguese Literary & Culture 8: Cape “Reflections on Writing, Mozambique, and Women” requests of all complexities are received from global research
Nation” was a cultural legacy, Luandando (Porto, Portugal Verde: Language, Speaker: Lília Momplé, author communities. Scholars and researchers in all disciplines
: Elf Aquitaine Angola, 1990) by Pepetela, one of Angola’s Literature and Music” seek and utilize works of fiction and poetry. A university
most celebrated writers. Speaker: Ana Mafalda Leite, University of Lisbon 5. In 2004, correspondence began with the African Section professor teaching a social science course sent her course
over the possibility of acquiring the sizable collection of syllabus, as a contribution to the Lusophone literature
material amassed by Adelino José Macedo (1907-1983) survey, to show which writers and works were important
4 Open <http://www.loc.gov/rr/amed/cybercasts/africancybercasts.html>, scroll to the end and 5 Open <http://www.loc.gov/rr/amed/cybercasts/africancybercasts.html>, scroll to title and
click the presentation title. click.
who was a Portuguese colonial officer serving from 1928 to and being incorporated into academic work at her university.

138 139
Her reading list was searched in the online catalog as it was The Hands of Blacks and Other Short Stories by Luís Bernardo Honwana. Not in LC Mayombe: romance / Pepetela. Lisboa : Edições 70, [1980]
Conclusion
We killed Mangy-Dog: & Other Stories / Luis Bernardo Honwana; translated from the
viewed as a supplemental way to assess the extent to which Portuguese by Dorothy Guedes. Harare, Zimbabwe : Zimbabwe Pub. House, 1987. Mayombe / Pepetela; translated from the Portuguese by Michael Wolfers. London ;
the Library’s collections adequately support the research Exeter, N.H., USA : Heinemann, 1984.
Martin Luther King, Jr, an African American Pastor, civil rights
community. All of the required books on her list including Culture in Chaos: an Anthropology of the Social Condition in War / Stephen C.
Lubkemann. Chicago : University of Chicago Press, 2008. Angola: The Weight of History by Patrick Chabal & Nuno Vidal, editors. New York : leader, Nobel Prize winner and ultimately a martyr, stated that, "Our
translations are held by the Library. Lacking, though, are Columbia University Press, c2008. lives begin to end the day we become silent about things that matter."6
the video productions cited on the list. The actual list is Sleepwalking Land / Mia Couto: translated by David Brookshaw. London : Serpent’s
This statement alludes to all aspects of life. It speaks about our right
reproduced below with titles in the order and groupings in Tail, 2006. The book of chameleons / José Eduardo Agualusa ; translated from the Portuguese
by Daniel Hahn. New York : Simon & Schuster paperbacks, 2008. to express our culture and heritage and to transmit and guard them
which they are to be read for the social science class. Terra Sonâmbula: Romance / Mia Couto. Lisboa : Caminho, c1992. for future generations. In our current societies, librarians are key
Literacy: Reading the Word and the World by Paulo Freire and Donaldo Macedo;
facilitators to appropriate access of a myriad of resources including
Undergraduate course Untapped: the Scramble for Africa’s Oil / John Ghazvinian. Orlando : Harcourt, foreword by Ann E. Berthoff; introduction by Henry A. Giroux. South Hadley, Mass. :
books and other analog resources as well as digital resources.
c2007. Bergin & Garvey Publishers, 1987.
reading list The African Section, a facilitator with special responsibility for the
Francisco José Tenreiro’s (1921-1963) poetry: LC holds four works Amilcar Cabral (1921-1973) Writings and Speeches
[Guinea-Bissau--Speeches] AMED-African Section Pamphlet Collection
development, growth and strength of the interdisciplinary collections
Apartheid’s Second Front: South Africa’s War Against its Neighbours / Joseph
Hanlon. Hamondsworth, Middlesex, England ; New York, N.Y., U.S.A. : Penguin Autores modernos portugueses / volume organizado por Carlos Alberto Lança e
relating to Africa, serves well its constituencies - the American
Books, 1986. Franciso José Tenreiro. Lisboa : Contos e poemas, 1942. Return to the Source; Selected Speeches. Edited by Africa Information Service. Congress, students, scholars and experts.
New York, Monthly Review Press [1974, c1973]
Through its successful efforts, a commendable collection of
Coração em Africa / Francisco José Tenreiro. Linda-a-Velha, Portugal : Africa ;
Os olhos da cobra verde / Lília Momplé. [Maputo] : Associação dos Escritores
Lisboa : Distribuição, Central Distribuidora Livreira, [1982] Unity and Struggle: Selected Speeches and Writings by Amílcar Cabral. Texts Africana material in all formats, scripts and languages and in most
Moçambicanos, [1997] selected by the PAIGC ; translated by Michael Wolfers. Pretoria : Unisa Press ; subjects has been amassed.
Hollywood, CA : Tsehai, c2008.
Neighbours / Lília Momplé. [Maputo] : Associacão dos Escritores Moçambicanos, Poesia negra de expressão portuguesa organizado por Francisco Tenreiro e Mário We encourage you to review the publications cited within this
Pinto de Andrade: prefácio, Manuel Ferreira]. Linda-a-Velha, Portugal : Editor Africa
[1995]
; Lisboa : Distribuição, Central Distribuidora Livreira, [1982] Flora Gomes’s films Mortu Nega, Yonta’s Blue Eyes, and Nha Fala essay, which pertain to the Portuguese speaking countries of Africa,
Not in LC collection. and to explore the digital collections. To assist and inform, very
Ninguém matou Suhura / Lilia Momplé. [Maputo?] : Associação Associação dos
Escritores Moçambicanos, [1988] Obra poética / por Francisco José Tenreiro: prefácio de Salvato Trigo. [Lisbon] : selective bibliographic lists are provided in the following pages of titles
Impr. Nacional-Casa da Moeda, 1994.
from the African Section Reference Collection and from holdings in
African workers and Colonial Racism: Mozambican Strategies and Struggles in
Lourenço Marques, 1877-1962 / Jeanne Marie Penvenne. Portsmouth, NH : Claire Andrade Watkins’s documentary Some Kind of Funny Puerto Rican and
Heinemann ; Johannesburg : Witwatersrand University Press ; London : J. Currey, Abderrahmane Sissako’s documentary Rostov-Luanda and supplemental readings –
c1995. those films are not in LC.
6 One of many quotations from the Rev. Martin Luther King, Jr. <http://www.k-state.edu/
womenscenter/W.A.R/Dr.%20Martin%20Luther%20King%20Jr.%20Quotes.pdf>

140 141
the Library’s voluminous general collections. These works comprise country, a chronology, a dictionary listing of topics that make a particular African Cinema: Postcolonial and Feminist Readings / Kenneth W. Harrow. (1999)
Trenton, NJ : Africa World Press, c1999.
Selected bibliographic list of Lusophone
a rich resource of literature – fiction, short stories and poetry - to be country unique and concludes with an extensive bibliography on that
enjoyed and used at all levels of interest and scholarship. Access country. Four of the five Lusophone African countries are covered in this
Post-Colonial Literature
Challenging Hierarchies: Issues and Themes in Colonial and Postcolonial African
to these publications is available through on-site visits and in some series. These dictionaries, such as the following, are excellent starting Literature / Leonard A. Podis and Yakubu Saaka. New York : P. Lang, c1998.

cases through interlibrary loan. We welcome you to visit the Library points for research for the average researcher. The selective literary list below is a miniscule guideline to cultural
Bibliografia das literaturas africanas de expressão portuguesa / Gerald Moser,
of Congress home page 7 and to use our collections to enrich your Manuel Ferreira. [Lisbon, Portugal] : Impr. Nacional-Casa da Moeda, [1983]
explorations.
research and understanding of culture in Africa. We invite those of AMED Ready Reference Collection The list includes bibliographies, bibliographic essays, biographical
The Companion to African Literatures / Douglas Killam & Ruth Rowe: consultant works, anthologies, collections of short stories, plays, poetry and
you far removed from the shores of Africa, by time and space, to editor, Bernth Lindfors; associate editors, Gerald M. Moser and Alain Ricard. Oxford
read and to share the stories of your people, and to become re- Historical Dictionary of Angola, ed. by W. Martin James. Lanham, Md. : Scarecrow : J. Currey ; Bloomington : Indiana University Press, c2000.
fiction found at the Library of Congress. Again, please note that this
acquainted with your homelands. Press, 2004. list represents a very small portion of Library holdings.
A History of Postcolonial Lusophone Africa / Patrick Chabal: with David Birmingham
Historical dictionary of Mozambique / Mario Azevedo, Emmanuel Nnadozie, Tomé ... [et al.] Bloomington : Indiana University Press, 2002.
Mbuia João. Lanham, Md. : Scarecrow Press, 2003. General Works - Anthologies
African & Middle Eastern Division A History of Twentieth-century African Literatures / Oyekan Owomoyela.
Historical Dictionary of the Republic of Cape Verde, ed. by Richard A. Lobban Jr., Lincoln : University of Nebraska Press, 1993. Antologia temàtica de poesia Africana: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné,
Paul Khalil Saucier. Lanham, Md. : Scarecrow Press, 2007. Angola, Moçambique / Mário de Andrade [editor]. Lisboa : Livraria Sá da Costa,
African Section Nova bibliografia das literaturas africanas de expressão portuguesa / Gerald Moser 1977- ,c1975-
Reference Collections Historical Dictionary of the Republic of Guinea-Bissau / Richard Andrew Lobban, Jr. & Manuel Ferreira. [Lisbon, Portugal] : Impr. Nacional-Casa da Moeda, [1983]
and Peter Karibe Mendy. (1997) Lanham, Md. : Scarecrow Press, 1997. Gods and Soldiers: the Penguin Anthology of Contemporary African Writing, edited
The Post-Colonial Literature of Lusophone Africa / Patrick Chabal ... [et. al.] by Rob Spillman New York : Penguin Books, 2009.
The Library’s Africana collections include reference works from which Evanston, Ill. : Northwestern University Press, 1996.
African Section Reference Collection A Horse of White Clouds: Poems from Lusophone Africa, selected and translated
the AMED Reading Room has selected titles of high value for Africana
Postcolonial African Writers: a Bio-Bibliographical Critical Sourcebook, edited by by Don Burness, with a foreword by Chinua Achebe. Athens, Ohio : Center for
reference assistance. The African Section Reference Collection is small Pushpa Naidu Parekh and Siga Fatima Jagne: foreword by Carole Boyce Davies. International Studies, Ohio University, 1989.
and selective, covers all of Africa and numbers around 1,500 volumes. This is a list of a handful of resources from the larger more varied Westport, Conn : Greenwood Press, 1998.
The Africana Ready Reference area in the AMED Reading Room African Section Reference Collection. These books are packed No reino de Caliban: antologia panorâmica da poesia africana de expressão
with extensive information and cover history and literary criticism, Teaching the African novel / edited by Gaurav Desai. New York : Modern Language portuguesa / organização, selecção, pref. e notas de Manuel Ferreira. Lisboa :
includes books in the Scarecrow Press Historical Dictionaries of Africa Association of America, 2009. Seara Nova, 1975-[1985?]
series. This series is written by experts, and features a brief history of a biographies and bibliographies.

7 Library of Congress home page <http://www.loc.gov>

142 143
Poemas no tempo by Arnaldo Santos. [Luanda] : União dos Escritores Angolanos,
General Works - History and Criticism Angola [1988]
Poetry, Plays, Fiction

The companion to African literatures / editors, Douglas Killam & Ruth Rowe Oxford : Poesia negra de expressão portuguesa, organizado por Francisco Tenreiro e Mário Arvore & tambor: poema by Corsino Fortes; prefácio de Ana Mafalda Leite. [Praia] :
J. Currey ; Bloomington : Indiana University Press, c2000.
Writers cited as the most prominent by Angolans visiting the Library Pinto de Andrade ; prefácio, Manuel Ferreira]. Linda-a-Velha, Portugal : Editor Africa Instituto Caboverdiano do Livro ; Lisboa : Publicações Dom Quixote, 1986.
are represented below. LC has substantial holdings of their writings, ; Lisboa : Distribuição, Central Distribuidora Livreira, [1982]
either in anthologies, in serial publications or published as a single work. Cabo Verde: imagens de dez anos de diplomacia, 1975-1985. [Praia] : Ministério
Sagrada esperança : poemas / Agostinho Neto. [Luanda, Angola] : União dos dos Negócios Estrangeiros, [1985]
Entre Próspero e Caliba: literaturas africanas de lingua portuguesa / Francisco
O caminho das estrelas: nova poesia para Agostinho Neto / Brigada Jovem de Escritores Angolanos, [1979]
Salinas Portugal. Santiago de Compostela : Edicións Laiovento, 1999.
Literatura. (Luanda, 1981) Not held by LC O Meu Poeta: romance by Germano Almeida. Lisboa : Caminho, [1992]

Influências da literatura brasileira nas literaturas africanas de língua portuguesa /


Gramiro de Matos. Bahia, Brasil : Empresa Gráfica da Bahia, 1996. Contos de vampiros / Ana Paula Tavares ... [et al.] ; Pedro Sena-Lino (nota Cape Verde Teatro by Espâirito Santo da Silva. Cabo Verde : Associação Artistica e Cultural
intróductoria e coordenação). Porto : Porto Editora, 2009.
MINDELACT, 2006.
Literatura africana, literatura necessária / Russell G. Hamilton. Lisboa : Edições 70,
<c1984- > Dizanga dia muenhu: contos by Boaventura Cardoso. São Paulo : Atica, 1982. Anthologies Oĵu d’agu / Manuel Veiga. Praia : Instituto Caboverdiano do Livro, c1987.

Literaturas de língua portuguesa: marcos e marcas / Maria Aparecida Santilli e Suely Ecos da minha terra : dramas angolanos: prosa by Óscar Ribas. [Luanda] : União
dos Escritores Angolanos, c1989. Antologia da ficção cabo-verdiana / [oraganização e apresentação, T.V. Da Silva]
Fadul Villibor Flory, organizadoras. São Paulo : Arte & Ciência Editora, 2007.
[Praia, Cape Verde] : AEC Editora, [1998?-2002]
Guinea-Bissau
Literature and Colonialism in Lusophone Africa / E.C. Nwezeh. Lagos, Nigeria : A geração da utopia: romance by Pepetela. Luanda : Editorial Nzila, 1999.
Caboverdeamadamente construção meu amor: poemas de luta by Oswaldo
Centre for Black and African Arts and Civilization, 1986.
Janela de Sónia by Manuel Rui. [Lisboa] : Editorial Caminho, c2009. Osório. Lisboa : Publicações Nova Aurora, c1975. O crioulo da Guiné-Bissau: filosofia e sabedoria by Benjamim Pinto Bull. Lisboa,
Portugal : Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação ; Bairro
Seasons of Harvest: Essays on the Literatures of Lusophone Africa / edited by Niyi
Mestre Tamoda: contos / Uanhenga Xitu by Agostinho A. Mendes de Carvalho, Cultura caboverdeana: ensaios by Gabriel Mariano ; prefácio de Alberto Carvalho. Cobornel Bissau, Guiné-Bissau : INEP, 1989.
Afolabi & Donald Burness. Trenton, NJ : Africa World Press, c2003.
Luanda, Angola : Editorial Nzila, 2001. Lisboa : Vega, c1991.
Kebur: barkafon di poesia na kriol : uma coletânea de poemas em kriol /
Subsídios sobre cultura, língua e literature: Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau,
My father’s wives / José Eduardo Agualusa ; translated from the Portuguese by Literaturas de língua portuguesa: marcos e marcas / Maria Aparecida Santilli e Suely [coordenação e prefácio, Moema Parente Augel], Bissau : Instituto Nacional de
Moçambique e São Tomé e Príncipe: palestras, ensaios e outros textos / Norberto
Daniel Hahn. London : Arcadia, 2008. Fadul Villibor Flory, organizadoras. São Paulo : Arte & Ciência Editora, 2007. Estudos e Pesquisa, c1996.
Costa. [Luanda] : SAE, Sociedade de Autores, 2002.

Nos, os do Makulusu: romance by José Luandino Vieira. Luanda : Editorial Nzila, Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas cabo-verdianos / [recolha, Mantenhas para quem luta!: a nova poesia da Guiné-Bissau. (1977])
2004. organização, seleção e apresentação by José Luís Hopffer Cordeiro Almada] Praia, [ ] : Conselho Nacional de Cultura, [1977]
Cabo Verde : Caminho :Insituto Português do Livro e da Leitura, [1991]
Poemas by António Jacinto. Porto : Limiar, 1982. A nova literatura da Guiné-Bissau / Moema Parente Augel. ([Bissau], c1998)
[Bissau] : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, c1998.

144 145
Uori: stórias de lama e philosophia / collected and translated by Teresa Montenegro Cantos do solo sagrado by Alda Espirito Santo. S. Tomé e Príncipe : UNEAS,
e Carlos de Morais (Bissau, 1995) Bissau, Guiné-Bissau : Ku Si Mon Editora, [1995]
Poetry, Prose 2006.

As visitas do Dr. Valdez : romance / João Paulo Borges Coelho. 2a. ed. Maputo : Coração em Africa by Francisco José Tenreiro. Linda-a-Velha, Portugal : Africa ;
Mozambique Ndjira, 2009. Lisboa : Distribuição, Central Distribuidora Livreira, [1982]

Babalaze das hienas/ José Craveirinha by José Craveirinha. [Maputo] : Associação Diálogo com as Ilhas. Sobre Cultura e Literatura de São Tomé e Príncipe by
Prominent writers include: Luís Bernardo Honwana, Manuel Rui, dos Escritores Moçambicanos [1997] Inocência Mata. Lisbon: Edições Colibri 1998.

Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Lília Momplé, Paulina Chiziane. O conto moçambicano: escritas pós-coloniais by Maria Fernanda Afonso. Lisboa Littératures lusophones des archipels atlantiques: Açores, Madère, Cap-Vert, São
Holdings are missing for some English translations published in the : Caminho, c2004. Tomé e Príncipe by Eugène Tavares. Paris : Harmattan, c2009.
United States, such as The last flight of the flamingo / Mia Couto
(New York, NY : Serpent’s Tail, 2004), and the American edition of, E se Obama fosse africano?: e outras interinvenções / Mia Couto. Maputo : Mensagens do solo sagrado / Alda Espírito Santo ; Mecenas, Alda Guerra ... [et al.]
Under the Frangipani / Mia Couto (New York, NY : Serpent’s Tail, Editorial Ndjira, 2009. S. Tomé e Príncipe : UNEAS, 2006.
2001).
Niketche: romance by Paulina Chiziane. [Maputo] : Ndjira, 2006. O País de Akendengue by Conceição Lima. Lisbon: Caminho 2011.

History and Criticism Os olhos da cobra verde / Lília Momplé. [Maputo] : Associação dos Escritores Polifonias Insulares. Cultura e Literatura de São Tomé e Príncipe by Inocência Mata.
Moçambicanos, [1997] Lisbon: Edições Colibri, 2010.
Golden Cage: Regeneration in Lusophone African Literature and Culture by Afolabi Sangue negro / Noémia de Sousa. Maputo] : Associação dos Escritores
Niyi. Trenton, N.J. : Africa World Press, 2001. Moçambicanos, [2001]

Mother Africa, Father Marx: women’s writing of Mozambique, 1948-2002 by Hilary


Owen. Lewisburg [Pa.] : Bucknell University Press, c2007.
São Tomé and Príncipe
Poets of Mozambique: a Bilingual Selection / translations, introduction, and notes by
Frederick G. Williams = Poetas de Moçambique: uma seleção bilingue / traduções,
introdução e notas de Frederick G. Williams. New York, N.Y. : Luso-Brazilian Books, Antologia poética juvenil de S. Tomé e Príncipe / coordenacção
2006. de António Pinto Rodrigues; apreciação literária de José Palla e
Carmo. Lisboa : [s.n.], 1977 ([S.l.] : Tip. Macarlo)

146 147
INTRODUCTION Africa? Could it be regarded as a model? What does the partnership
with China mean for Angola, what is China’s role in African policy and
development? Is a strategic partnership being built around shared
Since 1975, the year of the Angolan independence from Portugal,
goals? Or are we witnessing an uneasy marriage of convenience?
Angola has been under the rule of one President Jose Eduardo dos
That paper will try to discuss the Sino-Angolan relations,
Santos and the Movimemento para a Libertacao de Angola (MPLA).
with focus on economic ties and the China’s role in the post-war
The civil war period in Angola was very difficult, especially in 1980s
reconstruction of Angola, mainly through its investment projects,
and 1990s. Due to such a volatile domestic situation, Sino-Angolan
political and financial institutions, supported by Beijing. A few case
PRAGMATIC PARTNERSHIP? relations were dominated mostly by military co-operation. It was
only in the 2000s that bilateral relations were brought to a new level.
studies and government-funded projects will be presented.
CHINESE ECONOMIC ENGAGEMENT IN ANGOLA China launched its ‘Going Out’ policy and the civil war in Angola
ended in 2002, setting the stage for the expansion of Sino-Angolan BRIEF HISTORY OF BILATERAL RELATIONS
economic relations in the following years. 2002 was also a year
when first oil-backed loans were funded by the Chinese government To understand the status of current bilateral relations between
to Angola, to support its post-war reconstruction. Especially after China and Angola it is helpful to get to know their historical
2000 when the Forum on China-Africa Cooperation was launched, background.
both political and economic exchanges have been intensified, as Angola had been a victim of 27 year old civil war that ended in
Małgorzata K. Krusiewicz indicated by frequent state visits and rapidly expanding trade and 2002. Since then the country has enjoyed a sustained peace, with
investment flows. The bilateral Economic and Trade Commission first elections run in 2008. “From having one of the most protracted
Fudan University
was reactivated and meeting were held in 1999, 2001, 2007 and conflicts in Africa, Angola has within five years become one of the
China
in 2009. Also creation of the Trade and Economic Forum between most successful economies in sub-Saharan Africa.”1 Mainly due to
China and Portuguese-speaking countries, known as “Macau record-high international oil prices and robust growth in both oil and
Forum”, has helped to intensify bilateral cooperation between China non-oil sector, Angola has experienced exceptionally high growth
and Portuguese-speaking Angola.
What is the frame and the nature of the Sino-Angolan relationship?
Is Angola a part of the Chinese foreign policy strategy towards 1 Campos, I., Vines, A., Angola and China. A Pragmatic Partnership, Chatham House, London,
2008, p.1.

148 149
rates in recent years. That African country became a member of the when government revenue fell in 2008 and 2009.5 Even though China has been actively supporting Angola politically and social agreements.9
OPEC in late 2006 and in late 2007 was assigned a production quota With the war over, rapid post-conflict reconstruction has and militarily since 1970, especially its anti-colonial struggle during China currently maintains an Embassy in Luanda. Likewise, since
of 1.9 million barrels a day (bbl/day), somewhat less than the 2-2.5 become the government’s priority. China has in particular played the Cold War era and later during the civil war, this paper will focus 1993, Angola maintains an Embassy in Beijing, with Consulates
million bbl/day Angola’s government had wanted. Oil production an important role in assisting these efforts. Chinese financial and on its economic, trade and investment ties. General in Hong Kong and Macao since 2007 and with a plan to
and its supporting activities contribute about 85% of GDP, whereas technical assistance has supported over 100 projects in areas such Relations between China and Angola improved gradually in the open the Consulate General also in Shanghai.
diamond exports contribute an additional 5%. 2 Now the country as: energy, water, health, education, telecommunications, fisheries 1990s, when Angola became China’s second largest trading partner “Oil-rich Angola is a country deeply cursed with natural
wants to enhance its economy and the industrial sector, so as to and public works. What is more, in June 2006, on the occasion of in Africa by the end of the decade, after South Africa. In October resources-a tropical paradise laced with landmines and hemorrhagic
create jobs and income for its people, accounting for population Chinese Prime Minister Wen Jibao’s visit to Angola, the Angolan 1997, Yang Wesheng, Chinese Deputy Minister of Economy, Trade fever, bauxite and gold. Angola also features as one of the prime
of 16.5 million. It also wants to diversify from its traditional oil and President Eduardo dos Santos described bilateral relations as being and Cooperation visited Angola and next year the Angolan President exhibits in the chorus of condemnation about China in Africa.”10
diamond reliant economy.3 “pragmatic” and “mutually advantageous” partnerships, with no dos Santos visited China to “expand bilateral ties”.8 In October 2009 the Chinese Ambassador to Angola, Zhang
In 2006, real GDP reached 18.6%, following the already impressive political preconditions.6 China’s relationship with Angola shifted quickly from a defense Bolun, stated in Luanda that Angola emerged as China’s largest
20.6% in 2005. Meanwhile, inflation has fallen from over 3000% in Year 2008 was the 25th anniversary of the establishment of and security basis to an economic one after 2002, when the conflict trading partner in Africa in 2008 with bilateral trade amounting
1999 to 12% in 2006, and surging oil revenues have led to large bilateral relations between China and Angola. China did not recognize ended. The higher level was reached in March 2004, when the to USD 25.3 billion during the financial year. Both countries were
fiscal and external current account surpluses.4 Although consumer Angolan independence in November 1975, declared when the Export-Import Bank of China (Eximbank, EXIM) pledged the first under pressure due to the global financial crisis, but despite all
inflation declined from 325% in 2000 to under 14% in 2010, Luanda Soviet-backed MPLA came into power. Formal diplomatic relations USD 2 billion oil-backed loan to Angola to fund the reconstruction odds, trade between two nations has been consistently increasing.
has been unable to reduce inflation below 1o% so far. The global between Beijing and Luanda were only established in 1983. The first of shattered infrastructure throughout the country. The so-called More private investors would be coming in to Angola in the nearest
recession temporarily stalled economic growth. Lower prices for oil trade agreement was signed in 1984, and a Joint Economic and “Angola mode” has become a symbol of the Chinese governmental future. These would include contractors interested in agricultural
and diamonds during the global recession led to a contraction in GDP Trade Commission was created in 1988, with its first meeting held loan to Sub-Saharan countries. The formula will be described in opportunities open in Angola, the food industry, timber processing
in 2009, and many construction projects stopped because Luanda only in December 1999, the second one in May 2001, the third one more detail later on. Since then, cooperation between two countries and also information technology. China had earlier promised to send
accrued USD 9 billion in arrears to foreign construction companies in March 2007 and the forth one in 2009.7 has been characterized by frequent bilateral visits of important agro-technicians for agricultural revival in Angola where agricultural
state officials aimed at strengthening the partnership. Those visits production had been stagnant through the years of armed conflicts
2 CIA - The World Factbook - Angola, at: https://www.cia.gov/library/publications/the-world- have contributed to the normalization of bilateral relations and have in the country. Timber processing would be beneficial as well since
factbook/geos/ao.html resulted in signing various political, diplomatic, economic, cultural
3 “Car Plant Funded by China Opens In Angola”, in: China Africa; http://www.chinafrica.asia/ 5 CIA - The World Factbook - Angola, at: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
car-plant-funded-by-china-opens-in-angola/ factbook/geos/ao.html 9 Campos, I., Vines, A., op.cit., p.3.
4 International Monetary Fund (IMF), Angola: 2007 Article IV Consultation Staff Report, IMF 6 “PR defende cooperação constituta com a China”, at: Jornal de Angola, June 21, 2006. 10 Brautigham, D., The Dragon’s Gift. The Real Story of China in Africa, Oxford University Press,
Country Report No. 07/354, IMF, Washington, D.C., USA, October 2007. 7 Campos, I., Vines, A., op.cit., p.3. 8 Xinhua, October 13, 1998. 2009, p. 273.

150 151
Table 1: Angolan GDP 2000 - 2011 (predicted). Angola has rich forests with good quality timber procurable for African country giving the maximum amount of oil to China to meet
furniture and other woodwork. its ever-increasing needs.15 Close on its heels was Angola’s state
Angola accounts for 24% of the total China-Africa trade, and with owned Sonangol wanting to stop Marathon Oil Corp.’s 20% stake
Year 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
more investors coming in from China, it is likely to increase further. in the oil fields to China’s CNOOC and Sinopec. The latter’s stand
GDP 3% 3.1% 14.5% 3.3% 11.2% 20.6% 18.6% 20.3% 13.3% 0.7% 5.9% 7.1% China, in turn, is helping Angola in infrastructure development by is the extreme opposite of the reception and preference Chinese
building roads and railways, hospitals and schools, free markets and companies received in Angola half a decade ago.16
Source: CIA - The World Factbook - Angola. housing. All these are aimed at improving the living standards of the Today, media headlines have shape the conventional wisdom
local people and hasten the process of the country’s reconstruction. about China’s engagement in Africa. Just to mention a few, after
Cooperation in other sectors is also on the anvil.11 Deborah Brautigham: “European Investment Bank Accuses China of
According to Deborah Brautigam, 7975 Chinese workers were Unscrupulous Loans”17, “Chinese Aid to Africa May Do More Harm
sent to Angola in 2008.12 than Good, Warns Benn”18; “Wolfowitz Slams China Banks on Africa
Lending”19; “How China’s Taking Over Africa, and Why the West
Table 2: Trade value China-Angola (in bln USD). Should Be VERY Worried”20 and many others. These accusations
OIL AT THE TOP OF DEMAND? NOT ONLY appear also in official documents, i.e. of the European Parliament.
Ana Maria Gomes, who is the author of the Report on China’s policy
Year Value Export from China to Angola Import from China to Surprisingly, this South African nation equals Nigeria for being and its effects on Africa says that what the Angolan government
Angola Africa’s biggest oil producer. Also it is the world’s top most diamond
exporter.13 Angola also became China’s largest oil supplier in 2008.14
2003 2.352 0.146 2.206
15 “China’s Largest African Trading Partner-Angola”, op.cit.
That commodity forms the largest chunk of the Chinese imports from
16 “All of China’s Oil Deals In Africa Not Smooth Sailing”, op.cit.
2004 4.911 0.194 4.717 Angola, amounting to 16% of the total. It also happens to be the
17 Parker, G., Beattie, A., “European Investment Bank Accuses China of Unscrupulous Loans”,

2005 6.955 0.373 6.582 in: Financial Times, November 28, 2006.
11 “China’s Largest African Trading Partner-Angola”, in: China Africa, http://www.chinafrica.asia/ 18 McGreal, Ch., ”Chinese Aid to Africa May Do More Harm than Good, Warns Benn”, in: The
china-largest-african-trading-partner-angola/
2006 11.827 0.894 10.933 Guardian, February 9, 2007.
12 Brautigham, D., op.cit, p. 155. 19 Crouigneau, Fr., Hiault, R., “Wolfowitz Slams China Banks on Africa Lending”, in: Financial
2007 14.12 1.231 12.889 13 “Car Plant Funded by China Opens In Angola”, op.cit. Times, October 24, 2006.
14 “All of China’s Oil Deals In Africa Not Smooth Sailing”, in: China Africa, http://www.chinafrica. 20 Malone, A., “How China’s Taking Over Africa, and Why the West Should Be VERY Worried”,
Source: UNDP, Human Development Report, New York, 2009, Table H. asia/all-of-china-oil-deals-in-africa-not-smooth-sailing/ in: Daily Mail (UK) Online, July 18, 2008.

152 153
got from the Chinese loan was the political benefit of very rapid, FORUMS OF SINO-ANGOLAN been laid out, namely cooperation between governments in the areas governmental conferences held in Beijing (2000, 2006), Addis Abeba
very visible improvements in infrastructure.21 The Report says that of: trade, investment and business, human resources, agriculture (2003), Sharm-el-Sheik (2009).
China’s interest in Africa “seems confined to resource-rich (or COOPERATION and fishing, construction of infrastructures, natural resources and
“resource coursed”) countries, bypassing a large number of other cooperation development. Since the creation, countries participating FOCAC evaluation - Angola case
African nations.22 Deborah Brautigam, among others, says: “Well, Macao Forum in the Macao Forum have effectively fulfilled their Action Plans and
not really”. However, such a story has become widely known across offered a positive contribution in reinforcing and raising the level of The first ceasefire agreement between China and Angola was
countless reports and in media, even though China is financing In 2003, China and the Community of Portuguese Speaking their economic and trade cooperation. signed in 2002 - the year when the Angolan civil war ended and
hospitals, water pipelines, dams, railways, airports, hotels, soccer Countries (except Sao Tome e Principe, which recognizes Taipei) Angola has participated in the Forum’s all three ministerial two years after FOCAC was launched. The Forum thus provided
stadiums, parliament buildings-nearly all of them linked, in some created the Macao Forum - the Forum for Economic and Commercial conferences held in Macao: in 2003, 2006 and 2010. At the last a tangible framework for enhancing the bilateral relations, which
way, to China’s gaining access to raw materials to establish firm Cooperation between China and the Portuguese-Language meeting in November 2010, under the main theme “Diversified have grown much stronger in the new millennium. The intensity was
control over Africa’s natural resources.23 The initiatives and concrete Countries. It was sponsored by the Ministry of Commerce of China, Cooperation, Harmonious Development”, various activities were triggered on the 21st March 2004, when China’s EXIM extended a
projects of China in Angola mentioned below try to argue that China hosted by the Macao Special Administrative Region Government and held, namely the opening ceremony, the ministerial conference, the USD 2 billion oil-backed credit line to Angola. This was after lengthy
does not only come to Africa for raw materials. Especially in the case with the joint participation of seven Portuguese-speaking Countries: conference for businesspeople and professionals in finance.24 negotiations with the International Monetary Fund (IMF) collapsed
of Angola, the China’s role was very important to reconstruct the Angola, Brazil, Cape Verde, Guinea Bissau, Mozambique, Portugal when Angola expressed its dissatisfaction with the policy reform
country after 2002, when the civil war ended up. and East Timor. As an intergovernmental and multilateral mechanism Forum of China-Africa Cooperation programs required as preconditions for financial aid. By September
for economic and trade cooperation, the Macao Forum aims at 2007, China doubled its credit line to Angola with an additional USD
promoting and developing economic and commercial relations In order to strengthen economic cooperation and development 2 billion, bringing the total to USD 4.5 billion and thus rendering it the
between China and the Portuguese-speaking countries in economic between China and Africa, which is the part of Chinese foreign largest foreign player in Angola’s post-war reconstruction.
and commercial fields, using Macao as a platform for the promotion of policy, in 2000 the Forum on China-Africa Cooperation (FOCAC) was The Angolan delegation to the 2006 FOCAC Summit in Beijing
common development in mainland China, the Portuguese-speaking created. It is the Chinese initiative. The Forum provides a platform for was led by Fernando da Piedade Dias, the then Prime Minister of the
21 Gomes, A.M., Report on China’s policy and its effects on Africa, A6-0080-2008 - 2007/2255
INI, Brussels, April 2008. countries and the Macao Special Administrative Region (MSAR). collective consultation, dialogue and cooperation between interested Republic of Angola. Angola’s President Jose Eduardo dos Santos
22 Brautigham, D., op.cit, p. 277-279. The forum encourages intergovernmental cooperation, investment, parties, based on mutual reinforcement and common development. visited in Beijing in December 2008 to seek China’s assurance of
23 Behar, R. “Endgame: Hypocrisy, Blindness, and the Doomsday Scenario”, in: China in Africa, trade. Angola participated at a Prime Ministerial level in the Forum’s all four continuing financial support, in the midst of the global financial
at: www.fastcompany.cm/magazine/126/endgame-hypocrisy-blindness-and-the-doomsday- Within the ambit of three Action Plans for Economic and crisis. A month after dos Santos’ trip to China, Chinese Minister of
scenario.html; “Africa at Risk or Rising? The role of Europe, North America, and China on the
Continent” - summary of the conference co-organized by Stanley Foundation and the Aspen
Commercial Cooperation approved by the Ministers of the countries 24 Macau Forum for Trade and Economic Cooperation: http://www.forumchinaplp.org.mo/pt/
Atlantic Group, Berlin, Germany, Policy Dialogue Brief, p.8. participating in the Macao Forum different cooperation areas have announce.aspx?a=20101018_02

154 155
Commerce Chen Deming visited Angola.25 Generally speaking, after China Construction Bank (CCB) and GRN was set up in 2005 to manage large investment projects and Similarly to the EXIM’s credit line, disbursements from the credit
the FOCAC has been launched, bilateral visits between China and Export-Import Bank of China (EXIM) ensure rapid infrastructure reconstruction prior to national elections line are paid on a project-by-project basis to Chinese contractors
Angola have been intensified, which led to various business deals. in 2008. It was headed by a military adviser to the President, General and suppliers. Financial flows of the GRN officially pass through the
Helder Vieira Dias “Kopelipa”, GRN was designed to provide work Finance Ministry’s accounts, however, its daily projects management
Most of the Chinese financial assistance in Angola is reserved for
for demobilized military in order to bring new dynamism to the do not.29
OIL BACKED LOANS. key public investment projects in infrastructure, telecommunications
reconstruction efforts. The other aim was based on the assumption
and agro-businesses under the Angolan government’s National
THE ROLE OF CHINESE FINANCIAL that the ministries would not have the organizational and technical
Reconstruction Program. As already mentioned, the China
capacity to manage the large inflows of money directed to the GRN.
CAR PLANT CSV AUTOMOVEL AS A NEW
INSTITUTIONS IN ANGOLA Construction Bank (CCB) and Export-Import Bank of China (EXIM)
provided the first funding for infrastructure development in 2002. The
The value of the GRN’s projects was estimated somewhere around TYPE OF INVESTMENT
USD 10 billion. CIF was meant to provide the funds to undertake
In 2004 Angola’s Ministry of Finance and China’s Ministry of Angolan Ministry of Finance had little input in these arrangements
these projects. However, it is unclear how these funds were allocated In 2009 China International Fund sponsored a car plant in
Trade signed the first of several financing packages for public since CCB and EXIM funding was provided directly to Chinese
across projects. Angola of USD 30 million investment, having started its production
investment project in Angola. These packages provided for oil- firms.27
Among projects financed by Gabinete de Reconstrução in September 2009. The technology was that from Japan’s Nissan
backed concessional loans from Chinese banks, mainly from the
Nacional (GRN) there are: rehabilitation of the 497.5 km highway Motor Co. Ltd. Incidentally CSV Automovel – Angola is the first car
Export-Import Bank of China. That kind of loan has become widely China International Fund Limited (CIF) and
from Luanda to Lobito; rehabilitation of the 1,107 km highway from plant in the country. This has given rise to many job opportunities.
known as the “Angola mode”, and later acted as a model of the Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN) Malanje to Saurimo, Saurimo to Luena and Saurimo to Dundo; phase The company produces pick up vans, SUVs, small and compact cars
Chinese governmental loans and investment for other Sub-Saharan
II of the rehabilitation of the Luanda Railway; rehabilitation of the 1,547 and buses. According to Kelvin Kwan, these will be produced in the
countries.26 China International Fund Ltd. is a private Hong Kong-based km Benguela Railway and of the 1,003 km Moçãmedes Railway; factory located on the outskirts of Luanda. Initially the aim is 10,000
institution, created in 2003.28 In 2005, it extended USD 2.9 billion drainage and improvement works in the city of Luanda; construction vehicle, to be increased to 30,000 in the near future, according to
to assist Angola’s postwar reconstruction effort. This credit facility of 215,500 residential units in 24 different cities across Angola’s 18 the demand. The market research has been done and the plant is
is managed by Angola’s Reconstruction Office, Gabinete de provinces; construction of a new Luanda International Airport at Bom expected to be producing cars at full capacity by 2012. The engines
Reconstrução Nacional (GRN), which is exclusively accountable to Jesus; studies and projects for the new city of Luanda. More cases
25 Hon, T., Jansson, J., Shelton., G., Haifang, L., Burke, Ch., Kiala, C., Evaluating China’s of the vehicles are from Nissan.
the Angolan presidency. can be found at the Table 3.
FOCAC commitments to Africa and mapping the way ahead, Centre for Chinese Studies for In Angola most of the cars used for domestic purpose were either
Rockefeller Foundation, University of Stellenbosh, South Africa, January 2010, p.17-42. “Grandes projectos Sino-Angolanos”, in” “Macau e as relações
26 Corkin, L., “China and Angola: Strategic Partnership or Marriage of Convenience”, in: Angola
27 Campos, I., Vines, A., op.cit., p. 5.
económicas China-países de língua portuguesa”, p. 68-69.
Brief, January 2011, Vol.1, No.1, accessible at: http://www.cmi.no/publications/file/3938-
china-and-angola-strategic-partnership-or-marriage.pdf 28 China International Fund Limited, http://www.chinainternationalfund.com/ 29 Campos, I., Vines, A., op.cit., p.10.

156 157
Table 3: Examples of China-Angola projects in Angola.

Where? Description of the project Where? Description of the project

Bengo Bridge Bengo-Kissama; “Water for All” program, Caxicane housing project;
bridge Kabbalah-Cumucua; Industrial Park for 100 industrial units; development of
Luanda Reconstruction of markets Panguila and Sao Paulo; Luanda-Soyo motorway; water supply
network of 300 km; restoration of rail roads; repair of six major roads; expansion and
the electricity network; 200 000 homes in Ambriz (with schools, clinics and shops); recovery of abandoned farms; 4 100 houses in the municipality of Dande; markets, schools and rehabilitation of the Luanda port; restoration of the mains; four polytechnic institutes; three new secondary schools; road Viana-Calumbo; 32 new hotels; university campus; stadium
rehabilitation of public roads; restoration of the 23rd National Road Maria Teresa-Saurimo (1400 km); Polytechnic Institute; Telecommunication Network For Next Generation; CAN2010; reconstruction of sewerage; completion of the production center of public television;

Benguela Benguela stadium CAN10; Lobito market restructurization; Benguela-Lobito road;


Benguela-Dombe-Grande-Namibe; Benguela 26th National Road-Sonaref Huambo; Lunda Norte Reconstruction of the Dundo airport; recovery of electrical networks; Polytechnic Institute;

Benguela hospital; Institute of Administration and Management;


Telecommunications Network For Next Generation; Lunda Sul Reconstruction of markets and rehabilitation of roads in the city of Saurimo;
reconstruction of power grids; Polytechnic Institute;

Bié Road Kukema-Kuito; “Water for All” program; four new clinics; collection system and water treatment (Kuito); equipping of the Agricultural Institute of Andulo; Polytechnic Institute of Bie;
Telecommunications Network For Next Generation; Malanje Reconstruction of the Massango-Kinguengue road, including two bridges over rivers Kiquila and Massanga; reconstruction of the Agrarian Institute of Quessua; two secondary schools; three
health centers; reconstruction of electricity network; agricultural irrigation projects; hospital Malange; Telecommunication Network For New Generation;

Cabinda Reconstruction of the 70 km of road in the High Sumba with 24 bridges; Polytechnic Institute;
Moxico In Luena city: asphalting streets, construction of the electric network, recovery of the compound of the Polytechnic Institute, youth house, new administrative infrastructure, Cangamba, social
project in Bundas, agricultural irrigation, Institute of Administration and Management;
Cuando Cubango Road Cuito-Menongue; 2 000 houses; schools; hospitals; streets; markets; administrative area library; Park-Museum Cuito; Institute of Administration and Management; Telecommunication Network For New Generation;

Kwanza Norte Recovery of the Hotel Bragança (Ndalatando) and of the Government Palace (Ndalatando); Namibe Municipal hospital; streets in Namibe and Tombwa; two secondary schools; polytechnics;
Institute of Administration and Management;
city hospital; dam; irrigation systems for agriculture; expansion of the pedagogical school;
restoration of the railway Luanda-Malange;
Uíge Road Zombo-Negage Kuimba (Zaire); streets in the city of Uige;
the recovery airfield Damba; Polytechnic Institute; Agricultural Institute; high schools;
Kwanza Sul Restoration of roads in the city of Wacu Cung; replacement bridge over the river Kwanza that attaches to the province city of Malange Kangandala; irrigation projects for agriculture;
Telecommunications Network For Next Generation;
Telecommunication Network For New Generation;

Cunene Locality Mucavelai receives 22 social rehabilitation projects: homes, hospitals, schools, market, primary school and hospital in Omandobe; Institute of Administration and Management; Zaire Construction of the Port Captain’s; local technical school nursing; health centers;
low-income housing; road to Luanda; manufactures processing Liquefied Natural Gas LNG
Telecommunications Network For Next Generation; Angola; central gas thermal Soyo; Institute of Administration and Management;
Telecommunication Network For New Generation.
Huambo Market “Germany”: a shopping complex in Quissala with 300 bunkers; five warehouses;
slaughterhouse; cold rooms and ice factory; University of Agricultural Sciences;
Central Hospital; Polytechnic Institute; Institute of Administration and Management; Source: Author, based on Sá, Gonçalo Cesár, de (ed.),
Telecommunication Network For New Generation;

Huíla Polytechnic Institute; schools; railway in Mocamedes; Regional Center for Children;
Regional Hospital of Lubango; Institute of Teacher Training;
Telecommunication Network For New Generation;

158 159
imported from Asia or the United States by the sea route. The land of 2010, the bilateral trade volume increased by 81% over the same are again lapping up investment opportunities and fund requirements In the future it would be also interesting to examine the situation
route taken was via Namibia on the southern border of Angola. Now period of last year, hitting a record high. Looking ahead, Xi also put of African companies. The U.S. is also increasing its investment in of the Angolan community in China and Angolan investment or
this will be reduced since there will be an automatic increase in the forward a four-point proposal to further boost bilateral strategic oil and agriculture. Thus Africa’s need for China is gradually falling.32 companies in China. However, due to lack of transparency, as well
demand for local cheap products, as compared to the imported partnership, including enhancing political trust, pushing forward as inaccuracy of data and statistics, that seems more complicated
cars. Apart from this China has also given another USD 5 billion substantial cooperation, expanding people-to-people and cultural at that moment. It would be also interesting to take a closer look
grants to Angola to help in its oil-backed loans. This has helped the exchange, and strengthening coordination in the international arena.
CONCLUSIONS on the Angolan increasing role in the African region, especially
country to build its infrastructure.30 The Angolan Vice-President said that the Angola-China cooperation within the framework of the African Union and the Southern African
had not only contributed to Angola’s economic reconstruction and Angola reached the China’s interest due to its oil reserves. Development Community (SADC). Bearing in mind that in 2011
people’s lives, but also helped meet the needs for China’s economy However, it has quickly become the symbol of Chinese economic Angola chairs the SADC, its regional responsibilities increases, for
SINO-ANGOLAN STRATEGIC and energy consumption. He said that Angola was willing to elevate strategy towards Africa in general. Being one of major Chinese trade instance in the presidential elections in Zimbabwe in 2011.33 Maybe,
PARTNERSHIP 2010 its relations with China in a comprehensive manner.31 partners in Africa, after South Africa and Nigeria, Angola and China having such a special relations with China, Angola could act as a
However, there is not only oil to be offered. Developing Africa established the strategic partnership to express the importance of leader and a representative for the African community? The question
is becoming more careful and demanding in choosing its partners. their special partnership. Is it pragmatic? Might be. It seems that is, if other African countries, especially South Africa, Nigeria or
As a result of an increasing bilateral cooperation, the strategic
Angola is not an exception from that rule. both countries benefit from such a cooperation: China gets an Botswana, would accept.
partnership between two countries was launched in November
China has kept local recruitment levels low and has done little access to both raw materials and the new market for its goods,
2010, when Chinese Vice President Xi Jinping visited Luanda. He
to increase employment opportunities or train the locals in their funding in return the Angolan infrastructure projects - so important
met with Angolan Vice President Fernando da Piedade Dias dos
projects. Their policy of oil for infrastructure was welcomed initially to reconstruct the country after its civil war. To enable such a special
Santos. A joint declaration has been published. According to Xi,
but is now being spurned. The China Africa relationship is gradually status of Angola, and of Africa in general, in its foreign policies, China
that symbolized a new stage for the relationship between China
maturing and as Africa moves higher up on the development ladder, has created a few political forums, namely the Forum of China-Africa
and Angola. After the talks, two leaders witnessed a ceremony
it is being selective about its path. China is no longer the only country Cooperation, which targets the entire continent and the Macao
for signing seven inter-governmental cooperation agreements,
willing to pump in millions into Africa’s infrastructure. Western banks Forum for Trade and Economic Cooperation between China and
covering economic technology, energy, mining, agriculture and
Portuguese-speaking community, where Angola is one of its major
finance. During the talks, Xi lauded the energetic development of
participants.
China and Angola’s bilateral relations. During the first nine months
31 “China, Angola sets strategic partnership”, in: People Daily, at: http://english.peopledaily.com.
cn/90001/90776/90883/7205341.html ; Angola has strategic relationships also with Brazil,
Portugal and the US. More at: Gorjao, P., “Cote d’Ivoire: A test tube for Angolan regional
30 “Car Plant Funded by China Opens In Angola”, op.cit. policy?” in: IPRIS Viewpoints, December 2010. 32 “All of China’s Oil Deals In Africa Not Smooth Sailing”, op.cit. 33 “Angola’s role in African diplomacy might get stronger”, in: Angop, 9 December 2010.

160 161
REFERENCES “All of China’s Oil Deals In Africa Not Smooth Sailing”, in: China Africa.
Websites
“Angola’s role in African diplomacy might get stronger”, in: Angop, 9 December
2010. China-Africa
Books and reports
Behar, R. “Endgame: Hypocrisy, Blindness and the Doomsday Scenario”, in: China China International Fund Limited
Brautigham, D., The Dragon’s Gift. The Real Story of China in Africa, Oxford in Africa.
University, 2009. CIA - The World Factbook - Angola
“Car Plant Funded by China Opens In Angola”, in: China Africa.
Campos, I., Vines, A., Angola and China. A Pragmatic Partnership, London, 2008. Export-Import Bank of China
“China, Angola sets strategic partnership”, in: People’s Daily.
Gomes, A.M., Report on China’s policy and its effects on Africa, A6-0080-2008 - Forum of China-Africa Cooperation
2007/2255 INI, Brussels, April 2008. “China’s Largest African Trading Partner-Angola”, in: China Africa.
Macao Forum for Economic and Commercial Cooperation
Hon, T., Jansson, J., Shelton., G., Haifang, L., Burke, Ch., Kiala, C., Evaluating Corkin, L., “China and Angola: Strategic Partnership or Marriage of Convenience”,
China’s FOCAC commitments to Africa and mapping the way ahead, Centre for in: Angola Brief, January 2011, Vol.1, No.1. Ministry of Commerce (MOFCOM)
Chinese Studies for Rockefeller Foundation, University of Stellenbosh, South Africa,
January 2010, p.17-42. Crouigneau, Fr., Hiault, R., “Wolfowitz Slams China Banks on Africa Lending”, in: People Daily
Financial Times, October 24, 2006.
International Monetary Fund (IMF), Angola: 2007 Article IV Consultation Staff Report, Xinhua
IMF Gorjao, P., “Cote d’Ivoire: A test tube for Angolan regional policy?” in: IPRIS
Viewpoints, 2010.
Country Report No. 07/354, IMF, Washington, D.C., USA, October 2007.
Malone, A., “How China’s Taking Over Africa, and Why the West Should Be VERY
Sá, Gonçalo Cesár, de (ed.), “Grandes projectos Sino-Angolanos”, in” “Macau e as Worried”, in: Daily Mail (UK) Online, July 18, 2008.
relações económicas China-países de língua portuguesa”, Instituto Internacional,
Macau, 2009. McGreal, Ch., ”Chinese Aid to Africa May Do More Harm than Good, Warns Benn”,
in: The Guardian, February 9, 2007.

Articles Parker, G., Beattie, A., “European Investment Bank Accuses China of Unscrupulous
Loans”, in: Financial Times, November 28, 2006.
“Africa at Risk or Rising? The role of Europe, North America, and China on the
Continent”, Stanley Foundation and the Aspen Atlantic Group, Berlin, Germany, “PR defende cooperação constituta com a China”, at: Jornal de Angola, June 21,
Policy Dialogue Brief. 2006.

162 163
Resumo 1. Introdução

O vestuário e a moda, mais do que linguagens culturais, são O vestuário, mais do que proteger os humanos das variações
uma economia política em que as fronteiras entre público e climatéricas, transforma o corpo biológico em corpo cultural
privado, individual e social, tradição e mudança se articulam. Nas e político. O vestuário não é apenas uma linguagem cultural e
sociedades humanas a linguagem do vestuário tem sido usada estética; é uma economia política em que as fronteiras entre público
por elites socialmente privilegiadas e populações desfavorecidas, e privado, individual e social, tradição e mudança se entrelaçam. O

PANOS, TRAJE E MODA EM ANGOLA: colonizadores e colonizados, etnias dominantes e minoritárias,


mulheres e homens, como um instrumento poderoso tanto para
corpo vestido é sujeito e objecto de práticas de afirmação identitária
subjectiva, social, étnica, de género, política e económica. Nas
A LINGUAGEM POLÍTICA DO CORPO acelerar, como para conter ou direcionar a mudança social. sociedades humanas a linguagem do vestuário tem sido usada
Em Angola, o pensamento sobre o vestuário e a moda remete por elites socialmente privilegiadas e populações desfavorecidas,
para os circuitos integrados do comércio atual, para os têxteis e os colonizadores e colonizados, etnias dominantes e minoritárias,
panos tradicionais impressos, e também para os novos criadores mulheres e homens, como um instrumento poderoso tanto para
euro-afro que, buscando o diálogo e a fusão entre o tradicional e acelerar, como para conter ou direcionar a mudança social.
o moderno, simbolizam o emergir de novas identidades regionais. Na sociedade de consumo, dominada pelas economias integradas
Nas páginas que seguem pretendemos mostrar como o vestuário e pelas trocas globais, o vestuário não perdeu a sua capacidade
Ana Maria Correia e a moda, importantes marcadores de afiliação política e ideológica
comunicativa plural. Se à primeira vista os circuitos económicos
de produção, exportação e importação de vestuário conduzem a
durante o período colonial, são, nesta fase de construção da nação,
Universidade de São José uma hegemonia cultural e a um empobrecimento das diferenças
expressões culturais e políticas da angolanidade.
Macau locais e regionais, uma análise mais profunda põe a descoberto
Palavras-chave: panos, traje, moda, vestuário, têxteis, cultura
uma realidade diferente. Seja contribuindo para reforçar ou diluir a
material, Angola.
Xénia Flores Ribeiro estratificação social, para instituir agendas políticas revolucionárias
ou conservadoras, para perturbar a hegemonia ocidental ou apenas
Museu Nacional do Traje para diversificar o gosto, a linguagem do vestuário tem um poder
Portugal quiçá maior que a dos media, na medida em que a sua presença é
corpórea e veiculada pelos próprios actores sociais.

164 165
O vestuário é por vezes designado como “pele social”, com a estudo etnográfico, e moda, considerada uma manifestação cultural impresso em diferentes cores para o Gana, Nigéria ou República Em Angola, a produção têxtil sofreu um revés com as sucessivas
intenção de destacar a dualidade de sentido inerente às vertentes do ocidente capitalista e moderno. Democrática do Congo. A produção anual dos panos comercializados guerras civis das últimas décadas, de que resultou o encerramento
identitárias individual e colectiva indissociáveis nas análises Neste estudo pretendemos destacar uma das dimensões espelha o quotidiano das comunidades e as mudanças culturais e da maioria das indústrias têxteis e de vestuário. Desde finais da
antropológicas. Estas duas dimensões nem sempre são conciliáveis, materiais mais polissémicas da cultura angolana: o vestuário políticas. A introdução de técnicas de estampagem directa permitiu década de 1980 que estas indústrias se encontram estagnadas,
pelo que os estudos sobre vestuário revelam não raro ambivalências enquanto produção e reprodução de textos sociais, culturais, produzir imitações baratas dos panos impressos por reserva de situação bem diferente da que tinha existido nas décadas anteriores.
e contradições. Nos anos mais recentes, os estudos antropológicos estéticos e políticos. Rejeitando quer a marginalidade dos estudos resina. Estes, conhecidos por fancy prints (fantasia), são facilmente O êxodo da maior parte dos colonos após 1975, com a eclosão
têm sublinhado o carácter complexo das dinâmicas inerentes ao sobre moda e a sua associação a domesticidade e trivialidade, distinguíveis por terem os motivos impressos apenas numa das faces da guerra civil, devastou o sector têxtil do país. Contudo, com
vestuário enquanto expressão cultural materializada e temporalizada. quer a divisão entre “estudos sobre moda no ocidente” e “estudos do tecido. A popularidade dos panos aumentou, bem como o leque o fim da guerra, as perspectivas para o mercado de produção e
Apesar da proliferação recente de estudos sobre vestuário e etnográficos no resto do mundo”, pretendemos pôr em evidência de usos que lhes foram atribuídos pelo povo e principalmente pelas comercialização dos produtos nacionais são prometedoras1.
moda, surgidos no âmbito de várias disciplinas, nomeadamente as indissociáveis relações entre tradição e modernidade, agência e mulheres. As técnicas de estampagem directa, por permitirem um
os estudos culturais, a história social, a sociologia das formas estrutura, identidades individuais e colectivas, espaço rural e espaço maior detalhe no desenho e a reprodução de fotografias, tornaram-
ou os estudos de media, persiste ainda a noção de que aqueles urbano. se meios privilegiados de promoção e propaganda. A indústria 3. Os panos como afirmação da
dos fancy prints foi colocada ao serviço de diversos fins, desde
não são merecedores de atenção por parte das ciências sociais. cultura material dos povos
campanhas políticas à promoção de eventos desportivos. Além de
Esta subalternidade estará provavelmente ligada à associação dos
2. Os panos e a produção têxtil em expressarem a cultura material, os panos adquiriram significados africanos
mesmos com o feminino e o trivial, associação mais evidente ainda
simbólicos, políticos e ideológicos.
no caso da moda, uma vez que esta é por natureza efémera. Já a África A indústria têxtil desenvolveu-se principalmente a partir da Vem do século XIX o fascínio dos europeus pela riqueza estética
ideia de traje, construída muitas vezes por oposição à de moda,
década de 1960, após as primeiras descolonizações, sendo a dos têxteis e do traje africanos. No início do século XX, artistas como
conquistou há muito tempo um lugar de destaque em museus, O envolvimento de mercadores europeus no comércio de panos produção actualmente dominada por fábricas locais e regionais. Matisse, Paul Klee e Picasso reflectem nas suas obras a sedução
enciclopédias e exposições, enquanto expressão material das em África remonta às primeiras explorações da costa africana pelos Hoje, os panos impressos são produzidos em grande escala para que o continente exercia sobre a Europa. Uma África imaginada,
culturas humanas. Associada a formas de estratificação social e navegadores portugueses. No século XIX, algumas fábricas de um mercado de massas, sendo por isso difícil identificar a sua recriada por mentes europeias, renascia nas metrópoles ocidentais
diferenciação cultural tradicionais e consolidadas, a noção de traje Inglaterra introduziram a técnica do batik e, no início do século XX origem, especialmente desde a entrada de um número cada vez como símbolo de modernidade pela mão dos cubistas e mais tarde
casa-se com estudos “orientalistas” em que o “Outro” é visto através o mesmo aconteceu no Japão, França e Suiça. As irregularidades e maior de empresas chinesas e indianas no mercado africano. De através da Art Deco. Paralelamente, os antropólogos, ancorados
das lentes conceptuais de um imaginário colonial e folclórico. É no o efeito estalado tornaram-se características essenciais dos panos facto, apenas duas empresas europeias, uma holandesa e uma
entanto possível e, quanto a nós, desejável ultrapassar o binómio africanos, sendo hoje meticulosamente replicadas. inglesa, competem presentemente com as produções locais em
artificialmente construído entre traje, enquanto expressão cultural Os motivos e as cores passaram a adaptar-se aos gostos toda a África subsariana, apoiadas por fortes parcerias locais e uma
1 Em 2010 foi aprovado um projecto de relançamento da indústria têxtil e, paralelamente, está
a ser desenvolvido um programa de reabilitação da cultura do algodão para apoiar a indústria
dos povos não ocidentais, relegados para a posição de objectos de regionais. Não é raro, por exemplo, que o mesmo motivo seja rede de distribuição alargada a toda a África Ocidental. têxtil.

166 167
numa visão eurocêntrica da sociedade e da cultura africanas, viam e inovação, a compressão das distâncias e a comunicação virtual in modern Ghana, apresentou uma colecção de panos impressos
no traje uma manifestação cultural de povos tradicionais, sem junta tempos e latitudes, culturas e indivíduos, tornando o fenómeno representativos da vida quotidiana, das cerimónias religiosas e
história e sem marcas dos encontros coloniais, ou, citando Allman, do vestuário e da moda mais difícil de decifrar. políticas daquele país africano. Num deles, a inscrição retirada de
“the people without fashion” 2. Se os criadores fazem renascer a arte têxtil africana, tornando-a um provérbio popular daquele país, “your eyes can see, but your
Nas últimas décadas, a antropologia, os estudos culturais e as outra por via da criação e da intersecção dos tempos, das culturas mouth cannot say”, estabelece claramente a dimensão política dos
análises históricas abandonaram a rigidez das categorias que no e dos homens, ela própria tem viajado até aos museus europeus e panos impressos enquanto meios privilegiados de comunicação
passado eram tidas como inquestionáveis e procuram compreender americanos, dando voz a uma África que se liberta aos poucos das de massas, particularmente bem sucedidos em contextos políticos
as múltiplas funções dos têxteis e do vestuário na cultura africana. narrativas contadas na terceira pessoa. Os panos impressos são onde a liberdade de expressão está comprometida.
Envoltos em sucessivas camadas de significados, estes artefactos expressões materiais da identidade cultural dos povos africanos,
culturais são hoje reconhecidos como parte integrante e relevante uma identidade construída e reconstruída pelas mulheres e homens
da cultura material dos povos não ocidentais. Tal mudança de daquele continente e narrada pelos próprios – os panos exibem
4. Vestuário e colonialismo em
abordagem por parte dos cientistas sociais reflecte o amadurecimento a musicalidade das cores e a volúpia das formas, mas também Angola
de novos paradigmas de relacionamento e diálogo entre povos, desvelam medos ancestrais e passados guerreiros na geometria das
ancorados no respeito pelas histórias, linguagens e culturas locais suas linhas. Durante o período colonial, a administração metropolitana usou
e regionais. E, no interior destas novas abordagens, as fronteiras As diversas mostras que tiveram lugar na última década, em o vestuário para representar a legitimidade do estado colonial e os
entre tradição e modernidade, representação e apresentação, já cidades como Amesterdão, Nova Iorque e Londres, evidenciam bem movimentos nacionalistas usaram-no para representar a identidade
não são nem definidas nem fixas. Actualmente, os eventos de moda o poder comunicativo e expressivo dos panos impressos. descentrada da Europa. Não é possível, contudo, descrever como
que se sucedem dentro e fora do continente africano e têm como A exposição de 2010, Long Live the President: portrait clothes linear o modo como estas duas forças sociais se serviam do
público-alvo as classes média-alta e as elites políticas, recuperam from Africa, que esteve no Tropenmuseum, em Amsterdão, mostrou vestuário como linguagem política. Com efeito, nem sempre o uso do
e revitalizam a estética dos tradicionais e populares panos pedaços da história política e da independência de vários países vestuário ocidental significava submissão à potência colonizadora, e
africanos. A representação dos motivos e cores tradicionais torna- africanos; a exposição de têxteis da África Ocidental The essential nem sempre o uso do traje tradicional era indicador de transgressão.
se apresentação quando reinventada pelos designers de moda, art of African textiles, que passou pelo Metropolitan Museum of Art Sendo a linguagem do vestuário extremamente maleável, ela adquire
mas não só; nesta simbiose entre passado e presente, repetição de Nova Iorque, entre 2008 e 2009, pôs em evidência a artificialidade múltiplos sentidos e, por vezes, significados contrastantes.
do binómio tradicional/moderno; e em 2007, no British Museum, Até 1961, o sistema de indigenato, que dividia a população
em Londres, a exposição comemorativa do 50O aniversário da nativa entre assimilados e indígenas, impunha aos primeiros o uso
2 Allman, Jean (2004). Fashioning Africa power and the politics of dress. Bloomington, IN,
USA: Indiana University Press. independência do Ghana, Fabric of a nation: textiles and identity

168 169
de vestuário ocidental. Moorman3 refere que, até 1961, para entrar mas também do Brasil e dos EUA. Difundiu-se o uso da minissaia da mulher na sociedade e os modos como esta deveria cobrir-se valores associados à cultura tradicional local com a regulação do
nos transportes públicos em Luanda era necessário usar roupa entre as jovens luandenses, que completavam a indumentária com para salvaguardar a virtude. Se actuar em clubes nocturnos para corpo feminino feita através da normatização do vestuário e contra
ocidental. O vestuário de tipo europeu era, portanto, nesta época, um lenço na cabeça e um pano enrolado à cintura, desta forma um público maioritariamente masculino significava transgredir o advento da moda da minissaia. Simultaneamente servia como
um marcador de conformidade à ordem colonial instituída, ao passo combinando o estilo tradicional e o moderno, o local e o global. normas comportamentais instituídas pelo patriarcado local e marcador de cosmopolitismo, distinguindo as luandenses das
que o uso dos panos era considerado inadequado ao mundo urbano Num ambiente social dominado por um duplo patriarcado, local e colonial, a opção pelo vestuário tradicional representava a tentativa mulheres provenientes de outros locais.
e associado a falta de civilidade. Ao mesmo tempo, o traje tradicional europeu, o uso dos panos e da minissaia era parte de uma alteração de mediar esse risco. Podemos concluir, portanto, que no período
era usado, na época, sobretudo pela população urbana de Luanda, identitária em curso. Era uma afirmação de cosmopolitismo e que antecedeu a independência do país houve uma revitalização do
como expressão de identidade étnica e afirmação de angolanidade. simultaneamente revelava a vontade, por parte da geração jovem, vestuário nacional, não só devido a factores políticos, mas também
5. Modernidade, centros e
Entre 1940 e 1960, a acção da Liga Nacional Africana e a crescente de provocar mudanças sociais. Estas expressões da cultura porque as dinâmicas sexuais se transformavam. periferias
repressão do estado colonial português contra as actividades políticas material urbana surgiam associadas às actividades da Liga Nacional Na década de 1970, em Luanda, os panos eram usados
nacionalistas motivaram uma série de reações e desencadearam Africana, da Anangola (Associação dos Nativos de Angola), da OMA sobretudo pelas mulheres de uma certa idade, se bem que não Desde Weber que na definição de classe social, para além de
novas práticas culturais. Os assimilados, a única parcela da população (Organização das Mulheres de Angola) e outros grupos culturais dos necessariamente por razões políticas. As bessanganas6, ou senhoras factores económicos e políticos, é considerado o grupo estatutário
nativa escolarizada e com acesso a empregos na função pública, bairros de Luanda que promoviam bailes, festas e espectáculos de luandenses, distinguiam-se pelo uso do traje tradicional, constituído de pertença do indivíduo, determinado pelo estilo de vida, do qual
tornaram-se potenciais suspeitos de envolvimento em actividades música em clubes geridos por nativos. Nestes eventos, o uso de por vários panos: a peça interior (o mulele ua jiponda), um pano fazem parte a educação, o prestígio na hierarquia social, a ocupação
subversivas. O uso do vestuário de estilo europeu, sendo por um lado formas locais de vestir era comum, especialmente entre as jovens.4 trespassado e cobrindo a parte superior (o milele ua xaxi), outro, e os tipos e graus de consumo. Autores mais recentes, influenciados
uma exigência que o estado colonial impunha, contribuía, por outro, Nas actuações públicas, os artistas e grupos combinavam igualmente trespassado, cobrindo a parte inferior (o mulele ua tandu)7, pelo construtivismo social e pelo interaccionismo simbólico, estão
para que a polícia política portuguesa os considerasse próximos do vestuário ocidental e local, mas eram as mulheres que mais vezes e finalmente, um pano preto conhecido por bofeta e um lenço menor empenhados em recuperar as análises microscópicas do quotidiano
Ocidente e por isso potencialmente perigosos. Esta ambiguidade de surgiam em palco usando vestuário tradicional5. Esta escolha enrolado na cabeça. As peças eram colocadas sobre uma blusa de social, nas quais os indivíduos, as suas acções, representações,
sentidos em torno das práticas de vestuário atravessa tanto a época certamente não deixa de estar relacionada com códigos de género manga comprida ou um quimone. Esta forma de vestir articulava interacções e negociações permanentes são pontos privilegiados
colonial como o período pós 1975. associados ao que a sociedade da época considerava ser o lugar de estudo. Trata-se de dar um estatuto heurístico a aspectos
Nos anos sessenta desenvolveu-se nos meios urbanos uma das dinâmicas sociais que foram considerados pela sociologia
6 Termo usado originalmente para designar as mulheres da Ilha de Luanda, passou tradicional como triviais e a-históricos, mas que hoje se situam no
moda jovem que recebia as suas influências não só da Europa 4 MOORMAN, Marissa, (2008). Intonations: a Social History of Music and Nation in Luanda, tradicionalmente a designar as senhoras nativas da sociedade luandense. Cf. CARVALHO, Ruy
centro do pensamento sobre o social. Para Maffesoli8, as formas
Angola, from 1945 to Recent Times. Athens: Ohio University Press. Duarte de, (1989). Ana A Manda, Os Filhos da Rede. Identidade colectiva, criatividade social
5 MOORMAN, Marissa (2004). “Putting on a pano and dancing like our grandparents: Nation and e produção da diferença cultural: um caso muxiluanda, Lisboa: Instituto de Investigação
3 MOORMAN, Marissa (2004). “Putting on a pano and dancing like our grandparents: Nation and dress in late colonial Luanda”, in J. M. Allman (ed.), Fashioning Africa: Power and the Politics of Tropical.
dress in late colonial Luanda”, in J. M. Allman (ed.), Fashioning Africa: Power and the Politics of Dress, Bloomington: Indiana University Press, 84-102. 7 MONTEIRO, Ramiro Ladeiro, (1973). A Família nos Musseques de Luanda. Subsídios para o 8 MAFFESOLI, Michel (2000). The time of the tribes. The decline of individualism in mass
Dress, Bloomington: Indiana University Press, 84-102. seu Estudo. Luanda: Fundo de Acção Social no Trabalho em Angola, 315. society. Sage Publications: Londres.

170 171
(gestos, hábitos de comer, tipos de vestuário) são textos culturais recursos são suficientes, constroem uma pequena casa de cimento e da comunicação global levam até às esferas privadas11. A à invasão dos circuitos de produção e distribuição globais.
carregados de símbolos, fantasias sociais e significados e é por eles com telhado de zinco, acrescentando uns metros ao aglomerado globalização da informação condiciona os tipos de consumo, os Porém, a linguagem do vestuário é polissémica, subtil e difícil de
que obtemos o conhecimento do social. gigante dos musseques. gostos e os hábitos da população, sendo um motor importante das interpretar. Pode significar renovação e modernidade mas também
A abordagem dos estilos de vida na sociedade angolana, onde Entre estes imigrantes e os luandenses integrados em actividades mudanças sociais. divide, estratifica e exclui. Os códigos que põe em prática mudam
a classe média é quase inexistente, permite compreender algumas formais, muitos deles escolarizados e descendentes de antigos Uma das categorias usada para definir a modernidade é o constantemente, e muitas subtilezas acrescentadas diariamente aos
diferenciações sociais ligadas às formas da vida quotidiana. O assimilados, as diferenças não são apenas de natureza económica, vestuário. Através da comunicação global, as tendências da moda significados partilhados só são perceptíveis aos que se posicionam
estudo das formas envolvidas na praxis de vestuário identifica alguns e em alguns casos as diferenças económicas podem mesmo não internacional chegam aos angolanos, que as combinam com trajes e no interior desses universos de sentido criados e recriados pelos
padrões de diferenciação e interacção social, nomeadamente entre ser as mais evidentes. Como refere Rodrigues9, “a diferenciação acessórios locais, resultando numa enorme permeabilidade de estilos actores sociais através das suas contínuas interacções.
grupos urbanos e imigrantes de zonas rurais, funcionários públicos entre a população urbana e a população oriunda das zonas rurais e identidades, não puramente locais nem globais. No caleidoscópio Os panos exercem funções diferentes no quotidiano social
e empregados no sector informal da economia, habitantes dos baseia-se na linguagem, gestos e formas de cumprimentar, de de cores que é o vestuário dos luandenses, a criatividade individual e essas funções entrecruzam-se com as múltiplas formas de
musseques e população dos bairros de Luanda. comer, vestuário e penteados”10. Além da diferenciação baseada no e as pertenças a subgrupos etários, de género e sociais suplantam estratificação social existentes. O pano usado como porta-bebés,
As guerras que dominaram Angola até 2002 não destruíram apenas desigual acesso aos recursos materiais, que se traduz no tipo de e tornam obsoletos os binómios entre roupas ocidentais e africanas, como rodilha, amarrado à cintura como trouxa, caindo em saia,
as infraestruturas fundamentais do país – também contribuíram para emprego, salário usufruído, local de residência, tipo de residência, moda e traje, tradição e modernidade. As combinações são enrolado na cabeça, colocado sobre o ombro ou ainda como
aumentar a desigualdade no acesso aos recursos. Os diversos tipos tipo de transporte usado no dia-a-dia, etc, há outros critérios que múltiplas e variam conforme a ocasião e o local, a idade e o género. agasalho, é geralmente usado pelas mulheres de um estrato social
de desregulamento económico e social infundidos pelas guerras e a servem para posicionar os indivíduos e os grupos na tessitura Entre as camadas jovens, as roupas ocidentais, consideradas mais mais baixo, habitantes dos musseques, muitas delas provenientes de
adopção da economia de mercado nos anos noventa, permitiram a social. No caso particular de Luanda, o critério maior parece ser o simples e práticas, são de uso quotidiano. Porém, surgem amiúde outras províncias de Angola, principalmente do Norte. Entre as e os
ascensão de uma elite política e militar afluente que contrasta com a da modernidade. Ser moderno significa ter acesso a artefactos que misturadas com acessórios ou panos decorativos de origem local. A luandenses, os panos são usados na confecção de quimones (blusa
pobreza em que vive a maioria da população. Na cintura da cidade fazem parte da realidade virtual que as tecnologias da informação modernidade está em interceptar o estilo tradicional com os modelos curta), bubus (blusa comprida, túnica), saias, vestidos, camisas e
de Luanda vivem hoje muitos milhares de pessoas em condições ocidentais, fazendo com que, através destas misturas criativas, o calças de homem. Na indumentária feminina das luandenses, o pano
precárias de salubridade, muitos deles imigrantes provenientes de tradicional se torne moderno. Há pois uma revalorização das formas é muitas vezes decorado e guarnecido com aplicações de rendas e
zonas rurais onde a sobrevivência se tornou impossível devido à de vestuário locais, que resulta da abertura e permeabilidade destas bordados, armado com folhos, refegos e franzidos. É também visto,
destruição massiva de estradas e comunicações. Estes imigrantes quotidianamente, o uso do pano amarrado à cintura com camisa
têm chegado ano após ano à capital, esperançados em encontrar, ou blusa de tipo europeu ou, de outra forma, o quimone e o pano
através de redes de parentesco e solidariedade, uma actividade 9 RODRIGUES, Cristina Udelsmann (2007). “From family solidarity to social classes: Urban 11 RODRIGUES, Cristina Udelsmann (2007). “From family solidarity to social classes: Urban enrolado na cabeça combinado com calças de ganga ou outras de
stratification in Angola (Luanda and Ondjiva)”. Journal of Southern African Studies, Volume 33,
económica na qual se possam inserir. Empregam-se em actividades Number 2.
stratification in Angola (Luanda and Ondjiva)”. Journal of Southern African Studies, Volume 33, tipo europeu.
Number 2.
informais – comércio, carpintaria, mecânica - e logo que os parcos 10 A tradução é da responsabilidade das autoras.
Em eventos festivos e solenes, o uso de trajes tradicionais

172 173
é símbolo de afluência e elegância. Os panos podem ser usados De resto, a divisão binária entre homens/modernidade/poder impressas, mas vários outros exemplos poderiam ser referidos.
enrolados ou são levados ao alfaiate para serem costurados de político/vestuário ocidental versus mulheres/tradição/ausência de Em África, por seu turno, há cada vez mais designers de
acordo com modelos sugeridos em pequenos cartazes expostos poder político/vestuário tradicional tem sido apontada em estudos moda a explorarem as possibilidades estéticas do pano impresso,
nas alfaiatarias. Apesar da existência de boutiques que vendem realizados noutros países13. usando-o como elemento identitário das suas criações e também
o vestuário tradicional já confeccionado, os e as luandenses como linguagem cultural. Muitos países africanos estão a tornar-se
continuam a preferir o trabalho dos pequenos alfaiates locais. criadores e produtores de moda, entrando nos circuitos de distribuição
Estes fabricam, não apenas os modelos encomendados, mas uma
6. Moda e construção da nação e comercialização de vestuário a nível global. Acompanhando as
diversidade de acessórios. Tanto a venda como a confeção de novas exigências de produtores, criadores e consumidores, são
vestuário são atividades económicas maioritariamente masculinas. Como afirma Jennifer Craik14, o termo moda raramente é usado inúmeros os eventos de moda que, em vários países do continente
Por outro lado, à semelhança do que sucede em outros países para referir as culturas não ocidentais. A moda está associada ao africano, divulgam as criações dos seus designers e mostram as
lusófonos12, as mulheres são os principais consumidores de peças superficial, ao mundano e às identidades individuais, ao passo tendências de outros criadores.
de vestuário costuradas localmente. Os homens adoptaram de uma que o traje reenvia para o que permanece, o que está envolto em Nos anos mais recentes, Angola procura acompanhar a tendência
forma generalizada o modelo de vestuário europeu, com exceção significados profundos e faz referência a identidades colectivas. O e os designers lutam por um nicho no mercado de moda global.
da camisa confeccionada com pano em alguns casos, usada trânsito e as trocas culturais entre África e o resto do mundo, no Muitos estilistas abriram lojas e ateliers próprios e divulgam as suas
preferencialmente ao fim-de-semana ou em ocasiões festivas e entanto, esfumaram as fronteiras entre moda e traje, e atualmente criações em eventos como o ModaLuanda, o Angola Fashion Week,
familiares. nos corredores da alta moda os trajes e os tecidos africanos inspiram o Belas Fashion, o Huíla Fashion ou o mais recente Fashion Business
Nesta diferenciação de género em relação aos tempos e espaços os grandes criadores desta arte corpórea. Com efeito, há cada vez Angola, para além de numerosos desfiles dos criadores nacionais ao
em que a adoção do vestuário local é considerada adequada não mais casas de costura na Europa e nos EUA que têm África como longo da Trienal de Luanda. O Fashion Business Angola de 2010 teve
podemos deixar de ler a associação entre feminino, espaço privado inspiração. Vários designers e casas de moda combinam estilos a participação de 35 estilistas nacionais e internacionais e englobou,
e tempo familiar e de lazer, por um lado, por oposição a masculino, tradicionais africanos e estilos cosmopolitas. Balenciaga e Gucci para além dos desfiles de moda, a apresentação de expositores dos
espaço público e trabalho, racionalidade e disciplina, por outro. incluíram nas suas colecções Verão 2010 criações com peças têxteis criadores e um debate sobre moda africana. O tema África foi o
elemento transversal à maioria das colecções apresentadas, com
12 Referindo-se ao uso dos panos em Bissau, a investigadora Manuela Domingues regista: “Na
especial incidência no uso do pano combinado com tafetás, cetins
actualidade são essencialmente as mulheres que mantêm o uso de panos (às vezes por baixo 13 ROCES, Mina (2005). “Gender, nation and politics of dress in twentieth-century Philippines”. e chiffon de seda, rendas ou bordados. A designer Tina Souvenir
In Gender and History, Vol. 17, No. 2, August, 354-377.
ou por cima de roupa europeia) ou procuram um arranjo entre ambos os tipos, usando pano usou os prestigiados panos Woodin, da Costa do Marfim e Da
tradicional e camisa europeia”, in Museu Nacional de Etnologia, (1996). Panos de Cabo Verde 14 CRAIK, Jennifer (1994). The face of fashion: Cultural studies in fashion. New York:
e Guiné Bissau (colectânea de textos), Ministério da Cultura / Instituto Português de Museus. Routledge.
Viva, do Gana. Dina Simão, vencedora do troféu ModaLuanda em

174 175
2009, recorreu aos panos para criar modelos apelativos ao mercado de moda da Europa simbolizam no imaginário dos consumidores elementos do traje tradicional, como os quimones ou os lenços nunca, um marcador da posição social, agrupando e dividindo
internacional contemporâneo, numa fusão entre o gosto europeu e o angolanos de alta costura. No entanto, argumentar que a colagem enrolados na cabeça. simultaneamente os e as angolanas. Juntamente com outros
gosto africano. Elizabeth Santos, uma das mais antigas criadoras de à moda cosmopolita da Europa representa uma nova forma de Novos modelos são introduzidos, outros adaptados, tendo como marcadores sociais, como a linguagem, o tipo de residência, os
moda no país, começou há duas décadas a usar panos e a recriar colonização de gosto é uma abordagem simplista deste fenómeno, destino os mercados para turistas e elites locais e em boutiques locais frequentados, e alguns outros, o vestuário contribui para
os trajes tradicionais. pois o cosmopolitismo pode tornar-se uma forma de nacionalismo para uso na confecção de roupa e decoração. Os designers de construir uma nova imagem do país.
Segundo Marissa Moorman, a moda é uma linguagem política – não um nacionalismo voltado para dentro ou circunscrito ao moda e os decoradores de interiores redescobriram, adoptaram e
que pode servir para atrasar ou acelerar mudanças sociais, continente africano, mas aberto às trocas globais, que estão longe adaptaram os panos impressos.
reafirmar ou contestar a ordem estabelecida. Em Angola, o boom de ser apenas de natureza económica e política. No período colonial, especialmente em Luanda, a administração
da alta costura, suportado e incentivado pelos media e por diversas A recente explosão de criadores angolanos e eventos de metropolitana usou o vestuário para representar a legitimidade do
instituições locais, é revelador da presente fase de desenvolvimento projeção regional e internacional marca certamente uma viragem estado colonial e os movimentos nacionalistas usaram-no para
que o país atravessa. A incomensurável riqueza nacional, a par da no sentido de autenticar uma nova imagem do país, com raízes na representar a identidade descentrada da Europa. Enquanto o traje
desregulação provocada pelas sucessivas guerras, fomentaram história e nas suas tradições mais profundas. Ao valorizar o uso de tipo europeu era encorajado pelo regime colonial, os jovens,
a acumulação de capital e o aparecimento de uma elite social dos panos tradicionais reescrevendo com eles textos culturais directamente envolvidos ou atentos aos grupos político-culturais,
abastada que começou por adquirir o hábito de se deslocar a França contemporâneos, os criadores angolanos e os consumidores locais combinavam o europeu e o africano, recusando a distinção redutora
e a outras capitais da moda europeia para adquirir as criações de mostram-se comprometidos na construção de uma nação nova, entre assimilados e indígenas e utilizando as formas culturais
conceituados designers internacionais. O vestuário é um marcador que abraça o passado e o futuro, a tradição e a modernidade num africanas como atenuantes de uma identidade euro-centrada. O
da posição social em termos colectivos e individuais, agrupando e só movimento amplo. vestuário era, para eles, uma linguagem política que expressava
dividindo simultaneamente - a deslocação aos centros europeus o desejo de mudança. Mas a ambiguidade de sentidos em torno
da moda começou por ser uma afirmação de poder económico e das práticas de vestuário tornava os africanos que optassem
estatutário, que, em conjunto com outros marcadores sociais, como
7. Conclusão pelo uso do fato ocidental, em certos contextos e circunstâncias,
a linguagem, as formas de cumprimentar, os locais frequentados, suspeitos perante a polícia política, por parecerem “demasiado”
os hobbies, dividiram e hierarquizaram internamente a sociedade Os têxteis em Angola assumem-se como um mediador de europeus. Essa mesma ambiguidade de sentidos fazia-se sentir em
angolana e exportaram o retrato de um país cosmopolita e com mudança cultural e de relações sociais e económicas. celebrações e acontecimentos públicos, quando o regime colonial se
projeção internacional. Nas áreas urbanas é evidente o uso indiscriminado de peças autopromovia exibindo os artistas angolanos com o traje tradicional.
O interesse pelas peças assinadas pelos designers ocidentais de roupa importada combinadas com peças costuradas localmente. Depois da independência do país, o vestuário não perdeu o
justifica-se pelo lugar de reverência que as casas e os criadores O traje de tipo europeu contrasta com a combinação de panos e seu significado político, social e económico. É hoje, mais do que

176 177
Resumo Palavras-chave: Português do Brasil, Dekasseguis, cultura
Nanban, Cultura Brasileira, Experiências de ensino de língua
O Brasil, com mais de 190 milhões de habitantes, é o maior portuguesa.
país lusófono da atualidade. Embora se fale a língua portuguesa, em
todo o território, esta recebeu muitas contribuições, visto sermos um
Um olhar histórico sobre o
país matizado, formado pela mistura de portugueses com negros e
nativos. A partir do fim do século XIX, vieram milhares de imigrantes Brasil
Brasil, Brasis europeus, trazendo suas diferentes culturas, que passaram a
compor sua população. No início do século XX, o Japão também Em 1500, Pero Vaz de Caminha encontra os tupinambás da
Ensino da Cultura brasileira começou a enviar imigrantes para o país. No fim da década de costa e, apesar de atraído pelas novas paisagens, odores, sabores
e da Língua portuguesa 1980, os assim chamados dekasseguis--japoneses de segunda, ou
terceira geração, no Brasil--, fazem o caminho de volta ao país de
e cores, mostra-se especialmente perturbado pelos novos povos,
por seus hábitos, gostos, adornos e, acima de tudo, por seu
origem de seus ancestrais. Esse movimento, que já completou 20 comportamento.
anos, aliado ao interesse crescente que despertam alguns aspectos A carta de Caminha traz a maioria dos elementos de caráter
de nossa cultura, como a música, o carnaval, a capoeira, o futebol idílico que mais tarde irão ser desenvolvidos (formosura e fertilidade
e as novelas, tudo isso, somado ao desempenho econômico da terra, aspecto e afabilidade das gentes, novidade e estranheza
Célia Morais Barbosa favorável do Brasil, na atualidade, apresenta características bastante dos costumes) que servirão para formar os estereótipos sobre o
particulares, no sentido do crescente interesse pela cultura brasileira Brasil correntes até hoje.
Universidade de São Paulo
e pelo aprendizado da língua portuguesa, particularmente no Japão.
Brasil
Assim, o artigo pretende discutir a experiência de ministrar aulas
de português e cultura brasileira na Universidade de Estudos
Tupis e guaranis, influências até
Ikunori Sunsa Estrangeiros, em Kyoto, além de apresentar alguns aspectos ligados nossos dias
às diferenças entre o PB (Português do Brasil) e o PE (Português
Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto
Europeu) e aspectos relacionados aos diversos sotaques típicos Desde o descobrimento, até a época colonial, o Brasil era
Japão
regionais. habitado por 1200 povos, falantes de cerca de mil línguas diferentes.

178 179
Hoje, estão reduzidas a por volta de 180 idiomas nativos, sendo que explica a grande quantidade de vocábulos plenamente integrados O inconsciente coletivo nacional absorveu o conceito de preto Medicina e outras, a seguir. Nesse mesmo século XIX, a procura
110 deles correm o risco de extinção, visto não possuir nem 500 ao falar brasileiro do dia a dia e referentes aos diversos campos da velho- bom, amoroso, conselheiro, misturado com a ideia de cigana internacional crescente pelo grão e a fertilidade das terras permitiu a
falantes. vida humana. e do índio sábio. O preto velho e índio velho são guardiões dos grande expansão dos cafezais no país, primeiro no Vale do Paraíba,
Apesar do extermínio efetuado e da proibição do Marquês Por trezentos anos, antes da Lei Áurea, de 1888, os negros segredos das plantas medicinais. entre o Rio de Janeiro e São Paulo, depois se espalhando por
de Pombal, de se falar tupi no Brasil, ainda pode-se atribuir aos trabalharam no Brasil como escravos, deixando marcas profundas Também a mãe preta, a ama de leite do sinhozinho da época outras regiões do Brasil. Quando ocorre a abolição da escravatura,
nossos indígenas, até hoje, influências em nossos traços de caráter, em todos os campos da vida nacional. Deles ficou a antiga luta, a dos engenhos, pode-se dizer que foi uma figura importante para a em 1888, como a necessidade de mão de obra ainda é grande, o
na culinária, arte, artesanato, mitos e folclore. No idioma, estão capoeira, hoje mais um esporte/jogo/dança característico do país. fundação do caráter nacional. governo começa a estimular a imigração européia, contendo ainda
presentes em sufixos, muitos vocábulos e expressões e também A influência afro também se dá, até nossos dias, em uma Bagno (set 08) diz que, se tantos brasileiros pronunciam “djia” uma intenção subjacente, a do “branqueamento” da população.
na toponímia, em nomes de rios, cidades, estados e ruas, além da série de traços de caráter do povo brasileiro, mas, aqui, para fins e “tchia” o que se escreve dia e tia é porque mamaram essas Nessa época tudo se importava da Europa, alimentos, bebidas,
tecnologia referente à utilização e manejo do meio ambiente, na deste trabalho, cabe ressaltar sua contribuição para o idioma, com pronúncias junto com o leite das suas babás negras, junto com instrumentos musicais, ferro, vidro, mármore etc. Era então, o
medicina popular e no uso das ervas medicinais. vocábulos, em diferentes áreas, como: alimentação, características tantas coisas maravilhosas que os africanos nos legaram. brasileiro, mestiço, sonhando ser europeu, preferencialmente
físicas, comportamento, cumprimentos, lazer, objetos, termos de É interessante lembrar que nossa principal santa protetora, francês.
uso social, vestuário, sentimentos, religião, doenças e morte, e Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, também é negra. O início da linha férrea, em 1870, que trouxe para o Brasil estações
Contribuição da cultura outras. inteirinhas--que vinham desmontadas, da Inglaterra--, trouxe
afro-negra no Brasil Também deles se herdou o uso intensivo do diminutivo, tanto também os imigrantes para trabalhar nas fazendas de café. Vieram
no sentido denotativo, como com carga emocional variada e graus
Brasis- imigrantes, diferentes espanhóis, alemães, mas, principalmente veio o italiano, da região
A colonização portuguesa, que não tinha tido muito sucesso diferentes de expressividade, indicando desprezo, crítica, em sentido etnias e sotaques norte do país, do Vêneto. Um conjunto de motivos os fez emigrar.
na escravização dos índios, para conseguir seu intento de explorar pejorativo, ou carinhoso. Primeiro, a substituição do homem, no campo, pelos implementos
melhor os recursos e fazer trabalhar os engenhos de açúcar e, Entre os mitos e lendas, agregaram-se aos mitos indígenas, da No Brasil, até o século XVIII, se falava a língua geral (derivada do mecanizados, depois a escassez de alimentos, que trazia a fome;
depois, as fazendas de café, trouxe, durante 3 séculos, por volta de criação do mundo, do dia e da noite, do guaraná, da mandioca etc, tupi) Portugal, nesse século, resolve proibí-la e impôr o português. muitos campesinos se alimentavam exclusivamente de polenta, um
4 milhões de africanos. o do Saci pererê-- lenda de sobreposição de índio com negro—e o No início do século XIX, a transferência da corte de D. João VI, mingau feito de farinha de milho que, aquecido, apesar de matar
Bagno (out 2009) em artigo denominado: Brasileiro fala Banto? do Negrinho do pastoreio- lenda do sul. de Portugal ao Brasil, dá um grande impulso à língua portuguesa, momentaneamente a fome, pela existência de amido, causava a
explica que as línguas que mais confluíram para a formação do O samba, ritmo que surge no Brasil entre 1910 e 1920 e é pois se inauguram bibliotecas, museus e escolas, bem como se pelagra, uma doença devida à carência de vitaminas.
português são da família Banto. São de famílias Banto a maioria dos reconhecido como nosso, pode ter vindo do semba, dança e ritmo inicia a publicação de jornais, antes proibidos. Estes aproveitam as campanhas do governo brasileiro e emigram
escravos trazidos a partir do século XVII e que serão distribuídos de Angola. De acordo com Gomes (2007), antes dessa data, no Brasil em massa para o Brasil. São tantos, especialmente no sul e no
por todo o território brasileiro. Pela antiguidade de sua presença se não havia uma só faculdade, D. João abriu a Escola Superior de estado de São Paulo que, no final do século, o escritor Monteiro

180 181
Lobato dizia que, ao caminhar pelas ruas da cidade, se ouvia uma públicas na tentativa de explicar e resolver o atraso socioeconômico e, hoje, estão em diversos setores da sociedade, especialmente no literário “trabalhando distante de casa” e designando qualquer
nova língua, que ele denominou paulistaliano. brasileiro, que era, no entender de muitos pensadores brasileiros e denominado “cinturão verde” da capital de São Paulo, onde cuidam pessoa que deixa sua terra natal para trabalhar temporariamente em
Hoje, a colônia italiana em São Paulo é tão numerosa, que com influência estrangeira, atrelado à presença negra na população de produtos hortifrutigranjeiros, mas também estão presentes em outra região ou país.
representa a maior cidade italiana fora da Itália. brasileira. inúmeras atividades urbanas de diversas áreas, como de tecnologia, O movimento foi crescendo continuamente, atingindo, de
O país recebe ainda muitas outras etnias, mas em menor Esses imigrantes vieram especialmente da fria Hokkaido, mas comércio, ciência e ensino. acordo com estimativas, por volta de 300 000 pessoas, distribuídas
número de pessoas, sendo que o site do São Paulo Convention também de Okinawa e, em menor número, de outras regiões do Considerada a maior cidade japonesa fora do Japão, São Paulo especialmente entre algumas cidades que passaram a contar com
Bureau afirma que a cidade tem representação de elementos de 100 Japão. tem, hoje, por volta de 300 000 descendentes e, em termos globais, uma infraestrutura de apoio, escolas, lojas, mercados com produtos
diferentes etnias, atualmente. O documentário Permanência, do nissei Helio Ishii, mostra, em o Brasil possui, segundo estimativas do último Censo de 2010, uma brasileiros, sinalização urbana em português etc.
uma emocionante entrevista, como era a vida de um imigrante, população de 1.500.000 descendentes de japoneses. A partir da crise econômica mundial, que se iniciou em 2008,
ainda daquela primeira leva, que veio de Himeji. No filme, ele diz o Japão, que sofreu fortemente esse impacto, começa a demitir
A emigração japonesa que estudou apenas o curso primário, trabalhava duro, mas era funcionários, muitos deles dekasseguis e até a fechar empresa
chamado de “bebedor de água”, pois era só o que as pessoas
Os dekasseguis inteiras. O êxodo--movimento de retorno dos dekasseguis ao
Mas, o início do século XX traz uma nova imigração, que mudará, tinham. Seu primeiro trabalho foi numa estrada de ferro, onde tinha Brasil-- começa novamente e hoje dados a Embaixada do Brasil
a feição de muitas cidades, especialmente de São Paulo, mas de fazer limpeza nos vagões de passageiros, com soda cáustica Mas eis que o Brasil, que foi, por mais de um século, país no Japão apontam que estejam no país por volta de uns 240 000
também do Paraná e do Amazonas. e água fria e, mesmo com chapéu, ficava todo sujo e molhado. receptor de imigrantes, dada a crise econômica da década de brasileiros ou nipo brasileiros.
Em 1908, se inaugura a emigração japonesa para o Brasil. Era o Quando surgiu a propaganda para emigrar ao Brasil, ele considerou 1980, passa a ter um contingente de seus filhos dirigindo-se ao No movimento pendular em relação ao Japão, enquanto este
fim da era Meiji, o Japão iniciava a era moderna e precisava resolver o tipo de futuro que poderia ter no Japão, pois, sem curso superior, estrangeiro. O Japão, então próspero e em pleno desenvolvimento demite, o Brasil, em fase favorável de desenvolvimento, criou, em
seus problemas internos e escoar seu excedente populacional. nem poderia pensar em prestar um concurso. Decidiu e foi trabalhar econômico e tecnológico, pode agora receber seus descendentes, 2010, 1.500.000 empregos, caminhando para uma economia de
Nessa época, o Brasil continuava a precisar de mão de obra numa fazenda de café. para o trabalho em ocupações de baixa qualificação, especialmente pleno emprego.
imigrante para as fazendas e, em 1902, a Itália havia proibido que A emigração japonesa continuou por muitos anos, muitos no setor manufatureiro, em montadoras de veículos, construção Lula, lider trabalhista metalúrgico, antes de ser presidente
seus cidadãos fossem recrutados e enviados ao Brasil. É então que, tiveram problemas de adaptação ao clima, à língua, aos costumes civil e outras, empregos nos quais, a sociedade japonesa, afluente, por duas gestões, é uma figura carismática, tendo conseguido,
embora não condizentes com os ideais de construção da identidade e à vida dura numa terra estranha e, assim como os italianos e podia escolher não trabalhar. estrategicamente, compor alianças econômicas e políticas com muitos
brasileira na época, os “amarelos” se apresentam como alternativa os alemães, sofreram com as perseguições durante a Segunda Se inicia, em finais da década de 1980, o movimento dekassegui dos governos de diversos países. Com seu jeito simples e afetivo, é
para atender à demanda da lavoura cafeeira. Guerra Mundial, mas, os que não retornaram, após o conflito (em japonês: 出稼ぎ). Esse vocábulo é formado pela união dos encantador em seus contatos pessoais, tendo conquistado, para o
Sasaki (2006) comenta que, nesse período, discussões acaloradas estabeleceram raízes no país, criaram até uma “língua”, o coronia verbetes na língua japonesa 出る (deru, sair) e 稼ぐ (kasegu, para Brasil, pouco antes do término de seu mandato, tanto a sede da Copa
associavam formulações sociológicas, de medicina social e políticas go, que lhes permitia comunicar-se com mais facilidade na colônia trabalhar, ganhar dinheiro trabalhando), tendo como significado do Mundo de Futebol, para 2014, como as Olimpíadas, para 2016.

182 183
Embora o Brasil tenha ainda muitos problemas para resolver, o Tipos de sotaques- variação São Paulo Mas a história mostra mais pontos em comum, entre um e outro.
maior deles sendo a questão da desigualdade de renda--um dos Acredita-se que o R acentuado do interior de São Paulo tem O século XVI foi época de grandes navegações e conseqüentes
responsáveis pela violência, especialmente nas áreas urbanas mais geográfica origem no jeito de falar dos índios tupis, assimilado pelos descobertas. Após a chegada ao Brasil, em 1500, os portugueses
desenvolvidas--, vem enfrentando-os. bandeirantes. Essa pronúncia caipira ultrapassou as fronteiras do navegaram para o Japão. De acordo com Sato (2011), a história
É importante realçar que, só o Programa Bolsa Escola, criado no O site http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/pergunta_ Estado e também se espalhou pelo sul de Minas e por Goiás. Na conta que um barco chinês de junco, que se dirigia para Liampo
último governo, que efetuou a transferência de renda de apenas R$ 286073. shtml mostra exemplos de como se fala português, em capital, a pronúncia tem muito do gesticular e do falar cantado carregando três portugueses, sofreu uma violenta tempestade e
200, 00 mensais, junto às famílias que levavam as crianças à escola, alguns estados do Brasil: do italiano. foi parar na ilha de Tanegashima, ao sul do Japão. A data desse
propiciou, a 21 milhões de pessoas, o acesso da pobreza à classe acontecimento é 23 de setembro de 1543, de acordo com Teppo-
média, expandindo, também, no país, o consumo de muitos bens, Pernambuco ki, a crônica da espingarda, escrita no Japão no início do século
incluindo-se automóveis, geladeiras e outros. Uma herança da longa presença holandesa no Recife deixou a Santa Catarina XVII. Teppo-ki narra a introdução da espingarda pelos três náufragos
forte pronúncia do R, como nas línguas de origem germânica. No litoral, o sotaque cantado, mais forte até que o dos gaúchos, portugueses e descreve as observações do chinês que atuou como
é influência direta da forte imigração de portugueses. Lá houve a intérprete dos estrangeiros: “Estes homens bárbaros do sudeste
Os sotaques, os dialetos e a gíria Bahi são comerciantes. Compreendem até certo ponto a distinção entre
chamada “imigração de casais” da Ilha dos Açores. No interior,
têm variantes regionais O sotaque local reflete a variada mistura da miscigenação do seu algumas regiões de colonização alemã ainda falam e mantém os superior e inferior, mas não sei se existe entre eles um sistema
povo, assimilando tanto o S assobiado de São Paulo e Minas costumes similares à época da sua chegada, por volta de 1850. próprio de etiqueta. Bebem em copo sem o oferecerem aos outros;
No outro lado do Atlântico, o PE (português europeu) virou PB Gerais quanto o R aspirado dos cariocas, aliado a um falar mais comem com os dedos, e não com pauzinhos como nós. Mostram
(português brasileiro). Como disse Eça de Queiroz, “No Brasil, fala- lento. Rio Grande do Sul os seus sentimentos sem nenhum rebuço. Não compreendem os
se português com açúcar”. Para Antônio Cândido (apud Origens de O gaúcho fala um português com mistura de espanhol e, em caracteres escritos. São gente sem morada certa, que troca as
nosso idioma, 2008), a língua portuguesa não perdeu na América Rio de Janeiro algumas regiões, mais rurais, o “talian”, um dialeto italiano. coisas que possuem pelas que não têm, mas no fundo são gente
nada de “seu caráter grave, nem a têmpera máscula, nem o tom Muitos estudiosos afirmam que o S chiado (quase um X) dos que não faz mal”.
de funda melancolia”. De quebra, ganhou suavidade e ternura, o cariocas nasceu com a transferência da família real portuguesa O etnocentrismo estava de novo, como ocorreu com Caminha,
“jeitinho brasileiro”. para a cidade em 1808. A chegada da corte não só provocou O Japão e a cultura Nanban presente nesse primeiro encontro. Os japoneses recebiam os
Acrescentamos à língua portuguesa nossas próprias inovações. mudanças de costumes como influenciou a fala da população nanban--bárbaros que vinham do sul--, com interesse, mas com
Incluímos nela um pouco das línguas dos índios, introduzimos novas local, produzindo uma versão peculiar da pronúncia lisboeta. O Japão e o Brasil têm tido, historicamente, um movimento pendular, superioridade, vendo seus costumes como estranhos.
formas à gramática; as palavras herdadas dos escravos negros e, um em relação ao outro, ora um deles está bem e atrai os imigrantes do Mas, a partir desse contato com os portugueses, passaram a
também, introduzimos os sotaques de imigrantes europeus e asiáticos. outro país que passa por dificuldades, ora ocorre o inverso. conhecer diversos produtos e técnicas; enriqueceram a sua dieta

184 185
alimentar; deixaram-se seduzir pelas roupas e armaduras ocidentais; umas 400 palavras, em uso, hoje, no Japão, em seu livro “Impacte Com minha formação na área de turismo e hospitalidade, passei sua gravação em vídeo. O trabalho, cuidadoso, mostrou gestos
aprenderam novas línguas, como o português e o latim; passaram a português sobre a civilização japonesa”, Janeira (2011) aponta 70 a orientar as aulas a partir das regiões do Brasil. Assim, tratamos de bastante diferentes, apontando a complexidade gestual entre essas
conhecer e a usar o relógio, o vidro, os espelhos e a lã; conheceram das palavras mais frequentes. assuntos tão diversos como aspectos geográficos, etimologia dos três nacionalidades.
um novo estilo urbanístico e importaram invenções revolucionárias Pode-se observar que a maior parte destas palavras refere-se nomes dos estados, fauna, flora, danças, festas, músicas, folclore
como a espingarda e, com ela, o uso da pólvora e os óculos. (www. a produtos e costumes que chegaram pela primeira vez ao Japão e lendas, vestes e comidas típicas e demais curiosidades, como os
embaixada deportugal. jp/ centro-cultural/curiosidades/pt/). através dos comerciantes portugueses, ou seja, termos religiosos, diferentes sotaques regionais.
Considerações finais
Alguns autores citam a existência de mais de 4 000 palavras palavras ligadas à navegação e, especialmente, ligadas às novidades Exemplificando, quando se falou da Amazônia e da região centro
portuguesas na língua japonesa, durante o período em que foi no que diz respeito à alimentação, vestuário e objetos de uso no dia oeste, o enfoque foi maior na matriz indígena, que deixou mais A globalização ou a mundialização estão alterando os
permitida sua presença no país. Os religiosos, depois, foram a dia pelos europeus de então. marcas na região. Ao estudar o nordeste, a influência da matriz afro parâmetros. Não se trata mais hoje de conceitos estanques como
expulsos, em 1587 e, em 1639, todos os portugueses foram recebeu maior ênfase, com seus aspectos como o candomblé, as antes, definindo este, por exemplo, o Brasil, como país de terceiro
proibidos de permanecer no país. comidas, capoeira, músicas, danças e cultos. mundo, ou “país do futuro” e este outro, o Japão, como uma nação
Carvalho explica essa expulsão citando Jacques Lacan (1977)
Experiências de ensino de língua Sul e sudeste puderam ser mostrados em seu leque de influências monoétnica.
e a fase do espelho. As culturas nacionais definem sua identidade portuguesa e cultura brasileira de todas as partes da Europa e da Ásia, sua diversidade cultural, No caso específico, em pauta, o Japão, que se orgulhava de ser
a partir da definição do Outro. Chineses e coreanos eram o Outro propiciando uma visão múltipla, de um país multirracial. culturalmente homogêneo, convive hoje com um número crescente
no Japão de pessoas miscigenadas. A revista Made in Japan, de 1999 coloca,
próximo. Com a chegada do português ficou marcado o contraste Outra das disciplinas abordou as diferentes culinárias do Brasil,
da diferença e, na guerra pela unificação do Japão e na busca mas também de Portugal e até de Macau. Em outra, se buscou em reportagem de capa, que nascem 10 brasileiros por dia, no
Conhecendo esse histórico dos japoneses no Brasil e da herança Japão. A revista Mercado Latino (fev. 2011, ano 18, no. 167) aponta
da consciência nacional, se buscou exorcizar o estrangeiro, que, enfatizar os aspectos comparativos e contrastivos entre Brasil e
nanban, ao chegar ao Japão, como professora visitante, para ministrar estatísticas que indicam que um de cada 30 bebês no Japão é filho de
ficava evidente, era um Outro. Nariz, olhos, pés e mãos grandes, Japão.
aulas de língua portuguesa e cultura brasileira, tinha curiosidade e um casal onde ao menos um dos pais não é japonês e um em cada
roupas estranhas, peludos, cabeludos, de modos e hábitos muito Quanto aos trabalhos efetuados, foi feito também um concurso
estranheza, ao pensar em como estimular os alunos para a conversação, 18 casamentos é bicultural, chegando a um em cada 10 em Tokyo.
diferentes. E, assim, o Japão, que sempre oscilou, em sua história, de provérbios, em que se comparava e fazia fotos que pudessem
em temas de aulas que pudessem fugir aos estereótipos de carnaval, Nakandari (2011) comenta o Projeto Hafu (ou Half, em inglês,
entre a total aceitação e a total rejeição da influência estrangeira, expressar o sentido geral dos provérbios mais utilizados no Japão
mulata, biquini, futebol, Amazônia e bossa-nova. metade). Com pronúncia japonêsa, é a definição que se utiliza para
fica sem contato com os portugueses, por volta de 200 anos. Foi e no Brasil.
A experiência demonstrou-se muito positiva, pois, apesar de, distinguir e classificar todas as pessoas que vivem no Japão quando
apenas durante a restauração Meiji, em 1860, que o Japão volta a Junto com mais dois professores, um japonês e um português,
na maior parte dos casos, os alunos terem a expectativa que eu um dos pais é japonês e o outro é estrangeiro). Iniciado em 2008,
restabelecer relações diplomáticas com Portugal. fizemos interessante trabalho, em parceria, para uso em aulas
imaginava, houve muito interesse e curiosidade por outros aspectos ele realiza investigações sobre as diversas experiências de pessoas
Muitas das palavras de origem portuguesa tinham sido de CALL, que consistiu do preparo de pequenos diálogos, com
ligados à nossa diversidade cultural. multiraciais.
esquecidas e, apesar de algumas fontes indicarem por volta de a inserção de gestos auxiliares à comunicação verbal e, depois,

186 187
Mas, talvez, mais do que Hafu, essas pessoas sejam o dobro, • Viajar para o Brasil e conhecer o país, podendo entender www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/art_carosamigos_out09.htm (acesso
Referências bibliográficas em 10/2/2011)
pois, na verdade, têm as duas nacionalidades, são uma e são melhor a cultura, por entender a língua.
também a outra e podem, então, ser cidadãos do mundo e viver e • Namorar com brasileiro/a. CARVALHO, D. Nanbanjin: sobre os portugueses no Japão. Antropológicas. no. 4, www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/art_carosamigos_set08.htm (acesso
estar bem em qualquer país. Existiria utopia mais adequada, numa • Ampliar os conhecimentos em humanidades, adquirir um 2000. https://bdigital.ufp.pt/dspace/ bitstream/10284/1708/3/131-149.pdf em 10/2/2011)

época de tanta intolerância? diploma universitário e/ou conhecimentos intelectuais. Permanência, documentário do cineasta nissei Helio Ishii. Brasil, s/d.
GOMES, L. 1808. São Paulo, Planeta, 2007.
Da mesma forma que nem todos os formados em Direito
Em pesquisa junto aos alunos, pude verificar que, entre os serão advogados, muitos estudantes formados pelo DELB Língua Portuguesa- Origens de nosso idioma, Segmento, São Paulo, jun 2008
principais objetivos que levam muitos japoneses a estudar o realizam atividades profissionais sem qualquer relação com
MADE in Japan. Plural, São Paulo, no. 21, ano 2, 1999.
português, estão: a língua portuguesa.
• Usar a língua portuguesa como instrumento de comunicação: • Assim, vejo com muita alegria o interesse dos jovens, que MERCADO Latino. Ano 18, no. 167, Fev 2011.
quer para a simples comunicação com brasileiros e antes tinham apenas vontade de um dia conhecer a Europa,
NAKANDARI, C.Z. Hafu, the film. Mercado Latino, Fev 2011.
portugueses, quer para ingressar no mercado de trabalho hoje, com maior conhecimento, buscarem conhecer e viajar
(empresas japonesas no Brasil, por exemplo); também a outros países, como África ou Brasil. SASAKI, E. A imigração para o Japão. Estudos Avançados.
• Area studies sobre América Latina: ser um brasilianista ou
latinoamericanista; Segundo a Unesco, o idioma português é a sexta língua materna
• Trabalhar como intérprete, no Japão, junto a empresas que mais falada em todo o mundo. Está atrás do mandarim, hindi,
Referências eletrônicas
têm clientes ou interesses no Brasil; espanhol, inglês e bengali. É língua oficial em 8 países, os PLOP,
Armando Martins Janeira (http://japaonline.com.br/pt/page/8/ , acesso em
• Conseguir emprego público, como policial, ou junto a mas não tem presença homogênea na população de muitos deles, 10/2/2011)
embaixada, ou até hospitais, para atender às demandas de além de haver variantes dentro de cada um.
brasileiros, dekasseguis, que não falam a língua japonesa. O Brasil, onde 99,9% da população fala português como língua https://bdigital.ufp.pt/dspace/bitstream/10284/1708/3/131-149.pdf (ac.10/2/2011)
www.embaixadadeportugal.jp/centro-cultural/curiosidades/pt/, acesso em
• Ser professor, ou educador, alfabetizando ou lecionando materna, detém mais de 75% desse percentual de falantes e, assim, 10/2/2011).
português, para filhos de brasileiros, ou mesmo dando aulas embora o ensino da língua escrita deva obedecer às regras e normas
para pessoas de terceira idade, interessadas em conhecer dos acordos ortográficos, nas aulas de conversação, merece um Francisco Noriyuki Sato (www.culturajaponesa.com.br, acesso em 10/2/2011)
htmhttp://mundoestranho.abril.com.br/cultura/pergunta_286073.shtm (acesso em
mais uma língua. enfoque bem particular, onde se aponte suas nuances e variações. 10/2/2011)
• Trabalhar como intérprete de times de futebol japoneses,
que recebem jogadores brasileiros.

188 189
Introdução comum dos povos falantes da língua portuguesa2. Ao invés de
posições panfletárias contra ou a favor da lusofonia, cumpre ser
É tentador afirmar que a lusofonia se afigura um enredo de pragmático. Não se vislumbram possibilidades de dominação neo-
equívocos. É tentador por ser fácil e gratuito e por, independentemente colonial e, também por isso, impõe-se relativizar a pueril vanglória
da abordagem, tal asserção conter sempre algo de verdade. Pode da (imaginada) prevalência simbólica do ex-colonizador face aos ex-
apontar-se o reducionismo do enfoque, a instrumentalização do colonizados por via da língua. Cumpre remover tais visões erróneas,
lema ou, por fim, a vanglória de quem abrace a lusofonia. A lusofonia acima de tudo, pelo marasmo que elas acabam por causar.
No tocante à etnogénese das populações, malgrado alguma
A LUSOFONIA OU OS DESAFIOS inspira uma miríade de vontades desencontradas e, amiúde,
inconsequentes em torno de uma realidade e, simultaneamente, de miscigenação, equiparável a outra que não apenas com o
(POLÍTICOS E CULTURAIS) um desígnio1 em contramão com o militantismo pós-colonial ou de colonizador3, os povos de cada um dos Estados são diversos,
têm histórias singulares e não derivam da produção genésica dos
DE UMA COMUNIDADE IMPROVÁVEL? reivindicação (tendencialmente essencialista) das irredutibilidades
identitárias e culturais dos ex-colonizados. A lusofonia respeita a um Portugueses, nem, sobretudo, de uma história pautada pelos
dado linguístico mas, ao mesmo tempo, parece referir-se a mais do Portugueses. Com isto, não se nega nem a história nem a partilha
que isso, sem que se saiba ao certo do que se fala. diferenciada de traços culturais comuns.
Distanciando-nos embora das visões que unilateral e Por isto, parece-nos despropositado rotular depreciativamente
enviesadamente enfatizam os equívocos, convirá preservar de resquício luso-tropicalista qualquer expressão de afinidade com
Augusto Nascimento um escrutínio crítico sobre a lusofonia. Desde logo, em vez de populações falantes da língua portuguesa. Na verdade, a propensão
metanarrativas sobre a identidade lusófona e de crenças em laços
Instituto de Investigação Científica Tropical indissolúveis, que frequentemente não servem senão para justificar 2 Para além dos erros no domínio do conhecimento, no plano político fechar-se-ia a porta a
Portugal a passividade, importará ter ideias claras, entre elas, a de que a Estados que manifestam apetência por confluir para a CPLP e para a lusofonia. Podendo
configurar uma aparente fidelidade à história e à língua, a rejeição de outros membros na
lusofonia não se poderá ancorar na ideia de uma etnogénese lusofonia significaria, também, a adopção de uma versão histórica etnocêntrica, uma apro-
priação indevida da língua – que há muito já não é só dos Portugueses – e, mais relevante,
uma alienação de possibilidades face às mudanças no mundo.
3 À miscigenação com o colonizador juntem-se os processos de miscigenação intra-
africana. Se faltassem outras razões (bem mais ponderosas, aliás), os múltiplos processos
1 Há anos, a CPLP não era considerada uma impossibilidade, por exemplo, por CAHEN, que,
de miscigenação deveriam suster as declarações de autenticidade em que alguns tentam
contudo, sublinhava a necessidade de vontade política, cf. 1997:428.
estribar a sua proeminência face aos seus concidadãos.

190 191
para o contacto com os países lusófonos, facilitada pela língua, por Em torno da âncora institucional, supostamente neo-coloniais5 inerentes ao projecto da lusofonia. da lusofonia) era algo de incerto6. Assim o indiciavam as difíceis
memórias dos progenitores ou, mais improvavelmente, pelo convívio Embora adivinhada por analogia com a construção de outras relações entre Portugal e as ex-colónias nos anos seguintes
actual em função de trajectórias migrantes ou transnacionais, não a CPLP organizações de países parentes, a CPLP (ou a institucionalização às independências ocorridas numa conjuntura de radicalismo
tem de ser pronta e inapropriadamente alvo de um juízo ético político, os discursos identitários de Portugal e do Brasil referidos
e político relacionado com a contemporização de Freyre face à Apoiado pelo Brasil, Portugal instou outros países a um caminho aos países recém-independentes que apontavam para objectivos
situação colonial e ditatorial no Portugal de há décadas. já trilhado por outras ex-potências e respectivas ex-colónias. não compagináveis7, as resistências africanas derivadas do anti-
Assentes algumas destas ideias, imprescindíveis ao diálogo Removidos os óbices, os propósitos políticos da CPLP foram colonialismo na lida com a ex-metrópole8 e, ainda, os complexos do
crucial para a lusofonia enquanto projecto, não por serem fundados num sedimento presumidamente igualitário, a língua de colonialismo. Aliás, no momento da criação da CPLP, os discursos
condescendentes mas por reflectirem perspectivas da história todos e de cada um. Ainda assim, tal não estanca o jorro de críticas 5 Para MARGARIDO, laboraria o intento ou “a vontade portuguesa de assegurar o controle dos próprios subscritores foram em grande medida determinados
(tentadamente) descentradas e passíveis de escrutínios cruzados, de quantos denunciam os propósitos paternalistas4, saudosistas e das línguas, das criações literárias e dos países em causa”. A língua permitiria a devolução por questões internas que sobrepujavam o alegado interesse
simbólica aos Portugueses da grandeza de outrora, chegada ao fim com as independências.
pergunta-se o que se pode esperar de uma “realidade” passível de (2000:28 e 53-54). Trata-se de uma visão muito redutora dos eventuais caminhos da
comum, aqui e além desvalorizado. Valerá a pena ter presente este
ser transformada num projecto de comunidade, cujo esteio é a CPLP. lusofonia. lastro histórico para identificar as recidivas políticas e discursivas
Entre os que a abraçam, alguns perceberam que ela tem de ser Sem embargo das incógnitas que o futuro reserva, parece-nos obsessiva a crítica a teori-
zações denotadoras do saudosismo de um passado imperial que foi meteórico. A importân-
um facto político novo, ao passo que outros demandam realizações cia concedida a tais teorizações (supostamente científicas) destoa da menor aceitação que
6 CLARENCE-SMITH aventou a probabilidade da formação de uma comunidade englobando
em tempo para a CPLP não se reduzir a um aparato formal ou de elas têm nos círculos académicos. De certa forma, é como se os críticos dos saudosistas
os novos países africanos, Portugal e o Brasil (1990:232). Ao tempo, esta inferência tributária
conveniência sem conteúdo político, social e económico condizente. precisassem destes, amplificando-os para sobreviver.
das experiências dos casos francês e, sobretudo, inglês terá parecido mecanicista e
Acresce que todos os projectos ou intenções respeitantes à lusofonia acabam liminarmente
A fechar estas considerações introdutórias sobre os resquícios rejeitados, como se estivessem inquinados por reprováveis pulsões hegemónicas. E como se,
improvável. Quer o peso dos agravos do colonialismo, quer a semi-periferização de um país
pobre como Portugal militavam contra tal hipótese, para alguns, de matiz neo-colonial.
de ideologias, que lidam mal com a pluralidade dos processos de com este zelo contra quaisquer intenções em torno da lusofonia e da CPLP, se purificasse o
7 Acerca da progressiva divergência no século XX entre Portugal e Brasil acerca das então
identificação, diga-se que não se pode esperar que instituições mundo de pulsões hegemónicas e de assimetrias de poder.
colónias portuguesas e do entendimento de uma ‘comunidade lusófona’, veja-se MAIA
Seria interessante saber se quem zurze denodamente nos devaneios oníricos portugueses,
como a CPLP criem uma identidade lusófona. Seria diferente se supostamente moldados pela nostalgia do império, zurzirá com igual denodo nas 2009:20 e ss.
da sua actuação, ou da de instituições associadas, resultassem circunstâncias de dominação, também assentes na língua, que inevitavelmente 8 Sem prejuízo da autenticidade dos sentimentos, o anti-colonialismo também tem algo de
melhorias no quotidiano das populações. Parte destas reconheceria acompanharam (e acompanham) os processos de construção nacional ou de instrumental e, podemo-lo imaginar, relativamente a Portugal a sua pujança é em muito
homogeneização do espaço político, económico e cultural nos novos países. A este respeito, ampliada pela fraqueza económica do antigo colonizador (para já não falar dos complexos
as vantagens de uma pertença a um projecto político mínimo mas de são assaz ilustrativas a utilização da língua portuguesa para a expressão de sentimentos de colonialistas cultivados por intelectuais da antiga metrópole). Menciona-se este dado não
efectiva cooperação. Contudo, e sem prejuízo de acções avulsas, fraternidade por Angolanos na Namíbia e, diferentemente, a recusa pelos mesmos Angolanos para qualquer juízo de valor sobre o anti-colonialismo, como qualquer outra expressão política
estamos muito longe de um tal horizonte. de entender e falar essa língua para sacudir a imposição de obrigações e as sujeições matizada pelas conjunturas, mas para referir um dos empecilhos, porventura hoje relativizado,
4 Por entre a resiliência do luso-tropicalismo em Portugal, a CPLP resultaria da adequação do explicadas em português por parte de seus conterrâneos agentes da administração central, que se colocou na caminho da construção de uma organização ou de uma comunidade em
paternalismo à modernidade, cf. CAHEN 1997:428. cf. CARVALHO 1996:76. que, independentemente das divergências, alguns porfiam.

192 193
que, por inércia ou de forma instrumental, podem empecer a ambiente, entre outros, e não no mero interesse ou calculismo11. incidências nos planos de concertação social e de coesão política até a obliterar a língua enquanto facilitador de comunicação14.
construção de uma comunidade em que, ainda que com contributo Em 1998, num evento académico em Maputo, alvitrou-se que o em cada país. Não se reconhece explicitamente essa valia à língua Realidade socialmente entranhada, a lusofonia tem uma via
e interesse desiguais, Estados e segmentos das várias sociedades que unia os povos da CPLP era a democracia. Trata-se de uma comum, nem esta é condição suficiente, mas é inegável que a de valorização nas possibilidades de universalização da cultura
parecem empenhados. declaração de conveniência que presume o apego de povos à partilha de uma língua facilita, senão a coesão social, ao menos a e, simultaneamente, do louvor da diversidade cultural. Diga-
Âncora da lusofonia, a CPLP não tem contiguidade geográfica, democracia. Diga-se, a convergência democrática, com o seu quê identificação com um país. se, a valorização da(s) cultura(s) – e, de caminho, de facetas de
não orbita em torno de um centro hegemónico, nem, em rigor, existiria de conjuntural, brota mais da agenda global do que de um substrato E sem fazer dos habitantes do espaço lusófono indivíduos uma “matriz cultural comum” conquanto forçosamente parcelar –
sem a lusofonia, nos países africanos um legado colonial ralo à data cultural consentâneo com tal orientação política. espiritualmente portugueses, longe disso, a língua portuguesa pode queda por implementar ou, pelo menos, por aprofundar. Mesmo
da independência e que, por ironia da história, ganhou densidade no Nascida de um (presumido) lastro histórico, a CPLP apoia-se no propiciar identificações, que não têm sequer de roçar o saudosismo que o Auto de Floripes tenha iludido quem se quis iludir quanto
pós-independência. No plano das relações internacionais, a CPLP quesito da língua oficial e numa declaração de princípios relativa de outros tempos. Pode facilitar o diálogo no domínio cultural e, à partilha cultural entre colonos e ilhéus do Príncipe, não será de
pode até retirar vantagens da concertação de uma heterogeneidade aos direitos humanos e à governação democrática12, o que, se mais especificamente, a troca de conhecimentos13. Todavia, por registar a representação anual deste auto com séculos que até hoje
quase extrema, porquanto9. efectivamente observado nos vários Estados, já não seria pouco. vezes articulado com visões instrumentais acerca da interacção os principenses sentem como seu? Note-se que a “matriz cultural
À primeira vista, parece difícil perceber que traço comum pode As populações valorizarão de forma diferente esses quesitos que, grupal, um (in)consciente estado de negação leva a subalternizar ou comum” é, a um tempo, fragmentária, mas, também, algo de
unir tais países, dos quais, decerto, muitos esperarão trajectórias em todo o caso, são relevantes para a interacção com outros povos mais profundo do que a aludida performance ou outros artefactos
divergentes10. Para alguns, o horizonte da CPLP há-de convergir e para a projecção dos seus traços culturais, para já não falar das culturais.
nos ideais de democracia, de justiça social e de defesa do meio Na realidade, uma visão tendencialmente estática e veladamente
essencialista das culturas de cada país não ajuda a clarificar as
11 Na realidade, mesmo quando não se fale em calculismo, as contingências da governação questões relativas a uma matriz cultural (parcelarmente) comum.
9 Entre os oito países dispersos conta-se uma potência emergente, uma liderança regional e e a força dos interesses podem relativizar, e muito, a força dos ideais, de alguma forma logo Para a caracterizar seria necessário balizar o período histórico
um país micro-insular de potencial valia estratégica. Veja-se uma descrição dos interesses desmentidos pelas hesitações no tocante a Timor-Leste, cf. CAHEN 1997; veja-se também 13 Neste particular, importará arredar qualquer paternalismo herdeiro da ideia de uma
estratégicos e/ou dos condicionalismos internos dos vários Estados perante a CPLP, LEONARD 1999:440. experiência portuguesa na construção de mundos sociais nos trópicos. De outra época, esse
entrelaçados, no caso dos africanos, com a discussão da identidade nacional, em CAHEN 12 A CPLP nasceu na década das democratizações em África e não só. Por isso, foi mais fácil saber não tem mais valia senão como repositório. Mesmo actualizado, o saber produzido em
1997; acerca do curso do conceito estratégico nacional brasileiro, ver MOREIRA 1996:5-6. inscrever este desígnio nos seus estatutos. Recentemente, em Luanda, eles foram objecto Portugal constitui uma perspectiva porventura válida, mas não necessariamente pertinente 14 Há anos, em Maputo, vi universitários brasileiros deslumbrados com a circunstância de
10 Em tempos, colocou-se idêntica dúvida em relação aos Cinco, uma união ideológica e de um primeiro teste com a candidatura da Guiné Equatorial a membro de pleno direito. A em toda a sua extensão. sentirem em casa. Assinalaram pontos de contacto no quotidiano moçambicano e brasileiro,
política aparentemente mais sólida mas que findou com a vaga democratizante da década questão da língua terá pesado menos do que a situação da governação no arquipélago. Na verdade, a lusofonia pode induzir um discurso autista pelo qual os Portugueses referindo, por exemplo, o uso pelos moçambicanos de havaianas. Afinal, ao contrário das
de 1990. De resto, já antes se aventara que, a par de medidas solidárias, essa união, Resta saber até quando os princípios prevalecerão, se mutações políticas não estilhaçarão retocam a sua imagem, pagando tributo a uma visão esclerosada da sua história, a visões suposições, as havaianas eram importadas, não do Brasil, mas de um país asiático. Afora
solenemente actualizada em cimeiras anuais, ficava muito aquém dos seus objectivos. a CPLP ou se não renascerá a teoria das relações dos Estados independentes da natureza ultrapassadas ainda que gratificantes para a memória cultivada desde os anos 60. A persistir, este equívoco e as similitudes efectivamente observáveis entre o quotidiano do Maputo de
Relembrava-se a irmandade da luta de libertação mas, afora as boas relações pessoais dos dos regimes. Nestas circunstâncias, a CPLP poderia sobreviver como uma organização mas este condicionalismo afunilaria o espaço da produção científica portuguesa. Mas um olhar cimento e o de cidades brasileiras, assinalo o facto de ninguém citar a língua – quiçá por ser
governantes e algumas relações bilaterais intensas, o nível de relacionamento dos povos foi sem ligação aos indivíduos. A democracia é importante para o aprofundamento dos laços atento à produção científica portuguesa, mormente à histórica, evidencia à saciedade o a do colonizador – como condição primeira para a sensação de se estar em casa, diga-se,
sempre diminuto, exceptuando-se o que se prendia com os processos migratórios. políticos, sociais e culturais entre as pessoas. distanciamento operado face ao etnocentrismo de outrora. também devida à afabilidade do comum dos moçambicanos.

194 195
relevante para essa partilha de valores e não falar, por exemplo, A história, parcelarmente comum aos vários povos16, parece com as integrações de recorte regional17. Porém, tal advém mais pessoas parece fundamental para majorar a circulação de bens
de quinhentos anos de colonialismo. Ora, tal inventário crítico do esfumar-se perante a aceleração das mudanças no mundo, as quais das mutações por que passam as sociedades do que da índole dos e ideias. Para a aproximação de povos e de indivíduos e para a
património cultural dos povos não está sequer esboçado para turvam as memórias e acentuam os vectores centrífugos no espaço contactos, tanto para quanto para o mal, num passado mais ou actualização do laço lusófono18, mormente no plano cultural, a
vários países e, menos ainda, para o que estes preservam como de língua portuguesa. A despeito da amiudada alusão à história menos remoto. facilitação da circulação seria infinitamente mais profícua do que a
legado de uma presença colonial que, mais ou menos superficial, comum, as inserções regionais parecem bem mais poderosas na Relembre-se, para parte da população dos vários países, a miríade de discursos sobre a história comum.
deixou marcas, evidentemente, sujeitas à corrosão do tempo e das modelação das sociedades do que o (invocado) laço lusófono. Na CPLP é desconhecida, quadro que seria diferente se da constituição Lembre-se, os registos políticos não podem ser avaliados como
mudanças recentes. realidade, este não pode competir com a lealdade e a afectividade da da organização decorressem vantagens para os indivíduos. se se tratasse de proposições analíticas. A acção política vale-se
Pragmaticamente, cumpriria valorizar a língua, tornando-a um quase imperiosa identificação nacional e, tão pouco, ousa concorrer Assoberbados com tarefas prementes e rendidos a imperativos de motes e de imagens mais ou menos familiares sobre factos
instrumento de troca de saber e de criação artística e, bem assim, políticos e ideológicos díspares, os Estados não investem na passados, de resto, de uma valoração assaz diferenciada. A política
de acesso ao mundo. Simultaneamente, importaria nunca repousar facilitação da circulação. Portanto, estamos longe da liberdade de ensaia inventar realidades a partir de conhecimentos e de vivências
na ideia de que a língua cria uma identidade comum. Como é lógico, circulação de pessoas, uma meta almejada desde praticamente a e recorre a palavras e a imagens que quase inevitavelmente
o mesmo raciocínio aplica-se à história e, mais ainda, se esta não for criação da CPLP mas não alcançada até hoje. Premissa de uma conterão deturpações, ressignificações, colorações, umas mais
actualizada por vivências no presente. Em todo o caso, à margem comunidade e até alvitrada por alguns políticos, a circulação de realistas e voltadas para as possibilidades futuras, outras tributárias
das “responsabilidades históricas” esgrimidas pelos políticos em de perspectivas antiquadas. Tal vale para a lusofonia como para
variadas ocasiões, esse lastro histórico merece ser escrutinado no qualquer desígnio colectivo, como, por exemplo, o actual combate à
sentido de potenciar realizações, mormente no plano cultural e do 17 Significativamente, também as inserções regionais colidem, aqui e além, com a identificação pobreza. Independentemente dos equívocos e das susceptibilidades,
com a nação e, às vezes, são desconcertantemente contraditadas por conflitos
conhecimento15. desencadeados por segmentos populacionais que, alheados dos convénios políticos,
que o curso do tempo também vai relativizando, não se pode avaliar
enveredam pela violência xenófoba. Tais colisões suscitam uma abordagem como que o projecto – se o há – da lusofonia pelos posicionamentos face aos
condescendente da parte dos intelectuais, que salientam a culpa dos políticos por não lemas (e aos modismos) em voga no espaço público.
fazerem as populações cientes dos seus interesses ou afinidades.
Se este argumento é parcialmente válido na medida em que entre os desígnios da
governação e as pressões do quotidiano inevitavelmente subsistirá algum desfasamento,
16 Por vezes, o rasto histórico revela-se bem mais imbricado e surpreendente do que à primeira também cumpre lembrar que, no tocante a afinidades, por vezes elas são presumidas pelos 18 Sem embargo da discordância face a pressupostos de Alfredo MARGARIDO, certas das
vista se supõe. É assaz interessante o percurso de chineses que viveram em Moçambique governantes quando não existem (por não serem sentidas pelas populações), ao passo que, suas enunciações têm um valor de interpelação que nos acautela contra atitudes fundadas
na era colonial e que, em razão da independência, rumaram a Curitiba (MACAGNO em resultado da militância pós-colonial, se abafam as sentidas (porque relembradas) para num etnocentrismo indutor de sobranceria moral ou de auto-comprazimento prejudicial a um
2010), seguindo, afinal, as pisadas da história da expansão portuguesa. Diferentemente, conformar a “identidade” com os desígnios políticos saídos das independências ou, mais efectivo conhecimento mútuo. Entre essas enunciações, registe-se a que remete para um
15 Segundo alguns, o intento de Portugal e do Brasil de “culturalizar” o discurso sobre a CPLP cabo-verdianos nos EUA perderam-se para a lusofonia, do mesmo modo que muitos dos recentemente, dos rearranjos económicos e sociais. “espaço lusófono” que, dependendo da língua, também se ligaria a uma “história comum”
seria um factor de exasperação dos Africanos que preferiam mais pragmatismo (CAHEN descendentes de emigrantes portugueses tão pouco se reconhecem nessa pertença, para Abre-se, aqui, um campo de reflexão sobre a manipulação da história, das memórias e dos (2000:12-13) de que decorreriam hierarquizações políticas e culturais. Na verdade, a história
1997:414-415) e menos ideologia e retórica. eles irrelevante. processos de identificação em função dos desígnios políticos. não legitima hieraquizações políticas ou culturais.

196 197
Em contrapartida, a maior crítica talvez deva incidir na económicas, de devaneios oníricos19 relativos à ascendência Apesar da sua crescente importância económica e política na promoção da língua comum23, mesmo se alguns esforços são
inconsequência de propósitos. Por vezes, nos fóruns diplomáticos, cultural20, formal e substantivamente a CPLP e os desígnios em em termos internacionais e no seio de cada país21, a língua não empreendidos na adopção do português como língua de trabalho
parece que não se quer ir além das palavras e de costumeiros actos torno da lusofonia emanam da língua. A língua basta? basta como cimento da lusofonia. Tal não desmente o facto de, nos fora internacionais.
de auto-comprazimento. Tal indicia a falta de reflexividade e a pouca à semelhança das diásporas, a língua proporcionar a cada país a À lusofonia falta a amplificação mediática e o desdobramento
ambição na implementação de conteúdos políticos, económicos, possibilidade de alargamento da sua projecção cultural e simbólica político e social da arquitectura institucional. Afinal, a própria CPLP
sociais e culturais. para além das fronteiras físicas. Mais do que a primeira página do tende a rejeitar a sua identificação com a lusofonia, mesmo se, à
19 Parte das críticas ao projecto da CPLP atém-se ao facto de ele representar para os
Portugueses, ou para parte destes, uma espécie de perpetuação (simbólica) da hegemonia
Público alusiva à morte de Malangatana, velado no Mosteiros dos vista de todos, elas aparecem como que inextricáveis. Sem a CPLP,
Jerónimos, é a receptividade da criação literária de autores africanos a lusofonia atomiza-se e perde força política e social. Cingida à
O impulso institucional às criações passada ou da sua influência no mundo, qual versão actual de um paralisante saudosismo.
Provavelmente encontraremos expressões desta paralisia, mas cumpre restituí-las à sua em Portugal e no Brasil que comprova esse excesso das fronteiras esfera institucional, a CPLP alienará a sua razão de ser. A CPLP
culturais dimensão social e política. Logo, é difícil secundar as críticas à valia do projecto da CPLP ou
da lusofonia em função, não dos seus méritos ou deméritos, mas da imaginada recidiva de
culturais sobre as territoriais facultado pela língua22. Contudo, tem de replicar-se numa lusofonia que, para além dos mais díspares
um serôdio espírito português no trato com as ex-colónias, uma espécie de canga da qual, desprezando a sua eventual valia, os Estados não se mobilizam e controversos investimentos ideológicos, políticos e afectivos,
É mister afastar as perspectivas essencialistas dos discursos
para glória dos críticos, os (demais) Portugueses não estariam em condições de se libertar. não se pode confirmar apenas por realizações ocasionais ou pela
Parece-me mais racional e equilibrada a abordagem de CAHEN – baseada na inventariação
sobre a CPLP e a lusofonia focadas na história ou na língua e, crítica dos pronunciamentos dos políticos –, mesmo se não partilho da ideia de que a CPLP
valorização da língua nas organizações internacionais.
diferentemente, valorizar as criações culturais. A lusofonia tão- seria um bálsamo para a inquietação com os efeitos corrosivos da integração europeia na A construção da CPLP e da lusofonia será sempre complexa
pouco tem de ser uma síntese, importando, sobretudo, que seja um
identidade nacional de um país irreconciliado com a sua pequenez (1997:397). Apesar do e morosa pela extrema heterogeneidade no plano cultural, facto
sugestivo da proposição, tenho dúvidas relativamente a dramáticas fissuras na identidade
espaço de trocas culturais indutoras, ou não, de novas criações. nacional. Ao invés, realço o prosaico como o determinante das opções do dia-a-dia (como
que, a priori, nega qualquer identidade lusófona, diga-se, uma
Logo, impõe-se a aposta na criação e difusão da pluralidade das o demonstra a procura de Angola como destino de vida de Portugueses, afinal de contas, inoportuna essencialização a partir de noções historicamente
não muito anos volvidos sobre a fase da crispação subsequente à independência), até pela 21 Para o caso do Brasil, veja-se a argumentação de CAHEN quanto ao peso da língua na
culturas dos povos hoje lusófonos. falta de políticos que aliem a ambição visionária à delineação clara de cenários e de escolhas aceitação da CPLP (1997:398). De alguma forma, as suas considerações podem aplicar-se a
Até pela diversidade da configuração da criação e da difusão futuras em termos relevantes para o comum das pessoas. outros Estados onde a língua foi relevante para a construção de uma identidade nacional, por
cultural no mundo de hoje, eventuais intentos de predominância 20 É possível que algum saudosismo da afirmação seja vertido no intento de prolongamento vezes sobre a memória de conflitos internos claramente etnicizados.

cultural são patéticos. Ao arrepio de pulsões políticas, de relações da influência portuguesa de outrora num espaço dito lusófono, dando razão aos críticos 22 MOREIRA elege a língua como factor de “defesa da identidade do grupo” e de cada país,
da lusofonia. Alguns rebaterão veementemente a idealização de uma fronteira cultural de de “fortalecimento das capacidades para negociar interdependências justas, da liberdade de 23 Ao invés do pronunciamento de MOREIRA e, creio, sem incorrer numa grosseira injustiça,
Portugal alargada aos antigos territórios coloniais (MOREIRA 1999:284 e 287). Pode ser acesso aos centros de investigação, ensino e apoio ao desenvolvimento, da preservação da o Instituto Internacional de Língua Portuguesa não se tem revelado como “uma pedra
um desígnio do autor, mas não parece que se possa falar de uma fronteira cultural no soberania possível, mas não menos, que dá conteúdo às independências do nosso tempo” fundamental” (1996:11), antes denota uma contumaz inconsequência da aposta política na
sentido em que, dentro dela, exista homogeneidade cultural relacionada com a projecção da (1996:11). Seria interessante que assim fosse, ao menos na produção do conhecimento, língua. Se a sobrevivência e a afirmação da língua dependessem do IILP, ela teria fenecido há
portugalidade, qual núcleo da lusofonia. A admitir tal desígnio, ele nunca se materializará sem mas, justamente, o fosso entre este tipo de enunciações e um efectivo compromisso político muito. Há anos que o IILP, criado pelo conjunto dos Estados, se debate com a escassez (diria
movimentos recíprocos, entre eles, o da extensão das fronteiras culturais africanas, brasileiras é uma das razões que tem levado a desvalorizar o peso da língua como argamassa da até, penúria) de meios financeiros para desenvolver acções de projecção da língua, cf., por
e timorenses ao espaço português. comunidade e da lusofonia. exemplo, Repórter, RTP África, 18 de Outubro de 2010.

198 199
vazias. Com efeito, forçar uma identidade lusófona24 constitui um dos derradeiros anos. Foram-se esbatendo, mudando e adaptando, têm de ser confundidas com um serôdio saudosismo. Seja como for, Cumpre evitar esta ilusão27 e responder com acções palpáveis à
passo num terreno pantanoso, um passadismo serôdio avesso ao estando, nalguns casos, a ser recriadas numa lógica de mostra tais acções não só não bastam, como podem conferir uma ideia de seguinte questão: como transformar as enunciações vagas em
compromisso em metas comuns. Ao invés, podemos admitir (e, cultural. Seja como for, dir-se-á que, mercê da sua resiliência, avanço desfasada da realidade e distante de eventuais desígnios em políticas consistentes e cruciais para a criação de um espaço
até pelo conhecimento ou pelas migrações, cultivar) identificações elas ainda resistem à homogeneização do tecido social e cultural. torno da lusofonia. Por outras palavras, prevalece uma espécie de lusófono?
cruzadas relativamente a traços culturais de países lusófonos. Em contrapartida, é igualmente verdade que acentuam dinâmicas ilusão perniciosa sobre a concretização da lusofonia. Especialmente A este espaço tem de subjazer uma definição política e
Como dissemos, a edificação da CPLP e da lusofonia são centrífugas. Se, por um lado, se enriquece o repositório dos países nos meios políticos, considera-se a lusofonia realizada por, no fundo, institucional, mesmo se minimalista, e um respaldo social. A
matéria de decisão política baseada no interesse que cada Estado lusófonos, por outro, poderão aumentar as distâncias entre os já existir, não carecendo, por isso, de ser equcionada e concretizada. lusofonia não se afirma sem o impulso dos Estados e da respectiva
encontre na consociação num espaço político heterogéneo mas indivíduos do espaço lusófono. Por razões várias, de que se realça uma cultura institucional pobre organização, a CPLP, a quem caberá conferir densidade social
com virtualidades políticas. Os ganhos políticos serão tanto maiores Compaginar as oportunidades do revivalismo das identidades e pouco exigente, tende-se a confundir a retórica e a rotina com e política à lusofonia, que tem de ser mais do que um plasma
quanto mais respaldados estiverem na permuta enriquecedora das com políticas culturais parece uma via promissora, dependendo das realizações e avanços. Os reparos sobre as dificuldades e a rarefeita linguístico em mutação determinada pelas circunstâncias históricas.
diferenças culturais. Se politicamente valorizado, esse intercâmbio vontades políticas em apostar na criação de um mercado cultural no aposta na criação de um espaço lusófono26 são rebatidos com o À língua comum deveriam acrescer políticas comuns, por exemplo,
terá de ser materialmente suportado pelas instituições. espaço lusófono. Porém, de forma realista e a bem da consecução argumento de que os alvitres conhecerão uma realização apropriada de intercâmbio cultural.
Actualmente, valorizam-se a pluralidade e a diversidade dos propósitos políticos e culturais, deve reconhecer-se a no futuro. Na esteira da percepção de que as instituições criam um No plano cultural, crucial para Estados e povos, ao invés das
culturais e louva-se o arraigamento local das identidades. Diga-se, dificuldade de criação de um tal mercado quando a nível económico sentido de comunidade para aqueles que por elas são abarcados, proclamações voluntaristas ou crédulas, a lusofonia não se sustenta
esta valorização nem sempre foi positiva, mormente aquando da mais geral ele está por construir25 e, mais, quando se antevê que dir-se-ia que o optimismo advém do rasto da inércia institucional. apenas escorada numa língua e, menos ainda, num passado
prevalência de engajamentos políticos avessos à heterogeneidade as integrações regionais e os factores conjunturais laborarão no histórico, por inércia e circunstância dito “comum”. Na verdade,
cultural. Com o seu quê de resiliência, certas mundividências sentido de minimizar a influência de laços económicos do passado. por si só, este passado não gera sentimentos partilhados, seja
ajudaram a resistir às violências associadas aos conflitos armados Podendo representar concretizações louváveis de um pelo desconhecimento prevalecente, seja pelos enviesamentos
e ao voluntarismo transformista de dirigentes revolucionários. empenhamento lusófono, as acções de cooperação e os laços
Todavia, parecem resistir menos às mudanças sociais e culturais tecidos pelos sujeitos não bastam. Algumas delas, voluntariosas
mas erráticas ou inconsequentes, decorrem de vontades, que não 27 “Se, num prazo razoável, a CPLP não conseguir definir conteúdos nem conduzir a resultados
concretos, de ordem material ou política, os sucessivos encontros e cimeiras redundarão
24 Entre as dissecações lúcidas de equívocs a tal respeito, cite-se a de CAHEN 1997:392. em circunlóquios inúteis e o projecto esboroar-se-á sem glória…”, cf. TORRES e FERREIRA
Os limites do olhar crítico, como o de CAHEN, poderão residir em tomar literalmente aquilo 2001:37.
que tem uma função de criação no domínio da política (razão pela qual me parece ociosa 25 Entre várias caracterizações neste sentido, veja-se a de TORRES e FERREIRA (2001). 26 Não rejeito liminarmente a ideia de que haja traços comuns nas memórias ou nas vivências Dito de outro modo, se em política as palavras em podem ter um efeito criativo, também
a crítica a lemas políticos em virtude do seu desfasamento face à realidade analiticamente Não existe um comércio significativo entre os países da CPLP, conquanto algumas trocas (MARTINS 2004), mas importa ter a noção do rompimento desses laços, tão mais acelerado podem sancionar o auto-comprazimento estéril com a aparência destituída de conteúdo,
dissecada pelos intelectuais). As imagens da política, podendo corresponder a mistificações, comerciais, contrariando as desvantagens geográficas e os óbices económicos, continuem a quanto não forem cerzidos por políticas que os reactualizem e lhes confiram um sentido quando não dúplice porque reservado quanto à convicção da inutilidade dos propósitos
poderão, ainda assim, ter efeitos positivos. seguir o trilho da história. actual. O denodo e a consequência da acção das instituições são cruciais. apregoados.

200 201
das diversas interpretações históricas do passado que, tendo sido O conhecimento pode gerar a compreensão das diferenças o da difícil motivação de sujeitos atomizados para a partilha cultural Estes são alguns dos contornos do ralo enraizamento social e
conjunto, também foi de conflitos. na medida em que restitui valia às diferenças30. Hoje, perante com indivíduos de lugares longínquos e cada vez mais remotos. do menor empenho político na lusofonia. Para além da percepção
Avessos a estes considerandos, os Estados podem optar por propostas culturais diversas, o conhecimento é uma aposta crucial Superar esta dinâmica (que, embora com diferenças qualitativas, do lastro histórico na preservação de laços variados, económicos
não intervir no plano cultural. Oportunas justificações de ocasião, por favorecer a compreensão e o sentimento de inclusão (no limite, se coloca também no tocante às sínteses nacionais como, por e outros, a questão reside em saber se se operará uma mudança
mais coladas à realidade ou mais ideológicas, podem conjugar-se de interacção mínima), ajudando a diminuir as distâncias e a acolher exemplo, a angolanidade e a moçambicanidade) é um desafio que em virtude de uma acção decidida na promoção conjunta de veios
com a convicção de que ao foro político pouco interessa a tessitura a alteridade. demanda, para além de saber, políticas que devolvam pertenças aos culturais ou se, também no campo cultural, se assistirá apenas ao
de uma cultura partilhada – apesar de tão invocada como esteio da Tal tornou-se actual pelas diásporas. Com efeito, a par do papel dos indivíduos. efeito de inércia do laço histórico. A resposta não se encontra no
comunidade –, bastando, para os objectivos políticos, a língua28. Estados, cumpre lembrar o das diásporas que, independentemente As atitudes dos vários segmentos sociais relativamente à campo cultural mas no das decisões políticas31.
Em abstracto, a estrita concertação político-diplomática não carece da valia que se lhes conceda, estão aí a reactualizar a lusofonia. Não lusofonia diferem. Muitos dos indivíduos do espaço oficialmente Em países em transição política e em fase de desenvolvimento, a
do enraizamento social de um sentimento de pertença ou de obstante, motivados pelas mais diversas circunstâncias – desde lusófono, portadores de marcas culturais de diversas civilizações, ponderação do inadiável – e é certo que muito há a fazer no tocante,
afinidade, invocado no acto da criação da CPLP, que se quis uma idiossincrasias grupais até militantismos políticos –, não rareiam os estão alheados da ideia de lusofonia. E, pergunta-se, por que razão por exemplo, aos Objectivos do Milénio – pode justificar a demissão
comunidade29 e não uma organização. Em todo o caso, a opinião casos de preconceitos recíprocos entre diásporas e sociedades de se interessariam pelo conhecimento recíproco que não lhes diz do empenho na vertente cultural32. Neste contexto, os Estados
da rua, resultante do grau de aproximação dos povos, também acolhimento. nada ou muito menos do que outros focos próximos de (imediata) encararão as vantagens da promoção de um espaço cultural? Os
tecida pela convivência por via das diásporas ou pelo usufruto e identificação afectiva e úteis na interpretação do quotidiano, da Estados serão secundados por outros actores, criadores e agentes
conhecimento dos produtos culturais de outros, pode revelar-se ordem do mundo e das suas pertenças. Já parte das elites rejeita de difusão cultural?
útil para a concertação política e diplomática, assim como para a
Enraizar a lusofonia laços com o que aparenta provir do ex-colonizador. Em consonância, Uma rotina de encontros de instituições congéneres ou de
essas elites manifestam reticências face a uma comunidade com
extensão de políticas de cooperação. actores afins – como, por exemplo, o são os Jogos da Lusofonia
Quando não corresponda a um artifício retórico para disfarçar propósitos políticos-culturais não definidos por elas e, mais, sem
a incapacidade de delinear objectivos realizáveis, a ideia de uma horizontes para os seus objectivos.
28 Ademais, a aposta na promoção das várias expressões e criações culturais pode ser
comunidade de “afecto” ou, segundo outra formulação, de “uma Sem prejuízo de convenientes e ocas declarações de adesão aos 31 Até por não fundar uma identidade, para as suas realizações a lusofonia há-de carecer
preterida pela aposta no desporto: é mais fácil e emblemático apostar no desporto do que na de maior indução institucional do que, por exemplo, a das meras relações diplomáticas,
produção cultural. unidade de sentimento e de cultura” pode redundar num impasse, desígnios da construção da CPLP e da lusofonia, paira a desconfiança mormente no seio da CPLP.
29 Se cumpre aceitar, tanto aos interessados no projecto da CPLP e da lusofonia como aos ou o desinteresse (até como réplica de um militantismo pós-colonial), 32 Subsequentemente às independências, o mesmo raciocínio foi aplicado à preterição de
seus adversários, alguma pertinência na crítica baseada na distância entre o significado de também atribuíveis ao pouco apelo que o objecto da lusofonia exerce desempenhos culturais em favor de tarefas urgentes como a da satisfação das necessidades
comunidade e as diferenças políticas ou os abismos sociais que a desmentem, importará 30 Na verdade, podendo ser uma fonte de compreensão recíproca, o conhecimento não cria básicas de populações de países que encetavam a chamada construção nacional. Tal
sobre indivíduos e instituições, para já não falar dos que, assoberbados
também lembrar, por um lado, o uso a esmo do termo comunidade nos mais variados necessariamente laços afectivos entre as pessoas. Tal era a presunção, não forçosamente mereceu a indulgência da comunidade científica que, inclusive, carreou argumentos
contextos sem os reparos equivalentes e, por outro, a valia criadora das palavras no exercício verdadeira, de alguns vultos africanos nos anos 30 do século passado. Esta crença não se pelas dificuldades do dia-a-dia, não verbalizam mas intuem a vacuidade para apoiar o que hoje se nos afigura injustificável. Para além da questão de fundo da
da política. Sem embargo, aos interessados fica a oportunidade para a exigência de um comprovou em vista das condições de dominação nas colónias e dado o atraso cultural nas das intenções e dos figurantes de um tal projecto. objectividade do saber social, a avaliação destes casos, como da lusofonia, põe em relevo a
desempenho consonante com as intenções subjacentes à criação da CPLP. colónias e na metrópole. interferência de afectividade e de vários modismos nas proposições analíticas.

202 203
que, de resto, extravasam o espaço das entidades políticas mediadores e consumidores de artefactos e produções culturais. através de uma mostra de artefactos, da criação literária ou de uma sujeitos35. Em todo o caso, o espaço da lusofonia é periférico,
oficialmente lusófonas – pode ir sugerindo uma sensação de Desejavelmente, estas deveriam ser amplamente aceites, para já não performance34, algo de criativo, conquanto referido a identidades, marcado por profundas assimetrias sociais, por privações tendentes
pertença e de cooperação. Mas, sem uma avaliação exigente dos dizer de “massas”, como, por exemplo, sucede com as telenovelas sempre valorizadas de uma perspectiva conjuntural e, neste sentido, à exclusão social e avessas ao consumo e à participação cultural,
passos dados, nem essa rotina se revela particularmente profícua, brasileiras, credoras de um notável contributo na mudança de algo instrumental. mormente de produtos que não entronquem no mainstream da
nem forçosamente distinta de outros fora de troca de experiências costumes em Portugal e em países africanos lusófonos. Não se vislumbra num eventual magma lusófono uma ameaça à cultura cosmopolita. Em tempo de incerteza económica e de
que não o da CPLP ou da lusofonia. A criação e a difusão culturais dependem de um mercado de individualidade ou à identidade (hipótese que, aliás, devia concitar proliferação ad nauseam de produtos culturais, é de supor o
bens culturais33. Mas, para além das dificuldades de alargamento idênticas inquietações relativamente às mutações sociais nos investimento de entidades económicas do espaço lusófono na
do mercado dada a rala cooperação inter-estatal ou a ténue acção processos de homogeneização política e social inerente à construção criação cultural e na sua disseminação? Cremos que não, pelo
Os limites das intervenções no dos agentes culturais, alguns actores tendem a perfilhar uma noção das nações-estado). A lusofonia apresenta-se tão diluída e rala que que se afigura determinante o papel dos Estados que aí poderão
domínio cultural de cultura como algo de irredutível à sua difusão comercial e, pouco pode ameaçar a preservação e afirmação das identidades. materializar o compromisso na lusofonia. Logo, à cooperação inter-
mais ainda, à sua majoração num vasto amálgama lusófono. Esta De resto, num ambiente politicamente aberto, talvez os sujeitos que estatal caberia um papel, por exemplo, no alavancar das iniciativas
São vários os escolhos à intervenção no domínio cultural, a apartação é extensiva aos públicos, numa primeira abordagem supostamente as vivenciam lhes atribuam menos valor do que os económicas36 dirigidas para o mercado de bens culturais.
começar pela sua aparente perda para outras linguagens universais não necessariamente motivados para criações oriundas do espaço intelectuais que as descrevem e analisam. Reais ou imaginadas, Porém, talvez por compor um desígnio que aparentemente se
– como a do desporto – firmemente ancoradas na cultura popular lusófono. Aqui, sim, as diásporas têm um papel, embora não elas as ameaças às identidades brotam menos da tentada arquitectura basta, a lusofonia não é operacionalizada nem termos de métodos,
nos mais recônditos locais. Acrescem a aventada irredutibilidade das constituam necessariamente um factor de reconhecimento recíproco lusófona do que da homogeneização induzida pela mercantilização nem de resultados. Porventura, laborará a convicção de que se trata
manifestações culturais e as dificuldades do intercâmbio cultural. e de integração cultural entre os cidadãos dos países lusófonos. que vai tocando os diversos domínios da vida individual e colectiva. de uma realidade para a qual, acredita-se, todos convergirão em
Para lá da projecção do português como língua de trabalho, Sem aderir a visões maniqueístas entre cultura popular (local ou Seja como for, um mercado – ideia que logo ocorre – parece razão da língua e da história comum. Na verdade, para além da
aparentemente um fito de recorte mais político, a língua pode ser global, rural ou urbana) e cultura erudita (que pode suscitar apostas importante enquanto plataforma de trocas de bens culturais irredutibilidade de expressões culturais que só encontram sentido no
um poderoso multiplicador dos dividendos políticos, simbólicos na dinamização das trocas), cumprirá ter presente que a “cultura” facilmente concretizáveis, por vezes em maior grau do que a de
e materiais de realizações de índole cultural, as quais requerem passível de ser incentivada para efeitos de troca e de partilha não outros bens, podendo, dessa forma, aproximar mais povos e
investimentos de capital relativamente diminutos, seja pela natureza é a da mundividência que pauta o quotidiano, mas a que expõe, 35 Exceptuando, talvez, os casos do Brasil e de Cabo Verde, carece-se de decantações
culturais atractivas no plano comercial, que possam, além disso, sugerir e impulsionar
da actividade, seja pelas facilidades tecnológicas de suporte à criações culturais noutros países, criações igualmente vocacionadas para o intercâmbio sem
difusão cultural. Porém, um dos escolhos (com reflexos culturais) o que a lusofonia não se realizará.

respeita à incapacidade dos Estados na promoção da criação e da 33 Sabendo-se que a economia da produção e circulação dos bens produtos não se assemelha 34 Por exemplo, uma performance que traduza uma visão da condição humana é transponível 36 Entre os economistas que crêem na CPLP ou que vêem nela uma janela de oportunidade, o
à dos demais bens, conquanto não possa ser oposta, pergunta-se: podemos aspirar a um para outros contextos? Uns dirão que é realizável em termos estéticos ainda que com desconforto ainda é maior do que entre os que privilegiam os planos político, cívico e cultural
circulação da produção cultural no espaço lusófono (que, escorado mercado lusófono com implicações benéficas para a criação e também para a viabilidade de redução do respectivo significado. Já outros aventarão que uma performance em contextos como domínios preferenciais de um espaço comum. Economicamente, as trocas intra-CPLP
na CPLP, a pode extravasar) definido pelas relações entre criadores, projectos e empresas culturais? diferentes lhe acrescenta valor. são irrelevantes.

204 205
contexto local (por vezes, nem sequer no nacional) e do alheamento supostamente existente em função da história ou, mesmo, da políticos e civilizacionais facilitadores do diálogo e das trocas
dos actores relativamente às possibilidades da lusofonia, acresce língua, a CPLP e a lusofonia definharão, ao menos em termos culturais nos vários espaços de integração, concretamente, no da
o desinteresse dos Estados e a falta de políticas. Talvez a crítica relativos. Não obstante, podem ser interessantes enquanto projecto, CPLP ou da lusofonia. Qual será, então, o mínimo denominador
certeira se deva dirigir, não aos afloramentos de ideologias viradas desde que haja vontade política na respectiva construção e no comum das sociedades da CPLP? Que valores podemos elencar
para a reinterpretação do passado, mas à falta de uma definição consequente empenho de meios, tarefa para que será crucial a como fasquia mínima de um relacionamento que nos auxilie
de objectivos e de políticas. Por outras palavras, de um ponto de consciencialização da diversidade dos objectivos e das dinâmicas mutuamente nos desempenhos cívicos e políticos como condição
vista pragmático ou voluntarista relativamente à lusofonia, o que políticas e económicas de cada país. do desenvolvimento humano?
merece críticas é menos o ela ser um cadinho ideológico antiquado Afigura-se rotundamente errónea a idealização de uma cultura Mencionemos, por exemplo, o reconhecimento das múltiplas
do que uma espécie de porto de abrigo para a inépcia em matéria ou identidade lusófona, donde não se deve concluir pela menor identidades de pessoas e de sociedades como uma fonte de
de cooperação cultural, afinal de contas, como que expectável e importância de instrumentos facilitadores da comunicação e da enriquecimento individual e colectivo. Tal é um facto cultural da
desculpável por se tratar de relacionamento entre lusófonos. promoção conjunta das culturas e de valores como, por exemplo, nossa contemporaneidade. Ademais, no âmbito da CPLP e da
a liberdade de circulação do cidadão lusófono. Sem instrumentos lusofonia, se à valia de trocas culturais se pudesse somar um
Notas conclusivas institucionais deste tipo, a lusofonia será uma herança a que os sentimento de irmandade resultante da capacidade de melhor
indivíduos poderão ser cada vez mais indiferentes, mesmo se interpretar conjuntamente o mundo e a vida em função do uso da
falantes do português. mesma língua e, por exemplo, da circulação de pessoas, então, a
Restam mais interrogações do que respostas.
A afirmação da lusofonia depende da capacidade de acção Mesmo que a CPLP (e a lusofonia) não atinjam a plenitude de lusofonia equivaleria a um valor acrescentado para quantos dela se
da CPLP na relativização das suas fronteiras internas, que não um ideal, tão pouco a condição de entidades responsáveis pelos pudessem reclamar.
devem reproduzir as associadas ao passado colonial (por exemplo, laços de afinidade – por exemplo, propulsionados pelas vidas
qualquer disputa de primazia simbólica ou política, mesmo se apenas transnacionais e pelas memórias, mesmo se dissonantes, sobre
entrelida, desacredita a CPLP e a lusofonia enquanto projecto). Se a factualidade passada –, opinaria, com outros, que a CPLP e a
é certo que as assimetrias não são susceptíveis de supressão por lusofonia não são uma impossibilidade. Esta assunção não equivale
via da acção da instituição CPLP, antes radicam no percurso dos necessariamente a uma concessão a ideários datados.
países, nem por isso a CPLP se deve demitir de aplanar barreiras Actualmente, às trocas culturais subjaz a questão da partilha de
internas. O domínio cultural é um campo particularmente propício e valores. À margem de ponderações sobre legados civilizacionais,
vantajoso para essa actuação. antes fazendo fé num projecto de modernidade atinente à dignidade
Somente referidas ao passado e, mais ainda, a uma identidade humana e a uma ética cosmopolita, põe-se a questão dos valores

206 207
MAIA, Ana Clarissa Bernardino, 2009, “Uma recorrente comunidade lusófona:
Bibliografia percepções jornalísticas brasileiras e portuguesas acerca do processo de
gestação e de formalização da CPLP (1989-1997)” in http://repositorio.bce.unb.
br/bitstream/10482/3902/1/2009_AnaClarissaBernardinoMaia.pdf, acesso: 28 de
ALEXANDRE, Valentim, 2000, Velho Brasil / Novas Africas – Portugal e o Império Dezembro de 2010
(1808-1975), Porto, Afrontamento
MARGARIDO, Alfredo, 2000, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos
ANDERSON, Benedict, 1991, Imagined Communities. Reflections on the Origin and Portugueses, Lisboa, Edições Universitárias Lusófonas
Spread of Nationalism, Londres, Verso
MARTINS, Moisés de Lemos, 2004, “Lusofonia e luso-tropicalismo. Equívocos e
CAHEN, Michel, 1997, “Des Caravelles pour le Futur? Discours Politique et Idéologie possibilidades de dois conceitos hiper-identitários” in http://repositorium.sdum.
dans l’Institutionalisation de la CPLP”, Lusotopie 1997, Paris, pp.391-433 uminho.pt/bitstream/1822/1075/1/mmartins_LusotropiLusofonia_2004.pdf, acesso:
28 de Dezembro de 2010
CARVALHO, Ruy Duarte de, 1996, “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,
pela tangente” in Política Internacional, vol.1, nº13, Lisboa, pp.73-82 MELO, José Marques, 2010, “Síndrome da parentela geopolítica: os impasses da
lusofonia no mundo globalizado” in http://revcom.portcom.intercom.org.br/index.
CLARENCE-SMITH, 1990, O terceiro império português, Lisboa, Teorema php/rbcc/article/viewFile/6221/5443, acesso: 28 de Dezembro de 2010

FERNANDES, Gabriel, 2006, Em busca da nação. Notas para uma reinterpretação MOREIRA, Adriano, 1996, “A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa” in
do Cabo Verde crioulo, Praia, IBNL Política Internacional, vol.1, nº13, Lisboa, pp.5-12

LEONARD, Yves, 1999, “As ligações a África e ao Brasil” in BETHENCOURT e _____ 1999, “Fronteiras: do império à União Europeia” in BRITO, J. M. Brandão de
(coord.), Do marcelismo ao fim do império, Círculo de Leitores, pp.269-289
CHAUDHURI (dir.), História da Expansão Portuguesa, vol.5, Círculo de Leitores, NASCIMENTO, Augusto, 2007, “A lusofonia para além dos afectos e dos adornos:
pp.421-441 as premissas de um (possível) saber partilhado” in Relações Internacionais nº15,
Setembro de 2007, Lisboa, IPRI-UNL, pp.125-132
LOURENÇO, Eduardo, 1999, A nau de Ícaro. Imagem e miragem da Lusofonia,
Lisboa, Gradiva _____ 2009, “Lusofonia, que perspectivas culturais?” in http://cvc.instituto-camoes.
pt/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=934&Itemid=69
MACAGNO, Lorenzo, 2010, “Os ‘bons portugueses’ do Atlético Chinês: desporto TORRES, Adelino e FERREIRA, Manuel Ennes, 2001, A Comunidade dos Países de
e fotografia no Moçambique tardo-colonial”, comunicação apresentada no CIEA7, Língua Portuguesa no contexto da globalização: problemas e perspectivas, http://
organizado em Lisboa pelo CEA/ISCTE-IUL www.adelinotorres.com/trabalhos.htm, acesso: 26 de Dezembro de 2010

208 209
INTRODUÇÃO para as commodities, mas sem propostas por mudanças estruturais
capazes de corrigir a exploração no sistema internacional.
Na seqüencia da reflexão, o segundo bloco ressalta as
Agrupado em dois blocos, no primeiro o texto salienta que, três
encruzilhadas da lusofonia nas relações internacionais e mostra a
séculos depois da desventura cule iniciada nos idos 1700, poucos
ascensão do “resto do mundo” nos mercados. Descreve o peso
imaginavam que o ressurgimento do Império do Centro agitasse tanto
das riquezas que não dão duas safras na balança das prioridades
o mercado das matérias primas. O deslocamento dos tradicionais
comerciais do Império do Meio e explica o apetite do dragão
espaços da produção internacional para dentro da Fábrica do
pelo que está na mesa da Comunidade dos Países de Língua
A LUSOFONIA NAS PARCERIAS ESTRATÉGICAS Mundo, seguido de vigoroso aquecimento econômico derreteu as
grades da jaula do dragão. Esse acontecimento, de forma ou outra
Portuguesa. Comunidade com raízes nos três continentes e ainda
assim, insuficiente explorada na análise das relações internacionais.
adiantou os dias do término do congelamento comercial africano e
latino-americano. Positivo por um lado, por outro não libertou os
Estados fracassados dos castigos do colonialismo que afligem a PRÁTICAS DA LUSOFONIA
periferia importadora de produtos acabados e ao mesmo tempo,
exportadora de mercadorias sem valor agregado. Resultado da integração paralela, ou seja, da informalidade
Por mais que cresçam as vendas de minerais, petróleo e alimentos nas relações de troca e da emigração fomentadas pelos baixos
dos países de desenvolvimento retardatário para a República índices de crescimento econômico nos últimos trinta anos, cerca
Argemiro Procópio Popular da China, a mudança do eixo das parcerias injustas que de três milhões de brasileiros trabalham nos vizinhos distantes.
antes era Norte-Sul e agora é Sul-Sul, apenas ajuda a definição de Os que vivem em terras paraguaias dedicam-se à agricultura
Universidade de Brasília
novos interesses moldados por tradicionais desigualdades. plantando a soja. Dentro das fronteiras bolivianas, as comunidades
Brasil
A perpetuação das desigualdades que alimentam desigualdades de fala portuguesa atuam na agropecuária. Na quadriga caribenha
revela o que causa o injusto sistema de trocas na economia composta pela Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa
mundial. Os poderes executivo, legislativo e judiciário das periferias os brasileiros garimpam ouro e diamantes, uma parte dos quais
raramente se rebelam contra o capitalismo da democracia que lhes contrabandeada para a China e Índia.
dá liberdade sem o pão com dignidade. Tampouco suas vozes se Promotores da notável expansão da diáspora lusófona, os fluxos
levantam contra o capitalismo amarelo que oferece melhor preço migratórios estimulam a propagação da língua por novos caminhos.

210 211
Agarrados à cultura materna, sem fazer apologia dela, os migrantes Latina, mas sim os latinos – os novos bárbaros - que ocupam os Ocupada a mando do Rei, esse gesto serviu tanto de símbolo da do ouro e do diamante. Essa atividade econômica desenvolvida
- legítimos embaixadores da lusofonia oculta - sobrevivem por meio EUA por meio de práticas singulares da migração. desforra, quanto de uma resposta da Casa dos Bragança à invasão na selva interiorizou de maneira espetacular a língua portuguesa,
da solidariedade. O idioma pátrio ao impedir a deterioração das Essencial até meados do século XX e depois transformado em napoleônica. diferentemente da francesa concentrada na capital Caiena e
tradições os une. Juntamente com a fé religiosa, são os atos da fala supérfluo pelo desemprego, a contratação dos melhores braços Obra do destino, em ciclos cresceu e depois se arrefeceu a uns poucos centros urbanos. Por essa razão, nos espaços
que os ajuda suplantar as adversidades do êxodo. e das inteligências da periferia interessa a economia dos países presença da lusofonia na Amazônia Caribenha. As evidências transfronteiriços entre a Guiana Francesa e o Brasil nota-se a
Falando em religião, a expansão das igrejas neopentecostais centrais nos conformes de seu processo produtivo. mostram que o processo migratório nessa ainda sociedade colonial tendência da predominância da lusofonia.
nascidas no Brasil, paradoxalmente o país com o maior número de O poder da língua mostra ao mundo que a emergência da língua - onde se ganha e se gasta em euros - promete continuar ofendida Ademais da contribuição estética no localismo onde a
bispos e de fiéis católicos do mundo, leva por meio da bíblia de seus de Camões fez com que ela seja falada por 51% da população sul- com os tradicionais clichês que tanto ferem o cosmopolitismo e o francofonia e a lusofonia se encontram, a numerosa concentração
pastores, numerosas expressões da língua portuguesa. Centenas americana. No passado, avivado com o divinal vinho do Porto, hoje trabalho conjunto. Bem ou mal, parece melhor para os encarregados de falantes do português na Amazônia Setentrional floresce na
delas se usam no culto da teologia da prosperidade, teologia assim o português se rega com o petróleo angolano e brasileiro mais os da política migratória francesa, lidar com os brasileiros católicos, do Venezuela. Somada aos mais de 480.000 portugueses há décadas
denominada por causa dos cuidados que dispensa ao dinheiro e produtos agrícolas do primeiro e único país tropical transformado que com islamitas e hinduístas provenientes da Guiana e do vizinho atraídos pela riqueza do petróleo, a presença de brasileiros cresce
aos bens terrenos. em potência exportadora de grãos. Suriname. sem problemas. Caracas, a grande parceira comercial de Brasília,
A população de sangue libanes, mais numerosa no Brasil do Parte da família latina, a língua portuguesa oferece o suficiente direta ou indiretamente abençoa a presença da latinidade naquela
que no próprio Líbano, no Afastado Ocidente ela encontrou menos para sobreviver no universo amazônico francês. O mesmo não se República Bolivarianista.
obstáculos culturais para integrar-se do que os imigrantes japoneses LUSOFONIA NO TERRITÓRIO AMAZÔNICO passa na lida com os migrantes do vizinho Suriname. Em sua maioria O convívio entre os descendentes de Cervantes e os de Camões
e chineses no início do século XX. Depois de reconhecida como DA FRANCOFONIA asiática, raramente substituem suas crenças ou se deixam encantar nota-se na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
nação que conta com a maior colônia de nipônicos no mundo, viu-se por outras culturas. Em virtude de princípios religiosos, o vinho, sediada em Brasília. Se a Guiana Francesa fizesse parte da OTCA
que a brasilidade penetra no Japão sob diferentes formas. Quanto Entre os que guardam notas do euro em seus bolsos, nem todos especialidades culinárias e outras coisas da civilización française como manda a geografia e impede a política anti- colonial, seriam
aos Estados Unidos da América, a presença latino-americana na notaram que certo pedaço da América do Sul se estampa naquelas fascinam pouco aos mulçumanos, nada aos vegetarianos hindus e nove os países amazônicos. Na citada Organização o inglês é língua
economia estadunidense toma variadas dimensões: de forma ou células. Trata-se da Guiana Francesa, o lugar onde em relação ao demasiadamente aos lusitanos e brasileiros! oficial por causa da Guiana, o holandês graças ao Suriname, o
outra, por vezes corrige, por vezes reforça estereótipos. Marcada pela total da sua população, vive proporcionalmente a maior quantidade Festividade de notável expressão em Caiena, além da folia espanhol se deve a Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia,
fama da presença dos exilados econômicos no mercado informal, de brasileiros no exterior. carnavalesca é a procissão em homenagem a Nossa Senhora assim como o português ao Brasil. O aymara e o quéchua, falados
em números absolutos, está nos EUA a maior fatia dos imigrantes Na virada do século XX para o século XXI, nortistas e sertanejos do Círio de Nazaré. Ela testemunha como a lusofonia penetra no por expressiva parte das nações andino-amazônicas deveriam
brasileiros. O asilo econômico dilui as brutalidades da sociedade nordestinos migraram para Caiena. Essa cidade amazônica foi domínio da francofonia tropical amazônica. Perfazendo quase constar, mas não aparecem como língua de trabalho.
do apartheid social marcada por expulsar o cidadão do solo onde visitada pela Corte Portuguesa semanas depois da fuga para o 15% de uma população que mal chega a 200 mil habitantes, os
cresceu. Sem dissimular, não são os gringos que invadem a America Brasil através do cais de Belém no dia 28 de novembro de 1807. brasileiros na Guiana ocupam-se, sobretudo com a mineração

212 213
O PRETOGUÊS NO TRATADO DE Americanos. Tal estratégia pode ser abraçada pelos membros da América Meridional suplantou numericamente a progênie africana Em relação à Guiana, até antes do intenso fluxo migratório de
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Adotada por essa e os indígenas nativos do lugar. Mais organizados que os filhos da brasileiros procurando o ouro e diamantes, a língua portuguesa era
TORDESILHAS LINGUÍSTICO Comunidade, Macau como parte da China, desempenha junto África, tais grupos de asiáticos tomaram as rédeas da economia e o divisor das águas. De um lado do rio Tacutú falavam o inglês e
dela um papel particularmente ativo. Para isso tornou-se sede do da política na Guiana e no Suriname, fato suficiente para agravar de outro o português, sem se misturar. Assim permaneceram por
Pequenas emissoras de rádio nas regiões de fronteira, onde Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Econômica disputas étnicas e rivalidades raciais nessa esquecida parte da Terra. décadas e mais décadas até que a economia informal abastecida
o povo se expressa em português ajudam misturar a notícia e a e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Esteio Como escravos nos latifúndios açucareiros, os filhos da África na com enorme quantidade de roupas, sapatos e produtos eletrônicos
música. A farinha de mandioca de cada dia e a bacalhoada das financeiro do Fórum, Macau como parte da China desempenha um Guiana produziam o famoso açúcar Demerara. Quanto a população made in China, mudasse a fisionomia do lugar. O dinamismo do
festas atestam que a língua e a comunicação estreitam fronteiras papel particularmente ativo. negra do Caribe Holandês, parte dela anteriormente penou no capitalismo amarelo se alastrou pela Amazônia compartilhada.
e enriquecem culturas. Virtual ou não, o tratado de Tordesilhas As nações afiliadas à antiga Comunidade e Mercado Comum Nordeste brasileiro colonizado pelos holandeses de 1630 a 1654. Robusto e finório, cresceu na velocidade do surto do comércio
linguístico parece continuar em vigor. Sem se misturar, a influência da do Caribe, hoje Comunidade do Caribe são: Granada, Guiana, * Interessados nos lucros da platation, em 1667 os holandeses clandestino que somente ele patrocina.
hispanofonia cresce em espaços sociais transfronteiriços da mesma Haiti, Jamaica, Santa Lúcia, São Cristovão e Névis, São Vicente e deram para os ingleses, a Ilha de Manhattan em troca das terras do No outro lado do Oceano Atlântico, a África do Sul por longas
forma como o conhecimento do idioma português se espalha pelos Granadinas, Suriname, Trindade e Tobago. Suriname, negócio sacramentado pelo Tratado de Breda. décadas serviu como importante sala de recepção para empresários e
demais amazônicos. Alguns mais e outros menos, pouco a pouco os países do Obrigados a abandonar sua religião e cultura, a prole africana trabalhadores portugueses estabelecidos em Angola e Moçambique.
A dispersão dos idiomas também decorre do convívio com caribe anglófono e francófono se envolvem pelo cinturão cultural providenciou um “sincretismo” linguístico onde várias expressões de Expulsos das colônias africanas quando da emancipação política
as doloridas chagas da imigração e da emigração. Na Amazônia e lingüístico luso-hispânico. Esse tende apertar em virtude do línguas africanas e do português se mostram junto do holandês e do nos anos 1970, por causa da língua que não desapareceu, poucos
Caribenha, ou seja, na Guiana, na Guiana Francesa e no Suriname, fluxo migratório, da dependência do petróleo venezuelano e mais inglês. Ao contrário da população majoritária, parte professando o imaginavam o que surgiria ao seu lado. Relembrando, Menos,
pelo menos 10% da população se comunica em português. recentemente pela importação de grãos oriundos do Brasil. Por ali islamismo e outra metade o hinduísmo, entre os descendentes da de três décadas depois, um notável fluxo de pastores de igrejas
Por toda a Amazônia, o capital chinês através das rachaduras o alerta ambiental propaga a consciência de que a população vive mãe África, expressiva fatia dela deixou-se batizar como anglicanos. neopentecostais, defensoras da teologia da prosperidade se
da democracia e por detrás de biombos ganha com a exploração numa geografia particularmente sensível às mudanças climáticas. Paradoxo de dolorosa explicação, o bom nível educacional direcionou para as médias e grandes cidades sul-africanas. Até
de garimpeiros em busca do ouro e de diamantes. Tais desgraçados De fato, o aumento do nível da água do mar retira do mapa, cada dos negros guianenses fomenta o êxodo populacional. Numa hoje tentam ser queridos como os jogadores de futebol da seleção
da sorte, bandeirantes do século XXI, também interiorizam a língua vez com maior freqüência, partes das pequenas ilhas. Faz sofrer a quase diáspora, como que perdidos, procuram uma saída nas canarinho. Acredita-se que cerca de quatrocentos templos dirigidos
e cultura nacional. Georgetown, vez ou outra inundada. Nessa capital a Embaixada da tantas encruzilhadas culturais. Graças ao ensino oriundo da rígida por missionários de expressão portuguesa funcionem naquele país.
O fato de Georgetown ser sede do CARICOM e a extraordinária República Popular da China tem funcionários e atividades em maior educação inglesa, muitos se deslocam, sobretudo para o Canadá, Provam que a lusofonia ali entra pelos largos portões da Igreja
vocação organização de seus pequenos países membros votando em número que as demais lá instaladas. EUA e o Reino Unido e se aproveitam da facilidade do uso de uma Universal do Reino de Deus e Igreja Mundial do Poder de Deus, entre
cardume para serem notados, dá a essa geografia um especial peso A imigração forçada de asiáticos de confissão hindu e islamica mesma língua, o inglês. outras. O número de batismos dessa confissão religiosa suplanta o
na Organização das Nações Unidas e na Organização dos Estados no final do século XIX e inícios do XX para o extremo norte da dos demais credos.

214 215
Os negros do Brasil somados aos que se expressam em OS SÉCULOS DE PORTUGAL E A Três momentos históricos referenciam a presença coolie no empréstimos e endividava mineiros como forma de retê-los no
português no continente africano testemunham o “pretoguês”. Brasil. O primeiro grupo desembarcou em meados do século XVIII serviço. Dos cúlis que escaparam, um tanto encontrou abrigo em
Numa nova encruzilhada cultural para a lusofonia, depois da língua HERANÇA DOS CÚLIS em pleno ciclo do ouro. Numerosos partiram de Macau. Nem todos tradicionais famílias mineiras.
de Shakespeare, a de Camões é a segunda falada entre a população que chegaram ao Rio de Janeiro lá permaneceram. Especializados Homens de múltiplos dotes, suas habilidades acompanhadas de
negra mundial. Quando se lembra da lusofonia, raros incluem os comerciantes no trabalho com metais, mestres na arte de cobrir esculturas com finezas se revelava na cozinha, na alfaiataria, no moveleiro fino, na
Juntamente com a Nigéria e os Estados Unidos da América, portugueses e os filhos da terra macaense que transformaram o finíssimas folhas de ouro e produzir filigramas, os coolís estiveram lavanderia e nos bordados. Na cozinha trouxeram para portugueses
o Brasil forma a trilogia onde a progenie africana particularmente delta do rio das Pérolas num núcleo irradiador do sinolusitanismo. por mais de século em Sabará, Mariana. Ouro Preto, Tiradentes e e brasileiros o arroz doce, aletria, macarrão, pastéis e biscoitos,
cresceu e se multiplicou. Desde o período colonial, umbilicalmente Rica em patuás misturados com expressões chinesas, malaias, São João Del Rei, entre outras. entre outros. Receitas originais dessas delícias, até hoje se vende e
ligado a África, a tecnologia agrícola aportada de lá se deu espanholas e cingalesas, entre outras, a entourage da oligarquia Estátuas em pagodes nas regiões de Cantão, Hainan e Taiwan esse autor as provou em Macau. Adaptadas ao trópico enriquecem
extraordinariamente bem em outros pedaços do trópico. Por causa mercantil lusitana conviveu com os mestiços ou nhons e tirava guardam técnicas de recobrir a madeira com ouro que precisam ser extraordinariamente os livros de receitas da antiga cozinha mineira.
dela, boa parte das Américas abraçou a vocação ruralista que, proveito tanto das diferenças quanto das semelhanças. comparadas para saber quais delas se aproxima mais da empregada O machismo luso-brasileiro influenciado pela rígida divisão
nos séculos XX e XXI colocou os Estados Unidos e Brasil entre os Arquitetura prematura do multilateralismo, desde o século XVI nos revestimentos do barroco mineiro. Trabalhos em entalhes, do trabalho qualificando o serviço doméstico como função
maiores responsáveis pela segurança alimentar mundial. No caso a fusão de costumes nos negócios, no trabalho, na engenharia santos com olhos amendoados e a figura de Fênix relembram a feminina cobriu de estereótipos o oriental e afetou a fama da sua
desse último, à custa de gigantescos desmatamentos da Mata marítima, na religião, na culinária, nas festas e na língua fez com que ressureição de Cristo. O vermelho encarnado usados nos pagodes masculinidade. Por causa da moral chinesa contrária a prostituição,
Atlântica e da Floresta Amazônica. os séculos de Portugal na Ásia se atrelassem aos séculos de Macau, e até esculturas de dragões, espécies de réplicas disso tudo tem a dita abstinência sexual do cule o recobriu de atrevidas suspeitas.
Ao lado dos EUA, do Canadá, da Austrália, da Argentina e a chave do Império do Centro no tempo ocidental. como se admirar nas paredes, tetos e nos suportes dos altares da Ora com fama de impotentes por causa do vício do ópio, de eunucos
da Rússia que recentemente se transformou no terceiro maior A espécie de fala crioula presente em comunidades no Suriname Matriz de Nossa Senhora do Ó. Construída pelos anos de 1720, por e ora com fama de possuir órgão genital atrofiado, tais legendas
exportador mundial de trigo, o Brasil que foi o primeiro nos trópicos e em algumas ilhas caribenhas, distinta das cristandades crioulas promessa da família Bueno, a municipalidade de Sabará a guarda contadas e repetidas, uma parte atingiu a outros orientais. Por
a entrar no clube dos exportadores de alimentos, oferece uma cesta lusófonas na Ásia é posterior ao período que os comerciantes e como uma das mais belas jóias da arquitetura colonial. exemplo, aos japoneses. Talvez as tais estórias tenham sua quota
de produtos. Dentro da tal cesta básica, além das commodities piratas ibéricos negociavam na Indonésia, nas Filipinas e no arco Transcorrido mais de século e meio da data da consagração de responsabilidade na lentidão do processo de miscigenação do
importadas pela República Popular da China, as transnacionais dos de portos marítimos portugueses espalhados pela Índia e África. da mencionada Matriz, nos primeiros anos após a Proclamação chinês com outros grupos étnicos a viver nas Américas.
pesticidas, dos inseticidas, dos fungicidas e dos adubos depositam Cules e macaenses mestiços, exportadores de saberes construíram da República, acredita-se que dentre os últimos grupos saídos de A decantada presença dos súditos do Império do Centro em
seu cartão de visita. Sem disfarces revelam sua participação no pontes culturais, legaram um sincretismo entre o ocidente e o oriente Macau, parte deles tenha ido para os veios de ouro em Nova Lima, restaurantes, pastelarias, pensões, lavanderias e no comércio
processo que fez do país cuja quase metade do território está na de notável valor cultural, mas nem por isso, estudadas e conhecidas que depois ficaram famosas pela profundidade. Por lá, a pneumonia de utilidades domésticas omite sua formidável participação no
Amazônia, o segundo maior exportador mundial de soja, o primeiro como deveriam. e a tuberculose ceifaram vidas sem misericórdia. Há informações duríssimo trabalho de colocação de dormentes e trilhos nas vias
de café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e de frango. que trabalhadores fugiam dessa mina cujos donos forneciam férreas e em abertura de grandes canais em regiões inóspitas. No

216 217
Panamá, por exemplo. Na Amazônia o caminho de ferro Madeira Quando entravam em países vizinhos raramente retornavam. sacristias como toalhas de altar e paramentos bordados com fios Em mãos dos súditos do “Filho do Céu,” as plantações do
Mamoré empregou quase tantos chineses como as construções na A ausência da mulher coolie nesse processo migratório explica de ouro guardaram por cerca de dois séculos, refinados mosaicos arroz brejeiro, ao contrário das de chá e sorgo transformaram-
Califórnia e as estradas do Far West estadunidense. em parte a inexistência da expansão demográfica desse grupo da herança cule. Nas famílias tradicionais do baronato do café, se em retumbante sucesso. Até então pouco usado na culinária
Pelas Minas Geraes colonial, os coolis com fama de excelência social. guardanapos finos, toalhas de banquete de seda pura, porcelanas, portuguesa, graças aos chineses, tal grão se espalhou pelo Brasil.
na arte de calcular por meio do ábaco, ajudavam negociantes. O esculturas, arcas, móveis e jóias guardam legendas. Lembram uma Ao lado do feijão, transformou-se no item básico da alimentação
antigo mobiliário mineiro, parte da sua rusticidade nobre guarda China chegando às Américas como mascate e serva, para algumas nacional.
traços que relembram a discrição dos móveis chineses. Trouxeram
A PÁGINA CULE NA TRADIÇÃO ORAL dúzias de décadas depois, o capitalismo amarelo apresentar-se No apagar das luzes do século XIX, até a I Guerra Mundial surgiu
usos de plantas medicinais sob forma de ungüentos e de xaropes como senhor da economia mundial! o terceiro e último ciclo da presença cule no Brasil. Tão importante
reconfortantes contra tosse e males do pulmão, alguns elaborados Nas Américas, e entre os países de expressão latina, “té” ou A página cule, quase desaparecida da história ocidental, salva quanto os anteriores, dessa vez não chegaram apenas aqui. Uma
com “plantas diabólicas”. “tea”, a reconfortante infusão de folhas apreciada no dia-a-dia dos em parte pela tradição oral, tem ainda como ser reencontrada. parte deles desembarcando pelo lado do oceano Pacífico foi para
Com nomes de santos e fazendo de conta que eram batizados chineses, chegou de Portugal. Divulgado o hábito do consumo pelos Precisa ir além das igrejas barrocas, da introdução do arroz e da o Peru, hoje o país com a maior colônia de chineses das Américas.
para não ser tratados como escravos, os filhos de Macau dominavam cules nas primeiras décadas do século XVIII, o cultivo do chá feito construção das estradas férreas. Também na engenharia militar Outro tanto rumou para a costa Leste dos Estados Unidos e dali,
vários dialetos chineses e a língua portuguesa. Bem adaptados inicialmente na Ilha de São Miguel se espraiou para outros países portuguesa sua presença deixou indeléveis marcas. Por exemplo, os entre outros, para o Panamá e Cuba.
para a urbanidade, seu legado para a sociologia dos costumes, europeus e para a colônia no outro lado do Atlântico. Certamente fortes construídos na Amazônia e restante do Brasil são verdadeiras A Revolução Republicana da China em 1911, a desorganização
das engenharias, da pintura, da medicina e da agricultura deixou por influência dos cules, a palavra “茶”pronunciada Tchá se fotocópias das fortificações chinesas*. Réplicas de maquetes dessas social, as conseqüências da derrota na Segunda Guerra do Ópio de
registros aquém do necessário para repensar a contribuição chinesa incorporou à língua portuguesa como “chá.” Oferecer uma chávena fortalezas os museus da República Popular as guarda, porém 1856 a 1860 e principalmente a exploração das camadas sociais
no processo de formação das Américas. dessa preciosa bebida cujo nome guardou a origem chinesa é está em Xian a que verdadeiramente inspirou a arquitetura dos desprotegidas avivavam violências. Vitimados, milhares de coolís
A brutalidade do patronato contra o trabalhador e a relação mais que uma questão linguística. O Chá se incorporou tanto à fortins amazônicos construídos no período colonial. Um detalhe, desgraçados da sorte embarcaram para o Novo Mundo. No Brasil,
senhor/escravo reservada à quase todos os imigrantes, impediu cultura do Império do Meio, que até esculturas budistas, falando da construídos com proteção contra canhões e outras armas de fogo além do Rio de Janeiro com toda a má fama por causa das febres
um diálogo profícuo do produtor tropical com a experiência oriental. reencarnação, apresentam o chá como a primeira bebida servida inventadas depois do descobrimento da pólvora. transmitidas por mosquitos, o Estado de São Paulo e Minas Gerais
No trabalho de mascate os chineses concorriam com os árabes no céu. Diante desse vácuo na história militar, na história da arte sacra foram os preferidos nessa fase devido à riqueza oferecida no ciclo
de origem sírio-libanesa. Tanto um quanto outro grupo encontrava Histórias e estórias repassadas e guardadas por tradicionais barroca mineira, na história da agricultura, na história da mineração do do café.
nessa atividade a fórmula para o pagamento de dívidas contraídas, famílias originárias de São João Del Rey mais lições nos juvenatos, ouro e na sociologia das Américas, esse autor publicou em 1982, uma Nas etapas anteriores desse movimento migratório, como servos
isto é, gastos de viagem. Outros se embrenhavam para o interior. conventos e seminários de tradicionais ordens e congregações curta referência sobre a contribuição dos culís no Brasil colônia. Depois ou escravos, pelos primórdios do século XVIII a vinda dessa gente
Armados para se proteger de furtos e recuperar produtos roubados, católicas dão conta da admiração das elites locais pela cultura e de mencionar a Revolução Cultural e a luta do maoísmo para colocar acontecia independente da falta dos braços negros, fartos e baratos
esse costume deu aos cules a fama de perigosos e vingativos. habilidade dos “escravos amarelos”. Relatos orais e relíquias em a casa em ordem, escreveu sobre o modelo econômico dissociativo. naqueles anos. A enorme quantidade de ouro descoberta nas Minas

218 219
Gerais transladou os escravos dos falidos engenhos de açúcar Pensando na possibilidade de substituir a escravatura negra abastecimento energético para o consumismo do enorme número amarelo brindar tal geografia com desdobrados interesses.
nordestinos e igualmente carregou novas levas de africanos para o pela amarela, o baronato cafeeiro, entre eles o Barão de Varginha, de novos ricos chineses são menos alvissareiras que as oficialmente Dos oito membros da Comunidade dos Países de Língua
cativeiro na mineração.1 achava possível salvar a monarquia introduzindo outros cultivos. proclamadas. O grande desafio de hoje é construir alianças para Portuguesa, vários deles geograficamente se encontram em situação
Tamanha era a riqueza na Colônia, ao ponto das sobras deixadas Tarde demais, apenas no início da República, em 1892, veio a Lei a defesa de patrimônios como a água, terras férteis e o petróleo. análoga à brasileira. Ou seja, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
por Portugal alimentar a edificação de sofisticadas igrejas barrocas, Número 97 regularizando a entrada de asiáticos. Dez anos antes, o São riquezas cada vez mais escassas por causa dos abusos do São Tomé e Príncipe, todos dispõem a lutar para manter o controle
prédios públicos e construção de caminhos do interior para os tratado promulgado pelo decreto nº 8651 de 24 de agosto de 1882, capitalismo hedonista, progenitor da aceleração das mudanças da mencionada riqueza que jamais dará duas safras!
portos marítimos. A riqueza do ouro também pagava e capacitava entre o Império do Brasil e o Império da China previa a proibição do climáticas. No mundo onde as encruzilhadas energéticas se confundem
um serviço público de excelente competência para arrecadar comércio do ópio entre seus súditos e em seus portos. Mais que um Das gigantescas reservas petrolíferas encontradas no litoral com as encruzilhadas econômicas, que por sua vez identificam-se
impostos em benefício da metrópole. tratado, esse gesto revelou o entendimento entre dois reinados, um angolano e no brasileiro se retira o “excremento do diabo” parte com as encruzilhadas políticas, a lusofonia pode servir às parcerias
Vários dos conhecimentos de cálculo e engenharia essenciais no extremo ocidente e outro no extremo oriente - ambos passando exportado para a República Popular da China. Regando o mercado estratégicas contra o darwinismo nas relações internacionais. Ela
nas obras públicas provieram dos súditos do “Filho do Céu”. Sua por tempos particularmente difíceis.2 mundial, o óleo de qualidade oriundo da camada do pré-sal oferece ajudaria os mencionados países numa geopolítica linguística para
despedida da cena mineira, silenciosa como o esgotamento dos O ressurgimento na cena internacional do poderoso dragão, riscos ambientais próprios da exploração em alto mar. Ademais resistir à competição por recursos que desfavorece as nações mais
veios auríferos, não deixou sequer sepulturas. Mais de um século ferido durante séculos pela lança do mundo ocidental, se deve a nada disso, aproxima os países exportadores de ouro negro do perigo frágeis e desorganizadas. A escalada das confrontações em torno
depois, em plena crise da agricultura cafeeira por falta do braço santa energia do capitalismo amarelo. De servos transformados em do contágio com a “doença holandesa.” No texto, mais de uma da soberania tem a ver em quais mãos estará o controle das rédeas
escravo decorrente da proibição inglesa do tráfico negreiro, a senhores, atualmente os chineses redescobrem as trilhas dos seus vez lembrada, as chagas provocadas por tal doença, dificilmente da exploração de recursos naturais não renováveis.
exploração da mão de obra amarela reaparece. Dessa vez o destino antepassados coolís e se afortunam comprando latifúndios sojeiros. se deixam cicatrizar. Por estar dentro de mar territorial entre dois A crise econômica que se abateu sobre o Brasil juntamente com
os levou para a agricultura. Vale repetir, eles trouxeram da Ásia continentes que a natureza nunca deveria ter separado, para alguns a aurora da democracia no início dos anos 1980, aí permaneceu até
sementes de chá plantadas nas cercanias do Rio de Janeiro, mas a reserva em tela é nacional. Para outros, internacional. a entrada do novo milênio. O desemprego e falta de oportunidades
o rendimento ficou aquém do esperado. As amoreiras cultivadas e
A LUSOFONIA ENVERGONHADA Certamente não será num mar de rosas que o brasileiro explorará desacostumaram a sociedade a receber o estrangeiro, bem
os experimentos para criar o bicho da seda tampouco obtiveram seu petróleo. Desde o período militar proclamado como propriedade acolhido durante a ditadura militar, época que o “milagre
sucesso. O regime de trabalho e a brutalidade com que tratavam os Além dos valores religiosos, da música e da visão de mundo da Nação, nem todos os países reconhecem tal soberania. Com econômico”, para respirar progresso também necessitava de mão
coolís os desmotivava. Conforme assinalado, apenas o arroz deu a unir, o movimento lusófono serve de estiva num novo contexto menos volume de petróleo que o Brasil, o outrora maior produtor, de obra especializada. Finda a ditadura, num sentido contrário ao
certo, e assim mesmo porque precisavam dessas colheitas para se de rivalidades nas relações internacionais. Aí as alternativas de consumidor e importador, isto é, os Estados Unidos da América, tradicional, repentinamente a comunidade internacional presenciou
alimentar. encabeça a lista. um monumental fluxo migratório de brasileiros para os quatro pontos
Estudos geológicos apontam que esse mesmo depósito de cardeais. Recapitulando, os Estados Unidos da América, o Paraguai
2 PROCÓPIO, Argemiro. O Brasil no Mundo das Drogas. 2. ed. Editora Vozes, Petrópolis,
1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Nacional, 1970 1999.
riqueza existe na costa africana, fato suficiente para o capitalismo e o Japão foram os que mais empregaram. Nesse primeiro, o jus

220 221
solis, o direito da cidadania para os filhos de estrangeiros nascidos exportadoras de soja. Por causa disso a natureza paraguaia vitimada sustentação da lusofonia. Passados alguns anos, com suor, parte menos, o dobro da do Líbano, estimada em cerca de quatro milhões.
em tal terra por vezes rouba a memória das tradições do país de por violentos desmatamentos – tal qual a Amazônia Brasileira em dos migrantes regressa aos seus lares com a minguada poupança Antiga, remonta ao tempo do Império Turco Otomano responsável
origem. Dessa forma, a lusofonia se transforma em saudade para chamas – desestabiliza e faz crescer a concentração de Gases angariada em condições laborais de envergonhar os Direitos pela emissão dos passaportes que o ismaelita utilizava para migrar.
milhares de filhos dos imigrantes. de Efeito Estufa, que por sua vez prejudica as lavouras fiadoras Humanos. Daí a razão da alcunha de turco aos árabes que migraram para as
Vez que as correntes migratórias nem sempre seguem as leis da segurança alimentar. Além disso, animam o centro comercial Américas.
e a legalidade vigente, fica impossível sua exata quantificação. Os clandestino de Ciudad Del Este, considerado o de maior vigor no Os laços especiais da rica comunidade de libaneses no
serviços pastorais das igrejas católica, batista e presbiteriana, entre Continente. Espalha pelo Brasil inteiro coisas contrabandeadas com
TEMPO DAS MIGRAÇÕES Brasil com a terra de origem não se manifestaram apenas na sua
outras, aproximam-se dos emigrantes e dos imigrantes mais que enormes prejuízos para as indústrias nacionais. A maior parte de indispensável ajuda para a reconstrução de Beirute. A lusofonia,
qualquer serviço consular. Maiormente possuem tato e eficiência de tais produtos chega de Taiwan e da República Popular da China. Ademais do dinheiro obtido com o suor do rosto, os trabalhadores ainda que com invejável discrição mostra-se como uma constante na
invejar as polícias de vigilância e controle do estrangeiro. Acompanham-se de contrabandistas que fixam residência na região estrangeiros levam uma língua e voltam falando duas, bom sinal do vida libanesa. Faz parte da nostalgia, da velha esperança de migrar
Os lusitanos trouxeram para o Novo Mundo a sua língua, num da tríplice fronteira Argentina, Brasil, Paraguai, atualmente um centro uso do dialogo como instrumento da alteridade.3 para enriquecer e lá goza da vantagem de não possuir marcas da
momento de especial glória da bipolaridade. O Tratado de Tordesilhas referencial de atividades ilícitas. Menos numerosos que no Paraguai, os brasileiros na Bolívia chaga do colonialismo como se vê no idioma francês e inglês, entre
de 1492, logo adiante o texto ainda falará dele, posteriormente Além do guarani e do espanhol, a população paraguaia se dedicam-se a agropecuária. Plantam a soja e criam o injuriado boi. outros.
transformou-se num Tordesilhas linguístico. Com bênçãos e pompa preparou para ter o português como língua oficial. Por força de Pena que esse farelo e carne, afora períodos de eleições, raramente A legenda de Macau, a pérola do Império do Centro, por séculos
papal presenteou o leste e oeste para Portugal e Espanha. Todavia, legislação, como membros do Mercosul, também a Argentina e o conseguem combater a escassez alimentar das populações nas mãos de Portugal como o bastião da lusofonia oriental não está
os demais irmãos, todos eles filhos de Adão e Eva ficaram a ver Uruguai o adotaram como o segundo idioma e o Brasil fez o mesmo indígenas nas áridas e montanhosas regiões andinas. só no mundo asiático. Pelo fato do Brasil possuir a maior colônia
navios... com o espanhol. Nas escolas nas cidades próximas das faixas de Laços familiares, casamentos na igreja e os padrinhos, práticas de nipônicos depois do Japão, a língua portuguesa de maneira ou
Nas últimas décadas do século XX, em contexto quase fronteira, por quase todas, o alunado originário do lado guarani já costumeiras e fortes no lado boliviano, pouco a pouco levam outra penetrou no Império do Sol Nascente através das portas dos
oposto a da grande expansão da lusofonia no período áureo dos suplanta em número, o do brasileiro. As telenovelas cariocas se estrangeiros de baixa renda a resgatar tais tradições caídas em fluxos migratórios. Nos últimos vinte anos o êxodo Japão-Brasil se
grandes descobrimentos nos séculos XV e XVI, as encruzilhadas assistem sem tradução, em inúmeros lares paraguaios. desuso, conseqüência da modernidade nacional de agres frutos. reinverteu: filhos e netos de japoneses que migraram voltaram para
se multiplicaram. O desemprego em Portugal, nas suas ex-colônias Outro vizinho responsável por um processo migratório em Um dos importantes requisitos para a recuperação da tradição é trabalhar na nação de seus ancestrais. Foi à solução encontrada
africanas e depois no Brasil forçou o êxodo que espalhou uma estrada de duas mãos se chama Bolívia. País com o qual o Brasil manter viva a língua materna. em tempos de crise para sustentar a família. Pelo fato da quase
lusofonia envergonhada para outras geografias. possui as suas mais extensas fronteiras terrestres, milhares de Apenas para relembrar, censos demográficos há décadas totalidade dessa mão de obra ser alfabetizada em português, a
Para relembrar, apenas no Paraguai vivem mais de meio milhão bolivianos trabalham, sobretudo em São Paulo. Em tal contexto, o revelam que a população de origem libanesa no Brasil é, pelo lusofonia ocultamente entra em fábricas e lares nipônicos.
de brasileiros, maiormente ocupados em atividades agropecuárias. aprendizado da língua, requisito básico para melhores chances de Não tão longe do Japão, o lugar onde a memória lusitana
Transformaram aquela Nação Guarani numa das grandes praças emprego, ilustra o quanto a economia igualmente serve de pilar de 3 LEVINAS, Emmanuel. A l’heure des nations. Paris: Minuit, 1988.
guarda laços mais do os imaginados pela opinião pública e pouco

222 223
divulgados nas relações internacionais é Macau. Foi em geografia Ouro e mão de obra eram o básico que Pombal necessitava para lanterna da popa ou da proa? do banco da divina providência do capitalismo alemão. Protestante
próxima dali que apareceram os coolís, bastante mencionados reconstruir Lisboa destruída por terremoto seguido de tsunami em e prussiano, apesar da sua cultura de austeridade, tal banco ergueu
nesse texto porque efetivamente criaram as bases das primeiras 1755. As novas exigências e os duros impostos atormentaram na ensolarada Península Ibérica seu predileto resort.
O acoplamento das nacionalidades nas tantas Europas, com
pontes entre a China e o Novo Mundo. Relembrando, a “escravatura as elites no além-mar. A implacável política de arrecadação Alegria de um e tristeza do outro, no processo epistemológico
partes buriladas e outras extremamente rústicas, põe em discussão
amarela” no Brasil e nos Estados Unidos da América iniciada no provocou generalizado descontentamento. Apressou o processo de interpretador de desigualdades, bem como no do acoplamento,
novas racionalidades na União. Passaporte mais moeda comum
tempo colonial renasceu no século XIX deslembrados da caridade independência tecido na chamada Inconfidência Mineira de 1789, assimetrias de um lado e procedimentos dedutivos de outro
não solucionam nem dualidades, nem desigualdades. Depois do
cristã. Entre os chineses embarcados para o Novo Mundo, raros o mesmo ano da Revolução Francesa. Tal processo concluído em levam a formas de assimilação de imagens controversas nas
caos grego, a primeira peça do jogo de dominó da crise européia,
viveram para voltar à pátria dos cinco mil anos de história relatando 1822 por Pedro, o primeiro imperador do Brasil, não impediu que o relações internacionais. Talvez por isso, a sociologia das relações
restou aos portugueses e espanhóis amenizar suas dores num novo
infortúnios no Novo Mundo. mencionado monarca abdicasse do trono a favor do filho e voltasse internacionais tarda tanto a inteirar sobre o equívoco das pretensões
convívio com América Latina, África e Ásia. Dessa vez, esperam-
Os paradoxos da Revolução Industrial e a necessidade de novos para Portugal, onde, como Pedro IV serviu como seu vigésimo de presente e futuro de China, para sociedades sem passado e
se relações distanciadas da ética colonial onde, ou se entregava a
consumidores colidiam com a intensa demanda da mão de obra sétimo rei. tradições de China.
plata, ou se recebia o plomo!
escrava em toda a América. A prática inglesa de afundar os navios Na dinâmica das variáveis sociológicas, a documentação sobre A saudade anunciada pelas coisas da era das caravelas e o
A ordem de integração produtiva na União Européia merece
negreiros elevou o preço daquela carga humana a tal ponto, que a exploração do trabalho dos chineses chamados de coolís, ainda preceito fundamentador da racionalidade escolástica na pregação
interrogações. Discriminatória em sua desigualdade avizinhada,
pareceu econômico aos colonizadores incentivar o nascimento de que registrada no fenomenal acervo deixado pelos mesmos na do Meister Eckhardt5 da luz interior, ambos latejam na alma lusitana.
diferentemente de um acoplamento ideal, ela encanta aos crentes
crianças escravas. Foi então sugerido evitar o açoite no período arquitetura e decoração das igrejas barrocas da Província das Minas A renda por habitante de Portugal, ainda que pequena, supera a de
do laissez-passer e do laissez-faire. Surpreendendo a si mesma,
da gravidez e da amamentação.4 Além disso, a brutalidade nas Gerais, ela quer mais. Exatamente na já lembrada Sabará, cidade qualquer país latino-americano. Mesmo assim, isolados da economia
a dupla ibérica orgulhosa da acoplagem à Comunidade Econômica
minas e a carência alimentar se encarregavam de abreviar a vida que hoje integra a Grande Belo Horizonte, os já citados dragões nacional, os avançados centros de pesquisas oceanográficas não
Européia, oficializada em 12 de junho de 1985, no Mosteiro dos
da população cativa trabalhando nos ricos veios descobertos na revestidos de ouro atestam os quatro continentes no barroco mineiro. ajudaram aos filhos dessa parte da Península Ibérica derrubar os
Jerônimos, a jóia lisboeta, inicialmente colecionou coroa de louros
Província das Minas Geraes. A influência dos arquitetos portugueses se somou ao trabalho duro estereótipos que pesam sobre seus ombros de pescadores de
e glórias. Cerca de um quarto de século depois, nostálgico como
Em Portugal faltam estudos sobre a contribuição da mão de obra do africano, à habilidade manual do indígena americano no trato da sardinhas e de bacalhau.
o fado de um, cruel como a tourada do outro, Portugal e Espanha
cule na cultura nacional e nos trabalhos de reconstrução da Capital madeira e ao refinamento coolí presente no décor dos altares. Separadas da economia lusitana, as ilhas de conhecimento
ressurgem, mutatis mutandis, em um conjunto de circunstâncias
Metropolitana, possível causa da diminuição do fluxo da mão de O presumível alto nível intelectual dos orientais os levava à criadas com idealismo, sequer ajudam relembrar a memória dos
que evoca as desigualdades estruturais.
obra amarela para sua colônia no outro lado do oceano Atlântico. revoltas e a não aceitação do cativeiro. A má fama de vingativa e grandes descobrimentos no parlatório dos bem sucedidos da outra
Diferentemente do capitalismo amarelo - o capitalismo cigarra
perigosa da raça amarela consagrada em parte, na mentalidade
da católica Península Ibérica, cantante no verão e penitente no
popular, explica a resiliência do olhar e a falta de alteridade das
4 CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravidão no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização inverno, pouco economiza para investir. Transformou-se em fardo 5 SENNER, Walter. Meister Eckhart in Köln. In: Klaus Jacobi (Hrsg.): Meister Eckhart:
Brasileira, 1975
velhas elites em relação ao imigrante desprotegido. Lebensstationen – Redesituationen. Berlin, 1997, S. 207–237.

224 225
Europa. Sob pressão da crise mundial, o turismo, sua principal fonte pelos desinformados serviços de imigração. No caso dos movimentos Nas classes dirigentes latino-americanas a cultura do pai rico, XENOFOBIA NOS PAÍSES PRATICANTES
das divisas, nos últimos anos depende mais dos brasileiros do que migratórios, a atual crise do desemprego em Portugal que emergiu do filho nobre e do neto pobre7 terminou como defensora de valores
se divulga. juntamente com o caos grego alimenta novos fluxos em direção ao do conformismo social. Nada metafórico, vale repetir, o vírus da DA DEMOCRACIA
Negociando uma zona marítima exclusiva, Lisboa exporta mão Brasil, porém com diferenças. Mudou sensivelmente o perfil dos doença holandesa - assim chamado por causa dos efeitos malignos
de obra disciplinada e acrescenta pouco valor aos seus produtos do imigrantes portugueses, no passado constituído por batalhões de causados nos anos 1970 pelo dinheiro fácil, oriundo da exploração Manipulando déficits como castanholas, por longo tempo o
mar. Baixos investimentos em ciência e tecnologia e falta de vontade padeiros, açougueiros e pequenos comerciantes. Atualmente, numa do gás natural nos Países Baixos - séculos atrás atacou a Espanha Condado de Castilla procura algo assemelhado à nobreza do glamour
política para investir na qualificação deixam a portugalidade à deriva. onda em sentido contrário aos mal acolhidos dentistas brasileiros e Portugal. Endinheirados com ouro e prata do Afastado Ocidente do barroco italiano, inspirador das formas de várias diplomacias
Sem pragmatismo para resgatar e aplicar na sua monumental dos anos 1980, o desemprego acadêmico e a falta de obras na Americano, importando tudo, decretaram a pena de morte aos seus sul-americanas. O espanhol na Argentina, no Chile, no Uruguai
cultura, aquela comunidade sente-se desmotivada para alcançar a ex-metrópole levam para a ex-colônia, engenheiros, técnicos e modelos produtivos.8 e o português do Brasil usam da musicalidade, de expressões e
estiva. docentes universitários. Bem diferente da maioria dos novos membros da União palavras da língua de Dante, numericamente quase tão falada no
No outro lado do Atlântico, laterna da popa do barco mundi, ou No rastro da crise do desemprego na União Européia e na Européia, mal traquejados para driblar as ciladas do destino, com Novo Mundo quanto na bela Itália!
os primeiríssimos na fila dos últimos, ninguém retira dos ilhós da supervalorização da moeda brasileira que inunda a terra portuguesa sóbria elegância, a irmandade Portugal/ Espanha se prepara para Nas ilusões da economia de cassino, chegou à vez da prole
ex-Terra de Santa Cruz o mérito de ter mesa posta sempre a caber com gastadores turistas, também a língua passa por certas envergar luto no funeral dos privilégios do Velho Mundo apoiados de Cervantes sentir a dor da crise, antes chamada de argentina,
mais um! Paradoxo notável, o acoplamento do pobre oriundo da uniformizações que a globalização se encarrega de costurar. num nada católico euro. Incapazes de refundir em bases do presente mexicana, brasileira, russa, etc. Os séculos de decadência
União Européia com o ricaço da periferia sul-americana, fez com Expressões esquecidas de um lado e outro são revividas e as o seu formidável patrimônio cultural, os políticos lusitanos quiseram geracional9 foram insuficientes para a elite espanhola no poder -
que para cerca de meia centena de portugueses no Brasil, um piadas reveladoras de preconceitos culturais contra o estrangeiro manter - sem investir na lusofonia - a aparência de interlocutores perseverante na extradição de estrangeiros – aprender que em
brasileiro trabalhasse em Portugal.6 Tal realidade pontua a relação negro, branco e amarelo se engavetam no politicamente incorreto. indispensáveis da Europa com a América Meridional, com a África e relação aos direitos humanos a realidade da teoria se ajunta ao
da desigualdade dos primeiros com os últimos e dos últimos com os De eloqüente imaturidade social elas traduzem ranços de com o pequeno pedaço do território chinês chamado Macau. fato. Presente nos países praticantes, assim como nos que não
primeiros. Certamente também explica o que une objetos e sujeitos incompreensão, cultivados décadas a fio. Inscritas no hodierno praticam a democracia, a xenofobia usa e abusa do parentesco
no experimentalismo das desigualdades como um campo fértil para léxico dos estereótipos e da falta da alteridade, a intolerância por com a desigualdade. Transformada em irresponsabilidade coletiva, a
o cultivo de analogias. décadas usou o veneno inocente das piadas. Encontrou espaço na discriminação contra os que falam o mesmo idioma, isto é, contra os
Na comunidade da língua de Camões e terra natal do bondoso cultura popular que fez da vulgaridade um punhal para atingir veias latino-americanos, esqueceu da língua como instrumento dialogal.
Santo Antônio, o malvado trato dispensado aos imigrantes começa que dificilmente pararão de sangrar. Nas sociedades onde a recusa de nominar as atrocidades
perpetradas foi opção jurídica interpretada como anistia, tal como

6 Disponível em: <http://www.duplaoportunidade.org/spip.php?article50> e/ou <http: /www. 7 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrópolis: Vozes, 2000.
noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=511&catogory= Brasil>. 8 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Nacional, 1970. 9 MANN, Thomas. Buddenbrooks: Verfall einer Familie. Berlin: Fischer, 1951

226 227
fez a coroada Madrid, constantemente se atola no pantanoso Quanto ao antídoto ministrado à Barcelona contaminada pela peste Numa maturidade precoce, a acoplagem da comunidade de interesses sem xenofobia. Na ação por respostas às urgências
histórico do sistema. Afilhados e netos das ditaduras geralmente belga, apesar de caríssima para a unidade federativa espanhola, os língua portuguesa com diferentes geografias e sociologias fazem do acoplamento, há princípios que se agregam. Weltanschauung,
odeiam lembrar-se que os crimes contra a humanidade não se cuidados para o fortalecimento da língua catalã comprovaram sua da lusofonia nos tempos presentes, a base do seu estatuto espécie de metafísica ou de paradigma, ensina a distinguir mitos
prescrevem e que o poder do déspota também acaba. Resta então ineficiência ao não baixar a febre separatista. Em Bruxelas, flamengos e epistemológico. e contradições do desenvolvimento sustentável12e confiar nos
apelar para a aplicação do direito sem fronteira, assentar juízes, valões confundindo a língua com os dentes se mordem uns aos outros. Nas sociedades prósperas, o desemprego provocado pela crise instrumentos dialogais. Multiplica experiências capazes de atender
políticos e reis injustos e oportunistas no mesmo banco dos outros Desrespeitam o símbolo da convivência pacífica no coração da Europa econômica, seguido de gritos de socorro da iniciativa privada, altos à racionalidade que necessita da cooperação internacional para
réus. Julgar elites e depois obrigá-las a explicar ao mundo civilizado colocando o fenômeno do idioma bem no centro das encruzilhadas e insistentes, quase ensurdecem o Estado. Ferem a fama de exitosa amenizar os sofrimentos humanos no processo migratório. Nesse
como legislam em causa própria. políticas. Já sabem que a oferta alemã - Bonn como sede do parlamento da tradicional moralidade do capitalismo dos países centrais, até particular, o acoplamento13 da Comunidade dos Países de Língua
De 1936 a 1939 a Guerra Civil Espanhola ceifou seiscentas europeu - depende apenas deles para se tornar realidade. hoje reticente em reconhecer que engordou com um pé na cozinha Portuguesa a um ideal de desenvolvimento com justiça social
mil vidas. Mortes e torturas alimentaram o franquismo. Seus Ademais de demonstrar a universalidade dos préstimos da fala estatocêntrica. precisa ampliar o alcance da vigilância a desfavor das combinações
protagonistas, blindados primeiro pelo nazismo, depois pelo para expandir os diferentes conceitos do convívio internacional, Ainda que para Hanna Arendt fosse determinante a reflexão de discriminatórias ou de ser celeiro de energia e minerais do capitalismo
maccartismo anticomunista nos idos da Guerra Fria e finalmente a acoplagem de mercados ocidentais e orientais se move na dentro11, a prática da negação dos traços em comum das tantas amarelo e outros.
pela Anistia de 1977, daí em diante protegem-se sob a democracia globalização. Fecundada por egoísmos nacionais, parte dela já gera desigualdades acompanha o equívoco político da reflexão interna Consideradas as últimas flores do jardim do Lazio, no arranjo
de cetro e coroa. assimetrias que instrumentalizam novos antagonismos. separada da reflexão externa. Geralmente a oposição à entrada dos obscurecido pelo autoritarismo franco-salazarista14, os votos de
Ocupando o trono onde deveria assentar seu genitor, desde a de fora aplaca a ira dos de dentro e rende votos em democracias recuperação do império bipolar erguido dos séculos XV ao XVIII
juventude o rei Juan Carlos – do “por qué no te callas!”, endereçado consolidadas. Receber e excluir estrangeiros, por exemplo, os duraram aquém do estimado. Portugal, à verossimilhança da
ao presidente venezuelano – se preparou para suceder a Francisco
desigualdades na empregados na ativa e flexivel economia subterrânea reservada Espanha, ambos desencontrados de seus projetos, desvencilhou
Franco, a quem devotava incondicional lealdade. Arranjo de integração sul-sul ao lumpem proletariado, ou os que as forças armadas espanholas do círculo virtuoso da ciência que, no passado, o levou e ao Império
diplomacia incapaz de desfazer-se da herança do ódio anticomunista enviam como bucha de canhão para as rentáveis guerras perdidas, do Centro a mares nunca dantes navegados.
aliado do nacional-socialismo10, o símbolo da citada majestade Atenta para o castigo divino que atingiu aos arquitetos e aos sob o guarda-chuva da Organização do Tratado do Atlântico Norte, Depois do secular monólogo com suas colônias ultramarinas
encobriu com a constituição dos “Estados autônomos” tudo da obreiros da torre de Babel, evitando as incertezas dos novos banalizam juízos injustificáveis. no triângulo América, Ásia e África, incapazes de protagonizar outra
guerra civil e da sua polícia contra os separatistas bascos. tempos, a relevância da comunicação pontua símbolos e dilemas. Se presentes nas explicativas da solidariedade ibero-americana,
Essa importância hierarquiza as informações de maior e menor a compreensão mútua e a alteridade preencherão vazios por
12 PROCÓPIO, Argemiro. Subdesenvolvimento Sustentável. 5. ed.Curitiba: Juruá, 2011.
valor para uma nova síntese das relações internacionais da mega 13 PROCÓPIO, Argemiro. Diplomacia e Desigualdade. Curitiba: Juruá, 2010
10 VIÑAS, Angel. El Desplome de la República: La Verdadera Historia del Final de la Guerra Civil.
quadriga dos quatro continentes. 11 ARENDT, Hannah. Lições sobre a filosofia política de Kant. Rio de Janeiro: Relume/Dumará, 14 MEDINA, João. Salazar, Hitler e Franco: estudos sobre Salazar e a ditadura. Lisboa: Livros
Barcelona: Crítica, 2009. 1993. Horizonte, 2000.

228 229
Bula inter Coetera definida como tratado pelo papa Alexandre VI montante dos seus lucros evade do Brasil e o restante da Argentina, Na atual crise mundial, onde os que benzem a água bebem o vinho, no que acaba de ratificar outra versão do Tratado de Methuen de
em 1493, Portugal e Espanha buscaram na União Européia algo Chile, México, Peru, Colômbia e Uruguai. a herança medieval oferece às ciências sociais pratos de lições15. 1703. Também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, por
que lhes compensasse a frustração de jamais protagonizar outro Alerta até sobre a oportunidade da volta ao vocabulário político- meio dele produtos industrializados ingleses trocados por bebidas
Tratado de Tordesilhas. Jamais contar de novo com a discriminatória As quantias vultosas remetidas por filiais ibéricas salvaram da econômico contemporâneo da expressão “relações feudais”. da terra e minerais, jogaram a manufatura portuguesa no túmulo
herança contestada por Francisco I, Rei da França mais os monarcas falência várias matrizes nesse período de crise. Não se comparam Tons crepusculares tingem a era dos Estados como que onde jaz nos dias de hoje.
da Inglaterra e Holanda. Indignados, eles protestavam e diziam ao montante do suado dinheiro dos explorados e produtivos anunciando o início do pôr do seu sol. Assim, nas dinâmicas das A união planetária, tal qual uma legenda, ora se perde, ora se
desconhecer o texto da herança legando a Caim mais Abel o Leste- trabalhadores estrangeiros, remetido para familiares sob chuvas de democracias das circunstâncias, esquerdas e direitas arcaicas se encontra. Conhece o compasso do mundo uno, indivisível e nem
Oeste do Planeta e absolutamente nada aos demais da numerosa balas da xenofobia. alternam no poder. Temendo perdê-lo, ora soltam os fantasmas das assim criado à semelhança da igualdade. Enquanto isso, em seus
prole. Meio milênio depois desse bipolarismo várias vezes recordado ditaduras militares, ora apontam a assombração da anarquia criada cortes epistemológicos, o acoplamento das economias e das
no texto, a ditadura dos mercados esconde que a glossolalia, as por elas mesmas. culturas deveria levar a sociedade internacional a se comunicar
línguas são chaves indispensáveis para abrir as diferentes portas do
DO NORTE INFELIZ AO TRISTE TRÓPICO Amamentada no mesmo peito, a binária vocação do Triste Trópico melhor, promovendo as benesses do diálogo.
multilateralismo nas relações internacionais. e do Norte Infeliz já saiu do colo conceitual. Possui maturidade para Os raríssimos países que mandam sem ser mandados e
Tomando como exemplo o fluxo migratório da Península Ibérica Grosso modo, na avaliação da relação causal entre a desigualdade entender o silêncio internacional sobre práticas indecentes como comandam sem ser comandados, garantem à acoplagem ibérica
para o Extremo Ocidente iniciado no século XVI e o seu reverter no final e os privilégios, o acoplamento dos mercados ocidentais e orientais as do apartheid social, da xenofobia, da intolerância e da repressão um apertado lugar no mercado internacional. Aí, bens de avançada
do século XX, essa explicação se completa no diário epistemológico se reveste de desconfianças. Observando a sociedade internacional presentes em nações do ocidente e do oriente. arte e tecnologia trocam-se ora pelo turismo, ora por produtos de
das desigualdades dependentes de desigualdades. Atualmente, remediar alianças no meio que sequer sabe se regionalizou ou se Mal contados, quase camuflados, poucos escrevem sobre os sobremesa. Investem nas autoestradas, na unificação das bitolas
nessa estrada de duas pistas, numa mão rolam as remessas dos globalizou, o acoplamento cresce robusto na ambiguidade das crimes no conflito Sul versus Sul. O Sul das avançadas tecnologias das ferrovias, nos hotéis impecavelmente retocados, nos prédios
imigrantes trabalhando no centro, e na outra, a gigantesca evasão interdependências. e do extraordinário comércio mundial movimentado pela China, a públicos bem caiados e nas lojas em avenidas rearborizadas.
dos lucros das multinacionais e do capital especulativo acumulado Impotente, a ONU arquiteta modelos inviáveis no mundo Fábrica do Mundo, é o mesmo Sul de Angola dos minérios e do Procedendo assim, alimentando um projeto político supranacional
na periferia. Nos últimos anos transferiram do Brasil para a Espanha multipolar, síntese renovada de experiências das desigualdades. petróleo? É o mesmo Sul do novo celeiro do mundo em processo castrador de soberanias, restou ao acoplamento ibero-germânico,
dólares que evitaram agravar as finanças daquela economia. Elementos culturais agrupados à exegese dos castigos do capitalismo de desindustrialização chamado de Brasil? ibero-escandinavo e ibero-saxônico, entre outros, zelar pela
O dinheiro oriundo do bolso brasileiro que impulsionou a amarelo, verde ou vermelho, entre os quais o desemprego, todos Contextualizar as relações das economias latino-americanas e admirável infraestrutura para competições esportivas e eventos
espanhola Telefônica saiu da mina de ouro situada nas ondas do testemunham que a efemeridade ou a laca da prosperidade africanas expostas às vontades do capitalismo amarelo as insere internacionais, por eles erguida na Espanha e Portugal
ar. Anima as sinergias pelos ganhos com baixos investimentos e formatada de modernidades desgasta rápido. Depois de perder o tesouro dos feitos tecnológicos – parte deles
inexpressiva contribuição para o desenvolvimento tecnológico Esse estudo, ao olhar para trás, cuida para a sua sociologia não transmitidos por chineses – que a levou aos grandes descobrimentos,
15 HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Tradução portuguesa. Lisboa/Rio de Janeiro:
nacional. Quanto ao grupo Santander, cerca de um quarto do se transformar – além das que conta a Bíblia – noutra estátua de sal. a Península Ibérica equivocadamente acreditou que as redes da
Ulisséia, [s. d.]

230 231
modernidade da União Européia procurariam seu tempo perdido. A reinvenção das incertezas através das portas dos mercados Quanto aos bens públicos – o esforço dialogal é um deles do capitalismo amarelo na lei da selva do comércio internacional,
Sem valorizar sua experiência, o acervo histórico e o saber sobre amplia as redes da informação, aglutina e de certa forma uniformiza - sua contabilidade raramente registra os ganhos coletivos e mal onde os fortes eliminam os fracos, espalha descontentamentos e
o Extremo Oriente, dificilmente o europeu desvencilhará dos seus a comunicação. Sem alterar a questão da desigualdade, aproxima os percebe a urgência da melhoria da qualidade do entendimento rivalidades.
equívocos e acertará as contas com o presente. riscos existentes nos extremos mundi. A informalidade nas relações mútuo. A presença da indústria cultural espalhada pelo mundo Na contenção das novas ameaças, a promoção do trabalho
econômicas subterrâneas também oferece um novo construtivismo certamente será alvo de seus próprios paradoxos na torre de Babel conjunto através das lentes do diálogo das nacionalidades concede
e uma dialética manipulada pelo capitalismo amarelo. Arruma e da globalização. Nessa torre onde crenças, raças e culturas se à alteridade um destacado lugar.
CARTOGRAFIA DO DIABO ensina a descoberta de espaços contagiados por desastradas confundem, a lusofonia conquistou seu espaço em Angola, Brasil,
idéias do mercado onde o Sul se bate contra o Sul. Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e
A presença econômico dos países lusófonos nas relações No topo, bem entre os instrumentos da alteridade encontra-se o Príncipe e Timor Leste. Caso se some à que está escondida na
LIMITES DO MODELO EXPORTADOR
econômicas internacionais é como uma gota no mar. Todavia, sem poder da comunicação, peça vital do jogo geopolítico internacional. Guiné Equatorial, em Goa e Macau – esse último desde 1999 o
ela seguramente esse mar fica menor. O fato de possuir chaves das portas dos idiomas da família latina derradeiro território português descolonizado - a cooperação luso- Depois de desbancar os estadunidenses como principais
Nascida no Latium Novum, última flor da região do Lácio, a cultura legou à lusofonia um instrumento dialogal que engrandece os africana, luso-americana e sino-lusófona ofertam um ramalhete parceiros dos sul-americanos, a munificência chinesa distribuiu
portuguesa convive e se identifica com as demais irmãs latinas. oito membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. político-cultural de particular colorido na cartografia do diabo da empréstimos com juros menores que os tradicionalmente
Como caçula, ela abre rotas e se adentra pelos oceanos políticos Diferentemente do francês - língua única só na França - o português sociologia das relações internacionais. conhecidos. Fechou os olhos para os riscos da dívida que devora
por ser importantíssimo instrumento de identidade, de integração não é idioma exclusivo apenas dentro de Portugal. Entre os cinco Parcialmente oculta na sociologia das relações internacionais, parte do PIB dos pobres desorientados, leitores das cartilhas do
nacional e de integração regional. Comunica-se naturalmente bem mais falados, espalhado pelas correntes migratórias, esse destaque nem por isso a lusofonia deixa de ser formidável instrumento de Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
por meio do uso de suas semelhanças com as demais da família. valoriza a todos os que apostam na lusofonia como concreta oferta identidade cultural nos membros da CPLP. Em estrada de mão única, O modelo dissociativo16, então arquitetado por Mao Tse Tung
Ou seja, os que falam o português como língua materna ganharam de um rico diálogo transnacional. o êxodo de coolís das províncias marítimas chinesas de Cantão e para colocar a casa em ordem foi substituído pela abertura das
ouvidos para entender, com relativa facilidade, o espanhol, o italiano, Da mesma forma como a realidade política nunca se contentou Fujian e dos milhares de negros do litoral africano enviados para o portas chinesas por Deng Xiaoping e pela associação com o capital
o francês, o romeno e de certa forma, também o reto-romano, a com um só ator, também as línguas, a visão de mundo e os estilos de cativeiro nas Américas, vivamente impulsionaram a vida econômica estrangeiro anteriormente excomungado. Ambas as políticas se
quarta língua oficial da Suíça. vida carregam consigo diferentes valores e ideologias. A latinização e o intercâmbio cultural no Novo Mundo. fizeram sobre as bases de um rigoroso planejamento. A primeira
Nas fronteiras do saber que são também as fronteiras de enormes partes das três Américas, a cristianização de regiões Transformada em olhos da alma continental, a presença iniciativa capacitou a China para produzir tecnologias: a explosão
interpretativas, como o gênese da cultura, a língua amplia nas africanas e asiáticas mais a islamização tornaram-se exeqüíveis, estrangeira do passado ao presente irriga as raízes da alteridade. Por da primeira bomba atômica em 1964 revela isso. A segunda atraiu
relações internacionais o intercâmbio de idéias e de identidades. cada uma ao seu tempo, graças às migrações. Parte delas cresceu essa razão, respeitar o outro significa um exercício de compreensão
Viabiliza tanto o discurso quanto a prática. sob o tom da fala do missionário e outra sob as asas do comércio mútua essencial à mitigação das vulnerabilidades da sociedade
16 PROCÓPIO, Argemiro. “Modelo Dissociativo: uma saída para a crise brasileira.” In: Jornal de
presente nos processos das conquistas. internacional. Ignorá-la, assim como desconsiderar o excessivo peso Brasília, 5 de fevereiro de 1982.

232 233
capital e tecnologias recentes para o desenvolvimento do mercado e minério. De outro, devora grãos essenciais à segurança sino FÁBRICA DO MUNDO prateleiras por produtos vendidos como “made in France”, “made
exportador, de sucesso no Japão, na Coréia do Sul e em Taiwan. alimentar. in Italy” ou "made in Germany" fabricados legalmente na RPC em
Nos anos que investimentos do capitalismo não pensavam transpor Destacadamente firmes na importação de matérias primas, parcerias sob licença.
Sem dar-se conta, os que mais perderam mercados porque
os limites da Grande Muralha, o poder ocidental fazia da rebeldia da os chineses investem nos transportes, na transmissão de energia Sabe-se que não poucos fluxos migratórios do passado seguiram
vendiam produtos incapazes de concorrer com os da Fábrica do
ilha de Formosa, o porta-aviões do imperialismo ancorado diante da que viabiliza o funcionamento dos portos e mais recentemente até a rota da Seda onde também se negociavam porcelanas, tapetes,
Mundo foram países de desenvolvimento intermediário. Por exemplo,
República Popular. na formação de técnicos. Promovem a especialização de pessoal bordados, peles e outras coisas de valor. A migração clandestina
no Brasil e na Argentina, diversas fábricas de refrigeradores, móveis,
Em crescimento contínuo desde o início das reformas nos anos encarregado de mover a lenta burocracia dos negócios das de chineses tanto segue os produtos comercializados legalmente,
ventiladores, aparelhos de ar-condicionado, bicicletas, brinquedos,
1980, a robustez financeira comprovou o incontestável sucesso da sociedades de desenvolvimento retardatário. quanto acompanha o aumento da informalidade, esteio da poderosa
transformadores, pneus, relógios, sapatos, roupas, material de
estratégia de planejamento do comunismo chinês cuja economia, Ao contrário da maioria das nações da União Européia e da economia subterrânea. Por causa dela, com flexibilidade e éticas
acabamento de construções e eletrodomésticos fecharam suas
pouco a pouco ultrapassou a dos ícones do capitalismo mundial. América do Norte, a pragmática cooperação chinesa não desfralda a bandidas, o mercado negro de países pobres emprega um vendedor
portas.
Superou a França, o Reino Unido, a Alemanha, o Japão e hoje falta bandeira dos Direitos Humanos e nem imiscui em assuntos internos e desemprega dez produtores.
Centenas de sindicatos testemunhos do cruel desemprego,
apenas desbancar os Estados Unidos da América para se consagrar de outros. Tampouco compra brigas apoiando a privatização ou a Nos últimos anos desembarcaram no Brasil, milhares de
apáticos, permanecem atrelados à leis trabalhistas ultrapassadas
como primeira potência mundial. nacionalização de empresas. Na versão da sua realpolititik, tanto chineses, filhos de mães que nas últimas décadas, intencionalmente,
irmanadas ao excesso de burocracia que impedem aos artigos
A competitividade e o modo de produção chinês reformularam, comercializa com democracias confessas, quanto com ditaduras escolhem países do jus solís para dar a luz. Depois do registro da
mercosulinos concorrer com os made in China.
sem revolucionar, a economia mundial. Entronizaram a sino-parceria sanguinárias. criança, geralmente regressam para educá-las no padrão escolar
O desemprego de longos anos da mão de obra especializada, a
para dentro da periferia quase que no molde costurado pelo insepulto Sem abandonar a venda de quinquilharias, agora os produtos sino- chinês, particularmente disciplinado e com ensino de alto padrão.
migração de pilotos de aviões, de técnicos, engenheiros e a falta de
colonialismo. No resto emergente, as conseqüências do retorno eletrônicos, farmacológicos e mecânicos de alta tecnologia moldam Bem instruídas e ainda jovens, voltam para trabalhar com parentes
cuidado nas universidades para com as ciências exatas e biológicas
ao cenário mundial da China - que até o século XV era espécie de as exportações para clientes de todas as classes sociais em qualquer em empresas, ser donos de pequenos restaurantes, lojinhas de
atestam o preço da ditadura do ócio nas sociedades emergentes.
senhora das rotas terrestres e dos mares - deixaram alguns ciclos canto do mundo. Apesar dessa estratégia gerar extraordinário importados e chefes de negócios com madeira, ouro e couro, entre
Sob o mando de estados fracos, legiões e legiões de advogados
de prosperidade de frágil sustentação. progresso, o Partido Comunista percebeu a necessidade de mudar outros.
manipulam leis nas sociedades de desenvolvimento retardatário
Esquecido do adágio rezando que a alegria de pobre dura o padrão do crescimento. Sua intenção é fortalecer e depender Os consulados brasileiros instalados nas maiores cidades
obrigando a rotina jurídica ocupar o lugar que deveria ser de
pouco, o compasso da felicidade binária africana e latino-americana notadamente do mercado interno para desviar das ciladas do modelo da RPC guardam dados exatos porque oficialmente expedem
educadores, físicos, matemáticos, biólogos, médicos, etc.
se compassa no aumento do preço das commodities. Grandes calcado em produção para o exterior e investimentos fora. A crise do os passaportes. Livres do visto de entrada e outras burocracias,
As manufaturas orientadas para produtos de grife “made in
beneficiários, num lado destaca-se Angola, Nigéria, Sudão e no Ocidente impulsionando medidas protecionistas na União Européia, podem viver no Brasil como os demais da população. Nesse caso
Brazil” ou “made in Argentina” como bolsas, roupas de luxo, óculos
outro, dentro da América Meridional, a Argentina, o Brasil e a mais a queda do poder de compra estadunidense ensinaram aos específico, o uso da lusofonia, ainda que de grande necessidade
e lentes também desapareceram. Acabaram substituídas nas
Colômbia. Via de regra, de um continente o dragão suga petróleo chineses que o modelo exportador tem limites. para um melhor desempenho desses “capitalistas planejados,”

234 235
propaga-se menos que o esperado. Nessa classe de nascidos para O DESPERTAR DO UNILATERALISMO No centro das atenções das relações internacionais, a jovem Soviéticas. Outrora generosa distribuidora de presentes em nome
trabalhar nos países do Mercosul, efetivamente poucos comungam República Popular fundada em 1949 brilhou com suas contribuições da ideologia socialista, Moscou cooperava sem contrapartida de
a cultura latina. CHINÊS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NOS nos encontros do não alinhamento. Cada vez menos próxima da contratos por petróleo e minerais.
Na África, certa parte da mão de obra chinesa recrutada para ESTADOS FRACASSADOS sombra que lhe fazia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Pragmática, a mão chinesa que doa palácios, centros de
edificar prédios vistosos como palácios, tribunais e parlamentos nos anos 1960 e 1970, mais que em outros, Pequim mostrou à conferência, hidrelétricas, hospitais e escolas jamais volta vazia.
vive em canteiros de obra onde a cultura e os hábitos chineses se Do século XVIII até primórdios do XX, a presença dos coolies se comunidade das nações a dimensão ideológica da sua identificação Prepara em geometrias variadas, o exercício da unilateralidade. Pela
prolongam noite e dia.17 De raríssimos contatos e sem integração marcou por incontáveis sacrifícios no solo americano. Não nasceu com o Terceiro Mundo. periferia inteira obras de engenharia e créditos cativam governos
com a população nativa, essa última recebe os citados estrangeiros hoje a vocação dos trabalhadores e comerciantes que atravessam Por um bom tempo, o sistema chinês aperfeiçoou sua revolução democráticos e ditatoriais. Nos países do resto emergente,
nem com vaias, nem com aplausos. Há agentes da sino- cooperação mares e desertos do mundo. No tempo da longa Idade Média e construiu as bases do atual progresso. Aliás, bases que o indefinidamente apoiados na exportação de minerais e de grãos,
na África, que se alimentam, tem roupa lavada, recreiam e dormem Européia, no Império do Meio, descobertas e avanços técnicos se Ocidente Próspero prefere não entender. Por preguiça intelectual, as suntuosas “doações” chinesas enfeitam suas capitais. Para
em navios ou em canteiros de obras que parecem extensão do multiplicavam. Na Dinastia Tang, (618 a 907) do tronco reunificador equivocadamente debita na conta da mão de obra barata o mérito Angola, Djibouti, Gabão, Sudão, Etiópia, Madagascar, Moçambique,
Império do Meio. da Nação, a inspiração da arte de governar provinha de Confúcio. do sino desenvolvimentismo. Nigéria e África do Sul, último a entrar nos BRICS e o maior parceiro
No que diz respeito à presença chinesa nas relações Centralizada a administração, o comércio com o exterior cresceu. Na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o pipocar de de Pequim no continente africano, entre as obras arquitetadas e
internacionais, Pequim não traça uma, nem duas estratégias, Abriu-se então a era da glória com a invenção da pólvora, da democracias suspeitas aporta substancias que encorajam a enorme doadas por Pequim, várias são motivo de orgulho.
porém centenas delas. Boa parte as empresas estatais as arquiteta. imprensa, das bibliotecas de pedra e das poesias sob o esplendor passividade da população. No ambiente de frustrações e decepções Merece ser lembrado que por meio da parceria sino-espacial até
Contemplando estados fracos e frágeis, a cooperação e o trabalho da arte budista. do terceiro-mundismo, meio século depois de Bandung ressurgiu hoje o Brasil não desenvolveu tecnologias para enviar ao cosmo
conjunto se fazem de ponte que liga os interesses econômicos Nos anos de 1368 a 1644 a Dinastia Ming ergueu a Grande uma China que economicamente, de dia é um dragão econômico. satélites em seus próprios foguetes. Com segredos guardados sob
do capitalismo amarelo às realidades da periferia, porém, sem Muralha sem fechar-se de todo. Nesse período seus súditos Já nas caladas da noite, na parte política ela se transmuta em lagarto sete chaves, os chineses ganham lançando satélites para o Brasil e
transformação para o melhor e o mais justo. freqüentavam a Índia e a África trocando presentes e idéias. Do político. fazem o mesmo para a Nigéria por meio do NIGCOMSAT-1.
por do sol do sino-feudalismo no século XVII aos prolegomenos do Potência distanciada da práxis maoísta, acomodada com as Numa mostra de intervencionismo econômico desideologizado
movimento de emancipação política da maioria dos países de língua contradições dos Estados fracassados, foi no mundo da desigualdade e amparado por um bilateralismo generoso, a China Railway
portuguesa no século XX, na Indonésia a Conferencia de Bandung que a RPC encontrou lugar para satisfazer suas necessidades Construction Corporation Limited, a pedido do Coronel Kadafi
em 1955 calhou como um sopro de esperança para os processos básicas. Laboriosa tocadora de obras de infra-estrutura que construiu a linha de Trípoli a Surte e de Misratah à Sabba. No Império
de descolonização e não alinhamento acalentados pelo maoísmo. viabilizam o escoamento de minerais, petróleo e grãos, Pequim do Centro dificilmente se sabe quem dosa mais o pragmatismo
recentemente ocupa um espaço consideravelmente maior que os circunstancial da atual política externa: se é o Partido Comunista ou
17 BANGUI, Thierry. La Chine, un Nouveau Partenaire de Développment de L’Afrique. L’Harmattan,
Paris, 2009.
conhecidos antigamente pela União das Repúblicas Socialistas as poderosas empresas estatais.

236 237
Na República Democrática do Congo, Pequim abriu uma linha exemplo das experiências passadas do unilateralismo estadunidense e Timor Leste, o Império do Meio se entende e tem interesses raiz o perigo do contágio de ameaças, venham das seitas como a
de crédito para construção de rodovias e ferrovias. Ligarão as minas nas relações internacionais, a do poder chinês igualmente principia objetivos com todos da Comunidade dos Países de Língua de Falun Gong, totalmente desarticulada em 1999, venham dos
aos portos e de forma mais eficiente do que os serviços belgas. como potência econômica e certamente terminará como potência Portuguesa. Quase da mesma forma, os negociantes chineses levantes dos filhos da tribo de Ismael.
Diga-se de passagem, serviços que não deixaram saudades em militar.18 procedem com a Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Certamente não será pelo temor do terrorismo e do radicalismo
Kinshasa. Unindo as peças da política de cooperação da RPC com a Suriname e Venezuela, os oito membros da Organização do Tratado islâmico que Pequim abdicará da sua realpolitik de negócios com
Na mineração, as estatais do capitalismo amarelo procedem no política de importação de minerais raros encontrados na natureza, de Cooperação Amazônica, OTCA. a monarquia da Arábia Saudita e com ditadores árabes, africanos,
solo sul-americano em suas jornadas de exploração da natureza do seja na África, seja na América Latina, constata-se que as ações, O sino-comércio, ao contrário do belga, do frances e do ingles, europeus, asiáticos e latinos, todos de longa vida e de larga
mesmo modo que as multinacionais que eles tentam ultrapassar. algumas são de curto e outras de longo prazo. Em certos casos, por entre outros, abriu ao máximo o leque da cooperação. Com o maior experiência na manipulação do poder. Os privilegiados negócios
Ou seja, a Anglogold Ashanti, a DeBeers, a BHP Billiton e a Phelps exemplo, no do lítio boliviano, indispensável na indústria eletrônica número possível de governos ele assina contratos de exploração. com o Coronel Muamar Kadafi explicam os investimentos de Pequim
Dodge, entre outras. ele é importado rápido e na maior quantia possível. Discretamente Faz isso até mesmo em territórios onde a presença de minerais na Líbia, assim como as excelentes compras de petróleo ali feitas
As bolsas de estudos, os centros de capacitação de curto e exportado para a China, o lítio da Bolívia relembra o urânio brasileiro, nobres não está garantida! Nessa espécie de loteria, as estatais pela Itália no Governo Berlusconi .
longo prazo construídos na República Popular para formação de até poucas décadas passadas negociado a preço de banana e chinesas do ramo do petróleo e dos minérios obtiveram fantásticos Tal qual na América Latina onde ocupou formidáveis espaços
profissionais oriundos dos países em vias de desenvolvimento agora depositado nos estoques estratégicos dos EUA. lucros com mouros e cristãos. abandonados pelos agentes do capitalismo ocidental, a dimensão
atualmente treinam elites que serão as pontes entre o Império do Os hui em Shaanxi, Henan e Hebei no Norte, mais os mulçumanos do capitalismo amarelo no restante dos Estados fracassados guarda
Centro e a periferia mundial. Aí oferecem cursos para jornalistas, uigures da província de Xinjiang testemunham a presença em um conteúdo multimodal. De forma ou outra obedece à recente
administradores de empresa, médicos, enfermeiros, engenheiros,
O CONTEÚDO MULTIMODAL DO seu território de populações islâmicas. Há centenas de anos elas divisão internacional do trabalho. Na África, a Fábrica do Mundo
docentes, etc. A maior parte, ainda ministrada em inglês, oferece CAPITALISMO AMARELO transformam a China, depois da Indonésia e do Paquistão, em um se abastece de petróleo e de recursos minerais. Da mesma forma
visitas técnicas e aulas práticas. dos rincões da terra com maior número de maometanos. que depende dos grãos e do minério de ferro dos vizinhos asiáticos
O Centro de Conferências da União Africana em Addis-Abeba Pequim, por meio do Fórum para a Cooperação Econômica e Cerca de trinta e cinco mil mesquitas abrem portas para um pobres, Pequim avidamente os compra e retira da carroça puxada
construído e presenteado por Pequim e os mencionados cursos Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa cujo número de fiéis que ninguém diz ao certo quantos são. A contagem pela quadriga mercosulina.
de extensão organizados pelo Ministério das Relações Exteriores e Secretariado Permanente está em Macau, visita com regularidade variando de sessenta a cento e vinte milhões de mulçumanos A onipresença sino-econômica percebe-se tão intensamente nas
Ministério do Comércio se fazem de cereja do bolo da cooperação a estrutura octogonal da CPLP. De bem com Angola, Brasil, Cabo aumenta ou diminui nos conformes das conveniências políticas. “feiras do Paraguai” espalhadas pelo Brasil, quanto nas casas e nas
internacional chinesa. Tendo em vista a relevância da formação Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe A fé que anima os ismaelitas chineses - verdadeiro insulto ao ruas da européia Ucrânia, Belarus, Moldova, Bulgária e Romênia.
de interlocutores locais para o novo poder unipolar em gestação, materialismo histórico maoísta - concentra expressiva parte das Nas estradas africanas marcas como Chery, Ploarsum, JMC e
centenas de institutos Confúcio espalham pelo mundo conhecimentos preocupações do Governo Central, do seu aparato de informações Yuejin substituem os clássicos automóveis alemães, japoneses e
18 MICHEL, Serge & M. Beuret. La China afrique – Pékin à la Conquête du Continent Noir.
da língua e da sofisticada cultura do Império do Meio. Seguindo o Éditions Grasset & Fasquelle, Paris, 2008.
e dos serviços de segurança nacional. O Estado tenta podar pela estadunidenses.* Ela também se exibe nas prateleiras das farmácias.

238 239
Aí os remédios dos grandes laboratórios ocidentais começam perder Com a South África Petroleum Corporation, as estatais chinesas Entre os emergentes do resto do mundo, a gritante inexistência tropicais, pontes, metrôs, ferrovias, aeroportos, tratamento de água
espaço para os medicamentos chineses que aproveitam da tradição exploram variados campos petrolíferos na Nigéria. Ou seja, a de produtos manufaturados latino-americanos e africanos se e esgoto, gasodutos, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia
das práticas de cura da medicina africana e latino-americana rede de alianças ostensivas ou discretas, tecidas pelos interesses constata nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais nas e exploração de minério, tudo isso faz as construtoras nascidas no
apoiadas no uso de plantas medicinais. energéticos do capitalismo amarelo detém uma lógica que faz o cidades chinesas. Da mesma forma, inaceitável, a falta de artigos Brasil.
Centenas e centenas de empresas do Império do Centro, sejam multilateralismo diplomático das empresas estatais ser quase uma latinos no continente negro desmotiva a demanda por produtos Do ramo e com tradição de serviços, a Andrade Gutierrez,
as mais modestas do ramo têxtil, sejam as mais sofisticadas e extensão do bilateralismo tradicional. africanos no Ocidente Afastado. Tudo isso ocorre não é por falta Braskem, Camargo Correa, Gerdau, Mendes Júnior, Odebrecht,
complexas do setor dos satélites de comunicação e computadores, O camuflado desinteresse da República Popular da China pela de multinacionais brasileiras ou mexicanas, mas pelo modo como Petrobras, Usiminas,Vale e outras, pouquíssimas delas na África ou
quase todas dominam mercados na periferia mundial. ampliação do número dos membros do Conselho de Segurança atuam. no Oriente Médio conseguem concorrer com as chinesas protegidas
Quando a busca dos negociantes chineses pelo conhecimento das Nações Unidas, injustamente preso ao poder de veto dos cinco Grandes empresas de alimentos como a AmBev, Camil, JBS pelo capitalismo amarelo. Essas últimas contam com o apoio de
dos mais falados idiomas na África se confunde com seus planos membros permanentes, combina com o cinismo da China, Estados e Marfrig, entre outras, aprenderam vender apenas no atacado. todo o aparelho do Estado, inclusive do Partido Comunista, seu
econômicos, o interesse pela lusofonia ultrapassa nostalgias em Unidos da América, França, Grã Bretanha e Rússia por mudanças Esquecem o varejo do mercado dos países que são pequenos notável aliado.
busca de mercados para projetos de longo prazo. Não é por menos para ficarem onde estão. Tão urgente quanto despertar a ONU e compradores; não pressionam os congressistas para remover leis Em 2008 os produtos com valor agregado made in Brazil
que cerca de 20.000 jovens hoje aprendem por meio de métodos trazê-la para os novos tempos é colocar um pouco de ordem e de bitributação incompatíveis com as novas relações econômicas representavam 2,3% das exportações direcionadas ao Império do
intensivos o português. Precisam comunicar para negociar nas honestidade na lei da selva das relações internacionais. Proveniente internacionais e se acomodam silenciosamente com a doentia Centro. Em 2010, afogados por commodities que desindustrializaram
sociedades onde se expressa nessa língua. Diferentemente das de geografias variadas há tiranias que recebem declarada proteção burocracia estatal. * Também se deixam enganar por uma diplomacia a economia nacional as mesmas despencaram para míseros 1,3%
transnacionais ocidentais atuando relativamente fechadas, as do Império do Centro. A Coréia do Norte é um emblemático mais realista do que o rei. Ao ceder diante de pressões, leva a do total.21 Para que tal situação assim continue, os Estados
multinacionais chinesas geralmente associam-se com empresas exemplo. Outras ganham apoios discretamente engenhados por acordos permitindo que o controle da lavagem de dinheiro nessa fracassados permanecerão formando advogados de sobra e
locais. Tal gesto as obriga ter pessoal com conhecimentos da meio do silêncio guardado por membros permanentes do Conselho periferia mais penalize os investidores nacionais que os dos países praticamente nada de engenheiros ou cientistas capazes de criar
cultura e da fala do anfitrião.19 de Segurança. centrais.20 maquinário de última geração para fabricar produtos com valor
O trabalho conjunto na exploração do petróleo, por exemplo, Pequim veta adoção de sansões contra ditaduras que lhe No ramo da construção de infraestrutura, as multinacionais agregado. Por tudo isso, chega da China até o papel higiênico e os
entre a PETROBRÁS e a SINOPEC, entre a SINOPEC e a angolana fornecem petróleo e minerais em nome da não interferência em verde-amarelas tem largos anos de experiência no exterior e as absorventes importados pelos fracassados países exportadores de
SONAGOL já é realidade. Outras grandes do hidrocarbureto como a assuntos internos de outros. Por exemplo, as que sangram o chinesas não. Construção e asfaltamento de estadas em terras minério, petróleo e grãos.
China National Offshore Oil Corporation e a China National Petroleum Zimbábue e o Sudão fornecedor de 15% ou mais, do petróleo por
Corporation se associaram com a GEPetrol da Guiné Equatorial. ela consumido. Os Estados Unidos da América sistematicamente
vota contra as tentativas de condenação de Israel pela sua política 20 LOHBAUER, Christian. “Atuação de empresas brasileiras nos países vizinhos: construindo
infraestrutura ou consolidando a dependência?” In: O Brasil no Contexto Político Regional. 21 LANDIN, Raquel. “Agenda China de Lula frustrou setor privado.” In: O Estado de São Paulo,
19 PROCÓPIO, Argemiro. O Século da China. Curitiba, Editora Juruá, 2010.
de ocupação de terras palestinas, etc. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, 2010. B6, 3 de março de 2011

240 241
A DIPLOMACIA COMERCIAL E A de documento de identidade. Passaporte serve para viagens ao Alemanha e a República Federal da Alemanha, até meses antes da chegam de mãos vazias como certos europeus e estadunidenses,
estrangeiro e não na China que querem una e próspera. queda do muro de Berlim em 1989. Inseparáveis pela cultura, pelas que sem arte empacotam a democracia desacompanhada do pão
REUNIFICAÇÃO EM CURSO Acredita-se que os seguidos recados da diplomacia de Pequim, tradições políticas, pela história e pelo milenar weltanschauung, a de cada dia, é porque na periferia, a incongruência interesseira do
difíceis de não ser levados a sério por Taipé, se intensificarão. Alemanha injustamente dividida pariu partes que desempenhavam capitalismo amarelo investe dez e retira mil!
Imbatível, respeitada pelo mundo por causa do seu dinamismo, Aumentarão o espaço de manobra do Partido Comunista na mesa papel de inimigas sem ser. Em troca a RDA recebia moedas podres
a diplomacia comercial de Pequim faz parte de uma rede onde das negociações pela unificação que ninguém pode garantir que e a RFA investimentos em sacrifício de sua soberania. Ambos sob os
o político, o cultural, o econômico, o estratégico e a segurança não esteja em curso. aplausos do dividido público no teatro da bipolaridade.
LUTA CONTRA OS TRES DESEQUILÍBRIOS
nacional dão as mãos. Dessa forma, tanto seus problemas com Visto que a tradição chinesa não deixa as coisas para última A cada ano aumenta o pagamento pelo relacionamento
os tibetanos e islâmicos separatistas, quanto com os taiwaneses hora, não é de hoje que ambos os lados pacientemente preparam diplomático e encurta a lista dos nomes que mantém embaixadas O carvão, petróleo, madeira, soja, carne, algodão, ouro, pedras
contrários a reunificação, recebem soluções de longa duração. o caminho para uma reunificação com benefícios mútuos. A Taiwan em Taipé. Reduzidos, os seguintes países ainda lá estão: Belize, preciosas, lítio, nióbio, bauxita e tantos outros minerais saem de
Lembrando o tratado de Shimonoseki de 1895 por meio do interessa a segurança. Pouco se importa com as velhas preferências Burkina Faso, República Dominicana, El Salvador, Gâmbia, terras adotadas pelo poder sino comercial que cativa as elites do
qual a China derrotada na guerra contra os japoneses perdeu e vantagens, atualmente mal garantidas pelos Estados Unidos da Guatemala, Haiti, Honduras, Ilhas Marshall, Nauru, Nicarágua, Palau, resto mundial em ascensão. De experimentada prática com as
Taiwan - devolvida com a rendição nipônica na II Guerra Mundial América em crise. Panamá, Paraguai, São Tomé e Príncipe, Swaziland, Kiribati, Ilhas desigualdades, nessa relação de troca injusta, o montante exportado
- sabe Pequim que a volta de Formosa com vinte e três milhões Coroados de sucesso os casos de Hong Kong e de Macau, sabe Salomão, Tuvalu e a Santa Sé. A gradativa deserção dos parceiros apenas os importadores chineses são capazes de detalhar! Por
de habitantes ao seio pátrio não é mais questão de tempo ou de Pequim ser Taiwan a última carta guardada no bolso por Washington. diplomáticos não mais surpreende. Apenas desencoraja Taipé a isso, cativar os parceiros estratégicos cujos produtos garantem a
paciência diplomática. O Partido Comunista encara a política com Por isso, no jogo diplomático, a raposice chinesa ora transformada prosseguir com a Política de Duas Chinas. segurança alimentar e a segurança energética é a prioridade de
Taipé uma questão doméstica, para ninguém de fora interferir! em lobo, ora em cordeiro, aparece em campo geopolítico como Existem países onde os agrupados interesses econômicos da Pequim.
Entende que a reunificação levará o mundo compreender a RPC superpotência assimétrica.22 Merece ser relembrado que a China Insular e da China Continental se confundem. No mercado Ocupadíssima a partir de 2010 com a luta contra os três
dentro das suas fronteiras históricas. A partir daí espera tratamento dependência mútua na parceria sino-estadunidense é, de longe, a negro paraguaio, por exemplo, lá ninguém separa o que chega de desequilíbrios, a classe dirigente política faz periodicamente
de primeira potência mundial, tal qual provavelmente será. maior e mais intrincada do mundo! uma ou de outra. Durante anos, animadas pela prática dos “cheques autocríticas. Nas palavras de Wen Jiabao quando da abertura do
Nas relações internacionais, o degelo seguido de sigiloso diálogo Por vezes as atitudes de Pequim - distintas da relação do Vietnã em branco” que recebem em petróleo e matéria prima do “resto Congresso Nacional do Povo em março de 2011 se disse que na
entre Taipé e Pequim certamente afoga expressivas ambigüidades e do Norte com o Vietnã do Sul antes da unificação - relembram o do mundo”, as relações de Taiwan e da República Popular com China o desenvolvimento anda “insuficientemente balanceado,
paradoxos internos em ambos. Por exemplo, Taipé é a capital que ultrapassado discurso da Coréia do Norte contra a Coréia do Sul. os emergentes se estreitam com distribuição de presentes como insuficientemente articulado e que não é bem sustentável.”
mais investe na China, fato que permite avisar que a reunificação Coisas semelhantes também faziam a República Democrática da os anteriormente mencionados. De diferentes pesos e medidas, A baixa qualidade do grandioso crescimento levou a adoção de
está em curso. Para trabalhar ou visitar um lado ou outro, o geralmente as duas doadoras douram demasiadamente o embrulho, modelos extremamente predatórios. A correção e o aperfeiçoamento
cidadão chinês, não importa onde tenha nascido, precisa apenas quase sempre de maior preço do que o próprio conteúdo. Se não das escolhas nacionais exigem a utilização de fontes energéticas
22 ZAKARIA, Fareed. O Mundo Pós-americano. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.

242 243
não fósseis, com menos minerais e menos desperdícios.23 O soterravam na lama do mundo ao único povo com cinco mil anos how que possui da luta contra o subdesenvolvimento ainda deixam BIBLIOGRAFIA
empresário camarada, quando esclarecido, almeja um crescimento de história contínua, os milhões de novos ricos são os intocáveis do esperanças. Dependendo da coragem e da vontade política
endógeno e independente dos importadores dos seus produtos capitalismo amarelo. presentes na grandiosa sociedade chinesa, onde honra e tradição ARENDT, Hannah. Lições sobre a filosofia política de Kant. Rio de Janeiro: Relume/
manufaturados, bem como dos países exportadores de matéria Inteiradas de que quanto maior o volume, maior será o tempo tem lugar, certamente encontrarão meios para frear as desmedidas Dumará, 1993.
prima. Se tal desiderato obtiver sucesso, ele afetará positivamente, de sua inversão, e principalmente para evitar que as ondas longas ambições do capitalismo amarelo.
BANGUI, Thierry: La Chine, um nouveau partenaire de développement de l Afrique.
tanto o capitalismo amarelo quanto um de seus braços que é a e cíclicas de Nikolai Kondratiev * transformadas em tsunamis Da mesma forma que os demais, o capitalismo amarelo cresceu Paris: L Harmattan, 2009.
atual diplomacia de compra e venda de Pequim, despreparada para destruam a cooperação Sul/Sul, as potencias precisam substituir e expandiu sem respostas para uma nova sociedade mundial menos
enfrentar a recessão transnacional. suas rivalidades pelo trabalho conjunto. Se a China entender ser desigual. BETTELHEIM, Charles; CHARRIÉRE, Jacques; MARCHISIO, Héléne. La
construction du socialisme en Chine. Paris, 1972. Collection Maspero.
Cientes que um dia ou outro a crise mundial baterá em suas melhor perder o anel do que o dedo, por meio de um multilateralismo O legado da política democrática desrespeitosa para com a
portas, os empresários chineses promovem deslocamentos e cooperativo ela terá que distribuir melhor com o Brasil, a Rússia, práxis da justa distribuição da renda, o legado da liberdade que BÍBLIA SAGRADA. Tradução da Vulgata pelo Pe. Matos Soares. São Paulo: Edições
investem na expansão do setor de serviços. Felizmente, grandes a Índia, a África do Sul e outros, a exagerada porção de arroz roubou o espaço da fraternidade e da igualdade, ambos estão no Paulinas, 1977.

somas se canalizam para pesquisas à procura de novas fontes acumulada em seu prato. Para cooperar, em boa hora o BRICS testamento do ocidente enfermo. Caso a China aceite tal herança CHINA. Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional. Brasília:
energéticas. Paralelamente à política de correção contra a perversa apareceu. por causa de seus interesses comerciais, na qualidade de potencia Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.
distribuição da renda que nos últimos anos ameaça corroer a China Visto que as ondas vão e voltam, para a história manifesta mundial ela subscreverá através das lentes do novo unilateralismo,
CLAUSEWITZ, Carl von. Penser la guerre. Paris: Gailimart, 1976. Foreign Affairs –
inteira, temerosos da contaminação com vírus Brasil - seu parceiro do capitalismo amarelo, a decadência ocidental joga a seu a desesperança no horizonte por mudanças estruturais nas relações Edição Brasileira, publicação da Gazeta Mercantil, 10 set. 1999.
nos BRICS – altos dirigentes falam da desconcentração. Pensam desfavor. Favorece a multiplicação de perigos em períodos não internacionais. Abraçará fortemente a alegre irresponsabilidade da
lutar contra as desigualdades regionais e querem espalhar pelo necessariamente previsíveis. Rivalidades passadas entre antigas manutenção de um modelo de crescimento que a sabedoria do CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravidão no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1975.
interior pobre, os poderosos pólos exportadores. Excessivamente potências como a Alemanha, Estados Unidos da América, França, tempo e as ondas da natureza se encarregarão de conter.
apinhados em Xangai, Zhejiang, Jiangsu, Guandong e Hong-Kong, Inglaterra, Japão e Rússia, encubadas no presente com novas FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Nacional, 1970.
tais pólos necessitam de espaço para melhor andar. cepas de vírus podem pestear o relacionamento Sul/Sul.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das ciências filosóficas. Rio de
O que tardiamente entenderam alguns dos atuais dirigentes A exploração colonial perpetrada por países ocidentais, caso Janeiro: Globo, 1985.
do Partido Comunista é que tal medida não basta para conter o venha renascer nas atuais relações do Império do Meio com os
implacável apetite dos milhões de novos ricos daquele país. Grandes países de desenvolvimento retardatário tecerá uma nada saudosa Die Phaenomenologie des Geistes. Petrópolis/RJ: Vozes, 1992.

beneficiários da volta das brutais diferenças sociais que até 1949 trama. Repetirá o capítulo das desigualdades na economia das Filosofia da História. Brasília: UnB, 1998.
relações internacionais. Todavia, a solidez da memória sino-
sociológica que igualmente foi vítima do colonialismo e o know Princípios da Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1995.
23 PROCÓPIO, Argemiro. No Olho da Águia. São Paulo: Editora Alfa Omega, 2002

244 245
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e PROCÓPIO, Argemiro No Olho da Águia, Editora Alfa Omega, São Paulo
civil. São Paulo: Editora Ícone, 2000.
PROCÓPIO, Argemiro. Da Amazônia ao Tibete. In: Correio Braziliense. Brasília, 15
HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Tradução portuguesa. Lisboa/Rio de maio 2001.
Janeiro: Ulisséia, [s. d.] PROCÓPIO, Argemiro. Diplomacia e Desigualdade. Curitiba: Juruá, 2010

KONDRATIEFF, Nikolai D. As Ondas Longas da Conjuntura. Rev. de Occidente, PROCÓPIO, Argemiro. O Brasil no Mundo das Drogas. Petrópolis, Ed. Vozes, pag.
Madrid, 1946 (1926). 106

LÊNIN, V. I. . O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. Brasília: Nova Palavra, PROCÓPIO, Argemiro. O Século da China, Juruá Editora, Curitiba, 2010
2007.
Modelo dissociativo: uma saída para a crise brasileira. In: Jornal de Brasília, 05 dez.
1982.
LEVINAS, Emmanuel. A L’heure des Nations. Paris: Minuit, 1988.
Narcotráfico e segurança humana. São Paulo: LTr, 1999.
LOHBAUER, Christian. Atuação de empresas brasileiras nos países vizinhos:
construindo infraestrutura ou consolidando a dependência? In: O Brasil no contexto
Subdesenvolvimento sustentável. 5. ed. rev e ampl. Curitiba: Juruá, 2009.
político regional. Cadernos Adenauer, 2010, p.215-231.
Tratado de cooperação amazônica e suas implicações ecológicas. In: Ibero-
LUKÁCS, Gyorgy. History and class consciousness. Cambridge: MIT Press, 1971. Amerikanisches Archiv. Berlim, 1991.

MANN, Thomas. Buddenbrooks: Verfall einer Familie. Berlin: Fischer, 1951. SEGAL, Gerald. A China não é tão importante. Foreign Affairs – Edição Brasileira.

MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. MAO, Tse-tung. Como Yukong removeu as montanhas. In: Citações do presidente
Mao Tsé-Tung. Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras, 1972.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifest der Kommunistischen Partei. São Paulo:
Nova Cultural, 1988. Citações do presidente Mao Tsé-Tung. Pequim: Edições em línguas estrangeiras,
1972.
MEDINA, João. Salazar, Hitler e Franco: estudos sobre Salazar e a ditadura. Lisboa:
Livros Horizonte, 2000. Obras escolhidas. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1979.

MICHEL, Serge & BEURET, M: La Chinafrique – Pékin à la Conquête du Continent VIÑAS, Angel. El desplome de la República: La verdadera historia del final de la
Noir. Éditions Grasset& Fasquelle, Paris,2008 Guerra Civil. Barcelona: Crítica, 2009.

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrópolis: Vozes, 2000. SENNER, Walter: Meister Eckhart in Köln. In: Klaus Jacobi (Hrsg.): Meister Eckhart:
Lebensstationen – Redesituationen. Berlin, 1997, S. 207–237.

246 247
For the Portuguese, Salazar remains unthunkable. of the twentieth century. Salazar was a professor of Finance and
Vasco Pulido Valente Economics at the University of Coimbra and a conservative Catholic
influenced by Charles Maurras and Pope Leon XIII when he became
The overwhelmingly manifest link between the long-lasting Portugal’s Minister of Finance (1928-32) and then Prime Minister
Iberian dictatorships of Salazar and Franco and the extensive (1932-69). In the New State’s, or Estado Novo’s, foundational years
repository of cruelties committed worldwide throughout the of 1930-33, he argued in favor of a provisional dictatorship (which
twentieth century is given a subtle introduction in the elegant ended up lasting four decades); the reactivation and growth of the

Intelectuals for Tyranny: prose of Salazar’s justification of dictatorship written in 1930. As


I will argue, Salazar, who was his own speechwriter, excuses his
Portuguese colonial project in Africa, as formalized in the Colonial
Act of 1933; and a new Constitution for the Portuguese New
Pessoa and Salazar (1928-1930) political practice of lasting dictatorship by way of reliance on the State. Salazar’s dictatorship, unlike Mussolini’s in Italy or Hitler’s
(lack of) revision of his text, in which he is defending provisional in Germany, did not emphasize modern industrialization and he
dictatorship. Instead of denouncing ideologies from an elevated and would recurrently and in strong terms distance his politics from the
comfortable spot (not unlike that of Salazar himself, who in 1930 totalitarian approach to dictatorial rule. On the contrary, his right-wing
was intensely at work condemning the ideology of liberalism), I revolution, which was predicated on the criticism both of nineteenth-
prefer to engage messily in revisiting arguments, which often implies century Portuguese liberal movements under the monarchy and of
replaying and paraphrasing them. Therefore, I intend to rely as little the politically failed democratic First Republic (1910-26), took a clear
Victor K. Mendes as possible on the conceptualization of ideology in what I have to anti-modernist stance, proposing a return to the rural virtues of the pre-
say about Salazar’s counter-intuitive, very successful and, from a nineteenth-century ancien régime, while stressing the symbolic triad
University of Massachusetts Dartmouth pragmatic point of view, cynical justification of dictatorship in 1930. of God, Fatherland and Family (Deus, Pátria e Família). The political
USA representation of individuals through elections was stigmatized
      In short, who was Salazar? António de Oliveira Salazar (1889- as an artificial and unnecessary importation of ideas foreign to
1970) was the dictator who ruled over Portugal and its colonial the Portuguese nation, whose exceptionalism was concomitantly
empire — comprising the African colonies of Angola, Mozambique, emphasized; only “natural” representation of native social formations,
Portuguese Guinea (now Guinea-Bissau), Cape Verde and São Tomé such as professional organizations, was considered legitimate within
and Príncipe, and the Asian colonies of Goa, Daman and Diu in India, Salazar’s arguments in favor of corporatism (corporativismo). The
Macao in China, and East Timor in Indonesia — over several decades National Union (União Nacional), the party of all parties founded in

248 249
1930, became the regime’s single autocratic political organ. Despite Salazar and his regime have been a recurrent if diffused presence Salazar’s Catholic virtues as a single and pious man “married to his monarchic. Between 1910 and 1926, the country is a case-study
the dictator’s academic background, Salazar’s New State was by in some of the most celebrated works of Portuguese fiction published homeland” (casado com a pátria) and his several very private love for political instability in Europe, with the outstanding number of
no means just an intellectual revolution; the alliance with the military, after the advent of multiparty democracy and decolonization, such as affairs and cruel manipulation of women’s feelings for him. 44 governments in 16 years. Due mainly to severe lack of stability
the creation of a political police, the reinforcement of censorship and the acclaimed 1996 novel by António Lobo Antunes, The Inquisitors’ affecting the parliamentary liberal democracy and deeply unbalanced
the establishment of a camp for political prisoners (Tarrafal in the Manual. Salazar’s presence in Portuguese mass media has intensified annual state budgets, there was room for the installation of a military
colony of Cape Verde) were all facets of the institutionalized cruelty in the first decade of the twenty-first century. He has become, for
1. dictatorship in 1926 with the support of decisive forces, including —
that became established practice of the New State, well beyond the example, one of the proeminent puppets of the popular fake-news two years later — the Modernist poet Fernando Pessoa who wrote an
rhetoric of persuation favoring dictatorship. After the Spanish Civil show Contra Informação, broadcast since 1996 by the state-owned The recurrent failures of multiparty systems after World War I essay titled “Defense and Justification of the Military Dictatorship in
War (1936-39), in which Salazar took the side of Franco against Portuguese television network RTP. In 2007, the same network across continental Europe, combined with a vital need to borrow Portugal” in 1928. As the leadership of the armed forces was unable
their common Communist enemies, the dictatorship organized its produced the show “Greatest Portuguese” (Grandes Portugueses), financial resources from America (the need to look for help to another to face the country’s economic challenges, it invited a professor of
most spectacular public event to celebrate its accomplishments modelled on the British show “Greatest Britons”, which also had continent reappears as America itself in the first decade of the twenty economics—Salazar—from one of the oldest universities on the
in renewing its totalitarian component of the “Portuguese Man”: versions in the United States, Canada, France, Germany, Ukraine, first century depends on huge financial loans from China, highlighting continent, Coimbra, to join the government. As Finance Minister from
the grand Exhibition of the Portuguese World in Lisbon in June South Africa, and New Zealand. To the deeply serious consternation an ongoing displacement of capital reserves from Europe to America 1928, Salazar imposed progressively a financial dictatorship and,
1940. Staunchly allied with the Catholic Church, Salazar insisted, of the country’s intellectuals and academics, Salazar was declared and more recently from America to China) — these failures and between 1929 and 1932, was able to persuade (mainly through his
during the Second World War and in its aftermath, on maintaining by viewers the greatest Portuguese of all time, winning 41% of their financial dependence were components of a political environment in eloquent speeches and economic performance) the upper classes,
Portugal’s neutrality and over and over again stressed the country’s votes. At the time, the most celebrated living Portuguese intellectual which a more or less permanent dictatorship became a credible and, the military and the Catholic Church, as well as a vast majority of
exceptionalism. The anachronistic Portuguese overseas empire, authority, the philosopher Eduardo Lourenço, wrote a short essay in some cases, actively popular alternative to democracy.[1] his countrymen, of the advantages of a single-party closed society
reaching “from Minho to Timor” (i.e., from northern Portugal to for the weekly magazine Visão, arguing that this outcome simply Between 1920 and 1938, 16 of the 28 European states shifted over a liberal multi-party system. He thus argued explicitly and
Indonesia), which had been the first and remained the last of confirmed that the Portuguese are very pragmatic: Salazar’s election from representative democracies with a parliament and elected successfully that dictatorship (albeit an allegedly provisional one) was
Western European maritime colonial powers, deflected some of the on live television, carried out almost 40 years after his death, was governments to dictatorships of the left or right. The Portuguese the best choice for the country and that he would endure for as long
international pressure to decolonize, and, despite the costly wars just an aknowledgement that from a symbolic point of view he had Republic, with a conservative dictatorship since 1926, was one of as necessary the sacrifice of serving as Prime Minister, which in fact
fought in Angola, Mozambique and Guinea since the early 1960s, never been defeated and that the Portuguese are still dealing with them. Much earlier, the small and peripheral Portuguese kingdom happened from 1932 to 1968, making the association of dictatorship
Salazar’s New State survived his death until the very same soldiers his ghost. Beginning in early 2009 on another Portuguese television was founded in 1143 on a strip of Western Europe, expanded and overseas colonialism in the Portuguese version one of the first
who had been fighting to defend the empire overthrew it in the 1974 network, SIC, the mini-series “Salazar’s Women” (As Mulheres de itself overseas through colonialism to Africa, South America and and one of the last, if not the very last, in modern European history.
coup d’état, bringing on a regime change for the metropolis and, one Salazar) has capitalized on the curiosity of audiences about the Asia from the sixteenth century onwards, and became a republic Both ended formally in 1974.
year later, independence for the five African colonies. alleged contradiction between the ostentatious public display of in 1910, a time when the European states were still overwhelmingly

250 251
Salazar’s retrospective narrative of sacrifice for his country was My recurrent use of the verb “to persuade” in describing Salazar’s The gesture of depoliticizing goverment and everyday life, which compared to the big three European dictatorships of the twentieth
framed in the context of the life he had led as an academic and is engagement with his fellow citizens is likewise entirely intentional. relied on conservative Catholic traditions and on naturalized social century (the paradigmatic cases of the Soviet Union, Germany and
well expressed in what he told about his decision (to accept to be Unlike Mussolini, Hitler or Franco, Salazar was no military man units and associations, such as the family (as opposed to the Italy), the suppression of the liberal principles of individual rights and
Minister of Finance in 1928) to French journalist Christine Garnier, and in his impeccable grey suits he did not pretend to be one; he artificiality and foreigness of political parties), played a crucial role effective parliamentary rule, which was in effect for decades in the two
who decades later (in the 1950s) wrote a book on him, Vacances presented himself as a college professor, a colleague of a number in defining Salazar’s corporatist doctrine of the new regime. With it Iberian countries, may rightly be considered of a softer variety. A brief
avec Salazar: “I hesitated all night. I did not know if I should accept of us, who occasionally even wrote some bad poetry in French, and he was justifying simultaneously the advantages of dictatorship over summary of the main facets of a totalitarian regime (Lee 300; Todd 13)
the proposition that had been made on me. I was terribly depressed who enjoyed retaining his scholarly persona and the academic title parliamentary democracy and the powers of what he claimed to be includes the following distinguishing characteristics: first, the regime is
at the idea of leaving the University. […] I was afraid… naturally I was of Professor Salazar throughout his entire political life. In fact, around a very special organization, his National Union, a party that at least based on a doctrine covering all aspects of human existence; second,
afraid. I foresaw the possibility of failure. Imagine, if I had failed to 1930 Salazar was precisely trying to restrain the political influence of in rhetorical terms had the ability and the capacity to absorb all the politics are under control of a single party, lead by a cult personality;
put the finances in order, what would my students have thought of the military in the dictatorship. conventional political parties. third, the citizen is completely subordinated to the dictates of the
me?” (trans. Hugh Kay, Salazar and Modern Portugal 41). Despite Professor Salazar’s speech “Fundamental Principles of the The immensely readable work The European Dictatorships 1918- state enforced and controlled by a secret police and indoctrination
the humble tenor of Salazar’s recollections, as conveyed to Garnier, 1945, by Stephen J. Lee, originally published in 1987, suggests (education, control of the media); and, fourth, the totalitarian state
Political Revolution” of July 30, 1930, summarizes and stresses his
the expression “financial dictatorship” I used above to describe his
peaceful naturalization of politics as a response to the dangerous four main predicates of fascism, the first being a “deep hatred of seeks to impose total control of the economy. The first three items
governance is indeed accurate, as illustrated by the following quote
fiction of the uprooted “citizen” created by nineteenth-century the British and French traditions of democracy”; as he points out, may be traced in Salazar’s dictatorship, but particularly in economic
from his 1928 acceptance speech:
liberalism: “Hitler claimed in Mein Kampf that ‘There is no principle which … terms, the New State never reached the level of control attributed to
is as false as parliamentarianism’” (Lee 15). Secondly, fascism was totalitarian regimes. Salazar’s defense of private property in his speech
The Ministry of Finance shall be entitled to place its veto
“[…] We intend to build the social and corporatist State in close the political antidote to Marxism and for that reason, thirdly, it also of July 30, 1930, is directly linked to “progress in peace and social
on all increases of current or ordinary expenditure, as well
correspondence with the natural constitution of society. Families, became viewed as an economic alternative to Marxism. Finally, order.” Some aspects of the well-developed and widely disseminated
as on expenditure for development purposes, for which the
towns, municipalities, and professional associations encompassing fascism saw Christian morality as an obstacle to the attainment of scholarship of the big three dictatorships cannot be applied to other
necessary credit operations shall not be undertaken without
the knowledge of the Ministry of Finance. all citizens with their fundamental legal freedoms and rights are the power. Therefore, the strategy based on the survival of the fittest European dictatorial experiences.
[The future dictator then added:] I know quite well what organisms composing the Nation and, as such, they should have and the crushing of the weak required military development and Salazar did not come to power as the head of a mass revolution,
I want and where I am going, but let no one insist that the direct intervention in the formation of the supreme bodies of the expansion, leading to “hipernationalistic” politics. In a word, fascism but instead progressively concentrated his power while imposing
goal should be reached in a few months. For the rest, let the State; this is an expression, more faithful than any other, of the presupposed a revolution. undemocratic measures intended specifically to neutralize mass
country study, let it suggest, let it object, and let it discuss, representative system.” (Discursos I 87) The conceptual distinction between totalitarian and authoritarian civic movements and to depoliticize the Portuguese society. The
but when it comes for me to give orders, I shall expect it to dictatorships is quite pertinent to the specialized study of the Iberian word “Revolution” appears in the titles of two of the three influential
obey. (trans. Hugh Kay 42). dictatorships of Franco’s Spain and Salazar’s Portugal. When speeches Salazar delivered in 1930 (“Administrative Dictatorship

252 253
and Political Revolution” of May 28 and “Fundamental Principles the 1930s; the delegalization of the Portuguese Communist Party, the larger picture of the modern European colonial enterprise. 1. There is no other way for the salvation and rebirth of the
of the Political Revolution” of July 30 of the same decisive year). initially founded in 1921, is one of the examples at stake. Despite the rivalry between Mussolini (in power after 1922) and country than military dictatorship.
However, social Darwinism was not part of Salazar’s doctrine for Salazar stressed periodically the differences between his self- Hitler (in power after 1933) for the control of Central Europe, the 2. The “Portuguese mental state” (maybe a version of the
dictatorship. On the contrary, Salazar perceived what he called the assessed benevolent and efficient dictatorship and the ruthlessness alliance between the two states became quite influential as the central German Stimmung) is the product of the deep clash
Nietzschean approach as disruptive. A few years ago, I read online of other European regimes. What Lee’s The European Dictatorships “Rome-Berlin axis.” In peripheral Europe, Salazar conceptualized between the country’s two political poles, the Republicans
an anecdote about Salazar’s wisdom on the revolutionary aspect of rightly summarizes is that Salazar’s claim of Portuguese exceptionalism the distance between his own dictatorship and these and other and the Monarchists, and therefore the lack of a “national
other dictatorships (in my early childhood in Portugal I had heard was based on (1) a nationalism that glorified mainly the country’s modern European rulers by spreading the nationalistic delusion of ideal” a “missional concept of ourselves” in the context
many such anecdotes attributed to Salazar and meant to illustrate great (and irrecoverable) past; (2) a corporativist economic approach Portuguese exceptionalism in order to produce a convenient (to him) of the Monarchic/Republican struggle is a sort of civil war
his superior judgement). In Salazar’s residence as Prime Minister in (which was also true in Austria, for example); (3) a Catholic and rural- isolation of the country on the global scene, which intensified after that can be solved only by the superior power of a military
Lisbon or in his house in the countryside, not too far away from conservative approach to moral values; (4) the progressive isolation the end of World War II and through the 1950s and 60s as the country dictatorship.
his University of Coimbra, everything was very peaceful and quite of Portugal from the outside world, summarized in the dictatorship’s was suffering significant international pressure to decolonize the last 3. In a very defensive national environment of what Pessoa
predictable. When someone tells him precisely that, Salazar replies 1950s and 60s policy of standing “proudly alone” (“Orgulhosamente European network of colonies in Africa. The inclusion of Salazar’s calls a “moral night” (noite moral), the possible secret foreign
financing of a multiparty system may allow foreign control of
as follows: “It is because I believe in habit. To live dangerously, as sós”); and (5) restrictions to the flowering of international capitalism dictatorship as one of the founding members of the North Atlantic
national politics.
Nietzsche wanted, no! Live habitually!” This conservative wisdom (through specific credit and investment policies). All or some of Alliance, NATO, in April of 1949 in Washington, DC, suggests that
4. The needed elimination of Portuguese constitutionalism
was expressed often in his speeches across the decades. these aspects were shared by one or more among other European the American criticism of the one-party Portuguese regime was not
and parliamentarianism leads to a “State of Transition.” The
Lee’s The European Dictatorships, despite focusing on the three dictatorships (e. g., Spain and Austria). The obsession with the all that harsh or decisive.
government required by such a transitional state has to take
major European dictatorships of the twentieth century (Russia, Italy maintenance of an overseas network of colonies was the guarantee
care primarily of the maintenance of order. For a village, the
and Germany), devotes also a small chapter and sparse commentary that under Salazar’s New State a small European country could play
to the Portuguese and Spanish regimes. Specifically, Salazar’s a global role as the Western world’s third modern colonial power,
2. police would do; for a country, it has to be the entire Armed
Forces.
speeches are quoted many times as conceptual illustrations of a right- after England and Spain. The spiritual content of the late empire 5. The need to stop the process of “denationalization”
wing conservative dictatorship standing in opposition to others in was based on the claimed exceptionalism of a people charged with When compared to the poet Fernando Pessoa’s justification of
(desnacionalização) of Portuguese politics, administration
between-world-wars Europe on key issues like militarist revolutionary the responsibility to disseminate its “civilizing genius,” in Salazar’s dictatorship in 1928, Salazar’s arguments in favor of the dictatorial
and culture, requires the appeal of force for the country’s
fascism and totalitarianism. On the contrary, the Portuguese historian words. It goes without saying that the postcolonial re-description regime in his two speeches of 1930 look quite moderate and
government. Such a force has to be permanent, with a social
Fernando Rosas, in his 1994 massive volume The New State 1926- of the drive to civilize other peoples overseas, whom Salazar never balanced. Pessoa’s booklet “Defense and Justification of Military
dimension, and traditional, so as to prevent disintegration.
1974 (O Estado Novo 1926-1974), argues convincingly that there visited in his long political career as Prime Minister (he hated traveling Dictatorship in Portugal” argued in very strict and erudite terms the
There is only one force with those qualities: the Armed
were fascist and totalitarian aspects to Salazar’s dictatorship in in general and air travel most of all), would contextualize it as part of following points. Forces. Therefore, military dictatorship is justified.

254 255
Fernando Pessoa ends his argument by stating that the rhetoric of In his case against democracy, Fernando Pessoa is as elegant in and in the United States (Massachusetts) led me to the conclusion In the speech delivered on May 28, 1930 to celebrate the fourth
his justification of military dictatorship is quite different in its concepts, his argument as he is unbearable. His countryman and contemporary that no one has borrowed those books for decades now. They are old anniversary of the military dictatorship, Salazar disagreed with those
logic, and goals from all “other known political writings.” Thus, his Salazar, born just a year after Pessoa (in 1889), approaches the but appear as new, with no pencil underlining or other signs of use. defending that “dictatorship itself is the solution of the political
claim of radical originality for arguing in favor of military dictatorship justification of dictatorship in subtler terms, stressing “the love of the Political passions against or in favor of Salazar (nowadays his fans problem”; in other words, dictatorship cannot be seen as a permanent
mirrors directly the rhetoric of Portuguese exceptionalism and goes people” and open and free access to the top state positions for the are few but some of them act very militant) have been preventing a political regime. Salazar’s argument is at this juncture specially
as far as to suggest that this political solution can become a way best qualified, and suggesting that “if democracy can have a good more sober analysis of his texts. As I already noted, in the first decade astute, presenting the dicatorship as a strictly temporary solution for
to rescue the glories of things past from the time (in 1578) when meaning, this is to be for democracy” (my italics; speech of July of the twenty-first century there has emerged a small industry of the “Portuguese case.” Salazar’s expression “the Portuguese case”
the country was last seen as a true world power. The dictatorship 30, 1930, part VIII). “This” (isto) was of course the new dictatorial cultural objects about the dictator, with television shows, illustrated (o caso português) reminds us of Pessoa’s essay “The Portuguese
will end the phase of foreignization, which went on for over 300 regime claiming to be able to deliver what was only promised and not newspaper and magazine articles, popular books, photobiographies, Mental Case” (O caso mental português). In this text, Pessoa
years and three different political regimes, and the country’s unique fulfilled by liberal democracy between 1910 and 1926. Incidentally, etc., competing for viewing and reading audiences. The general develops three main insights: (1) the Portuguese are quite original,
and exceptional status in the world will be restored, ending the Salazar’s accomplished prose was praised by the leftist literary approach these commentaries on Salazar share, however, is that but neither practical nor consequent; (2) the Portuguese suffer from
epistemological subjection of the Portuguese as “slaves of foreign historian António José Saraiva as “one of the most perfect and of superficially appealing antiquarianism, which makes no attempt an incapacity to connect emotion and thought (inteligência); (3) the
ideas” weakly and foolishly sought in European schools of thought. charming in Portuguese literature,” comparable to “the great prose to rethink the “unthinkable” (in the words of Vasco Pulido Valente, Portuguese suffer from a weak will and are unable to plan properly.
Unlike Salazar’s provisional draft of dictatorship in the prose of of the seventeenth century” (as epitomized by the Jesuit preacher quoted in my epigraph) “greatest Portuguese” of all time. One of The medicine proposed by Pessoa to cure the Portuguese
his speeches, Pessoa’s essay style is thematized as a conclusive António Vieira). Saraiva’s article, published in the weekly newspaper the very few exception to this general direction has been an essay psychological desease is cosmopolitism. Salazar, despite his widely
political strategy and a politics of reading: Expresso in 1989, predictably generated a vocal chorus of criticism by the philosopher José Gil, written originally in French as Salazar: publicized provincial conservatism, can be viewed as the antidote
by the intellectual (and by default leftist) Portuguese establishment. La Rhétorique de L’Invisibilité (Salazar: The Rhetoric of Invisibility) to the Portuguese malaise as described by the Modernist poet: (1)
The tone, style and form in which we write these pages Despite the fact that the first volume of Salazar’s speeches and published in Portugal in 1995. The lack of much-needed Salazar is quite practical and consequent; (2) Salazar, as seen in the
is intentionally anti-popular, so that the booklet [Defense and (Discursos) is easier to find in second-hand bookstores in Portugal sober research on Salazar in the humanities has no counterpart, precise terms of his own speeches, is not a victim of a dissociation
Justification of Military Dictatorship in Portugal] will elect the than Hitler’s Mein Kampf is in Germany, my experience is that this however, when it comes to the narrative thinking of the three major between emotion and thinking; (3) Salazar has a strong will and is a
readers who will understand it. In social matters, everything most influential figure of the Portuguese twentieth century, about Portuguese contemporary novelists: José Saramago’s The Year of master of planification.
that is easily understood is false and stupid. The social matter whom everyone in the country has a strong opinion, is no longer the Death of Ricardo Reis (1986), Lídia Jorge’s The Murmuring Coast It is well known what role provisional morality plays in the third part
is so complex that to be simple about it is to be out of it. This read at all. Due to the fact that his speeches were not reprinted after (1988), and António Lobo Antunes’s The Inquisitors’ Manual (1996) of René Descartes’s Le Discours de la Méthode (1637). As Descartes
is the main reason why democracy is impossible. the military coup of 1974, the few books available in the rare-book are all outstanding literary examples of writing and rethinking the never replaced his very conservative moral code, the maxims of said
market are expensive, but they do exist in library collections with free dictatorship in the medium of literary fiction. provisional morality became implicitly the philosopher’s permanent
access to all. However, checking with librarians in Portugal (Lisbon) moral doctrine. Salazar’s provisional dictatorship, intended to solve

256 257
the political problem of Portugal, became the permanent dictatorship my definitive work.” If the provisional dictatorship drafted in “those justification of dictatorship in 1930 became, pragmatically speaking, Works Cited
that would last decades and endure beyond his own death. A similar notes” was installed as a way of gaining time, it is “the lack of time” an introduction to a wide repertoire of cruelties in the following
structure can be discerned in the preface to the first volume of his (a falta de tempo) that will make it permanent. decades. On the contrary, Fernando Pessoa, who in 1928 acted as
speeches, published in 1935, where Salazar explains that lack of About two months after delivering his May 1930 speech, in the fervorous “intelectual for tyranny,” devoted some time of his life’s
time was the reason why the drafts of his speeches became his the afternoon of July 30, Salazar took the risk and clearly won the last years, lived under Salazar’s dictatorship until his death in 1935, Acemoglu, Daron and James Brown. Economic Origines of Dictatorship and
Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
actual speeches: de facto political leadearship of the dictatorship. “Fundamental to writing poems that ridiculed the dictator: “This mister Salazar / Is
Principles of the Political Revolution” is probably the speech of his made of salt and bad luck.”[2] Descartes, René. Le Discours de la Méthode. 1637.
My complete ignorance of my audience has had a kind of inhibiting life, given to an audience consisting of members of the government ;
Garnier, Christine. Vacances avec Salazar. Paris: Grasset, 1957.
effect on me. This ignorance, along with the difficult and delicate and representatives of the Portuguese municipalities. The then Prime
nature of the subject, made me abandon my habitual method of Minister, Domingos Oliveira, was a secondary figure and receded Gil, José. Salazar: a retórica da invisibilidade [Salazar: The Rhetoric of Invisibility].
composition and instead register in simple notes, jotted down on conclusively into the background. On the following day, Salazar’s Trans. Maria de Fátima Araújo. Lisbon: Relógio d’Água, 1995.

the run and even in a handwriting different from the usual, the ideas triumph and acclamation by the media were overwhelming. Hitler, Adolf. Mein Kampf [My Struggle]. Mumbay: Jaico Pub. House, 2008.
I ought to express. The problem is that due to the lack of time those Interestingly, Salazar’s continuing attempts to present a rational
notes ended up doing the job of my definitive work, whose principal argument in favor of dictatorship gradually lose steam. Ultimately, the Kay, Hugh. Salazar and Modern Portugal. New York: Hawthorn Books, 1970.

chapters were never written. (Discursos I lxviii) dicatorship cannot be described in completely rational terms. In his Lee, Stephen J. The European Dictatorships 1918-1945. London: Methuen, 1987.
speech “The National Interest in the Politics of Dictatorship” of May 17,
In this passage, dictatorship is also an effect of a writing problem. 1931, Salazar wrote: “From the deepest reaches of the country’s soul Pessoa, Fernando. “O interregno. Defesa e justificação da ditadura militar em
Portugal” [The Interregnum. Defense and Justification of Military Dictatorship in
The “habitual method of composition” (forma habitual de redigir) is emerged then a yearning for a discipline to be imposed on everyone, Portugal]. “O caso mental português” [The Portuguese Mental Case]. Crítica:
replaced with “simple notes” (simples apontamentos). Writing the for an authority that would guide everyone…. (Discursos I 118).” ensaios, artigos e entrevistas. Ed. Fernando Cabral Martins. Lisbon: Assírio & Alvim,
dictatorship, in Salazar’s case, goes well beyond a fashionable This non-rational movement connecting Salazar mysteriously to the 1999.

expression among scholars in the humanities. Salazar drafted the “deepest reaches of the country’s soul” (profundezas da alma pátria) Contra Salazar [Against Salazar]. Ed. António Apolinário Lourenço. Coimbra:
dictatorship in the process of writing his speeches, but did not think is also linkable to the use of institutionalized violence, e. g., the secret Angelus Novus, 2008.
through and elaborate the ideas that he truly should have explained police, to eliminate the opposition to his very special quasi-party,
Rosas, Fernando, ed. O Estado Novo 1926-1974 [The New State 1926-1974].
— these are his own terms. Let us point out that the cruelty of this the National Union, and to end all conventional political parties and Lisbon: Editorial Estampa, 1994.
indefinite delay is also summarized by the dictator: “The problem is partisan activity. But violence cannot be revisited and convincingly
that due to the lack of time those notes ended up doing the job of described anymore as an argument. The snares of Salazar’s subtle

258 259
Salazar. Discursos I 1928-1934 [Speeches I 1928-1934]. 4th ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 1948.

Saraiva, António José. “Salazarismo.” Expresso-Revista 22 April 1989: 15.


Todd, Allan. The European Dictatorships: Hitler, Stalin, Mussolini. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002.

Notes:
[1] A refreshing discussion of advantages and disadvantages of democratic and
nondemocratic regimes for economic efficiency may be found in Daron Acemoglu
and James Brown’s Economic Origins of Dictatorship and Democracy. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006.
[2] I owe the very precise expression “intellectual for tyranny” to Andrei Zorin’s talk at
the New Literary Observer’s 2009 Bath Readings in Moscow. Pessoa’s verses ares
a pun on Salazar’s last name: “sal” and “azar” mean in English “salt” and “bad luck”;
the poem appears in Pessoa’s Contra Salazar (21).

Victor K. Mendes is Associate Professor of Portuguese and Director of the PhD


in Luso-Afro-Brazilian Studies and Theory at the University of Massachusetts
Dartmouth (www.umassd.edu/portgrad). He is the author of Crisis in Representation
in Travels in My Homeland (1999) and is currently at work on the book project
Environmentalizing Nationalisms (Brazil and Portugal around the 1930s). His main
interest in Luso-Asio-Afro-Brazilian Studies and Theory is the field of representation
studies, particularly crisis of representation. He is the editor of the international
peer-reviewed journal Portuguese Literary & Cultural Studies, the Adamastor Book
Series (both at www.plcs.umassd.edu) and the short book series Luso-Asio-Afro-
Brazilian Studies & Theory (www.laabst.net). E-mail: vmendes@umassd.edu.

260

Você também pode gostar