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F. J.

Mariano e Ivana Bretas

Raimundo Nonato

Raimundo Nonato – Mestre das Plantas Espirituais e Medicinais da Serra do Espinhaço Mineiro
Mestre das Plantas Espirituais e Medicinais
da Serra do Espinhaço Mineiro

R
aimundo Nonato Lúcio, ou “Seu” Raimundo, é
uma lenda viva de Conceição do Mato Dentro e
das montanhas do Espinhaço, em Minas Gerais.
É conhecido em toda a região pelo seu dom de cura e
vidência, e sua fama chegou a ultrapassar fronteiras
regionais e nacionais. Dentre os dons que possui, está a
capacidade de “sentir” as doenças potenciais antes de se
manifestarem, percebendo o pensar, o sentir e o querer dos
seus visitantes. Com amplo conhecimento das virtudes
curativas das plantas e das árvores do cerrado, aplica
este saber com singular praticidade e intuição, nos mais
diversos casos que vão aparecendo no seu dia a dia, sendo
a água e suas propriedades radiestésicas o elemento basilar
de todo o seu processo curador. A necessidade de valorizar
o saber popular, e preservar este patrimônio cultural e
imaterial vivente no Espinhaço, foi o que nos motivou a
escrever o presente livro, e contribuir para a perpetuação
deste tradicional modus operandi de curar e transformar
vidas. Assim sendo, nestas páginas intentaremos mostrar
o legado de Seu Raimundo Nonato e da sua esposa, Dona
Antônia, a Benzedeira. Ensinamentos, Curas, Remédios e Encantos
A apresentação do livro foi elaborada pelo Filósofo Loryel
Rocha. O Prefácio é obra do Ambientalista e Conferencista
Kaka Werá Jecupé. Já o Posfácio foi escrito pela Bióloga e
Terapeuta Valéria A. Tavares.
F.J. Mariano & Ivana Bretas

Seu Raimundo Nonato


Mestre das Plantas Espirituais e Medicinais
do Espinhaço Mineiro
Ensinamentos, Curas, Remédios e Encantos

Apresentação: Loryel Rocha

Prefácio: Kaka Werá Jecupé

Posfácio: Valéria A. Tavares


Editor: Instituto Mukharajj Brasilan
Estrada da Grota Funda, 2440- Guaratiba
Rio de Janeiro/RJ CEP 22785-330
Tel: +5521 9399-0997
Email: secretaria.imub@gmail.com
Site: www.imub.org

Titulo: SEU RAIMUNDO NONATO, MESTRE DAS PLANTAS ESPIRITUAIS E MEDICINAIS


DO ESPINHAÇO MINEIRO: ENSINAMENTOS, CURAS, REMÉDIOS E ENCANTOS
Autores: F. J. Mariano, Ivana Bretas.
Coordenação Editorial: Loryel Rocha [loryelrocha@gmail.com]
Projeto Gráfico: P. Design Gráfico
Design da Capa: F. J. Mariano, Ivana Bretas e P. Design Gráfico

Copyrigth: © Instituto Mukharajj Edições


Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada por escrito, dos autores ou
do Instituto Mukharajj Brasilan, no todo, ou em parte, por quaisquer que sejam os meios,
constitui violação das leis em vigor.
Fale com os autores: fjmariano55@gmail.com; bretasivana@gmail.com
ÍNDICE
Agradecimentos

Apresentação
A Via Noética e a Via Pneumática de Acesso ao Conhecimento
Transcendental - Loryel Rocha ................................................................................................ 7

Prefácio
Uma sabedoria que vem da Serra – Kaka Werá Jecupé................................................. 19

Introdução ...................................................................................................................................... 25

Parte 1: Sobre a vida e conhecimento de Seu Raimundo ........................................... 29


1.1. O Começo da História........................................................................................ 33
1.2. Eventos curiosos que começaram na juventude.................................... 35
1.3. O início das Curas................................................................................................ 42
1.4. Dona Antônia, a Benzedeira............................................................................ 46
1.5. Os Métodos e as Plantas................................................................................... 51
1.6.O repasse do Conhecimento............................................................................62
1.7. Notas da Primeira Parte................................................................................... 69

Parte 2: Ervas, Plantas e Raízes medicinais utilizadas por Seu Raimundo


Nonato e Dona Antônia ............................................................................................ 75
2.1- Gota Milagreira ou Cola Nota......................................................................... 81
2.2- Erva Tiú................................................................................................................... 83
2.3- Os Cipós.................................................................................................................. 85
2.3.1- Cipó São Caetano..............................................................................................87
2.3.2- Cipó Caboclo...................................................................................................... 88
2.3.3- Cipó Orelha de Cachorro.............................................................................. 89
2.4- Pacarí........................................................................................................................90
2.5- Camará do Reino..................................................................................................91
2.6- Chapéu de Couro................................................................................................. 92
2.7- Casansão................................................................................................................. 93
2.8- Cinco Chagas......................................................................................................... 94
2.9- Assa Peixe e Carrapicho................................................................................... 95
2.10- Braúna...................................................................................................................97
2.11- Sucupira................................................................................................................98
2.12- Manjericão Dourado....................................................................................... 99
2.13- Capim São José............................................................................................... 100
2.14- Língua de Vaca................................................................................................ 101
2.15- Vassourinha..................................................................................................... 102
2.16- Tanchagem, Tansagem ou Transai......................................................... 103
2.17- Cavalinha.......................................................................................................... 104
2.18- Moringa Oleifeira.......................................................................................... 105
2.19- Pau Santo.......................................................................................................... 106
2.20- Barba Timão (Calunga e Dom Bernardo)........................................... 107
2.21- Cedro.................................................................................................................. 109
2.22- Seno.................................................................................................................... 110
2.23- Capim Meloso..................................................................................................111
2.24- Pinhão Roxo..................................................................................................... 112
2.25- Erva de Bicho.................................................................................................. 113

Posfácio
A Cura e os Curandeiros - Valéria A. Tavares..................................................................115

Referências Bibliográficas.................................................................................................. 121


Agradecimentos

Agradecemos, primeiramente, a Seu Raimundo Nonato e a Dona


Antônia, pela amizade, hospitalidade e confiança, principalmente pelos
ensinamentos que recebemos deles, que constituem um marco nas nossas
vidas. Também, deixamos aqui nossa gratidão para Kaka Werá Jecupé,
autor do prefácio, um txucarramãe da linhagem dos pajés, reconhecido
internacionalmente pelas ações humanitárias e ecológicas, e para
Valéria Tavares, pelo posfácio e assessoramento de fitoterapia e rotinas
laboratoriais. Nosso obrigado é extensivo ao Instituto Mukharajj Brasilan,
seu Presidente e Professor Loryel Rocha, apresentador deste livro, pelo
incentivo, orientação e apoio permanente, a Regina Dannemann pela revisão
do português, a Kátia, Álvaro e Ligia Porto, pela amizade demonstrada nas
diferentes fases do trabalho, a querida Delfina, Izolete Beck, Gilda Moura,
Mônica Candeias, e a todos os membros do IMUB.
Finalmente, também somos gratos ao Samuel Taets Júnior, pelas boas
conversas sobre as espécies nativas da região durante as caminhadas
no Espinhaço; ao Matheus pelas sugestões enriquecedoras durante o
acompanhamento dos trabalhos com Seu Raimundo e D. Antônia; e ao
Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira, Presidente do Instituto Espinhaço, pelas
anedotas que enriqueceram o texto.

5
Apresentação

A Via Noética e a Via Pneumática de Acesso ao


Conhecimento Transcendental
Por Loryel Rocha
Filósofo / Coordenador Instituto Mukharajj Brasilan

7
A Via Noética e a Via Pneumática de Acesso ao
Conhecimento Transcendental.

Uma pessoa é como uma árvore de um campo


(Deuteronômio 20:19)

Raimundo Nonato Lúcio, mineiro de São Joaquim, homem elegante,


educado, reservado, alegre, de fala baixa e olhar penetrante, agricultor,
marceneiro impecável, criador de carros de bois que são verdadeiras
obras-primas, católico de fé inabalável, é a imagem clara e cada vez mais
rara de um mestre da medicina rústica1: curandeiro, benzedeiro, raizeiro,
erveiro. Atua, com igual desenvoltura, nos três ramos da medicina rústica:
a medicina mágica, a medicina religiosa e a medicina empírica.
Seus dons começaram a se manifestar por volta dos 10 anos de idade,
de forma espontânea, onde vivenciou um fenômeno inusitado que o
marcaria por toda a vida e que, daquele momento em diante, sofreria uma
profunda e gradual transformação. Certa feita, pegou uma febre muito alta
que o prostrou. Enquanto estava convalescendo, sentiu-se saindo do corpo,
sendo levado para um outro mundo, um “lugar estranho onde as pessoas
vestiam branco, ficavam quietas, em silêncio e a sensação era muito boa”.
Deste momento em diante, seus mestres espirituais passaram a acompanhá-
lo, a instruí-lo no conhecimento e manipulação das plantas medicinais,
revelando-lhe todo o conhecimento que possui. Seu aprendizado não foi

1 O termo medicina rústica e suas subdivisões foram emprestados da classificação de ARAÚJO,


Alceu Mainard. Medicina Rústica. São Paulo: Ed. Nacional, 1979, p. 45. No entanto, excetuando-se os
nomes em si, discordamos da classificação cronológica de Araújo que confere uma “evolução” à prática
da medicina, sendo a medicina rústica “inferior” à medicina “empírica”. A razão da discordância
explicitamos adiante neste texto.

9
construído na base da tentativa e erro, mas, sim, por revelação divina
direta: “para cada coisa que eu vejo vem um pensamento na cabeça e, eu sei
o que deve ser feito”.
O início da irrupção do Sagrado na vida de Seu Raimundo assemelha-
se à de muitos outros mestres da medicina rústica no Brasil, ou seja, por
revelação direta, tal como aconteceu com João de Almeida2, Eurípedes
Barsanulfo3, Irineu Serra4, João Berbel5, Zé Marião6, Valentim Ribeiro7,
D. Lenita8, etc. Em todos estes casos, podemos notar a existência de um
sistema de diferentes crenças religiosas nos seus métodos de cura,
utilizando diferentes elementos mágico-religiosos. No entanto, concerne
considerar que não são todos os casos em que mestres de medicina rústica
iniciam suas práticas em decorrência da revelação direta [de Deus]. Há
inúmeros casos cuja prática de cura é passada de pai para filho, ou de
mestre para discípulo, dentro de uma cadeia de tradição “oral”, sendo este
mestre, portanto, depositário de uma tradição de saber humano, isto é,
transmitido de boca a ouvido de um ser humano para outro ser humano.
Evidentemente tais diferenciações não representam, necessariamente,
uma degenerescência na aquisição do conhecimento nem, tampouco, no

2 Tio de Eurípedes Barsanulfo por parte de mãe, em cuja Fazenda Três Marias, foi curar-se
de uma grave obsessão. Em sua fazenda, João de Almeida recebia e curava, com ervas e plantas
medicinais, doentes, loucos, leprosos, e toda espécie de pessoas enfermos do corpo e do espírito.
Os mestres espirituais lhe mostravam a pessoa que estava vindo buscar cura, a doença que tinha, e
o medicamento apropriado, que era preparado, individualmente, antes mesmo da pessoa chegar à
fazenda. Casos mais graves ficavam com ele na fazenda, sempre tratados como membro da família.
3 Médium espírita de Sacramento/MG fundador da primeira escola de ecologia do século XX que
fazia curas prodigiosas.
4 Fundador do Santo Daime, religião cuja bebida correlata é preparada a partir do cipó Jagube e da
folha da Rainha, plantas masculina e feminina, respectivamente.
5 Médium espírita fundador do IMA/Franca-SP (Instituto de Medicina do Além) que atende
milhares de pessoas com fitoterapia do além.
6 Famoso benzedeiro e curandeiro de gente simples e famosa de São Miguel do Gostoso, Maceió.
7 Atua como médico espiritual no Recinto de Caridade Bezerra de Menezes, em Brasília.
8 DA SILVA, Dayana Dar C, FRANÇA, Ednara Crismyne Oliveira. Plantas que curam: eficácia
simbólica na religiosidade popular. Disponível em: <http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/
anais/article/viewFile/396/433>. Acesso em 4 de novembro de 2015.

10
trato com ele. No entanto, devem ser consideradas como distintas. Explico.

Alguns autores, ao estudar a história fascinante da medicina através


de milênios, para a fase pré-científica apontam a existência de três
estágios: mágico, religioso e empírico. Acreditamos ser esta a melhor
maneira de tratarmos o acervo [...] dividindo-o em medicina mágica,
medicina religiosa e medicina empírica.9

A frase de Araújo evidencia um problema ligado à Teoria do


Conhecimento e à genealogia das Ciências, cuja ideia matriz consiste
em mostrar a existência de um conhecimento mítico-religioso anterior
ao advento do conhecimento científico; refere-se à célebre passagem do
mytho ao lógos. Tal concepção afirma uma ideia de evolução do acesso
ao conhecimento, enunciando que o conhecimento passa por um estágio
mítico, vai ao religioso e deste desemboca no científico. Assim, todo
e qualquer conhecimento passado/antigo é, por consequência direta,
inferior ao conhecimento atual. Decorre disto que, de início, a medicina
científica tem-se como superior à medicina rústica. Este pensamento gera
um entusiasmo pela ciência, contrapondo-a com o conhecimento popular,
tido como oriundo de uma “mentalidade primitiva”.
No entanto, essa diferença a rigor não existe e é absolutamente
impossível falar em evolução do conhecimento nesse sentido. A enunciação
de que a ciência ultrapassa e é superior aos mitos metafísicos é um algo
inventado, cujo modelo foi criado por Augusto Comte. A aquisição do
conhecimento tem relação direta com a inteligência humana:

Existem duas noções muito antigas a respeito da inteligência


humana, das vias de acesso que o ser humano tem ao conhecimento

9 ARAÚJO, op. cit. p. 1-2.

11
das realidades maiores: uma é a que se chama propriamente [de]
a inteligência, Aristóteles a chamava de noús, e, por outro lado,
aquilo se chamaria [de] espírito ou pneúma. Então, a famosa
distinção já clássica entre a via noética e a via pneumática de acesso
ao conhecimento transcendente. A noética é aquela que aparece
no nível das intelecções, no nível do conhecimento dos primeiros
princípios, e o acesso pneumático é aquele que aparece sob a forma
de experiência existencial como, por exemplo, quando São Paulo
Apóstolo, no caminho de Damasco, perseguindo os cristãos, de
repente é fulminado pela compreensão de que ele estava perseguindo
a coisa errada e de que o Deus daqueles camaradas era o verdadeiro
Deus e no fundo o mesmo Deus dele10. Ele não compreende isto como
intuição, no sentido intelectual da coisa, é algo que lhe acontece, ele
é existencialmente fulminado pela visão daquilo. Você vai ver que a
diferença que existe entre a tradição filosófica e as tradições religiosas
é essa, quer dizer, de apreensão intuitiva ou noética ou da apreensão
existencial ou pneumática. Mas acontece que essas duas não são
historicamente sucessivas, a apreensão pneumática, naturalmente,
como ela não é intelectualmente diferenciada, elas se expressam em
símbolos narrativos, símbolos poéticos - toda narrativa no fim das
contas é poética; e a apreensão noética, ao contrário, se expressa
em símbolos e numa linguagem analítica. Mas acontece que essas
não são historicamente sucessivas, elas são simultâneas. Quer
dizer, alguns dos antigos filósofos gregos estavam tendo as suas
intelecções noéticas ao mesmo tempo em que os profetas hebraicos
tinham as suas vivências pneumáticas. Então, como é que você vai
falar de uma vivência, de um conhecimento mítico que antecede o
conhecimento racional, intelectual? Eles vieram ao mesmo tempo,
só que aí depende das circunstâncias, não há evolução histórica,
há apenas uma diferente modalidade de compreensão das coisas.

10 Atos 9.

12
Passados, então, 2404 anos desse negócio, ainda continua havendo
a possibilidade de conhecimento pelas duas vias. Ainda acontece, é
igualzinho.11

Transpondo a afirmação acima de Olavo de Carvalho para o caso de


Seu Raimundo, convém notar que o conhecimento das ervas medicinais
de Seu Raimundo e de todos os médiuns acima citados é o conhecimento
pneumático, aquele que advém por revelação direta de Deus ou de outra
entidade inefável. Assim, tal conhecimento tem validade de verdade tanto
quanto o outro conhecimento, o noético. A inferiorização do primeiro em
relação ao segundo é um mito científico inventado por Augusto Comte. Se
a idea de que esse esquema mítico já foi ultrapassado, então como explicar
as inúmeras manifestações no Brasil (e no mundo) de pessoas como
Seu Raimundo que recebem em pleno século XX/XXI revelações diretas?
Pesquisadores e universidades do mundo inteiro têm manifestado interesse
cada vez mais crescente no saber oral dos curandeiros, erveiros, raizeiros,
benzedeiras, com o fito de salvaguardá-los para as gerações posteriores,
além de buscar explicações e respostas para doenças e o princípio ativo das
plantas. No entanto, todo esse esforço de catalogação do saber oral acaba
por invalidar a forma de aquisição em si do conhecimento, exatamente
por rejeitar a via penumática (ou do espírito) como forma válida. Assim,
de modo ambíguo, a ciência admite parcialmente o conhecimento e os
resultados (a cura), mas, invalida o método de aquisição. Uma atitude
claramente atrabiliária e superficial, resultado da longa discussão ocidental
entre fé x razão, já comprovadamente inválida e falsa.
No caso específico de Seu Raimundo, concerne considerar que embora
muitas plantas que ele manipula sejam já conhecidas do receituário clássico
popular, outras ainda não foram catalogadas como tal, e a função curativa de
11 CARVALHO, O. Genealogia das ciências. Aula 29. São Paulo: É Realizações, 2008, p. 9-10.

13
muitas delas não é exatamente coincidente nem com o princípio ativo nem
com as funções terapêuticas clássicas conhecidas do receituário popular.
Entendemos que essa “diferença” reforça ainda mais o conhecimento
pneumático recebido por revelação direta dos mestres espirituais dele.

Fig.1. Pintura Rupestre mostrando “a adoração da árvore”, do Sitio Toca da Extrema II, Parque
Nacional Serra da Canastra, São Raimundo Nonato, Piauí. As pinturas correspondem a Tradição
denominada Nordeste, e possuem entre 6000 a 12.000 anos de antiguidade. Extraídos de Prous
(2007), e do site do Historiador Orides Maurer Junior (http://oridesmjr.blogspot.com.br/ 2013/09/
arte-rupestre-do-brasil-tradicao.html).

14
A originalidade é um valor do conhecimento pneumático e uma benção
divina reatualizada para um mundo que carece de saúde do corpo e do
espírito. Sua eficácia consiste não somente em curar, mas, sobretudo, em
comprovar que o mundo celeste e terrestre não permanecem à margem
e em oposição polar, antes, movem-se numa tensão entre a atividade
mais modesta e um projeto de amor ao próximo de difícil compreensão
ou classificação. É essa oscilação que lhe confere a sua originalidade,
impedindo a sua integração definitiva numa época qualquer, porque, sua
natureza metafísica estende-se para além do tempo-espaço. Através dela
vemos a linguagem e o poder de Deus.
Reconhecer que o conhecimento pode ser acessado por duas vias que
caminham de modo independente e paralelo será um dos grandes desafios
do século XXI. Promover esse entendimento será retirar da marginalidade
todos aqueles mestres orais do obscurantismo elegante que a sociedade
dita escolarizada lhe impôs. É chegada a hora de prestar reverência a todos
aqueles que, silenciosa e gratuitamente, trabalham para que a história
individual caminhe em direção à epifania mais perfeita.
Constitui um Dever e uma Honra apresentar ao público a pessoa
e a obra de Raimundo Nonato Lúcio e Antônia Lúcio, sua esposa, casal
exemplar, que recebe diariamente em sua casa aqueles que estão em busca
de Amor e de Deus.

Árvore - Vida Humana:

«A árvore é figura do homem e próprio significado seu: porque nela,


diz Santo Ambrósio, que há viver e morrer, crescer e decrescer, como
no homem. Nela, diz Plínio, que há mocidade e velhice: doenças
gerais e particulares, como no homem. Dela, diz Colunela, que padece
fome e sede, como o homem e que tanto lhe faz mal a sobejidão do
15
alimento, como a falta dele. Dela, diz Santo Agostinho, que vive
enquanto reverdece e morre quando seca e murcha. Plutarco por
encarecimento diz que as árvores têm fraqueza e mostram que
sentem dores quando lhes quebram ou cortam os ramos. O sol
as seca, frios as queimam, névoas lhes fazem mal, quenturas as
abrasam, águas as apodrecem, ventos as combatem, tempestades as
destroem e enfim muitas coisas lhes são adversas e outras favoráveis,
como sucede aos homens. Também se diz das árvores que após
admiráveis concebimentos de cada ano, têm fecundos partos com
os quais aparecem quando descobrem flores, e então tem cuidado
de criar os filhos que dão os frutos maduros e sazonados. As árvores
são amigas entre si e folgam com a companhia das outras. Teófrasto
diz que assim como o exterior do homem mostra os poucos ou
muitos anos que têm, assim as árvores nas aparências mostram sua
idade. Por estas e outras razões têm as árvores muita simpatia e
semelhança com os homens e metaforicamente são eles significados
nelas. Assim diz São Gregório que o homem em sua criação é árvore
que cresce, e na tentação folha que se move, e na fraqueza flor que
cai. É o homem árvore e por isso em grego se chama Antropos que
quer dizer árvore que tem as raízes para cima e os ramos para baixo.
(...) »in “Consideração primeira”,

Tratado das significações das plantas, flores, e fruttos, que se referem


na Sagrada Escrittura : tiradas de divinas, e humanas letras, com suas
breves considerações / pelo Padre Fr. Isidoro de Barreyra... - Lisboa :
na officina de Manoel Lopes Ferreyra & à sua custa, 1698. - [8], 527,
[1] p. ; 4º (21 cm)

16
Fig. 2. A floresta de cerrado do Espinhaço Meridional, Serra do Elefante.

17
Prefácio

Por Kaka Werá Jecupé


Escritor, ambientalista e conferencista de origem indígena Txukarramãe

19
UMA SABEDORIA QUE VEM DA SERRA

Conheci a Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, pouco tempo antes


do ano 2000. Uma maravilhosa região de cerrado, com uma diversidade
incrível de plantas e rios memoráveis. Conheci do alto, como um pássaro;
sobrevoei sua imensa extensão. Tive esse privilégio porque na época
estava pesquisando e articulando junto à UNESCO, através de Henrianne d
Chaponnay e à PUC de Belo Horizonte; uma maneira de torná-la Reserva da
Biosfera. E na época, a Secretaria do Estado de Meio Ambiente do governo
de Minas Gerais me proporcionou um vôo de reconhecimento da região,
com a presença da representante francesa.
Depois, conheci por terra, suas imensas chapadas entre a serra, a
maravilhosa cachoeira de Conceição do Mato Dentro e as milenares pedras
da colina da Paz. Conheci os moradores da região, e também a presença
de uma memória ancestral de meus antepassados tapuias nas grutas
esculturais. E entre as histórias que ouvi da boca dos arredores, estava a do
Senhor Raimundo Nonato, o mestre das plantas da Serra do Espinhaço, e
também a história de Dona Antônia, a benzedeira.
O senhor Raimundo Nonato é o típico caboclo, a essência da alma
do Brasil, com seus pés enraizados na Mãe Terra e seu corpo enraizado
nas origens indígenas e africanas que fertilizaram a nação. Ele recebeu
misticamente algo, como um raio de luz do Céu, que reacendeu toda a
sabedoria sobre as plantas da Serra do Espinhaço. Algo que aconteceu
como se fosse um passe de mágica.
Mas o mais impressionante não é isso. O mais impressionante é que ele
desenvolveu um dom de cura primoroso, reconhecendo de uma maneira
simples e direta, os princípios alquímicos das energias que vem da Terra

21
e do Céu e se organizam no verde fulgor das plantas e na sua luz líquida
chamada clorofila.
Durante décadas, tem cuidado de inúmeras pessoas com as folhas e
as seivas curativas das plantas, sem causar efeitos colaterais nos pacientes
e nenhum desequilíbrio na natureza.
Tem prestado um imenso serviço, não somente à comunidade da
Serra do Espinhaço, mas também, à manutenção de um saber sagrado
que vem dos mistérios do céu, e também vem das memórias das culturas
ancestrais do Brasil. Este livro é a oportunidade de prestar um serviço
para a humanidade, pois com certeza irá inspirar, reconsiderar e reavivar a
sabedoria, o dom divino que está na memória da humanidade e que precisa
ser acordado.
Que o Grande Mistério, a Mãe Terra e todos os seres sagrados abençoem
este homem que tem dedicado sua vida ao bem comum.

Kaka Werá

22
Para M.K.F.R.

23
Introdução

25
Nas últimas décadas, vem crescendo o interesse e a publicação de
livros e revistas especializadas por inúmeras abordagens etnobiológicas
e de etno-medicina, descrevendo atividades de curandeiros, raizeiros e
rezadeiras do meio rural e urbano, suas relações com o uso das plantas
medicinais de poder e cura, resgatando antigos horizontes do conhecimento
a partir da essência do ser (1). Essa tradicional “medicina popular” nos
remete
“à época onde os gregos experimentam o ente como as coisas
presentes e não presentes que se presentam no desvelamento, nos
primórdios do destino no ser a partir do ser.”
(Anaximandro de Mileto, Século VI a.C.).

É desta época a herança deste saber como lembrança do ser e desta


memória (Mnemosýne) que correlacionamos os fundamentos e princípios
de trabalho dos raros curandeiros da atualidade. Estes mestres estabelecem
a relação paciente x doença dentro de uma estrutura trina - corpo, alma e
espírito -, favorecida pelo intercâmbio da ética e da fé daquele que cura
com aquele que procura a cura. Esse processo é raramente abordado nos
tratados etnobiológicos relacionados com o tema, onde a grande parte dos
estudos acadêmicos prioriza a catalogação das plantas medicinais com os
princípios racionais de diagnóstico e tratamento.
Neste livro intentaremos mostrar o legado de Seu Raimundo Nonato,
uma alma vidente que cura e vê além do olhar, “a partir da clareira do ser”,
não no sentido de escolhido, privilegiado e iluminado, mas no sentido de
capacidade de ver o que se apresenta de maneira não “presentemente
presente”. Na primeira parte do livro, mostraremos sua metodologia de
trabalho. Na segunda, apresentaremos um seleto grupo de plantas de cura
utilizado por Seu Raimundo.

27
Parte 1
Sobre a Vida e o Conhecimento de Seu Raimundo

29
“Bem-aventurado sejas peregrino
se descobres que o caminho te abre os olhos
ao que não se vê”
Portal do Mosteiro da N. S. da Peña de Francia,
Sul de Castela, Espanha

Raimundo Nonato Lúcio, ou “Seu” Raimundo, é uma lenda viva de


Conceição do Mato Dentro e das montanhas do Espinhaço, em Minas Gerais.
É conhecido em toda a região há décadas pelo seu dom de cura e vidência,
e sua fama chegou a ultrapassar fronteiras regionais e nacionais. Dentre os
dons que possui, está a capacidade de “sentir” as doenças potenciais antes
de se manifestarem, percebendo o pensar, o sentir e o querer dos seus
visitantes. Com amplo conhecimento das virtudes curativas das plantas
e das árvores do cerrado, aplica este saber com singular praticidade e
intuição, nos mais diversos casos que vão aparecendo no seu dia a dia,
sendo a água e suas propriedades radiestésicas o elemento basilar de todo
o seu processo curador.
Ao longo dos meses em que acompanhamos seu trabalho,
testemunhamos fatos surpreendentes junto à sua esposa Dona Antônia.
Unidos pela fé e solidariedade humana recebem com compreensão e
respeito todos que aparecem, solicitando-lhes ajuda, seja através de reza,
erva, planta, jogo de búzios ou água. Dona Antônia possui a fé de uma
benzedeira de raiz cristã; com o olhar alado, sente a nossa alma e enxerga
muito além do que os nossos olhos conseguem ver, percebe a vibração do
visitante com recato, simplicidade e muita humildade; não gosta de ser
fotografada, muito menos de chamar a atenção.
Neste universo de reverência e gratidão ao mistério da existência,

31
identificamos uma visão encantada pela natureza sustentada por um
Todo unificado e cosmológico, que vai muito além da ecologia planetária.
A necessidade de valorizar o saber popular, e preservar este patrimônio
cultural e imaterial vivente no Espinhaço, foi o que nos motivou a escrever
o presente livro e contribuir para a perpetuação deste tradicional modus
operandi de curar e transformar vidas.

Fig.4. Foto S. Raimundo Nonato.

32
1.1 O Começo da História

Seu Raimundo Nonato Lúcio nasceu em Dom Joaquim, Minas Gerais,


em 17 de fevereiro de 1947. Sua família era composta do pai Miguel
Lúcio, a mãe Rita Maria da Conceição e mais seus oito irmãos, sendo três
homens e cinco mulheres. Seus pais eram de Córregos, antigo Distrito de
Conceição do Mato Dentro. Sua família morou nesta região por um bom
período de tempo, mas depois se mudaram para Dom Joaquim, uma zona
rural bastante fértil, onde plantaram milho, feijão e mandioca, chegando
a produzir 12 sacos de feijão com apenas um quilo de sementes. Hoje em
dia, na região do Espinhaço Meridional, são raras as fazendas que plantam
feijão. A família de S. Raimundo chegou a cultivar mais de vinte e cinco
variedades diferentes desse tipo de grão.
Após a morte do pai, como houve divergências entre os irmãos, achou
por bem deixar aquilo que lhe correspondia por direito, partindo rumo a
uma vida nova. Na época, com 23 anos de idade, foi parar em Conceição do
Mato Dentro. Atraído pela cidade, começou a desempenhar vários ofícios
na região, abandonando definitivamente sua terra natal. Em Conceição,
trabalhou na roça, construiu casas, foi colaborador do sindicato dos
trabalhadores rurais e um dos grandes prazeres que teve nesta época foi o
aperfeiçoamento em marcenaria.
Herdou do pai o ofício de fabricar carros de boi, superando o
conhecimento recebido através da habilidade de construir, também, as
rodas destes carros. Desenvolveu sua própria metodologia de construção,
“consultando os seus guias espirituais durante a noite”. Logo que acordava,
ainda de madrugada, a resposta chegava à ponta da sua língua. Sabia qual
era a época certa para cortar os troncos, e como orientá-los para que a

33
madeira e os carros tivessem maior vida útil. Assim, ficou conhecido em
toda a região pela qualidade e o refino no acabamento dos carros que
construía, sempre, artesanalmente. Porém, o segredo da durabilidade
destes carros não conta para ninguém.

Fig. 5. Mapa do Espinhaço Meridional com as localidades mencionadas no texto. Imagem extraída
do Google Earth.

34
1.2 Eventos curiosos que começaram na juventude
Seu Raimundo é restrito quando diz que “seus mestres são espirituais
e que, através deles, o conhecimento lhe é revelado”. Enxerga a natureza
como “Sagrada Natureza” contida num vasto laboratório de energias sutis.
Católico e com uma fé inabalável, transcendeu os limites da religião e
ultrapassou fronteiras.
Por volta dos seus de 10 anos de idade, vivenciou um fenômeno
inusitado que o marcou por toda a vida, quando pegou uma febre muito
alta que o prostrou profundamente. Sentiu que o “seu espírito saía do
corpo e estava sendo levado para um outro mundo”. Era de fato, um “lugar
estranho”, onde “as pessoas se vestiam de branco, ficavam quietas, em
silêncio, e a sensação era muito boa”.
Esse foi o início dos episódios de manifestação do Sagrado, que o
acompanhariam a vida toda.
Poucos anos depois, quando estava com 18 anos de idade,
acontecimentos estranhos começaram a acontecer na roça da família. O
mais interessante ocorreu por volta de 1967, quando a água da principal
nascente, que abastecia as casas e os animais da roça da família vizinha,
começou a ficar “estranha e ruim”. “Além do odor forte, começou a ter muitas
larvas na água”. Por causa da contaminação, “os bois começaram a ficar
doentes, ou com dor de barriga, e as pessoas que teimavam em tomar desta
água, passavam mal”. Após várias tentativas infrutíferas, o problema da
água parecia não ter solução. Assim, permaneceu insalubre por longos dias
até a chegada de um misterioso personagem vindo da Vila do Tabuleiro.
Trazia com ele “um estranho aparelho parecendo uma caixa de rádio antigo”.
Quando ligado, “era possível enxergar imagens extraordinárias através do
espelho que havia dentro”.

35
A pedido do Seu Raimundo, o visitante levou o artefato até a nascente
e todos os que se encontravam presentes ficaram perplexos, e também
muito assustados em descobrir e ver o que realmente tinha acontecido
com aquela água. O tal aparelho “tinha a capacidade de refletir a memória
daquela água, no seu passado recente, e a imagem que aparecia no espelho
do equipamento era de alguém enterrando várias caveiras, retiradas do
cemitério de um povoado próximo”.
Todos ficaram estupefatos porque parecia algo inacreditável. De onde
vinha aquele aparelho? Por que motivo alguém colocaria caveiras naquela
água? Quem poderia ter feito isso, e para quê? Como era possível ver o
passado e o futuro numa máquina que parecia um rádio? Enfim, que ser era
aquele, com aquela caixa?
Seu Raimundo, ao contrário do receio e medo de todos, ficou
maravilhado com o que viu e assistiu, pois o estranho dono do aparelho
mostrou outras aplicações que resultam inacreditáveis para nosso
cepticismo cartesiano. Bastava imaginar ou mencionar o nome de qualquer
pessoa, “que aparecia o indivíduo na tela do aparelho e o lugar onde ele se
encontrava”. Este misterioso equipamento “permitia observar até o interior
da pessoa”, como se fosse uma máquina de Raio-X, “podendo detectar o que
estava saudável ou não dentro dela”. Localizava gado perdido, e também
identificava as doenças que estavam por vir. Uma verdadeira maravilha!
O aparelho possuía o tamanho daqueles rádios Philips antigos, que se
assemelhavam com uma caixinha. Na lateral do aparelho “apareciam
rodinhas que giravam, permitindo abrir uma tampa que continha um espelho
dentro”. Então, o usuário olhava pelo outro extremo e conseguia ver o que
for que estivesse sendo procurado. A condição para quem fosse manipular
o equipamento era o jejum, “caso contrário, o condutor poderia se sentir
muito mal”.

36
O homem que trouxe o aparelho chamava-se Geraldo Lima, e contou
que somente quatro equipamentos desse tipo tinham sido construídos
até então. Explicou que existia na região um outro aparelho similar, mas
com formato bem diferente, que era propriedade do Sr. Zezico, vizinho
da comarca do Serro. A engenhoca dele “parecia mais com uma pedra
arredondada, possuía um cristal no meio, que também detinha o poder de
captar informação e memória”.
Quem poderia ter fabricado esses equipamentos? Haveria tecnologia
na época para esta invenção? Seu Raimundo nunca havia visto nada
semelhante. A descrição e o funcionamento destes equipamentos, nos
levou a supor que o Sr. Geraldo Lima fosse uma pessoa muito hábil no
dom da hipnose, a ponto de conseguir atingir o inconsciente das pessoas.
Uma outra possibilidade, é que fossem aparelhos de radiônica (2),
onde o testemunho não é uma fotografia, como ocorre com os sistemas
conhecidos, senão um espelho ou um cristal. Na teoria, a consciência
conectada a um determinado padrão de ondas vibratórias permite captar
informações ressonantes, entretanto, surge a pergunta: será que qualquer
um conseguiria utilizar esse sistema de informação?
Enfim, voltemos para nossa história. O homem da máquina percebeu
o interesse do Seu Raimundo pelo equipamento, e “lhe fez uma proposta de
venda muito além das suas possibilidades: quase o valor de um carro novo”.
E, para a nossa surpresa, Seu Raimundo juntou suas economias, vendeu
alguns animais, e comprou a máquina que tanto lhe impressionara.
Rapidamente, percebeu que a manipulação do equipamento não
era coisa fácil e que a engenhoca de origem desconhecida não era para
qualquer um. Segundo o esperto vendedor, somente para acendê-lo e
colocá-lo em funcionamento, era necessário fazer um “longo curso”.
Surpreendentemente, Seu Raimundo aprendeu a manusear o aparelho

37
em muito pouco tempo e de forma intuitiva, como se ele conhecesse de
antemão seu funcionamento. Ele lembra também, que estranhamente, o
aparelho “precisava ser registrado, e pagar imposto pelo seu uso”. Uma das
sugestões do vendedor foi que, para recuperar o investimento, ele cobrasse
pelas futuras consultas, e tentasse ter um lucro. Seu Raimundo consultou
a família e constatou que o ambiente não era favorável para esse tipo de
empreendimento. Havia um forte receio de que os tempos de bonança, e as
boas colheitas, poderiam acabar. E a intuição familiar tinha lá suas razões,
como veremos mais adiante.
Ao mesmo tempo em que aconteciam esses fatos estranhos, Seu
Raimundo percebeu que, aos poucos, e por algum motivo inexplicável,
ele começou a adquirir uma sensibilidade extra com tudo e todos a sua
volta e, surpreendentemente, “começou a sentir os mesmos resultados que a
máquina misteriosa transmitia, só que desta vez a resposta aparecia na sua
própria tela mental”. O que parecia surreal começou a tornar-se realidade,
e já não havia necessidade de ligar o aparelho para acessar qualquer
informação de um sistema no tempo passado, presente ou futuro. Ao tocar
nas pessoas, ele sentia a cor, a vibração, a saúde e o espírito delas. Este
dom da vidência paranormal despertou das profundezas do seu ser, e o
aparelho acabou funcionando como um catalisador deste campo de força.
Ao mesmo tempo, para um jovem que estava começando a descobrir
a vida, a transformação foi profunda, a ponto de abrir mão da “máquina
milagrosa”, e devolvê-la ao Sr. Geraldo Lima. Procurou-o na Vila do
Tabuleiro, devolveu-lhe o equipamento e teve a promessa de ter o dinheiro
investido de volta. Mas isto foi em vão, Seu Raimundo nunca foi ressarcido.

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Fig. 6. O contato com as águas durante as tarefas diárias de S. Raimundo, no seu sítio

Fig. 7. Foto de S. Raimundo tomando conta do gado, no curral.

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Eventos curiosos continuaram a acontecer na vida dele. Um dos
últimos está relacionado com um fato que virou história corriqueira na
região do Espinhaço de Conceição: a aparição de luzes e misteriosos objetos
voadores. O setor de maior concentração desses fenômenos, de acordo
com os moradores do lugar, é o entorno do Parque do Tabuleiro, embora os
avistamentos ocorram em toda a região circundante. São muito conhecidas
em todo o Espinhaço Meridional histórias como a de José Joaquim Eloi,
morador do Tabuleiro, que teria ficado cego por causa da intensidade do
brilho dessas luzes (3). Seu Raimundo Nonato teve contatos desse tipo, e
dois deles ocorreram recentemente, chamando nossa atenção. O primeiro
correu em seu sítio, em 2014, logo no início da manhã, por volta das seis
horas. Quando estava caminhando em direção ao gado, “viu se aproximar
um estranho objeto voador, pequeno e de brilho metálico chamativo”. Ele
nunca tinha visto nada parecido antes. O objeto passou por cima de sua
cabeça, e perdeu-se na distância. Não sentiu medo, e tomou o fato como um
evento corriqueiro.
Outro fato interessante aconteceu durante uma caminhada noturna
que fizemos juntos, no Parque do Tabuleiro, em noite de lua nova,
guiados pelo amigo Samuel Taets Junior, dono da Pousada Gameleira, e
defensor ativo dos ecossistemas do lugar. Após minutos de caminhada,
sentamos para descansar de frente para a cachoeira. Não era possível vê-
la pela escuridão que permeava tudo, porém, era fortemente perceptível
o estrondo das suas águas logo à nossa frente. O céu era um manto de
estrelas, sem lua. Nesse lugar, onde pela distância já não enxergávamos
as luzes da vila, fizemos uma meditação, fechando os olhos e nos
concentrando no canto das águas. Durante esse processo, Seu Raimundo
avistou uma luz grande e intensa, estacionada bem acima de todos nós.
Possivelmente, pelo fato de estarmos em meditação, não chegamos a

40
perceber as luzes. Entretanto, lembramos perfeitamente da sensação de
profundo silêncio e paz que envolvia o lugar.

Fig. 8. Foto da maravilhosa Cachoeira do Tabuleiro, localizada dentro do Parque do Tabuleiro, a 20


km de Conceição do Mato Dentro.

Fig. 9. Foto da Serra do Intendente, e o Morro da Pirâmide, setor oeste do Município de Conceição
de Mato Dentro.

41
1.3 O início das curas
Passaram-se, ainda, alguns anos, e somente após a mudança para
Conceição do Mato Dentro é que Seu Raimundo começou a utilizar seu Dom
para a cura de pessoas. Como mencionado anteriormente, ele nunca teve um
mestre vivo que o ensinasse a reconhecer os tipos e qualidades das plantas
medicinais. Seu aprendizado foi intuitivo, desenvolvendo a sensibilidade,
o diálogo com a natureza, ampliando os sentidos e transformando o olhar,
“guiado por mestres espirituais, ao tempo que desenvolvia outras atividades”.
Foi forçado a descobrir a si mesmo e, dessa forma, “quando ele enxergava
uma planta, imediatamente reconhecia suas propriedades medicinais”. Não
foi um aprendizado baseado na tentativa e erro; ele define o processo da
seguinte forma: “para cada coisa que eu vejo vem um pensamento na cabeça,
e eu sei o que deve ser feito”.
Não lembra quem foi o primeiro “paciente”, entretanto, após esse
longínquo começo, nunca mais parou. No acompanhamento do seu dia a dia,
percebemos que, na sua metodologia de trabalho, ele capta a intenção do
interlocutor, quando procurado por qualquer motivo, e é em função dessa
intenção que surge a resposta. Da mesma forma que percebe intuitivamente
que alguém está a caminho, reconhece, por um simples olhar, ou um toque,
a natureza do indivíduo que chega para fazer uma consulta.
Resulta interessante estabelecer aqui uma comparação com a forma de
agir dos médicos indígenas, conhecidos como Pajés. Um dos mais renomados,
Agostinho Ika Muru, do povo Kaxinawa, ensinava que o médico indígena
pergunta o que é que o paciente está sonhando. E é a partir da descrição do
sonho que o Pajé dá o diagnóstico, parte para a floresta, conversa com as
ervas, retira a planta apropriada para tratamentos com banhos, líquidos
ou massagens, e realiza a cura da doença. Os Pajés são taxativos ao afirmar
que “os mais antigos sabemos mais ou menos o significado de cada uma das
42
espécies: esse ouro na mão que nunca destruímos” (Tadeu Siã Huni Kuin ;
2105).
Seu Raimundo não pergunta sobre os sonhos, mas, na busca de uma
planta para determinadas curas, utiliza uma metodologia de procura
similar àquela utilizada pelo Pajé Agostinho Ika Muru.
Resultam até engraçadas algumas anedotas relacionadas com esse
dom de captar o mapa mental. Uma das mais conhecidas foi protagonizada
por um renomado professor que estava pesquisando as atividades dos
curandeiros, tendo escolhido S. Raimundo como “exemplo” para seu
trabalho. Escutamos essa história de três pessoas diferentes, e todas elas
são coincidentes, portanto, deve ter sido assim mesmo que ocorreu. Aquele
doutor, PhD, daqueles que se consideram “PhDeuses”, chegou até a casa do
S. Raimundo e, sem rodeios, e nenhuma humildade, apresentou-se como
especialista em inúmeros temas. Sem parar de falar, expôs aquele velho
discurso acadêmico que diz que a ciência demonstra de forma rotunda que
as atividades dos curandeiros não passam de crendices. Tentou convencê-
lo de que seus efeitos somente podem ser atribuídos a um componente
subjetivo, etc., etc.. S. Raimundo olhou para o sujeito, encostou o indicador
na mão dele, enxergou automaticamente seu mapa mental, e imediatamente
começou a desvendar todos os detalhes inconfessáveis da personalidade
do ilustre professor. Contam que o homem ficou mudo, suando, sem saber
o que fazer, e até balbuciou que era coisa do diabo. S. Raimundo não deixou
passar essa, e lhe disse com firmeza: “você quer conhecê-lo mesmo?”. Não
deu tempo. O “PhD” soltou a mão, e saiu correndo... com o rabo entre as
pernas.

43
Fig. 10. S. Raimundo embrenhado na mata, a procura de variedades medicinais. Na foto, coletando
galhos de Cipó Caboclo.

É claro que são raros os casos desse tipo, já que a maioria das pessoas
chega ao sítio à procura de cura e bênçãos. Todos os dias são muitos os que
vêm em busca de conforto, cura, ou algum tipo de orientação. É gente de
Conceição, cidades vizinhas de Belo Horizonte e de outras partes do Brasil,
e até do exterior.
Ajudou, curou e orientou inúmeras pessoas ao longo desses últimos
quarenta anos, sem esperar nada em troca. Embora vivendo numa
condição muito simples, quase espartana, não aceita pagamentos pelo que
faz. Anos atrás, um empresário tentou retribuí-lo com um apartamento e
Seu Raimundo não aceitou. Sabia que, intimamente, isso poderia “fechá-lo e
torná-lo escravo de si mesmo, pois, se o fizesse, não saberia mais nada”.
44
Fig.11. Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, e praça do coreto, em Conceição do Mato
Dentro.

Fig. 12. S. Raimundo em fase de meditação

45
1.4 Dona Antônia, a Benzedeira

Pela Santíssima Cruz em que vós


Nosso Senhor Jesus Cristo
padecestes e morrestes, salvai-nos.
Estendei sobre mim vossa graça.
Dai-me a colher os frutos da Cruz,
símbolo de vosso sacrifício.
A vós suplico proteção,
pela Santa Cruz de Caravaca,
e aos vossos pés me ajoelho.
Valei-me, pela minha fé.
Assim seja, amém.

Oração para momentos de grande perigo – Cruz de Caravaca


Deve ser feita com a Cruz de Caravaca em mãos, e de joelhos

Em muitas comunidades, sobretudo do interior, ainda existe uma antiga


tradição: a das benzedeiras e rezadeiras. Os dois termos envolvem o mesmo
conceito, o mesmo ofício, geralmente assumido por mulheres. Elas são
tratadas com respeito, às vezes com medo, pois são pessoas que interagem
com o sagrado. Essas mulheres conseguem atingir com uma reza, ou com
um passe de mãos, o nosso íntimo mais profundo. Todas elas possuem uma
paranormalidade manifesta que se potencializa nesses momentos mágicos
quando, através de uma oração, conseguem desbloquear situações que
antes pareciam impossíveis de modificar. Talvez essa seja a melhor maneira
de definir a Dona Antônia.

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A tradição das benzedeiras é tão antiga quanto a história do homem,
daí o respeito que elas provocam. Seus conhecimentos são transmitidos
oralmente, independentemente da cultura que representam, seja indígena,
ocidental, oriental ou africana.
Seus principais instrumentos de trabalho são a palavra, “o verbo, que
em virtude da ressonância universal, tem a propriedade de despertar o que
está latente no nosso ser e que, uma vez emitido, certos sons ponham em
vibração, também por ressonância, os poderes ocultos no âmago do nosso
subconsciente” (Adoum, 1985), além de imagens de santos, oratórios, ervas
medicinais, água benta, crucifixos, objetos simbólicos e livros de rezas.
Eis os trabalhos das benzedeiras. Seus rituais nas regiões mais
afastadas e ignotas apresentam desinências de base católica, embora nos
centros urbanos variam segundo a diversidade religiosa local, podendo
ser também de base espírita, adventista, umbandista, do candomblé ou
esotérica. Assim, mesmo baseados em cultos ou religiões diferentes, as
rezadeiras e benzedeiras seguem os mesmos princípios de humildade,
solidariedade, justiça, e contato diário com o Divino. (Araújo, 1977).

“Por serem consideradas portadoras de um dom divino especial, as


rezadeiras não costumam cobrar por seus serviços, mesmo porque
em geral os usuários desses serviços são pessoas de baixa renda ou
com renda mínima e com dificuldades de acesso a serviços formais
de saúde.
Nas rezas são usadas formas modificadas das orações oficializadas
pela Igreja Católica, misturadas a palavras resmungadas e
incompreensíveis de um latim corrompido. Essas rezas abrangem
as mais variadas necessidades, podendo solucionar conflitos
familiares, chamar pessoas de volta à responsabilidade, acabar
com o poder maléfico de um ambiente, e outros problemas que

47
contribuem para a credibilidade da rezadeira, como a cura do mau-
olhado, quebranto, espinhela caída, cobreiro, febre, tristeza, míngua,
ar na cabeça, erisipela, dores em geral e outras doenças que muitas
vezes variam de nome de acordo com a cultura local.”
“Todo o trabalho da rezadeira, seus gestos, jaculatórias, palavras
e expressão corporal dão um clima de misticismo ao ambiente e
acabam proporcionando um grande poder de sugestão sobre os
presentes”
Araújo (1977), Medicina Rústica

De acordo com Oliveira & Costa Junior (2011), “a busca pela rezadeira
é a tentativa do paciente de esclarecer melhor as razões que desencadearam
aquele estado doente, aquele corpo carregado, algo que possa dar significado
a sua doença e favoreça sua cura”. Assim, o ato de benzer constitui-se no
ponto de união que permite não somente a ideia de domínio incontrolável:
“poder-se-ia dizer que todo o trabalho da benzedeira consiste na recuperação
de um elo perdido” (Quintana, 1999).
Dona Antônia é uma pessoa extremamente simples, sempre que
possível procura passar despercebida. Durante a elaboração do material
deste livro, ela fez questão, repetidas vezes, de deixar bem claro que nada
tinha para dizer, tamanho o desapego que manifesta.
Pouco se sabe do seu passado. Apenas que sua família é proveniente
do lendário Distrito do Tabuleiro, certamente a região mais mística de
Conceição de Mato Dentro, na Serra do Espinhaço. Pois bem, Dona Antônia
nasceu e foi criada nessa região, numa fazenda localizada embaixo do
Tabuleiro, no Rio Preto, de onde eram os avós paternos. Segundo contam
velhos moradores, essa fazenda ocupava, até inícios do século XX, boa parte
do distrito do Tabuleiro. Já a família materna era da região da Cachoeira da

48
Fumaça, também localizada nos arredores.
Mais isso foi há muito tempo. D. Antônia, hoje com mais de 70 anos,
confessa que desde que era criança ela não volta àquela cachoeira, e
raramente visita o Tabuleiro. Conta que naquela época as pessoas eram
cuidadas exclusivamente com plantas do mato, já que o médico mais
próximo estava a quase um dia em lombo de cavalo. As pessoas sabiam
reconhecer as propriedades de folhas e raízes, e na falta de médicos,
constituía uma alternativa vital para se proteger das doenças.
Entretanto, esse conhecimento foi se perdendo, aos poucos. A memória
ancestral de rezas vem desde aqueles tempos idos. Assim, como conta
Araújo (1977), “o ofício das rezadeiras costuma ser uma herança familiar,
onde as palavras eram mantidas em segredo e atravessaram décadas, com
frases repetidas mentalmente, com folhas de arbustos, velas e copos com
água, e uma energia fluindo para garantir a cura”. É exatamente assim
que trabalha Dona Antônia. Benzendo, ela cura o mau-olhado, as dores de
cabeça e até os males da alma, inspirando respeito e confiança naqueles
que a procuram. Seu método de cura consiste em colocar a mão sobre a
cabeça recitando palavras mágicas ou maravilhosas, orações misteriosas
de Nossa Senhora, dentre outras.

“Justo Juiz de Nazaré, Filho da Virgem Maria, que em Belém fostes


nascido entre as idolatrias, eu vos peço, Senhor: pelo vosso sexto
dia, que meu corpo não seja preso, nem ferido, nem morto, nem nas
mãos da justiça envolto. “Pax tecum! Pax tecum! Pax tecum!”. Cristo
assim disse aos seus discípulos: “Se os meus inimigos vierem para
me prender, terão olhos, mas não verão! Terão ouvidos, mas não
ouvirão! Terão bocas, mas não me falarão!”. Com as armas de São
Jorge serei armado; com a espada de Abraão serei coberto; com o
leite da Virgem Maria serei purificado; com o sangue de meu Senhor

49
Jesus Cristo serei batizado, na arca de Noé serei arrecadado; com as
chaves de São Pedro serei fechado onde não me possam ver, nem
ferir, nem matar, nem sangue do meu corpo possam tirar!
Também vos peço, Senhor, por aqueles Três Cálices Bentos,
por aqueles Três Padres Revestidos, por aquelas Três Hóstias
Consagradas que consagrastes ao terceiro dia, me deis aquela doce
companhia que destes à Virgem, desde as portas de Belém até
Jerusalém, que com prazer e alegria eu seja tão bem guardado, assim
como andou Jesus Cristo no ventre da Virgem Maria. Deus diante,
paz na guia, Deus me dê a companhia que deu à Virgem Maria, desde
a casa santa de Belém até Jerusalém. Deus é meu Pai, a Virgem Maria
é minha Mãe, com as armas de São Jorge serei armado, com a espada
de São Thiago serei guardado para sempre. Amém.”
ORAÇÃO DO JUSTO JUIZ, Cruz de Caravaca. Uma das rezas utilizadas por Seu
Raimundo e Dona Antônia durante os trabalhos de cura.

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1.5 Os Métodos e as Plantas
(...) E eu tomarei da medula do elevado cedro
e a porei à parte;
Cortarei do mais alto dos seus ramos um tenro garfo
e plantá-lo-ei sobre um alto e elevado monte.
Eu o plantarei no alto do Monte de Israel
e ele deitará arrebento, e dará frutos
e far-se-á um grande cedro,
e todas as aves habitarão debaixo dele,
e todas as espécies de voláteis
farão seu ninho debaixo da sombra das suas folhas (...).
EZEQUIEL 17 (22-24)

Como já mencionado anteriormente, Seu Raimundo “limpa” ou


“descarrega” as pessoas com a técnica ancestral do copo d’água, embora ele
a utilize de forma diferente, se comparada com práticas similares aplicadas
por outros curadores, ou até médiuns espíritas. Todos nós, de alguma forma,
conhecemos ou percebemos a importância das propriedades terapêuticas
da água. Afinal, quase 70% do nosso corpo é constituídos desse elemento, já
que é o componente principal de cada célula dos nossos tecidos. O consumo
diário de água favorece o correto funcionamento do nosso organismo
(digestão, excreção, absorção), e funciona como preventivo de hipertensão,
artrite, cólicas, pedras nos rins, dor de costas, azia, e assim por adiante.
Sendo assim, faz sentido que, como diz Seu Raimundo “um copo de água
possa nos limpar de fatores subconscientes e espirituais que contribuem
para a aparição de doenças ou manifestação de traumas”. Seu método de
trabalho, sem dúvida nenhuma, apresenta intensidade e profundidade.

51
Fig. 13. Foto de S. Raimundo utilizando a técnica do copo d` água

É fácil perceber a efetividade do processo da cura através do notório


arrepio que os pacientes sentem quando ele passa o copo pelos chacras,
especialmente o coronário, no topo da cabeça (4). Entoa, ao mesmo tempo,
assim como faz Dona Antônia, orações de proteção e bênçãos da lendária
Cruz de Caravaca. Quando necessário, consegue orientar uma pessoa na
difícil tarefa de eliminar traumas do passado, limpa espiritualmente uma
casa ou um cômodo, as vezes indicando velas brancas e banhos sobre águas
sagradas de cachoeira. Para fazer revelações, se necessário, também utiliza
runas, búzios e diagramas que ele determina não apresentar no presente
livro.
Durante as orações de cura, coloca sobre a mesa um livro muito antigo
sobre a Cruz de Caravaca, abre na página apropriada, fecha os olhos,
52
e começa a recitar em voz baixa, e rapidamente, sem nunca olhar para
o texto, colocando as palmas das mãos sobre a cabeça. Outras vezes, no
primeiro contato com o paciente, encosta suas palmas na palma esquerda
da pessoa, e se concentra nela. E, frequentemente, diz: “daqui eu vejo o que
está acontecendo”.

Fig. 14. Durante o procedimento de cura,


S. Raimundo encosta as mãos no paciente.

Fig. 15. Antigo Livro da Cruz de Caravaca, utilizado


por S. Raimundo

53
Nos dias que acompanhamos seus trabalhos, muito chamou a nossa
atenção a ligação direta das rezas com a Cruz de Caravaca. Pesquisamos
a origem desta Cruz e para nossa grande surpresa descobrirmos tratar-
se de uma história medieval, registrada pelo Padre Franciscano Giles di
Zamorra, e relacionada com dois milagres, um deles vinculado diretamente
aos Cavaleiros Templários.
“ Corria o ano de 1232 e Dom Ginés Pérez Chirinos, sacerdote, era
prisioneiro do Príncipe Mouro Ceyt Abuceyt no castelo de Alcazar
de Caravaca (ou Fortaleza de Caravaca), na atual Murcia (sul da
Espanha, os mouros dominavam a região na época), por pretender
levar a sua fé, aos “infiéis”. Dom Ginés, havia anos que morava
entre os islâmicos, com a intenção de pregar o Evangelho. Curioso
o Príncipe pretendeu que seu prisioneiro lhe mostrasse como
desempenhava o seu ofício. Ginés disse-lhe que era sacerdote e o
Príncipe quis que, perante ele e os seus vassalos, demonstrasse
como difundia a sua fé. O sacerdote, então, pediu-lhe as vestes
cerimoniais para celebrar a missa. O Príncipe mandou que alguns
dos seus homens os trouxessem de Cuenca, povoado vizinho e
território cristão, onde tinha morado o Padre Ginés. Entretanto,
eles se esqueceram de trazer a Cruz. Ao começar a rezar a missa,
Ginés alterou-se e não conseguia dizer nenhuma palavra. Quando
lhe perguntou o Rei o que se passava, respondeu-lhe que lhe faltava
a Cruz e que, sem ela, não poderia continuar a oficiar. Para espanto
de todos, quando o Rei levanta os olhos, vê baixar dois anjos que
transportam nas mãos um objeto e pergunta-lhe se era esse objeto,
a Cruz que lhe fazia falta. Ao ver o milagre, o sacerdote ajoelhou-se
em sinal de respeito e continuou a rezar a missa.
Este episódio marcou a vida do mouro, que pouco tempo depois se
converteu ao cristianismo, com toda a sua família. Diz também a
lenda que a cruz é feita com o madeiro em que Jesus foi crucificado.

54
O significado esotérico da Cruz é: a cruz do espírito (a linha vertical)
e o plano material (linha horizontal), tendo como resultado o
Homem, que é um ser que se move no plano material com opção
para ascender ou descender espiritualmente. Isto implica que, em
muitas ocasiões, necessite proteção, e uma das melhores formas é
levando a cruz, que lhe recordará a sua posição na escala evolutiva
e, desta maneira faz com que se centre no cruzamento do espírito
com a matéria.’’
Antônio Paiva Rodrigues, Revista Planeta
Edição 443 de agosto de 2009

Fig. 16. Foto da Cruz de Caravaca

55
Fig. 17. Pintura que retrata o momento do Milagre da aparição da Cruz (Ballester Lorca, 2006)

Conta a lenda que durante a missa, na hora da consagração, o príncipe


viu que, no lugar da hóstia, estava um belíssimo menino que olhava para
ele com doçura. Após a conversão, Ceyt Abuceyt passou a chamar-se
Vicente Bellvis e colocou-se às ordens do Rei Jaime I, colaborando com ele
na reconquista de Valência, sendo recompensado com a possessão de Villa
Hermosa (Ballester Lorca, 2006).
Anos depois, a recuperação da fortaleza de Caravaca foi efetuada por
Cavaleiros Templários, que conseguiram romper o cerco dos Mouros.
Não tinham água potável, pois os poços tinham sido contaminados pelos
Sarracenos. Assim, os cavaleiros benzeram o vinho que levavam, utilizando
a Cruz de Caravaca, e, com ele, purificaram a água envenenada, que se

56
tornou pura (Villanueva Fernandez, 1989; Rodr igues Llopis, 2004).
A lenda desse milagre é rememorada todos os anos em Caravaca
(Murcia), no dia 2 de maio, na “Festa da Cruz dos Mouros, Cristãos e Cavalos
do Vinho”, importante festa de peregrinação que consiste em onze rituais,
quase todos envolvendo diretamente a Cruz de Caravaca (5).
A peregrinação à Cruz de Caravaca começou na mesma época em que
os Cavaleiros da Ordem do Templo se estabeleceram no lugar e construíram
uma hospedaria junto à Igreja que guardava a relíquia. Isso aconteceu após
o ano de 1243, quando a Coroa de Castela recuperou dos Mouros as terras
de Caravaca, constituindo um enclave cristão de fronteira posicionado
de frente às terras dominadas pelos povos islâmicos do El Andaluz. Essa
hospedaria foi rapidamente adotada pelos ex-cativos que escapavam aos
muçulmanos, e que vinham à cidade agradecer a sua libertação à Santa
Cruz (Villanueva Fernandez, 1989; Rodrigues Llopis, 2004; Ballester Lorca,
2006).
Foi, muito provavelmente, a Ordem Templária quem difundiu os
mistérios da Cruz de Caravaca no mundo afora, e na Ilha da Vera Cruz,
primeira denominação que os portugueses deram ao Brasil. Prova disso é
que, aqui no nosso país, a história e o culto da Cruz foram introduzidos pelo
Donatário da Capitania do Rio de Janeiro e São Vicente (São Paulo), Dom
Martim Afonso de Souza, Cavaleiro da Ordem de Cristo, em 1532. A Ordem
de Cristo é a sucessora, em Portugal, da Ordem do Templo, e responsável
pela planificação e execução inicial da expansão marítima portuguesa em
tempos dos Descobrimentos (Rocha, 2012; Gandra, 2013) (6) e (7).

57
Fig. 18. Foto da Basílica de la Vera Cruz, Caravaca, España. Fonte: https://es.wikipedia.org/
wiki/Caravaca_de_la_Cruz# /media/ File:Caravaca-castillo-santuario-Vera-Cruz.jpg

Voltando ao Seu Raimundo, tivemos oportunidade de constatar


também a cura à distância. Foi nesse procedimento que percebemos o que
Basarab Nicolescu, (1995) descreve como sua “imaginação divina como
uma realidade que se elabora, um fluxo de informação que atravessa todos
os níveis de realidade”.

58
Dessa vez, acompanhamos uma paciente, amiga nossa, que nitidamente
sentiu sinais de melhora, mesmo estando a centenas de quilômetros de
distância do curador.
A cura à distância é utilizada, com frequência, nos meios espíritas,
geralmente, com o auxílio de médiuns e espíritos incorporados. Entretanto,
Seu Raimundo não é espírita e nem utiliza a mediunidade para desenvolver
suas tarefas. Nesse ponto, seu método de trabalho se aproxima com aquele
utilizado pelo Frei Ugolino Beck, amplamente reconhecido pela sua
paranormalidade, no sul do Brasil. Para a efetuação das curas, “a retidão, o
silêncio e a não ingestão de álcool horas antes dos procedimentos são os pré-
requisitos necessários para as operações espirituais obterem bons resultados,
sem interferências energéticas”.
Ao mesmo tempo, como mencionado anteriormente, Seu Raimundo
utiliza grande variedade de plantas para as curas. Na sua horta, cultiva
mudas medicinais, mormente aquelas que considera suas preferidas.
Indica a utilização de uma grande variedade de espécies, como veremos
na segunda parte, na forma de infusões, decocções (8), cataplasmas,
compressas e inalações. Para quem tiver interesse nesse tema, não é
difícil encontrar nas livrarias, ou na internet, textos com abordagens
sobre plantas medicinais. Todavia, cruzando dados, a forma de trabalho
com que Seu Raimundo utiliza as plantas medicinais, nem sempre coincide
com as aplicações recomendadas por outros especialistas para as mesmas
espécies medicinais. E o que resulta mais interessante: algumas das espécies
utilizadas por Seu Raimundo não são mencionadas em outros trabalhos, ou
são quase desconhecidas.
Provavelmente, o exemplo mais claro disto seja a “Gota Milagreira”,
ou “Cola Nota”, uma das plantas medicinais mais utilizadas por ele para
casos extremos de difícil solução, a exemplo de pessoas com câncer. Não

59
é mencionada em nenhum dos mais importantes tratados fitoterápicos e
de plantas medicinais, a exemplo dos elaborados por Tresque & Trentini
(1995), Drecher (2001), e Huibers (2001). Nem sequer é mencionada no
fantástico Plantas medicinais do Brasil, de Harry Lorenzi e Francisco Abreu
Matos, de 2008, provavelmente o compêndio científico mais aprofundado
sobre variedades medicinais nativas e exóticas. Somente encontramos a
“Gota Milagreira” numa obra pouco conhecida, a Medicina Popular do Centro
Oeste, de 1997, do historiador Bariani Ortencio. Esse autor observa que essa
planta fora classificada taxonomicamente recentemente, por um Professor
da Universidade de Goiás (José Ângelo Rizzo), o que comprova o porquê de
ser virtualmente desconhecida para o resto do Brasil. No entanto, a partir
da intuição, “e da orientação dos seus Mestres”, ela também foi “catalogada”
por Seu Raimundo, para aplicações similares às mencionadas por Bariani
Ortencio, embora com dosagens e períodos de uso totalmente diferentes.
Na segunda parte do livro veremos a aplicação medicinal dessas e outras
variedades.
Outras plantas que Seu Raimundo utiliza são diferentes tipos de
cipós. Alguns, como a Cavalinha, são facilmente encontrados na literatura,
e bastante conhecidos. Outros, a exemplo do ignoto “Cipó São Caetano”,
ou “Cipó Caboclo”, possuem raras referências. E são raros mesmo. Para
encontrá-los é necessário embrenhar-se no mato. Aliás, entrar no mato
acompanhando o Seu Raimundo à procura de variedades medicinais
é certeza de aula de fitoterapia autêntica. Caminhadas desse tipo são
imperdíveis. É simplesmente inacreditável o conhecimento prático que
possui, sendo difícil que ele não consiga reconhecer uma variedade, e a sua
utilização.

60
Fig. 19. S Raimundo Nonato colhendo plantas medicinais.

61
1.6 O repasse do Conhecimento
Não há nada
que você deva fazer ou mudar
para ser o que você é.
No entanto, existe algo
que você deve reconhecer
para deixar de ser
aquilo que você não é:
Investigue quem você é.
Anthony Paul Moo-Young (Mooji)

O conhecimento do Seu Raimundo advém de sua essência, liberto


do pensar “se apresenta no âmago do seu ser”. Ele não possui vertente
xamânica, embora tenha uma fortíssima ligação relacionada com a Natureza
Virgem. É nesse ponto que sua ciência e sentido se aproximam às dos Pajés.
Considera muito difícil repassar determinados conhecimentos de
cura, pois, para isso, “a pessoa deve procurar primeiro conhecer a si mesmo,
estabelecer um diálogo com a natureza e se aprimorar”. Ou seja, “fazer tudo
certo”. Ele mencionou isso mais de uma vez durante nossas conversas.
Entretanto, o que significa “fazer tudo certo?” Ao longo do tempo que
acompanhamos seus passos, nunca obtivemos essa resposta de forma
explícita.
Inferimos que um curador, ou curandeiro, detentor da visão e do saber
espiritual deve, em algum momento, repassá-lo para outros que tenham
como predisposição espiritual a continuação dessa trilha. Entretanto, para
isso, esses “outros” devem ser testados. Talvez aquele “fazer tudo certo”
represente um conjunto de passos que devem ser seguidos para a porta
poder se abrir.

62
Com o tempo, descobrimos que é fácil chegar até o Seu Raimundo,
difícil, é saber qual a porta certa abrir, e mais difícil ainda, é mantê-la aberta.
Receber visitantes para consultas de cura é assumido por ele como
uma missão. Muitas vezes é uma tarefa desgastante, pois os visitantes,
geralmente, não respeitam horários nem feriados. Ainda assim, é comum
que sejam recebidos com a tradicional hospitalidade mineira, onde o café é
sinônimo de boas-vindas.
Quando a seguinte porta se abre, o visitante é convidado para conhecer
melhor as variedades medicinais que ele utiliza. Alguns, ainda recebem o
raro privilégio de acompanhá-lo nas trilhas do mato, à procura de espécies
raras.
É ali que se estabelece, ou não, um elo entre os seres presentes e a
natureza, pois se estabelece uma dinâmica de inter-relação e objetivos afins.
Seu Raimundo percebe o potencial a ser explorado, a possibilidade de
troca de conhecimentos e o despertar de novos (adormecidos) sentidos. A
partir dessa fase, descobrimentos internos, às vezes inesperados, começam a
acontecer. E se sucedem um após outro.
Um dos setores preferidos para explorar as trilhas do mato está
localizado perto das terras do Sr. João Batista Lage, primo do Seu
Raimundo. Foi ali, caminhando mato adentro, que participamos de um
evento de cura raro, no meio das árvores, num lugar onde a natureza ainda
permanece virgem. Após essa maravilhosa experiência, fomos recebidos
pelo Sr. João Batista e sua esposa, Dona Inês, na sua casa centenária, que
foi primorosamente restaurada recentemente. Foi lá que apreciamos um
delicioso café mineiro.
Contudo, para quem consegue trilhar com ele na mata, “e entender
de fato o que está acontecendo”, o que vem a seguir é muito mais difícil.
Principalmente se o caminhante tiver real interesse de ir adiante, e correr o

63
risco. Nesse estágio é que as provas aparecem. E os caminhos, antes claros
e cheios de “sincronicidade” (9), começam a se mostrar contraditórios e
desafiadores. De certa forma, somos colocados defronte a uma “barreira”
que, ao mesmo tempo, tem alguma coisa de inexplicável e forte realismo,
algo difícil de definir.
O que acontece ao ultrapassar essa “barreira” desafia abertamente
nossos conceitos, ou pré-conceitos, cartesianos. De certa forma dispara-
se um processo fortemente realista, pois o caminhante passa a enxergar-
se como ele é, incluindo as misérias e ressentimentos que estão ocultos
nas profundezas do inconsciente, ou dissimulados nas próprias culpas
conscientes ou inconscientes (10). Não é simplesmente um processo
psicanalítico interno, embora o pareça, pois, outro componente (que o
Cristianismo definiria como espiritual) também está presente. É verdade
que os desafios variam de pessoa para pessoa. Também é verdade que
se o caminhante não estiver atento, ou se tiver medo, deixará passar essa
magnífica oportunidade de crescimento. Ou, muito provavelmente, nem
perceberá que teve essa chance! É, certamente, uma etapa onde deve
prevalecer a paciência, o inquérito e o bem pensar, devendo-se manter,
o tempo todo, uma atitude coerente e ética, pois a luz no final do túnel
aparecerá para quem é perseverante.
Foi durante esse processo que conhecemos o Matheus, que vem
seguindo os passos do Seu Raimundo e possui notáveis qualidades
radiestésicas (11), além do conhecimento de agronomia. As sessões de
cura para as quais fomos convidados a acompanhar, junto ao Matheus e
Dona Antônia, foram inesquecíveis e surpreendentes.

64
Fig. 20. A presença constante de água, moldando as pedras do Espinhaço.

65
Fig. 21 e 22. Fotos da Fazenda do Sr João Batista, (na Foto 21 aparece junto com S. Raimundo)
em Itacolomi, Distrito de Conceição do Mato Dentro. Ao fundo pode-se ver a floresta onde Seu
Raimundo procura espécies raras.

Fig. 23. Foto da horta experimental de Seu Raimundo no amanhecer. No detalhe, ampliação de
curioso efeito com formato angelical (que aparece no centro da foto), provocado pelos raios do sol
(foi girado em 180° e ressaltado com filtro violeta).

66
As técnicas de cura do Seu Raimundo costumam ser muito intensas,
independentemente da sua duração. Foi maravilhoso constatar que
pequenas variações de algumas técnicas, notadamente aquela do copo
d’água, produzem resultados surpreendentes. Em alguns dos pacientes,
observamos que se atingia um estado de relaxamento muito profundo,
quase que um estado alterado de consciência, sem o uso de nenhum
processo de hipnose. Duas das pessoas que acompanhamos sofreram um
processo de regressão quase instantâneo, sem perder a consciência em
nenhum momento, o que os ajudou bastante na elucidação do problema
que estavam enfrentando.
Em cada situação, Seu Raimundo observa a forma de reagir “daquele
que está no caminho”, e o acompanha. Observa, e faz com que observemos
quando o paciente “acha que quer fazer o bem”, porém por detrás da
intenção o intuito é fazer o mal. Quando percebe essa “intenção por detrás
da intenção”, manda a pessoa embora, sem medo de “dar o castigo”. E,
sobre isso reflete: “existem aquelas pessoas das quais vocês podem ter dó,
entretanto, existem outras que vocês têm que deixar ter dó”.
Pontua a forma de evitar uma sobrecarga negativa, especialmente em
situações de pessoas que “vampirizam energeticamente os outros”, com as
mais diversas técnicas de captação de atenção. Para isso, deixa uma dica:
“Se você escutar o insulto do outro, a provocação, ou a palavra ruim, e não
responder nada, já está cortando o efeito: isso não passará para a gente”
(12). “Não se chateie com as coisas desse tipo, é só não ligar”. Em situações
assim o vimos afirmar: “Não duvide de você mesmo, se você não cuidar de
você mesmo, quem vai cuidar?” Ao mesmo tempo, para os que se apoiam
exageradamente na religião como forma de proteção, ou para fazer pedidos
(13), S. Raimundo deixa no caminho expressões que nos fazem parar e
pensar, a exemplo de: “quem reza exageradamente está sem Fé em Deus,
entretanto, lembre-se que tudo que se faz com amor dá resultado”.

67
A interação com Seu Raimundo e Dona Antônia, inevitavelmente, nos
abriu caminhos e percepções, que tornaram-se mais profundos, fazendo-
nos mais conscientes de onde devemos estar, e de nós mesmos. Agora,
entendemos claramente o significado do trabalho que eles desenvolvem,
que deve ser reconhecido, pois está voltado, acima de tudo, para a cultura da
verdade e do bem, à construção de valores solidários, onde a razão, emoção
e intuição trabalham em perfeita harmonia para uma nova percepção das
nossas vidas e nosso planeta.
Só temos que agradecer estes dias no Espinhaço de Conceição do
Mato Dentro (14) e as intensas experiências sobre utilidades, práticas e
fórmulas de manejo das diferentes espécies existentes na região, e que
serão apresentadas na segunda parte deste texto.

Fig. 24. Samambaia variedade “sabenca”, encontrada nos córregos do Distrito de Tabuleiro

68
1. 7 Notas da Primeira Parte

(1) Para a Pesquisadora Maria das Graças Lins Brandão, do Centro Especializado
em Plantas Aromáticas, Medicinais e Tóxicas da UFMG, é importante tornar vivo
o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais, já que os raizeiros estão
morrendo e o conhecimento não está sendo repassado para as novas gerações. O
resultado é o desconhecimento da vegetação brasileira, situação que faz com
que a fitoterapia nacional seja baseada em plantas exóticas (trazidas de outros
continentes e introduzidas no Brasil) como hortelã, babosa, manjericão, erva
doce, etc. Segundo a Professora, o Brasil não valoriza o conhecimento tradicional
e a biodiversidade que tem, faltando incentivo para pesquisa que transforme a
nossa biodiversidade em produtos. Na origem do problema está a prioridade
dada aos medicamentos industrializados, que vem dos anos 1950, mesmo
diante da recomendação da OMS incentivando o estudo de plantas medicinais.
A Professora participa do projeto Ervanaria Móvel, que procura criar um diálogo
entre a ciência e a arte, a partir da pesquisa sobre raízes e seu uso medicinal. O
projeto está baseado na pesquisa do cientista italiano Stefano Mancuso, na área
de neurobiologia vegetal, que, investigando a comunicação entre as plantas, como
elas interagem com as florestas onde estão inseridas, quer saber o que os vegetais
dizem sobre a situação do planeta (Sebastião, 2015).
(2) De acordo com Gerula (2011) a radiônica e a radiestesia são matérias afins,
resultando difícil estabelecer os limites entre uma e outra. Ribault (1997)
esclarece que com a mente preparada, e tendo a radiestesia como instrumento,
podemos partir para a radiônica. A definição de Radiestesia (capacidade de sentir
as radiações energéticas), será abordada com detalhe mais adiante. Já a radiônica
sintoniza, canaliza, potencializa e emite energia e, segundo Gerula (2011),
opera como receptora e como emissora (Obs: a Radiestesia somente opera
como receptiva). Para atingir esses objetivos, a radiônica utiliza instrumentos
radiônicos, que possuem diais, potenciômetros, placas detectoras, e recipientes
para testemunhos (Ribault, 1997; Gerula, 2011). Ribault (op cit) observa que
esses aparelhos não usam eletricidade para trabalhar, e têm um magneto que
trabalha como acumulador, transdutor e irradiador, captando e enviando o padrão
de energia fixado pelos diais. Assim sendo, com um aparelho radiônico temos
a vantagem de poder entrar em contato com a energia primordial, o que quer
dizer que temos a energia à nossa disposição para informá-la como queiramos
(Ribault, op. Cit). Com o aparelho radiônico ainda podemos criar o programa que
precisamos para cada caso particular, tendo desta forma possibilidades ilimitadas.
Um dos aparelhos de radiônica mais evoluído que conhecemos é o Psicogerador
69
Ribaut, desenvolvido pelo Instituto Biosegredo.
(3) O grande número de aparições de luzes registrado no Distrito do Tabuleiro
atraiu grupos que chegaram até a região para estudar esses fenômenos. Segundo
Lacerda (2011) o mais destacado foi o Projeto Alvorada, na década de 1980,
“cujos membros acreditavam que a região seria sede de um grande acontecimento
planetário, por ocasião de uma imensa transformação, a exemplo do que ocorrera
durante o dilúvio retratado na Bíblia”. O certo é que muitos moradores da área
rural de Conceição não gostam de ficar à noite no descampado, por causa das
aparições. Conhecemos algumas pessoas que relataram terem vivenciado esse
tipo de situação. Pouco antes do início do nosso trabalho, dois óvnis foram vistos,
por inúmeros moradores, atravessando a região, desde Itacolomi, passando por
Conceição, e se perdendo no sul do Espinhaço Meridional.
(4) Segundo Carolyne Myss, “chacras são centros de acumulação de energia
espiritual distribuídos pelo corpo. Os sete principais estão situados ao longo
de um eixo vertical que perpassa o centro do corpo. Cada um desses centros de
energia guarda uma lição de vida espiritual que devemos aprender, à medida que
evoluímos para uma consciência mais elevada. O sétimo chacra, ou coronário,
é o ponto de entrada para a força vital humana, e representa a conexão com
nossa natureza espiritual, estando diretamente alinhado para procurar um
relacionamento direto com o Divino. A verdade espiritual desse chacra é viver no
momento presente” (Myss, 2000).
(5) Recentemente, o Vaticano concedeu o Ano Jubilar a Caravaca de La Cruz, o
que significa ser ela a quinta cidade do mundo a celebrar o Jubileu Perpétuo no
Santuário onde a Vera Cruz é custodiada (Ballester Lorca, 2006).
[6] Segundo Gandra (2013) a expansão portuguesa não foi, nem fruto do acaso,
nem um feito político da Coroa ou de cortesões esforçados, antes a missão de
uma Ordem iniciática, a Ordem do Templo e de sua sucedânea, a Ordem de Cristo.
Ainda segundo esse autor, “motivada por expectativas milenaristas e messiânicas
colectivas, sincreticamente compendiadas no Auto do Império, a gesta marítima
lusa resolve-se na demanda do Paraíso perdido, esse Centro Espiritual supremo só
alcançável, garantem-no escritos espirituais medievos como o Conto do Amaro, a
Navegação de São Brandão, o Livro de José de Arimateia e o Orto do Esposo, pelo
nauta audaz que, em demanda do seu destino, embarque nas naus da iniciação e
empreenda a travessia do Oceano da Alma, modelo dos oceanos do mundo, para
dilatar Fé e Império”.
[7] Em sendo assim, a missão da ordem do Templo (e, portanto, da Ordem de
70
Cristo) está relacionada com o Mito da Ilha Brasil, presente no imaginário Celta e
na historiografia portuguesa, amplamente utilizado pela coroa portuguesa como
mito de conquista e ampliação de fronteiras territoriais do Brasil, em uma reação
estratégica ao Tratado de Tordesilhas. É, por intermédio da Ordem do Templo
de Portugal, que as literaturas das Matérias da Bretanha e do ciclo do Graal têm
forte penetração em solo português. Portanto, é significativo o fato de o Mito da
Ilha Brasil, um tema caro à literatura celta, “aparecer” em contexto português,
identificando o Brasil como sendo o Paraíso Perdido, estando o Espinhaço
inserido nessa abordagem. É da cartografia universal que o conceito geográfico
da Ilha Brasil toma forma e expressão nas cartas quinhentistas e “uma série de
testemunhos coevos coincidem em afirmar que a ilha dos cartógrafos se filia em
informações indígenas” (Gandra, 2013). Além do livro de M.J. Gandra (Op. Cit),
outras abordagens sobre o mito da Ilha Brasil e sua relação com o Espinhaço,
podem ser encontradas em: a) “O mito da Ilha Brasil” de Loryel Rocha (2011,vide
em Referências Bibliográficas); e b) “Ilha Brasil, entre o mito a e a geologia
histórica” e de F.J. Mariano e Loryel Rocha (Cadernos da Tradição, série 2, vol. 6,
2014, Instituto Mukharajj / CESDIES Edições).
(8) Decocções: é um método empregado para tratar as partes mais duras dos
vegetais (raízes, cascas, rizomas e sementes). Depois de lavadas, as ervas devem
ser colocadas em água ainda fria. Leva-se ao fogo até a fervura, deixando ferver
por dez minutos, ou mais, deixando repousar por dez minutos, e coando (Condé,
2012).
(9) Sincronicidade é a experiência de ocorrerem dois (ou mais) eventos que
coincidem de uma maneira que seja significativa para a pessoa (ou pessoas)
que vivenciaram essa “coincidência significativa”, onde esse significado sugere
um padrão subjacente, uma sincronia. A sincronicidade difere da coincidência,
pois não implica somente na aleatoriedade das circunstâncias, mas sim num
padrão subjacente ou dinâmico que é expresso através de eventos ou relações
significativos. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sincronicidade. Consultado
em 08/08/2015.
(10) O Filósofo Olavo de Carvalho aborda magistralmente a origem das culpas
no Livro “ A formula para enlouquecer o mundo” (Carvalho, 2014). Segundo ele
“nas civilizações anteriores, um certo equilíbrio entre custo e benefício, entre
direitos e deveres, entre prazeres e sacrifícios, era reconhecido como o princípio
central da sanidade humana”. Assim “a liberação (atual) de massas imensas da
população para o desfrute de prazeres e requintes gratuitos é uma das situações
psicológicas mais ameaçadoras já vividas pela humanidade”, pois “para cada

71
individuo engolfado nesse processo o efeito é um sentimento de culpa tanto mais
profundo e avassalador quando menos conscientizado”. O individuo que esta
nesse processo “é corroído por um profundo ódio a si mesmo, mas esta proibido,
pela cultura vigente, de perceber a verdadeira natureza de suas culpas, e mais
ainda de alivia-las (...)”. Portanto, “a culpa mal conscientizada (...) acaba sempre
se exteriorizando como fantasia persecutória e acusatória, projetada sobre os
outros, sobre o mundo e sobre o sistema (...). Dessa forma, o individuo finge “para
si mesmo que esta revoltado pelo que ele nega aos pobres, quando na realidade
o odeia por aquilo que esse sistema lhe dá, sem exigir nada em troca”. Assim a
origem atual das neuroses nesse tipo de “homens medianamente instruídos do
nosso tempo” esta na “rejeição aos apelos da consciência moral”. E, ao mesmo
tempo, o “abandono da consciência de culpa não pode trazer outro resultado
senão a proliferação de culpas inconscientes (...) que necessitam de novos e
novos bodes expiatórios, cujo sacrifício só as torna ainda mais angustiantes e
intoleráveis”.
(11) Segundo o Padre Ricardo Gerula (2011), Radiestesia significa sentir as
radiações energéticas sutis que emite a Terra, qualquer ser vivo, etc. A palavra
provém do latim radius (radiação) e do grego aisthesis (sensibilidade). Em
resumo é um código com o qual se coloca em contato o consciente (a mente da
superfície), com o subconsciente (a mente da profundidade), e permite detectar,
qualificar, e medir todo o espectro das radiações correspondentes ao cosmos:
minerais, vegetais, animais e “preparados vibracionais” (Gerula, op.cit). Dessa
forma, praticando a radiestesia podemos integrar as duas partes, consciente e
inconsciente, e não ficarmos submetidos ao vaivém de duas mentes que a formam
segundo as circunstâncias. Assim sendo, é uma ciência receptiva que permite
o contato com a interioridade, e nos ensina um novo modo de utilizar nossas
mentes. Em resumo, a radiestesia nos permite discernir entre aquilo que favorece
a vida, daquilo que a prejudica. S. Raimundo utiliza radiestesia de forma intuitiva.
Dentre as aplicações mais difundidas da radiestesia podemos citar: (a) detecção
de radiações telúricas, que podem incidir positiva ou negativamente sobre o ser
humano. Um exemplo disso é a identificação de zonas geopatogênicas dentro das
casas, que podem produzir doenças aos habitantes; (b) identificação de veios
d’água que estão em profundidade; (c) identificar posição dos chacras e verificar
seu funcionamento correto; (d) identificar e medir a qualidade energética (e a
positividade ou negatividade) de seres vivos, comidas, remédios, água, lugares,
objetos, etc.; (d) melhorar notavelmente a intuição das pessoas.
(12) A Cabala explica que a palavra negativa gera uma energia carregada de
mortificação, e está relacionada com o sexto mandamento (Mecler, 2013).
72
Segundo esse autor, “depois de pronunciada, a palavra se espalha pelo mundo e
não retorna mais. Assim, é necessário mudar a qualidade das palavras que falamos
e ouvimos, para que a vida se transforme por completo”.
(13) Mecler (2013) chama a atenção para os riscos envolvidos com a quebra de um
pacto, e relacionados com o sétimo mandamento. O significado é mais profundo
do que a interpretação usual, associada à culpa.
[14] Definir a Serra do Espinhaço como, simplesmente, um lugar com belas
paisagens de montanhas e vales, cachoeiras imponentes e outros atrativos,
constituiria uma heresia imperdoável. O Espinhaço é muito mais do que isso, para
conhecê-lo ele deve ser experienciado. Quem de fato o conhece poderia defini-
lo como sendo um conjunto de sentimentos que afloram a cada passo nessa
imensidão de morros de quartzito e florestas maravilhosas de cerrado, trilhados
há milênios pelos primeiros habitantes do Brasil, que deixaram suas marcas
nos paredões de pinturas rupestres. Para quem quiser redescobri-lo, o Brasil
primordial ainda esta presente nessas montanhas, caminhos e povoados perdidos
no tempo. O Espinhaço se estende desde as proximidades de Belo Horizonte até
os confins do norte da Bahia. Segundo especialistas em geologia, está formado por
rochas consideradas como sendo das mais antigas do Brasil, que já foram fundo
de mar e palco de intrussões magmáticas provenientes das capas mais profundas
do planeta, e até glaciações quando a serra era uma cordilheira muito mais alta
do que na atualidade. O Espinhaço é um raro remanescente de retalhos de um
continente antiquíssimo, já desaparecido, e migrou por diferentes latitudes do
nosso planeta, até anexar-se ao que mais tarde foi denominado placa da América
do Sul. A serra vem sendo estudada desde inícios do século XIX, quando o cientista
alemão Barão Von Eschwege foi enviado pelo Príncipe regente Dom João VI, até
os dias atuais. Para conhecer mais sobre o Espinhaço, e a região de Conceição
do Mato Dentro, recomendamos a leitura dois livros imperdíveis. Um deles
é “Serra do Espinhaço Meridional: paisagens e ambientes”, editado por Pedro
Angelo Almeida Abreu, Alexandre C. Silva e Léa C. V. S. Fortes Pedreira. O outro é
“História Viva de Conceição do Mato Dentro”, livro idealizado e coordenado pelo
Instituto Espinhaço e pelo Instituto Mukharajj Brasilan. É necessário destacar que
o firme trabalho desenvolvido por renomados defensores do meio-ambiente, a
exemplo de Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira, Kaka Werá Jecupé, do Embaixador
José Aparecido de Oliveira e seus filhos, Fernando e Maria Cecília, de Danielle
Mitterrand e José Carlos Carvalho, dentre muitos outros, conseguiu da UNESCO
o reconhecimento da Serra do Espinhaço, incluindo o Parque do Tabuleiro, como
Reserva da Biosfera, em 2005.

73
Parte 2
Ervas, plantas e raízes medicinais utilizadas por
Seu Raimundo Nonato e Dona Antônia

75
Sem dúvida, o misticismo popular também aparece desde o Brasil
colonial, quando o povo se valia das crendices e fórmulas naturais
em busca de melhorias na luta contra as enfermidades, diante da
precária assistência à saúde. Assim, de acordo com os costumes e
levado pelo limitado conhecimento científico disponível na época, o
homem une os recursos da natureza à própria fé, dando início a uma
variada farmacopéia composta de mezinhas, garrafadas, infusões,
chás, amuletos e oferendas aos santos para tratamento médico. A
essas crendices se misturaram os traços culturais e religiosos das
três raças que formaram a etnia brasileira, resultando em receitas,
habilidades e saberes que se perpetuaram oralmente, passando de pai
para filhos, de geração a geração.
ARAÚJO, Alceu Maynard (1977)

A cura mediante a utilização de plantas e a elaboração dos remédios


caseiros exigem conhecer, com alto grau de precisão, a época do ano
mais apropriada para a colheita, a parte da planta que deve ser melhor
aproveitada (folhas, sementes, raízes, seiva), a quantidade e, principalmente,
a metodologia correta das infusões, diluições, cataplasmas, etc. Os cuidados
no manuseio são fundamentais, e na preparação das folhas, geralmente, se
faz uma secagem com esterilização para eliminar germes.
A utilização de remédios caseiros, encontrados no mato ou cultivados,
chamou a atenção de várias universidades, o que se viu refletido nos
últimos anos na publicação de inúmeros trabalhos científicos. Segundo
o levantamento desenvolvido pelo Departamento de Botânica da UFMG,
eram conhecidas em Minas Gerais, até 1989, oitenta e quatro famílias de
plantas medicinais, sem contar subespécies e variedades dentro de cada
uma delas (Grandi et al, 1989). Esses autores chamam a atenção para um
fato importante:
77
“Como foram encontradas muitas espécies botânicas com o mesmo
nome científico, é perigoso propagar o uso de plantas medicinais,
usando-se somente o nome vulgar. Muitas espécies têm também
muitos nomes vulgares, variando de região para região, em Minas
Gerais. O “Macaé”, por exemplo, é conhecido em Minas por 13 nomes
vulgares diferentes”.

Assim sendo, não é nossa intenção apresentar nesta segunda parte


um trabalho científico ou de recopilação sobre plantas medicinais. Isso
não faria sentido, já que publicações de gabarito sobre esse tema estão
disponíveis em qualquer livraria especializada, como foi comentado na
primeira parte.
O que será abordado nas próximas páginas é um compêndio das
principais plantas utilizadas por Seu Raimundo. Algumas delas são
bastante conhecidas popularmente, outras são descritas somente em
tratados especializados. E algumas poucas são quase desconhecidas.
Será apresentada, para cada variedade, uma introdução sobre a
forma de utilização encontrada em livros especializados e publicações, e,
principalmente, a metodologia de emprego das plantas recomendada por
Seu Raimundo.
Em termos de aplicações medicinais das diferentes variedades, o leitor
poderá perceber que, com certa frequência, a proposta de Seu Raimundo,
para cada uma das plantas abordadas, é diferente daquela sugerida na
literatura.
Salientamos que é vontade dele repassar esse conhecimento para que
não se perca, e fique disponível para quem precisar.

78
Lembramos que o tratamento de doenças sempre deve ter um
acompanhamento médico. A utilização de plantas medicinais deve
constituir-se num complemento, ou alternativa, ao tratamento
alopático. O profissional da saúde deve ser consultado antes de iniciar
qualquer utilização das variedades medicinais naturais.

Variedades de Plantas Medicinais que serão apresentadas:


1. Gota Milagreira (Cola Nota, ou Planta dos Espíritos)
2. Erva Tiú / Peidorreira
3. Cipó São Caetano
4. Cipó Caboclo
5. Cipó Orelha de Cachorro
6. Pacarí
7. Camará do Reino
8. Chapéu de Couro
9. Cansansão (Urtiga Cansansão)
10. Cinco Chagas
11. Assa Peixe + Carrapicho
12. Braúna
13. Sucupira
14. Cavalinha
15. Manjericão Dourado
16. Capim São José
17. Língua de Vaca
18. Vassourinha
19. Transai
20. Moringa Oleifeira
21. Pau Santo

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22. Barba Timão
23. Cedro
24. Capim Meloso
25. Seno
26. Pinhão Roxo
27. Erva de Bicho

A maior parte das fotos foram tiradas na horta experimental do Seu


Raimundo, ou em matas localizadas nos arredores, dentro do município de
Conceição do Mato Dentro, Serra do Espinhaço (MG).

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2.1 Gota Milagreira, ou Cola Nota

Fig. 25. Foto de exemplar de Gota Milagreira


(Synadenium Umbelatum Pax)

Somente encontramos a “Gota Milagreira” numa obra pouco conhecida,


a Medicina Popular do Centro Oeste, de 1997, do historiador Bariani Ortêncio.
Esse autor observa que essa planta fora classificada taxonomicamente
muito recentemente (Synadenium Umbelatum Pax, Prof. José Ângelo Rizzo,
UF/Goiás), o que comprova o porquê de ser virtualmente desconhecida
para o resto do Brasil.
Mas ela também foi “catalogada” por Seu Raimundo para aplicações
similares às mencionadas por Bariani Ortêncio, embora com dosagens
e períodos de uso totalmente diferentes. Para a “Gota Milagreira”, esse
último autor também utiliza os nomes de Cura Tudo, Leiteirinho e Planta
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dos Espíritos, e a recomenda em casos de alergia, chagas, diabetes, gripe,
lepra, leucemia, obesidade e úlceras nervosas. Para casos de câncer sugere
também preparados bastante concentrados de “Gota Milagreira”, o que não
é recomendado por Seu Raimundo.
A “Gota Milagreira” é utilizada por Seu Raimundo de forma
homeopática, nos casos de pessoas com câncer e que estejam recebendo
medicação. Também a utiliza para tratar problemas da pele, manchas no
corpo inteiro, incluindo vitiligo.
Ele elabora o preparado colocando uma gota da seiva de uma folha em
um litro de água mineral, e guardando a mistura na geladeira. Afirma que
deve ser tomado, durante um mês, pela manhã, em jejum (xícara média
de café). No segundo mês deve ser repetido, dessa vez com duas gotas (de
duas folhas). No terceiro mês, o preparado levará três gotas, de três folhas.
O tratamento dura 90 dias. Seu Raimundo prefere coletar a seiva
durante os períodos de seca, quando ela está bem mais concentrada. A
planta se adapta muito bem em solos arenosos, ricos em matéria orgânica.
As mudas podem ser feitas cortando pequenos galhos, preferencialmente
na época de chuvas. A seiva é adstringente e pode produzir coceira em
contato com a pele.

82
2.2 Erva Tiú

Fig. 26. Foto de Erva Tiu (Sabicea Brasiliensis)

Árvore de meio porte e folhas alongadas, não descrita no compêndio


Plantas Medicinais do Brasil, de Lorenzi e Abreu Matos (2008). Utilizada
por Seu Raimundo como excelente alternativa para tratar problemas das
vias aéreas superiores e inferiores. Cura a pneumonia e “limpa” os pulmões.
Ele separa as folhas para preparar as infusões, fervendo-as por poucos
minutos. Sugere tomar o chá três vezes ao dia. Limpar as folhas, deixá-las
secar, e somente depois disso preparar a infusão.
Existe uma variedade muito similar, denominada por Seu Raimundo
como “peidorreira”. Trata-se de árvore de médio porte, tronco lenhoso e
copa densa e arredondada. Ele a utiliza para curar pessoas que sofreram
mordidas de cobra, e para neutralizar o efeito do veneno dos ofídios. Para
isso, utiliza a casca e a raiz da planta, que são colocadas numa solução
aquosa, bebida sem ferver.
Na literatura encontramos essa variedade sob o nome de cafezeiro do

83
mato, guaçatonga, erva do teiú, pau de lagarto, etc. (Sanches et al, 2013;
Lorenzi & Matos, 2008; Panizza, S. 1998). Segundo Moreira et al (2006)
também é conhecida como “Sangue de Cristo”, recentemente classificada
como Sabicea Brasiliensis, angiosperma oriundo do cerrado goiano e
espalhada pelo sudeste do Brasil. Pertence à família do café (gênero Coffea),
e até dez anos atrás, ainda não possuía nenhum estudo fitoquímico.
Estudos recentes confirmam um importante potencial antioxidante
para essa variedade. O “Cafezeiro do Mato” é popularmente utilizado
para tratar queimaduras, ferimentos, herpes, úlcera gástrica, eczemas e
picadas de insetos. Segundo contam Sanches et al. “De acordo com a crença
popular, o lagarto-tiú (Tupinamba sp.) só enfrenta uma cobra se houver
um pé de cafezeiro-do-mato por perto, tamanho é o poder cicatrizante da
planta. Estudos farmacológicos com ratos utilizando o extrato de sua casca,
mostraram atividade anti-inflamatória, protegendo-os contra o veneno da
cobra  jararaca. Por isso ela é usada também contra mordida de cobra”.

84
2.3 Os Cipós
As trepadeiras denominadas cipós merecem uma abordagem particular.
O nome cipó provém do TupiGuaraní ici-pó (fila / fileira). No dicionário
também significa demarcador de uma fronteira, e, também, pedra tumular.
São plantas que crescem sobre outras árvores, sem roubar micronutrientes,
e espalham ramificações até o solo. Segundo Gustavo Guedes isso tem um
forte significado simbólico pois pode ser interpretado como uma primitiva
ligação céu-terra, ao tempo que o enroscamento helicoide expressaria um
símbolo de amor representado por esse movimento espiral ao envolver
uma árvore. Os Cipós também recebem o nome de lianas, termo que
provém do latim ligare, novamente relacionado com a conexão entre céu
e terra.
Estas plantas apresentam fortes, e comprovadas, propriedades
medicinais, sendo muito utilizadas na medicina caseira ancestral. Mais de
cinquenta variedades de cipós estão catalogados para uso medicinal. No
Brasil, suas propriedades ficaram conhecidas cientificamente desde a época
de Carlos Chagas, quando o célebre sanitarista utilizou uma variedade de
cipó para cuidar de milhares de operários afetados pela malária. Deve-se
destacar que os cipós apresentam óleos essenciais e flavonoides na sua
constituição, o que os torna especiais. Os flavonoides são metabólitos
do reino vegetal terrestre, não existem em organismos marinhos, e sua
propriedade mais importante é o caráter antioxidante, favorecendo a ação
anti-inflamatória, anti-hemorrágica, antialérgica e hormonal.
Os Cipós são indicados para inúmeras aplicações medicinais, como será
apresentado adiante. O número de contraindicações, que depende de variedade
para variedade, também deve ser levado em conta. É por isso que resulta vital
ter o acompanhamento de pessoas com experiência nessas plantas, antes de
fazer o bom uso delas. Considerando a questão, Seu Raimundo somente
85
recomenda três variedades, que serão apresentadas a seguir.
Ele chama a atenção para o papel espiritual que o cipó tem nas matas
e nas florestas. Afirma, a partir da sua experiência, que o fato de o cipó
envolver, ou encobrir, outras plantas tem um forte significado: cobre tudo
que é ruim, para que não saia do lugar. Se você cortar o cipó “fica tudo
solto, para tudo acontecer”. De fato, do ponto de vista simbólico, também
significaria cortar a conexão céu-terra. Entretanto, o cipó pode ser guiado
para outro lugar. Assim sendo, meus amigos, é bom pensar duas vezes
antes de cortar um cipó.

Figs.27 A, B e C. Variedades de Cipós

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2.3.1 Cipó São Caetano

Fig. 28. Foto de Cipó de São Caetano (Momordica Chahrantia L)

Planta não descrita no compêndio Plantas Medicinais do Brasil, de


Lorenzi e Abreu Matos (2008). Entretanto, no mesmo livro, aparece
uma planta similar catalogada como “Melão de São Caetano (Momordica
Chahrantia L)”, que também é mencionado no site: plantasquecuram.
blogspot.com.br. Esse “Melão de São Caetano” é descrito como cipó
herbáceo, originário da África, utilizado na Austrália, Ásia e América do Sul.
Segundo esses autores, o chá preparado com as folhas desta planta
é utilizado para o tratamento de verminoses, hemorróidas e diarreias.
A ramagem verde batida com água é efetiva para eliminar carrapatos e
pulgas, em animais.
As folhas do cipó descrito por Seu Raimundo são similares às do “Melão
de São Caetano”, porém não apresentam bordas serrilhadas. Ele utiliza as
folhas com uma finalidade bem diferente: preparar as infusões para tratar
gripes, e que devem ser bebidas uma vez ao dia.
Obs: A foto com o detalhe das folhas de Cipó São Caetano, é de Daniel
Carvalho Gonçalves, e foi retirada do site plantasquecuram.blogspot.com.br.
87
2.3.2 Cipó Caboclo

Fig. 29 A e B. Fotos de Cipó Caboclo (Davilla Rugosa)

O nome científico dessa variedade é Davilla Rugosa. O “Cipó Caboclo”


não é mencionado nas obras de Drecher (2001), Lorenzi & Matos Abreu
(2008). Trata-se de trepadeira lenhosa, com ramos revestidos de pelos
ásperos e que apresenta flores amarelas. No site plantasquecuram.com.br já
é mencionado, esclarecendo que é conhecido popularmente no sul e sudeste
do Brasil, em especial na Serra do Mar, sendo utilizado como purgante e
no tratamento de doenças venéreas, febre, espasmos, inchaço nas pernas,
úlceras crônicas e inflamações. Contém glicosídeos e taninos, assim, seu
uso é feito através da preparação de tinturas, sendo contraindicado em
crianças.
Seu Raimundo utiliza uma variedade do “Cipó Caboclo” que não
apresenta pelos ásperos característicos da Davilla Rugosa. E, ainda,
manipula o cipó com uma finalidade totalmente diferente: usa a planta para
fazer limpeza no corpo e afastar o mau olhado. Para isso, ferve as folhas e
os galhos do cipó, e prepara o concentrado para ser utilizado como banho.
Segundo ele, “é muito bom para tirar tudo que é ruim do corpo”. Plantar
o “Cipó Caboclo” também pode ser recomendado para proteção de algum
lugar especial.

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2.3.3 Cipó Orelha de Cachorro

Fig. 30. Foto de Cipó Orelha de Cachorro (Mikania Sp)

O nome científico é Mikania Sp. É uma variedade rara de cipó, que não
foi encontrada em nenhum dos principais tratados de plantas medicinais
consultados. O gênero Mikania envolve diferentes variedades de cipós,
a exemplo do Guaco, Coração de Jesus, Cipó cabeludo e Erva de cobra.
Somente encontramos referências sobre o cipó “Orelha de Cachorro”
no trabalho de Grandi et al (1989), que menciona, em duas linhas, a
utilização medicinal dessa variedade, salientando sua aplicação para tratar
inflamações e frieiras. Para isso é utilizado o decocto das folhas e raízes, ao
tempo que o sumo da folha é usado para luxações.
Seu Raimundo utiliza a “Orelha de Cachorro” para curar infecções e
feridas, em pós-operatórios e processos de cicatrização. Para isso cozinha
as folhas, dilui o concentrado em um garrafão de dois litros de água mineral,
antes de dar um banho no lugar afetado.

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2.4 Pacarí

Fig. 31. Foto de exemplar de Pacarí (Bredemeyera Floribunda Willd)

O nome científico é Bredemeyera Floribunda Willd. Muito conhecida


em quase todo o Brasil. De acordo com Lorenzi & Abreu Matos (2008), a
tintura preparada com as cascas das raízes do “Pacarí” tem propriedades
antialérgicas (picadas de insetos) e anti-inflamátorias. Esses autores
recomendam misturar água, álcool de cereais e raízes, deixando em
maceração durante uma semana, antes de utilizar localmente.
Seu Raimundo utiliza a tintura da raiz de “Pacarí” para uso tópico local,
já que cura as “coceiras e até infecções”. Ele também utiliza as folhas para
preparar um chá, que deve ser passado sobre o lugar afetado.

90
2.5 Camará do Reino

Fig. 32. Foto de Camará do Reino (Lantana Camara L.) em época de floração

Nome científico: Lantana Camara L. Também conhecido como Camará,


Camará de chumbo, Erva chumbinho e Capitão do campo. É um arbusto
perene, folhas com delicados pelos, flores de cores amarelas e vermelhas,
e frutos verdes do tamanho de grão de café, utilizada em medicina caseira,
em todo o Brasil, sendo considerada tóxica para gado vacum e carneiros.
De acordo com Lorenzi & Abreu Matos (2008), o chá das folhas é
sudorífico e antipirético, sendo recomendado para problemas bronco-
pulmonares, reumatismo, dores musculares e nas articulações. Já o xarope
de folhas e flores é recomendado para tratar estados febris e afecções das
vias respiratórias. Na forma de compressas, são recomendadas para tratar
reumatismo.
Seu Raimundo utiliza as flores do “Camará” que apresentam forma de
capítulo (tipo de inflorescência), e as folhas, após vários dias de secagem
para curar a tosse. Com esse fim prepara o chá, que deve ser ingerido duas
vezes ao dia.
91
2.6 Chapéu de Couro

Fig. 33. Foto de Chapéu de Couro (Echinodorus grandiflorus)

Nome científico: Echinodorus grandiflorus. Planta aquática, ou de


terrenos brejosos, muito conhecida no sul, sudeste e nordeste do Brasil,
nordeste da Argentina e Paraguai. É também conhecido como “Aguapey”,
erva do pântano e chá-mineiro. Há séculos é utilizada pelos povos
Guaranis. De acordo com Drecher (2001) e Lorenzi & Abreu Matos (2008)
é muito utilizada na preparação de chás caseiros e fitoterápicos, possuem
propriedades depurativas e diuréticas, é eficaz no tratamento de artrites
(ácido úrico elevado), sífilis, doenças da pele, e afecções hepáticas renais.
Seu Raimundo utiliza as folhas do “Chapéu de couro” na forma de
infusões, para tratar problemas no sangue, pois ele “limpa tudo”.

92
2.7 Cansansão

Fig. 34. Foto da folha e raiz de exemplar de Cansansão


(Jatropha urens Muell, ou Japropha pubescens Pax)

O nome científico é Jatropha urens Muell, ou Japropha pubescens Pax.


Também é conhecido como Urtiga casansão ou Arre diabo. Trata-se de
arbusto urticante de folhas palmadas, comumente encontrado na floresta
de cerrado. Quando colocada em contato com a pele provoca coceiras,
especialmente em pessoas alérgicas. Segundo Drecher (2001), a seiva
desta planta é utilizada para curar catarata, e outras doenças dos olhos,
especialmente quando extraída dos próprios espinhos. Segundo esse
autor, as folhas são utilizadas para curar manchas da pele e até tumores
carbunculosos, ao tempo que a raiz é apropriada para tratar hemorragias.
Seu Raimundo utiliza a “Cansansão” na forma de inalação, sendo
especialmente indicada para pessoas com problemas de hemorroida. A
planta é colocada para ferver, e a fumaça deve ser inalada durante nove
dias (uma vez ao dia). Dado importante: o antialérgico da “Cansansão” é o
“Pacarí”.

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2.8 Cinco Chagas

Fig. 35. Fotos de exemplar de Cinco Chagas (Parattosperma


leucanthum Schum). A direita, detalhe das folhas.

O nome científico é Parattosperma leucanthum Schum. Trata-se de


árvore alta e de folhas longas, também conhecida como cinco folhas, ou ipê
branco. De acordo com Drecher (2001) é utilizada como depurativo e anti-
sifilítico. Deve ser diferenciada da variedade catalogada como Tropaeolum
majus L, também conhecida como “Cinco Chagas”. Essa última é uma planta
herbácea de ramos rasteiros, descrita por Lorenzi & Abreu Matos (2008).
Seu Raimundo utiliza a “Cinco Chagas” com uma finalidade bem
diferente: curar feridas. Para isso prepara um chá com as folhas, que deve
ser ingerido uma vez ao dia.

Observação importante: não deve ser colocada em contato com a pele!

94
2.9 Assa Peixe e Carrapicho

Fig. 36. Fotos de Assa Peixe (Vernonia plyanthes Less)

Cientificamente são conhecidos como Vernonia plyanthes Less e Bidens


pilosa L., respectivamente. “Assa Peixe” é um arbusto de grandes dimensões,
de até três metros de altura, muito comum em Minas Gerais e Bahia, e que
pode ser encontrado também no sul do Brasil. O mel de abelhas produzido
a partir do pólen do “Assa Peixe” do Espinhaço constitui, sem dúvidas, uma
das melhores variedades brasileiras.
Segundo Almeida (1993), Panizza (1998), Boorhem (1999) e Lorenzi
& Matos (2008), suas folhas e raízes são utilizadas na medicina caseira, pois
são consideradas balsâmicas, diuréticas e antirreumáticas. O chá de folhas
pode ser utilizado para eliminar cálculos renais, e, na forma de compressas,
é indicada para afecções na pele e dores musculares. O cozimento da raiz
serve para estancar o sangue, amenizar a dor causada por pancadas e
cicatrizar ferimentos (Condé, 2012).
Já o “Carrapicho”, segundo os mesmos autores, é facilmente encontrada
em toda a América Tropical, sendo considerada uma planta daninha. A
variedade possui uma longa história de uso na medicina caseira entre os
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povos indígenas da Amazônia. É utilizada para tratar anginas, diabetes,
disenteria, aftosa, hepatite, laringite, verminose, icterícia, blenorragia,
problemas do fígado, e infecções vaginais e urinárias, sendo que algumas
dessas propriedades foram validadas por estudos farmacológicos recentes,
especialmente como antibiótico e anti-inflamatório.
Seu Raimundo utiliza a combinação de folhas de “Assa-Peixe” e
“Carrapicho” com muita frequência, às vezes misturada com Embaúba
(Cecripia pachystachya), uma árvore silvestre de folhas lobadas, comum nas
matas do sudeste do Brasil, facilmente reconhecível pelo aspecto prateado
da parte de baixo de suas folhas, e pelos brotos avermelhados (Lorenzi
& Matos, 2008). Para o preparado, ferve a mistura de folhas em um litro
e meio de água mineral, e deixa secar aos poucos, até ficar concentrado.
Ele testou, com sucesso, essa combinação para o tratamento de colesterol
elevado, diabetes e casos de úlcera. Devem ser bebidos dois copinhos por
dia.
Também utiliza o “Carrapicho”, separadamente, para elaborar
preparados indicados para tirar manchas de pele e tratar de afecções dos
rins e fígado. Para isso utiliza uma combinação da raiz cozida e folhas
refogadas. É bom lembrar que ele também chama o “Carrapicho” de “Picão”.

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2.10 Braúna

Fig. 37. Foto de exemplar de Braúna (Schinopsis brasiliensis). A


imagem foi extraída do site http://www.arvores.brasil.com.br/.

É considerada uma das maiores árvores da caatinga, podendo


ser encontrada no Mato Grosso e Minas Gerais. O nome científico é
Schinopsis brasiliensis. É muito utilizada em marcenaria, quebra ventos
e reflorestamentos de regiões semiáridas, permitindo a recuperação de
capoeiras e caatingas empobrecidas. Suas flores são melíferas.
Os principais tratados sobre plantas medicinais quase não mencionam
essa variedade. Entretanto, segundo Nickel (2004) os rebentos de Braúna
são utilizados popularmente para tratar casos de pânico, histeria e
nervosismo, ao tempo que a tintura da resina é considerada tônica, em
pequenas doses. A autora destaca que os índios Kariri-xoco utilizam a casca
de Braúna triturada e cozida para aliviar dores de dentes, e o chá feito da
casca para tratar dores de ouvido.
Entretanto, a aplicação que Seu Raimundo dá para essa variedade
é revolucionária: com a seiva da Braúna trata casos de câncer. Já para
curar vermes (cistos, amebíase), apendicite e epilepsia, utiliza três gotas
da seiva, diluídas em meio litro d’água mineral, que devem ser ingeridos,
diariamente, numa única dose.

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2.11 Sucupira

Fig. 38. Fotos de exemplar e sementes de Sucupira (Pterodon emarginatus Voguel)

Nome científico Pterodon emarginatus Voguel. É uma árvore de


copa piramidal nativa das áreas do cerrado brasileiro, muito utilizada
na construção civil. Segundo Bariani Ortêncio (1997) e Lorenzi & Matos
(2008), a planta inteira é utilizada na medicina popular. Assim, a casca
produz um óleo eficiente no tratamento do reumatismo, as sementes
combatem amigdalites, e as raízes (“batatas de sucupira”) são utilizadas
para casos de diabetes. Já os estudos farmacológicos constataram que
o óleo dos frutos inibe a penetração, na pele humana, da cercaria da
esquistossomose. Para tratar amigdalites, Bariani Ortêncio (1997) sugere
pegar as sementes, cortá-las ao meio, bater no liquidificador com biotônico
e uma porção de arnica, e gargarejar várias vezes ao dia.
Seu Raimundo também a utiliza para tratar reumatismo. E, além
disso, afirma que a “Sucupira” é boa para tratar infecções e dores. Para
isso, o fruto da planta deve ser esquentado até liberar um melzinho, que é
misturado com vinho. O preparado deve ser ingerido duas vezes por dia.
Ele também a utiliza para quem “está bloqueado”, embora não tenha dado
maiores explicações sobre esse ponto.

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2.12 Manjericão Dourado

Fig. 39. Foto de Manjericão Dourado (Osimun basilicum L.).

Trata-se de uma variedade específica de manjericão (Osimun basilicum


L.). Não deve ser confundido com o manjericão comum de origem asiático/
europeu, também conhecido como alfavaca, basilicão, erva real, remédio do
vaqueiro, etc. Não foi descrita por Lorenzi & Matos (2008), nem encontrada
em outros tratados de ervas medicinais.
É um arbusto aromático muito parecido com a alfavaca, que desde
gerações é utilizada para febres, infecções, ou como antiespasmódico,
antirreumático, ou para cuidar de problemas nas vias respiratórias
(Albuquerque, 1989; Panizza, 1998; Lorenzi & Matos, 2008).
Seu Raimundo utiliza o “Manjericão Dourado” para uma finalidade
bem diferente: cuidar do coração. Para isso, separa as folhas para preparar
chá, que deve ser ingerido duas vezes por dia.

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2.13 Capim São José

Fig. 40. Foto de Capim São José (Cymbopogon densiflorum)

O nome científico é Cymbopogon densiflorum. Não é encontrada em


tratados de plantas medicinais, sendo considerada uma planta rara, descrita
por Marcos Guião, na região do Espinhaço (MG). Embora de origem africana,
é caracterizada por apresentar varas finas enfeitadas de flores e sementes,
no final do pendão. Ainda segundo Guião (2013), o chá elaborado com o
pendão floral acalma e induz ao sono, além de cuidar das afecções catarrais,
tosses e rouquidão, favorece as funções renais, e desincha os pés. Além
disso, banhos e compressas servem de alívio para casos de contusão. Guião
(2013) observa, ainda, que é utilizado em procissões e rituais religiosos em
busca de bênçãos e proteção, e que o perfume dos seus cachos é utilizado
na preparação de maravilhosos incensos.
Seu Raimundo possui mudas de Capim São José na sua horta, e as
utiliza para tratar dores de coluna, pois, afirma categoricamente, “levanta
o paciente na hora”. Com esta planta ele prepara o chá, deixa ferver,
concentrar e o indica para tomar banho.

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2.14 Língua de Vaca

Fig. 41. Foto de Língua de Vaca (Elephantopus mollis Kunth)

O nome cientifico é Elephantopus mollis Kunth; é uma erva nativa


do continente americano e considerada “planta daninha”, pois cresce
espontaneamente em pastagens, beira de estradas e terrenos baldios
(Lorenzo & Matos, 2008).
Segundo esses autores, suas raízes, em decocção, são consideradas
tônicas, diuréticas, febrífugas e antissépticas, também utilizadas contra
herpes e na dissolução de cálculos renais. Já as folhas são utilizadas em
chás para tratar reumatismo, bronquite, tosses e gripes. Indígenas das
Guianas também usam essa planta para curar micoses cutâneas.
Seu Raimundo utiliza a “Língua de Vaca” para “soltar o intestino preso”.
Para essa finalidade, o uso é externo: mistura as folhas com azeite de
mamona e colocadas na região do umbigo.

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2.15 Vassourinha

Fig. 42. Foto de Vassourinha, (retiradas do site http://sylvianarriman.


blogspot.com.br, e de Menezes & Fontelhes Filho, 2011)

Os índios Tremebé e Pitaguary, do Ceará, utilizam a raiz da


“Vassourinha” (foto) para curar gripe. Para isto, levam ao fogo a raiz junto
com casca de laranja. Depois de ferver, misturam com uma gema de ovo e
bebem (Menezes & Fontelhes Filho, 2011).
A “Vassourinha” é utilizada por Seu Raimundo para curar escorrimento
de mulher e infecções, misturando-a com raiz sapé. Pode-se colocar no
vinho ou preparar um chá. OBS: Na bibliografia somente encontramos
referências de Vassourinha doce, que é diferente (um caule com folhas bem
finas).

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2.16 Tanchagem, Tansagem ou Transai

Fig. 43. Fotos de Tansagem ou Transai (Plantago major L).

O nome científico é Plantago major L. Erva perene que se multiplica


por sementes, que crescem ao longo de espigas quês, e sobressaem entre as
folhas. Segundo Lorenzi & Mattos (2011) é nativa da Europa, considerada
planta daninha, e utilizada desde a Idade Média como diurético,
antidiarreico, expectorante, cicatrizante, sendo utilizado em infecções
das vias respiratórias, bronquites, úlceras, acne, espinhas e picaduras de
insetos.
Seu Raimundo mistura essa planta com Picão e Quebra Pedra. A folha
é uma espécie de antibiótico que é muito boa para cuidar dos rins. Com ela,
prepara-se um chá, que deve ser ingerido duas vezes ao dia.

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2.17 Cavalinha

Fig. 44. Fotos de exemplares de Cavalinha (Equisetum giganteum L)

Nome científico: Equisetum giganteum L. Também conhecida como


Cana de jacaré, Erva canudo e Cauda de cavalo. Segundo Panizza (1998) e
Lorenzi & Matos (2008) esse arbusto, de folhas reduzidas e nativo de áreas
pantanosas, é considerado tóxico para o gado vacum (porém não afeta os
cavalos), pois apresenta grande quantidade de sílica em seus tecidos, o que
causa diarreias sanguinolentas e fraqueza, justificando o nome de “lixa
vegetal”.
Entretanto, segundo os mesmos autores, é amplamente utilizada
na medicina caseira, em toda a América do Sul, nas formas de chá, para
tratamento de gonorreias, diarreias, infecções nos rins, e, ainda, contra
hemorragias nasais, anemias, calcificação de fraturas, bem como para
eliminar o ácido úrico. Também é utilizado no tratamento de problemas
articulares, renais e obesidade, sendo indicada para incontinência urinária,
osteoporose, tuberculose, perda de sangue e no tratamento da próstata
(Condé, 2012).
Seu Raimundo cultiva a Cavalinha na sua horta experimental, e a utiliza
para tratar os rins, já que “tira água e pedra”. Deve-se fazer um chá com a
planta e beber duas vezes ao dia.

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2.18 Moringa Oleifera

Fig. 45. Fotos de Moringa Oleifeira, cultivada na horta experimental

Conhecida na África como a “melhor amiga da mãe”, é um arbusto


nativo da Índia, e pode atingir 12m de altura. As aplicações da “Moringa”
são múltiplas: pode ser utilizada como alimento em sopas, molhos e
saladas, é uma excelente melífera, a pasta das suas sementes pode remover
até 99% das bactérias de águas poluídas, e possui altíssimos teores de
vitamina C (Maria S. Rangel, in www.jardimdeflores.com.br/flores
efolhas/A10moringa.htm).
Estudos recentes demonstraram sua eficiência no tratamento de
dezenas de doenças, é antidiarreica, com propriedades anti-inflamatórias,
antimicrobiana, antiespasmódica, antidiabética, diurética e vermífuga.
Essa planta é recomendada por Seu Raimundo para todas as aplicações
mencionadas, e está em fase de estudo na sua horta experimental.

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2.19 Pau Santo

Fig. 46. Foto de exemplar do Pau Santo da Serra do Espinhaço,


fotografado no Distrito do Tabuleiro (Equisetum giganteum L)

O “Pau Santo” é uma árvore de madeira dura e pesada, da qual se extrai


um óleo essencial de propriedades curativas, utilizado para curar doenças
venéreas. Seu nome científico é Bulnesia sarmientoi. A variedade de “Pau
Santo” presente no Espinhaço é de porte bem menor daquela encontrada
no oeste do Brasil. A planta é utilizada por Seu Raimundo para queimar,
fazer fumaça e afastar maus espíritos.

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2.20 Barba-timão

Fig. 47. Foto de exemplar de Barba-timão (Stryphnodendron adstringens Coville)

É uma árvore baixa, comumente de forma retorcida, de tronco cascudo,


lenhoso, folhas bipinadas e frutos em forma de vaina. O nome científico é
Stryphnodendron adstringens Coville. Segundo Lorenzi & Mattos (2011), sua
casca é rica em tanino (até 30%!), flavonoides, corantes vermelhos, açúcar
solúvel, possuindo grande ação estíptica, sendo utilizada para tratar casos
de leucorreia, hemorroidas, hemorragias, diarreias, conjuntivite e limpeza
de ferimentos (Condé, 2012). O decocto da sua casca foi até testada com
sucesso para prevenir queimaduras resultantes da radioterapia. (Lorenzi
& Matos, 2011; Condé, 2012).

107
Seu Raimundo tem utilizado com sucesso o “Barba-timão” para tratar
acidez estomacal, diarreias, úlceras estomacais e inflamações da garganta.
Para estes sintomas, prepara um chá com as cascas. A infusão, quando
muito concentrada, fica adstringente, devido ao tanino, daí o incômodo ao
ingeri-la deste modo. Assim, é preferível preparar chás mais diluídos, que
podem ser ingeridos duas vezes por dia.
Entretanto, para tratar feridas, o chá é preparado de forma mais
concentrada, e colocado com gazes sobre a pele. O preparado de “Barba-
-timão” limpa e cicatriza feridas com rapidez surpreendente.
Para situações extremas, Seu Raimundo recomenda utilizar a mistura
de Barba-timão com Calunga e Dom Bernardo. A Calunga é utilizada na
região do Poconé, interior do Mato Grosso, para tratamento de úlceras,
e não foi encontrada em nenhum tratado de plantas medicinais. É
mencionada num estudo em andamento, que está sendo desenvolvido pela
UFMT, aguardando registro de patente.
Segundo o site plantasquecuram.com.br, a “Dom Bernardo” (Psychotria
tetraphyla) é uma planta conhecida no cerrado brasileiro, utilizada para
combater gripes, defluxos catarrais e desobstruente das vias urinárias.

108
2.21 Cedro

Fig. 48. Fotos de exemplar de Cedro (Cedrela odorata L)

O nome científico é Cedrela odorata L. É uma árvore de grande porte,


que pode ultrapassar 30 m de altura, muito utilizada na marcenaria e na
construção civil. Segundo Lorenzi & Mattos (2011) suas folhas e cascas são
utilizadas na medicina tradicional para casos de febre, resfriados, gripes,
vermes e estados reumáticos. Condé (2012) recomenda o cedro para
combater diarreias, disenteria, doenças venéreas, espasmos, servindo para
lavar feridas e fazer gargarejos, em casos de inflamações. Lorenzi & Mattos
(2011) observam que a planta apresenta comprovadas propriedades
antimaláricas. Assim, para casos de malária, o Limonoide Gedunin, extraído
do cedro, proporciona uma eficácia maior que o quinino.
Seu Raimundo utiliza o Cedro para uma finalidade bem diferente:
tratar dor de dente. Para isso recomenda ferver a casca e a folha e passar
no dente com um algodão. O efeito é semelhante ao de um anestésico.

109
2.22 Seno

Fig. 49. Fotos de exemplar de Seno (Senna uniflora?)

Não encontramos essa variedade nos livros consultados. Lorenzi &


Mattos (2008) descrevem uma planta similar denominada Senna uniflora
(Mill), espécie subarbustiva frequente no nordeste do Brasil, que possui
vagens pardo-escuras, utilizada no tratamento as afecções do fígado,
anemia e desarranjos menstruais.
Seu Raimundo utiliza o “Seno” para tratar dores no coração. Também
recomenda seu uso para o pré-natal e para o “neném sair bem”. O azeite do
Seno deve ser utilizado, envolvendo e amarrando as folhas com um pano
e colocando-as para ferver. A pessoa que utilizar esta poção deve ficar oito
dias sem ter contato com água fria.

110
2.23 Capim Meloso

Fig. 50. Foto de exemplar de Capim Meloso (Coix lacryma-jobi)

Nome científico: Coix lacryma-jobi. É um arbusto considerado planta


daninha, de ampla distribuição na região sudeste do Brasil. A folha, na
época de dar sementes, libera uma substância que “cola” nas mãos e pode
manchar a roupa. É utilizado por S. Raimundo para tratar dor de barriga e
queda de cabelo. Para essa última finalidade, cozinha o capim em decocção
e, posteriormente, passa pelo cabelo.

111
2.24 Pinhão Roxo

Fig. 51. Fotos de exemplar de Pinhão Roxo (Jatropha gossypiifolia)

O nome científico é Jatropha gossypiifolia. Também conhecida como


“Mamoinha”. É um arbusto de folhas lobadas, levemente avermelhadas.
Os frutos apresentam sementes ricas em óleo. Segundo Lorenzi & Mattos
(2011) é nativa das Antilhas, utilizada no NE do Brasil como planta mágica,
que deve ser semeada em frente da casa, pois evita a entrada de todos
os males. Esses autores observam que, em ensaios farmacológicos com
animais de laboratório, o extrato bruto da planta provocou diminuição
da pressão arterial em ratos, e que na raiz estão presentes diterpenoides
macrocíclicos, de comprovada atividade antitumoral e antileucêmica.
Popularmente, suas sementes são utilizadas como purgativo eficaz, e as
folhas para tratar reumatismo e cicatrização de feridas.
Seu Raimundo também utiliza essa variedade para tratar reumatismo.
Entretanto, observa que a planta é eficaz para cuidar das dores da coluna.
Para isso pega o fruto do pinhão, corta em quatro partes, com o intuito de
preparar um cha que deve ser ingerida uma vez por dia. Adverte que se o
fruto for consumido por inteiro provocará uma boa diarreia.

112
2.25 Erva de bicho

Fig. 52. Foto de exemplar de Erva de Bicho (Solanum Americanum Mill)

O nome científico é Solanum Americanum Mill. É uma planta arbustiva


que dá frutos pretos de forma globosa, sendo considerada daninha em todo
o Brasil. Cresce com facilidade em lavouras e hortas, sendo amplamente
utilizada na medicina caseira. Segundo Lorenzi & Mattos (2011) suas
folhas, antigamente, eram utilizadas como verdura escaldada e seus frutos
consumidos como geleia. Esses autores observam que as folhas cruas e
os frutos verdes são venenosos, devido a presença de glicoalcaloides, que
podem produzir sintomas de depressão, no sistema nervoso central. Ainda
assim, suas folhas são utilizadas no preparo de chás para tratar cólicas,
neuralgias e afecções das vias urinárias; a planta é considerada analgésica,
sedativa, levemente narcótica, expectorante, diurética e vermífuga.
Seu Raimundo utiliza a “Erva de Bicho” para tratar quadros de
parasitose, ou seja, matar vermes. Também a utiliza com pessoas que
apresentam sintomas de tontura. E faz uma ressalva. Existe uma outra
erva de bicho, que ele denomina “de rama”, cresce nas árvores, e pode ser
utilizada para elaborar chás apropriados no tratamento de machucados
em geral e dor no corpo.
113
Posfácio
As Curas e os Curandeiros

Por Valéria A. Tavares

Bióloga e Terapeuta

115
As Curas e os Curandeiros

Os curandeiros são seres que nos ensinam deste os primórdios dos


tempos. Ao longo da história, mulheres e homens que mal sabiam ler, foram
torturados e queimados por manipular intuitivamente o âmago das plantas
e oferecer a cura para seus familiares e todos aqueles que os procuravam.
O difícil caminho também foi trilhado por cientistas, que sofreram
em carne própria a rejeição vivida pelos curandeiros da terra. Assim, o
Dr. Edward Bach, na primeira metade do século XX, abandona a medicina
ortodoxa e caminha para o campo sutil da cura. Desde que começou
a publicar seus primeiros artigos a respeito das essências florais, foi
perseguido pelo Conselho de Medicina Inglês. Em sua última carta a este
órgão, em 1936, escreveu: ...“Tendo provado que as ervas do campo são
muito fáceis de usar e tão maravilhosamente eficazes em seu poder
curativo, eu abandono a medicina ortodoxa.” Disse ainda que já não
era médico e preferia ser chamado de herbalista. Mas seu nome nunca
chegou a ser retirado do Registro de Médicos da Inglaterra.
Entendo que os curandeiros buscam as frequências mais sutis para
trabalhar, sentem e veem numa planta elementos tão potentes e sensíveis,
quanto aos que cada humano carrega em si. Sabemos que nossas doenças
e nossas curas são fabricadas por nós. Os curandeiros e as plantas
são os suportes que nos norteiam para dentro da nossa essência. Assim,
cada planta carrega intrinsecamente o poder de cura para cada ser humano.
Onde foi que a ganância nos ensinou que os remédios “fabricados”
seriam melhores do que uma respiração consciente, do que um escalda
pés, do que o chá quentinho e acolhedor que nos relaxa e nos liberta do
stress diário?

117
Onde é que aprendemos que os antidepressivos conseguiriam anular
nossas depressões diárias? E por que a tristeza e a depressão não deveriam
mais ser sentidas?

Fig. 53. S. Raimundo apreciando a Cachoeira do Tabuleiro

118
Questiono-me o porquê desta desproporção no uso de antibióticos,
antidepressivos e antiácidos nos dias de hoje, como se fossemos uma
manada. Quem é que ganha com esta larga propagação de vendas destas
drogas lícitas?
E se a nossa comunidade científica se alinhasse aos curandeiros? E se
nossos “eruditos” estudassem integralmente as plantas que curam? E se
nossa prática diária fosse o NÓS e não só o EU ? O simples, o óbvio, com o
custo mais acessível destas substâncias, significaria um grande benefício
para todos.
Seres como Sr. Raimundo e sua nobre esposa Dona Antônia, como
também, Marcus Guião, Carlos Gallo, e vários outros curadores, são seres
que fazem jus ao significado da palavra HALO DE LUZ .

Compreendendo que a cura do planeta inicia-se nas nossas células, na


humildade, no auto-respeito e reconhecimento de que somos também seres
de luz, e que podemos propagar luz para todos. Agradeço e reverencio os
curandeiros, estes seres humanos tão especiais que sabem compreender e
processar as plantas medicinais, numas das formas mais eficazes de cura
que a nossa Mãe Terra nos oferece.
Não somos separados de nada e de ninguém, e devemos reverenciar a
Mãe terra e o Arquiteto do Universo de quem somos filhos.
Bênçãos!

Valéria A. Tavares

119
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Fig. 54. Foto de Seu Raimundo, de autoria do grande fotógrafo mineiro Jorge Santos (in memoriam),
publicada no Livro Historia Viva de Conceição do Mato Dentro.
F. J. Mariano e Ivana Bretas

Raimundo Nonato

Raimundo Nonato – Mestre das Plantas Espirituais e Medicinais da Serra do Espinhaço Mineiro
Mestre das Plantas Espirituais e Medicinais
da Serra do Espinhaço Mineiro

R
aimundo Nonato Lúcio, ou “Seu” Raimundo, é
uma lenda viva de Conceição do Mato Dentro e
das montanhas do Espinhaço, em Minas Gerais.
É conhecido em toda a região pelo seu dom de cura e
vidência, e sua fama chegou a ultrapassar fronteiras
regionais e nacionais. Dentre os dons que possui, está a
capacidade de “sentir” as doenças potenciais antes de se
manifestarem, percebendo o pensar, o sentir e o querer dos
seus visitantes. Com amplo conhecimento das virtudes
curativas das plantas e das árvores do cerrado, aplica
este saber com singular praticidade e intuição, nos mais
diversos casos que vão aparecendo no seu dia a dia, sendo
a água e suas propriedades radiestésicas o elemento basilar
de todo o seu processo curador. A necessidade de valorizar
o saber popular, e preservar este patrimônio cultural e
imaterial vivente no Espinhaço, foi o que nos motivou a
escrever o presente livro, e contribuir para a perpetuação
deste tradicional modus operandi de curar e transformar
vidas. Assim sendo, nestas páginas intentaremos mostrar
o legado de Seu Raimundo Nonato e da sua esposa, Dona
Antônia, a Benzedeira. Ensinamentos, Curas, Remédios e Encantos
A apresentação do livro foi elaborada pelo Filósofo Loryel
Rocha. O Prefácio é obra do Ambientalista e Conferencista
Kaka Werá Jecupé. Já o Posfácio foi escrito pela Bióloga e
Terapeuta Valéria A. Tavares.

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