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© Copyright 2008 Oficina de Textos

1ª reimpressão 2010
2ª reimpressão 2011

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


em vigor no Brasil desde 2009.

CONSELHO EDITORIAL Arthur Pinto Chaves; Cylon Gonçalves da Silva; José Galizia
Tundisi; Luis Enrique Sánchez; Paulo Helene; Rosely Ferreira dos Santos; Teresa
Gallotti Florenzano

GERÊNCIA EDITORIAL Ana Paula Ribeiro


CAPA E PROJETO GRÁFICO Malu Vallim
DIAGRAMAÇÃO Allzone Digital Services Limited
IMAGEM DA CAPA Relevo (chadapa, escarpas e serras) da Região Nordeste de
Goiás representado em imagem SRTM – Nasa
PREPARAÇÃO DE FIGURAS Douglas da Rocha Yoshida
PREPARAÇÃO DE TEXTOS Gerson Silva
REVISÃO DE TEXTOS Thirza Bueno Rodrigues e Paula Marcele Sousa Martins

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Geomorfologia : conceitos e tecnologias atuais / Teresa Gallotti Florenzano, (org.).


-- São Paulo : Oficina de Textos, 2008.

Bibliografia.
ISBN 978-85-86238-65-9
eISBN 978-85-79752-05-6

1. Geomorfologia 2. Geomorfologia – Aspectos ambientais I. Florenzano, Teresa


Gallotti.

08-02257 CDD-551.4

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Geomorfologia 551.4
Todos os direitos reservados à Oficina de Textos
Rua Cubatão, 959
CEP 04013-043 São Paulo – SP – Brasil
tel. (11) 3085 7933 fax (11) 3083 0849
site: www.ofitexto.com.br e-mail: atend@ofitexto.com.br
APRESENTAÇÃO
Um novo livro de Geomorfologia elaborado no ambiente de trabalho
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da
Universidade de Brasília (UnB) será sempre muito esperado e bem
recebido, sobretudo pelo respeito que temos pelos jovens
pesquisadores dessas instituições e pela certeza de que a obra
inclui conhecimentos clássicos sobre o relevo do planeta Terra,
atualizados pelo uso e pelas observações múltiplas obtidas em um
vasto acervo de imagens de satélite.

Os técnicos e pesquisadores que participaram da elaboração do


livro têm toda a razão em salientar a grande importância das
imagens obtidas por satélite para a visão do espaço total regional e
para o detalhamento das feições geomorfológicas de todos os
espaços do Brasil inter e subtropical. Além das avaliações dos
subespaços ou diferentes células espaciais de todos os domínios
morfoclimáticos e topográficos, por meio das técnicas de
geoprocessamento, desdobram-se revelações espectrais: o uso de
diferentes processamentos e resoluções de diversas qualidades
interpretativas – imagens em falsa-cor que, além de caracterizar a
morfologia das mais diversas regiões, apresentam uma visão de
mosaico geoecológico e antropogenético regional; o arranjo dos
agrossistemas; os ecossistemas urbanos de diferentes categorias e
posicionamentos.

Tudo isso interligado por um sistema viário de linearidade marcada,


representado por caminhos, estradas e rodovias – uma visualização
de importância tanto maior desde que se saiba e se registre o tempo
da tomada das imagens. A tecnologia dos satélites possibilita
passagens em momentos diferentes sobre as modificações
sucessivas sofridas por uma mesma área, fato este que poderá ser
designado por espaço total em dinâmica. Portanto, um novo tipo de
documento a ser obrigatoriamente considerado pelos historiadores
do futuro, restando para o geógrafo de hoje a responsabilidade de
detalhar o espaço total de certa época ou período de tempo, em
imagens representativas de fragmentos da totalidade
macrorregional.

A variedade das abordagens existentes neste novo livro de


Geomorfologia é impressionante, envolvendo a colaboração de
diferentes pesquisadores, razão pela qual a obra, vista em conjunto,
adquiriu um caráter de excepcionalidade na bibliografia científica do
Brasil. Nesse sentido, ficamos devendo a Teresa Florenzano, que é
a mentora principal do projeto, um muito sincero agradecimento.

No capítulo introdutório do livro, Teresa Florenzano procura orientar


os futuros leitores sobre a apreensão dos conteúdos apresentados
nos demais capítulos, introduzindo os conceitos essenciais da
Geomorfologia e da importância interdisciplinar. Num esforço duplo,
a autora dedica o segundo capítulo à exposição do significado, da
importância e da potencialidade do sensoriamento remoto para a
pesquisa geomorfológica. No capítulo seguinte, Márcio Valeriano
trata do processamento digital de dados topográficos. O quarto
capítulo, também de Teresa Florenzano, aborda a cartografia
geomorfológica. No quinto, escrito por Athos Ribeiro dos Santos,
são destacados os principais processos tectônicos e a sua
associação com as diferentes formas de relevo. O sexto, de Renato
Guimarães, trata dos movimentos de massa. Do sétimo ao nono,
são abordadas a geomorfologia de ambientes específicos e de
grande relevância no território brasileiro. Assim, no sétimo capítulo,
Osmar Abílio Júnior detalha os ambientes cársticos brasileiros. No
oitavo, Evlyn Novo discute os ambientes fluviais, enquanto no nono,
Dilce Rossetti aborda os ambientes costeiros. Finalmente, no
décimo capítulo, Edison Crepani apresenta uma aplicação de
sensoriamento remoto e geoprocessamento para subsídio à gestão
territorial, tendo como pano de fundo uma área do Núcleo de
Desertificação de Gilbués, PI.
Quero parabenizar sinceramente Teresa Florenzano pela sua
iniciativa cultural, que muito honra sua pessoa e todos os demais
autores e colaboradores. E, sobretudo, parabenizar o Inpe, um
marco de competência técnica e cultural no Brasil, pelo livro.

Aziz Ab’Saber
PREFÁCIO
O relevo da superfície terrestre, objeto de estudo da Geomorfologia,
é um fator importante na vida do homem. Ele influencia desde a
construção da sua moradia, o manejo de suas culturas agrícolas, a
escolha do local para turismo, até a implantação de grandes obras
de engenharia e o planejamento estratégico em situações de guerra.
Por ser o relevo bem destacado em imagens de satélite, a
Geomorfologia é uma das ciências que mais se beneficia da
tecnologia de sensoriamento remoto. Essa tecnologia possibilita
ampliar nossa visão espectral (para além da luz visível), espacial e
temporal dos ambientes terrestres.

Com base nisso, na minha formação, e inspirada nas obras Remote


Sensing in Geomorphology, de Verstappen, publicada pela Elsevier
em 1977, e Geomorphology from space, editada por Short e Blair e
publicada pela Nasa em 1986, planejei, no final da década de 1990,
um livro de sensoriamento remoto aplicado à Geomorfologia.
Embora a ideia inicial fosse elaborar uma espécie de versão
brasileira de uma dessas obras, elas acabaram servindo mais como
inspiração, pois o livro tomou identidade própria. Logo percebi, no
entanto, que escrever um livro não era uma tarefa simples. Às voltas
com muitas atividades, o tempo foi passando e eu não conseguia
concretizar meu objetivo. Na verdade, dei-me conta de que não
tinha conhecimento suficiente (ou específico), tempo e fôlego para
prosseguir sozinha nessa tarefa. Assim, convidei os demais autores
do livro para que, juntos, pudéssemos concretizá-lo. Não demorei,
porém, a constatar que a inexperiência para organizar um livro e a
falta de tempo, minha e dos colegas, impediam que a obra
avançasse.
Pensava seriamente em desistir quando, ao tomar conhecimento
dos resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes) de 2005, convenci a mim e aos meus colegas que
deveríamos continuar. O desempenho dos alunos dos cursos de
Geografia foi, de modo geral, muito fraco, notadamente nas
questões relacionadas com a Geomorfologia. Chamaram-nos
também a atenção depoimentos de alunos como: “Esta matéria é
muito difícil”, “O professor responsável pelo curso de Geomorfologia
não era capacitado para ministrar esta matéria” e “Na minha
faculdade, a disciplina Geomorfologia não é oferecida”. Esses
resultados, ao mesmo tempo que desanimadores, constituíram a
motivação que nos faltava para superar os obstáculos e atingir
nosso objetivo. Era preciso contribuir na formação de alunos e
professores em Geomorfologia. Para isso, encontramos no livro uma
boa oportunidade.

Nesse contexto, tivemos a preocupação de elaborar uma obra


didática que priorizasse os conceitos geomorfológicos e mostrasse
exemplos do relevo brasileiro. Por outro lado, procuramos incentivar
a exploração de dados de sensoriamento remoto e de novas
tecnologias para analisá-los, mostrando o seu potencial para
estudos geomorfológicos. O livro, formado de dez capítulos, não
teve a pretensão de aprofundar nem esgotar um assunto tão amplo,
razão pela qual estamos abertos a correções e sugestões para uma
futura edição.

Aproveito este espaço para agradecer aos autores e colaboradores,


alunos da pós-graduação em Sensoriamento Remoto do Inpe, e a
Maria Aparecida Santana pela revisão. Agradeço ainda o importante
apoio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Teresa G. Florenzano
A morte, além da saudade, deixa obras
inacabadas. Foi assim com o nosso amigo
Paulo Veneziani, que faria parte da autoria
deste livro. Ao Paulo, ainda muito vivo em
nossa memória, dedicamos esta obra.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO À GEOMORFOLOGIA
Teresa G. Florenzano
1.1 Objeto de estudo da Geomorfologia
1.2 Desenvolvimento da ciência geomorfológica

2 SENSORIAMENTO REMOTO PARA GEOMORFOLOGIA


Teresa G. Florenzano
2.1 Interpretação de imagens
2.2 Técnicas de processamento de imagens
2.3 Interpretação de imagens ópticas
2.4 Interpretação de imagens de radar
2.5 Seleção de dados de sensoriamento remoto

3 DADOS TOPOGRÁFICOS
Márcio de Morisson Valeriano
3.1 Preparação de modelos digitais de elevação
3.2 Extração automática de variáveis morfométricas
3.3 Aplicação de análise morfométrica com SIG

4 CARTOGRAFIA
Teresa G. Florenzano
4.1 Cartografia geomorfológica no mundo
4.2 Cartografia geomorfológica no Brasil
4.3 Proposta para carta de unidades de relevo
4.4 Cartografia de unidades de paisagem
5 A TECTÔNICA E AS FORMAS DE RELEVO
Athos Ribeiro dos Santos
5.1 Estrutura interna da Terra
5.2 Tectônica de placas
5.3 Classificação das grandes unidades de relevo
5.4 Formas de relevo de origem tectônica
5.5 Ambientes tectônicos brasileiros

6 MOVIMENTOS DE MASSA
Renato Fontes Guimarães, Osmar Abílio de Carvalho
Júnior, Roberto Arnaldo Trancoso Gomes, Nelson
Ferreira Fernandes
6.1 Classificação dos movimentos de massa
6.2 Previsão dos movimentos de massa
6.3 Mapeamento de cicatrizes
6.4 Estudos de caso no Brasil

7 AMBIENTES CÁRSTICOS
Osmar Abílio de Carvalho Júnior, Mylène Luiza Cunha
Berbet-Born, Éder de Souza Martins, Renato Fontes
Guimarães, Roberto Arnaldo Trancoso Gomes
7.1 Dissolução química no modelado cárstico
7.2 Ação da água no relevo cárstico
7.3 Formas cársticas
7.4 Sensoriamento remoto no estudo de ambientes
cársticos
7.5 Ambientes cársticos brasileiros

8 AMBIENTES FLUVIAIS
Evlyn Márcia L. de M. Novo
8.1 Fundamentos de geomorfologia fluvial
8.2 Informações derivadas de sensoriamento remoto
8.3 Obtenção de informações fluviais de sensoriamento
remoto
9 AMBIENTES COSTEIROS
Dilce de Fátima Rossetti
9.1 Processos costeiros
9.2 Nível do mar
9.3 Sistemas deposicionais costeiros
9.4 Costas erosivas
9.5 Evolução quaternária da zona costeira

10 ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO
Edison Crepani, José Simeão de Medeiros,
Alessandro Ferraz Palmeira e Enio Fraga da Silva
10.1 Sensoriamento remoto e SIG
10.2 Mapas temáticos
10.3 Vulnerabilidade à perda de solo
10.4 Aptidão agrícola
10.5 Incompatibilidade legal
10.6 Uso indicado
10.7 Subsídios à gestão territorial
Teresa Gallotti Florenzano
INTRODUÇÃO À
1
GEOMORFOLOGIA

A superfície terrestre não é plana nem uniforme em toda a sua


extensão. Ao contrário, caracteriza-se por elevações e depressões
de diferentes formas (horizontais ou tabulares, convexas, côncavas,
angulares e escarpadas) que constituem seu relevo. A
Geomorfologia é a ciência que estuda as formas de relevo, sua
gênese, composição (materiais) e os processos que nelas atuam. O
relevo da superfície terrestre é o resultado da interação da litosfera,
atmosfera, hidrosfera e biosfera, ou seja, dos processos de troca de
energia e matéria que se desenvolvem nessa interface, no tempo e
no espaço. No espaço, o relevo varia da escala planetária
(continentes e oceanos) à continental (cadeias de montanhas,
planaltos, depressões e grandes planícies) e à local (escarpas,
morros, colinas, terraços, pequenas planícies etc.). No tempo, sua
formação varia da escala geológica àquela do homem.

A análise do relevo é importante não só para a própria


Geomorfologia, mas também para as outras ciências da terra que
estudam os componentes da superfície terrestre (rochas, solos,
vegetação e água), bem como na definição da
fragilidade/vulnerabilidade do meio ambiente e no estabelecimento
de legislação para a sua ocupação e proteção. Dependendo de suas
características, o relevo favorece ou dificulta a ocupação dos
ambientes terrestres pelo homem. De um lado, ele pode ser um
obstáculo (ou barreira) ao uso da terra (rural e urbano) e dificultar,
além de encarecer, a construção de grandes obras de engenharia
(estradas, aeroportos, hidroelétricas etc.). Por outro lado, o relevo e
os rios podem servir de limites (fronteiras) políticos entre municípios,
estados e países, e ter um grande valor cênico para a exploração do
turismo, e estratégico para fins militares em situações de guerra.
Cabe destacar ainda a influência do relevo na aquisição de dados
por sensoriamento remoto e, consequentemente, na interpretação
desse tipo de dado, como é mostrado no próximo capítulo.

Atualmente, a Geomorfologia dispõe de uma grande variedade de


métodos, técnicas e equipamentos que permitem estudar com
profundidade formas de relevo e processos geomorfológicos, ao
combinar modelos de previsão, observações de campo e
informações extraídas de dados de sensoriamento remoto e de
experimentos de laboratório. Exemplos de métodos, aplicação de
técnicas de sensoriamento remoto e SIG são apresentados ao longo
dos capítulos que compõem este livro. Neste primeiro capítulo, são
abordados o objeto de estudo da Geomorfologia (formas, variáveis
morfométricas e processos) e os conceitos básicos, além de um
breve histórico sobre o desenvolvimento da ciência geomorfológica.

1.1 Objeto de Estudo da


Geomorfologia
Neste tópico são descritas as variáveis referentes à: morfologia,
morfogênese, morfodinâmica e morfocronologia, que são o
objeto de estudo da Geomorfologia. Atualmente, nos estudos
geomorfológicos, são enfatizadas a morfologia e a morfodinâmica,
cujas variáveis têm uma aplicação mais direta nos estudos
ambientais voltados para o planejamento do uso da terra.

1.1.1 Morfologia
A morfologia engloba a morfografia, que é a descrição qualitativa
das formas de relevo, e a morfometria, que é a caracterização do
relevo por meio de variáveis quantitativas, também denominadas
índices morfométricos. O estudo da morfologia é o ponto de partida
para o entendimento dos demais aspectos do relevo. A identificação
da origem de uma feição pode ser baseada na sua forma, além do
tipo de material que a constitui e da história geomorfológica da área.
O tipo e a intensidade dos processos atuais de erosão estão
fortemente relacionados com a morfografia e a morfometria da
superfície terrestre.

Morfografia
A morfografia refere-se aos aspectos descritivos (ou qualitativos) do
relevo, representados pela sua forma e aparência, como, por
exemplo, plano, colinoso, montanhoso. A superfície da Terra
caracteriza-se por elevações e depressões que constituem o relevo
terrestre, cujas macroformas são descritas por denominações
convencionais como depressões, planícies, planaltos e montanhas
(Fig. 1.1). Um mapa simplificado das macroformas do relevo
brasileiro é apresentado na Fig. 1.2.

Depressões: são terrenos situados abaixo do nível do mar


(depressões absolutas: como o mar Morto) ou abaixo do nível
altimétrico das regiões adjacentes (depressões relativas: a
depressão periférica paulista, por exemplo), que podem ter
diferentes origens e formas.
Planícies: são terrenos baixos e planos, formados por
acumulação de material, que podem ser de origem aluvial ou fluvial,
marinha, lacustre, glacial, eólica.
Planaltos: são terrenos altos, variando de planos (chapadas) a
ondulados (colinas, morrotes e morros). Os planaltos típicos são
sedimentares ou basálticos, mas existem os de estrutura dobrada
(superfícies aplainadas, soerguidas e pouco reentalhadas).
Montanhas: são terrenos altos e fortemente ondulados. Quanto
à origem, podem ser: de dobramentos (Alpes, Andes, Himalaia e
Rochosas); dômicas (Macrodomos: Borborema, Núcleo Uruguaio-
Sul-Rio-Grandense, Núcleo Goiano; Domos: domo de Lages, SC, de
Monte Alegre, PA, de Brasília, DF etc.); vulcânicas (Etna,
Kilimanjaro etc.); de blocos falhados (Mantiqueira).

As bordas dos planaltos podem ser escarpadas ou em rampas


suaves. Os planaltos e as montanhas são compartimentos do relevo
geralmente relacionados a extensas áreas, enquanto as planícies,
ao mesmo tempo que podem ser extensas em área, também podem
ser pequenas e localizar-se no interior dos planaltos e das
montanhas. As formas de relevo desses compartimentos são
ilustradas na Fig. 1.3 e descritas a seguir.

Chapadas: relevos típicos de planalto sedimentar. São grandes


superfícies planas, em geral de estrutura horizontal, acima de 600
m, características das regiões Centro-Oeste (dos Guimarães,
Parecis etc.) e Nordeste do Brasil (Apodi, Araripe etc.).
Tabuleiros: áreas de relevo plano, de origem sedimentar, de
baixa altitude e com limite abrupto; típicos da costa do Nordeste
brasileiro.
Escarpas: rampas ou degraus de grande inclinação;
características de bordas de planaltos.
Serras: altas elevações do terreno, com domínio de topos
angulares, amplitudes acima de 200 m e declividades altas.
Morros: médias elevações do terreno, com domínio de topos
arredondados, amplitudes entre 100 m e 200 m e declividades altas.
Morrotes: baixas elevações do terreno, com domínio de topos
arredondados, amplitudes entre 20 m e 60 m e declividades altas.
Colinas: baixas elevações do terreno, com topos arredondados
a quase planos, amplitudes entre 20 m e 60 m e declividades
baixas.
Terraços: patamares em forma de degrau, localizados nas
encostas dos vales.

A caracterização do relevo em plano, suave ondulado, ondulado,


forte ondulado, montanhoso e escarpado descreve o relevo de uma
forma simplificada e, por isso, é fácil de ser aplicada e
compreendida por outros especialistas que não os geomorfólogos.
Ela também permite a seguinte associação:

relevo plano (planícies, terraços, tabuleiros e chapadas);


relevo suave ondulado (colinas);
relevo ondulado (morros e morrotes);
relevo fortemente ondulado (morros e serras);
relevo montanhoso (montanhas e serras);
relevo escarpado (serras e escarpas).

Fig. 1.1 As grandes unidades do relevo


Fonte: adaptado de Penteado (1994).
Fig. 1.2 As grandes unidades do relevo brasileiro. A classe montanha refere-se a
planaltos com domínio de relevo montanhoso e de serras
Fonte: adaptado de Ross (2006).
Fig. 1.3 Formas de relevo

Muito utilizados na caracterização do relevo de uma área são os


modelos clássicos de descrição das formas de relevo referentes a:
interflúvios (destacando os topos), vertentes (setores ou segmentos)
e vales, como mostrados na Fig. 1.4 e descritos a seguir.

Talvegue: linha de maior profundidade no leito de um rio (fundo


de um vale).
Interflúvio: espaço entre dois talvegues.
Vale: depressão alongada, de fundo descendente, formada por
um talvegue e duas vertentes. Os vales podem ser de origem fluvial,
glacial e tectônica (originados por falhas).
Vertentes: também denominadas encostas, são superfícies
inclinadas que formam a conexão dinâmica entre a linha divisora de
águas e o fundo do vale (talvegue). As vertentes são elementos
básicos do relevo no estudo dos processos de erosão e
acumulação, pois, com exceção das planícies e dos terraços, elas
ocupam a maior parte da superfície da Terra.
Divisor de águas: linha que divide duas bacias hidrográficas.
Ruptura de declive: descontinuidade de aclive de uma vertente.

De modo geral, verifica-se que:

topos planos caracterizam áreas de terraços, tabuleiros,


chapadas e de colinas com topos tabulares;
topos arredondados caracterizam relevo de colinas, morros e
morrotes;
topos angulosos caracterizam relevos de serras, montanhas e
escarpas;
vertentes convexas dominam em regiões de colinas, morros e
morrotes;
vertentes côncavas e retilíneas dominam em relevo de serras e
escarpas.
Fig. 1.4 Modelo de descrição das formas de relevo
Fonte: adaptado de Dent e Young (1981).

Morfometria
A morfometria refere-se aos aspectos quantitativos do relevo, como
as variáveis relacionadas a: medidas de altura, comprimento,
largura, superfície, volume, altura absoluta e relativa, inclinação
(declividade), curvatura, orientação, densidade e frequência de suas
formas. Entre essas variáveis, as mais utilizadas, não só para
estudos geomorfológicos, mas também para estudos geológicos,
pedológicos, agronômicos, geotécnicos e integrados do meio
ambiente (na avaliação da fragilidade e vulnerabilidade dos
ambientes), são: altitude (hipsometria), amplitude altimétrica
(amplitude ou altura do relevo), extensão de vertente, declividade e
aquelas que indicam o grau de dissecação do relevo, como a
densidade de drenagem, a frequência de rios ou, ainda, a amplitude
interfluvial, ilustradas na Fig. 1.5 e descritas a seguir.
Altitude: altura do relevo em relação ao nível do mar. É a altura
absoluta do relevo.
Amplitude altimétrica: altura da forma de relevo, diferença
entre a cota máxima (do topo) e a cota mínima (fundo do vale). É a
altura relativa do relevo.
Extensão de vertente: é a distância entre o divisor e a base da
vertente (fundo de vale).
Declividade: é a inclinação do relevo em relação ao plano
horizontal. Ela pode ser expressa em graus ou em porcentagem.
Densidade de drenagem: é o comprimento dos canais de
drenagem por unidade de área.
Frequência de rios: é o número de canais de drenagem por
unidade de área.
Amplitude interfluvial: é a distância entre dois interflúvios.

Fig. 1.5 Densidade e frequência de drenagem


A, baixa; B, média; C, alta
Fonte: adaptado de Meijerink (1988).
Essas e outras variáveis morfométricas – como, por exemplo,
curvatura horizontal e curvatura vertical – podem ser obtidas a partir
de medidas realizadas em campo, em carta topográfica ou de
modelo digital de elevação (MDE). O MDE é um plano de
informação que descreve a altitude, ponto a ponto, de uma
determinada área. Ele, por sua vez, pode ser gerado a partir de
diferentes fontes de dados: medidas de campo com GPS em modo
diferencial; cartas topográficas; sensoriamento remoto: óptico (por
meio de técnicas de fotogrametria, de estereocorrelação, de pares
de fotografias aéreas ou de imagens orbitais), de micro-ondas, com
dados de radar obtidos de plataformas aéreas ou orbitais, por meio
de radargrametria (com dados de Radar de Abertura Sintética –
SAR) ou interferometria (com dados de Radar de Abertura Sintética
Interferométrico – InSAR); a laser (Lidar – Light Detection and
Range). A acurácia do MDE e das variáveis morfométricas obtidas
depende principalmente da resolução dos dados de origem e do seu
processamento, como mostrado no Cap. 3.

No cálculo de variáveis ou índices morfométricos, manual e


automatizado, existem dificuldades relacionadas com a definição de:
número de classes; intervalos (limites) das classes; critérios e
unidades de amostragem (forma e resolução). Esses parâmetros
devem ser estabelecidos pelo analista, mesmo quando utilizadas
técnicas automatizadas, que é o mais comum atualmente. As
vantagens dos métodos automatizados referem-se à economia de
tempo, ao armazenamento e à capacidade de manipular uma
grande quantidade de dados, à integração de dados e à geração de
cartas morfométricas. A escala das cartas topográficas utilizadas
para o cálculo de índices morfométricos deve ser, de preferência,
maior que 1:100.000. As áreas (células) amostrais podem ser
grades regulares, áreas circulares, unidades geomorfológicas ou
bacias hidrográficas, entre outras.

Quanto à definição dos intervalos das classes, para a declividade


não existe dificuldade, uma vez que, dependendo da finalidade
desse tipo de carta, já existem limites sugeridos por autores como
Demek (1972) ou mesmo estabelecidos por lei para os diferentes
usos da terra (De Biasi, 1992). Assim, por exemplo, os limites de
12%, 30% e de 45° são estabelecidos, respectivamente, pelo uso de
mecanização agrícola, pela legislação urbana e pelo código
florestal, como restrição ao uso da terra em áreas que têm
inclinação acima desses parâmetros.

O uso das variáveis declividade e extensão de vertente é mais


adequado para estudos geomorfológicos de detalhe, em escala
grande e compatível com o nível da forma ou dos setores da forma
de relevo. Uma colina, por exemplo, pode caracterizar-se por
diferentes classes de declividade: uma declividade muito baixa no
topo, uma declividade alta no setor superior da vertente, uma
declividade média no setor intermediário e uma declividade baixa no
setor inferior. Por isso, ao utilizar essa variável na caracterização de
unidades geomorfológicas (conjunto de formas semelhantes), o
mais indicado é o uso da declividade dominante, e não da
declividade média, que não reflete a realidade da superfície
estudada. As variáveis altitude, amplitude altimétrica e as referentes
à dissecação do relevo são mais adequadas na caracterização de
unidades geomorfológicas ou de paisagem, pois são compatíveis
com esse nível taxonômico e com estudos e mapeamentos de
pequena e média escala (ver Cap. 4).

1.1.2 Morfogênese
A morfogênese refere-se à origem e ao desenvolvimento das formas
de relevo, as quais são resultantes da atuação dos processos
endógenos e exógenos. Os processos endógenos têm origem no
interior da Terra e manifestam-se por meio dos movimentos
sísmicos, do vulcanismo, do magmatismo intrusivo e do tectonismo.
As formas estruturais, resultantes dos processos endógenos, são
abordadas no Cap. 5.

Os processos exógenos são movimentos externos que atuam na


superfície da Terra destruindo elevações, construindo formas e
preenchendo depressões. Eles englobam o intemperismo físico
(fragmentação das rochas), químico e bioquímico (decomposição
das rochas); a erosão (ou denudação), que se refere à remoção do
material intemperizado; a acumulação – o material removido e
transportado pela erosão é depositado. Os agentes dos processos
exógenos são a água e o gelo (ação mecânica e química), o vento,
a ação da gravidade, as alterações de temperatura, os organismos
(fauna e flora) e o homem. Os processos exógenos são abordados
também nos Caps. 6 a 9.

Intemperismo
Processo de alteração das rochas por fragmentação (intemperismo
físico) e decomposição (intemperismo químico e biológico). O
intemperismo ocorre quando as rochas, expostas à energia solar, à
água pluvial e fluvial, às ondas, ao gelo e ao vento, são submetidas
a novas condições de pressão, temperatura e umidade. Dos três
grandes grupos de rochas (ígneas ou magmáticas, metamórficas e
sedimentares), as de origem magmática e metamórfica constituem
95% do volume total da crosta superior da Terra, mas ocupam
apenas 25% de sua superfície. As rochas sedimentares (e
metassedimentares) ocupam apenas 5% do volume, mas cobrem
75% da superfície da crosta. A resistência das rochas ao
intemperismo está relacionada principalmente com o seu grau de
coesão.

O material decomposto (intemperizado), localizado sobre a rocha


matriz, que não sofreu transporte nem processo de edafização, é
denominado regolito. O solo é a camada superficial da crosta
terrestre suficientemente intemperizada por processos físicos,
químicos e biológicos (pedogênese) para suportar o crescimento de
plantas com raízes. Sua espessura pode variar de alguns
centímetros a vários metros. Os perfis dos solos desenvolvidos
compreendem três horizontes principais: A, B e C, o último dos
quais corresponde ao regolito.

Erosão
Este termo engloba a remoção e o transporte de material
intemperizado. Os tipos de processos erosivos mais importantes,
principalmente em áreas de clima tropical úmido, como ocorre em
grande parte do Brasil, são: erosão pluvial, resultante da ação da
água da chuva e destacada a seguir; erosão fluvial, gerada pela
ação das águas dos rios (detalhada no Cap. 8); e movimentos de
massa: desprendimento e transporte de solo e/ou material rochoso
vertente abaixo, pela atuação da gravidade e da água, basicamente.
O deslocamento do material ocorre em diferentes escalas e
velocidades, variando de lento (rastejamento) a movimentos muito
rápidos, deslizamentos e tombamentos (abordados no Cap. 6).

Parte da água da chuva cai diretamente no solo, outra é


interceptada pela cobertura vegetal, podendo retornar à atmosfera
pela evaporação ou chegar ao solo. A parte da água do ciclo
hidrológico que chega ao solo diretamente pelo impacto das gotas,
ou indiretamente, após ser interceptada pela vegetação, é a que vai
participar da erosão pluvial. De acordo com Guerra, Silva e Botelho
(1999), o processo erosivo realizado pela ação da água pluvial,
ilustrada na Fig. 1.6, pode ser dividido nos seguintes estágios:

Fig. 1.6 Ação da água pluvial no processo erosivo


Fonte: adaptado de Guerra, Silva e Botelho (1999).
Salpicamento (splash): ocorre a partir do momento em que as
gotas de chuva batem no solo e podem causar a remoção ou a
ruptura dos agregados, selando o topo do solo, e a consequente
formação de crostas.
Formação de poças (ponds): poças são formadas na superfície
(nas pequenas depressões) à medida que o solo torna-se saturado
com a infiltração da água. É o estágio que antecede o escoamento
superficial.
Escoamento superficial (runoff): é o responsável pelos
processos erosivos de superfície. A água que se acumula nas
depressões do terreno começa a escoar pelas vertentes quando o
solo está saturado, e as poças não conseguem mais conter a água.
Inicialmente o fluxo é difuso, provocando a erosão laminar. O fluxo
linear é o estágio seguinte, quando começa uma concentração do
fluxo de água. O desenvolvimento de microrravinas é o terceiro
estágio da evolução do escoamento superficial. O quarto estágio é a
formação de microrravinas com cabeceiras. As ravinas tendem a
evoluir por meio de bifurcações em pontos de ruptura (knickpoints),
e novas ravinas são formadas. Finalmente, as ravinas podem evoluir
para processos erosivos de maior proporção: as voçorocas. De
acordo com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT (1989), até
50 cm de largura e profundidade são consideradas ravinas; acima
de 50 cm de largura e profundidade, são denominadas voçorocas.

As cabeceiras de drenagem e mananciais são áreas particularmente


suscetíveis à erosão. As voçorocas tendem a se estabelecer nessas
áreas, onde ocorre a denominada erosão regressiva ou
remontante (erosão em direção a montante), conforme ilustra a Fig.
1.7. A erosão por ravinas e voçorocas é causada por vários
mecanismos que atuam em diferentes escalas temporais e
espaciais. Derivam de rotas de fluxos de água que podem ocorrer
na superfície ou na subsuperfície: escoamento subsuperficial. O
escoamento subsuperficial refere-se ao movimento lateral da água
na subsuperfície, nas camadas superiores do solo. Ele controla o
intemperismo e afeta diretamente a erodibilidade dos solos,
influenciando no transporte de minerais em solução. Quando o
escoamento ocorre em fluxos concentrados, em túneis ou dutos, ele
provoca o colapso da superfície situada acima, resultando na
formação de voçorocas.

Fig. 1.7 Processo de erosão. (A) esquema ilustrando a evolução da erosão


(erosão remontante); (B) foto de uma voçoroca

Acumulação
Refere-se a deposição do material removido e transportado pelos
agentes da erosão. As principais feições de relevo resultantes da
acumulação da água pluvial são os tálus e os cones de dejeção
(Fig. 1.8). O tálus é formado de fragmentos de rochas removidos e
depositados na base da vertente, resultantes de movimentos de
massa antigos, e serve de fonte para novos movimentos de massa
quando desestabilizados, principalmente por elevada pluviosidade.
O cone de dejeção é um depósito de material detrítico grosseiro na
base da vertente. Resultante de escoamento concentrado em canais
temporários ou por torrentes, tem forma cônica, abrindo em leque
para a jusante, e o eixo é coincidente com a linha de maior
competência do fluxo.

Com base na morfogênese, as formas de relevo são classificadas


de acordo com os processos que lhes deram origem. Desse modo,
as formas de relevo podem ser de origem: estrutural (tectônica),
vulcânica, denudacional, fluvial, lacustre, marinha, glacial, eólica,
cárstica, biológica e antropogênica. Exemplos desses diferentes
tipos de formas de relevo são apresentados em outros capítulos
deste livro.

Fig. 1.8 Formas de acumulação de origem pluvial. (A) tálus; (B) cone de dejeção
Fonte: adaptado de Selby (1982).

Verstappen (1983) salienta a dificuldade de aplicação prática desse


tipo de classificação, principalmente em áreas de desenvolvimento
morfogenético complexo. Em áreas onde antigas superfícies de
aplainamento têm sido submetidas a processos de falhamento em
blocos ou deformações, e subsequentemente cobertas por
depósitos eólicos, glaciais, vulcânicos etc., de espessura
considerável (10 m ou mais), podem ser indicadas as características
morfoestruturais do substrato, a natureza da principal forma de
relevo e também o tipo e a espessura do material de cobertura
superficial.
1.1.3 Morfodinâmica
A morfodinâmica refere-se aos processos atuais (ativos), endógenos
e exógenos que atuam nas formas de relevo. Os tipos de processos
que definem as formas de relevo, classificadas de acordo com a sua
gênese, não são necessariamente os mesmos que ocorrem nos
dias atuais. Em muitos casos, a informação sobre os processos
atuais pode sobrepor-se em uma carta morfogenética. Informações
referentes aos processos exógenos dominantes de uma área
(erosão laminar e em sulcos, ravinas, movimentos de massa,
acumulação fluvial etc.) podem ser obtidas por meio da
interpretação de fotografias aéreas e imagens orbitais, bem como da
análise de cartas topográficas, morfométricas e de dados de campo
e laboratório.

Os fatores que controlam a intensidade da erosão são: estrutura


geológica (falhas, diaclases, xistosidade) e litologia (coesão);
erosividade da chuva (potencial erosivo da chuva), dependente das
variáveis: distribuição e intensidade; erodibilidade do solo
(resistência do solo à erosão), dependente das propriedades do
solo: textura, densidade aparente, porosidade, teor de matéria
orgânica, estabilidade dos agregados e pH; morfografia e
morfometria (declividade, extensão, orientação etc.) das vertentes;
cobertura vegetal (tipo e densidade) e uso da terra (tipo, intensidade
e manejo).

As principais variáveis morfológicas que condicionam o tipo e a


intensidade dos processos erosivos são: forma, declividade
(inclinação), orientação e extensão de vertentes. Nas vertentes
retilíneas, o predomínio de um ou outro tipo de erosão vai depender
da extensão e da declividade (dominantemente alta) da vertente. Os
setores côncavos de vertentes tendem a concentrar o escoamento
superficial, favorecendo a erosão linear ou em sulcos. Esses setores
são os mais favoráveis à ocorrência de escorregamentos, pois
caracterizam-se por espessas camadas de solo, constituindo-se em
áreas de convergência de fluxo de água (hollows) que possuem
grande volume de material (colúvio ou tálus) a ser mobilizado. As
vertentes convexas dispersam o escoamento superficial,
promovendo a erosão laminar. A capacidade de transporte e a
velocidade de deslocamento de material nas vertentes são
diretamente proporcionais à sua inclinação. Segundo Fernandes e
Amaral (2003), a maior frequência de escorregamentos, no entanto,
ocorre nas vertentes com declividade entre 20% e 35%, e não nas
mais inclinadas. Isso porque, nas altas vertentes, o solo é pouco
espesso ou já foi removido. Nas vertentes mais extensas, a energia
potencial é maior e, portanto, elas são mais favoráveis aos
escorregamentos.

A Equação Universal de Perda de Solos – EUPS, desenvolvida por


Wischmeier e Smith (1978), e modelos derivados – como o MEUPS
– são os mais utilizados no cálculo da perda de solo decorrente da
erosão laminar, principalmente no estudo de microbacias. A EUPS é
expressa pela seguinte equação:

A = R.K.LS.C.P

em que:
A – perda de solo – (t.ha.ano)
R – erosividade (poder erosivo das chuvas) – (Mj.mm/ha.h.ano)
K – erodibilidade do solo (suscetibilidade dos solos à erosão) –
(t.h./Mj.mm)
LS – fator topográfico – declividade e comprimento da vertente
(adimensional)
C – fator uso/cobertura vegetal e manejo (adimensional)
P – fator práticas conservacionistas (adimensional)

Inúmeros trabalhos vêm sendo desenvolvidos com a aplicação


desses modelos e o uso de técnicas de sensoriamento remoto e
SIG. Entre eles, podemos salientar os de Donzeli et al. (1992), Pinto
(1996), Pinto e Garcia (2005). Os dados de sensoriamento remoto
contribuem na obtenção dos fatores C e LS, (ver Caps. 2 e 3). O
desenvolvimento crescente de modelos preditivos e das
geotecnologias amplia as possibilidades de estudos
morfodinâmicos, como mostrado no Cap. 6.
1.1.4 Morfocronologia
A morfocronologia refere-se à idade, absoluta e relativa, das formas
de relevo e aos processos a elas relacionados. Todas as formas de
relevo caracterizam-se pelo período de sua formação e sua
evolução. Assim sendo, é essencial distinguir a idade das formas,
principalmente fazer a diferenciação entre formas recentes e
aquelas herdadas de períodos anteriores, quando diferentes
condições climáticas prevaleciam. Verstappen (1983) salienta que é
essencial manter a indicação da idade de maneira flexível, uma vez
que esta é a parte de um mapa que mais necessita de revisão, com
os avanços dos conhecimentos geomorfológicos.

De acordo com Cooke e Doornkamp (1990), identificar a idade das


formas de relevo é uma das tarefas mais difíceis em Geomorfologia,
a menos que exista alguma evidência específica, como o 14C, a
presença de fósseis ou evidências arqueológicas. Segundo esses
autores, esse tipo de tarefa é mais difícil para áreas extensas do
que para feições, como, por exemplo, marcas de um
escorregamento, sobre o qual pode existir algum tipo de registro. No
estudo de inundações é muito importante determinar o período de
recorrência do evento. Intervalo de recorrência ou período de
retorno é o intervalo de tempo que decorre entre duas cheias de
igual magnitude. Deve-se considerar a construção de barragens, a
urbanização etc. no cálculo desse intervalo, para o qual se utiliza a
equação:

Tp = N + 1/M

em que:
Tp – intervalo de recorrência
N – período de observação (N anos)
M – ordem da cheia
1.2 Desenvolvimento da Ciência
Geomorfológica
O desenvolvimento da ciência geomorfológica, vinculada à geologia
e à geografia, inicia-se com os estudos geológicos da crosta
terrestre em meados do século XVIII, de tendência naturalista,
voltados aos interesses do sistema de produção e com base no
princípio do utilitarismo. As contribuições dessa época que merecem
destaque são: o esquema clássico da erosão torrencial, de A. Surell;
o desenvolvimento das bases da morfologia glacial, de Jean Louis
Agassiz; os primeiros conceitos sobre o traçado dos rios, de W.
Jukes; as evidências da capacidade de aplainamento das águas
correntes, de Andrew Ramsay e Grove Karl Gilbert; o cálculo de
ritmos de arraste e deposição (de sedimentos), de John Wesley
Powell e Clarence E. Dutton (Abreu, 1982; Casseti, 1994, 2007).

No final do século XVIII, com base nos estudos de Gilbert (1877) e


Powell (1875), Davis (1899) inicia a sistematização da ciência
geomorfológica. Uma Geomorfologia fundamentada no conceito de
ciclo (Geographical Cycle) e no evolucionismo, pela influência do
darwinismo. Segundo a teoria do Ciclo Geográfico desenvolvida por
Davis, o relevo é função da estrutura geológica, dos processos
atuantes e do tempo. No início do ciclo, as forças internas
provocariam um rápido soerguimento das superfícies aplainadas,
elevando-as significativamente em relação ao nível do mar. O
processo de erosão provocado pela água corrente dissecaria e
rebaixaria o relevo até formar uma superfície aplainada (peneplano).
Um novo ciclo teria início, com um novo soerguimento. Dessa forma,
durante o ciclo, o relevo passaria pelas fases denominadas:
juventude, maturidade e senilidade. A estabilidade tectônica prevista
por Davis constituiu-se em uma das principais críticas ao seu
modelo. A escola anglo-americana fundamentou-se, até a Segunda
Guerra Mundial, nos paradigmas propostos por Davis.

Em oposição às ideias de Davis, a escola alemã, encabeçada por


Albrecht Penck (1894, citado por Abreu, 1982) e Walther Penck
(1924, citado por Abreu, 1982), e, posteriormente, por Walther
Penck (1953), defendeu a concepção integrada dos elementos que
compõem a superfície terrestre e valorizou o estudo dos processos,
desenvolvendo o conceito de depósitos correlativos e a articulação
com a Climatologia e a Biogeografia. De acordo com essa
concepção, emersão e denudação acontecem ao mesmo tempo, e
quando o processo de entalhamento dos vales é mais intenso que o
da denudação, as vertentes convexas dominam na superfície
terrestre; quando a intensidade do entalhamento é igual à da
denudação, predominam as vertentes retilíneas; quando o
entalhamento é menos intenso do que a denudação, as vertentes
côncavas dominam.

Da escola alemã, cabe destacar também as contribuições de


Sigfried Passarge (1913), com o conceito de paisagem, e de Troll
(1932), com o de geoecologia, ambos os autores citados por Abreu
(1982). Ainda dessa escola, após a Segunda Guerra Mundial, com
contribuições da Polônia, da antiga Checoslováquia e da ex-URSS
(Klimaszewski, 1982; Demek, 1972; Basenina; Trescov, 1972), surge
a cartografia geomorfológica como método fundamental para a
análise do relevo.

Embasados nos princípios de Penck (1953), King (1955) e Pugh


(1955), da escola anglo-americana, admitem períodos rápidos e
intermitentes de soerguimento crustal, separados por longos
períodos de estabilidade tectônica; predomínio da denudação,
concomitante ao soerguimento. Utilizando o conceito de recuo de
vertentes (proposto por Penck), esses autores desenvolveram a
teoria da pediplanação, que é o processo de formação de
superfícies aplainadas, os pediplanos, cujas formas residuais foram
denominadas inselbergs.

Das décadas de 1940 a 1960, a abordagem quantitativa, a teoria


dos sistemas e fluxos e o uso da computação marcam os estudos
geomorfológicos. Ganham destaque os estudos de bacia de
drenagem com Strahler (1954), Horton (1932, 1945) e Gregory e
Walling (1973). Ao mesmo tempo, Hack (1960), de tendência anglo-
americana como esses autores, cria o conceito de “equilíbrio
dinâmico”, de enfoque acíclico, considerando o relevo como um
sistema aberto, com constante troca de energia e matéria com os
demais sistemas terrestres. Para ele, o relevo é produto da
resistência litológica (e estrutura geológica) e do potencial das
forças de denudação; admite as oscilações climáticas.

O surgimento da Teoria Geológica da Tectônica de Placas, na


década de 1960, com grande participação de geólogos americanos,
contribuiu efetivamente para o entendimento das formas de relevo.
De acordo com essa teoria, as placas tectônicas deslocam-se em
diferentes velocidades, umas em direção às outras. Os movimentos
das placas geram instabilidade em suas bordas. Os limites entre as
placas são áreas onde ocorrem atividades vulcânicas, sísmicas e
tectônicas. Essas atividades integram o conjunto de processos
denominados endógenos, que, com os processos exógenos, são
responsáveis pelas formas do relevo da superfície terrestre.

Merece destaque, ainda, a escola francesa, que teve como


expoentes Emmanuel de Martonne e Tricart. Essa escola,
influenciada pelo conhecimento científico anglo-americano, marcou
o desenvolvimento da Geografia e da Geomorfologia no Brasil.
Martonne (1964), mais influenciado por Davis, avançou na linha
estrutural. Tricart (1977) introduziu o conceito de ecodinâmica,
fundamentado no balanço morfogênese/pedogênese. Esse tipo de
abordagem integrada tem o suporte teórico no conceito de
paisagem ecológica, de Troll (1932), que introduziu o uso de
fotografias aéreas no mapeamento de unidades de paisagem.
Nessa linha de abordagem, tivemos também as contribuições de
Bertrand (1968); do soviético Sotchava (1977), com o conceito de
geossistema; de Tricart e Kilian (1979), com o conceito de
ecogeografia; do alemão Klink (1981), com a publicação de
Geoecologia e regionalização natural: bases para a pesquisa
ambiental; do holandês Zonneveld (1989), com o conceito de
unidade de terra ou de terreno (land unit) em ecologia da paisagem
(landscape ecology).
No Brasil, com influência germânica, vem de Ab’Saber (1969) a
maior contribuição à teoria geomorfológica. Ele estabeleceu três
níveis de abordagem: 1) Compartimentação topográfica regional e
caracterização morfológica (analisa os diferentes níveis topográficos
e as características do relevo, destacando a morfologia); 2)
Estrutura superficial da paisagem (relaciona os depósitos
correlativos com as condições climáticas, enfatizando a
morfogênese); 3) Processos morfoclimáticos e pedogênicos atuais,
fisiologia da paisagem (analisa os processos atuais, a
morfodinâmica, inserindo o homem como agente desses
processos). Com relação à compartimentação do relevo, Ross
(1992) propõe uma classificação em seis níveis taxonômicos, com
base na morfologia e na gênese (ver Cap. 4).

A proposta de Ab’Saber (1969) revela, como destacou Abreu (1982),


uma flexibilidade que permite um melhor ajuste à essência dos fatos
estudados, tanto do ponto de vista espacial como temporal, além de
valorizar a perspectiva geográfica. Essa proposta foi retomada
recentemente por Casseti (2007). Esse autor utiliza o conceito de
“natureza externalizada” como argumento de apropriação
espontânea do relevo e propõe, com base nos subsídios oferecidos
pela “geomorfologia funcional”, alternativa para o desenvolvimento
de uma “geomorfologia integral” (Casseti, 1991), conforme
conceituação de Hamelin (1964).

Em relação às abordagens integradas, nas quais a Geomorfologia


tem um papel de destaque, uma contribuição recente, também de
Ab’Saber (2002, p. 30), que merece destaque, é o conceito
geográfico de espaço total:

“O espaço total é o arranjo e o perfil adquiridos por uma


determinada área em função da organização humana que lhe foi
imposta ao longo dos tempos. (…) inclui todo o mosaico dos
componentes introduzidos pelo homem, ao longo da história, na
paisagem de uma área considerada parte de um determinado
território. O termo paisagem é usado aqui como suporte geocológico
e bioecológico modificado por uma infinidade variável de obras e
atividades humanas”.

Considerações Finais
Neste capítulo, destacamos a importância da Geomorfologia, seu
objeto de estudo, seus fundamentos e seu desenvolvimento.
Procuramos, ao mesmo tempo, introduzir e integrar o conteúdo,
apresentado com mais profundidade nos demais capítulos do livro.

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Teresa Gallotti Florenzano
SENSORIAMENTO REMOTO
2
PARA GEOMORFOLOGIA

O objetivo deste capítulo é apresentar as principais características


de imagens de sensoriamento remoto orbital e as técnicas de
exploração desses dados para a Geomorfologia. O sensoriamento
remoto é a tecnologia de aquisição, a distância, de dados da
superfície terrestre, isto é, por meio de sensores instalados em
plataformas terrestres, aéreas ou orbitais (satélites). O sensor capta
a energia (radiação eletromagnética) refletida ou emitida pela
superfície em diferentes comprimentos de onda ou frequência. A
Fig. 2.1 mostra os diferentes tipos de radiação, representados pelo
espectro eletromagnético. Os nossos olhos, que são sensores
naturais, são sensibilizados apenas com a radiação da região do
visível. Os sensores ópticos captam a radiação da região do
ultravioleta, do visível e do infravermelho; os sensores do tipo radar
(radio detection and ranging) captam a radiação na região de micro-
ondas.

Os sensores ópticos dependem da energia solar ou do calor emitido


pela Terra para captar dados da superfície terrestre. Os radares
registram a energia que retorna do pulso de radiação de micro-
ondas enviado por sua própria antena. Dessa maneira, os radares
podem operar também de noite, bem como em dias nublados, com
chuva, bruma e fumaça. Essa é uma vantagem importante,
principalmente para países tropicais como o Brasil, que fica boa
parte do tempo coberto por nuvens em extensas regiões do seu
território. Além da radiação de micro-ondas penetrar o dossel
vegetal, o radar oferece ainda o recurso da estereoscopia (ver
seção 2.4.4) e interferometria (ver seção 2.4.5).
A capacidade que um sensor possui para discriminar objetos em
função da sua sensibilidade espectral é denominada resolução
espectral. Quanto mais estreita for a faixa espectral, e maior o
número de bandas (canais) em que um sensor opera, maior é a sua
resolução espectral. Já a capacidade que o sensor tem de
discriminar objetos em função do tamanho destes é denominada
resolução espacial.

Nos sensores atuais, instalados em plataformas orbitais (satélites


artificiais), esse tipo de resolução varia de 70 cm a 1 km. Um sensor
com resolução espacial de 20 m, por exemplo, é capaz de detectar
objetos maiores que 20 m × 20 m. Existe também a resolução
radiométrica, que se refere à discriminação das intensidades de
energia refletida ou emitida pelos objetos. Isso quer dizer que uma
imagem representada em 2.048 níveis de cinza, como as obtidas
pela câmera (CCD) do satélite Ikonos, tem uma resolução
radiométrica maior do que outra representada em 256 níveis de
cinza, como as obtidas pelo TM-Landsat, CCD-Cbers, entre outros.
O sensor tem ainda uma resolução temporal, isto é, a frequência
de imageamento sobre uma mesma área. Assim, enquanto os
sensores de baixa resolução temporal levam vários dias ou até
meses para captar imagens da mesma área, os de alta resolução
temporal captam até várias imagens por dia, como, por exemplo, o
sensor a bordo do satélite meteorológico Goes.

Uma outra característica importante refere-se ao tamanho da área


observada. Geralmente, os sensores de alta resolução espacial
captam imagens de faixas estreitas da superfície terrestre, entre 10
km e 20 km. Já os sensores de alta resolução temporal, mas com
baixa resolução espacial, captam imagens de extensas áreas da
superfície terrestre, faixas com cerca de 1.000 km até uma face
inteira da Terra. Quanto mais distante da Terra, mais extensa é a
área da superfície imageada pelo sensor; quanto mais próximo dela,
menor é a área coberta, porém, maior é a riqueza de detalhes da
imagem captada (Fig. 2.2). Essa riqueza de detalhes vai depender
também das resoluções espacial, espectral e radiométrica do
sensor, ou seja, da capacidade que ele tem de “enxergar” ou
distinguir objetos da superfície terrestre.

Em qualquer ciência, o surgimento de novas técnicas não é


importante em si mesmo, mas porque estimula o progresso
científico, como salienta Baker (1986). Pelo fato de o relevo ser
geralmente bem destacado em fotografias aéreas e imagens de
satélite, bem como pela disponibilidade de dados multitemporais
que possibilitam o estudo de processos morfodinâmicos, a ciência
geomorfológica é uma das mais beneficiadas pela tecnologia de
sensoriamento remoto, expandindo seus horizontes à medida que
essa tecnologia avança.

A partir do surgimento da fotografia aérea, foi possível obter: visão


sinótica, base cartográfica de apoio aos trabalhos de campo, dados
sobre o relevo com grande riqueza de detalhes, além de dados
sobre cobertura vegetal, uso da terra, condições hidrológicas,
estrutura geológica etc. Com pares estereoscópicos de fotografias,
que permitem a visão tridimensional, a morfologia, a drenagem, as
pequenas feições do relevo e as marcas dos processos
morfodinâmicos são facilmente identificadas; medidas de extensão
de vertentes, ângulos de inclinação de vertentes etc. podem ser
determinados com precisão aceitável.

Fig. 2.1 Espectro eletromagnético, com destaque para as respectivas faixas de


funcionamento dos sensores ópticos e de radar
Fonte: Florenzano (2007).
Fig. 2.2 Imagens obtidas a diferentes distâncias da superfície da Terra. Da direita
para a esquerda, obtidas a 35.000 km (do satélite Goes), 705 km (do satélite
Landsat-5), 10 km (de avião) e próximo à superfície
Fonte: Florenzano (2007).

Atualmente, a Geomorfologia dispõe de uma variedade de dados e


técnicas de sensoriamento remoto que fornecem níveis de
informação sem precedentes. Os avanços tecnológicos dos novos
sensores remotos, que produzem imagens com melhor resolução
espacial, espectral, radiométrica e temporal, além do recurso
estereoscópico, permitem ao especialista em Geomorfologia
mapear, medir e estudar uma variedade de fenômenos
geomorfológicos com maior rapidez e precisão. Recentemente, vêm
sendo obtidos pares estereoscópicos digitais por sensores ópticos, a
bordo de satélites, bem como dados topográficos orbitais de radar
interferométrico, como os da missão SRTM (Shuttle Radar
Topographic Mission). Esses dados permitem visualizar o espaço
geográfico em três dimensões e, com o uso de SIG, obter, de forma
automática, variáveis morfométricas (altitude, declividade,
orientação de vertentes etc.) que são essenciais nos estudos
geomorfológicos, entre outros.

Com base em Verstappen (1977) e Florenzano (1993), podemos


resumir a contribuição das imagens aeroespaciais no estudo e
mapeamento geomorfológico em três categorias: 1) como base
cartográfica para o lançamento de informações e apoio de campo;
2) na extração de dados geomorfológicos e na elaboração de cartas
morfométricas, cartas de risco (erosão e inundação) e cartas
geomorfológicas completas; 3) na análise integrada e no
mapeamento da paisagem.

SENSORES E SATÉLITES
Na década de 1960, foram obtidas as primeiras fotografias a partir dos
satélites tripulados: Mercury, Gemini e Apolo. Os resultados dessas missões
impulsionaram o desenvolvimento dos programas dos satélites (não
tripulados) meteorológicos e de observação da Terra. Assim, no dia 1˚ de
abril de 1960, foi lançado, pelos Estados Unidos, o primeiro satélite
meteorológico, o Tiros-1 (Television and Infrared Observation Satellite). A
partir de então, foi possível receber imagens da cobertura de nuvens sobre a
Terra, observar fenômenos meteorológicos e fazer as previsões do tempo
com maior exatidão e de forma sistemática.
Em 23 de julho de 1972, foi lançado o primeiro satélite de recursos terrestres
(observação da Terra), o ERTS-1 (Earth Land Resources), mais tarde
denominado Landsat-1. O Brasil recebe imagens dos satélites da série
Landsat desde 1973. As imagens obtidas pelo sensor MSS (Multispectral
Scanner System) dos satélites Landsat 1, 2 e 3 e pelos sensores TM e
ETM+ (Landsat 5 e 7) estão disponíveis gratuitamente no endereço
<http://www.dgi.inpe.br/CDSR/>. Imagens dos satélites Landsat 5 e 7
também podem ser obtidas gratuitamente no endereço
<http://glcf.umiacs.umd.edu/data>. Com relação aos satélites de observação
da Terra, merece destaque também o programa francês Spot, que já lançou
cinco satélites.
Atualmente, um dos principais e mais ambiciosos programas de coleta de
dados sobre o planeta Terra é o Earth Science Enterprise, desenvolvido pela
Nasa. O objetivo desse programa é o estudo dos fenômenos físicos,
químicos e biológicos do planeta Terra e da atmosfera. O programa é
composto de três módulos: 1) uma série de satélites de observação da Terra;
2) um avançado sistema de banco de dados; e 3) uma equipe de cientistas
que estudará os dados coletados. As áreas temáticas-chave incluem:
nuvens, ciclo da água e energia; oceanos; química da atmosfera; uso da
terra; processo da água e ecossistema; cobertura de gelo glacial e polar; e a
parte sólida da Terra. A Nasa lançou, em 18 de dezembro de 1999, o
primeiro satélite de observação da Terra, o EOS-AM, posteriormente
batizado de Terra. Esse satélite leva a bordo cinco sensores: Ceres,
MOPITT, MISR, Modis e Aster. O Brasil recebe dados do Modis (MODerate-
resolution Imaging Spectroradiometer, espectrorradiômetro imageador de
média resolução). O Modis, que coleta dados em 36 canais espectrais nas
regiões do visível e infravermelho, é considerado o principal sensor dos
satélites Terra e Aqua. A resolução espacial das imagens, que cobrem uma
área de 2.330 km, varia de 250 m a 1 km. Os dados do Modis podem ser
obtidos gratuitamente no endereço
<http://edcmswww.crusgs.gov/pub/imswelcome/>. Sobre esse sensor e suas
aplicações, sugere-se a leitura do livro organizado por Rudorff, Shimabukuro
e Ceballos (2007).
Para aplicações em Geomorfologia, no entanto, o sensor Aster é o mais
interessante. Desenvolvido a partir de uma parceria do Japão com os
Estados Unidos, ele funciona somente por programação e possui três
subsistemas: VNIR (Visible and Near InfraRed), SWIR (Short Wave
InfraRed) e TIR (Thermal InfraRed). Com uma resolução espacial de 15 m, o
VNIR capta dados em duas faixas do visível (verde e vermelho) e uma do
infravermelho próximo; o SWIR capta dados de seis bandas do
infravermelho médio com uma resolução espacial de 30 m; o TIR funciona
em cinco bandas termais com 90 m de resolução espacial. O VNIR possui
ainda uma banda (3B) que capta dados na mesma faixa espectral da banda
3 (3N), porém com retrovisada ao longo da órbita do satélite (com poucos
segundos de diferença do nadir), o que permite obter pares estereoscópicos
e gerar modelos de elevação. Esses sensores cobrem uma faixa da
superfície terrestre de 60 km de largura. Os subsistemas SWIR e TIR podem
adquirir os dados com um ângulo de visada lateral de até +/- 8,55˚, e +/- 24˚
para o VNIR.
Um programa importante para os brasileiros é o Cbers (Satélite Sino-
Brasileiro de Recursos Terrestres), fruto de uma cooperação internacional
entre o Brasil e a China. Nesse programa foram lançados os satélites Cbers-
1 (1999), Cbers-2 (2003) e recentemente, em 19 de setembro de 2007, o
Cbers-2B. Está previsto o lançamento de mais dois satélites, entre 2009 e
2012. Os dois primeiros satélites da série Cbers levam a bordo três sensores
para observação da superfície da Terra: Imageador de Amplo Campo de
Visada (WFI), Imageador por Varredura de Média Resolução (IRMSS) e
Câmera de Alta Resolução (CCD), com resolução espacial de 260 m, 80 m e
20 m, respectivamente. A resolução temporal do sensor WFI é de cinco dias,
enquanto a do IRMSS e a do CCD é de 26 dias. A principal diferença deste,
em relação aos dois primeiros, é a substituição do imageador IRMSS por
uma Câmera Pancromática de Alta Resolução (HRC), com resolução
espacial de 2,5 m. As imagens Cbers estão disponíveis gratuitamente no
endereço <http://www.cbers.inpe.br>.
A partir de 1999, tivemos o lançamento, entre outros, dos satélites
americanos Ikonos e Quickbird e do francês Spot-5. Esses satélites levam a
bordo sensores de alta resolução, de 70 cm a 5 m. Após o término da
Guerra Fria, as imagens de alta resolução espacial, inicialmente obtidas
apenas para uso militar, foram liberadas também para uso civil. A
disponibilidade desse tipo de dados amplia a possibilidade de aplicações,
principalmente para estudos urbanos (na área intraurbana) e
geomorfológicos de detalhe em escalas grandes.
Com relação aos satélites equipados com sensores do tipo radar, podemos
destacar os programas Radarsat (canadense), ERS (europeu) e Jers
(japonês), cujos primeiros satélites foram lançados, respectivamente, em
1989, 1991 e 1992. Recentemente, substituindo os satélites do programa
europeu (ERS-1 e ERS-2), foi lançado o Envisat, que leva a bordo dez
sensores diferentes, um dos quais é o Asar, um sistema avançado de radar.
Para substituir o satélite Jers-1, foi lançado, no início do ano de 2006, o Alos,
que, além de sensores ópticos, leva a bordo um sofisticado sensor de radar,
o Palsar. O IBGE é o responsável pela distribuição das imagens Alos no
Brasil (http://www.ibge.gov.br/alos/). Os radares dos satélites japoneses
funcionam em banda L, enquanto os demais captam dados na banda C. As
principais aplicações dos dados de radar são nas áreas de Oceanografia,
Hidrografia, Geologia e Geomorfologia. Em 2007, foi lançado com sucesso,
pela Alemanha, o Terra-SAR, que leva a bordo um radar que capta imagens
(na banda X) com 1 m de resolução espacial. Foi lançado ainda, no final de
2007, o Radarsat-2, que leva a bordo um sistema radar orbital com várias
inovações: resolução espacial de 3 m, polarimetria, interferometria,
estereoscopia e variações em incidência e azimute de visada
(http://www.space.gc.ca/asc/eng/satellites/radarsat2/).

2.1 Interpretação de Imagens


Interpretar imagem é dar um significado aos objetos nela
representados e identificados. Quanto maior a experiência do
intérprete e o seu conhecimento, tanto temático como de
sensoriamento remoto e sobre a área geográfica representada em
uma imagem, maior é o potencial de informação que ele pode extrair
da imagem. O conhecimento prévio da área geográfica e aquele
sobre o tema de estudo (relevo, vegetação, área urbana etc.)
facilitam o processo de interpretação e aumentam o potencial de
leitura de uma imagem. Não podemos esquecer a importância do
trabalho de campo nesse processo.

Com relação ao sensoriamento remoto, é importante conhecer seus


principais fundamentos e conceitos: tipo de satélite (órbita, altitude,
horário etc.), características do sensor (resolução, faixa espectral
em que funciona, ângulo de visada etc.), interação da energia
eletromagnética com os objetos e fatores que interferem nessa
interação (época do ano, horário, atmosfera, umidade etc.). Cabe
salientar que a interação da radiação eletromagnética com os
objetos no espectro óptico (visível e infravermelho) depende
principalmente das propriedades físico-químicas dos objetos (ver
seção 2.3), ao passo que na região de micro-ondas depende das
propriedades dielétricas e geométricas dos objetos (ver seção 2.4).

Como fatores que interferem na interação da radiação


eletromagnética com os objetos e, consequentemente, na radiação
captada pelo sensor e no nível de cinza registrado na imagem,
podem-se destacar:

o nível de aquisição de dados (altitude da plataforma:


campo/laboratório, aéreo e orbital) – influi na: dimensão da área
observada e/ou imageada, interferência dos fatores ambientais,
radiação registrada pelo sensor, resolução/nível de informação e
forma de análise dos dados;
o método de aquisição de dados – envolve desde a forma
como é detectada a radiação até a transformação e o
processamento do sinal recebido pelo sensor;
as variações intrínsecas ao alvo – ou de sua própria natureza,
como água em estado sólido (gelo, neve) ou líquido (com ou sem
concentração de material sólido em suspensão), biomassa e vigor
das culturas (estágio de crescimento) etc.;
a variação temporal – refere-se às variações externas ao alvo,
como iluminação, precipitação e interferência antrópica (poluição,
desmatamento etc.);
as variações da localização do alvo em relação à fonte e ao
sensor – referem-se à geometria de aquisição dos dados e
implicam um determinado ângulo de visada, de azimute etc., entre
outros parâmetros. A radiação registrada por um sensor referente a
um mesmo tipo de alvo será diferente por causa da sua exposição
em relação à fonte. Haverá, por exemplo, diferença espectral entre
um tipo de alvo localizado em um topo plano e o mesmo tipo de alvo
localizado em uma vertente inclinada;
os parâmetros atmosféricos – a atmosfera interfere na
trajetória da radiação e, dessa forma, provoca variação na radiação
registrada por um sensor.

Existem objetos mais facilmente visíveis em uma imagem, em geral,


relevo, drenagem, água, cobertura vegetal e uso da terra. No
processo de interpretação de imagens é estabelecida uma relação
entre o que é visível e o que não é diretamente visível em uma
imagem. Com base na análise da drenagem, de feições e formas de
relevo, destacadas nas imagens, são interpretados a geologia, os
solos e os processos. Os dados de sensoriamento remoto facilitam
a inter-relação da Geomorfologia com as ciências afins, como a
Geologia, a Pedologia, a Hidrologia etc.

As imagens obtidas por sensoriamento remoto são interpretadas


com base nos elementos de interpretação: tonalidade/cor, textura
(impressão de rugosidade), tamanho, forma, sombra, altura,
padrão (arranjo espacial dos objetos), localização e contexto
(Florenzano, 2007). De modo geral, formas irregulares são
indicadoras de objetos naturais, enquanto formas geométricas
indicam objetos culturais, construídos pelo homem. Ainda com
relação à forma, aquela dos objetos vistos de cima, representada
em imagens obtidas por meio da visão vertical (no nadir), é
diferente daquela que os objetos têm quando observados (e
imageados) de uma visão oblíqua ou horizontal (Fig. 2.3).
Independentemente do tipo de imagem e dos objetivos da sua
interpretação, os elementos são os mesmos, porém, o significado
que é atribuído a cada elemento varia de acordo com o tipo de
sensor e o tema estudado. Um exemplo de interpretação de
imagens utilizando esses elementos é apresentado a seguir.

Na imagem da Fig. 2.4, identificamos, pela forma e localização, a


ilha de São Sebastião, no litoral do Estado de São Paulo. Pelas
cores, diferenciamos:

a água limpa (preto) da água turva (azul/verde);


as áreas urbanas de Caraguatatuba, São Sebastião e Ilha Bela,
bem como as praias, pela cor cian;
as áreas de cobertura vegetal densa, como as da Mata Atlântica,
estão representadas em vermelho nesse tipo de composição
colorida (denominada falsa-cor);
as nuvens (em branco) sobre a ilha, com as respectivas sombras
(em preto), formam um padrão que ajuda a identificá-las.

A textura e a sombra permitem destacar o relevo montanhoso da


ilha e o da serra do Mar, no continente.

Quanto ao tamanho dos objetos, a análise é feita em função da


escala.
Fig. 2.3 Imagem do vulcão Fuji, Japão, obtida pelo sensor radar Palsar do satélite
Alos: em (A), o vulcão visto na horizontal e em (B), na vertical. Em (C), o vulcão
Vesúvio, Nápoles, Italia, visto na vertical na imagem obtida pelo sensor Aster do
satélite Terra. A forma do vulcão na visão vertical é a de um círculo menor
(cratera) dentro de um maior (base)

Como já sabemos, a escala define a proporção entre as dimensões


reais de um objeto e as dimensões de sua representação em
imagens e mapas. É importante salientar que existe uma forte
relação entre a resolução e a escala de uma imagem. Assim, para
cada resolução, existe uma escala ótima para a análise de uma
imagem. Quanto mais a escala se afastar desse ótimo, para mais ou
para menos, maior será a perda de informação. Na análise de
imagens digitais, esse ótimo corresponde ao modo pleno (resolução
plena) de apresentação da imagem no monitor, no qual cada ponto
corresponde a um elemento de resolução (pixel) na tela.
Considerando que a realidade é tridimensional, o processo de
interpretação é facilitado pelo recurso da estereoscopia, que
proporciona uma visão tridimensional da superfície terrestre. Na
imagem estereoscópica ocorre uma representação exagerada,
cerca de três a quatro vezes, do relevo na escala vertical. Essa
hiperestereoscopia da escala vertical, quando comparada com a
horizontal, resulta também em um exagero da representação da
inclinação das vertentes. Esse fenômeno, de um lado, ajuda na
interpretação de áreas planas e suaves onduladas; de outro,
prejudica a análise de áreas de relevo fortemente ondulado e
escarpado. Com relação à precisão vertical, o sensor HRV do
satélite Spot-4, por exemplo, tem capacidade para obter pares
estereoscópicos com uma precisão em torno de 5 m, enquanto a
das imagens do Aster (Terra) é cerca de 10 m. Em imagens
monoscópicas (bidimensionais), o relevo é destacado por meio do
sombreamento, da textura e da drenagem (Fig. 2.5).
Fig. 2.4 Imagem do litoral norte do Estado de São Paulo, obtida pelo sensor CCD,
a bordo do satélite Cbers-1, com resolução espacial de 20 m, em 3 de maio de
2000

A partir dos elementos de interpretação de imagens, podem ser


elaboradas chaves (modelos) de interpretação. As chaves
consistem na descrição de um conjunto de elementos de
interpretação que caracterizam um determinado objeto. Elas
sistematizam e orientam o processo de análise e interpretação de
imagens. Utilizadas como guia, essas chaves ajudam o intérprete na
identificação correta de objetos e feições representados em uma
fotografia aérea ou imagem orbital de maneira consistente e
organizada.

Fig. 2.5 Imagem do Rio de Janeiro, obtida pelo sensor Aster do satélite Terra em
25 de abril de 2003: (A) imagem multiespectral bidimensional; (B) imagem
tridimensional (multiespectral + modelo digital de elevação)
Fonte: Fuckner (2007).

Devido à variedade de produtos de sensoriamento remoto e de


objetos de interesse, cada intérprete pode desenvolver suas
próprias chaves de interpretação. As chaves aplicam-se mais
facilmente na identificação de alvos culturais (estradas, pontes,
casas etc.), que têm formas e padrões mais regulares e conhecidos,
do que de alvos ou feições naturais (formas de relevo ou tipos de
vegetação), caracterizados por formas e padrões irregulares. Assim,
por exemplo, em uma imagem obtida no espectro visível, uma
voçoroca resultante do processo de erosão linear pode ser
identificada por meio da seguinte chave de interpretação: tonalidade
clara (semelhante à do solo exposto), textura lisa e forma alongada
(Fig. 2.6). Outros exemplos de chaves de interpretação são
apresentados na seção 2.4. Sugere-se consultar também Anderson
(1982); Pereira, Kurkdjan e Foresti, (1989); Philipson (1997);
Lillesand e Kiefer (2000) e Henderson e Levis (1998). Comparando
as duas imagens, é possível observar a expansão urbana da área,
bem como o processo de estabilização da voçoroca.

Fig. 2.6 Imagem de São São José dos Campos, SP obtida do satélite Ikonos (A)
em 2000, resolução 1 m; Quickbird (B) em 2006, resolução 0,7 m. O círculo indica
uma voçoroca e o quadrado indica um antigo lago drenado (imagem Ikonos),
transformado em uma praça (imagem Quickbird). Notar também a expansão da
ocupação a NO da área

2.2 Técnicas de Processamento


de Imagens
Sistemas de processamento e análise de imagens, munidos de
software específicos, permitem aplicar técnicas de processamento
de imagens, como as de correção e realce dos dados, e
classificações automatizadas. Um exemplo desse sistema é o
Sistema de processamento de informação georreferenciada
(Spring), que é um software gratuito desenvolvido pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – Câmara et al. (1996).
Uma das vantagens desse tipo de software, acoplado com um SIG,
é, além da geração direta de um plano de informação e de uma
carta temática, a possibilidade de acessar, superpor e integrar à
imagem analisada uma grande variedade de dados armazenados no
sistema, como curvas de nível, drenagem, mapas temáticos etc.

As técnicas de processamento de imagens digitais consistem em


operações ou transformações numéricas aplicadas nas imagens. É
fundamental ter um mínimo de conhecimento sobre os conceitos e o
tipo de transformação a que são submetidos os dados, para não
correr riscos de perda de informação e erros de análise e
interpretação dos dados. Essas técnicas podem ser agrupadas em
três conjuntos: técnicas de pré-processamento, técnicas de realce
de imagens e técnicas de classificação de imagens.

O pré-processamento refere-se ao tratamento preliminar dos


dados brutos, com a finalidade de calibrar a radiometria da imagem,
atenuar os efeitos da atmosfera, remover ruídos, corrigir suas
distorções geométricas, por meio de georreferenciamento e
reamostragem. Os dados obtidos por sensoriamento remoto são
fortemente influenciados pelo relevo. Por isso, técnicas de pré-
processamento também são aplicadas visando reduzir o efeito da
topografia nas imagens. Técnicas de pré-processamento que
alteram muito os dados originais devem ser evitadas antes da
aplicação de realce e da classificação automática.

Para georreferenciar uma imagem, utiliza-se uma base cartográfica


ou pontos de controle obtidos com um equipamento GPS, ou, ainda,
uma outra imagem previamente corrigida, e aplica-se uma técnica
de registro de imagem. Uma base confiável e muito utilizada
atualmente para georreferenciamento de imagens de média
resolução (Aster-Terra, TM e ETM+ Landsat, CCD-Cbers etc.) são
os Mosaicos de Imagens Landsat da Nasa
(https://zulu.ssc.nasa.gov/mrsid). As imagens Landsat, disponíveis
no endereço <http://glcf.umiacs.umd.edu/data>, também são
ortorretificadas e podem ser utilizadas como referência para essa
finalidade. As imagens de satélites de alta resolução espacial devem
ser ortorretificadas por meio de um modelo matemático apropriado
ou uma função de interpolação tridimensional baseada na geometria
e orientação do sensor. Sobre ortorretificação de imagens obtidas
de sensores de alta resolução, sugerimos consultar Araújo (2006).

2.2.1 Técnicas de realce


A finalidade das técnicas de realce é melhorar a qualidade visual
das imagens e facilitar o trabalho de interpretação. A seguir, são
destacadas as técnicas de realce mais adequadas para a
Geomorfologia.

Ampliação linear de contraste: é uma técnica simples e


eficiente para destacar feições e unidades geomorfológicas.
Consiste em expandir a distribuição dos dados originais
(concentrados em um pequeno intervalo) para todo o intervalo
possível, por exemplo, para 255 níveis em imagens de oito bits, o
que aumenta o contraste da imagem. Na aplicação do aumento
linear de contraste, define-se, com base no histograma da imagem e
por meio de um cursor, o intervalo de níveis de cinza. Os valores
mínimo e máximo desse intervalo são transformados,
respectivamente, em zero e 255 (em imagens de oito bits), sendo
todos os demais níveis de cinza da imagem distribuídos linearmente
entre zero e 255. Nessa transformação, há uma perda de
informação que pode ser significativa se houver saturação. A Fig.
2.7 (A, B, C) mostra as imagens da banda 3 do TM-Landsat-5 (oito
bits) e seus respectivos histogramas, no Spring. Em (A) está
representada a imagem original e seu respectivo histograma; em (B)
e (C), as imagens, e respectivos histogramas, resultantes da
aplicação do contraste linear com diferentes intervalos de corte. A
seleção dos intervalos de níveis de cinza deve ser feita com o
cuidado de minimizar esse efeito. Uma saturação mais acentuada
pode ser aceita, desde que destaque o alvo de interesse. O controle
da saturação é feito pelo intérprete por meio da análise do
histograma (Fig. 2.7) e da análise visual da imagem. Ela ficará muito
escura, se saturada nos níveis inferiores, ou muito clara, se
saturada nos níveis superiores, como mostrado na Fig. 2.7(C).
Fig. 2.7 Imagens da banda 3 do sensor TM-Landsat (Cachoeira Paulista, SP) e
respectivos histogramas. Imagem original e respectivo histograma (A); imagem
realçada por contraste linear sem saturação e respectivo histograma (B); e
imagem realçada por contraste linear com saturação e respectivo histograma (C)

Operações aritméticas: adição, subtração, multiplicação e


divisão de imagens também são técnicas de simples aplicação,
porém é mais difícil interpretar seus resultados. A adição e a
multiplicação realçam as similaridades espectrais e são eficientes
para destacar unidades de relevo e drenagem, como ilustra a
imagem da Fig. 2.8; a subtração e a divisão realçam as diferenças
espectrais e, embora eliminem ou suavizem a textura da imagem –
e, consequentemente, o relevo –, podem ser eficientes, por
exemplo, para destacar cicatrizes de escorregamento, como
apresentado por Sestine (1999).
Fig. 2.8 Imagem TM-Landsat 5 da serra Tepequém, RO. Em (A), composição
colorida 542, RGB, com contraste linear; em (B), composição colorida 4×5, 4×2 e
4×7, RGB, com contraste linear. Podemos observar em (B) mais realce dos
contatos e das feições do relevo e drenagem
Fonte: Florenzano et al. (2001).

Transformação por componentes principais: é uma


transformação linear de n variáveis originais (por exemplo, imagens
multiespectrais) em n novas variáveis (componentes principais), em
que cada nova variável é uma combinação linear das variáveis
originais. As novas variáveis (componentes principais) são não
correlacionadas e computadas de forma que a primeira componente
principal contenha a maior parte da variância total (informação total),
seguida pelas demais, que contêm sucessivamente uma menor
variância dos dados. Isso permite selecionar apenas as três
primeiras componentes principais. Assim, a transformação por
componentes principais, além de ser uma técnica de realce de
imagem, pode ser utilizada para reduzir a dimensionalidade dos
dados. Essa técnica pode ser utilizada ainda na integração de dados
obtidos de diferentes sensores. Na imagem da primeira componente
principal, o relevo é realçado; nas imagens das demais
componentes podem ser destacadas, entre outras feições, cicatrizes
de escorregamento, como mostra Sestine (1999).

Transformação por IHS: a partir de uma composição colorida


RGB (Red-Green-Blue), essa transformação matemática desagrega
a informação espectral nas componentes matiz (Hue) e saturação
(Saturation), e a espacial na componente intensidade (Intensity). O
matiz está associado ao comprimento de onda médio ou dominante
da energia refletida ou emitida por um objeto. A componente
saturação refere-se à pureza ou à quantidade de luz branca em um
matiz. Desse modo, tanto o matiz quanto a saturação, relacionados
com a percepção humana de cores, fornecem informações a
respeito das cores de um alvo. A componente intensidade
representa o brilho total de um objeto e está relacionada com a
variação espacial da superfície representada. O sistema de cores
IHS apresenta vantagem em relação ao RGB, uma vez que
descreve a formação de cores de forma mais próxima àquela
percebida pelo sistema visual humano. A técnica IHS contribui no
realce de feições da paisagem e na integração de dados
multissensores. Um exemplo de imagem resultante da aplicação da
transformação IHS é mostrado na Fig. 2.9.

Filtragem espacial: a frequência espacial de uma imagem


refere-se ao número de mudanças nos valores de níveis de cinza
por unidade de distância de um setor da imagem (frequência da
variação dos níveis de cinza ou textura). Assim, as áreas de baixa
frequência são as de pouca mudança, enquanto as de alta
frequência são as de mudanças abruptas. A transformação da
imagem filtrada depende dos valores dos níveis de cinza dos pixels
vizinhos. Os filtros espaciais operam por meio de máscara (ou
janela) móvel formada por uma matriz de coeficientes (pesos),
dimensão e forma variáveis. A máscara é inicialmente posicionada
sobre o canto superior esquerdo da imagem original. Em seguida, é
deslocada sobre esta, gerando uma nova imagem pela multiplicação
de cada coeficiente da janela pelo correspondente valor do pixel na
imagem original. O valor da soma dos produtos resultantes é
atribuído ao pixel central da janela na imagem filtrada. A seleção do
tamanho da janela e dos valores dos pesos mais adequados aos
objetivos da análise é feita de modo interativo pelo usuário. O
resultado obtido depende diretamente desses parâmetros. Em geral,
filtros de dimensões menores são mais indicados para imagens de
textura rugosa, enquanto os maiores para textura lisa. As duas
principais classes de filtro são: passa-baixas (atenua as
componentes de alta frequência) e passa-altas (realçam as
componentes de alta frequência). Nas imagens resultantes da
aplicação de filtros passa-altas, são destacados: estradas, contatos,
drenagem, falhas, juntas e outras feições lineares. Os filtros passa-
baixas, por exemplo, o Sigma e o Nagao-Matsuyama
(Schowengerdt, 1997) são muito utilizados para atenuar o ruído
speckle, característico das imagens de radar (ver seção 2.4.3).
Fig. 2.9 Imagem (TM-Landsat) de Parnaíba, PI. (A) Composição colorida (453,
RGB), com realce linear; (B) A mesma imagem após a transformação IHS, com
realce de contraste e aplicação da operação inversa para o sistema RGB. Em (B),
é possível observar mais realce das feições da paisagem

Geração de composições coloridas: como o olho humano


distingue cem vezes mais cores do que tons de cinza, a geração de
composição colorida pode ser considerada uma forma de realce. As
imagens obtidas por sensores eletrônicos são originalmente
processadas em preto e branco. Entretanto, é possível gerar
composições coloridas associando duas ou três imagens às cores
primárias azul, verde e vermelho. Na interpretação de uma imagem
colorida, deve-se conhecer a interação da energia com os objetos, a
associação de cores definida e o processo aditivo das cores. A Fig.
2.10 mostra, de forma esquemática, como uma imagem colorida
pode ser gerada a partir da combinação de três imagens em níveis
de cinza (A, B e C) com as três cores primárias (azul, verde e
vermelho).

Nessa figura, pode-se observar que um objeto branco (claro) nas


três imagens originais também será branco na imagem colorida
resultante. O mesmo ocorre com um objeto preto (escuro) ou cinza
(mesmo nível de cinza nas três imagens). Quando um objeto é claro
em apenas uma das imagens originais, na composição colorida ele
assume a cor que foi atribuída a essa imagem original, e quando um
objeto é claro em duas das imagens originais, na composição
colorida ele assume a cor resultante da mistura das duas cores
associadas a essas duas imagens originais.

Fig. 2.10 Esquema de obtenção de uma imagem colorida


Fonte: Florenzano (2007).

Integração de dados: o procedimento ilustrado na Fig. 2.10


pode ser utilizado na integração de dados, gerando imagens
coloridas: multiespectrais (obtidas em diferentes faixas espectrais
por um mesmo sensor), multissensores (obtidas em diferentes
faixas espectrais por mais de um sensor), multidatas ou
multitemporais (obtidas em diferentes datas por um mesmo sensor),
multipolarizadas (obtidas por um sensor radar com diferentes
polarizações), com componentes principais, entre outras. Assim, é
possível reunir em uma única imagem a informação de três imagens
obtidas em diferentes faixas espectrais, datas ou mesmo por
diferentes tipos de sensores. Na integração de dados ou fusão de
imagens, podem ser utilizadas transformações por componentes
principais, IHS, wavelet, entre outras, bem como as operações
aritméticas. É fundamental, no entanto, que o registro (a
superposição) entre as imagens utilizadas na fusão seja realizado
com o menor erro possível. As técnicas de fusão visam obter novas
imagens que combinam as melhores características espectrais e
espaciais das imagens originais. Essas técnicas têm sido cada vez
mais utilizadas na integração de imagens pancromáticas de alta
resolução (HRV-Spot) com imagens espectrais de média resolução
(TM e ETM Landsat), bem como de imagens Landsat e de radar
(Radarsat, ERS, Jers), principalmente para estudos geológicos
(Paradella et al., 2005a) e geomorfológicos (França, 2005). Um
exemplo de fusão de imagem com a aplicação da transformação
IHS é mostrado na Fig. 2.11. Ele foi extraído do trabalho de
Marcelino (2003), que avaliou técnicas de fusão de imagens ópticas
orbitais para a identificação de cicatrizes de escorregamentos.
Segundo esse autor, essas técnicas facilitam o processo de
identificação das cicatrizes.

Na interpretação de imagens realçadas e/ou integradas por técnicas


de processamento digital, também são utilizados os elementos de
análise: tonalidade/cor, textura, forma, sombra etc. É importante, no
entanto, entender o tipo de transformação que foi aplicado na
imagem original. Na interpretação de composições coloridas,
devem-se analisar também as imagens originais que as geraram.
De um lado, as composições coloridas facilitam a interpretação por
meio do uso da cor e permitem que em uma única imagem sejam
integradas as informações provenientes de três bandas espectrais
diferentes. De outro lado, elas podem camuflar determinados
objetos e dificultar a interpretação. Por isso, é importante analisar
também as imagens originais. Para obter mais informações sobre as
técnicas de realce e de fusão de imagens, recomenda-se consultar
os livros de Crosta (1992), Schowengerdt (1997) e Mather (2004).

Fig. 2.11 Imagem de Caraguatatuba, SP, resultante da transformação IHS (A)


aplicada na imagem original (TM-Landsat) com composição colorida (453, RGB)
(B) e na imagem pancromática HRV-Spot-4 (C). Após a transformação do sistema
RGB para o IHS, a componente I foi substituída pela imagem pancromática HRV
e teve aplicada a transformação inversa, isto é, retorno para o sistema RGB.
Observar cicatrizes de escorregamentos destacadas dentro do círculo amarelo
Fonte: Marcelino (2003).
2.2.2 Técnicas de segmentação e
classificação de imagens
A segmentação de imagens é um procedimento computacional
aplicado antes de um algoritmo de classificação automática. A
segmentação permite dividir a imagem em regiões espectralmente
homogêneas. Nelas podem ser definidas amostras (áreas de
treinamento) para aplicação de um algoritmo de classificação
supervisionada. Na aplicação da segmentação, devem ser definidos
dois limiares:

limiar de similaridade: limiar abaixo do qual duas regiões são


consideradas similares e agrupadas em uma única região;
limiar de área: valor de área mínimo, representado em número
de pixels, para que uma região seja individualizada.

As técnicas de classificação de imagens digitais visam ao


reconhecimento automático de objetos, em função de determinado
critério de decisão, agrupando em classes os objetos que
apresentam similaridade em suas respostas espectrais. O resultado
de uma classificação digital de imagens, portanto, é um mapa
temático, no qual cada pixel ou grupo de pixels (quando a imagem é
segmentada) da imagem original foi classificado em uma das várias
classes (ou temas) definidas. A intenção é tornar o processo de
mapeamento mais quantitativo, objetivo, rápido e com possibilidade
de repetição em situações subsequentes. A interação do intérprete
com o processamento automatizado, no entanto, é fundamental
para o sucesso (desempenho) de uma classificação.

As técnicas tradicionais de classificação digital de imagens são


limitadas porque usam apenas as características espectrais (o
atributo tonalidade, os níveis de cinza, representados por números
digitais) para definir as classes de interesse. Como destacado
anteriormente, o intérprete utiliza vários elementos no processo de
interpretação de imagens, além do seu conhecimento e da sua
experiência. Por isso, em geral, o desempenho dessas técnicas é
baixo e elas têm pouca ou nenhuma utilidade em Geologia e
Geomorfologia. Para corrigir os erros de uma classificação
automatizada, pode-se utilizar, por exemplo, a edição matricial, que
é um recurso computacional disponível no Spring.

Existe a técnica de classificação supervisionada (as classes são


definidas a priori pelo analista) e a de classificação não
supervisionada (as classes são definidas a posteriori, como um
resultado da análise). Na classificação supervisionada, o analista
deve fornecer amostras (áreas de treinamento) espectralmente
representativas, mas não necessariamente homogêneas, das
classes. Na classificação não supervisionada, as classes não são
predeterminadas, e, em razão de o analista ter pouco controle sobre
o estabelecimento das classes, é uma técnica menos subjetiva.
Nesse tipo de classificação, o algoritmo utilizado decide, também
com base em regras estatísticas, quais as classes a serem
separadas e quais os pixels pertencentes a cada uma delas. Para
classificar uma mesma área, pode ser utilizado um método híbrido,
ou seja, os dois tipos de classificação. Assim, primeiro aplica-se a
classificação não supervisionada, como base para a seleção de
amostras de treinamento, e, posteriormente, a classificação
supervisionada.

Para explorar os dados adquiridos pelos sensores de alta resolução


e a grande quantidade de dados disponíveis atualmente, existem
novas abordagens de classificação digital de imagens como, por
exemplo, a classificação orientada ao objeto. Baseadas no uso dos
elementos de interpretação de imagens, as classificações
orientadas a objetos utilizam segmentação multirresolução, rede
hierárquicas, funções de pertinência fuzzy (lógica fuzzy ou
nebulosa), bem como elementos de cognição. Nesse tipo de
abordagem, utiliza-se o conceito de objeto, pois se considera que a
informação semântica necessária para a análise da imagem não é
encontrada no pixel, mas sim nos objetos da imagem e nas relações
entre eles. Desse modo, as informações contextuais são descritas
de duas formas principais: a) em contexto espacial, no qual
entidades vizinhas são descritas em uma árvore com direção
horizontal ou vertical; b) em contexto semântico, que permite
agrupar classes que possuem características semânticas
semelhantes (Araújo; Kux; Florenzano, 2007).

A segmentação multirresolução permite segmentar uma imagem


em níveis (escalas) que se relacionam entre si, formando uma rede
hierárquica e a base do conhecimento para a classificação de
objetos. Na classificação orientada a objetos, o intérprete pode
definir regras complexas baseadas em características espectrais e
em relações espaciais herdadas. Ao contrário do que ocorre com as
técnicas tradicionais, esse novo tipo de abordagem abre a
perspectiva de aplicação de classificação automática em Geologia e
Geomorfologia. Nesse sentido, para gerar um mapa geomorfológico,
existe a possibilidade de utilizar dados multiespectrais e
morfométricos, como mostra o estudo de Asselen e Seijmonsbergen
(2006). Para mais informações sobre classificação orientada a
objetos, sugerimos consultar Araújo (2006) e Blaschke e Kux (2007).

2.3 Interpretação de Imagens


Ópticas
Nesta seção, destacamos a interpretação de imagens obtidas na
região do visível e do infravermelho (próximo e médio). Os sensores
que captam dados dessas regiões espectrais registram a energia
refletida pelos objetos da superfície terrestre. Na Fig. 2.12A estão
representadas as curvas espectrais, também chamadas de
assinaturas espectrais, dos principais objetos da superfície terrestre,
que indicam a quantidade de energia refletida pelos objetos nos
diferentes comprimentos de onda. Como salientado na seção 2.1, o
comportamento de cada uma dessas curvas (padrão) varia de
acordo com os fatores que interferem na interação da radiação
eletromagnética com o respectivo objeto. Na Fig. 2.12B e na
imagem da Fig. 2.13, é possível verificar um desses fatores.
Fig. 2.12 (A) Curva espectral da água, da vegetação e do solo; (B) Curvas
espectrais de um solo com diferentes conteúdos de umidade, em porcentagem.
Em (B), podemos verificar que a energia refletida diminui com o aumento do
conteúdo de umidade
Fonte: (B) adaptado de Bowers e Hanks (1965).
Fig. 2.13 Imagem (TM-Landsat) da região do delta do rio Parnaíba, (A) obtida em
14 de junho de 1990, na época de vazante; (B) Imagem obtida em 31 de maio de
1985, na época de cheia. Comparando as duas imagens, é possível observar que
em (A) o solo está representado com um nível de cinza mais claro, pois reflete
mais energia, enquanto em (B) o solo úmido, que foi inundado pela cheia do rio,
reflete menos energia e, por isso, é representado em tons de cinza mais escuros

Outro desses fatores, salientado a seguir, refere-se à geometria de


aquisição dos dados: ângulo de elevação solar (ângulo formado
entre a iluminação solar e a superfície terrestre) e azimute (ângulo
formado entre a iluminação solar e o norte geográfico), ilustrados na
Fig. 2.14. Nas imagens da Fig. 2.15, podemos observar os efeitos
da variação desses ângulos que influenciam a obtenção de
informações da imagem. Dependendo desses ângulos, feições,
contatos e padrões são realçados ou não em uma determinada
imagem. Quanto maior a latitude de uma região, maior é a variação
do ângulo de elevação solar durante o ano. Em regiões próximas ao
equador, a variação é desprezível. Imagens tomadas com baixos
ângulos de elevação solar são indicadas para áreas planas e
suavemente onduladas, pois eles permitem realçar a
microtopografia do relevo, além de destacar os contatos entre as
unidades. Em áreas de relevo fortemente ondulado, a sombra, por
um lado, pode ajudar a inferir a altura do relevo e a simetria das
vertentes, mas, por outro, ocultar o tipo de cobertura e uso da terra,
como ressaltado na Fig. 2.15B, bem como feições do relevo, como,
por exemplo, cicatrizes de escorregamento. Com relação ao ângulo
de azimute, quanto mais perpendicular a iluminação estiver com
relação às feições, maior será o seu realce natural.
Fig. 2.14 Exemplos de ângulos de elevação solar (A), variação da iluminação no
sentido vertical, e azimute (B), variação da iluminação no sentido horizontal
Fig. 2.15 Imagem de Caraguatatuba obtida pelo sensor TM (Landsat-5) em
janeiro de 1987 com ângulo de elevação solar alto, 47°, e azimute de 92° (A); e
em julho de 1988, com ângulo de elevação solar baixo, 31°, e azimute de 42° (B).
Comparando as duas imagens é possível observar as diferenças no realce das
feições. Em (A) observa-se o realce natural das feições orientadas N/S e NE/SW,
enquanto em (B) estão destacadas aquelas orientadas L/W. Em (B) tem mais
sombreamento, mas os contatos entre as unidades geomorfológicas são bem
destacados, o que não ocorre em (A)

No Quadro 2.1, são mostrados exemplos de chaves de


interpretação de objetos representados em composições coloridas,
obtidas com as imagens TM-Landsat-5 e ETM-Landsat-7 dos canais
três, quatro e cinco, associadas, respectivamente, com as cores
azul (B), verde (G) e vermelha (R): 3(B) 4(G) 5(R).

QUADRO 2.1 EXEMPLOS DE CHAVES DE INTERPRETAÇÃO DE OBJETOS E


FEIÇÕES REPRESENTADAS EM IMAGENS TM E ETM+ LANDSAT,
3(B), 4(G) E 5(R)
OBJETO CHAVE DE INTERPRETAÇÃO

Cor magenta (rosa); textura


Área urbana ligeiramente rugosa; forma irregular;
localização junto de rodovias
Solo exposto Cor magenta (dependendo do tipo de solo,
pode ser bem claro, tendendo ao branco);
textura lisa; forma regular; localização junto
de áreas urbanas (área terraplenada para
loteamentos, instalação de indústrias,
shopping center etc.) ou áreas agrícolas
(preparadas para cultivo ou recém-colhidas)

Área Cor magenta; textura lisa; forma


desmatada regular

Cor magenta (solo preparado ou cultura


colhida), verde-claro (cultura em estágio
inicial) e verde mais forte (cultura sadia e
madura); textura lisa; forma
Área agrícola
regular/geométrica; padrão de talhões
(divisão em parcelas); presença de
sombras (áreas escuras) em culturas mais
altas
Cor magenta (solo preparado e
pastagem seca) e verde (pastagem
Áreas de
densa e verde); textura lisa
pastagem
(pastagem plantada) e ligeiramente
rugosa (pasto sujo); forma irregular
Cor magenta (solo preparado) e
verde (reflorestamento adulto);
Área de
textura lisa; forma regular; presença
reflorestamento
de carreadores; são comuns talhões
grandes

Área de Cor verde-escuro; textura rugosa; forma


mata/capoeira irregular

Corpos d’água Cor azul (material em suspensão)


(rios, lagos, ou preta (água limpa); textura lisa;
represas e forma irregular, linear retilínea ou
oceano) curvilínea para rios

Área úmida ou Cor azul-escuro; textura lisa; forma


inundada irregular; localização junto de corpos d’água

Cor preta; textura lisa; forma


Área queimada
irregular, em geral

Cor magenta-claro a vermelho quando, ou


se, a rocha e o solo estiverem expostos; se
Cicatrizes de
houver samambaia, por exemplo, a cor será
escorregamento
verde-claro; textura lisa; forma alongada ou
elíptica

A cor vai depender da cobertura


vegetal; forma em leque;
Tálus
localização na parte inferior da
vertente

A cor vai depender da cobertura e do uso


Planície fluvial da terra; textura lisa; forma alongada;
localização junto do rio

A cor vai depender da cobertura e


Planície do uso da terra; textura lisa; forma
costeira alongada ou circular; localização
junto do mar
Terraço fluvial A cor vai depender da cobertura e do uso
da terra; textura lisa; forma alongada;
localização adjacente à planície fluvial
A cor vai depender da cobertura e
do uso da terra; textura ligeiramente
Colinas
rugosa; forma circular; pequeno
sombreamento

A cor vai depender da cobertura e do uso


Morrotes da terra; textura rugosa; forma circular;
pequeno sombreamento

A cor vai depender da cobertura e


Morros com
do uso da terra; textura rugosa;
topos
forma circular; sombreamento
arredondados
médio

A cor vai depender da cobertura e do uso


Morros/serras com
da terra; textura rugosa; forma linear;
topos angulares
sombreamento acentuado

A cor vai depender da cobertura e


do uso da terra no reverso da
escarpa; na escarpa, em geral, com
Escarpa vegetação, a cor será verde ou
preta, devido ao sombreamento
acentuado Ruptura ou quebra de
relevo (Λ)positiva e (∨)negativa

É importante lembrar que as cores dos objetos indicadas nos


exemplos do Quadro 2.1 são válidas para esse tipo de composição
colorida. Basta alterar a associação de cores para que a cor dos
objetos na composição colorida resultante também mude. A única
exceção refere-se a objetos brancos, cinza e pretos, nas três
imagens originais, pois eles continuarão sendo assim representados
na composição colorida resultante, independentemente da
associação de cores.

Recomenda-se sempre analisar também as imagens originais


utilizadas na geração de composição colorida, bem como aquelas
submetidas a transformações, como as componentes principais, por
exemplo. A análise das imagens originais pode ajudar na
discriminação de determinados alvos. Para dúvidas de interpretação
como, por exemplo, entre água e área queimada, pode ser
consultada uma imagem de outra data ou época do ano, uma vez
que as marcas da queimada são temporárias, enquanto os corpos
d’água, com exceção dos temporários, permanecem por longo
tempo na superfície (Fig. 2.16). Além disso, a época das queimadas
ocorre, em geral, no período seco.

A seleção do melhor conjunto de imagens multiespectrais para gerar


uma composição colorida ou aplicar uma segmentação e
classificação automática pode ser feita visualmente ou por meio de
uma técnica de seleção de atributos. Essas técnicas utilizam
critérios estatísticos (variância, correlação entre as bandas) para
selecionar um conjunto de imagens. Pode-se também simplesmente
gerar uma matriz de correlação e outra de variância/covariância dos
dados e, com base na sua análise, selecionar as bandas de
interesse. Para isso, é suficiente selecionar um setor representativo
da área de estudo, não sendo necessário utilizar toda a cena ou
área de interesse. Teoricamente, o conjunto de imagens que fornece
mais informação é aquele que reúne as bandas menos
correlacionadas entre si e de maior variância (maior contraste e
quantidade de informação).
Fig. 2.16 Imagem CCD-Cbers-2 de Palmas, TO, (A) obtida em 21 de maio de
2004 e (B) em 11 de julho de 2005. O objeto destacado com o círculo na imagem
(A) é uma área queimada, mas que pode ser confundido com um corpo d’água.
Analisando a imagem (B), podemos tirar a dúvida e confirmar que se trata de área
queimada

Ao analisar a correlação entre as imagens das bandas TM (Tab.


2.1), verificamos, como geralmente ocorre, uma alta correlação
entre as imagens do visível (bandas 1, 2 e 3) e, embora inferior,
entre as do infravermelho médio (5 e 7). Isso mostra que existe uma
redundância de informação. Em geral, existe também uma alta
correlação entre a imagem da banda 3 (visível) e a da banda 7
(infravermelho médio). Isso é explicado pelo comportamento
espectral do solo e da vegetação, muito semelhante nas duas
bandas. A grande diferença entre elas é com relação à água turva
(com material em suspensão), que reflete muito somente no visível.

Observamos também que a imagem da banda 4 (infravermelho


próximo) é a menos correlacionada com as demais, tendo uma
correlação muito baixa, ou inexistente, com as do visível e, em
geral, também com a 7 (infravermelho médio). Isso é explicado
principalmente pelo comportamento espectral da vegetação verde.
Um outro alvo que pode explicar essa baixa correlação é a água
turva. Assim, as imagens de áreas com pouca cobertura vegetal
e/ou vegetação seca, como as de regiões áridas e semiáridas, têm
uma alta correlação entre todas as bandas.
TAB. 2.1 MATRIZ DOS COEFICIENTES DE CORRELAÇÃO, IMAGEM TM (SÃO
JOSÉ DOS CAMPOS, SP), JULHO DE 1988

As composições coloridas da Fig. 2.17 foram geradas com duas


imagens do infravermelho e uma do visível, e podemos
observar/confirmar visualmente a alta correlação entre as imagens
do visível, pois elas são muito semelhantes. Assim, ao substituir a
banda 3, geralmente a mais utilizada, pelas bandas 1 e 2,
verificamos que há pouca diferença no resultado obtido. Outro
aspecto que podemos verificar visualmente nesse exemplo é a
maior interferência da atmosfera nas imagens de menor
comprimento de onda. Assim, a imagem da banda 1 (0,45 a 0,52
μm) tem menos contraste que a da banda 2 (0,52 a 0,60 μm), e
esta, menos que a da banda 3 (0,63 a 0,69 μm).

Na Tab. 2.2 é apresentada a matriz de variância/covariância das


bandas TM. Ao longo da diagonal principal dessa matriz, tem-se a
variância estimada de cada imagem. Nesse exemplo, como em
várias imagens analisadas, a banda de maior variância corresponde
à banda 5 infravermelho médio. Por outro lado, a imagem de menor
variância, confirmando também análises de outras imagens, é a da
banda 2. Estudos realizados por Chaves Jr. (1992) e Florenzano
(1993), entre outros, com imagens Spot e Landsat, constataram que
as do infravermelho próximo e médio são mais indicadas para
estudos relacionados com o mapeamento de feições lineares e
topográficas. Se a área de estudo tiver muita cobertura vegetal, a
mais indicada para o estudo do relevo é a do infravermelho próximo;
se predominar solo exposto, pastagens, vegetação de baixo porte e
densidade, as do infravermelho médio são mais úteis, como ilustra a
Fig. 2.18.
Fig. 2.17 Composição colorida de São José dos Campos, SP, obtida com
imagens TM-Landsat, apresentando combinações (A) 453, (B) 452 e (C) 451,
RGB

TAB. 2.2 MATRIZ DE VARIÂNCIA/COVARIÂNCIA DAS BANDAS TM (SÃO JOSÉ


DOS CAMPOS, SP), JULHO DE 1988
Fig. 2.18 Imagens TM-Landsat de São José dos Campos, Caçapava, SP, bandas
4 (A), 5 (B) e 7(C). Ao comparar essas imagens, observamos que o relevo das
áreas de cobertura vegetal mais densa (tons claros na banda 4 e escuros nas
bandas 5 e 7, principalmente) é mais destacado na imagem do infravermelho
próximo (4), enquanto o das áreas com menos cobertura vegetal é mais
destacado nas imagens do infravermelho médio (5 e 7)

Como, em geral, nas imagens do infravermelho o relevo é bem


destacado, as melhores composições coloridas para o mapeamento
de unidades geomorfológicas são aquelas obtidas com pelo menos
duas imagens do infravermelho, como das bandas TM e ETM 453 e
457 (RGB), imagens de maior variância e uma delas não
correlacionada com as demais. Na composição 453 (RGB), são
destacadas a morfologia, a lâmina d’água, as áreas úmidas e a rede
de drenagem. Para áreas com baixa densidade de cobertura
vegetal, ou imagens de épocas em que a vegetação está seca,
destacam-se também as combinações com as imagens das bandas
TM e ETM 473 e 753 (RGB). Para a discriminação de feições
culturais – relacionadas ao uso do solo urbano e rural – e de feições
de erosão, importantes para a caracterização morfodinâmica, é
fundamental incluir duas bandas do visível, 321, 432, ou a banda 7
do infravermelho médio, 473 e 753 (RGB), por exemplo. Nesse
sentido, podemos afirmar que a probabilidade de um objeto ser
destacado em uma composição colorida aumenta à medida que na
geração dessa composição são incluídas imagens, embora
correlacionadas, que destaquem esse objeto. As imagens da Fig.
2.19 exemplificam esses aspectos.

Composições geradas com imagens da mesma banda, mas com


outra associação de cores, também apresentam resultados
diferentes que influenciam o realce dos objetos e das feições.
Fig. 2.19 Composições coloridas com imagens TM-Landsat das bandas 321, em
julho (A), 321, em janeiro (B), 457, em julho (C), RGB. O círculo indica trecho da
rodovia mascarado pela sombra na imagem de julho, obtida com ângulo de
elevação solar baixo (31°), e visível na de janeiro, obtida com ângulo de elevação
solar alto (47°). Podemos verificar o realce das feições culturais e erosivas nas
composições coloridas com as imagens do visível (A e B) e observar a
discriminação dos corpos d’água, os contatos e o realce do relevo na composição
colorida com as imagens do infravermelho (C)

Na Fig. 2.20, podemos verificar exemplos de composições coloridas,


de Parnaíba-PI, obtidas com as imagens das mesmas bandas TM-
Landsat, mas com diferentes associações de cores.
Fig. 2.20 Composições coloridas com imagens (TM-Landsat) de Parnaíba, PI, das
bandas (A) 453, (B) 543 e (C) 435, RGB. Ao comparar essas composições com
as imagens das mesmas bandas, mas com diferentes associações de cores, é
possível notar, por exemplo, que algumas feições de drenagem, destacadas no
círculo, estão mais realçadas em (A)

2.4 Interpretação de Imagens de


Radar
Na região de micro-ondas, como ressaltado anteriormente, a
interação da radiação com a superfície terrestre depende
principalmente das propriedades dielétricas (influenciadas pela
umidade) e geométricas (referentes à forma) dos objetos da
superfície. A imagem obtida por um sistema de radar é uma função
dos sinais de retorno (Fig. 2.21). Os sinais de retorno ou ecos são
influenciados por: parâmetros definidos pelo próprio sistema
(comprimento de onda ou frequência, polarização, geometria de
visada e resolução espacial) e parâmetros da superfície observada
(rugosidade, umidade e ângulos de inclinação e orientação da
superfície). Sobre radares e suas aplicações, recomendamos a
leitura de Henderson e Levis (1998) e do artigo de Paradella et al.
(2005a).

Fig. 2.21 Sistema Radar


Fonte: adaptado de Raney (1998).

2.4.1 Parâmetros definidos pelo próprio


sistema
Comprimento de onda: a radiação de micro-ondas penetra a
vegetação e os materiais secos, como as areias do deserto. A
capacidade de penetração da radiação de micro-ondas de
comprimentos de onda mais longos é maior (por exemplo: banda L
> banda C). Quanto maior o comprimento de onda, maior também é
a capacidade de penetrar a chuva. A maioria dos radares opera em
um único comprimento de onda (ou frequência).

Polarização: refere-se à direção de propagação da onda e pode ser


paralela (horizontal-HH ou vertical-VV) ou cruzada (HV ou VH),
como ilustra a Fig. 2.22. A imagem obtida com polarização paralela
tem sinal de retorno maior do que a obtida com a polarização
cruzada. O tipo de polarização tem grande influência na
representação dos alvos nas imagens de radar. Por exemplo, o gelo
é mais facilmente distinguido da água utilizando-se polarização
horizontal do que vertical. A polarização HH é mais sensível a
objetos dispostos horizontalmente, enquanto a VV, aos objetos
dispostos verticalmente.

Fig. 2.22 Polarização


Fonte: Globe SAR Program. Canada Center for Remote Sensing (CCRS).

Geometria de visada: ângulo de incidência é o ângulo formado


entre o feixe de iluminação do radar e a normal à superfície do
terreno, aumentando do near para o far range. Nas superfícies
inclinadas, ocorre a influência do ângulo de incidência local
(declividade do terreno). Quanto maior o ângulo de incidência, maior
é o sombreamento na imagem. O ângulo azimutal é a relação
angular entre o norte geográfico e a direção de apontamento do
feixe de iluminação do radar (Fig. 2.23). Quando a iluminação do
radar é orientada perpendicularmente a feições geológicas, como
falhas e lineamentos ou campos de cultivo, observa-se um aumento
de contraste e de sombreamento na imagem. Os efeitos decorrentes
da geometria de aquisição das imagens de radar são destacados a
seguir.
Fig. 2.23 Geometria de visada de um sistema radar
Fonte: Ulaby, Moore e Fung (1981).

Deslocamento de relevo: nas imagens ópticas, o deslocamento


do relevo é em direção oposta ao sensor e relativamente pequeno
na visada nadir (vertical). Nas imagens de radar, ele se dá em
direção ao sensor e é frequentemente mais acentuado. Nessas
imagens, o deslocamento do relevo decresce com o aumento do
ângulo de incidência.
Sombra: nas imagens de radar, a sombra representa objetos ou
superfícies do terreno dos quais o radar não recebeu o sinal de
retorno. Informações sobre o sistema de radar, bem como sobre a
altura e a inclinação dos objetos, podem ser obtidas a partir da
sombra (Fig. 2.24A).
Encurtamento de rampa (fore-shortening): refere-se à
aparência de compressão das formas de relevo da cena imageada
cuja face está voltada em direção ao radar. A vertente afetada por
esse fenômeno tem uma aparência relativamente mais brilhante na
imagem. O encurtamento de rampa torna-se máximo quando a
vertente é ortogonal à iluminação do radar, o ângulo de incidência
local é zero e a base e o topo da vertente são imageados
simultaneamente, ocupando a mesma posição na imagem. As
vertentes que não apresentam encurtamento de rampa são
imageadas com ângulo de incidência de 90˚. Os efeitos do
foreshortening diminuem com o aumento do ângulo de incidência, o
que, no entanto, leva a um aumento do sombreamento. Assim, na
seleção do ângulo de incidência de um sistema de radar, deve-se
considerar a ocorrência de ambos os efeitos (Fig. 2.24B).
Inversão de relevo (layover): é um caso extremo de
deslocamento de relevo. A inversão de relevo ocorre quando a
energia refletida (retroespalhada) da parte superior de uma vertente
é recebida antes daquela refletida da base dessa vertente. Assim,
por exemplo, em uma imagem de radar, o topo de um morro estará
deslocado da sua base. O layover ocorre com mais frequência com
pequenos ângulos de incidência (Fig. 2.24C).
Fig. 2.24 Efeitos decorrentes da geometria de aquisição das imagens de radar:
(A) sombra; (B) encurtamento de rampa; (C) inversão de relevo
Fonte: adaptado de Raney (1998).

Resolução espacial: a resolução espacial – ou dimensão do


elemento de resolução no terreno – de uma imagem de radar é
determinada pela combinação da resolução ou dimensão em range
(distância, na direção de visada, que é perpendicular ao
deslocamento da plataforma) e da resolução ou dimensão em
azimute (paralela à direção de deslocamento da plataforma). Além
do comprimento de onda, da polarização e da largura da faixa
(swath width), outros parâmetros do sistema determinam a
resolução e a qualidade radiométrica da imagem resultante. As
imagens de radar diferenciam-se principalmente pela forma usada
na aquisição da resolução em azimute (Fig. 2.25).
Fig. 2.25 Resolução em range e resolução em azimute
Fonte: adaptado de Raney (1998).

2.4.2 Parâmetros relativos à superfície


Rugosidade: a quantidade de retroespalhamento é proporcional à
rugosidade da superfície (Fig. 2.26). Portanto, nas imagens de
radar, os alvos ou feições rugosas são mais claros que as feições
lisas. A rugosidade de uma superfície para um sistema de radar é
relativa ao comprimento de onda. Um alvo é considerado liso
quando as irregularidades da sua superfície são menores que o
comprimento de onda utilizado. Por exemplo, uma superfície
considerada rugosa na banda C torna-se lisa na banda L, ou seja, a
rugosidade diminui com o aumento do comprimento de onda.

Umidade: o conteúdo de umidade afeta a constante dielétrica dos


materiais da superfície. A constante dielétrica influencia a
capacidade dos materiais de absorver, refletir e transmitir energia de
micro-ondas. A energia retroespalhada e, consequentemente, o
brilho na imagem de radar da maior parte das superfícies e da
vegetação natural são elevados com o aumento do conteúdo de
umidade.

De modo geral, os altos sinais de retorno são provenientes de:


vertentes voltadas para o sensor, objetos rugosos, objetos com alto
conteúdo de umidade, objetos de metais e áreas urbanas e outras
áreas construídas (corner reflector). Portanto, esses objetos são
representados com tons de cinza claros. Das superfícies que atuam
como refletores difusos, retornam sinais fracos a moderados, que
podem frequentemente ter considerável textura, sendo
representados com tons de cinza médios. Os baixos sinais são
recebidos de superfícies que atuam como refletores especulares,
tais como águas calmas, estradas asfaltadas e praias,
representados nas imagens com tons de cinza-escuros. De modo
geral, nas imagens de radar são bem destacados os limites terra/
água, as áreas úmidas, o relevo, a drenagem e as demais feições
lineares (Fig. 2.27). Esses objetos e feições são bem destacados
também nas imagens resultantes da integração de imagens de radar
com as do espectro óptico.
Fig. 2.26 Reflexão difusa e especular
Fonte: adaptado de Raney (1998).
Fig. 2.27 Exemplos de feições e unidades geomorfológicas representadas em
imagens de radar. As imagens A, B e C, da região de Carajás, são do Radarsat-1,
enquanto a imagem D, setor da planície do rio Tapajós, é do satélite Jers-1. Em
(A), podemos observar o relevo plano pouco dissecado da região; em (B), o
relevo ondulado com dissecação alta; e em (C), o relevo fortemente ondulado,
muito dissecado, e o contato da serra com o relevo plano. Em (D), podemos
verificar as feições e unidades da planície e do terraço fluvial, com destaque para
a borda do terraço fluvial (faixa branca realçada na imagem), que “funciona” como
um refletor de canto

2.4.3 Ruído (speckle)


O speckle é um ruído decorrente do processo de obtenção de dados
por radares do tipo SAR, que degrada as imagens obtidas por esses
sensores. Quanto maior o comprimento de onda utilizado, maior é a
intensidade do speckle, representado na imagem pela textura mais
“fina”, a qual não deve ser confundida com a informação textural dos
alvos da cena imageada (Fig. 2.27). A redução de seu efeito nas
imagens de radar pode ser obtida por meio de técnicas de
processamento digital (filtragem espacial), que melhoram a
resolução radiométrica, em detrimento, porém, da resolução
espacial.

2.4.4 Estereoscopia
A partir dos recursos da estereoscopia e da interferometria de radar,
variáveis morfométricas – como declividade e altura ou amplitude de
relevo – são geradas. Esses parâmetros podem ser calculados
também, embora com menor precisão, com base nas distorções
inerentes às imagens de radar (foreshortening, layover e
sombreamento). O imageamento com visadas opostas da mesma
área fornece a visão tridimensional, que, no entanto, é limitada em
regiões com sombreamentos opostos. A estereoscopia com radar
tem maior viabilidade com imagens tomadas com o mesmo ângulo
azimutal e distintos ângulos de incidência. Estes devem ser maiores
que 30° e menores que 50°, para minimizar os efeitos de
sombreamento e layover. Quanto maior a diferença no ângulo de
incidência do estéreo-par, maior o exagero vertical do terreno.
Imagens de órbitas ascendentes e descendentes, teoricamente, não
devem fornecer boa estereoscopia, por causa das visadas não
opostas e dos problemas de sombreamento. Um exemplo de par
estereoscópico de imagem de radar é mostrado na Fig. 2.28.
Exemplos de aplicação dos recursos da estereoscopia de radar no
estudo da serra dos Carajás podem ser encontrados em Paradella
et al. (2005b), Santos et al. (1999) e Santos, Paradella e Veneziani
(2003).
Fig. 2.28 Par estereoscópico de imagens do Radarsat-1 da região de Carajás. (A)
Imagem S5D, obtida em 31 de maio de 1996; (B) Imagem S7D, obtida em 11 de
setembro de 1996
Fonte: Santos et al. (1999).

2.4.5 Interferometria
A interferometria por radar combina imagens complexas
registradas por antenas em diferentes localizações e tempos. Para
medir a interferência das ondas retroespalhadas (ecos), é
necessário que estas sejam captadas em antenas separadas no
espaço por uma distância conhecida como linha de base. A linha de
base pode ser obtida por meio de duas passagens sucessivas do
sensor ou por uma única passagem com uso de duas ou mais
antenas instaladas na plataforma, separadas a uma distância
predefinida. Os interferogramas permitem a determinação de
diferenças de minutos em alcance (range), em escala inferior ao
comprimento de onda, para os pontos correspondentes de um par
de imagens. O SAR interferométrico (InSAR) é uma alternativa à
técnica convencional de obtenção de pares estereoscópicos
fotográficos na geração de mapas topográficos de alta resolução,
com a vantagem do processamento automático e de não depender
de condições meteorológicas. É também um recurso poderoso para
detecção de mudanças e mapeamento de velocidades.

Os dados da missão Shuttle Radar Topographic Mission (SRTM),


abordados no Cap. 3, são obtidos por radar interferométrico.
Exemplos de aplicação desses dados são apresentados também
nos Caps. 7 e 9. Sobre o uso desses dados, recomendamos ainda a
leitura do artigo de Almeida Filho e Miranda (2007). Segundo esses
autores, as imagens SRTM registraram, na região de confluência
dos rios Negro e Solimões, as marcas de um antigo sistema de
drenagem oculto pela floresta tropical. A partir da análise desses
dados, de informações geológicas, geofísicas e de campo, ficou
evidenciado que o curso atual do rio Negro na região resulta de uma
megacaptura fluvial, controlada pela neotectônica. A resultante
movimentação de blocos afunilou o rio no local denominado Estreito,
bloqueando-o parcialmente e, ao mesmo tempo, permitindo que ele
se expandisse, assumindo a aparência de um lago. Esse ambiente
de baixa energia para o transporte de material favorece a deposição
e formação do maior arquipélago fluvial do mundo, as Anavilhanas.

2.5 Seleção de Dados de


Sensoriamento Remoto
O tipo de imagem (resolução, banda, composição colorida, data)
deve ser selecionado considerando os objetivos e as características
da área de estudo (clima, textura topográfica, cobertura e uso da
terra). Como os ambientes da superfície terrestre são dinâmicos, a
data da imagem é uma informação extremamente importante, pois a
imagem é uma representação de uma parte da superfície da Terra
no momento da passagem do satélite. A data indica, por exemplo,
se é uma imagem antiga ou recente, se foi tomada em época de
seca ou de chuva, antes ou depois da ocorrência de um fenômeno
como desmatamento, incêndio, deslizamento de encostas,
inundação etc. Como a umidade influencia na interação da energia
eletromagnética com os objetos, recomenda-se a análise de dados
de precipitação do período de aquisição das imagens pelo sensor.

Se o objetivo for o estudo da expansão urbana de uma determinada


cidade, vamos selecionar imagens de datas diferentes (pelo menos
duas, uma antiga e uma recente) e que destaquem bem os limites
da área urbana. Nesse caso, é recomendável que sejam da mesma
época do ano. Para estudos intraurbanos, são necessárias imagens
de alta resolução espacial. Se o objetivo for o estudo de culturas
agrícolas, na seleção da data das imagens temos que levar em
consideração, entre outros fatores, o calendário agrícola das
culturas.

No mapeamento de marcas de processos erosivos, como cicatrizes


de escorregamento, imagens obtidas no espectro visível e no
infravermelho médio correspondente à banda 7 do TM e ETM
Landsat são as mais indicadas. Portanto, ao selecionar um conjunto
de bandas para gerar uma composição colorida ou aplicar uma
classificação automática, devem-se incluir imagens dessas bandas.

Na discriminação de corpos d’água e áreas úmidas, as imagens


mais indicadas são aquelas obtidas nas regiões do infravermelho
próximo e de micro-ondas. Nos estudos sobre qualidade da água, a
maior contribuição é dada pelas imagens obtidas na região do
visível. Para destacar manchas de óleo no mar, as mais indicadas
são as imagens de micro-ondas (Souza, 2005). Se o objetivo for o
mapeamento da rede de drenagem, dependendo da largura dos
canais e da resolução da imagem, ela é inferida indiretamente, por
meio da vegetação da mata ciliar.

Com relação às características da área de estudo para o


mapeamento de feições erosivas, da cobertura vegetal e do uso da
terra em áreas de relevo muito acidentado, é recomendável o uso
de imagens ópticas obtidas no verão com altos ângulos de elevação
solar e, consequentemente, menor sombreamento na imagem. Para
o realce natural de áreas de relevo suave ondulado ou de
microrrelevo, bem como o contato entre unidades, recomenda-se o
uso de imagens ópticas obtidas com baixo ângulo de elevação solar,
bem como imagens de radar. Em regiões de baixa densidade de
cobertura vegetal, as imagens do infravermelho médio são as mais
indicadas no mapeamento do relevo. Para áreas de densa cobertura
vegetal, como a floresta Amazônica, recomenda-se selecionar
imagens do infravermelho próximo e de radar; se houver, porém, um
relevo muito acentuado, como a escarpa da serra do Mar, deve-se
utilizar somente a do infravermelho próximo ou composições
coloridas que incluam esta banda.
Em Geomorfologia, a interpretação de imagens pode ser feita a
partir da análise dos elementos ou feições (mais utilizada em
estudos detalhados), exemplificados no Quadro 2.1, ou a partir da
análise das formas e dos padrões (mais utilizada em estudos
geomorfológicos de escalas médias e pequenas, bem como nos
estudos integrados ou de análise da paisagem). Observa-se uma
relação muito grande entre a textura de uma imagem e a dissecação
do relevo (densidade de drenagem) da área nela representada.
Assim, a partir dos diferentes padrões, formados principalmente pela
textura da imagem, identificamos as diferentes unidades de relevo
com os respectivos níveis de dissecação, como ilustra a Fig. 2.29.

Os padrões destacados com números (1 a 6) na imagem da Fig.


2.29A e ilustrados com fotos de campo, representam algumas das
diferentes unidades de paisagem da região selecionada, cuja
descrição resumida é apresentada a seguir:

Unidade 1 – é uma planície fluvial de um curso temporário,


formada por aluviões e solos aluviais eutróficos distróficos, coberta
por uma caatinga aberta de estrato arbóreo (espécies perenefólias e
hipoxerófilas) e herbáceo.
Unidade 2 – é uma área de relevo suave ondulado, com
dissecação alta, formada por granitos diversos indiferenciados,
regossolo distrófico eutrófico + afloramentos rochosos. Nela domina
a caatinga aberta de estrato arbustivo e herbáceo.
Unidade 3 – é uma área de relevo plano, com dissecação muito
baixa, formada por rochas do calcário caatinga, vertissolos +
cambissolo eutrófico, coberta por caatinga aberta de estrato
arbustivo e herbáceo. Esta unidade, de solos férteis, é utilizada com
a cultura (irrigada) da cana-de-áçucar.
Unidade 4 – é uma área de relevo plano, com dissecação muito
baixa, formada por coberturas detríticas, uma associação de
podzólico vermelho amarelo eutrófico + planossolo eutrófico. É
coberta por caatinga fechada de estrato arbóreo e arbustivo.
Unidade 5 – caracteriza-se por relevo ondulado, com dissecação
alta (um conjunto de relevos residuais – inselbergs). É formada por
granitos diversos indiferenciados, quartzitos, granulitos e sienitos,
solos litólicos eutróficos + afloramentos rochosos e é coberta pela
caatinga fechada arbórea e arbustiva.
Unidade 6 – é um relevo de serra (inselberg), com dissecação
alta, formado de quartzito, solos litólicos eutróficos extremamente
pedregosos com calhaus escuros que, ao lado da caatinga fechada
arbórea e arbustiva (na época seca), contribuem para os tons
escuros representados principalmente na Fig. 2.29A.

Um único tipo de imagem dificilmente fornece toda a informação


procurada. Desse modo, podem ser exploradas imagens
multiespectrais, multidatas e multissensores, pois elas se
complementam e, assim, oferecem ao analista um grande número
de informações. Como as imagens tridimensionais favorecem a
interpretação do relevo, imagens como as do SRTM, ou MDEs
obtidos de outras fontes, podem ser integradas com imagens
multiespectrais bidimensionais. Imagens multidatas, por exemplo,
podem ser analisadas em estudos multitemporais, de detecção de
mudanças nas feições de relevo. Estas podem ser úteis também à
medida que determinadas feições da paisagem são visíveis em
imagens adquiridas com determinados ângulos de elevação solar e
azimute, e em condições ambientais específicas, como vimos na
seção 2.3. Assim, sempre que possível, é recomendável o uso de
imagens de épocas contrastantes (seca/chuvosa, verão/inverno),
que permitem ampliar a obtenção de informações.
Fig. 2.29 Imagens MSS Landsat composição colorida 754 (RGB) da região
semiárida de Juazeiro, BA, obtidas em 9 de novembro de 1982 (A), final da época
seca, e em 4 de maio de 1983, (B) no final da época de chuva, mas não muito
representativa desta época. Os diferentes padrões de imagem representam
diferentes unidades de paisagem exemplificadas também nas fotos de campo.
Observar como a unidade de paisagem (4) está bem destacada na imagem da
época seca e quase indiscriminada na outra imagem, o que reforça a utilidade de
imagens de diferentes épocas na obtenção de informações
Após a definição do objetivo e da área de estudo, o próximo passo é
localizar a área e identificar qual é a órbita/ponto (sistema de
referência) ou as coordenadas da imagem que cobrem a área de
interesse. Vários tipos de dados de sensoriamento remoto podem
ser obtidos gratuitamente pela Internet: imagens do satélite Cbers
(www.cbers.inpe.br); Landsat (www.dgi.inpe.br e
http://glcf.umiacs.umd.edu/data); Modis dos satélites Terra e Aqua
(http://edcmswww.crusgs.gov/pub/imswelcome/), além das imagens
do SRTM (http://glcf.umiacs.umd.edu/data). Considerando o
potencial das imagens Aster para estudos geomorfológicos e o
custo relativamente reduzido desses dados, recomenda-se a sua
exploração.

Considerações Finais
Neste capítulo, procuramos mostrar, de um modo geral, o potencial
dos dados e das técnicas de sensoriamento remoto para a
Geomorfologia. Na maioria dos exemplos mostrados utilizamos
imagens Cbers e Landsat, devido à sua maior disponibilidade e
acesso. Outros exemplos de exploração de dados de sensoriamento
remoto são apresentados no Cap. 3 e do 5 ao 10. Muitas aplicações
de sensoriamento remoto, não apenas em Geomorfologia, mas em
várias áreas temáticas, podem ser encontradas nas teses,
dissertações, nos artigos e relatórios técnicos disponíveis na
biblioteca digital do Inpe (http://www.inpe.br/biblioteca/). Os
inúmeros artigos publicados nos anais do Simpósio Brasileiro de
Sensoriamento Remoto (SBSR), em suas seis últimas edições,
desde 1996, também estão disponíveis nessa biblioteca.

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Márcio de Morisson Valeriano
DADOS TOPOGRÁFICOS 3

Este capítulo é dedicado a técnicas digitais para extração de


informações do relevo em Sistemas de Informação Geográfica
(SIG). Ressaltamos, no entanto, que tal abordagem não exclui a
interpretação visual para o exercício da cartografia geomorfológica.
Ao contrário, procuramos mostrar todos os conceitos em sua
expressão visual, enfatizando a complementaridade entre as duas
abordagens.

A operação de modelos analíticos com planos de informações


sobrepostos em SIG demanda a preparação de imagens digitais
georreferenciadas de cada variável. Tais imagens, ou Planos de
Informação (PI), são denominadas também Modelos Digitais do
Terreno (MDTs), dos quais o Modelo Digital de Elevação (MDE) é
um exemplo de evidente utilização.

Os dados topográficos fornecem variáveis importantes e


frequentemente solicitadas nas análises ambientais e nos
empreendimentos de engenharia. Os estudos envolvendo dados
topográficos têm se voltado à caracterização de unidades da
paisagem com base em variáveis morfológicas, estreitamente
ligadas a feições geométricas da superfície sob análise
(Doornkamp; King, 1971; Meijerink, 1988). A identificação de formas
de terreno foi desenvolvida originalmente por meio da interpretação
visual do relevo em campo ou de representações cartográficas. A
adoção dos métodos tradicionais (qualitativos) de levantamento é
justificada pela demora e pelo custo dos métodos paramétricos
(quantitativos). Com método e treinamento, os processos de
interpretação, generalização e síntese das informações topográficas
são realizados de modo intuitivo, dadas as propriedades da
percepção visual humana.
Métodos paramétricos são importantes, pois fornecem uma base
mais objetiva e uniforme na identificação de sistemas terrestres.
Estes requerem a medição e o mapeamento de variáveis do relevo,
como altitude, declividade, curvaturas vertical e horizontal,
orientação de vertentes etc., que são combinados para caracterizar
o relevo de forma mais completa. Enfim, a integração das
informações topográficas em níveis crescentes de abrangência
(local, vertente, microbacia etc.) leva ao estabelecimento de
unidades de mapeamento convenientes para a caracterização do
terreno na escala e para os objetivos do mapeamento desejado.
Alternativas como imageamento orbital e geoprocessamento de
MDEs podem facilitar substancialmente a abordagem paramétrica,
se não com a mesma qualidade dos métodos tradicionais, ao menos
com um grau aceitável de concordância com aqueles (Dent; Young,
1981).

Muitos estudos dão respaldo a essas alternativas com pesquisas


voltadas à relação entre variáveis topográficas e atributos da
paisagem de maneira sistêmica, como a caracterização de solos
(Moore et al., 1993), clima (Goovaerts, 2000) e vegetação
(Florinsky; Kuryakova, 1996). Os estudos aplicados à caracterização
da paisagem com variáveis morfométricas têm sido favorecidos com
o desenvolvimento de métodos automáticos de extração dessas
variáveis (Desmet; Govers, 1996; Valeriano, 1999; Kinnel, 2001;
Valeriano et al., 2002; Valeriano, 2003; Valeriano; Carvalho Júnior,
2003). A extração automática de informações da topografia em
ambiente computacional, como exemplificam as análises de redes
fluviais (Wang; Yin, 1998; Turcotte et al., 2001), a partição de
microbacias hidrográficas (Band, 1986) e a identificação de
unidades de relevo (Giles; Franklin, 1998), amenizam a demanda de
trabalho manual e a subjetividade dessas atividades. Esses
exemplos, embora predominem entre as aplicações de MDEs, estão
longe de esgotar as possíveis finalidades.

Muitas informações topográficas aplicadas nesses estudos podem,


atualmente, ser obtidas a partir de MDEs adquiridos por sensores
orbitais amplamente difundidos, como os dados Shuttle Radar
Topographic Mission (SRTM), recentemente disponibilizados para
toda a América do Sul. Apesar de esses dados apresentarem
limitações a uma condição ideal de uso (escala, resolução e
precisão), sua disponibilidade, associada ao baixo custo de
obtenção e de manipulação, torna a modelagem de tais bases uma
alternativa viável na aplicação de métodos paramétricos para o
estudo do terreno. Áreas cobertas com mapeamentos sistemáticos
são também beneficiadas, uma vez que a preparação do material
cartográfico para o processamento em SIG demanda mão de obra e
tempo expressivos nos custos de um projeto de pesquisa.

3.1 Preparação de Modelos


Digitais de Elevação
Um ponto-chave para a viabilidade técnica dos MDEs é sua
preparação. Há trabalhos de pesquisa voltados exclusivamente à
preparação e à avaliação de MDEs por diversos métodos, com base
em dados igualmente diversos (Valeriano, 2002b; Valeriano et al.,
2002; Reiss, 2002; Gao, 1995; Blomgren, 1999; Özdamar;
Demirhan; Özpinar, 1999, por exemplo). A princípio, a elaboração de
MDEs consiste no armazenamento de cotas altimétricas (elevação)
em arquivo digital estruturado em linhas e colunas. Nessa forma, um
levantamento hipotético de cotas (z) numa malha regular poderia ser
digitado numa matriz (x, y, colunas e linhas) e o arquivo assim
armazenado poderia representar um MDE. Porém, grande parte dos
estudos com MDEs foi desenvolvida com dados que provêm de
mapeamentos sistemáticos, realizados com técnicas de
aerofotogrametria ou, quando muito detalhados, com teodolito e
trena. Os dados altimétricos representados nos mapas, geralmente
curvas de nível, são inseridos em meio digital e devidamente
preparados para armazenamento na forma de MDEs. Em fase
relativamente recente, foram desenvolvidos sistemas sensores
capazes de realizar levantamentos topográficos diretamente para o
meio digital, o que elimina a fase de digitalização.
3.1.1 Modelos formados a partir de curvas
de nível
Embora existam MDEs de origens diversas, as curvas de nível
constituem uma importante fonte de dados para sua construção.
Essencialmente, esse processo consiste na digitalização dos dados
topográficos e sua posterior interpolação, quando as altitudes são
estimadas ponto a ponto de uma grade regular, para seu
armazenamento.

As curvas de nível digitalizadas constituem-se de pontos conectados


por linhas. Embora o formato vetor compreenda feições lineares,
somente os pontos assinalados com o traçador (mouse) da mesa
digitalizadora registram os atributos x, y (posição) e z (valor da
variável). A digitalização automática tem o mesmo efeito, apenas
diferindo pela distribuição mais uniforme dos pontos armazenados,
enquanto manualmente se pode concentrá-los em locais onde se
deseja maior detalhamento. Os valores desses pontos são os dados
aplicados nas operações necessárias à interpolação (Fig. 3.1).
Fig. 3.1 Distribuição de pontos na digitalização manual e na automática das
curvas de nível

Dado um conjunto de pontos de elevação (altitude) conhecida, a


inserção da topografia em SIG ocorre por meio da interpolação
destes para a formação de um plano de informação estruturado em
uma grade regular (Fig. 3.2). Esse processo conta com uma série de
recursos diferentes, respondendo cada tipo de interpolador por
vantagens e desvantagens.

Em virtude das pequenas diferenças de exatidão encontradas entre


as elevações estimadas por um método ou outro de interpolação,
Kubik e Botman (1976) consideraram que outros critérios, como
facilidade e velocidade computacional, deveriam nortear a escolha
do método. Östman (1987), por sua vez, sugere que a qualidade
dos MDEs seja avaliada com base em atributos derivados, como
declividade e curvatura, a exemplo do que fizeram Giles e Franklin
(1998), que compararam resultados de declividade para testar
MDEs. Outros lidam com a extração de informações sob variadas
condições de preparo do MDE (Thompson; Bell; Butler, 2001;
Valeriano, 2002c), para o dimensionamento de demandas técnicas,
aplicadas em pré-processamento, necessárias para sua utilização
adequada.

Tais pontos de vista abrangem melhor o conceito de qualidade do


MDE sob uma perspectiva funcional, pois as variáveis derivadas
estão mais próximas das aplicações da informação topográfica do
que os próprios níveis altimétricos. Ressalta-se que os critérios
aventados por Kubik e Botman (1976) são aceleradamente
superados com os avanços tecnológicos na área de informática, e
que a qualidade das variáveis de interesse deve ser priorizada.
Assim, sugerimos que diferentes planos topográficos possam ser
armazenados, com diferentes metodologias de elaboração, para o
atendimento de finalidades diferenciadas, com demandas técnicas
específicas. É recomendável, portanto, que se avaliem os MDEs
com base na visualização de transectos, histogramas da altitude e
da declividade.

Fig. 3.2 Curvas de nível digitalizadas e o correspondente MDE


A observação de representações em relevo sombreado é
particularmente interessante, nesse sentido, por expressar a
aparência do relevo em função dos ângulos de exposição (zenital,
declividade e azimutal, orientação de vertentes), implicitamente,
revelando de imediato a qualidade do modelo para essas
derivações.

Na Fig. 3.3 são apresentados testes de diferentes interpoladores


sob uma forma de representação (Azimute, Drenagem e Divisores -
ADD) desenvolvida especialmente para avaliação visual de MDEs.
O processo ADD sobrepõe uma extração automática de talvegues
(azul) e divisores de água (ocre) à imagem de orientação das
vertentes, que é, por sua vez, codificada em tonalidades graduando
de escuras (na direção sul) a claras (na direção norte), o que
favorece a sensação de tridimensionalidade dos MDEs.

Pelo teste apresentado na Fig. 3.3, observa-se que os modelos


formados por krigagem, um interpolador inexato, expressaram
melhor as formas do relevo em relação a outros interpoladores
exatos (Inverso do Quadrado da Distância – IQD – e linear). A
interpolação linear forma uma superfície composta por faces planas
e arestas, impedindo a caracterização da curvatura do terreno.
Como talvegues desse modelo, resultam segmentos desconexos e
retilíneos na base de cada face, não se configurando, assim, uma
estrutura de drenagem coerente. Observa-se o mesmo efeito quanto
aos divisores de água. Nas áreas internas à curva de uma mesma
isolinha, formam-se patamares (conforme evidenciado no transecto
sobre interpolação linear) inexistentes no relevo representado. O
interpolador IQD, por sua vez, produziu um grande número de
artefatos em torno de todos os dados de entrada. Os efeitos
observados têm relação direta com as variáveis extraídas desses
modelos (Valeriano, 2002b).
Fig. 3.3 Superfícies obtidas com diferentes interpoladores. Setor da serra do Mar,
Ubatuba, SP

A krigagem é um interpolador que calcula a cota de um ponto de


interesse pela média ponderada das amostras de sua vizinhança,
distribuindo os pesos de acordo com a variabilidade espacial, que é,
por sua vez, determinada por meio de análise geoestatística. Essa
análise fornece coeficientes que descrevem a variabilidade espacial
do conjunto analisado, expressa em curvas de semivariogramas. Os
coeficientes determinam a distância de dependência espacial
(alcance), o grau de decaimento do peso atribuído às amostras
(escala de variância) e o grau de aleatoriedade (efeito pepita). Na
operação da krigagem, os coeficientes do semivariograma são
fornecidos, para controle da interpolação, com o conjunto de
amostras. A cada ponto calculado, amostras dentro de um raio de
busca são ponderadas de acordo com a função de sua distância em
relação ao ponto calculado. Para uma compreensão mais
aprofundada da geoestatística e da krigagem, sugere-se a leitura de
Isaaks e Srivastava (1989) e Landim (2003).

A krigagem apresenta vantagens para derivações do MDE, em


detrimento da amplitude do relevo, ligeiramente reduzida (Fig. 3.4),
em função de dois mecanismos: a inclusão de um número de
amostras no cômputo das novas cotas e o efeito pepita. Enquanto o
primeiro mecanismo depende de uma decisão arbitrária (raio de
busca), o segundo advém de um dos coeficientes de entrada da
krigagem, o efeito pepita, cujo valor está associado à aleatoriedade
espacial da variável analisada. Quanto maior for a aleatoriedade
(efeito pepita) aplicada na krigagem, maior será o efeito local de
suavização em função das amostras na vizinhança (Fig. 3.3).
Consequentemente, para as aplicações estritamente dependentes
dos níveis altimétricos dos divisores de água e dos canais de
drenagem (como cenários de inundação, por exemplo), modelos
elaborados com interpoladores exatos seriam mais adequados
(linear ou outros, desde que se preservem as cotas altimétricas
originais).

Dos aspectos da qualidade da informação topográfica, a exatidão


altimétrica absoluta é o menos exigido em grande parte das
aplicações dos MDEs em estudos do relevo, com exceção dos
relacionados à inundação e outras questões hidrológicas. Para
esses estudos, não consideramos adequado o uso de
levantamentos indiretos em produtos cartográficos e dados de
sensores remotos, bem como as simplificações adotadas quando se
trabalha em SIG. Outro uso direto da altimetria é no mapeamento da
temperatura, que, devido à relação aproximada de 1˚C para cada
200 m, não requer grande exatidão. A utilização de modelos digitais
de elevação recai principalmente sobre a obtenção de variáveis
derivadas da altimetria (declividade é o exemplo mais frequente).
Fig. 3.4 Deslocamentos verticais e horizontais resultantes da inclusão da
aleatoriedade num transecto. Área de Ubatuba, SP

A obtenção dessas variáveis é feita principalmente com operações


de vizinhança (como declividade, orientação e curvatura) e, em
alguns casos, funções de conectividade (como comprimento de
rampa e área de captação), que requerem perceptibilidade das
feições de interesse, altamente afetada pela resolução e precisão
dos dados. Estudos com dados topográficos medidos a partir de
levantamentos diretos mostraram a dependência da qualidade dos
resultados em relação à resolução espacial do modelo. Por
exemplo, sobre dados advindos de levantamentos na escala
1:10.000, a declividade obtida a partir de MDEs com resoluções de
20 m, 40 m, 100 m e 200 m resultou em coeficientes de
determinação (r2) decrescentes em relação aos resultados medidos
(Fig. 3.5).
Fig. 3.5 Efeitos da resolução espacial sobre a declividade obtida em SIG:
dispersão dos resultados experimentais e redução da declividade máxima
estimada. Dados das cartas topográficas (IGC) 1:10.000, equidistância vertical de
5 m, folhas: córrego São Joaquim, SF-23-Y-A-I-2-NE-D; bairro Barrocão, SF-23-Y-
A-II-1-NO-C; e bairro da Saúde, SF-23-Y-A-II-1-NO-E
Fonte: adaptado de Valeriano (2002c).

Assim como a resolução adotada, todas as características advindas


da construção do MDE (métodos e especificações de entrada), bem
como os processos aplicados a ele, afetam o desempenho das
análises realizadas posteriormente. Entre os recursos dos diversos
SIG e programas associados, encontram-se diferentes alternativas
para a construção do MDE, cabendo ao usuário conhecer e
dimensionar as limitações e potencialidades na definição da
metodologia mais adequada ao seu objetivo.

3.1.2 Modelos digitais de elevação com


dados SRTM
O projeto SRTM advém de cooperação entre a Nasa e a National
Imagery and Mapping Agency (Nima), do Departamento de Defesa
(DOD) dos Estados Unidos e das agências espaciais da Alemanha e
da Itália. O sobrevoo da SRTM ocorreu no período de 11 a 22 de
fevereiro de 2000, durante o qual foram percorridas 16 órbitas por
dia, num total de 176 órbitas. O sobrevoo foi concluído com a coleta
de 12 TB de dados, que cobriu 80% da área terrestre do planeta,
entre latitudes 60˚ N e 56˚ S. O processamento dos dados coletados
visou à formação de um MDE mundial, elaborado por continente,
iniciado com a América do Norte. À conclusão de cada continente,
seguiu-se o envio dos dados ao Nima, onde foram editados,
verificados e ajustados aos padrões norte-americanos de exatidão
de mapas (National Map Accuracy Standards). Esses mapas foram
então devolvidos à Nasa para distribuição pública por meio da
USGS (United States Geological Survey). Os MDEs para os Estados
Unidos foram gerados sob resolução de 30 m (a rigor, em
coordenadas geográficas, como 1 arco segundo, ou 1’’, ou ainda
0,000277˚), e de 90 m (a rigor, 3’’ ou 0,000833˚) para o resto do
mundo. O datum e o elipsotide de referência são WGS84, com
dados de z em metros inteiros. Desde agosto de 2003, os dados
SRTM da América do Sul estão disponíveis, com acesso livre na
rede mundial de computadores.

Uma análise preliminar dos dados SRTM (Valeriano, 2004) mostrou


uma série de características indesejáveis, além daquelas
informadas pelo fornecedor. Observou-se que falhas negativas
(vórtices) estão representadas por cotas negativas (-8388607 m).
Tais artefatos são facilmente reconhecíveis nas imagens, porém,
devido ao elevado módulo desse valor, sua remoção requer
operações cuidadosas, para que não se contaminem as
informações válidas. Técnicas expeditas para contornar esse
problema, tais como filtragens, não o eliminam, mas ampliam sua
área de influência e modificam indesejavelmente os dados válidos.
Outra peculiaridade indesejável do sensor utilizado nessa missão é
sua sensibilidade a quaisquer objetos presentes sobre a superfície
do terreno, tais como antenas, edificações e mesmo variações da
cobertura vegetal. Este último efeito representa um limite à precisão
altimétrica dos dados gerados por esse tipo de sensor,
especialmente em áreas florestadas em que o relevo tem amplitude
relativamente pequena, como é o caso da Amazônia (Valeriano et
al., 2006).

A Fig. 3.6 apresenta a mudança de resolução dos dados SRTM sob


dois métodos diferentes de interpolação: linear e krigagem. A
interpolação linear realçou feições de alta frequência, a exemplo das
edificações da área urbana (à direita da imagem, Fig. 3.6), à medida
que se progrediu a resolução de 90 m para 25 m. Ao mesmo tempo,
houve uma relativa melhora na definição das feições de relevo,
imperceptíveis nos dados originais.

Por sua vez, a krigagem causou uma redução das feições de alta
frequência, uniforme ao longo da progressão de 90 m a 25 m.
Embora persista o efeito de objetos terrestres em proporção à sua
altura e concentração, a suavização do relevo reduziu as mudanças
abruptas de altitude, as quais resultam em picos locais, quando
aplicado o cálculo de declividade. A inclusão de tais objetos no
modelo atrapalha a percepção da superfície do terreno em si, como
conviria à obtenção de informações de cunho topográfico. Filtragens
causam ao usuário a impressão visual de minimizar esses efeitos,
porém, filtros (média, passa-baixa) não discriminam artefatos de
feições reais, suavizando todo o relevo indistintamente.
Fig. 3.6 Detalhe do relevo sombreado (elevação solar 45˚ a NW) dos modelos de
dados SRTM originais e tratados com interpolação linear e krigagem sob
diferentes resoluções. Área do Banhado, município de São José dos Campos, SP

Estudos anteriores comprovam, por exemplo, que suavizações


desnecessárias do MDE prejudicam o desempenho de algoritmos
de declividade (Valeriano, 2002c). Outras melhorias importantes
para a aplicação de processos digitais, observadas nos modelos
SRTM krigados, foram a definição da rede de drenagem em áreas
onde esta se apresenta sob alta densidade (Fig. 3.7) em canais
livres de artefatos, uma sensível melhoria nas curvas de nível
geradas sobre o modelo (Fig. 3.8), além da citada eliminação de
pequenos objetos.
Fig. 3.7 Relevo sombreado de modelos de elevação gerados com dados SRTM
originais (A) e tratados com krigagem (B) sobre área de alta densidade de
drenagem. Área da bacia Amazônica localizada no Peru
Fig. 3.8 Relevo sombreado de modelos de elevação gerados com dados SRTM
originais (A) e tratados com krigagem (B) em relevo suave ondulado (municípios
de Ribeirão Preto e Cravinhos, SP)

3.1.3 Correlação de dados SRTM com dados


cartográficos
Em razão dos ganhos de qualidade visual dos modelos, quando
tratados com técnicas geoestatísticas, técnicas digitais de
manipulação da informação topográfica foram testadas. Na Fig. 3.9
estão os resultados da área de Ubatuba-SP, obtidos por meio de
dados SRTM e de dados digitalizados de cartas topográficas na
escala de 1:50.000, elaboradas pelo Instituto Geográfico e
Cartográfico (IGC). Os mapas de altimetria, declividade e orientação
de vertentes foram obtidos com os mesmos processos e formas de
apresentação, após a conversão de coordenadas do modelo SRTM
de lat/long para UTM. Entre as simplificações adotadas nesse teste,
ressalta-se que não foram observadas as diferenças de datum
vertical e horizontal entre as fontes de dados, além de ter sido
necessário um pequeno deslocamento sobre o modelo SRTM após
sua preparação, para a perfeita sobreposição das feições
evidenciadas pelo processo ADD.

As diferenças na variável altimetria são praticamente imperceptíveis


quando comparamos as imagens na forma de níveis de cinza (Fig.
3.9 – Altitude). Quanto maior a amplitude altimétrica da área
observada, maior a probabilidade de que as diferenças na
informação topográfica entre um e outro modelo ocorram dentro de
uma mesma faixa de percepção do brilho. Para a comparação entre
mapas dessa variável, a análise de dispersão (Fig. 3.10) mostra-se
uma abordagem muito mais esclarecedora do ponto de vista
numérico. O coeficiente angular da equação de regressão,
associado ao coeficiente de regressão (ambos muito próximos a
1,0), indica que a altimetria do modelo SRTM guarda alta correlação
com aquela registrada pelo IGC em cartas 1:50.000. A diferença
sistemática, dada pelo coeficiente linear de 13,6 m, corresponde à
diferença local de datum vertical (IGC: marégrafo de Imbituba;
SRTM: WGS84).
Fig. 3.9 Dados do IGC 1:50.000 (esquerda) e dados SRTM (direita), com
resolução de 20 m. Área de Ubatuba, SP

Fig. 3.10 Dispersão dos resultados morfométricos entre dados SRTM e de


cartografia (IGC-1:50.000). MDE com resolução de 20 m. Área de Ubatuba, SP

A declividade permite realizar um teste mais rigoroso, pela


capacidade dos cálculos derivativos de evidenciar estruturas que se
apresentam sutis na variável de primeira ordem (i.e., altimetria). Na
forma apresentada (Fig. 3.9 – Declividade), as classes de
declividade mostram pouca diferença em sua distribuição geral. Mas
há ao menos duas fontes principais de diferenças, responsáveis
pela dispersão da declividade (Fig. 3.10), que são as diferenças de
resolução (horizontal e vertical) e o próprio desempenho do
algoritmo de declividade, que varia em razão de características do
MDE.

No primeiro caso, o registro de manchas detalhadas de classes de


declividade dos dados SRTM (Fig. 3.9 - Declividade) está limitado
ao detalhamento possível sob uma resolução original de 90 m
(apesar do modelo elaborado sob resolução de 20 m),
principalmente nas classes mais íngremes. A resolução vertical dos
dados corresponde a uma vantagem inversa, pois os dados SRTM
permitem o registro de variações (1 m) que ocorrem dentro de um
mesmo intervalo de equidistância vertical. Desse modo, esse efeito
atua no cálculo da declividade em áreas planas a partir de curvas de
nível. No caso da planície litorânea, a declividade foi mais bem
estimada com os dados SRTM do que com curvas de nível.
Ao contrário desses condicionantes intrínsecos, o desempenho do
algoritmo de declividade pode ser modificado por meio de
adaptações do programa em questão (Valeriano, 2002a), de modo
que o resultado sobre o modelo SRTM seja o mais próximo possível
daqueles obtidos com maior controle.

A orientação de vertentes (Fig. 3.9 – Orientação de vertentes) é a


variável mais sensível a diferenças de resolução e escala dos dados
que compõem os modelos. No entanto, a visualização do produto
ADD não mostra diferenças muito expressivas entre os modelos. No
modelo feito com dados IGC, observa-se um número maior de
canais de drenagem evidenciados nas partes mais inclinadas. Por
outro lado, a falta de curvas de nível em áreas de baixa amplitude,
como a planície litorânea, impede completamente de evidenciar a
estrutura de drenagem nessa área. O diagrama (Fig. 3.10)
apresenta uma grande dispersão da orientação de vertentes. Apesar
de o coeficiente de determinação estar subestimado, devido ao fato
de a orientação ser uma variável circular, este pode ainda ser
considerado alto, em comparação com a relação entre dados
medidos manualmente (no mapa) e processados digitalmente em
SIG.

A Fig. 3.11 possibilita comparar a visualização ADD do modelo


SRTM (resolução de 1 arc./seg ou ∼28 m) com um MDE obtido de
curvas de nível na escala 1:10.000 (resolução de 20 m), de uma
microbacia com uso agrícola do Estado de São Paulo.

A comparação entre os dois modelos permitiu verificar que nesse


tipo de relevo houve poucas perdas em termos de canais de
drenagem e divisores de água evidenciados com os dados SRTM. A
possibilidade de uso dos dados SRTM para geoprocessamento de
dados topográficos em escalas em torno de 1:25.000 representa
uma importante perspectiva em aplicações de levantamentos do
meio físico para diagnósticos e planejamento de manejo e uso do
solo. Deve-se considerar essa perspectiva restrita, porém, a
aplicações em ambientes agrícolas, cuja distribuição concentra-se
preferencialmente em áreas de relevo plano.
Fig. 3.11 Microbacia do córrego São Joaquim (ADD). MDE formado a partir de
dados topográficos IPT 1:10.000 (A) e SRTM (B), com resolução de 20 m

3.2 Extração Automática de


Variáveis Morfométricas
3.2.1 Declividade (S)
A declividade é o ângulo de inclinação da superfície local em
relação ao plano horizontal. Pode ser expressa em graus ou em
porcentagem. A Fig. 3.12 esquematiza a principal ação da
declividade sobre o equilíbrio entre escoamento superficial e
infiltração da água no solo. Pode-se dizer que todos os métodos de
análise territorial, baseados em modelagem numérica do meio físico
ou em decisões lógicas, lidam com a variável declividade. A
medição manual da declividade sobre mapas com curvas de nível é
um trabalho cansativo, demorado e sujeito a erros (Fig. 3.13);
porém, o desempenho dos programas que geram PI de declividade
automaticamente necessita ser avaliado.

O processamento automático no SIG dos dados topográficos para a


geração do PI de declividade é feito por meio de janelas móveis,
explorando-se a função de derivação na vizinhança de cada célula
(Valenzuela, 1991) para toda a área de interesse. Os sistemas
atuais permitem uma série de opções para o cálculo da declividade,
podendo-se, também, estabelecer uma formulação de cálculo
próprio, elaborado pelo usuário (Eastman, 1995).

Fig. 3.12 Ação da declividade sobre a hidrologia de superfície


Fig. 3.13 Medida da declividade em carta e em campo

3.2.2 Orientação de vertentes


A orientação de vertentes é uma medida de ângulo horizontal da
direção esperada do escoamento superficial, geralmente expressa
em azimute, isto é, em relação ao Norte geográfico, onde o valor é
0˚ (ou 360˚), crescendo dessa direção, no sentido horário.
Corresponde à direção azimutal do vetor cujo módulo é a
declividade. Na carta, é dada pela direção transversal da isolinha
local, no sentido descendente (Fig. 3.14). Em campo, é obtida com
observação do declive no local utilizando-se uma bússola ou
equivalente. Em relevos planos, sua determinação é difícil e até
mesmo sem significado, uma vez que, nessa situação, o módulo da
declividade (gradiente) é nulo ou quase nulo. Tomando-se uma
malha de observações em uma vertente, o alinhamento de pontos
em orientações próximas entre si determina as chamadas linhas de
fluxo, que constituem os elementos básicos da estrutura da
hidrologia superficial de uma microbacia.

Quanto maior a latitude, maior a influência da orientação de


vertentes no regime térmico (e hídrico, consequentemente), por
causa da incidência de energia solar, maior nas vertentes orientadas
ao Norte do que ao Sul. Em regiões de clima temperado, tal
mecanismo atua na distribuição de culturas agrícolas e no valor de
terras, o que faz da orientação de vertentes uma variável de
significado relevante no planejamento territorial.
Fig. 3.14 Orientação de vertentes baseada em curvas de nível

3.2.3 Comprimento de rampa (L)


O comprimento de rampa tem importante influência sobre o
comportamento do escoamento superficial, determinando a
velocidade do fluxo e o seu grau de confluência (Fig. 3.15). A
capacidade de remoção e de transporte de partículas do solo pelo
escoamento superficial está, portanto, diretamente ligada ao
comprimento de rampa.
Fig. 3.15 Ação do comprimento de rampa sobre a hidrologia de superfície

Vários autores estudaram a relação entre o fator topográfico e as


variáveis declividade e comprimento de rampa, para o
estabelecimento de funções polinomiais de diferentes expoentes
para L e para S, em razão da agressividade das condições
climáticas de cada local de estudo (Zachar, 1982). Bertoni e
Lombardi (1992) obtiveram a seguinte expressão para o efeito
simultâneo de L e S, conforme a Equação Universal de Perda de
Solos (EUPS), nas condições do Estado de São Paulo:
A medida do comprimento de rampa em carta ou em campo é
relativamente simples, embora muito trabalhosa quando aplicada a
mapeamento em microbacias (Fig. 3.16). Os trabalhos de
modelagem da perda de solos em microbacias por
geoprocessamento usam frequentemente um valor único de
comprimento de rampa, calculado com base na densidade de
drenagem (Molnár; Julien, 1998), ou a inserção em SIG dos dados
levantados manualmente por análise cartográfica (Ferrari; Hiruma,
1996). Recentemente têm sido apresentadas técnicas digitais para o
mapeamento do comprimento de rampa (Desmet; Govers, 1996;
Rocha; Lombardi Neto; Barcelar, 1996; Valeriano, 1999; Kinnel,
2001) a partir do MDE.

Fig. 3.16 Medidas de comprimento de rampa em campo e em carta topográfica

3.2.4 Curvatura vertical


Os estudos de compartimentação da topografia apontam a curvatura
vertical das vertentes como uma das variáveis de alto poder de
identificação de unidades homogêneas do relevo (Doornkamp; King,
1971). A curvatura vertical refere-se à forma convexo/côncavo do
terreno, quando analisado em perfil. Essa variá- vel está relacionada
aos processos de migração e acúmulo de água, minerais e matéria
orgânica no solo através da superfície, causados pela gravidade. A
ação da curvatura decorre da combinação dos efeitos isolados da
declividade e do comprimento de rampa (Fig. 3.17). Associada à
orientação de vertentes, a curvatura vertical desempenha papel
importante na evapotranspiração e, consequentemente, no balanço
hídrico.

A percepção da curvatura vertical do terreno no campo, quando não


ocorre visualmente (em perfil), se dá pela variação da declividade
enquanto se percorre a vertente em sua orientação (direção do
desnível). A medição da curvatura vertical em cartas topográficas
requer a leitura de pelo menos três curvas de nível adjacentes e,
analogamente à percepção no terreno, é indicada pela aproximação
ou pelo afastamento das curvas de nível na orientação das
vertentes (Fig. 3.18). Obviamente, a medição em cartas topográficas
não é um trabalho fácil, limitado pela precisão necessária ao registro
de variações submilimétricas nas distâncias horizontais entre
isolinhas. Além disso, como no cálculo de declividade, a precisão é
tanto mais exigida quanto maior for o detalhamento das feições
presentes no terreno.

A curvatura vertical pode ser expressa em uma medida de (ou


variação de) ângulo, por meio de uma distância horizontal – graus
por metro, por exemplo. Uma alternativa a essa unidade é a
conversão dos graus/metros em raio de curvatura (distância
correspondente a uma variação de 90˚), resultando numa medida
em metros. Quando se operam da mesma forma dados de vertentes
côncavas ou convexas, obtém-se, com o valor da curvatura em
módulo, o sinal (positivo ou negativo) indicador do sentido da
curvatura (convexas ou côncavas).
Fig. 3.17 Ação da curvatura vertical sobre a hidrologia de superfície

Fig. 3.18 Expressão da curvatura vertical em curvas de nível


3.2.5 Curvatura horizontal (kh)
A curvatura horizontal refere-se ao caráter divergente/convergente
dos fluxos de matéria sobre o terreno, quando analisado em
projeção horizontal. Essa variável está relacionada à intensidade
dos processos de migração e acúmulo de água, minerais e matéria
orgânica no solo através da superfície, causados pela gravidade.
Analogamente à curvatura vertical, desempenha papel importante
sobre o balanço hídrico e o equilíbrio entre os processos de
pedogênese e morfogênese. Como medida de concentração do
escoamento superficial, é uma variável importante também para a
compreensão de problemas urbanos ligados ao posicionamento de
estruturas de drenagem e mapeamento das possíveis áreas de
alagamento.

A percepção da curvatura horizontal é feita através das direções de


declive (denominadas linhas de fluxo) adjacentes, conforme
exemplificado na Fig. 3.19. As áreas em que essas linhas estão
paralelas têm curvatura horizontal nula, e se diz que o terreno é
planar. Áreas com linhas de fluxo indicando convergência e
divergência têm curvaturas não nulas com sinais opostos.
Analogamente à curvatura vertical, a curvatura horizontal pode ser
expressa tanto em ângulo por distância (graus por metro, por
exemplo) como em raio de curvatura (metros).
Fig. 3.19 Expressão da curvatura horizontal em curvas de nível

Note-se que dificilmente temos curvatura horizontal (ou mesmo


vertical) exatamente nula (linhas de fluxo exatamente paralelas, no
caso da curvatura horizontal), o que faz com que uma margem de
tolerância seja desejável para a determinação de áreas planares (e
retilíneas).

As curvaturas horizontais e verticais combinadas representam uma


caracterização das formas do terreno, às quais se associam
propriedades hidrológicas e de transporte de sólidos, diretamente, e
pedológicas, ecológicas, além de uma série de outros aspectos,
indiretamente (Fig. 3.20). Os casos extremos de combinações de
curvatura do terreno são representados pela forma côncavo-
convergente (máxima concentração e acúmulo do escoamento) e
pela forma convexa-divergente (máxima dispersão do escoamento).
As combinações intermediárias têm características hidrológicas
mais dependentes das relações entre as intensidades (módulos) dos
efeitos individuais.
Fig. 3.20 Combinação das curvaturas para caracterização das formas de terreno
Fonte: adaptado de Dikau (1990).

3.2.6 Área de captação


A área de captação de um determinado ponto do terreno
corresponde a toda área capaz de fornecer escoamento a esse local
(Fig. 3.21). Corresponde ao acúmulo de todas as linhas de fluxo que
passam por esse ponto, por isso chamado também de fluxo
acumulado. Essa variável, em analogia ao comprimento de rampa,
indica o grau de confluência do escoamento, e difere deste por
avaliar esse efeito em duas dimensões (área), em vez de uma
(distância).

A área de captação é uma variável de complexa obtenção, manual


ou computacional, uma vez que reúne características do
comprimento de rampa (conexão com divisores de água a
montante) e da curvatura horizontal (confluência/divergência das
linhas de fluxo). Poucos SIG oferecem seu pronto mapeamento
entre seus recursos. Na Fig. 3.21, observam-se os pontos A, B, C e
D em áreas de curvatura horizontal convergente, determinando para
esses pontos uma grande abertura angular a montante. O ponto C,
por exemplo, localiza-se num canal de drenagem, o que lhe confere
uma área de captação relativamente grande para o comprimento de
rampa em que se encontra. Ao contrário, os pontos E, F e G
encontram-se em áreas de divergência; portanto, com menores
áreas de captação em relação a seus comprimentos de rampa.

Fig. 3.21 Expressão da área de captação em curvas de nível

3.2.7 Delineamento de canais de drenagem e


divisores de água
O delineamento de canais de drenagem e divisores de água é o
ponto de partida para o traçado de microbacias e a organização
funcional de seus elementos para modelagem da hidrologia fluvial. A
rede de drenagem é uma das mais importantes variáveis do terreno
na caracterização de tipos de rochas e solos. O padrão de
drenagem, definido pelo arranjo espacial dos canais fluviais, é
amplamente explorado na definição de zonas homólogas em
estudos do meio físico. As técnicas de extração de informações da
drenagem baseiam-se em características qualitativas (forma ou
tipologias) e quantitativas (ordem de ramificação, distribuição,
densidade e frequência).

Os canais de drenagem podem ser descritos sob diferentes


aspectos e formas, nas quais se apoiam os diferentes métodos para
seu levantamento a partir do relevo. Como critério para a
identificação desses canais, pode-se adotar um nível mínimo de
convergência (curvatura horizontal) ou de área de captação (fluxo
acumulado). De forma mais simples, o canal de drenagem pode ser
determinado por todos os pontos de mínimo em seções transversais
dos vales (baseado na segunda derivação da altimetria, Fig. 3.22),
ou ainda por todos os pontos cuja vizinhança contém uma única
direção indicando altitude abaixo da cota local. De modo mais
sofisticado, é possível, por exemplo, traçar os canais de drenagem
por programas inteligentes que simulam o movimento da água na
superfície.
Fig. 3.22 Delineamento de canais de drenagem e divisores de água baseado em
seções transversais
Fonte: adaptado de Valeriano et al. (2006).

Embora não formem obrigatoriamente redes funcionais como a


drenagem, os divisores de água podem ser delineados com as
mesmas técnicas, considerando que têm relação inversa com os
canais de drenagem. Desse modo, é possível formar planos de
informação com ambas as feições, para partição de microbacias
hidrográficas e posterior caracterização de seus aspectos de
hidrologia fluvial. Na Fig. 3.23, os divisores de água e canais de
drenagem (obtidos por derivação) estão sobrepostos a uma
representação da orientação de vertentes, no processo aqui referido
por ADD.
Fig. 3.23 ADD - Divisores de água, canais de drenagem e orientação de vertentes
para o traçado de microbacias

3.3 Aplicação de Análise


Morfométrica com SIG
Na Fig. 3.24, são apresentados um MDE, elaborado com base em
dados SRTM, e suas principais derivações (variáveis morfométricas)
locais básicas. A codificação em níveis de cinza é a forma mais
simples de representação do MDE. Como esses níveis são
distribuídos conforme uma escala, que se ajusta à amplitude dos
valores dentro de uma mesma imagem, a codificação não é
uniforme e, frequentemente, diferenças importantes de cota são
obscurecidas dentro das faixas de percepção do brilho. Nesse
sentido, o relevo sombreado oferece mais possibilidades de
interpretação, permitindo até inferências qualitativas sobre
declividade, curvaturas e rugosidade do terreno. Por exemplo, a
vantagem do relevo sombreado aparece prontamente quando se
deseja traçar os canais de drenagem, que ficam em algum lugar nas
faixas mais escuras do MDE em nível de cinza.

As derivações acrescentam a cada ponto, ou pixel, mais atributos


numéricos, trazendo por si mais dados para análises do relevo e
oferecendo mais elementos para a interpretação visual, quando
apropriadamente representadas. Assim, é notável a facilidade de se
traçar canais de drenagem e divisores de água a partir da
observação da orientação de vertentes ou da curvatura horizontal.
Por sua vez, a declividade evidencia a transição de estratos
altimétricos e sugere uma percepção das curvaturas do terreno.
Dessas derivações básicas, a curvatura vertical é aquela que
apresenta maior potencial de segmentação do terreno em unidades
homogêneas. A partir dessas variáveis, pode-se chegar ao conjunto
apresentado na Fig. 3.25.

O tratamento do MDE pode ser dirigido à produção de mapas


qualitativos, por meio de uma maior elaboração das derivadas
básicas, realizada com a prática de combinações, interpretação e
síntese (Fig. 3.25). O delineamento de microbacias é
significantemente favorecido pelo processo ADD, que, em essência,
é uma sobreposição de fatiamentos criteriosos da curvatura
horizontal (para realce da drenagem e dos divisores de água) a
classes de orientação de vertentes. As feições de drenagem e
divisores de água, convertidas em vetores (via processos
automáticos ou manuais), são alvo de análises clássicas do terreno
em que se busca a delimitação de zonas homólogas para fins de
mapeamento geológico, geomorfológico e pedológico. Depois de
vetorizados, torna-se viável a caracterização de cada segmento em
diferentes atributos, armazenados, por sua vez, em banco de dados,
para análises da geomorfologia fluvial por recursos digitais.

A transformação de valores de curvatura vertical e horizontal em


classes de terreno é uma operação de fatiamento semelhante à
classificação de terrenos em classes de declive para planejamento
territorial, por exemplo. Uma vez que os limites dos intervalos
dessas classes são arbitrários, seu estabelecimento deve obedecer
a alguma razão prática. Os limites das classes (cinco) de curvaturas
apresentados na Fig. 3.25 foram estabelecidos empiricamente, de
modo que os mapas produzidos em diferentes áreas se mostrassem
coerentes com descrições geomorfológicas encontradas na
literatura. A combinação cruzada das curvaturas fatiadas em três
classes resultou no mapa de formas do terreno. Além de a
segmentação do terreno em polígonos interessar à abordagem
digital, por permitir tratamentos diferentes e controle dos processos
analíticos de acordo com a classe de terreno local, esses mapas
qualitativos são muito interessantes para o intérprete no estudo do
relevo.
Fig. 3.24 Representações do MDE e suas variáveis locais básicas. Microbacia
pertencente à bacia do rio Grande, município de Frutal, MG

Na análise digital dessas variáveis, podemos considerar duas


abordagens: 1) as informações são analisadas localmente, a cada
pixel, independentemente do contexto de vizinhança ou topologia; 2)
há uma delimitação da área em polígonos (segmentos), dentro dos
quais se deseja caracterizar o conjunto de pixels que os compõem;
portanto, estuda-se a distribuição das variáveis entre as diferentes
populações. No primeiro caso, as análises podem ser conduzidas do
mesmo modo que se tratam imagens multiespectrais, numa
abordagem essencialmente matricial, ou raster. No segundo caso, a
abordagem vetorial, com apoio de banco de dados, torna-se
interessante pela multiplicidade de recursos de gerenciadores de
bancos de dados (como DBase e Access), além do próprio caráter
regional da análise, quando assim realizada.

Fig. 3.25 Informações geradas a partir das variáveis locais básicas do MDE

Considerando-se a uniformidade das especificações dos dados


SRTM, abre-se uma interessante perspectiva para as análises
conduzidas em caráter local, por meio de recursos de tratamento de
imagens multiespectrais. Uma vez que esses recursos foram
designados à sua aplicação em arquivos sob formato específico
(byte e binário), é possível converter os diferentes planos de
informação morfométrica em arquivos passíveis de processamento
de imagens. Embora cada especialista prefira que a amplitude de
condições de sua área de estudo ocupe a máxima extensão dos
valores no novo formato, a uniformidade dos dados SRTM permite
que essa conversão seja feita de forma padronizada para todo o
território nacional, por exemplo. A principal vantagem é a
manutenção da uniformidade dos dados topográficos após essa
transformação, condição necessária para estudos comparativos
entre áreas distintas. Outro aspecto interessante nessa
padronização é que, em analogia às imagens multiespectrais,
métodos, parâmetros e técnicas possam ser estabelecidos de modo
definitivo para diferentes condições de terreno. Basta que os valores
extremos observados na diversidade de condições de todo o
conjunto sejam aplicados na transformação linear (para o intervalo
de 0 a 255), independentemente dos valores observados
localmente.

Uma medida que se torna necessária para a orientação de


vertentes, variável circular, antes da conversão para byte/binário, é
sua decomposição nas componentes ortogonais seno e cosseno.
Essas componentes variam linearmente de -1 a +1 e significam,
respectivamente, “o quão para leste” e “o quão para norte” se
orienta a vertente (Fig. 3.26). Outro detalhe necessário, imposto
pela maior conveniência visual, é a inversão da declividade (nível 0
para máximo e 255 para mínimo), o que favorece a percepção do
terreno em composições coloridas, do mesmo modo que usamos
paleta invertida para essa variável (ver Fig. 3.24).
Fig. 3.26 Decomposição da orientação de vertentes nas suas componentes
ortogonais seno e cosseno

No exemplo a seguir, foram tomados valores extremos de dados


morfométricos derivados do SRTM, referentes a 12 folhas
1:250.000, procurando-se as condições mais contrastantes. Os
histogramas foram analisados, e os limites de corte para a
transformação foram tomados em função das maiores amplitudes
encontradas. Como primeiro teste de processamento de imagens
sobre esses dados, foram experimentadas diferentes composições
coloridas entre as variáveis elevação, declividade, curvatura vertical
e curvatura horizontal, além do seno e do cosseno da orientação.
Na Fig. 3.27, é apresentada a composição colorida resultante da
curvatura vertical (B), declividade (G) e elevação (R), lembrando que
os valores de declividade foram invertidos na transformação, bem
como o resultado (três classes) da aplicação de uma classificação
automática (não supervisionada, cluster) nesses três planos de
informações.

A prática de experimentações como a da Fig. 3.27 deve levar à


obtenção de composições coloridas otimizadas para as diferentes
análises do relevo, da mesma maneira que se consagraram as
composições coloridas de imagens espectrais de sistemas sensores
orbitais ópticos. Os condicionantes à percepção visual dessas
composições morfométricas seguem os mesmos princípios
colorimétricos. Nesse experimento, a classificação automática
aplicada discriminou prontamente os ambientes do topo aplainado
(em branco), das escarpas (em amarelo) e da planície aluvial (em
azul). Estas são amostras incipientes das possibilidades da análise
digital de imagens, quando aplicada sobre variáveis
geomorfométricas, cabendo ao leitor aventar toda sorte de
desenvolvimento metodológico que pode ser dirigido aos seus
interesses nesse campo.
Fig. 3.27 (A) Composição colorida da curvatura vertical (B), declividade invertida
(G) e elevação (R); (B) Resultado da classificação automática aplicada nesses
atributos

A abordagem regionalizada parte de uma segmentação da área,


que pode basear-se (direta ou indiretamente) nas próprias variáveis
geomorfométricas, como as sub-bacias representadas na Fig. 3.28.
Mapas de vegetação, de solos, municipais, enfim, a segmentação
da área pode ser feita com base em qualquer domínio, conforme a
finalidade da análise. Desse modo, cada classe de segmento (como
tipo de vegetação ou solo) pode ser caracterizada em termos da
amplitude, da média, dos valores extremos, enfim, da distribuição
populacional de suas variáveis geomorfométricas.
No exemplo da Fig. 3.28, observa-se que as sub-bacias podem ser
divididas entre aquelas que envolvem as escarpas e o topo (A, B, C
e D), e aquelas que compreendem somente a baixada (E, F, G e H),
quando comparamos com a Fig. 3.27. Observando os histogramas,
o primeiro grupo (A-D) apresenta uma distribuição bimodal na
elevação, em função da presença dos dois estratos e de menores
valores máximos de declividade, assim como de curvatura vertical.
A distribuição dessa variável indica que há uma ampla gama de
condições, dada pela presença da escarpa, que corresponde a
convexidades (no topo das escarpas) e concavidades (no sopé)
extremas. O segundo grupo (E-H) mostra-se restrito ao estrato de
menor elevação, menor declividade e sua distribuição de curvatura
indica que praticamente não há grandes convexidades (curvatura
vertical positiva), em relação às concavidades, ligeiramente mais
pronunciadas.

Quando se observam as orientações de grandes áreas que


envolvam microbacias em ordem elevada, em geral, ou quando se
estuda sua distribuição em áreas mais amplas, espera-se que a
orientação de vertentes esteja relativamente distribuída em todas as
direções. Nesses casos, uma concentração de área em
determinados ângulos é uma indicação de controle estrutural, uma
vez que vertentes devem predominar em ângulos ortogonais às
direções predominantes da drenagem. Ao contrário, a distribuição
da orientação de vertentes para áreas pequenas (como bacias de
primeira ordem) indica sua posição no contexto de uma bacia maior.
Portanto, nessa situação, as distribuições de orientação
apresentam-se concentradas em torno da orientação geral da
microbacia em questão. Isso pode ser verificado entre as sub-bacias
opostas D e E, por exemplo.

Essas informações regionalizadas podem ser convenientemente


processadas após sua estruturação em arquivos de bancos de
dados, nos quais se podem inserir outros dados obtidos por fontes e
métodos diversos. Na Tab. 3.1, estão inseridos alguns dados
correspondentes aos histogramas da Fig. 3.28, além de alguns
outros extraídos do mesmo MDE por outros meios.
Os dados estruturados à maneira da Tab. 3.1 podem ser
processados com os recursos de gerenciadores de bancos de
dados apropriados, na realização de análises matemáticas e
lógicas, em atendimento ao fluxo de estudo desejado. Assim, várias
métricas de reconhecida importância para a cartografia
geomorfológica podem ser calculadas por meio da combinação dos
dados elementares obtidos com métodos variados. Evidentemente,
o tratamento dos dados topográficos, desde sua preparação e as
primeiras derivações, deve partir da concepção de seu produto final,
desdobrando-o até a identificação das variáveis básicas que irão
subsidiar a concretização dos objetivos. Portanto, encerramos nesse
nível básico de caracterização do relevo, no pressuposto de que o
especialista de geomorfologia e das áreas correlatas tenha em
mente as demandas específicas para o atendimento de seus
interesses.
Fig. 3.28 Distribuição de frequência de variáveis morfométricas em setores do
terreno

TAB. 3.1 BANCO DE DADOS MORFOMÉTRICOS DOS SETORES APRESENTADOS


NA FIG. 3.28

Considerações Finais
A possibilidade de simular digitalmente métodos de medição de
variáveis topográficas é uma perspectiva de grande interesse no
contexto de modelagem de dados do meio físico em Sistemas de
Informação Geográfica (SIG). A inserção dessas variáveis em
estudos multidisciplinares poderá promover o desenvolvimento de
novos modelos e importantes avanços na aplicação daqueles
existentes. Tal avanço permite o uso de métodos paramétricos de
análise da paisagem, para o fornecimento de uma base mais
objetiva e padronizada para a identificação de sistemas terrestres.
Estes requerem, além da medição e do mapeamento de variáveis
do relevo, a integração com dados de outros aspectos e de variadas
fontes, para o atendimento da demanda de informações úteis (Fig.
3.29).
Se, por muito tempo, os métodos e recursos computacionais para
análise do relevo foram desenvolvidos à frente da disponibilidade de
dados, atualmente vivenciamos uma situação singular, em que o
desenvolvimento de geotecnologias encontra-se longe de esgotar o
potencial informativo dos dados topográficos existentes. A oferta de
extensos conjuntos de dados obtidos de forma padronizada, a
exemplo dos dados SRTM, representa um novo panorama, em que
se tem, no universo de condições observáveis, um farto substrato
para o desenvolvimento de métodos mais flexíveis e “universais”. A
crescente abrangência desses levantamentos sobre condições de
relevo até então desconhecidas será sempre fonte de novas
demandas para novas metodologias.

Os dados disponíveis e os recursos existentes sugerem que


entramos numa fase desprovida de desafios para a obtenção de
dados básicos para o exercício da Geomorfologia. Para a felicidade
daqueles que convivem bem com o desafio, há mais do que uma
contradição nesse pensamento. Devemos lembrar que a história da
cartografia geomorfológica remonta a eras passadas de nossa
história, muito antes do advento da computação e dos SIG.
Portanto, o que vivenciamos em nossos dias representa apenas os
primeiros impactos de toda a geotecnologia em pleno
desenvolvimento, e que muito tempo terá corrido até que esses (e
futuros) avanços estejam sedimentados. Por fim, deve-se lembrar
do prudente lema dos alpinistas, “O pico é só o meio da escalada”, e
considerar que todo esse desenvolvimento tecnológico deve voltar-
se às questões territoriais que lhe deram origem.
Fig. 3.29 Inserção da modelagem digital do terreno na análise do meio físico

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Teresa Gallotti Florenzano
CARTOGRAFIA 4

A cartografia é utilizada em Geomorfologia como meio de


representação gráfica e espacial dos objetos e fenômenos
estudados. O mapa, com respectiva legenda, expressa o resultado
da análise e interpretação geomorfológica. Ele é, ao mesmo tempo,
fonte de informação e um instrumento dela. É um instrumento de
análise e síntese.

4.1 Cartografia Geomorfológica no


Mundo
Segundo Klimaszewski (1982), o primeiro conceito de um mapa
geomorfológico (detalhado) foi apresentado por Passarge em 1914,
na forma de um Atlas Morfológico. O mapeamento geomorfológico,
como conhecido atualmente, teve início na Polônia, onde ele tem
sido utilizado, desde a década de 1950, como suporte ao
planejamento econômico (Cooke; Doornkamp, 1990). Mais
recentemente, em outros países, além de apoiar estudos teóricos da
paisagem, os mapas geomorfológicos são utilizados em
zoneamentos agrícolas, ecológicos e econômicos, como suporte ao
planejamento agrícola, urbano e regional, e na elaboração de
projetos de obras de engenharia (Gustavsson, 2006).

Até hoje não existe, no entanto, um método unificado internacional


de mapeamento geomorfológico como ocorre com as cartas
geológicas. Isso se deve à complexidade e variedade dos objetos
estudados pela Geomorfologia e à consequente dificuldade para
classificá-los. De acordo com Christofoletti (1980), os diferentes
critérios (estrutural, climático, têmporo-espacial e genético)
estabelecidos não superaram o problema lógico de classificação
para a ciência geomorfológica, e, como salienta Hayden (1986),
além dos problemas metodológicos e de conteúdo, a questão da
escala apropriada, particularmente para mapas de grandes áreas
em pequena escala, ainda não foi respondida. Cabe destacar, ainda,
a dificuldade na representação cartográfica de todas as informações
geomorfológicas e, consequentemente, na leitura dos mapas
(principalmente por parte de outros especialistas e planejadores).

Vários autores tentaram estabelecer uma classificação das formas


de relevo de acordo com suas dimensões. Tricart e Cailleux (1956)
utilizaram o critério têmporo-espacial na classificação dos
fenômenos geomorfológicos, definindo sete ordens de grandeza
taxonômica. Tricart (1965) retoma essa proposta, amplia para oito
ordens de grandeza (da divisão entre oceanos e continentes a
formas micrométricas) e enfatiza o critério escalar, em detrimento do
critério genético. Todas elas, no entanto, apresentam distorções e
dificuldade de aplicação.

Na classificação taxonômica estabelecida por Mescerjakov (1968),


verifica-se que, para as grandes unidades morfológicas (unidades
morfoestruturais), tem-se o domínio do controle estrutural, ao passo
que no nível das formas esculpidas nessas grandes unidades está o
domínio dos tipos diferenciados de morfoesculturas, que se
relacionam às condições climáticas reinantes no presente ou no
passado. Nesta, assim como nas demais classificações
geomorfológicas, verifica-se que, de um modo geral, existe uma
influência endógena (estrutural) nas unidades de maior dimensão e
exógena (morfoclimática) nas de menor dimensão.

A proposta de Ab’Saber (1969) revela, como destacou Abreu (1982),


uma flexibilidade que permite um melhor ajuste à essência dos fatos
estudados, tanto do ponto de vista espacial como tem-poral, além
de valorizar a perspectiva geográfica. Essa proposta, retomada
recentemente por Casseti (2007), apresenta três níveis de
abordagem:
compartimentação topográfica regional e caracterização
morfológica (analisa os diferentes níveis topográficos e as
características do relevo, destacando a morfologia);
estrutura superficial da paisagem (relaciona os depósitos
correlativos com as condições climáticas, enfatizando a
morfogênese);
processos morfoclimáticos e pedogênicos atuais, fisiologia da
paisagem (analisa os processos atuais, a morfodinâmica, inserindo
o homem como agente desses processos).

De acordo com Hayden (1986), nos diferentes países, o


desenvolvimento do mapeamento geomorfológico tem seguido
caminhos distintos, devido aos interesses e à ênfase dada pelos
seus geomorfólogos e pela própria diversidade de formas de relevo
encontradas nas várias regiões estudadas. Atualmente, a maior
parte dos mapeamentos geomorfológicos detalhados é elaborada
por geomorfólogos europeus. Os americanos têm se interessado
principalmente por estudos de fatores específicos ou mapeamentos
de feições específicas da paisagem.

Alguns geomorfólogos europeus, como os franceses, os ex-


checoslovacos e os húngaros, têm selecionado as unidades
litológico-estruturais como elementos básicos de análise das formas
de relevo. Outros, como os geomorfólogos poloneses, russos,
romenos e alemães, consideram a forma como unidade básica. Na
Grã-Bretanha, os geomorfólogos desenvolveram um “empirical
system” baseado na divisão da paisagem em “slopes and flats”, ou
seja, na morfologia. Outros geomorfólogos têm tentado combinar
diferentes abordagens.

Na Austrália, o Commonwealth Scientific and Industrial Research


Organization (CSIRO) desenvolveu um sistema de mapeamento
geomorfológico para o levantamento dos recursos naturais baseado
no conceito de land system e land unit (Christian; Stewart, 1968;
Cooke; Doornkamp, 1990; Florenzano, 1986). O land system é uma
área na qual existem padrões repetidos de relevo, solo e vegetação;
as land units são áreas relativamente homogêneas em termos de
geologia, relevo, solo e vegetação, contidas em um land system.

Os sistemas de mapeamento geomorfológicos nem sempre incluem


todos os aspectos do relevo (morfológicos, morfogenéticos,
morfocronológicos e morfodinâmicos), ou dão a eles a mesma
ênfase ou destaque. Alguns incluem, nos mapas geomorfológicos,
informações geológicas, particularmente de litologia, e de materiais
inconsolidados ou de formações superficiais (todos os materiais em
afloramento que diferem da rocha subjacente, sejam originados
diretamente desta ou não; os solos são considerados um
componente das formações superficiais).

Na elaboração de uma carta geomorfológica, trabalha-se com as


formas ou com os elementos (porção indivisível e cuja reunião
compõe as formas) do relevo. No sistema dos elementos, planos,
rupturas e curvas representam os fatos básicos na cartografia, e
conduzem a uma carta carregada de sinais e de difícil leitura e
análise. Por exemplo, um terraço fluvial seria, pelo método das
formas, representado apenas por um símbolo; já no método dos
elementos, haveria necessidade de três símbolos: a parte plana
superior, a ruptura e o degrau, ou escarpa (Troppmair; Mnich, 1969).

Os sistemas de mapeamento geomorfológico russo, polonês e o da


antiga Checoslováquia estão entre aqueles que trabalham com o
modelo das formas, no qual as unidades básicas são as
morfoestruturais, fundamentadas na morfologia, enquanto sistemas
como o britânico e o francês aplicam o modelo dos elementos do
relevo. A natureza da unidade geomorfológica é controlada pelo
modelo de análise escolhido e, principalmente, pela escala de
mapeamento; porém, existe consenso de que a unidade
geomorfológica deve ser uma entidade homogênea.

Entre os diversos sistemas de mapeamento geomorfológico


existentes, os mais conhecidos e utilizados são: IGU - International
Geographical Union (Demek, 1972), ITC - International Institute for
Aerial Survey and Earth Sciences (Verstappen; Zuidam, 1975) e o
sistema francês (Tricart, 1972).
O sistema IGU constitui a principal contribuição a uma proposta
unificada para mapas geomorfológicos detalhados. A subcomissão
de Mapeamento Geomorfológico, criada no Congresso Internacional
de Geografia da IGU, realizado no Rio de Janeiro em 1956, gerou
mais tarde uma legenda (Basenina; Aristarchova; Lukasov, 1972) e
um Manual de Mapeamento Geomorfológico Detalhado, publicado
por Demek (1972). Nesse sistema, utiliza-se o modelo das formas,
enfatiza-se a morfologia e a morfogênese e destacam-se as
características das vertentes.

Pela influência da escola francesa no Brasil, o sistema francês,


também voltado para cartas de detalhe, foi o mais difundido em
nosso país. Esse sistema usa o modelo dos elementos (grande
número de sinais, o que torna difícil a sua leitura e interpretação).
Nos mapas desse sistema, destacam-se informações
morfogenéticas e geológicas.

O ITC também investiu na criação de um método internacional de


mapeamento geomorfológico. O sistema desenvolvido pelo ITC usa
como base as unidades geomorfológicas, destacando para cada
uma delas o processo morfogenético dominante. Tem como
procedimento metodológico a fotointerpretação; a delimitação das
unidades geomorfológicas é feita a partir dos padrões fotográficos
discernidos nas fotografias aéreas e imagens de satélite. É um
sistema adequado para diferentes escalas, e a leitura do mapa
produzido é relativamente fácil. Com base na morfogênese, as
formas de relevo são classificadas de acordo com os processos que
lhes deram origem, como mostra a classificação morfogenética
apresentada a seguir, utilizada pelo sistema ITC (Verstappen, 1983),
com a indicação das respectivas cores para a representação
cartográfica (Quadro 4.1).

Verstappen (1983) ressalta a dificuldade de aplicação prática desse


tipo de classificação ao questionar: uma determinada área de falha
deve ser classificada como forma de origem estrutural, ou é mais
apropriado classificá-la como uma forma de origem denudacional?
Uma área vulcânica muito erodida deve ser classificada como de
origem vulcânica? Nesse caso, a sugestão desse autor é classificá-
la como de origem denudacional e adicionar “dissecada em rochas
vulcânicas”.

Meijerink (1988) sugere, para esses casos, agrupar as duas


principais origens de uma forma de relevo em uma única classe.
Assim, os exemplos citados anteriormente seriam classificados
como formas de origem denudacional/estrutural e
denudacional/vulcânica, respectivamente. Ainda de acordo com
esse autor, em mapas de pequena escala, a preferência pode ser
dada para a primeira origem – no caso dos referidos exemplos,
estrutural e vulcânica, respectivamente –, enquanto em mapas mais
detalhados é preferível classificar essas formas como
denudacionais. Sua proposta de classificação morfogenética do
relevo é apresentada no Quadro 4.2. Ela é baseada no sistema ITC
de mapeamento geomorfológico e adotada pelo sistema Integrated
Land and Watershed Management Information System (Ilwis) no
mapeamento das unidades de terreno (terrain mapping units).

QUADRO 4.1 SISTEMA ITC DE CLASSIFICAÇÃO MORFOGENÉTICA


ORIGEM DAS FORMAS COR
1. Estrutural Roxo
2. Vulcânica Vermelho
3. Denudacional Marron
4. Fluvial Azul-escuro
5. Lacustre/marinha Verde
6. Glacial/periglacial Azul-claro
7. Eólica Amarelo
8. Cársticas Laranja
9. Biológica Preto
10. Antropogênica Cinza
Fonte: Verstappen (1983).
Um estudo comparativo realizado por Salomé e Dorsser (1982), de
seis sistemas de mapeamento geomorfológico (ITC, IGU, o francês,
o polonês, o suíço e o belga), aplicados em uma região leste da
Bélgica, na escala de 1:50.000, mostrou que a morfografia é bem
destacada somente no mapa do sistema belga. A morfometria é
destacada nos mapas dos sistemas IGU, belga e polonês; nos
demais mapas, esse tipo de informação é restrita à altimetria,
representada por curvas de nível. A morfogênese está representada
em todos os tipos de mapas, sendo mais detalhada naqueles do
sistema francês e menos informativa nos do sistema suíço. A
morfocronologia, representada em todos os tipos de mapas, é mais
destacada nos do sistema polonês, e praticamente inexistente
naqueles do sistema suíço. Com relação a outros tipos de
informação (estrutura geológica e litologia), destacam-se os mapas
do sistema francês, nos quais essas informações são detalhadas, e
do ITC, nos quais somente a litologia é representada; nos demais
mapas geomorfológicos, essas informações não são incluídas.

QUADRO 4.2 CLASSIFICAÇÃO MORFOGENÉTICA


ORIGEM DAS FORMAS CARACTERÍSTICA/TIPO DE FORMAS
Estratovulcânicas; crateras; escarpas vulcânicas; fluxos
Vulcânica de lava e cones; unidades piroclásticas (rochas de
material vulcânico)
Formas de acumulação e formas complexas
Fluvial (planícies aluviais); formas de transição;
formas de erosão
Fluviovulcânica Correntes e campos de “lahar” (lavas e cinzas)
Formas positivas (colinas); formas negativas
Cárstica (depressões: dolinas, uvalas); formas
estruturais; outras formas (complexas)
Ambientes de alta energia (materiais de granulação
grosseira); ambientes de baixa energia (materiais de
Marinha granulação fina); ambientes orgânicos; ambientes
relativamente elevados (costa alta-falésia);
associações, formas complexas
Fluviomarinha Formas (planícies) associadas à, ou
influenciadas por, água salobra
Unidades associadas com aplainamento, com pouca
influência litológica; unidades com influência litológica,
Denudacional submetidas a processos de erosão fluvial e linear;
unidades associadas a processos específicos de
denudação (movimentos de massa)
Denudacional-
Associação de formas de ambas as origens
estrutural
Dunas ativas e não ativas (dunas, lençóis de areia);
Eólica
formas de deflação
Formas dominantemente erosivas (glaciação
Glacial continental, glaciação de montanha); formas
de acumulação (morainas, planícies)
Planícies e terraços lacustres; formas de fundo de lagos
(“playas” – evaporitos formados de resíduos de
Lacustre evaporação das águas carregadas de substâncias
químicas dissolvidas – por exemplo, anidrita, salgema
etc.; não evaporitos)
Fonte: Meijerink (1988).

Quanto à escala de mapeamento, a sua escolha é determinada,


sobretudo, pelo objetivo do mapeamento e pela complexidade
(textura topográfica) da área a ser mapeada. Assim, por exemplo,
de acordo com Cooke e Doornkamp (1990), na escala de 1:10.000 é
possível mapear com precisão e, na escala real, não somente a
localização e a dimensão de uma cicatriz de escorregamento, mas
também alguns de seus detalhes de superfície; na escala de
1:25.000, os detalhes de superfície provavelmente não podem ser
mostrados; na escala de 1:50.000, formas menores, como esse tipo
de cicatriz, podem ser omitidas nos mapas; na escala de 1:250.000,
provavelmente são feitas generalizações – por exemplo, “áreas
propícias a escorregamentos” pode substituir o mapeamento das
cicatrizes de escorregamentos individualmente.
Zuidam (1982), utilizando o sistema ITC de mapeamento
geomorfológico, avaliou o grau de generalização que ocorre entre as
escalas de 1:50.000, 1:100.000 e 1:200.000, em uma área-teste
próxima a Zaragosa, nordeste da Espanha. De acordo com ele,
escalas entre 1:100.000 e 1:250.000 são adequadas para
mapeamentos sistemáticos de grandes áreas. A de 1:100.000, que
é uma escala de transição entre mapas geomorfológicos de detalhe
e mapas geomorfológicos de escala média, foi a mais adequada
para essa área de estudo. Na redução da escala de 1:50.000 para a
de 1:100.000, o número de detalhes suprimidos foi pequeno e a
maior parte das unidades geomorfológicas permaneceu; somente
em alguns casos extremos houve generalização ou omissão
(aproximadamente de 15% a 20%). Entretanto, o mapa na escala de
1:200.000 sofreu considerável perda de informação, com 45% a
55% de impossibilidade de representação.

De acordo com Gustavsson (2006), desde as últimas décadas, o


mapeamento e a pesquisa geomorfológica seguem duas
abordagens diferentes. Uma primeira é a analítica, na qual o mapa
contém informações descritivas dos aspectos morfológicos,
morfogenéticos e morfocronológicos. Nesse tipo de abordagem, os
mapas podem ser considerados completos ou parciais, quando
representam apenas um dos aspectos, ou dão ênfase a um deles,
como salientado anteriormente. As cartas morfométricas (de
declividade, orientação de vertentes etc.) podem entrar nessa última
categoria. Outro exemplo são as cartas morfodinâmicas, que têm
uma grande aplicação, pois expressam as mudanças que estão
ocorrendo atualmente na superfície terrestre e, a partir da análise
geomorfológica, podem-se prever as transformações que ocorrerão
em curto prazo. Entre esse tipo de mapa, destacam-se os de risco
de movimentos de massa (ver Cap. 6), corridas de lama e
inundações, processos que representam diferentes níveis de
ameaça para o uso da terra e as obras de engenharia.

Uma das vantagens das cartas morfométricas, principalmente as de


declividade e orientação de vertentes, além do aspecto quantitativo
e objetivo, é o seu caráter universal, ao contrário do que ocorre com
as demais cartas geomorfológicas. As cartas morfométricas talvez
possam ser consideradas um caminho para uma linguagem
universal. Uma unidade de relevo com orientação preferencial NE,
por exemplo, é comparável com qualquer outra com a mesma
orientação, sendo compreendida em qualquer parte do mundo. Com
a crescente disponibilidade de dados digitais de altitude e processos
automáticos de geração das variáveis derivadas, amplia-se a cada
dia a utilização desse tipo de carta para várias finalidades.

Uma segunda abordagem apontada por Gustavsson (2007) é a


sintética (integrada), na qual os dados geomorfológicos são
combinados com outras variáveis (solo, vegetação e hidrologia).
São exemplos dessa abordagem os sistemas CSIRO e ILWIS. Esse
autor ressalta, ainda, uma terceira abordagem, de caráter
pragmático, em que são selecionadas somente informações
geomorfológicas que atendam a um objetivo específico. Na verdade,
esse caso equivale aos mapas parciais da primeira abordagem.
Entre essas informações, podemos destacar as variáveis
morfométricas, principalmente a declividade, que é uma das mais
utilizadas em zoneamento agrícola e ambiental, carta de capacidade
de uso e geotécnica, entre outros mapeamentos. Cabe salientar que
a segunda abordagem também é muito aplicada nesse tipo de
mapeamento. Sobre cartas geotécnicas que utilizam variáveis
geomorfológicas como declividade, amplitude altimétrica e
densidade de drenagem, entre outras, recomenda-se o livro de
Zuquette e Gandolfi (2004).

4.2 Cartografia Geomorfológica no


Brasil
No Brasil, com exceção dos mapas elaborados no Projeto
Radambrasil, na década de 1970, muito utilizados até hoje, e de
algumas contribuições isoladas, como aquela do IPT (1981), para o
Estado de São Paulo, a da Ceplab (1980), para o Estado da Bahia
e, mais recentemente, a de Ross e Moroz (1997), também para o
Estado de São Paulo, todos de pequena escala, o que se dispõe em
matéria de mapeamento geomorfológico são trabalhos geralmente
de detalhe, específicos, reduzidos em extensão espacial e,
sobretudo, não sistematizados.

O sistema de legenda, aberto e flexível, estabelecido pelo Projeto


Radambrasil, permitiu acréscimos e adaptações decorrentes da
evolução da metodologia. Na legenda, que não é de fácil leitura para
quem não é geomorfólogo, são destacadas a morfologia e a
morfogênese. As variáveis morfométricas representadas na Tab. 4.1
indicam a intensidade de dissecação das formas de relevo. Nessa
tabela, o primeiro dígito refere-se à ordem de grandeza das formas
de dissecação, grau de dissecação ou amplitude interfluvial
(dissecação no plano horizontal), e o segundo dígito indica a
intensidade de aprofundamento da drenagem (dissecação no plano
vertical), que está relacionada com a amplitude altimétrica. Cabe
salientar que, da forma como foi construída essa tabela, no primeiro
dígito (somente para ele) a ordem de grandeza está invertida, ou
seja, quanto menor o valor, maior é o grau de dissecação de uma
determinada unidade de relevo e vice-versa. Dessa maneira, uma
unidade, ao ser representada pelos dígitos 51, apresenta baixa
dissecação tanto no nível horizontal (embora o valor correspondente
seja alto) quanto no vertical; enquanto os dígitos 15, pelo contrário,
representam uma unidade com alto índice de dissecação nos dois
planos, apesar de o valor do primeiro dígito ser baixo. É necessário
ressaltar também a baixa precisão desses dados, principalmente no
que se refere à amplitude dos interflúvios.

A partir de vários documentos, referentes a diversas épocas e


autorias, redigidos ao longo da existência do Projeto Radambrasil,
foi elaborado um manual (IBGE, 1995) que apresenta uma
metodologia para o mapeamento geomorfológico. Ele traz conceitos
básicos dos tipos de relevo, ilustrados por meio de blocos-diagrama
e imagens de radar utilizadas nesse projeto. Esses blocos-diagrama
exemplificam bem os tipos de formas, mas as imagens selecionadas
nem sempre representam, de modo claro e didático, a forma ou
feição a eles correspondentes.
TAB. 4.1 ORDEM DE GRANDEZA DAS FORMAS DE DISSECAÇÃO DE RELEVO

Fonte: Tema Geomorfologia do Projeto Radambrasil (1973-1987).

O mapa editado na escala de 1:1.000.000 pela Ceplab (1980), para


o Estado da Bahia, não traz muitas informações. Nele foram
representadas apenas informações morfográficas e de
morfogênese. No mapa geomorfológico elaborado pelo IPT (1981)
para o Estado de São Paulo, na escala de 1:250:000 e publicado na
de 1:1.000.000, são destacadas, na legenda, a morfologia e a
morfogênese. Na elaboração desse mapa, as unidades de relevo
foram delimitadas a partir da análise de imagens de satélites (MSS-
Landsat) e mosaicos semicontrolados de radar na escala de
1:250.000 (Projeto Radambrasil), com o apoio de fotografias aéreas
e cartas topográficas (1:50.000 e 1:100.000).

A metodologia do mapa do IPT fundamentou-se naquela


desenvolvida pelo CSIRO. Desse modo, foram definidos conjuntos
de formas de relevo semelhantes, denominados “sistemas de
relevo” (land systems). Na definição e caracterização das “unidades
de relevo” (land units), os autores selecionaram as seguintes
variáveis: amplitude local das formas de relevo, declividade das
vertentes, forma do perfil das vertentes, extensão e forma dos topos,
expressão das unidades em área (km2), densidade e padrão de
drenagem (Tab. 4.2). Assim, a legenda da carta foi construída com
base nessas variáveis. O método utilizado no cálculo dessas
variáveis, no entanto, não é apresentado de forma clara.
TAB. 4.2 CRITÉRIOS UTILIZADOS NA CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE
RELEVO

* Definidos a partir de cartas topográficas em escalas de 1:50.000 ou 1:100.000


Fonte: IPT (1981).

Consta da legenda, além dos sistemas de relevo, a divisão


geomorfológica do Estado de São Paulo em províncias, zonas e
subzonas, a partir da classificação de Almeida (1964). Na
representação dos sistemas de relevo na carta geomorfológica,
utilizaram-se três índices, de acordo com a gênese: o embasamento
(geologia), o estágio evolutivo e a morfologia. A divisão maior é
dada pelo algarismo da centena, que define cinco grupos:

(100) relevos de agradação;


(200) relevos de degradação, em planaltos dissecados;
(300) relevos residuais sustentados por litologias particulares
(sustentados por maciços básicos; sustentados por rochas
sedimentares);
(400) relevos cársticos (sem coberturas sedimentares);
(500) relevos de transição (encostas não escarpadas; escarpas).

O algarismo das dezenas define a primeira subdivisão dos cinco


grupos, como, por exemplo, formas construtivas de origem
continental (110) e formas ligadas a processos litorâneos (120). Os
sistemas de relevo são individualizados por meio do algarismo das
unidades, que, no caso das formas construtivas de origem
continental do exemplo anterior, pode corresponder a Planícies
Aluviais (111) ou a Terraços Aluviais (112). Procurou-se utilizar
termos de uso corrente, sem conotação toponímica, para
denominar, de forma clara e concisa, os 33 sistemas de relevo
reconhecidos. Na categoria de Relevos de Degradação, definiram-
se cinco grupos de sistemas de relevo, a partir da utilização das
variáveis declividade das encostas e amplitude altimétrica (Tab. 4.3).

Com base na legenda do IPT (1981), Pires Neto (1992) mapeou


uma área do Estado de São Paulo (parte do Planalto Atlântico e da
Província Costeira). Esse autor, além dos aspectos morfológicos
mais detalhados (um número maior de classes de amplitude e
declividade, e de classes de altitude), incluiu na legenda
informações de litologia e de morfodinâmica (processos erosivos).
Um outro mapa geomorfológico baseado na legenda do IPT é o do
Projeto de Macrozoneamento da Região do Vale do Paraíba e
Litoral Norte do Estado de São Paulo, na escala de 1:250.000,
elaborado a partir da interpretação de imagens TM-Landsat, nessa
mesma escala (Florenzano; Csordas, 1993). Nesse mapa, também
foram introduzidas algumas modificações. As escarpas da Serra do
Mar foram classificadas como formas de origem
estrutural/denudacional (segundo Meijerink, 1988), substituindo a
terminologia “relevos de transição”. Acrescentaram-se ainda
informações referentes às características morfológicas das unidades
de relevo (descrição morfográfica mais detalhada e maior número
de classes de amplitude e declividade). Em ambos os casos, não há
informação detalhada sobre o método utilizado no cálculo das
variáveis morfométricas.

Abreu (1982), na elaboração do mapeamento geomorfológico do


Planalto de Diamantina (MG), sistematizou e incentivou a pesquisa
da cartografia morfoestrutural, muito difundida na antiga União
Soviética, encontrada em Basenina, Aristarchova e Lukasov (1972),
cuja fundamentação teórica apoia-se nas ideias de Penck (1953),
Guerasimov (1963) e Mescerjakov (1968).

TAB. 4.3 PRINCIPAIS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA IDENTIFICAÇÃO DE SISTEMAS


DE RELEVO DE DEGRADAÇÃO

CONJUNTOS DE SISTEMAS DE DECLIVIDADE DOMINANTE AMPLITUDES LOCAIS


RELEVO DAS VERTENTES

Relevo colinoso 0% a 15% < 100 m


Relevo de morros com
0% a 15% 100 m a 300 m
vertentes suavizadas
Relevo de morrotes > 15% < 100 m
Relevo de morros > 15% 100 m a 300 m
Relevo montanhoso > 15% > 300 m
Fonte: IPT (1981).

Nessa linha de pesquisa, baseado na concepção de Penck (1953)


sobre os processos endógenos e exógenos, nos conceitos
formulados por Guerasimov (1963) e Mescerjakov (1968) sobre
morfoestrutura e morfoescultura, e na metodologia desenvolvida
pelo Projeto Radambrasil, Ross (1992, 1996) propõe uma
classificação em seis níveis taxonômicos, com base na morfologia e
na gênese, como ilustrado na Fig. 4.1 e resumido a seguir.

Fig. 4.1 Representação esquemática das Unidades Taxonômicas de Ross (1992)


O 1° táxon corresponde às Unidades Morfoestruturais e de
maior extensão em área. Como exemplo para esse nível, o autor
cita a bacia do Paraná. Essas unidades são representadas por
cores (azul, verde etc.).
O 2° táxon refere-se a Unidades Morfoesculturais, contidas
em cada Unidade Morfoestrutural. Elas também são identificadas
por meio de cores. Assim, se a cor azul representa a bacia do
Paraná, que é uma unidade morfoestrutural, variações de tons de
azul representam as unidades morfoesculturais, como os planaltos
em patamares, planaltos residuais, depressões periféricas etc.,
contidas naquela unidade.
O 3° táxon corresponde às Unidades Morfológicas ou aos
Padrões de Formas Semelhantes contidos nas Unidades
Morfoesculturais. As Unidades Morfológicas são de duas naturezas
genéticas: formas agradacionais (de acumulação), identificadas
pela letra maiúscula A, e formas denudacionais (de erosão),
identificadas pela letra D. A gênese das formas agradacionais é
especificada por meio de letras minúsculas; assim, Apf significa
planície de origem fluvial, Apm - planície de origem marinha, Apl -
planície de origem lacustre, Atf, - terraços de origem fluvial, Atm -
terraços de origem marinha, entre outros. A morfologia (morfografia)
das formas denudacionais é especificada por meio de letras
minúsculas, que indicam a forma dos topos: topos aguçados (a),
convexos (c), tabulares (t) ou absolutamente planos (p). A
intensidade de dissecação (morfometria) das formas denudacionais
é representada por dígitos, definidos com base em uma matriz de
dissecação (Tab. 4.4). Assim, por exemplo, o conjunto de letras e
dígitos Dc31 representa uma unidade denudacional de formas com
topos convexos, entalhamento dos vales de índice 3 (20 m a 40 m)
e dimensão interfluvial de tamanho médio (300 m a 700 m).
O 4° táxon é representado pelas formas individualizadas que
compõem uma Unidade Morfológica ou Padrão de Formas
Semelhantes (colina, morro etc.).
O 5° táxon refere-se a setores das vertentes, cuja forma pode
ser convexa, retilínea ou côncava.
O 6° táxon corresponde às pequenas formas de relevo, como
aquelas resultantes de processos atuais; por exemplo, ravinas,
voçorocas e bancos de assoreamento, além de formas produzidas
pelo homem, como cortes e aterros, entre outras.

Ross (1992) corrigiu o problema da inversão da matriz, salientado


anteriormente. Dessa maneira, uma unidade, ao ser representada
pelos dígitos 15, apresenta baixa dissecação no nível vertical (baixo
valor, 1) e alta dissecação no nível horizontal (alto valor, 5).
Entretanto, o critério a ser utilizado no cálculo da dimensão
interfluvial (nível de amostragem, ordem do interflúvio) também não
é claro e preciso.

Com base na classificação de Ross (1992, 1994, 1996), Ross e


Moroz (1997) elaboraram um mapa geomorfológico para o Estado
de São Paulo, na escala de 1:500.000. Eles utilizaram mosaicos
semicontrolados de radar na escala de 1:250.000 (Projeto
Radambrasil), na delimitação das unidades de relevo (padrões de
formas semelhantes), correspondentes ao terceiro táxon da
classificação desse autor. A caracterização morfométrica das
unidades foi realizada com base nos parâmetros da matriz dos
índices de dissecação (Tab. 4.4) que acompanha a legenda do
mapa. No relatório referente a esse mapa, no entanto, também não
se encontra, de forma clara, qual foi o nível de amostragem e a
precisão das medidas obtidas para esses parâmetros. Na legenda
do mapa, estão descritas as unidades geomorfológicas referentes
ao primeiro, ao segundo e ao terceiro táxon. Para as unidades do
terceiro táxon (formas de relevo), foram especificadas a forma, a
altimetria e a declividade dominantes. Incluíram-se também
informações de litologia e solos dominantes, bem como os níveis de
fragilidade potencial.
TAB. 4.4 MATRIZ DOS ÍNDICES DE DISSECAÇÃO DAS FORMAS DE RELEVO

Fonte: Ross (2006).

4.3 Proposta para Carta de


Unidades de Relevo
A partir dos diferentes sistemas existentes e destacados neste
capítulo, apresentamos, a seguir, sugestões para elaborar uma carta
de unidades geomorfológicas. De modo geral, na elaboração de
uma carta geomorfológica, a seleção da legenda, o nível de
detalhamento e a escala dependem da resolução dos dados de
sensores remotos disponíveis, da realização de trabalho de campo,
da disponibilidade de dados de outras fontes, das características da
área de estudo (textura topográfica) e dos objetivos do
mapeamento. Para mapas de unidades taxonômicas, equivalentes
ao primeiro e ao segundo táxon da classificação de Ross, ou aos
sistemas de relevo do IPT, mapeados em pequena escala (inferior a
1:250.000), recomendamos adaptar os mapas já existentes (Radam,
IPT etc.), atualizando os limites com base nos dados de
sensoriamento remoto (Cbers, Landsat, SRTM), disponíveis para
todo o território brasileiro.
Na elaboração de mapas de unidades de relevo correspondentes ao
terceiro táxon da classificação de Ross e às unidades de relevo na
classificação do IPT, a serem mapeadas em escalas entre 1:50.000
a 1:250:000, recomendamos delimitar as unidades a partir da
interpretação de imagens de satélite, conforme explicado no Cap. 2.
Para definir a legenda, utilizar como referência, com relação à
morfogênese, a classificação de Meijerink (1988), conforme o
Quadro 4.2. Como destacado anteriormente, essa classificação é
baseada no sistema ITC de mapeamento geomorfológico, que
possibilita o uso de imagens de sensoriamento remoto em diferentes
escalas. Quanto à morfologia, com base em Meijerink (1988), IPT
(1981) e Ross (1996), propomos o uso da classificação apresentada
no Quadro 4.3.

É necessário salientar que o uso das variáveis morfométricas é


fundamental não só na caracterização das unidades
geomorfológicas, mas também na sua definição. Por isso, o
processo de interpretação dos padrões de textura topográfica deve
ser conduzido de forma interativa com o da definição dos intervalos
das classes morfométricas; do contrário, podemos gerar intervalos
para essas classes que não correspondem a unidades de relevo
reais. Cabe lembrar também que, nesse nível taxonômico e nessa
escala de análise para as variáveis declividade, orientação e
curvatura, devem ser consideradas as classes dominantes.

QUADRO 4.3 CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA DE UNIDADES


DE RELEVO

VARIÁVEIS CLASSES

Muito Baixa - < 100 m


Baixa – 100 m a 300 m
Altitude Absoluta (altitude absoluta
dominante da unidade de relevo) Média – 300 m a 600 m
Alta – 600 m a 1.000 m
Muito Alta - > 1.000 m
Amplitude Altimétrica (amplitude Muito Baixa - < 20 m
altimétrica média da unidade de
Baixa – 20 m a 40 m
relevo)
Média – 40 m a 100 m
Alta – 100 m a 200 m
Muito Alta - > 200 m
Muito Baixa - < 2%
Baixa – 2% a 6%
Declividade (declividade dominante da
unidade de relevo) Média – 6% a 20%
Alta – 20% a 50%
Muito Alta - > 50%

Orientação (orientação Sem orientação preferencial


preferencial das vertentes da Orientação preferencial (N, S, E,
unidade de relevo) O, NO, NE, SE, SO)
Muito Baixa – < 0,5
Densidade de Drenagem (densidade Baixa – 0,5 a 3,0
de drenagem da unidade de relevo,
comprimento total dos canais pela área Média – 3,0 a 6,0
da unidade, km/km2) Alta – 6,0 a 10
Muito Alta – > 10
Plano
Forma dos Topos (forma
dominante dos topos da unidade Arredondado
de relevo)
Angular
Forma das Vertentes – Curvatura Convexa
Vertical (forma dominante das vertentes
da unidade de relevo) Retilínea
Côncava
Composta
Convergente
Forma das Vertentes –
Curvatura Horizontal (forma Planar
dominante das vertentes da Divergente
unidade de relevo)
Composta

Forma dos Vales (forma dominante dos Abertos (fundo plano)


vales da unidade de relevo)
Fechados (em V)
Erosão laminar
Processos Morfodinâmicos
Erosão em sulcos (existência de
(processos dominantes na
ravinas)
unidade de relevo)
Movimentos de massa

Atualmente, com a possibilidade de obter modelos digitais de


elevação não somente das cartas topográficas, mas de dados
obtidos de sensores a bordo de satélites – como aqueles do SRTM
e Aster (Terra), entre outros, e do uso dos Sistemas de Informações
Geográficas (SIG) –, sugerimos utilizar a variável densidade de
drenagem para obter a dissecação horizontal e, com o cálculo da
amplitude altimétrica, obter a dissecação vertical. A partir desses
modelos, essas variáveis e outras (ver Cap. 3) podem ser geradas
automaticamente para extensas áreas e com um grau de precisão
aceitável.

Destacamos, ainda, com o uso desses modelos, a obtenção


automática das quebras (positivas e negativas) de relevo (ver Cap.
10), tão importantes no mapeamento de unidades geomorfológicas.

4.4 Cartografia de Unidades de


Paisagem
Existem diversos métodos de classificação do terreno: sistemas
ILWIS (ITC-Holanda), CSIRO (Austrália), canadense e soviético
(Sotchava, 1977), bem como aqueles propostos por Bertrand
(1968), Tricart (1977), Tricart e Kilian (1979), além dos mais
recentes, desenvolvidos com base nesses autores. Esses métodos
utilizam uma abordagem integrada e/ou geossistêmica (Monteiro,
2000) apoiada no conceito de paisagem (landscape approach), na
análise sistemática de dados de sensores remotos, em fotografias
aéreas e/ou imagens de satélite, no uso de SIG e na geração de um
mapa-síntese para representar os principais componentes da
paisagem. A complexidade desse tipo de mapa dependerá da
unidade hierárquica adotada, da escala do mapa e das
características da área de estudo. Apesar da diversidade existente,
com relação ao conceito de paisagem, vários autores (Christian;
Stewart, 1968; Tricart; Kilian, 1979; Dent; Young, 1981; Ollier, 1981;
Florenzano, 1986; Cooke; Doornkamp, 1990; Ross, 2006) salientam
a importância da Geomorfologia como elemento de integração de
vários componentes da paisagem e como base na delimitação de
suas unidades hierárquicas. Ainda, segundo Zonneveld (1989), em
muitos casos o conhecimento dos processos geomorfológicos
contribui na delimitação desse tipo de unidade.

O método de classificação das unidades do terreno (terrain mapping


units), por exemplo, utilizado no sistema ILWIS, é baseado
predominantemente no sistema ITC de mapeamento geomorfológico
(Meijerink, 1988). Por outro lado, os estudos geomorfológicos têm
utilizado e se beneficiado das abordagens integradas,
principalmente para analisar os diferentes tipos de processos e
avaliar sua intensidade, uma vez que, para isso, é importante
considerar não somente o relevo, mas também a geologia, os solos,
a cobertura vegetal e o uso da terra.

Gils (1989) analisou o conteúdo e a estrutura da legenda de 50


mapas de unidades de paisagem (landscape ecology maps), cujas
unidades foram delimitadas a partir da interpretação de fotografias
aéreas e/ou de imagens de satélites. Ele constatou que, na maior
parte desses mapas, a Geomorfologia aparece como a principal
informação, ou seja, no primeiro nível (e frequentemente também no
segundo) da legenda. A vegetação, o solo e/ou o uso da terra estão
em níveis inferiores da legenda, geralmente como unidades
complexas.

As taxonomias desses métodos de mapeamento integrado, a


exemplo do que ocorre com as classificações geomorfológicas e,
em parte, por serem apoiadas na Geomorfologia, não são, em geral,
de fácil definição e aplicação. A homogeneidade de uma unidade de
paisagem (ou ambiental, territorial, de zoneamento, entre outras
denominações), que é relativa, depende das características físicas e
culturais, bem como dessa hierarquia e escala de observação.
Pesquisas como, por exemplo, a de Silva et al. (2007), vêm sendo
desenvolvidas com o objetivo de avaliar o grau de homogeneidade
de uma unidade territorial. Para esses autores, na tomada de
decisão, dentro do processo de gerenciamento ambiental, é de
suma importância entender a fragilidade da definição de
homogeneidade. De acordo com eles, o método de análise
integrada obtém as zonas (unidades), mas não explicita a sua
variabilidade interna, seja na composição, no arranjo ou na função
ambiental. Eles acreditam que o caminho é a integração de
informações por meio de um SIG e a aplicação de análise
multivariada que detecte e forneça informações quantitativas sobre
as relações espaciais mais relevantes.

O desenvolvimento dos SIG deu um novo impulso aos métodos de


mapeamento integrado. Com a utilização desses sistemas, é
possível integrar mapas temáticos e obter um mapa-síntese (por
exemplo, de zoneamento ambiental) de uma determinada região de
estudo. Os SIG permitem armazenar, manipular e integrar uma
grande quantidade de dados provenientes de diferentes fontes,
formatos e escalas. A facilidade com que o SIG permite ampliar a
escala original de um determinado mapa temático e integrá-lo com
outros elaborados em escala original maior pode, no entanto, levar a
cometer erros metodológicos e a comprometer os resultados da
análise e projeção de cenários futuros. Isso porque a simples
ampliação automática da escala de um mapa geológico, pedológico
ou de outro tema não aumenta o nível (conteúdo) da informação.

Ao integrar mapas de diferentes origens, gerados por diferentes


especialistas, métodos e base de dados, um outro cuidado que se
deve ter é na compatibilidade dos limites das unidades. Conforme
salientou Zonneveld (1989), os limites de unidades de mapas
temáticos elaborados individualmente raramente coincidem, como
ocorre com os limites da planície aluvial do mapa geomorfológico,
que deveriam, mas nem sempre coincidem com aqueles dos
aluviões (sedimentos inconsolidados) do mapa geológico e dos
solos aluviais do mapa pedológico. Para realizar essa
compatibilidade (integração), podem ser utilizadas imagens de
satélite como referência. Se esse trabalho for conduzido por uma
equipe multidisciplinar, a probabilidade de se obter resultados
consistentes ainda é maior. Como os componentes da paisagem
estão registrados de forma integrada nessas imagens e os seus
diferentes padrões representam diferentes unidades de paisagem,
também se pode obter o mapa-síntese diretamente da análise e
interpretação das imagens. Um exemplo de uso das imagens para
essa finalidade encontra-se na metodologia desenvolvida por
Crepani et al. (2001), conforme apresentado no Cap. 10.

A seguir, destacam-se dois sistemas de mapeamento integrado


desenvolvidos por autores brasileiros, o de Ross (1994, 1996) e o
de Crepani et al. (2001). Ambos os sistemas vêm sendo utilizados
na elaboração de zoneamentos ambientais, mais especificamente
no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), como definido
institucionalmente. O Programa Nacional de Zoneamento Ecológico-
Econômico – ZEE, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, é
um instrumento técnico e político de planejamento do uso e da
ocupação do território, visando ao desenvolvimento sustentável. Ele
subsidia, de forma efetiva, o processo de tomada de decisão pelos
diferentes gestores públicos dos níveis Federal, Estadual e
Municipal.

4.4.1 Carta de fragilidade ambiental


Ross (1994) propôs uma metodologia para a geração de uma carta-
síntese que representa a fragilidade do terreno em cinco categorias
hierárquicas: 1. Muito Fraca; 2. Fraca; 3. Média; 4. Forte; 5. Muito
Forte. Na carta-síntese, a área estudada é classificada em Unidades
Ecodinâmicas Estáveis e Instáveis, com diferentes graus (muito
fraca a muito forte) de Instabilidade Potencial e Emergente. Essa
carta é obtida a partir da elaboração e integração, por meio de um
SIG, das cartas temáticas de Geomorfologia, Geologia, Pedologia,
Climatologia e Uso da Terra/Vegetação. As variáveis temáticas
dessas cartas também são classificadas em cinco categorias
hierárquicas, de acordo com a sua fragilidade (Tabs. 4.5 e 4.6;
Quadros 4.4 e 4.5). O tema Geomorfologia, mais especificamente
dissecação do relevo, é abordado segundo o método proposto por
esse autor, apresentado na seção 4.1.

TAB. 4.5 GRAU DE FRAGILIDADE DAS CLASSES DE DECLIVIDADE


Fragilidade Declividade
1 Muito fraca < 6%
2 Fraca 6% a 12%
3 Média 12% a 20%
4 Forte 20% a 30%
5 Muito Forte > 30%

Além da Geologia, que foi citada, mas não definida nessa proposta,
outras variáveis – como, por exemplo, as práticas de manejo –
também podem ser incluídas na análise da fragilidade e geração da
carta-síntese. Para escalas médias e pequenas, de 1:50.000,
1:100.000 e 1:250.000, utiliza-se como base de informação
geomorfológica a matriz dos índices de dissecação, como a
exemplificada na Tab. 4.4. Para análises mais detalhadas, escalas
de 1:25.000, 1:10.000, 1:5.000 e 1:2.000, Ross (1994) recomenda a
utilização de informações de formas de vertentes e classes de
declividade.
TAB. 4.6 GRAU DE FRAGILIDADE DAS CLASSES DE DISSECAÇÃO
FRAGILIDADE DISSECAÇÃO*
1 Muito fraca 11
2 Fraca 21, 22, 12
3 Média 31, 32, 33, 13, 23
4 Forte 41, 42, 43, 44, 14, 24, 34
5 Muito Forte 51, 52, 53, 54, 55, 15, 25, 35, 45
* Segundo a Matriz de dissecação do relevo (Tab. 4.4).
Fonte: Ross (1994).

QUADRO 4.4 GRAU DE FRAGILIDADE DAS CLASSES DE SOLOS


FRAGILIDADE TIPOS DE SOLO
Latossolo roxo, latossolo vermelho-escuro e vermelho-
1 Muito fraca
amarelo com textura argilosa
Latossolo amarelo e vermelho-amarelo com
2 Fraca
textura média/argilosa
Latossolo vermelho-amarelo; terra roxa, terra bruna;
3 Média
podzólico vermelho-amarelo com textura média/argilosa
Podzólico vermelho-amarelo com textura
4 Forte
média/arenosa; cambissolos
Podzolizados com cascalhos; litólicos e areias
5 Muito Forte
quartzosas

QUADRO 4.5 GRAU DE PROTEÇÃO/FRAGILIDADE DAS CLASSES DE


COBERTURA VEGETAL/USO DA TERRA

GRAU DE PROTEÇÃO/FRAGILIDADE TIPOS DE COBERTURA VEGETAL/USO DA TERRA


Florestas/matas naturais, florestas cultivadas
1 Muito alta/Muito Fraca
com biodiversidade
2 Alta/Fraca Formações arbustivas naturais com
estrato herbáceo denso, formações
arbustivas densas (mata secundária,
cerrado denso, capoeira densa), mata
homogênea de pínus densa,
pastagens, pastagens cultivadas com
baixo pisoteio de gado, cultivo de ciclo
longo (como o cacau)
Cultivo de ciclo longo em curva de
nível/terraceamento (como café, laranja com
3 Média/Média forrageiras entre ruas), pastagens com baixo
pisoteio, silvicultura de eucaliptos com sub-
bosque de nativas
Culturas de ciclo longo de baixa
densidade (café, pimenta-do-reino,
laranja) com solo exposto entre ruas,
4 Muito Baixa/Muito Forte
culturas de ciclo curto (arroz, trigo,
feijão, soja, milho, algodão) com cultivo
em curvas de nível/terraceamento
Áreas desmatadas e queimadas recentemente,
solo exposto por arado/gradeação, solo exposto
5 Baixa a Nula/Forte ao longo de caminhos e estradas,
terraplanagens, culturas de ciclo curto sem
práticas conservacionistas
Fonte: Ross (1994).

4.4.2 Carta de vulnerabilidade à erosão


Crepani et al. (2001) desenvolveram uma metododogia para a
geração de cartas de vulnerabilidade à erosão, para subsidiar o
zoneamento ecológico-econômico da Amazônia, a partir do conceito
de ecodinâmica, de Tricart (1977), fundamentado na relação
morfogênese/pedogênese (processo de formação do
relevo/processo de formação do solo) e na utilização sistemática de
imagens Landsat, que proporcionam uma visão sinótica, holística e
multitemporal da paisagem.

De acordo com essa metodologia, primeiramente é realizada a


reinterpretação das informações temáticas disponíveis (mapas
geológicos, geomorfológicos, pedológicos, de cobertura vegetal e
uso da terra) sobre as imagens de satélite utilizadas como “âncora”,
e a geração de curvas de intensidade pluviométrica, definindo
Planos de Informação (PIs) temáticos georreferenciados (PI
Geologia, PI Geomorfologia, PI Pedologia, PI Vegetação e Uso e PI
Intensidade Pluviométrica). A interseção vetorial desses PIs define o
mapa de Unidades Territoriais Básicas (PI UTB), composto de
unidades de paisagem natural e polígonos de intervenção antrópica.
Ao PI UTB associa-se um banco de dados relacional contendo as
classes dos PIs temáticos e os valores, relativos e empíricos, de
vulnerabilidade à perda de solo de cada uma dessas classes. As
etapas para a geração das cartas de vulnerabilidade são:

elaboração de um mapa de unidades homogêneas de paisagens


(UTBs), a partir da análise e interpretação de composições coloridas
formadas com as imagens das bandas 3, 4 e 5 do sensor TM,
considerando os padrões fotográficos identificados pelas variações
de cor, textura, forma, padrão de drenagem e relevo. Em trabalhos
recentes, imagens da câmara CCD do satélite Cbers, dados SRTM
e de outros satélites também vêm sendo utilizados;
associação das informações temáticas existentes ou extraídas
da própria interpretação das imagens (Geologia, Geomorfologia,
Solos, Cobertura Vegetal/Uso da Terra e Clima) com o mapa das
unidades homogêneas, denominadas unidades territoriais básicas
(UTBs). Essa associação permite caracterizar tematicamente as
unidades ambientais ou de paisagens (UTBs);
classificação do grau de estabilidade ou vulnerabilidade de cada
unidade ambiental (UTB), segundo a relação
morfogênese/pedogênese. A vulnerabilidade é expressa pela
atribuição de valores de estabilidade (de 1 a 3, um total de 21
valores) para cada tema individualmente, referente a cada UTB. A
vulnerabilidade final atribuída a uma UTB refere-se à média dos
valores atribuídos a cada tema para aquela UTB.

As UTBs com valores próximos de 1.0 são unidades estáveis, em


que os processos de pedogênese predominam; UTBs com valores
próximos de 2.0 têm uma situação intermediária, de equilíbrio
morfodinâmico entre os processos de morfogênese e pedogênese;
UTBs com valores próximos de 3.0 são consideradas instáveis, uma
vez que predominam os processos de morfogênese.

Segundo Becker e Egler (1997), as unidades territoriais básicas são


as células elementares de informação e análise para o zoneamento
ecológico-econômico. Uma unidade territorial básica é uma
“entidade geográfica” que contém atributos ambientais que
permitem diferenciá-la de suas vizinhas, ao mesmo tempo que
possui vínculos dinâmicos que a articulam a uma complexa rede
integrada por outras unidades territoriais.

A contribuição da Geologia para a análise e definição morfodinâmica


das UTBs compreende as informações relativas ao grau de coesão
das rochas, fornecidas pela Mineralogia e pela Petrologia, e as
informações relativas à história da evolução do seu ambiente
geológico, fornecidas pela Tectônica e pela Geologia Estrutural.
Para a caracterização da vulnerabilidade das UTBs com relação à
Geomorfologia, são considerados os índices morfométricos de
dissecação (amplitude interfluvial), amplitude altimétrica e
declividade. Com relação à Pedologia, o parâmetro utilizado para
estabelecer o valor de vulnerabilidade é a maturidade dos solos, um
indicador claro do balanço morfogênese/pedogênese, uma vez que
solos jovens pouco desenvolvidos ocorrem em áreas onde
predominam os processos de morfogênese, enquanto solos
maduros bem desenvolvidos ocorrem onde predominam os
processos de pedogênese. Quanto à cobertura vegetal e ao uso da
terra, o parâmetro considerado refere-se à densidade de cobertura
vegetal. Cobertura vegetal de maior densidade protege o solo da
erosão e favorece a pedogênese, enquanto a de menor densidade
favorece os processos de morfogênese. Os parâmetros climáticos
considerados na avaliação da estabilidade das UTBs são a
pluviosidade anual e a duração do período chuvoso. A alta
pluviosidade anual e a curta duração do período chuvoso favorecem
a morfogênese, enquanto situações inversas favorecem a
pedogênese.
Inicialmente essa metodologia foi avaliada em uma região do
Tocantins e outras áreas objeto de dissertações de mestrado
realizadas no programa de pós-graduação em sensoriamento
remoto do Inpe (Sousa, 1998; Gomes, 2000; Palmeira, 2004;
Freitas, 2006). Posteriormente ela foi aplicada em várias regiões
brasileiras, em diferentes escalas, principalmente para atender ao
ZEE. Um exemplo de aplicação dessa metodologia é apresentado
no Cap. 10.

Considerações Finais
Como vimos, a geração de cartas geomorfológicas e de unidades
territoriais ou de paisagem não é uma tarefa simples. A crescente
disponibilidade de dados de sensoriamento remoto e técnicas de
geoinformação pode facilitar essa tarefa. Visando contribuir com a
cartografia geomorfológica, bem como incentivar a exploração
desses dados e técnicas, apresentamos neste capítulo uma
proposta para o mapeamento de unidades geomorfológicas. Na
aplicação das geotecnologias, é fundamental, no entanto, não
esquecer a importância do conhecimento teórico das áreas
temáticas objeto de estudo. Sem esse conhecimento, tanto a
exploração das geotecnologias quanto a análise e interpretação dos
resultados serão parciais, o que poderá levar a conclusões
inconsistentes ou erradas.

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Athos Ribeiro dos Santos
A TECTÔNICA E AS FORMAS DE
5
RELEVO

As formas da superfície da Terra são resultantes dos processos


relacionados às suas dinâmicas externa e interna. Os processos
morfogenéticos associados à dinâmica externa do planeta
relacionam-se à ação da água, dos ventos, da temperatura e dos
organismos vivos (incluindo o homem) sobre as rochas, causando a
sua desintegração, remoção e deposição por meio do processo
denominado intemperismo (agentes físicos, químicos e/ou
biológicos). A dinâmica interna da Terra relaciona-se aos
movimentos tectônicos formadores e deformadores dos diferentes
tipos rochosos. O relevo atual é, portanto, o resultado de dois
conjuntos de processos que atuaram de forma antagônica ao longo
do tempo geológico: as atividades tectônicas e estruturais e os
processos morfoclimáticos.

Neste capítulo são analisados os principais processos tectônicos e a


sua associação com as diferentes formas de relevo. A análise sobre
a atuação dos grandes processos tectônicos passa pelo
entendimento dos eventos que se desenvolvem no interior das
placas tectônicas e, principalmente, em suas bordas, que definem
diferentes tipos de limites (transformantes ou conservativos,
divergentes ou construtivos, convergentes ou destrutivos), aos quais
estão associados diferentes fenômenos de superfície.

5.1 Estrutura Interna da Terra


Há cerca de 4,5 bilhões de anos, os gases e a poeira que
constituiriam o sistema solar começaram, pela força da gravidade, a
se separar e se aglutinar, formando os planetas e o Sol.
Posteriormente (4 bilhões de anos), formou-se, pela diferenciação
dos elementos mais pesados, o núcleo da Terra, com 3.700 km de
diâmetro, constituído predominantemente por ferro e níquel. Ao seu
redor desenvolveu-se o manto, com espessura de 2.900 km,
constituído predominantemente por silício e magnésio. Finalmente,
há cerca de 3,7 bilhões de anos, solidificou-se a crosta, uma
camada superficial cobrindo todo o planeta. A crosta diferenciou-se
em oceânica (ou simática), com cerca de 7 km de espessura e
composição predominantemente basáltica, e continental (ou
siálica), com 30 km-40 km de espessura média e formada por
rochas félsicas a ultramáficas (Fig. 5.1).

As crostas oceânica e continental, com a parte superior do manto,


formam uma camada rígida com 100 km a 350 km de espessura,
denominada litosfera. Abaixo, ainda no manto superior, ocorre a
astenosfera, que apresenta condições de temperatura e pressão
que permitem certa mobilidade das placas em escala do tempo
geológico (Fig. 5.1).

5.2 Tectônica de Placas


A teoria da tectônica de placas desenvolveu-se a partir da
observação de dois fenômenos geológicos: a deriva continental,
observada já no final do século XIX, e a expansão do fundo
oceânico, constatada na década de 1960. Essa teoria desenvolveu-
se desde então, sendo universalmente aceita e provocando uma
revolução nos conceitos relacionados com as ciências da Terra.

A tectônica de placas baseia-se nas diferenças mecânicas entre a


litosfera (mais fria e rígida) e a astenosfera (mais quente e menos
rígida) (Fig. 5.1). A litosfera é constituída por um conjunto de placas
tectônicas, separadas e independentes, que “flutuam” e
movimentam-se sobre a astenosfera (Fig. 5.2). Uma placa tectônica,
comumente, inclui a crosta oceânica e a crosta continental, como é
o caso da placa sul-americana, onde se situa o Brasil (Fig. 5.2).
Devido ao princípio da isostasia (condição de busca do equilíbrio
densitométrico de massas litosféricas sobre a astenosfera com
empuxos principais verticalizados, à semelhança de corpos
flutuantes sobre um líquido), a crosta continental, menos densa,
encontra-se emersa, enquanto a crosta oceânica, mais densa,
normalmente está submersa.

Fig. 5.1 Estrutura interna da Terra


Fonte: <http://www.ige.unicamp.br/site/aulas/109/Terra-tempo_geo-aula1.pdf>.

Os principais eventos geológicos, como terremotos, vulcões e


formação de cadeias de montanhas (implicando, também,
dobramentos e falhamentos dos corpos rochosos, metamorfismo,
magmatismo etc.) e fossas oceânicas, estão associados aos limites
das placas tectônicas, ou seja, resultam da forma como as placas se
contactam.
As relações de contato entre as placas tectônicas podem ser
sintetizadas em três tipos de limites (Fig. 5.3): transformantes ou
conservativos, divergentes ou construtivos, convergentes ou
destrutivos.

Fig. 5.2 Distribuição das principais placas tectônicas


Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Tectonic_plates.png>.
Fig. 5.3 Principais elementos dos diferentes tipos de limites entre placas
tectônicas
Fonte: <http://domingos.home.sapo.pt/tect_placas_6.html>.

Os limites transformantes ou conservativos são caracterizados


pelas denominadas falhas transformantes, por onde as placas
apenas se deslocam lateralmente, uma em relação à outra. Devido
à fricção, uma grande quantidade de energia potencial é liberada
quando a força de atrito é superada pela movimentação das placas
tectônicas, provocando terremotos, que são muito comuns nesse
tipo de limite. O exemplo mais famoso de limites transformantes
entre placas tectônicas em atividade é dado pela falha de San
Andreas, na Califórnia, EUA (Fig. 5.4).
Fig. 5.4 Relações de limites da placa sul-americana realçando o limite divergente
ou construtivo, a oeste, constituído pela dorsal meso-atlântica, e o limite
convergente ou destrutivo, a leste, marcado pela fossa tectônica dos Andes
Fonte: <http://www.telescopiosnaescola.pro.br/ceu1/geofisica/deriva.pdf>.

Os limites divergentes ou construtivos são caracterizados pelo


afastamento de uma placa tectônica em relação à outra, pelo
preenchimento do espaço formado e por um novo material crustal. A
origem desse tipo de limites entre placas tectônicas é associada aos
chamados pontos quentes (Fig. 5.3), que marcariam o início da
quebra da litosfera.

As dorsais oceânicas são típicos limites divergentes entre placas


tectônicas. É o caso da dorsal Mesoatlântica, que marca o limite
oriental da placa sul-americana (Fig. 5.4). A velocidade de expansão
da dorsal mesoatlântica é da ordem de 2 cm por ano.

Os limites convergentes ou destrutivos ocorrem entre uma placa


tectônica com crosta oceânica e outra com crosta continental. Nesse
caso, normalmente, a primeira mergulha sob a segunda através de
uma zona de subducção, em uma fossa oceânica, e constitui uma
cadeia de montanhas no lado continental (Fig. 5.3). Essa situação
ocorre no limite ocidental da placa sul-americana. A placa de Nazca
mergulha sob o continente sul-americano, e a cadeia de montanhas
dos Andes é o resultado continental dessa subducção (Fig. 5.4). O
processo de subducção da placa oceânica resulta na formação de
um magma que pode chegar à superfície na forma de vulcões, como
é muito comum nos Andes. Quando os limites convergentes ou
destrutivos ocorrem entre duas placas tectônicas com crosta
continental, ou elas se comprimem ou uma delas mergulha sob a
outra.

5.3 Classificação das Grandes


Unidades de Relevo
Dentro desse contexto de placas tectônicas, Huggett (2003) propõe
classificar as grandes unidades de relevo de origem tectônica com
base nos três principais tipos de placas: placas interiores, placas
marginais passivas e placas marginais ativas.

As placas interiores representam as regiões centrais dos


continentes, ou seja, aquelas regiões distantes das bordas das
placas, que é onde se concentram as atividades tectônicas. As
regiões interiores são tectonicamente estáveis, ocasionalmente
ocorrendo apenas movimentos epirogenéticos (tectônica distensiva).
Constituem, normalmente, um embasamento no qual predominam
as rochas de alto grau metamórfico e de composição granítica a
granulítica, exposto em grandes escudos, separados entre si por
coberturas fanerozoicas.
É o caso do Brasil, que está inteiramente contido na Plataforma Sul-
Americana, uma entidade tectonicamente estável, cujo
embasamento consolidou-se entre o Proterozoico Superior e o início
do Paleozoico. O Ciclo Brasiliano (450-700 Ma) foi o último grande
evento termotectônico que afetou as rochas desse embasamento
antigo, resultando em faixas de dobramentos (Brasília, Paraguai,
Araguaia, Sergipana etc.) bordejando as principais áreas cratônicas
(crátons do São Francisco, Amazônico, São Luís etc.) (Almeida,
1977; Almeida et al., 1981). Esse embasamento expõe-se
extensivamente em três grandes escudos (Guianas, Brasil Central e
Atlântico), separados por coberturas fanerozoicas (bacias
sedimentares do Paraná, do Parnaíba, Amazônica, entre outras)
(Fig. 5.5 e Quadro 5.1).

As principais unidades de relevo dessas regiões interiores são:


bacias, planaltos, rift valleys e vulcões intracontinentais.
Fig. 5.5 Escudos e principais bacias sedimentares do Brasil
Fonte: Schobbenhaus e Brito Neves (2003).
QUADRO 5.1 PRINCIPAIS EVENTOS TECTÔNICOS AO LONGO DA HISTÓRIA
GEOLÓGICA DO BRASIL

Fonte: Casseti (2006).

O embasamento antigo exposto nos escudos, constituído por rochas


de diversas idades e graus metamórficos, é submetido a intenso
processo de intemperismo e erosão, formando um relevo suave e
ondulado, controlado pela erosão diferencial associada à forte
anisotropia (foliações, falhas e juntas) desses tipos litológicos. As
áreas das coberturas sedimentares fanerozoicas mostram formas do
tipo planalto, platô, ravinas, cânions, relevos residuais etc.,
dependendo do estágio da erosão diferencial associada,
principalmente, às variações das propriedades mecânicas dos tipos
litológicos que compõem a bacia sedimentar.

As placas marginais passivas representam a borda ou margem de


um continente (crosta continental) com a crosta oceânica,
caracterizada pela ausência de um tectonismo acentuado (Fig. 5.6).
Essa borda não coincide com o limite de placas tectônicas e é típica
da margem continental do oceano Atlântico (nas Américas, na África
e na Europa). Por isso, é denominada, também, como do tipo
Atlântico. Esse tipo de borda caracteriza-se por: grandes paredões
rochosos ou escarpas que caem diretamente no mar; amplas
planícies costeiras; um complexo de blocos falhados e bacias.

As placas marginais ativas representam os limites entre placas


tectônicas que convergem ou deslizam uma em direção à outra,
formando zonas de forte atividade tectônica. São denominadas,
também, do tipo Pacífico, e têm como exemplo típico a costa oeste
andina da América do Sul, no oceano Pacífico. As unidades de
relevo conectadas com margens convergentes são arcos de ilhas
(cadeia de ilhas vulcânicas como, por exemplo, as ilhas japonesas)
(Fig. 5.7A); cinturões orogênicos (cordilheiras oceânicas), cujas
formas específicas dependem: 1) do que está convergindo, dois
continentes (exemplo da formação do Himalaia) (Fig. 5.7B), um
continente e um arco de ilhas ou dois arcos; 2) do tipo de
movimento, ou seja, se ocorre uma colisão ou uma subducção de
uma crosta oceânica (exemplo da formação dos Andes) (Fig. 5.7C).
Fig. 5.6 Estrutura de uma placa marginal passiva
Fonte: <http://www.igc.usp.br/geologia/a_terra.php>.

Fig. 5.7 Exemplos de diferentes formas de relevo associadas a margens ativas:


(A) arco de ilhas vulcânicas; (B) cadeia de montanhas por colisão continente-
continente; (C) cadeia de montanhas por subducção de crosta oceânica sob
crosta continental
Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Oceaniccontinental_convergence_Fig21ocea
ncont.gif>.

5.4 Formas de Relevo de Origem


Tectônica
A partir dessas grandes unidades de relevo, geneticamente
associadas à tectônica de placas (regiões interiores e bordas
passivas e ativas), é possível, por meio da classificação de
diferentes tipos e intensidades de diastrofismos, detalhar padrões de
formas de relevo. Diferentes padrões de formas de relevo se
distribuem e se agrupam, constituindo distintas paisagens. Esses
padrões (conjunto de formas de relevo) são dependentes dos
eventos tectônicos que marcaram a história geológica da região. A
visão sinótica da paisagem e sua associação à tectônica é uma das
mais importantes características dadas pelas imagens de satélite,
como mostrado, no final deste capítulo, com exemplos brasileiros.

Os movimentos diastróficos podem ser classificados em:


epirogênese, movimentos lentos e verticais (principalmente
soerguimento e subsidência) da crosta, responsáveis pela formação
de bacias sedimentares intracratônicas (como a bacia do Parnaíba,
no NE brasileiro), terraços fluviais, entre outros; e orogênese,
movimentos intensos e compressivos (principalmente dobramentos
e falhamentos), responsáveis pela formação das grandes cadeias
de montanhas (por exemplo: Andes, Alpes, Himalaia) (Fig. 5.8).

Fig. 5.8 Principais cadeias de montanhas


Fonte: Tarbuck e Lutgens (1996).

Nas áreas sedimentares, as principais formas de relevo são:


planalto (superfície mais ou menos plana, delimitada por escarpas,
onde predomina a erosão), planície (superfície mais ou menos
plana, onde predomina o processo de deposição), cuesta/hogback
(formas assimétricas de relevo geradas pela sucessão de camadas
rochosas pouco/fortemente inclinadas) (Fig. 5.9A) e chapada
(planalto com topografia tabular) (Fig. 5.9B), entre outras.

Fig. 5.9 Exemplos de relevos sedimentares em diferentes regiões da Chapada


Diamantina, BA: (A) relevo de custa; (B) relevo de planalto

A evolução dos processos erosivos atuando sobre camadas


sedimentares horizontais resulta na formação de uma sequência de
formas de relevo dos tipos: planalto, mesa, meseta, pilares e
pináculo, como esquematizado na Fig. 5.10.
Fig. 5.10 Esquema sobre a progressão da erosão em camadas sedimentares
horizontais, destacando as formas de relevo de planaltos: mesas, mesetas,
pilares e pináculos
Fonte: modificado de
<http://www.ufrgs.br/geociencias/cporcher/Atividades%20Didaticas_arquivos/Geo
02001/geomorfologia.htm>.

Em regiões submetidas a movimentos epirogenéticos (tectônica


distensiva), são muito comuns os relevos formados por abatimentos
de blocos. Esse abatimento se dá por falhas normais ou
gravitacionais, cuja movimentação causa o abatimento de um bloco
em relação a outro. Essa movimentação leva à formação de altos e
baixos topográficos dispostos lateralmente. Estruturas desse tipo
formam vales alongados, denominados grabens, intercalados com
altos topográficos, denominados horsts (Fig. 5.11A). Um exemplo
brasileiro desse tipo de estrutura é dado pelo graben do Paraíba
(situado no vale do rio Paraíba do Sul), que se abateu a partir da
tectônica do período Terciário (65-2 Ma), que elevou as serras da
Mantiqueira e do Mar (Fig. 5.11B).

Fig. 5.11 (A) Esquema de uma estrutura em horst e graben; (B) Imagem Aster-
Terra do graben do Paraíba obtida em 31 de agosto de 2004

Nas áreas continentais, extensos eventos de vulcanismo são


bastante comuns. Fundamentalmente, no entanto, eles diferem dos
vulcões clássicos, associados a cadeias de montanhas e arcos de
ilhas vulcânicas, por não desenvolverem um cone central. Nesse
caso, a extrusão de lavas basálticas, denominadas do tipo platô, se
dá a partir de um sistema fissural, que pode atingir centenas de
quilômetros de extensão, e recobre grandes áreas (Fig. 5.12A). Uma
das maiores expressões mundiais desse tipo de vulcanismo ocorreu
no período Cretáceo (140-65 Ma), na bacia sedimentar do Paraná
(Fig. 5.12B), recobrindo cerca de 1.200.000 km2 no sul do Brasil e
em partes da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. O vulcanismo
fissural é semelhante, inclusive em composição, ao que ocorre,
hoje, nas cadeias meso-oceânicas.
Fig. 5.12 (A) Esquema tectônico de um platô basáltico; (B) Sucessão de
derrames ácidos e básicos no cânion Fortaleza, SC-RS
Fonte: (A) <http://www.cprm.gov.br/Aparados/index.htm>.

Os movimentos diastróficos responsáveis pela construção dos


grandes cinturões orogenéticos (Fig. 5.13) estão associados, em
maior escala, a estruturas geológicas de caráter compressivo, como
dobras – sinclinais, anticlinais (Fig. 5.14A), nappes (Fig. 5.14B)
etc. – e falhamentos com movimentação inversa de baixo ou alto
ângulo (Fig. 5.14C) e direcional (Fig. 5.14D) ou de rejeito
horizontal (transcorrente). Nessas unidades são comuns, também,
as estruturas vulcânicas.

Fig. 5.13 (A) Principais elementos de um cinturão orogenético; (B) Cordilheira do


Himalaia
Fontes: (A) adaptado de Tarbuck e Lutgens (1996); (B)
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cordilheira>.
Como destacado anteriormente, o vulcanismo é um fenômeno que
ocorre não apenas nas cadeias de montanhas (limite de placas
convergentes), mas também no interior da placas continentais, nas
cadeias meso-oceânicas (vulcanismo fissural) e no interior das
placas oceânicas, com a formação de ilhas vulcânicas a partir de
pontos quentes. É, no entanto, nas grandes cordilheiras que essas
estruturas, muitas ainda em atividade, sobressaem na topografia
com seu cone característico (Fig. 5.15A), constituindo imponentes
formas de relevo (Fig. 5.15B,C). O Brasil, por sua situação no
interior de uma placa continental estável, não apresenta condições
para a ocorrência de vulcões ativos.
Fig. 5.14 (A) Dobras em anticlinal (A) e sinclinal (S) limitadas pelos flancos (fl); (B)
Nappe (dobra de carreamento) nos Alpes austríacos; (C) Falha de movimentação
inversa (F1) associada à dobra anticlinal (DA); (D) Zona de cisalhamento
transcorrente (ZCT) com rejeito direcional sinistral (gnaisses do Complexo Jaru,
RO)
Fontes: (A, B, C) <http://domingos.home.sapo.pt/form_mont_1.html>; (D)
Veneziani et al. (2007).
Fig. 5.15 (A) Estrutura de um vulcão; (B) Vulcão El Misti, Peru; (C) Vulcão Lascar,
Chile
Fonte: <http://www.cprm.gov.br/Aparados/vulc_pag03.htm>.

5.5 Ambientes Tectônicos


Brasileiros
Nesta seção são apresentados alguns exemplos de ambientes
brasileiros que passaram por um conjunto de eventos tectônicos
durante a sua evolução, os quais foram determinantes na definição
dos padrões de formas de relevo que caracterizam suas paisagens
atuais. Ao apresentar esses exemplos em ordem cronológica, o
objetivo é mostrar alguns dos principais ciclos/eventos tectônicos
que caracterizaram a história geológica do Brasil. Os ambientes aqui
selecionados são representados em imagens de satélite, pois é
objetivo também destacar o potencial dessas imagens no seu
estudo.

5.5.1 Relevo montanhoso em cinturão de


cisalhamento direcional
A Província Mineral de Carajás, no Estado do Pará, constitui uma
das mais importantes reservas minerais do Brasil, com os maiores
depósitos de ferro do mundo (Fig. 5.16), além de importantes
mineralizações em ouro, cobre, manganês e níquel. Ela integra a
plataforma brasileira, na porção sudeste do cráton Amazônico, que
se tornou estável antes do final do Pré-Cambriano (acima de 600
Ma) (Almeida et al., 1981).

A serra dos Carajás (no centro da Fig. 5.17A) inclui a província


mineral. A história geológica da região é caracterizada pela
evolução de um cinturão de cisalhamento com movimentação
predominantemente direcional de idade arqueana (acima de 2.600
Ma) (Fig. 5.17B).

A Fig. 5.17A realça, em sua parte central, os relevos montanhosos


da serra dos Carajás, distribuídos no sentido leste-oeste, em
contraste com os relevos mais arrasados de seu entorno. A serra
dos Carajás representa um relevo montanhoso e dissecado em
escarpas, com altitudes de até 850 m, sendo constituída
essencialmente por sedimentos (formação Águas Claras) e rochas
vulcano-sedimentares de baixo grau (formações Carajás e
Parauapebas). Na parte central da serra, com uma altitude de 450 m
a 500 m e com um relevo predominantemente colinoso, ocorre um
batólito granítico, o Granito Central. No entorno da serra, em áreas
arrasadas, afloram gnaisses do Complexo Xingu, em um relevo com
altitudes médias de 200 m a 300 m (Fig. 5.17B).

Fig. 5.16 Mina de ferro N4, serra dos Carajás


O ótimo realce morfológico observado na imagem ScanSAR Narrow
do satélite Radarsat-1 revela a principal característica da visão
oblíqua desse tipo de sensor (Radar de Abertura Sintética): a sua
alta sensibilidade às variações da geometria superficial do terreno.
Além disso, a sua alta potencialidade e versatilidade de aplicação na
região amazônica deve-se à capacidade do sensor de operar sob
condições atmosféricas adversas (chuva, bruma, nuvem, fumaça
etc.), que são muito comuns nessa região (Santos et al., 2001), e à
possibilidade de percepção estereoscópica (mais detalhes em
Santos et al., 1999; Santos; Paradella; Veneziani, 2003) e de
integração digital dos dados de radar com imagens ópticas (Fig.
5.18A) e dados aerogeofísicos (Fig. 5.18B), que aumentam, em
muito, a interpretabilidade desses dados (mais detalhes em
Paradella et al., 1998, 2000, 2005). O mapa geológico da Fig. 5.17B
destaca o cisalhamento (deformação, ruptura e deslocamento dos
corpos rochosos), com movimentação no sentido anti-horário
(sinistral) ao longo das estruturas rúpteis (falhas) de direção WNW-
ESE, que, em seu conjunto, constituem o Cinturão de Cisalhamento
Itacaiúnas (Araújo; Maia, 1991). Os relevos representados na Fig.
5.17A são, na maior parte, condicionados por esse grande evento
tectônico ocorrido no final do Arqueano. A própria serra dos Carajás
sobressai na topografia sob a forma de um sigmoide amoldado pelo
sentido da movimentação tectônica.
Fig. 5.17 (A) Imagem de radar do satélite Radarsat-1, no modo ScanSAR Narrow
descendente; (B) Mapa geológico da região de Carajás
Fonte: Veneziani, Santos e Paradella (2004).
Fig. 5.18 Região do Granito Central, serra dos Carajás: (A) fusão digital de
imagem Radarsat-1 modo standard descendente (S5D) com imagem TM Landsat
(4R5G3B, técnica de correlação/IHS, detalhes em Paradella et al., 2001); (B)
fusão digital de imagem Radarsat-1 S5D com dados aerogamaespectrométricos
contagem total (técnica IHS, detalhes em Paradella et al., 2001)

5.5.2 Relevo serrano em cinturão de


cavalgamento
A serra do Espinhaço, com uma largura média de 20 km, distribui-se
na direção norte-sul por mais de 1.000 km, atravessando os Estados
de Minas Gerais e da Bahia, até os limites do Piauí e de
Pernambuco. A bacia do Espinhaço desenvolveu-se a partir do
Paleoproterozoico, com sedimentação estendendo-se até o
Mesoproterozoico. A bacia desenvolveu-se com a formação de um
rifte com disposição meridional (evolução do tipo rift-sag, ou seja,
uma fase rifte seguida por uma fase flexural, segundo Martins Neto,
1998), ocasionando uma sedimentação de origem continental e
marinha, cuja espessura preservada supera os 3.000 m. Embora
alguns autores proponham a existência de um evento
termotectônico no final do Mesoproterozoico (Evento Uruaçuano –
Espinhaço), a maioria dos autores atuais postula que a inversão, a
deformação e o metamorfismo que resultaram na formação da serra
do Espinhaço deram-se no final do Evento Brasiliano (650-500 Ma).
Segundo esses autores, o referido evento gerou os dobramentos e
os cavalgamentos de leste para oeste que caracterizam o
Espinhaço Meridional. A serra do Espinhaço Meridional pertence à
zona externa da faixa Araçuaí, a qual bordeja a margem sudeste do
cráton Neoproterozoico do São Francisco (Schobbenhaus, 1996;
Martins Neto, 1998; Soares; Leonardo, 2000).

A imagem TM Landsat da Fig. 5.19A mostra, na sua parte central, a


serra do Espinhaço Meridional na região de Congonhas do Norte,
com seu relevo de serras retilíneas e paralelas na orientação NNW-
SSE (letra a na Fig. 5.19A), com um realce notável em relação às
áreas mais arrasadas de seu entorno. A Fig. 5.19B contém o mapa
geológico da mesma área e mostra as unidades Paleo a
Mesoproterozoicas do Espinhaço (supergrupo Espinhaço:
formações Córrego Bandeira, Córrego dos Borges, Santa Rita,
Galho do Miguel e Unidade Itambé do Mato Dentro). Essas
unidades são limitadas por falhamentos (ou zonas de cisalhamento)
com movimentação inversa (letra a na Fig. 5.19A), caracterizando o
típico cavalgamento do espinhaço, em que as unidades mais
antigas, a leste, são alçadas sobre as unidades mais jovens, a
oeste. Na parte leste do mapa ocorrem as rochas mais antigas
(Arqueano), que fazem o embasamento da serra, e na parte oeste,
as coberturas neoproterozoicas.
Fig. 5.19 (A) Imagem TM Landsat 5(R) 4(G) 3(B) obtida em 27 de junho de 2003,
com setas exemplificando alguns planos por onde se deram os cavalgamentos
dos conjuntos litológicos, de leste para oeste; (B) Mapa geológico do Espinhaço
Meridional na região de Congonhas do Norte, MG
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.

A Fig. 5.20 exemplifica aspectos do relevo serrano esculpido em


rochas quartzíticas do Espinhaço Meridional.
Fig. 5.20 (A) Borda oeste do Espinhaço Meridional (serra do Cipó), realçando o
mergulho das camadas de quartzito para leste; (B) Imponente paredão de
quartzito na borda leste do Espinhaço Meridional (cachoeira Taboleiro), próximo a
Itacolomi, MG

5.5.3 Relevo de planalto com dobras de


grande amplitude
A Chapada Diamantina é um planalto situado na região central do
Estado da Bahia, constituída por sedimentos pertencentes à bacia
Espinhaço-Chapada Diamantina. A estruturação do rifte Espinhaço
deu-se ao longo de falhas NS e NW-SE e relaciona-se a uma fase
extensional que ocorreu no final do Paleoproterozoico (1.800-1.700
Ma) (Schobbenhaus, 1996). A sedimentação, essencialmente
terrígena, desenvolveu-se por pelo menos 700 milhões de anos
(Pedreira, 1997). No final do Proterozoico Superior, os sedimentos
mesoproterozoicos da Chapada Diamantina foram submetidos a
deformações tectônicas do evento Brasiliano (650-500 Ma).

A região central da imagem TM Landsat da Fig. 5.21A engloba a


porção norte da Chapada Diamantina, que constitui os relevos mais
acidentados e elevados topograficamente. Esse planalto é
parcialmente recoberto, a oeste, por sedimentos recentes e, a leste,
por unidades neoproterozoicas de composição predominantemente
calcária (Fig. 5.21B). A Chapada Diamantina, como um todo, está
estruturada (deformação relacionada ao evento Brasiliano) em
dobras suaves e de grande amplitude (sinclinais, anticlinais), no
geral mergulhando para norte. As unidades mesoproterozoicas do
Grupo Chapada Diamantina (formações Tombador, Caboclo e Morro
do Chapéu) sustentam os relevos mais elevados do planalto e
caracterizam, de forma didática na imagem TM Landsat, quebras
negativas de relevo dispostas de forma linear e contínua (Fig.
5.21A), determinando os limites entre as principais unidades
geológicas.

A Fig. 5.22 exemplifica os planaltos sustentados pelos sedimentos


do Grupo Chapada Diamantina, característicos da região. A foto
situa-se no limite leste da Chapada Diamantina e evidencia o suave
mergulho das camadas para oeste, caracterizando um relevo
cuestiforme.
Fig. 5.21 (A) Imagem TM Landsat 5(R) 4(G) 3(B), obtida em 3 de setembro de
1993, com setas indicando quebras negativas contínuas que marcam os limites
entre as unidades geológicas mostradas no (B) mapa geológico da região da
Chapada Diamantina, BA
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.
Fig. 5.22 Ao fundo, relevo de planalto típico da Chapada Diamantina, na região
de São João, BA

5.5.4 Relevo serrano em nappe


neoproterozoico
A faixa de dobramentos Brasília, de idade neoproterozoica (790-600
Ma), desenvolveu-se na margem ocidental do cráton do São
Francisco, estendendo-se na direção N-S por mais de 1.000 km,
através dos Estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins e do Distrito
Federal. A porção meridional da faixa é caracterizada por
cavalgamentos com vergência para o cráton do São Francisco, a
leste. Nessa região, a faixa foi subdividida em três domínios
tectônicos distintos (Valeriano et al., 1995) Os dois domínios
tectônicos mais antigos, a Nappe de Passos e o Domínio Alóctone
Externo, cavalgam as rochas autóctones e mais jovens do Grupo
Bambuí, que constitui a cobertura do cráton do São Francisco.

A Fig. 5.23A engloba parte da serra da Canastra, que se apresenta


na forma de um platô elevado (letra a na Fig. 5.23A), na metade
nordeste da imagem, e na forma de serras retilíneas alinhadas na
direção NW-SE (letra b na Fig. 5.23A), na porção central da cena. A
serra da Canastra mostra um excelente contraste morfológico com
os relevos mais arrasados em seu entorno. O mapa geológico da
Fig. 5.23B representa os sedimentos mesoproterozoicos da
formação Canastra (MPc), que constitui o elemento tectônico da
faixa de dobramentos Brasília denominado Nappe de Passos
(Valeriano et al., 1995), sedimentos estes que, com as rochas
neoproterozoicas do Grupo Araxá (Npac, Npah), que integram o
denominado Domínio Alóctone Externo, cavalgam sobre as rochas
neoproterozoicas mais jovens do subgrupo Paraopeba (Npb) (Grupo
Bambuí), em um movimento de oeste para leste através de
estruturas inversas de baixo ângulo (falhas de empurrão). Dentro
desse contexto tectônico, o mapa geológico destaca o cisalhamento
transcorrente sinistral ao longo da direção NW-SE. Os planos por
onde se deram esses movimentos direcionais estão muito bem
caracterizados na imagem da Fig. 5.23A (letra c).
Fig. 5.23 (A) Imagem TM Landsat (as letras a, b e c são discutidas no texto); (B)
Mapa geológico da região da serra da Canastra, MG
Fonte: modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php> e
Silva et al. (2006).

A Fig. 5.24 exemplifica os dois principais tipos de relevo dessa


região da serra da Canastra. A foto da Fig. 5.24A mostra, ao fundo,
os altos platôs sustentados pelas unidades da formação Canastra, e
a foto da Fig. 5.24B, em área de ocorrência da mesma unidade
geológica, mostra o relevo de serras alinhadas segundo a direção
NW-SE, pelo efeito da movimentação tectônica direcional (falhas
transcorrentes sinistrais, ver Fig. 5.23B).

Fig. 5.24 (A) Ao fundo, relevo de platô da serra da Canastra, próximo a São José
do Barreiro, MG;
(B) Relevo de serras alinhadas NW-SE na região de Lindolfo Almeida, MG

5.5.5 Relevo em terrenos dobrados


A faixa de dobramentos Paraguai, de idade neoproterozoica,
localizada na borda sudeste do cráton Amazônico, compreende uma
espessa sucessão de rochas sedimentares, depositadas em
ambiente de margem passiva, que foram deformadas (dobradas e
metamorfizadas) durante a Orogenia Brasiliana (Alvarenga; Santos;
Dantas, 2004). A faixa de dobramentos Paraguai pode ser
subdividida, segundo Alvarenga e Trompette (1993), em Zona
externa dobrada, com pouco ou nenhum metamorfismo, e Zona
interna metamórfica e com intrusões graníticas.

A Fig. 5.25 exemplifica uma área de ocorrência da Zona externa na


região de Cáceres, MT, que é caracterizada por dobras abertas,
cortadas por falhamentos e parcialmente recobertas por sedimentos
quaternários. A porção central da imagem TM Landsat da Fig. 5.25A
mostra um ótimo realce das unidades geológicas dobradas. Quando
comparadas com o mapa geológico da Fig. 5.25B, observa-se que
as serras retilíneas dispostas na orientação NNE-SSW (Fig. 5.25A),
separando zonas rebaixadas, “desenham” nítida e completamente
as estruturas dobradas em (braqui-) sinclinais e anticlinais. Essas
formas de relevo atuais revelam o seu condicionamento a um
grande evento tectônico ocorrido há cerca de 500 milhões de anos.

Fig. 5.25 (A) Imagem TM Landsat 5(R) 4(G) 3(B), obtida em 28 de junho de 1998
(as setas indicam orientação NNE-SSW); (B) Mapa geológico da região de
Cáceres, MT
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.

5.5.6 Relevos tabuliformes em terrenos


sedimentares
A bacia sedimentar do Paraná é uma ampla bacia intracratônica,
com área, em território brasileiro, superior a 1.000.000 de km2, que
se instalou a partir da cratonização da Plataforma Sul-Americana, no
final do Pré-cambriano. A sedimentação iniciou-se no Paleozoico e,
no Mesozoico, teve dois terços de sua superfície coberta por lavas
basálticas. A espessura da bacia, em sua parte central, incluindo
rochas sedimentares e magmáticas, ultrapassa 7.000 m (Milani;
Thomaz Filho, 2000). Esses terrenos são caracterizados por
planaltos sedimentares ou basálticos, tabuliformes ou ligeiramente
cuestiformes (Casseti, 2006). Na sequência, serão apresentados
três exemplos de relevos tabuliformes em diferentes regiões da
bacia do Paraná.

A Fig. 5.26A exemplifica o relevo tabuliforme em planalto sedimentar


da bacia do Paraná, na região do Alto Taquari (MT). As condições
teóricas para a formação desse tipo de relevo são apresentadas na
Fig. 5.27. Nesse caso, a camada friável é representada pela
formação Cachoeirinha (Fig. 5.26B), e o relevo é constituído pelas
rochas ígneas da formação Serra Geral. Esse conjunto de aspectos
de relevo e de ambiente geológico torna a área ideal para a
agricultura, como pode ser observado na Fig. 5.26A, pelo seu total
aproveitamento para o plantio de soja.

Fig. 5.26 (A) Imagem TM Landsat 5(R) 4(G) 3(B), obtida em 26 de junho de 2002;
(B) Mapa geológico da região de Alto Taquari, MT. Na imagem, os tons de
magenta e formas geométricas representam áreas com cultura de soja
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.
Fig. 5.27 Principais elementos de uma morfologia tabuliforme atual
Fonte: Casseti (2006).

O segundo exemplo situa-se no platô basáltico da bacia do Paraná,


na região próxima ao limite entre os Estados do Rio Grande do Sul e
de Santa Catarina (Fig. 5.28). O relevo tabuliforme (Fig. 5.28A),
nesse caso, é suportado pelas espessas sequências de rochas
extrusivas ígneas (basalto e riodacito) que superpõem os
sedimentos da formação Botucatu (Fig. 5.28B).

A Fig. 5.29 exemplifica o terreno muito acidentado, formado pela


escarpa que limita o platô basáltico na região próxima à localidade
de Vila Nova (SC).
Fig. 5.28 (A) Imagem TM Landsat 5(R) 4(G) 3(B), obtida em 9 de julho de 1985;
(B) Mapa geológico da região do platô basáltico, RS-SC
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.

Fig. 5.29 Relevo montanhoso do platô basáltico próximo a Vila Nova, SC

O terceiro exemplo de relevo tabuliforme, mostrado na Fig. 5.30,


localiza-se na região de São Félix do Tocantins (TO), em arenitos de
idade neocretácea do Grupo Urucuia. Essa sequência faz parte da
cobertura sedimentar fanerozoica do cráton do São Francisco,
conhecida como bacia Sanfranciscana (Campos; Dardenne, 1997).
Os relevos tabuliformes da Fig. 5.30A são superfícies pediplanadas,
com coberturas detrítico-lateríticas terciárias (que sustentam o
relevo) desenvolvidas sobre os arenitos Urucuia (Casseti, 2006). A
Fig. 5.30B exemplifica o relevo tabuliforme nessa região.

Fig. 5.30 (A) Imagem TM Landsat 5(R) 4(G) 3(B), obtida em 9 de julho de 2000,
realçando os relevos tabuliformes (destacados com círculos) em arenitos do
Grupo Urucuia, na região de São Félix do Tocantins, TO; (B) Ao fundo, o relevo
tabuliforme na mesma região

5.5.7 Relevos de planalto e de serra circular


O magmatismo alcalino de Poços de Caldas (MG-SP) representa
uma das diversas manifestações tectonomagmáticas que ocorreram
em consequência da abertura do oceano Atlântico Sul, da
reativação cretácea e da epirogênese posterior. O maciço localiza-
se na borda noroeste da bacia sedimentar do Paraná, em terrenos
pré-cambrianos. Datações geocronológicas (método K-Ar) obtidas
em rochas do maciço alcalino de Poços de Caldas indicam que a
intrusão do corpo iniciou-se há cerca de 89 milhões de anos
(Cretáceo Superior), com a intrusão de rochas félsicas, estendendo-
se até cerca de 54 Ma. Muitos autores descrevem a sua evolução a
partir de um domeamento (Fig. 5.31), com posterior colapso e
formação de estrutura em caldeira (Franco et al., 2005). Estruturas
circulares indicam a presença de cones vulcânicos no interior do
maciço, que é, também, cortado por estruturas nas direções
principais ENE-WSW, NE-SW e NW-SE (Almeida Filho; Paradella,
1977).

O relevo do maciço alcalino de Poços de Caldas corresponde a uma


estrutura circular resultante da intrusão do plúton alcalino, que
provocou o arqueamento da paleomorfologia, a qual foi,
posteriormente, submetida a processos erosivos associados a uma
epirogênese positiva.

Fig. 5.31 Principais elementos associados a uma estrutura dômica


Fonte: Casseti (2006).
A Fig. 5.32A realça, em sua parte central, a estrutura circular do
maciço alcalino de Poços de Caldas, representada por um relevo
serrano formado pelo arqueamento das unidades geológicas (Fig.
5.32B) que limitam toda a extensão do maciço. A Fig. 5.33, tomada
da região da localidade de Andradas (Fig. 5.32B), sentido norte,
exemplifica o relevo dessas serras que bordejam o maciço.

Fig. 5.32 (A) Imagem TM Landsat obtida em 9 de julho de 2005; (B) Mapa
geológico do maciço alcalino de Poços de Caldas, MG-SP
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.
Fig. 5.33 Região da localidade de Andradas, sentido norte, exemplificando o
relevo serrano que bordeja o maciço alcalino de Poços de Caldas

5.5.8 Relevo de horst e graben


Durante a transição dos períodos geológicos Cretáceo e Terciário
Superior (70-65 Ma), enquanto a cadeia de montanhas dos Andes
se formava nas porções orientais do continente sul-americano,
como consequência da sua separação do continente africano,
iniciava-se um grande processo tectônico, caracterizado
principalmente por movimentos epirogenéticos e intenso e extenso
magmatismo, denominado Reativação Wealdeniana. No período
Terciário Médio a Superior, deu-se um soerguimento regional
responsável pela elevação da serra da Mantiqueira e da serra do
Mar. Na zona axial desse grande soerguimento, houve um
abatimento de blocos por meio da reativação de antigas falhas
geológicas orientadas segundo NE-SW, originando a formação do
graben do Paraíba. Ainda no período Terciário, essas regiões que
sofreram subsidência foram preenchidas por sedimentos erodidos
dos relevos mais elevados, dando origem a um conjunto de bacias
sedimentares – Sistema de Rifts da Serra do Mar (Almeida, 1976) –,
entre as quais a mais representativa é a bacia de Taubaté. No
período Quaternário, até os dias atuais, a modelagem do relevo
continua ativa, com a erosão dos morros e das serras que delimitam
o graben, e a deposição dos sedimentos ao longo do vale do rio
Paraíba do Sul.

O mosaico Cbers da Fig. 5.34 mostra a planície aluvial do rio


Paraíba do Sul, ladeada pelos relevos montanhosos da serra da
Mantiqueira, a noroeste, e da serra do Mar, a sudeste, alinhados na
orientação NE-SW. As evoluções geológica e geomorfológica que
resultaram nesse conjunto de relevos caracterizam uma estrutura do
tipo horst e graben, cujos elementos estão esquematizados no
bloco-diagrama da Fig. 5.11A.

A Fig. 5.35 detalha o contexto geológico do graben do Paraíba na


região de São José dos Campos, na área delimitada pela imagem
Aster-Terra (Fig. 5.35A). O mapa geológico da Fig. 5.35B destaca as
falhas geológicas NE-SW, ao longo das quais se deu o abatimento
de blocos que originou a formação do graben e o seu posterior
preenchimento pelos sedimentos terciários da bacia de Taubaté
(formações Pindamonhangaba, São Paulo, Rezende e Tremembé).
Os falhamentos geológicos citados limitaram a bacia sedimentar das
unidades que ocorrem mais a norte, constituídas por rochas
gnáissicas de idade neoproterozoica do Complexo Embu (Chang et
al., 1989).
Fig. 5.34 Mosaico IRMSS-Cbers-1
Fonte: Florenzano (2007).
Fig. 5.35 (A) Imagem Aster-Terra 3(R) 4 (G) 2(B) da região de São José dos
Campos, SP, obtida em 31 de agosto de 2004; (B) Mapa geológico
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.

5.5.9 Relevo da planície de inundação


O Pantanal Mato-grossense constituiu-se na maior planície
inundável do planeta, com uma área de 138.183 km2. Dentro desse
ambiente com características diversificadas, sobressai o leque
aluvial do rio Taquari (Fig. 5.36), que constitui um sistema
deposicional complexo com cerca de 250 km de diâmetro (Abdon,
2004).

Almeida (1945) definiu a bacia do Pantanal como uma depressão


tectônica interior. Movimentos epirogenéticos, sobretudo no Plioceno
e no Pleistoceno, elevaram partes da plataforma Brasileira,
provocando o surgimento de blocos de falha que se abateram,
permitindo a formação de bacias tectônicas. A sedimentação, com
uma espessura máxima de 550 m, teria se iniciado ainda no
Terciário, estendendo-se até os dias atuais, com uma taxa de
subsidência no Quaternário da ordem de 22 cm/1.000 anos. A
origem da bacia do Pantanal é associada a esforços extensionais
causados por movimentos relativos das placas: sul-americana e de
Nazca (Ussami; Shiraiwa; Domingues, 1999).

Fig. 5.36 (A) Mosaico GeoCover Landsat, Nasa do leque aluvial do rio Taquari
(MS); (B) Mapa geológico
Fonte: (B) modificado de <http://mapoteca.cprm.gov.br/programas/template.php>.

O mosaico Landsat da Fig. 5.36A mostra o relevo de planície de


todo o leque aluvial do rio Taquari e, no limite leste, parte do planalto
sedimentar da bacia do Paraná. O mapa geológico da Fig. 5.36B
representa os depósitos quaternários de sedimentos, principalmente
aluvionares, que constituem a planície e as unidades sedimentares
fanerozoicas que suportam os relevos alçados do planalto. A imensa
quantidade de sedimentos que é transportada do planalto para a
planície pela bacia do rio Taquari deve-se a um sistema de
drenagem obsequente, que se traduz em um processo de erosão
rápida e intensa, em um planalto sustentado por rochas
sedimentares pouco coesas, agravado pelo desmatamento intensivo
e por atividades agropecuárias (Crepani; Santos, 1995).

A Fig. 5.37 é uma visão aérea do relevo da região sul do leque


aluvial do Taquari, com as lagoas características do Pantanal
denominado de Nhecolândia (Abdon, 2004).

Fig. 5.37 Vista aérea do Pantanal de Nhecolândia, na região sul do leque aluvial
do Taquari

Considerações Finais
Os eventos tectônicos foram (e são) fundamentais na construção
das formas de relevo atuais, como pôde ser constatado em alguns
exemplos de áreas do território brasileiro submetidas a diferentes
processos deformacionais durante a sua evolução geológica. A
tectônica é a responsável pela formação e deformação dos
diferentes tipos rochosos, os quais são submetidos aos processos
geomórficos modeladores, resultando nas formas de relevo que
constituem uma determinada paisagem.

Os processos epirogenéticos são responsáveis pela formação de


bacias sedimentares e pelo magmatismo associado a fraturas
distensivas. Os relevos resultantes desse ambiente geológico são
aqueles típicos de planalto sedimentar ou sustentado por um platô
basáltico, como é o caso da nossa bacia sedimentar do Paraná.
Quando ocorre uma epirogênese positiva continuada, há o
abatimento de blocos falhados, podendo constituir um relevo do tipo
horst e graben, como ocorre no sistema das serras do Mar e da
Mantiqueira, na região do vale do Paraíba, ou ainda, uma bacia
tectônica, como a que ocorre no Pantanal Mato-grossense.

Os processos orogenéticos são associados a uma tectônica


compressiva que deforma e altera as rochas por meio de
dobramentos, falhamentos e metamorfismo, e a um intenso
magmatismo na forma de intrusões e vulcões. Eles são
responsáveis pela formação de cadeias de montanhas, como é o
caso atual dos Andes. No Brasil, devido à sua localização no interior
de uma placa tectônica, esses processos deformadores ocorreram
apenas em uma época pretérita. Entretanto, o relevo atual ainda é
fortemente condicionado por eventos que ocorreram até no
Arqueano (idade superior a 2.600 Ma), como é o caso daquele da
serra dos Carajás.

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Renato Fontes Guimarães
Osmar Abílio de Carvalho Júnior
Roberto Arnaldo Trancoso Gomes
Nelson Ferreira Fernandes
MOVIMENTOS DE MASSA 6

Os desastres naturais constituem hoje um dos grandes problemas


socioeconômicos do mundo. Dentre os fenômenos que mais se
destacam, podemos citar os terremotos, as inundações e os
movimentos de massa. Esses fenômenos são objetos de interesse
de pesquisadores, planejadores e administradores públicos, pois
acabam afetando regiões onde estão localizadas cidades, redes de
infraestrutura (oleodutos, gasodutos, aquedutos, estradas, linhas de
transmissão) e complexos industriais.

De acordo com a ONU (1993), um dos fenômenos naturais que mais


causam prejuízos financeiros e mortes no mundo são os
movimentos de massa. Esses fenômenos são importantes na
evolução do relevo e têm sua ocorrência nas vertentes. Nas
cidades, eles assumem, em geral, proporções catastróficas, uma
vez que causam danos materiais e perdas de vidas humanas
(Brunsden; Prior, 1984; Montgomery; Dietrich, 1994; Fernandes;
Amaral, 1996; Larsen; Torres-Sánchez, 1998; Zerkal, S.; Zerkal, O.,
2004).

O Brasil, devido às condições climáticas, com intensas chuvas de


verão, e geomorfológicas, com grandes maciços montanhosos, está
muito suscetível à ocorrência dos movimentos de massa. Além da
frequência elevada desses movimentos, em razão das condições
naturais, ocorre também um grande número de acidentes
associados à atuação antrópica nas vertentes. Com relação às
atividades antrópicas em áreas urbanas, a que mais preocupa é a
ocupação irregular das encostas, com o consequente
desmatamento e o corte de taludes, propiciando uma maior
suscetibilidade à ocorrência dos movimentos de massa.
Na compreensão dos processos controladores dos movimentos de
massa e no planejamento do uso da terra, torna-se necessário
avaliar a estabilidade das encostas. Dessa forma, o
desenvolvimento de metodologias que utilizam técnicas de
sensoriamento remoto e Sistemas de Informações Geográficas
(SIG) torna-se essencial, por permitir otimizar a obtenção e
espacialização das informações e gerar modelos de previsão (Wu;
Sidle, 1995; Christofoletti, 1999).

Os diferentes tipos de movimentos de massa dependem das


condições locais, como: estrutura geológica; tipo dos materiais;
declividade, orientação e forma da vertente; área de contribuição;
intensidade e distribuição das precipitações. Diversas metodologias
vêm sendo desenvolvidas visando à previsão dos movimentos de
massa, a qual pode subsidiar os administradores públicos em
atividades como: elaboração de planos de evacuação, elaboração
de mapas de suscetibilidade, planejamento urbano e planejamento
de traçado de rodovias, entre outros.

6.1 Classificação dos Movimentos


de Massa
Os movimentos de massa podem ter diversas classificações, em
razão da grande variedade de materiais, processos e fatores
condicionantes (Fernandes; Amaral, 1996). De acordo com Selby
(1993), as classificações seguem como critérios de diferenciação: o
tipo de material mobilizado, a velocidade e o mecanismo do
movimento, o modo de deformação, a geometria da massa
movimentada e o conteúdo de água (Fig. 6.1).
Fig. 6.1 Classificação dos movimentos de massa de acordo com o grau de
umidade e velocidade
Fonte: modificado de Carson e Kirkby (1972).

Entre as diferentes classificações, podemos destacar as propostas


por Sharpe (1938), Carson e Kirkby (1972), Varnes (1978) e Sassa
(1989). No Brasil, destacam-se as desenvolvidas por Guidicini e
Nieble (1984) e IPT (1991), que classificam os movimentos de
massa em: quedas de blocos, subsidências, escorregamentos
(translacionais e rotacionais) e escoamentos (rastejos e corridas).

As quedas de blocos podem ser divididas em quedas de rocha ou


de solo. São movimentos rápidos em queda livre pela ação da
gravidade e típicos de áreas muito íngremes (Guidicini; Nieble,
1984). Nas áreas onde esse tipo de movimento ocorre, normalmente
existem fraturas nos paredões rochosos ou há um desgaste na base
da encosta, o que provoca a queda superior do bloco (Fig. 6.2).
Além disso, descontinuidades e/ou alívios de tensão poderão
ocasionar quedas.
Fig. 6.2 Esquema demonstrativo do processo de queda de blocos

No Estado do Rio de Janeiro, há vários exemplos de quedas de


blocos em locais como: BR-040 (Rio-Juiz de Fora), com vários
pontos de alívio de tensão; áreas de favela como a do Morro São
João; e ao longo da estrada Rio-Petrópolis (Fig. 6.3).
Fig. 6.3 Estrada Rio-Petrópolis mostrando vários blocos soltos ao longo da
encosta, na iminência de queda

As subsidências são movimentos em que o deslocamento da


massa normalmente é vertical, com uma componente horizontal
nula ou praticamente nula (Guidicini; Nieble, 1984). Esse fenômeno
pode ter origem natural (epirogenia e falhamentos) ou antrópica,
pela retirada de material subterrâneo, como: água, petróleo, gás e
minério (Fig. 6.4).

Fig. 6.4 Subsidência a partir da retirada de água do subsolo

Os escorregamentos caracterizam-se como processos que


ocorrem de forma rápida, com um plano de ruptura definido, o qual
separa o material escorregado do não movimentado. Eles podem
ser divididos em dois tipos: os rotacionais e os translacionais.

Os escorregamentos rotacionais são caracterizados por


possuírem uma superfície de ruptura curva, côncava, que desloca
normalmente uma grande quantidade de material de forma
rotacional (Fig. 6.5) (Guidicini; Nieble, 1984; IPT, 1991). Esse tipo de
escorregamento está muito vinculado a regiões com formações de
pacotes de solo bem desenvolvidos. Seu início, muitas vezes,
vincula-se ao desgaste natural da base da encosta, devido ao
sistema fluvial, ou então, ao desenvolvimento de condições
artificiais, como, por exemplo, o corte da encosta para a construção
de estradas.
Fig. 6.5 Escorregamento rotacional

Os escorregamentos translacionais caracterizam-se por


apresentarem um plano de ruptura abrupto, bem definido, planar, e
por serem um movimento de curta duração (Figs. 6.6 e 6.7)
(Guidicini; Nieble, 1984; IPT, 1991). Esses movimentos ocorrem
durante chuvas intensas, quando é elevada a poropressão em uma
superfície de descontinuidade. A poropressão positiva da água no
plano de ruptura altera a estabilidade da encosta, reduzindo a
tensão cisalhante do solo e a tensão normal. A ruptura ou a
instabilidade da encosta vão depender do equilíbrio entre as forças
estabilizadoras e desestabilizadoras.
Fig. 6.6 Escorregamento translacional
Fig. 6.7 Escorregamento translacional, com contato abrupto solo-rocha. Bacia do
rio Papagaio, localizado na vertente oeste do Maciço da Tijuca, na cidade do Rio
de Janeiro

Os escoamentos são movimentos contínuos e não apresentam


necessariamente uma superfície definida. Eles podem ser divididos,
de acordo com sua velocidade, em lentos (rastejo) e rápidos
(corridas de massa).

Os rastejos são movimentos muito lentos e contínuos, que ocorrem


nas vertentes, sem limites definidos. Podem envolver grande
quantidade de material, cuja movimentação normalmente é
provocada pela ação da gravidade (Fig. 6.8). Entretanto, os efeitos
das variações de temperatura, principalmente, e umidade poderão
influenciar no desenvolvimento desse fenômeno a partir do processo
de contração e expansão do material (Guidicini; Nieble, 1984).
Fig. 6.8 (A) Vertente sem movimento de rastejo (quase nulo); (B) Vertente com
movimento de rastejo

As corridas de massa são caracterizadas por movimentos rápidos,


nos quais os materiais se comportam como fluidos altamente
viscosos (Guidicini; Nieble, 1984; IPT, 1991). Esses movimentos
mobilizam um expressivo volume de material (inclusive grandes
blocos de rochas) em um curto período de tempo, com grande
velocidade e capacidade de transporte, o qual alcança grandes
distâncias (Gramani; Augusto Filho, 2004). Esse tipo de movimento
ocorre, em geral, em locais onde há uma abundância de material
facilmente mobilizável por meio da adição de água. Essas condições
são comumente encontradas sobretudo nos setores côncavos das
encostas (Selby, 1993). A origem das corridas está vinculada a
diversos processos, entre os quais se destacam a mobilização de
rochas e a concentração de escorregamentos (Costa, 1984; Borga
et al., 1998). Além disso, as corridas têm alto poder de destruição,
podendo atingir áreas de menor declividade, normalmente
consideradas de baixo risco.

6.2 Previsão dos Movimentos de


Massa
Os principais métodos de previsão de movimentos de massa podem
ser divididos em quatro grupos: (a) análise da distribuição dos
movimentos de massa no campo; (b) análise baseada em
mapeamentos geomorfológicos e/ou geotécnicos; (c) aplicação de
modelos com bases estatísticas; e (d) aplicação de modelos
matemáticos (Montgomery; Dietrich, 1994; Fernandes et al., 2001).

A análise da distribuição dos movimentos de massa no campo


define que a distribuição das cicatrizes e dos depósitos pretéritos ou
recentes, ou mesmo atuais, pode controlar futuros padrões de
distribuição de instabilidade de encostas e, consequentemente, o
desenvolvimento de corridas (Wieczorek, 1984; Amaral, 1996).

A análise com base em mapas geomorfológicos e/ou geotécnicos,


aos quais são atribuídas “notas” ou “pesos”, e na
combinação/integração desses diversos planos de informação,
utiliza a experiência do especialista (Brunsden et al., 1975; De Graff;
Romesburg, 1984; Seeley; West, 1990; Georio, 1991; Rogers; Sitar,
1994; Silva et al., 1996).

Modelos em bases estatísticas utilizam o princípio da existência de


relações funcionais de correlação entre os fatores condicionantes e
a distribuição dos movimentos de massa. Assim, os fatores que, no
passado, causaram a ocorrência de um movimento de massa num
certo local, serão os mesmos que gerarão futuros movimentos de
massa (Carrara et al., 1991; Gao, 1993; Davis; Keller, 1997; Larsen;
Torres-Sánchez, 1998; Guzzetti et al., 1999; Gorsevski; Gessler;
Jankowski, 2003; Gomes et al., 2005).
Os modelos matemáticos procuram reproduzir os sistemas
ambientais com base em equações físicas que buscam descrever o
comportamento dos processos que influenciam um fenômeno
(Beven; Kirkby, 1979). Esses modelos podem ser divididos em
estocásticos e determinísticos.

Os modelos matemáticos estocásticos caracterizam-se por


expressões que envolvem variáveis, parâmetros e constantes
matemáticas, além de um ou mais componentes aleatórios (Chorley;
Haggett, 1975).

Os modelos determinísticos são baseados nas noções matemáticas


de relações exatas, de causa e efeito, e consistem num conjunto de
afirmações matemáticas, a partir das quais consequências únicas
podem ser deduzidas (Chorley; Haggett, 1975). Nessa concepção
para a previsão dos movimentos de massa, destacam-se os
modelos que utilizam equações de análise de estabilidade das
encostas em conjunto com modelos hidrológicos (Montgomery;
Dietrich, 1994; Wu; Sidle, 1995; Guimarães et al., 1999; Pack;
Tarboton; Goodwin, 1998; Iverson, 2000; Savage; Godt; Baum,
2003).

6.2.1 Análise de estabilidade


Os escorregamentos são os movimentos de massa de maior
incidência, e geralmente desencadeiam as corridas de massa
(Amaral, 1996; Borga et al., 1998). Nesse sentido, a comunidade
científica vem dando ênfase ao desenvolvimento de modelos para
previsão de escorregamentos, os quais são abordados nesta seção.

A ocorrência dos escorregamentos está vinculado ao conjunto


detensões presentes nos materiais das vertentes (Selby, 1993).
Segundo Colângelo (1991), o relativo estado de equilíbrio mantido
entre as forças atuantes na vertente acontece quando as forças de
coesão e o atrito entre as partículas de solo são suficientemente
resistentes à componente de cisalhamento mais a carga
sobrejacente. A coesão e o atrito são propriedades inerentes dos
materiais e constituem a sua resistência ao cisalhamento. Quando a
tensão de cisalhamento ultrapassa a resistência dos materiais ou
esta última diminui, os materiais perdem sua estabilidade e ocorrem
movimentos de massa. A poropressão positiva da água sobre o
plano de ruptura contribui para alterar a estabilidade da encosta por
reduzir a tensão normal efetiva e também a tensãocisalhante do
solo (Selby, 1993).

Nas análises de previsão, utilizam-se modelos de estabilidade de


encosta para calcular o fator de segurança dos taludes (Selby,
1993), que representa a relação entre as forças de resistência e as
que favorecem a ocorrência do deslocamento do material em uma
encosta. As análises de talude infinito têm sido amplamente
aplicadas em investigações de estabilidade de encostas naturais,
particularmente nas quais a espessura do manto do solo é muito
menor que a do comprimento da encosta, e o plano de ruptura é
aproximadamente paralelo à superfície da encosta (Hammond et al.,
1992; Selby, 1993; Montgomery; Dietrich, 1994; Pack; Tarboton;
Goodwin, 1998; Borga et al., 1998; Iverson, 2000; Guimarães et al.,
2003; Savage; Godt; Baum, 2003).

Diversos estudos em bacias de drenagem utilizam modelos de


talude infinito em ambiente SIG, porque possibilita sua aplicação em
diversas encostas simultaneamente e dispõe os resultados na forma
de mapas (Okimura; Ichikawa, 1985; Montgomery; Dietrich, 1994;
Wu; Sidle, 1995).

6.2.2 Modelo Shalstab (Shallow Stability)


Na análise de estabilidade de encosta, destaca-se o modelo
matemático Shalstab (Montgomery; Dietrich, 1994). O Shalstab
combina um modelo hidrológico com um outro de estabilidade de
encosta, dentro de um ambiente SIG. O modelo utiliza uma grade
regular e calcula, para cada célula (pixel) da grade, o grau de
suscetibilidade a escorregamento.

Modelo de estabilidade de encosta


Podemos expressar a estabilidade de uma encosta pela razão entre
as tensões responsáveis pela sustentação do material da encosta
(σ) e as tensões responsáveis por sua desestabilização (τ)
(Coulomb apud Carson; Kirkby, 1972). A teoria baseada no talude
infinito, elaborada por Mohr-Coulomb, define que a tensão resistente
é expressa pela equação:

em que: τ é a tensão tangencial, σ é a tensão normal, μ é a


poropressão, C’ é a coesão efetiva e ϕ é o ângulo de atrito interno.

Na análise por talude infinito, os efeitos causados pelo atrito nas


laterais e nas extremidades são ignorados, e a análise é
considerada em relação a um plano infinito de solo sobre um plano
inclinado. Isso se justifica para os locais onde o comprimento da
encosta é muito maior do que a espessura do solo, em que são
consideradas as tensões tangencial e normal para a base de uma
coluna de solo. Com base nessas hipóteses, esse modelo de
estabilidade ajusta-se melhor a escorregamentos translacionais
rasos de contato abrupto entre solo-rocha.

Nessa análise de um talude infinito (Fig. 6.9), o bloco está inserido


no interior do regolito (material homogêneo); portanto, a
determinação do valor do peso (P) não poderá ser obtida de forma
direta, por causa da dificuldade de se obter a espessura do solo
perpendicular à superfície (e). Desse modo, uma forma de obtenção
de P é por meio das medidas da espessura vertical do bloco (z) cuja
seção transversal tem o formato do paralelogramo ACEF. Esse
artifício é empregado tomando-se cuidado para que o paralelogramo
ACEF e o retângulo ABDF possuam áreas iguais, a fim de que,
desse modo, possam ser mantidas as mesmas proporções (Fig.
6.9). Sendo assim, temos que colocar e em função de z (equação
2):

Com base na Fig. 6.9, P pode ser expresso pela equação 3:


em que ρs é a densidade do solo, L é o comprimento do bloco e g é
a aceleração da gravidade.

Como vimos na Fig. 6.9, a tensão tangencial (τ) e a tensão normal


(σ) podem ser escritas da seguinte forma, substituindo o valor de P
e eliminando L, por se tratar de um talude infinito (equações 4 e 5):

A poropressão (μ), mostrada na Fig. 6.10, é um dos componentes


das tensões e se expressa pela equação 6, em que ρw é a
densidade da água e h é a altura da coluna d’água no subsolo,
acima do plano de ruptura.

Fig. 6.9 Componentes da força-peso relacionados com as tensões que agem em


um escorregamento translacional, em que θ é a declividade e P é o peso do bloco
Fig. 6.10 Forças atuantes em uma encosta, em que θ é a declividade, P é o peso,
z é a espessura do solo, h é a altura da coluna d’água no subsolo e μ é a
poropressão

A equação 7 é obtida pela substituição dos valores de τ e σ na


equação de Mohr-Coulomb (equação 1):

Não considerando a coesão do solo, temos a equação razão h/z,


que é a proporção da coluna de solo saturado (equação 8a):

Se considerarmos a coesão do solo (C’), a relação h/z poderá ser


escrita pela equação 8b, da seguinte forma:

Modelo hidrológico
Beven e Kirkby (1979) mostraram que o padrão de saturação do
solo no relevo está relacionado com a razão (a/bM), em que a/b é a
área drenada que passa por uma unidade de comprimento de
contorno dividida pela declividade M (Fig. 6.11).

Partindo desse princípio, o modelo hidrológico desenvolvido por


O’Loughlin (1986) definiu um padrão de equilíbrio de saturação do
solo baseado na análise da: área de contribuição a montante,
transmissividade do solo e declividade. Nesse modelo, considera-se
que o fluxo infiltra-se até um plano de mais baixa condutividade, em
geral o contato solo-rocha, seguindo então um caminho determinado
pela topografia.

Nessa abordagem, a condição necessária para que exista uma zona


de saturação em uma encosta é que o fluxo de água acumulado em
um certo ponto, isto é, o produto entre a área drenada a montante
(a) e a precipitação (Q) que passa por um elemento de contorno de
comprimento (b), seja maior do que o produto da transmissividade
do solo (T) e o seno da declividade local (θ) (equação 9):
Fig. 6.11 A área sombreada (área de contribuição) refere-se à área drenada
acumulada a montante (a) que passa pelo comprimento de contorno unitário (b)
Fonte: modificado de Montgomery e Dietrich (1994).
Segundo esse autor, a condição de saturação é definida por um
índice de umidade (W), que define a condição de saturação quando
esta se apresenta em estado de equilíbrio, podendo a equação 9 ser
escrita da seguinte maneira (equação 10):

Dessa forma, conforme mencionado por Montgomery e Dietrich


(1994), a razão Q/T corresponde ao controle hidrológico, enquanto a
razão a/bsenθ corresponde ao controle morfológico. De acordo com
esse modelo, as zonas de saturação ocorrem sempre onde o fluxo
de drenagem a montante excede a capacidade do perfil de solo de
transmitir esse fluxo.

Na concepção inicialmente proposta por O’Loughlin (1986), a


discretização da topografia é feita em polígonos irregulares que são
definidos a partir da interseção das curvas de nível com as linhas de
gradiente máximo (Fig. 6.11). A região a montante do ponto de
análise, possuindo comprimento b, delimitada pelas linhas de maior
gradiente, perpendiculares às curvas de nível, é denominada área
de contribuição (a) para uma determinada célula.

De acordo com Montgomery e Dietrich (1994), o modelo hidrológico


desenvolvido por O’Loughlin (1986) pode também ser escrito em
função da razão h/z. Sabe-se que o fluxo de água (q) é expresso
pelo produto da velocidade (v) pela área da seção transversal (S)
(equação 11):

Com base na Lei de Darcy, que relaciona a condutividade hidráulica


(ksat) com o gradiente hidráulico (i) (equação 12), os autores fazem
uma aproximação para esse último termo, que é descrito na
equação 13, considerando apenas o potencial gravitacional
(potencial de elevação) na variação do potencial total (ΔHtotal), uma
vez que as variações no potencial relativas aos poros do solo
(potencial de pressão) são menores do que aquelas relativas ao
relevo. Essa é uma aproximação bastante razoável, porque o
modelo é aplicado sempre em áreas de relevo acidentado.

A Fig. 6.12 mostra como o gradiente hidráulico i pode ser


aproximado pela razão entre a diferença de potencial gravitacional
entre os pontos 1 e 2 (Hg1 e Hg2) e o comprimento L, que também é
igual ao seno de θ (equação 14):

Fig. 6.12 Gradiente hidráulico aproximado entre os pontos 1 e 2 ao longo de uma


encosta hipotética

A partir daí, podemos substituir i por senθ na equação 12, obtendo-


se a equação 15, que define a velocidade do fluxo:

De acordo com a Fig. 6.13, podemos exprimir S (área da seção


transversal saturada) em função da projeção vertical de h,
originando a equação 16:

Desse modo, o fluxo de água (q) pode ser expresso substituindo-se


as equações 15 e 16 em 11, obtendo-se a equação 17a:
Assumindo que o fluxo superficial e o fluxo na rocha são
desprezíveis, em vales não canalizados, esses autores afirmam que
a precipitação efetiva (Q) multiplicada pela área de contribuição será
a quantidade de runoff que ocorre através do comprimento b (Fig.
6.11), na condição de equilíbrio. Portanto, fez-se necessário
acrescentar o comprimento b à equação 17a. Para o modelo
hidrológico, o fluxo é expresso pelo produto da precipitação por
unidade de tempo e a área drenada a montante, ou seja, a equação
17a pode ser escrita da seguinte forma (equação 17b):

O parâmetro transmissividade (T), descrito na equação 10, é função


do produto da permeabilidade saturada (ksat) pela espessura do solo
(e), como pode ser observado na equação 18a:

Uma vez que e=z cosθ (equação 2), temos (equação 18b):

Sendo assim, o denominador da equação 10 pode ser escrito de


acordo com a equação 19:
Fig. 6.13 Bloco esquemático de uma camada de solo, em que S é a área da
seção transversal saturada e h é a altura da coluna d’água

Desse modo, substituindo-se as equações 17b e 19 na equação 10,


obtemos a equação 20:

Resolvendo a equação 20, é possível colocar o modelo hidrológico


em função da razão h/z (equação 21):

Combinação entre o modelo de estabilidade de


encosta e o modelo hidrológico
A partir da razão h/z, combinamos as equações 8a e 21, modelo de
estabilidade de encosta e modelo hidrológico, respectivamente,
obtendo-se a equação 22:
Pode-se então escrevê-la em função da quantidade de chuva, em
estado de equilíbrio, necessária para a ocorrência de
escorregamentos (equação 23a):

A equação 23a é a combinação do modelo hidrológico com o


modelo de estabilidade de encosta, que é resolvida pela rotina
automatizada Shalstab para cada célula da grade. Esse modelo
utiliza três variáveis topográficas: a área drenada (a), o comprimento
de contorno unitário (b) e o ângulo da encosta (θ); três variáveis de
propriedades do solo: a densidade do solo (ρs), o ângulo de fricção
interna (ϕ) e a transmissividade do solo (T); além da precipitação
efetiva (Q). Essa combinação também pode ser desenvolvida
considerando-se a coesão do solo e, assim, a equação 23a pode
ser escrita da seguinte forma (equação 23b):

Devido à dificuldade de se determinar a transmissividade do solo,


Montgomery e Dietrich (1994) fizeram uma classificação para os
valores de Log (Q/T) (equação 24), com a finalidade de traduzir
esses valores em níveis de suscetibilidade à ocorrência de
escorregamentos rasos. Como se trata do resultado de uma razão
entre a precipitação e a transmissividade, a definição em classes foi
realizada obedecendo aos seguintes critérios: agruparam-se em
uma mesma classe todos os pixels com valores considerados
incondicionalmente estáveis, ou seja, tanθ ≤ tanϕ (1-ρw/ρs), o
mesmo acontecendo para os pixels com valores considerados
incondicionalmente instáveis, ou seja, tanθ > tanϕ. Os valores
intermediários correspondem à faixa de transição entre as duas
classes anteriores, isto é, valores mais próximos daqueles
considerados incondicionalmente instáveis necessitam de pouca
quantidade de chuva para desencadear o escorregamento, ao
passo que os valores próximos daqueles considerados
incondicionalmente estáveis necessitam de uma grande descarga
hidráulica para provocar um escorregamento.

Os dados de declividade da área de contribuição e das variáveis do


solo são importados no modelo Shalstab para gerar o mapa de
suscetibilidade à ocorrência de escorregamentos rasos em uma
bacia de drenagem, como esquematizado na Fig. 6.14.

Fig. 6.14 Fluxograma do modelo Shalstab


Fonte: Guimarães (2000).

6.3 Mapeamento de Cicatrizes


Os dados obtidos por sensoriamento remoto têm grande utilidade na
detecção, no mapeamento e no monitoramento dos movimentos de
massa. Feições como superfícies de ruptura, cicatrizes de
escorregamento e leques de deposição podem ser identificadas,
quantificadas e mapeadas com base na interpretação de fotografias
aéreas e imagens de satélites (ver Cap. 2).

Dados de sensores remotos podem ser utilizados também na


identificação e quantificação da área de abrangência desses
processos. Além disso, é possível identificar e mapear variáveis
condicionantes dos processos, como, por exemplo, forma das
vertentes, umidade do solo, canais de drenagem, tipo e densidade
de cobertura vegetal e uso da terra.

Os Modelos Digitais de Terreno (MDTs), que podem ser obtidos por


sensoriamento remoto, como apresentado no Cap. 3, permitem
visualizar o espaço geográfico em três dimensões e, utilizando um
SIG, obter, de forma automática, as variáveis morfométricas
(declividade, orientação de vertentes etc.) que alimentam os
modelos de previsão de movimentos de massa.

A remoção da cobertura vegetal e das camadas superficiais do solo


por processos naturais ou ação antrópica provoca alterações
espectrais da superfície que podem ser detectadas com a análise de
imagens multitemporais. Em imagens de satélites de resolução
espacial média, que limitam a identificação das cicatrizes, pode-se
explorar a resolução espectral. As diferenças espectrais entre solo,
cobertura vegetal (também entre diferentes tipos e estágios de
cobertura) e uso da terra podem ser realçadas com o uso de
técnicas de processamento de imagens como: razão entre bandas,
transformação por componentes principais e fusão de imagens.

Marcelino (2003) aplicou técnicas de fusão de imagens para um


setor da serra do Mar, no município de Caraguatatuba-SP. O
resultado que preservou melhor as informações espaciais e
espectrais das imagens originais foi o da fusão de uma imagem
pancromática HRV-Spot (10 m) com as imagens das bandas 3, 4 e 5
ETM-Landsat (30 m), utilizando a transformação IHS. Aplicando o
classificador Maxver e a interpretação visual, ele identificou 497
cicatrizes da área de estudo. O autor verificou que, na área de
estudo, os setores das vertentes mais suscetíveis a
escorregamentos são os médios com formas convexo-côncavo, com
declividade entre 25˚-45˚ e mais úmidos (voltados para o quadrante
E-S).

Um outro exemplo é o trabalho de Sestini e Florenzano (2004), na


mesma área de estudo (Caraguatatuba). Com base nos resultados
obtidos, eles observaram que as cicatrizes com solo exposto foram
mais facilmente identificadas na composição colorida com as
imagens TM-Landsat, bandas 3 (B), 4 (R) e 7 (G); as cicatrizes
cobertas por samambaias ou gramíneas e aquelas com rocha
exposta também foram mais bem discriminadas nesse tipo de
composição colorida, e também em composições coloridas com as
três primeiras componentes principais: 1ª (B), 2ª (G) e 3ª (R), e com
as imagens resultantes das razões de bandas: 4/1 (B), 4/3 (G) e 5/7
(R). As cicatrizes cobertas com vegetação densa não foram
discriminadas nessas imagens, devido ao baixo contraste com a
mata atlântica que cobre a região da serra do Mar.

Nesse sentido, essas e novas técnicas de processamento de


imagens merecem ser exploradas e testadas em outras áreas de
estudo. Deve-se avaliar também toda a potencialidade das imagens
ópticas de alta resolução espacial, bem como daquelas obtidas
pelos novos sistemas de radar.

6.4 Estudos de Caso no Brasil


O modelo integrado Shalstab vem sendo aplicado na geração de
mapas de suscetibilidade à ocorrência de escorregamentos de
várias áreas do território brasileiro. Neste tópico são destacados
alguns exemplos desse tipo de aplicação: a) bacias dos rios Quitite
e Papagaio, na cidade do Rio de Janeiro; b) bairro do subúrbio
ferroviário de Salvador, na Bahia; c) Quadrilátero Ferrífero, em
Minas Gerais; d) estrada Rio-Teresópolis, em Magé, Rio de Janeiro
(Ramos et al., 2002; Guimarães et al., 2003; Ramos, 2003; Carvalho
Júnior et al., 2005).

6.4.1 Bacias dos rios Quitite e Papagaio


Guimarães et al., (2003) fizeram diversas simulações com o uso do
modelo Shalstab no estudo das bacias dos rios Quitite e Papagaio,
vertente oeste do Maciço da Tijuca (RJ) (Fig. 6.15). Essa área foi
atingida por vários escorregamentos e posteriores corridas de
massa em 1996, após intensas chuvas (Fig. 6.16). Para tanto, foi
necessário elaborar um mapeamento das cicatrizes dos
escorregamentos oriundos das fortes chuvas ocorridas em fevereiro
de 1996, que serviu para a validação das simulações (Fig. 6.17).
Esse mapeamento foi realizado com base em fotografias aéreas na
escala de 1:10.000. Essas simulações tiveram o intuito de analisar a
influência dos parâmetros de solo utilizados na avaliação da
eficiência do modelo. Foram utilizados valores extremos de coesão,
espessura do solo, densidade do solo e ângulo de atrito (Tab. 6.1),
de modo que, para minimizar as combinações, a sensibilidade foi
analisada com base em valores da razão C/z.

A Fig. 6.18 mostra a variabilidade dos valores obtidos pela aplicação


do modelo Shalstab (Log Q/T), em função da relação do ângulo de
atrito (ϕ) com as variações de densidade do solo (ρs) e a razão de
coesão e espessura do solo (C/z) (Fig. 6.18A); em função da
relação ρs com as variações de ϕ e C/z (Fig. 6.18B); e em função da
relação da razão C/z com as variações de ϕ e ρs (Fig. 6.18C).
Observa-se nas Figs. 6.18A e 6.18B pequena variabilidade dos
valores de Log Q/T, quando a razão C/z é nula, aumentando à
medida que essa razão aumenta. Na Fig. 6.18C, verifica-se uma
grande variabilidade com relação ao Log Q/T, para os valores
extremos de C/z, principalmente para valores de ϕ igual a 45˚. Além
disso, nota-se que esse comportamento é comandado a partir das
variações de ϕ.
Fig. 6.15 Localização das bacias dos rios Quitite e Papagaio sobre uma fotografia
aérea de 1999
Fig. 6.16 Movimentos de massa registrados em fevereiro de 1996
Fig. 6.17 Mapa de cicatrizes dos escorregamentos identificados nas fotografias
aéreas de 1996, obtidas na escala de 1:10.000

TAB. 6.1 VALORES EXTREMOS DOS PARÂMETROS DE PROPRIEDADES DO


SOLO

C/z(kPa/m) Φ (graus) ρs(g/cm3)


0 25 1.5
8 45 2.5

Como os parâmetros de solo ϕ, ρs e C/z são desconhecidos, foi


necessário confeccionar diferentes modelos e compará-los com o
mapa de cicatriz, a fim de estipular o conjunto de variáveis mais
adequado. Para tanto, foram estabelecidos cinco valores distintos
para cada parâmetro do solo, que, por análise combinatória,
resultaram em 125 modelos.

Um modelo ótimo é aquele que prevê 100% dos escorregamentos


em uma determinada área; porém, se um modelo considera toda
área instável, ele certamente irá prever a totalidade dos eventos,
mas obviamente não será um modelo eficaz. O desempenho do
modelo deve ser determinado por um índice de ajuste entre o mapa
de cicatrizes e as áreas mais instáveis dos modelos. Esse índice é
determinado pela contagem de cada pixel considerado instável e
que esteja localizado dentro da cicatriz (Fig. 6.19). As áreas
instáveis para cada modelo são obtidas pela classificação dos
maiores valores de Log Q/T em percentuais de 5%, 10%, 20% e
30% do total de pixels.

O índice de ajuste é definido como a proporção de área da cicatriz


prevista pelo modelo classificado, podendo ser expresso como
(equação 25):

em que: PMC é o número de pixels coincidentes do modelo com a


cicatriz, e PC é o total de pixels na cicatriz.

Fig. 6.18 Comportamento dos valores de Q/T a partir da variação dos extremos
dos parâmetros com relação a ϕ (A), ρs (B) e C/z (C)

O índice de ajuste é calculado para cada faixa percentual


preestabelecida, em que seus valores são ordenados em um
ranking. Assim, uma simulação é considerada excelente quando
prevê, com 5% da base de dados, todas as cicatrizes, uma vez que
os escorregamentos aconteceram em 1,89% da área. Análises
maiores do que 30% já não são relevantes, em razão do grande
número de células utilizadas para a predição.

O modelo com os valores de coesão de 2 kPa, ângulo de atrito de


45˚ e densidade de 1,5 g/cm3 foi o que apresentou o melhor
resultado entre as combinações obtidas. Entretanto, o modelo que
desconsidera a coesão ocupa a nona posição, demonstrando que a
topografia é um fator determinante na detonação dos
escorregamentos. O modelo de melhor ajuste encontrado pode ser
utilizado em simulações para a previsão de áreas suscetíveis à
ocorrência de escorregamentos rasos em outras bacias de
características semelhantes, onde não existam informações
relativas a esses parâmetros. Verifica-se, no resultado do modelo de
melhor ajuste, que muitos escorregamentos se localizam em áreas
previstas pelo modelo como potencialmente instáveis, conforme
mostra a Fig. 6.20, na qual o mapa de cicatriz está sobreposto às
classes de instabilidade.
Fig. 6.19 Procedimento de contagem hipotética dos pixels considerados instáveis
localizados dentro da cicatriz, a partir da análise de 5% (A) e 30% (B) do total de
pixels
Fig. 6.20 Resultado do modelo de melhor ajuste para um setor da área de estudo
(B), onde se podem observar várias cicatrizes localizadas em áreas preditas
instáveis. Como indica a legenda, as classes de valores de Log Q/T representam
o grau de instabilidade da encosta
6.4.2 Subúrbio ferroviário de Salvador-BA
Apesar da modernização de Salvador, com investimentos na
infraestrutura urbana, a cidade ainda apresenta um crescimento
sem um planejamento adequado, sobretudo na periferia, onde são
observados grandes problemas ambientais. Nessas localidades, as
construções são precárias, com falta de serviços públicos
essenciais, como: sistemas de drenagem, esgotos sanitários e
coleta de lixo, entre outros. A grande incidência dos casos de
escorregamento de terra está intimamente relacionada à intensa
ocupação das encostas pela população de baixa renda, que não
leva em consideração os fatores de risco. O Quadro 6.1 apresenta a
ocorrência e o crescimento de acidentes oriundos de movimentos de
massa em Salvador, no período de 1971 a 1999, bem como as
perdas socioeconômicas decorrentes. No subúrbio ferroviário de
Salvador (Fig. 6.21), a desestabilização das encostas, provocada
pelo desmatamento e pela ocupação desordenada, causa inúmeros
transtornos, perda da qualidade de vida e ônus ao poder público
(Fig. 6.22). Essa localidade é a que registra as mais elevadas
estatísticas de vítimas de escorregamentos de terra no município de
Salvador.

QUADRO 6.1 CONSEQUÊNCIAS DOS MOVIMENTOS DE MASSA OCORRIDOS EM


SALVADOR, NO PERÍODO DE 1971 A 1999
ANO CONSEQUÊNCIAS
104 mortes aproximadamente e milhares de feridos e
1971
desabrigados
109 mortes aproximadamente e destruição de dezenas de
1989
moradias
Cerca de 11 mortes, inúmeros feridos e destruição de várias
1992
moradias
5 mortes, inúmeras pessoas desabrigadas e vários imóveis
1993
destruídos
4 mortes, inúmeras pessoas feridas e mais de 150 imóveis
1994
destruídos
1995 Cerca de 59 mortes, 48 feridos e mais de 500 pessoas
desabrigadas
29 mortes aproximadamente e várias pessoas feridas e
1996
desabrigadas
1997 10 mortes, cerca de 150 pessoas desabrigadas e várias feridas
3 mortes, várias pessoas desabrigadas e inúmeros imóveis
1998
destruídos
1999 3 mortes, 50 pessoas desabrigadas e vários imóveis destruídos
Fonte: Augusto Filho e Wolle (1996); Codesal (2002).

Além dos fatores antrópicos, a área apresenta naturalmente uma


alta suscetibilidade a movimentos de massa, em razão de suas
características pedológicas (intensa alteração intempérica e
variação vertical de textura do perfil de solo) e climatológicas
(ocorrência de chuvas intensas e concentradas) (Peixoto, 1968;
Magalhães, 1993).

Ramos (2003), com o objetivo de gerar um mapa de suscetibilidade


a escorregamentos, aplicou o modelo Shalstab na porção noroeste
do município de Salvador, em uma superfície de aproximadamente 9
km2, abrangendo quase a totalidade do subúrbio ferroviário de
mesmo nome (Fig. 6.23).

Foi gerado um MDT com pixel de 1 m de resolução e, além disso,


desenvolveu-se um algoritmo que permitiu utilizar os diferentes
valores dos parâmetros do solo no modelo para cada classe do
mapa pedológico existente. A suscetibilidade à ocorrência de
escorregamentos rasos para a área é também expressa por meio da
razão de Log Q/T. Com base nas simulações realizadas, observou-
se que, com a incorporação da variabilidade espacial dos
parâmetros do solo, o modelo apresentou melhores resultados do
que aquele que utiliza parâmetros físicos do solo constantes. Os
resultados mostraram que as zonas suscetíveis a escorregamentos
rasos poderão ser definidas com maior precisão para as áreas que
possuem levantamentos detalhados desses parâmetros.
Fig. 6.21 Mapa de localização do subúrbio ferroviário de Salvador, BA
Fig. 6.22 Encosta ocupada pela população de baixa renda no subúrbio ferroviário
de Salvador
Fig. 6.23 Mapa de suscetibilidade a escorregamentos do subúrbio ferroviário de
Salvador, BA. De acordo com a legenda, as classes de valores de Log Q/T
representam o grau de instabilidade da encosta

6.4.3 Quadrilátero Ferrífero-MG


Localizado na porção sudeste do Estado de Minas Gerais, o
Quadrilátero Ferrífero abrange um total de 33 municípios e uma
área de aproximadamente 7.000 km2 (Fig. 6.24). O mapa de zonas
suscetíveis a escorregamentos rasos do Quadrilátero Ferrífero (Fig.
6.25) mostra os níveis de instabilidade para a região, expressos por
meio da razão de Log Q/T. Esse mapa demonstra que, mesmo
usando dados de uma escala relativamente pequena para esse
propósito (1:50.000), o modelo Shalstab mostrou-se uma ferramenta
eficaz para identificar zonas de suscetibilidade à ocorrência de
escorregamentos rasos.
Com base nos mapeamentos realizados, observou-se que o
Shalstab, mesmo constituindo-se em um modelo simples, em que a
coesão do solo, por exemplo, não é considerada, apresenta
resultados satisfatórios. Sua aplicação evidencia também o
importante papel desempenhado pelo relevo no condicionamento
desse fenômeno e, por isso, a sua incorporação é fundamental em
metodologias que têm como finalidade a previsão de áreas de
suscetibilidade a escorregamentos rasos.

Fig. 6.24 Localização do Quadrilátero Ferrífero, MG


Fig. 6.25 Mapa de suscetibilidade a escorregamentos do Quadrilátero Ferrífero,
MG. De acordo com a legenda, as classes de valores de Log Q/T representam o
grau de instabilidade da encosta

6.4.4 Estrada Rio-Teresópolis (Magé-RJ)


As rodovias, quando mal concebidas, estão entre as principais
causadoras de impactos negativos sobre o meio ambiente. Em
nome do desenvolvimento, foram construídas rodovias sem o devido
planejamento e cuidado com seus impactos. Essas rodovias têm
intensificado a destruição ambiental, aumentando a pobreza,
particularmente em florestas tropicais do mundo todo (Goodland,
1989).

Nesse sentido, Carvalho Júnior et al. (2005) aplicaram o modelo


Shalstab em uma área situada ao longo da BR-116, trecho Rio-
Teresópolis, localizada a oeste da baía de Guanabara, no Estado do
Rio de Janeiro (Fig. 6.26). A escolha dessa região deve-se aos
constantes e frequentes escorregamentos nela ocorridos nos
últimos anos. Devido à inexistência de um mapeamento de
cicatrizes de escorregamentos na área de estudo, fez-se uma
análise qualitativa do modelo de previsão de escorregamentos
rasos. Desse modo, para avaliar a eficiência do modelo Shalstab,
foram coletadas as coordenadas dos locais onde ocorreram
escorregamentos antigos e recentes ao longo da rodovia.

A aplicação do modelo Shalstab, apesar de não considerar muitos


parâmetros de engenharia de transporte para implantação de
estradas, possibilita obter um mapa de suscetibilidade bastante
preciso, porque quase todos os escorregamentos cadastrados nas
margens da rodovia, representados por pontos, estão inseridos nas
classes preditas instáveis pelo modelo (Fig. 6.27). Dessa forma,
essa metodologia possibilita nortear, nas rodovias já implantadas,
ações mitigadoras, como obras de contenção de encosta e
modificação de traçados em áreas críticas. Além disso, permite
também, com outros mapeamentos (geotécnico, pedológico e
geológico, entre outros), subsidiar estudos de planejamento na
definição do melhor traçado. Portanto, é necessário que se aplique
esse tipo de metodologia nos trabalhos de planejamento territorial e
de implantação de novos traçados. Os mapas de suscetibilidade a
escorregamentos gerados contribuirão para diminuir os impactos
ambientais e os custos em obras de contenção e reparos nas
rodovias.
Fig. 6.26 Localização do trecho da estrada Rio-Teresópolis (Magé, RJ)

Fig. 6.27 Mapa de suscetibilidade a escorregamentos de setor da estrada Rio–


Teresópolis (Magé-RJ). De acordo com a legenda, as classes de valores de Log
Q/T representam o grau de instabilidade da encosta

Considerações Finais
A ocupação crescente e desordenada das áreas com risco de
movimento de massa, sem as devidas precauções ambientais,
intensifica o desencadeamento desse fenômeno no período
chuvoso. Nesse contexto, a pesquisa científica, utilizando técnicas
de geoprocessamento é fundamental para o estudo e
monitoramento dos movimentos de massa e na geração de
subsídios para a formulação de políticas públicas. A metodologia
apresentada neste capítulo é eficiente na previsão de áreas
suscetíveis a escorregamentos e ajuda a compreender tanto os
fatores condicionantes quanto os mecanismos deflagradores desse
tipo de movimento de massa, de forma a evitar, ou pelo menos
minimizar, os pre-juízos financeiros e as perdas de vidas humanas.
Esses procedimentos permitem remontar às condições naturais
passadas, bem como gerar diferentes cenários futuros que
possibilitem ao poder público redirecionar o desenvolvimento
urbano, e não ficar restrito apenas à elaboração de planos
emergenciais.

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Osmar Abílio de Carvalho Júnior
Mylene Berbet-Born
Éder de Souza Martins
Renato Fontes Guimarães
Roberto Arnaldo Trancoso Gomes
AMBIENTES CÁRSTICOS 7

O termo carste (Karst) é oriundo da região do Carso (em esloveno,


Kars), localizada no sudoeste da Eslovênia até o nordeste da Itália,
formada de rochas carbonáticas. Entre os critérios para definir a
presença de relevo cárstico, pode-se considerar: (a) o transporte de
massa, no qual a dissolução é o processo mais importante (White,
1988), ou (b) a morfologia, caracterizada por formas de relevo
típicas dos processos de dissolução (Piló, 2000).

Assim, a Geomorfologia Cárstica pode ser definida, em um sentido


amplo, como uma assembleia de formas distintas desenvolvidas
sobre rochas solúveis. O conjunto de processos que formam as
paisagens cársticas é denominado carstificação. As rochas
carbonáticas constituem o principal material de origem, em razão de
sua natureza para desenvolver feições de dissolução e de sua
grande expressão em área. Entre as rochas carbonáticas, as de
origem sedimentar são mais abundantes e apresentam maior
extensão, mas feições cársticas ocorrem também em carbonatitos
de origem ígnea.

A definição inclui formas de relevo em rochas não carbonáticas, e


que são morfologicamente similares aos terrenos carbonáticos,
também denominadas pseudocársticas, como:

evaporitos: rochas formadas por sais com elevada solubilidade


(Benito, 1998; Calaforra; Pulido-Bosch, 1999; Frumkin; Ford, 1995);
quartzitos e arenitos quartzosos: tradicionalmente consideradas
rochas de solubilidade muito baixa, apresentam, em regiões
tropicais, formas tipicamente de dissolução (Piccini, 1995; Urbani,
1986; Wray, 1997);
rochas basálticas e graníticas nas quais se desenvolvem
cavernas com espeleotemas, como estalactites e estalagmites de
opala (Anderson, 1930; Finlayson; Webb, 1985);
lateritos ferruginosos e bauxíticos (Pinheiro; Silveira, 1984;
Simmons, 1963).

Dada a menor ocorrência e extensão dos pseudocarstes, este


capítulo enfoca o modelado desenvolvido sobre rochas
carbonáticas.

7.1 Dissolução Química no


Modelado Cárstico
As bases teóricas da solubilidade das rochas carbonáticas envolvem
a compreensão da solubilidade de seus principais minerais
formadores: a calcita – CaCO3 – e a dolomita – CaMg(CO3)2. Entre
os minerais carbonáticos, a calcita é o principal e o mais estudado
(Morse; Arvidson, 2002). Com base na compreensão das reações
de sistemas mais simples, é possível estabelecer situações mais
complexas com variações mineralógicas, petrográficas e de
elementos-traço.

7.1.1 Processos de dissolução da calcita e


da dolomita
Os processos de dissolução dos carbonatos dependem do
equilíbrio, em solução aquosa, existente entre gás carbônico (CO2),
ácido carbônico (H2CO3), íons bicarbonato (HCO3–) e carbonato
(CO32–). O H2CO3 é considerado o ácido fraco mais importante na
natureza, em razão de sua concentração nas águas em diversos
sistemas naturais. O CO2 atmosférico, em especial o formado pela
respiração das raízes das plantas e pela atividade microbiológica do
solo, provoca um aumento de sua concentração na solução do solo
e da acidez nas águas que circulam nos perfis de intemperismo e
rochas. A pressão parcial de gás carbônico (pCO2) no solo é dez a
cem vezes maior que na atmosfera (Birkeland, 1984).

O CO2(g) do solo está em equilíbrio com a sua forma aquosa,


CO2(aq):

Apenas uma pequena fração – em torno de 1% do CO2(g) – é


convertida em CO2(aq). O aumento da concentração do CO2(aq) é
diretamente proporcional à pCO2 e à temperatura.

O CO2(aq) reage com a água, formando um equilíbrio com o H2CO3,


HCO3– e CO32–:

O equilíbrio entre esses três componentes é função do pH (Hem,


1970). A Fig. 7.1 mostra essa relação de equilíbrio, na qual os
compostos H2CO3, HCO3– e CO32– são dominantes com pH’s < 6,
entre 6 e 10, e > 10, respectivamente. O máximo da concentração
relativa do HCO3– ocorre com pH 8. Em torno desse pH, os
carbonatos tendem a precipitar.

A dissolução dos carbonatos apresenta maior cinética com pH < 7, a


partir das seguintes reações:
As reações 5 e 6 mostram que, para cada mol de dolomita
dissolvida, é necessário o dobro de H2CO3, que resulta na produção
do dobro de HCO3–, em relação à dissolução da calcita. Desse
modo, a dissolução da dolomita apresenta uma cinética bem inferior
à da calcita, devido a um maior consumo de prótons (H+) e ao
deslocamento para valores de pH maiores.

Em relação às reações 5 e 6, outra característica importante é a


dissolução congruente dos carbonatos, ou seja, não formam
resíduos sólidos das porções dissolvidas, o que explica a tendência
de formar cavidades. Já os minerais silicáticos caracterizam-se pela
dissolução incongruente, que sempre deixa como resíduos outros
minerais, como, por exemplo, a formação da caulinita a partir das
reações de hidrólise de feldspatos. Uma exceção ocorre com os
minerais de sílica, como o quartzo, no qual o processo de
dissolução também é congruente; entretanto, com cinética bem
inferior à dissolução dos carbonatos. Dessa forma, as rochas
silicosas podem desenvolver feições cársticas, porém muito mais
raramente que as carbonáticas.

A dissolução dos carbonatos ocasiona inicialmente uma rápida


difusão, que gradualmente decresce com o tempo, com o aumento
da concentração do soluto e do pH. A reação alcança um equilíbrio
quando atinge a concentração de saturação, na qual a dissolução
torna-se igual à precipitação. A solubilidade dos carbonatos, no
estado de equilíbrio e em sistema fechado, pode ser expressa em
termos do pH ou dióxido de carbono. No entanto, o estado de
equilíbrio é raramente encontrado na natureza, ocorrendo
geralmente após longo período de residência, como nas águas
subterrâneas em microporos (Mercado; Billings, 1975).
Aproximações empíricas são adotadas para definir se a água natural
está próxima ou distante do estado de equilíbrio. A manutenção das
reações de dissolução depende da contínua entrada de H+ na
solução. É importante salientar que a formação de CO2 no processo
de dissolução dos carbonatos consiste em uma importante etapa no
ciclo do carbono (Gombert, 2002).
Fig. 7.1 Concentração relativa de H2CO3, HCO3– e CO32– em função do pH
Fonte: adaptado de Hem (1970).

7.1.2 Mecanismos que controlam a taxa de


dissolução
A taxa da dissolução é determinada por uma série de processos
químicos e físicos que podem ser divididos nas seguintes fases:

1. difusão dos reagentes por meio da solução para a superfície


sólida;
2. adsorção dos reagentes na superfície sólida;
3. migração dos reagentes sobre a superfície sólida para um ponto
ativo (deslocação);
4. reação química entre o reagente adsorvido e o sólido;
5. migração do produto para o ponto da reação;
6. dessorção do produto para a solução;
7. difusão do produto na superfície para o volume de solução.

Esses processos podem ser agrupados em dois tipos de controle:


(a) por difusão ou transporte (fases 1 e 7) e (b) de superfície ou
químico (fases 2 a 6) (Fig. 7.2). As reações com controle de
superfície tendem a ser não lineares com relação à saturação,
enquanto as por controle de difusão tendem a ser lineares.

Em sistemas fechados e com água estagnada, as relações entre


esses dois tipos de controle determinam o processo de diluição. Em
sistema aberto e com água em movimento, as taxas de dissolução
são também influenciadas pela taxa do fluxo (Berner, 1978;
Mercado; Billings, 1975; Mercado, 1977). A transferência da massa
sólida para a líquida pode ser expressa, em parte, pelo gradiente de
difusão, que, com seu aumento, intensifica a transferência. O
aumento do fluxo diminui a influência do controle de difusão e torna
a taxa de dissolução dependente do controle da superfície
(adsorção, reação e dessorção). Nesse caso, ocorrem duas
situações: 1) a taxa de reação é mais rápida que a taxa de
transporte e o fluxo aumenta a taxa de dissolução; e 2) a taxa de
reação é mais lenta que a taxa de transporte, o fator limitante da
reação torna-se a taxa de reação e o aumento do fluxo não altera
essa situação.
Fig. 7.2 Processo de solução e fluxo de água
Fonte: adaptado de Trudgill (1985).

O comportamento da dissolução de controle de superfície apresenta


maior complexidade, uma vez que a face do mineral possui uma alta
heterogeneidade de energia. Essa heterogeneidade é maior na
dolomita em relação à calcita, sendo essa uma das explicações para
as diferenças de dissolução desses carbonatos (Zaihua; Wolfgang,
2001). A compreensão desse fenômeno para a calcita tem
avançado com o advento do equipamento Atomic Force Microscope
(AFM), que permite observar a face do mineral em escala atômica
(Davis; Dove; De Yoreo, 2000) e pela interferometria óptica, que
produz uma superfície tridimensional do mineral (MacInnis; Brantley,
1992).

Apesar da ampla formulação de modelos experimentais, a


adequação e as aplicações em ambientes naturais apresentam
restrições. A composição das águas naturais, nas quais os
carbonatos podem reagir, é muito variável com relação a: intervalos
de salinidade, valores de pH e pCO2, e estados de saturação. Essas
variações dificultam a modelagem da dissolução em sistemas
naturais (Morse; Arvidson, 2002). Além disso, os íons presentes na
água natural podem atuar como inibidores na dissolução dos
carbonatos, como Ca2+, Mg2+, Sr2+, Ba2+; metais pesados e de
transição; sulfato; fosfato; sílica; nitrato e elementos orgânicos.

Além das diferenças da solução circulante, o comportamento


diferencial das rochas em relação aos carbonatos também
proporciona variações na dissolução (Eisenlohr et al., 1999). Assim,
é comum, no modelado cárstico, a presença de erosão diferencial,
em que as diferenças químicas e mineralógicas na rocha resultam
em maior ou menor ação do intemperismo. As variações de
camadas com diferentes misturas de calcita e de dedolomita, por
exemplo, favorecem um intemperismo químico diferencial. Um
resumo das principais diferenças nos mecanismos de dissolução da
calcita e da dolomita, de acordo com Zaihua e Wolfgang (2001), é
apresentado a seguir.

As taxas de dissolução inicial da dolomita são 2,5 a 7,5 vezes


inferiores às da calcita, com tendência a aumentar com a diminuição
da pCO2;
As taxas de dissolução da calcita tendem a aumentar mais
rapidamente que as da dolomita com o aumento da concentração de
H2CO3;
A dissolução da dolomita e da calcita é sensível às mudanças
hidrodinâmicas, mas somente em baixas pCO2.

7.2 Ação da Água no Relevo


Cárstico
O poder de dissolução da água faz dela o principal agente de
elaboração do relevo cárstico. A compreensão dos fatores que
determinam o fluxo da água é fundamental na descrição do avanço
da frente intempérica e suas formas resultantes. No ambiente
cárstico, diferentemente de outros terrenos, as juntas e os planos de
acamamento sofrem um aumento da largura com a circulação da
água e o processo de dissolução, em um curto espaço de tempo na
escala geológica. Dessa forma, as descontinuidades presentes na
rocha tornam-se zonas que favorecem a percolação da água,
formando caminhos preferenciais para o processo de hidratação e
dissolução (Ford; Williams, 1989; Trudgill, 1985).

Fig. 7.3 Afloramento calcário parcialmente encoberto por vegetação semidecídua,


com notáveis feições superficiais de dissolução (lapiás). À base do maciço, aflora
o lençol freático. Gordura, região cárstica de Lagoa Santa, MG
Fig. 7.4 Formas horizontais de dissolução em maciço calcário parcialmente
encoberto por vegetação semidecídua. Jaguará, região cárstica de Lagoa Santa,
MG

Na superfície, esses planos da rocha permitem o desenvolvimento


do sistema radicular das plantas, que aproveitam as zonas de
acumulação de água e a maior facilidade de penetração das raízes.
Essa atividade intensifica a penetração de água e a formação de
ácidos orgânicos que atuam no processo de solubilização dos
carbonatos (Trudgill, 1985).

Nos aquíferos cársticos, condutos são formados a partir da


dissolução nos planos da rocha em que o fluxo possui
características similares ao fluxo da água superficial. De forma
geral, os aquíferos cársticos apresentam uma baixa capacidade
para armazenamento, em razão da rapidez do fluxo nos dutos
internos. Assim, a hidrologia do carste integra conceitos de água
superficial e de água subterrânea, e as diferentes propriedades
hidrológicas e de condicionantes do fluxo, como duto, fratura e
matriz (White, 2002). A relação íntima entre a água superficial e o
aquífero cárstico define um sistema com características próprias,
com uma arquitetura de cavernas e de morfologias fluviocársticas
(Figs. 7.3, 7.4 e 7.5).

A circulação subterrânea das águas no ambiente cárstico pode ser


subdividida em: (a) zona vadosa ou superior – a água se infiltra pelo
sistema de fissuras das rochas, numa circulação livre,
predominantemente vertical; (b) zona de oscilação ou anfíbio – área
com flutuação do nível hidrostático (seca ou inundada), proveniente
da alternância de períodos chuvosos e secos (sazonais); e (c) zona
freática ou de saturação – porção permanentemente inundada,
limitada na parte superior pela superfície piezométrica, em que a
água sofre um movimento lento, aproximadamente horizontal, em
direção aos pontos de surgência (Fig. 7.6).

A construção de um modelo conceitual sobre os aquíferos cársticos


deve considerar os seguintes processos: recarga, fluxo dentro do
sistema cárstico e descarga (White, 2002). A forma de recarga do
aquífero cárstico pode ser dividida em: a) recarga alogenética –
superfície de drenagem de zonas não cársticas que fazem parte da
bacia e entram nas áreas carbonáticas; b) infiltração difusa – a água
atinge o aquífero pela infiltração através do solo, das zonas de
fraturas e da permeabilidade da matriz das rochas carbonáticas; c)
runoff interno – a água penetra no aquífero rapidamente através de
sumidouros e zonas de depressão; e d) fluxo sobre rocha de topo –
a precipitação cai sobre rochas não carbonáticas acima do aquífero
carbonático, atingindo-o verticalmente através de fraturas na zona
vadosa.

O fluxo no sistema cárstico pode ser dividido em: a) permeabilidade


da matriz – permeabilidade intergranular das rochas não fraturadas;
b) permeabilidade de fratura – juntas, conjunto de juntas, fraturas,
planos de acamamento e todos os planos de fraqueza passíveis de
alargamento por solução; e c) permeabilidade de duto – forma de
dutos com aberturas entre 1 cm e algumas dezenas de metros.

Fig. 7.5 Ressurgência do rio Jacaré (gruta da Igrejinha, Morro do Chapéu, BA),
cujo vale apresenta evidente controle estrutural ortogonal. Pessoa como escala
na porção centro-inferior da imagem

As nascentes cársticas apresentam uma grande variedade de


formas físicas e taxas de descarga, entre as quais se destacam: a)
condutos abertos por gravidade, onde a água emerge a partir de
aberturas de cavernas; b) condutos aluviais, onde a água emerge
em piscinas formadas por material glacial ou sedimento aluvial; c)
descarga de água em piscinas a partir de condutos próximos da
superfície; d) nascentes artesianas com elevação de águas
profundas por pressão; e) conjunto de fraturas alargadas (Fig. 7.7).
Fig. 7.6 Regimes hidrológicos das áreas cársticas

Os estudos de chuva-vazão foram amplamente utilizados na análise


de bacias de drenagem em ambientes cársticos (Atkinson, 1977).
Quando o evento de chuva apresenta uma resposta rápida no fluxo
do aquífero, com um pulso bem definido no hidrograma, o
comportamento da água subsuperficial é similar ao da superficial,
com forte controle dos dutos. Caso contrário, na ausência de um
pulso individual no hidrograma, a recarga do aquífero ocorre
principalmente por infiltração difusa.
Fig. 7.7 Nascentes cársticas formando poções no carste de Lagoa Santa, MG. (A)
Nascente do córrego do Riacho, Gordura; (B e C) Lago Azul, Fidalgo; (D)
Nascente do córrego de Areia, Jaguará

Nas últimas décadas, grande esforço vem sendo realizado em


relação ao desenvolvimento de modelos numéricos computacionais
que buscam compreender os aquíferos cársticos. Kaufmann (2003)
descreve a evolução desses modelos. Inicialmente os modelos eram
simples e enfatizavam o alargamento da fratura; posteriormente
foram desenvolvidos modelos tridimensionais que levavam em conta
a malha de fraturas e os condicionantes de recarga.
Consequentemente, uma maior complexidade foi introduzida nas
simulações, abrangendo o fluxo na fratura; a porosidade e as
condições de recarga mais próximas do real; a interferência do
epicárstico e da ação antrópica; a flutuação do nível freático,
dependente do período sazonal; a variação inicial da largura da
fratura e modelos de fluxo em ambientes não saturados. Apesar de
o avanço da modelagem numérica ser recente, são esperados
grandes progressos nos próximos anos, com a obtenção de uma
quantificação dos processos com uma maior acurácia.

7.3 Formas Cársticas


Existe um extenso vocabulário para as diferentes e especiais formas
de relevo cárstico. Elas podem ser agrupadas em duas grandes
classes: a) exocársticas – relevos superficiais do carste
desenvolvidos nas zonas de absorção das águas; e b)
endocársticas – formas subterrâneas, entre as quais se destacam
as cavernas com seus espeleotemas, e em que reside o domínio da
Espeleologia.

Fig. 7.8 Relevo cárstico: superfície ondulada, afloramento calcário e nível de


cavernamento. Maciço de Cerca Grande, carste de Lagoa Santa, MG
Fig. 7.9 Relevo cárstico: torres calcárias com formas de dissolução
predominantemente verticais. Região cárstica de Arcos-Pains, MG
Fig. 7.10 Relevo cárstico: dolinas de dissolução coalescentes. Região de Topázio,
carste de Lagoa Santa, MG
Fig. 7.11 Relevo cárstico: dolina e escarpa calcária (“paredão”) de Lapa
Vermelha, carste de Lagoa Santa, MG

As formas exocársticas podem ser subdivididas em: a) positivas –


feições residuais que se tornam proeminentes no relevo, como os
maciços, os mogotes, as torres e as verrugas (Figs. 7.8 e 7.9); e b)
negativas – feições de abatimento oriundas das atividades hídricas
na subsuperfície, como os poljes, as uvalas e as dolinas (Figs. 7.10
e 7.11). De modo geral, as feições negativas são preponderantes
em relação às formas positivas.

7.3.1 Dolinas
O termo dolina é de origem servo-croata e designa originalmente
tanto vales como depressões fechadas. Na Geomorfologia, o termo
limita-se às depressões fechadas, de forma circular e oval, com
contornos sinuosos e não angulosos (Bigarella, 1996).
As dolinas apresentam grandes variações de forma (cônica,
cilíndrica, prato, bacia, tigela), dimensão (variando de alguns a mais
de uma centena de metros) e profundidade (atingindo centenas de
metros). Assim, por exemplo, as dolinas desenvolvidas em dolomito
caracterizam-se por formas regulares e vertentes menos inclinadas,
enquanto aquelas desenvolvidas em calcário têm formas irregulares,
vertentes mais íngremes e maior quantidade de material depositado
no fundo.

Uma série de fatores podem atuar conjuntamente no


desenvolvimento de dolinas, os quais podem ser classificados,
segundo Soriano e Simón (1995), em três grupos principais: 1)
físicos (solubilidade do substrato; litologia e características de
cobertura; planos de estratificação; descontinuidades estruturais,
como fissuras, diáclases e fraturas); 2) hidrológicos (infiltração da
água; gradiente hidráulico; profundidade e variação sazonal do nível
freático; composição química das águas dos aquíferos); e 3) de
ação antrópica (irrigação, construção e dutos). Segundo Jennings
(1985), e como ilustrado na Fig. 7.12, as dolinas podem ser
classificadas como:

dolinas de dissolução: geralmente formadas nas interseções


de juntas ou fraturas da rocha, que conduzem à captura da
drenagem e, consequentemente, à dissolução e ao alargamento da
cavidade;
dolinas de colapso: geradas pela queda do teto de cavernas,
formando paredes íngremes na cavidade, que são rapidamente
degradadas por dissolução e ação de intemperismo físico;
dolinas de subsidência: caracterizam-se pela presença de uma
cobertura de depósitos superficiais que colapsaram, rápida ou
progressivamente, dentro da cavidade e sobre o calcário;
dolinas de colapso de rochas subjacentes ao carste
(subjacent karst collapse doline): formadas pela dissolução de
rochas carbonáticas sobrepostas por outros tipos de rochas. Com o
desenvolvimento de cavidade e subsequentes desabamentos,
ocorre a formação de depósitos na cavidade de rochas não
carbonáticas;
dolinas aluviais: caracterizam-se pela presença de solo ou
outro depósito superficial sobre as rochas carbonáticas. Podem ser
formadas por dois processos diferentes (Beck, 1986; White, E.; Gert;
White, W., 1986): a) mobilização do material pela água superficial,
incluindo, muitas vezes, a criação de cavidades na subsuperfície
que recebem a denominação de dolinas aluviais em sumidouros
(alluvial stream sink doline); e b) cavidade na cobertura aluvial,
desenvolvida por colapso ou por lenta subsidência.

Fig. 7.12 Tipos de dolinas: (A) de dissolução, (B) de colapso, (C) de subsidência,
(D) de colapso de rochas subjacentes ao carste, (E) aluviais
Fonte: adaptado de Jennings (1985).

7.3.2 Uvalas
O termo uvala também é de origem eslava, significando depressão
alongada oriunda da coalescência de dolinas, e corresponde a uma
evolução do carste. As uvalas, nas quais a dissolução é controlada
por um sistema de juntas, apresentam formas alongadas; porém,
em outros casos, elas são depressões irregulares (Summerfield,
1991).

7.3.3 Poljes
O termo polje é amplamente utilizado na linguagem eslava e
significa campo, sem nenhuma conotação particular do tipo de
terreno e não necessitando ser cárstico (Ford; Williams, 1989).
Internacionalmente, a terminologia polje é utilizada para denotar
grandes depressões fechadas em terrenos cársticos, com fundo
plano e circundadas por paredes íngremes. A denominação polje
pode ser utilizada de duas formas: a) como referência a toda a
depressão, incluindo o vale e as margens de alta declividade (Herak
1972); e b) limitando-se às terras que são planas, aluviais e aráveis,
com valor agronômico (Sweeting, 1973). Considerando o problema
de definição geomorfológica, Gams (1978) estabeleceu que polje é
uma extensiva bacia (fechada) com base plana, drenagem cárstica
e com pelo menos um dos lados com alta declividade. Quanto à
largura mínima do fundo plano, são definidas dimensões arbitrárias
que variam conforme os autores. Segundo Gams (1978) e Cvijic
(1893), a dimensão mínima a ser considerada é, respectivamente,
de 400 m e 1 km.

Os poljes podem originar-se: a) pela coalescência progressiva de


dolinas e uvalas; b) pelo desenvolvimento de uvalas sobre uma linha
de falha; e c) pela carstificação de uma zona tectônica (Lladó, 1970
apud Bigarella et al., 1994). O desenvolvimento dos grandes poljes
está vinculado a fatores tectônicos, como nos exemplos da região
Dinárica e dos Bálcãs, e a atividades neotectônicas (Cvijic, 1893;
Gams, 1978; Gracia; Gutiérrez, F.; Gutiérrez, M., 2003; López-
Chicano et al., 2002).
Fig. 7.13 A lagoa do Sumidouro, desembocadura da bacia do córrego
Samambaia, na região cárstica de Lagoa Santa, é considerada um polje. Sob o
afloramento rochoso está o sumidouro da lagoa

Muitos poljes apresentam problemas de inundação que ocasionam


impactos socioeconômicos (López-Chicano et al., 2002). O grau de
inundação é controlado pela posição do material rochoso não
cárstico que impede a penetração da água. Nos poljes inundados, o
fundo impermeável permite a retenção de água, que atua
principalmente próximo às paredes, possibilitando sua dissolução e,
consequentemente, seu desmoronamento (Fig. 7.13).

7.3.4 Formas cársticas residuais


Os relevos residuais, no interior das depressões em carstes
tropicais, caracterizam-se por formas cônicas, piramidais ou
cilíndricas, que sobressaem sobre o nível de base da carstificação.
A denominação dessas formas residuais varia de acordo com a
localidade: hum (eslavo), mogote (cubano), torres (tourelles ou
pítons – francês). Essas formas originam-se do processo erosivo
que as separam do maciço das rochas calcárias. Outras formas de
relevos positivos são as verrugas e banquetas, que variam de
decímetros a um metro de diâmetro e altura.

7.3.5 Pavimentos
Superfícies de rochas carbonáticas que coincidem com os planos de
estratificação em estruturas horizontais ou sub-horizontais,
ligeiramente polidas por corrosão e com algumas microdepressões
nas diaclases.

7.3.6 Cavernas
Os condicionantes para o desenvolvimento das cavernas estão
intimamente relacionados às características dos aquíferos cársticos.
As cavernas podem ser ativas (apresentam fluxo de água) ou
inativas (secas). No processo de evolução dos condutos
subterrâneos, a circulação de água pode ser paulatinamente
transferida para níveis mais baixos no pacote rochoso. Essa
transferência do nível dos aquíferos favorece o abandono dos
condutos superiores, que se tornam cavernas secas, enquanto as
cavernas ativas passam para níveis cada vez mais baixos. Assim,
pode-se ter uma sequência de andares de cavernas inativas que
progressivamente vão sofrendo preenchimento das cavidades por
sedimentação e estalagmitização (processo de desenvolvimento
mais rápido das estalagmites, pelo aumento da infiltração e
gotejamento, com evolução para a formação de maciços
estalagmíticos que podem fossilizar a cavidade).
Fig. 7.14 Galerias no sistema espeleológico do vale do rio Peruaçu, planalto
cárstico do São Francisco, Januária/Itacarambi, MG. (A) Gruta do Janelão; (B)
Gruta dos Troncos

Os compartimentos internos de uma caverna são constituídos por:


corredores (formas alongadas e estreitas), galerias (similares aos
corredores, mas muito altas), salas (formas de cavidades amplas) e
salões (similares às salas, mas com teto alto). As cavernas em
planta podem ser lineares, dendríticas, meândricas ou em trama
labiríntica, ao passo que, em perfil, podem ser plano-horizontais,
inclinadas, escalonadas ou em múltiplos pavimentos (Bigarella et al.,
1994) (Fig. 7.14).
Fig. 7.15 Conjunto de estalactites, estalagmites e colunas. Gruta da Tarimba,
região cárstica de Mambaí, GO
Fig. 7.16 Lapa dos Brejões, Morro do Chapéu, BA. (A) Represa de travertino; (B)
Ninho de pérolas em travertino

A atividade da água (gotejamento, escorrimento e turbilhonamento)


na dissolução e precipitação do carbonato gera diferentes formas
ornamentais denominadas espeleotemas. Existem inúmeros
espeleotemas em cavernas, dos quais se destacam: a) estalactites:
formas presentes nos tetos das cavernas, originadas pelo
gotejamento e que podem ser tubulares cilíndricas, cônicas,
maciças e complexas; b) estalagmites: formas presentes no chão
das cavernas, provenientes do gotejamento das estalactites; c)
colunas: formas verticais e cilíndricas, resultantes da união das
estalactites e estalagmites; d) cortinas: feições presentes nas
paredes ou tetos inclinados, nas quais filetes de água depositam
uma lâmina de calcita em forma de cortina; e e) travertinos: piscinas
ou patamares escalonados, gerados pelo escorrimento e
represamento da água por pequenos diques de calcita (Figs. 7.15 e
7.16).

7.4 Sensoriamento Remoto no


Estudo de Ambientes Cársticos
O sensoriamento remoto está sendo cada vez mais utilizado nos
estudos de ambientes cársticos. Neste tópico são abordados: o
comportamento espectral dos principais minerais de carbonatos, a
análise das características geobotânicas típicas dos ambientes
cársticos e o uso da análise morfoestrutural no estudo da evolução
do modelado cárstico.

7.4.1 Comportamento espectral de


carbonatos
A calcita, a dolomita e a aragonita são os carbonatos mais
abundantes e comuns do ambiente cárstico. Analisando o
comportamento espectral desses minerais (Fig. 7.17), verifica-se: a)
de 0,35 μm a 0,7 μm – uma queda relativa da reflectância,
principalmente da aragonita, em direção a comprimentos de onda
menores; b) de 0,7 μm a 1,6 μm – comportamento espectral
praticamente linear e uniforme; e c) de 1,6 μm a 2,5 μm – uma série
de feições de absorção que aumentam de intensidade com o
crescimento do comprimento de onda (Hunt; Salisbury, 1971; Gaffey,
1986).
Fig. 7.17 Comportamento espectral dos carbonatos: calcita, dolomita e aragonita
Fonte: adaptado de Gaffey (1986).
Fig. 7.18 As curvas com ajuste gaussiano das sete feições de absorção dos
carbonatos na faixa espectral de 1,6 μm até 2,6 μm (curvas cinza de 1 até 7) e a
curva de ajuste relativa ao somatório (curva preta)
Fonte: Gaffey (1987).

O terceiro intervalo (de 1,6 μm a 2,5 μm) apresenta maior


importância nos estudos espectrais desses minerais, devido à
presença das feições de absorção provenientes dos processos
vibracionais do radical carbonato (Hunt; Salisbury, 1971). Gaffey
(1987) diferenciou, com base na remoção do contínuo e por um
ajuste de curvas gaussianas, sete bandas de absorção para os
carbonatos (Fig. 7.18). As bandas estão ordenadas em intensidade
decrescente, sendo a banda 1 (2,5 μm) a mais pronunciada.

As posições e larguras dessas sete bandas são diagnósticas na


mineralogia dos carbonatos. Assim, a distinção entre os minerais de
calcita, dolomita e aragonita é possível pelas diferenças entre as
posições das bandas de absorção. No gráfico de dispersão entre as
bandas centrais de absorção 4 e 2 (Fig. 7.19), observa-se uma
nítida separação dos agrupamentos minerais. Pela análise dessa
figura, constata-se que, nos espectros de dolomita, as bandas
apresentam-se mais próximas ao longo do comprimento de onda do
que nos espectros de calcita.

Fig. 7.19 Gráfico de dispersão entre os valores do comprimento de onda das


bandas centrais de absorção 4 e 2 para os minerais de aragonita (triângulos),
calcita (quadrados) e dolomita (bolas)
Fonte: Gaffey (1986).

Esses espectros variam em função da presença de água, ferro e do


tamanho dos grãos (Gaffey, 1986). A água, embora na forma de
inclusões fluidas, pode gerar fracas bandas em 1,6 μm e 2,0 μm,
interferindo nas bandas diagnósticas dos carbonatos. O tamanho da
partícula e o empacotamento alteram a intensidade absoluta das
bandas e o albedo dos espectros; no entanto, a intensidade relativa,
a forma e o posicionamento da banda não são significativamente
alterados (Fig. 7.20). Pequenas proporções de Fe2+ ocasionam
feições de absorção do tipo transição eletrônica nas proximidades
de 1 μm (Hunt; Salisbury, 1971). A presença do íon Fe2+ atua
diferentemente nos minerais: a) na calcita, a banda do Fe2+ fica
centrada em 1,3 μm e apresenta uma banda dupla pronunciada; b)
na dolomita, é centrada em 1,2 μm; e c) nos minerais do grupo da
aragonita, a presença do Fe2+ é extremamente limitada, devido à
substituição sólida (Fig. 7.21) (Gaffey, 1986).
Fig. 7.20 Espectros de calcita para diferentes frações de grãos (tamanho em μm)
Fonte: adaptado de Gaffey (1986).

Com relação aos demais minerais de carbonato, Gaffey (1987)


realizou análises espectrais para uma série de carbonatos com
estrutura romboédrica (magnesita, siderita, calcita, smithsonita,
rodocrosita) e estrutura ortorrômbica (aragonita, estroncianita,
witherita, cerusita) (Fig. 7.22).
Fig. 7.21 Espectro de calcita rica em ferro (espectro cinza) e dolomita rica em
ferro (espectro preto), apresentando diferenças de formas e de posição da banda
de absorção do Fe2+
Fonte: adaptado de Gaffey (1986).

Nesses minerais constataram-se as sete feições de absorção pelo


radical carbonato anteriormente descritas. Para ambos os grupos, a
massa do cátion é o fator dominante no posicionamento das
bandas. Verifica-se uma forte absorção na rodocrosita, devido ao
Mn2+, e na siderita, devido ao Fe2+. Nos minerais com estrutura
romboédrica, o Fe2+ pode ocorrer como substituição dos cátions
maiores, gerando uma forte dupla feição próxima de 1,1 μm. Essas
feições relativas à presença de Fe2+ e Mn2+ podem ser usadas para
discriminar os minerais de carbonatos anidros.
Fig. 7.22 Espectros de minerais de carbonatos: (A) estrutura romboédrica (grupo
da calcita); (B) estrutura ortorrômbica (grupo da aragonita)
Fonte: adaptado de Gaffey (1987).

É importante destacar que os estudos de detecção dessas feições


espectrais em imagens de satélite concentram-se principalmente em
áreas desérticas ou áridas, em razão da cobertura vegetal esparsa
(Rowan; Mars, 2003; Kruse; Boardman; Huntington, 2003; Ninomiya;
Fu; Cudahy, 2005).

7.4.2 Análise geobotânica


A geobotânica refere-se ao estudo de plantas que estão
relacionadas especificamente a um ambiente geológico (Rose;
Hawkes; Webb, 1979) ou a uma análise visual da vegetação, usada
para definir diferentes litologias na paisagem (Raines; Canney,
1980).

Os espectros de carbonatos, descritos na seção anterior, raramente


são observados em dados de sensores remotos de regiões tropicais
como as do Brasil, devido à sua densa cobertura vegetal. Por outro
lado, nos ambientes cársticos dessas regiões desenvolvem-se
fitofisionomias litodependentes específicas, em razão das
características químicas e físicas singulares dos carbonatos e solos
associados em relação às rochas circunvizinhas, geralmente
silicáticas. Assim, essas feições geobotânicas, indicadoras do
substrato geológico, podem ser detectadas pelo uso de técnicas de
sensoriamento remoto.

Um exemplo de estudo geobotânico é o realizado por Carvalho


Júnior, Hermuche e Guimarães (2006), que analisaram, por meio de
técnicas de sensoriamento remoto, a distribuição espacial, no bioma
Cerrado, da Floresta Estacional Decidual do Brasil da bacia do rio
Paranã, situada na parte nordeste de Goiás e sul de Tocantins
(entre as latitudes 11°36’ e 15°59’ e longitudes 45°88’ e 48°25’).
Essa formação é chamada de Mata Seca, também denominada
“Mata Seca em solo calcário” ou ainda “Mata Calcária”. A Mata Seca
possui deciduidade pronunciada no período de seca, no qual até
50% das árvores perdem suas folhas (Veloso; Rangel Filho; Lima,
1991). Com o propósito de detalhar os padrões fenológicos da
vegetação, os autores utilizaram séries temporais contínuas do
índice NDVI do sensor Moderate Resolution Imaging
Spectroradiometer (Modis) com alta resolução temporal (Justice et
al., 2002). Para minimizar a influência dos ruídos geralmente
existentes nesse tipo de dado, foi utilizada a transformação
Minimization Noise Fraction (MNF). Os resultados de Carvalho
Júnior; Hermuche; Guimarães (2006) demonstram, para a Mata
Seca, um comportamento típico e distinto de outras fitofisionomias
do Cerrado (Figs. 7.23 e 7.24).

Fig. 7.23 Imagens de índices NDVI do sensor Modis relativas à: (A) época
chuvosa (17 de janeiro a 1˚ de fevereiro de 2002, (B) seca (12 a 27 de julho de
2002), (C) composição colorida das três primeiras componentes MNF (R - 1ª MNF
/ G - 2ª MNF / B - 3ª MNF). O polígono da Mata Seca (linha amarela) foi definido
pelo Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia da
Embrapa, no âmbito do projeto “Conservação das Florestas Estacionais
Deciduais do Vale do Paranã”
Fonte: Carvalho Júnior, Hermuche e Guimarães (2006).
Fig. 7.24 Localização e comportamento espectral NDVI multitemporal, após
tratamento pelo método MNF, da Mata Seca, do Campo Sujo e do Cerrado típico
Fonte: Carvalho Júnior, Hermuche e Guimarães (2006).

7.4.3 Análise morfoestrutural


O ambiente cárstico, como foi descrito, caracteriza-se por condutos
abertos com baixa resistência ao fluxo da água subterrânea. Toda a
orientação dos condutos internos e das cavernas apresenta um forte
controle do gradiente hidráulico, dos padrões de juntas e de outras
feições tectônicas, como as falhas e os dobramentos. As feições de
depressão cárstica presentes na superfície são resultantes de ações
também em subsuperfície, frequentemente associadas ao
arcabouço estrutural e aos sistemas de cavernas abaixo, o que
confere uma regularidade do padrão ou alinhamento. Dessa forma,
a partir de dados de sensoriamento remoto, é possível descrever os
padrões exocársticos e inferir sobre as estruturas que condicionam
a evolução do modelado cárstico. Um exemplo dessa aplicação é o
trabalho de Kresic (1995), que realizou uma análise espacial das
principais feições de depressões e nascentes do carste Dinárico
com base nos lineamentos estruturais (Fig. 7.25). Karmann,
Sánchez e Fairchild (2001) salientam que a direção preferencial da
caverna dos Ecos (em Goiás, próxima ao Distrito Federal) é
concordante com os lineamentos estruturais da região em estudo
(Fig. 7.26). Baseados no tratamento estatístico dos padrões de
ocorrência de cavernas (direções de desenvolvimento, dimensões e
extensões de condutos subterrâneos), Beato et al. (1992) e Berbert-
Born, Horta e Dutra (1998) concluíram que na região de Lagoa
Santa, as maiores e mais frequentes galerias subterrâneas
coincidem com dois grupamentos de fraturas de caráter regional.

Aquíferos cársticos vêm, há algum tempo, sendo inferidos com base


em conjuntos de fraturas obtidos a partir de fotografias aéreas
(Lattman; Parizek, 1964). As informações extraídas por
sensoriamento remoto são utilizadas em SIG na formulação de
modelos para a detecção e o monitoramento de áreas vulneráveis à
contaminação de aquíferos em ambientes cársticos (Doerfliger;
Jeannin; Zwahlen, 1999; Van Stempvoort; Evert; Wassenaar, 1993).
Fig. 7.25 Informações obtidas da interpretação de imagem Landsat do carste
Dinárico, na região dos Bálcãs, em que (1) representa as principais zonas
depressivas, (2) as nascentes e (3) os principais lineamentos estruturais
Fonte: adaptado de Kresic (1995).

Além disso, o sensoriamento remoto tem sido frequentemente


utilizado nos estudos referentes às distribuições espaciais das
dolinas (densidade, tamanho, forma) e depressões cársticas, devido
ao aumento de desastres naturais provenientes dos abatimentos e
afundamentos dos terrenos, com prejuízos tanto no meio rural como
no urbano. Comumente, as feições de abatimento, muitas vezes
cobertas por água ou pela vegetação típica de ambiente úmido,
podem ser identificadas em imagens de sensoriamento remoto
(fotografia aérea e imagens de satélite). Em razão da repetitividade
dos dados de sensoriamento remoto, podem-se realizar também um
monitoramento e a descrição da evolução das dolinas a partir de
análises multitemporais (Soriano, 1992).
Fig. 7.26 Lineamentos topográficos na região em torno da caverna dos Ecos,
obtidos a partir de fotografias aéreas (escala 1:60.000, Usaf 1964)
Fonte: adaptado de Karmann, Sánchez e Fairchild (2001).

Dessa forma, o sensoriamento remoto pode ser utilizado para: a)


identificar os terrenos carbonáticos; b) identificar as feições
estruturais importantes no desenvolvimento do modelado cárstico
(identificação e análise quantitativa da frequência e do número de
juntas, fissuras e planos de acamamentos); e c) análise espacial e
temporal das feições de depressão cárstica, como as dolinas.

7.5 Ambientes Cársticos


Brasileiros
O Brasil tem uma extensa cobertura de rochas carbonáticas nos
seus diferentes biomas. Karmann (1994) estimou a área coberta por
rochas carbonáticas entre 425.000 km2 e 600.000 km2. A
sistematização dessas coberturas cársticas teve um grande avanço
com estudos de espeleologia, devido às suas peculiaridades
biológicas, paleoambientais, paleontológicas, arqueológicas, além
do apelo turístico. Nesse contexto, Karmann e Sánchez (1979)
propuseram uma classificação das províncias espeleológicas
utilizando como parâmetro de distinção as regiões pertencentes a
uma mesma formação geológica, onde ocorrem grandes corpos de
rochas carbonáticas suscetíveis às ações cársticas e,
consequentemente, à formação de cavernas (Fig. 7.27). As
principais províncias espeleológicas definidas foram: (1) Bambuí
(Grupo Bambuí); (2) Una (Grupo Una); (3) Serra da Bodoquena
(Grupo Corumbá) e (4) Vale do Ribeira (Grupo Açungui). Essa
classificação espeleológica pode ser ampliada, numa abordagem
mais geral, para a definição dos principais sistemas cársticos
brasileiros.

Esses sistemas cársticos apresentam rochas carbonáticas com


algumas características comuns e fundamentais:

história geológica – os grupos geológicos formaram-se durante o


Neoproterozoico;
estratigrafia – associações predominantes de rochas
carbonáticas com sequências pelíticas;
espessura e continuidade – as rochas carbonáticas apresentam
grande espessura e extensão.

Outros conjuntos litológicos apresentam rochas carbonáticas e


ambientes cársticos, porém com uma extensão (ou expressão em
área) bem menor do que essas quatro províncias principais.
Fig. 7.27 Localização das principais áreas de rochas carbonáticas do Brasil

7.5.1 Província do Bambuí


O Grupo Bambuí é uma sequência sedimentar neoproterozoica do
tipo epicontinental, com pelo menos dois ciclos transgressivo-
regressivos. Recentemente, alguns autores vêm considerando a
possibilidade de uma deposição em uma bacia do tipo foreland,
posicionada ao longo da margem oeste do cráton do São Francisco,
afetada pela orogênese Brasiliana (Castro, 1997; Martins-Neto;
Pedrosa-Soares; Lima, 2001; Castro; Dardenne, 2000). Na porção
oeste, o Grupo Bambuí apresenta um aumento considerável da
altitude, das feições tectônicas e dos sedimentos, com gradação de
unidades carbonáticas para pelíticas, além de uma complexidade
maior de variações de fácies, determinada pelo ambiente
paleogeográfico (Misi, 2001).

Dada a sua grande extensão, essa província é dividida em vários


distritos, sendo os mais importantes, de acordo com Lino e Allievi
(1980), os seguintes: São Domingos, Formosa, Distrito Vazante-
Paracatu, Montes Claros, Cordisburgo, Lagoa Santa e Arcos-Pains
(reordenado de norte para sul).

Fig. 7.28 Distribuição das rochas carbonáticas do Grupo Bambuí: (A) mapa da
província Bambuí; (B) Modelo Digital de Elevação gerado de dados do SRTM; (C)
mosaico de imagens ETM+ do satélite Landsat-7 RGB-345

Os carstes do Bambuí, como a maior parte dos carstes brasileiros,


encontram-se em áreas de clima úmido, o que estabelece, devido à
alta precipitação, uma condição de morfogênese tropical
caracterizada por um intenso processo de dissolução. Além disso, o
ambiente tropical favorece o crescimento da cobertura vegetal e da
atividade bioquímica dos microrganismos, os quais,
consequentemente, atuam no aumento da acidez das águas e no
processo de carstificação. A maior abundância de água permite o
desenvolvimento de um fluxo vertical que forma um extenso nível
freático em profundidade. Os processos químicos nos trópicos são
mais intensos do que nos ambientes temperados e frios, onde
sobressaem feições de erosão mecânica dos sistemas fluvial e
glacial. Por causa desses fatores, Ab’Saber (1979) salienta que a
paisagem cárstica brasileira está condicionada ao domínio
morfoclimático atual, que define uma drenagem tipicamente
criptorreica. Essas características tornam-se evidentes quando se
constata que, regionalmente, o Grupo Bambuí está bem demarcado
por áreas deprimidas (Fig. 7.28).

Fig. 7.29 Detalhe do Grupo Bambuí, na bacia do Paracatu e vão do Paranã: (A)
mapa das litologias; (B) Modelo Digital de Elevação gerado de dados do SRTM;
(C) mosaico de imagens ETM+ do satélite Landsat-7 RGB-345

A diferenciação no modelado cárstico dentro das unidades


geológicas está associada à litodependência, ou seja, tanto às
características originais como pela sua história subsequente de:
desidratação, compressão, recristalização, cimentação e alteração
química. Na bacia do Paracatu, observa-se que, na porção oeste do
Grupo Bambuí, o modelado cárstico apresenta um maior
desenvolvimento das feições exocársticas e endocársticas,
enquanto nas porções deprimidas ocorrem depósitos aluvionares e
detrito-lateríticos (Figs. 7.29 e 7.30).

Fig. 7.30 Visão em perspectiva do MDT do SRTM, com o posicionamento das


principais cavernas (em preto) descritas dentro da bacia do Paracatu

No contexto do Grupo Bambuí, a região mais estudada é o carste


de Lagoa Santa (MG), localizado próximo à cidade de Belo
Horizonte, que apresenta uma densa assembleia de feições
cársticas, como também uma alta concentração de fósseis
pleistocênicos, incluindo a megafauna extinta, e vestígios da
ocupação humana pré-histórica (Auler, 1994, 1995; Berbert-Born;
Horta; Dutra, 1998; Kohler, 1989, 1995; Kohler; Karfunkel, 2002;
Piló, 1998). O sítio de Lagoa Santa é considerado o berço da
paleontologia, arqueologia e espeleologia no Brasil, consistindo em
uma importante riqueza do patrimônio espeleológico, histórico e
cultural.

Esse carste desenvolve-se na formação Sete Lagoas do Grupo


Bambuí, na porção sudeste do cráton do São Francisco, e pode ser
subdividido em dois domínios morfogenéticos: planaltos cársticos e
depressão de mocambeiro (Auler, 1994). Os planaltos cársticos
apresentam morros alongados e convexos em cotas superiores a
800 m, e rochas carbonáticas com espessura de 200 m.

A dissecação do planalto gera um acúmulo de depressões cársticas,


que modelam um relevo fortemente ondulado. Nesses locais são
desenvolvidas diversas feições fluviocársticas e cavernas
localmente controladas por juntas com direção N75˚-85˚E e N-S
(Beato et al., 1992). A presença de cavernas reliquiares evidencia
uma evolução histórica das drenagens cársticas, permitindo resgatar
a paleohidrologia e sugerir que algumas feições fluviocársticas
foram geradas em um estágio anterior (Auler, 1998). As áreas de
depressão caracterizam-se por uma planície de corrosão com vale
de fundo plano e córregos e lagos cársticos efêmeros.

7.5.2 Província Una


Um dos principais sítios de ambiente cárstico na região semiárida do
Brasil desenvolve-se sobre a cobertura neoproterozoica do Grupo
Una, situada no centro do cráton do São Francisco, nas bacias de
Utinga e Irecê, na Chapada Diamantina (Fig. 7.31). Esse Grupo é
cronocorrelato ao Grupo Bambuí, na faixa de dobramentos Brasília,
havendo, inclusive, correlações estratigráficas entre eles (Misi;
Veizer, 1998). O Grupo Una apresenta duas formações: Bebedouro
(conjunto glaciogênico composto por diamictitos, grauvacas e
arenitos líticos) e Salitre (deposição de várias litofácies carbonáticas
com intercalações pelíticas) (Misi, 1979). Essa província localiza-se
dentro da área delimitada pelo polígono da seca, com uma
precipitação média anual de 490 mm e déficit hídrico superior a
1.400 mm.
Fig. 7.31 Distribuição das rochas carbonáticas do Grupo Una: (A) mapa da
Província Una; (B) Modelo Digital do Terreno de dados SRTM; (C) mosaico de
imagens ETM+ do satélite Landsat-7 RGB-345

Em razão da baixa pluviosidade e, consequentemente, da ação da


água, o processo de dissolução em clima árido tende a diminuir. No
entanto, para a região do Grupo Una, observa-se que, mesmo com
baixa taxa de recarga, ocorre o desenvolvimento de importantes
sistemas espeleológicos. Segundo Auler e Smart (2003), as formas
endocársticas nessa região são desenvolvidas por alteração
hipogênica. Esse tipo de alteração apresenta fatores de caráter
endógeno que aumentam o poder de dissolução da água,
diferentemente dos processos clima-dependentes, como o CO2
proveniente de gases magmáticos, H2SO4 proveniente da oxidação
de sulfetos presentes em evaporitos ou pela acumulação de óleos e
gás em profundidade (Audra; Bigot; Mocochain, 2003; Hose;
Pisarowicz, 1999).

No caso do Grupo Una, análises hidrogeoquímicas dos aquíferos


indicam a presença de ácido sulfúrico, proveniente da oxidação de
camadas de sulfetos na rocha, tornando-se um ativo agente na
dissolução do carbonato (Auler; Smart, 2003). Isso explica as
características descritas para a área, como: falta de relação das
feições da superfície com a subsuperfície, padrão em malha,
variação abrupta entre as seções e ausência de sedimentos fluviais.
Nessa área, desenvolvem-se alguns dos principais sítios
espeleológicos, com a presença das cavernas de maior extensão no
país, como a Toca da Boa Vista e a Toca da Barriguda (Auler;
Smart, 2002).

7.5.3 Província Serra da Bodoquena


Na borda do Pantanal desenvolvem-se cenários cársticos sobre as
rochas carbonáticas dos Grupos Corumbá e Cuiabá. O Grupo
Corumbá é composto por sequências de rochas carbonáticas e
silicatadas formadas por sedimentação, inicialmente em bacia do
tipo rifte, que evoluiu para plataforma carbonática com margem
continental aberta para leste, com deposição dos turbiditos do
Grupo Cuiabá, formados em ambiente de águas profundas
(Boggiani; Fairchild; Coimbra, 1993).
Fig. 7.32 Gruta do Lago Azul (Bonito, MS) em diferentes ângulos. Notar pessoa à
margem do lago em (A)

A beleza cênica da região de Bonito, onde há lagos cristalinos


associados a grutas (Fig. 7.32), tem contribuído para a formação de
um importante polo turístico (Boggiani, 2001). O clima da região é
basicamente tropical, com média anual da temperatura de 22˚C e
média de chuva de 1.450 mm/ano (Guerrini, 1978).

A serra da Bodoquena está situada no centro-sul do Estado de Mato


Grosso do Sul, com uma extensão norte-sul de 300 km, largura
leste-oeste variando de 20 km a 50 km e variação altimétrica de 450
m a 650 m (Boggiani et al., 1999). É delimitada ao norte e a oeste
pela depressão do rio Paraguai, pertencente à planície do pantanal;
a leste, pela bacia do rio Miranda e ao sul, pela bacia do rio Apa
(Fig. 7.33).
Fig. 7.33 Província Bodoquena: (A) mapa da província Bodoquena; (B) Modelo
Digital de Elevação gerado de dados do SRTM; (C) mosaico de imagens ETM+
do satélite Landsat-7 RGB-345

Essa serra possui uma forma assimétrica e caracteriza-se, na parte


oeste, por um perfil escarpado, um acamamento rochoso
horizontalizado ou com dobramento aberto, e com tendência de
formar cavernas por condutos subterrâneos. Na parte leste, a serra
apresenta uma declividade mais suave, com montanhas residuais
de calcários e cavernas nas porções dobradas, com salões de
centenas de metros e aberturas largas, que permitem a entrada de
luz (Boggiani; Coimbra, 1995; Kohler, 1995).

7.5.4 Província do vale do Ribeira


Os carstes do vale do Ribeira localizam-se no sul do Estado de São
Paulo e no oeste do Estado do Paraná, sobre as rochas do
Subgrupo Lajeado, Grupo Açungui, composto por metassedimentos
de baixo grau metamórfico, como metacalcarenitos e
metacalcilutitos impuros, predominantemente calcíticos e localmente
dolomíticos, com intercalações de metassiltitos carbonáticos e filitos
(Campanha, 1991).

As rochas carbonáticas situam-se nas porções mais baixas do


relevo, e as rochas pelíticas, psamíticas e graníticas, nas partes
mais altas, com desníveis de até 700 m (Fig. 7.34), onde ocorrem as
nascentes. Essas características geológicas-geomorfológicas
condicionam um sistema de recarga mista no carste, tanto alogênica
como autogênica. Na faixa, ao longo do contato dos metacalcários,
ocorrem vales assimétricos, vales cegos, poljes de contato e
sumidouros (Karmann; Ferrari, 2002).

Os estudos da província do vale do Ribeira concentram-se no


Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), unidade de
conservação (35.102,8 ha) localizada na margem esquerda do rio
homônimo, no sul do Estado de São Paulo (Karmann; Ferrari, 2002;
Sánchez, 1984). Esse sítio está inserido na faixa de transição entre
o Planalto Atlântico e a Baixada Costeira, segundo a classificação
geomorfológica de Almeida (1964), com um conjunto de cerca de
200 cavernas.
Fig. 7.34 Província do vale do Ribeira: (A) mapa da província do vale do Ribeira;
(B) Modelo Digital de Elevação gerado de dados do SRTM; (C) mosaico de
imagens ETM+ do satélite Landsat-7 RGB-345

Karmann (1994) e Ferrari, Hiruma e Karmann (1998), a partir da


análise morfométrica da superfície, observam um padrão cárstico
poligonal com amplitudes altimétricas de até 300 m e densidade de
depressão (expressa pelo número de depressões por área de carste
poligonal) entre 7,7 e 13 por km2, compatível aos descritos para a
Jamaica, Porto Rico e Nova Guiné (Day, 1976; Williams, 1971). Os
autores também identificaram, em fotografias aéreas, os segmentos
de paleovales que antecederam a formação das bacias de
drenagem centrípeta.

Considerações Finais
O ambiente cárstico, que abrange uma significativa parcela do
território nacional, é altamente vulnerável à degradação,
apresentando facilidade para a ocorrência de contaminação dos
recursos hídricos, abatimentos de terra e erosão, entre outras.
Apesar de sua fragilidade natural, esse ambiente é intensamente
visado pela exploração agrícola, mineral e turística, que provocam e
intensificam os danos ambientais.

Com o aumento da atividade agrícola, as rochas carbonáticas são


cada vez mais exploradas com o propósito de gerar insumos
minerais para a agricultura, fertilizantes e corretivos.

As jazidas de rochas carbonáticas são também exploradas para


suprir a indústria de cimento, metalurgia, siderurgia e ração animal,
entre outras. Em razão da beleza cênica do ambiente cárstico, outra
atividade em expansão nessas áreas é o ecoturismo. No entanto, na
maioria das vezes, o aporte de turistas é realizado sem os devidos
cuidados com esses ambientes, ocasionando intensos impactos,
decorrentes de fatores como trilhamento constante, ações de motos
e jipes, depredações, poluição e perturbação da vida silvestre, entre
outros.

Nesse contexto, o sensoriamento remoto e o SIG constituem


instrumentos indispensáveis, tanto para identificar as zonas físicas e
bióticas heterogêneas do ambiente cárstico como para estabelecer
graus ambientais de preservação e/ou degradação. Esses
instrumentos permitem remontar a evolução histórica e prever
cenários futuros, subsidiando a reflexão e a formulação de políticas
públicas. A partir disso, é possível estipular planos a longo prazo
com o objetivo de redirecionar o uso da terra, não se limitando
apenas aos planos emergenciais geralmente praticados.

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Evlyn Márcia L. de M. Novo
AMBIENTES FLUVIAIS 8

Neste capítulo, buscamos ampliar o conhecimento sobre a


geomorfologia fluvial e mostrar a contribuição da tecnologia de
sensoriamento remoto para o estudo das formas e dos processos
fluviais. Assim, após a apresentação dos principais conceitos,
apresentam-se exemplos concretos de uso de dados de
sensoriamento remoto e de métodos de extração de informações
relevantes ao avanço da Geomorfologia Fluvial.

A Geomorfologia Fluvial focaliza suas questões nos processos que


dão origem às formas relacionadas ao escoamento dos rios. A
drenagem exorreica (que atinge os oceanos) drena cerca de 68% da
superfície terrestre, o que é um indicador da importância dos rios
como agentes de transporte dos materiais intemperizados dos
continentes para os oceanos.

A Geomorfologia Fluvial é o campo da Geomorfologia que se dedica


a estabelecer relações entre os processos de erosão e deposição
resultantes do escoamento da água em canais fluviais e as formas
de relevo dele derivadas. A forma e o padrão dos canais fluviais
estão, em geral, ajustados: a) à hidrologia da bacia de drenagem,
que controla a vazão sólida e líquida que escoa em um dado
segmento de rio; b) à geologia da bacia (litologia e arcabouço
estrutural). Desse modo, pela análise das formas do canal fluvial,
podem-se deduzir os processos que lhes deram origem.

8.1 Fundamentos de
Geomorfologia Fluvial
8.1.1 Conceitos básicos
As formas de relevo de origem fluvial são elaboradas a partir do
escoamento concentrado da água em canais fluviais. A esse
escoamento dá-se o nome de vazão, cujo volume depende do
regime hidrológico da bacia hidrográfica onde os canais estão
inseridos.

A bacia hidrográfica ou de drenagem é a área da superfície


terrestre drenada por um rio principal e seus tributários (Fig. 8.1).
Ela representa a área de captação natural da água da precipitação
que faz convergir o escoamento para um único ponto de saída, o
exutório. A bacia de drenagem é delimitada pelos divisores de água,
a partir da definição de um dado ponto de saída. Sua delimitação se
dá por meio de uma carta topográfica ou de uma imagem
tridimensional do terreno.

Fig. 8.1 Conceito de bacia de drenagem ou bacia hidrográfica. O divisor de água


marca o limite topográfico da zona de abastecimento da bacia de drenagem,
originado pela precipitação
Fonte: adaptado de Silveira (1993).

A bacia de drenagem pode ser dividida em sub-bacias e


microbacias, as quais são unidades de estudo e de planejamento,
definidas operacionalmente em função das aplicações a que se
destinam. No Brasil, o Decreto-Lei n˚ 94.076, de 5 de março de
1987 (que criou o Programa Nacional de Microbacias Hidrográficas -
PNMH), define a microbacia como uma área drenada por um curso
d’água e seus afluentes, a montante de uma determinada seção
transversal, para a qual convergem as águas que drenam a área
considerada. É entendida como uma unidade espacial mínima,
definida pelos canais fluviais de primeira ordem.

Fig. 8.2 Classificação hierárquica das bacias de drenagem segundo o sistema


proposto por Strahler (1952). As microbacias seriam todas as bacias de primeira
ordem e que representam as nascentes responsáveis pela perenidade do fluxo de
base da bacia, sendo, portanto, objeto de proteção em qualquer plano de
estabilização dos sistemas fluviais
Fonte: adaptado de Silveira (1993).

A hierarquia fluvial, por sua vez, refere-se a uma classificação dos


cursos d’água e das bacias correspondentes (Fig. 8.2), segundo um
sistema proposto por Horton em 1945 (Horton, 1945), e modificado
por Strahler em 1952 (Strahler, 1952). Independentemente do
sistema de classificação proposto e da sua localização (alto, médio
ou baixo curso), as microbacias correspondem a bacias de
drenagem de primeira ordem, ou seja, todas as bacias que
correspondem a cabeceiras de drenagem ou nascentes.

O regime hidrológico descreve as mudanças do volume de água que


escoa por um canal fluvial ao longo do ano e entre anos sucessivos.
O regime hidrológico de uma bacia hidrográfica depende de muitas
variáveis, tais como o clima da região, a litologia e estrutura
geológica da bacia, o relevo e a cobertura vegetal, entre outras.

Em uma bacia hidrográfica sujeita a um dado regime de chuvas,


ocorrem escoamentos não concentrados, também chamados de
escoamentos de vertente ou escoamentos superficiais. O
escoamento superficial pode ser produzido em duas situações: 1)
quando a taxa de precipitação excede a taxa de infiltração da água
no solo; 2) quando há a saturação do solo e o nível freático se
encontra muito próximo à superfície.

A água também pode escoar em subsuperfície, formando um fluxo


dentro da camada de solo mesmo em condições não saturadas.
Entretanto, em geral, quanto maior a saturação do solo, maior é a
velocidade de escoamento dos fluxos de subsuperfície. Todos esses
fluxos são importantes porque contribuem para a formação e
manutenção do escoamento fluvial.

Os rios são canais de escoamento concentrado da água que


permitem sua transferência, por gravidade, das regiões mais altas
para as mais baixas. A água que escoa em um canal fluvial está,
portanto, sujeita a dois tipos de forças: gravitacional e de fricção. A
força gravitacional impele a água em direção a jusante, para as
regiões mais baixas da bacia hidrográfica e depende, basicamente,
do perfil longitudinal de um dado segmento do canal de drenagem
(Fig. 8.3).

O perfil longitudinal do canal de drenagem expressa a relação


entre a altimetria e o comprimento de um determinado canal nos
diferentes pontos entre a nascente e a foz. Em geral de forma
parabólica, o perfil típico é côncavo (considerado em equilíbrio, ou
seja, os processos de erosão, transporte e deposição estão em
equilíbrio entre si), com declividades altas em direção à nascente e
baixas em direção a jusante. A declividade do canal em um ponto é
a tangente do perfil nesse ponto. O equilíbrio pode ser alterado com
obras de engenharia, como barragens, canalização etc.
Fig. 8.3 Perfil longitudinal de um segmento de canal fluvial

Relacionado ao perfil longitudinal, define-se o nível de base local


de um rio como o ponto limite abaixo do qual não ocorre a erosão
fluvial. O nível de base geral para as bacias que deságuam no
oceano é o nível do mar. O nível de base local não é fixo, pois muda
de jusante para montante em função do perfil longitudinal dos canais
para os quais converge a drenagem. O nível de base de um canal
de primeira ordem é dado pelo perfil longitudinal do canal de
segunda, terceira ou quarta ordem, no ponto de confluência.

Como mencionado anteriormente, a água que escoa em um canal


fluvial depende da força gravitacional, regulada pela declividade do
canal, descrita por seu perfil longitudinal. Se a força gravitacional
favorece o escoamento de montante para jusante, a força de fricção
age para colocar resistência a esse escoamento.

A força de fricção interna ao volume de água (viscosidade) e entre o


volume d’água e a superfície do canal fluvial resiste ao seu
movimento. A viscosidade da água resulta da coesão e colisão entre
as moléculas do volume de água. O fluxo de água, em razão de
vários fatores (velocidade de escoamento, viscosidade, densidade,
dimensão do canal de escoamento), pode ser laminar ou turbulento.
No fluxo laminar, a principal fonte de resistência ao escoamento é a
viscosidade molecular. Dessa forma, a água escoa como se uma
série de camadas superpostas deslizassem umas sobre as outras.
O fluxo turbulento, o mais típico de rios, caracteriza-se por
flutuações caóticas na velocidade de escoamento, impostas por
várias fontes de resistência ao deslocamento da água, incluindo a
resistência da superfície do canal fluvial. A velocidade de
escoamento dos rios é afetada pelo gradiente da superfície da água,
pela rugosidade do leito do rio e pela forma da seção transversal do
canal.

8.1.2 Erosão e transporte fluvial


Os rios são poderosos agentes geomorfológicos capazes de erodir,
transportar e depositar sedimentos. A potência de um rio pode ser
definida como sua capacidade de realizar o trabalho do rio (de erodir
e transportar sedimentos). Essa potência (stream power) pode ser
expressa como:

em que:
Ω – potência do rio por unidade de comprimento do canal;
ρ – densidade da água;
Q – descarga;
g – aceleração da gravidade;
s – declividade do canal.

Pela análise da equação 1, pode-se concluir que a potência de um


rio aumenta com a vazão (descarga), a declividade do canal e a
densidade da água.

Todo o material erodido pelo rio e por ele transportado compõe a


sua carga, que pode ser dissolvida, em suspensão e do leito. A
carga dissolvida é formada pelos íons e moléculas derivados do
intemperismo químico e da decomposição dos componentes
biogênicos presentes na água. A composição da carga dissolvida
depende de vários fatores ambientais, entre os quais, clima,
geologia, relevo e cobertura vegetal da bacia em que se insere o rio.
Rios alimentados por água que atravessam pântanos, em geral são
ricos em substâncias orgânicas dissolvidas.

A carga em suspensão consiste de partículas sólidas, orgânicas e


inorgânicas. As partículas inorgânicas em suspensão geralmente
são formadas por siltes e argilas, cuja dimensão e peso permitem
que sejam mantidos suspensos pela turbulência e pelos vórtices.
Partículas de areia também podem ser mantidas em suspensão por
correntes fortes, por pequenos períodos de tempo.

A carga em suspensão na água tende a reduzir a turbulência do


fluxo, o que leva a uma diminuição das forças de fricção e a um
aumento da eficiência do rio. A maior concentração de partículas
suspensas é encontrada próximo ao leito do rio, havendo a
tendência de redução da concentração em direção à superfície do
rio. A carga do leito consiste, em geral, de cascalhos de grande
dimensão, os quais são transportados por rolamento no fundo ou
por saltos. A competência do rio é indicada pela dimensão da maior
fração de partícula que ele pode transportar, enquanto sua
capacidade é definida pela máxima quantidade de material que ele
consegue arrastar ao longo do seu leito.

A erosão dos canais e leitos fluviais pode ocorrer por meio de três
diferentes processos: corrosão, abrasão e cavitação. O processo de
corrosão se dá por intemperismo químico resultante do contato da
água com o canal e o leito fluvial. O processo de abrasão representa
a ação mecânica da água que, ao se mover sobre o leito e dentro do
canal, remove as camadas já intemperizadas. O processo de
cavitação ocorre em canais cujas correntes estão sujeitas a grande
velocidade, tais como nos trechos de corredeiras e quedas d’água.
Nesse processo, a ação erosiva se dá pela ação de ondas
produzidas por bolhas formadas pelas mudanças de pressão no
volume de água.

Os rios podem erodir seus canais verticalmente, aprofundando o


talvegue, ou lateralmente, alargando o canal. O processo de
aprofundamento do canal é denominado erosão vertical e o de
ampliação da largura do leito, erosão lateral. A erosão vertical dos
canais aluviais ocorre quando há a remoção de areias e cascalhos
do leito fluvial. Nos canais escavados em rochas, a erosão vertical
ocorre pela abrasão imposta pela carga do leito. A erosão lateral
ocorre quando as margens do canal são removidas, geralmente por
solapamento basal e colapso.
A capacidade de um rio erodir e transportar material de montante
para jusante depende da energia cinética da corrente, que pode ser
expressa por:

em que:
Ek – energia cinética;
C – coeficiente de Chézy, o qual representa as forças friccionais e
gravitacionais;
R – raio hidráulico, que é equivalente à profundidade do canal;
m – massa da água;
s – gradiente da superfície da água.

A análise da equação 2 mostra que a energia cinética da corrente é


diretamente proporcional ao produto do raio hidráulico R pelo
gradiente da superfície da água. Isso significa que, quanto mais
profundo e rápido um rio, maior seu poder erosivo.

A capacidade de transporte de um rio depende da velocidade da


corrente e da granulometria da carga erodida. As relações entre
capacidade de transporte, velocidade da corrente e granulometria
foram determinadas empiricamente para canais aluviais por
Hjulstrøm (Hugget, 2003). Por meio de um diagrama conhecido
como diagrama de Hjulstrøm (Fig. 8.4), pode-se identificar o range
de velocidades em que um rio tem capacidade para erodir e
transportar diferentes tipos de partículas. É interessante observar
que a velocidade necessária para erodir argilas é maior que a
necessária para erodir areias, apesar de sua menor granulometria.
Isso ocorre devido à maior força de coesão das partículas de argila.
O diagrama mostra a velocidade de queda das partículas, ou seja, a
velocidade na qual o rio perde a capacidade de transportar sua
carga e inicia a deposição do material no leito ou nas margens. Essa
velocidade de deposição não depende apenas da granulometria da
carga, mas também da densidade e forma das partículas.
Fig. 8.4 Diagrama de Hjulstrøm
Fonte: Hugget (2003).

É importante ressaltar que, à medida que ocorre a erosão do leito e


do canal, e a carga transportada pelo rio aumenta, a viscosidade e a
densidade da água se modificam proporcionalmente à carga
adicionada, o que torna complexa a relação entre velocidade do
fluxo e deposição. Quando a velocidade do fluxo se reduz, as
partículas maiores são depositadas, enquanto as menores
permanecem em movimento. O resultado disso é que há uma
deposição diferencial que provoca uma seleção nas partículas
depositadas. Essa erosão e deposição diferenciais dão origem a
diferentes formas de leito, as quais podem ser observadas na Fig.
8.5.
Fig. 8.5 Exemplos de formas erosivas e deposicionais em leitos rochosos
Fonte: adaptado de <http://www.fgmorph.com/>.

8.1.3 Deposição fluvial


Os rios podem depositar sua carga em qualquer ponto ao longo de
seu curso, mas a maior parte do material é depositada nas seções
onde o gradiente do canal é pequeno ou onde há mudanças bruscas
no gradiente e na profundidade do canal, bem como na velocidade
do escoamento. Os depósitos fluviais podem ser classificados em
dois tipos, em função do local em que ocorrem: depósitos de canal e
depósitos da planície de inundação.

Os depósitos do canal podem ser classificados em transitórios,


intermitentes e de preenchimento. Os depósitos transitó-rios são
acumulações deixadas no leito fluvial entre dois episódios
sucessivos de variação na vazão do rio, as quais são removidas
assim que a capacidade de transporte é recuperada. Os depósitos
intermitentes tendem a persistir no leito por maior tempo que os
transitórios, sendo movimentados mais esporadicamente por
requererem maior competência fluvial. Os depósitos de
preenchimento são encontrados tipicamente em canais inativos,
como os meandros abandonados que recebem sedimentos durante
o período de enchente.
Fig. 8.6 Exemplos de depósitos de canal ou leito. Imagens oblíquas tiradas do
avião Bandeirante, pertencente ao Inpe, em setembro de 1997, por EMLMN.
(Missão de Videografia)

Rocha e Souza Filho (2005) classificam como depósitos de canal as


barras arenosas emersas no meio dos canais, que se diferenciam
de ilhas pela ausência de vegetação e baixa permanência, cujas
dimensões e formas são sujeitas a variação no tempo. Os depósitos
de canal também dão origem a barras arenosas laterais ou praias
fluviais, que ficam emersas durante o período de vazante. A Fig. 8.6
apresenta exemplos desses tipos de depósitos.

As barras centrais, em geral, são formadas por areia média e grossa


com marcada assimetria longitudinal (Santos, 2005), com maior
declividade a jusante, o que as torna semelhantes às dunas
barcanas do sistema eólico. Por se localizarem nas zonas de maior
velocidade da corrente, são sistemas de formas instáveis. As barras
laterais aos canais são depósitos arenosos finos, simétricos, com
diques marginais radiais que dão origem a bacias de sedimentação
interna. Localizam-se próximo às margens dos canais e a ilhas, em
regiões de baixa energia, o que as torna mais estáveis, permitindo o
rápido desenvolvimento da vegetação e a formação de ilhas.

Rocha e Souza Filho (2005) ainda reconhecem os depósitos em


nível, que são formas submersas que ocorrem como ondas de areia
formadas por areia fina e grossa com estratificação cruzada. São
depósitos que se formam no período da cheia e podem emergir na
vazante, dando origem a dunas subaquosas (Fig. 8.7). Estudos
relatados pelos autores indicam que no rio Paraná tais formas
podem apresentar mobilidade de até 67 m por mês, durante o ciclo
de cheia e vazante normais.

Os depósitos de planície de inundação incluem tanto os depósitos


atuais quanto os da planície aluvial propriamente dita. Os depósitos
de planície incluem os que se localizam próximo ao canal fluvial,
como os diques marginais, os depósitos de transbordamento e os
depósitos de rompimentos.

Fig. 8.7 Exemplo de duna subaquosa (depósito no leito do rio Tocantins, a jusante
do reservatório de Tucuruí). Fotos oblíquas tiradas do avião Bandeirante,
pertencente ao Inpe, em setembro de 1997, por Carlos Alberto Steffen (Missão de
Videografia)

Os diques marginais acompanham o canal, como uma faixa


elevada, alongada, estreita e descontínua. Eles são formados por
areia fina, com contribuição variável de silte e argila. Quando esses
diques se rompem durante episódios de enchente, formam-se
depósitos perpendiculares compostos por areia, siltes e argilas.
Quando os diques são ultrapassados pelas águas da cheia sem
ocorrer rompimentos, formam-se depósitos de transbordamento,
predominando, na composição granulométrica, partículas mais finas
e matéria orgânica.

Os depósitos de rompimentos de diques favorecem a formação de


canais efêmeros, que podem evoluir a canais secundários ou
paranás, transportando água e sedimentos do canal principal para a
planície de inundação. Segundo Santos (2005), no rio Paraná, esse
processo evolutivo explica a extinção do canal original e a
agradação da planície. A esse processo de deposição em planície
de inundação caracterizado pela criação de novos canais e pelo
preenchimento de canais abandonados dá-se o nome de avulsão.

A avulsão fluvial é um dos processos que causam a mudança


significativa da posição do canal fluvial em sua planície de
inundação. Ela ocorre em rios em que a planície se encontra ativa,
ou seja, em processo de formação.

É importante distinguir o processo de avulsão do processo de


ruptura de meandros. Neste último, a vazão do canal fluvial, a
jusante, se mantém constante. No processo de avulsão, a vazão do
canal principal diminui a jusante da ruptura do dique marginal,
porque a água é desviada para a planície e para o novo canal que,
inicialmente, é efêmero, mas, ao longo do tempo, torna-se perene.
Esses processos foram documentados com análises
morfoestratigráficas na bacia do Paraná e podem ser deduzidos
pelas paleoformas encontradas na planície de inundação.
Fig. 8.8 Seção transversal esquemática da planície de inundação
Fonte: adaptado de Sioli (1984).

A Fig. 8.8 representa, de forma esquemática, uma seção transversal


da planície de inundação, na qual são destacadas suas principais
feições geomorfológicas. Essas feições encontram-se descritas
resumidamente no Quadro 8.1. Pode-se observar, pela análise da
Fig. 8.8, que a topografia da planície de inundação controla, de certa
forma, a distribuição da vegetação. As áreas da planície que
anualmente são inundadas, em geral não desenvolvem vegetação
de porte arbóreo, sendo normalmente ocupadas por plantas
aquáticas flutuantes na cheia e por gramíneas e herbáceas nos
períodos de vazante.

É preciso ressaltar, entretanto, que esse tipo de seção transversal,


esquematizado na Fig. 8.8, é típico de rios com grande carga
sedimentar e grande amplitude de variação entre o nível médio de
enchente e vazante, como é o caso das planícies fluviais dos rios
Paraná e Amazonas. A distribuição sazonal das chuvas na bacia
Amazônica determina grandes flutuações no nível dos rios e canais
fluviais. Estimativas sugerem que, entre Vargem Grande e Óbidos,
cerca de 4,0 × 104 km2 da planície do rio Amazonas e cerca de 4,0
× 102 km2 de ilhas sejam regularmente inundados pela ação direta
da elevação do nível da água. O restante, aproximadamente 2,0 ×
104 km2 da planície, permanece seco ou é inundado por pequenos
tributários, água de chuva ou afloramento do nível freático (Mertes
et al. 1995).

QUADRO 8.1 FORMAS DE EROSÃO E DEPOSIÇÃO ENCONTRADAS NAS


PLANÍCIES DE INUNDAÇÃO

FORMA DESCRIÇÃO
Terraço constituído por aluviões antigos
e topograficamente mais elevado do
Terraço fluvial que a planície ativa atual; representa
um testemunho do processo de
evolução da planície
Depósito estreito formado nas
margens do canal durante o
período de inundação, devido à
Dique marginal
disposição de sedimentos. Os
diques são os pontos mais
elevados da planície ativa
Depósitos do centro do canal que se
Ilha formam pela redução de competência
do rio
Limite lateral do canal fluvial
caracterizado pela presença de
Margem
regiões de erosão ativa ou
deposição ativa
Remanescente mais elevado que
representa o testemunho do local de
Paleodique
escoamento de um canal fluvial em
uma paleoplanície
Região externa à planície e não
Planalto sujeita a inundação mesmo em
períodos de cheia excepcional
Talvegue – Canal principal Região mais profunda do canal que se
estende da nascente à foz
Região profunda de um canal
secundário formado em alguns
Talvegue – Canal secundário
segmentos da planície em
(paraná)
decorrência de variações de
competência fluvial
Região profunda de um canal
temporário que liga bacias de
Canal temporário
inundação ao canal principal ou
secundário
Região de aluviões finos
resultantes do extravasamento
Lodaçal
excepcional dos rios –
paleoplanície
Região a montante dos diques
marginais ativos que recebe o excesso
Bacias de inundação
de água e sedimentos nas enchentes
normais da planície ativa
Depósitos temporários ou
permanentes no talvegue ou no
Depósito de canal canal de margens plenas que se
torna emerso durante o período
de vazante
Nível de inundação até o nível de
erosão ativa das margens do canal.
Limite de ocupação por vegetação de
Nível de inundação de margens plenas
forma perene, mesmo que inundada.
(bankfull discharge)
Nível do fluxo de inundação dominante
no canal em períodos de recorrência de
1 a 2 anos
Nível de inundação de baixa
Nível de inundação excepcional frequência (entre três e quatro
vezes por século)
Nível mínimo com intervalo de
Nível de mínimo normal
recorrência de 1 a 2 anos
Nível de mínimo excepcional Nível mínimo de baixa
frequência (entre três e quatro
vezes por século)
Fonte: Moore (1967); Christofoletti (1981); Guerra, A. T. e Guerra A. J. T. (1997).

Muitas das características das planícies de inundação da região


amazônica encontram-se na dependência de dois fatores:
propriedades físico-químicas da água e dinâmica do nível de água,
que, por sua vez, dependem das características do clima, da
geologia, do relevo, do solo, da cobertura vegetal e do uso da terra
da região. Embora as propriedades físico-químicas da água variem
amplamente, dependendo dessas características, principalmente na
região de origem, e dos processos biológicos dominantes, as águas
podem ser classificadas em grandes tipos, conforme a classificação
geral proposta por Sioli (1984): água branca, água clara e água
preta.

As águas brancas originam-se nos Andes. Devido ao relevo


acentuado e às altas taxas de precipitação e erosão nessa região,
grande quantidade de sedimento é transportada para o rio. Esse tipo
de água é rica em magnésio, cálcio, potássio e sódio, o que pode
ser explicado pela formação geológica marinha dos Andes
(Konkauser; Fyfe; Kolomberg, 1994). As nascentes das águas
pretas estão nas terras baixas do Amazonas. A bacia de drenagem
desses rios está associada a solos podzólicos (Klinge, 1967). Esses
solos são arenosos, pobres em nutrientes e, em geral, não
decompõem o material orgânico. A água da chuva percola
rapidamente por esses solos (Walker, 1990) e, dessa forma, no rio
domina a carga dissolvida. As águas claras têm suas nascentes no
escudo da Guiana e no Brasileiro. Essas áreas não sofrem o mesmo
processo intenso de erosão dos Andes e estão associadas a
latossolos argilosos que retêm o material orgânico por tempo
suficiente para permitir a sua mineralização completa (Walker,
1990).

Na Fig. 8.9, pode-se observar a diferença de formas e da vegetação


entre a planície de inundação do rio Amazonas (várzea), que
transporta um grande volume de partículas inorgânicas em
suspensão (Fig. 8.9A), as quais são depositadas durante a cheia, e
a planície de inundação do rio Negro (Fig. 8.9B), cujas águas
transportam uma pequena carga de sólidos suspensos. Enquanto
na planície do Amazonas podem ser observados diques marginais
florestados, lagos e canais cobertos por plantas aquáticas, canais
temporários, na planície do rio Negro, a vegetação é
predominantemente arbórea (permanente), diferenciando-se apenas
no tocante ao porte e à densidade em função do tempo a que é
submetida a inundação.

Fig. 8.9 Diferenças nas formas fluviais e na cobertura vegetal em função do tipo
de água escoada pelo rio principal. Imagem obtida pelo avião Bandeirante,
pertencente ao Inpe, por videografia digital, em setembro de 1997 (Projeto LBA-
ECO – LC-07)
Fonte: Hess et al. (2002).

8.1.4 Padrões de canal fluvial


Ao erodir, depositar e transportar sedimentos, os rios produzem
canais de diferentes padrões de formas. Os padrões dos canais
fluviais, como destacado anteriormente, refletem o ajustamento do
rio ao tipo, tamanho e volume da carga sedimentar por ele
transportada, para uma dada resistência de seu substrato e para
uma dada vazão. A simples análise do padrão dos canais fluviais
permite inferir muitas características do ambiente e dos processos
que neles atuam. Os canais retilíneos, por exemplo, são, em geral,
segmentos curtos controlados por linhas de falhas, diáclases ou
fraturas.
O padrão de canal mais comum é o meândrico, caracterizado por
curvas alternadas ao longo de um percurso. Os canais meândricos
tendem a ser estreitos, relativamente profundos e com margens
estáveis. O ajuste do canal às variações de vazão se dá por
deposição no leito e por sua migração lateral na planície de
inundação (Fig. 8.10). Nos canais meândricos, o índice de
sinuosidade, relação entre o comprimento do canal e a distância do
eixo do vale, é igual ou superior a 1,5. Os canais meândricos dão
origem a uma grande variedade de formas de lagos e depósitos de
planície de inundação.

Fig. 8.10 Formas derivadas da migração de canais meândricos


Fonte: adaptado de Sioli (1984).

Entre as formas derivadas de canais meândricos, destacam-se os


canais abandonados, originários de processos migratórios das
curvas meândricas, que podem ser drásticos e repentinos. A
frequência de canais abandonados aumenta com a sinuosidade do
canal fluvial. Além dos canais abandonados, ocorrem também
depressões e lagos em diferentes estágios evolutivos. Os principais
tipos de processos que dão origem aos canais abandonados são: a
travessia seguindo depressão topográfica, o corte do pedúnculo
(neck cut-off) e a avulsão (deslocamento súbito de uma parte ou do
conjunto total do campo meândrico).

Os rios com padrão ramificado apresentam seu canal dividido em


múltiplos talvegues pela formação de ilhas fluviais. Tal padrão indica
que esses rios possuem gradientes mais altos, maior amplitude de
variação da vazão e volume de partículas de granulação mais
grosseira do que os rios com canais de padrão meândrico (Fig.
8.11).

Os rios com padrão anastomosado apresentam canais múltiplos,


interconectados, nos quais as obstruções topográficas são formadas
por relitos ou afloramentos rochosos (Fig. 8.12), ou pelo excesso de
carga de sólidos em decorrência da redução da competência de
transporte, seja pela quebra de energia fluvial derivada da presença
de soleiras rochosas, seja pela quebra de gradiente ou, ainda, pela
mudança do fluxo em regiões sujeitas a regimes de chuvas mal
distribuídas e concentradas em determinadas épocas do ano.
Fig. 8.11 Padrão de canal ramificado registrado em composição colorida com
imagens TM-Landsat das bandas 3(B), 4(G), 5(R). A imagem representa um
segmento do alto curso do rio Solimões, nas proximidades de Tabatinga, AM
* Azul (B - blue), Verde (G - green) e Vermelho (R - red).

Fig. 8.12 Padrão de canal anastomosado de um segmento do baixo vale do rio


Amazonas, na ilha de Marajó, representado na imagem da banda 4 do sensor TM
O padrão de canal distributário caracteriza-se pela formação de
inúmeros canais dispersos na planície de deposição. Esse padrão é
típico de deltas e leques aluviais, formados em regiões de ruptura
de declive ou regiões em que a taxa de deposição excede a de
transporte (Fig. 8.13).

Fig. 8.13 Padrão de canal distributário, em que um canal principal se ramifica em


vários canais secundários, os quais tendem a desaparecer à medida que se
distanciam da origem. Cone do Taquari, região do Pantanal. Imagem CCD-Cbers-
2, composição colorida B2(B), B3(R) e B4(G)

8.2 Informações Derivadas de


Sensoriamento Remoto
Os sensores remotos possibilitam obter informações espectrais,
espaciais e de intensidade de energia refletida ou emitida dos
objetos da superfície terrestre. Alguns sensores são especializados
em prover informações de intensidade, em detrimento daquelas
espectrais e espaciais. O sensor Scanning Multichannel Microwave
Radiometer – SMMR (Radiômetro de Micro-ondas Multicanal), a
bordo do satélite Nimbus-7, por exemplo, é um sistema passivo de
micro-ondas que mede a emissão da energia da superfície terrestre
e da atmosfera, expressa como temperatura de brilho em várias
frequências nas polarizações vertical e horizontal. A diferença entre
a temperatura de brilho medida nas polarizações vertical e
horizontal da banda de 37 GHz é um indicador da presença de água
na superfície da terra (Sippel et al., 1998). Apesar da baixa
resolução espacial (25 km), dados desse sensor foram utilizados
para estimar a área inundada ao longo da planície de inundação do
rio Amazonas e determinar os padrões interanuais de inundação
entre os anos de 1979 e 1987. O aspecto fundamental desse
trabalho (detalhado na seção 8.3.1) foi a metodologia de análise dos
dados de temperatura, que permitiu transformá-los em informação
sobre a área inundada pelo rio.

Alguns sistemas sensores – como os de radar de abertura sintética,


que operam em uma única faixa espectral – também não permitem
a recuperação precisa de propriedades geofísicas da superfície,
mas têm grande capacidade de registrar informações espaciais da
superfície terrestre. A Fig. 8.14 mostra uma imagem de radar obtida
na banda P. Nela são ressaltados aspectos da morfologia fluvial,
diretamente visualizados na imagem em decorrência da resolução
espacial compatível com a dimensão das formas.

Outros sistemas sensores, como o Thematic Mapper (TM) e o


Enhanced Thematic Mapper (ETM), a bordo dos satélites da série
Landsat, fornecem informações tanto espaciais como espectrais
sobre a superfície terrestre. Isso significa que é possível não apenas
o registro das formas dos objetos da superfície terrestre, mas
também de algumas de suas propriedades biológicas, físicas e
químicas. A Fig. 8.15 ilustra esses atributos das imagens do sensor
TM. Ela representa uma composição colorida falsa-cor com a banda
3, sensível à radiação vermelha, associada à cor azul; com a banda
4, sensível à radiação da região do infravermelho próximo,
associada à cor verde; e com a banda 5 do sensor TM, sensível à
radiação do infravermelho médio, associada à cor vermelha. Na
imagem da banda 3, todos os alvos com alta reflectância no
vermelho tenderão a apresentar a contribuição da cor azul na
composição colorida, pois essa banda está sendo “filtrada” pela cor
azul. Na imagem da banda 4, todos os alvos com alta reflectância
no infravermelho próximo contribuirão com a cor verde, e assim
também ocorrerá com a imagem da banda 5 do sensor TM.

Fig. 8.14 Imagem de radar (banda P) aerotransportado, na qual podem ser


observados aspectos da morfologia da planície de inundação. Planície do lago
Grande, de Monte Alegre, PA
Fonte: Inpe.
Essa informação espectral permite, então, distinguir rios com águas
de cor preta e rios com águas de cor azul, uma vez que estas
refletem mais energia na região do vermelho do que aquelas. Essa
diferença de cor pode ser interpretada como diferenças na
concentração de carga sólida por eles transportada. Portanto, a
informação espectral permite distinguir não apenas as formas dos
canais fluviais, mas também levantar hipóteses sobre a carga de
sólidos suspensos (competência fluvial). As bandas 4 e 5 do TM,
ambas sensíveis a diferentes regiões do infravermelho (próximo e
médio, respectivamente), fornecem informações sobre a densidade
da cobertura vegetal, o estado fenológico e a disponibilidade de
água nos tecidos foliares. Essas informações permitem levantar
hipóteses sobre a cronologia relativa dos depósitos fluviais com
base em informações sobre sua cobertura vegetal.

Fig. 8.15 Composição colorida com as imagens TM: 3(B), 4(G), 5(R), na qual, a
partir das informações espectrais, é possível diferenciar, entre outros alvos, rios
de água com alta concentração de carga sólida (em azul) daqueles com baixa
carga (em preto). Rio Amazonas a jusante da ilha do Careiro
Fonte: Inpe.
O uso de várias combinações de bandas espectrais também permite
ampliar o conhecimento sobre as formas e os processos fluviais que
lhes deram origem. Na Fig. 8.16, é possível comparar as
informações adicionais derivadas das imagens quando se usam
distintas combinações de bandas espectrais. Na Fig. 8.16A, pode-se
analisar a composição colorida normal com as imagens das bandas
1(B), 2(G) e 3(R) de um setor do rio Japurá, no Estado do
Amazonas, e na Fig. 8.16B, a composição colorida com as imagens
das bandas 3(B), 4(G) e 5(R) da mesma área.

Fig. 8.16 Efeito da combinação de bandas espectrais sobre o nível de


informações geomorfológicas passíveis de serem extraídas das imagens orbitais
do sensor TM-Landsat. (A) Composição colorida normal; (B) Composição colorida
falsa-cor. Setor do rio Japurá, AM

Como fica evidente pela análise da Fig. 8.16A, a composição


colorida normal favorece a discriminação do tipo de água dos lagos
A e B. Na composição falsa-cor (Fig. 8.16B), os lagos A e B
aparecem com a mesma cor, enquanto na colorida normal (Fig.
8.16A), eles têm cores distintas. O lago A apresenta cor semelhante
à do rio Japurá, o que pode sugerir que ele ainda se encontra
conectado a um canal de drenagem ativo, nessa fase do ciclo
hidrológico. No entanto, nessa mesma fase do ciclo hidrológico, o
lago B já se encontra isolado, uma vez que não há indícios de
partículas em suspensão na água. É claro que não basta o exame
da imagem de uma única data, pois a comprovação dessas
hipóteses só poderá ser feita pela análise de uma série histórica de
imagens, acompanhada de informações da variação do nível de
água do rio principal.

Na imagem colorida normal, é mais fácil distinguir a vegetação


arbórea da vegetação herbácea (1), porque o efeito de
sombreamento torna as áreas de florestas mais escuras. Assim
sendo, os vales ocupados por gramíneas e herbáceas apresentam-
se com tonalidades mais claras.

Pode-se observar que ambas as composições coloridas permitem


distinguir as barras centrais e a ilha, mas apenas a composição
colorida normal permite identificar a cor clara (2) do material
depositado nas barras centrais, a qual pode ser associada a
depósitos arenosos. Pode-se supor que essas barras centrais sejam
depósitos do leito do rio, uma vez que as imagens foram obtidas no
período de vazante. A confirmação dessa suposição, entretanto,
depende de dados adicionais e do acompanhamento da forma do
depósito ao longo do ciclo hidrológico. Em (3), pode-se observar a
formação de diques semicirculares. Na composição colorida falsa-
cor (Fig. 8.16B), porém, não há muitas informações sobre a variação
da cobertura vegetal, pois a informação dominante é da
presença/falta de água. Na composição colorida normal é possível
perceber, com maior nitidez, diferenças na cobertura vegetal dessa
região, devido ao contraste entre a vegetação de floresta inundada
(tonalidade escura e textura rugosa) e a vegetação herbácea
(tonalidade clara e textura mais lisa).
Fig. 8.17 Informações derivadas das mudanças temporais dos dados espectrais e
espaciais registrados em imagens TM-Landsat, composição colorida 3(B), 4(G),
5(R). Imagem obtida no período de vazante (A) e de cheia (B). Região do baixo
Japurá, próximo à confluência com o rio Solimões, AM

Além das informações espaciais, espectrais e de intensidade de


energia refletida ou emitida, os dados de satélite também permitem
o registro das variações dessas informações ao longo do tempo. As
imagens TM-Landsat, obtidas em duas fases do ciclo hidrológico –
nível máximo de cota (Fig. 8.17A) e nível mínimo de cota (Fig.
8.17B) –, exemplificam o uso de variações temporais de
informações espaciais e espectrais de imagens de satélite, no
estabelecimento da cronologia relativa dos depósitos da várzea em
um trecho do baixo rio Japurá, próximo à sua confluência com o rio
Solimões.

Na imagem obtida durante a cota máxima, pode-se observar a


presença de um paleocanal do rio Japurá (tracejado vermelho).
Essa evidência, no entanto, é bastante tênue, porque a cobertura
vegetal encobre aspectos da paleotopografia. Porém, a imagem do
período de vazante, quando há retração da água para o talvegue,
revela os depósitos ainda não colonizados por vegetação pioneira
arbórea, o que permite comprovar a existência de um canal anterior
ao meandro abandonado mais recentemente. A imagem do período
da cheia mostra também que, durante a cheia, o meandro ainda
está ativamente conectado ao canal principal, enquanto, durante o
período de nível mínimo de cota, o antigo canal transforma-se em
pequenos lagos isolados entre si e do canal principal. Com o
estabelecimento da cronologia relativa de ruptura do pedúnculo
meândrico, pode-se inferir, ainda, a cronologia relativa de formação
dos diques semicirculares. Estes são depósitos sedimentares que
se desenvolvem no lado interno do meandro, cujas migração e
colmatação sucessivas dão origem a um relevo de cristas e
depressões semicirculares. À medida que o meandro se torna mais
isolado, as cristas são colonizadas por espécies menos resistentes
a longos períodos de inundação, enquanto as depressões são
ocupadas por espécies herbáceas, arbustos ou pioneiras,
adaptadas a ambientes permanentemente alagados (Henderson,
1999).

8.3 Obtenção de Informações


Fluviais de Sensoriamento
Remoto
Neste tópico são apresentadas algumas pesquisas que utilizaram
dados de sensoriamento remoto para a extração de informações
relevantes para o avanço do conhecimento dos processos fluviais.
Aqui são enfatizados os tipos de dados e os métodos utilizados.

8.3.1 Determinação de área inundada pelo


rio Amazonas com imagens de radar
passivo
A aplicação de sensores ativos de micro-ondas (radares) é bastante
difundida entre os pesquisadores da área de Geociências e
Biociências, mas o uso de sensores passivos tem se restringido a
aplicações atmosféricas e oceanográficas. Sippel et al. (1998),
entretanto, vislumbraram a possibilidade de usar esses sistemas
para o mapeamento de áreas inundáveis de grandes sistemas
hidrográficos, como os rios da bacia Amazônica. Nesse estudo,
analisaram-se dados obtidos pelo Sistema Radiométrico de
Varredura de Micro-ondas Multicanal (Scanning Multichannel
Microwave Radiometer – SMMR). Esse sistema esteve a bordo dos
satélites Nimbus-7 e Seasat, lançados em 1978. O SMMR mede a
radiação de micro-ondas emitida pela atmosfera e pela superfície
terrestre em cinco frequências e duas polarizações (Tab. 8.1). Ele foi
concebido com a finalidade de produzir medidas de temperatura da
superfície do mar, velocidade do vento, concentração de água em
estado líquido e gasoso na atmosfera. O satélite Seasat, que
também tinha um sistema ativo de micro-ondas a bordo, operou
apenas três meses (Novo, 1992). O satélite Nimbus-7 foi criado para
realizar vários experimentos, e tinha a bordo mais sete instrumentos
operando em outras regiões do espectro eletromagnético. Os
sensores a bordo do Nimbus-7 não operavam simultaneamente, por
restrições de potência, sendo ativados em função de prioridades das
várias aplicações. O SMMR, especificamente, operou entre
dezembro de 1978 e agosto de 1987. Por causa dos parâmetros
orbitais do satélite Nimbus-7, os dados do SMMR puderam ser
obtidos com cobertura global da superfície terrestre a cada seis
dias, em dois horários de passagem (meio-dia e meia-noite) pelo
Equador (hora local).

A resolução espacial dos dados é bastante grosseira (25 km × 25


km), mas a frequência de aquisição é alta (a cada seis dias) e sem
interferência das condições meteorológicas, uma vez que a
atmosfera é praticamente transparente no canal utilizado (37 GHz).
A medida de cada pixel de 25 km em cada polarização (horizontal e
vertical) desse canal é equivalente à temperatura de brilho da
superfície, expressa em kelvin.

TAB. 8.1 FAIXAS DE OPERAÇÃO DO SMMR


CANAIS FREQUÊNCIA (GHZ) COMPRIMENTO DE ONDA (cm)
1 6.63 4.54
2 10.69 2.8
3 18.0 1.66
4 21.0 1.36
5 37.0 0.81

A diferença de temperatura de brilho para a radiação polarizada


vertical e horizontalmente é um indicador da presença de água na
superfície da terra, principalmente quando essa água ocorre em um
ambiente recoberto de vegetação (Choudhury, 1991). Essa
diferença de temperatura é chamada pelos autores de ΔTobs, e é
calculada para cada pixel. Como os dados são disponíveis a cada
seis dias, em dois horários (diurno e noturno), os autores do estudo
(Sippel et al., 1998) compilaram os dados diurnos ao longo de todo
o período de aquisição disponível (1978 a 1987) e, depois de
calculado o ΔTobs para cada pixel, ordenaram os dados de cada
mês, selecionando o segundo valor mais baixo no mês (em média,
quatro por mês, dado o intervalo de aquisição de seis dias). Com
isso, obteve-se um valor de ΔTobs para cada mês, em cada pixel.

Após o processamento inicial dos dados, os autores dividiram a


calha do rio Amazonas em 12 seções com dimensão longitudinal de
1˚30’, entre aproximadamente 70˚ e 52˚30’ de longitude oeste. Eles
limitaram a região de estudo a essas seções porque o alto curso do
Amazonas é formado por canais muito estreitos, o que inviabiliza o
uso de um sensor de baixa resolução. A jusante da coordenada de
52˚30’, a influência de maré sobre a oscilação do nível de água
introduz uma variabilidade grande nos dados, que pode
comprometer o estabelecimento de relações entre a altura das cotas
e a extensão da área inundada na planície. Em cada uma das 12
seções foram agregados os pixels nelas contidos. Cada seção
incluía, portanto, o rio e a planície de inundação adjacente, cujos
limites foram determinados a partir da interpretação dos mosaicos
das imagens do projeto Radambrasil, na escala 1:250.000.
Para estimar a área inundada, Sippel et al. (1998) aplicaram um
modelo linear de mistura que incorporava três componentes
(endmembers) de referência: água (a), planície não inundada (pn) e
planície inundada (pi), de tal modo que o valor de ΔTobs num dado
pixel representasse a contribuição de ΔT da fração de cada
componente de referência nele contido:

em que:
ΔTobs é a diferença de temperatura observada pelo radiômetro; fa,
fpn e fpi são as frações de área ocupadas por água permanente
(lagos e rios), áreas da planície não inundadas e áreas da planície
inundadas; e os valores de ΔTa, ΔTpn e ΔTpi correspondem às
temperaturas de brilho para cada um daqueles componentes de
referência. A informação a ser extraída dos dados do sensor SMMR
é a área de planície inundada correspondente a fpi, que pode ser
determinada resolvendo as equações (1) e (2) :

A fração da área ocupada pelos componentes de referência, para


cada uma das seções, foi estimada a partir dos mosaicos do projeto
Radambrasil. Os três componentes de referência ΔT necessários
para resolver a equação 3 foram determinados empiricamente. Com
o auxílio dos mosaicos do projeto Radambrasil, calculou-se o valor
de ΔT médio para áreas não sujeitas a inundação em áreas de terra
firme. Esse valor médio de ΔT foi utilizado para representar ΔTpn. O
valor de ΔTa foi determinado em imagens SMMR referentes ao
período de vazante, quando a planície está seca, e a temperatura
do conjunto de pixels (agregados) de uma dada seção do rio
representa a temperatura da água apenas. Utilizaram-se, então, os
24 valores mínimos de ΔTobs, que incluíam tipicamente dois a quatro
meses de vazão mínima da série de imagens analisada para
solucionar uma equação de dois componentes de referência, em
que:

Nesse caso, como as imagens se referem aos períodos de vazão


mínima, quando a planície está seca, ΔTobs é a ΔT, medida pelo
radiômetro durante esse período; fa é a área ocupada por lagos e
rios; fpn é a fração da área ocupada por planície não inundada
naquele período (1- fa); e ΔTpn é o valor de temperatura
determinado para as áreas de terra firme. Com o uso desse
procedimento, estimaram-se, para cada uma das 12 seções da
calha do Amazonas, os valores de ΔTa e ΔTpi, levando em conta a
variação da proporção de água, planície inundada e terra firme
nelas existentes.

A Fig. 8.18 mostra a variação da área inundada pelo rio Amazonas


em duas seções: a seção de Içá, no alto curso, e a seção de
Almeirim, no baixo curso, para toda a série de imagens do sensor
SMMR-Nimbus-7. Esses dados permitiram uma estimativa das
variações interanuais da área inundada pelo rio Amazonas, para
toda a calha compreendida entre a fronteira do Brasil e Almeirim.
Embora a informação tenha sido integrada em 12 seções, foi
possível, pela primeira vez, obter uma estimativa dessas variações
interanuais, as quais foram posteriormente utilizadas em muitos
outros estudos (Melack et al., 2004).
Fig. 8.18 Estimativa da área inundada em duas seções da planície do rio
Amazonas, a partir de uma série temporal (1979 a 1987) de imagens SMMR-
Nimbus-7
Fonte: Sippel et al. (1998).

8.3.2 Determinação do nível da água de


canais fluviais e lagos com dados SAR
interferométrico
Dados sobre o nível da água de canais fluviais e lagos são
necessários para a compreensão dos processos de transferência de
água entre a planície e os canais fluviais, e entre seções de jusante
para montante e vice-versa. Esses dados também ajudam a mapear
as direções de escoamento dentro da planície e entre canais
fluviais, contribuindo para o entendimento dos processos de
transporte de sedimentos e trocas de nutrientes entre os diversos
ambientes fluviais.

Grande parte das bacias fluviais, principalmente as localizadas em


regiões distantes dos grandes centros, possui poucas estações
fluviométricas. É nesse contexto que Alsdorf et al. (2000)
propuseram o uso de dados de interferometria de radar orbital para
determinar o nível da água de algumas seções do rio Amazonas.
Eles utilizaram os dados obtidos durante a missão SIR-C do ônibus
espacial da Nasa (Space Shuttle), especificamente planejada para o
avanço dos métodos de interferometria por radar orbital. Essa
missão foi realizada em 1994 e permitiu a aquisição de dados de
intensidade de retroespalhamento sobre algumas áreas da região
amazônica. Os dados de radar foram adquiridos em três bandas:
banda × (3,1 cm), banda C (5,7 cm) e banda L (24 cm), nas
polarizações verticais e horizontais, em dois dias sucessivos.

O processamento dos dados consiste, basicamente, no registro das


duas imagens obtidas em dias sucessivos com uma precisão
subpixel, no cálculo da diferença de fase e na amplitude do sinal de
retorno (eco) em cada pixel da imagem. Na imagem resultante, cada
pixel representa valores de interferência de fase, com variações
entre +π e –π. Essas diferenças de fase são função de vários
fatores, tais como: tamanho da dimensão da linha de base,
topografia, deslocamento da superfície ou do objeto imageado entre
dois ecos sucessivos no mesmo pixel, correlação entre os ecos de
componentes do pixel (coerência do sinal retroespalhado). A
coerência do sinal, entre outras coisas, depende também do
comprimento de onda do pulso incidente.

Esses comprimentos de onda das imagens obtidas durante a


missão SIR-C apresentam diferenças significativas em sua
capacidade de penetração nos dosséis das copas das árvores da
floresta Amazônica. Os ecos de radar nas bandas X e C são
retroespalhados diretamente do topo do dossel da floresta, e os
elementos espalhadores são fundamentalmente as folhas das
árvores. O pulso de radiação na banda L, entretanto, tem maior
poder de penetração nas copas das árvores e, portanto, os ecos
podem ser retroespalhados da superfície de água que se encontra
sob a vegetação.

Em decorrência dessas características da interação da radiação de


micro-ondas com a superfície, os dados das bandas X e C
apresentaram baixa correlação (baixa coerência) entre aquisições
sucessivas. As imagens da banda L foram as que mostraram maior
coerência entre passagens sucessivas, tendo sido selecionadas
para gerar os interferogramas. Os autores conseguiram, desse
modo, produzir, pela primeira vez, uma imagem da variação do nível
da água da planície de inundação em resposta à variação do nível
do rio Amazonas, com uma precisão de centímetros.

8.3.3 Determinação do gradiente da


superfície da água com dados de radar
altímetro (Topex-Poseidon)
Desde 1992, encontram-se disponíveis dados de radar altímetro do
satélite Topex-Poseidon, lançado por meio da cooperação entre os
Estados Unidos e a França. Atualmente, esse tipo de dado pode ser
obtido também pelos sensores a bordo dos satélites das missões
Jason e Envisat. O satélite Topex-Poseidon ocupa uma órbita de
1.366 km acima da superfície terrestre e carrega a bordo um radar
altímetro que foi construído com o objetivo de obter dados de
altitude da superfície do mar.

Esse radar altímetro mede a distância entre a superfície e o satélite


a partir da medida do tempo entre a emissão de um pulso e seu
retorno à antena. A altitude do satélite é determinada por um
conjunto sofisticado de procedimentos baseados nos vários
sistemas de atitude do satélite e em dados distribuídos na superfície
do Planeta. As medidas de altitude fornecidas pelo radar altímetro
têm uma precisão de aproximadamente 4,5 cm. Para alcançar essa
precisão, o satélite possui dois radares altímetros (franceses) a
bordo: um operando na banda de 13.6 GHz e outro, na banda de 5.3
GHz. É importante ressaltar que essa precisão se refere apenas a
uma pequena região da área imageada pelo feixe de radar
imediatamente abaixo do eixo vertical do satélite.

Embora o uso primário desses dados seja voltado para aplicações


oceanográficas, Birkett et al. (2002) utilizaram imagens fornecidas
pelo satélite para determinar o gradiente da superfície da água de
lagos e rios da bacia Amazônica. As medidas de nível da água
nessa bacia, em razão da menor frequência de amostragem,
apresentam resolução de altura de aproximadamente 10 cm em
lagos grandes, onde se podem obter várias medidas no nadir
(visada vertical). A resolução das medidas de altura de água para
essa região como um todo é da ordem de 50 cm. Segundo Alsdorf e
Rodriguez (2005), essas limitações resultam do fato de que os
radares altímetros não se beneficiam do processamento Doppler, o
que resulta em resoluções espaciais da ordem de quilômetros.

É importante lembrar que, ao contrário dos sistemas de radar


interferométrico, os altímetros são perfiladores, ou seja, obtêm um
perfil ao longo da órbita para uma célula da ordem de vários
quilômetros. Esse fato explica a insuficiência de amostragem em
algumas datas, quando, em órbitas sucessivas, o perfil não se
encontra centrado no corpo de água de interesse. A Fig. 8.19
mostra os dados de altura de água coletados pelos altímetros a
bordo do Topex-Poseidon (superpostos a valores de nível da água
medidos com régua). Pode-se observar que existe uma boa
concordância entre os dados de campo e os derivados de altímetros
orbitais.
Fig. 8.19 Dados do nível relativo da água do rio Amazonas, próximo a Manaus,
medidos pelo radar altímetro (Δ) e por régua (-)
Fonte: Alsdorf e Rodriguez (2005).

Com base nas medidas de altura da superfície da água obtidas do


Topex-Poseidon, foi possível determinar a variabilidade média do
gradiente da superfície da água para uma série de dados coletada
entre 1993 e 1999, para o dia 1˚ de junho. Cada valor na Fig. 8.20
representa uma seção do rio entre perfis adjacentes medidos do
satélite Topex-Poseidon. Nessa figura, encontram-se marcados os
arcos estruturais de Jataí (JA), de Purus (PA), a ocorrência de
blocos falhados inclinados (TFB), a intrusão e a cordilheira de Monte
Alegre (MA). As distâncias no gráfico referem-se ao ponto central
entre duas passagens do satélite. A análise dessa figura mostra que
o gradiente médio da superfície da água, num dado dia do mês de
junho, varia amplamente ao longo da calha do rio Amazonas, com
inversões de direção de escoamento geralmente associadas a
controles tectônicos, como fica evidenciado nos arcos de Jataí e
Purus, principalmente.
Fig. 8.20 Gradiente médio da superfície da água no dia 1˚ de junho (1993-1999),
ao longo da calha do rio Amazonas
Fonte: Birkett et al. (2002).

Mais recentemente, Alsdorf e seus colaboradores têm desenvolvido


métodos de utilização de dados do SRTM para a obtenção de
medidas da elevação da superfície da água (Hendricks; Alsdorf,
2004). Esse grupo de pesquisadores também desenvolveu métodos
para determinar a variação temporal do nível da água da planície de
inundação. Para isso, usaram imagens de radar interferométrico na
banda L obtidas com intervalo de quase três meses. A variável
mapeada é uma medida derivada dos dados de altimetria da
superfície da água. Cada pixel da imagem representa a variação da
altura da lâmina de água no tempo (dh/dt), em que dh é a diferença
de nível da água entre duas aquisições sucessivas, e dt é o tempo
transcorrido entre elas. A Fig. 8.21 apresenta a imagem de um setor
da planície Amazônica, derivada do processamento das diferenças
de nível da água. Esse tipo de imagem pode ser utilizado para
compreender melhor as relações complexas entre os processos
hidrológicos da bacia e a geomorfologia da planície fluvial.

Todos esses avanços foram organizados na forma de um


documento de suporte à definição de futuras missões voltadas ao
levantamento de informações sobre o nível da água a partir de
dados de satélite. Pesquisadores do Nasa Surface Water Working
Group (Alsdorf; Rodriguez, 2005) organizaram um documento que
relata o estado da arte no uso de informações sobre o nível das
águas continentais, como suporte a um futura missão espacial
denominada WaTER (The Water Elevation Recovery Mission).
Informações mais completas sobre essa iniciativa e sobre o trabalho
do grupo podem ser encontradas em <www.geology.ohio-
state.edu/water e www.geology.ohio-state.edu/wssg>.

Fig. 8.21 As setas marcam locais em que ocorrem modificações bruscas na razão
dh/dt e indicam mudanças em propriedades da água que escoa na planície,
representando limites entre massas de água com densidades e velocidades de
escoamento diferentes
Fonte: Alsdorf e Rodriguez (2005).

8.3.4 Análise da morfologia lacustre a partir


da integração de imagens multissensores
O estudo realizado por França (2005) representa um exemplo da
utilização de dados de diferentes sensores para analisar as
variações sazonais da morfologia de lagos da planície Amazônica,
em resposta ao pulso de inundação. A área estudada foi o setor da
planície do rio Amazonas compreendido entre a confluência com o
rio Madeira até o setor a montante da confluência com o rio Tapajós.
Nessa pesquisa, a autora utilizou imagens de radar de abertura
sintética na banda L(SAR) do satélite Jers-1 do GRFM –
Mapeamento Global de Florestas, adquiridas em duas fases do ciclo
hidrológico: uma correspondente à época de vazante (agosto –
novembro/1995) e outra ao período de cheia (maio – agosto/1996).
Essas imagens, originalmente obtidas pelo sensor com pixel de 18
m × 18 m, foram reamostradas para compor mosaicos com
resolução espacial degradada para, aproximadamente, 100 m ×
100m. Além das imagens SAR, foram também utilizadas duas cenas
obtidas pelo sensor Modis-Terra - produto MOD09: uma da época de
cheia (agosto/2001) e outra do período de vazante (setembro/2001).

As imagens Modis, bandas 1 (vermelho) e 2 (infravermelho


próximo), com resolução espacial de 250 m, foram reamostradas na
resolução do mosaico Jers (100 m) para obter um conjunto de
dados georreferenciados que sintetizasse a informação derivada da
região de micro-ondas e da região óptica do espectro. A autora
gerou composições coloridas multissensores, integrando as
imagens das bandas B1 e B2 do Modis-Terra à imagem SAR (Fig.
8.22), visando ampliar a diferenciação entre os lagos e a cobertura
terrestre adjacente, de modo a definir melhor a morfologia de suas
margens.
Fig. 8.22 Composição colorida multissensor com a imagem da banda L do SAR-
Jers (G) e as imagens das bandas 1 (B) e 2 (R) do Modis-Terra
Fonte: adaptado de França (2005).

Nesse tipo de composição colorida das bandas L-SAR(G), B1-


Modis9(B) e B2-Modis9(R), tornou-se, de modo geral, mais nítido o
limite terra/água, o que facilitou o processo de segmentação,
classificação e edição para o mapeamento dos lagos. Os resultados
desse trabalho foram analisados e quantificados no tocante à
distribuição de tamanho e forma dos lagos. Na Fig. 8.23, é
apresentado o mapa da área de expansão dos lagos entre as duas
fases do ciclo hidrológico estudadas. Mais detalhes dessa pesquisa
podem ser encontrados em França (2005).
Fig. 8.23 Mapa da área de expansão dos sistemas lacustres de um setor da
planície Amazônica, entre os períodos de vazante e cheia, obtido a partir do uso
de imagens SAR-Jers-1 e Modis-Terra
Fonte: adaptado de França (2005).

Considerações Finais
A dinâmica dos ambientes fluviais, onde os processos de erosão e
deposição ocorrem segundo uma escala horária, requer dados e
métodos de análise compatíveis com ela. Neste capítulo,
procuramos mostrar o potencial que a tecnologia de sensoriamento
remoto tem na ampliação do conhecimento sobre formas e
processos desses ambientes, principalmente em bacias
hidrográficas de dimensões semicontinentais, como as dos rios
Amazonas e Paraná. Conforme pode ser observado na Tab. 8.2, se
considerarmos apenas as bacias hidrográficas brasileiras com
dimensões compatíveis com as possibilidades de análise oferecidas
pelos métodos e técnicas aqui descritos brevemente, podemos
concluir que estes se aplicam ao estudo de quase 80% de nosso
território.
Entretanto, para que o sensoriamento remoto seja disseminado e
seu potencial seja explorado em benefício do conhecimento
científico, do desenvolvimento do País e da preservação dos
recursos naturais, é necessário ampliar a capacitação de recursos
humanos no uso dessa tecnologia. Esperamos ter contribuído,
nesse sentido, com as informações e os exemplos apresentados
neste capítulo.

TAB. 8.2 ÁREA OCUPADA PELAS GRANDES BACIAS HIDROGRÁFICAS


BRASILEIRAS PASSÍVEIS DE ESTUDO COM DADOS DE SENSORES DE
MÉDIA E BAIXA RESOLUÇÃO ESPACIAL

BACIA HIDROGRÁFICA ÁREA DE DRENAGEM (Km2)


Amazonas - Brasil 3.900.000
Tocantins 757.000
Parnaíba -
242.000
Atlântico Norte
São Francisco 634.000
Paraná - Brasil 877.000
Paraguai - Brasil 368.000
Total 6.778.000
Fonte: Rebouças (2002).

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Referências da Internet
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2006.
<http://www.geology.ohio-state.edu/wssg>. Acesso em: 21 nov.
2006.
Dilce de Fátima Rossetti
AMBIENTES COSTEIROS 9

Mais do que qualquer outro sistema físico, o ambiente costeiro


caracteriza-se pelas frequentes mudanças, tanto espaciais quanto
temporais, que resultam em uma variedade de feições
geomorfológicas e geológicas. Esse grande dinamismo costeiro
advém da complexa interação de processos deposicionais e
erosivos relacionados com a ação de ondas (tanto normais quanto
de tempestades tropicais ou tsunamis), correntes de maré e
correntes litorâneas, além de influências antrópicas que podem
atingir proporções significativas, como modificação das paisagens
naturais nessas áreas. Além disso, a zona costeira está sujeita à
influência de fluxos de sedimentos advindos do sistema fluvial, que
interagem diretamente com os processos litorâneos, produzindo
uma grande diversidade de ambientes deposicionais e,
consequentemente, de feições geomorfológicas.

Existe grande interesse em conhecer o modo de funcionamento dos


ambientes costeiros (Ab’Saber, 2001). Eles constituem um
laboratório natural que fornece informações relativas à dinâmica de
oscilação do nível do mar, tanto em tempos atuais como passados,
cujos registros ficam preservados nas sucessões sedimentares. A
análise da paisagem costeira atual e da sua evolução no tempo
geológico permite reconstituir os padrões de variações do nível do
mar, bem como entender os fatores intrínsecos e extrínsecos que
influenciaram suas mudanças através do tempo. Estudos dessa
natureza são cruciais para a correlação de eventos geológicos em
escalas local e regional, uma vez que a zona costeira responde de
imediato à variação no nível de base (correspondente ao nível
relativo do mar em ambientes costeiros), por menor que esta seja.
Além disso, a zona costeira consiste de sistemas deposicionais
efêmeros, tanto geográfica quanto temporalmente, o que gera
morfologias variadas que estão em constante estado de mudança.
Desse modo, a caracterização dos ambientes costeiros atuais e
passados, seja em termos geológicos ou geomorfológicos, fornece
informações importantes na reconstituição da forma de atuação dos
eventos geológicos, de fundamental importância não só para a
reconstituição da história geológica, mas também como forma de
desenvolver possíveis intervenções que minimizem seu impacto
negativo para a sociedade atual e as gerações futuras.

Estima-se que aproximadamente 70% das praias arenosas do


Planeta estão em processo de erosão. Considerando que as
populações em áreas costeiras estão aumentando
significativamente, a erosão costeira é uma importante preocupação
para o futuro próximo. O entendimento das relações das formas e
dos processos sedimentares pode ajudar os cientistas a prever,
mais acuradamente, os resultados de construções e modificações
feitas em ambientes costeiros, de forma a minimizar futuras
catástrofes.

O uso de produtos de sensoriamento remoto ajuda na


caracterização dos sistemas deposicionais, possibilitando não só a
distinção entre eles, mas também o reconhecimento de variações
dentro de um mesmo sistema, como resposta da sua dinâmica de
sedimentação e erosão. Além disso, essa ferramenta torna-se cada
vez mais imprescindível para o monitoramento da evolução da
dinâmica costeira, por meio da comparação entre séries de imagens
temporais.

Nesse sentido, este capítulo tem o objetivo de: 1) fornecer uma


revisão dos processos atuantes na zona costeira, que permita o
entendimento de sua dinâmica, bem como a caracterização das
formas (erosivas e deposicionais) produzidas; 2) caracterizar os
diferentes ambientes que tipificam a zona costeira, ressaltando seus
aspectos morfológicos, passíveis de reconhecimento em dados de
sensoriamento remoto, enfatizando exemplos do território nacional;
e 3) mostrar como, além de ajudar na caracterização de ambientes
modernos, dados de sensoriamento remoto podem ser aplicados no
reconhecimento de ambientes deposicionais antigos, possibilitando
discussões sobre a dinâmica da evolução de sistemas costeiros na
costa brasileira durante o Quaternário.

9.1 Processos Costeiros


As características geomorfológicas dos ambientes costeiros são, em
grande parte, influenciadas por processos deposicionais e erosivos.
Esses processos estão relacionados com a ação de correntes de
maré, ondas e correntes litorâneas, destacadas a seguir e cujo
entendimento é essencial na análise da dinâmica costeira.

9.1.1 Correntes de maré


Marés são produtos da flutuação periódica do nível de água em
função do movimento de rotação da Terra, combinado ao efeito
gravitacional causado pela atração da Lua e, secundariamente, do
Sol. Essas forças geram duas protuberâncias ou elevações na
superfície dos oceanos, desenvolvidas em lados opostos da Terra,
onde as marés altas são geradas (Fig. 9.1, regiões A e B). Apesar
da pequena altura, essas saliências da água apresentam grandes
comprimentos de onda. Nos outros extremos (Fig. 9.1, regiões C e
D), ocorrem marés baixas. À medida que a Terra rotaciona ao longo
de um dia, cada meridiano é posicionado, aproximadamente, duas
vezes nas regiões de maré alta e baixa.

A variação diurna da maré consiste em um período de cheia ou


maré de inundação, e um de maré vazante. A magnitude desses
fluxos mostra uma distribuição frequentemente assimétrica. Na
maioria das vezes, a variação da maré é semidiurna, quando então
a altura da maré e a velocidade das correntes de maré variam
aproximadamente duas vezes por dia, seguindo periodicidade de 12
horas e 42 minutos. Porém, algumas localidades podem mostrar
domínio de maré com variação diurna ou, menos frequentemente,
mista.
Durante as fases de lua cheia e nova, quando a Lua e o Sol se
acham alinhados relativamente à Terra, a altura e a amplitude da
maré atingem valores máximos, caracterizando as marés de sizígia
(Fig. 9.2). A maré atinge amplitudes mínimas quando o Sol e a Lua
estão alinhados, formando um ângulo reto com relação à Terra,
caracterizando as marés de quadratura. Um ciclo de maré de
sizígia-quadratura possui 14 ou 28 ciclos de maré de inundação-
vazante, em regime diurno e semidiurno, respectivamente.

Fig. 9.1 Diagrama ilustrativo da geração de maré. As marés são produzidas


devido ao efeito de rotação da Terra, combinado com a atração da Lua e,
secundariamente, do Sol. Esse efeito é maior nas regiões A e B, localizadas mais
distante e mais próximas da Lua, respectivamente, onde se desenvolvem
protuberâncias na superfície dos oceanos que geram as marés. Contrariamente,
a água é deslocada das áreas C e D, onde ocorrem marés baixas
Fig. 9.2 (A) Maré de sizígia: ocorre quando o Sol, a Lua e a Terra estão alinhados,
correspondendo, aproximadamente, às fases de lua cheia e nova; (B) Maré de
quadratura: ocorre quando a Lua e o Sol formam um ângulo reto em relação à
Terra

As marés que atingem a costa originam-se de ondas de maré


oceânicas, cujas amplitudes são, em geral, baixas. Entretanto, a
amplitude das marés é aumentada à medida que ocorre o seu
deslocamento em direção à costa, em razão, principalmente, de sua
morfologia. Assim, costas com regimes de micromaré apresentam
marés com amplitudes inferiores a 2 m. No Brasil, esse tipo de costa
acha-se bem representado no litoral sul, onde a amplitude de maré
chega a ser de apenas 0,5 m, como ocorre na região da lagoa dos
Patos. Nesse tipo de costa, as ondas constituem-se nos principais
agentes de transporte e erosão, gerando morfologias de costas com
barreiras, que serão discutidas no decorrer deste capítulo. Costas
com regimes de mesomaré apresentam marés com amplitudes
variando entre 2 m e 4 m, como é o caso do litoral nordeste do
Brasil. Costas com regime de macromaré caracterizam-se por
marés com amplitudes superiores a 4 m, mas que podem ser tão
altas quanto 16 m. O litoral norte do Brasil é um excelente exemplo
de costa com regime de macromaré, principalmente entre os
Estados do Amapá e Maranhão. Nessa região, onde a costa é
tipicamente do tipo submergente, a amplitude da maré atinge
médias em torno de 6 m a 8 m. A ocorrência de inúmeros canais
fluviais terminais nessa região faz com que a amplitude da maré
seja aumentada à medida que se aproxima do litoral. Com isso, o
litoral norte do Brasil registra ambientes dominados por planícies de
maré e mangues, típicos de costas de macromaré.

A extensão da plataforma continental pode ter grande influência na


amplificação da maré. Plataformas continentais extensas aumentam
a amplitude da maré oceânica de maneira moderada, favorecendo o
desenvolvimento de regimes de mesomaré. Forte amplificação das
marés em costas caracterizadas por plataforma continental restrita
resulta em regimes de macromaré, caracterizados pelo
desenvolvimento de fortes correntes de maré. Entretanto, a
velocidade das correntes de maré pode ser altamente variável,
sendo controlada, principalmente, pelo volume de água que passa
por um determinado ponto durante a metade de um ciclo de maré de
inundação-vazante. Assim, as correntes de maré podem atingir altas
velocidades mesmo em áreas com baixa amplitude de maré, o que
ocorre, por exemplo, quando um grande volume de água passa por
uma área relativamente estreita, como no caso de um embaiamento.

9.1.2 Ondas (normais e gigantes)


Ondas normais, também conhecidas como ondas de vento ou
gravitacionais (Kinsman, 1984), representam rugosidades formadas
na superfície da água pela ação do vento (Fig. 9.3A). À medida que
o vento sopra, sua energia é transferida para a superfície da água,
que então se desloca para baixo e para cima, em razão de
pequenas variações na pressão do ar. Em ambientes profundos, o
movimento da onda na superfície da água é do tipo orbital, ou seja,
desenvolve-se seguindo um caminho aproximadamente circular com
as partículas retornando ao seu local inicial após a passagem da
onda. Em outras palavras, a energia da onda desloca-se à medida
que o vento sopra, porém, as partículas de água permanecem no
mesmo local (Fig. 9.3B). Na superfície da água, o diâmetro da órbita
é equivalente à altura da onda, mas, à medida que a profundidade
aumenta, o movimento orbital diminui de tamanho (Fig. 9.3C). O
nível de base das ondas representa a profundidade abaixo da qual a
movimentação da água é desprezível, sendo esta correspondente à
metade do comprimento de onda (ou seja, metade da distância
entre duas cristas ou depressões formadas pela onda).

Fig. 9.3 (A) Componentes de uma onda formada na superfície da água pela ação
do vento. A altura da onda é a distância entre a crista e a depressão.
Comprimento de onda é a distância horizontal entre duas cristas; (B) A
movimentação da água em uma onda segue uma trajetória orbital, e o diâmetro
da órbita decresce com a profundidade da lâmina d’água; (C) Comportamento de
uma partícula de água com o avanço da onda, ilustrado pelo movimento de um
objeto em sua superfície, o qual retorna à sua posição original à medida que a
onda avança (setas grossas em cada figura mostram o sentido de migração da
onda)

Contrariamente a ambientes profundos, o movimento orbital das


ondas passa a ser distorcido, e finalmente dissipado, quando se
aproxima da costa, o que ocorre em função do atrito com o fundo.
Como resultado, o comprimento de onda diminui, enquanto sua
altura aumenta, devido ao empilhamento da água em ambientes
progressivamente mais rasos. À medida que a energia diminui, a
altura da onda aumenta até um valor crítico, após o qual ocorre o
colapso ou quebra da onda, quando toda a energia acumulada na
coluna d’água é liberada abruptamente, produzindo um fluxo de
grande turbulência (zona de arrebentação ou surf), que faz com
que a água e sedimentos do fundo se desloquem em direção ao
perfil de praia (Fig. 9.4).

Fig. 9.4 À medida que a onda se aproxima da costa, o movimento orbital do fluxo
é deformado, por causa do atrito com o fundo, até um ponto crítico, quando a
onda arrebenta, resultando no movimento assimétrico do fluxo em direção à costa

Ainda, com a aproximação da costa, irregularidades na topografia


de fundo fazem com que ocorra a difração das ondas. Esse
fenômeno é gerado pela presença de setores mais rasos, onde as
ondas sofrem o atrito de fundo primeiro e, portanto, são freadas
mais rapidamente do que em áreas adjacentes, onde o atrito com o
fundo ocorre relativamente mais tarde. A ocorrência de setores com
gradientes de velocidade gera a distorção ou o arqueamento das
ondas. A presença de embaiamentos, ilhas e recifes de corais é um
fator que favorece o desenvolvimento de irregularidades de fundo e
pode promover a difração de ondas.

O efeito de ondas normais é especialmente notado em costas com


regime de micromaré. Nesses locais, as ondas podem tornar-se
importantes agentes no transporte de sedimentos, tendo grande
influência no desenvolvimento do perfil da costa.
Além de ondas normais, a zona costeira está sujeita a eventuais
impactos de ondas gigantes, que momentaneamente deslocam
grandes massas de água oceânica. O exemplo mais comum são
ondas geradas por tempestades (ciclones) tropicais desenvolvidas
em regiões oceânicas pelo transporte de uma grande quantidade de
calor oriunda de áreas de baixas latitudes. Devido à força de
Coriolis, as massas de ar deslocam-se no sentido horário e anti-
horário nos hemisférios Norte e Sul, respectivamente, encontrando-
se nas proximidades do Equador, onde se forma a Zona de
Convergência Intertropical (Fig. 9.5). O deslocamento de ar dessa
zona para as regiões polares faz com que a temperatura dos
oceanos sofra constante aquecimento em áreas localizadas a oeste
dos oceanos Atlântico e Pacífico, gerando tempestades tropicais.
Nessas regiões, os ventos violentos de ciclones tropicais geram
ondas gigantescas na superfície dos oceanos, as quais, ao se
aproximarem da costa, geralmente causam grandes catástrofes.

Fig. 9.5 Movimento horário (hemisfério Norte) e anti-horário (hemisfério Sul) dos
fluxos de ar, devido à força de Coriolis, e formação da Zona de Convergência
Intertropical na zona equatorial

Além de tempestades tropicais, ondas de grande porte podem ser


geradas episodicamente na superfície dos oceanos por erupções
vulcânicas, terremotos, deslizamentos submarinos, avalanches e
deslizamentos de rochas para dentro do oceano. Em particular, a
ocorrência de terremotos pode gerar ondas de grande comprimento
de onda, que se deslocam em alta velocidade. Quando essas ondas
chegam a ambientes rasos, são rapidamente freadas, aumentando
sua altura em proporções gigantescas. Esses eventos catastróficos,
designados tsunamis, geralmente causam muitas fatalidades
quando atingem áreas habitadas e podem constituir-se em
importantes fatores modificadores do ambiente costeiro. Ondas
gigantes podem produzir fluxos direcionais de grande poder como
agente de transporte de sedimentos, principalmente quando formam
fluxos combinados, devido à sua associação com marés e
correntes litorâneas.

Um fenômeno natural interessante, que é bem desenvolvido


particularmente no litoral norte do Brasil, é a pororoca (Fig. 9.6),
termo indígena que significa “destruidor”. Esta é caracterizada por
ondas violentas e de grande porte geradas pela elevação súbita das
águas, que se deslocam do mar em direção ao continente, para
onde avançam através dos rios. Ondas geradas pela pororoca
chegam a atingir 6 m de altura e velocidade de 30 km por hora.
Esse fenômeno, ainda pouco estudado, é de ocorrência anual e se
deve provavelmente à mudança de fases da lua, principalmente
durante as luas cheia e nova. Nesse período, a energia da maré é
aumentada. Quando a maré se desloca em direção à foz dos rios,
encontra um anteparo natural, o qual é eventualmente vencido,
fazendo com que a onda adentre em direção aos rios, que então
invertem momentaneamente seu fluxo. Embora o fenômeno seja
observado em várias regiões da Terra, ele é especialmente forte na
foz do Amazonas e de rios do Amapá, onde tem maior intensidade
entre janeiro e maio. A força da pororoca é grande, podendo virar
embarcações e arrancar árvores das margens dos rios. Dada a sua
grande continuidade lateral por vários quilômetros rio adentro, a
pororoca tornou-se um evento que está cada vez mais atraindo
turistas interessados em campeonatos de surf. Um dos locais mais
populares para a observação da pororoca é o rio São Domingos, no
nordeste do Estado do Pará.
Fig. 9.6 Vista de uma onda que adentrou os limites de um rio no litoral nordeste
do Estado do Pará, durante o fenômeno conhecido como pororoca

9.1.3 Correntes litorâneas


Correntes litorâneas incluem fluxos unidirecionais desenvolvidos ao
longo da costa e correntes de retorno (Shepard; Inman, 1950).
Correntes ao longo da costa são geradas pelo impacto de ondas
que se deslocam obliquamente à costa. A longo prazo, esse tipo de
corrente é mais efetivo no transporte de sedimentos do que outros
fluxos formados por efeitos sazonais.

As correntes de retorno representam fluxos que se deslocam da


costa para o oceano (Fig. 9.7). Esse tipo de corrente se desenvolve
em costas inclinadas, sendo sua origem associada a pequenas
elevações (centimétricas a métricas) das ondas (acima do nível de
base local da água), causadas pela interação destas com o fundo
em ambientes rasos. Essa elevação é mais efetiva em áreas
localizadas na frente de zonas de surf com ondas de grande porte, o
que é favorecido em áreas inclinadas. Essa elevação da água
interfere no deslocamento de correntes que ocorrem ao longo da
costa, que são forçadas a direcionar-se no sentido da diminuição de
energia da onda. Ao se aproximarem da costa, correntes adjacentes
geram células de convergência e retornam para o mar. Áreas onde
ocorre refração de ondas, o que, como visto na seção anterior,
associa-se a costas com topografias irregulares, são especialmente
favoráveis ao desenvolvimento de correntes de retorno. Entretanto,
correntes de retorno não são exclusivas desse tipo de costa,
podendo ocorrer também em costas retilíneas, devido à complexa
interação entre ondas que chegam ao litoral e ondas que ali se
encontram, geradas por refração (Huntley; Bowen, 1975). Essa
interação de ondas produz variações significativas na altura da onda
na zona de quebra, principalmente quando as ondas se acham em
fase. Correntes de retorno são especialmente efetivas quando
combinadas com marés vazantes, uma vez que sua energia é
aumentada, podendo inclusive gerar canais no fundo direcionados
para o mar, através dos quais ocorre significativo transporte de
sedimentos.

Fig. 9.7 Correntes de retorno alimentadas por correntes litorâneas em que a


direção de movimentação da onda é perpendicular à costa
9.2 Nível do Mar
Dada a importância da influência do nível do mar em áreas
costeiras, torna-se necessário, aqui, definir melhor esse termo. O
aumento da temperatura nos últimos anos tem favorecido o
derretimento de geleiras, que descarregam sua carga sob a forma
de água nos oceanos, contribuindo para o aumento do nível do mar.
Se só esse fator fosse levado em consideração, a expectativa seria
de que toda costa moderna fosse ou estivesse evoluindo para o tipo
submergente. Entretanto, nem todas as costas atuais são desse
tipo. Pelo contrário, existe uma variedade de costas modernas do
tipo emergente. Portanto, o acréscimo no volume de água dos
oceanos não está sendo percebido ou está sendo compensado em
algumas áreas.

A mudança no volume de água dos oceanos, entre outros fatores (a


variação no volume de cadeias oceânicas por extrusão de magma
relacionada com a movimentação de placas tectônicas, por
exemplo), afeta o nível do mar eustático. A eustasia é uma medida
feita entre a superfície da água e um ponto fixo, geralmente
considerado o centro da Terra (Fig. 9.8). Variações do nível do mar
referentes a causas eustáticas devem ser diferenciadas de
variações do nível do mar relativo, que representa a medida entre
a superfície do mar e um ponto móvel local, geralmente considerado
o fundo de uma bacia de sedimentação (Fig. 9.8). Portanto, além da
eustasia, outros fatores controlam a mudança do nível do mar
relativo, como flutuações climáticas, variações no suprimento
sedimentar, bem como mudanças nas taxas de subsidência ou
soerguimento, associadas com atividades tectônicas.

Variações no nível do mar relativo resultam no deslocamento da


linha de costa, tanto em direção ao continente como em direção à
bacia oceânica, caracterizando eventos de regressão e
transgressão, respectivamente (Fig. 9.9). É importante salientar
que regressões podem ser registradas mesmo sob condições de
nível eustático alto, desde que ocorra soerguimento e/ou elevado
suprimento sedimentar. Da mesma forma, transgressões podem
ocorrer mesmo quando o nível eustático é baixo, como é o caso, por
exemplo, de muitas costas sujeitas a altas taxas de subsidência
e/ou a reduzido aporte sedimentar. Em resumo, a caracterização de
costas regressivas ou transgressivas depende do equilíbrio entre
vários fatores, sendo a variação eustática apenas um deles.

Fig. 9.8 Nível do mar eustático e relativo


Fig. 9.9 Costas transgressiva e regressiva, formadas em função da variação do
nível do mar relativo

Transgressões e regressões podem ser reconhecidas por meio do


estudo do registro sedimentar ao longo do tempo geológico. Dada a
elevada dinâmica da zona costeira, no entanto, muitos eventos
transgressivos e regressivos podem ser acompanhados em tempos
modernos. Técnicas de sensoriamento remoto são particularmente
úteis para esse tipo de estudo. A comparação de imagens coletadas
em séries temporais possibilita o mapeamento do deslocamento dos
vários ambientes inseridos em um sistema deposicional, ou até
mesmo da evolução de um sistema deposicional para outro,
permitindo, com isso, o reconhecimento de eventos transgressivos e
regressivos de curta duração. Entretanto, observa-se que, muitas
vezes, o deslocamento de ambientes costeiros pode ser de
conotação local, pela própria dinâmica de sedimentação, não
estando, necessariamente, relacionado a eventos transgressivos ou
regressivos.

9.3 Sistemas Deposicionais


Costeiros
Nesta seção, serão abordados os sistemas deposicionais costeiros,
dando-se ênfase a suas características morfológicas passíveis de
reconhecimento em produtos de sensoriamento remoto, os quais
vêm sendo cada vez mais utilizados no estudo de sistemas físicos
atuais. Esse tipo de recurso apresenta as seguintes vantagens
principais: 1) facilita a discriminação rápida entre os diferentes tipos
de sistemas físicos ou deposicionais; 2) possibilita a caracterização
mais adequada desses sistemas, uma vez que seus aspectos
geométricos gerais podem ser mais facilmente e mais
completamente observados do que seriam em campo; 3) possibilita
o acompanhamento da dinâmica evolutiva dos sistemas
deposicionais, por meio da análise de imagens em séries temporais;
e 4) serve de base para a definição de estratégias de investigação
mais detalhada em campo.

Como visto na seção anterior, o nível do mar relativo afeta


diretamente o tipo de costa, se dominada por retração ou avanço
em função de sua natureza transgressiva ou regressiva,
respectivamente. O tipo de costa, por sua vez, determina o
desenvolvimento dos sistemas deposicionais, e estes refletem o
equilíbrio entre o influxo fluvial e os processos litorâneos (ondas e
marés). Em geral, costas retrativas, com preponderância de
processos de onda e maré, são dominadas por estuários, planícies
de maré e ilhas-barreira, enquanto costas em avanço ou
regressivas, com influência fluvial importante, favorecem a
ocorrência de deltas (Fig. 9.10).
Fig. 9.10 Classificação de sistemas deposicionais costeiros de acordo com o
domínio de processos fluviais, ondas e marés
Fonte: modificado de Boyd, Dalrymple e Zaitlin (1992).

9.3.1 Deltas
Por definição, deltas representam ambientes deposicionais
localizados na desembocadura de um rio, onde o fornecimento de
sedimento é mais rápido do que seu retrabalhamento por processos
atuantes na bacia de deposição, que pode ser um lago ou oceano.
Neste capítulo, trataremos somente do segundo caso, ou seja, de
deltas que se formam onde os sistemas fluviais terminam em bacias
marinhas. Esse tipo de delta é mais complexo que deltas lacustres,
uma vez que é influenciado pelos vários processos atuantes no
litoral, já tratados no início deste capítulo. A complexa interação
entre fluxos fluviais, de ondas e de marés, afeta fortemente o
desenvolvimento de deltas, produzindo fisiografias distintas, que são
prontamente identificadas em produtos de sensoriamento remoto.

Deltas compreendem uma parte subaérea e uma parte subaquosa


(Fig. 9.11). A porção subaérea do delta, localizada em sua área
mais continental, inclui a planície deltaica superior, dominada por
processos fluviais, e a planície deltaica inferior, que é influenciada
por processos marinhos, principalmente correntes de maré. A parte
subaquosa do delta, formada na frente das planícies em direção ao
mar, é constituída por barras de desembocadura ou frentes
deltaicas, barras distais e prodelta. A barra de desembocadura,
que é o principal componente na caracterização dos deltas, é onde
ocorre rápida deposição de grande volume de sedimentos trazidos
pelos rios à medida que o fluxo perde energia, ao adentrar-se na
bacia marinha. As barras distais formam-se marginalmente às
barras de desembocadura, pelo acúmulo de areias que escapam
desse ambiente e são episodicamente depositadas mais para dentro
da bacia, durante fases de fluxos mais energéticos. O prodelta é
uma região de baixa energia, onde ocorre deposição das argilas
trazidas pelos canais fluviais, a partir de suspensões.

Fig. 9.11 Componentes do sistema costeiro deltaico

Nem todos os componentes do delta são visíveis em produtos de


sensoriamento remoto; porém, seus componentes subaéreos e,
principalmente, as barras de desembocadura, cujas porções
superiores podem ser expostas após deposição, são realçados
nesses produtos. Além disso, dados de sensoriamento remoto
permitem, muitas vezes, a visualização de grande parte dos
depósitos da frente deltaica, que ocorrem também submersos (Fig.
9.12).
Embora o delta tenha sido inicialmente definido por geometria
triangular, que relembra a letra grega da qual tomou seu nome, sua
morfologia é variável e provê informações valiosas sobre os
processos que dominaram sua evolução. Assim sendo, a análise de
sistemas deltaicos em produtos de sensoriamento remoto permite
sua classificação e o entendimento dos processos dominantes.
Dada a alta taxa de deposição de sedimentos, típica de sistemas
deltaicos, sua progradação pode ocorrer dentro de um intervalo de
tempo relativamente curto e ser analisada em produtos de
sensoriamento remoto multitemporais.

Fig. 9.12 Imagem do satélite QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) do delta em
laguna, ao sul de Florianópolis, SC, onde depósitos submersos de frente deltaica
são visíveis, formando um leque na desembocadura do canal alimentador

A forma de classificar os deltas é variável entre os autores; porém,


para os objetivos do presente capítulo, utilizam-se três categorias
principais (Fig. 9.13), seguindo-se definições de vários autores (por
exemplo, Fisher et al., 1969; Galloway, 1975).
Fig. 9.13 Principais tipos de delta, de acordo com a classificação de Galloway
(1975, modificado de Seybold, Andrade e Herrmann, 2007). O delta do rio São
Francisco, que ocorre na divisa entre os Estados de Sergipe e Alagoas,
representa o delta clássico influenciado por onda, citado na literatura internacional

Delta fluvial
Deltas com forte influência fluvial caracterizam-se por elevado
influxo fluvial e por processos bacinais de baixa energia. Em
imagens de satélite de alta resolução, esse tipo de delta é
reconhecido por sua geometria que lembra o “pé de um pássaro”
(Fig. 9.14). Sua fisiografia é representada por barras de
desembocadura que se acumulam sob a forma de corpos
coalescentes nas porções terminais de canais alimentadores,
designados distributários. A geometria típica desse tipo de delta
resulta da progradação de várias barras de desembocadura em
distributários adjacentes. Como a energia de ondas e marés é baixa,
as barras de desembocadura progradam rapidamente em direção
ao mar, formando um talude inclinado à medida que os corpos vão
se sobrepondo uns aos outros. Durante esse processo, ocorre
seleção das granulometrias, que se tornam cada vez mais finas
conforme se distanciam da foz dos distributários.

À medida que a progradação prossegue, a superfície do delta torna-


se progressivamente mais aplainada. Em compensação, os canais
distributários na planície deltaica podem ter suas margens
localmente rompidas durante períodos de maior descarga, levando
ao desenvolvimento de canais e leques de transbordamento.
Eventualmente os canais marginais podem evoluir para um canal
distributário, formando barras de desembocadura em uma nova
posição na frente deltaica. Conforme o fluxo diminui ao longo de um
canal distributário, a barra de desembocadura passa a ser
abandonada e o delta retrai, tornando-se localmente inundado.
Fig. 9.14 Morfologia típica de delta fluvial, em “pé de pássaro”

Um delta fluvial típico de grandes dimensões, como no exemplo


clássico do delta moderno associado ao rio Mississippi, na costa
leste dos Estados Unidos, pode apresentar um amplo sistema de
canais distributários, barras de desembocadura e complexos de
transbordamentos. Como resultado dessa dinâmica bastante
complexa, algumas áreas podem progradar, enquanto outras se
acham em processo de retração e afogamento. Não existem, no
Brasil, exemplos expressivos de deltas do tipo fluvial.

Delta de onda
Esse tipo de delta ocorre em costas com domínio de processos de
onda, onde a carga de sedimento fluvial recebida na frente deltaica
é rapidamente redistribuída pela dinâmica litorânea. Por causa
disso, deltas com domínio de onda são caracterizados por linha de
costa marcada por praias bem desenvolvidas, que progradam
sucessivamente em direção ao mar à medida que o delta evolui,
formando uma série de cordões alongados de praia, transversais
ao sentido da progradação. Cordões abandonados vão ficando por
trás de novos cordões, formados na frente do delta.

Diferentemente do delta fluvial, a progradação dos deltas de onda


não fica restrita a um ponto localizado na costa desse tipo de delta,
mas se manifesta ao longo de toda a extensão da frente deltaica,
que também evolui de forma relativamente mais lenta. Areias
expostas subaeriamente podem ser retrabalhadas por processos
eólicos, formando abundantes dunas na planície deltaica.

Em fotografias e imagens de satélite, esse tipo de delta também


pode ser facilmente reconhecido pela geometria convexa em
relação ao mar, que forma uma feição em cúspide. Esta consiste
em uma protuberância na costa, que se desenvolve onde o sistema
fluvial descarrega sua carga de sedimentos. Assim, deltas com
domínio de onda estão associados a uma série de cordões de praia
alongados paralelamente à costa, a partir do ponto central de
progradação. Conjuntos de cordões de praia abandonados são
separados por linhas descontínuas, que evidenciam mudanças na
configuração da costa através do tempo.
Fig. 9.15 Delta de onda clássico, formado na desembocadura do rio São
Francisco. (A) Morfologia típica cuspidada (modificado de Seybold, Andrade e
Herrmann, 2007; o quadro localiza a figura B); (B) Imagem TM-Landsat,
composição RGB 543, de detalhe da desembocadura do delta, ilustrando linhas
de descontinuidade (setas), que marcam sucessivos cordões litorâneos
desenvolvidos paralelamente à costa à medida que ocorre a progradação (o
quadro localiza a figura C); (C) Imagem QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) de
detalhe de dunas eólicas acopladas à praia, feição abundante nesse delta

A maioria dos deltas formados em ambientes marinhos no Brasil é


do tipo de onda, os quais são especialmente bem desenvolvidos na
região Nordeste. O mais conhecido é o delta do rio São Francisco
(Fig. 9.15), que ocorre na divisa dos Estados de Sergipe e Alagoas.
Na literatura internacional, esse delta é citado como um dos
exemplos clássicos de delta de onda (Galloway, 1975, por exemplo).
Imagens de satélite revelam sua geometria cuspidada típica (Fig.
9.15A), com linhas bem acentuadas de descontinuidade, que
marcam sucessivos períodos de desenvolvimento de cordões
litorâneos (Fig. 9.15B), além de abundantes dunas eólicas (Fig.
9.15C). Estas formam um cinturão alongado paralelamente à costa,
com quase 20 km de comprimento e 2,5 km de largura, na porção
ao norte do rio. Segundo Barbosa e Dominguez (2004), as dunas do
delta do São Francisco iniciaram sua formação há 3.000 anos, com
uma segunda geração tendo sido formada apenas alguns séculos
atrás.

Outro exemplo brasileiro de delta de onda bem característico ocorre


na desembocadura do rio Parnaíba, na divisa dos Estados do Piauí
e Maranhão (Fig. 9.16). Similarmente ao delta do rio São Francisco,
esse delta mostra protuberância de geometria cuspidada em direção
ao mar, além de conter abundantes dunas eólicas que, em direção
ao oeste, compõem os lençóis Maranhenses (ver mais no item
9.3.4). Outros exemplos de delta de onda no Brasil incluem
(Dominguez; Bittencourt; Martin, 1981, 1987) o delta do
Jequitinhonha, na Bahia; do rio Doce, no Espírito Santo, além do
Paraíba do Sul e do Pombal, no Rio de Janeiro (Fig. 9.17).

Fig. 9.16 Delta do rio Parnaíba, divisa dos Estados do Piauí e Maranhão.
Similarmente ao do rio São Francisco, é dominado por processos de onda. (A)
Imagem TM-Landsat, composição RGB 543 (Inpe), representando todo o delta,
que forma uma protuberância bem desenvolvida na costa (o quadro localiza a
figura B); (B) Imagem QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) da planície deltaica,
com ampla distribuição de dunas eólicas (o quadro localiza a figura C); (C)
Imagem QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) de detalhe da frente deltaica,
onde sedimentos trazidos pelo rio são transportados por correntes litorâneas,
formando extensas praias de areia. Notar também as formas de leito arenosas no
canal alimentador, passíveis de observação nesse produto de sensoriamento
remoto, até mesmo em suas porções subaquosas
Fig. 9.17 Outros exemplos de delta de onda no litoral brasileiro: (A) imagem TM-
Landsat, composição RGB 543, do delta do rio Jequitinhonha, BA; (B) imagem
TM-Landsat, composição RGB 543, do delta do rio Doce, ES; (C) imagem
QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) do delta do rio Pombal, RJ. Notar, em
todos eles, os cordões litorâneos bem desenvolvidos e a forma típica cuspidada

Delta de maré
Deltas de maré (Fig. 9.13) são tipicamente formados quando
sedimentos fluviais são descarregados em costas sujeitas a forte
ação de correntes de maré. Suas frentes deltaicas apresentam
numerosos canais, pelos quais os sedimentos são transferidos até a
costa. Em costas com grandes amplitudes de maré, a planície
deltaica é especialmente bem desenvolvida, sendo representada por
um arranjo complexo de subambientes, incluindo planícies de maré,
lagunas e canais de maré. A porção subaquosa desse tipo de delta
é também ampla, podendo estender-se por grande parte da
plataforma, favorecendo o transporte de grande volume de
sedimentos para os ambientes oceânicos mais profundos.

A forte ação de marés nas porções superiores da frente deltaica e


inferiores da planície deltaica favorece o constante retrabalhamento
dos sedimentos, gerando depósitos arenosos, que são tipicamente
bem selecionados.
Em imagens de sensoriamento remoto, deltas de maré
caracterizam-se pela presença de uma série de barras de areia que
se desenvolvem perpendicularmente, ou quase perpendicularmente,
à costa. Estas formam um leque que se amplifica em direção ao mar
e que grada, em direção oposta, para uma complexa trama de
canais, planícies de maré e mangues. O formato típico lembra os
dedos de uma mão aberta.

O reconhecimento de abundantes barras de areia na frente deltaica


é crítico para a caracterização desse tipo de delta, possibilitando
sua distinção de estuários, com os quais pode ser confundido.
Porém, é importante lembrar que um delta é um sistema tipicamente
progradacional, ou seja, ele evolui por meio do acréscimo
progressivo de sedimentos trazidos pelos canais fluviais. O sistema
estuarino, como será visto em mais detalhes no próximo item,
também se acha ligado a um sistema fluvial, mas ele se desenvolve
em costas retrativas, ou seja, onde os rios não trazem uma carga
sedimentar significativa, ou a carga sedimentar é relativamente
menos importante do que seu retrabalhamento por correntes de
maré. A existência de numerosas barras de maré na frente de deltas
de maré evidencia que esse tipo de delta, apesar de ser afetado por
fortes correntes de maré, recebe um volume importante de
sedimentos fluviais, o que lhe confere a natureza progradacional
típica de sistemas deltaicos.

A desembocadura do rio Amazonas é considerada por alguns


autores (Wright, 1985, por exemplo) como um caso típico de delta
com domínio de marés. Na verdade, esse é um sistema anômalo,
pois, embora a carga de sedimentos trazida pelo rio Amazonas seja
elevada, ela não se acumula em sua desembocadura. Isso porque
marés de alta energia, associadas à forte Corrente das Guianas,
direcionada para o noroeste, fazem com que grande parte de carga
sedimentar seja transportada por centenas de quilômetros naquela
direção. Com isso, a desembocadura do rio Amazonas é desprovida
de protuberâncias ou barras de maré, o que evidenciaria a presença
de um delta. A aparência afunilada desse rio é, por outro lado,
tipicamente estuarina, embora condições verdadeiramente
estuarinas (ver item 9.3.2) se estabeleçam somente costa afora, em
direção à plataforma continental.

9.3.2 Estuário
Existem várias definições para estuário; porém, a mais
frequentemente utilizada por geólogos e geomorfólogos é a de que
esse sistema corresponde a um corpo de água semifechado no qual
ocorre mistura de processos fluviais e marinhos (Fairbridge, 1980;
Boyd; Dalrymple; Zaitlin, 1992; Dalrymple; Zaitlin; Boyd, 1992).
Como mencionado no item anterior, contrariamente a deltas,
estuários apresentam taxa de fornecimento de sedimento inferior à
sua capacidade de retrabalhamento, devido a processos costeiros.
A formação de estuários envolve o afogamento ou inundação de
vales fluviais, por causa do aumento do nível do mar relativo. Com
isso, estuários são reconhecidos, em uma visão espacial, como um
prolongamento do sistema fluvial na zona costeira, onde adotam
geometria, em geral, alongada. O limite do estuário em direção ao
continente ocorre na zona de máxima influência de correntes de
maré.

Em geral, o desenvolvimento de estuários é favorecido em planícies


costeiras de latitude média, com plataforma continental ampla,
particularmente em vales fluviais afogados. Regime de maré
moderado a alto possibilita constante remoção dos sedimentos, o
que auxilia no estabelecimento de estuários. Apesar de dessas
condições facilitarem a ocorrência de estuários, esse tipo de sistema
deposicional é encontrado em costas com climas e regimes de maré
variáveis, uma vez que outros parâmetros, tais como morfologia,
taxa de sedimentação, tectônica etc., são também fatores
importantes no seu desenvolvimento.

Entre os vários fatores que influenciam o desenvolvimento de


sistemas estuarinos, o mais importante é a interação de processos
fluviais e marinhos (Fig. 9.18). A distribuição da energia total
produzida por esses processos resulta na subdivisão interna do
estuário em três setores: um interno, dominado por processos
fluviais; um central, dominado por processos de baixa energia e no
qual ocorre equilíbrio entre processos marinhos (principalmente
representado por correntes de maré) e fluviais; e um externo, em
que se dá o domínio de processos marinhos (ondas e correntes de
maré).

Devido à ação simultânea de influxo fluvial e marinho para dentro do


estuário, sua porção central apresenta tipicamente águas com
salinidade mista ou salobra. Essa condição hidrológica, bem como
a constante mudança de energia, faz com que os estuários se
caracterizem como ambientes de grande estresse. Como resultado,
a fauna local comporta somente organismos que sejam tolerantes a
essa condição ambiental.

Fig. 9.18 Distribuição da energia de fluxo em um sistema estuariano, relacionada


com a participação do influxo fluvial, das ondas e correntes de maré
De acordo com a interação de fluxos, os estuários podem ser
classificados em dois tipos, um dominado por onda e outro
dominado por marés, embora ocorra uma ampla gama de variações
entre esses dois. Neste capítulo, abordaremos somente os dois
tipos extremos de estuários, que são os mais comumente
encontrados na natureza. Além disso, esses estuários apresentam
morfologias típicas que permitem sua distinção em produtos de
sensoriamento remoto.

Estuários dominados por onda


Esses estuários são bem conhecidos na literatura (Roy, 1984; Boyd;
Bowen; Hall, 1987; Dalrymple; Boyd; Zaitlin, 1994; Zaitlin et al.,
1994) e desenvolvem-se, mais comumente, em costas com regimes
de micro e mesomaré. O zoneamento estuarino torna-se
particularmente bem desenvolvido nesse tipo de estuário, no qual
ocorrem duas áreas bem definidas de maior energia, uma localizada
na desembocadura e a outra, próximo à cabeceira do estuário.

Estuários com domínio de onda são reconhecidos em produtos de


sensoriamento remoto pela morfologia caracterizada por área
subaquosa ampla ou bacia central na terminação de um sistema
fluvial afogado, formada pela presença de um anteparo na
desembocadura do sistema. Esse anteparo é representado por uma
barreira subaérea ou barra submersa, que serve como amortecedor,
minimizando o efeito de ondas e marés nas porções internas do
estuário.

A formação de barreira na porção terminal do estuário deve-se ao


efeito das ondas. Em costas com alta influência de onda, as áreas
de desembocadura, correspondentes à zona externa do estuário,
recebem um volume significativo de sedimentos, derivado de
retrabalhamento ao longo da costa. Parte desses sedimentos pode
ser transportada em direção às porções mais internas do estuário,
porém a grande maioria acumula-se em sua desembocadura,
formando um complexo de ilha-barreira (Fig. 9.19A). Este funciona
como um anteparo de atenuação da energia da onda e das
correntes de maré. Dessa forma, a área interna do estuário ou bacia
central estuarina (Fig. 9.19A) permanece protegida, favorecendo
processos de sedimentação de lama a partir de suspensões. Dada a
morfologia típica, estuários dominados por onda são também
conhecidos na literatura como estuários de barreira (Galloway;
Hobday, 1983) ou estuários lagunares (Reinson, 1992).

Se a energia da maré é importante, a barreira na desembocadura do


estuário pode ser interceptada por um ou vários canais ou inlets
(Fig. 9.19A), os quais manterão aberta a comunicação estuarina
com as áreas de influência marinha. A presença de inlets promove o
surgimento de deltas de maré cheia (Fig. 9.19A) e deltas de maré
vazante, formados pelo transporte de sedimentos para dentro ou
para fora da bacia central, à medida que a maré enche ou vaza,
respectivamente. Respeitadas as devidas proporções, esses
subambientes do sistema estuarino dominado por onda são
caracterizados por morfologias similares às frentes deltaicas de um
sistema deltaico típico.

Sob a ação de correntes litorâneas, areias podem ser transportadas


de praias laterais para os estuários, formando prolongamentos ou
spits, que migram lateralmente em direção aos inlets. Além disso,
areias podem ser transportadas periodicamente para dentro da
bacia estuarina, durante eventos de tempestade, formando lobos
de transbordamentos.

Na cabeceira do estuário com domínio de onda, ou seja, onde o


fluxo fluvial desemboca na bacia central estuarina, ocorre a
formação de um outro delta, designado delta de cabeceira (Fig.
9.19A). Essa feição morfológica resulta do acúmulo de sedimentos
trazidos pelo rio, que gradativamente progradam em direção ao
centro do estuário. O contraste entre a alta energia do fluxo fluvial e
a baixa energia da bacia central estua-rina resulta em rápida
sedimentação na desembocadura do rio, formando a feição deltaica.
Fig. 9.19 (A) Morfologia de estuário dominado por onda; (B-D) Estuário do rio
Setuba, Maceió, AL; (B) Vista geral das porções mediana e distal do estuário,
onde a lagoa do Norte se forma por trás de uma barreira estreita, mas alongada
(o quadro localiza a figura C); (C) Detalhe da desembocadura do estuário,
ilustrando o complexo de barreiras, com inlet e spit; (D) Foto do estuário do rio
Setuba, com vista para Maceió; (E) Delta de cabeceira de baía que ocorre na
desembocadura dos rios que deságuam na lagoa do Norte; (B, C e E, Imagem
QuickBird, Image 2007 - Digital Globe)

Um excelente exemplo de estuário com domínio de onda encontra-


se nas adjacências da cidade de Maceió, no Estado de Alagoas
(Fig. 9.19B-E). Nesse local, a lagoa do Norte, que ocorre atrás de
uma estreita, mas extensa, barreira, é alimentada por fluxo fluvial
oriundo do rio Setuba, sendo, portanto, apropriadamente
classificada como estuário de onda. O complexo de barreira desse
estuário acha-se conectado a um spit (Fig. 9.19C). Este migra em
direção a um inlet, que intercepta uma barreira na desembocadura
do estuário (Fig. 9.19D), confinando ainda mais o fluxo. Um
pequeno delta ocorre na bacia central estuarina, formado pela
introdução de areia decorrente da ação de ondas e correntes de
maré. Embora subaquoso, esse delta de maré cheia é facilmente
identificado em imagens de satélite (Fig. 9.19C). Além disso, pode-
se observar um delta de cabeceira onde o rio Setuba adentra a
bacia central estuarina (Fig. 9.19E).

Estuários dominados por maré


Embora menos conhecidos, estuários com domínio de maré são
abundantes em uma variedade de costas com regime de
macromaré (Harris; Collins, 1985; Woodroffe et al., 1989; Dalrymple
et al., 1990; Allen, 1991). Esse tipo de estuário é também verificado
em costas com baixas amplitudes de maré, dependendo da
configuração morfológica da costa, que pode favorecer um prisma
de maré elevado, ou em locais com baixa influência de onda
(Dalrymple; Zaitlin; Boyd, 1992).
Fig. 9.20 (A) Morfologia de estuário dominado por maré; (B) Região nordeste do
Estado do Pará, no litoral norte do Brasil, caracterizada por inúmeros canais
estuarinos alongados, típicos de costas com domínio de maré (Imagem CCD-
Cbers, composição RGB 432, Inpe)

Em produtos de sensoriamento remoto, estuários com domínio de


maré são facilmente diferenciados de estuários com domínio de
onda. Isso se deve à inexistência de barreiras em suas áreas distais
e, consequentemente, da bacia central de baixa energia. Por isso,
não ocorrem deltas de maré cheia e vazante nem deltas de
cabeceira. A morfologia resultante é tipicamente alongada,
configurando uma geometria em funil, com estreitamento em direção
ao sistema fluvial (Fig. 9.20A). Esse tipo de estuário é, em geral,
circundado por amplas e abundantes planícies de maré e mangues,
similarmente ao que ocorre em deltas de maré. Apresentam
também, em sua porção interna, barras de areia alongadas que
irradiam da desembocadura do rio em direção ao mar. Entretanto,
esses subambientes são cortados por um canal alimentador
principal, que apresenta setores retilíneos e meandrantes, em vez
de uma miríade de canais de maré, como ocorre em planícies
deltaicas de deltas de maré. Além disso, as barras de maré ocorrem
em meio a áreas planas e rasas, onde domina a deposição de
areias, formando baixios ou planícies de areia. Esses
subambientes permanecem em grande parte submersos; porém,
são bastante rasos e passíveis de observação em imagens de
sensoriamento remoto de alta resolução.
O grande acúmulo de areia na parte central dos estuários com
domínio de maré ameniza a energia das ondas (Hayes, 1975;
Dalrymple et al., 1990). Porém, a geometria afunilada comprime as
correntes de maré cheia, fazendo com que sua energia aumente
significativamente em direção ao centro do estuário (Wright;
Coleman; Thom, 1973), ocorrendo seu decréscimo gradativo pelo
efeito de fricção de fundo em direção à desembocadura do rio. Por
outro lado, o influxo fluvial atua similarmente aos estuários do tipo
dominado por onda, sendo representado por progressiva diminuição
de energia em direção à zona estuarina central.

Fig. 9.21 Imagem JERS-1 do período de cheia, representando a desembocadura


do rio Amazonas, com geometria afunilada, característica de costas com domínio
de maré

O litoral norte do Brasil, de forma retalhada (Fig. 9.20B), possui um


dos melhores exemplos mundiais de estuários dominados por maré.
Barras de maré subaquosas ocorrem em suas desembocaduras,
como é o caso dos estuários de Marapanim e São Caetano de
Odivelas, no Estado do Pará (Prost et al., 2001). De modo geral,
pode-se relacionar a origem desses estuários com o domínio de
marés de alta amplitude. Porém, esse fator pode ser somado à
influência tectônica que, embora ainda pouco estudada, tem forte
controle no direcionamento e alargamento dos canais e, portanto, na
geometria dos sistemas estuarinos daquela região (Souza Filho,
2000).

A desembocadura do rio Amazonas mostra configuração estuarina,


sendo considerado por alguns autores (Nichols; Biggs, 1985, por
exemplo) como um estuário típico (Fig. 9.21). Porém, como
salientado, não existe amplo desenvolvimento de condições
estuarinas, ou seja, até próximo de sua desembocadura, a água é
doce, porque a força do sistema fluvial empurra a cunha salina para
fora, não deixando adentrar o funil estuarino. Com isso, condições
de salobridade são mais bem desenvolvidas somente na plataforma
continental, já fora do estuário. Assim, com base na geometria, a
desembocadura do rio Amazonas pode ser classificada como um
estuário; porém, esse enquadramento não condiz com a salinidade,
que também é um critério importante na definição de estuários. Um
modelo de sistema deposicional anômalo, como no caso do rio
Amazonas, sem similar no Planeta, ainda não foi desenvolvido.

A análise de alguns produtos de sensoriamento remoto pode revelar


feições estuarinas curiosas que ajudam a decifrar a evolução de
sistemas costeiros. Um bom exemplo disso ocorre no litoral
cearense, onde vários estuários com geometria afunilada –
possivelmente um reflexo de condições passadas dominadas por
processos de maré (Fig. 9.22A) – foram bloqueados por dunas
eólicas recentes, principalmente barcanas, que migram para o
sudoeste (Fig. 9.22B). Esse processo está fazendo com que a
entrada de água salina nos estuários seja interrompida, muitas
vezes restando apenas um estreito canal de ligação com o mar (Fig.
9.22B). A evolução desse processo pode resultar na modificação da
costa, com eventual desaparecimento dos sistemas estua-rinos, que
podem ser preenchidos por sedimentos, ou se transformar em um
lago marginal. Imediatamente ao leste dessa região, ocorre estuário
com geometria afunilada, mas que apresenta, na margem esquerda
de sua extremidade distal, uma barra de areia, que se assemelha às
encontradas em estuário com domínio de onda (Fig. 9.22C). Na
área protegida por trás da barreira, que também apresenta inlet
alongado quase que paralelamente à costa, ocorre um amplo
complexo de planície e canais de maré (Fig. 9.22D). Estuários
similares a esses não se encaixam nos modelosdisponíveis e
constituem um laboratório natural para o desenvolvimento de
estudos que, com a contribuição de dados de sensoriamento remoto
(inclusive considerando-se séries temporais), possam cooperar para
a melhor compreensão da dinâmica de sistemas estuarinos.

9.3.3 Ilha-barreira
A ilha-barreira é um sistema deposicional bastante comum em
muitas costas atuais. O surgimento e a manutenção de ilhas-
barreira em ambientes costeiros são favorecidos em regimes de
micro e mesomaré. De certa forma, esse sistema assemelha-se aos
estuários com domínio de onda, o que, como o próprio nome indica,
deve-se à existência de barreira(s) que se desenvolve(m)
paralelamente à costa. Esse anteparo é importante na obstrução da
água do mar, gerando uma área de baixa energia em seu lado
protegido, onde se desenvolve a laguna. Entretanto, contrariamente
a estuários, ilhas-barreira são produtos de processos inteiramente
marinhos, não possuindo qualquer interação com o sistema fluvial.

Existem várias proposições para a origem de ilhas-barreira, sendo


as mais comuns relacionadas com a emersão de barras de costa-
afora e com o retrabalhamento de depósitos de frente deltaica, ou
topografias preexistentes geradas durante queda do nível relativo do
mar (Leeder, 1999). Independentemente de sua origem, a barreira
representa um acúmulo de areia resultante do retrabalhamento de
sedimentos transportados ao longo da costa pela ação de ondas.
Morfologicamente, essa feição é reconhecida por um cinturão
alongado, mas estreito, de baixa topografia, que permanece acima
do nível da maré alta. Sua superfície pode ser vegetada ou não,
favorecendo, neste último caso, o desenvolvimento de dunas pela
ação do vento.
Fig. 9.22 (A) Imagem TM-Landsat, composição RGB 543 (Inpe), de um setor da
zona costeira cearense, onde existem vários estuários com geometria afunilada,
cujas desembocaduras foram bloqueadas pela migração de dunas no sentido
sudoeste; (B) Detalhe da desembocadura de um estuário (ver localização na
figura A) que foi quase totalmente bloqueada por dunas do tipo barcana, restando
somente um estreito canal de ligação com o mar (setas); (C) Estuário com
geometria afunilada, mas que contém barreira em sua porção distal (seta), como
verificado em estuários com domínio de onda (o quadro localiza a figura D); (D)
Detalhe da figura C, ilustrando a barreira de areia e o extenso complexo de
planície de lama na região atrás da barreira; (B a D, imagens QuickBird, Image
2007 - Digital Globe)

Além da barreira e da laguna, ilhas-barreira são morfologicamente


caracterizadas por uma variedade de outros subambientes, que são
também comuns a estuários dominados por onda. Estes incluem:
inlets, que, nesse caso, funcionam como canais de comunicação
direta entre a laguna e o mar, sendo, portanto, importantes para a
sua manutenção; deltas de maré cheia e vazante; lobos de
transbordamentos; spits; planícies de maré; mangues e canais de
maré, estes últimos, geralmente dispostos paralelamente à costa,
como observado em muitos locais (Nio; Van den Berg; Goesten,
1980; Boothroyd, 1985; Fitzgerald; Penland, 1987). Entretanto,
como não ocorre ligação com canais fluviais, a laguna, embora
possa representar um ambiente de grande estresse (como no caso
de lagunas formadas sob condições climáticas que favoreçam a
evaporação, que resulta na concentração de sais), não é um
ambiente dominado por águas salobras, como no caso dos
estuários.

Com o tempo, ilhas-barreira podem deslocar-se tanto em direção ao


mar (Hoyt, 1967; Carter, 1978; Kraft et al., 1987; Carter et al., 1989)
como em direção ao continente, e essa dinâmica pode ser
perceptível em produtos de sensoriamento remoto, comparando-se
dados de séries temporais longas. Em geral, ilhas-barreira
transgressivas são mais conhecidas (Hoyt, 1967; Leatherman, 1979;
Kraft et al., 1987), o que se deve ao fato de os exemplos de ilhas-
barreira mais estudados serem os da costa atlântica da América do
Norte, onde a natureza dominante é fortemente transgressiva (Kraft;
Chrzastowski, 1985). Entretanto, existem, igualmente, bons
exemplos de costas modernas regressivas que contêm ilhas-
barreira (Bernard; LeBlanc, 1965; Hubbard; Barwis, 1976; Duc; Tye,
1987).

Ilhas-barreira não são comuns no litoral brasileiro. Apesar disso,


muitas costas do território nacional são do tipo com barreiras, o que
favorece o desenvolvimento de bacias com morfologias lagunares
nas áreas por trás das barreiras. Porém, a associação frequente
com sistemas fluviais faz com que esses sistemas deposicionais
sejam classificados, mais apropriadamente, como estuarinos (por
exemplo, a lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul).

9.3.4 Costas lineares (strand-plains e


planícies de maré)
Setores distantes de costas com morfologia em reentrâncias são
caracterizados por segmentos lineares dos tipos planícies de maré
e strand-plains. É importante lembrar que esses ambientes
ocorrem também associados a costas reentrantes, constituindo-se
em subambientes de deltas, estuários e ilhas-barreira. Porém,
distantes desses ou entre esses sistemas, planícies de marés e
strand-plains podem desenvolver-se de forma mais extensiva,
constituindo-se em sistemas deposicionais à parte. Como a
distinção entre esses dois sistemas nem sempre é bem definida,
eles serão tratados conjuntamente neste capítulo, procurando-se
salientar suas principais feições mais características.

Planície de maré
Planícies de maré formam-se em costas planas a suavemente
inclinadas, onde a energia da maré prevalece sobre as ondas,
sendo especialmente características de áreas com regime de
macromaré. A formação desse sistema deposicional deve-se à
diminuição da energia do fluxo do mar para o continente,
funcionando como bacia para acumulação de granulometrias finas,
principalmente lamas, que aumentam em volume nesse sentido. À
medida que as correntes de maré se aproximam de costas lineares,
ou seja, ficam longe da influência de reentrâncias, elas podem
encontrar anteparos naturais, como barras submersas, que freiam
progressivamente sua energia. Lamas acumulam-se naturalmente
na parte superior das planícies de maré, porque sedimentos
lamosos depositam-se na parte superior das planícies durante a
ação de marés de sizígia, onde ficam protegidas de eventuais
ressuspensões por marés subsequentes. Adicionalmente, quando
esses sedimentos são depositados, durante marés cheias, na parte
superior das planícies, raramente eles são retrabalhados pelas
marés vazantes. Isso porque a ação conjunta da força de coesão da
camada, da compactação inicial e da fixação microbial favorece o
seu acúmulo.

A composição argilosa das planícies de maré favorece a percolação


do fluxo em sua superfície, devido à baixa permeabilidade,
resultando no estabelecimento de canais de maré, que podem
formar uma trama meandrante bastante complexa. Esses canais
transportam sedimentos em direção à costa, processo que contribui
para a agradação das planícies de maré.

Planícies de maré são subdivididas em três zonas: inframaré,


intermaré e supramaré. A zona de inframaré corresponde à porção
subaquosa localizada abaixo do limite da maré baixa, dominada por
deposição de sedimentos arenosos, principalmente por acréscimo
lateral, já que nesse local a energia da maré é relativamente maior
que nas outras zonas. A zona de intermaré corresponde à área
entre as marés baixa e alta, onde ocorre a sedimentação por
acréscimo lateral e agradação. A supramaré é a área que se
encontra acima do nível de influência da maré, sendo atingida
somente quando ocorrem marés muito altas ou tempestades.

Em regiões temperadas, a zona de intermaré pode ser ocupada por


plantas tolerantes à salinidade, formando pântanos salinos. Uma
variedade de plantas (árvores e arbustos) tolerantes à salinidade
caracterizam a zona de intermaré em regiões tropicais e
subtropicais, onde formam florestas de manguezais. Essa
vegetação é capaz de se manter em ambientes salinos, por secretar
o excesso de sal através das folhas ou por filtrar o sal em seu
sistema radicular. A vegetação de manguezais é geralmente
composta de Avicinnia e Rhizophora, cujas raízes permanecem, em
grande parte, expostas, conferindo-lhes aparência peculiar flutuante.

Um dos exemplos mais típicos de costa linear em que dominam


extensivas planícies de maré – no Brasil e, talvez, no mundo –
ocorre no Estado do Amapá, onde esse sistema deposicional
desenvolve-se por mais de 400 km de distância. Nessa região,
planícies de maré são interrompidas por estuários estreitos, em
geral com larguras inferiores a 2 km (Fig. 9.23A), prosseguindo por
várias centenas de quilômetros nas costas da Guiana Francesa,
Suriname e Guiana. A ocorrência dessa ampla faixa de planícies de
maré no norte do Brasil e da América do Sul deve-se à imensa
carga sedimentar em suspensão trazida pelo rio Amazonas. Como
mencionado anteriormente, os sedimentos fluviais desse rio não
conseguem se acumular em sua desembocadura, sendo
transportados para o noroeste pela forte Corrente das Guianas (Fig.
9.23A). Como resultado, ocorre o transporte de um elevado volume
de sedimentos, principalmente de argilas em suspensão, que são
finalmente depositados a partir da costa do Amapá para noroeste,
sob a forma de planícies de maré.
Fig. 9.23 (A) Faixa costeira entre o Estado do Amapá, Brasil, e a Venezuela,
caracterizada por extensas planícies de maré em trechos contínuos situados
entre estuários. Essas planícies de maré resultam da introdução de grandes
volumes de argila que provêm do rio Amazonas e são transportados até essas
áreas pela Corrente das Guianas (a seta e o quadro localizam a figura B); (B)
Detalhe da figura A, ilustrando área no litoral do Amapá com larga faixa de
mangue e planície de lama adjacente (o quadro localiza a figura C); (C) Detalhe
de planície de lama associada com planície de maré, mostradas na figura B; (B e
C, imagens QuickBird, Image 2007 - Digital Globe)

As planícies de maré do Amapá apresentam amplos manguezais


(Fig. 9.23B,C), que chegam localmente a mais de 3,5 km de largura,
formando uma faixa extensa desses sistemas, que se estendem
também na direção do sudeste, ao longo das costas dos Estados do
Pará e Maranhão, neste último caso associados com estuários.
Juntos, formam um ecossistema único no Planeta, cuja preservação
é de grande interesse tanto científico e ambiental quanto para a
subsistência das populações locais, que tiram dele seu sustento. O
uso de técnicas de sensoriamento remoto é fundamental no
mapeamento e monitoramento desse imenso ecossistema,
permitindo avaliar mudanças nas taxas de sedimentação e erosão,
em escalas local e regional, causadas por fenômenos naturais e
antrópicos.

Costa retilínea (strand-plain)


Embora frequentemente designados de praias, strand-plains
correspondem a cordões alongados paralelamente à costa, que,
além da frente de praia, incluem a antepraia e diferentes
ambientes por detrás da praia, formados na área correspondente
ao nível da maré baixa e da supramaré, mas onde dominam
processos de ondas normais (Fig. 9.24). Portanto, esse tipo de
sistema é mais comum em porções de costas dominadas por
regimes de micro a mesomaré. Em termos gerais, a antepraia
forma-se em direção ao mar, sendo subaquosa, ou seja, forma-se
abaixo da zona correspondente à inframaré, enquanto a praia e os
ambientes que formam o complexo detrás da praia ocorrem nas
zonas de intermaré e supramaré, respectivamente.

Fig. 9.24 (A) Perfil de costa retilínea (strand-plain), ilustrando seus principais
subambientes, ou seja, os ambientes detrás da praia e frente da praia, este
diretamente conectado com a antepraia (MB = nível da maré baixa; MA = nível da
maré alta); (B) Imagem QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) de um setor de
strand-plain do litoral sul do Rio Grande do Norte, com vários dos subambientes
ilustrados na figura A

O complexo detrás da praia pode ser bastante expressivo em


algumas costas, incluindo dunas eólicas e pequenos lagos, bem
como uma ou mais áreas planas ou suavemente inclinadas em
direção ao continente, denominadas bermas, que se posicionam
entre esses subambientes e a praia logo à frente. A berma pode não
existir em algumas praias, enquanto em outras, há mais de uma.
Além disso, eventos transgressivos podem resultar no deslocamento
de praias em direção ao mar, deixando a antiga praia abandonada
(ou chenier) no ambiente detrás da praia.

Dunas eólicas são abundantes no complexo detrás da praia de


costas lineares distribuídas ao longo de todo o litoral nordeste do
Brasil. Porém, é no Estado do Maranhão que elas melhor se
destacam, formando um extraordinário complexo de dunas e lagos
de interdunas, que caracterizam os Lençóis Maranhenses (Fig.
9.25). Grande parte da areia que mantém as dunas nessa região
provém do retrabalhamento de sedimentos depositados no delta do
Parnaíba, localizado imediatamente ao sudeste.

Uma variação da morfologia das strand-plains ocorre quando


depósitos de praia crescem e se conectam com ilhas pela ação de
correntes litorâneas, geralmente por causa da refração de ondas.
Esse processo resulta na deposição de areia na parte protegida da
ilha, formando uma feição peculiar, designada tombolo, que pode
ocorrer tanto isoladamente como sob a forma de agrupamentos de
duas ou mais barras.

Contrariamente a planícies de maré, as strand-plains caracterizam-


se por seleção gradativa dos sedimentos, em geral areias, com
granulometrias mais finas sendo depositadas em direção ao mar,
uma vez que, quando a onda se aproxima da costa, sua energia
aumenta pelo efeito de fricção de fundo. Entretanto, as litologias
podem variar, dependendo do tipo de fonte de sedimento e energia
da onda, o que pode influenciar a morfologia resultante. As strand-
plains formadas por finos geralmente perfis mais planos do que
aqueles formados por litologias grossas, o que é, principalmente,
visível no ambiente de praia. Da mesma forma, strand-plains que
sofrem efeitos de fortes correntes litorâneas e de ondas de grande
porte, formadas durante tempestades, mostram frequentes
alterações do seu perfil, geradas pelo transporte de sedimentos para
cima e para baixo da face da praia. Porém, quando submetidas
apenas à ação de ondas normais, strand-plains tendem a
permanecer em equilíbrio.

Fig. 9.25 Lençóis Maranhenses: (A) imagem Landsat de parte do complexo de


campo de dunas costeiras e lagoas que compõem os Lençóis (Image 2007 -
Digital Globe); (B) fotografia aérea das dunas e lagoas

Como as alterações no perfil de strand-plains são especialmente


perceptíveis no ambiente de praia, a dinâmica evolutiva desse
sistema pode ser reconstituída por meio de cordões de praia,
comparando-se séries temporais de imagens de sensoriamento
remoto. Estudos desse gênero podem ser, em particular, bem
desenvolvidos ao longo das costas leste e nordeste do Brasil, onde
a ação de ondas normais prevalece sobre as marés. Longe da
desembocadura de rios, essa região caracteriza-se por extensivos
cordões de areia retilíneos ou suavemente curvos. Estes estão em
formação no presente, ou formam feições morfológicas que foram
deixadas para trás em razão de mudanças do nível do mar no
Quaternário, sendo de extrema relevância para a reconstituição da
dinâmica de evolução da costa no tempo, como destacado adiante
(ver seção 9.5).
9.4 Costas Erosivas
Processos erosivos podem causar modificações importantes na
zona costeira, como as que ocorrem nas falésias, que são
abundantes ao longo de todo o litoral brasileiro. Dada a crescente
ocupação da zona costeira, o acompanhamento da velocidade,
intensidade e forma com que atuam os processos erosivos nas
falésias merece atenção. O conhecimento da geologia local e
observações sobre os tipos de rochas existentes ajudam seu
monitoramento. Em geral, falésias constituídas por rochas
resistentes a erosão são mais estáveis, sofrem menos efeito de
retração e menores riscos de desmoronamento. Exemplos desse
tipo são encontrados na região de Torres, no litoral gaúcho, onde as
falésias são formadas por rochas basálticas do Grupo Serra Geral,
da idade Mesozoica.

Falésias constituídas por material friável são altamente suscetíveis à


erosão por processos marinhos ou eólicos. Além disso,
desmoronamentos são comuns durante períodos chuvosos. A
magnitude desses processos pode ser grandemente acelerada em
áreas afetadas por abalos sísmicos. A preocupação com o
monitoramento de falésias suscetíveis a frequentes
desmoronamentos é especialmente grande no Brasil, considerando-
se que estas ocorrem em uma longa faixa litorânea compreendida
entre os Estados do Amapá e Rio de Janeiro. Essas falésias estão
associadas a depósitos altamente friáveis, correspondentes à
Formação Barreiras e aos sedimentos pós-Barreiras. Em razão de
litologias pouco consolidadas, em geral constituídas de arenitos e
argilitos depositados desde o Mioceno, essas falésias são bastante
suscetíveis a processos erosivos, resultantes da ação combinada de
ventos, ondas e correntes de maré (Fig. 9.26A). Além disso, muitas
falésias mostram faces verticais a subverticais (Fig. 9.26B). Estas
são relacionadas com planos de falhas tectônicas, o que favorece
frequentes desmoronamentos.

A destruição dessas falésias no litoral brasileiro ocorre em ritmo


acelerado, fazendo com que a linha de costa seja localmente
deslocada, por várias dezenas ou centenas de metros, em direção
ao continente. À medida que as falésias recuam, ocorrem
desmoronamentos (Fig. 9.26C). A insolação de materiais
desmoronados – que são ricos em constituintes ferruginosos – gera
blocos endurecidos que vão sendo deixados para trás (Fig. 9.26C).
A utilização de dados multitemporais de sensoriamento remoto
permite comparar a configuração da costa em áreas de falésia entre
diferentes anos e estimar taxas de erosão e da frequência dos
desmoronamentos.
Fig. 9.26 Exemplos de falésias desenvolvidas em sedimentos friáveis
(principalmente arenitos e argilitos) da Formação Barreiras de Depósitos Pós-
Barreiras, que caracterizam grande parte do litoral brasileiro: (A) imagem
QuickBird (Image 2007 - Digital Globe) de falésias em processo fortemente
erosivo, no litoral sul do Estado de Alagoas; (B) foto de frente de falésia em
posição quase vertical, no litoral nordeste do Brasil; (C e D) falésias no norte do
Brasil, ilustrando desmoronamentos; e (C) frente recuada devido à erosão,
restando apenas grandes blocos endurecidos e ferrificados que foram deixados
para trás durante o processo de retração da falésia

9.5 Evolução Quaternária da Zona


Costeira
Um aspecto importante a ressaltar é que a zona costeira moderna
não resulta somente de processos atuais, mas reflete um somatório
de eventos ocorridos há pelo menos alguns milhares de anos. Essa
história evolutiva pode ser reconstituída pelo estudo das sucessões
sedimentares, que representam depósitos empilhados verticalmente
à medida que os vários ambientes coexistentes se deslocam
lateralmente, em razão da dinâmica do sistema deposicional e/ou da
variação do nível do mar relativo. Além disso, feições palimpsestas,
isto é, feições morfológicas antigas ainda visíveis na paisagem
atual, ou que foram exumadas à superfície após terem sido
soterradas, fornecem informações que permitem reconstituir
sistemas deposicionais pretéritos. Quando isso ocorre, o
reconhecimento de paleopaisagens é facilitado, uma vez que a
morfologia dos ambientes deposicionais pode ser analisada
diretamente, e não somente interpretada com base em seu produto
sedimentar.

Feições morfológicas desenvolvidas durante o Quaternário são


especialmente passíveis de observação, e isso porque, dado seu
curto tempo de formação, não houve ainda a sua obliteração por
processos erosivos e/ou intempéricos. Dessa forma, o estudo
detalhado de morfologias pretéritas, mas ainda preservadas na
paisagem atual, é de grande valia para a reconstituição da evolução
geológica e geomorfológica da zona costeira.

Dados de sensoriamento remoto podem contribuir efetivamente em


estudos visando à reconstituição da evolução geológica quaternária,
uma vez que eles possibilitam o mapeamento de feições exumadas
ou palimpsestas e de unidades sedimentares com características
morfológicas (elementos de drenagem, relevo etc.) e,
possivelmente, tempo de formação distintos. A análise e a
interpretação dessas feições em imagens de sensoriamento remoto
servem também de base para o estabelecimento de estratégias de
coleta de dados, uma vez que otimizam, tanto em tempo quanto em
custos, as campanhas de campo.

Um tipo importante de forma de relevo que ajuda na reconstituição


da história evolutiva da zona costeira são os terraços marinhos.
Estes registram acúmulos sedimentares, geralmente representativos
de cordões de praias, que vão sendo deixados para trás à medida
que ocorre flutuação do nível do mar. O estudo desses terraços ao
longo do litoral brasileiro vem contribuindo na reconstituição de
ambientes deposicionais costeiros e na história da variação do nível
do mar ao longo do Quaternário (Dominguez; Bittencourt; Martin,
1992; Ângulo; Suguio, 1995).

Além dos terraços marinhos, existem outras feições morfológicas


que ajudam na reconstituição da dinâmica costeira ao longo do
Quaternário. A ilha de Marajó, localizada na desembocadura do rio
Amazonas, constitui-se em um excelente exemplo de feições
morfológicas passadas excepcionalmente bem preservadas na
paisagem atual, fornecendo informações de grande valor para a
reconstituição da evolução histórica da costa norte do Brasil durante
o Quaternário. Essas feições incluem uma variedade de canais que
registram complexos sistemas de passíveis de reconhecimento em
imagens ópticas e de radar, particularmente naquelas obtidas de
dados SRTM (Fig. 9.27A,B), devidamente processados (ver Cap. 3).
Imagens Landsat foram especialmente úteis para revelar, na porção
nordeste dessa ilha, um paleoestuário de grande dimensão, formado
no final do Pleistoceno-Holoceno (Rossetti; Valeriano; Thallês, 2008)
(Fig. 9.27B,C). Esse paleoestuário, cuja morfologia típica em funil
acha-se perfeitamente preservada como feição residual no terreno,
amplifica-se para o norte, terminando em uma paleocosta
posicionada vários quilômetros ao sul da linha de costa atual
(Rossetti; Valeriano; Thallês, 2007).
Fig. 9.27 (A e B) Dados SRTM (Nasa) do sudoeste da ilha do Marajó, Região
Norte do Brasil, onde ocorre uma abundância de feições geomorfológicas
meândricas, associadas a sistemas de drenagens que foram abandonados no
terreno durante o final do Quaternário, deixando-as cobertas por vegetação de
floresta densa (o quadro em A localiza a figura B); (B) Note que o meandro acha-
se ligado a um complexo sistema de tributários excepcionalmente bem
preservados; (C) Imagem Landsat, composição RGB 732 (Inpe), da porção
nordeste da ilha de Marajó e (D) desenho correspondente, mostrando feições
palimpsestas atribuídas a paleoestuário desenvolvido anteriormente ao
estabelecimento do lago Arari

O reconhecimento de um paleoestuário distante da zona costeira


atual na ilha de Marajó é importante para a construção de curvas de
variações do nível do mar relativo, durante o final do Quaternário, na
Região Norte do Brasil. Quando comparadas com curvas geradas
em outras regiões, torna-se possível discutir suas causas, bem
como estabelecer seus padrões de variação. A comparação de
curvas de variações do nível do mar relativo entre várias áreas
costeiras do Brasil permite estabelecer seus padrões de variação
em nível regional, podendo levar a discussões sobre suas possíveis
causas.

Considerações Finais
Os ambientes costeiros são especialmente vulneráveis à ocupação
humana, dada a sua natureza altamente instável, resultante da
grande dinâmica de evolução de seus sistemas deposicionais, tanto
em termos sedimentares quanto erosivos. Essa dinâmica inerente
aos ambientes costeiros vem sendo cada vez mais acentuada, o
que aumenta a preocupação com a tendência atual de elevação do
nível do mar em escala global, resultante do aquecimento global, e a
consequente contração de calotas polares e geleiras alpinas.

A elevação do nível do mar causa problemas frequentes às


populações instaladas em áreas costeiras. Diante de desastres
naturais, essas populações necessitam ser remobilizadas para
locais protegidos, a menos que os ambientes afetados sejam
reconstruídos. A primeira solução é indesejada, tendo em vista que
essas áreas são muito procuradas por seu aspecto recreativo. A
segunda solução vem sendo colocada em prática, nas últimas
décadas, em algumas regiões, com a execução de projetos de
reabastecimento de várias praias. Porém, as modificações da linha
de costa podem ocorrer em intensidade maior do que a capacidade
de sua reposição, geralmente onerosa. A preservação dos
ambientes costeiros requer um grande esforço, visando à
compreensão dos seus processos naturais e ao monitoramento de
eventuais mudanças causadas por impactos naturais e antrópicos.
Planejar a ocupação humana ao longo de áreas costeiras é
fundamental para minimizar o impacto de possíveis catástrofes tanto
para o meio ambiente como para a sociedade. De maneira geral,
isso pode ser alcançado observando-se determinados cuidados. Por
exemplo, construções próximas à costa são mais adequadas
quando realizadas em locais relativamente elevados, distantes da
influência da maré alta normal e de tempestades oceânicas. Costas
vegetadas também minimizam o efeito de erosão, auxiliando na
estabilização de praias. O acompanhamento do efeito de
tempestades e marés anomalamente altas, como no caso da
pororoca, também ajuda a identificar áreas de risco.

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Edison Crepani
José Simeão de Medeiros
Alessandro Ferraz Palmeira
Enio Fraga da Silva
ZONEAMENTO ECOLÓGICO-
10
ECONÔMICO

O objetivo deste capítulo é apresentar uma aplicação da


metodologia de zoneamento ecológico-econômico desenvolvida por
Crepani et al. (2001) visando à gestão territorial. O exemplo aqui
apresentado foi tirado do Banco de Dados Geográficos elaborado
para o Zoneamento Ecológico-Econômico e a Gestão Territorial dos
municípios de Gilbués (destacado neste capítulo) e Monte Alegre do
Piauí (Crepani et al., 2007), pertencentes ao Núcleo Original de
Desertificação de Gilbués-PI (Vasconcelos Sobrinho, 1982) (Fig.
10.1).

Esse banco de dados foi construído a partir de técnicas de


sensoriamento remoto e geoprocessamento com software de
geoprocessamento de distribuição gratuita (Spring), e pode ser
consultado em software de domínio público (TerraView). Ele reúne
132 Planos de Informação (PIs), organizados em 39 categorias.
Além de várias cartas temáticas (Geologia, Geomorfologia, Solos,
Uso da Terra e Cobertura Vegetal, Hidrografia etc.) e do
mapeamento das Áreas de Preservação Permanente (APPs), o
banco contém dados climáticos e hidrogeológicos, bem como
cartas-síntese de vulnerabilidade à perda de solo, da aptidão
agrícola das terras, de incompatibilidade legal, do uso indicado e de
gestão territorial. Ele permite, ainda, uma análise multitemporal da
evolução do processo de degradação e do uso do solo nesses
municípios.

O município de Gilbués está localizado na microrregião do Alto


Médio Gurguéia. A agricultura praticada no município é baseada na
produção sazonal de arroz, cana-de-açúcar, feijão, mandioca, milho
e soja. A altitude da sede de Gilbués é de 481 m. Com um clima
quente e semiúmido, Gilbués tem temperatura mínima de 24˚C e
máxima de 36˚C. A precipitação pluviométrica média anual
(registrada, na sede, 900 mm) é definida no Regime Equatorial
Continental, com isoietas anuais em torno de 800 mm a 1.200 mm e
período chuvoso estendendo-se de novembro-dezembro a abril-
maio. O trimestre mais úmido corresponde aos meses de dezembro,
janeiro e fevereiro (IBGE, 1977).
Fig. 10.1 Localização dos municípios (em rosa) de Gilbués (esquerda) e Monte
Alegre do Piauí (direita), no Núcleo de Desertificação de Gilbués, sul do Estado
do Piauí. Imagem de fundo: SRTM

De um lado, o município de Gilbués sofre as consequências de um


processo de degradação de solos que se manifesta na forma de
erosão em sulcos profundos, atingindo a forma de ravinas e
voçorocas, com intenso transporte de sedimentos pelo sistema de
drenagem, o que causa a redefinição da morfologia fluvial e o
assoreamento dos talvegues, açudes e reservatórios. Tal situação
inviabiliza o uso da terra tradicionalmente exe-cutado na região. De
outro lado, esse município apresenta elevada produtividade para a
soja.

Conviver com essas situações extremas dentro da mesma unidade


político-administrativa configura-se no desafio do desenvolvimento
sustentado, e a receita para vencê-lo passa pelo conhecimento do
território, desde suas características físicas até seu estado atual de
uso, para que se respeitem suas fraquezas e se explorem suas
potencialidades. Nesse contexto, insere-se a construção do Banco
de Dados Geográficos dos municípios de Gilbués e Monte Alegre do
Piauí, visando gerar mapas de subsídio à gestão territorial dessa
área.

10.1 Sensoriamento Remoto e SIG


Na construção do Banco de Dados Geográficos (BDG), foram
utilizadas imagens de diferentes datas, obtidas de diferentes
satélites (Landsat-1, 5 e 7; Cbers-2), além dos dados do Projeto
SRTM (Shuttle Radar Topography Mission). Foram também
utilizados os mosaicos GeoCover Landsat ortorretificados gerados
pela Nasa. A Fig. 10.2 mostra um mosaico de imagens TM-Landsat-
5 antigas (27 de setembro de 1986) e recentes (19 de julho de 2006
e 17 de junho de 2006) da área de estudo.

Algumas mudanças ocorridas ao longo desses 20 anos chamam a


atenção. Interessante notar o crescimento da agricultura
mecanizada no norte da área que, de inexistente em 1986, ocupava
grande parte das chapadas cobertas pela Savana Arborizada em
2006. Não se observa o mesmo comportamento na parte sul da
área, onde ocorrem os processos de degradação do solo, formando
um intenso ravinamento entre as sedes dos municípios de Gilbués e
Monte Alegre do Piauí, e daí para o sul. Nessa área, a mancha de
solo exposto parece ter um comportamento estabilizado que
aparentemente não variou, ou variou muito pouco nas bordas em
direção norte, parecendo manter-se sempre igual nesses 30 anos.
Fig. 10.2 (A) Municípios de Gilbués e Monte Alegre do Piauí representados no
mosaico de imagens TM Landsat-5 de 27 de setembro de 1986, composição
R3G4B5; (B) Municípios de Gilbués e Monte Alegre do Piauí representados no
mosaico de imagens TM Landsat-5 de 19 de julho de 2006 e 17 de junho de
2006, composição R3G4B5. Observe, na parte norte, a expansão da área
ocupada pela agricultura mecanizada

Fig. 10.3 (A) Imagem hipsométrica (SRTM) colorida dos municípios de Gilbués e
Monte Alegre do Piauí, com resolução de 90 m; (B) Imagem hipsométrica (SRTM)
colorida dos municípios de Gilbués e Monte Alegre do Piauí, com resolução de
14,25 m

Os dados SRTM na forma de grades de Modelo Numérico do


Terreno (MNT) foram utilizados para gerar imagens hipsométricas
coloridas, imagens combinadas com imagens Landsat do mosaico
GeoCover, curvas de nível e vetores associados às quebras de
relevo. A Fig. 10.3A mostra a imagem hipsométrica colorida
referente à área que cobre os municípios de Gilbués e Monte Alegre
do Piauí, construída com a grade retangular original de MNT do
Projeto SRTM, com resolução de 90 m. Com base nessa grade,
construiu-se, por refinamento bicúbico, uma nova grade retangular,
com resolução de 14,25 m, que melhora a qualidade para a
interpretação, como pode ser observado comparando-se essa figura
com a Fig. 10.3B. O processo de refinamento de grades do SRTM
está descrito em Crepani e Medeiros (2004). A resolução de 14,25
m foi escolhida por ser a mesma das imagens ortorretificadas ETM+
Landsat-7 do mosaico GeoCover, imagens estas que, integradas
com os dados SRTM, constituem-se na “âncora” do método
utilizado.

A Fig. 10.4 mostra a imagem resultante da combinação entre a


grade SRTM, com resolução de 14,25 m, e a imagem ETM+
Landsat-7 do mosaico GeoCover, referente à área que cobre os
municípios de Gilbués e Monte Alegre do Piauí. Desse modo, é
possível obter não só a informação espectral da vegetação e uso da
terra, mas também a informação topográfica. Observar que nessa
mesma imagem foi superposta a rede de drenagem.

O Plano de Informação (PI) da rede de drenagem foi elaborado a


partir da digitalização, diretamente no monitor via edição vetorial no
Spring, dos canais de drenagem das seis cartas topográficas, na
escala de 1:100.000, que cobrem a área de estudo. Essa
informação foi complementada com a digitalização de canais de
primeira e segunda ordens identificados nas imagens resultantes da
integração dos dados SRTM com o mosaico GeoCover de imagens
ETM+ Landsat-7, utilizado como “âncora” (Jacques et al., 2006).
Esse PI foi utilizado para gerar o PI de Áreas de Preservação
Permanente (APP) de drenagem, nascentes e lagos e lagoas
naturais, de acordo com a legislação pertinente, o Art. 3˚ da
Resolução Conama n˚ 303, que estabelece a largura das faixas
marginais a (ou ao redor de) feições de paisagem (cursos d’água de
larguras variadas, lagos e lagoas naturais e nascentes).
Fig. 10.4 Drenagem dos municípios de Gilbués e Monte Alegre do Piauí. Imagem
de fundo: imagem combinada SRTM/GeoCover ETM+

As grades de MNT do SRTM podem ser usadas também na geração


de curvas de nível, que ajudam na interpretação das imagens e
descrição do relevo. A Fig. 10.5 mostra as curvas de nível, com
equidistância de 20 m, geradas a partir da grade com resolução
modificada para 14,25 m de parte dos municípios de Gilbués e
Monte Alegre do Piauí. Essas curvas guardam alta correlação com
as curvas de nível das cartas topográficas oficiais.

Outro uso para os dados de MNT do SRTM é a geração automática


das quebras de relevo positivas e negativas e das classes de
declividade que permitiram demarcar as APPs de escarpas e bordas
de tabuleiros e chapadas (Crepani; Medeiros, 2007). As definições
adotadas para escarpas e tabuleiros ou chapadas são aquelas da
Resolução Conama n˚ 303, de 20 de março de 2002.

As APPs de escarpas correspondem à rampa de terrenos com


inclinação igual ou superior a 45˚, que delimitam relevos de
tabuleiro, chapada e planalto, estando limitada no topo pela ruptura
positiva de declividade (linha de escarpa) e no sopé por ruptura
negativa de declividade, englobando os depósitos de colúvio que se
localizam próximo ao sopé da escarpa. As APPs de bordas de
tabuleiros e chapadas (definidas como paisagem de topografia
plana, com declividade média inferior a 10% – aproximadamente 6˚
– e superfície superior a 10 hectares, terminada de forma abrupta
em escarpa, caracterizando-se a chapada por grandes superfícies a
mais de 600 m de altitude) correspondem a uma faixa de 100 m em
projeção horizontal no sentido do reverso da escarpa, marcada a
partir da linha de ruptura. As Figs. 10.6 e 10.7 mostram exemplos de
APPs de relevo, e a Fig. 10.8 apresenta APPs de relevo e
drenagem.

Fig. 10.5 Serra da Mangaba, divisa dos municípios de Gilbués e Monte Alegre do
Piauí. Curvas de nível com equidistância de 20 m. Imagem de fundo: imagem
hipsométrica SRTM
Fig. 10.6 Detalhe de APP de escarpas do município de Monte Alegre do Piauí.
Imagem de fundo: SRTM

Fig. 10.7 Detalhe das APPs de bordas de tabuleiros e chapadas do município de


Gilbués, em área ocupada pela agricultura mecanizada. Imagem de fundo:
imagem SRTM+ mosaico Landsat GeoCover
Em qualquer banco de dados geográficos é comum a coexistência
de mapas vetoriais e imagens. O que não é comum é a perfeita
harmonia entre esses dados, isto é, nem sempre os vetores
referentes às classes temáticas se apresentam localizados
exatamente onde deveriam estar, quando examinados sobre
imagens ortorretificadas, como as do mosaico GeoCover. Esse
problema ocorre porque esses vetores geralmente são criados a
partir da digitalização de linhas de mapas preexistentes, de variadas
esca-las, que foram construídos em épocas diferentes, usando
como referência pro-dutos fotográficos antigos, com nenhuma ou
pouca correção, além da interferência do intérprete e da
digitalização. Isso dificulta a integração e análise dos dados,
principalmente quando são utilizados os Sistemas de Informações
Geográficas (SIG).

Uma alternativa na solução desse problema é a geração automática


de vetores das quebras de relevo (positivas e negativas), a partir de
grades refinadas de MNT do Projeto SRTM, e a interpretação de
imagens Landsat georreferenciadas com base nos mosaicos
ortorretificados GeoCover, bem como o uso do próprio mosaico. Na
Fig. 10.9, por exemplo, podem ser comparados vetores criados
automaticamente a partir de dados SRTM e da digitalização do
mapa geomorfológico preexistente.

A Fig. 10.9 mostra que não há uma alta correlação entre os limites
das classes temáticas (vetores) digitalizados de mapas
preexistentes com aqueles referentes a essas classes observados
na imagem ortorretificada e georreferenciada. Essa correlação,
porém, existe entre as quebras de relevo (positivas e negativas)
geradas automaticamente. A referida falta de correlação não
significa que os dados preexistentes tenham má qualidade, mas por
serem oriundos de mapeamentos realizados com métodos, escalas
e épocas diferentes, não se observa a correlação. Isso indica que
eles podem e precisam ser reinterpretados e corrigidos para
posterior aplicação de modelos de análise integrada da paisagem.
Fig. 10.8 APPs de drenagem e nascentes (linhas vermelhas) de escarpas (linhas
pretas) e de bordas de tabuleiros e chapadas (linhas brancas), em área ocupada
pela agricultura mecanizada. Linhas azuis: drenagem. Estrelas azuis: nascentes.
Imagem de fundo: imagem SRTM+ Landsat GeoCover
Fig. 10.9 Detalhe do mapa geomorfológico do município de Gilbués. Vetores
gerados de dados SRTM (linhas pretas) e de mapa geomorfológico (Projeto
Radam, 1973) preexistente (linhas brancas). Imagem de fundo: imagem
combinada SRTM/mosaico GeoCover ETM+

10.2 Mapas Temáticos


O mapa geológico do município de Gilbués foi obtido com base na
interpretação de imagens dos mosaicos GeoCover, da definição das
quebras de relevo – feições onde ocorrem os contatos litológicos
(quebras negativas), geradas automaticamente dos dados SRTM –,
e com base nas informações bibliográficas sobre as unidades
estratigráficas encontradas em Gonçalves (2006).

O município de Gilbués localiza-se, em sua maior parte, na bacia


intracratônica do Parnaíba, também conhecida como bacia do
Maranhão ou do Meio-Norte, posicionada entre as faixas de
dobramentos que bordejam os crátons de São Francisco, São Luís e
o Amazônico. A bacia do Maranhão tem idade sobretudo
paleozoica, embora depósitos mesozoicos pouco espessos cubram
grandes áreas. A espessura sedimentar máxima atinge pouco mais
de 3.000 m, dos quais 2.500 m são paleozoicos, e o restante,
mesozoico. Na área do município de Gilbués, a bacia do Parnaíba é
constituída pelas unidades litoestratigráficas descritas no Quadro
10.1 e representadas no mapa geológico da Fig. 10.10.

QUADRO 10.1 UNIDADES LITOESTRATIGRÁFICAS


GRUPO CANINDÉ (DEVONIANO-CARBONÍFERO), REPRESENTADO PELA FORMAÇÃO:
de idade mississipiana (Carbonífero Inferior), formada
por arenitos finos a médios, cinza, róseos ou
esbranquiçados, friáveis, com estratificação cruzada
Poti (C1po): tabular. Intercalam-se com siltitos laminados, de
coloração creme-amarelada a avermelhada. Ambiente
deposicional: deltaico e litorâneo. Ocupa a parte leste
do município de Gilbués.
GRUPO BALSAS (CARBONÍFERO-PERMIANO-TRIÁSSICO), REPRESENTADO PELAS
FORMAÇÕES:

arenitos cinza-esbranquiçados, finos a


médios, eventualmente conglomeráticos, com
intercalações de siltitos, folhelhos e calcários.
Caracterizam-se como extensos chapadões
de topos planos e escarpas festonadas,
Piauí (C2pi):
modelados nos arenitos. Ambiente
deposicional: continental fluvial e litorâneo
com intercalações marinhas. Ocupa a maior
parte da região centro-oeste do município de
Gilbués.
constituída de arenitos finos a médios, amarelados,
folhelhos cinzentos, calcários e anidritas. Caracteriza-se
pela abundância de nódulos e camadas de sílex, além
de troncos silicificados (petrificados). Apresenta-se sob
Pedra de Fogo a forma de extensas chapadas e mesetas isoladas,
(P12pf): devido ao caráter resistente à erosão propiciado pelos
contínuos níveis de silexito que formam a parte superior
dos platôs. Ambiente deposicional: marinho raso a
litorâneo, em condições semiáridas a áridas. Ocupa
toda a área norte do município de Gilbués.
Sambaíba (T12s): arenitos róseos e amarelados, principalmente
finos a médios, bem selecionados.
Frequentemente se mostram silicificados no
topo, pela ocorrência de derrames basálticos
sobrepostos, tornando-os resistentes à
erosão, formando mesetas e chapadões em
destaque topográfico. Ambiente deposicional:
desértico, dunas eólicas. Aparece apenas em
uma mancha a oeste do município de Gilbués.
Uma pequena parte do município de Gilbués
localiza-se na bacia sedimentar
Sanfranciscana, cujos sedimentos afloram no
sul do Piauí, estendendo-se sob a chapada
das Mangabeiras. A essa bacia pertencem os
seguintes grupos de idade cretácea:
arenitos finos a grossos e conglomerados. Aflora no
Urucuia (K2u): extremo sul do município de Gilbués. Ambiente
deposicional: fluvial com contribuição eólica.
conglomerados na base, passando a arenitos
médios a grosseiros e siltitos. Ocupa todo o
centro-sul do município de Gilbués,
Areado (K1a): bordejando as áreas de ocorrência do Grupo
Urucuia. Ambiente deposicional: fluvial,
deltaico, lacustre e eólico, em clima desértico
a semiárido.

O mapa geomorfológico do município de Gilbués foi obtido


utilizando-se o mesmo procedimento adotado para o mapa
geológico: geração automática das quebras positivas e negativas de
relevo (feições onde ocorrem os contatos geomorfológicos), a partir
dos dados SRTM, e definição da legenda das unidades com base
nas informações bibliográficas do Projeto Radam (1973) e de Rivas
et al. (1996). O município de Gilbués localiza-se na depressão
Sertaneja que bordeja o planalto ocidental do médio São Francisco.
A área desse município contém as unidades geomorfológicas
descritas no Quadro 10.2 e representadas na Fig. 10.11.
Fig. 10.10 Mapa geológico do município de Gilbués

Na elaboração do mapa de solos do município de Gilbués, adotou-


se o mesmo procedimento usado para os mapa geológico e
geomorfológico. Assim, a partir dos dados SRTM, delimitaram-se
automaticamente as quebras positivas e negativas de relevo. Essas
feições, onde muda a declividade do terreno e ocorrem os contatos
geológicos, têm importância fundamental na definição dos limites
entre as associações de solos. A definição dessas associações
baseou-se nas informações bibliográficas encontradas em Jacomine
et al. (1986). Em Gilbués, ocorrem as associações de solos
descritas no Quadro 10.3 e representadas no mapa da Fig. 10.12.
QUADRO 10.2 UNIDADES GEOMORFOLÓGICAS
Superfícies tabulares estruturais na forma de chapadas
cuestiformes submetidas a processos de pedimentação,
situadas em níveis altimétricos por volta de 600 m,
Pgi caracterizadas por topos planos e regulares, com declives de 0˚
a 2˚, modelados em arenitos, siltitos e folhelhos, conservados
devido ao caráter resistente à erosão propiciado pelos contínuos
níveis de silexito que formam a parte superior dos platôs.
Vale interplanáltico pedimentado situado em cotas
altimétricas de 400 m a 500 m, na forma de rampas
Pvi com declives de 2˚ a 5˚, modeladas em arenitos,
siltitos e folhelhos inumados por coberturas
arenoargilosas.
Superfícies tabulares estruturais na forma de rampas
pedimentadas, modeladas em arenitos, siltitos e folhelhos,
Pri
situadas em cotas ao redor de 400 m, com declives de 2˚ a 5˚,
inumados por coberturas arenoargilosas.
Testemunhos em dissecação de antigas superfícies
de erosão, com topo tabular na forma de patamares
Ppm
e mesas, modelados em arenitos, siltitos e folhelhos,
em cotas altimétricas entre 500 m e 600 m.
Escarpas com declives de 24˚ a 37˚, elaboradas por erosão
diferencial em arenitos, siltitos e folhelhos, dissecadas por
Der processos de escoamento concentrado que produzem
ravinamento, desmoronamento de blocos e solapamento de
vertentes.
Rampas dissecadas por canais de primeira ordem,
ressaltando feições de topo convexo, em cotas
Dc
altimétricas ao redor de 400 m, em arenitos,
folhelhos e siltitos, com declives de 5˚ a 11˚.
Relevo residual formando cristas e lombas com vertentes de
Dac declives de 5˚ a 11˚, modelado em arenitos, siltitos e folhelhos,
em cotas altimétricas ao redor de 500 m.
Dhr Rampas extremamente dissecadas em ravinas e
voçorocas, por processos de escoamento
concentrado facilitados pela retirada da cobertura
vegetal por atividades antrópicas, em cotas
altimétricas ao redor de 400 m, esculpidas em
arenitos, siltitos, argilitos e calcários.
Dpb Dissecação em bordas de patamares e mesas.
Da Dissecado em cristas aguçadas.
Dt Dissecado em feições de topo tabular.

Fig. 10.11 Mapa geomorfológico do município de Gilbués

QUADRO 10.3 ASSOCIAÇÕES DE SOLOS


AQ2 AREIAS QUARTZOSAS + LATOSSOLO AMARELO de
textura média, ambos na fase cerrado subcaducifólio
e/ou cerrado subcaducifólio/caatinga + GRUPO
INDISCRIMINADO de PODZÓLICO ACINZENTADO Tb
com fragipan de textura arenosa/média e AREIAS
QUARTZOSAS HIDROMÓRFICAS e GLEISSOLO Tb
de textura indiscriminada, todos na fase cerrado
subcaducifólio e floresta subcaducifólia/cerrado com
buriti, todos ÁLICOS e DISTRÓFICOS A fracos e
moderados fase relevo plano.
AREIAS QUARTZOSAS + LATOSSOLO AMARELO de textura
média, ambos ÁLICOS e DISTRÓFICOS A fracos e moderados na
AQ3
fase cerrado subcaducifólio e cerrado subcaducifólio/caatinga com
relevo plano e suave ondulado.
LATOSSOLO AMARELO na fase relevo plano +
LATOSSOLO AMARELO na fase pedregosa
(concrecionária) III com relevo plano e suave ondulado,
LA3
ambos ÁLICOS e DISTRÓFICOS A moderados e de
proeminente textura média e argilosa na fase cerrado
subcaducifólio.
LATOSSOLO AMARELO ÁLICO e DISTRÓFICO A moderado de
LA13
textura média na fase cerrado subcaducifólio com relevo plano.
LATOSSOLO AMARELO de textura média + AREIAS
QUARTZOSAS + PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO
Tb de textura média e textura arenosa/média, todos
LA25 ÁLICOS e DISTRÓFICOS A fracos e moderados na fase
cerrado subcaducifólio e/ou cerrado
subcaducifólio/caatinga com relevo plano ou plano e
suave ondulado.
LATOSSOLO AMARELO de textura média + AREIAS
QUARTZOSAS, ambos A fracos e moderados na fase relevo plano
e suave ondulado + GRUPO INDISCRIMINADO de PODZÓLICO
VERMELHO-AMARELO, plíntico e não plíntico, e PODZÓLICO
ACINZENTADO com e sem fragipan, ambos Tb de textura arenosa
e média/média e argilosa e AREIAS QUARTZOSAS
LA26
HIDROMÓRFICAS, todos A moderados e na proeminente fase
relevo plano + PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO
CONCRECIONÁRIO A moderado de textura média e média/argilosa
na fase relevo suave ondulado e ondulado, todos ÁLICOS e
DISTRÓFICOS na fase cerrado subcaducifólio e/ou cerrado
subcaducifólio/floresta caducifólia.
LA28 LATOSSOLO AMARELO de textura média + AREIAS
QUARTZOSAS, ambos ÁLICOS e DISTRÓFICOS +
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO Tb DISTRÓFICO
e EUTRÓFICO, plíntico e não plíntico, de textura
arenosa e média/média e argilosa, todos na fase relevo
plano e suave ondulado + GRUPO INDISCRIMINADO
de PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO
CONCRECIONÁRIO DISTRÓFICO e EUTRÓFICO raso
e não raso, plíntico e não plíntico, de textura média e
média/argilosa na fase relevo suave ondulado e
ondulado e SOLOS LITÓLICOS ÁLICOS,
DISTRÓFICOS e EUTRÓFICOS de textura média e
arenosa na fase pedregosa e rochosa com relevo suave
ondulado e ondulado com substrato arenito e siltito,
todos A fracos e moderados na fase caatinga
hipoxerófila e/ou caatinga/cerrado caducifólio.
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO CONCRECIONÁRIO ÁLICO,
DISTRÓFICO e EUTRÓFICO plíntico e não plíntico, de textura
média e média/argilosa na fase relevo suave ondulado e ondulado +
SOLOS LITÓLICOS ÁLICOS DISTRÓFICOS e EUTRÓFICOS de
PV18 textura arenosa e média na fase pedregosa e rochosa com relevo
suave ondulado e ondulado com substrato arenito, siltito e folhelho +
LATOSSOLO AMARELO ÁLICO e DISTRÓFICO de textura média
na fase relevo plano e suave ondulado, todos A moderados na fase
caatinga hipoxerófila e/ou caatinga/cerrado caducifólio.
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO Ta e Tb
EUTRÓFICO de textura média/argilosa e muito argilosa
+ PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO Tb
EUTRÓFICO e DISTRÓFICO, plíntico e não plíntico, de
PE3 textura arenosa e média/média e argilosa +
LATOSSOLO AMARELO ÁLICO, DISTRÓFICO e
EUTRÓFICO de textura média, todos A moderados na
fase caatinga hipoxerófila e caatinga/cerrado caducifólio
com relevo plano e suave ondulado.
PE5 GRUPO INDISCRIMINADO de PODZÓLICO VERMELHO-
AMARELO Ta EUTRÓFICO, raso e não raso, e BRUNO NÃO
CÁLCICO, ambos de textura média e média/argilosa na fase
pedregosa II e não pedregosa + PODZÓLICO VERMELHO-
AMARELO Tb EUTRÓFICO e DISTRÓFICO, plíntico e não plíntico,
de textura arenosa e média/média e argilosa + SOLOS LITÓLICOS
ÁLICOS DISTRÓFICOS e EUTRÓFICOS de textura arenosa e
média na fase pedregosa e rochosa com substrato arenito, siltito e
folhelho, todos A fracos e moderados na fase erodida caatinga
hipoxerófila e caatinga/cerrado caducifólio com relevo suave
ondulado ou suave ondulado e ondulado.
SOLOS LITÓLICOS de textura média e arenosa na fase
pedregosa e rochosa com substrato arenito e/ou siltito +
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO
CONCRECIONÁRIO, raso e não raso, plíntico e não
plíntico, de textura média e média/argilosa, ambos na
fase erodida e não erodida, com relevo suave ondulado
R6 a forte ondulado + GRUPO INDISCRIMINADO de
LATOSSOLO AMARELO de textura média e argilosa e
AREIAS QUARTZOSAS, ambos na fase relevo plano e
suave ondulado, todos ÁLICOS e DISTRÓFICOS A
moderados e fracos na fase cerrado subcaducifólio e/ou
cerrado subcaducifólio/caatinga e/ou cerrado
subcaducifólio/floresta subcaducifólia.
SOLOS LITÓLICOS de textura média e arenosa na fase pedregosa
e rochosa com relevo ondulado a montanhoso com substrato arenito
+ PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO CONCRECIONÁRIO, raso
e não raso, plíntico e não plíntico, de textura média e média/argilosa
R7
na fase relevo suave ondulado e forte ondulado, ambos ÁLICOS e
DISTRÓFICOS A moderados e fracos na fase erodida e não
erodida, cerrado subcaducifólio e/ou cerrado subcaducifólio/caatinga
+ AFLORAMENTO de ROCHA.
SOLOS LITÓLICOS de textura média e arenosa na fase
pedregosa e rochosa com substrato arenito, siltito e/ou
folhelho + PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO
CONCRECIONÁRIO, raso e não raso, plíntico e não
plíntico, de textura média e média/argilosa, ambos
ÁLICOS, DISTRÓFICOS e EUTRÓFICOS A moderados
R18
e fracos na fase erodida e não erodida, com relevo
suave ondulado a forte ondulado + LATOSSOLO
AMARELO ÁLICO e DISTRÓFICO de textura média na
fase relevo plano e suave ondulado, todos A moderados
e fracos na fase caatinga hipoxerófila e/ou
caatinga/cerrado caducifólio.
R20 SOLOS LITÓLICOS de textura média e arenosa na fase pedregosa
e rochosa com relevo ondulado a montanhoso com substrato
arenito, siltito e/ou folhelho e/ou quartzito + PODZÓLICO
VERMELHO-AMARELO CONCRECIONÁRIO, raso e não raso,
plíntico e não plíntico, de textura média e média/argilosa na fase
relevo suave ondulado a forte ondulado, ambos ÁLICOS,
DISTRÓFICOS e EUTRÓFICOS A moderados e fracos na fase
erodida e não erodida, caatinga hipoxerófila e/ou caatinga/cerrado
caducifólio + AFLORAMENTO de ROCHA.

Fig. 10.12 Mapa de solos do município de Gilbués

Fig. 10.13 Mapa de uso da terra e cobertura vegetal do município de Gilbués


O mapa de uso da terra e cobertura vegetal, contendo
informações atuais do município de Gilbués, foi gerado por meio de
técnicas de processamento digital de imagens TM-Landsat-5 e
segundo a metodologia descrita em Palmeira (2004); Palmeira,
Crepani e Medeiros (2005) e Duarte et al. (1999). A legenda e as
descrições utilizadas para identificar as classes de uso da terra e
cobertura vegetal, definidas pela classificação, foram adaptadas de
IBGE (1991); Veloso, Rangel Filho e Lima (1991) e Codevasf (2006).
As classes definidas são as representadas na Fig. 10.13 e descritas
no Quadro 10.4.

10.3 Vulnerabilidade à Perda de


Solo
A metodologia de mapeamento da vulnerabilidade de paisagens à
perda de solo adotada neste estudo é a desenvolvida por Crepani et
al. (1996), com o objetivo de subsidiar o Zoneamento Ecológico-
Econômico. Essa metodologia é fundamentada no conceito de
Ecodinâmica (Tricart, 1977) e na potencialidade das imagens de
satélite para estudos integrados, as quais permitem visão sinótica,
repetitiva e holística da paisagem.

QUADRO 10.4 CLASSES DEFINIDAS


Corresponde às áreas de instalação do agronegócio:
grandes áreas ocupadas pela agricultura moderna, com alto
nível tecnológico e com aplicação intensiva de capital e de
Am Agricultura resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e
mecanizada conservação das condições das terras e das lavouras. A
motomecanização ocorre nas diversas fases do processo
agrícola. Localiza-se preferencialmente nas áreas planas
das chapadas.
Ag Corresponde às áreas ocupadas pela pecuária e
Agropecuária agricultura de subsistência tradicionais,
localizadas preferencialmente nas terras baixas.
A individualização das áreas de uso da terra
tradicional nas imagens analisadas é
extremamente difícil, por causa da falta de um
padrão de resposta espectral definido. As áreas
usadas como pastagem e as áreas de vegetação
de savana e savana estépica confundem-se e
não apresentam limites bem definidos, o que
impossibilita sua separação. As áreas
identificadas e mapeadas correspondem a áreas
de desbaste recente com padrão característico de
resposta espectral.
Contato savana/savana estépica – Corresponde às áreas
ST Ecótono onde ocorre a mistura florística entre os tipos de vegetação
de savana e savana estépica.
Corresponde à vegetação desenvolvida em áreas
Fg Floresta de
de influência direta da umidade proporcionada
galeria
por fontes, rios, represas e outros corpos d’água.
Corresponde às áreas cobertas por nuvens na data das
Nuvem
imagens utilizadas.
Sd Savana Fisionomia típica e característica de áreas
florestada areníticas lixiviadas com solos profundos em
(Cerradão) clima tropical eminentemente estacional.
Sa Savana Mesma composição florística da savana florestada, com
arborizada ecótipos característicos da região Nordeste (Maranhão,
(Campo-cerrado) Piauí e Ceará).
Cobertura vegetal de natureza antrópica
Sp Savana
constituída por estrato graminoide entremeado
parque
por arbustos com menos de 2 m de altura.
Vegetação caracterizada por arbustos com 2 m a 5 m de
Ta Savana
altura, exibindo claros entre eles, com grossos troncos e
estépica
esgalhamento bastante ramificado, em geral providos de
arborizada
espinhos e/ou acúleos, com total decidualidade na época
(Caatinga)
desfavorável.
Tp Savana Vegetação caracterizada por arbustos com
estépica menos de 2 m de altura, bastante espaçados
parque entre si, sobre denso tapete gramíneo-lenhoso.
(Caatinga do
sertão árido)
Corresponde às áreas que apresentam padrão de resposta
Sexp Solo exposto espectral com pouquíssima ou nenhuma participação da
componente vegetação.
Corresponde às áreas cobertas por água nas
Água
imagens utilizadas.
Corresponde à área ocupada pela sede do município de
Área urbana
Gilbués.

A delimitação das unidades de paisagem sobre uma imagem de


satélite permite o acesso às relações de causa e efeito entre os
elementos que a compõem, oferecido pelas diferentes resoluções
(espacial, espectral, temporal e radiométrica) da imagem. Do
contrário, a simples justaposição de informações em SIG, gerada
com base em dados de diferentes escalas, épocas e metodologias
de trabalho, nem sempre apresenta relações coerentes entre si.

A vulnerabilidade à perda de solo das unidades de paisagem é


avaliada a partir da caracterização morfodinâmica dessas unidades,
segundo critérios baseados na Ecodinâmica de Tricart (1977), que
estabelece as seguintes categorias morfodinâmicas:

meios estáveis: cobertura vegetal densa; dissecação moderada;


e ausência de manifestações vulcânicas;
meios intergrades: equilíbrio entre as interferências
morfogenéticas e pedogenéticas;
meios fortemente instáveis: condições bioclimáticas agressivas,
com ocorrências de variações fortes e irregulares de ventos e
chuvas; relevo com vigorosa dissecação; presença de solos rasos;
inexistência de cobertura vegetal densa; planícies e fundos de vales
sujeitos a inundação; e geodinâmica interna intensa.

Os critérios desenvolvidos por Crepani et al. (1996), fundamentados


nesses princípios, permitiram a criação de um modelo no qual se
buscou a avaliação, de forma relativa e empírica, do estágio de
evolução morfodinâmica da unidade de paisagem, denominada
Unidade Territorial Básica (UTB). Desse modo, os valores de
estabilidade foram atribuídos às categorias morfodinâmicas,
conforme apresentado na Tab. 10.1. Nessa análise, quando
predomina a morfogênese, prevalecem os processos erosivos,
modificadores do relevo, e quando predomina a pedogênese,
prevalecem os processos formadores do solo.

A partir dessa primeira aproximação, esses autores procuraram


contemplar uma maior variedade de categorias morfodinâmicas, de
forma a construir uma escala de vulnerabilidade à perda de solo
para situações que ocorressem naturalmente. Desenvolveu-se,
então, o modelo mostrado na Tab. 10.2, que estabelece 21 classes
de vulnerabilidade à perda de solo, distribuídas entre as situações
em que há o predomínio dos processos de pedogênese (às quais se
atribuem valores próximos de 1,0), passando por situações
intermediárias (às quais se atribuem valores ao redor de 2,0) e
situações de predomínio dos processos de morfogênese (às quais
se atribuem valores próximos de 3,0). Na escolha das cores,
obedeceram-se aos critérios de comunicação visual, que buscam
associar às cores “quentes” e seus matizes (vermelho, amarelo e
laranja), situações de emergência, e às cores “frias” e seus matizes
(azul, verde), situações de tranquilidade.

10.3.1 Análise da vulnerabilidade da


Geologia
A contribuição da Geologia para a análise e definição da categoria
morfodinâmica da unidade de paisagem compreende as
informações relativas à história da evolução geológica do ambiente
onde a unidade se encontra e ao grau de coesão das rochas que a
compõem. Por grau de coesão da rocha entende-se a intensidade
da ligação entre os minerais ou partículas que a constituem. Esse
grau é a informação básica da Geologia a ser integrada a partir da
Ecodinâmica, uma vez que, em rochas pouco coesas, prevalecem
os processos modificadores das formas de relevo, enquanto nas
rochas bastante coesas, prevalecem os processos de formação de
solos. Na Tab. 10.3, é apresentada a posição das rochas mais
comumente encontradas na superfície terrestre, dentro da escala de
vulnerabilidade à perda de solo relacionada à denudação
(intemperismo + erosão).

TAB. 10.1 AVALIAÇÃO DA ESTABILIDADE DAS CATEGORIAS MORFODINÂMICAS


CATEGORIA MORFODINÂMICA RELAÇÃO PEDOGÊNESE/MORFOGÊNESE VALOR
Estável Prevalece a pedogênese 1,0
Intermediária Equilíbrio pedogênese/morfogênese 2,0
Instável Prevalece a morfogênese 3,0
Fonte: Crepani et al. (1996).
TAB. 10.2 ESCALA DE VULNERABILIDADE À PERDA DE SOLO DAS UNIDADES DE
PAISAGEM

Fonte: Crepani et al. (1996).

10.3.2 Análise da vulnerabilidade da


Geomorfologia
Para estabelecer os valores da escala de vulnerabilidade para as
unidades de paisagem com relação à Geomorfologia, são
analisados os seguintes índices morfométricos do terreno:
dissecação do relevo pela drenagem, amplitude altimétrica e
declividade. A intensidade de dissecação do relevo pela drenagem
está diretamente ligada à porosidade e à permeabilidade do solo e
da rocha. A amplitude altimétrica, que está relacionada com o
aprofundamento da dissecação, é um indicador da energia potencial
disponível para o runoff. A declividade, inclinação do relevo em
relação ao horizonte, tem relação direta com a velocidade de
transformação da energia potencial em energia cinética e, portanto,
com a velocidade das massas de água em movimento responsáveis
pelo runoff. As Tabs. 10.4, 10.5 e 10.6 mostram 21 valores da escala
de vulnerabilidade, respectivamente para a intensidade de
dissecação do relevo (amplitude interfluvial), amplitude altimétrica e
declividade das encostas.

Após a determinação dos valores de vulnerabilidade à perda de solo


referentes a cada índice morfométrico, a vulnerabilidade da UTB
com relação à Geomorfologia pode ser definida, empírica e
relativamente, pela equação 1:

TAB. 10.3 ESCALA DE VULNERABILIDADE À DENUDAÇÃO DAS ROCHAS MAIS


COMUNS

em que:
R – vulnerabilidade para o tema Geomorfologia;
G – vulnerabilidade atribuída ao Grau de Dissecação;
A – vulnerabilidade atribuída à Amplitude Altimétrica;
D – vulnerabilidade atribuída à Declividade.

10.3.3 Análise da vulnerabilidade do solo


A causa principal da erosão hídrica, seja laminar, em sulcos ou
ravinas, é a ação da chuva sobre o solo. A chuva é o agente ativo
da erosão, e o solo é o agente passivo. O termo erodibilidade refere-
se à capacidade de um determinado solo resistir à erosão. A
erodibilidade de um solo é função das suas condições internas ou
intrínsecas, como sua composição mineralógica e granulométrica e
suas características físicas e químicas, bem como das suas
condições externas ou dos atributos da superfície do solo,
relacionados ao seu manejo.

TAB. 10.4 VALORES DE VULNERABILIDADE PARA A INTENSIDADE DE


DISSECAÇÃO DO RELEVO (AMPLITUDE INTERFLUVIAL)

Na análise da vulnerabilidade do solo, considera-se o seu grau de


maturidade produto direto do balanço morfogênese/pedogênese. Ela
indica claramente se prevalecem os processos erosivos da
morfogênese, que geram solos jovens, pouco desenvolvidos, ou se,
no outro extremo, as condições de estabilidade permitem o
predomínio dos processos de pedogênese, gerando solos maduros,
profundos, lixiviados e bem desenvolvidos. Nas unidades de
paisagem em que ocorrem associações de solos, é feita uma
ponderação em função da proporção dos componentes da
associação registrada. A Tab. 10.7 mostra os valores de
vulnerabilidade atribuídos aos principais tipos de solos.

TAB. 10.5 VALORES DE VULNERABILIDADE PARA A AMPLITUDE ALTIMÉTRICA

TAB. 10.6 VALORES DE VULNERABILIDADE PARA A DECLIVIDADE DAS


ENCOSTAS

10.3.4 Análise da vulnerabilidade da


cobertura vegetal e do uso da terra
Compete à cobertura vegetal um papel importante no trabalho de
retardar o ingresso das águas provenientes das precipitações
pluviais nas correntes de drenagem, pelo aumento da capacidade
de infiltração. A infiltração diminui o escoamento superficial e,
consequentemente, a capacidade de erosão, pela transformação de
energia potencial em energia cinética. A participação da cobertura
vegetal na caracterização morfodinâmica da unidade de paisagem
está, portanto, diretamente ligada à sua capacidade de proteção.
Assim, aos processos morfogenéticos relacionam-se as coberturas
vegetais de densidade (cobertura do terreno) mais baixa, enquanto
os processos pedogenéticos ocorrem em situações em que a
cobertura vegetal mais densa permite o desenvolvimento e a
maturação do solo. A Tab. 10.8 mostra os valores de vulnerabilidade
estabelecidos para a cobertura vegetal, numa comparação entre as
legendas inicial e atual do Projeto RadamBrasil (Mapa
Fitoecológico) para a região da bacia do Parnaíba, e aplicados neste
estudo.

Às feições individualizadas de floresta de galeria foi atribuído o valor


2,2. Às feições de uso da terra foram atribuí-dos os seguintes
valores: agricultura mecanizada = 2,7; agropecuária = 3,0. Portanto,
para as áreas com alta densidade de cobertura vegetal, são
atribuídos menores valores de vulnerabilidade; já para as áreas com
baixa densidade de cobertura vegetal e maior intensidade de uso da
terra, atribuem-se os maiores valores de vulnerabilidade.

TAB. 10.7 VALORES DE VULNERABILIDADE DOS SOLOS


CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS (CAMARGO; CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS (EMBRAPA,
VULN.
KLAMT; KAUFFMAN, 1987) 1999)
Latossolos amarelos Latossolos amarelos

Latossolos vermelho-amarelos Latossolos vermelho-amarelos

Latossolos vermelho-escuros Latossolos vermelhos

Latossolos roxos Latossolos vermelhos 1,0


Latossolos brunos Latossolos brunos

Latossolos húmicos Latossolos (…) húmicos


Latossolos húmicos brunos Latossolos brunos (…) húmicos
Podzólicos amarelos Argissolos
Podzólicos vermelho-amarelos Argissolos, luvissolos, alissolos,
nitossolos
Argissolos, luvissolos, alissolos,
Podzólicos vermelho-escuros
nitossolos
Terras roxas estruturadas Argissolos, nitossolos

Brunos não cálcicos Luvissolos

Brunizéns Chernossolos 2,0


Brunizéns avermelhados Chernossolos

Rendzinas Chernossolos

Planossolos Planossolos

Solos hidromórficos (abrúpticos) Planossolos


Podzóis Espodossolos
Cambissolos Cambissolos 2,5
Solos litólicos Neossolos litólicos

Solos aluviais Neossolos flúvicos

Regossolos Neossolos regolíticos

Areias quartzosas Neossolos quartzarênicos

Vertissolos Vertissolos
Solos orgânicos Organossolos
Solos hidromórficos (não
abrúpticos)
Gleissolos 3,0

Glei húmico Gleissolos, plintossolos

Glei pouco húmico Gleissolos, plintossolos

Plintossolo Plintossolos

Laterita hidromórfica Plintossolos

Solos concrecionários lateríticos Plintossolos

Afloramento rochoso Afloramento rochoso


Fonte: modificado de Crepani et al. (2001), incluindo a correlação com a nova
nomenclatura de solos da Embrapa (1999), baseado em Prado (2001).
TAB. 10.8 VALORES DE VULNERABILIDADE PARA A COBERTURA VEGETAL,
CONSIDERANDO AS LEGENDAS INICIAL E ATUAL DO PROJETO
RADAMBRASIL (1973) PARA A REGIÃO DA BACIA DO PARNAÍBA
10.3.5 Análise da vulnerabilidade do clima
As principais características físicas da chuva envolvidas nos
processos erosivos são: a quantidade, ou pluviosidade total; a
intensidade, ou intensidade pluviométrica; e a distribuição sazonal
(Buckman; Brady, 1976). Entre essas três características, é
especialmente importante conhecer a intensidade pluviométrica,
pois representa uma relação entre as outras duas características
(quanto chove / quando chove), resultado que determina, em última
análise, a quantidade de energia potencial disponível para ser
transformada em energia cinética.

A maior importância da intensidade pluviométrica é facilmente


verificada quando se observa que uma elevada pluviosidade anual,
mas com distribuição ao longo de todo o período chuvoso, tem um
poder erosivo muito menor do que uma baixa precipitação, mas que
ocorre torrencialmente num determinado período do ano. Esta
última situação é responsável pela intensa denudação das regiões
semiáridas, caracterizadas pela abundância de afloramentos
rochosos e pequena espessura do solo. A Tab. 10.9 mostra os
valores de vulnerabilidade à perda de solo relacionados aos valores
de intensidade pluviométrica.

10.3.6 Mapa de vulnerabilidade à perda de


solo
Segundo Becker e Egler (1997), o mapa de vulnerabilidade à perda
de solo representa a análise do meio físico e biótico para a
ocupação racional e o uso sustentável dos recursos naturais. A sua
associação com dados de potencialidade social e econômica
oferece subsídio à gestão territorial.
TAB. 10.9 ESCALA DE EROSIVIDADE DA CHUVA E VALORES DE
VULNERABILIDADE À PERDA DE SOLO

Fonte: Crepani, Medeiros e Palmeira (2004).

Na metodologia adotada neste estudo, na geração do Mapa de


Vulnerabilidade à Perda de Solo, cada tema componente da
paisagem (Geologia, Geomorfologia, Pedologia, Vegetação/Uso da
Terra e Clima) é um Plano de Informação (no formato vetorial ou
matricial) do banco de dados. A cada classe, de cada tema que
compõe a unidade de paisagem, são associados valores que
indicam o seu grau de vulnerabilidade à perda de solo. O Quadro
10.5 sintetiza as características observadas para avaliar a
vulnerabilidade à perda de solo e atribuir esses valores, definidos
conforme detalhado anteriormente para cada tema.

O modelo apresentado na Tab. 10.2 é aplicado aos temas


(Geologia, Geomorfologia, Solos, Vegetação/Uso da terra e Clima)
que compõem cada unidade de paisagem, e estas recebem,
posteriormente, um valor final resultante da média aritmética dos
valores individuais de cada tema, conforme a equação 2. Essa
equação representa empiricamente a posição da unidade de
paisagem (ou Unidade Territorial Básica - UTB) dentro da escala de
vulnerabilidade à perda de solo:

em que:
V – vulnerabilidade da unidade de paisagem;
G – vulnerabilidade para o tema Geologia;
R – vulnerabilidade para o tema Geomorfologia;
S – vulnerabilidade para o tema Solos;
Vg – vulnerabilidade para o tema Vegetação/Uso da terra;
C – vulnerabilidade para o tema Clima.

Uma vez atribuídos valores para todas as classes, de todos os


mapas temáticos, é feita a integração desses mapas via Álgebra de
Mapas (Barbosa, 1997) em SIG, para gerar o mapa de
vulnerabilidade à perda de solo das unidades de paisagem. A Fig.
10.14 ilustra o cálculo da referida vulnerabilidade para uma unidade
de paisagem, com base no valor de vulnerabilidade atribuído a cada
classe de cada tema, aplicando a equação 2 e utilizando SIG.

QUADRO 10.5 CARACTERÍSTICAS ANALISADAS PARA AVALIAR A


VULNERABILIDADE À PERDA DE SOLO DAS UNIDADES DE
PAISAGEM

TEMAS CARACTERÍSTICAS
História da evolução Geológica
Geologia
Grau de coesão da rocha
Amplitude altimétrica
Geomorfologia Grau de dissecação (amplitude interfluvial)
Declividade
Pedologia Maturidade do solo
Vegetação/Uso
Densidade da cobertura vegetal/Tipo de uso
da terra
Intensidade pluviométrica (pluviosidade anual/duração do
Clima
período chuvoso)
Fonte: Crepani et al. (2001).

Para a representação cartográfica da vulnerabilidade das unidades


de paisagem são utilizadas 21 cores (Tab. 10.2), obtidas a partir da
combinação das três cores aditivas primárias (azul, verde e
vermelho), de modo que se associe a cada classe de
vulnerabilidade sempre a mesma cor, obedecendo ao critério de que
ao valor de maior estabilidade (1,0) se associe a cor azul, ao valor
de estabilidade intermediária (2,0) se associe a cor verde e ao valor
de maior vulnerabilidade (3,0), a cor vermelha. A Fig. 10.15 mostra o
mapa de vulnerabilidade à perda de solo do município de Gilbués.

A análise dos resultados obtidos mostra que mais de 70% da área


do município de Gilbués apresenta paisagens de alta
vulnerabilidade à perda de solo, distribuídas entre Moderadamente
Vulnerável (60,94%) e Vulnerável (10,20%). Essas unidades de
paisagem correspondem, principalmente, às superfícies tabulares
inumadas por associação de Areia Quartzosa e Latossolo Amarelo e
cobertas por vegetação de Savana Parque com floresta de galeria,
das cabeceiras do rio Parnaíba, e às rampas extremamente
dissecadas em ravinas, cobertas por uma associação de solos
podzólicos eutróficos sob vegetação de Savana Estépica Arborizada
com floresta de galeria, da região sul do município. As unidades
restantes correspondem às escarpas elaboradas por erosão
diferencial em arenitos nas bordas de tabuleiros e chapadas,
expondo associações de Solos Litólicos e Podzólicos Vermelho-
Amarelos.

As condições mais estáveis da paisagem são encontradas em


28,46% de sua superfície, que apresentam paisagem
Medianamente Estável/Vulnerável à perda de solo. Nessas
unidades de paisagem, ocorrem solos e associações
correspondentes a Latossolos Amarelos localizados em tabuleiros e
chapadas com relevo plano revestidas por Savana Arborizada.
Fig. 10.14 Modelo esquemático do cálculo da vulnerabilidade à perda de solo de
uma unidade de paisagem
Fonte: modificado de Sousa (1999).
Fig. 10.15 Mapa de vulnerabilidade à perda de solo do município de Gilbués

10.4 Aptidão Agrícola


A aptidão agrícola das terras do município de Gilbués foi avaliada
conforme metodologia da Embrapa (Ramalho Filho; Pereira; Beek,
1978). Nessa metodologia, são definidos seis grupos de aptidão
para avaliar as condições agrícolas de cada unidade de
mapeamento de solo, não só para lavouras, como também para
pastagem, plantada e natural, e silvicultura, devendo as áreas
inaptas ser indicadas para preservação da flora e da fauna.
Os grupos, numerados de 1 a 6, identificam o tipo de utilização. Os
grupos 1, 2 e 3 representam as terras aptas para lavouras,
respectivamente aptidão boa, regular e restrita. O grupo 4
representa as terras indicadas para pastagem plantada (P),
enquanto o grupo 5 reúne as terras indicadas para silvicultura (S)
e/ou pastagem natural (N), e o grupo 6 representa as terras sem
aptidão agrícola, indicadas para preservação da natureza.

Para a definição das Classes de Aptidão Agrícola, a metodologia


considera três níveis de manejo, representados pelas letras A, B e
C, visando diagnosticar o comportamento das terras em diferentes
níveis tecnológicos.

O nível de manejo A é baseado em práticas agrícolas que refletem


um baixo nível tecnológico, nas quais quase não há aplicação de
capital para manejo, melhoramento e conservação das condições
das terras e das lavouras. As práticas agrícolas dependem do
trabalho braçal, podendo ser utilizada alguma tração animal com
implementos agrícolas simples.

O nível de manejo B é baseado em práticas agrícolas que refletem


um nível tecnológico médio, nas quais há uma modesta aplicação
de capital e de resultados de pesquisas para manejo, melhoramento
e conservação das condições das terras e das lavouras. As práticas
agrícolas estão condicionadas, principalmente, à tração animal.

O nível de manejo C é baseado em práticas agrícolas que refletem


um alto nível tecnológico, com aplicação intensiva de capital e de
resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e conservação
das condições das terras e das lavouras. A motomecanização é
utilizada nas diversas fases do processo agrícola.

O grupo 4, que representa as terras indicadas para pastagens


plantadas, e o grupo 5, que reúne as terras indicadas para
silvicultura, pressupõem pelo menos o nível de manejo B, enquanto
as terras indicadas para pastagem natural aceitam o nível de
manejo A.
Os subgrupos de aptidão agrícola representam o resultado conjunto
da avaliação das classes e dos grupos de aptidão. Um subgrupo
2(a)bc, por exemplo, significa que a aptidão dessas terras é regular
(letras minúsculas) para lavoura nos níveis B e C e restrita (entre
parênteses) no nível A. As letras maiúsculas representariam a
aptidão boa.

As melhores terras são indicadas basicamente para culturas de ciclo


curto, ficando implícito que, com essa aptidão, elas o são também
para culturas de ciclo longo. Essa ênfase dada às culturas de ciclo
curto pode ser explicada pela maior demanda, tanto em escala
nacional quanto mundial, de alimentos provenientes desse grupo,
bem como por serem suas espécies normalmente mais exigentes
com referência às condições agrícolas das terras. O Quadro 10.6
relaciona os subgrupos de aptidão agrícola das terras que ocorrem
no município de Gilbués, enquanto a Tab. 10.10 indica a área
ocupada por subgrupo. A Fig. 10.16 mostra o mapa de aptidão
agrícola das terras do município de Gilbués.

A análise dos dados da Tab. 10.10 mostra que a maioria das terras
do município de Gilbués (65,87%) apresenta aptidão agrícola
Restrita para pastagem plantada e pastagem natural, e Inapta para
lavouras anuais nos níveis de manejo A, B e C e silvicultura
(54,55%), ou Nenhuma aptidão agrícola, e devem ser destinadas à
preservação da fauna e da flora (11,32%).

QUADRO 10.6 SUBGRUPOS DE APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS ENGLOBADAS


PELO MUNICÍPIO DE GILBUÉS

SUBGRUPO APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS


Terras com aptidão agrícola Regular para lavouras anuais nos níveis
2(a)bc
de manejo B e C e Restrita no nível de manejo A
Terras com aptidão agrícola Regular para lavouras
anuais nos níveis de manejo B e C e Restrita no nível de
2(a)bc-
manejo A. Há, na associação, solos com aptidão agrícola
pior
2(a)bc*- Terras com aptidão agrícola Regular para lavouras anuais (culturas
especiais de ciclo longo – algodão arbóreo, sisal, palma, caju ou
coco) nos níveis de manejo B e C e Restrita no nível de manejo A.
Há, na associação, solos com aptidão agrícola pior
Terras com aptidão agrícola Restrita para pastagem
plantada e Inapta para lavouras anuais nos níveis de
4(p)+
manejo A, B e C. Há, na associação, solos com aptidão
agrícola melhor
Terras com aptidão agrícola Restrita para pastagem plantada e
Inapta para lavouras anuais nos níveis de manejo A, B e C. Há, na
4(p)+-
associação, solos com aptidão agrícola melhor e solos com aptidão
agrícola pior
Terras com aptidão agrícola Restrita para pastagem
nativa e Inapta para lavouras anuais nos níveis de
5(n)*+
manejo A, B e C e silvicultura. Há, na associação, solos
com aptidão agrícola melhor
6 Terras indicadas para preservação da fauna e da flora
Terras indicadas para preservação da fauna e da flora.
6+
Há, na associação, solos com aptidão agrícola melhor

TAB. 10.10 ÁREA DOS SUBGRUPOS DE APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS DO


MUNICÍPIO DE GILBUÉS
Outros 32,65% da superfície do município apresentam aptidão
agrícola Regular nos níveis B e C e Restrita no nível A, sendo
essas terras, portanto, pouco indicadas para práticas agrícolas nas
quais quase não há aplicação de capital para manejo,
melhoramento e conservação das condições das terras e das
lavouras, e apenas 4.723,05 ha no município (1,35%) apresentam
aptidão agrícola Regular para o nível de manejo A, onde as práticas
agrícolas dependem do trabalho braçal ou da tração animal com
implementos agrícolas simples.

Fig. 10.16 Mapa de aptidão agrícola das terras do município de Gilbués


10.5 Incompatibilidade Legal
As áreas de incompatibilidade legal correspondem às áreas de
preservação permanente que foram utilizadas para alguma atividade
diferente daquela prevista em lei. O mapa de incompatibilidade legal
é resultado da combinação do mapa de cobertura vegetal e uso da
terra com o mapa de áreas de preservação permanente. Essa
combinação permite a geração de um mapa que mostre a classe de
cobertura vegetal ou uso da terra realmente presente na área
destinada à preservação permanente.

A combinação dos PIs que contêm as áreas de preservação


permanente (APPs de drenagem, nascentes e lagos e lagoas
naturais; APPs de escarpas e APPs de bordas de tabuleiros e
chapadas) com o PI que contém a cobertura vegetal e uso da terra
permite gerar um PI com as áreas de incompatibilidade legal e
elaborar um mapa dessa incompatibilidade do município de Gilbués
(Fig. 10.17).

A partir de operações realizadas com as áreas dos polígonos


representativos dessas feições (áreas de preservação permanente e
cobertura vegetal e uso da terra), medidas diretamente no PI que as
contém, pode-se calcular a área de uso da terra realmente contida
em áreas que, conforme o Art. 2° da Lei n˚ 4.771, de 15 de
setembro de 1965, de-veriam conter “apenas florestas e demais
formas de vegetação natural”.

Os dados da Tab. 10.11 mostram que 82,30% das APPs do


município de Gilbués estão ocupadas com vegetação nativa,
cumprindo, portanto, sua função legal, e 16,58% das APPs se
constituem em incompatibilidade legal, pois estão ocupadas por
algum tipo de uso ou apresentam solo exposto, em desacordo com
o Art. 2° da Lei n˚ 4.771. É interessante observar que, dos 16,58%
de APPs que apresentam incompatibilidade legal, a quase totalidade
(15,52% ou 8.934 ha) corresponde a solo exposto, classe de
cobertura vegetal e uso da terra que predomina no sul do município,
mostrando os efeitos da degradação dos solos.
10.6 Uso Indicado
As informações a respeito das áreas prioritárias para preservação,
recuperação ou uso sustentado são resultados da combinação dos
PIs de vulnerabilidade à perda de solo, de cobertura vegetal, com o
PI de aptidão agrícola. Esse procedimento permite, com base em
análise geográfica, representar espacialmente as combinações
possíveis entre as classes de vulnerabilidade à perda de solo, de
cobertura vegetal e de aptidão agrícola presentes nesses PIs,
gerando informações sobre a localização das áreas que precisam
ser preservadas, das áreas que devem ser recuperadas e daquelas
que podem ser prioritariamente destinadas ao uso para ampliação
da fronteira agrícola. A Fig. 10.18 apresenta o uso indicado para o
município de Gilbués.
Fig. 10.17 Mapa de incompatibilidade legal do município de Gilbués
TAB. 10.11 CLASSES DE USO DA TERRA E COBERTURA VEGETAL QUE
OCORREM NAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DO
MUNICÍPIO DE GILBUÉS

A Tab. 10.12 mostra a extensão das áreas de uso indicado para o


município de Gilbués.

As informações contidas na Tab. 10.12 mostram que grande parte


da área do município de Gilbués (20,63%) tem seu uso
recomendado para Agricultura Mecanizada. Essa área,
equivalente a 72030,8430 ha, apresenta aptidão agrícola Regular
nos níveis B e C e Restrita no nível A, sendo, portanto, pouco
indicada para práticas agrícolas nas quais quase não há aplicação
de capital para manejo, melhoramento e conservação das condições
das terras e das lavouras. Por outro lado, ela apresenta maior
estabilidade, ou menor vulnerabilidade à perda de solo, sendo,
portanto, mais indicada para ocupação humana, e, como já vem
sendo feito, no nível de manejo C, baseado em práticas agrícolas
que refletem um alto nível tecnológico.
Outros 30838,5570 ha, equivalentes a 8,83% da superfície de
Gilbués, apresentam terrenos pedimentados com aptidão agrícola
Regular nos níveis B e C e Restrita no nível A, mas que já se
encontram ocupados pela Agropecuária tradicional ou apresentam
cobertura vegetal. Para essas terras, o uso indicado foi a
Agropecuária com Tecnologia, aproveitando a menor
vulnerabilidade à perda de solo e a relativa aptidão para as
lavouras, inclusive no futuro de biocombustíveis.

Um total de 137679,4670 ha do município de Gilbués (39,44%),


ainda cobertos por vegetação nativa, tiveram seu uso indicado para
Preservação, devido à relativa vulnerabilidade; aptidão agrícola
Restrita para pastagens plantada e natural; nenhuma aptidão
agrícola, ou, quando apresentavam alguma aptidão para lavouras,
estarem localizados sob florestas de galeria ou sobre mesas e
patamares do relevo residual.
Fig. 10.18 Uso indicado para o município de Gilbués
TAB. 10.12 EXTENSÃO DAS ÁREAS DE USO INDICADO DO MUNICÍPIO DE
GILBUÉS

O equivalente a 9,59% da superfície de Gilbués (33466,9190 ha),


ainda conservados, tiveram seu uso indicado para Preservação
Prioritária por apresentarem aptidão agrícola Restrita para
pastagem plantada e pastagem natural; nenhuma aptidão agrícola;
e estarem localizados em áreas de vulnerabilidade muito alta, como
as áreas dissecadas de escarpas e bordas de mesas e patamares,
ou nas áreas extremamente dissecadas das ravinas de Gilbués.

Foram indicados para Recuperação Prioritária 26615,6960 ha,


equivalentes a 7,62% da área de Gilbués, os terrenos sem cobertura
vegetal (solo exposto) ou utilizados pela Agropecuária, localizado
sem áreas de vulnerabilidade muito alta, como as áreas dissecadas
de escarpas e bordas de mesas e patamares, ou nas áreas
extremamente dissecadas das ravinas de Gilbués.

Para Recuperação ou para uso pela Agropecuária com


Tecnologia foram indicados 36071,0420 ha (10,34% da superfície
de Gilbués), por se apresentarem sem cobertura vegetal (solo
exposto) ou serem utilizados pela Agropecuária em terrenos com
menor vulnerabilidade, localizados em áreas pedimentadas ou de
ligeira dissecação, e ainda apresentarem alguma aptidão, embora
restrita, para pastagem natural.

Uma pequena parte da área do município de Gilbués (1,68%),


equivalente a 5867,5380 ha, foi indicada para Recuperação por
estar sem cobertura vegetal (solo exposto) e apresentar solos com
aptidão agrícola Restrita para pastagem natural; não apresentar
aptidão agrícola nenhuma; e situar-se em áreas sob processos de
ligeira dissecação. Algumas áreas apresentam aptidão agrícola
Regular nos níveis B e C e Restrita no nível A, mas, por estarem
localizadas sobre mesas e patamares do relevo residual ou bordas
de chapadas, foram também indicadas para Recuperação.

10.7 Subsídios à Gestão Territorial


Com a finalidade de fornecer subsídios à gestão territorial, o PI de
uso indicado e o PI de uso da terra podem ser combinados com o PI
de áreas de preservação permanente, agregando as informações de
uso e ocupação das terras e de sua aptidão agrícola aos aspectos
legais restritivos que elas apresentam. O resultado dessa
combinação é de interesse tanto dos agentes econômicos quanto
dos órgãos governamentais que atuam na região. A Fig. 10.19
mostra o mapa de gestão territorial do município de Gilbués.

O mapa de gestão territorial fornece ao administrador uma visão


rápida dos tipos de uso que estão sendo desenvolvidos no território
e se sua localização corresponde à aptidão dessas terras,
garantindo o conhecimento sobre as ações desenvolvidas no
território sob sua responsabilidade. Aos agentes financiadores das
atividades agropecuárias, permite direcionar os investimentos para
as áreas capazes de oferecer os retornos esperados sem
estabelecer conflitos legais. Aos agentes fiscalizadores, oferece a
possibilidade de tornar mais rápidas e eficientes as ações de
fiscalização, dirigindo para pontos previamente determinados as
ações de campo, uma vez que estão identificadas as áreas
legalmente protegidas e os pontos em incompatibilidade legal. À
população, de forma geral, proporciona a oportunidade de conhecer
a realidade do seu hábitat e de influenciar na escolha do cenário
futuro que se estabelecerá no território. A Fig. 10.20 mostra um
detalhe do mapa de gestão de Gilbués.

Fig. 10.19 Mapa de gestão territorial do município de Gilbués

Pela análise da Fig. 10.20, podem ser destacados os seguintes


pontos:
(1) área ocupada pela Agricultura Mecanizada em área indicada
para essa prática, mas invadindo a Área de Preservação
Permanente (APP de borda de escarpa);
(2) área ocupada pela Agropecuária em área indicada para
Preservação, invadindo a Área de Preservação Permanente (APP
de drenagem);
(3) área de solo exposto em Área de Preservação Permanente
(APP de escarpa) indicada para Recuperação Prioritária.
Fig. 10.20 Detalhe do mapa de gestão de Gilbués

Considerações Finais
Neste capítulo, procuramos mostrar, por meio do exemplo do banco
de dados elaborado para o município de Gilbués, a aplicação do
sensoriamento remoto e do geoprocessamento como instrumentos
para o zoneamento ecológico-econômico. Destacamos também a
importância desse tipo de banco de dados, de fácil utilização, não só
pelos órgãos da administração pública, mas também pelos agentes
econômicos e pela própria população, visando ao seu exercício de
cidadania.

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