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A cerimônia de coroação e sagração de D.

Pedro II na impressa periódica regressista e


progressista no RJ (1840 – 1842).

Tatiane Rocha de Queiroz*

Este trabalho é fruto de uma pesquisa em andamento na qual analiso alguns periódicos de bandeira
regressista e progressista no período de 1836 a 1842. O meu principal, objetivo é o de empreender
uma análise que me ajude a compreender a conformação da identidade progressista e regressista no
período supracitado acima. De forma que elegemos alguns temas que de forma direta ou indireta
contribuíram no processo de formação de ambos os grupos políticos, são eles: a eleição de Araújo lima
para o cargo de regente do império, a maioridade e a Revolta Liberal de 1842. Como também,
relacionaremos em nossa analise algumas leis que foram promulgadas no período.

Em nossa pesquisa consideramos a imprensa como um espaço de atuação possível de construção de


significados, de divulgação de ideias e projetos políticos. Por isso, estaremos pautando a nossa
reflexão a partir da análise de algumas reportagens que foram veiculadas em três periódicos que
durante o seu período de circulação na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1840 a 1842,
defenderam cada um a seu turno a bandeira e os projetos políticos do grupo politico o qual seus
editores eram coligados: os regressistas e progressistas. Era o momento de aliar projetos, ideias,
discursos e rituais políticos ao espaço articulativo dos periódicos.

Defendendo os argumentos regressistas temos O Brasil criado pelo intelectual Justiniano José
da Rocha e Firmino R. da Silva em 1840 (CARDIM, 1964, p.16) a pedido do então Ministro
da Justiça, Visconde do Uruguai, para debater e defender as ideias do grupo regressista frente
aos periódicos defensores das ideias progressistas. Era o momento em que o tema da
Maioridade estava sendo amplamente debatido na imprensa de todo o Império. Do lado
progressista temos os periódicos O Maiorista e O Despertador Diário Comercial, Político,
Cientifico, Literário ambos redigidos por Francisco Sales Torres Homem. Enfim, a nossa
escolha documental está pautada no fato desses periódicos terem sido contemporâneos no seu
período de circulação. Criando uma rede de significados e argumentos que os fortalecia como
protagonistas políticos e como grupo de ação.

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Doutoranda do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
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Esses periódicos dialogavam entre si acerca de suas bandeiras e projetos políticos ao ponto de
construírem significados e identidades. Os diálogos entre as folhas eram feitos por meio da
citação e ou compilação de artigos ou de trechos destes publicados nos periódicos opositores.
Dependendo do tema comentado e ou criticado, o redator do jornal começava sua reportagem
fazendo alusão aos argumentos e ideias de outro periódico que tanto podia circular na Capital
do Império como em outra província do Império.

Suas estruturas eram semelhantes eram de formato pequeno, continham quatro páginas de
texto, suas primeiras páginas continham o título, a data, o número de publicação, o nome da
tipografia e do seu endereço. A primeira matéria dos periódicos servia de pano de fundo ou de
introdução das questões a serem discutidas naquele número. Eram textos altamente críticos e
irônicos que ocupavam uma ou duas páginas do jornal. Os demais artigos tratavam de
assuntos políticos mais específicos como – situação provincial, o senado, orçamento imperial.
No geral, todas as matérias dos periódicos, eram marcadamente caracterizadas pela disputa,
pelo tom enérgico e crítico de seu redator. Entre uma reportagem e outra, havia apenas um
pequeno traço, que indicava o fim e começo de outro assunto.

A CERIMÔNIA DE SAGRAÇÃO E COROACÃO DE D.PEDRO

Aqui apresentarei de forma sucinta algumas questões relacionadas à cerimônia régia de


sagração e coroação de D. Pedro II ao Império do Brasil, ocorrida em julho de 1841. O nosso
principal objetivo é demonstrar como que este evento ‘’ritualístico’’ e ‘’simbólico’’, realizado
nas vésperas do golpe da maioridade completar um ano, permitiu a legitimação e o
fortalecimento do primeiro monarca ‘’genuinamente’’ brasileiro. E para tal, foi preciso criar
uma rede de significados, de símbolos, de imagens que o diferenciasse dos seus consortes,
como também reforçar a hierarquia existente. As festas, procissões eram necessárias, pois elas
se tornavam ‘’instrumentos estratégicos na afirmação quase diária da realeza’’.
(SCHWARCZ, 2001, p. 50).

Não há movimento politico, de partido ou regime, que deixe de recorrer à série de atos
solenes, repetitivos e codificados, de ordem verbal, gestual e postural, de forte conteúdo
simbólico. Com o real objetivo de legitimar e ou exibir uma identidade a qual ela gostaria de

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demarcar, gravar no imaginário social dos demais. Era um momento de afirmação, de
construção de um modelo que deveria ser seguido pelos demais. E para isso eles montavam
um calendário festivo que ia de janeiro a dezembro, sem interrupções. Celebravam-se
aniversários de nascimentos e falecimentos, datas cívicas, bodas, datas relativas à morte,
nascimento ou canonização dos santos padroeiros, sagração, além de qualquer outra data que
passasse a marcar de alguma forma o cotidiano da família imperial (RIVIERE, 1989, p. 10).

Em meados de 1841, meses antes da celebração da cerimonia de coroação e sagração do


príncipe regente D. Pedro II a imprensa periódica do império já noticiava e comentava o fato.
As questões alentadas pelos editores ou estavam relacionadas com os gastos de tal celebração,
sua demora ou com a importância de tal evento para a legitimação e conformação do Estado
Imperial pós- antecipação da Maioridade. Era o momento em que cada um deveria saber o seu
lugar, aprender a se comportar, de se estabelecer relações de troca de favores que
predominava nas relações politicas e sociais da época. Nessas cerimonias cabia ao monarca
‘’conceber remunerações, honras e distinções, em recompensa de serviços, na conformidade
da lei e procedendo a aprovação da Assembleia Geral. (SHWARCZ, 2001, p. 60).

No periódico de bandeira regressista (ROCHA, 1841, p. 03) nos primeiros meses do ano de
1841, vez ou outra, Justiniano J. da Rocha comentava ou criticava algum fato relativo ao
cerimonial. Por exemplo, em uma reportagem intitulada a coroação de fevereiro, ele relatava
que comentava- se em segredo a todo mundo que a coroação de S. M. I não seria realizada em
maio daquele ano, como se havia determinado, mas em julho, no aniversário da declaração da
maioridade. O que de acordo com a reportagem era uma atitude bem calculada, já que o
gabinete maiorista não sendo maioria na câmara usaria deste ato solene, época de graças, para
sim poder, com promessas, com hábitos, de comenda, de títulos, agenciar alguns votos e
obrigar alguns representantes da nação o silêncio.

Enfim, através desta reportagem percebemos que o redator do O Brasil, mais do que relatar o
adiamento e a demora em se fazer a cerimônia de coroação do príncipe regente, salienta a
possibilidade dela ser feita no período em que o golpe completaria um ano. Ou seja, era uma
forma de alinhar as atitudes do gabinete progressistas as do Imperador recém-coroado e
consagrado.

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Assim como a imprensa regressista comentou e chamou a atenção para a demora em se
celebrar a coroação do príncipe, a imprensa progressista (HOMEM, 1841, p. 03) também o
fez no mês de junho. No entanto, período este em que não se encontrava mais ao lado de D.
Pedro. Desde março, o gabinete maiorista tinha sido substituído por representantes do grupo
regressista.

Outro tema caro a imprensa naquele momento girou em torno dos gastos públicos, como
podemos verificar na reportagem Os festejos da Coroação veiculada no periódico regressista.
Nela Justiniano J. da Rocha relata que o ministério se descuidou em pedir as câmaras a
necessária autorização para despender com os festejos da coroação. Avultadas quantias, que
oneram já o exausto tesouro público com despesas superiores a centena de contos de réis.
Dinheiro gasto em luminárias, foguetes e arcos triunfais. No momento em que esta
reportagem foi escrita, o gabinete maiorista ainda estava no poder e coube ao redator do O
Brasil criticá-los ao apontar os gastos feitos para preparar a cidade do Rio de Janeiro para os
festejos da coroação do novo Imperador do Império. Já na imprensa progressista, não
encontramos reportagens que tratassem dos gastos públicos referentes aos preparativos dos
festejos cerimoniais.

A cidade precisava ser preparada, transformada em um elemento de representação que


marcaria a vitória da civilização sobre o mundo ‘’bárbaro’’. Sobre suas ruas passaria o rei
coroado e consagrado, juntamente com o seu séquito de iguais. Seu objetivo era o de construir
e perpetuar no imaginário da população a imagem de uma monarquia separada, superior e
legítima.

Quanto à questão litúrgica da cerimonia de coroação, encontramos uma reportagem (ROCHA,


1841, 03) no periódico regressista em que seu redator se propôs explicar a diferença entre
coroação e aclamação. Pois, para ele os diretores dos festejos estão confundindo o ato político
de coroar com o ato religioso de aclamar. Segundo Justiniano nesta reportagem, os audazes
conquistadores do poder queriam por força legitimar suas atitudes e o próprio golpe da
maioridade. E que ela só teria sentido se tivesse sido feita no dia em que entrou no gozo das
atribuições que a constituição lhe conferiu. Mas, nunca no dia em que o imperador vem
receber da autoridade eclesiástica a confirmação religiosa de sua dignidade. Como podemos
averiguar: (...) a coroação é a confirmação religiosa de um ato puramente civil, completo em

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sua essência. Obrigatório por si mesmo. (...) Como, pois, sustentar essa ficção, a vista do que
foi dito? (ROCHA, 1841)

Ou seja, o grande ‘’problema’’ não era o ato de o Imperador ser aclamado, se tornar o ungido
do senhor. E sim no significado atribuído a ela naquele momento. Por que então que ela não
foi feita em julho de 1840, momento em que ele foi empossado seria ele aclamado duas
vezes? ‘’ Mas o que fazer se os Srs. Menezes, Frias e Leonardo querem por força vestir-se a
caráter no dia da coroação, representarem o seu papel!’’ (ROCHA, 1841).

Salientamos que D. Pedro I em sua cerimonia de coroação também foi aclamado. De acordo
com OLIVEIRA (2007) tratava-se de um cerimonial de afirmação da autonomia politica do
Brasil, perante Portugal, o que trousse elementos definidores do poder politico atribuídos a D.
Pedro que procurava fazer frente tanto as Cortes portuguesas quanto as demais forças politicas
da província. Por fim, atribuía-se uma aura solene e litúrgica ao ato politico.

Enfim, no dia 18 de julho de 1841 iniciaram-se os festejos de coroação de D. Pedro. Os


festejos duraram quatro dias, encerrando-se no dia 24 com um baile de gala, onde ele reuniria
toda a sua Corte recém-constituída nos trópicos. Na medida em que nessas ocasiões cabia ao
imperador conceder remunerações, honras e títulos. Atitude controversa, pois regressistas e
progressistas questionaram em seus jornais a natureza dos nomes que recebam titulações e ou
honras durante os festejos. Ambos os periódicos neste período não se ocuparam em falar de
dissabores entre grupos políticos, e sim em relatar os festejos da coroação de D. Pedro.

Em suma, podemos concluir que toda a discussão feita pela impressa periódica em torno da
coroação de D. Pedro. Ajudou-nos a compreender a disputa politica em voga naquele
momento em que se procurava legitimar e dar novo significado ao Estado que estava sendo
configurado, pós-golpe da Maioridade. De forma que, ambos os periódicos em suas
reportagens além de tratar do significado da coroação pela coroação, acabavam por outro lado
demonstrando que o que estava em jogo era a ação politica que cada grupo teria nesse nosso
Estado. Ou seja, qual papel caberia a cada grupo. Por isso, que não nos coube neste trabalho
fazer uma descrição dos fatos por ela mesma.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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BASILE, Marcelo. O Laboratório de Nação: a era Regencial (1831- 1840). In: GRINBERG,
Keila e SALLES, Ricardo (orgs.) O Brasil Imperial – Vol. II – 1831- 1889. (org). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.81.

CARDIM, Elmano.O Jornalista. In: Justiniano José da Rocha. São Paulo: CIA. Editora
Nacional, 1964. p.16.

CASTRO, Paulo Pereira de. A Experiência Republicana, 1831- 1840. In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de (dir.) História Geral da Civilização Brasileira. 8° ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2004. Tomo II, v.2, p. 52-53.

HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.) História Geral da Civilização Brasileira. 8° ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Tomo II, v.2, p. 72.

HÖRNER, Erik. Uma província ‘infestada de rebeldes’: a Guerra Civil em São Paulo. In: Em
defesa da Constituição: a guerra entre rebeldes e governistas (1838 – 1844). Tese (Doutorado
em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas, Universidade de São
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2003. (Coleção Descobrindo o Brasil). PUC-SP, n° 17, 1998.

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D. Pedro I (1822). In: Revista Tempo. 2007. (www.scielo.br/pdf/tem/v13n26/a08v1326.pdf)

RIVIÈRE, Claude. As liturgias Políticas. Rio de Janeiro: Imago, 1989 (Introdução; PARTE 1:
p. 13-139 e PARTE 2: p.141-249).

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SILVA, Carolina Paes Barreto da. A trajetória D’ O Republico no Fim do Primeiro Reinado E
Início da Regência: Os Discursos Impressos de Antonio Borges da Fonseca Sobre a História
Imperial (1830 – 1832). Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Ciências Humanas e
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SOUZA, Octavio Tarquínio de. Capítulo II. In: História de Dois Golpes de Estado (coleção
Documentos Brasileiros). Dirigida por Gilberto Freyre. Livraria José Olympio 1839, p. 74-
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SCHWARCZ, Lilian Moritz. O Império em Procissão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2001.

FONTE DOCUMENTAL

ROCHA, Justiniano José da e SILVA, Firmino R. da. O Brasil. RJ: Tipografia Americana,
1840 -1841.

HOMEM, Francisco Salles Torres. O Despertador, Diário Comercial, Político, Cientifico,


Literário. Tipografia da Associação do Despertador, dirigido por J. M. da. R. Cabral, rua da
Quitanda, número 55, RJ. 1838-1841.

-------------------------------. O Maiorista. Tipografia e Livraria de E. Oguier e C., Rua do


Rosário, número 81, RJ, e do Hospício número 51, 1841.

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