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Florianópolis – SC
2023
Gladys Choque Alconz
Florianópolis
2023
Gladys Choque Alconz
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do título de
Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito.
___________________________
Coordenação do Curso
Banca examinadora
____________________________
Profa. Dra. Marília de Nardin Budó
Orientadora
____________________________
Florianópolis
2023
“[...] esse é o preço de ser estrangeiro, às vezes você precisa engolir, te ameaçam, você
não foi criado assim com ameaças, às vezes você tem que engolir, ficar calado, porque é
difícil, mas esse é o preço do estrangeiro até hoje” (Silva, 2017, p. 270).
Dedico este trabalho a todos as pessoas que residem fora da seu país de origem e
ainda tem essa percepção, e os digo: Não! Vocês não devem “engolir” qualquer tipo
de ato discriminatório ou de violência provocado em razão da origem.
AGRADECIMENTOS
The objective of this work is to investigate the occurrence of cases of extortion against
the Bolivian community at the Brás night market in São Paulo. In view of this, the
research problem lies in the question: “Can Bolivian immigrants who work at the Brás
night market be more susceptible to being victims of extortion? ” It is hypothesized that
the stigma attached to the context of informal work at the late-night market are factors
that directly influence Bolivian immigrants to be more susceptible to being victims of
extortion. To develop the investigation, a qualitative method is used, starting from an
inductive analysis, through bibliographical and judicial research and news sources in
order to explore and analyze the data contained in these materials. The research
problem lies in the question: can Bolivian immigrants who work at the Brás night market
be more susceptible to being victims of extortion? The main hypothesis is that the
stigma that Bolivians hover in informality, linked to the context of the dawn market
system, are factors that directly influence Bolivian immigrants to be more susceptible
to being victims of extortion. Stigma, because they are seen as more vulnerable, either
because they do not master the language, are unaware of national legislation, or
because of socially rooted stereotypes that they are “meek and defenseless”.
Informality, because they are in conditions of document irregularity, whether from the
work carried out at the fair, their stay in Brazil, or because they would not be able to
seek help or make complaints for fear of suffering reprisals from public authorities.
And, the dawn market, because working there means handling money in cash and
without ballast (arising from the context of the informality of the place), which makes it
an undesirable territory for extortion crimes.
Figura 1 – Imigrantes em São Paulo por Nacionalidade entre 2010 e 2019 ............. 19
Figura 2 – Manchete de Jornal sobre a feirinha da madrugada ................................ 51
Figura 3 – Manchete de Jornal sobre a feirinha da madrugada ................................ 22
Figura 4 – Manchete de Jornal sobre caso de assalto a bolivianos .......................... 25
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 14
2 CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA IMIGRAÇÃO BOLIVIANA EM
SÃO PAULO. ............................................................................................................ 18
1.1 OS PRIMEIROS GRUPOS DE IMIGRANTES BOLIVIANOS NO BRASIL. 20
1.2 A LEI DE MIGRAÇÃO NO BRASIL ............................................................ 25
2.3 O TRABALHO E A PROVISORIEDADE..................................................... 29
2.4 FEIRINHA DA MADRUGADA DO BRÁS ............................................................ 32
3 DAS OFICINAS DE COSTURA PARA O COMÉRCIO NA FEIRINHA DA
MADRUGADA. ......................................................................................................... 38
3.1 A LIBERTAÇÃO DA DEPENDÊNCIA DOS COREANOS ................................... 39
3.2 A FEIRINHA DA MADRUGADA EM MEIO À CLANDESTINIDADE .................... 42
3.2.1 Caso 1.............................................................................................................. 46
3.2.2 Caso 2............................................................................................................ 47
3.3 A INFORMALIDADE TAMBÉM NO COMÉRCIO ................................................ 49
3.3.1 Caso 3.............................................................................................................. 51
3.4 O GUARDAR DINHEIRO EM ESPÉCIE ............................................................. 54
4 CONCLUSÃO ............................................................................................ 58
14
1 INTRODUÇÃO
muito pouco. Logo, advém da realidade o motivo pelo qual sejamos conhecidos
porque trabalhamos por extensas horas. Entretanto, ao meu ver, naquela época meus
pais não tinham ou desconheciam outras opções para manter nossa família
alimentada. Igualmente cabe explicitar que há sim diversos casos em que bolivianos
se veem privados de sua liberdade e amedrontados para não deixarem de se
submeter a horas extensas de trabalho, ou seja, a abusos. Algo que claramente deve
ser reprovado e combatido.
Por outro lado, os enxergar pelo olhar simplista dos estigmas negativos que
se foram construídos sobre a comunidade boliviana em São Paulo, diante dos
problemas que enfrentam enquanto migrantes, é perpetuar e os reduzir a esses
estigmas, olvidando suas histórias de perseverança e esforços para cuidar de suas
famílias que ficaram na Bolívia, e, simplesmente descartar e julgar inexistente suas
histórias de superação. Traz-se isso, porque o estigma que foi construído de nós -
bolivianos - como “ilegais e escravizados”, tornou-se uma arma para que minha família
em novembro de 2020 sejamos vítimas de extorsão por policiais civis de uma
delegacia próxima da nossa casa. Os agentes entram de maneira ilegal na nossa
residência justificando a invasão por que teriam recebido uma denúncia anônima de
que naquele local ocorreria trabalho escravo. Após vasculharem cada andar do imóvel
e mesmo havendo constatado que não havia nada que justificasse qualquer tipo de
crime ou infração penal, exigiram de meu pai uma quantia de 70 mil reais, e que se
não pagos ele seria levado à delegacia.
Nunca havia visto minha família e a mim tão vulneráveis pelo simples fato de
sermos imigrantes bolivianos, e uso aqui a palavra “bolivianos” não como um
substantivo mais com um adjetivo difamtório. Pois, nesse dia, e nos próximos que se
seguiram, pude compreender que a percepção negativa que se tem dos imigrantes
bolivianos chega ao ponto de tornar-se um perigo para nós, uma agravante que
excede os desafios próprio da imigração. Muito embora minha própria história seja a
justificativa pela escolha do tema, procurei sair do meu ângulo subjetivo trazendo
materiais que tratam sobre o tema, tendo em vista que este é um trabalho de
conclusão de curso.
O trabalho desenvolvido tem natureza exploratória e descritiva, consistirá em
um estudo de pesquisa bibliográfica. As fontes serão principalmente trabalhos de
graduação, mestrado e doutorado como os de Cesar Battisti (2014), Sidney de Souza
Silva (2017), Iara Rolnik Xavier (2010), Vera da Silva Telles e Daniel Veloso Hirata
16
(2010), Camila Lins Rossi (2005) e Luciana Itikawa (2006) e Abdelmalek Sayad
(1998). Também, serão utilizados artigos, notícias de jornais, e dois casos de extorsão
a imigrantes bolivianos que foram julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo,
além de um outro que ainda está em tramite, os quais, trazem concretude à hipótese
desta pesquisa.
A pesquisa parte do método qualitativo, que segundo Minayo (2009, p.58) tem
como principal verbo da pesquisa “compreender, compreender valores, relações,
atitudes, crenças, hábitos e representações e a partir desses fenômenos interpretar a
realidade”. Assim, trata-se de uma metodologia indutiva que, nas ciências sociais,
preocupa-se com o nível de realidade que não deveria ser quantificado, trabalhando
no universo dos significados, dos motivos da pesquisa social.
Por exemplo, na análise de dois julgados do TJSP, não se objetiva descrever
e analisar a aplicação dos comandos normativos e atuação das sanções que os
acompanham e caracterizam o crime de extorsão, muito menos fazer qualquer tipo de
julgamento sobre as partes (réus e vítimas). S objetiva é extrair informações que
dizem respeito à hipótese deste Trabalho de Conclusão de Curso, dado que possui
registradas as informações de interesse da pesquisa e, principalmente em um nível
descritivo, assim, “pode de fato haver boa dose de objetividade na tarefa do
pesquisador” (Machado, 2017, p.277). Ou seja, o uso desses documentos permite que
haja um maior isolamento de interferências do observador “ (Cellard, 2012, p. 295).
Para isso, a fim de dar subsídios para a compreensão desta pesquisa, no
primeiro capítulo irá se tratar sobre imigração boliviana, e como esta comunidade tem-
se inserido no mercado de trabalho no Brasil, mais especificamente em São Paulo.
Na seção 2.1 se fará referência a dados históricos dos primeiros imigrantes que
chegaram ao Brasil com o fim de compreender o perfil socioeconômico desses que
optam por sair de Bolívia, assim como, o que os leva a emigrar, e os desafios de se
inserirem numa nova nação de idioma, traços físicos e culturais diferentes que o seus.
Entre esses desafios destaca-se o preconceito, advindos de estereótipos -“índios,
ilegais, escravos” - que foram sendo construídos sobre a os bolivianos, os quais, os
tornam alvos de zombaria e agressões físicas em diversos contextos, seja nas
escolas, trabalho, inter-relação com imigrantes de outras nacionalidades, seja com os
nacionais.
Na seção 2.2, aborda-se a legislação vigente no Brasil fazendo uma
comparação entre a o Estatuto do Estrangeiro, o qual prevaleceu durante o contexto
17
De acordo com a tese mais difundida, a partir dos trabalhos de Sidney da Silva
(1997), que ecoou em quase todos os estudos sobre bolivianos no Brasil, os primeiros
fluxos de imigrantes bolivianos teriam chegado na década de 1950. Segundo o autor,
os fluxos teriam se dado em detrimento dos acordos bilaterais entre os governos da
Bolívia e do Brasil, os quais incentivaram intercâmbios estudantis, que após a
conclusão dos estudos permaneceram no País. Mas também há uma segunda tese
contrapondo a tese de Silva, qual é dado pelo pesquisador Xavier (2010). Para este
último, o fluxo de imigrantes bolivianos iniciado na década de 1950 se deu em razão
do bom momento vivido pela economia brasileira; à época, o Brasil atraia imigrantes
dos países limítrofes, qual possuíam como característica o elevado nível educacional,
em grande parte eram formadas por profissionais liberais compondo a primeira
geração de imigrantes latino-americanos.
21
Xavier (2010) e Rossi (2005) afirmam que o Fluxo de emigração na Bolívia foi
intenso nesse período e atestam que este passou a ser um país considerado “de
evasão populacional”. Nesse quadro, ambas as autoras trazem informações acerca
22
da situação de pobreza que ensejou a imigração dos bolivianos para o Brasil, seja
através de entrevistas a esses imigrantes, seja a autoridades bolivianas como a cônsul
da Bolívia.
O que aconteceria é que as pessoas do interior iriam até cidades como El Alto
em busca de trabalho, mas chegando lá se vem com dificuldades de encontrar
trabalho. Um dos motivos, a pouca ou quase nenhuma instrução que possuem. Nesse
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contexto, abre-se espaço para aceitarem ofertas de aliciadores que, conhecendo esse
fluxo de pessoas necessitadas e que vem do interior para a cidade de El Alto, os instá
a emigrar para outro país como a Argentina e o Brasil. A literatura pesquisada, como
os de Rosana Baeninger (2012), Sidney Silva (1997) e Camila Rossi (2005), tratam
sobre o ingresso ilegal de bolivianos no Brasil, e o mercado rentável que se criou para
“ajudar” esses imigrantes atravessarem a fronteira.
Contudo, como esse não é objeto de pesquisa deste trabalho, é suficiente que
o leitor esteja ciente de qual região geográfica1 da Bolívia são provenientes os
bolivianos que predominantemente chegam até a cidade de São Paulo. Isso porque
essas pessoas parecem ter maiores contrastes culturais, de idioma e traços físicos.
Nos textos estudados descreve-se um desses contrastes da seguinte forma:
A literatura, como o Sidney Silva (2017) e Lis Oliveira (2013) mostram o lado
perverso dessa concepção social nas escolas de São Paulo, com relatos cruéis de
Bullyng contra estudantes bolivianos. Embora não seja o interesse desta pesquisa
discorrer sobre esse outro grave problema, se faz necessário mencioná-lo porque
reflete, sem dúvida, posturas preconceituosas advinda de percepções estigmatizantes
que se tem sobre os bolivianos.
é inegável que a nova Lei de Migração veio para atenuar essas condições, e
tem como objetivo integrar os imigrantes na plenitude da igualdade com os
nacionais. Todavia, apenas a inclusão de uma boa legislação e que, inclusive,
esteja em consonância aos direitos humanos, não dá conta de trazer
ressignificação a vida dessas pessoas. (Menezes, 2020, p.99)
tudo isso pensando em juntar dinheiro para voltar” (Battisti, 2014, p.75). Sobre esse
relato, a literatura acadêmica, relatórios produzidos por organizações de direitos
humanos, matérias vinculadas pela imprensa, todos esses meios dão conta do grande
contingente de imigrantes bolivianos que entram ao país à procura de trabalho e se
submetem a condições degradantes de trabalho.
Ao tentar compreender os fatores que contribuem para tal cenário, da análise
da literatura pesquisada, depreende-se que os imigrantes bolivianos, embora tenham-
se mudado para um novo lugar, preservam o desejo de voltar para sua terra. Sobre
esse sentimento de provisoriedade, Sayad (1997) afirma que os imigrantes possuem
determinadas ilusões, como a de que sua presença será curta. Na perspectiva deles,
existe uma neutralidade em proveito de uma função econômica, visando a
necessidade do momento. Portanto, a “ilusão do provisório”, na perspectiva de Sayad
(1997), é fundamental para que o imigrante se conforme com a condição na qual se
encontram, ou seja, aceitem se submeter à situação de exploração e abusos
“somente” até conseguirem juntar uma quantia em dinheiro.
Rossi (2005), traz uma interessante informação que retrata o pensamento de
Sayad (1997) sobre a motivação econômica. A autora faz as seguintes considerações,
ao comparar os bolivianos com os imigrantes paraguaios.
Camila Faria (2005), outra autora que também teve como objeto de pesquisa
o sistema de funcionamento da feirinha, diz que a formação e a manutenção da Feira
da Madrugada não ocorreram de forma tranquila. Seriam constantes os conflitos que
colocam em oposição camelôs, lojistas, fiscais da prefeitura e policiais, bem como
outros setores econômicos. Esses conflitos se configuram como situações
importantes para o entendimento das transformações que ocorreram no interior desse
espaço. Por exemplo, o Estado, no caso representado pela Prefeitura Municipal da
cidade de São Paulo, atuava em prol dos lojistas e pela retirada dos camelôs e
ambulantes da Rua 25 de Março (final dos anos 90). Devido à repressão do estado,
os camelôs da Rua 25 de Março começaram a buscar outros espaços para atuarem.
Nesse contexto, de acordo com Battisti (2014)
2 O Pátio Pari é um grande terreno de propriedade da Rede Ferroviária Federal que anteriormente
3 O termo sacoleiro é utilizado para definir sujeitos que possuem como prática de trabalho viajar até
os centros comerciais como a fim de adquirir mercadorias para serem revendidas em suas cidades
de origem, aproveitando-se assim das diferenças de preço entre um local e outro.
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competitivos podem vender seus produtos na feira sem ter que arcar com altos custos
de aluguel e infraestrutura. Além disso, a abordagem mais flexível para o trabalho,
especialmente para aqueles que ainda não têm todos os documentos necessários
para se regularizar no país. Eles podem trabalhar como autônomos e, assim, evitar
algumas das restrições que poderiam enfrentar ao buscar emprego formal.
A clientela diversificada é também um atrativo, dado que é frequentada por
um grande número de pessoas, desde moradores locais até turistas e compradores
em atacado. Essa diversidade de clientes potenciais pode aumentar as chances de
vendas e crescimento nos negócios dos imigrantes. É importante destacar que,
embora a Feira da Madrugada ofereça oportunidades de obtenção de renda, também
apresenta desafios para os imigrantes. A competição acirrada e as condições de
trabalho informais a tornam num cenário perfeito para crimes de extorsão e roubos,
seja por grupos criminosos, assim como por autoridades fiscalizadoras, o que será
delineado no segundo capítulo deste trabalho.
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estes imigrantes bolivianos a que nos referimos percorreram nos últimos vinte
anos uma trajetória de trabalho bastante similar. Chegando ao Brasil eles
foram trabalhar em oficinas de costura pertencentes a imigrantes coreanos.
Em um segundo momento eles montaram a suas próprias oficinas para
prestarem serviço aos mesmos imigrantes coreanos; posteriormente
começaram a comercializar a sua produção diretamente aos consumidores.
Nesta nova etapa de sua trajetória o local de inserção será a Feira da
Madrugada, o qual analisaremos nesta pesquisa. (Battisti, 2014, p.13)
está sendo tramitado. Dois, dos casos escolhidos se dão em razão da visibilidade
midiática à época em que foram deflagradas; e uma, foi obtida através de pesquisa
na jurisprudência do Tribunal, procurando-se por termos como “extorsão, bolivianos,
feirinha da madrugada”.
4
O que se verifica é que estes imigrantes visando outras alternativas de obtenção de ganhos
financeiros, lançaram-se a um novo empreendimento, e que de certa forma, segue o mesmo
percurso seguido pelos coreanos. Estes inicialmente eram costureiros, mas aos poucos foram
cedendo espaço para as levas de imigrantes pobres que chegavam ao Brasil, como os bolivianos,
assim eles partiram para a dedicação de exclusiva de administração comércio, abrindo lojas na
região do Bom Retiro.
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Como se pode ver, esses comerciantes não só devem cuidar das vendas, mas
também da produção de suas próprias mercadorias. Apesar de poderem atingir uma
renda maior, mantêm a jornada estendida de trabalho, pois precisam tratar da compra
dos tecidos, entrega de materiais e negociações com os trabalhadores que são
contratados para ajudar na produção dessas mercadorias. Ou seja, após encerrar a
jornada de trabalho na Feirinha não vão direto para casa, mas permanecem ocupados
em administrar a continuidade de seu empreendimento como feirante do Brás
(Rangel, 2019).
“Tivemos um box no galpão por cinco anos, mas agora vou arriscar neste
ponto aqui na rua”, declara o boliviano Vicente Flores, de 41 anos, 14 deles
no Brasil, enquanto ajeita sua barraca onde vende saídas de praia. “Tem
mais muito mais movimento na rua e o aluguel é mais barato” (Aranha,
2017).
3.2.1 Caso 1
3.2.2 Caso 2
Santiago Ramos Choque: relatou que o acusado lhe cobrava uma taxa de
cinquenta reais; no entanto, ao final do ano o réu chegou a lhe cobrar
quinhentos reais, depois quatrocentos, além de multas que variavam,
cinquenta reais, oitenta reais, dinheiro que era embolsado pelo acusado.
Quem não pagasse, perdia o ponto. Nas cobranças, não havia agressões.
Foi agredido fisicamente pelos seguranças do acusado, chegando inclusive
a desmaiar. Depois da prisão do acusado, as cobranças pararam. Hoje,
pagam o valor de cinquenta reais diretamente aos seguranças. Atualmente,
outra associação cuida do lugar; na verdade, há diversas associações
no local, mas não lhes cobram valores. No tempo do acusado, havia
segurança, limpeza, energia.
Edison Jhazmani Condori: declarou que pagava cinquenta reais por
semana ao acusado, e que, após um atraso no pagamento, teve sua
barraca quebrada pelos seguranças do acusado. No mês seguinte,
aconteceu a mesma coisa. Além da taxa semanal de cinquenta reais, era
preciso pagar quinhentos reais para o cadastramento. Quem não
pagasse, era expulso do lugar. Sua mãe foi ameaçada e o declarante foi
agredido por dois seguranças do acusado. A taxa era para luz e
segurança; havia luz e segurança, mas os seguranças não os protegiam,
mas sim os ameaçavam, cobrando. Atualmente, a cobrança continua,
mas já não trabalha no local. A confusão começou depois que tentaram
aumentar o valor da taxa para setenta reais (fls 930, Apelação Criminal
nº0083867-08.2018.8.26.005,). Grifou-se.
exploração dos feirantes que ali querem vender seus produtos e, que os conflitos de
interesse são resolvidos pelo uso da força e da violência. Ainda, desse caso é possível
constatar o que foi apontado por Itikawa (2006), que a extorsão muitas vezes parte de
um trabalhador da feira que possui influência nos demais feirantes e que geralmente
faz a arrecadação direta das taxas, e assim numa cadeia, é repassado o dinheiro até
chegar a pessoas de influência; sejam autoridades policiais, servidores da prefeitura
ou outras pessoas influentes. No caso em questão, era feito por um próprio imigrante
boliviano à seus demais compatriotas, seguindo o fluxo dos comandos que imperam
nesse local.
Num contexto de vulnerabilidade, como se procurou descrever ao longo deste
trabalho, sobre os imigrantes bolivianos, não é difícil de concluir que essa comunidade
pode ser um “alvo mais fácil”. Simultaneamente, o fato deste imigrante boliviano ter
sido apontado como responsável pelo fato e ter sido condenado em duas instâncias
da justiça também aponta para a sua vulnerabilidade perante o sistema penal. Ou
seja, assim como a população boliviana é mais vulnerabilizada pelo preconceito e pela
situação da clandestinidade em que muitas vezes operam na feirinha, ela também é
mais vulnerabilizada perante o sistema de controle penal quando algo efetivamente
chega a ser investigado e um processo penal ocorre. Esse processo é bastante
conhecido no campo da criminologia crítica como seletividade penal, os quais
abordados por Zaffaroni (1991) e Andrade (1995).
Além de buscar um espaço para vender nas ruas onde ocorre a feira, outra
grande preocupação dos trabalhadores desse comércio é com a mercadoria que é
posta a venda. A origem das mercadorias que circulam pelo comércio do Brás é
diversa, mas três são as procedências mais importantes:
3.3.1 Caso 3
Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Outro ponto que merece ser discutido aqui, mencionado por Rangel (2019), é
como esses imigrantes costumam guardar o dinheiro posto que grande parte das
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os imigrantes são alvo dos crimes por não utilizar o sistema bancário,
“guardando em casa o dinheiro obtido por meio do trabalho”. Outro fato é que
normalmente as vítimas na registram ocorrência. Por isso, o delegado
Nogueira não sabe se outras pessoas vão dar queixa a partir da prisão desta
segunda e quantas podem ter sido vítimas da quadrilha. “ Como trabalham
57
4 CONCLUSÃO.
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