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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO

Gladys Choque Alconz

IMIGRAÇÃO TRABALHO E MEDO: Percepção sobre casos de extorsão à comunidade


boliviana na feirinha da madrugada do Brás em São Paulo (2000 – 2022).

Florianópolis – SC
2023
Gladys Choque Alconz

IMIGRAÇÃO TRABALHO E MEDO: Percepção sobre casos de extorsão à


comunidade boliviana na feirinha da madrugada do Brás em São Paulo (2000 –
2022).

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao


curso de Direito do Centro Ciência Jurídicas da
Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Marília de Nardin Budó.


Coorientadora: Mariana Dutra de Oliveira Garcia.

Florianópolis
2023
Gladys Choque Alconz

IMIGRAÇÃO TRABALHO E MEDO: Percepção sobre casos de extorsão à comunidade


boliviana na feirinha da madrugada do Brás em São Paulo (2000 – 2022).

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do título de
Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito.

Local Florianópolis, 29 de agosto de 2023.

___________________________
Coordenação do Curso
Banca examinadora

____________________________
Profa. Dra. Marília de Nardin Budó
Orientadora

____________________________

Mariana Dutra de Oliveira Garcia


Coorientadora

Prof. Dr. Arno Dal Ri Júnior


Professor - UFSC

Karine Agatha França


PPGD

Florianópolis
2023
“[...] esse é o preço de ser estrangeiro, às vezes você precisa engolir, te ameaçam, você
não foi criado assim com ameaças, às vezes você tem que engolir, ficar calado, porque é
difícil, mas esse é o preço do estrangeiro até hoje” (Silva, 2017, p. 270).

Dedico este trabalho a todos as pessoas que residem fora da seu país de origem e
ainda tem essa percepção, e os digo: Não! Vocês não devem “engolir” qualquer tipo
de ato discriminatório ou de violência provocado em razão da origem.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família que sempre me apoiou e me motivou em meus


estudos para minha preparação profissional, mesmo que isso, tenha-me levado a ficar
geograficamente distante deles. Em especial, quero agradecer minha Irmã/Mãe
Raquel que sempre me ensinou a ser persistente nos meus objetivos e sonhos,
principalmente quando eles se mostrarem inalcançáveis. Os seus ensinamentos
foram muito necessários ao longo da faculdade e para concluir este trabalho de
conclusão de curso.

A Kainara, minha tutora do Programa de apoio e orientação pedagógica para


estudantes da graduação, ela me ajudou muito na minha vida acadêmica me dando
suporte emocional e pedagógica nos meus últimos semestres do curso, que foram
fundamentais na minha aprovação na OAB e na elaboração deste TCC.

Aos meus amigos Helena, Daniella, Samira, Sabrina, Leonám, Thiago e


Vinícius por que trouxeram muita leveza e alegria para minha graduação, sempre
pude contar com a parceria deles.

A minha orientadora Marília Budó que abraçou o meu desejo de escrever um


trabalho que, embora não fizesse parte da sua linha de pesquisa, acolheu-me nas
minhas inquietações. Igualmente agradeço a minha coorientadora Mariana, que com
muito carinho e paciência também se dispôs a me dar um norte para saber como
deveria abordar o tema do meu trabalho.

Também, agradeço a Pietra, a quem tive o prazer de conhecer no início deste


ano, trabalhando no mesmo escritório e que gentilmente se ofereceu para revisar a
escrita deste trabalho.

Como é possível ver, embora o trabalho de TCC requer um pouco de solidão


ao longo do processo de pesquisa e escrita, eu tive ao meu redor muitas pessoas
solícitas a me dar suporte quando foi necessário
CLANDESTINO

solo voy con mi pena


sola va mi condena
correr es mi destino
para burlar la ley
perdido en el corazón
de la grande babylon
me dicen el clandestino
por no llevar papel
pa' una ciudad del norte
yo me fui a trabajar
mi vida la dejé
entre ceuta y gibraltar
soy una raya en el mar
fantasma en la ciudad
mi vida va prohibida
dice la autoridad
solo voy con mi pena
sola va mi condena
correr es mi destino
por no llevar papel
perdido en el corazón
de la grande babylon
me dicen el clandestino
yo soy el quiebra ley
mano negra clandestina
peruano clandestino
africano clandestino
marijuana ilegal
solo voy con mi pena
sola va mi condena
correr es mi destino
para burlar la ley
perdido en el corazón
de la grande babylon
me dicen el clandestino
por no llevar papel
argelino clandestino
nigeriano clandestino
boliviano clandestino
manu negra ilegal
mano chao
RESUMO

O objetivo deste trabalho é investigar a ocorrência de casos de extorsão à comunidade


boliviana na feirinha da madrugada do Brás em São Paulo. Diante disso, o problema
de pesquisa se encontra na pergunta: “imigrantes bolivianos que trabalham na feirinha
da madrugada do Brás, podem ser mais suscetíveis a serem vítimas de extorsão? ”
Tem-se como hipótese que, o estigma atrelado ao contexto de informalidade do
trabalho na feirinha da madrugada são fatores que influência diretamente a que
imigrantes bolivianos sejam mais suscetíveis a serem vítimas de extorsão. Para
desenvolver a investigação, utiliza-se do método qualitativo, partindo de uma análise
indutiva, por meio de pesquisa bibliográfica, judicial e fontes de notícia com o fim de
explorar e analisar os dados contidos nesses materiais. O problema de pesquisa se
encontra na pergunta: os imigrantes bolivianos que trabalham na feirinha da
madrugada do Brás podem ser mais suscetíveis a serem vítimas de extorsão? Tem-
se como hipótese principal que o estigma de que os bolivianos pairam na
informalidade, atrelado ao contexto do sistema de funcionamento da feirinha da
madrugada, são fatores que influenciam diretamente a que os imigrantes bolivianos
sejam mais suscetíveis a serem vítimas de extorsão. O estigma, porque são tidos
como mais vulneráveis, seja porque não dominam o idioma, desconhecem a
legislação nacional, seja pelos estereótipos enraizados socialmente de que são
“mansos e indefesos”. A informalidade, porque por estarem em condições de
irregularidade documental, seja do trabalho desenvolvido na feirinha, sua estadia no
Brasil, seja porque não conseguiriam buscar ajuda ou fazer denúncias pelo medo de
sofrerem represálias das autoridades públicas. E, a feirinha da madrugada, porque
trabalhar nesse local representa o manejo de dinheiro em espécie e sem lastro
(advindo do contexto de informalidade do local), o que o faz desse território preterível
para crimes de extorsão.

Palavras-chave:Imigrantes bolivianos; São Paulo; Feirinha da Madrugada;


Vulnerabilidade, Clandestinidade, Extorsão.
ABSTRACT

The objective of this work is to investigate the occurrence of cases of extortion against
the Bolivian community at the Brás night market in São Paulo. In view of this, the
research problem lies in the question: “Can Bolivian immigrants who work at the Brás
night market be more susceptible to being victims of extortion? ” It is hypothesized that
the stigma attached to the context of informal work at the late-night market are factors
that directly influence Bolivian immigrants to be more susceptible to being victims of
extortion. To develop the investigation, a qualitative method is used, starting from an
inductive analysis, through bibliographical and judicial research and news sources in
order to explore and analyze the data contained in these materials. The research
problem lies in the question: can Bolivian immigrants who work at the Brás night market
be more susceptible to being victims of extortion? The main hypothesis is that the
stigma that Bolivians hover in informality, linked to the context of the dawn market
system, are factors that directly influence Bolivian immigrants to be more susceptible
to being victims of extortion. Stigma, because they are seen as more vulnerable, either
because they do not master the language, are unaware of national legislation, or
because of socially rooted stereotypes that they are “meek and defenseless”.
Informality, because they are in conditions of document irregularity, whether from the
work carried out at the fair, their stay in Brazil, or because they would not be able to
seek help or make complaints for fear of suffering reprisals from public authorities.
And, the dawn market, because working there means handling money in cash and
without ballast (arising from the context of the informality of the place), which makes it
an undesirable territory for extortion crimes.

Keywords: Bolivian immigrants; São Paulo; Feirinha da Madrugada; Vulnerability,


Clandestine, Extortion.
RESUMEN

El objetivo de este trabajo es investigar la ocurrencia de casos de extorsión contra


la comunidad boliviana en el mercado nocturno de Brás en São Paulo. Ante esto, el
problema de investigación radica en la pregunta: “¿Pueden los inmigrantes
bolivianos que trabajan en el mercado nocturno de Brás ser más susceptibles a ser
víctimas de extorsión? Se plantea la hipótesis de que el estigma asociado al contexto
de trabajo informal en el mercado nocturno son factores que influyen directamente
en que los inmigrantes bolivianos sean más susceptibles a ser víctimas de extorsión.
Para desarrollar la investigación se utiliza un método cualitativo, partiendo de un
análisis inductivo, a través de investigaciones bibliográficas, judiciales y de fuentes
periodísticas con el fin de explorar y analizar los datos contenidos en estos
materiales. El problema de la investigación radica en la pregunta: ¿pueden los
inmigrantes bolivianos que trabajan en el mercado nocturno de Brás ser más
susceptibles a ser víctimas de extorsión? La principal hipótesis es que el estigma
que sobrevive a los bolivianos en la informalidad, vinculado al contexto del sistema
de mercado del alba, son factores que influyen directamente en que los inmigrantes
bolivianos sean más susceptibles a ser víctimas de extorsión. Estigma, porque se
les considera más vulnerables, ya sea porque no dominan el idioma, desconocen la
legislación nacional o por estereotipos socialmente arraigados de que son “mansos
e indefensos”. Informalidad, porque se encuentran en condiciones de irregularidad
documental, ya sea por el trabajo realizado en la feria, su estadía en Brasil, o porque
no podrían buscar ayuda o presentar denuncias por temor a sufrir represalias de las
autoridades públicas. Y, el mercado de la madrugada, porque trabajar allí implica
manejar dinero en efectivo y sin lastre (derivado del contexto de informalidad del
lugar), lo que lo convierte en un territorio indeseable para delitos de extorsión.

Palabras clave: inmigrantes bolivianos; São Paulo, Feirinha da Madrugada;


Vulnerabilidad, Clandestino, Extorsión.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Imigrantes em São Paulo por Nacionalidade entre 2010 e 2019 ............. 19
Figura 2 – Manchete de Jornal sobre a feirinha da madrugada ................................ 51
Figura 3 – Manchete de Jornal sobre a feirinha da madrugada ................................ 22
Figura 4 – Manchete de Jornal sobre caso de assalto a bolivianos .......................... 25
12

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo.


OBmigra Observatório das Migrações Internacionais
DEMIG Departamento de Migrações
MJSP Ministério da Justiça de Segurança Pública
CP Código Penal
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 14
2 CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA IMIGRAÇÃO BOLIVIANA EM
SÃO PAULO. ............................................................................................................ 18
1.1 OS PRIMEIROS GRUPOS DE IMIGRANTES BOLIVIANOS NO BRASIL. 20
1.2 A LEI DE MIGRAÇÃO NO BRASIL ............................................................ 25
2.3 O TRABALHO E A PROVISORIEDADE..................................................... 29
2.4 FEIRINHA DA MADRUGADA DO BRÁS ............................................................ 32
3 DAS OFICINAS DE COSTURA PARA O COMÉRCIO NA FEIRINHA DA
MADRUGADA. ......................................................................................................... 38
3.1 A LIBERTAÇÃO DA DEPENDÊNCIA DOS COREANOS ................................... 39
3.2 A FEIRINHA DA MADRUGADA EM MEIO À CLANDESTINIDADE .................... 42
3.2.1 Caso 1.............................................................................................................. 46
3.2.2 Caso 2............................................................................................................ 47
3.3 A INFORMALIDADE TAMBÉM NO COMÉRCIO ................................................ 49
3.3.1 Caso 3.............................................................................................................. 51
3.4 O GUARDAR DINHEIRO EM ESPÉCIE ............................................................. 54
4 CONCLUSÃO ............................................................................................ 58
14

1 INTRODUÇÃO

Estudos recentes e a bibliografia pesquisada, mostram que os imigrantes


bolivianos estão entre os estrangeiros de maior número que residem na cidade de
São Paulo (OBMigra,2020). Essas mesmas pesquisas trazem informações e
discussões referentes a problemas e desafios decorrentes da migração dessa
população, com enfoque no trabalho nas oficinas de costura; a precariedade das
condições de vida desses imigrantes; a exploração como mão obra no mercado têxtil;
questões de ilegalidade e informalidade; estigmas construídos pela sociedade e
veiculados pela mídia; e, mais recentemente, a sua inserção no comércio nas feiras
de rua em São Paulo (Silva S. 2017).
No entanto, percebe-se que a discussão sobre a ocorrência de crimes de
extorsão à comunidade boliviana na Feirinha da Madrugada é ainda incipiente na
academia, pois, se abordados, são analisados de maneira tangencial. Sendo assim,
este trabalho parte da análise da bibliografia existente sobre essa comunidade e o
local denominado “feirinha da madrugada” do Brás, os quais, serão analisados em
conjunto com os dados contidos em fontes de notícia e, três processos do Tribunal de
Justiça de São Paulo. Assim, traz-se à universidade esta reflexão, como meio de
alcançar o objetivo principal deste presente trabalho.
A escolha deste tema surge a partir de uma experiência que esta autora (eu)
vivenciou em novembro de 2020.
Minha família e eu somos imigrantes bolivianos, residimos no Brasil há mais
de 15 anos, meus pais (chamo de Pais minha irmã e seu esposo, eles me trouxeram
para o Brasil quando eu tinha 8 anos, após o falecimento de minha mãe), eles
trabalharam exclusivamente na costura por muitos anos, posteriormente se inseriram
no comércio, embora não exatamente na feirinha da madrugada, mas sim na mesma
região do Brás.
O trabalho árduo de meus pais como costureiros e depois empreendendo no
comércio, vendendo mercadorias de produção própria, abriu portas para que nossa
família pudesse alcançar uma vida com melhores oportunidades e qualidade de vida
aqui no Brasil. Mas, não há como negar que quando chegamos ao Brasil, as condições
eram de fato precárias, não tínhamos sequer móveis, todos dormíamos em um só
quarto e meus pais trabalhavam desde muito cedo até a tarde da noite, ganhando
15

muito pouco. Logo, advém da realidade o motivo pelo qual sejamos conhecidos
porque trabalhamos por extensas horas. Entretanto, ao meu ver, naquela época meus
pais não tinham ou desconheciam outras opções para manter nossa família
alimentada. Igualmente cabe explicitar que há sim diversos casos em que bolivianos
se veem privados de sua liberdade e amedrontados para não deixarem de se
submeter a horas extensas de trabalho, ou seja, a abusos. Algo que claramente deve
ser reprovado e combatido.
Por outro lado, os enxergar pelo olhar simplista dos estigmas negativos que
se foram construídos sobre a comunidade boliviana em São Paulo, diante dos
problemas que enfrentam enquanto migrantes, é perpetuar e os reduzir a esses
estigmas, olvidando suas histórias de perseverança e esforços para cuidar de suas
famílias que ficaram na Bolívia, e, simplesmente descartar e julgar inexistente suas
histórias de superação. Traz-se isso, porque o estigma que foi construído de nós -
bolivianos - como “ilegais e escravizados”, tornou-se uma arma para que minha família
em novembro de 2020 sejamos vítimas de extorsão por policiais civis de uma
delegacia próxima da nossa casa. Os agentes entram de maneira ilegal na nossa
residência justificando a invasão por que teriam recebido uma denúncia anônima de
que naquele local ocorreria trabalho escravo. Após vasculharem cada andar do imóvel
e mesmo havendo constatado que não havia nada que justificasse qualquer tipo de
crime ou infração penal, exigiram de meu pai uma quantia de 70 mil reais, e que se
não pagos ele seria levado à delegacia.
Nunca havia visto minha família e a mim tão vulneráveis pelo simples fato de
sermos imigrantes bolivianos, e uso aqui a palavra “bolivianos” não como um
substantivo mais com um adjetivo difamtório. Pois, nesse dia, e nos próximos que se
seguiram, pude compreender que a percepção negativa que se tem dos imigrantes
bolivianos chega ao ponto de tornar-se um perigo para nós, uma agravante que
excede os desafios próprio da imigração. Muito embora minha própria história seja a
justificativa pela escolha do tema, procurei sair do meu ângulo subjetivo trazendo
materiais que tratam sobre o tema, tendo em vista que este é um trabalho de
conclusão de curso.
O trabalho desenvolvido tem natureza exploratória e descritiva, consistirá em
um estudo de pesquisa bibliográfica. As fontes serão principalmente trabalhos de
graduação, mestrado e doutorado como os de Cesar Battisti (2014), Sidney de Souza
Silva (2017), Iara Rolnik Xavier (2010), Vera da Silva Telles e Daniel Veloso Hirata
16

(2010), Camila Lins Rossi (2005) e Luciana Itikawa (2006) e Abdelmalek Sayad
(1998). Também, serão utilizados artigos, notícias de jornais, e dois casos de extorsão
a imigrantes bolivianos que foram julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo,
além de um outro que ainda está em tramite, os quais, trazem concretude à hipótese
desta pesquisa.
A pesquisa parte do método qualitativo, que segundo Minayo (2009, p.58) tem
como principal verbo da pesquisa “compreender, compreender valores, relações,
atitudes, crenças, hábitos e representações e a partir desses fenômenos interpretar a
realidade”. Assim, trata-se de uma metodologia indutiva que, nas ciências sociais,
preocupa-se com o nível de realidade que não deveria ser quantificado, trabalhando
no universo dos significados, dos motivos da pesquisa social.
Por exemplo, na análise de dois julgados do TJSP, não se objetiva descrever
e analisar a aplicação dos comandos normativos e atuação das sanções que os
acompanham e caracterizam o crime de extorsão, muito menos fazer qualquer tipo de
julgamento sobre as partes (réus e vítimas). S objetiva é extrair informações que
dizem respeito à hipótese deste Trabalho de Conclusão de Curso, dado que possui
registradas as informações de interesse da pesquisa e, principalmente em um nível
descritivo, assim, “pode de fato haver boa dose de objetividade na tarefa do
pesquisador” (Machado, 2017, p.277). Ou seja, o uso desses documentos permite que
haja um maior isolamento de interferências do observador “ (Cellard, 2012, p. 295).
Para isso, a fim de dar subsídios para a compreensão desta pesquisa, no
primeiro capítulo irá se tratar sobre imigração boliviana, e como esta comunidade tem-
se inserido no mercado de trabalho no Brasil, mais especificamente em São Paulo.
Na seção 2.1 se fará referência a dados históricos dos primeiros imigrantes que
chegaram ao Brasil com o fim de compreender o perfil socioeconômico desses que
optam por sair de Bolívia, assim como, o que os leva a emigrar, e os desafios de se
inserirem numa nova nação de idioma, traços físicos e culturais diferentes que o seus.
Entre esses desafios destaca-se o preconceito, advindos de estereótipos -“índios,
ilegais, escravos” - que foram sendo construídos sobre a os bolivianos, os quais, os
tornam alvos de zombaria e agressões físicas em diversos contextos, seja nas
escolas, trabalho, inter-relação com imigrantes de outras nacionalidades, seja com os
nacionais.
Na seção 2.2, aborda-se a legislação vigente no Brasil fazendo uma
comparação entre a o Estatuto do Estrangeiro, o qual prevaleceu durante o contexto
17

histórico em que os imigrantes em condições de hipossuficiência passaram a migrar


para o Brasil e a Lei de Imigração, que foi promulgado muito recentemente a presenta
um tratamento mais igualitária entre o estrangeiro e os nacionais. Na seção 2.3,
discorre-se sobre o sentimento de provisoriedade dos bolivianos, a ilusão de que se
manterão no Brasil por um tempo limitado. Tendo vindo para o Brasil com o fim de
juntar um dinheiro e voltar para a Bolívia pois, isso os induziria a se permitirem a
trabalhar em condições precárias e horas exaustivas, evidenciando-se como foi criado
mais um estigma sobres esses estrangeiros. Na seção 2.4, apresenta-se ao leitor o
que é a feirinha da madrugada, e como o seu estabelecimento no bairro do Brás atraiu
os imigrantes bolivianos a começarem a se arriscar nas vendas de produtos.
Além desses aspectos que devem ser levados em consideração para que o
leitor possa compreender o problema desta pesquisa, são importantes para entender
o significado da palavra “vulnerabilidade”, quando usados com referência aos
imigrantes bolivianos. Sendo assim, o segundo capitulo, expõem o processo de
inserção dos imigrantes no comércio da feirinha da madrugada, o que evidência que
estes não estão mais trabalhando exclusivamente na costura, mas que ocupam novos
espaços do mercado de trabalho. Na seção 3.1, irá se discorrer sobre a “libertação”
da dependência dos trabalhos ofertados pelos imigrantes coreanos, descrevendo-se
como se deu essa transição, pois isto permitiu uma ascensão econômica de muitos
desses imigrantes. Na seção 3.2, aborda-se o sistema de funcionamento da feirinha
da madrugada, as questões de disputas por espaços nas vias públicas, e que são
vistas como mercadorias a serem comercializadas por aqueles que detém o poder de
controle desses territórios. Para maior elucidação e análise, traz-se 2 casos do TJSP.
Na seção 3.3, se discorre sobre o contexto de informalidade que se perpetua nos
trabalhos desenvolvidos pelos imigrantes na feirinha da madrugada, os quais, também
perpetuam a vulnerabilidade de estarem mais propensos a serem perseguidos e
ameaçados por estarem nessas condições. Por último, na seção 3.4, aponta-se para
a prática de guardar dinheiro em espécie como um elemento de maior propensão a
que esses imigrantes sejam vítimas de extorsão, pois a entrega dos valores dessa
forma, dificulta a que as denúncias possam ser feitas.
18

2 CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA IMIGRAÇÃO BOLIVIANA EM SÃO


PAULO.

Embora estudos demográficos tragam dados quantitativos a respeito dos


imigrantes bolivianos que residem na cidade de São Paulo, estes mesmos afirmam
que esses números não são exatos, porque muitos desses imigrantes se mantêm de
maneira irregular no País. Por outro lado, é um consenso nesses estudos e na
bibliografia pesquisada que a presença boliviana em São Paulo está consolidada
(RAMOS, 2016). Nesse contexto, não se pode negar que há uma necessidade de
olhar e discutir os problemas sociais que essa população vivencia em território
brasileiro.
O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra, 2020), em relatório
produzido a partir de uma parceria com o departamento de Migrações (DEMIG) do
Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e outros órgãos públicos,
apresentou uma sistematização de estudos relevantes para a migração internacional
no Brasil por meio estudos, como coleta de dados. Sustentado por pesquisas nas
diversas bases de dados, traz diferentes perspectivas de análise que contribuem para
entender melhor as migrações internacionais no Brasil. O relatório de 2022, por
exemplo, traz análises sobre a presença de crianças e mulheres no fenômeno
migratório, a inserção laboral de imigrantes no mercado formal, as remessas
monetárias no contexto da migração internacional e o acesso dos imigrantes aos
benefícios sociais (OBMigra,2022).
Esse relatório é produzido anualmente com enfoques diferentes, alguns
desses dados extraídos do relatório publicado no ano de 2020 serão apresentados a
seguir.
São Paulo mante-se, atualmente, entre os lugares que mais recebe imigrantes
no Brasil, indica-se que entre o ano de 2010 e 2019, as principais regiões a receber
imigrantes de longo termo foram da Região Sudeste, representando 44% do total
registrados, concentrados principalmente no Estado de São Paulo (OBMigra, 2020)
As nacionalidades dos imigrantes de maior número em São Paulo entre os
anos de 2010 e 2019 consta na Figura 1 abaixo:
19

Figura 1: Imigrantes em São Paulo por Nacionalidade entre 2010 e 2019.

Fonte: OBmigra (2020)

Do gráfico infere-se que os imigrantes bolivianos são o terceiro maior números


registrados de longo termo. Os nacionais da Venezuela ocupam o primeiro lugar, os
de Paraguai em segundo e Haiti em quarto, juntos representam 53% (cinquenta e três
por cento) do total de registros. Não há dúvida de que os imigrantes bolivianos são
uma parcela significativa da população estrangeira que ingressa no Brasil, e em sua
maioria residem na cidade de São Paulo, por um período não curto ou passam a morar
definitivamente.
Neste primeiro capítulo, objetiva-se tratar sobre o fenômeno social da
imigração boliviana na cidade de São Paulo a partir de uma análise qualitativa, dado
que São Paulo não somente é o município que mais recebe bolivianos no Brasil, mas,
também, nele está localizado um dos maiores circuitos comerciais da América Latina,
que é a Feirinha da Madrugada do Brás, estudada nesta pesquisa. Ao longo das
últimas duas décadas, este espaço tem se tornado muito atrativo comercialmente, e,
em razão disso, o número de imigrantes ocupando esse espaço também tem
aumentado.
Nesse contexto, tem-se como um dos objetivos desta pesquisa compreender
como ocorreu a transição dos imigrantes, bolivianos, das oficinas de costura para o
trabalho de vendas no comércio informal. E, concomitantemente, compreender as
20

circunstâncias, como a informalidade e a vulnerabilidade, que constantemente


parecem estar em volta desses imigrantes.
A literatura nos traz vastas obras quanto à exploração dessa comunidade
como mão de obra no ramo de confecção, mas, e como é agora que estes estão se
inserindo na feirinha da madrugada? O problema desta pesquisa, como já levantado
na introdução, é: de que forma a inserção dos imigrantes bolivianos na feirinha da
madrugada do Brás se relaciona com a sua maior exposição e vulnerabilização à
extorsão, quando comparado a outros comerciantes que exercem suas atividades nas
mesmas condições de trabalho.
A hipótese que foi construída ao longo do trabalho aponta para a compreensão
de que, em sistemas de organização funcional regidos pela clandestinidade, como o
que predomina na feira da madrugada do Brás, é possível que pessoas imigrantes,
racializadas e muitas vezes não documentadas sejam um alvo fácil para organizações
criminosas, como as milícias, por um lado, e, por outro lado, para a atuação corrupta
de funcionários públicos.
Mas, antes de adentrar nas discussões sobre esse tema, é importante trazer
o contexto histórico e social extraídos da literatura, a fim de apresentar as bases que
conduzem a hipótese do problema de pesquisa deste trabalho.

1.1 OS PRIMEIROS GRUPOS DE IMIGRANTES BOLIVIANOS NO BRASIL.

De acordo com a tese mais difundida, a partir dos trabalhos de Sidney da Silva
(1997), que ecoou em quase todos os estudos sobre bolivianos no Brasil, os primeiros
fluxos de imigrantes bolivianos teriam chegado na década de 1950. Segundo o autor,
os fluxos teriam se dado em detrimento dos acordos bilaterais entre os governos da
Bolívia e do Brasil, os quais incentivaram intercâmbios estudantis, que após a
conclusão dos estudos permaneceram no País. Mas também há uma segunda tese
contrapondo a tese de Silva, qual é dado pelo pesquisador Xavier (2010). Para este
último, o fluxo de imigrantes bolivianos iniciado na década de 1950 se deu em razão
do bom momento vivido pela economia brasileira; à época, o Brasil atraia imigrantes
dos países limítrofes, qual possuíam como característica o elevado nível educacional,
em grande parte eram formadas por profissionais liberais compondo a primeira
geração de imigrantes latino-americanos.
21

Porém, a partir da década de 1980 houve um aumento significativo no fluxo


de imigrantes, ao mesmo tempo que ocorria uma mudança no perfil dos novos
imigrantes. Preturlan (2012), em sua dissertação de mestrado no qual trata sobre o
fluxo migratório de bolivianos para São Paulo, aponta que esses indivíduos que
chegaram caracterizavam-se por terem uma menor qualificação profissional e
estavam envolvidos em atividades pouco remuneradas em seus países de origem,
como trabalhadores da construção civil, ambulantes e garçons. Muitos deles
começaram a trabalhar desde criança e, como resultado, não conseguiram concluir
sua educação formal. No mesmo sentido, Freire (2008), corrobora com a mesma
afirmação, em sua abordagem sobre questões decorrentes do trabalho informal e
redes de subcontratação em São Paulo.

O perfil destes primeiros imigrantes é diferente do perfil dos imigrantes mais


recentes, além de uma quantidade bem menos expressiva. Em sua maioria,
eram imigrantes de classe média, em grande parte com formação em ensino
superior, muitos deles tendo se destacado aqui como médicos, dentistas,
contadores, advogados (Freire, 2008, p. 6).

Assim, os primeiros imigrantes bolivianos no Brasil se caracterizavam por um


grupo de pessoas com melhores condições financeiras. Não migravam por
necessidade de obter uma renda em moeda estrangeira ou, sobrevivência pessoal e
familiar, aspectos que motivaram a migração de bolivianos para a cidade de São Paulo
após a década de 1980. Estes últimos eram pessoas pobres e de escolaridade baixa,
de certa maneira seguia o movimento mundial de fluxo de pessoas de países
subdesenvolvidos, que se encontram na posição de emissores de mão de obras, com
destino aos países mais desenvolvidos.
A pesquisa de Camila Rossi (2005), que será muito citada neste primeiro
capítulo, coaduna com essa compreensão.

A partir do início da década de 1980, eles começam a chegar em São Paulo


com esperanças de uma vida nova e de empregos por aqui, fugindo da
situação crítica em seus países e rumo a um mercado, brasileiro, mais
dinâmico que o boliviano (Rossi, 2005, p. 22)

Xavier (2010) e Rossi (2005) afirmam que o Fluxo de emigração na Bolívia foi
intenso nesse período e atestam que este passou a ser um país considerado “de
evasão populacional”. Nesse quadro, ambas as autoras trazem informações acerca
22

da situação de pobreza que ensejou a imigração dos bolivianos para o Brasil, seja
através de entrevistas a esses imigrantes, seja a autoridades bolivianas como a cônsul
da Bolívia.

Essa migração desenfreada dos bolivianos para o Brasil tem explicações. A


situação socioeconômica na Bolívia hoje é muito delicada. Mirian (cônsul da
Bolívia entrevistada por Rossi) vê esse quadro atual como consequência de
problemas oriundos do passado do país, em especial ligados às dificuldades
econômicas, à corrupção e a falta de democracia (ROSSI, 2005, p. 16).

As pesquisas bibliográficas, que em sua maioria resultam de entrevistas de


campo, mostram que esse segundo grupo de imigrantes predominantemente são
provenientes da região do altiplano boliviano, o qual abraça os departamentos de
Oruro, Potosí e La Paz. Do último, segundo a literatura, destaca-se a cidade de El
Alto, o eixo central na redistribuição dos fluxos migratório da Bolívia.

A maior parte deles vem da região andina da Bolívia, principalmente das


cidades de La Paz, Oruro, Potosí mas, também, de Cochabamba e de
pequenas cidades do interior do país. A média de idade dos bolivianos que
resolvem arriscar a sorte no Brasil está entre 18 e 25 anos. “São pessoas, na
maioria dos casos, que têm uma formação de colégio, de ensino
fundamental”, diz a cônsul da Bolívia em São Paulo, Miriam Orellana de
Tarifa. Aquelas que saem de cidades muito pequenas do interior do país não
têm sequer qualquer tipo de estudo ou instrução. Essa migração desenfreada
dos bolivianos para o Brasil tem explicação (Rossi, ibidem).

No mesmo sentido, são os apontamentos de Xavier (2014) afirmando que a


cidade de El Alto seria uma espécie de “reservatório populacional” pois receptor e
distribuidor de bolivianos para outros países.

[...] El Alto parece ao mesmo tempo centralizar alguns fluxos populacionais


internos ao país e, por não possui meios de manter essa população em meio
à tamanha precariedade e pobreza, acaba também expulsando contingentes
populacionais, o que faz com que a cidade se constitua como uma espécie
de “reservatório populacional”, atuando como receptora e distribuidora de
população para outros locais. Colocamos aqui a possibilidade de se pensar
na cidade de El Alto atuante na cena migratória boliviana nessas duas frentes:
atração e expulsão populacional. (XAVIER, 2010, p.31)

O que aconteceria é que as pessoas do interior iriam até cidades como El Alto
em busca de trabalho, mas chegando lá se vem com dificuldades de encontrar
trabalho. Um dos motivos, a pouca ou quase nenhuma instrução que possuem. Nesse
23

contexto, abre-se espaço para aceitarem ofertas de aliciadores que, conhecendo esse
fluxo de pessoas necessitadas e que vem do interior para a cidade de El Alto, os instá
a emigrar para outro país como a Argentina e o Brasil. A literatura pesquisada, como
os de Rosana Baeninger (2012), Sidney Silva (1997) e Camila Rossi (2005), tratam
sobre o ingresso ilegal de bolivianos no Brasil, e o mercado rentável que se criou para
“ajudar” esses imigrantes atravessarem a fronteira.
Contudo, como esse não é objeto de pesquisa deste trabalho, é suficiente que
o leitor esteja ciente de qual região geográfica1 da Bolívia são provenientes os
bolivianos que predominantemente chegam até a cidade de São Paulo. Isso porque
essas pessoas parecem ter maiores contrastes culturais, de idioma e traços físicos.
Nos textos estudados descreve-se um desses contrastes da seguinte forma:

Não passam despercebidas pelas ruas da capital paulista. Um olhar um


pouco mais atento pela metrópole nota a presença de rostos com
inconfundíveis traços típicos da Bolívia: pele mais escura, cabelo bem
moreno, olhos ligeiramente puxados, estatura mais baixa que a da média,
feições indígenas (ROSSI, 2005, p. 2005).

Observa-se que os traços físicos são uma maneira como os imigrantes da


Bolívia são reconhecidos, embora não a única. Partindo de diferentes trabalhos a
respeito de questões de discriminação e preconceito e violência contra imigrantes
bolivianos, verifica-se além das feições físicas, idioma ou cultura; também, os
estigmas construídos sobre essas pessoas, se tornaram uma maneira de os
descrever. Por exemplo, numa roda de conversa no qual se fale sobre trabalho
escravo nas oficinas de costura, sem sequer citar a nacionalidade dessas pessoas,
provavelmente irá ser lembrado quase que instantaneamente, os Bolivianos,
principalmente se essa pergunta for feita para um paulistano. Lis Oliveira (2013),
confirma essa tese ao discorrer sobre a importância de “desmistificar pressupostos e

1 Bolivianos da região do altiplano possuem feições físicas que se diferenciam da população de


planície, como o do departamento de Santa Cruz, naquele se nota fortes rasgos indígenas e a
cultura de seus antepassados é preservado; os Cruzenhos ou Cambas (como são conhecidos os
habitantes de Santa Cruz), possuem trações mais europeus, pele mais clara e a cultura também se
difere, pois, mais próxima dos seus colonizadores. Ainda, considerando que departamento como
Santa Cruz possuem um mercado econômico mais movimentado, a emigração dos bolivianos dessa
região é muito menor quando comparada ao de La Paz, logo os imigrantes que tendem a migrara ao
Brasil como arguido por Rossi (2005) são em sua maioria advinda da região Andina. Por isso, na
percepção dos brasileiros, boliviano é aquele que possuem traços indígenas, o que não
necessariamente é verdade, cruzenhos podem ter traços físicos europeus em razão da colonização
espanhola.
24

imagens que descrevem sua presença a partir do trinômio “escravo-ilegal-invisível”


(Oliveira, 2013, p.33). Visto que constantemente são representados em
categorizações nos quais, de acordo com o autor Sidney Silva, também estariam
atrelados aos frutos da “herança nefasta da escravidão que discrimina o que vem da
periferia e com tradição indígena causando estranhamentos” (Silva S, 2012, p.41).
Portanto, segundo ele, a multiculturalidade no contexto paulistano pode ser marcada
por uma série de tensões.
Mas, por que é importante compreender isso? Porque influencia diretamente
nas suas relações interpessoais, seja com outros imigrantes, seja com os brasileiros,
pois, estabelece um padrão de percepção que se tem sobre pessoas bolivianas. A
percepção de que são exploráveis, que se encontram em meio a clandestinidade, que
são inferiores e facilmente enganados. Um relato colhido por Patrícia Carpio (2018)
auxilia na exemplificação desse processo:

Mas eu vejo que muitos bolivianos são maltratados, especialmente os


bolivianos que vêm dos andes. Os brasileiros sempre reparam no físico. Aos
bolivianos sempre lhes dizem - Oi “Bolívia” - Eles veem a parte física e os
chamam de Bolívia. Tentam humilhá-los, tem algo contra os bolivianos. Mas
também, o boliviano é um pouco otário no negócio. Por exemplo, um
brasileiro pega uma blusa e começa a vendê-la, geralmente a vende a 20
reais. O boliviano então copia aquela blusa, a confecciona e a vende por 10
reais, a metade do preço. É por isso que se arma a briga. Porque todos falam
– este otário anda barateando tudo! (Carpio, 2018, p. 52)

A literatura, como o Sidney Silva (2017) e Lis Oliveira (2013) mostram o lado
perverso dessa concepção social nas escolas de São Paulo, com relatos cruéis de
Bullyng contra estudantes bolivianos. Embora não seja o interesse desta pesquisa
discorrer sobre esse outro grave problema, se faz necessário mencioná-lo porque
reflete, sem dúvida, posturas preconceituosas advinda de percepções estigmatizantes
que se tem sobre os bolivianos.

Em escolas da rede pública situados em bairros próximos aos locais onde se


concentra a população boliviana, houve uma série de agressões físicas às
crianças bolivianas. Alguns estudantes brasileiros cobravam pedágio dos
bolivianos e, caso estes não pagassem, eram agredidos. Esses episódios
foram dramatizados com vivacidade na minissérie Destino: São Paulo, do
canal HBO. O primeiro episódio, intitulado “Dia da Independência”, mostra o
drama de Checho, um garoto boliviano, vítima de bullying e de violência na
escola, além de discriminado pelo próprio diretor. O depoimento de Elena a
seguir mostra que esses casos não são fictícios, na medida em que, no
25

atendimento social às famílias bolivianas, ouviu vários relatos de agressão,


alguns dos quais resultaram na morte de crianças bolivianas. Aqui no Brás a
gente tem escolas que sessenta e cinco por cento das crianças são de
descendência boliviana, já teve a questão do pedágio que já apareceu na
televisão, né? Pedágio. E o que pouca gente sabe que já teve morte de
criança que apanhou tanto, que chegou em casa, possivelmente com
hemorragia e morreu. (Elena, 33 anos, dentista – Entrevista 25). (Silva S,
2017, p. 271).

Como se pode ver neste primeiro momento, a origem, região geográfica de


onde são, e, qual é o perfil socioeconômico desses imigrantes; conectam-se a seus
atributos físicos, linguísticos, socioculturais, características étnicas e/ou modo de falar,
os quais, são observados como forma de identificá-los. E, estabelecem parâmetros

discriminatórios em suas relações interpessoais nos espaços que ocupam.

Assim, uma vez construída uma imagem estereotipada de um grupo, a sua


instauração tende a ocasionar situações de discriminação e preconceito que se
perpetuam. De acordo com Alves (2012), o preconceito ocorre em virtude de
generalizações superficiais atribuídas aos membros de um grupo ou da falta de
entendimento sobre a cultura do outro. Nesse sentido, é importante frisar que esses
atributos não estão em harmonia com as identidades dos indivíduos, mas resultam de
uma construção estereotipada pelos membros de outro(s) grupo(s) para deteriorar
determinada imagem
Diante de tais aspectos, entende-se que os estigmas associados aos
imigrantes bolivianos podem contribuir para torná-los mais vulneráveis a experiências
de vitimização, como a extorsão e a exploração dessas pessoas em diversos
contextos. Em razão do estigma, o preconceito social ou a desaprovação negativa que
esse grupo específico de pessoas enfrenta por causa de sua origem, cultura, etnia ou
status migratório (Manetta, 2012), extorsionários exploram essa percepção para
abusar dos imigrantes bolivianos em razão da vulnerabilidade percebida.

1.2 A LEI DE MIGRAÇÃO NO BRASIL.

A literatura que trata sobre a imigração de bolivianos na cidade de São Paulo,


também traz o problema da irregularidade na documentação de estadia no Brasil
dessas pessoas, como um elemento revelador de fatores que os atemorizam a que
26

denunciem crimes que eventualmente venham a sofrer. Por exemplo, o medo de


deportação caso se apresentem às autoridades.
É importante destacar que a situação dos imigrantes indocumentados é
complexa e multifacetada e que as políticas migratórias e ações governamentais têm
um papel importante em moldar essa realidade. A falta de documentos pode tornar os
imigrantes mais vulneráveis à exploração e ao abuso, o que ressalta a importância de
desenvolver políticas migratórias que garantam o respeito aos direitos humanos e a
inclusão desses indivíduos na sociedade. Contudo, no Brasil tais políticas são mais
recentes.
A Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, também chamado como Estatuto do
Estrangeiro, foi sancionada num cenário político conduzido pelos militares, regime que
perdurou por 21 anos, entre 1964 a 1985. Fica nítido o viés defensivo que permeia o
Estatuto do Estrangeiro, e que certamente motivou sua sanção pelo governo vigente
à época. Veja-se:

Art. 1° Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as


condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados
os interesses nacionais.
Art. 2º Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança
nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-
econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador
nacional.
Art. 3º A concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão
sempre condicionadas aos interesses nacionais (Brasil,1980). Grifou-se.

Nota-se que o Estatuto aprovado pelos militares trata o imigrante como um


estranho, como uma suposta ameaça à segurança nacional. Tais aspectos, ao longo
dos quarentas anos em que se manteve vigente, não se pode negar que criaram
raízes e pautaram muitos conceitos da sociedade sobre os imigrantes, principalmente
àqueles de origem pobre. De acordo com Antonio Silva (2006), o Estatuto mantinha
um caráter incriminador e seletivo presente. Ele privilegiaria trabalhadores
qualificados, excluindo aqueles que vêm atender à demanda de mão de obra em
setores que não exigem alta qualificação, como é caso do setores de confecção e de
serviços Têxtil.
Muito recentemente, maio de 2017, foi sancionada pela Presidência da
República a Lei n. 13.445/17, regulamentada pelo Decreto n. 9.199/17, uma nova
legislação sobre a migração no que se refere à concessão de vistos para migrantes
27

para adentrar em território brasileiro. Segun Mendes (2020), a nova legislação é


considerada um passo progressivo na arena das políticas migratórias. Isso porque
representa um afastamento de uma abordagem preconceituosa que se concentrava
principalmente em salvaguardar a defesa nacional e os interesses da força de
trabalhador nacional. Com a nova lei, objetivou-se alinhar a política migratória com
norma internacionais de Direitos Humanos e com a Constituição Federal de 1988, que
defende os valores da fraternidade, solidariedade e oposição à xenofobia e à
crimialização da migração.
Por exemplo, observa-se a presença dos seguintes princípios e diretrizes em
favor do migrante:

Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e


diretrizes:

I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos


II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de
discriminação;
III - não criminalização da migração;
IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos
quais a pessoa foi admitida em território nacional;
V - promoção de entrada regular e de regularização documental;
VI - acolhida humanitária;
VII - desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo,
científico e tecnológico do Brasil;
VIII - garantia do direito à reunião familiar;
IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus
familiares;
X - inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas
públicas;
XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e
benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral
pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;
XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do
migrante;
XIII - diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas
migratórias e promoção da participação cidadã do migrante;
XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos
povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e
de livre circulação de pessoas;[...] (Brasil, 2017), grifou-se.

Ainda, no artigo 4° da Lei de Migração ao se firmar que “ao migrante é


garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”
(Brasil,2017), a nova Lei adota uma abordagem mais humanitária, tratando o(a)
imigrante como um(a) cidadã(o) com direitos universais garantidos.
28

Mas, não obstante se veja avanços significativos na legislação, não é


possível afirmar que a partir dessa nova Lei eliminou-se os entraves para
regularização documental destes imigrantes. Sobre isso, é interessante fazer
referência às ponderações de Menezes (2020):

é inegável que a nova Lei de Migração veio para atenuar essas condições, e
tem como objetivo integrar os imigrantes na plenitude da igualdade com os
nacionais. Todavia, apenas a inclusão de uma boa legislação e que, inclusive,
esteja em consonância aos direitos humanos, não dá conta de trazer
ressignificação a vida dessas pessoas. (Menezes, 2020, p.99)

Tal percepção do autor, se refere ao processo de obtenção de documentos


legais, os quais ele aponta serem complexos e custosos (Menezes, 2020). Veja-se:

A burocratização estatal, que incide na demora e no alto custo para a


liberação junto da Polícia Federal de documentos ao imigrante, como o
Registro Nacional do Estrangeiro (RGN)43, além de os retirar de garantias e
direitos fundamentais, os condiciona a uma vida de segregação, demonstrada
à proporção que essas burocracias são pré-condição para usufruir de
políticas públicas (REDE BRASIL ATUAL, 2016). Um exemplo disso é que
para atender à exigência da nova Lei de Migração, a Autorização de
Residência só é emitida mediante uma série de documentos, dentre eles um
comprovante financeiro ou de renda do interessado, e condicionado ao
pagamento de uma taxa no valor de R$ 168,13 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E
SEGURANÇA PÚBLICA, 2020). Ocorre que no contexto de hipossuficiência,
os bolivianos não conseguem comprovar as exigências e, então, passam a
viver na “clandestinidade”, “alheios” ao poder público. (ibidem, p.97)

Nesse contexto, se considerado o estado de hipossuficiência dos bolivianos


quando chegam ao Brasil e, o fato de trabalharem em empregos informais onde os
empregadores não exigem documentos, posto que os acordos de contratação são
feitos informalmente, pois muitos imigrantes bolivianos encontram suporte em redes
de familiares, amigos e comunidades já estabelecidas no Brasil. De acordo com
Harvey (2002), essas redes ajudaram à comunidade boliviana a obter emprego e
moradia, mesmo sem documentos legais
Na maioria das vezes, sequer chega ao conhecimento desses imigrantes os
requisitos que devem suprir para obter a documentação necessária para morar aqui
no Brasil, ou, têm a percepção de que não lhe são necessário regularizar sua estadia
para poder trabalhar, dado que já estão inseridos nas redes de subcontratação. Neste
ponto, se verifica como foi construindo-se o estigma de que essas pessoas estão
29

"ilegais" ou "indocumentados", pois é um reflexo da realidade social dessas pessoas,


qual é muito mais complexa. Assim, não pode-se considerar que, simplesmente, trazer
mudanças na legislação sem observar as demais adversidades que impedem o
próprio cumprimento dessas normas por esses imigrantes.
Nessa linha de pensamento, e fazendo conexão com o problema de pesquisa
deste trabalho, entende-se que a legislação que prevê direitos e deveres a essas
pessoas, ademais de muito recente, ainda não se mostram suficientes diante do
contexto socioeconômico do imigrante boliviano que chega ao Brasil. Além disso,
diante da irregularidade nos documentos dessas pessoas, construiu-se a percepção
social de que os imigrantes bolivianos têm menos direitos, o que os conduz a serem
desvalorizados no mercado de trabalho, por exemplo.
Dessa forma, os aspectos delineados nesta seção resultam na perpetuação
de condições de trabalho precárias e salários abaixo do padrão; são mais suscetíveis
a sofrerem abusos porque os fazem acreditar que não têm direitos ou proteção legal
no país; e por lógica, tudo isso os torna menos propensos a buscar ajuda ou denunciar
casos de abuso a que se submetem. Muitas vezes assentindo com esses abusos
porque chegam a ser normalizados, e até mesmo reproduzidos entre os próprios
bolivianos.

2.3 O TRABALHO E A PROVISORIEDADE.

Não se ignora que a migração através de fronteiras nacionais e culturais seja


desafiadora por si só. Deixa-se o país de origem e precisa-se lidar com a
complexidade de pertencer a dois lugares ao mesmo tempo (de onde vem e onde
agora estão). Embora não entrem no Brasil na condição de refugiados, ao longo das
últimas 3 (três) décadas muitos bolivianos têm vindo ao Brasil por uma questão de
sobrevivência pessoal e/ou familiar (Silva, 2006). Porém, chegando em território
brasileiro, especialmente na cidade de São Paulo, tem quase como único espaço de
trabalho as oficinas de costura em casas de bolivianos que moram há mais tempo no
Brasil, que em geral oferecem ambientes com infraestrutura precária e são
submetidos a exaustivas horas de trabalho.
Um imigrante boliviano entrevistado na pesquisa de Battisti (2014), ao relatar
sobre os seus primeiros anos em São Paulo, diz: “eu trabalhava demais, trabalhava
até às duas da manhã, trabalhei tanto que acabei ficando doente, tive tuberculose,
30

tudo isso pensando em juntar dinheiro para voltar” (Battisti, 2014, p.75). Sobre esse
relato, a literatura acadêmica, relatórios produzidos por organizações de direitos
humanos, matérias vinculadas pela imprensa, todos esses meios dão conta do grande
contingente de imigrantes bolivianos que entram ao país à procura de trabalho e se
submetem a condições degradantes de trabalho.
Ao tentar compreender os fatores que contribuem para tal cenário, da análise
da literatura pesquisada, depreende-se que os imigrantes bolivianos, embora tenham-
se mudado para um novo lugar, preservam o desejo de voltar para sua terra. Sobre
esse sentimento de provisoriedade, Sayad (1997) afirma que os imigrantes possuem
determinadas ilusões, como a de que sua presença será curta. Na perspectiva deles,
existe uma neutralidade em proveito de uma função econômica, visando a
necessidade do momento. Portanto, a “ilusão do provisório”, na perspectiva de Sayad
(1997), é fundamental para que o imigrante se conforme com a condição na qual se
encontram, ou seja, aceitem se submeter à situação de exploração e abusos
“somente” até conseguirem juntar uma quantia em dinheiro.
Rossi (2005), traz uma interessante informação que retrata o pensamento de
Sayad (1997) sobre a motivação econômica. A autora faz as seguintes considerações,
ao comparar os bolivianos com os imigrantes paraguaios.

Enquanto o boliviano vê a chance de trabalhar em solo verde e amarelo sob


a ótica de um futuro melhor na Bolívia e, justamente por isso, tem a ganância
de enriquecer em pouco tempo para ir embora logo, o paraguaio vive mais o
hoje, o momento atual, o presente. Ele sai do Paraguai com a intenção de
fazer uma vida melhor no Brasil e, assim, não tem a urgência de retornar o
quanto antes ao seu país (Rossi, p. 27, 2005).

Ainda, em entrevista aos coordenadores da Pastoral do Migrante, os quais


lidam com diferentes grupos de imigrantes latino-americanos, transcreve-se o
seguinte relato dado por esses interlocutores:

Os paraguaios, por exemplo, são diferentes; eles trabalham com mais


dignidade, em firmas mais ventiladas, mais limpas e com comidas melhores.
O tratamento que recebem dos patrões também é diferenciado e os
problemas que enfrentam, bem menores. Os paraguaios não encaram com
tanta freqüência como os bolivianos a situação dos donos de oficinas que
propõem guardar o dinheiro dos empregados (Rossi, 2005, p.27)
31

Podemos ver que os bolivianos estão rodeados de peculiaridades que os


diferencia de outros estrangeiro, mesmo que na mesma posição de imigrantes de
língua hispânica, e tenham que lidar igualmente com os desafios inerentes de ser um
imigrante.
Mas a mentalidade de juntar as economias e retornar à Bolívia o mais pronto
possível, aos poucos pode estar se modificando entre essa comunidade. Elias, o
mesmo entrevistado já citado, interlocutor de Cesar Battisti (2014), enfatiza que esse
pensamento de provisoriedade é equivocado, e que isso é um erro ao qual a grande
maioria dos bolivianos residentes na cidade cairiam. Segundo ele, a vontade de
apenas juntar economias sem qualquer preocupação com a qualidade de vida seria o
principal fator que impediria os imigrantes bolivianos de progredirem na cidade.
Tais aspectos abordados, embora que de forma breve, acerca dos desafios
das péssimas condições de trabalho e de moradia, contribuem para perpetuar a sua
vulnerabilidade social e econômica. Segundo Sayad (1997), são suportados pelos
bolivianos em parte por conta da percepção de provisoriedade da sua estadia no
Brasil.
De certa forma parecem viver um paradoxo, pois precisam se adaptar ao novo
ambiente, mas também desejam retornar à sua terra natal. Sayad (1997) entende que
esse sentimento de provisoriedade prolonga a imigração por toda uma vida ativa, vive-
se uma existência privando-se do direito nacional, de pertencer a um corpo político,
de ter legitimidade. Essa ambiguidade vivida pelos migrantes resultaria na contradição
advinda da condição do migrante é descrita na seguinte preposição: “ser ignorada
enquanto provisória e, ao mesmo tempo, não se confessar enquanto transplante
definitivo” (Sayad, 1998, p. 46).
Compreender tal contexto que envolve os imigrantes bolivianos se faz
importante para entender o conceito de vulnerabilidade que constantemente é usado
neste trabalho. Nesta seção, viu-se que o sentimento de provisoriedade dos
imigrantes bolivianos, ou seja, a percepção de que sua permanência no país é
temporária e incerta, e motivada com o fim quase que puramente econômico, não só
contribuem para que se submetam a trabalhos onde são explorados e sujeitos a
diferentes tipos de abuso, mas também para que eles optem por se manter na
informalidade no mercado de trabalho (Souchaud, Do Carmo e Fusco, 2007). E aqui,
mais uma vez, diante dessas circunstâncias expostas, cria-se mais um estigma pelo
qual são conhecidos socialmente os bolivianos.
32

2.4 FEIRINHA DA MADRUGADA DO BRÁS.

Paralelamente à compreensão do perfil dos imigrantes bolivianos que residem


na cidade de São Paulo, faz-se necessário conhecer a Feirinha da Madrugada, dado
que que é parte da pesquisa. Localizada no bairro do Brás em São Paulo, tem uma
forte relação com os imigrantes bolivianos. Ao longo dos anos, os imigrantes
bolivianos se tornaram uma parte da dinâmica da Feira da Madrugada, especialmente
na área da indústria têxtil. Essa relação se deve ao fato de que muitos imigrantes
bolivianos encontraram na feira uma oportunidade de trabalho e de estabelecerem
seus negócios. Muitos deles estão envolvidos na produção, distribuição e
comercialização de roupas, e acessórios, que são vendidos a preços acessíveis
Atualmente, a feirinha tem maior concentração na Rua Oriente, Rua São
Caetano, Rua Monsenhor de Andrade, Rua Vautier e segue pelas travessas das ruas
principais da região. Mas, sua formação não começou lá, mas sim na região do Bairro
Santa Efigênia, junto à famosa rua 25 de março. Desde o século XIX, este local
centraliza grande parte do fluxo comercial da cidade, principalmente em razão do
mercado municipal que existe até os dias atuais, e ao antigo Porto Geral que trazia
mercadorias do litoral até a capital paulista. (BATTISTI, 2014. p.21).

A Feira da Madrugada surgiu inicialmente na Travessa General Carneiro,


próximo a Rua 25 de Março. Ali, durante as décadas de 1960 a 1980,
funcionou o principal ponto de concentração de camelôs da cidade de São
Paulo. Esta concentração tinha como justificativa a centralidade daquele
espaço para a cidade. Próximo dali esta localizada o terminal de ônibus do
Parque Dom Pedro II, para este terminal vinham algumas das principais
linhas de ônibus da cidade onde ali desembarcavam os seus passageiros
fazendo assim da Travessa General Carneiro uma importante via de
circulação (Battisti, 2014, p. 24).

O motivo pelo qual a feira é conhecida como “feirinha da madrugada”, se dá


razão da expansão dos horários de funcionamento durante a madrugada. Essa
característica já existia quando a feira ainda estava localizada na Travessa General
Carneiro. Quanto ao seu surgimento, há diferentes trabalhos como os de Battisti
(2014) e outros autores que apontam que está relacionado a dois fatores principais:
1) o aumento do número de compradores; 2) as tentativas dos comerciantes de evitar
restrições impostas pelo poder público, como o confisco de mercadorias.
33

Dessa forma, as vendas durante a madrugada servem como um meio de


encobrir atividades consideradas ilegais e, portanto, reprimidas pelo Estado. Nesse
horário alternativo, práticas como a venda de produtos pirateados e outros itens não
legalizados, provenientes de outros países ou produzidos fora das regulamentações
estabelecidas pelo Estado, poderiam ser ocultadas. Além disso, o horário da
madrugada evitaria conflitos entre os ambulantes e os lojistas, já que durante o
restante do dia apenas os vendedores ambulantes regulamentados eram permitidos
nas ruas, ou seja, apenas uma minoria dos trabalhadores de rua (Battisti, 2014). Tais
teses são confirmadas por autores já citados como Sidney Silva (2010) e Felipe
Rangel (2019).

Grande parte do movimento do comércio no Brás se dá durante a madrugada.


Muitos dos shoppings, galerias e mesmo o comércio de rua começam a
operar desde o início da madrugada, por volta das 2 horas, e permanecem
funcionando até às 16 horas; alguns estabelecimentos e comerciantes
encerram suas atividades antes, outros um pouco depois desse horário. A
princípio um ordenamento do comércio realizado de forma a diminuir os
conflitos entre lojistas e ambulantes, esse horário de funcionamento terminou
por se constituir num aspecto privilegiado do comércio popular no Brás,
intensificando o circuito dos sacoleiros, criando oportunidades de negócios e
dinamizando a economia local. (Rangel, 2019, p.50).

Camila Faria (2005), outra autora que também teve como objeto de pesquisa
o sistema de funcionamento da feirinha, diz que a formação e a manutenção da Feira
da Madrugada não ocorreram de forma tranquila. Seriam constantes os conflitos que
colocam em oposição camelôs, lojistas, fiscais da prefeitura e policiais, bem como
outros setores econômicos. Esses conflitos se configuram como situações
importantes para o entendimento das transformações que ocorreram no interior desse
espaço. Por exemplo, o Estado, no caso representado pela Prefeitura Municipal da
cidade de São Paulo, atuava em prol dos lojistas e pela retirada dos camelôs e
ambulantes da Rua 25 de Março (final dos anos 90). Devido à repressão do estado,
os camelôs da Rua 25 de Março começaram a buscar outros espaços para atuarem.
Nesse contexto, de acordo com Battisti (2014)

A saída encontrada foi a de migrar para outro espaço da cidade, transferindo-


se para o bairro do Brás, um espaço que além de ser próximo do centro e,
portanto, também da Rua 25 de Março, estava relacionado com a Feira da
Madrugada pelo fato de que nas ruas do Brás funcionava o estacionamento
para os ônibus que traziam os compristas para a feira. Assim, nesta nova
34

etapa, a Feira da Madrugada se instala neste espaço, mais especificamente


nas Ruas Oriente, Monsenhor Andrade e São Caetano, reproduzindo ali as
práticas que ocorriam na Rua 25 de Março..(Battisti, 2014, p.26).

Está pesquisa utiliza a denominação “feirinha da madrugada” para referir-se


ao grupo de comerciantes que vendem mercadorias durante a madrugada,
exclusivamente nas ruas. Como já se discorreu, esta prática se iniciara nas ruas
próximas da 25 de março. Contudo, devido aos conflitos e resistência que esses
comerciantes enfrentavam no local, como a oposição da prefeitura, buscaram um
novo espaço.
O local novo onde se instalaram foram as ruas do Brás, mas, nele também
surgiram novos conflitos relacionados à ocupação das ruas em razão das disputas de
poder entre os diferentes grupos que comandavam a feira. Esses conflitos resultaram
em um processo de divisão, onde uma parte da feira se concentrou nas ruas do Brás,
enquanto outra parte começaram a ocupar um terreno grande denominado Pátio Pari2.
O Pátio do Pari, inicialmente era considerado um espaço de menor
importância dentro da Feira da Madrugada, uma vez que as ruas eram mais lucrativas
devido ao fluxo de compradores. No entanto, à medida que as autoridades estaduais
intensificavam a repressão contra os ambulantes que atuavam em espaços públicos,
a feira localizada no Pátio do Pari começou a crescer e ganhar valor. Além das ações
do estado, outro fator que contribuiu para o fortalecimento do Pátio do Pari foi a
utilização desse espaço pelos imigrantes chineses, os quais atraiam muitos
compradores com seus produtos exportados a preços baixos, o que fez desse local
de grande circulação de pessoas (Battisti, 2014).
No que diz respeito à abordagem do local, objeto de estudo deste trabalho,
trata especificamente dos comerciantes que se mantêm trabalhando nas ruas, isso
porque como se verifica na bibliografia pesquisada, Rangel (2019), ao se referir ao
Pátio Pari também se refere a “feirinha da madrugada”. No entanto, esse não é o local
a que se refere este trabalho, posto que

a Feirinha da Madrugada se constituía num espaço comercial mais ‘estável


do que a rua. A relativa legitimidade do centro comercial que se erguia
afastava os camelôs das extorsões dos fiscais por conta da venda em
espaços irregulares (como a rua), (Rangel, 2019, p.127).

2 O Pátio Pari é um grande terreno de propriedade da Rede Ferroviária Federal que anteriormente

era utilizado como depósito de trens abandonados.


35

O Pátio Pári, embora sujeitos também a problemas de cobranças e


autorizações ilegais, de certa forma diminui a exposição desses comerciantes a
extorsões. Ainda que esse local à época da transição da 25 de março para o Brás
possuía uma estrutura péssima de pequenos boxes, hoje é um grande
empreendimento construído para atender o comércio local. Mas, não se pode dizer o
mesmo sobre as condições de trabalho dos comerciantes que trabalham nas ruas.
Esta, ainda é regida pela clandestinidade e ilegitimidade de suas instalações, o que o
torna o ambiente suscetível, na hipótese desta pesquisa, a extorsões seja por
autoridades fiscalizadoras, organizações criminosas e muitas vezes pelos próprios
representantes das associações que são criados. Mas isto será abordado melhor no
segundo capítulo.

Figura 2 – Manchete de jornal sobre a Feirinha da Madrugada.

Fonte: jornal The Gardian (Aranha,2017).

Durante a transição da Feira da Madrugada para as ruas do Brás,


paralelamente, ocorre um encontro entre a história da feirinha e a jornada dos
36

imigrantes bolivianos na cidade, dado que esses imigrantes se estabelecem na cidade


principalmente nos bairros do Brás e Bom Retiro. O que foi feito através do trabalho
em oficinas de costura, inicialmente nas oficinas coreanas e posteriormente como
donos de oficinas que prestam serviços para os mesmos coreanos (Battisti, 2014).

Devido a essas condições, a inserção boliviana no bairro do Brás é anterior


ao próprio surgimento da Feira da Madrugada na região. Se antes os
imigrantes já estavam próximos da feira, devido aos circuitos de trabalho que
se interligavam, agora a partir da sua transferência os laços e as relações
passaram a se intensificar cada vez mais, uma vez que o bairro do Brás foi
um dos primeiros espaços de moradia e trabalho para estes sujeitos na
cidade. (Battisti, 2014, p. 46).

Dessa maneira, tendo em vista a moradia próxima daquela região do Brás e


Bom Retiro, explica-se os motivos pelo qual a feira da madrugada se tornaria o
principal local a ser escolhido pelos bolivianos para venderem a sua mercadoria. Sua
integração na Feira da Madrugada marca o momento em que esses imigrantes
começam a vender diretamente sua produção aos consumidores, especificamente,
aos consumidores que compram no atacado para revender em suas cidades de
origem.
O que se verifica é que o surgimento da feira da madrugada no Brás é
resultado das novas configurações do mercado de trabalho, levando ao surgimento
de espaços voltados para o comércio popular que passaram a se constituir em
grandes feiras, atraindo assim pequenos e grandes “sacoleiros”3.Os imigrantes
bolivianos, assim como outros imigrantes de diversas nacionalidades, encontram na
Feira da Madrugada uma oportunidade de trabalho e subsistência. A Feira da
Madrugada oferece um mercado dinâmico e movimentado, o que significa que há uma
demanda constante por produtos, como roupas, calçados e acessórios, abrindo-se
nela oportunidades de emprego para imigrantes que desejam trabalhar sem
formalidades.
As feiras de rua são geralmente mais acessíveis financeiramente do que abrir
uma loja física em um espaço comercial tradicional. Os imigrantes que possuem
habilidades na confecção de roupas ou que têm acesso a produtos a preços

3 O termo sacoleiro é utilizado para definir sujeitos que possuem como prática de trabalho viajar até
os centros comerciais como a fim de adquirir mercadorias para serem revendidas em suas cidades
de origem, aproveitando-se assim das diferenças de preço entre um local e outro.
37

competitivos podem vender seus produtos na feira sem ter que arcar com altos custos
de aluguel e infraestrutura. Além disso, a abordagem mais flexível para o trabalho,
especialmente para aqueles que ainda não têm todos os documentos necessários
para se regularizar no país. Eles podem trabalhar como autônomos e, assim, evitar
algumas das restrições que poderiam enfrentar ao buscar emprego formal.
A clientela diversificada é também um atrativo, dado que é frequentada por
um grande número de pessoas, desde moradores locais até turistas e compradores
em atacado. Essa diversidade de clientes potenciais pode aumentar as chances de
vendas e crescimento nos negócios dos imigrantes. É importante destacar que,
embora a Feira da Madrugada ofereça oportunidades de obtenção de renda, também
apresenta desafios para os imigrantes. A competição acirrada e as condições de
trabalho informais a tornam num cenário perfeito para crimes de extorsão e roubos,
seja por grupos criminosos, assim como por autoridades fiscalizadoras, o que será
delineado no segundo capítulo deste trabalho.
38

3 DAS OFICINAS DE COSTURA PARA O COMÉRCIO NA FEIRINHA DA


MADRUGADA.

Como arguido no capítulo anterior, os imigrantes bolivianos que chegaram ao


Brasil após a década de 1980, não eram pessoas formadas profissionalmente como
outrora ocorrera. Eram pessoas de pouca escolaridade que foram se inserindo no
setor têxtil como mão de obra dos empresários coreanos na confecção de peças de
roupa. No entanto, a literatura nos mostra que a partir da década de 2000, muitos
desses indivíduos passaram a ocupar, ademais da costura, o setor de vendas de
produtos fabricados por eles mesmo, ou optaram a dedicar-se exclusivamente nas
vendas, terceirizando a produção como outrora os coreanos fizeram também. Dessa
forma, a presença de indivíduos bolivianos que residem e trabalham na localidade do
Brás tornou-se cada vez mais aparente. Esse fenômeno pode ser atribuído sim à
proliferação de estabelecimentos de costura, mas principalmente ao seu envolvimento
ativo na comercialização, disseminação e venda de mercadorias que eles mesmos
fabricam (Freire da Silva, 2014).
A tese de Freire da Silva (2014) coaduna com o trabalho de Battisti (2014), o
qual tem-se explorado vastamente nesta pesquisa, pois justamente o autor trata
especificamente sobre a inserção dos imigrantes bolivianos no comércio popular na
cidade de São Paulo,

estes imigrantes bolivianos a que nos referimos percorreram nos últimos vinte
anos uma trajetória de trabalho bastante similar. Chegando ao Brasil eles
foram trabalhar em oficinas de costura pertencentes a imigrantes coreanos.
Em um segundo momento eles montaram a suas próprias oficinas para
prestarem serviço aos mesmos imigrantes coreanos; posteriormente
começaram a comercializar a sua produção diretamente aos consumidores.
Nesta nova etapa de sua trajetória o local de inserção será a Feira da
Madrugada, o qual analisaremos nesta pesquisa. (Battisti, 2014, p.13)

Nesse contexto, considerando as circunstâncias atuais da inserção dos


imigrantes na feira do Brás, o objetivo deste capítulo é entender de que maneira essa
transição ocorreu, e examinar se esse novo empreendimento reforça a suscetibilidade
e vulnerabilidade que consistentemente parece envolver a comunidade boliviana à
crimes de extorsão. A fim de extrair mais dados para uma compreensão melhor sobre
casos de extorsão na feira da madrugada, far-se-á referências a fontes de notícia e
dois casos que foram julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e outro que ainda
39

está sendo tramitado. Dois, dos casos escolhidos se dão em razão da visibilidade
midiática à época em que foram deflagradas; e uma, foi obtida através de pesquisa
na jurisprudência do Tribunal, procurando-se por termos como “extorsão, bolivianos,
feirinha da madrugada”.

3.1 A LIBERTAÇÃO DA DEPENDÊNCIA DOS COREANOS.

Na análise de Battisti (2014), sobre a transição de um foco singular na costura


para as vendas na Feira do Brás, ele entende que essa mudança foi facilitada pelo
acúmulo de experiências vividos pelos imigrantes bolivianos. E, facilitados por redes
de contatos durante o processo de migração, esses indivíduos conseguiram se libertar
do isolamento das oficinas de costura e explorar novas oportunidades na metrópole.
Como resultado, eles deixaram de produzir exclusivamente para coreanos e
começaram a montar sua própria linha de produção, o que os levou à ocupação de
uma nova área de trabalho, a saber, o comércio popular.
Cabe destacar que a opção pelo comércio não significa que essas pessoas
abandonaram a costura, mas que a costura os levou a desbravar esse novo espaço
de trabalho no comércio. Aguiar (2010), que tem como objeto de estudo a inserção
dos imigrantes nos comércios informais, em trabalho sob o título “Imigrantes
Bolivianos nos Mercados Informais da Região Metropolitana de São Paulo”, traz essa
mesma conclusão a respeito dessa busca de alternativas de trabalho. Embora não
trate, especificamente, da região geográfica da Feirinha do Brás, Aguiar, procedeu na
sua pesquisa com entrevistas à bolivianos que vendem seu produtos nas feira do
Bairro Pimentas, localizada na periferia de Guarulhos e a feira da 25 de Março,
localizada na cidade de São Paulo.

Muitos bolivianos passaram, ao longo do processo de migração, várias


situações conflituosas, as quais são exaustivamente exploradas pela
imprensa brasileira. A versão a que os meios de comunicação mais se
debruçam ao falar de bolivianos na região, se configura a partir do trabalho
semiescravo, ao qual muitos, ainda, estão submetidos. Mas, o que se tem
verificado, e o que pude perceber ao longo de minha pesquisa foi justamente
o contrário. Os imigrantes que para cá se dirigem, estão, cada vez mais,
lançando mão de novas alternativas de valorização de si mesmos e de seus
trabalhos, construindo oficinas em casa e buscando, cada vez mais os
40

mercados informais, visto que a inserção na sociedade brasileira se


apresenta com uma série de empecilhos.(Aguiar, 2010, p.52)4

Como mencionado, a literatura existente não oferece uma data específica


dessa transição, mas compreendem que os bolivianos começaram a participar da feira
do Brás no início dos anos 2000. Esse período específico corresponde ao ano em que
a Feira da Manhã foi transferida da Rua 25 de Março para o bairro do Brás que, foi
um dos primeiros lugares onde esses indivíduos encontraram moradia e
oportunidades de emprego na cidade, como já mencionado no primeiro capítulo.
Com base em entrevistas de campo, Battisti concluiu que o incentivo para que
esses imigrantes abandonassem a dedicação exclusiva à costura e explorassem
novos ambientes de trabalho, ocorreu inicialmente com uma liderança da feira, mas
depois, os próprios imigrantes mediaram com os líderes a entrada de seus
compatriotas nesses espaços.

Nas conversas que realizamos junto aos camelôs bolivianos a inserção


sempre é descrita a partir de um contanto com um amigo ou parente que lhe
sugere o trabalho no comércio popular ao invés do trabalho como prestadores
de serviço aos imigrantes coreanos (Battisti, 2014, p. 46).

A tese de Battisti (2014) sobre a entrada de trabalhadores nas atividades


comerciais populares, também é apoiada pelo trabalho de pesquisador Rangel (2019).
De acordo com ambos os autores, a maioria das pessoas que atualmente trabalham
na feirinha, obtiveram acesso a essas posições por meio de redes proximais. Essas
redes assumem a forma de conhecidos familiares, ofertas de emprego amigáveis,
solicitações de parentes ou divulgação de informações favoráveis sobre as
perspectivas financeiras associadas a essa ocupação.
Nesse contexto, “com o conhecimento que os imigrantes adquiriram sobre a
Feira da Madrugada” (Battisti, 2014, p.46) passaram a avaliar os prós e os contras do
novo empreendimento, alguns inicialmente conciliavam a produção com as vendas
para si, ou mesmo também com as encomendas dos empresários coreanos. Todavia,

4
O que se verifica é que estes imigrantes visando outras alternativas de obtenção de ganhos
financeiros, lançaram-se a um novo empreendimento, e que de certa forma, segue o mesmo
percurso seguido pelos coreanos. Estes inicialmente eram costureiros, mas aos poucos foram
cedendo espaço para as levas de imigrantes pobres que chegavam ao Brasil, como os bolivianos,
assim eles partiram para a dedicação de exclusiva de administração comércio, abrindo lojas na
região do Bom Retiro.
41

com os rendimentos obtidos na feira da madrugada abriram-se um canal de trabalho,


assim, abre-se a possibilidade de se libertarem da dependência desses empresários
que controlavam toda a possibilidade de emprego para eles.
Sobre esse momento, um entrevistado da pesquisa de campo de Battisti conta
que não tinham muito que perder ao tentar essa outra atividade, afinal “se não desse
certo era só voltar a trabalhar com as encomendas dos coreanos” (Battisti, 2014, p.46).
Além de proporcionar uma maior independência em relação aos coreanos o
comércio popular também significou para os bolivianos a possibilidade de realizar uma
mobilidade ascendente dentro da sua trajetória migratória. Dentro do contexto interno
da comunidade, se inserir nestes espaços pode representar uma melhoria no padrão
de vida, uma melhora no nível de renda, e também um melhor status social,
contrastando assim com a ocupação de costureiro, visto pelos próprios bolivianos
como a ocupação mais precária dentro da comunidade (Freitas, 2009).
Por outro lado, embora esses comerciantes bolivianos não tenham que se
submeter ao ritmo de produção ditados pelas firmas coreanos, eles continuam a
manter o ritmo de jornada de trabalho exaustivo, porque ao empreender no comércio,
ao menos inicialmente, significaria atender a demanda de produção de seu negócio
próprio, mas também, estar à frente das vendas dessa produção. Isso significaria uma
jornada dupla, vendendo sua mercadoria na feira do Brás durante a madrugada e
costuram durante o dia. Assim, as jornadas exaustivas de trabalho, perpetuam-se
mesmo que “livres dos coreanos”.
Cita-se, a título de exemplo, os relatos de um comerciante entrevistado por
Rangel (2019), pois traz dados de como a condição de fabricante e comerciante pode
implicar na realização concomitante de diferentes atividades no comércio popular.

O pai de Arce é um exemplo de como a condição de fabricante pode implicar


na realização concomitante de diferentes atividades no comércio popular.
Arce tem 19 anos e ajuda o pai tomando conta do box da família na Feirinha.
A mercadoria que vende é produzida pelo pai, que, além de costurar em casa
junto com a esposa, contrata uma pequena oficina de bolivianos para a
execução de parte da produção. Os pais de Arce são também bolivianos e
chegaram ao Brasil há cerca de 20 anos atrás, em uma condição melhor do
que a maioria de seus compatriotas. Já possuíam algum dinheiro para iniciar
uma pequena oficina, colocando em prática o conhecimento na área de
confecções que já haviam adquirido trabalhando com a família na Bolívia. A
produção da oficina era repassada a um compatriota, que atuava como
intermediário e também os ajudou a fazer contatos e receber encomendas de
outros comerciantes, inclusive brasileiros. Apesar de, no início, produzirem
42

principalmente subcontratados por uma oficina de coreanos. [...] Produzindo


em oficina própria, o pai de Arce começou a revender as próprias mercadorias
na feira que ocorria nas madrugadas do Brás, antes mesmo do surgimento
do espaço conhecido como Feirinha da Madrugada. No período da pesquisa,
em 2016, o pai de Arce ainda vendia nas ruas, na madrugada. Pai e filho
chegam juntos de carro ao Brás por volta das 2h da manhã. Arce ajuda na
montagem do tripé e organização da mercadoria na rua e depois se dirige à
Feirinha para abrir o box. (Rangel, 2019, p. 76).

Como se pode ver, esses comerciantes não só devem cuidar das vendas, mas
também da produção de suas próprias mercadorias. Apesar de poderem atingir uma
renda maior, mantêm a jornada estendida de trabalho, pois precisam tratar da compra
dos tecidos, entrega de materiais e negociações com os trabalhadores que são
contratados para ajudar na produção dessas mercadorias. Ou seja, após encerrar a
jornada de trabalho na Feirinha não vão direto para casa, mas permanecem ocupados
em administrar a continuidade de seu empreendimento como feirante do Brás
(Rangel, 2019).

3.2 A FEIRINHA DA MADRUGADA EM MEIO À CLANDESTINIDADE.

“Tivemos um box no galpão por cinco anos, mas agora vou arriscar neste
ponto aqui na rua”, declara o boliviano Vicente Flores, de 41 anos, 14 deles
no Brasil, enquanto ajeita sua barraca onde vende saídas de praia. “Tem
mais muito mais movimento na rua e o aluguel é mais barato” (Aranha,
2017).

Quanto à estrutura física e organizacional da feira da madrugada, desde a


época da Feira da Madrugada na Travessa General Carneiro, a divisão de espaços e
as formas de obtê-lo eram regidas por regras estabelecidas por grupos responsáveis
por organizar os espaços e os trabalhadores, como as associações ou sindicatos.
Rangel (2019) também descreve em seu trabalho o ordenamento que viabiliza o
funcionamento desse local, ao comparar os vendedores de rua com aqueles das
galerias.

Mesmo entre aqueles que trabalham na rua, há um ordenamento que viabiliza


o funcionamento das atividades. Na organização da feira que ocorre nas ruas
do Brás durante a madrugada, são realizadas uma série de negociações:
pagamentos para o uso do espaço, recebimentos para providenciar luz,
limpeza e alguma segurança. No comércio ambulante durante o dia, é
também perceptível o ordenamento através de negociações tácitas entre a
fiscalização e os ambulantes – onde e quando expor as mercadorias, em que
43

situação os riscos são maiores, qual o momento adequado de fechar a lona


e liberar o caminho sem desafiar abertamente os policiais. (Rangel, 2019, p.
119).

No comércio de rua as associações têm a função de obter permissão dos


agentes do estado para utilizar os espaços das ruas, organizar os pontos de venda,
ou seja, dar segurança aos comerciantes de que o lugar onde estão não serão
tomados por outros. Por essa intermediação, normalmente são cobrados taxas pela
utilização do espaço público os quais, em tese, se justificariam para custear a
administração desses espaços, por exemplo, colocando luz e segurança.
Mas, apontam Battisti (2014), Xavier (2010), Itikawa (2006), Rangel (2019),
Misse (2006) - alguns deles já mencionados - discutem o tema da corrupção na
feirinha da madrugada, ou, discorrem de maneira mais abrangente sobre os mercados
que operam nas sombras da clandestinidade. Misse (2006), por exemplo, conclui que
a cobrança de taxas para uso de espaço público resulta em um esquema de
corrupção. No caso da feirinha da madrugada, líderes das associações repassam
taxas aos funcionários públicos, como fiscais e policiais, que negociavam com
autoridades políticas a fim de garantir a continuidade da feira, ou mesmo, não é raro
em muito dessas ruas estarem sob o comando de organizações criminosas.
Nesse contexto, não obstante se use o termo extorsão no título deste trabalho,
segundo a definição do tipo penal previsto no artigo 158 do Código Penal de
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter
para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou
deixar de fazer alguma coisa” (Brasil,1947). De acordo com a bibliografia pesquisada,
não se deve excluir de sistemas que regem a organização da feirinha da madrugada,
a ocorrência de casos de crimes de concussão, artigo 116 do CP, “Exigir, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la,
mas em razão dela, vantagem indevida” (Brasil, 1947); corrupção passiva, artigo 317
CP, “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou
aceitar promessa de tal vantagem” (Brasil, 1947).
Diferentemente do crime de Extorsão, o crime de Concussão e Corrupção
Passiva estão situados sob o título do Código Penal destinado a parte que trata dos
crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral. Estes dois
últimos tipos penais referidos são muito semelhantes, mas o que os difere é que na
44

primeira há a “exigência”, ou seja, é emanado uma ordem. Na segunda, há uma


“solicitação” por parte do funcionário público. Contudo, ambos objetivariam a
vantagem indevida em função do cargo que ocupam (Rogério Greco, 2018).
Michel Misse (2006), fazendo uma abordagem especificamente sobre os
mercados informais e os agentes públicos, cunhou o termo "mercadoria política" para
descrever e explicar um mercado de proteção destinado a garantir a operação de
atividades ilegais. O autor identifica mercados específicos, como o de drogas,
prostituição, jogos de azar e, neste caso, o uso do espaço público. Ainda, de acordo
com esse autor, a mercadoria política emerge quando agentes públicos se apropriam
de espaços ou prerrogativas que deveriam ser exclusivas do Estado, resultando na
criação de um mercado de mercadorias políticas que depende da exploração dos
mercados ilegais. Sobre o discutido, Hirata e Telles (2010) oferecem também uma
observação pertinente, veja-se:

No âmbito dos mercados informais, desde um modesto ponto de venda de


CDs piratas ao pulsante comércio informal no centro da cidade, essa ampla
circulação de bens e pessoas não poderia operar sem a transação das
mercadorias políticas, o custo político dessas atividades, como diz Michel
Misse (2006), justamente porque operam à margem das leis e regras formais.
As mercadorias políticas, poderíamos dizer, compõem o modus operandi da
gestão diferencial dos ilegalismos: corrupção, acertos na partilha dos ganhos,
subornos, troca de favores, compra de proteção e práticas de extorsão que
são mais ou menos ferozes conforme oscilam as micro conjunturas políticas,
as disputas, o jogo de alianças feitas (e desfeitas), os interesses em jogo (cf.
Freire, 2009). Fiscais, gestores urbanos, operadores políticos, agentes
policiais operam nas dobras do legal-ilegal pelas vias das “ligações
perigosas” (cf. Misse, 2006) entre os mercados informais e os mercados
políticos (também ilegais) que parasitam os primeiros e condicionam
grandemente o modo como estes se organizam e se distribuem nos espaços
urbanos. São agentes que fazem uso de suas prerrogativas legais, a
autoridade que o Estado lhes confere, para acionar dispositivos extralegais,
deslizando entre acertos negociados, extorsão e uso da violência. (Hirata;
Telles, 2010, p. 42).

Cabe esclarecer que os autores supramencionados fazem referência aos


mercados ilegais de maneira abrangente. Neste trabalho traz-se esses conceitos
porque a feira da madrugada pode ser considerada um lugar no qual esse sistema de
clandestinidade impera durante a madrugada, estruturas que passam a ser imposta
por aqueles que detém os meios de poder para impor um sistema que não está
resguardada legalmente. E, que tem-se mostrado um negócio rentável ao estabelecer
cobranças indevidas e extorquindo os comerciantes que ali trabalham.
45

Battisti (2014), ao falar sobre as inter-relações dos comerciantes da feira da


madrugada comenta que, era recorrente entre os entrevistados, mesmo que não se
perguntasse sobre a ocorrência de cobranças indevidas aos comerciantes o assunto
vinha à tona.

Embora nunca foi do nosso interesse discutir essa questão, em diversas


ocasiões enquanto conversávamos com esses trabalhadores sobre a
formação da feira e o seu funcionamento as mortes, ou temas ligados à
corrupção policial e a existência de máfias naquele local vinham à tona,
mesmo quando não perguntávamos a respeito. Tal situação ocorreu já nas
primeiras conversas realizadas, quando esse tema apareceu de forma
espontânea, o que explicita a constante presença dessas questões no
cotidiano desses trabalhadores (Battisti, p. 40, 2014)

De acordo com a literatura, compreender as geometrias da clandestinidade é


uma tarefa que se mostra difícil de se investigar, mesmo quando há visibilidade e
exposição à coletividade, dado que se mantém por debaixo de sombras do medo. A
dificuldade de se fazer denúncias enfrenta obstáculos relacionados à criminalização e
à desconfiança dos próprios trabalhadores que estão operando na informalidade.
Chama-se a atenção ao contexto socioeconômico e histórico dos imigrantes,
que foi apresentado no capítulo anterior, um contexto de vulnerabilidade que é
agravada em razão do estigma que se construí sobre essas pessoas. Tais
circunstâncias, ao ser transportado para um local como o ambiente que vigora na
feirinha da madrugada, não é difícil de se constatar de quão expoente pode ser a
violência advinda das disputas pelo espaço público em desfavor dos imigrantes
bolivianos.
Há de ressaltar que os acordos estabelecidos para usar um pequeno espaço
público, podem ser influenciados tanto pela lógica do poder econômico, como grupos
consolidados de trabalhadores e uma liderança, quanto pela relação com agentes
públicos que proporcionam prestígio ou cobertura. Nesse sentido, as feiras
clandestinas só podem funcionar porque são sustentadas por redes de poder ou de
dinheiro, que se beneficiam da clandestinidade para estabelecer uma relação orgânica
baseada na troca de favores e benefícios mútuos (Misse, 2006).
A corrupção praticada nos espaços públicos segue uma lógica diretamente
relacionada à rentabilidade, ou seja, o valor da propina exigido em geral é proporcional
à capacidade de vendas em uma determinada via pública. Isso porque, como
46

apontado por Itikawa (2006), a proporção da propina em relação ao rendimento do


trabalho informal varia significativamente de rua para rua.
Uma das razões para essas discrepâncias é a terceirização da cobrança de
propina por parte dos próprios trabalhadores de rua, geralmente liderados por uma
pessoa que exerce influência sobre seus colegas e age sob pressão dos fiscais da
Prefeitura ou organizações criminosas. Dessa forma, a corrupção está sujeita à
organização de um grupo de trabalhadores, ao prestígio dessa "liderança" ou até
mesmo à vulnerabilidade do trabalhador individual, que, se não estiver sindicalizado
ou não pertencer a um grupo, não tem poder de negociação para manutenção do
espaço onde trabalha (Itikawa, 2016).
Muito embora a autora Luciana Itikawa e Michel Misse não tenham como
campo de pesquisa a feirinha da Madrugada, pois a primeira concentrou sua pesquisa
nos comerciantes de rua do centro de São Paulo, região da Sé; e, o segundo tem
como objetivo trazer estudos sobre o crime e a violência Urbana no Brasil
contemporâneo. Ambas bibliografias foram interessantes para esta pesquisa porque
refletem no cenário que se encontra na Feirinha do Brás, como ver-se-á nos seguintes
casos extraídos do Tribunal de Justiça de São Paulo.

3.2.1 Caso 1

O primeiro e mais recente caso, ainda em processo de julgamento, envolve o


ex-presidente do clube de futebol do time de São Caetano e outros, os quais, estão
sendo julgados pelo juízo da 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa,
Lavagem de Bens e Valores da Capital. De acordo com o Ministério Público do Estado
de São Paulo, os elementos colhidos no Inquérito Policial, revelam que os
denunciados integram organização criminosa armada voltada à prática,
primordialmente, de crimes de extorsão contra os feirantes que trabalham na Feirinha
da Madrugada, exigindo, mediante ameaças, o pagamento de valores pela venda e
aluguel de espaço público para àqueles que quisessem instalar suas barracas em via
pública.
Os termos da denúncia do Ministério Público de São Paulo apontam que:

[...] Conforme restou apurado, os denunciados se associaram para formar


uma organização criminosa voltada à prática, primordialmente, de crimes de
47

extorsão contra ambulantes que atuam na “Feirinha da Madrugada”,


situada na região central de São Paulo, exigindo, mediante violência e
grave ameaça, o pagamento de valores pela venda e aluguel de espaço
público, visando a instalação de barracas pelos pequenos comerciantes
em via pública. A mencionada feira se desenvolve há anos nas ruas da
região central, onde ambulantes informalmente expõem suas mercadorias à
venda em barracas, bem como no espaço destinado a tal fim, hoje
denominado “Nova Feira da Madrugada – Circuito de Compras”. Nesse
cenário, os denunciados viram uma oportunidade de se locupletar ilicitamente
dos comerciantes, de modo que passaram a se apoderar e se intitular “donos”
das ruas e espaços, cobrando pelo uso do espaço público e até mesmo
vendendo metragens da calçada para interessados, valendo-se de meios
intimidantes como presença de policiais (e falsos policiais) armados,
emprego de violência, ameaça e difundindo relações com membros do
Primeiro Comando da Capital–“PCC”. A área da “Feirinha da Madrugada”
foi fracionada pelos denunciados em “ala norte” e “ala sul” (fls. 209/213). Na
“ala norte” atuam os núcleos liderados por FÁBIO, vulgo "BOY", pelo
INSTITUTO COOPSBRAS, além de outras 3 divisões que serão objeto da
segunda fase da operação. Já a “ala sul” é controlada por MANOEL SIMIÃO
SABINO NETO, vulgo "SABINO", que engloba, também, a “Nova Feira da
Madrugada - Circuito de Compras”. [...] (fls 751 e 752 da denúcia, Autos nº
1529001-68.2021.8.26.0050).

Embora o caso esteja pendente de julgamento, nele se encontram elementos


sobre o mercado rentável do controle das ruas onde ocorre a feirinha da madrugada,
os quais envolvem pessoas de diferentes funções, agentes públicos, quadrilhas e os
próprios feirantes. A partir deste caso é possível constatar o sistema de funcionamento
da “mercadoria” a qual Misse (2006) faz referência. Não se trata, assim, de pré-julgar
os acusados, mas de compreender as narrativas de vitimização, ou seja, a espécie de
fatos que são o objeto desta pesquisa, mais do que a descoberta sobre quem seriam
os seus perpetradores.

3.2.2 Caso 2

Outro caso, o qual envolve um boliviano apontado como autor de extorsão,


desenvolvia função de presidente de uma associação de bolivianos, a Associação de
Vendedores Ambulantes Bolivianos. O acusado foi processado por suspeita de
mandar espancar e retirar os associados que não aceitaram pagar uma taxa ilegal
para trabalhar nas ruas do Brás, no Centro de São Paulo. O imigrante foi condenado
em primeiro e segundo grau por incorrer no artigo 158, do código Penal. Sobre o caso,
chama-se a atenção às informações do acordão transcritas a seguir.
Do depoimento prestado pelo ex-presidente da associação, destaca-se:
48

Jose Luis Villca Mendizabal, silente na fase pré-processual (fls. 97),


rechaçou, em juízo(mídia digital fls. 680/682), a acusação. Relatou, em
síntese, ter sido nomeado presidente, em 2017, da associação criada
para organizar a feira e evitara prática de roubos, pois os bolivianos
costumavam ser agredidos e ofendidos pelos brasileiros e eram
frequentemente assaltados. As taxas coletadas dos feirantes serviam para
arcar com as despesas decorrentes das atividades da associação, tais como
segurança, funcionários, luz, advogado, contador; cada pessoa pagava uma
taxa de 50 reais por semana, e nunca cobrou taxa extra de 500 reais,
ameaçou ou intimidou as pessoas. Quando chegou, não havia nenhuma
barraca; agora, há 120barracas, todas padronizadas. Questionado sobre as
intimidações e taxas extras relatadas pelas vítimas, afirmou que eles
mentiram, e que cobrava apenas as taxas aprovadas na diretoria. Negou
cobrar taxas de quinhentos reais ao final de ano. Inclusive, os valores que
sobravam das taxas eram, ao final do ano, revertidos em favor dos
associados, que, no ano passado, receberam liquidificadores. Negou usar os
seguranças em proveito próprio. Não sabe o que as vítimas têm contra o
declarante, mas eles agora estão cuidando da feira, cobrando taxas ainda
maiores. Não conhece os corréus. (Fls 935, Apelação Criminal nº0083867-
08.2018.8.26.005). Grifou-se.

Da versão das vítimas cita-se dois depoimentos:

Santiago Ramos Choque: relatou que o acusado lhe cobrava uma taxa de
cinquenta reais; no entanto, ao final do ano o réu chegou a lhe cobrar
quinhentos reais, depois quatrocentos, além de multas que variavam,
cinquenta reais, oitenta reais, dinheiro que era embolsado pelo acusado.
Quem não pagasse, perdia o ponto. Nas cobranças, não havia agressões.
Foi agredido fisicamente pelos seguranças do acusado, chegando inclusive
a desmaiar. Depois da prisão do acusado, as cobranças pararam. Hoje,
pagam o valor de cinquenta reais diretamente aos seguranças. Atualmente,
outra associação cuida do lugar; na verdade, há diversas associações
no local, mas não lhes cobram valores. No tempo do acusado, havia
segurança, limpeza, energia.
Edison Jhazmani Condori: declarou que pagava cinquenta reais por
semana ao acusado, e que, após um atraso no pagamento, teve sua
barraca quebrada pelos seguranças do acusado. No mês seguinte,
aconteceu a mesma coisa. Além da taxa semanal de cinquenta reais, era
preciso pagar quinhentos reais para o cadastramento. Quem não
pagasse, era expulso do lugar. Sua mãe foi ameaçada e o declarante foi
agredido por dois seguranças do acusado. A taxa era para luz e
segurança; havia luz e segurança, mas os seguranças não os protegiam,
mas sim os ameaçavam, cobrando. Atualmente, a cobrança continua,
mas já não trabalha no local. A confusão começou depois que tentaram
aumentar o valor da taxa para setenta reais (fls 930, Apelação Criminal
nº0083867-08.2018.8.26.005,). Grifou-se.

Da transcrição acima, destaca-se que a clandestinidade abre uma lacuna


para que o espaço público se torne uma mercadoria, é usada como meio de
49

exploração dos feirantes que ali querem vender seus produtos e, que os conflitos de
interesse são resolvidos pelo uso da força e da violência. Ainda, desse caso é possível
constatar o que foi apontado por Itikawa (2006), que a extorsão muitas vezes parte de
um trabalhador da feira que possui influência nos demais feirantes e que geralmente
faz a arrecadação direta das taxas, e assim numa cadeia, é repassado o dinheiro até
chegar a pessoas de influência; sejam autoridades policiais, servidores da prefeitura
ou outras pessoas influentes. No caso em questão, era feito por um próprio imigrante
boliviano à seus demais compatriotas, seguindo o fluxo dos comandos que imperam
nesse local.
Num contexto de vulnerabilidade, como se procurou descrever ao longo deste
trabalho, sobre os imigrantes bolivianos, não é difícil de concluir que essa comunidade
pode ser um “alvo mais fácil”. Simultaneamente, o fato deste imigrante boliviano ter
sido apontado como responsável pelo fato e ter sido condenado em duas instâncias
da justiça também aponta para a sua vulnerabilidade perante o sistema penal. Ou
seja, assim como a população boliviana é mais vulnerabilizada pelo preconceito e pela
situação da clandestinidade em que muitas vezes operam na feirinha, ela também é
mais vulnerabilizada perante o sistema de controle penal quando algo efetivamente
chega a ser investigado e um processo penal ocorre. Esse processo é bastante
conhecido no campo da criminologia crítica como seletividade penal, os quais
abordados por Zaffaroni (1991) e Andrade (1995).

3.3 A INFORMALIDADE TAMBÉM NO COMÉRCIO.

Além de buscar um espaço para vender nas ruas onde ocorre a feira, outra
grande preocupação dos trabalhadores desse comércio é com a mercadoria que é
posta a venda. A origem das mercadorias que circulam pelo comércio do Brás é
diversa, mas três são as procedências mais importantes:

China; polos produtores do Agreste Pernambucano; e a própria produção


local da cidade de São Paulo, a partir do grande número de fábricas e oficinas
de todos os tamanhos e inseridas em diferentes estatutos legais, localizadas
no próprio Brás ou mobilizando circuitos produtivos nas periferias da cidade.
Nesse emaranhado de produção, circulação, trabalho, comércio e consumo
se embaralham atividades em distintos matizes regulatórios, que tornam
praticamente indiscerníveis as fronteiras entre práticas formais e informais,
legais e ilegais, além de complicar e combinar as discussões sobre trabalho
50

explorado, auto exploração, iniciativas empreendedoras e ampliação do


consumo das classes populares (Rangel, 2019, p.53)

A procedência das mercadorias dos imigrantes bolivianos é de produção


própria, mas em geral as transações de compra e venda quando levadas a serem
comercializadas não são registradas. Portanto, as transações de vendas dessas
mercadorias se encontram irregulares.
No artigo publicado pela fonte de notícias The guardian, já mencionado
anteriormente, se entrevistou feirantes e se observou o sistema de funcionamento das
vendas desses comerciantes, vê-se que apesar de estarem na informalidade, os
agentes públicos, personificados nos policiais somente monitoram o mercado, até às
sete da manhã. Após, os feirantes são obrigados a deixar seus postos, pois os agentes
policiais começam a patrulhar o local em grupos maiores, alertando os comerciantes
a saírem, caso não seja atendida essa ordem, ocorre o confisco das mercadorias
usando-se da força. Mas também, há vários feirantes que em razão do bom
movimento de potenciais clientes, arriscam-se se mantendo nos seus postos por mais
algumas horas da manhã, para não perderem sua mercadoria, quando os oficiais se
aproximam, apressadamente embrulham, guardam tudo e partem. “Entender como
esse esquema se sustenta todas as noites, há 13 anos, é um dos muitos mistérios da
Feirinha” diz o colunista do jornal (The Guardian, 2017).

Figura 3 - Manchete de jornal sobre a Feirinha da Madrugada

Fonte: jornal The Gardian (Aranha,2017).


51

Nessa linha incerta, de permissividade e repressão da venda de mercadorias


de maneira irregular, abre-se lacunas para que autoridades públicas, aproveitando-se
de sua função, tirem vantagem econômica dos feirantes. É neste meio que os
imigrantes muitas vezes se tornam alvos de extorsão, sofrendo ameaças e sendo
obrigados a dar dinheiro a fim de garantir sua segurança e a continuidade de suas
atividades comerciais. Embora seja difícil de se chegar às autoridades e reportar
esses fatos, pois as vítimas têm medo de denunciar e sofrer represálias, o TJSP julgou
um policial civil acusado por extorquir imigrantes bolivianos na feira do Brás, que será
analisado a seguir.

3.3.1 Caso 3

Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Este terceiro caso trata de um policial que aproveitando-se de sua função,


entre os anos de 2015 e 2018, abordava imigrantes comerciantes da feirinha do Brás.
Os autos de investigação apontam que o policial se dirigia à feirinha da madrugada
conduzindo uma viatura e exigia dinheiro, em regra, comerciantes estrangeiros. De
acordo com as informações presentes na sentença de primeiro grau e o acordão do
TJSP, as vítimas são bolivianas.
Seguindo o contexto que buscou-se demonstrar até aqui, as exigências de
dinheiro, não poderia ocorrer senão mediante ameaças de que seriam presos ou
teriam suas mercadorias apreendidas.
Extrai-se do relatório das vítimas:

Vítima protegida n° 01:

A vítima é boliviano, está há oito anos no Brasil e há três anos trabalha


na 'Feira da Madrugada'. Começou a trabalhar vendendo roupas na feira
entre maio e junho de 2017 e foi abordado três vezes pelo réu; em todas
seu irmão estava consigo. Celso reconhecido em Juízo sem dúvidas o
abordou e a outros comerciantes pela primeira vez em junho ou julho, em
uma madrugada, na praça da Coréia, juntamente com um indivíduo careca e
forte. O declarante já sabia que havia casos de abordagens policiais
pedindo dinheiro aos imigrantes, porém achou que, no dia da
52

abordagem, os policiais estavam procurando criminosos, pois exibiram


a arma. Na primeira abordagem Celso não disse nada e somente seu
comparsa falou, apontando-lhes a arma; as vítimas não entregaram
dinheiro porque não tinham. Na segunda ocasião, o próprio réu se dirigiu à
vítima e ameaçou guinchar seu veículo para a delegacia de polícia. Nessa
ocasião, Celso disse que teria como eles 'negociarem'; assim, o irmão da
vítima entregou tudo que tinha R$ 80,00 ou R$ 100,00 ao réu. O irmão da
vítima pediu que Celso e seu comparsa deixassem pelo menos o dinheiro da
gasolina; em decorrênc vCelso entregou R$ 10,00 a eles. O réu era muito
conhecido na região da feira, ouvindo-se constantes boatos sobre o 'chinês'.
Na segunda ocasião, réu ameaçou o declarante e seu irmão de terem o
automóvel e as mercadorias apreendidas, além de serem deportados
para a Bolívia, pois não tinham documentação; sentiu-se ameaçado,
pois as abordagens sempre ocorriam com a utilização de arma. O
declarante foi abordado em três ocasiões pelo réu e seu colega, mas
sempre o via abordando outros comerciantes. Em duas ocasiões Celso
conversou diretamente com o declarante e em todas houve ameaças de
guincho do veículo e apreensão da mercadoria, além de pedidos de
entrega de dinheiro. Seu irmão lhe entregou dinheiro em duas ocasiões
e as mercadorias não foram apreendidas. Na última ocasião, o irmão do
declarante perguntou aos policiais “de novo?”, ao que os agentes
públicos responderam “não pode?” e “mesmo esquema”. Celso chegou
a exigir R$ 500,00. O declarante reiterou que sentia muito medo das
abordagens, pois as ameaças eram sempre com a arma em punho (oitiva
disponível no eSAJ (pg6)(pg 5, Apelação Criminal nº 0031759-
02.2018.8.26.0050 - São Paulo - VOTO Nº 12943). Grifou-se.

Vítima protegida n°02:

está há 10 anos no Brasil e há três anos trabalha na 'Feira da


Madrugada'. Foi abordada uma vez por Celso reconhecido em Juízo sem
dúvida ocasião em que ele estava na viatura da polícia civil e mandou,
de forma agressiva e apontando uma arma, que o declarante saísse do
carro e colocasse as mãos na cabeça. Na sequência perguntou se era
boliviano e o acusou de ser traficante. O declarante estava sozinho;
negou ser traficante, disse que o automóvel era de seu patrão Obrilfido
e telefonou para ele. Celso pediu R$ 300,00 em troca da não apreensão do
veículo e da mercadoria, alegando que os produtos não tinham nota fiscal;
além disso, revistou o veículo e afirmou de forma reiterada que o declarante
era traficante. Lhe disse então que não vendia produtos falsos e possuía
CNPJ. Indagado, reiterou que Celso exigiu a entrega de dinheiro e disse
que, caso não fosse atendido, aprenderia o automóvel e a mercadoria.
O declarante ficou com medo por conta de ser imigrante, porém não
entregou o dinheiro. Foi abordado apenas uma vez, mas sempre via o
réu abordando outros comerciantes. No momento da abordagem Celso
não se identificou quanto à delegacia trabalhava e tratou a vítima como
se fosse um criminoso, determinando que colocasse a mão na cabeça.
Soube que havia muitos outros imigrantes que passavam por situação
idêntica. Prestou depoimento ao delegado na região da 'Feira da
Madrugada'. Celso ainda lhe disse que 'boliviano é traficante'; sentiu-se
ofendido com essa fala. Havia dois policiais na abordagem, no entanto, foi
Celso quem exigiu os R$ 300,00. Sentiu receio em ter a mercadoria
53

apreendida caso não entregasse o dinheiro (oitiva disponível no Esaj)


(pg6)(pg 5, Apelação Criminal nº 0031759-02.2018.8.26.0050 - São Paulo -
VOTO Nº 12943). Grifou-se.

Do depoimento prestado pelo delegado de polícia que investigou o caso:

Evandro, delegado da corregedoria da polícia civil, asseverou que a


investigação teve início na divisão de operações policiais da corregedoria da
seguinte forma: no final de 2017 o representante dos comerciantes latino-
americanos (ACILESP) pediu auxílio à corregedoria, afirmando que os
comerciantes foram abordados em diversas ocasiões, sendo vítimas de
extorsão por um policial civil com traços orientais, o qual estava sempre
acompanhado de um outro indivíduo 'gordinho'. Instaurou-se investigação
preliminar e Celso foi identificado, juntamente com a viatura usada por ele,
um Fiat/Palio da 81ª DP. Os comerciantes tinham receio de procurar a
polícia e denunciar o réu, motivo pelo qual em um momento inicial não
foram colhidos depoimentos. Todavia, representantes dos consulados dos
países latino-americanos também procuraram a corregedoria com pedido
formal para que providências fossem tomadas, narrando os mesmos fatos.
Assim, foi reunida uma equipe e feita uma reunião na sede da ACILESP,
próximo à 'Feira da Madrugada', para ouvir as vítimas. Colhidas as
declarações, todos os comerciantes ora vítimas protegidas foram categóricos
em informar como eram praticadas as extorsões e confirmaram que o policial
envolvido era Celso, após a apresentação de sua fotografia. As ameaças do
réu consistiam em apreensão das mercadorias e em levá-los até à
delegacia, dizendo que isso acarretaria sérios problemas legais. Os
comerciantes eram muito humildes e possuíam, normalmente, quantias
em torno de R$ 100,00 apenas. Houve boatos também de que Celso teria
efetuado invasões e apreensões nas residências dos comerciantes,
porém esse fato não foi confirmado. Após a representação pela prisão
cautelar e da busca e apreensão em sua residência, Celso foi interrogado.
Nessa ocasião informou que “fazia bico” como segurança na região da 'Feira
da Madrugada' para um dono de um ônibus tal indivíduo que não foi
localizado. O réu afirmou ainda que em uma ocasião se envolveu em uma
discussão com comerciantes locais e acredita que esse episódio resultou nas
denúncias como forma de represália. Não houve confirmação dessa versão
por nenhuma testemunha. O valor obtido pelas extorsões não foi
calculado, mas cada comerciante entregava a quantia que possuía,
geralmente pequena, ou até mesmo as mercadorias. As versões dos
comerciantes foram bem convincentes sobre os fatos e o reconhecimento
fotográfico foi seguro. O depoente reconheceu o réu em juízo e afirmou já ter
trabalhado com ele anteriormente; nunca tiveram nenhum problema. A viatura
encontrada na residência do réu era a mesma das abordagens e as vítimas
não reconheceram o outro policial. As extorsões ocorreram entre o final de
2017 e começo de 2018, antes desse período as vítimas nada informaram.
Sabia que o réu era investigador; posteriormente foi confirmado que ele era
responsável pelo expediente da delegacia, ou seja, transportava
documentos. Geralmente, os responsáveis pelo expediente estafetas
trabalham sozinhos e Celso confirmou essa informação no interrogatório
(oitiva disponível no eSAJ) Apelação Criminal nº 0031759-02.2018.8.26.0050
- São Paulo - VOTO Nº 12943). Grfou-se.
54

Nessas abordagens, o policial exigia a entrega de produtos e quantias em


dinheiro a imigrantes bolivianos, situação que ocorreu de forma reiterada, como
relataram as vítimas. As ameaças mais frequentes eram ameaças de deportação por
falta de documentação ou o confisco de mercadorias. Nesse contexto, se verifica que
tais sistemas ilegais os tornam mais vulneráveis. Nas acusações proferidas pelo
policial civil, colhe-se elementos que evidência o estigma que este tem como
percepção dos imigrantes, usado como forma de subjugar e ameaçar essas pessoas
que teria abordado para extorqui-las, tais como, a ameaça de deportação, confisco de
mercadorias e a acusação de traficância.
Pesquisas como de Manetta (2012), autor que analisou discursos da mídia
jornalística sobre a imigração boliviana, a influência das notícias na
geração/manutenção de estereótipos relacionados aos bolivianos no Brasil. Ele
compreende que o processo de estigmatização de comunidades como as de
bolivianos residentes em São Paulo tende a ocorrer em várias partes do Brasil, não
somente através da articulação entre indivíduos das comunidades locais onde a
presença de bolivianos tem sido mais notável, mas, sobretudo, através de mensagens
cotidianamente veiculadas pela imprensa, fato que tende a expandir esse tipo de
estigma para além das relações cotidianas de convivência e da observação imediata
(Maneta, 2012).

Aquela comunidade acaba por sofrer um processo de estigmatização em


várias ordens, como: a ordem sóciocultural (pessoas de pouca cultura e
possíveis traficantes), a ordem étnica/racial (generalizados como índios) e a
ordem jurídica (indocumentados/clandestinos) (MANETTA, 2012, p. 260)

Tal vulnerabilidade a esses crimes se inicia no próprio fato de serem


imigrantes, reforçado por serem bolivianos, dado que a “mídia jornalística que atribui
um teor problemático à presença de bolivianos no Brasil, fato que acaba por gerar, ou
manter, associações frequentes entre bolivianos e práticas sociais indesejáveis ou
moralmente inaceitáveis” (MANETTA, 2012 p. 267).

3.4 O GUARDAR DINHEIRO EM ESPÉCIE.

Outro ponto que merece ser discutido aqui, mencionado por Rangel (2019), é
como esses imigrantes costumam guardar o dinheiro posto que grande parte das
55

transações financeira advindas do trabalho que desenvolvem, é feita em espécie. A


simplicidade, agilidade (menor burocracia), ausência de taxas e encargos que
permitem aumentar a margem de lucro em transações são algumas das principais
razões pelo qual sempre optam por essa forma de pagamento. Contudo, realizar
transações comerciais somente em "dinheiro vivo” no mercado informal apresenta
diversos perigos e riscos.
Os vendedores que acumulam grandes quantidades de dinheiro correm o
risco de serem alvo de roubos ou assaltos, especialmente em ambientes onde opera
a clandestinidade, como a feirinha da madrugada. Nesse ponto, observa-se mais uma
fragilidade que pode abrir espaço para a corrupção e extorsão por parte de
funcionários públicos ou fiscais, que podem exigir propinas ou subornos para evitar
problemas legais.
Isso pode ser claramente exemplificado em diversos casos de extorsão a
imigrantes chineses, pois conhecidos por guardar manter consigo dinheiro de grande
monta (Freire da Silva, 2008).

A grande rotatividade monetária propiciada pela atividade comercial, o uso


majoritário de dinheiro vivo nas transações e as imagens difundidas de que
os chineses costumam guardar grandes somas de valores em espécie em
suas casas teriam despertado a atuação de assaltantes e de quadrilhas que
parecem se especializar no roubo a chineses. As vítimas mais frequentes
certamente constituem aqueles que têm menos recursos para investir em
segurança em suas casas e seus boxes, além de parecerem oferecer menor
riscos para os assaltantes. Como é muito frequente entre aqueles que estão
a menos tempo no País não terem sua situação regularizada, por vezes não
fazem boletins de ocorrência sobre os assaltos e não recorrem à polícia por
medo e falta de informação (Freire da Sila, 2008, p. 238).

Nesse contexto, percebe-se que as barreiras linguísticas e culturais de migrar


a um novo país ou falta de documentação adequada por estarem em situação
irregular, podem contribuir para que estes, ao manter dinheiro em espécie consigo se
tornam pessoas mais suscetíveis a extorsão.
No caso dos imigrantes bolivianos, tais pontos aplicam-se igualmente, uma
vez que introduzindo-se no comércio passam a ter o manejo de dinheiro em espécie,
à vista de dificuldade em abrirem contas bancárias. Além disso, outra circunstância a
ser considerada, e como já mencionado, os imigrantes bolivianos preocupam-se em
enviar regularmente dinheiro para suas famílias ou comunidades de origem, assim,
56

guardam dinheiro como uma forma de poupança para futuras remessas


(Battisti,2014).
Diante disso, cabe trazer uma notícia veiculada no portal da Folha de São
Paulo, pois, a partir dela é possível compreender aspectos que foram abordados até
aqui.

Figura 4 – Manchete de jornal sobre caso de assalto a bolivianos

Fonte: Pescarini (2022)

Segundo a notícia veiculada, a equipe da 4° Delegacia Patrimônio, do Deic


(Departamento Estadual de Investigações Criminais), recebeu informações de que
haveria uma quadrilha especificamente para invadir residências de imigrantes
bolivianos simulando uma investigação policial. De acordo com as autoridades, para
entrar na residência das vítimas, se disfarçaram de policiais e diziam que precisavam
verificar uma suspeita de crime de condições de trabalho análogo à escravidão. No
caso noticiado, o trio de falsos policias ao entrar nas residências, encontraram R$ 10
mil em dinheiro. E segundo o Deic:

os imigrantes são alvo dos crimes por não utilizar o sistema bancário,
“guardando em casa o dinheiro obtido por meio do trabalho”. Outro fato é que
normalmente as vítimas na registram ocorrência. Por isso, o delegado
Nogueira não sabe se outras pessoas vão dar queixa a partir da prisão desta
segunda e quantas podem ter sido vítimas da quadrilha. “ Como trabalham
57

na informalidade, é difícil darem queixa porque muitas vezes não tem


comprovação da origem do dinheiro” afirma (Pescarini, 2022).

A partir desse caso, depreende-se que guardar dinheiro em espécie se


mostra como um elemento de maior risco a que estes possam ser alvos de roubos e
extorsões. O dinheiro guardado não possui comprovação de origem, pois as
transações não foram formalizadas, o que se mostra como mais um dos fator que
pode aumentar a probabilidade de imigrantes bolivianos serem alvos de crimes de
extorsão.
58

4 CONCLUSÃO.

A pesquisa realizada no presente trabalho permitiu chegar à conclusão de que


os imigrantes bolivianos que trabalham na feirinha da madrugada não só estão mais
suscetíveis a serem vítimas do crime de extorsão; mas por serem percebidos como
mais vulneráveis, tendo se inserido no comércio, manejando dinheiro em espécie e
sem registro, esses não só estão mais suscetíveis a serem vítimas do crime de
extorsão (art. 158 do CP). Também outros, como ameaça (art. 147 do CP), roubo
(art.157, do CP), concussão (art. 316 do CP) e corrupção passiva (art.317 do CP), os
quais, imperam em um sistema regido pela clandestinidade. Além disso, se verificou
que num mercado clandestino que impera na feirinha da madrugada, imigrantes
bolivianos podem ser os autores executores desses delitos.
O contexto histórico e social dos imigrantes bolivianos na cidade de São
Paulo; as motivações que os levaram a sair da Bolívia; os Estados de origem desses
imigrantes, no qual destacou-se que a cidade de El Alto é o maior “expulsador” de
bolivianos para São Paulo, refletindo num contrastes culturais e traços físicos que os
avulta em meio a metrópole paulistana e, utilizado como objeto discriminatório. Os
estigmas continuam a se perpetuar quando estão relacionados, também, ao fato de
se manterem de maneira irregular no Brasil. Se examinou que, ademais dos bolivianos
virem de seu país numa condição de hipossuficiência financeira e educacional, ao
chegar em São Paulo é muito mais difícil para estes indivíduos enfrentar os custos e
processo burocrático para regularização de seus documentos. Somasse a isso o fato
de que o único espaço de acesso a trabalho são às oficinas de costura que abastecem
a produção mercantil têxtil dos empresários coreanos, com empregos ofertadas por
outros bolivianos – donos de oficinas de costura - que moram há mais tempo no Brasil,
e não exigem a documentação para fazerem contratações, pois feito maneira informal.
Tal contexto, abriu espaço para exploração de mão de obra desses
imigrantes na cidade de São Paulo. Aspectos muito divulgadas pela mídia em razão
da precariedade das condições de trabalho e a estadia no Brasil de maneira irregular,
o que ao longo dos anos foi criando um estigma pelo qual o estrangeiro boliviano
atualmente é conhecido: “índio, escravo e ilegal”. Ao mesmo que tempo esses
estigmas vão conduzindo à exclusão social dos imigrantes bolivianos, tornando-os
mais dependentes de redes informais de apoio, como outras pessoas da mesma
origem étnica ou nacionalidade.
59

Esse fenômeno de exclusão social, pode ser observado na transição dos


imigrantes bolivianos na feirinha da madrugada do Brás. Após a década de 2000, com
a transferência da feira da madrugada para o bairro do Brás, justamente coincidiu com
o período em que os imigrantes bolivianos, por estarem mais próximo
geograficamente de onde moravam, começaram a se arriscar a vender mercadorias
têxteis de fabricação própria. Dessa maneira se iniciou um processo de libertação da
dependência do trabalho ofertado pelos coreanos, mas mantendo-se as margens da
informalidade.
A partir dessa contextualização verificou-se que o contexto do significado da
palavra “vulnerabilidade” que está em volta dos imigrantes bolivianos são peculiares,
se comparados a outros estrangeiros. Compreende-se que essa vulnerabilidade é
maximizada ao se inserirem na feirinha da madrugada, porque ela é regida pela
clandestinidade e ilegitimidade de suas instalações, tornando-a o ambiente suscetível
a extorsões e outros crimes por organizações criminosas e, muitas vezes, pelos
próprios representantes das associações que são criados. Mas também os crimes de
concussão e a corrupção quando a exigência de dinheiro é feita por autoridades
públicas fiscalizadoras.
O sistema de clandestinidade que rege a feirinha da madrugada no que diz
respeito à utilização das ruas por esses feirantes, conduz a casos de extorsão por
organizações criminosas, líderes de associações que se dedicam a controlar áreas
para impor pagamentos sob a justificativa de que irão oferecer segurança e proteção.
Também, exigências de pagamento por autoridades públicas que, em tese, deveriam
dar segurança e fiscalizar o local, mas, que vem nesse ambiente oportunidades de
tirar proveito dos feirantes o que é muito mais fácil ser feito contra estrangeiros. E,
entre os estrangeiros, os bolivianos, porque mais vulneráveis.
Essas entidades/pessoas estão cientes de que os imigrantes normalmente
lidam com transações em dinheiro e, como bolivianos estão frequentemente sujeitos
a estigmas discriminatórios, esses grupos buscam tirar proveito dessa vulnerabilidade
percebida para obter dinheiro com mais facilidade. Dado que a área está repleta de
ilegalidades, é extremamente difícil para os imigrantes discernir se os agentes são
capazes de garantir a segurança do espaço físico onde conduzem negócios, ou se
estão simplesmente sendo enganados. Além disso, as disputas por territórios, tanto
nas ruas públicas quanto no próprio mercado, se fazem presente.
60

A vulnerabilidade está calcada na informalidade e na irregularidade que


envolve o comércio e fabricação de produtos que são vendidos na feirinha, pois não
há registros do movimento da mercadoria e do dinheiro arrecadado. Mas também no
estigma que foi construído ao longo dos últimos anos especificamente desses
bolivianos, disseminado na sociedade e veiculado pela mídia, de que são pessoas
exploráveis, indefesas e que não farão denúncias, porque não tem legitimidade. E isto,
por óbvio, são informações que os tornam vítimas mais suscetíveis às exigências
monetárias. Além disso, não se pode esquecer das dificuldades linguísticas e
culturais, pois enfrentam barreiras linguísticas e culturais ao interagir com as
autoridades locais e ao buscar ajuda em situações de extorsão, o que é explorado
pelos extorsionários para evitar a detecção e a punição. Isto tudo é corroborado pelo
receio de fazer denúncias pois existe o medo de terem problemas com a lei, os
inibindo de buscar ajuda e relatar os crimes.
Nesse contexto, a feira do Brás, devido à sua dimensão e à diversidade de
pessoas e atividades comerciais, pode ser um ambiente propício para a ocorrência de
crimes como os de extorsão, corrupção e roubos. A presença de multidões, a falta de
controle efetivo e a ausência de medidas de segurança adequadas encorajam
indivíduos criminosos a realizar extorsões e outras atividades ilícitas. Ademais da
condição de imigrantes, a origem da sua nacionalidade, a inserção desses na feirinha
da madrugada do Brás, a comercialização de produtos de maneira irregular, os
estigmas atribuídos a eles, e a maneira como são realizadas as transações financeiras
na feirinha são fatores que contribuem para que um imigrante boliviano se torne mais
suscetível a serem vítimas.
.
61

REFERÊNCIAS

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FORMAIS DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO. 2010. 57 f. TCC (Dou-
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Filosofia Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, 2010.

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social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no
senso comum. Seqüência studos Jurídicos Políticos, 16(30), 24–36.
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