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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIASSOCIAIS APLICADAS


CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

KAREN BEATRIZ OLIVEIRA CRUZ

AS REPERCUSSÕES DO GOLPE DE 2016 E DA PANDEMIA DO COVID-19 NO


APROFUNDAMENTO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE SOCIAL NO
CENÁRIO BRASILEIRO.

NATAL- RN
2022
KAREN BEATRIZ OLIVEIRA CRUZ

AS REPERCUSSÕES DO GOLPE DE 2016 E DA PANDEMIA DO COVID-19 NO


APROFUNDAMENTO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE SOCIAL NO CENÁRIO
BRASILEIRO.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


curso de Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em
cumprimento à exigência para obtenção do
grau de bacharel.

Orientadora: Profa. Ma. Ana Karoline


Nogueira de Souza.

NATAL-
RN2022

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema
de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Cruz, Karen Beatriz Oliveira.


As repercussões do golpe de 2016 e da Pandemia Do Covid-19 no
aprofundamento da pobreza e da desigualdade social no cenário
brasileiro / Karen Beatriz Oliveira Cruz. - 2022.
63f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade


Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais
Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2022.
Orientadora: Profa. Me. Ana Karoline Nogueira de Souza.

1. Neoliberalismo - Monografia. 2. Desigualdade Social -


Monografia. 3. Pobreza - Monografia. I. Souza, Ana Karoline
Nogueira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título.

RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 316.34

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355


KAREN BEATRIZ OLIVEIRA CRUZ

AS REPERCUSSÕES DO GOLPE DE 2016 E DA PANDEMIA DO COVID-19 NO


APROFUNDAMENTO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE SOCIAL NO CENÁRIO
BRASILEIRO.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


curso de Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em
cumprimento à exigência para obtenção do
grau de bacharel.

Aprovado em / / 2022

BANCA EXAMINADORA

Profa. Ana Karoline Nogueira de Souza


(Orientadora)

Ms. Vânia Maria Vasconcelos de Castro(Examinadora


externa)

Profa.Dra. Ilka de Lima Souza


(Examinadora interna )
Dedico esse trabalho ao meu querido e amado
avô, seu Cruz, que se foi, mas queestará para
sempre em nossos corações. Obrigada, pelas
viagens e pelos natais cheios de alegria, pois a
esperança de dias melhores me fez chegar até
aqui, gratidão.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus e aos meus guias espirituais, por estarem sempre
comigo e terem me dado a sabedoria necessária para enfrentar meusmaiores desafios.
Agradeço à minha família por me incentivar e me apoiar na busca pelos meus
objetivos.
Agradeço a Igor Tinoco por ter me ouvido com paciência, sempre me apoiando e
ajudando nesse processo.
Agradeço à minha orientadora Ana Karoline de Souza, por ter me ajudado e
orientado da melhor forma possível e não ter me deixado desistir quando achei que não
conseguiria.
Agradeço ao grupo PET, direito à cidade, que foi fundamental nesse processo de
formação acadêmica e pessoal.
A todas as minhas amigas e parceiras a quem tive o prazer de compartilhar os
maiores medos e aflições, obrigada por tudo.
Por fim, sou imensamente grata, a mim, pela minha força e determinação, que não
me deixaram desistir, apenas continuar, sem parar.
“Todas as vitórias ocultam uma abdicação”. (Simone deBeauvoir)
RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar o aprofundamento da pobreza e da


desigualdade social do golpe de 2016 a pandemia do COVID-19, de modo que a suposição
que orienta a realização dessa pesquisa parte da premissa de que o avanço do neoliberalismo
com o golpe de 2016, atuou como determinante direto para a volta do crescimento da pobreza
e da desigualdade social, na sociedade brasileira. Com isso, o avanço da direita conservadora
a partir do golpe representou uma ofensiva para a classe trabalhadora e para as políticas
sociais de direito, que se viu completamente ameaçada diante dos cortes e reformas realizadas
pelo Estado neoliberal. Assim, para se alcançar os objetivos propostos, essa pesquisa foi
fundamentada no materialismo histórico-dialético, com abordagem quanti-qualitativa
realizada a partir de levantamento bibliográfico e documental. Para análise do objeto em
questão foram utilizados os dados da Oxfam Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e entre outras. Além
disso, o uso de fontes secundárias, como artigos científicos procedentes da SciELO; matérias
e reportagens, advindos da CNN Brasil, BBC News Brasil e G1; e revistas científicas
provenientes da temporalis e da boitempo editorial contribuíram também para o embasamento
do estudo.

Palavras-chave: neoliberalismo; desigualdade social; pobreza.


ABSTRACT

The general objective of this research is to analyze the deepening of poverty and
social inequality from the 2016 coup to the COVID-19 pandemic, so that the assumption that
guides this research is based on the premise that the advance of neoliberalism with the coup of
2016, acted as a direct determinant for the return of the growth of poverty and social
inequality in Brazilian society. With that, the advance of the conservative right after the coup
represented an offensive for the working class and for the social policies of law, which was
completely threatened in the face of the cuts and reforms carried out by the neoliberal State.
Thus, in order to achieve the proposed objectives, this research was based on historical-
dialectical materialism, with a quantitative and qualitative approach based on a
bibliographical and documental survey. For the analysis of the object in question, data from
Oxfam Brazil, the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), the Institute of
Applied Economic Research (IPEA) and others were used. In addition, the use of secondary
sources, such as scientific articles from SciELO; subjects and reports, coming from CNN
Brasil, BBC News Brasil and G1; and scientific journals from temporalis and boitempo
editorial also for the basis of the study.

Keywords: neoliberalismo; social inequality; poverty.


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Impacto do Bolsa Família sobre a extrema pobreza ........................................... 25


Gráfico 2- Evolução do número de desempregados. .......................................................... 36
Gráfico 3- Número de óbitos esperados e observados em 1 ano de pandemia ........ 45
Gráfico 4- Desigualdades medidas pelos índices de Gini da renda total, pela proporção de
domicílios em situação de pobreza de pobreza, pela proporção de renda nacional recebida
pelos 40% mais pobres e pelo 1% mais rico, 1976- 2015 ................................................ 58
Gráfico 5- Brasileiros em situação de extrema Pobreza ...... 60
Gráfico 6- Taxa de pobreza por gênero e raça observada e simulada- Brasil ....... 61
LISTA DE SIGLAS

BM --- Banco Mundial


CUT --- Central Única dos Trabalhadores
FHC ---Fernando Henrique Cardoso
IBGE --- Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaJK ---
Juscelino Kubitschek
OXFAM --- Comitê de Oxford de Combate à FomePT -
-- Partido dos Trabalhadores
PNAD --- Pesquisa Nacional por Amostra de DomicíliosPIB
--- Produto Interno Bruto
PTR --- Programas de Transferência de Renda
MPC--- Modo de Produção Capitalista.
ONU--- Organização das Nações Unidas
PBF--- Programa Bolsa Família
DRU---Desvinculação das Receitas da União
OMS--- Organização Mundial da Saúde
STF---Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 11
ELEMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL:
NEOLIBERALISMO, GOVERNO LULA E A CRISE DE 2008 ........................................................ 14
A emergência neoliberal no cenário brasileiro ...................................................................................... 18
A consumação do golpe de 2016 e seus rebatimentos na sociedade brasileira ...................................... 23
1 AS IMPLICAÇÕES DO PROJETO NEOLIBERAL NOS GOVERNOS TEMER E
BOLSONARO....................................................................................................................................... 28
1.1 O desemprego e seus rebatimentos nos índices de pobreza e desigualdade social ........................ 30
1.2 O Projeto Bolsonarista e sua devastadora política neoliberal ........................................................ 34
1.3 A pandemia do covid-19 como vetor de aprofundamento da crise................................................ 38
2 POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: CATEGORIAS EM ANÁLISE .............................. 44
2.1 As diferentes concepções teóricas da pobreza e da desigualdade social........................................ 47
2.2 determinantes socioeconômicos da pobreza no Brasil................................................................... 51
2.3 Estratégias de enfrentamento a pobreza e a desigualdade social ................................................... 54
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 58
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 60
11

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar o aprofundamento da pobreza e da


desigualdade social no período entre o golpe de 2016 e a pandemia do COVID-19 no Brasil.
Para isso, os objetivos específicos buscaram examinar os elementos históricos
macroestruturais da sociedade capitalista; discutir sobre a conjuntura política e a
particularidade brasileira; e a analisar os determinantes da pobreza e da desigualdade social no
período mencionado anteriormente.
Nessa lógica, a suposição que orienta a realização deste trabalho parte da premissa de
que o avanço do neoliberalismo com o golpe de 2016, atuou como determinante direto para a
volta do crescimento da pobreza e da desigualdade social, que vinham sofrendo declínio nos
governos do (PT). Com isso, esse estudo avançou na tentativa de observar a relação entre os
elementos estruturais e conjunturais e de apresentar dados que pudessem comprovar tal
hipótese.
Assim, do ponto de vista teórico-metodológico, trata-se de uma pesquisa teórica
fundamentada no materialismo histórico-dialético, partindo do entendimento de que a
compreensão da pobreza e da desigualdade social atravessa uma análise mais profunda da
realidade. Sendo assim, a teoria marxista oferece o subsídio necessário para compreender o
fenômeno da pobreza para além de exames reducionistas e aparentes dos fatos, pois “é no
campo do marxismo que são encontrados os fundamentos para a explicação da pobreza
partindo das suas determinações estruturais” (SILVA,2010, p.40)
Além disso, ainda sobre o prisma metodológico essa pesquisa tem caráter
exploratório, com abordagem quanti-qualitativa, realizada a partir de levantamento
bibliográfico e documental, de modo que para a análise quantitativa do objeto em questão
foram utilizados os dados da Oxfam Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e entre outras. Além disso, o uso
de fontes secundárias, como artigos científicos, matérias e reportagens, advindos da CNN
Brasil, BBC News Brasil e G1, e revistas científicas, da temporalis e da boitempo editorial
contribuíram também para o embasamento do estudo.
A realização desse trabalho ainda se justifica por meio da inserção no estágio não-
obrigatório, em Serviço Social realizado no Cadastro Único da Ribeira, em Natal/RN, bem
como a partir das atividades desenvolvidas no âmbito
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institucional, que envolveram a realização de entrevista social, juntamente a população


usuária que se encontra em situação de pobreza e extrema pobreza. Portanto, foi a partir dessa
experiência que emergiu a necessidade de aprofundar o conhecimento teórico sobre os
determinantes da agudização da pobreza e desigualdade social na conjuntura atual.
Além disso, não se pode deixar de considerar a relevância desse debate no interior do
Serviço Social, que se coloca como uma oportunidade para refletir sobre como os
determinantes da pobreza e da desigualdade social, interferem no trabalho profissional e de
como sua compreensão pode influenciar numa intervenção mais crítica e humana, juntamente
aos usuários que acessam os serviços oferecidos pela rede.
A partir desses apontamentos iniciais, podemos a partir disso compreender alguns
elementos que compõem a estrutura desse estudo, que está dividido em três capítulos, além
dos elementos pré-textuais, introdução, considerações finais e referências.
O primeiro capítulo Elementos para a compreensão da pobreza e
desigualdade social: Neoliberalismo, governo Lula e a crise de 2008, buscou analisar
os determinantes históricos do desenvolvimento do neoliberalismo e das suas repercussões no
avanço da pobreza e da desigualdade social, sobretudo, no âmbito das particularidades
brasileiras e do governo Lula. Em seguida a discussão avançou, com o golpe de 2016 e o
rompimento com a socialdemocracia, inaugurando no Brasil um novo período de mudanças,
sobretudo para a população mais pobre.
Para isso, foram utilizados autores como Anderson (1995), com sua obra “Balanço do
neoliberalismo''. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático”, com a
definição do neoliberalismo e suas principais características. Além disso, a partir das
contribuições de Netto (2012), foi possível estabelecer uma relação entre os períodos de crise
e agudização da pobreza e da desigualdade social, dentro da sociabilidade capitalista e, por
fim, os apontamentos de Singer(2016), foram imprescidiveis para a compreensão dos fatores
que influenciaram o golpe de 2016 no contexto brasileiro.
Já o segundo capítulo As implicações do projeto neoliberal nos governos
Temer e Bolsonaro, teve como objetivo dar continuidade a esse debate conjuntural nos
governos de Temer e Bolsonaro, evidenciando como a severidade da política
13

neoliberal contribuiu para o aprofundamento da pobreza e da desigualdade social. O segundo


capítulo é finalizado, portanto, com a análise de como a pandemia aprofundou ainda mais
esse cenário de pobreza e desigualdade, partindo da ideia de que a crise sanitária atenuou o
contexto de crise, que já estava em curso.
Desse modo, a centralidade da discussão em torno da reforma trabalhista e das sua
repercussões no aumento do desemprego e na precaridade das condições de trabalho, nos
governos Temer e Bolsonaro, é vista como determinante para a agudização da pobreza e da
desigualdade social. Na contramão, as análises de Behring (2018), mostrará que essas
medidas não trouxeram resultados econômicos e ainda impactaram na vida dos mais pobres.
Por fim, as considerações de Fontes (2020), trouxeram aspectos importantes sobre como a
pandemia atuou como um detonador de uma crise que se delineava desde a década de 1970.
Por fim, o último capítulo Pobreza e desigualdade social categorias em análise,
buscou inicialmente realizar uma fundamentação teórica da categoria de pobreza, discorrendo
a respeito dos componentes, que atravessam sua constituição na sociedade de classes e
articulando essas ideias com os fundamentos estruturais e conjunturais da sociedade brasileiro,
com dados e estatísticas como elementos comprobatórios.
O terceiro capítulo, tem inicio com o debate de Netto (2001), sobre a Lei Geral da
Acumulação Capitalista e dos seus rebatimentos na consitutição da questão social.
Posteriormente, Siqueira (2016) e Silva (2010), fazem uma contribuição a respeito da
compreesão teórica da pobreza e da desigualdade social a partir de uma análise das suas
diferentes concepções teóricas.
14

ELEMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA POBREZA E DESIGUALDADE


SOCIAL: NEOLIBERALISMO, GOVERNO LULA E A CRISE DE 2008

O neoliberalismo enquanto doutrina socioeconômica foi um movimento, que buscou


retomar antigos ideais do liberalismo clássico, apresentando-os sobre uma nova roupagem.
Um dos primeiros idealizadores da doutrina foi Milton Friedman, fundador da Escola
Monetarista de Chicago, que influenciou o pensamento de uma série de líderes em todo o
mundo. A escola de Chicago defendia a teoria do livre mercado1 e se posicionava contra os
ideais Keynesianos2.
A doutrina neoliberal só ganhou destaque a partir da publicação do livro "Caminho
da Servidão”, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944, como aponta Anderson (1995). O autor
coloca que a definição do neoliberalismo pode ser compreendida como uma reação teórica e
política contra o Estado de bem Estar Social3 que tem sua origem nos pós II Guerra Mundial,
mas que só ganha espaço com a crise de 1970 e o esgotamento do modelo Fordista. 4
A crise do fordismo representou uma importante ruptura, com o modelo de produção
em massa, pois o encarecimento do processo produtivo pautado nesse padrão de acumulação
gerou a insustentabilidade do sistema. A partir disso ocorreram uma série de mudanças e
transformações na base produtiva do capitalismo, sobretudo, nas empresas e indústrias, em
razão do “desenvolvimento das forças produtivas, impulsionado pela concorrência e pelo
avanço tecnológico” (LIMA, 2020, p.56).
Esse desenvolvimento tecnológico, que ganhou impulso nos pós II guerra mundial a
partir do próprio contexto de guerra e das disputas entre potências mundiais, fez com que o
modelo fordista fosse substituído pelo Toyotismo 5 e de que

1
Teoria criada por Adam Smith, que defendia a não intervenção do Estado na economia, uma vez que o
mercado teria a capacidade de se autorregular pelas leis da concorrência e da oferta e da procura. (SMITH,
2017)
2
A teoria Keynesiana, foi formulada por John Keynes, a partir do seu livro “Teoria Geral do Emprego, do
Juro e da Moeda”, publicado em 1936, ganhando legitimidade após a grande depressão de 1929. Seus
principais ideais eram: uma maior intervenção do Estado na economia, uma política de pleno emprego e um
Estado de bem estar social. (KEYNES, 2017)
3
O Estado de bem estar Social é um modelo de organização pautado na intervenção do Estado na economia,
regulando os salários e os direitos dos trabalhadores, por meio de uma política de amparo social. (KEYNES,
2017)
4
O modelo fordista se baseia no modo produção em massa, criado por Henry Ford, em 1914.
(CLARK,1991)
5
Modelo de produção pautado na fabricação por demanda, em que se busca eliminar o desperdício e evitar a
acumulação de mercadorias. (CLARK, 1991).
15

houvessem mudanças não só no âmbito produtivo, mas também em toda a estruturadas


relações sociais, de modo que

Desde a década de 1970, temos a instituição de uma profunda reestruturação


produtiva, que acirrou a precarização do trabalho como forma de recomposição dos
lucros capitalistas. A busca pela aceleração do processo de produção e realização da
mercadoria, tem impulsionado o consumo e a descartabilidade dos produtos,
colocando em risco a existência da natureza e de toda a humanidade. (LIMA, 2020,
p.109)

Em conjunto com o processo de reestruturação produtiva, assistimos


simultaneamente, o início de uma grande e grave crise, a crise de 1970, que inaugurou uma
série de mudanças e transformações na estrutura do modo de produção capitalista (MPC). De
acordo, com Netto e Braz (2021) as crises cíclicas são inerentes ao MDP e ganham essa
denominação, pois apresentam quatro etapas que se repetem a cada novo ciclo: a crise, a
depressão, a retomada e o auge.
Para os autores, a crise é o estopim, podendo ser a falência de um banco ou empresa,
uma guerra, pandemia e etc. A depressão está associada aos efeitos negativos provocados pela
crise, isto é, o desemprego, a economia estagnada, perda de mercadorias, aumento da pobreza
e etc. Já a retomada é a fase de recuperação, período em que as empresas começam a ganhar
fôlego e a sair da depressão. E o auge, última fase do ciclo, representa a volta dos
investimentos e a retomada dos lucros.
Todo esse movimento se repete num ciclo infinito, que tem por objetivo a
manutenção da existência do capitalismo, isto é, a garantia de taxas cada vez mais elevadas de
lucro. Segundo, Harvey (2011), o motor que sustenta o capital é o lucro e para que ele possa
continuar existindo e se reproduzindo, via exploração do trabalho e consumo, ele precisa
garantir a acumulação infinita e incessante de mais capital.
No entanto, essa lógica é corrompida pelas próprias barreiras criadas pelo sistema,
uma vez que quando os agentes econômicos, buscam garantir o padrão de funcionamento
desse modelo, acabam por alterar o fluxo de acumulação ocasionando, assim, ciclos de crises,
que não se encerram, apenas se renovam, na medida que o mercado não é capaz de controlar a
dinâmica dos diversos agentes econômicos e sociais.
Desse modo, a partir de 1970 o mundo assiste a mais uma dessas crises,
16

denominada por Netto, como crise sistêmica do capital, isso porque as repercussõesdessa
crise, apresentou particularidades específicas no novo mundo globalizado,

Há um tipo de crise que o capitalismo experimentou integralmente, até hoje, por


apenas duas vezes: a chamada crise sistêmica, que não é uma mera crise que se
manifesta quando a acumulação capitalista se vê obstaculizada ou impedida. A crise
sistêmica se manifesta envolvendo toda a estrutura da ordem do capital. (NETO,
2012, p.3)

Assim, o autor aponta que a crise de 1970 é uma crise de natureza sistêmica, assim
como as ocorridas em 1873, que durou 23 anos, e a de 1929, que resultou numa profunda
depressão por mais de 15 anos. Embora as crises tenham distintos detonadores, as
consequências recaem, sobretudo, sobre os mais pobres, que sofrem com o aumento do
desemprego, da pobreza e da desigualdade social.
Nessa lógica, a crise global dos anos 1970 pode ser considerada, portanto, o pontapé
inicial para uma série de transformações no mundo, ela sinalizou o refluxo das conquistas
sociais, com o fim do Estado de bem estar social e suas políticas de proteção, segurança e
amparo, pois para o neoliberalismo os movimentos sociais e, sobretudo, os sindicatos haviam
“corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os
salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos
sociais” (ANDERSON,1995, p.1).
Sobre essa afirmativa as bases para implementação do neoliberalismo estavam dadas,
a conjuntura econômica do capitalismo exigia transformações na organização do Estado e na
condução da economia que pudesse garantir a recuperação das taxas de lucro e buscasse
diminuir os impactos da crise.
Nessa perspectiva, o fundamento central da política neoliberal está alicerçado na
teoria do livre mercado e uma concepção de Estado mínimo, isto é, um Estado não
intervencionista voltado para o equilíbrio da sua receita e do controle dos gastos públicos,
sobretudo, na área social. Para isso era necessário “manter um Estado forte, sim, em sua
capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos
os gastos sociais e nas intervenções econômicas” (ANDERSON,1995, p.1)
Logo, a reconfiguração no papel do Estado se tornou um objetivo necessário para a
legitimação do modelo neoliberal, pois era preciso um respaldo político e jurídico para a
implementação dos objetivos que se pretendiam alcançar. Segundo
17

Anderson (1995), as medidas estavam assentadas na contenção máxima dos gastos sociais, por
parte do Estado, realizações de reformas fiscais, redução de impostos sobre os rendimentos
mais altos e da elevação das taxas de juros.
Os mecanismos utilizados pela lógica capitalista com o intuito de acelerar o processo
de retomada econômica, se tornam cada vez mais sofisticados a cada novo ciclo, de modo
que o neoliberalismo está, como aponta Netto (2012), alicerçado sobre um novo e deletério
tripé de transformações ameaçadoras, que se concretizam com a legitimação do Estado
burguês.
A primeira, se baseia na flexibilização das relações de trabalho e na crescente
precarização das condições da classe trabalhadora, com a retirada de incontáveis direitos. A
Segunda, por uma agenda de privatizações, que entrega importantes patrimônios públicos nas
mãos do mercado financeiro. E terceira, pela desregulamentação das relações comerciais,
tendo a globalização, como fenômeno, que intensificou ainda mais o processo de integração
entre as nações dando ao capital financeiro ainda mais poder e liberdade para concentrar e
centralizar mais capital.
O papel do Estado frente a esse contexto de mudanças torna-se ainda mais claro
dentro dos moldes do modelo neoliberal, de modo que não resta dúvida das suas reais
atribuições. O que a ideologia neoliberal busca tornar verdade no âmbito das relações
societárias é que o poder público deva se limitar a garantir apenas os mínimos sociais, isto é,
prestar assistência aos pobres dos mais pobres.

A retórica da doutrina neoliberal [...] advoga que cabe ao Estado garantir os direitos
básicos dos indivíduos, a liberdade de ação dos agentes econômicos e o
fornecimento de bens públicos e serviços estatais necessários à manutenção da
ordem, tais como defesa, segurança, justiça e serviços sociais. Para além destas
funções, o Estado extrapolaria suas funções vitais, cerceando o livre
desenvolvimento dos mercados e das iniciativas privadas, supostamente
prejudicando a produção de riquezas e o bem-estar gera (CASTELO, 2013, p.221).

Sobre essa ótica, a doutrina neoliberal passa a ser incorporada e seus princípios
adotados em diversos países. Nas economias de capitalismo central, o primeiro governo a se
inspirar nos princípios do neoliberalismo dos países centrais foi o de Margaret Thatcher na
Inglaterra, em 1979. A primeira-ministra do Reino Unido, conhecida também como “Dama de
Ferro”, surpreendeu pela radicalidade das medidas implementadas durante o período que
esteve no poder. A partir disso
18

outros países passaram a romper com socialdemocracia e realizar um pacto com o projeto
burguês em curso, com destaque para Ronald Reagan (1980) nos Estados Unidos e Helmut
Kohl (1982), na Alemanha. Nos países de capitalismo periférico, o neoliberalismo foi
implantado primeiro no Chile, com o governo autoritário do ditador Augusto Pinochet, em
1973, e seguiu, com Menem na Argentina, Fujimori no Peru e Salinas no México.

A emergência neoliberal no cenário brasileiro

O Brasil seguiu as exigências internacionais e passou a incorporar o modelo


neoliberal a partir de 1990, no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992). No entanto,
foi só no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), que se observou um
aprofundamento das medidas propostas e a concretização da política neoliberal. Segundo
Giambiagi e Villela (2005), nesse período a inflação havia ultrapassado 80% ao mês e a
economia brasileira estava estagnada desde 1980.
Esse cenário colocou em emergência a necessidade de uma ação por parte do Estado,
que acompanhasse as diretrizes da política neoliberal que vinham sendo implementadas em
todo o mundo. Desse modo, entre as ações do governo estavam o enxugamento dos gastos
públicos, o equilíbrio da receita, a realização de reformas no aparelho público e ajustes fiscais
mais severos.
Além disso, com a ampliação da abertura para o capital estrangeiro esse período foi
marcado por uma forte privatização das estatais públicas, de modo que

Nos governos Fernando Collor e Itamar Franco (1990-94) foram privatizadas


33 empresas federais (as empresas estaduais só entraram no programa posteriormente).
Os principais setores foram o de siderurgia, petroquímica e fertilizantes.
(GIAMBIAGI; VILLELA, 2005, p.137).

No pacote estavam ainda a oferta de incentivos e concessões ao capital estrangeiro,


além da livre circulação de mercado, abertura econômica para empresas multinacionais e
desregulamentação das relações comerciais e flexibilização das leis trabalhistas permitindo,
portanto, ao capital financeiro criar bases sólidas e sem precedentes para a concentração e
centralização de mais riquezas.
De acordo com Giambiagi e Villela (2005) todas essas medidas exigiram a
19

aprovação de Emendas constitucionais e significaram um frenético ataque à Constituição


Federal promulgada em 1988. Isso porque a Constituição cidadã foi resultado das
reivindicações populares e representou o marco da redemocratização do país, após mais de 20
anos de ditadura militar (1964-1985).
Além disso, a Constituição Federal correspondeu também ao legítimo
reconhecimento das expressões da questão social6, como dever do Estado em garantir uma
série de direitos a grupos historicamente reprimidos, como mulheres, crianças, negros,
quilombolas, indígenas e idosos.
As diversas Emendas Constitucionais dos anos 1990, buscaram, portanto, realizar
sucessivas alterações no texto Constitucional e foi apenas o início de uma implacável ofensiva
neoliberal no âmbito dos direitos sociais, assim, “assiste-se, não sem resistência, uma
contrarreforma do Estado, que obstaculiza e/ou redireciona as conquistas incorporadas na
Constituição Federal de 1988 e nas leis orgânicas das políticas de seguridade social.
(LIMA,2020, p.143)
Não à toa a década de 1990 foi marcada por uma fase de alta hiperinflacionária,
aumento exponencial do desemprego e agudização da pobreza contrariando, portanto, o
consenso de Washington7 estabelecido pelos organismos internacionais, de que as reformas
econômicas trariam desenvolvimento e proporcionaram a redução das desigualdades, com o
novo mundo globalizado.
No entanto, esse cenário começou a se alterar nos governos Lula e Dilma, em que
apresentaram particularidades específicas na gestão do Estado capitalista e na condução de
uma política econômica distinta da que se observou na década de 1990. Assim, o fim do
governo FHC e a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência da república, inaugurou
mudanças significativas na conjuntura brasileira e, sobretudo, no âmbito das políticas sociais
e das condições de vida da classe trabalhadora.
Nesse sentido, a chegada do governo Lula ao poder em 2003, se deu sobretudo em
virtude de um fenômeno político, que ocorreu em grande parte dos países da América Latina,
no início do século XXI, com a guinada da esquerda e a

6
Questão social é o conjunto das expressões que definem a desigualdade social, como a pobreza,violência,
desemprego, desigualdade de gênero e raça e etc. Elas são resultado da contradição entre proletariado e
burguesia e da constituição da sociedade de classes a partir do capitalismo. (IAMAMOTO, 2008)
7
O Consenso de Washington é um conjunto de medidas elaboradas a partir de uma reunião formada por
instituições financeiras e economistas no ano de 1989, com intuito de criar estratégias contra a crise
econômica de 1970. (BATISTA, 1994).
20

ascensão de líderes progressistas, com,

A eleição de Chávez, na Venezuela em 1998, de Lula, no Brasil em 2002,de


Kirchner, na Argentina em 2003, de Vázquez, no Uruguai em 2004, de Morales, na
Bolívia em 2005, de Correa, no Equador em 2006, de Funes,em El Salvador em
2009, de Humala, no Peru em 2011, dentre outros, podem ser consideradas
representativas de um processo político latino-americano que diverge, ou mesmo
antagoniza, com a predominância neoliberal da década de 1990 (OLIVEIRA, 2020,
p.3)

Logo, o governo Lula avançou na tentativa de realizar uma conciliação entre capital e
trabalho, isto é, estabelecendo aliança com os setores da burguesia e criando uma rede de
proteção social capaz de reduzir os índices de pobreza e extrema pobreza. O “Programa Fome
Zero” do Governo Federal, que buscava garantir segurança alimentar contribuiu, em conjunto
com as outras políticas, para que o Brasil saísse do Mapa da Fome, em 2014, segundo o
relatório da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU).
Portanto, o contexto de crescimento econômico se deu, sobretudo, por uma
conjuntura internacional favorável, que permitiu a ampliação das ofertas de emprego e
possibilitou o aumento da renda da população mais pobre, como afirma Cobo (2012). Além
disso, a autora ainda coloca que o aumento do salário mínimo acima dos índices inflacionários
e o aumento da oferta dos PTR contribuíram significativamente para redução da pobreza e
desigualdade social.

[...] os programas de transferência condicionada de renda, a exemplo do ‘Bolsa


Família’, apresentaram efeitos positivos na redução da pobreza e da desigualdade
social, tiveram reais impactos positivos sobre a vida dos pobres e na diminuição da
pobreza e da desigualdade social. (TEIXEIRA, 2018, p. 12).

O Bolsa Família foi um programa de transferência de renda direta, direcionado a


famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. O PBF integrava uma das estratégias do
"Fome Zero", que buscava garantir o alívio imediato da fome, como aponta Cobo (2012).
Além disso, o programa procurava garantir o “reforço ao exercício de direitos básicos nas
áreas de saúde e educação, por meio do cumprimento de condicionalidades, o que contribuiu
para que as famílias conseguissem romper o ciclo de pobreza entre gerações”. (COBO, 2012,
p.180).
Cabe sinalizar que apesar das críticas direcionadas ao programa, este demonstrou ter
alcançado para além do seu potencial, uma vez que por se tratar de
21

um programa de curto prazo esse demonstrou ter alcançado seu objetivo, como épossível
observar de acordo com os dados abaixo.

Gráfico 1 - Impacto do Bolsa Família sobre a extrema pobreza

Fonte: Ipea, 2013

Assim, fazendo um comparativo a partir do gráfico acima dos impactos do PBF na


redução da extrema pobreza, em 2003, quando o programa é implementado e em 2012, após 8
anos, é possível perceber claramente, a importância do programapara a população mais pobre.
Apesar dos resultados favoráveis, não se pode deixar de levar em consideração o fato
do governo Lula (2003-2011), ter sido marcado por uma série de contradições e antagonismos,
em razão da adoção de um modelo neodesenvolvimentista, como norteador da economia
brasileira. Este modelo de desenvolvimento econômico é uma espécie de rearranjo do
neoliberalismo e combina uma política de crescimento econômico industrial com uma maior
participação do Estado na economia e na ampliação dos programas de Transferência de
Renda (PTR).
Assim, os PTR atuaram enquanto facilitadores para o processo de distribuição de
renda à população mais pobre, mas não intervieram na concentração e centralização da
riqueza, produzida pelo capitalismo. Desse modo, a política neodesenvolvimentista não
interviu na estrutura da gestão do Estado capitalista e na direção assumida por esse, como
aponta Paccola,
22

Sem romper com os alicerces fundamentais do modelo neoliberal, durante os mais


de 13 anos em que esteve no governo, o PT passou gradativamente a aglutinar as
disputas entre duas correntes, o neoliberalismo, que permaneceu como projeto
hegemônico na política brasileira, mas que passou a conviver com uma política
menos rígida aos seus fundamentos, sintetizada no que convencionou chamar
corrente neodesenvolvimentista. (PACCOLA, 2018, p.270).

Embora, o governo Lula tenha buscado equalizar o fosso entre as classes sociais no
Brasil e de diminuir os impactos da desigualdade social, por meio das políticas de distribuição
de renda e de outras ações de combate à extrema pobreza e as desigualdades de gênero e raça
é conveniente considerar, que a política reformista de Lula não foi capaz de romper de fato
com a modelo hegemônico neoliberal, mas na verdade deu continuidade de forma mais sutil,
as reformas liberais,

[...] através da implementação de uma reforma da previdência dos servidores


públicos que abriu espaço para o capital financeiro. Na mesma direção, iniciou um
processo para reformar a legislação sindical e sinalizou para uma reforma das leis
trabalhistas, com o intuito de aprofundar a flexibilização já em curso. Além disso,
logo no início do governo, alterou a Constituição, para facilitar, posteriormente, o
encaminhamento da proposta de independência do Banco Central. Posteriormente,
aprovou a lei de falências e a lei das chamadas parcerias público-privado (PPP), com
o intuito de desencadear uma nova fase das privatizações. (DRUCK, 2007, p.27).

Prova disso foi a postura adotada pelo governo brasileiro após mais uma crise cíclica
da capital. A crise de 2008, iniciou nos Estados Unidos e abalou o mercado financeiro de todo
o mundo, em virtude de uma especulação imobiliária ocasionada pela oferta excessiva de
crédito. O mercado imobiliário dos EUA entrou em colapso quando houve um aumento
abusivo nos preços dos imóveis e os cidadãos americanos não foram capazes de arcar com
os custos da elevação da taxa de juros. A bolha imobiliária estourou em 15 de setembro de
2008, com a quebra de um dos bancos mais tradicionais do país, o banco Lehman Brothers,
fundado em 1950. Logo,

A crise mundial de 2008 tem sido reconhecida como manifestação de contradições


do capitalismo na qual se destacam a queda tendencial da taxa de lucro, os
problemas gerados pelo subprime (modalidade de empréstimos como crédito de
risco) e a especulação imobiliária nos Estados Unidos e em países europeus.
(TEIXEIRA, 2018, p.12).
23

Essa instabilidade do mercado internacional deu vazão para que vários países
restringissem a oferta de crédito, diminuindo, portanto, o poder de investimento das empresas.
Com isso, as ações da bolsa de valores despencaram, gerando a desvalorização dos títulos de
crédito e gerando um colapso no sistema financeiro. O crack de 2008 implicou sérios
rebatimentos para a economia global e a crise financeira iniciada nos Estados Unidos
repercutiu em todo o mundo.
Assim, para conter o avanço da crise, foi necessário a implementação de políticas de
proteção, não para a sociedade que sofria com o aumento da inflação e do desemprego, mas
sim para o capital, que tinha seu fluxo de acumulação ameaçado, com isso

A resposta dos países dominantes a essa crise foi a estatização das dívidas para
salvar os bancos e seus executivos, assim como a ênfase em políticas neoliberais e o
reforço na financeirização da economia, ampliando as críticas e os combates contra
as políticas universais e o Welfare State. (TEIXEIRA, 2018, p.12).

No Brasil, as medidas adotadas inicialmente pelo governo foram as correções


monetárias e cambiais, em virtude do aumento do dólar, além de ajustes fiscais e oferta de
crédito para o setor industrial, que sofreu queda na produção e na arrecadação. Embora a crise
tenha ocorrido em 2008, ainda no governo Lula os impactos reais da recessão só puderam ser
sentidos com mais veemência no governo Dilma (2011-2016). Foi a partir de então que o
resgate dos princípios neoliberais passou a ser exigido diante de um contexto de crise do
capitalismo, em que se prioriza o projeto dominante e a lógica de reprodução ampliada do
capital a partir da intensificação e exploração do trabalho.

A consumação do golpe de 2016 e seus rebatimentos na sociedadebrasileira

Neste capítulo iremos discorrer sobre o golpe de 2016 e dos fatores que repercutiram
no avanço do neoliberalismo na sociedade de classes. De acordo com Braga (2016), o golpe
contra Dilma, em 2016, pode ser localizado dentro de um amplo contexto de derrocada
democrática, em quase toda a América Latina, com a destituição de uma série de presidentes
da esquerda. Segundo o autor, essa nova
24

estratégia denominada, como prática do golpe legal utilizado em vários países, como meio de
recuperação do poder oligárquico tradicional fez com que a retomada do neoliberalismo se
demonstrasse ainda mais radical e impiedosa.
No Brasil, o realinhamento de posturas compatíveis com a hegemonia neoliberal se
tornou necessária a partir do aprofundamento da crise internacional, de 2008 e com a
percepção dos seus efeitos a partir de 2011. De certo modo, a exigência de um neoliberalismo
puro e cru pressionou o modelo neodesenvolvimentista dos governos do PT, de modo que

Diante do agravamento da crise internacional, os principais grupos empresariais


brasileiros, tendo os bancos privados à frente passaram a exigir do governo federal
um aprofundamento da estratégia de austeridade. Em suma, para as grandes
empresas, é necessário aprofundar o ajuste recessivo, aumentar o desemprego e
conter o atual ciclo grevista, a fim de impor uma série de reformas antipopulares,
como a da previdência e a trabalhista. (BRAGA, 2016, p.52).

Nesse sentido, a manobra orquestrada para destituir uma presidenta eleita


democraticamente teve a pauta econômica como combustível necessário para garantir a
vitória da classe dominante. Por meio de uma conjuntura política favorável, que se
redesenhava em toda a América Latina. Desse modo, a direita brasileira se aliou aos interesses
do capital imperialista e não tardou em instituir um golpe contra Dilma, em 2016.
Isso só foi possível, porque Dilma, se mostrou, inicialmente, resistente a intensificar
o enxugamento dos gastos públicos e realizar ajustes fiscais mais severos, gerando um clima
de instabilidade e deflagrando o rompimento do governo, com o capital internacional e com
setores da burguesia nacional. Mesmo após ceder às pressões e aplicar as medidas econômicas
o cenário já tinha se alterado e as alianças políticas se modificado, de modo que

vale destacar que as forças golpistas derrubaram o governo não pelo que Dilma
Rousseff concedeu aos setores populares, mas por aquilo que ela não foi capaz de
entregar aos empresários: um ajuste fiscal ainda mais radical, que exigiria alterar a
Constituição Federal, uma reforma previdenciária regressiva e o fim da proteção
trabalhista. (BRAGA, 2016, p.53).

Nesse sentido, o processo de erosão da perspectiva conciliatória de classes dos


governos do PT, nos mais 13 anos que estiveram no poder, passa a dar sinais
25

de esgotamento com o movimento do passe livre, em junho de 2013. As mobilizações tiveram


apoio, sobretudo, dos setores da classe média contra o aumento da tarifa de transportes e a
suposta luta contra a corrupção. Esse movimento inicial, que teve como ponto de partida a
insatisfação popular com a política brasileira, eclodiu no que Singer (2016), chama de
ofensiva crescente da direita no Brasil e revelou os limites da gestão petista no cenário
econômico, social epolítico.
A ascensão da direita no Brasil estava, portanto, disposta a manifestar seu caráter
mais radical, de modo que a intensificação das manifestações e o conteúdo antidemocrático
das passeatas nas ruas evidenciou a postura reacionária e conservadora da burguesia
brasileira. A marcha em defesa da liberdade, reuniu grupos que protestavam contra o governo
Dilma e pediam a intervenção das forças armadas, contra uma suposta ameaça de
implementação do comunismo no Brasil, representando o que há de mais atrasado e
retrógrado.
É evidente que a consumação do golpe só foi possível a partir da articulação dos
grupos políticos pela defesa dos seus interesses, que teve apoio não somente dos segmentos do
judiciário, como também do congresso e da grande mídia, com demasiada manipulação da
opinião pública. Por isso, cabe ressaltar que adotamos a caracterização da destituição de
Dilma, como golpe, porque esse processo não passou de uma armação política e pela não
satisfação dos interesses da burguesia financeira.
Podemos, então, afirmar que o rompimento da relação com o mercado financeiro foi
o calcanhar de Aquiles do governo Dilma, pois a partir disso se iniciou um processo de
correlação de forças, em que foram traçadas estratégias, que pudessem garantir a ilegitimidade
do governo perante a sociedade

Três acontecimentos maiores são responsáveis pela caminhada até aqui vitoriosa da
grande ofensiva neoliberal restauradora. Primeiro, o ingresso da alta classe média
como força social ativa e militante no processo político, por intermédio das grandes
manifestações de rua. Segundo, [...]a gradativa deserção da grande burguesia interna
da frente neodesenvolvimentista. Ao longo do ano de 2015, diversas associações
empresariais que apoiavam os governos do PT foram, segundo levantamento que
estamos realizando, passando para o campo neoliberal ortodoxo. [...] Terceiro, o
recuo passivo do governo Dilma diante da ofensiva restauradora. (SINGER, 2016,
p.27).

Além disso, muito antes da consumação do golpe as forças políticas vinham se


organizando para o ataque final, o projeto publicado pelo vice presidente Michel
26

Temer, filiado ao Movimento Democrático Brasileiro(MDB), em 2015, intitulado, como


“Ponte para o futuro, como aponta Braga (2016), pode ser compreendido como um dos
primeiros movimentos políticos que preparava o terreno para a retirada de Dilma do poder, o
documento dispunha de uma série de propostas para a realização das reformas trabalhista e
previdenciária, bem como a ampliação de concessões e incentivos a setores do capital, que
vinham apresentando queda em sua arrecadação em decorrência da crise.
Então, em 31 de agosto de 2016, o vice-presidente de Dilma, Michel Temer, assume
a presidência a partir de um golpe premeditado, sob a acusação de crime de responsabilidade
por pedaladas fiscais e por créditos suplementares sem autorização legislativa. A justificativa
formal para a saída de Dilma, do cargo da presidência dissimula a real intencionalidade do
desfecho dessa história, que foi a falta de apoio político pelas instâncias de poder e significou
o ponto de partida parao enfraquecimento da ordem democrática, de modo que

[...]entendemos que houve uma complexa “trama” que possibilitou a costura de um


grande acordo político voltado para o impedimento da Presidente da República. Por
isso, e por outras razões adiante aduzidas, compreendemos o processo como um
golpe, apesar de não deixar de ser impeachment. Esclarecemos: não há dúvida que
houve impeachment.Formalmente, houve; é fato. Assim, do ponto de vista jurídico,
tem-se um impeachment. Do ponto de vista político, um golpe. Em outras palavras:
forma de impeachment e conteúdo de golpe. (CAVALCANTI, 2017, p.145).

Nessa lógica, a saída de Dilma e a entrada de Temer representa mudanças na gestão


do Estado a partir da adoção de uma política ultra neoliberal8, em que as medidas empregadas
pelo governo Federal trouxeram sérios rebatimentos sobre as condições de trabalho,
alimentação, moradia e saúde da classe trabalhadora. Isso porque a realização das reformas
feitas pelo governo Temer e, posteriormente, aprofundadas por Jair Bolsonaro, foram
responsáveis por retirar direitos duramente conquistados ao longo da história e de precarizar
ainda mais as condições de vidada população mais pauperizada.
Além disso, é a partir desse contexto que se observará sucessivas tentativas de
rompimento com a democracia, com as agressivas medidas dos governos Temer e Bolsonaro,
realizando aliança com lideranças políticas comprometidas a trabalhar, a serviço do capital
financeiro, com uma política autoritária e classista. Por fim, acredita-se que a política
neoliberal dos governos posteriores a Dilma, afetou de
27

sobremaneira os mais pobres, em virtude da mudança no tratamento dado às expressões da


questão social, sobretudo, da pobreza.
Assim, como veremos adiante os governos Temer e Bolsonaro priorizaram o
enxugamento dos gastos públicos e o aprofundamento de sucessivos ajustes fiscais, que
comprometeram o repasse de recursos a políticas públicas de enfrentamento à extrema
pobreza e desigualdade social.
28

1 AS IMPLICAÇÕES DO PROJETO NEOLIBERAL NOS GOVERNOS TEMER E


BOLSONARO

Neste capítulo iremos descrever as implicações dos governos Michel Temer e


Bolsonaro no cenário brasileiro. Estas podem ser compreendidas como um ataque frenético à
democracia, em razão da condução de uma política econômica totalmente avessa aos
interesses da classe trabalhadora. Na verdade, o que se assistiu a partir de Temer foi o início
de uma grave crise social, política e econômica, sobretudo, para a grande parcela da
população, que está sendo afetada com o enxugamento dos gastos públicos nas áreas da saúde,
assistência, educação e previdência.
Nesse sentido, a entrada de Michel Temer representa o pontapé inicial para o avanço
da direita conservadora e o resgate absoluto da agenda neoliberal, que havia perdido força nos
governos Lula e Dilma. Assim, apesar de Michel Temer, contar com um amplo apoio do
Congresso Nacional para aprovação de uma série de reformas, a impopularidade do governo só
aumentou com a crescente onda de mobilizações, que ocorreu em uma série de cidades
brasileiras.
A intensificação das manifestações e protestos contra o governo impopular,
ganharam ainda mais força com a consigna “fora temer”. Um exemplo disso foi o registro do
alto índice de rejeição do governo Temer. Como mostra Lowy (2016), há uma pesquisa que
aponta que apenas 2% dos brasileiros responderam que votariam em Temer e isso está
associado a dois fatores principais.
O primeiro fator, pode estar relacionado ao envolvimento do presidente interino em
“sucessivos casos de corrupção e as constantes denúncias envolvendo a equipe e o próprio
presidente interino agravam ainda mais a crise econômica e a credibilidade do nosso sistema
político” (ERUNDINA, 2016, p.3).
Esse ponto em específico merece destaque, pois ele entra em contradição com as
bandeiras defendidas nos atos e mobilizações do movimento anticorrupção nas Jornadas de
Junho de 2013.8 A figura de Temer, enquanto representante

8
As jornadas de junho de 2013 se constituíram, como uma onda de mobilizações ocorridas em uma série de
cidades brasileiras. Inicialmente, as mobilizações tinham como pauta a luta contra o aumento da tarifa dos
transportes públicos, mas posteriormente evoluiu para uma insatisfação com a classe política brasileira, que
culminou na radicalização da direita e foi determinante para a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.
ODILLA, FERNANDA. 5 anos depois, o que aconteceu com as reivindicações dos protestos quepararam o
Brasil em junho de 2013?. BBC NEWS, 2018. Disponível em:
29

político, não representou os novos ideais defendidos pelas frações de classe, incluindo a
“classe média” 9 brasileira, na verdade caminhou na contramão daquilo que se buscou
alcançar com a saída de Dilma.
O segundo fator, é que a cadeira da presidência tenha sido ocupada por um
representante político disposto a retomar uma agenda neoliberal, que atacava direitos
historicamente conquistados. Assim, Temer e seu partido, encontraram no golpe de 2016 a
oportunidade perfeita para implementar uma destrutiva política neoliberal e cumprir, sem
questionamentos, as exigências impostas pelo capital financeiro, logo,

Temer usa a rejeição dos brasileiros à política para implementar uma agenda que
jamais passaria pelo crivo das urnas e que nem o PSDB teve coragem de expor em
seu programa de governo. É como se as medidas de austeridade, que envolvem
cortes em programas sociais e a desvinculação constitucional de gastos mínimos
com saúde e educação, estivessem acima da política, como o mal necessário da tal
“ponte para o futuro” (SINGER, 2016, p.39)

Nesse sentido, o cumprimento integral da agenda neoliberal, seguindo à risca o que


está posto em “uma ponte para o futuro”11, foi considerada a prioridade do governo nesses
dois anos, que esteve no poder. Para isso, Temer lançou ao Congresso Nacional uma série de
emendas constitucionais e propostas de reformas, que significou um frenético ataque às
políticas sociais, com o enxugamento dos gastos públicos e com o aprofundamento dos ajustes
fiscais.
Neste prisma, podemos citar a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95) de 2016, como
sendo uma das primeiras medidas do Governo Temer, contra a classe trabalhadora. A emenda
do teto de gastos, como ficou conhecida, foi o congelamento dos gastos públicos por 20 anos
e significou um profundo retrocesso para as políticas sociais de direito, pois limita os gastos
do governo em importantes áreas sociais.
Essa estratégia de contenção de gastos pretendeu inaugurar um novo regime fiscal, a
partir do controle radical das despesas na área social, de modo que

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44353703 Acessado: 19/11/2022


9
De acordo com Pochmann (2015), o fenômeno da “nova classe média”, está relacionado a uma maior
ascensão social, proveniente da melhora da remuneração salarial e do padrão de consumo, de parte dos
trabalhadores, que vendem sua força de trabalho, em razão das mudanças ocorridas na estrutura da base
produtiva do capitalismo nos últimos anos. Assim, esse processo vem alterando o entendimento por parte
dos trabalhadores, da sua condição inerente de assalariados eexplorados, ocorrendo a negação fundamental
da sociedade de classes. (POCHMANN, 2015).
30

“o governo reajusta as despesas de forma rasa, com redução das despesas sociais, por ser este
o setor mais maleável para cortes de gastos públicos, tornando ainda piores e precários os
serviços prestados pelo governo a população” (NUNES, 2019, p.3).
Somado a isso, a aprovação das reformas trabalhistas e previdenciária, atuaram como
determinantes para a precarização das condições de trabalho e, consequentemente, da vida dos
trabalhadores. Além de terem trazido consequências imensuráveis para o mundo do trabalho,
com o processo de intensificação da exploração e com o aprofundamento do desemprego
estrutural. Exemplo disso, é a Lei Nº 13.429/2017, conhecida como Lei da Terceirização, que
contribuiu para a flexibilização dos contratos de trabalho temporários e representou o fim da
estabilidade e da ascensão salarial.

1.1 O desemprego e seus rebatimentos nos índices de pobreza e desigualdade


social

Considerando o aprofundamento das medidas do acordo neoliberal que estavam em


curso no governo Temer e a consequente flexibilização dos vínculos de trabalho, a reforma
trabalhista realizada pelo governo pode ser compreendida como mais um golpe da direita
contra os direitos da classe trabalhadora. Segundo Henrique Meirelles10Ministro da Fazenda
do governo Michel Temer, a reforma trabalhista prometia ampliar o número de empregos a
partir da flexibilização dos vínculos de trabalho. No entanto, o que se observou nesse período
foi o aumento do desemprego e consequentemente da pobreza.
“Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), nesses
dois anos de governo Temer, o desemprego passou de 11,2% (em maio de 2016) para 13,1%
(em abril de 2018), chegando a 11,7%”.11. Portanto, o mito das reformas como meio de
proporcionar desenvolvimento foi apenas um recurso ideológico, usado como ferramenta num
contexto de crise, que se transformou numa

10
SIMÃO, Edna; PUPO, Fábio. Reforma trabalhista vai gerar 6 milhões de empregos, diz
Meirelles.valor.globo,2017.Disponível em
https://valor.globo.com/politica/noticia/2017/10/30/reforma-trabalhista-vai-gerar-6-milhoes-de-
emprego s-diz-meirelles.ghtml . Acessado:19/11/2022
11
BIANCHINI, Lia. Após dois anos do golpe, Temer deixa um Brasil destroçado. Brasil de Fato,2018.
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/12/28/apos-dois-anos-do-golpe-temer-deixa- um-
brasil-destrocad o. Acessado:10 de set.2022
31

arma poderosa para a aprovação de reformas extremamente penosas para a classetrabalhadora,


demonstrando, portanto, que

A interinidade de Michel Temer comprovou aquilo que já se antecipava. O governo


avança, o mais rápido que pode, na agenda de retrocesso que se deseja impor ao país
– entrega do patrimônio público, avanço do fundamentalismo, retirada de direitos
trabalhistas, criminalização do pensamento crítico, recuo da legislação ambiental,
arbitrariedade escancarada da força policial, cortes nas políticas sociais, tributação
regressiva (SINGER, 2016, p.32).

Desse modo, o desemprego e a crescente ausência de renda empurraram muitos


trabalhadores para o mercado de trabalho informal, fazendo crescer o número de brasileiros
em condições de subemprego. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o número de pessoas em condições de subemprego chegou a 33,2 milhões, sendo
considerado o maior da história.12
A condição de subemprego, realidade vivenciada por milhões de brasileiros, como
mostra o IBGE, é a situação de trabalho a qual o trabalhador precisa se submeter a jornadas
exaustivas e precárias de trabalho, sem nenhum tipo de proteção ou direito. Nesse modelo de
trabalho, o trabalhador informal está sujeito a variações de renda, que podem vir a
comprometer suas condições de vida e sobrevivência.
Esse fato vem reforçar o que Mészáros (2020), denomina como um novo padrão de
desemprego, marcado pelo colapso da modernização, em que a mão de obra humana é
substituída gradativamente pela mecanização da produção. O que se observa, então, é que
esse padrão não afeta apenas trabalhadores com baixo nível de escolaridade, mas corrói toda a
base social, prejudicando, inclusive, trabalhadores altamente qualificados.
Nessa lógica, o chamado desemprego estrutural não é uma particularidade brasileira,
mas uma tendência mundial que cresce, sobretudo, em países de capitalismo periférico, pois
são neles que estão concentrados a maioria dos polos industriais e a força de trabalho
necessária para sua reprodução.
No Brasil, o número de desempregos tem crescido substancialmente há décadas, em
parte pelo próprio contexto global, mas também em decorrência do

12
SILVEIRA, Daniel. Crise levou 4,5 milhões a mais à extrema pobreza e fez desigualdade atingir nível
recorde no Brasil, diz IBGE, 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/11/06/crise-levou-45-milhoes-a-mais-a-extrema- pobreza-e -
fez-desigualdade-atingir-nivel-recorde-no-brasil-diz-ibge.ghtml Acessado: 12/11/2022
32

avanço da crise, como elucida o gráfico 2:

Gráfico 2 - Evolução do número de desempregados

Fonte: Departamento intersindical de Assessoria Parlament

O gráfico acima mostra a evolução do número de desempregados entre os anos de


2020 e 2021, de modo que em janeiro de 2020 o Brasil contava com cerca de 11,913 milhões
de desempregados, um número já bastante considerável. No entanto, em março de 2021 esse
número já havia alcançado cerca 14,805 milhões de pessoas, declarando, desse modo, o
aumento sem precedentes do desemprego no país.
Outra questão a ser destacada é o crescente sucateamento dos equipamentos públicos
e o desmonte das políticas da seguridade social, que vêm sendo bombardeadas com os
sucessivos ajustes fiscais, que se agravam ainda mais no contexto de crise. O aprofundamento
da política de ajuste fiscal vem intensificando a captura de recursos públicos por parte do
Estado, sobretudo, do orçamento da seguridade social para o pagamento de juros, encargos e
amortizações da dívida pública, como aponta Salvador (2017).
Os ajustes fiscais têm, portanto, intrínseca relação com o processo da Desvinculação
das Receitas da União (DRU), que segundo Nunes (2019), subiu de 20%, em 2015, para 30%,
no Governo Temer permitindo, o livre remanejamento de recursos de importantes áreas
sociais.
A DRU é um dispositivo que permite ao governo retirar 30% das receitas da união,
que provém, sobretudo, das contribuições sociais. Esse recurso, que deveria
33

ser utilizado integralmente para investir em políticas sociais de proteção à população, é na


verdade remanejado para outras áreas, em que permite ao governo decidir onde esses recursos
serão aplicados.
Apesar da desvinculação dos Recursos da união ser um fato histórico, como aponta
Nunes (2019) ele passa a se intensificar ainda mais a partir de uma política ultra neoliberal13
e ter um novo significado para a sociedade num contexto de crise, pois suas medidas radicais
aprofundam ainda mais os níveis de desigualdade. Logo, a preocupação central do capitalismo
em garantir sua reprodução evidencia, então, o rompimento fantasioso criado pelo próprio
capital de que sua manutenção é necessária para a continuação da vida e para o
desenvolvimento social.
Nessa lógica, o conjunto das medidas implementadas atuaram, portanto, enquanto
determinantes direto para o aprofundamento das condições de pobreza e extrema pobreza, que
vinham sendo combatidas nos últimos anos. Segundo o Banco Mundial 14, em apenas um
ano, entre 2016 e 2017, mais de 2 milhões de pessoas ultrapassaram a linha da pobreza no
Brasil e outros 1,7 milhão passaram a viver na extrema pobreza no mesmo período.
Como era de se esperar o modelo neoliberal retomado pela gestão de Michel Temer
representou apenas o início de uma série de ataques à democracia e as políticas sociais, de
modo que durante esses dois anos que ocupou a cadeira da presidência, Temer foi fiel aos
interesses do capital financeiro assumindo com maestria o papel a que lhe tinha sido atribuído
de retomar com força total a agenda neoliberal em curso.
Logo, apesar de Temer ter ficado no poder por apenas dois anos, as implicações da
sua gestão resultaram no agravamento das condições de vida da classe trabalhadora, com sua
devastadora política neoliberal sobre as políticas sociais e com o consequentemente,
aprofundamento da pobreza e da desigualdade social

13
De acordo com Castro (2019), o ultra neoliberalismo é uma espécie de fase superior do neoliberalismo, em
que as medidas implementadas são ainda mais radicais em virtude da intensificação das crises do
capitalismo, que se apresentam de forma cada vez mais permanente e continuada.
CASTRO, del pedro. Pedro. Ultraliberalismo, fase superior do neoliberalismo.Fundação Perseu
Abramo,2019. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2019/02/07/ultraliberalismo-fase-superior-do-
neoliberalismo/. Acessado: 20 de set.2022
14
MUNIZ, Marize. Com Temer, pobreza cresce e atinge mais de 54 milhões de pessoas, diz IBGE. Central
Única dos Trabalhadores, 2018. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/com-temer-pobreza-cresce-
e-atinge-mais-de-54-milhoes-de-pessoas-diz-ibge-cd46
34

Como destacamos anteriormente, Michel Temer não representava uma figura


política elegível para concorrer às eleições de 2018, em virtude do seu elevado nível de
rejeição, sendo, portanto, completamente descartada a possibilidade de uma reeleição, com o
fim do seu mandato. Desse modo, o governo sucessor de Jair Messias Bolsonaro tratou de dar
continuidade às medidas neoliberais iniciadas por Temer, com apoio das diferentes frações da
burguesia, como também de setores da classe média.
Jair Messias Bolsonaro, militar reformado do exército e Deputado Federal do Rio de
Janeiro, entre os anos de 1991 a 2018, teve uma extensa carreira política, que teve início em
198915. Bolsonaro ficou conhecido por defender os interesses corporativistas dos militares, se
destacando por suas polêmicas declarações antidemocráticas, racista, homofóbicas e
misóginas. Em 2018, foi eleito presidente do Brasil pelo Partido Social Liberal (PSL) e se
mostrou comprometido a defender osinteresses da burguesia, como veremos a seguir.

1.2 O Projeto Bolsonarista e sua devastadora política neoliberal

Ao ingressar no jogo político, Bolsonaro assumiu dois compromissos principais. O


primeiro, com setores importantes do capital financeiro e pela defesa dos seus interesses
particulares, com a destrutiva política ultra neoliberal do seu Ministro da economia, Paulo
Guedes.

O ministério da Economia, Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio Exterior


foi assumido pelo empresário Paulo Guedes, com formação acadêmica na Escola de
Chicago: conhecida mundialmente por ser uma das escolas de um dos principais
expoentes do neoliberalismo, Milton Friedman.Guedes e sua equipe econômica ultra
neoliberal vêm propondo um programa que favorece o mercado, principalmente o
financeiro. (LIMA, 2020,p. 139)

O segundo compromisso realizado por Bolsonaro, foi com grupos neoconservadores


da extrema direita, que se traduzia na defesa das bandeiras anticorrupção, anticomunismo e
antipetismo, de modo que

15
BRASIL.Planalto,Gov.br.Disponível em:https://www.gov.br/planalto/pt-br/conheca-a-
presidencia/biografia-do-presidente. Acessado: 19 de nov de 2022.
35

Jair Bolsonaro, considerado até então um político de segundo escalão no cenário


federal, ganhou popularidade e foi eleito Presidente da República a partir de um
discurso que mobilizava o descontentamento social traduzido no antipetismo e no
apelo do combate à corrupção. (DUTRA, 2022, p.3)

Assim, o aprofundamento da crise econômica sucedeu, numa crise política, que deu
vazão para a ascensão do bolsonarismo enquanto fenômeno político de forte ofensiva
neofacista apoiado, sobretudo, pelo movimento das massas, como aponta Boito (2020, p.8)

É verdade que durante o processo eleitoral de 2018, a candidatura de Jair Bolsonaro


ganhou adesão militante das igrejas pentecostais e neopentecostais à candidatura de
Bolsonaro, que foi uma adesão motivada pelo conservadorismo dos costumes.

Com isso, a imagem vendida por Bolsonaro nas eleições de 2018, como candidato
patriota e preocupado em defender os interesses da família, fez com que esse se tornasse uma
figura popular, em que por meio da propagação de discursos de ódio direcionado às minorias,
conquistasse não apenas a atenção da grande burguesia, mas despertou também a
representatividade de grupos tradicionais, conservadores e fundamentalistas, assim, [...] quem,
fez, de fato, a diferença a favor de Bolsonaro em números absolutos foram os evangélicos.
(ALMEIDA, 2019, p.22).
O presidente eleito, logo, se encarregou de formar uma equipe composta, sobretudo,
por militares, em que o processo de militarização dos ministérios do governo expôs os limites
da capacidade técnica de gestão das forças armadas, de modo que, “calcula-se que nove mil
oficiais das Forças Armadas ocupam cargos de primeiro e de segundo escalão no Governo
Bolsonaro” (BOITO, 2020, p.3).
Portanto, a tentativa de Bolsonaro de centralizar o poder a partir da homogeneização
de grupos historicamente favorecidos evidencia uma crise da democracia Brasileira. Os
militares passam, portanto, a ganhar protagonismo em importantes instâncias do poder, com a
crise do sistema político e com o levante de ideais conservadores, com exemplo do lema
positivista “ordem e progresso".
Desse modo, com sua equipe formada o presidente avançou com o projeto neoliberal
e passou a editar uma série de Medidas Provisórias (MPs), que impactaram diretamente sobre
as leis que regem o trabalho e que contribuíram ainda mais para o aprofundamento do
desemprego. Entre elas, como aponta Rocha (2020), estão a MP 870/19, que extingue o
Ministério do Trabalho e que resulta no
36

agravamento e concretização da reforma trabalhista e previdenciária. Além da MP 873/19,


que faz mudanças na contribuição sindical e que reverbera na capacidade de barganha e
organização da classe trabalhadora, colocando, assim, o movimento operário em crescente
defensiva.
Além disso, a MP 881/19 e MP 905, que como assinala ainda Rocha (2020), dispõe
sobre deveres e obrigações trabalhistas e é denominada como MP da liberdade econômica,
que se traduz, na verdade, na retirada substancial de direitos trabalhistas. Assim, essas
medidas foram responsáveis por viabilizar brechas para possíveis reduções salariais,
flexibilização do pagamento de adicional por insalubridade e de que sábados, domingos e
feriados sejam contados como dias normais de trabalho, sem o pagamento de adicionais.16
Como dito, a busca por crescimento econômico é o que move a ação dos agentes de
mercado, de modo que quanto maior for a profundidade da recessão econômica maior será o
rigor das medidas que busquem garantir a recuperação das taxas de lucro. Desse modo, apesar
das tentativas de recuperação econômica, o que se observou foi que “o Produto Interno Bruto
(PIB) em 2018 cresceu apenas 1,3% e o de 2019 caiu para 1,1%, tendo sido apelidado de
“pibinho”, subscrevendo aausência de decolagem econômica” (BEHRING, 2018, p.21).
Nesse sentido, as crises cíclicas do capital impõem a adoção de medidas cada vez
mais severas, que possam garantir a continuidade do padrão de acumulação pautado no
modelo de exploração do trabalho e da crescente pauperização daqueles que vendem sua força
de trabalho. Isso explica, o corte sistemático de recursos das áreas sociais e a crescente
ofensiva neoliberal, que ataca direitos historicamente conquistados, pois é às custas da classe
trabalhadora que o capitalismo encontra suas bases de reprodução, restando, portanto, “aos
trabalhadores e trabalhadoras a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de
produtividade, pela redução dos custos, como os relativos à força de trabalho, além de exigir a
“flexibilização” crescente dos contratos de trabalho” (ANTUNES, 2017, p.33-34)
Diante disso, se pode concluir que as medidas tomadas por Bolsonaro, nos dois
primeiros anos em que esteve no poder, coloca-o como principal inimigo dos

16
ROCHA, Rosely. Bolsonaro apresenta 7 MPs de retirada de direitos em um ano de governo.
Central única do Trabalhadores, 2020. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/bolsonaro-
apresenta-7-mps-de-retirada-de-direitos-em-um-ano-de-gov erno-6c84 . Acessado: 25 set.2022.
37

trabalhadores, de modo que o presidente passa a caminhar na contramão da construção de um


país menos desigual e mais democrático, haja vista que todos os movimentos dados pelo atual
governo sinalizaram uma postura autoritária e indiferente aos interesses dos mais pobres.
Fica, então, exposto que a gestão de Bolsonaro se mostrou determinada a ignorar a sociedade,
jogando milhares de brasileiros em direção ao abismo com sua violenta política neoliberal.
Isso porque segundo matéria publicada pela BBC News,17 o Brasil permanecia
sendo, no ano de 2021, um dos países com maior nível de desigualdade social e de renda no
mundo, de acordo com o novo estudo da World Inequality Lab (Laboratório das
Desigualdades Mundiais). Esse fato reafirma um traço sócio- histórico da formação social
brasileira, marcada por uma economia periférica e dependente, em que predomina a força de
uma elite reacionária.
Desse modo, o que a burguesia não admitiu foi ver milhares de brasileiros serem
tirados da pobreza e conquistar espaços historicamente dominados pela elite. Nos quase 200
anos de república, a impetuosa classe dominante não aceitou calada a ascensão de governos
populares, sempre impôs limites para sua gestão e quando esses demonstraram resistência,
logo, tratou de calá-los.
O que se conclui a partir disso é que a desigualdade social não é um processo natural,
mas uma condição estrutural do desenvolvimento capitalista de um determinado país marcada,
sobretudo, por uma intensa concentração de renda e poder impedindo a distribuição de riqueza
e impedindo o desenvolvimento social.
Prova disso, são os dados referente à concentração de renda, que atua, como
determinante sobre a desigualdade social e contribui significativamente para o
aprofundamento da pobreza, como aponta a BBC NEWS (2021) ,o 1% mais rico possui quase
a metade da fortuna patrimonial brasileira. Os 10% mais ricos no Brasil possuem quase 80%
do patrimônio privado do país. Esse dado, expressa, portanto, a desigualdade social, como um
processo proveniente do acúmulo e da concentração de riqueza na história do Brasil.
Não à toa que as expressões da questão social são mais latentes em países de
economia dependente, pois os investimentos em saúde, educação, segurança

17
FERNANDES, Daniela. 4 dados que mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo,
segundo relatório, 2021. BBC News Brasil, 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
59557761#:~:text=Os%2050%25%20mais%20pobres%20ganham,10%25%20mais%20ricos%20n
o%20Brasil.
38

pública, saneamento, habitação, políticas de combate à fome, desigualdade de renda, raça e


gênero são engolidos pelos interesses da burguesia e pela reproduçãodos seus interesses.
Para compreender essa questão basta considerar o fato de que o Brasil é considerado
o 3º maior produtor de alimentos do planeta, de acordo com a Associação Brasileira da
Indústria de Alimentos e exportou comida para mais de 180 países, movimentando 34,1
bilhões de dólares no ano passado18. Apesar disso, a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO), afirma que a insegurança alimentar atingiu 15,4 milhões
de brasileiros (7,3% da população) entre os anos de 2019 e 2021.19 Expondo, assim, que a
capacidade produtiva do Brasil e suas potencialidades econômicas, servem ao propósito de
expandir os lucros capitalistas e não para contribuir com o desenvolvimento social e acabar
coma fome e insegurança alimentar.
Para todos os efeitos, essa não é uma realidade exclusiva do Brasil e os efeitos dessa
dinâmica atravessam tanto países de capitalismo central, como periférico, pois o capitalismo
atua como gerador das desigualdades existentes. Então, como dito, os períodos de crise são
comumente marcados pelo aumento do desemprego, da pobreza e da fome. No entanto, no
ano de 2020 a pandemia global da COVID-19, que resultou não só numa crise sanitária, mas
também social e econômica, que acentuou ainda mais o aprofundamento de pobreza no Brasil
em virtude do direcionamento político-econômico assumido pelo governo Bolsonaro, como
analisaremos a seguir.

1.3 A pandemia do covid-19 como vetor de aprofundamento da crise

Os impactos da pandemia do Covid-19 não se restringiram apenas aos fatores de


ordem epidemiológica e do colapso global do sistema público e privado de

18
SENRA, Ricardo. Como o mesmo Brasil que alimenta 1 bilhão ultrapassou 10 milhões de famintos 'dentro de
casa'?. BBC NEWS, 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
54288952#:~:text=Diferentemente%20do%20que%20o%20pr
esidente,da%20China%20e%20dos%20EUA https://adufs.org.br/conteudo/1883/coronavirus-e-a-crise-do-
capital-entrevista-com-virginia-fontes. Acessado: 01 de out.2022
19
SCHROEDER, Lucas.INOUE, Giovanna. Insegurança alimentar grave afeta 15,4 milhões de brasileiros.
CNN, Brasil,2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/inseguranca- alimentar-grave-
afeta-154-milhoes-de-
brasileiros/#:~:text=O%20relat%C3%B3rio%20tamb%C3%A9m%20aponta%20que,pessoas%20(1
8%2C3%25). Acesso em: 30 de set de 2022
39

saúde, mas representou também repercussões na esfera social, política, econômica, cultural e
ambiental. Assim, a pandemia do coronavírus evidenciou uma crise que já estava em curso
em todo mundo, isto é, a crise do capital, que se aprofundou ainda mais nesse contexto.
Desse modo, no dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS),
declarou uma pandemia global, provocada por uma nova variante do coronavírus (SARS-
CoV-2). A doença, se trata de uma infecção respiratória aguda e os primeiros registros
ocorreram na cidade de Wuhan, na China. O vírus foi considerado pela OMS, como uma
emergência de saúde pública internacional em decorrência do seu elevado nível de
transmissibilidade e letalidade. O primeiro caso confirmado do novo coronavírus foi
registrado no Brasil em 26 de fevereiro de 2020 e a partir disso a exigência de novas medidas
de segurança sanitária precisaram ser tomadas para controlar o número de mortes.
O colapso da saúde pública exigiu, portanto, a adoção de medidas capazes de frear o
avanço do coronavírus, entre as recomendações da OMS, esteve o protocolo do lockdown,
estratégia utilizada por muitos países com objetivo de desacelerar a propagação da doença. O
lockdown é o bloqueio absoluto e obrigatório da circulação de pessoas em espaços públicos e
do funcionamento do comércio e serviço.
Apesar de se tratar de uma medida mais radical, do que o isolamento e a quarentena,
por exemplo, no Brasil, o decreto de Lockdown ficou sobre competência dos Estados e
municípios, cabendo a eles a responsabilidade de aplicar a medida restritiva. Embora, as
recomendações dos organismos internacionais fossem de manter o distanciamento social e o
uso obrigatório de máscaras. Durante a pandemia, Bolsonaro não só contrariou as
recomendações de isolamento social, como também incentivou a realização de manifestações
contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, o presidente discursava tanto nas ruas, como nas redes sociais sobre a
ineficácia das medidas e criticou em diversas ocasiões o uso de máscara, de modo que a
“pandemia da Covid-19 não desmobilizou os grupos de extrema direita. Eram donos das ruas
e Bolsonaro discursava para seus apoiadores de modo cada vez mais ameaçador.” (BOITO,
2020, p.19).
Bolsonaro e seus seguidores não se sensibilizaram com o aumento do número de
mortes e foram em diversas ocasiões protestar contra as medidas de
40

segurança sanitária, que tinham como objetivo a defesa e preservação da vida de milhares de
pessoas. Enquanto o mundo trabalhava em busca de respostas, o Brasil se destacou
negativamente no contexto internacional como mostra relatório publicado pela Oxfam (2021).
O país caminhou, portanto, na contramão das recomendações internacionais e a postura do
governo federal frente a pandemia se confirmou por meio das seguintes condutas:

1) minimização da magnitude da pandemia e descrédito nas orientações científicas;


2) adoção de um programa oficial para o “tratamento precoce”,enganoso e sem
fundamentação científica; 3) políticas insuficientes e intermitentes de auxílio
emergencial e para a expansão do sistema de saúde; 4) descontinuidades
administrativas no Ministério da Saúde e inação de comitês de crise
(OXFAM,2021,p.5)

Além das repercussões socioeconômicas, a negligente postura assumida pelo


governo federal resultou, no elevado número de contaminações e mortes, em que

Estima-se que cerca de 120 mil mortes ocorridas no primeiro ano da pandemia (de
março de 2020 a março de 2021) poderiam ter sido evitadasse o Brasil tivesse
adotado medidas preventivas como distanciamento sociale restrições a
aglomerações. Como nada foi feito, verificou-se 305 mil mortes acima do esperado
no período. (OXFAM,2021, s/p)

Os impactos da pandemia não se restringiram apenas ao âmbito econômico, como


reivindicava Bolsonaro e seus apoiadores. Cabe salientar que o número de mortes poderia ter
sido inferior ao que foi registrado se o Brasil tivesse adotado outra postura, como é possível
observar no gráfico abaixo.
41

Gráfico 3 - Número de óbitos esperados e observados em 1 ano de pandemia

Fonte: OXFAM, Brasil

A partir do gráfico é possível visualizar as curvas de óbitos esperados (azul) e


observados (vermelho) para o Brasil. A distância entre as curvas representa o excesso de
mortalidade. Demonstrando, portanto, as consequências desse desgoverno para com a
sociedade.
Outro fator a ser destacado foi a decisão do governo em retardar a aprovação de
medidas econômicas de proteção à população, de modo que enquanto, outros países
reconheceram a emergência da situação e lançaram ações imediatas para minimizar os
impactos da pandemia, com auxílios de renda básica para famílias em situação de
vulnerabilidade social. Bolsonaro e sua equipe econômica barganhou e levou ao congresso a
proposta de um auxílio no valor de 250,00$, de modo que

Após intensa pressão política, foi criado um auxílio emergencial para trabalhadores
informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados no valor de
R$ 600,00, salvo no caso de mulher responsável por prover financeiramente a casa,
que faz jus ao valor de R$ 1.200,00 (DUTRA; LIMA, 2020)

Apesar disso, o pagamento do auxílio emergencial só foi iniciado em 16 de abril de


2020, quase dois meses após o registro do primeiro caso da COVID-19, no Brasil. A demora
para o cumprimento das ações de caráter emergencial foram determinantes para o aumento
das mortes e para o aprofundamento da pobreza.
42

Isso porque segundo economistas entrevistados pela BBC News20, a ausência de renda
poderia não só aprofundar a situação de pobreza nos primeiros meses da pandemia, mas
também poderia aumentar o risco de mortes e a possibilidade de uma recuperação econômica
mais rápida no futuro.
Nesse sentido, essa mesma gestão que resistiu em conceder amparo social em meio a
uma calamidade pública e defendeu a manutenção da classe trabalhadora nas ruas, foi a
mesma que não hesitou em aprovar um orçamento de guerra (EC 106/2020), que permitia a
flexibilização de regras fiscais, administrativas e financeira, conferindo ao Banco central
privilégios nunca antes vistos. Além disso, as medidas provisórias lançadas pelo governo,
referente às regras e condições de trabalho no período pandêmico foram responsáveis por
arrastar ainda mais brasileiros para o desemprego.
Entre as medidas econômicas podemos citar a Medida Provisória n. 936/2020
(convertida na Lei n. 14.020/2020), que dava liberdade para o empregador reduzir a jornada
de trabalho e/ou salário, ou ainda suspender temporariamente os contratos de trabalho. Bem
como,

Renovou uma série de medidas que poderiam ser adotadas pelos empregadores
durante a pandemia, já vistas na MP 927: teletrabalho, antecipação de férias
individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados
(inclusive religiosos), banco de horas, suspensão de exigências administrativas em
segurança e saúde no trabalho e diferimento do recolhimento do FGTS
(DUTRA,2022, p.14, APUD, BRASIL, 2021b).

Inevitavelmente o processo de flexibilização das relações de trabalho durante


pandemia, contribuiu significativamente para o aumento das demissões em massa e empurrou,
consequentemente, ainda mais trabalhadores para pobreza, de modo que segundo,

A Organização Internacional do Trabalho estima que o equivalente a 305milhões


de empregos em período integral foram perdidos devido à pandemia. Essa perda de
empregos pode empurrar até meio bilhão de pessoas para a pobreza”.
(OXFAM,2017, p.30).

Convém destacar, que a crise do coronavírus, vivenciada no Brasil está

20
GUIMARÃES, LIGIA.Governo acerta na direção, mas atraso nas medidas contra coronavírus aumenta
riscos, dizem economistas,2020. BBC News. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
52130314. Acessado: 20 nov. 2022.
43

diretamente integrada ao contexto internacional de crise estrutural e é potencializada em


virtude da sua condição dependente e periférica. No Brasil, essa dinâmica se intensifica e
atinge os mais pobres de forma ainda mais brutal, pois aqui a desigualdade social é quem
forja a perpetuação do capitalismo e é quem nutre sua reprodução. Logo, se conclui, que a
pandemia do coronavírus não motivou a crise, mas conduziu ao seu aprofundamento.
Em entrevista concedida a TV Boitempo21, Virgínia Fontes faz alguns apontamentos
sobre como a pandemia do Coronavírus atuou enquanto detonador de uma crise que se
delineava desde a década 1970, no mundo e mais especificamente em 1990, no Brasil.
Segundo Fontes a crise econômica eclode por um disparador sanitário, não sendo, portanto, a
pandemia a responsável pela crise, mas sim o capital.
Logo, a postura negacionista do governo frente à pandemia, revelou seu latente
desprezo pela ciência e pelas medidas de proteção sanitária, que impactou de sobremaneira a
vida dos mais pobres. A conduta do governo impediu, inclusive, que o Brasil superasse os
efeitos da pandemia, como deveria e pudesse, assim, voltar à normalidade. Como se não
bastasse, se posicionou contra a vacinação e influenciou seu eleitorado a duvidar da eficácia
das vacinas, provocando uma lenta retomada da economia e das atividades como um todo.

21
BOITEMPO,TV .Crise do coronavírus ou crise do capitalismo?. YouTube,2020. Disponível em:Crise do
coronavírus ou crise do capitalismo? | VIRGÍNIA FONTES . Acesso em: 15 out.2022
44

2 POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL: CATEGORIAS EM ANÁLISE

Comecemos essa discussão discorrendo sobre o desenvolvimento do capitalismo, que


tem sua gênese a partir da constituição de um sistema de exploração, pautado no modelo de
apropriação de trabalho excedente 22. Isso significa dizer, que dentro desse sistema sempre
haverá aqueles que compram a força de trabalho (burguesia), isto é, que acumulam capital por
meio da apropriação da riqueza produzida por outrem, e aqueles que vendem a sua força de
trabalho (proletariado).
É dessa relação, entre compra e venda da força de trabalho, que podemos extrair, a
explicação de Marx sobre a Lei geral da acumulação capitalista, que rege sobre os impactos
do processo de acumulação de riqueza na classe trabalhadora e nas suas condições de vida, de
forma que

A análise marxiana da ‘lei geral da acumulação capitalista’, contida no vigésimo


terceiro capítulo do livro publicado em 1867, revela a anatomia da ‘questão social’,
sua complexidade, seu caráter de corolário do desenvolvimento capitalista em todos
os estágios. (NETTO, 2001, p. 45)

Então, como aponta Netto (2001), é por meio da lei geral da acumulação capitalista
que podemos compreender a essência da questão social, inclusive da pobreza, pois as
respostas para o acirramento das desigualdades estão no processo de desenvolvimento das
forças produtivas. Comecemos, então, dizendo, que o capitalismo se reproduz via
acumulação, concentração e centralização23 de riqueza e que “vender suas mercadorias e
reconverta em capital a maior parte do dinheiro assim obtido. Em seguida, pressupõe-se que o
capital percorra seu processo de circulação de modo normal” (MARX, 2013, p. 779).
Isso corresponde dizer, que na medida que o capital investe em mercadoria, ele
espera alcançar um valor superior ao que foi investido, ou seja, a essência do

22
Segundo Marx, trabalho excedente ou mais- trabalho é aquele em que o trabalhador trabalha alémdos limites
do trabalho necessário (trabalho necessário: tempo de trabalho necessário para garantir apenas os meios de
sobrevivência dos que vendem sua força de trabalho, os assalariados). Logo, é por meio do trabalho
excedente que se gera valor e dinheiro para os possuidores dos meios de produção. (MARTINS, 2013).
23
De acordo com Netto & Braz, a acumulação de capital está relacionada ao processo de obtenção de mais-valia,
por meio da exploração do trabalho, sendo denominado como o objetivo primeiro do capitalismo. A
concentração de capital por sua vez está associada à capacidade dos capitalistas acumularem massas de
capital cada vez maiores . E a centralização representa a fusão do capital, isto é, da união de capitais já
existentes. (NETTO; BRAZ, 2021).
45

capitalismo é a perseguição ao lucro, como aponta Netto e Braz (2021, p.127) “o capitalismo
visa, com a produção de mercadorias, à mais valia e seu objetivo permanente é obtê-la em
proporções cada vez maiores [...] importa assinalar, antes de mais, que a acumulação de
capital depende da exploração da força de trabalho.”
Nessa lógica, a dinâmica de exploração e expropriação do trabalho só é possível a
partir da existência da geração de excedente, de modo que “à força de trabalho não pode ser
descartada, pois é fonte de valor”. (SIQUEIRA; ALVES,2018, p.8). A exploração do trabalho
é, portanto, a fonte de onde jorra a riqueza dos detentores dos meios produtivos, mas ela é
também a mesma que produz níveis cada vez mais elevados de pobreza, pois como aponta
ainda Siqueira e Alves, o valor total da riqueza produzida pelo trabalhador é apropriado em
níveis cada vez mais elevados pelos capitalistas.
Conclui-se, então, que a lógica desse sistema se nutre via exploração da força de
trabalho tendo como, aponta Martins (2013), a garantia do salário como mercadoria de troca
para a manutenção e sobrevivência da classe trabalhadora dentro da sua condição de classe
assalariada, isto é, de proletariado.
Sabe-se que desde os primórdios do capitalismo a exploração de uma classe sobre a
outra se constitui como a base de reprodução desse sistema, pois na medida que a burguesia se
consolidava e ganhava hegemonia, por meio da produção constante e incessante de mais
valia24, os trabalhadores lutavam por melhores condições de trabalho, de salário e de vida.
Nesse sentido, no MPC a pobreza é resultado da acumulação privada de capital e esse
fato não pode ser analisado separadamente do avanço das forças produtivas. Isso porque não
se pode compreender a pobreza como um fenômeno novo criado pelo capitalismo, mas seu
avanço na sociedade de classe admite novos contornos de modo que “[...] nas sociedades pré-
capitalistas a pobreza era resultado da escassez de produção e não haviam forças produtivas
suficientemente desenvolvidas para produzir os bens necessários de forma excedente”
(MORAIS; RUFINO, 2019. p.3).
Então, isso significa dizer que o capitalismo produz um novo tipo de pobreza,

24
Teoria da Mais-valia ou mais-valor foi um termo criado por Karl Marx, para explicar a diferença entre o
salário pago ao trabalhador e o valor total produzido pelo trabalho deste, de modo que quanto maior a
riqueza socialmente produzida, via exploração do trabalho, maior é a capacidade de extração e apropriação
dessa mais-valia. Portanto, é da exploração da mais-valia, que provéma capacidade de reprodução do
sistema capitalista. (MARX,2015)
46

pois se nas sociedades pré-capitalista ela era resultado da incapacidade produtiva do sistema
econômico, na ordem vigente o movimento é justamente o oposto, na medida que se acumula
riqueza e se aumenta a capacidade produtiva, maior é a pobreza gerada a partir disso, “Assim,
a pobreza não é um aspecto residual, transitório do capitalismo, é estrutural e resultado do seu
próprio desenvolvimento. O capitalismo gera acumulação, por um lado, e pobreza por outro;
jamais eliminaria nem um nem outro.” (SIQUEIRA; ALVES, 2018, p.8).
Como dito, a pobreza no capitalismo não é um fenômeno natural, mas uma condição
necessária à sua reprodução. Segundo Yazbek (2012), a pobreza pode ser compreendida como
uma manifestação da questão social, sendo ela apenas uma das expressões desse conjunto de
desigualdades, que se produz na sociedade de classes. Essa pobreza se apresenta em níveis
mais ou menos elevados a depender da constituição do capitalismo em determinado país.
Então, em países de capitalismo periférico a pobreza assume uma forma ainda mais
perversa, pois o desenvolvimento tardio das forças produtivas, foi capaz de gerar uma espécie
de economia dependente, subordinada aos interesses das economias de capitalismo central,
que determinam e controlam as regras do mercado mundial e se beneficiam historicamente da
riqueza produzida por países deeconomia de base primária.
Nessa lógica, os países da América Latina são comumente marcados por um
histórico de exploração e expropriação das suas riquezas, são nesses países que estão
concentrados o maior número de empresas multinacionais e transnacionais, que se instalam
com o objetivo de explorar mão de obra barata e de conseguir incentivos e benefícios dos
governos locais. Com todas as facilidades oferecidas pelas economias dependentes, as
multinacionais, além de reduzirem os custos do processo produtivo, acabam por levar de volta
a seus países de origem uma margem de lucro muito superior do que se essas mesmas
empresas estivessem instaladas em seus países.
Desse modo, podemos entender a pobreza como parte constitutiva do capitalismo e a
desigualdade social como processo que gera diferenças segregativas entre as classes sociais.
O que cabe ressaltar é que pobreza e desigualdade, apesar de estarem inter-relacionadas não
são a mesma coisa, pois
47

A noção de desigualdade, por sua vez, se refere a deficiências, mas sempre em


termos relativos, o que não significa necessariamente pobreza [...]. embora pobreza e
desigualdade sejam conceitos relacionados, um não se confunde com o outro. Ser
pobre está, portanto, diretamente relacionado com ter privações, enquanto a
desigualdade se refere, a princípio, a uma posição de desvantagem em relação à
riqueza média de um país, podendo ou não implicar em privação, como é associada à
noção de pobreza.(SILVA,2010, p.34, APUD SEN,1992, p.313)

Nessa lógica, os níveis de desigualdade social de um país podem ter relação direta
com os índices de pobreza, haja vista que a depender do quadro de deficiências a qual certos
grupos estão inseridos, como a desigualdade de renda, gênero e raça, elas podem vir a gerar
privações e carências, de modo que “quanto mais desigual for uma sociedade, menor êxito
terá na redução da pobreza, enfrentará menor crescimento econômico e maior chance de
instabilidade política”. (QUINZANI, 2020. p.2).
Esse cenário de pobreza e desigualdade social, marca a formação sócio histórica de
vários países da América Latina, de modo ainda mais expressivo, inclusive do Brasil. Como
veremos adiante o entendimento da pobreza como fenômeno proveniente das expressões da
questão social sofre com o capitalismo diversas interpretações e direcionamentos dificultando
ainda mais a eliminação da extrema pobreza e a minimização dos impactos da desigualdade
social.

2.1 As diferentes concepções teóricas da pobreza e da desigualdade social

A compreensão da pobreza e da desigualdade social não é unívoca, dentro da


sociedade capitalista é inspirada em diferentes concepções teóricas, como aponta Silva
(2010), de modo que as produções teóricas nesse âmbito, buscam trazer possíveis explicações
e alternativas para o enfrentamento da pobreza, estando elas divididas em dois eixos centrais:

Um representado pelos esquemas valorativo conservadores, pelos quais a A pobreza


é vista como acumulação dos efeitos de imperfeições [...]. Nessa concepção a
pobreza é reduzida a agregados estatísticos, e não a desigualdade geral [...]. Noutro
extremo, um esquema valorativo igualitarista e participativo, cujo centro do processo
de desenvolvimento é ocupado pela satisfação das necessidades humanas, matérias,
psicológica e políticas, sendo considera urgente a satisfação das necessidades
básicas. (ALTIMIR, 1981 apud SILVA, 2010, p 36-37).

Nessa lógica, comecemos pela corrente conservadora, que busca


48

apresentar explicações sobre as causas e mostrar possíveis caminhos para a superação da


pobreza. O conservadorismo encontra no liberalismo de Adam Smith sua principal
fundamentação analítica, de modo que “[...] a explicação da pobreza pelos liberais [...] é a
identificação das causas da pobreza no próprio indivíduo e a indicação do mercado como
espaço natural de satisfação das necessidades econômicas e sociais” (SILVA, 2010, p.43).
Assim, segundo o liberalismo de Adam Smith, a desigualdade social atua como um
valor positivo dentro da sociedade de classes, isso por que ela age regulando os níveis de
liberdade e concorrência. Não cabendo ao Estado intervir nessa dinâmica, pois isso feriria as
liberdades individuais. Em vez disso, o papel do Estado no âmbito social deve se restringir a
três tarefas principais:

Proteger o grupo contra a violência externa; proteger internamente os membros da


sociedade de injustas e opressões dos demais, e erigir e manter as instituições
públicas e as obras públicas, as quais são de tal natureza que não seriam lucrativas
individualmente, porém representam grande vantagem social. (SIQUEIRA, 2016,
p.48)

Nessa lógica, o que se observa a partir disso é que a concepção teórica de abordagem
liberal/ neoliberal possui um direcionamento político burguês, em que se busca garantir a
proteção à propriedade privada para que os detentores dos meios produtivos possam explorar
com ainda mais liberdade a força de trabalho geradora de suas riquezas. Na mesma direção,
exigem também um Estado subserviente, isto é, um Estado burguês, que possa atuar como
extensão dos seus interesses dentro da máquina pública.
É preciso ter, portanto, clareza de que a compreensão da pobreza sobre o espectro do
conservadorismo atua como uma ferramenta ideológica poderosa, isso porque o pensamento
hegemônico burguês influencia na forma como a sociedade passa a conceber os fenômenos da
realidade. A definição da pobreza sobre uma perspectiva conservadora se subscreve em
“Análises ortodoxas que definem como pobreza uma pessoa que dispõe de renda insuficiente
para efetuar os investimentos em capital humano necessários a uma inserção normal nos
equipamentos coletivos'' (SILVA, 2010, p.43).
O reducionismo, que perpassa a análise da pobreza a partir dos indicadores de renda
e consumo, colocam em evidência uma questão: "estes indicadores de pobreza e indigência
não consideram as causas da pobreza, nem a relação
49

pobreza-acumulação, apenas descrevem seu estado" (SIQUEIRA, 2016, p. 194).


Então, se a pobreza passa a ser explicada, exclusivamente, pela ausência de renda e
que sua superação está associada a inserção dos pobres no mercado de trabalho, por meio dos
seus esforços e méritos pessoais, isso é o mesmo que dizer que o capitalismo não tem
nenhuma responsabilidade sobre o agravamento da pobreza e que não existe, portanto,
nenhuma necessidade de reparação sobre essa questão.
A lógica desse pensamento não mascara seu real objetivo: a conservação do
capitalismo e da dominação burguesa, pois na medida que se culpabiliza os pobres pelas suas
condições de vida, também se pretende diminuir as responsabilidades para com esses.

A matriz liberal-neoliberal propõe cortes no gasto social, com a desativação dos


programas sociais públicos, devendo o Estado restringir sua ação social a programas
assistenciais focalizados na pobreza, em complementação às ações da comunidade.
(SILVA, 2010, p. 46).

Logo, a visão da burguesia em relação aos mais pobres está alicerçada na teoria do
darwinismo social25, isto é, a ideia que prega que os pobres se encontram em situação de
pobreza, pois não foram capazes de evoluir o suficiente, por isso, necessitam na benemerência
dos mais ricos, de modo que “tem-se o enfrentamento da pobreza pela ação voluntária e
solidária da sociedade civil” (SIQUEIRA, 2016, p.180) Assim, a caridade e a filantropia
passam a ocupar grande importância na sociedade capitalista, pois essas ações se
complementam com a pífia intervenção estatal.
Na contramão da perspectiva conservadora, o segundo eixo de análise a qual se
pretende discutir é o debate da pobreza sobre o enfoque estrutural, isto é, a partir de uma
perspectiva crítica, que busca compreender os determinantes centrais dessa categoria e da
totalidade da dinâmica social, por meio dos elementos históricos que perpassam a vida social.
De acordo com Siqueira (2016) a compreensão da pobreza no Marxismo não pode
ser analisada separadamente das determinações históricas que fundam a sociedade capitalista.
Isso porque como já dito o capitalismo gesta uma nova

25
Darwinismo social, é o fenômeno que trata a pobreza como uma condição natural e inevitável. Esta
concepção entende a pobreza como resultado de uma seleção natural, em que os mais fortes sobressaem e
superam a situação de pobreza. (SIQUEIRA, 2016)
50

pobreza permeada de contradições e antagonismos. A corrente marxista tem como razão


fundamental uma análise mais profunda da realidade, em que considera a formação e o
desenvolvimento do capitalismo como condutor da pobreza.
Na literatura marxista a pobreza é abordada em dois campos centrais: pobreza
absoluta e relativa. De acordo, com Silva (2010) quando se fala em pobreza absoluta, estamos
nos referindo a privação máxima a qual um indivíduo pode sofrer, associada, assim, "a uma
renda insuficiente para obter os bens considerados essenciais que permitam manter uma
reprodução puramente física (nutrição, vestuário, moradia, saúde)". (SILVA, 2010, p.49).
Já a pobreza relativa é ineliminável a reprodução desse sistema, pois sua concepção
"se fundamenta na ideia de desigualdade de renda e de privação relativa em relação ao modo
de vida dominante." (SILVA, 2010, p.51). Isso significa dizer, então, que a pobreza relativa se
associa com a privação de outras necessidades humanas, como o inacesso a serviços, como
educação, saúde, saneamento básico, moradia, ausência de emprego e renda, dificuldade ou
impedimento de acessar instâncias de participação e poder.
Cabe reforçar, portanto, que o sistema capitalista, não pode por si mesmo eliminar a
pobreza, pois ela é inerente e necessária a sua reprodução. É nesse ponto, que reside a
principal diferenciação entre a corrente conservadora e marxista, pois enquanto a perspectiva
conservadora foca em captar os fenômenos da realidade, com seus exames reducionistas, o
marxismo busca analisar o seu objeto de estudo compreendendo o movimento da realidade em
sua totalidade, no Marxismo

A pobreza não é resultado do insuficiente desenvolvimento capitalista, nem é o


efeito marginal de uma fase de crise. No capitalismo, a pobreza é um produto
estrutural do seu desenvolvimento [...] não um processo deflagrado pelas carências
individuais ou até um determinado grupo ou região, mas uma determinação
estrutural do próprio MPC. (SIQUEIRA, 2016, p. 182- 183)

Logo, a concepção da pobreza no método crítico dialético exige uma leitura profunda
dos fenômenos sociais, isto é, para que se compreenda a pobreza em sua essência é preciso
uma análise crítica, que identifique as determinações históricas, que atravessam sua
existência, assim, “A investigação marxista caracteriza-se, assim, por não deixar enganar por
aspectos e semelhanças superficiais presentes
51

nos "fatos", procurando chegar à essência do fenômeno.”( MARX, 1982 apudBEHRING,


2017, p. 39).
Assim, se no Marxismo a pobreza é parte constitutiva do desenvolvimento
capitalista, sua superação só pode ser concebida por meio da erradicação desse sistema e pela
construção de uma nova sociabilidade, de modo que haja a completa abolição da sociedade de
classes e da exploração do trabalho.

2.2 determinantes socioeconômicos da pobreza no Brasil

O desenvolvimento das forças produtivas fez nascer com o capitalismo duas classes
antagônicas, o proletariado e a burguesia. O proletariado, que vende sua força de trabalho
passou a sentir os efeitos negativos dessa dinâmica e se organizou com o objetivo de lutar
pelos seus direitos, isto é, de alcançar melhores condições de vida. Foi nesse processo, de luta
de classe, que se observou o surgimento das primeiras iniciativas com o intuito de minimizar
os impactos do agravamento da pobreza.
A partir disso começaram a surgir legislações e estatutos que se assemelhavam a um
modelo de assistencialismo, com o intuito de remediar as mazelas produzidas pelo MPC e
frear o avanço das greves e revoltas produzidas pelo avanço da luta de classes. Na verdade,
essas medidas se constituíram como uma forma de controlar e diminuir o impacto das ondas
grevistas produzidas pela classe trabalhadora, que afetam diretamente o processo de
acumulação capitalista. A Lei dos pobres, de 1834, ficou conhecida em toda Europa, pela
rigidez dos seus critérios, ela era direcionada a pessoas em condição de extrema
vulnerabilidade social e tinha um caráter extremamente punitivo, pois

As ações assistenciais previstas tinham o objetivo de induzir o trabalhador a se


manter por meio de seu trabalho. Associadas ao trabalho forçado, essas ações
garantiam auxílios mínimos (como alimentação) aos pobres reclusos. Os critérios
para acesso eram fortemente restritivos e seletivos e poucos conseguiam receber os
benefícios. (BEHRING, 2017, p.48)

As ações desenvolvidas pelo Estado burguês, possuíam um caráter extremamente


repressivo e o não reconhecimento da pobreza, como uma expressão da questão social, fez
com o seu agravamento se tornasse ainda mais latente. A postura negacionista do Estado
frente a essa realidade tensionou ainda mais a luta
52

de classes, fazendo com que essa disputa ficasse cada vez mais acirrada. A ofensiva do
conservadorismo levou o movimento o operário a se organizar e “A mobilização e a
organização da classe trabalhadora foram determinantes para a mudança da natureza do
Estado liberal no final do século XIX e início do século XX” (BEHRING, 2017, p.64).
Nesse sentido, a partir do reconhecimento da questão social, pelo o Estado é que se
observa o avanço das políticas sociais. A primeira expressão desse movimento se deu a partir
da implementação do modelo bismarckiano, que se orientava pela lógica do seguro social,
criado na Alemanha, em 1883.

As iniciativas tomaram a forma de seguro social público obrigatório, destinado a


algumas categorias específicas de trabalhadores e tinham como objetivo desmobilizar
as lutas. As medidas compulsórias de seguro social público têm como pressuposto a
garantia estatal de prestação de substituição de renda em momento de perda da
capacidade laborativa, decorrente de doença, idade ou incapacidade para o trabalho.
(BEHRING, 2017,p.65)

O modelo bismarckiano funcionava como uma previdência social ou como coloca


Behring, como uma espécie de sistema de seguros, em que o acesso a esse direito estava
condicionado à prévia contribuição dos trabalhadores. O segundo modelo a ser destacado é o
Beveridge, que sofre forte influência dos ideais do Welfare States e tem como pressuposto a
garantia do direito universal sobre as políticas sociais.
O Brasil se inspirou nesses dois modelos para desenvolver seu sistema de seguridade
social, que tem características híbridas, pois combina tanto ações de caráter universal, como
contributivas. A seguridade social brasileira é composta, hoje, por três pilares principais: um
sistema de saúde universal, um sistema previdenciário contributivo e um sistema de
assistência social para quem dela necessitar, sem obrigação de contribuição prévia.
A assistência social é uma política integrante do sistema de seguridade social e tem
como objetivo garantir a proteção social aos cidadãos, segundo o Governo Federal (2019)26.
Desse modo, a assistência social é quem promove o auxílio das necessidades mais emergentes
aos mais pobres e, por isso, suas ações estão voltadas a atender famílias em situação de
vulnerabilidade social.

26
BRASIL. Ministério da cidadania.Gov.br,2019. Disponível em: https://www.gov.br/cidadania/pt-
br/acoes-e-programas/assistencia-social Acesso em: 11 nov. 2022.
53

Ainda de acordo com o Governo Federal (2019), a assistência social oferece apoio a
indivíduos, famílias e à comunidade no enfrentamento de suas dificuldades, por meio de
serviços, benefícios, programas e projetos. Apesar da abrangência da política de assistência
ser muito mais ampla, do que a oferta de benefícios de transferência de renda, esses se
constituem como um importante instrumento no alívio da pobreza.
Embora se constituam como um avanço no campo da política de assistência e no
acesso ao direito, sua oferta tem se tornado cada vez mais centralizada e focalizada a grupos
em condição de extrema pobreza. Assim, os PTR assumem, portanto, dupla função a primeira
de garantir condições mínimas de sobrevivência aos grupos mais vulnerabilizados, e a
segunda, de servir como um mecanismo funcional a reprodução do capitalismo a partir da
concessão de renda e da possibilidade de acessar bens de consumo

Os programas assistenciais de “transferência de renda” são estratégias político-


econômicas importantes para garantir minimamente a sobrevida de
trabalhadores(as), de modo a garantir sua disponibilidade para a exploração; para
assegurar um fluxo básico de consumo, evitando um curto- circuito na rotação do
capital, e para controlar socialmente o pauperismo e os comportamentos das “classes
perigosas”. (BEHRING, 2018, p.79).

A dualidade que atravessa o acesso ao direito pela classe trabalhadora é contraditória,


pois se por um lado representa uma conquista, por outro significa a manutenção da sua
condição subalterna de classe explorada. Por isso, os PRT assumem a função de mitigar o
quadro de pobreza e não de erradicá-la, pois se assim fosse, isso representaria o fim do
sistema capitalista, “Assim os programas auferidos, não se constituem como medidas efetivas
de erradicação da pobreza, pois não estão aptos a provocar transformações no processo de
reprodução da riqueza produzida e expropriada”. (GOMES et al., 2016, p.8)
Apesar dos PRT não atuarem diretamente na erradicação da pobreza, é preciso, no
entanto, ter clareza de que eles são também uma conquista histórica da classe trabalhadora e
não somente um mecanismo de manutenção da lógica capitalista, cabendo, portanto,
reconhecer a sua importância como um direito, que precisa ser defendido.
54

2.3 Estratégias de enfrentamento a pobreza e a desigualdade social

Diante do que foi exposto, o cenário de agudização da pobreza e da desigualdade


social possui intrínseca relação, com dois elementos centrais: o primeiro fator são as questões
estruturais ligadas ao desenvolvimento das forças produtivas na sociedade de classes. E o
segundo, com o direcionamento político assumido por cada país na condução da sua política
econômica.
No Brasil, a predominância de governos de matriz liberal/neoliberal e de orientação
conservadora fez com que a pobreza e a desigualdade social avançassem e a situação dos
mais pobres no país, fossem cada vez mais precárias, em razão do baixo investimento em
políticas de proteção e amparo social. Em vez disso, o Estado deu prioridade a uma política
econômica direcionada a atender aos interesses de grupos historicamente dominantes.
Nesse sentido, analisando essas questões sobre a luz dos dados é possível visualizar a
partir do gráfico abaixo que entre os anos 1978 a 2000 a renda dos mais pobres permaneceu
mais ou menos constante, no período citado. Em contrapartida, a renda dos ricos só cresceu
em consonância com o aumento da pobreza, com um tímido declínio, em 1985, mas que logo
voltou a crescer nos anos posteriores.

Gráfico 4 - Brasil- Desigualdades medidas pelos índices de Gini da rendatotal,


pela proporção de domicílios em situação de pobreza de pobreza, pela
proporção de renda nacional recebida pelos 40% mais pobres e pelo 1% mais rico,1976-
2015

Fonte: OXFAM
55

O gráfico faz, portanto, um comparativo da aceleração e desaceleração dos níveis de


pobreza e renda de acordo com o índice de Gini, demonstrando, assim, a relação intrínseca
entre o aumento da riqueza dos mais ricos e o aumento da misériaentre os mais pobres.
Avançando no tempo histórico essa realidade começa a se alterar a partir da política
neodesenvolvimentista dos governos do PT e dos investimentos em políticas de proteção e
amparo social. Assim, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostrou que
durante o período que os governos do PT estiveram no poder, cerca de 12,8 milhões saíram da
pobreza absoluta e que apesar das contradições existentes houveram respostas efetivas no
combate à pobreza e na desigualdade social.
Com isso, conclui-se que a partir de 2005, como se pode visualizar ainda no gráfico o
aumento na renda dos mais pobres, representou a diminuição dos índices de pobreza e uma
estabilidade na renda do 1% dos mais ricos comparada aos anos anteriores. Entre, 2005 e
2015, o aumento na renda dos mais pobres continua a crescer concomitante à diminuição da
pobreza, que, no entanto, volta a crescer novamente a partir de 2014.
Se a diminuição da extrema pobreza representou uma conquista brasileira e um fato
inédito na história do país, a crise socioeconômica internacional abalou esse período de
crescimento, que se somou à crise política, decorrente do golpe de Estado de 2016, sofrido por
Dilma. A implementação de uma política neoliberal representou a ruptura do Estado de
direito, com um avanço brutal contra as políticas sociais, a resposta a isso foi a volta do
crescimento da extrema pobreza, como se pode observar a partir do gráfico 5.
56

Gráfico 5 - Brasileiros em situação de extrema pobreza

Fonte: Economia G1

A partir de 2011 os efeitos internacionais da crise de 2008 passaram a ser sentidos


com mais veemência e em 2015, como é possível observar no gráfico, a quantidade de
brasileiros empurrados para a extrema pobreza só cresceu, em 2018 esse número chegou a
13.537 milhões. A retomada de uma política neoliberal teve grande impacto sobre essa
realidade, a política de enxugamentos públicos, iniciada por Michel Temer em 2016, com o
golpe contra Dilma, significou o início de um projeto neoliberal que teve prosseguimento com
a destrutiva política econômica do governo Bolsonaro.
É importante sinalizar, que a agudização desse cenário se intensificou com a
pandemia da Covid-19, de modo que se os índices de pobreza no Brasil já eram preocupantes,
essa realidade se acentuou ainda mais no contexto pandêmico, demonstrando, portanto, que
“A pandemia afetou muito mais as pessoas que vivem na pobreza do que os ricos [...]. As
mulheres, e em maior medida as mulheres racializadas, correm mais risco de perder seus
empregos por causa do coronavírus que os homens” (OXFAM, 2021, p.14)
Se levarmos em consideração a dívida histórica do Brasil, com mulheres e negros,
veremos que as desigualdades de gênero e raça é um problema antigo no país e que mulheres
negras são ainda mais penalizadas, pelo desemprego e pela pobreza. O gráfico abaixo busca
mostrar a taxa de pobreza por gênero e raça e de como a pandemia afeta de, sobremaneira,
esses grupos.
57

Gráfico 6 - Taxa de pobreza por gênero e raça observada e simulada-Brasil

Fonte: Made centro de pesquisa em macroeconomia das desigualdades

O percentual de mulheres negras em situação de pobreza, antes e depois da pandemia,


comparada a homens brancos é alarmante, esse dado evidencia a desigualdade de gênero e
raça, que atravessa a realidade brasileira, desse modo, é no contexto de acirramento da crise,
do qual vivemos atualmente, que as mulheres negras estão mais vulneráveis” (SIQUEIRA;
ALVES,2018,p.2)
Logo, o contexto pandêmico acentuou, portanto, as desigualdades existentes e
aprofundou ainda mais o fosso existente entre as classes. A crise em curso, ganhou com a
pandemia uma nova significação, ainda mais precária para os grupos em situação de
vulnerabilidade social, as mulheres negras, pobres e da periferia foram as mais afetadas pelo
aprofundamento dessa crise.
58

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desse trabalho foram analisados os elementos centrais do


aprofundamento da pobreza e da desigualdade social que abrangeu o período entre o golpe de
2016 e a pandemia do Covid- 19 (2016-2020). Como vimos, a classe trabalhadora foi a mais
impactada pelo avanço do neoliberalismo e pela sua devastadora política de teto de gastos,
que repercutiu na volta do crescimento da pobreza, da fome e da desigualdade.
Desse modo, o primeiro e o segundo capítulo foram imprescindíveis para se
compreender o contexto político e econômico da conjuntura a que se pretendeu analisar e de
como a pobreza e a desigualdade se expressaram nesse período (2016-2020). Além disso, foi
por meio da articulação com os determinantes estruturais da sociedade de classes, que
pudemos analisar a categoria da pobreza e da desigualdade em sua totalidade, captando as
repercussões das medidas implementadas para a classe trabalhadora e dos rebatimentos disso
na sua condição de empobrecimento.
O terceiro capítulo buscou elucidar, que a agudização da pobreza e da desigualdade
possui intrínseca relação com os elementos estruturais e conjunturais da sociedade de classes,
sendo ela, portanto, produto inerente do desenvolvimento do capitalismo, haja vista que as
determinações da pobreza estão inseridas, num amplo contexto de fatores econômicos, sociais
e políticos.
Assim, na sociedade capitalista a pobreza passa a ser resultado da constituição da
sociedade de classe, que tem na exploração do trabalho o fundamento central para a
perpetuação da sua lógica desigual, assim, é por meio da acumulação de riqueza, que se gera
níveis cada vez mais elevados de pobreza e diferenças entre as classes.
Além disso, o terceiro capítulo pretendeu articular os elementos já expostos, com a
análise de gráficos e dados estatísticos, em que foi possível observar a volta substancial do
crescimento da pobreza e da desigualdade no Brasil, que vinham sofrendo queda nos últimos
dezesseis anos, com os governos do PT.
Assim, na medida que a crise se intensificou maior era o rigor das medidas
implementadas pelos governos neoliberais de Temer e Bolsonaro, a resposta a isso, como
constatamos foi o aumento da pobreza, portanto, o avanço do neoliberalismo contribuiu para
o aprofundamento da pobreza e da desigualdade social no período
59

estudado (2016-2020), e repercutiu na vida dos brasileiros mais pobres, com sua deletéria
política alinhada aos interesses da burguesia.
No entanto, cabe ressaltar que esse trabalho não esgotou as possibilidades de análise
e de estudo mais elaborados da temática, haja vista que os recentes acontecimentos no cenário
econômico, social e político colocam em evidência a necessidade do aprofundamento dessa
discussão.
60

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