Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Prof. Ms. Maria Clélia Pinto Coelho – Orientador (a)
UFF – Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________________________
Prof. Ms. Juliana Viana Ford
Doutoranda em Serviço Social pela UNESP - Universidade Estadual Paulista
__________________________________________________________________
Assistente Social Ms. Maria Helena Barros Barbosa
PMCG – SMS - Programa Municipal IST/AIDS de Campos
Dedico este trabalho a Deus e a minha família.
Primeiramente quero agradecer a Deus pela força e coragem, sem ti nada tenho, nada
sou, em ti posso todas as coisas. Até aqui me ajudou, ó senhor! Quero agradecer meu esposo
Rômulo pela paciência, amor, cuidado, carinho, zelo e compreensão, em todos os momentos
dessa jornada.
A minha amada e querida filha Letícia, amiga de sempre que me incentivou e sempre
cooperou com meus estudos. Sempre me motivando com palavras de sabedoria e, nos
momentos de desânimo, ela estava sempre ali, dizendo, vai, você é capaz, você vai conseguir,
Deus é contigo! A meu pai que mesmo longe sempre estava bem perto e contribuindo direta e
indiretamente nessa conquista.
Agradeço a todos da minha Família.
Agradeço a toda equipe do Programa Municipal IST/AIDS e Hepatites Virais em
Campos dos Goytacazes, em especial, a minha supervisora de campo, Maria Helena, amiga e
um exemplo de profissional, que me deu a oportunidade e me auxiliou no meu
amadurecimento profissional. As Assistentes sociais Clícia e Claudinha, pela cooperação nos
momentos que me foi necessário, com total dedicação.
A todas/os professores da UFF, em especial, às minhas orientadoras Maria Clélia e
Juliana Ford que estiveram comigo, nesta caminhada de constantes lutas e desafios. Vocês
fazem parte dessa vitória, me ajudaram a superar os desafios e fazer dos obstáculos degraus
rumo à conquista.
Agradecimento as minhas amigas de fé, irmãs que cooperaram, diretamente e
indiretamente, com palavras de perseverança, nessa trajetória acadêmica. E, um
agradecimento mais que especial a você, “Angélica Lisboa” que me fez ver que desistir não
era a opção correta. Ainda que a distância nos separe, estamos cada vez mais juntas. É ao lado
dos verdadeiros amigos que vale a pena celebrar os momentos mais que especiais.
Às amigas de turma, agradeço a todas, principalmente a vocês, Lívia, Marlene e
Crislaine. Vocês ficaram para sempre na minha vida, perto ou longe, sempre estarão comigo.
Por fim, agradeço a todos que fizeram parte desse sonho, foram muitas as
dificuldades, mas também, muitas conquistas e vitórias. Agradeço a Banca Examinadora!
Aqui está toda a minha gratidão, a todos vocês!
O impossível
É pra quem não tem um sonho
E não crê que pela fé tudo é capaz
Inalcançável
É pra quem não tem o dom
De transformar desejos em pontes
pra chegar
Este estudo, ora descrito, aborda os impactos do estigma e do preconceito na vida das pessoas
que vivem com HIV/AIDS, em Campos dos Goytacazes. O objetivo do estudo teve como
ponto de partida a análise do estigma e do preconceito, como uns dos determinantes sociais da
saúde, que nos permitiu compreendê-los para além dos aspectos biológicos.
Metodologicamente, optou-se pela pesquisa exploratória de base bibliográfica e documental,
através do acesso aos prontuários dos pacientes em tratamento no CDIP, bem como, de
referências teóricas que versam sobre o assunto em questão e diário de campo produzidos no
período de estágio curricular em Serviço Social. Neste estudo, verifica-se que a sociedade
vem reproduzindo, desde os primórdios da epidemia, até os dias atuais, atitudes hostis e
negativas acerca das pessoas vivendo com HIV. Reproduzir algo sem informação qualificada
tem fomentado, cada vez mais, o preconceito. Sendo assim, o desconhecimento das
informações corretas gera mitos, que aumentam ainda mais o processo discriminatório em
relação a população infectada. Constatamos que cabe aos Assistentes Sociais, como
profissionais da saúde, a responsabilidade de refletir, através de uma leitura crítica da
realidade, a necessidade de proteção social e o direito dos acometidos pelo vírus, promovendo
atividades articuladas às políticas sociais que fomente a inclusão social para essa população
estigmatizada. Devido aos sofrimentos e impactos causados pela revelação do diagnóstico do
HIV e, atitudes preconceituosas, na vida cotidiana dos mesmos, o Serviço Social atua nesses
espaços sócio ocupacionais, empreendendo ações diferenciadas, que possibilite a autoestima,
bem como, o resgate acerca dos direitos humanos, fortalecendo a compreensão destes sujeitos,
como cidadãos de direitos.
This study, described here, addresses the impacts of stigma and prejudice on the lives of
people living with HIV/AIDS in Campos dos Goytacazes. The aim of the study had as its
starting point the analysis of stigma and prejudice, as some of the social determinants of
health, which allowed us to understand them beyond biological aspects. Methodologically, we
opted for exploratory research of bibliographic and documentary basis, through access to the
medical records of patients undergoing treatment in the CDIP, as well as theoretical
references that deal with the subject in question and articles produced during the curricular
internship period in Social Work. In this study, it is verified that society has been reproducing,
from the beginning of the epidemic, to the present day, hostile and negative attitudes about
people living with HIV. Reproducing something without qualified information has
increasingly fostered prejudice. Thus, the lack of knowledge of the correct information
generates myths, which further increase the discriminatory process in relation to the infected
population. We note that it is up to social workers, as health professionals, the responsibility
to reflect, through a critical reading of reality, the need for social protection and the right of
those affected by the virus, promoting activities articulated to social policies that foster social
inclusion for this stigmatized population. Due to the sufferings and impacts caused by the
revelation of the diagnosis of HIV and, prejudiced attitudes, in their daily lives, Social Service
operates in these socio-occupational spaces, undertaking differentiated actions, which enables
self-esteem, as well as the rescue about human rights, strengthening the inclusion of these
subjects, as citizens of rights.
GRÁFICO 1: Taxas de detecção de AIDS, AIDS em menores de cinco anos, infecção pelo
HIV em gestantes, coeficiente de mortalidade por AIDS e número de casos de HIV (BRASIL,
2007 A 2017).
TABELA 1: Distribuição proporcional dos casos de AIDS, identificados de 1980 até junho de
2018 (BRASIL, 1980-2018).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................74
13
INTRODUÇÃO
Sob essa ótica, é necessário pensar nas redes de apoio que cooperam, bem como, a
importância das políticas sociais no enfrentamento dos determinantes sociais da saúde,
especialmente, das pessoas soropositivas, tendo visto que a sorologia positiva tem sido
pensada como um fenômeno social que requer uma compreensão mais profunda, não
apenas para resolver as demandas apresentadas no cotidiano pelos indivíduos, mas,
pensando na responsabilidade dos governantes na implementação de políticas de
enfrentamento e combate à toda forma de injustiça social que se abarca no processo de
exclusão na vida dessas pessoas.
Diante desse processo de dor, medo, discriminação, preconceito, estigma e
isolamento social - que foram claramente observados no período de estágio curricular
obrigatório, realizado na instituição supracitada -, se estabelecem as intervenções dos
profissionais. Para tanto, cabe a discentes e profissionais, a responsabilidade de refletirmos
a questão, através de uma leitura crítica sobre a realidade, sobre a necessidade/demanda
social e sobre direitos das pessoas que vivem com HIV, articulando políticas sociais que
fomentem a cidadania da população estigmatizada pelos sofrimentos causados a partir dos
impactos do HIV na vida cotidiana.
A proposta metodológica para a construção deste trabalho monográfico consiste em
um trabalho fundamentado no método em Marx onde se entende que o indivíduo
transforma o mundo e é transformado por ele, constituindo, desta forma, categorias na vida
social dentro de um processo histórico. Segundo Netto (2011), “o objetivo da pesquisa
marxiana é, expressamente, conhecer [...] as categorias que constituem a articulação interna
da sociedade burguesa […]”. As categorias, diz o autor, "exprimem [...] formas de modo de
ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de uma sociedade
determinada […]”.
Metodologicamente, então, optou-se pela pesquisa qualitativa exploratória, de base
bibliográfica e documental, através da análise de prontuários, diários de campo, produzidos
durante o período de Estágio Supervisionado em Serviço Social, artigos, revistas e livros
que abordam a temática descrita. Sabe-se que a realidade não está acabada em si. Ela partiu
de um ponto, ou de vários, ao mesmo tempo, quer social, político, cultural ou econômico,
da vida dos sujeitos e segue, causando novas possibilidades (até repetição de velhas) na
atividade social. O olhar, no entanto, é voltado para os processos de adoecimento, no
entorno da realidade dos usuários.
15
1
AIDS é uma definição epidemiológica baseada em sinais e sintomas clínicos. É causado pelo HIV, o vírus
da imunodeficiência humana. A AIDS não é simplesmente uma deficiência imunológica, representa a
presença de manifestação de doenças oportunistas. O HIV destrói a capacidade do organismo de combater
infecções e doenças, que podem levar à morte. A terapia antirretroviral diminui a replicação do vírus e pode
aumentar em muito a sobrevida e melhorar a qualidade de vida, mas, não elimina a infecção pelo HIV.
(UNAIDS, 2015, p. 29).
18
perspectiva de manter esses sujeitos, nos espaços sociais, sem que a heterossexualidade,
homossexualidade, preconceito moral, religioso e cultural sejam severos obstáculos e
empecilhos para o controle da epidemia no Brasil.
A epidemia da AIDS deu-se no início dos anos de 19802 e tem gerado muitos
questionamentos éticos em diferentes ordens na sociedade. A AIDS - Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida, é causada pelo vírus HIV, cuja infecção ocorre pela via sexual
e sanguínea, primordialmente.
Na década de 19803 o boletim epidemiológico apresenta o primeiro caso de óbito
acometido por pessoa do sexo masculino por meio de via sexual no Brasil. Novos casos da
síndrome foram identificados, dando origem a novos grupos: heterossexuais, usuários de
drogas e transmissão vertical (mãe-bebê).
O perfil do usuário,4 que no início da epidemia era em sua maioria, homossexuais,
pessoas de classe social mais elevada e usuários de drogas injetáveis, caracterizados como
“grupo de risco”, mudou drasticamente com o passar dos anos. Atualmente, a síndrome do
HIV se propaga mais em heterossexuais e pessoas de baixa renda, o que significa uma
mudança no perfil epidemiológico da epidemia.
Como bem nos assegura Parker (2001), a epidemia pode ser analisada sob três
óticas distintas: a primeira, retrata a epidemia do vírus HIV - a infecção que se incorpora de
forma silenciosa; a segunda, pela presença da AIDS - síndrome da doença infecciosa
2
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) foi reconhecida em meados de 1981, nos EUA, a partir
da identificação de um número elevado de pacientes adultos, do sexo masculino, homossexuais e moradores
de São Francisco ou Nova York, que apresentavam sarcoma de Kaposi, pneumonia por Pneumocystis carinii e
comprometimento do sistema imune. Todos estes fatos convergem para a inferência de que se tratava de uma
nova doença, ainda não classificada, de etiologia provavelmente infecciosa e transmissível. Em 1983 o agente
etiológico foi identificado: tratava-se de um retrovírus humano, atualmente, denominado Vírus da
Imunodeficiência Humana, HIV-1, que anteriormente foi denominado LAV e HTLV-III. Em 1986 foi
identificado um segundo agente etiológico, também retrovírus, estreitamente relacionado ao HIV-1,
denominado HIV-2. Ver: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/biologia/origem-epidemia-hiv.htm
3
O primeiro caso de AIDS no Brasil foi relatado em 1982. A resposta do Brasil a Aids foi criada em 1985,
logo após o país ter retornado da ditadura militar à democracia, em um momento em que apenas 04 (quatro)
casos de Aids tinham sido registrados.
4
LIMA e COSTA, Maria Fernanda F.; SOUSA, Rômulo Paes. Qualidade de Vida: compromisso histórico
da epidemiologia. Belo Horizonte: COOPEMED / Rio de Janeiro: ABRASCO, 1994. Cad. Saúde
Pública, vol.11, no.1, Rio de Janeiro, Jan./Mar. 1995.
19
provocada pelo próprio HIV e pelas doenças oportunistas; e, a terceira, talvez a mais
desafiadora - a epidemia das “respostas sociais”, econômicas e culturas que se estabelece
nas construções coletivas e nas relações sociais, através de atitudes estigmatizantes,
discriminatórias e preconceituosas da sociedade.
Ao enfrentar uma epidemia de HIV/AIDS, na década de 1980, o Brasil reconheceu
ser necessário criar estratégias, que fomentam uma reorganização do Estado e da sociedade
civil, a fim de traçar respostas para o enfrentamento da mesma. Mas, se por um lado, ela
deixou marcas de pânico, anunciadas pelo medo devastador do HIV, no momento seguinte,
ela garantiu a emergência de movimentos que se propusessem a combater o estigma
produzido socialmente.
A epidemia no Brasil passou por muitas mudanças e, a partir de 1985, o Ministério
da Saúde, através da Portaria n.º 236, estabeleceu as diretrizes para o Programa de Controle
e Combate à Epidemia da AIDS, criando, em seguida, o Programa Nacional de
DST/AIDS5.
Dessa forma, essas proposições vêm gerando avanços positivos acerca da doença,
tornando assim, um país de referência mundial no combate à epidemia. Essa conquista no
campo da saúde se deu com o apoio inicial de organizações não governamentais e
movimentos sociais da época. Isso fomentou a necessidade de ações públicas e políticas de
5
É válido salientar que através do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e
das Hepatites Virais, a nomenclatura “DST” (doenças sexualmente transmissíveis) é substituída por “IST”
(infecções sexualmente transmissíveis). A nova denominação é uma das atualizações da estrutura regimental
do Ministério da Saúde, por meio do Decreto nº 8.901/2016, publicada no Diário Oficial da União em
11.11.2016, Seção I, páginas 03 a 17. Segundo a diretora Adele Benzaken, “doenças” implica sintomas e
sinais visíveis no organismo, enquanto “infecções” refere-se a períodos sem sintomas e já é usado pela OMS.
Ver: http://www.aids.gov.br/pt-br/noticias/departamento-passa-utilizar-nomenclatura-ist-no-lugar-de-dst.
20
6
Essas populações, que no começo da epidemia foram definidas como grupos de risco, população-alvo e/ou
populações vulneráveis, hoje recebem essa denominação como forma de reduzir o estigma que essas
nomenclaturas provocam na sociedade. É preferível se referir-se a populações como sendo chave para a
epidemia e chave para a resposta ao HIV, considerando que a “linguagem molda as crenças e pode influenciar
comportamentos [...] a utilização ponderada de linguagem apropriada tem o poder de fortalecer a resposta
global à epidemia”. O UNAIDS considera que os gays e outros homens que fazem sexo com homens,
profissionais do sexo e seus clientes, pessoas trans e pessoas que usam drogas injetáveis são as quatro
principais populações-chaves em relação ao HIV. Muitas vezes, essas populações são sujeitas a leis punitivas
ou políticas estigmatizantes e têm mais probabilidade de exposição ao HIV. Seu envolvimento é crítico para
uma resposta exitosa ao HIV em qualquer lugar. Os países devem definir as populações específicas que são
chave para a epidemia e para a resposta com base nos contextos epidemiológico e social. Ver:
https://unaids.org.br/wpcontent/uploads/2017/10/WEB_2017_07_12_GuiaTerminologia_UNAIDS.pdf?=e7c8
b3c974.
7
O estigma e a discriminação, no contexto social mais amplo e, especialmente, em serviços de atenção
à saúde, são uma barreira para muitos integrantes das populações chave saberem seu estado sorológico
relativo ao HIV ou acessarem serviços de prevenção e tratamento que podem salvar vidas. (UNAIDS, 2005,
p. 12).
21
Nos anos 90, a revista Veja (1997), trouxe uma reportagem assustadora, intitulada
“O vírus avança”. O autor da matéria jornalística, sinalizava naquela época, que o HIV era
mais que um problema isolado de saúde, era um problema de conscientização, um
problema social. A reportagem reafirmava a perspectiva de Kern (2005) e, após quase 30
anos, não se pode ignorar os investimentos públicos e de organizações não governamentais
na direção da socialização das informações, por intermédio da mídia convencional
e/alternativa e de outras redes de informação, para difusão de campanhas de
esclarecimento, alertas, mensagens e afins. Contudo, os dados apontados no decorrer deste
tópico, nos sinalizam que o Brasil precisa ampliar suas metas para alcançar o que está
preconizado no protocolo 90-90-908.
A autora Kern (2005), destaca que as pessoas vivendo com HIV tem sido alvo de
grandes debates e estudos, desde seus primeiros casos, até os dias atuais, tendo em vista que
essa epidemia já matou muitas pessoas e, mesmo diante dos avanços das propostas e ações
de prevenção, muitos casos são identificados diariamente. “[...] Mesmo na atualidade a luta
8
O protocolo 90-90-90, corresponde às novas metas estabelecidas pelo UNAIDS, para intensificar o
tratamento do HIV, depois de 2015. Trata-se de um compromisso e de um movimento forte de construção de
uma nova narrativa sobre o tratamento do HIV e de uma nova meta, definitiva e ambiciosa, porém alcançável.
O protocolo 90-90-90, estabelece que até 2020, 90% de todas as pessoas vivendo com HIV saberão que têm
o vírus; que até 2020, 90% de todas as pessoas com infecção pelo HIV diagnosticada, receberão terapia
antirretroviral ininterruptamente e, que até 2020, 90% das as pessoas, recebendo terapia antirretroviral, terão
supressão viral.
Ver:https://unaids.org.br/content/uploads/2015/11/2015_11_20_UNAIDS_TRATAMENTO_META_PT_v4_G
B.pdf.
23
contra o HIV configura-se como uma batalha pelos Direitos Humanos” (KERN, 2005,18).
No Brasil, a mobilização política das pessoas com HIV tem sido notável, através de
organizações contra o preconceito e a discriminação e tem se constituído como um dos
aspectos políticos mais radicais da história do HIV (KERN, 2005, p. 18). Esta mobilização
foi intensificada a partir de 1989, através da Fundação dos Grupos pela VIDDA -
Valorização e Integração e Dignidade do Doente de AIDS, no Rio de Janeiro e em São
Paulo, por Herbert Daniel9 (KERN, 2005, p. 18). A partir dos anos 90 a epidemia passou a
ser vista como um fenômeno político social no embate contra o HIV.
Vale registrar que, no período de 1980 a 1990, o Brasil ficou conhecido como um
dos países com maior índice de casos de infecção pelo HIV. Nesta época, o público
atingido era prioritariamente homossexual, como falado anteriormente, que já sofrem
duplamente o estigma. Essa visão sombria vem de uma sociedade discriminadora, arraigada
de comportamentos preconceituosos que, mesmo ao longo dos anos, se perpetua.
A partir da década de 90 há uma maior socialização das pessoas vivendo com HIV,
por meio das organizações que atuam no sentido de trazer para os mesmos, uma nova
perspectiva de vida.
Uma vez que estes não sejam mais vistos como “Aidéticos”,
subjugados a toda sorte de preconceito e estigma, violação e outros
9
Herbert Daniel (1946-1992) foi um personagem ímpar na história republicana brasileira. Mineiro de Belo
Horizonte, Daniel foi estudante de medicina, crítico de cinema no rádio, autor de teatro estudantil e jornalista.
Durante a ditadura militar, participou de grupos da luta armada no país. Viveu na clandestinidade durante seis
anos, sem nunca ser preso. No interior dessas organizações, a questão da sexualidade ainda era um tabu.
Daniel, homossexual, acabou tendo que reprimir a sua sexualidade por vários anos. Depois da ditadura,
Daniel candidatou-se a deputado estadual pelo PT do Rio de Janeiro (mas não se elegeu), participou da
formação do Partido Verde, engajando-se na luta ambientalista, e teve uma atuação importante na luta pelos
direitos das mulheres, dos homossexuais, da população negra, indígena e pelo fim da discriminação contra
pessoas portadoras do vírus HIV. Daniel morreu em 1992, vítima de complicações causadas pela AIDS. Ver:
https://www.cafehistoria.com.br/biografia-herbert-daniel/.
24
10
O “Boletim Epidemiológico HIV/Aids”, do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das
Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, da Secretaria de Vigilância em
Saúde, do Ministério da Saúde, publicado anualmente, apresenta informações sobre os casos de HIV e de
Aids no Brasil, regiões, estados e capitais, de acordo com as informações obtidas pelos sistemas de
informação usados para a sua elaboração. Ver: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2018/boletim-epidemiologico-
hivaids-2018.
11
Oportunamente, apresentaremos um panorama dos dados do Boletim Epidemiológico HIV/Aids - 2018.
12
No Brasil, as populações marginalizadas são as que têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde,
de assistência, à informação e à educação. Na maioria das vezes, essas pessoas estão à margem das políticas
públicas e isso dificulta as ações que visam à prevenção, o diagnóstico precoce e até mesmo à assistência. São
populações mais vulneráveis devido à exclusão social em que se encontram dentro da própria estrutura social,
enfim, essas pessoas são mais atingidas por doenças infecto-contagiosas, entre elas o HIV. (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 1999, p. 8).
25
finalidade de trazer respostas à pressão social dos ativistas. De fato, esses aspectos definiam
estratégias de prevenção e assistência em conjunto com a sociedade.
relação à saúde coletiva, vivemos na atualidade, um cenário bem distinto daquele presente
no início da epidemia, não só no que tange ao conceito da epidemiologia sobre o HIV,
quanto a grande mobilização de controle do contexto social.
Ainda de acordo com Bastos (2013), se perguntássemos, na atualidade, qual é a cara
do HIV, diríamos, com discernimento da resposta, que são todas ou nenhuma em particular,
as pessoas soropositivas são tão diversas como qualquer outra população heterogênea e
injustiçada.
Nota-se na contemporaneidade, avanços triunfantes em relação às intervenções
preventivas e biomédicas, em detrimento do início da epidemia. Podemos observar hoje um
viés mais macro em relação aos determinantes estruturais. Diante disso, cabe aos
profissionais da saúde desfazer as imagens destrutivas que perpetua e fomenta o
preconceito e a exclusão das pessoas vivendo com a sorologia, assim como, tantas outras
patologias que nos acomete diariamente. Portanto, faz-se necessário transformar essas
questões devastadoras em progressos (BASTOS, 2013, p. 100).
Neste sentido, enquanto as metas anteriores para a AIDS buscavam obter progresso
gradativo, o objetivo para a era pós 2015 é nada menos que o fim da epidemia de AIDS até
2030 (UNAIDS, 2005, p. 1).
Durante este longo percurso de lutas e desafios no combate ao vírus, fica claro que a
única forma de concernir às propostas ousadas de avanço, é por meio de estratégias
fundamentadas no tripé - direitos humanos, respeito mútuo e inclusão - da população
acometida pelas fraturas sociais. Entretanto, estratégias de prestação de serviços adaptadas
às necessidades e circunstâncias de cada população e contexto, também ajudarão
a incentivar a ampliação do tratamento e a retenção dos pacientes nos serviços13 (UNAIDS,
2015, p. 26).
Embora muitas estratégias ainda sejam necessárias para acabar com a epidemia,
uma coisa é certa: será impossível pôr fim à epidemia sem disponibilizar o tratamento do
HIV para todos que precisam (UNAIDS, 2015, p. 1).
Portanto, podemos observar que ao longo de aproximadamente três décadas
obtivemos, conforme apontado anteriormente, mudanças significativas no cerne da
13
Pôr fim à epidemia de AIDS é mais do que uma obrigação histórica para as 39 milhões de pessoas que
morreram da doença. Também representa uma oportunidade significativa para estabelecer os alicerces de um
mundo mais saudável, mais justo e mais equitativo para as gerações futuras. Pôr fim à epidemia de AIDS
inspirará esforços mais abrangentes na área da saúde global e do desenvolvimento internacional,
demonstrando o que pode ser alcançado por meio da solidariedade global, ações baseadas em evidências
e parcerias multissetoriais. (UNAIDS, 2015, p.1).
27
epidemia, referentes aos aspectos biológicos. Entretanto, as questões ligadas aos processos
sociais, velhos comportamentos preconceituosos e discriminatórios sobre as pessoas
vivendo com a sorologia, ainda se configuram arraigadas e, em muitos sentidos,
paralisadas, visto que, até os dias atuais, essas questões se estabelecem como um dos
maiores obstáculos no combate à epidemia do HIV/AIDS.
Sobre os avanços no campo biológico e da ciência, vale dar ênfase que ainda no
início da década de 1990, iniciava-se o processo de distribuição gratuita de antirretrovirais
– medicamentos que dificultam a multiplicação do HIV, aqui abreviados em ARVs –, a
partir da inclusão do tratamento no SUS (AZEREDO, 2015, p. 50). Esse avanço chegou em
um momento delicado, politicamente, tendo em vista que enfrentamos, no cerne da Política
de Saúde no Brasil, fortes mudanças no que se refere a esses dois grandes projetos: “o
Projeto da Reforma Sanitária14,construído na década de 1980, estabelecido numa
perspectiva de democracia de massas e consagrado, em parte, na Constituição Federal de
1988” (AZEREDO, 2015, p. 50) e o Projeto Privatista da Saúde, que ganhava fôlego e
apoios institucionais. Provavelmente, pela projeção nacional e mundial da Aids, as medidas
de enfrentamento da epidemia não foram, diretamente, afetadas pela disputa em questão,
mas sofrem como todos os campos da vida social, os rebatimentos dessa disputa.
Neste sentido, é inegável que com o passar dos anos, a política adotada pelo
Ministério da Saúde tem apresentado grandes resultados acerca da epidemia - mesmo com
as interrupções de curso e de estratégia, em alguns momentos -, diminuindo, por exemplo, a
mortalidade das pessoas que vivem com Aids. Mas, mesmo diante desses avanços, a luta
continua presente.
Ao problematizamos os avanços e os desafios da Aids no Brasil, não poderíamos
encerrar este trabalho monográfico sem apresentar, em números, essa complexa questão.
Sendo assim, os dados e gráficos abaixo, do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS – 201815,
14
O Projeto da Reforma Sanitária é o da civilização humana, é um projeto civilizatório, que para se organizar
precisa ter dentro dele princípios e valores que nós nunca devemos perder, para que a sociedade como um
todo possa um dia expressar esses valores, pois, o que queremos para a saúde é o que queremos para a
sociedade brasileira (AROUCA, 2001, p. 6).
15
Este Boletim, que é publicado anualmente, apresenta dados obtidas pelos sistemas de informação sobre o
HIV/Aids, que são: (1) as notificações compulsórias dos casos de HIV e de Aids no Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (SINAN), (2) os óbitos notificados com causa básica por HIV/Aids (CID10: B20 a
B24) no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), (3) os registros do Sistema de Informação de
Exames Laboratoriais (SISCEL) e (4) os registros do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos
(SICLOM). Além das informações constantes neste Boletim, os dados específicos, para cada um dos 5.570
municípios brasileiros, podem ser visualizados por meio dos painéis de indicadores epidemiológicos
disponíveis on-line no endereço <http://www.aids.gov.br/indicadores>. Ver: http://www.aids.gov.br/pt-
br/pub/2018/boletim-epidemiologico-hivaids-2018.
28
Sobre a taxa de mortalidade, registra-se no Boletim, que nos últimos quatro anos, a
mesma reduziu, passando de 5,7 óbitos por 100 mil habitantes em 2014, para 4,8 óbitos por
100 mil habitantes em 2017. “A redução é resultado da garantia do ‘tratamento para todos’,
lançada em 2013, aliada à melhoria do diagnóstico, além da ampliação do acesso à
testagem e redução do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento” (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2019).
29
16
A oferta de ARV não era uma proposta inicial e resultou da pressão dos movimentos sociais, mas também
do campo médico e da mídia. [...] a partir da articulação entre militantes da Reforma Sanitária, foi elaborado o
projeto de lei que proporcionou uma situação diferenciada de acesso a ARV, impôs importantes
transformações no Espaço Aids e sepultou a possibilidade de uma política de controle da Aids sem acesso ou
com acesso restrito a ARV. “A Lei nº 9.313/1996 garantiu o acesso universal a medicamentos para o
tratamento da Aids, sepultando a possibilidade de implementação de uma política de controle da Aids no
Brasil apoiada unicamente na prevenção, seguindo as recomendações das agências internacionais para países
em desenvolvimento àquela época” (BARROS, 2017, p. 126). Ver:
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0114.pdf.
17
O documento Relatório de Monitoramento Clínico do HIV reúne e analisa as informações dos principais
indicadores de monitoramento clínico, entre 2012 e 2016, atualizados até 30 de junho de 2017. O relatório
avalia as metas 90-90-90, ou seja, 90% das pessoas vivendo com HIV (PVHIV) diagnosticadas; 90% das
PVHIV diagnosticadas em terapia antirretroviral (TARV); e 90% das PVHIV diagnosticadas em TARV
(terapia antirretroviral) com supressão viral, até o ano de 2020. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017)
33
Vale registrar que quando a pessoa tem uma boa adesão ao tratamento, ela consegue
atingir níveis de carga viral tão baixos que é praticamente nula a chance de transmitir o
vírus para outras pessoas. Além disso, quem toma o medicamento corretamente tem mais
chances de não adoecer das doenças oportunistas (que acometem as pessoas com imunidade
baixa) e garantir, assim, uma melhor qualidade de vida.
Registra-se também que o financiamento de toda a terapia antirretroviral distribuída
pelo SUS no Brasil, é garantido com recursos exclusivamente nacionais. Em 2017 foi
18
Esses dados subsidiam a resposta ao HIV no Brasil e são reconhecidos por seu rigor, como fonte de
informação no âmbito internacional. [...] a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu na Conferência
Internacional de Aids (IAS, 2017, em Paris), durante o lançamento do “Consolidated Guidelines on Person -
Centred HIV Patient Monitoring and Case Surveillance” (Diretrizes consolidadas sobre monitoramento de
pacientes e vigilância de casos de HIV centrados nas pessoas), que o Brasil é um dos poucos países do mundo
que tem conseguido utilizar as informações geradas por seus sistemas nacionais de informação em saúde para
fazer diferença na resposta ao HIV. Nessa publicação, inclusive, o Brasil foi citado como exemplo a ser
seguido. Ver: http://www.aids.gov.br/pt-br/noticias/brasil-aumenta-diagnostico-e-tratamento-para-o-hiv-0.
19
Adele Benzaken médica sanitarista, foi exonerada da direção do Departamento de Vigilância, Prevenção e
Controle das ISTs, do HIV e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. A decisão foi tomada, apesar de
inúmeras manifestações pela permanência da médica no cargo. A exoneração ocorreu em janeiro de 2019,
pelo então Presidente da República, Jair Bolsonaro. Assumiu a diretoria, seu adjunto, Gerson Pereira.
34
20
A PrEP - Profilaxia Pré-Exposição ao HIV é um método de prevenção à infecção pelo HIV. Consiste na
tomada diária de um comprimido que impede que o vírus causador da Aids infecta o organismo, antes de a
pessoa ter contato com o vírus. A PrEP é, portanto, a combinação de dois medicamentos (tenofovir +
emtricitabina) que bloqueiam alguns “caminhos” que o HIV usa para infectar o organismo. [...] o tratamento
começa a fazer efeito após 7 dias de uso, no caso de exposição por relação anal e 20 dias de uso para relação
vaginal. Esta terapia não protege outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (tais como sífilis, clamídia e
gonorreia) e, portanto, deve ser combinada com outras formas de prevenção, como a camisinha. A PrEP não é
para todos, esta é indicada para pessoas que tenham maior chance de entrar em contato com o HIV, como, as
populações-chave: Gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH); Pessoas trans e
Trabalhadores(as) do sexo. Ver: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/prevencao-combinada/profilaxia-
pre-exposicao-prep.
21
A PEP - Profilaxia Pós-Exposição de Risco é uma medida de prevenção de urgência à infecção pelo HIV,
hepatites virais e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Consiste no uso de medicamentos para
reduzir o risco de adquirir essas infecções e deve ser utilizada após qualquer situação em que exista risco de
contágio, tais como: Violência sexual; Relação sexual desprotegida (sem o uso de camisinha ou com
rompimento da camisinha); Acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou contato direto com
material biológico). A PEP é uma tecnologia inserida no conjunto de estratégias da Prevenção Combinada,
cujo principal objetivo é ampliar as formas de intervenção para atender às necessidades e possibilidades de
cada pessoa e evitar novas infecções pelo HIV, hepatites virais e outras IST. Trata-se de uma urgência
médica, que deve ser iniciada o mais rápido possível - preferencialmente nas primeiras duas horas após a
exposição e no máximo em até 72 horas. A duração da PEP é de 28 dias e a pessoa deve ser acompanhada
pela equipe de saúde. Ver: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/prevencao-combinada/pep-profilaxia-
pos-exposicao-ao-hiv.
35
refere à população de baixa renda e baixa escolaridade. Kern (2005), afirma que este tem
sido um grande desafio para todos os países, em especial, para os menos desenvolvidos
economicamente, e que dispõem de menos recursos para o desenvolvimento de políticas
públicas e de pesquisa. “Por isso, o UNAIDS propõe que se intensifiquem as campanhas na
luta contra a epidemia” (KERN, 2005, p. 21).
Para iniciarmos o segundo tópico deste trabalho, registramos que os processos de
dor, de medo, de discriminação, de preconceito, de estigma e de isolamento social, que
foram claramente observados no período de estágio obrigatório curricular no Programa
Municipal IST/Aids de Campos dos Goytacazes, RJ, estabelecem os desafios profissionais
que precisamos enfrentar cotidianamente e nos sinalizam para a urgência da compreensão
acerca das lutas sociais, em todos os tempos e em todos os sentidos, bem como, das
relações sociais que se constroem neste percurso.
A implementação dos Programas Municipais de combate ao HIV/Aids, trouxeram
grandes avanços no enfrentamento da epidemia e, por isso, é fundamental salientarmos que
hoje não se pode mais relacionar a doença somente ao desconhecimento da população
sobre as formas de transmissão, mas também às questões ligadas a desigualdade e aos
determinantes sociais, tais como, falta de educação, de moradia, de saúde integral, de
distribuição de renda, de emprego, entre outros determinantes relacionados às estruturas de
poder e dominação.
Neste sentido, o debate a seguir irá tratar de alguns aspectos relevantes sobre o
contexto do HIV, para além da questão biológica, tendo, por exemplo, os determinantes
sociais da saúde como subsídios que podem determinar o adoecimento da população
acometida pela sorologia do HIV, bem como, os processos de estigma e preconceito,
enraizados na sociedade e que impactam, negativamente, no cotidiano das pessoas que
vivem com HIV/Aids, a partir das observações oriundas do estágio supervisionado em
Serviço Social, realizado no Programa Municipal IST/Aids, de Campos dos Goytacazes,
RJ.
22
O artigo intitulado “Percepção e resultados referentes à Busca Ativa dos adolescentes portadores de
HIV/AIDS em abandono de tratamento no CDIP”, aborda o estudo realizado pelas estagiárias de Serviço
Social Júlia Siqueira, Márcia V. D’Almeida e Nilene Souza, no Programa Municipal IST/Aids - CDIP, em
Campos dos Goytacazes, no segundo semestre do ano de 2018, como exigência da disciplina de Estágio
Supervisionado em Serviço Social VI, a partir dos resultados do Projeto de Intervenção, que teve como objeto
a busca ativa dos adolescentes, portadores de HIV/AIDS em abandono de tratamento. Por meio deste projeto,
composto por pesquisa documental, sistematização dos dados, atualização dos prontuários, contato com os
usuários e reuniões mensais, foi possível realizar uma análise, pautada na teoria apresentada em sala de aula,
sobre os possíveis motivos que levariam os adolescentes a abandonarem o tratamento e, a partir disso, criar
ações de prevenção.
38
23
Os determinantes sociais de saúde são definidos pela Organização Mundial da Saúde como as condições em
que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. Essas circunstâncias (que incluem o
sistema de saúde) são moldadas pela distribuição de dinheiro, poder e recursos nos âmbitos global, nacional e
local e, por sua vez, esses fatores são influenciados pelas escolhas de políticas. (UNAIDS, 2017, p. 11)
24
O termo “saúde, dignidade e prevenção positivos” situa políticas e programas de HIV dentro de uma
perspectiva de direitos humanos na qual a prevenção da transmissão do HIV é vista como uma
responsabilidade compartilhada de todos os indivíduos, independentemente de sua sorologia para o HIV. O
termo foi cunhado em abril de 2009, durante uma reunião internacional organizada pela Global Network of
People Living with HIV/AIDS - GNP+ (Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS) e o UNAIDS.
39
literatura, que o conflito entre saúde pública, saber médico e os enfoques biológicos e
sociais do processo saúde-doença sempre estiveram no centro do debate sobre a
configuração desse novo campo de conhecimento, de prática e de educação (BUSS, 2007,
p. 79).
Dessa forma, é fundamental compreendermos que cada indivíduo ou grupo
apresenta um estilo de vida peculiar ligados às origens biológicas, mas também, as
condições materiais sociais, que se constituem no universo das relações sociais. Diante
disso, é de suma importância entendermos que os agravos que permeiam a saúde e afetam
os indivíduos estão diretamente ligados aos determinantes sociais que são construídos
socialmente. Sendo assim, faz-se necessário identificá-los para traçar metas e ações de
intervenção mais apropriadas e resolutivas.
Pode-se constatar que o sistema de saúde no Brasil vem passando por constantes
mudanças ao longo dos anos. Fica claro, que o conhecimento e as práticas acerca da saúde
pública têm sido manifesta de forma mais consistente em épocas mais recentes. De fato, a
saúde é reconhecida com um campo de saberes cujos compromissos sociais são vistos a
partir das reais condições de saúde, evidenciadas através do adoecimento da população e
seus respectivos determinantes (BUSS, 2008, p. 33).
Como bem nos assegura Castellanos (1998), a saúde e a doença consistem em
processos inerentes à vida. Para tanto, observa-se que em cada momento histórico a
sociedade reflete um modo de vida correspondente, ou seja, isso é natural, todos os
processos que configuram a identidade das pessoas, perpassam pelos espaços da vida
cotidiana da sociedade. De forma sucinta, de acordo com BUSS (2007) determinantes
sociais de saúde (DSS) apresentam-se, com maior ou menor nível de detalhe nos dias atuais
e é visto, de forma hegemônica, que as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de
grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde.
Apesar da facilidade da visualização gráfica dos DSS, na figura abaixo, e sua
distribuição em camadas, segundo seu nível de abrangência, o modelo não pretende
explicar com detalhes as relações e mediações entre os diversos níveis e a gênese das
iniquidades, mas ilustrar essas relações e mediações, para melhor percebê-las nos contextos
reais da vida em sociedade (BUSS, 2007, p. 83).
Objetiva substituir termos como “prevenção positiva” ou “prevenção por e para positivos”, a fim de evitar a
desumanização das pessoas por meio de rótulos. Englobando estratégias que visam proteger a saúde sexual e
reprodutiva e retardar a evolução da infecção pelo HIV, o termo inclui a promoção da saúde, acesso a serviços
de HIV e saúde sexual e reprodutiva, participação comunitária, advocacy e mudanças de políticas (UNAIDS,
2017, p. 21).
40
Como bem podemos observar na figura dos determinantes sociais, as pessoas estão
no centro do modelo, com suas particularidades de idade, sexo e fatores genéticos. Esses
fatores são condicionantes que influencia diretamente a saúde da população. Sob essa ótica
podemos observar a estreita relação entre a comunidade e a saúde.
vida, trabalho, entre outros contingentes. Nessa lógica, subentende-se que a herança
genética e a idade são permeadas por desigualdades toleráveis, ou seja, a saúde dos grupos
é distinta e nunca igual, exemplo disso, são as condições de saúde dos adolescentes que
diferem das condições de saúde dos adultos.
Outro aspecto importante a ser evidenciado são as condições de vida e trabalho
desses grupos. Ao passar dos anos podemos compreender que a saúde é determinada
socialmente. Isto nos remete que essas determinações são produtos das condições humana e
as condições de saúde não são iguais para todos, uns adoecem mais rápido e outros de
forma mais lenta.
Vale destacar também, de acordo com Buss (2007), que os DSS implicam em três
bases: a primeira é a intersetorialidade, considerando que a saúde está intimamente ligada
com as questões que envolvem a educação, a moradia, entres outros determinantes. A
segunda consiste na efetividade da participação social, no qual os indivíduos precisam
lutar pelos seus direitos, apoiando políticas que visam contribuir para mudanças nesse
cenário. A terceira é a informação sobre as redes de apoio, que são de suma importância,
pois é preciso conhecer a realidade da população para agir sobre os determinantes sociais
que a permeia.
Neste sentido, este tópico consiste em trazer, também, dados e informações do
trabalho realizado na disciplina de Pesquisa em Serviço Social e na experiência do Estágio
Supervisionado em Serviço Social. Para tanto, partiremos da discussão acerca da análise da
determinação social do “perfil dos usuários e suas patologias”, ressaltando as demandas
apresentadas pelos usuários, no Programa Municipal IST/AIDS, de Campos dos
Goytacazes, RJ - Centro de Doenças Infecciosas e Parasitárias (CDIP).
Ao analisarmos os dados do estudo, realizado através dos prontuários e do sumário
social25, identificamos que o CDIP atende mulheres e homens na mesma proporção e, na
faixa etária entre 30 a 40 anos.
O estudo apontou, também, um baixo nível de escolaridade, predominando o ensino
fundamental incompleto e, destes, 90% não realizaram nenhum curso profissionalizante e,
somente 10% dos usuários fizeram um curso profissionalizante.
25
Sumário Social é um resumo que abarca os aspectos da vida social e socioeconômica no que tange às
pessoas vivendo com HIV no CDIP. Esse documento foi elaborado pela equipe de Serviço Social do
Programa.
42
Este mostra ainda que, 80% dos usuários moram com os pais em domicílio próprio
e os 20% restante moram de aluguel. Suas necessidades básicas são supridas através do
Programa Bolsa Família e com ajuda de custo de seus familiares, amigos e igrejas.
A doença, por ser assintomática, até evoluir para AIDS, provoca a perda de peso,
sudorese noturna e infecções recorrentes, o que inviabiliza e fomenta a condição de
desemprego ou subemprego. O estudo realizado através dos prontuários mostra, ainda, que
100% dos usuários encontram-se desempregados.
Nessa conjuntura o desemprego associado a outros determinantes sociais também
afeta a saúde física e mental dos usuários. Dos prontuários analisados, observa-se que 90%
dos usuários do CDIP fazem tratamento com psicólogo por questões vinculadas ao
estigma, preconceito, ansiedade e depressão. A probabilidade de depressão em pessoas
infectadas é maior do que na população em geral, porém, lidar com o diagnóstico e com o
preconceito do HIV/AIDS não é uma tarefa fácil. Vivemos em um cenário que o desafio é
conviver com a doença. Por não conseguirem se inserir no mercado de trabalho, até mesmo
pelas doenças oportunistas, que aparecem em decorrência da infecção pelo vírus HIV, estes
se sentem fragilizados e excluídos socialmente.
Em uma realidade onde desigualdade social é estrutural, esses sujeitos não têm
conseguido garantir condições básicas de sobrevivência, como uma alimentação saudável,
moradia adequada, transporte, lazer, dentre outros.
Para Nogueira (2013), a perspectiva da determinação social da saúde sustenta-se nas
categorias trabalho e reprodução social da vida. As condições naturais, ambientais e
biológicas aparecem subordinadas a essas categorias, que fundam e estruturam as
necessidades em saúde. O pressuposto filosófico implícito é que as dimensões biológicas e
ambientais da vida humana estão “subsumidas” às características de cada sociedade, em seu
desenvolvimento histórico. A partir deste pensamento, compreende-se que as condições
sociais, viabilizadoras de saúde ou de doença, devem ser interpretadas, incorporando-se
numa multiplicidade de determinações – a síntese de múltiplas determinações, ou seja, “de
atribuições conceituais que, combinadas adequadamente, permitem transformar a ideia
abstrata da saúde em algo que expressa, antes de tudo, as condições concretas de trabalho e
de reprodução da vida” (CEBES, 2009, p. 58).
Esta acepção é central, pois afasta qualquer possibilidade de adesão às perspectivas
que abordam os DSS de forma abstrata, sem uma teoria explicativa acerca da sociedade e
43
sua forma de produção e reprodução social, adensando com formulações sobre relações
entre saúde, sociedade, economia, democracia e políticas públicas.
O estudo dos documentos, tais como, prontuários e sumário social do Programa
supracitado, mostra ainda que 100% dos usuários do CDIP já recorreram ao Benefício de
Prestação Continuada (BPC), porém, em alguns casos, estes foram negados. Esse benefício
representa a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa incapacitada para vida
independente e para o trabalho e independe de contribuições para a Previdência Social. Para
adquiri-lo, o usuário deve dirigir-se ao INSS - Perícia Médica do INSS - ou a equipe
multiprofissional do Sistema Único de Saúde - SUS, com o laudo do médico, descrevendo
a situação de saúde/doença.
O convívio com a dor (psíquica e social), além das sérias dificuldades financeiras
impostas pela incapacidade para o trabalho, pelo desemprego e pela dificuldade de acesso
aos benefícios previdenciários, mesmo quando se tem direito a estes, leva o indivíduo a
sentimentos de fracasso, irrealização, inutilidade e frustrações. Para tanto, no conjunto da
demanda para as políticas sociais públicas, sobretudo, para as que compõem a Seguridade
Social (Assistência Social, Previdência e Saúde), passam diariamente uma legião de
trabalhadores desempregados, subempregados e, em grande medida, esgotados na sua
capacidade para o trabalho. Eis aí um grande desafio para a luta coletiva dos/as Assistentes
Sociais e dos demais trabalhadores brasileiros.
O estudo mostra também, que além do HIV, o agravamento do processo de
adoecimento dos usuários é reflexo das expressões da questão social, que contribui e
coopera para o processo de deterioração da vida cotidiana dos pesquisados.
Os sintomas da infecção mais recorrentes provocados pelo vírus HIV variam em
suas formas, sendo de brandas a intensas tais como: febre, faringite manchas avermelhadas,
dores musculares, cefaleia, aumento de línguas, fadiga, insônia e diarreia. Esses sintomas
consistem na perda progressiva da função do sistema imune levando, no final, às infecções
oportunistas e às neoplasias. O HIV é o vírus e a AIDS é a doença. O tempo de progressão
da doença da infecção inicial ao desenvolvimento da AIDS é de aproximadamente 10 anos.
As principais infecções apresentadas nos prontuários analisados são denominadas
infecções oportunistas, onde 80% tiveram tuberculose e pneumonia; 20% candidíase e
10% herpes zoster, mesmo durante o tratamento. A tuberculose é certamente uma das
infecções mais comuns no curso da infecção pelo HIV.
44
dessas questões objetivas, é importante destacar que estes enfrentam outros desafios
subjetivos como, vencer o estigma, o preconceito e o medo, provocados pela doença, na
perspectiva de superar as limitações apresentadas pelo vírus HIV, respeitando o tempo do
tratamento para alcançarem uma vida de qualidade.
Diante disso, falar de determinante social da saúde remete-nos a refletir sobre esses
determinantes, como expressões da questão social, tendo em vista que os mesmos
encontram-se no campo das questões sociais e políticas contemporâneas. É imprescindível
ressaltar as expressões da questão social, como objeto de trabalho do Assistente Social e,
compreender, o preconceito, o medo, a rejeição e a discriminação contra as pessoas que
vivem com HIV -, como um determinante social da saúde que precisa ser enfrentado,
considerando que a atuação profissional consiste em práticas interventivas que tenham
como finalidade a defesa dos direitos humanos.
26
O termo estigma vem da palavra grega que significa marca ou mancha, e se refere a crenças e/ou atitudes.
O estigma pode ser descrito como um processo dinâmico de desvalorização que deprecia significativamente
46
um indivíduo na opinião de outros. Por exemplo, dentro de determinadas culturas ou contextos, certos
atributos são definidos por outrem como sendo vergonhosos ou impróprios. Quando o estigma é colocado em
prática, o resultado é a discriminação. A discriminação é qualquer tipo de distinção, exclusão ou restrição
arbitrária que afeta uma pessoa, geralmente (mas não exclusivamente) em virtude de uma característica
pessoal. (UNAIDS, 2015, s/p.)
47
enfrentando os embates que poderão transformar esses processos que produzem estigma e
preconceito e que se colocam como um dos maiores inimigos da saúde das pessoas que são
acometidas pela sorologia do HIV na contemporaneidade.
No processo de compreender e reconhecer os impactos do estigma e preconceito na
vida das pessoas vivendo com HIV/AIDS, no CDIP de Campos dos Goytacazes, traremos
também, nossas análises a partir dos resultados do Projeto de Intervenção, como
mencionado anteriormente, na perspectiva de uma percepção sobre o abandono de
tratamento dos adolescentes portadores de HIV/AIDS nesta instituição.
Essa atividade se deu por meio de pesquisa documental, sistematização dos dados,
atualização dos prontuários, contato com os usuários, busca ativa e reuniões mensais, de
agosto a novembro de 2018, sendo possível realizar uma análise sobre os possíveis motivos
que levariam o adolescente a abandonar o tratamento, apesar das intervenções profissionais
de vários saberes para evitar esse processo.
Iniciamos a implementação do Projeto de Intervenção com a “busca ativa” dos
usuários jovens do CDIP, com o objetivo de se alcançar uma melhor adesão, dos mesmos,
ao tratamento. Primeiramente, foi organizada uma planilha com as etapas necessárias a
serem cumpridas no projeto, na qual, foi estabelecido, previamente, quando seriam feitas as
ligações e as reuniões do Grupo Jovem Protagonista27.
A busca ativa, foi realizada pelas estagiárias anteriormente supracitada em
consonância com as Assistentes Sociais e supervisores de campo, do CDIP, no sentido, não
só de programar a implementação do projeto na instituição, como também, de buscar
soluções para questões que porventura se apresentassem ao longo do planejamento e
execução do mesmo. Vale ressaltar que o estágio se constituiu em um importante
canalizador de conhecimento e de integração do aluno com a realidade social dos sujeitos
acompanhados no CDIP.
Para atender as necessidades do projeto, foram feitos levantamentos nos prontuários
dos pacientes, dentro da faixa etária estabelecida, de 14 a 21 anos, no total de 78
prontuários. A partir desses levantamentos, construímos uma lista com os nomes dos
usuários jovens, faltosos ao tratamento, juntamente com o telefone correspondente, para
estabelecer contato com o usuário. Nessa coleta de dados, o objetivo foi anotar o número de
prontuário de cada usuário, seu nome e telefone de contato, além de consultar as
27
Grupo Jovem Protagonista é um grupo de jovens e adolescente que tem como finalidade manter diálogo de
forma clara e educativa promovendo aos mesmos, momentos propícios para troca de experiências, bem como,
contribuir para melhor adesão do tratamento.
49
demandas trazidas pelos usuários para decifrar as particularidades da questão social, uma
vez que dentro desses espaços cada profissional não atua de forma isolada.
Neste sentido, esse trabalho foi feito em conjunto com os diferentes setores do
CDIP, da equipe técnica até a recepção, nos auxiliando na busca ativa e entregando
convites aos responsáveis dos adolescentes. Nos dias de encontros, solicitamos a
participação da médica responsável, durante as consultas, convidando os adolescentes para
as reuniões do Grupo.
Reconhecemos, no entanto, que para a continuidade do Projeto, será necessário
ainda mais estreitamento de laços com a equipe técnica e com a Coordenação do Programa,
para que, em conjunto, tendo conhecimento da importância dessa intervenção, possamos
alcançar mais adolescentes inseridos e não aderidos ao tratamento.
Reuniões mensais entre as Assistentes Sociais e a equipe técnica é um passo que se
faz necessário na instituição, para não somente reafirmar a importância do Serviço Social
nesse contexto, mas para se fazer perceber, pela equipe, que as questões de saúde versus
doença vão além da relação médico e paciente.
É notório que a síndrome do HIV põe em fragilidade os indivíduos e, por isso,
certamente os apavora causando o isolamento e a exclusão. Os depoimentos nos
atendimentos no CDIP, nos mostraram que os mesmos têm vivido a constante luta pela
superação do preconceito. As experiências discriminatórias podem afetar a saúde por meio
de três mecanismos:
1. Em primeiro lugar, as experiências discriminatórias podem ter efeito direto sobre a
saúde, ocasionando a manifestação de condições de saúde mental adversa como, por
exemplo, sintomas depressivos, ansiedade e diminuição de bem-estar subjetivo,
entre outras. Os estados de saúde mental negativos constituem por si só, desfechos
adversos de saúde, que também podem contribuir para piores condições físicas de
saúde;
2. Além disso, os efeitos patológicos da discriminação podem ser igualmente
mediados por alterações psicofisiológicas que provocam, entre as quais, a
manifestação de estado emocional negativo, aumento e maior variabilidade da
frequência cardíaca e a produção crônica de hormônio envolvido na resposta ao
estresse;
3. Finalmente, as experiências discriminatórias podem influenciar os comportamentos
relacionados à saúde. Neste caso, a discriminação faz com que os indivíduos adotem
53
Para tanto, é necessário ler a realidade social para além do imediato, com apoio de
certo arcabouço teórico-metodológico e ético-político, a fim de promover mediações e
estratégias de prevenção à saúde, minimizando os danos e riscos provocados pelos
impactos do estigma e preconceito na saúde dos indivíduos.
Trabalhar a temática HIV consiste em refletir acerca das diversas demandas que são
apresentadas no exercício profissional do Assistente Social, frente aos desafios propostos
no cotidiano da profissão no campo da saúde. Para tanto, é necessário conhecer os
determinantes sociais para enfrentá-los, articulando ações de prevenção contra os possíveis
agravos causados por diversas dimensões no que tange aos aspectos físico, social e
psicológico desses acometidos. Nessa lógica, é necessário compreender o exercício
profissional no cerne desses embates, tendo como orientação o Projeto Ético-Político e os
parâmetros da atuação profissional do Assistente Social no campo da saúde.
57
Segundo a autora Bravo (1996), “[...] para a análise do Serviço Social e Saúde na
atualidade é necessário recuperar os avanços e lacunas ocorridos na profissão a partir dos
anos de 1980”, considerando que nesse período há uma reviravolta na questão da prática
profissional sobre a nova perspectiva de saúde, que visa atingir uma maturidade, rompendo
com os paradigmas estabelecidos e objetivando uma nova direção social baseado na
interlocução marxista. No entanto, os avanços conquistados, a partir dos anos 90, são
considerados insatisfatórios, com uma incipiente alteração do trabalho institucional e com a
categoria ainda desarticulada do Movimento da Reforma Sanitária. (CEFSS, 2010, p. 25).
Sobre essa lógica, cabe salientar que o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta-se
na Constituição Federal de 1988 como um forte marco no que tange a saúde no Brasil.
Esse momento traz muitos avanços, pois elenca novas perspectivas de saúde tal como se
destaca na afirmação da saúde como política social - Saúde direito de todos e dever do
Estado -, bem como, a relação saúde-doença para além dos aspectos biopsicossociais, mas
como um processo socialmente construído. A Constituição de 1988 elenca avanços
significativos por promover mais cidadania, democracia e garantia de direitos, como
padrão central que promoveram leis de amparo as políticas e programas para toda
população.
Nesse sentido, os Assistentes Sociais que trabalham em um cenário de tensões e
contradições, necessitam atuar no aprofundamento da realidade, sob um viés mais
macrossocial, fundamentado em uma lógica crítica das relações sociais que os permeiam
e, de acordo com Osvaldo (2015), a especificidade do Serviço Social no âmbito da saúde
consiste em sua premente competência de intervir no cerne dos fenômenos sociais,
culturais e econômicos, apresentados no cotidiano do exercício profissional, nesses
espaços sócios ocupacionais que diminuem a recuperação na saúde dos indivíduos.
Na década de 1990, o Serviço Social emerge na perspectiva da defesa em relação
aos direitos humanos, pois a prática profissional revela diversas demandas no que tange aos
60
De acordo com Kern (2005) atuar nessa temática e nos processos interventivos no
que tange a sorologia do HIV, consiste em estabelecer uma luta severa, por se tratar de
demandas que requerem conhecimento e comprometimento profissional. Nessa lógica, faz
necessário munir-se de informações acerca das demandas cotidianas para trabalhar com as
diversas situações de fragilidade, que se apresentam no cotidiano do trabalho. Portanto, é
válido ressaltar que a constituição do Serviço Social enquanto profissão está diretamente
vinculada às demandas oriundas das contradições produzidas pelo conjunto das relações
sociais de produção e reprodução da sociedade capitalista, especificamente, em sua fase
monopolista.
Como bem nos assegura Ceolin (2004), é nesse movimento processual de
desenvolvimento da sociedade capitalista, paralelo ao agravamento das contradições e
tensões a ela inerentes, materializada e expressa na questão social, que a prática do Serviço
Social se institucionaliza.
Desta forma, o desafio do Serviço Social consiste em enfrentar os grandes embates
que permeiam a epidemia no cerne do cotidiano profissional. Desse modo, sobretudo, ter
uma escuta sensível, buscando entender a totalidade das demandas apresentadas pela
questão social, indo além do pragmatismo e do imediatismo cotidiano, muitas vezes, postos
através das muitas implicações no que tange às precarizações do trabalho nas instituições.
63
As solicitações requisitadas pelas pessoas vivendo com HIV se tornam cada vez
mais desafiadoras. Para tanto, é fundamental a sintonia do Assistente Social com a
formação continuada, bem como, uma postura alinhada com a materialização do Projeto
Ético-político, com a regulamentação da profissão (Lei 8662/93) e com o Código de Ética
da profissão.
As questões prementes no que tange a síndrome do HIV nos remete a tarefa de
repensar a prática enquanto profissão na atualidade, bem como, as especificidades da
profissão. De acordo com Martinelle (1999) as particularidades do fazer profissional, não
devem ser pensadas como exclusividade, mas, através de uma peculiar aproximação com a
realidade a fim de construir ações e estratégias de mediações. (KERN, 2005, p. 75).
A partir dessas concepções elencadas podemos entender que a prática dos
Assistentes Sociais consiste em captar o que há de social, relacionado a questão da saúde,
buscando um reexame dos valores éticos e políticos, quanto ao modo de pensar e agir das
pessoas soropositivas.
Para KENR (2005) existe certa especificidade referente à prática profissional do
Serviço Social, no sentido de mergulhar-se na vida das pessoas, diferentes das demais
profissões. O Assistente Social se aprofunda em conhecer o que está por “trás das cortinas”,
reconhecendo a subjetividade dos sujeitos e o enfrentamento das suas perdas materiais, bem
como, da desvinculação das suas relações sociais.
Diante disso, à luz do Código de Ética do/a Assistente Social, que tem como um dos
seus princípios, o “compromisso com a qualidade dos serviços”, cabe ao Assistente Social
trabalhar com a realidade concreta, tentando compreender o que a determina essa realidade
e, assim, traçar estratégias para o seu enfrentamento. Entende-se nessa lógica, que o
Assistente Social comprometido com o projeto hegemônico da profissão, deve buscar a
superação de práticas fragmentadas, fragilizada e imediatistas que rondam seu cotidiano.
Deste modo, é necessário a intervenção do Serviço Social, juntamente com a equipe
multidisciplinar do CDIP de Campos dos Goytacazes, para que,
64
28
BIS - Boletim do Instituto de Saúde, nº 34, de dezembro de 2004. Ver:
http://www.saude.sp.gov.br/resources/instituto-de-saude/homepage/bis/pdfs/bis_n34.pdf.
29
As ações socioeducativas e/ou educação em saúde não devem pautar-se pelo fornecimento de informações
e/ou esclarecimentos que levem a simples adesão do usuário, reforçando a perspectiva de subalternização e
65
As autoras acima advertem que é preciso estar alerta às ciladas, pois, é bem comum
na prática dos Assistentes Sociais, acreditar que as mudanças no que tange aos princípios
de autonomia, emancipação e participação, sejam condições suficientes para que o Projeto
Ético-Político da profissão se efetive nas práticas socioeducativas.
controle dos mesmos. Devem ter como intencionalidade a dimensão da libertação na construção de uma nova
cultura e enfatizar a participação dos usuários no conhecimento crítico da sua realidade e potencializar os
sujeitos para a construção de estratégias coletivas. Dessa forma, tem-se por objetivo a consciência sanitária,
conceito fundamental da Reforma Sanitária. Para Berlinguer (1978, p. 5), consciência sanitária é concebida
como a tomada de consciência de que a saúde é um direito da pessoa e um direito da comunidade. Como esse
direito é sufocado e esse interesse descuidado, consciência sanitária é a ação individual e coletiva para
alcançar esse objetivo. As forças sindicais e políticas podem ter, dependendo da orientação e dos
instrumentos, um papel relevante na formação da consciência sanitária (LIMA e MIOTO, 2011).
66
É através das práticas educativas desenvolvidas pelo Serviço Social nas instituições
que se fomenta, portanto, a socialização das pessoas vivendo com HIV, bem como, das
pessoas que convivem com os mesmos, já que estes se excluem por medo de revelar o
diagnóstico.
Quanto maior a informação menos se evidencia o estigma e o preconceito
arraigados na sociedade. A realização de grupos de apoio e/ou adesão, no contexto do
trabalho com a questão do HIV/Aids, bem como, da sala de espera, nesses espaços, são
práticas educativas que visam à socialização das informações acerca dos direitos, de melhor
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, Jamile Silva de Oliveira; ANDRADE, Laurinete Sales de. Serviço Social e o
SUS: Desafios na prática do Assistente Social. Serv. Soc. & Saúde, Campinas, SP, V.3,
n.1 (17) / p. 111/126, jan./jun. 2014.
CORRÊA, Débora Calais Oliveira; LIMA, Ana Maria Costa Amoroso; SILVA; Heloisa
Helena da. O PROGRAMA MUNICIPAL DE DST/AIDS E SUA GESTÃO NO
MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA/MG: LIMITES E POSSIBILIDADES. Revista
Libertas, Juiz de Fora, v.3, n.2, p.127-147, jan-jun/2009 - ISSN 1980-8518. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/libertas/article/view/18183/9434. Acessado em:
dezembro 2018.
HOPEWELL PC. A clinical view of tuberculosis. Radiol Clin North Am. 1995 Jul;
33(4):641-53. Review. PubMed PMID: 7610236. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7610236. Acesso em: dezembro 2019.
IMAMOTO, Marilda Villela. Capital fetiche: Questão Social e Serviço Social. In:
Serviço Social em tempo de capital fetiche - capital financeiro, trabalho e questão social, 2ª.
Ed. São Paulo: Cortez, p. 155-208, 2008.
__________. Serviço Social na Cena Contemporânea. In: Serviço Social: direitos sociais
e competência profissional. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
KRÜGER, Tânia Regina. Serviço social e Saúde: espaços de atuação a partir do SUS.
Serv. Soc. & Saúde, Campinas (SP) v. 13, n. 1: jan./jun. 2014.
78
LIMA e COSTA, Maria Fernanda F.; SOUSA, Rômulo Paes. Qualidade de Vida:
compromisso histórico da epidemiologia. Belo Horizonte: COOPEMED / Rio de Janeiro:
ABRASCO, 1994. Cad. Saúde Pública, vol.11, no.1, Rio de Janeiro, Jan./Mar. 1995.
_____________. Garantia de tratamento para todos reduz em 16% os óbitos por Aids
no país. Disponível em: http://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/44782-garantia-
de-tratamento-para-todosreduz-16-casos-e-obitos-de-aids-no-pais. Acessado em: novembro
de 2019.
MONTEIRO, Simone; VILLELA, Wilza. Estigma e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013.
SANTOS, Marta Alves; SENNA. Mônica de Castro Maia. Educação em Saúde e Serviço
Social: instrumento político estratégico na prática profissional. In: Revista Katálysis:
Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 439-447, set/dez. 2017. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-4980020170003000439escript=sciabstract>>.
Acesso em: 08 de agosto 2019.
SEIDL, Eliane Maria Fleury; RIBEIRO, Tânia Renata Alves; GALINKIN, Ana Lúcia.
Opiniões de jovens universitários sobre pessoas com HIV/AIDS: um estudo
exploratório sobre preconceito. Psico-USF, vol. 15, n. 1, p. 103-112, jan/abril, 2010.
Universidade de Brasília. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusf/v15n1/11.pdf.
Acessado em: novembro 2019.
SILVA, Maria Lucia Lopes. Um novo fazer profissional. In: Capacitação em Serviço
Social e políticas sociais. Módulo 04. Brasília. NED/CEAD, Universidade de Brasília -
UnB, 1999.
UNAIDS - 90-90-90. Uma meta ambiciosa de tratamento para contribuir para o fim da
epidemia de AIDS. Disponível em: https://unaids.org. br/wp-
content/uploads/2017/07/2017_07_19_RelatorioUNAIDS_2017_PressRelease_PORT-1.
Pdf. Acessado em: maio 2019
81