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NATAL/RN
2020
LUAMAR MARIA DA SILVA MENDES
NATAL/RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Aprovado em ___/___/2020
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Profa. Dra. Daniela Neves de Sousa
__________________________________________
Profa. Dra. Antoinette de Britto Madureira
__________________________________________
Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira
RESUMO
O presente estudo teve por objetivo mostrar como a mídia televisiva, como veículo de
informação, tem um grande papel na formação de opinião em nossa sociedade, e
como a televisão vem alimentando os processos ideológicos de criminalização da
classe trabalhadora. Realizamos uma análise sócio-histórica do Brasil para identificar
a gênese da criminalização dessa classe social vulnerável e diretamente afetada pelo
sistema capitalista de produção. Seguindo essa linha, exploramos as questões do
racismo, da pobreza e da exclusão social e de raça no país, que não se restringem a
meros conceitos. Assim, com base em pesquisas e apresentação de dados indicamos
a forte influência que os veículos de informações modernos, como televisão e internet,
têm a partir do momento em que expõe fatos diários criminalizando a pobreza à
população. Partindo também de dados empíricos, foi realizada uma análise a respeito
dos programas de cunho policialescos, realçando além da estrutura desse jornalismo,
um estudo do programa em si, destacando notícias e comentários. Analisamos, por
meio de entrevista, a percepção de algumas pessoas desse segmento criminalizado
da população e que é diretamente atingido com o discurso de ódio que tende a ser
propagado, partindo do ponto de vista da parcela social que ouve e repassa o discurso
– tornando-o senso comum. Dessa forma, tendo como base em uma pesquisa
bibliográfica e empírica feita do decorrer de quatro meses (agosto a novembro),
concluímos que há uma decisiva influência do discurso da mídia televisiva para
alimentar historicamente os processos de criminalização de pobres e negros/as no
Brasil.
This present study aims to show how the media, as a vehicle for information, has a
great role in shaping opinion in our society, and how television has been fueling the
ideological processes of criminalizing the working class. We conducted a socio-
historical analysis of Brazil to identify the genesis of criminalization of this vulnerable
social class and directly affected by the capitalism production system. Following this
line, we explore the issues of racism, poverty and social and race exclusion in the
country, which are not restricted to mere concepts. Thus, based on research and data
presentation, we indicate the strong influence that modern information vehicles, such
as television and internet, have from the moment they expose daily facts criminalizing
poverty to the population. Also starting from empirical data, an analysis was carried
out regarding police-related programs, highlighting, besides the structure of this
journalism, a study of the program itself, bringing out news and comments. We
analyzed, through an interview, the perception of some people from this criminalized
segment of the population and who is directly affected by the hate speech that tends
to propagated, starting from the point of view of the social portion that hears and
passes on the speech – becoming common sense. Therefore, based on a bibliographic
and empirical research carried out over four months (august to november), we
conclude that there is a decisive influence of the discourse of the television media to
historically feed the criminalization processes of poor and black people in Brazil.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08
CAPÍTULO 1 – O FORTALECIMENTO DA MÍDIA E A HISTORICIDADE DA
CRIMINALIZAÇÃO ................................................................................................... 10
1.1 Mídia, influência e poder ............................................................................................ 10
1.1.1 A evolução das mídias digitais e seu consumo na sociedade .................................... 10
1.1.2 A influência da mídia televisiva .................................................................................. 12
1.1.3 A televisão como formadora de opinião ..................................................................... 15
1.2 As circunstâncias do processo da criminalização e a reação do estado .................... 17
1.2.1 A gênese da criminalização e teorias raciais no Brasil ............................................... 17
1.2.2 Problemas sociais: as circunstâncias ......................................................................... 22
1.2.3 Estado e criminalização ............................................................................................. 25
CAPÍTULO 2 – A IMPLICAÇÃO DIRETA DA MÍDIA NA CRIMINALIZAÇÃO DO
POBRE E NEGRO E ANÁLISE DOS PROGRAMAS TELEVISIVOS E ENTREVISTA
.................................................................................................................................. 33
2.1 Mídia e criminalização do pobre ....................................................................... 33
2.1.1 Jornalismo policialesco e perfil desses programas no Brasil ............................ 35
2.1.2 A criminalização televisionada ......................................................................... 37
2.2 Análise dos noticiários e entrevistas ................................................................ 41
2.2.1 Manchetes dos noticiários televisivos e comentários dos telespectadores ...... 42
2.2.2 Análise das entrevistas realizadas para a pesquisa ......................................... 46
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 57
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 59
APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA .......................................................... 65
8
INTRODUÇÃO
1O presente trabalho focou-se numa análise a respeito da televisão e internet, visto serem os meios
de informação em massa mais utilizados na atualidade.
9
3 Quantidade de dados determina o período em que o usuário pode usar a rede, podendo ser renovado
posteriormente ou não.
4 Unidade usada para medir a velocidade da internet.
5 Aplicativo de troca de mensagens instantâneas e comunicação em vídeo através do uso da internet.
6 Durante a Revolução Francesa, a mídia em questão se tratava da imprensa que circulava entre a
como um poder “alternativo” do Estado. Essa época foi de grande marco para a
história da comunicação, segundo Briggs & Burke (2006) “a Revolução foi boa para a
imprensa, pois havia grande número de notícias interessantes para publicar, e não
faltavam leitores”. A partir de então e até hoje, a imprensa e toda a mídia passou a ser
conhecida pelo termo “quarto poder”, mantendo esse status como uma alusão aos
três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Porém, ao se referir ao “quarto
poder”, é preciso ressaltar que esse “poder” não foi concedido democraticamente
como os três reais citados anteriormente. O termo foi dado de forma autônoma e se
consolidou por tamanha força ideológica e social à mídia aferido.
Diante disso, é possível entender a grandeza da mídia na sociedade, que usa
seus meios como forma de influência aos seus espectadores. Guillermo Orozco
Gómez, afirma:
7 O materialismo histórico foi criado pelos filósofos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895), e trata-se de uma corrente teórica que estuda a história por meio da relação entre a
acumulação material e as forças produtivas. Para os autores, as mudanças sociais que ocorrem na
sociedade são fruto dessa conquista material.
16
a economia do Brasil foi pautada sobre o uso da mão-de-obra escrava. Assim, Sodré
pontua:
construindo pequenas casas com material fajuto, uma vez que os preços de moradias
– determinados pelo governo – eram de elevado custo. É dessa maneira que nascem
as primeiras favelas no Rio, com essa população altamente excluída e marginalizada.
É no contexto de abolição da escravatura, no Brasil em 1888, que as teorias
raciais vão surgir. Todavia, mesmo a constituição considerando todos iguais perante
a lei, as teorias vão reafirmar a inferioridade dos negros. Gileno (1997) diz:
(...) parasitas, indigentes, criminosos, doentes que nada fazem, que vegetam
nas prisões, hospitais, asilos; (dos) que perambulam pelas ruas, vivendo da
caridade pública; (dos) amorais, (dos) loucos que enchem os hospitais, (da)
mole de gente absolutamente inútil que vive do jogo, do vício, da libertinagem,
do roubo e das trapaças (KEHL apud LOBO, 1997, p. 147)
(...) são as favelas, uma das chagas do Rio de Janeiro, na qual será preciso,
num dia muito próximo, levar-lhes o ferro cauterizador (...), a sua lepra suja a
vizinhança das praias e os bairros (...). A sua destruição é importante não só
sob o ponto de vista da ordem social e da segurança, como sob o ponto de
vista da higiene geral da cidade, sem falar da estética. (Prefeitura do Distrito
Federal, 1930, apud COIMBRA, p. 09)
contexto que damos início ao século atual. Hodiernamente – século XXI – enfrentamos
uma crise do capital que vem deixado marcas na sociedade e em países com maior
nível de desigualdade social, que é o caso do Brasil. De acordo com Antunes (1999),
a crise do capital se expressa destruindo a força humana que trabalha, acabando com
os direitos sociais e transformando em predatória a relação existente entre
produção/natureza. Isto posto, podemos dizer que essa instabilidade no sistema afeta
diretamente a vida da classe trabalhadora brasileira, gerando uma sucessão de
eventos: uma vez que grandes empresas correm risco de perder seu lucro, isso
ocasiona um grande quadro de demissão da classe operária, o que, por
consequência, resulta em dois fenômenos: mais exploração e alta taxa de
desemprego. Ambos, frutos do capitalismo.
Até aqui é inegável notar o fato de que o sistema capitalista de produção não
esconde nenhum de seus fundamentos, principalmente que é calcado na exploração
e o seu suporte à classe burguesa. Mesmo tentando camuflar essa realidade, ao fazer
uma análise a respeito, torna-se notório. Portanto, podemos ver que a classe operária
é continuamente golpeada por essa organização, dispondo de condições precárias de
vida e trabalho, mais uma vez resultando na criminalização e marginalização
do indivíduo.
Almeida (2018) afirma:
9 A Fundação Rosa Luxemburgo é uma instituição de formação política com escritórios na África,
América, Ásia, Europa e Oriente Médio. A organização procura contribuir para a construção de uma
sociedade mais democrática e igualitária, promovendo pesquisa, reflexão e debate sobre alternativas
ao capitalismo.
28
Essa é uma dura realidade enfrentada nas entranhas do dia a dia do povo
brasileiro. Mais uma vez podemos analisar a presença do racismo estrutural, nas
instituições, perpassando assim o âmbito da ação individual, e se vinculando à ordem
social. Dessa maneira, conclui-se que o racismo é inerente à ordem social (ALMEIDA,
2018).
A Lei N° 11.343 – que regulamenta o consumo, venda e porte ilegal de drogas
como crime – sancionada em 23 de agosto de 2006, no seu capitulo III (dos crimes e
das penas), o artigo 28 afirma que: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes
penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à
comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.” Dando continuidade, o parágrafo 2 diz: “§ 2º Para determinar se a droga
se destinava a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da
substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente.”
Isto é, a constituição brasileira afirma que para determinar se o indivíduo é
consumidor ou traficante, é necessário levar em conta as condições sociais daquela
pessoa, juntamente com a análise do local onde a abordagem foi feita, também é
preciso verificar os antecedentes criminais. A partir dessa ação, é fácil perceber como
o próprio Estado criminaliza a pobreza, notamos aqui a discriminação operante,
definindo os lugares propensos ao tráfico de drogas. Assim, podemos analisar que o
preconceito e a criminalização são previstos por lei.
O G1 é um portal online de divulgação de notícias da Rede Globo, este é um
dos canais mais usados pela população afim de obter informação rápida e atualizada
sobre o país e o mundo. Porém, algumas manchetes chamam atenção ao descrever
a mesma situação com pesos diferentes. Uma das manchetes diz: “Polícia prende
jovens de classe média com 300 kg de maconha na Tijuca”10, porém diversas outras
notícias divulgadas pelo portal têm manchetes como: “Polícia prende dupla de
10
G1. Polícia prende jovens de classe média com 300 quilos de maconha. Disponível em
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/videos/t/todos-os-videos/v/policia-prende-jovens-de-classe-media-
com-300-quilos-de-maconha-na-tijuca/4067779/ Acesso em: 24 de setembro de 2020
29
traficantes que portava 10 kg de maconha na zona oeste de Boa Vista” 11ou “Polícia
prende traficante com 10 kg de maconha em Fortaleza”12. Ao decorrer da leitura das
notícias, podemos ver que as duas últimas se trata de pretos periféricos. Todavia,
esse tipo de notícia veiculada pela mídia é muito comum no Brasil.
O jornal online, El País, também publica algumas manchetes como: "A cocaína
que viajava no avião da comitiva de Bolsonaro”13, “Militar da comitiva de Bolsonaro é
preso com cocaína”14 ou "FAB intercepta avião com 500 kg de cocaína que decolou
da fazenda da família de Blairo Maggi”15. É comum que os noticiários tanto escritos
quanto televisionados velem informações quando se trata da elite brasileira. Com as
manchetes apresentadas é possível perceber que há uma manipulação na forma de
expor, onde as pessoas culpadas pelo tráfico de drogas não são expostas, ou até são
“livres” da culpa, que é transferida para terceiros, por exemplo, para o avião. Ao
decorrer da notícia sobre a apreensão de 500 kg de cocaína pela FAB – que tem o
ex-candidato à presidência da república, Aécio Neves, envolvido – um trecho dessa
diz: “A Força Aérea Brasileira (FAB) interceptou um avião que transportava 500 quilos
de cocaína em Goiás na tarde de domingo, 25. Segundo a FAB, a aeronave decolou
da Fazenda Itamarati Norte, no município de Campo Novo do Pareceis (MT)”.16 Nesse
fragmento há uma tentativa mascarada de persuasão para inocentar os responsáveis
pelo crime, melhor dizendo, os traficantes. Assim, é possível perceber a existência de
uma aliança entre o Estado e a mídia. Para o Estado então, o que define o indivíduo
11
G1. Polícia prende dupla de traficantes que portava 10 kg de supermaconha na Zona Oeste de Boa
Vista. Disponível em https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/01/03/policia-prende-dupla-de-
traficantes-que-portava-10-kg-de-supermaconha-na-zona-oeste-de-boa-vista.ghtml Acesso em: 24 de
setembro de 2020
12
G1. Polícia prende traficante com 10 quilos de maconha em Fortaleza. Disponível em
http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/03/policia-prende-traficante-com-10-quilos-de-maconha-em-
fortaleza.html Acesso em: 13 de setembro de 2020
13 ELPAÍS. A cocaína que viajava no avião da comitiva de Bolsonaro. Disponível em
como criminoso é a cor da sua pele, um branco, mesmo com um número exorbitante
de carga de drogas em um avião, é inocentado e dispõe da droga para uso próprio,
porém, um negro com cem vezes menos do volume em uma mochila, é um traficante.
As práticas de atos criminosos, como roubos ou tráfico de drogas, são
associadas diretamente à pobreza, principalmente aos moradores de favelas. Essa
população, majoritariamente excluída, é vista como "inútil" ao capital, o que passa a
se tornar um constante perigo para a sociedade burguesa. Como visto, o Estado
criminaliza jovens pobres e negros, além de reproduzirem o discurso para a
sociedade, por meio da mídia, perpassando a sensação de medo e insegurança. Isso
produz desconfiança e reafirma ainda mais as desigualdades. Os alvos mais comuns
dessa criminalização apontada são jovens negros, pobres, população de rua e os
movimentos sociais. Com base nisso, podemos perceber o estigma sendo destacado.
O estigma social se define quando seu portador é designado como não
qualificado. Goffman (2004), esclarece como a “situação do indivíduo que está
inabilitado para aceitação social plena”. Assim, o estigma vai cumprir a função de
designar os pertencentes a um grupo e os que não são. Dessa maneira, torna-se
acessível compreender a "ameaça" a qual essa classe significa para a parte
privilegiada da sociedade. Os negros, pobres, marginalizados os quais falamos, são
um exemplo de estigma. Estes sofrem consequências, uma vez que são
desvalorizados, tidos como inferiores pela classe opressora, além de serem negados
os direitos e oportunidades. É comum e corriqueiro que a classe estigmatizada
apareça nas mídias como os autores de atos criminosos, sendo apanhados de
maneira imediata e preconceituosa, associados à prática do crime. Assim, a definição
de criminalização faz conexão sobre o quão suscetível essa classe vive. Sempre
acusados por crimes, ainda que inocentes.
Como se observa, a questão social no Brasil se expressa das mais variadas
maneiras, essas se expandem cada vez mais e afetam diretamente a vida dos
brasileiros. Exclusão e desemprego, como umas dessas expressões, fomentam o
grande cenário brasileiro que enclausura milhões de pessoas: portanto, como ser
pobre e sobreviver no Brasil?
A urbanização no Brasil tomou força na segunda metade do século XX,
alcançando a grande crise do capital no final dos anos 70, o que resultou num grande
porcentual de desemprego. Assim, parte da população não absorvida pelo emprego
formal, acabaram por adotar novas estratégias de sobrevivência. Foi então que o
31
unhas à domicílios e diversas outras maneiras. O Estado, por sua vez, argumenta o
problema desse mercado informal para a economia do país: estes não pagam
impostos, ou seja, além de não contribuírem com essa arrecadação tributária, ainda é
“desleal” fazer vendas nessa situação, visto a injustiça com as empresas
regulamentadas.
Outra pesquisa do IBGE (2018), apresenta em dados que o trabalhador sem
registro na carteira ganha em média 44% menos que o empregado formal. Assim,
além da falta de garantias como: 13° salário, férias remuneradas, licença maternidade,
licença paternidade, depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e
seguro-desemprego; o indivíduo que por questões de subsistência se insere no
mercado informal quase sempre trabalha horas a mais do que previsto para o
trabalhador formal, e ganha menos. Mesmo diante disso, o Estado ainda criminaliza
diariamente esses trabalhadores, apreendendo suas mercadorias por pirataria (que é
crime), fechando pontos de venda de água nas calçadas ou na praia (pois é proibido)
ou expulsando agrupamentos de pessoas de pedaços de terra para morar ou plantar
(pois se configura crime organizado). Visto isso, é possível concluir que a
informalidade é fruto de um sistema tributário e burocrático profundamente opressor,
sobrecarregado de regulações e obstáculos que impossibilita os setores menos
favorecidos da sociedade a participar, marginalizando ainda mais os pobres que
constantemente lutam para se manterem vivos dentro de um sistema hostil.
33
Diante disso, é de grande pertinência que a partir daqui seja desenvolvida uma
análise correlacionando qual a imagem do pobre, preto e morador de periferia
apresentada pelas mídias, principalmente nos programas policialescos diários, e sua
interferência na opinião da massa social receptora.
35
17Adiante será elucidado, de maneira mais particularizada, a respeito do perfil de cada programa
apresentado nesse trecho.
36
Romão (2013), ao falar da estrutura básica desses programas, observa que esse
jornalismo pode ser dividido em três categorias principais, sendo cada uma delas
responsável por uma função especifica dentro da estrutura. Dessa forma, ele aponta
as categorias como: 1) o sensacionalismo (a captura da atenção dos telespectadores),
2) a construção da credibilidade (elementos que constroem a credibilidade e
autoridade dos programas) e 3) a visão de mundo do jornalismo policial (visão
apresentada dentro dos programas). O autor ainda cita as subcategorias que cada
uma dessas engloba, por exemplo: a dramatização, a ênfase de imagens, as figuras
de linguagem, a repetição na fala e a violência exacerbada, como parte do
sensacionalismo; o hiper-realismo, os depoimentos de autoridades, a postura
imponente do apresentador e o tom do discurso, constroem a credibilidade do
programa, e por fim, a realidade hostil apresentada, juntamente com a solução que
esses programas induzem: punição e agressividade por parte do Estado, como os
elementos de visão de mundo dos programas. Diante do exposto, é possível
compreender por onde esse tipo de jornalismo corre e as inteligíveis formas de
manipulação da massa.
O programa Cidade Alerta, é um grande exemplo desse telejornal policialesco,
cumprindo à risca as categorias e subcategorias pontuadas em sua apresentação. O
programa é exibido pela Rede Record, na TV aberta, e conta com Luiz Bacci como
atual apresentador – embora tenha tido a figura e Marcelo Rezende a frente do
programa por anos, tornado o último uma grande personalidade reconhecida no Brasil
e lembrada diretamente pela sua participação no programa. O Cidade Alerta é exibido
de segunda a sexta-feira no período entre 17h e 20h30 e ainda conta com a edição
“especial” aos sábados, reprisando os principais acontecimentos da semana. Este,
tem alcance nacional e internacional, já que é exibido pela Record Internacional em
mais de 160 países. O Brasil Urgente, programa concorrente do mesmo gênero, é
exibido de segunda a sexta-feira entre 17h às 19h na TV Bandeirantes e é
apresentado por José Luiz Datena (conhecido como Datena). Este, é exibido em
diversos estados e também em TV aberta. Ambos os telejornais são exibidos por no
mínimo 2h diariamente, justamente dentro do horário em que as pessoas começam a
chegar em suas casas optando por passar um pouco de tempo frente à televisão.
O programa Patrulha da Cidade, o mais antigo programa policial do Brasil, teve
início na Rádio Tupi e está no ar há mais de 60 anos. Esse programa se expandiu e
hoje é também televisionado em diversos estados brasileiros, com apresentadores
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18
Ambos os trechos mencionados pelo apresentador do programa Patrulha da Cidade foram retirados
da pesquisa “Violação de direitos na mídia brasileira: guia de monitoramento”, desenvolvida pela ANDI
Comunicações e Direitos, em parceria com outras organizações sociais, em outubro de 2017. Assim,
foi realizado o monitoramento de doze edições do programa, totalizando mais de 17 horas assistidas.
Disponível em: https://agorarn.com.br/entretenimento/__trashed-28/ Acesso em: 13 de outubro de
2020.
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facilidades ou brechas para criminosos, que precisam sempre ser punidos, reforçando
nesse ponto também a não acessibilidade de direitos humanos. Desse modo, conclui-
se ele entende como marginal a pessoa negra, referindo-se a qualquer um que comete
delitos como “neguinho”. Diante disso, é de fácil compreensão que o apresentador
reduz o negro a uma figura delinquente sem direitos a segundas chances e destinado
à punição, ainda pior, à pena de morte.
Até aqui elucidado, o jornalismo policialesco está sempre exibindo o crime em
sua pior forma. As invasões policiais dentro das favelas são mostradas como um
espetáculo em prol do bem da população, uma vez que a polícia entra para prender
traficantes, bandidos e acabar com o tráfico de drogas presente naquele meio. As
pessoas periféricas são exibidas como um mal e perigo constante à sociedade,
tonificando ainda mais a criminalização que as comunidades sofrem diariamente.
É comum vermos na televisão crimes sendo praticados por pretos periféricos,
onde esses apresentadores costumam expor toda a situação por longos minutos
repetindo os crimes e sua opinião pessoal, jogando ao público todos os seus
julgamentos. Assim, essa população, é sempre colocada na posição de perigo social,
apresentada como atores de crime em potencial.
Entretanto, não é necessário se restringir apenas a faceta policial do jornalismo
para identificar a inferiorização do negro na mídia. As propagandas televisivas,
telenovelas brasileiras ou seriados, também abrangem o preconceito no modo ao qual
o negro é mostrado, isto é, sempre de forma estereotipada. Negros costumam
aparecer em novelas e séries como grandes criminosos, pequenos ladrões, sempre
subjugados e servindo aos brancos, o que reforça ainda mais esses rótulos
preconcebidos.
do senso comum, que passa a entender aquilo como uma realidade generalizada sem
precedentes, até que essa concepção passa a ser reproduzida de forma inconsciente.
Em 2016, o jornal italiano fanpage.it 19 publicou um experimento social feito com
crianças negras do país. O experimento conhecido por “Teste da Boneca” –
desenvolvido pelo psicólogo norte americano Kenneth Clark, em 1939 – tinha como
objetivo “testar o grau de marginalização sentido por crianças afro-americanas e
causado por preconceito, discriminação e segregação racial”. O então experimento,
reproduzido na Itália, consistia em deixar uma boneca branca e uma preta sobre uma
mesa de frente para as crianças (entrevistadas uma por vez) e fazer perguntas simples
a respeito. O teste foi realizado com seis crianças (três meninos e três meninas) e
tiveram basicamente as mesmas respostas. Analisaremos a seguir:
Quando perguntado “Qual boneca é branca?” e “Qual boneca é negra?” as seis
crianças apontaram para as respectivas bonecas de forma correta, sabendo
diferenciar a raça. Quando perguntado “Qual boneca é bonita?” apenas uma indicou
a boneca preta como bonita e quando a pergunta foi “Qual boneca é feia?” apenas
essa mesma criança apontou para a boneca branca. O entrevistador então insiste com
uma criança: “Por que a boneca é bonita?” e a resposta é: “Porque tem olhos azuis!”.
Nesse ponto, é possível notar o preconceito arraigado nas próprias crianças negras,
apontando traços brancos como sinônimo de beleza, isto é, reproduzindo o que é
mostrado diariamente nas mídias e reafirmado pela sociedade: o branco como padrão
de beleza e sempre à frente em propagandas televisivas, papeis principais em filmes,
como príncipes e princesas de desenhos animados, grandes empregos e como
próprios modelos estampando capas de revistas. Aqui é possível identificar a falta de
representatividade negra na indústria cultural.
Ao desenvolver da entrevista, é questionado “Qual boneca é boa?” e todas as
crianças apontam para a branca, em seguida questionado “Qual é má?”, mesmo por
um momento hesitantes na resposta, e com dedos contidos na hora de apontar, mais
uma vez, por unanimidade, a resposta foi a boneca preta. O entrevistador insiste: “E
por que é má?” a resposta obtida é uma: “Porque é negra!”. Por último, é questionado
“Qual boneca parece com você?” e todos apontam para a boneca negra. Uma criança
19 FANPAGE.IT. Gli effetti del razzismo sui bambini: Fanpage.it rilancia il Doll Test in Italia. Disponível
em: https://www.fanpage.it/cultura/gli-effetti-del-razzismo-sui-bambini-fanpage-it-rilancia-il-doll-test-in-
italia/. Tradução em: https://www.youtube.com/watch?v=CdoqqmNB9JE Acesso em: 13 de outubro de
2020.
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então argumenta com o entrevistador e diz estar ofendida quando ele a pergunta com
qual boneca ela se acha parecida, ao questionar o porquê ela se sentiu ofendida a
resposta é: “Porque você está me chamando de negra”.
É possível identificar a confusão no olhar de cada criança ao final do
experimento, quando apontam todas as más qualidades para a boneca preta e ao fim
se identificam como tal. Com isso, é possível refletir a respeito da construção da
identidade negra na sociedade. Os meios de comunicação transmitem valores e
modelos de conduta, nessa realidade é possível que a representatividade do negro é
mínima. As crianças então crescem vendo o homem branco na televisão como centro
de tudo, simbolizando o sucesso e a boa conduta, dessa maneira, acabam que
inconscientemente caindo no conformismo, reproduzindo, mesmo sem entender,
trivialidades de que o branco é bom e o negro é ruim.
O racismo não vai ser reproduzido na mídia de maneira aberta e escancarada,
com frases evidentes de inferioridade negra, ao contrário, ele se apresenta de forma
implícita e velada, naturalizando o racismo nas entrelinhas. Ramos (2007), afirma que:
“As dinâmicas de exclusão, invisibilização e silenciamento são complexas, híbridas e
sutis, ainda que sejam decididamente racistas.”
Com o que foi exposto, é possível considerar a grande mídia como o principal
agente difusor da imagem corrompida do negro na sociedade. Os telejornais policiais
sensacionalistas reafirmam diariamente o preconceito, entrando no imaginário dos
espectadores, alastrando a sensação constante de medo e insegurança, apontando a
população negra e pobre como perigo social. Dessa maneira, vemos o racismo
fortificado e viabilizado por uma instituição social.
Para além da exposição de dados bibliográficos, foi realizada uma pesquisa
empírica, analisando trechos de notícias acompanhadas de comentários da
população. Também foram realizadas entrevistas, fazendo parte de um estudo dessa
realidade, partindo do ponto de vista dos próprios prejudicados e excluídos dos
processos na sociedade.
Como foi refletido até aqui, as matérias e manchetes que retratam o crime no
Brasil são exibidas de forma propositalmente premeditada para atrair a atenção dos
telespectadores. Analisaremos os trechos das notícias20 exibidas em TV aberta,
porém expostas na internet para o acesso de todos os públicos. A internet proporciona
com maior facilidade o posicionamento pessoal de cada indivíduo, dessa forma, torna-
se acessível coletar os comentários dos consumidores dos programas por meio dela.
Em primeiro lugar, de forma a reafirmar e exibir concretamente a
espetacularização dos programas policiais, o programa Cidade Alerta – sob liderança
de Luiz Bacci – exibiu de maneira insensível e grotesca uma situação altamente
vulnerável ao vivo. Após o ocorrido, diversos sites jornalísticos publicaram a notícia:
“Mãe desmaia ao vivo ao descobrir assassinato da filha em programa da Record”. 21
Durante a exibição do programa, Andreia, mãe de Marcela Aranda – jovem de 21 anos
que havia sido sequestrada – recebeu a notícia da morte da filha ao vivo. O jornalista
que entrevistava a mais velha comunicou ter novas informações sobre o caso e teve
a insensibilidade de perguntar se aquela mãe, sem notícias da filha há nove dias,
queria saber da apuração naquele momento, Andreia logo respondeu que sim e então
foi revelado o assassinato de sua filha. No mesmo momento a mãe passa mal e aos
gritos desmaia.
A câmera permaneceu focada em Andreia, e a tela do jornal continuou dividida
entre Luiz Bacci, no estúdio, e aquela mãe desmaiada sendo socorrida pela equipe
20 As manchetes analisadas foram retiradas do Facebook oficial do programa Cidade Alerta, programa
esse investigado nesse estudo.
21 Um dos sites jornalísticos a divulgar foi o Correio Braziliense:
Correio Braziliense. Mãe desmaia ao vivo ao descobrir assassinato da filha em programa da Record.
Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/02/18/interna-
brasil,828822/mae-desmaia-ao-vivo-ao-descobrir-assassinato-da-filha-record.shtml Acesso em: 23 de
outubro de 2020.
43
22
Facebook. Cidade Alerta Rede Record. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/CidadeAlertaRecord/ Acesso em: 23 de outubro de 2020.
23 R7 Record Tv. Homem que sequestrou mulher em supermercado se entrega à polícia. Disponível
em: https://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/homem-que-sequestrou-mulher-em-supermercado-
se-entrega-a-policia-22102020?fbclid=IwAR07rC-
cEPqcGk8mXgk3YY8_52KqC2vqk8VrtH4dKXXYMEgCi-Pst2x31dE Acesso em: 23 de outubro de
2020.
44
24 Facebook. Cidade Alerta: Briga de jovens por pipa acaba em tragédia entre vizinhos. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=658516074855871 658516074855871 Acesso em: 23 de outubro
de 2020.
25
Facebook. Cidade Alerta: “Boneca do crime”: jovem é presa por vender drogas em casa no Pará.
https://www.facebook.com/watch/?v=714304765958952 Acesso em: 23 de outubro de 2020.
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mim tem um peso muito grande, mas é de uma forma mais discreta, vamos dizer
assim.”
Até aqui vemos o descaso, o preconceito enraizado e o Estado contra o próprio
negro. O Brasil é um país miscigenado, onde mais da metade da população é negra,
portadora de nenhum respeito e pouca representatividade.
A entrevista segue, e é questionado aos mesmos: “Já notou se alguém te
considerou uma ameaça? Principalmente em lugares públicos, como: estádio de
futebol, shopping etc.”, mais uma vez a resposta é positiva e imediata.
Entrevistado 01: “Sim! Em shopping sempre. (...) é algo que infelizmente
acontece no meu cotidiano, pra mim já é comum” ele retrata: “Fui pra um jogo com
meus amigos, todos brancos, só eu negro. Estava até de ‘braço dado’ com uma das
meninas e quando entramos o policial me tirou do meio, só a mim, e me deu ‘baculejo’.
Outro caso, quando estava voltado da praia de carro com meus amigos, o carro foi
parado e o policial pediu apenas o meu documento para ver se tinha antecedentes
criminais.”
O segundo entrevistado fala de maneira mais direta: “A gente já nasce se
sentindo ameaça, principalmente pela polícia. Eles sempre nos veem como ameaça.
Na rua a noite ou madrugada dependendo se eu estiver com outros amigos negros,
também em lojas de departamento a gente sempre é olhado de forma diferente pelos
seguranças.”
De forma a ilustrar melhor, o entrevistado 03 compartilha também de situações
específicas as quais isso acontece com frequência: “Isso acontece direto. (...) Esses
dias eu estava na fila de uma loja do shopping, eu estava na frente e minha mãe ainda
ficou olhando mais algumas coisas e como só entrava uma pessoa por vez, ficou eu
na frente, uma senhora atrás e só depois minha mãe entrou na fila, minha mãe é
negra. E daí eu pedi para minha mãe trocar de lugar comigo para ela passar as
compras dela primeiro, quando isso aconteceu, a mulher que estava entre a gente
começou a confiscar os próprios bolsos, passando as coisas para a frente e fechar a
bolsa segurando forte. (...) No meu bairro, eu não posso correr. Eu moro em bairro
comercial, então estou sempre saindo para comprar algo rápido. Passar correndo no
meio do meu bairro? Sendo eu? Eu vejo muita coisa. Quando eu corro ou aumento o
passo, as pessoas em volta se agitam. As mulheres apertam as bolsas. Muitas vezes
eu me assusto e olho pra trás pensando que tem alguém, mas aí lembro que problema
sou eu.”
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negro muitas vezes está com gramas. O branco tá com um helicóptero de cocaína e
ainda é empresário, é estudante de universidade. Noticiários tem julgamento sim.”
O entrevistado 01 afirma: “Isso aí é uma coisa nítida. Como eu falei, sempre
tem algo político por trás, de certa forma sempre acaba sendo de uma forma muito
radical ou tem pessoas que criminalizam muito a pessoa pobre e negra, ou tem
pessoas que omitem, não falando a respeito. Eu acho que a gente tem muito mais a
mostrar e que as pessoas esquecem de proposito de falar. É muito rico em cultura,
sabe? Simplesmente apagam isso e deixam de falar ou criminalizam. É algo que mexe
muito comigo, acho que uma das pautas que mais bato hoje em dia é sobre isso.
Sobre essa falta de informação real do que são as pessoas periféricas. Porque acho
que todo mundo que não é de periferia acaba tendo medo de pessoa de periferia por
não conhecer, por essa forma que é retratada na televisão e mídias. (...) tem muito
projeto social que deveria tá em destaque, mas não tá, só tá esse acesso a armas e
as drogas.”
As falas destacadas reforçam mais uma vez a face grotesca escolhida pela
mídia para retratar a vida na periferia. Os entrevistados pontuam tanto a respeito da
desigualdade, ao falarem da diferença do branco e do preto sendo expostos na mídia,
quanto da face violenta e amplificada da favela. Pela influência midiática, é assim que
é fixado no imaginário da sociedade. As novelas mostram pretos como favelados,
criminosos, empregados domésticos, enquanto os brancos são médicos ricos,
moradores de mansões. Mais uma vez é ratificada a ideia de que pretos servem os
brancos e resgatando um histórico doloroso imutável.
Na mesma linha de raciocínio, é questionado: “Acha que a mídia pode fazer a
sociedade a pensar assim e a reproduzir esse pensamento no meio social? Se sim,
como você acha que a mídia faz isso?”, o entrevistado 02 então respondeu:
“Isso só me vem à cabeça as novelas, que geralmente o papel do preto é de
bandido ou empregado. Dificilmente no papel de galã ou do mocinho. Apesar de achar
que isso tá mudando de forma lenta. O Babu Santana do “BBB”, por exemplo, o cara
foi taxado de agressivo e várias coisas, enquanto isso uns dois anos atrás a menina
(branca) fez coisa muito pior e ganhou o prêmio.”
O entrevistado 03 reafirma: “Claro que sim. A mídia faz de um jeito premeditado.
O negro nunca está em bons papéis na mídia, só em coisa ruim.”
Por último, é feito uma questão não tão direcionada, de forma mais aberta aos
entrevistados para poderem explorar, assim é notoriamente pontuada a falta de
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nossa cultura. Por exemplo, a questão do candomblé, eu vejo que a mídia é muito
cristã e para mim isso é algo absurdo, porque marginalizam a religião das pessoas.”
E conclui: “Então acho que se der um lugar de fala para essas pessoas se
expressarem já ajudaria muito, não resolveria o problema, mas ajudaria muito e
ajudaria também a muitas pessoas criarem esse pensamento próprio, mostrar o quão
rico a gente é. Mas infelizmente é muito difícil mudar, pode ajudar, mas não mudar,
porque acho que no Brasil tudo é muito estrutural. O preconceito, o racismo e essa
desigualdade social, isso é muito estrutural.”
O entrevistado 03 fala: “Essas pessoas sempre estiveram aí, primeiro elas
precisam de oportunidades, precisam ser vistas. Eu sempre falo ‘precisam ser
tratadas como pessoas’, por que o que acontece? Se a pessoa é pobre, negra e mora
na periferia, o assunto que ela vai precisar falar é que ela é pobre, negra e moradora
de periferia. Tem muita gente fazendo de tudo, produzindo som, arte, conhecimento,
mas a gente sempre vai estar voltado a falar sobre escravidão, violência, racismo. Não
estou reclamando de estar aqui falando sobre, também é um lugar para expressar, é
uma pesquisa, o que eu quero falar é: muitas vezes esses temas não são pautas, mas
quando chamam um preto se torna. Por exemplo, estão fazendo um trabalho de inglês
e me chamam para participar, aquilo automaticamente se torna sobre racismo, não é
mais o que era antes. Tem uma galera de periferia despontando, fazendo blogs sobre
moda e essas coisas, mas o que acontece? Quando chamam essa pessoa para falar,
não vai ser sobre o trabalho dela, da moda, é sobre racismo, é sobre como a vida é
difícil, é sobre como ser negro é difícil, é sobre como começar na periferia e como é
viver na pobreza. Parece que a gente só pode ser isso! Acaba que pessoas negras
fazem coisas para outras pessoas negras, porque aí há o reconhecimento e a
abordagem da forma certa. Um negro quando chama outro negro para trabalhar no
seu projeto, não é pra falar de racismo, quando um branco chama, é. É isso que quero
dizer quando falo ‘tratar como pessoas’. O negro é sempre visto como exótico.”
Essa é uma reflexão de grande importância. O negro sempre é vinculado aos
fatídicos acontecimentos com sua raça, sempre é tratado como um resquício da
escravidão, a resgatando constantemente para os dias atuais. Embora a propriedade
para falar da sua raça, mais do que isso, precisam ser reconhecidos como igualmente
capazes. A comunidade negra vem alcançando grandes espaços na modernidade,
ainda de forma bastante reduzida quando comparados aos brancos, que mesmo
pobres, apenas a cor da pele os privilegia. Portanto, na fala, é apontado essa
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separação social entre pretos e brancos, havendo uma não naturalização da raça,
reforçando a exclusão em outra esfera.
O Brasil teve uma taxa de aumento da população que se considera negra,
agora, os negros constituem mais da metade da população. Entre os anos de 2012 a
2018, dados do IBGE mostram um aumento em quase 5 milhões no número de
declarados pretos, que pela primeira vez, seguem sendo maioria no país. Por muito
tempo, a população brasileira, devido a miscigenação atrelada ao preconceito racial,
se considerava branca ou parda, isso tem uma ligação direta com o racismo estrutural,
a carga cultural africana segue constantemente na tentativa de ser apagada. Religiões
de matriz africana são demonizadas e discriminadas.
Fonte: IBGE/2018
26
Correio Braziliense. Espaço para atores negros na tevê brasileira é muito pequeno. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-
53
28 NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social. Serviço Social e
Saúde, v. 4, p. 141-160, 2006.
29 CFESS. Assistente social: um guia básico para conhecer um pouco mais sobre esta categoria
profissional. Acesso em, v. 8. Site do CFESS. Disponível em: http://www.cfess.org.br/ Acesso em: 29
de novembro de 2020.
56
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS:
Agência Brasil. Brasil tem 134 milhões de usuários de internet, aponta pesquisa.
Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-05/brasil-tem-134-
milhoes-de-usuarios-de-internet-aponta-pesquisa Acesso em: 26 de agosto de 2020.
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG):
Letramento, 2018.
CAMPOS, Luiz Augusto; JÚNIOR, João Feres. “Globo, a gente se vê por aqui?”
Diversidade racial nas telenovelas das últimas três décadas (1985–2014). Plural, v.
23, n. 1, p. 36-52, 2016.
CFESS. Assistente social: um guia básico para conhecer um pouco mais sobre
esta categoria profissional. Acesso em, v. 8.
60
EL PAÍS. FAB intercepta avião com 500 kg de cocaína que decolou da fazenda
da família de Blairo Maggi, diz FAB. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/26/politica/1498506161_256460.html Acesso
em: 24 de setembro de 2020.
Facebook. Cidade Alerta: “Boneca do crime”: jovem é presa por vender drogas
em casa no Pará. https://www.facebook.com/watch/?v=714304765958952 Acesso
em: 23 de outubro de 2020.
61
Facebook. Cidade Alerta: Briga de jovens por pipa acaba em tragédia entre
vizinhos. Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=658516074855871
658516074855871 Acesso em: 23 de outubro de 2020.
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