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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DESSO
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

LUAMAR MARIA DA SILVA MENDES

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA FORMAÇÃO DE OPINIÃO DA


SOCIEDADE SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

NATAL/RN
2020
LUAMAR MARIA DA SILVA MENDES

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA FORMAÇÃO DE OPINIÃO DA SOCIEDADE


SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como exigência parcial de
conclusão no curso de Graduação em
Serviço Social, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.

Orientadora: Profa. Dra. Daniela Neves


de Sousa

NATAL/RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Mendes, Luamar Maria da Silva.


A influência da mídia na formação de opinião da sociedade sobre a
criminalização da pobreza / Luamar Maria da Silva Mendes. - 2020.
66f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio


Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço
Social. Natal, 2020.
Orientador: Profa. Dra. Daniela Neves de Sousa.

1. Serviço Social - Monografia. 2. Influência da mídia - Monografia. 3.


Comunicação de massa - Televisão - Monografia. 4. Criminalização - Pobreza -
Monografia. 5. Opinião pública - Monografia. I. Sousa, Daniela Neves de. II. Título.

RN/UF/CCSA CDU 364.662

Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/440


LUAMAR MARIA DA SILVA MENDES

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA FORMAÇÃO DE OPINIÃO DA SOCIEDADE


SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como exigência parcial de
conclusão no curso de Graduação em
Serviço Social, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.

Aprovado em ___/___/2020

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Profa. Dra. Daniela Neves de Sousa

__________________________________________
Profa. Dra. Antoinette de Britto Madureira

__________________________________________
Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira
RESUMO

O presente estudo teve por objetivo mostrar como a mídia televisiva, como veículo de
informação, tem um grande papel na formação de opinião em nossa sociedade, e
como a televisão vem alimentando os processos ideológicos de criminalização da
classe trabalhadora. Realizamos uma análise sócio-histórica do Brasil para identificar
a gênese da criminalização dessa classe social vulnerável e diretamente afetada pelo
sistema capitalista de produção. Seguindo essa linha, exploramos as questões do
racismo, da pobreza e da exclusão social e de raça no país, que não se restringem a
meros conceitos. Assim, com base em pesquisas e apresentação de dados indicamos
a forte influência que os veículos de informações modernos, como televisão e internet,
têm a partir do momento em que expõe fatos diários criminalizando a pobreza à
população. Partindo também de dados empíricos, foi realizada uma análise a respeito
dos programas de cunho policialescos, realçando além da estrutura desse jornalismo,
um estudo do programa em si, destacando notícias e comentários. Analisamos, por
meio de entrevista, a percepção de algumas pessoas desse segmento criminalizado
da população e que é diretamente atingido com o discurso de ódio que tende a ser
propagado, partindo do ponto de vista da parcela social que ouve e repassa o discurso
– tornando-o senso comum. Dessa forma, tendo como base em uma pesquisa
bibliográfica e empírica feita do decorrer de quatro meses (agosto a novembro),
concluímos que há uma decisiva influência do discurso da mídia televisiva para
alimentar historicamente os processos de criminalização de pobres e negros/as no
Brasil.

Palavras-chaves: Mídia. Televisão. Criminalização. Pobreza. Opinião.


ABSTRACT

This present study aims to show how the media, as a vehicle for information, has a
great role in shaping opinion in our society, and how television has been fueling the
ideological processes of criminalizing the working class. We conducted a socio-
historical analysis of Brazil to identify the genesis of criminalization of this vulnerable
social class and directly affected by the capitalism production system. Following this
line, we explore the issues of racism, poverty and social and race exclusion in the
country, which are not restricted to mere concepts. Thus, based on research and data
presentation, we indicate the strong influence that modern information vehicles, such
as television and internet, have from the moment they expose daily facts criminalizing
poverty to the population. Also starting from empirical data, an analysis was carried
out regarding police-related programs, highlighting, besides the structure of this
journalism, a study of the program itself, bringing out news and comments. We
analyzed, through an interview, the perception of some people from this criminalized
segment of the population and who is directly affected by the hate speech that tends
to propagated, starting from the point of view of the social portion that hears and
passes on the speech – becoming common sense. Therefore, based on a bibliographic
and empirical research carried out over four months (august to november), we
conclude that there is a decisive influence of the discourse of the television media to
historically feed the criminalization processes of poor and black people in Brazil.

Keywords: Media. Television. Criminalization. Poverty. Opinion.


As revoluções são a locomotiva da história.
Karl Marx
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08
CAPÍTULO 1 – O FORTALECIMENTO DA MÍDIA E A HISTORICIDADE DA
CRIMINALIZAÇÃO ................................................................................................... 10
1.1 Mídia, influência e poder ............................................................................................ 10
1.1.1 A evolução das mídias digitais e seu consumo na sociedade .................................... 10
1.1.2 A influência da mídia televisiva .................................................................................. 12
1.1.3 A televisão como formadora de opinião ..................................................................... 15
1.2 As circunstâncias do processo da criminalização e a reação do estado .................... 17
1.2.1 A gênese da criminalização e teorias raciais no Brasil ............................................... 17
1.2.2 Problemas sociais: as circunstâncias ......................................................................... 22
1.2.3 Estado e criminalização ............................................................................................. 25
CAPÍTULO 2 – A IMPLICAÇÃO DIRETA DA MÍDIA NA CRIMINALIZAÇÃO DO
POBRE E NEGRO E ANÁLISE DOS PROGRAMAS TELEVISIVOS E ENTREVISTA
.................................................................................................................................. 33
2.1 Mídia e criminalização do pobre ....................................................................... 33
2.1.1 Jornalismo policialesco e perfil desses programas no Brasil ............................ 35
2.1.2 A criminalização televisionada ......................................................................... 37
2.2 Análise dos noticiários e entrevistas ................................................................ 41
2.2.1 Manchetes dos noticiários televisivos e comentários dos telespectadores ...... 42
2.2.2 Análise das entrevistas realizadas para a pesquisa ......................................... 46
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 57
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 59
APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA .......................................................... 65
8

INTRODUÇÃO

Desde a divisão das sociedades em classes, em decorrência do surgimento da


propriedade privada no mundo, as sociedades humanas ocidentais têm vivido em
meio a diferentes níveis de exclusão de pessoas devido às diferenças socialmente
construídas. Com o advento do capitalismo, essa exclusão aumenta e a desigualdade
social entra em um gráfico de crescimento contínuo. Com isso, tornou-se necessário
perceber as bases desse sistema, isto é, entender as circunstâncias as quais esse
sistema se instaura, junto as consequências trazidas à grandes parcelas sociais.
O sistema capitalista é construído em cima das diferenças sociais, onde a
classe dominante impera sobre a oprimida, ditando as regras e controlando a
subsistência. É a partir dessa realidade, que podemos articular com a discussão a
respeito da mídia – meios de comunicação e informação modernos1 – entendendo sua
relação com o sistema que vivemos, visando compreender a efetividade do seu
discurso, sua importância como grande meio de comunicação e também sua
influência dentro do corpo social.
Assim, o direcionamento desse trabalho se dá na análise do discurso midiático,
no que diz respeito a criminalização da pobreza. Criminalizar, em seu significado mais
amplo, é o processo pelo qual comportamentos e indivíduos são transformados em
crime e criminosos. Dessa maneira, quando falamos em criminalizar a pobreza,
estamos colocando o pobre e todas as questões sociais que o cercam como crime.
Há uma generalização dentro desse pensamento que leva a sociedade a vincular o
pobre – classe social do indivíduo – com raça e etnia.
Portanto, como acima já apresentado, cabe os questionamentos: Por qual viés
a pobreza é um ato criminoso e quais questões estão sobre essa visão? Qual o
processo de ideologia (relações sociais) para que o pobre, negro, morador de periferia
seja colocado na condição de criminalizado? Quais foram os processos que nos
levaram, enquanto sociedade, a criminalizar uma classe e repercutir essa concepção?
E por fim, o que leva a mídia, diante de todo esse histórico brasileiro, a criminalizar a
pobreza?
Dentro desse estudo, buscamos como objetivo geral: Analisar o discurso de
criminalização da pobreza dentro da mídia sensacionalista. De maneira especifica,

1O presente trabalho focou-se numa análise a respeito da televisão e internet, visto serem os meios
de informação em massa mais utilizados na atualidade.
9

nos propusemos: investigar a relação entre a questão racial e a pobreza no Brasil,


entendendo-a de maneira sócio-histórica; sondar programas televisivos que retratam
o crime, visando estabelecer uma ponte entre a realidade e o mostrado; explorar a
distorção feita pela mídia, em favor da classe dominante e por fim, pesquisar opiniões
dos moradores das periferias, a fim de comparar a realidade enfrentada com o que é
exposto, de maneira a abrir espaço não apenas de um objeto de estudo, mas para um
ato de protestação pelo o que enfrentam.
De forma a cumprir essa proposta, o presente trabalho está organizado em dois
grandes capítulos. No primeiro, é feito uma pesquisa bibliográfica a respeito da mídia
e da criminalização, correlacionando os temas apresentados ao desenvolver do
estudo de maneira documental. No segundo momento, essa correlação é aprofundada
e de forma a ilustrá-la, é efetivada uma análise empírica. A análise dentro desse
estudo, se constitui na sondagem de programas televisivos (Cidade Alerta, Brasil
Urgente e Patrulha da Cidade), apurando os comentários da população – em maior
parte, telespectadores, isto é, que consumem esse conteúdo – nos noticiários
expostos nas redes sociais e jornais digitais. Para além disso, foram realizadas
entrevistas2 (totalizando três), somando como pesquisa qualitativa.
Devido ao cenário de pandemia, só foi possível realizar entrevistas a distância.
Portanto, as elucidações obtidas se configuram apenas como uma representação da
condição estudada. De forma geral, o presente trabalho, apoia-se numa perspectiva
teórico-metodológica marxista, pois entende que esta perspectiva possibilita uma
compreensão do papel do Estado e sua dinâmica no capitalismo, levando em conta o
reconhecimento da existência das classes sociais.
Por fim, sabemos que a criminalização da pobreza no Brasil é algo empírico,
isto é, observável na realidade, principalmente quando se trata de pobres e negros.
Dessa maneira, essa visão por parte da mídia e propagação de suas ideias merecem
ser investigadas, tendo em vista o quão paradoxal se constitui esse tipo de
pensamento recheado de preconceitos. Também é preciso compreender o quão forte
e poderoso é o discurso midiático a ponto de alienar a majoritária parte da sociedade
com acesso à essas notícias, podendo de certa forma controlar o corpo social a seu
favor, isto é, a favor do sistema econômico capitalista.

2 O roteiro da Entrevista estará disponível no Apêndice do trabalho.


10

CAPÍTULO 1 – O FORTALECIMENTO DA MÍDIA E A HISTORICIDADE DA


CRIMINALIZAÇÃO

De maneira inicial, será mostrado os ajustes e evoluções que as mídias de


informação em massa passaram ao longo dos séculos, entrando em uma análise
sobre seu uso e sua influência na sociedade. É de grande importância a análise da
mídia televisiva, visto que esse ensaio faz um recorte explorando justamente a
televisão e seus programas de grandes audiências. Portanto, é a partir da maneira em
que os noticiários e portais de internet expõem os fatos diários ocorridos em nossa
sociedade, que poderemos vincular a discussão a respeito da criminalização e do
Estado. Dessa maneira, teremos um capítulo crescente onde será possível entender
a gênese da criminalização, assim como as questões intrínsecas ao capitalismo,
essas que atingem diretamente a classe pobre do nosso país.

1.1. Mídia, influência e poder

A contemporaneidade caracteriza-se pela forte relação da sociedade com as


mídias. É possível acompanhar todos os dias o surgimento de mídias, redes sociais
de internet e diversos meios de comunicações interativos que facilitam o convívio. Mas
quando se iniciou a relação de sociedade x mídias? Qual a importância que essas têm
para a vivência em sociedade? E também, quais influências esses veículos de
informações podem causar?

1.1.1. A evolução das mídias digitais e seu consumo na sociedade

Ao longo da história, a humanidade participou de diversas redes, sendo elas:


família, comunidades, trabalho e/ou grupo de amigos. Portanto, a relação sociedade
x redes sociais sempre existiu. É comum, nos dias atuais, relacionar redes à
tecnologia e ao mundo virtual, porém, é preciso entender que a interação da sociedade
com as redes nada mais é do que o corpo social entrando em contato um com o outro,
de forma individual ou coletiva, dentro desse mesmo grupo. A mídia então é a
totalidade que engloba essas redes. Para uma melhor percepção do que está sendo
aludido, podemos analisar as transformações que ocorreram ao longo da história até
o surgimento do que hoje chamamos de “redes sociais virtuais”. Durante a Pré-
11

História, mais especificamente no período Paleolítico Superior (aproximadamente


40.000 a.C.), a comunicação se dava por meio da arte rupestre – pinturas ou gravuras
expostas em rochas – com a finalidade de transmitir informação. Depois de avanços
e revoluções, a realidade atual permite que a transmissão de informação seja
realizada de maneira tecnológica, por meio de rádio ou das redes sociais virtuais –
que com apenas um compartilhamento se obtém um alcance mundial.
Postman (1999), diz que o telégrafo criou um público e um mercado para a
notícia fragmentada, descontínua e essencialmente irrelevante, que até hoje é a
principal mercadoria da indústria da notícia. Sabemos que o telégrafo foi precursor
para as mudanças tecnológicas que nos acompanham até os dias modernos, que são
os casos de: cartas e telefone, como meio de comunicação individual; e cinema, rádio,
TV e internet, como meios de comunicação em massa. A televisão foi uma das
invenções que mais geraram impactos na sociedade e, até hoje, se mostra como um
meio de comunicação eficiente propondo não só a informação, como entretenimento
e também publicidade, sendo influência de consumo para os receptores.
Um estudo feito pela empresa Jacobs Media (2018), na rádio América do Norte
nos Estados Unidos, foi realizado com cerca de 64 mil ouvintes onde perguntado “Qual
a mídia social mais onipresente?” e Televisão liderou esse ranking com 95% das
respostas, seguido por Rádio com 92%, Smartfones com 90% e Redes Sociais com
86%. Embora essa pesquisa tenha sido restrita nos Estados Unidos, serve como um
apontamento do comportamento humano para com a relação de consumo midiático.
Já no Brasil, um levantamento feito pelo site G1, da Globo, foi obtido durante
uma pesquisa realizada em 2016 que ouviu cerca de 15 mil pessoas de todo o país.
O estudo tinha por objetivo conhecer os hábitos de consumo de mídia da população
brasileira para elaboração de dados para o governo federal, divulgados pela
Secretaria de Comunicação Social do governo. Dentre os entrevistados, 77%
afirmaram assistir TV todos os dias, esse é o maior porcentual obtido em comparação
a mesma pesquisa feita nos anos 2013 e 2014. A preferência pela TV chega a 89%
dos entrevistados quando levado em consideração as duas opções mais procuradas
pelas pessoas para obterem informações confiáveis. Nessa pesquisa, a internet ficou
em segundo lugar.
Diante desses dados, hoje, é possível afirmar que a informação é para todos?
Um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em novembro
de 2019, mostra que o uso da internet continua a crescer em todo o mundo e hoje
12

atinge cerca de 53,6% da população global, porém segundo a União Internacional de


Telecomunicações, (UIT), “3,6 bilhões de pessoas continuam excluídas da
comunicação online”. O relatório ainda sugere que a maioria dos desconectados vive
nos países menos desenvolvidos. Já um levantamento feito pelo Centro Regional para
o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br) mostra
que atualmente 72% da população brasileira tem acesso à internet, isso contabiliza
em média 134 milhões de brasileiros utilizando o serviço. Todavia, há níveis de
desigualdade no uso da rede, por exemplo, existe a desigualdade chamada de
“primeiro nível”, quando se tem ou não acesso; e a desigualdade de “segundo nível”,
quando há o acesso, mas com diversos graus de limitações. Dados da Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações) e Cetic, mostram que 56% dessas pessoas que usam
internet regularmente, tem acesso somente pelo celular e usam internet pré-paga –
necessário fazer uma recarga para contratar um pacote de dados3 com uma
quantidade específica de megas4 de internet para uso, assim, quando o pacote
contratado acaba, algumas operadoras disponibilizam uma ou duas redes sociais
ilimitadas, por exemplo: Whatsapp5. Dessa maneira, cerca de 70 milhões de
brasileiros ainda entram no gráfico de acesso precário ou inexistente à internet, uma
vez que para grande parte da população o uso da rede não é ilimitado.
Por último, segundo a Pesquisa brasileira de mídia, realizada para o governo
federal em 2016, apesar dos usuários de internet passarem bem mais tempo
navegando na rede do que os telespectadores assistindo TV, o alcance da mídia
televisiva é muito maior dentro dos lares brasileiros, sendo esse o veículo mais
consumido na população para fins de informação. Além disso, a pesquisa também
apresenta um crescimento no consumo do veículo nos anos de 2016 a 2018.

1.1.2. A influência da mídia televisiva

Durante a Revolução Francesa, ocorrida no século XVIII, a mídia6 passou a


deter tanto poder e influência sobre a população da época, que decorreu de ser vista

3 Quantidade de dados determina o período em que o usuário pode usar a rede, podendo ser renovado
posteriormente ou não.
4 Unidade usada para medir a velocidade da internet.
5 Aplicativo de troca de mensagens instantâneas e comunicação em vídeo através do uso da internet.
6 Durante a Revolução Francesa, a mídia em questão se tratava da imprensa que circulava entre a

população (como jornais, panfletos, folhetos, mapas ou manuscritos).


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como um poder “alternativo” do Estado. Essa época foi de grande marco para a
história da comunicação, segundo Briggs & Burke (2006) “a Revolução foi boa para a
imprensa, pois havia grande número de notícias interessantes para publicar, e não
faltavam leitores”. A partir de então e até hoje, a imprensa e toda a mídia passou a ser
conhecida pelo termo “quarto poder”, mantendo esse status como uma alusão aos
três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Porém, ao se referir ao “quarto
poder”, é preciso ressaltar que esse “poder” não foi concedido democraticamente
como os três reais citados anteriormente. O termo foi dado de forma autônoma e se
consolidou por tamanha força ideológica e social à mídia aferido.
Diante disso, é possível entender a grandeza da mídia na sociedade, que usa
seus meios como forma de influência aos seus espectadores. Guillermo Orozco
Gómez, afirma:

A própria TV tem uma influência importante na constituição particular do


telespectador. Para entender essa influência, tem-se que partir do fato de que
a TV é ao mesmo tempo um meio técnico de produção e transmissão de
informação e uma instituição social produtora de significados, definida
historicamente como tal e condicionada política, econômica e culturalmente.
Essa dualidade da TV confere à mesma um caráter especial e a distingue de
outras instituições sociais, ao mesmo tempo em que lhe dá certos recursos
para aumentar seu poder legitimador em relação ao telespectador. (GÓMEZ,
2005, p. 29)

A televisão, como grande veículo de informação, apresenta um alto grau de


representatividade dentro na nossa sociedade. Hoje, como maior mídia utilizada pela
população, o seu papel como formador de opinião prevalece em muitos grupos
sociais. Dessa forma, muitas vezes esse veículo cumpre um papel manipulador, como
dito pela própria sociedade em algumas situações colocadas propositalmente. Lazar
(1999), afirma que já foi empiricamente demonstrado, que quando uma apresentadora
popular se cola diante das câmeras com um enfeite, um broche, por exemplo, esse
enfeite vai alcançar uma excelente venda nos próximos dias. Com isso, é possível
identificar nesse procedimento a intenção da empresa que contrata aquele espaço de
tempo na TV, visando os fins lucrativos, acreditando no potencial de influência da
mídia. Para isso, precisamos compreender a respeito do mundo capitalista no qual
estamos inseridos.
Para Marx (1980), a base da sociedade humana define-se com o processo de
trabalho, de forma que os seres humanos cooperem entre si fazendo uso das forças
da natureza para que possam satisfazer suas necessidades, isto é, que o produto do
14

trabalho responda às necessidades humanas de sobrevivência. Ele vai chamar o valor


desse trabalho então de “valor de uso”. Porém, no viés capitalista de produção, o valor
do trabalho da visão marxista é corrompido, uma vez que o produto desse trabalho
agora se torna mercadoria. No capitalismo há o trabalho, com ele, há a produção de
mercadorias e, por fim, a venda dessas. Esse valor, portanto, é chamado de “valor de
troca”. O sistema capitalista de produção é pautado sobre o lucro e exploração da
classe trabalhadora para alcançar tal.
Em Salário, Preço e Lucro, Marx (1953) afirma que a vontade do capitalista
consiste em “encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar
acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter
desses limites”. Ele vai dizer então que toda riqueza social provém da exploração do
trabalho e que o esse lucro, que é extraído através da exploração, é apropriado pela
burguesia e é com ele que o capitalismo “enche os bolsos”. Desde o surgimento da
propriedade privada, quando foi possível notar os primeiros passos para a instauração
do sistema capitalista, a relação de poder intrinsicamente ligada ao capital prova o
que hoje é retratado de maneira moderna.
A mídia televisiva vem com grande poder dentro da sociedade moderna e
capitalista, seu gigante alcance perpassa o momento de apenas assistir o que é
mostrado, como um receptor passivo. Um levantamento realizado pela Kantar IBOPE
Media (2018) líder global em inteligência de mídia, aponta que 51% das pessoas
consideram as propagandas televisivas importantes a ponto de não apenas se
deterem ao instante em que é assistido, mas levando isso para fora de suas
residências como uma pauta possível em conversas no convívio social. Portanto, o
que é ouvido não fica preso meramente ao presente, mas é propagado e reproduzido.
Dessa forma, mais uma vez podemos visualizar o poder que esse veículo tem de
influência em massa em um âmbito global.
Assim sendo, o telespectador não encerra sua interação com a TV no momento
em que a desliga, vai além disso. De acordo com Jensen (1988), essa ação
individualizada entre receptor e programação acaba por se tornar social, uma vez em
que “cada membro da audiência participa de uma determinada cultura e está sujeito
a mediações”, portanto são pertencentes de instituições sociais.
Gómez volta a afirmar:
15

A influência da TV tampouco é única, devido ao fato de a TV como instituição


social não estar só. Ela coexiste ao lado de outras instituições, como a família,
a escola, o sindicato, a igreja, o partido político, os movimentos sociais etc.,
com os quais compete na tentativa de fazer valer suas significações e
predominar na socialização dos telespectadores. (GÓMEZ, 2005, p. 30)

Dessa maneira, é possível dizer que a mídia televisiva é uma referência na


interação social, uma vez que é produtora de significados e transmissora de
informações que são condicionadas econômica, política e culturalmente;
influenciando no que faz a sociedade.

1.1.3. A televisão como formadora de opinião

A base da “Teoria da aprendizagem”, desenvolvida e estudada pelo filósofo


Vygotsky, é que o desenvolvimento cognitivo se dá por meio da interação social, isto
é, a interação com outros indivíduos e com o meio. Hoje, a interação social acontece
de maneira muito mais ampla, uma vez que temos as tecnologias como mediação.
Vygotsky, em sua obra A formação social da mente, vai concordar com Marx e
considerar o materialismo histórico 7 – principal método de análise sociológica do autor
– como base para seu pensamento. Marx vai dizer que as mudanças históricas na
sociedade vão conferir numa mudança da natureza humana, isto é, no comportamento
e na consciência humana. É partindo desse ponto de vista que Vygotsky correlaciona
a teoria marxista com as questões psicológicas. Ele vai dizer então que as variadas
formas de comunicação – linguagem, escrita ou sistema numérico –, que são criadas
e evolucionadas pelas sociedades ao longo do curso da história humana, mudam a
forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural dos seres humanos. Dessa
maneira, ao internalizar esses meios, há possibilidades de haver uma transformação
comportamental no individuo, assim, na melhor tradição de Marx e Engels, essa
mudança individual ao longo do desenvolvimento terá sua raiz na sociedade e na
cultura.
Para Vygotsky (1993), portanto, a aprendizagem como uma experiência social,
a qual é mediada pela interação entre a linguagem e a ação. Por continuidade, o
filosofo defende que esse processo não se dá apenas pelo o que o sujeito é

7 O materialismo histórico foi criado pelos filósofos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895), e trata-se de uma corrente teórica que estuda a história por meio da relação entre a
acumulação material e as forças produtivas. Para os autores, as mudanças sociais que ocorrem na
sociedade são fruto dessa conquista material.
16

geneticamente capaz de conhecer, mas pelo o que é relevante de ser conhecido do


ponto de vista sociocultural. Assim, a mídia como difusora de informação, mais uma
vez torna-se crucial no desenvolvimento das relações humanas.
Como já mencionado anteriormente, o poder de influência da mídia televisiva é
enorme. Bourdieu (1997), vai falar a respeito da censura velada que existe na TV, da
perda de autonomia nesse processo de acesso ao veículo como meio de informação
e como surge um controle político a partir de então. Para Bourdieur, existe uma
distorção nas informações para que sejam passadas de uma forma que tome grandes
proporções, causando alvoroço proposital nos receptores; ou quando passada de
forma que a notícia se torne insignificante, deixando a população calma quanto ao
ocorrido. Diante disso, é possível perceber como ocorre a manipulação em massa.
Por continuidade, Bourdieur ainda diz que os espectadores não procuram
entender as informações de maneira ampla, por meio de outras mídias, e acabam se
prendendo apenas à televisão como fonte única, onde muitas das vezes não há uma
sensibilidade ao escolher o que deve ter uma cobertura na TV aberta e como, pois a
audiência é uma questão de grande importância. Nisso, o pensador usa da crítica
social quando induz que a sociedade basicamente se conforma com seu papel de
receptora e não questiona a veracidade dos fatos, apenas aceitando o que é ouvido.
Com isso, a situação de pessoas que usam a televisão como fonte primordial de
informação, maior parte da população (segundo os dados já expostos), acabam por
absorver o que é transmitido, aceitando e, posteriormente, reproduzindo.
Está explícito que a mídia é um instrumento de dominação. A televisão utiliza
da junção de oralidade e imagem para retratar notícias diárias, criando no consumidor
a sensação de “saciedade” a respeito da informação, uma vez que é usado do básico
para prender a atenção deste durante o momento de absorção do que está sendo
transmitido. A partir dessa ação, é comum a troca de informações entre os grupos
sociais, reproduzindo então o que foi absorvido. Isso, muitas vezes de forma pré-
ideologizada para ser humano, e planejado pelo quarto poder, acaba por gerar um
grande consenso dentro da sociedade de opiniões políticas, econômicas e culturais,
transformando os telespectadores em portadores da opinião pública.
A opinião pública, portanto, vai corresponder a diversas percepções individuais
em certo período da história que vai se relacionar com a cultura local e se expressar
por meio da comunicação.
17

Os meios de comunicação são capazes, com efeito, de gerar opinião e


participar da interação cognitiva e simbólica com os outros componentes do
mesmo campo. Por conseguinte, a sua capacidade de ‘fabricar opinião’,
favorecendo orientações e pontos de vista, para fornecer ‘chaves
interpretativas’ dos problemas na agenda, torna-se uma interação
comunicativa variável estrutural e de intermediação cognitiva. (GROSSI,
2007, p. 102)

Sodré (1999), vai falar que especialmente pelas técnicas de produção e


circulação da imprensa, esta acaba por gerar a padronização do comportamento.
Dessa maneira, pode-se concluir então que os veículos de informação entregam aos
seus consumidores todos os pontos necessários para que esses, como receptores,
formem sua opinião de maneira fácil, rápida e automática – posteriormente
repercutindo a mesma – e então, dessa maneira, exercem um controle social.
Em linhas gerais, é possível compreender a existência da manipulação em
massa por meio da grande mídia. É partindo desse ponto que analisaremos questões
de vulnerabilidade na sociedade – sofrida principalmente pela população negra e
pobre do país – que são levadas à mídia sob uma outra perspectiva, a que não leva
em conta a construção sócio-histórica do Brasil.

1.2. As circunstâncias do processo da criminalização e a reação do estado

É necessário cautela ao analisar o processo de criminalização, visto que pontos


como questões sociais, políticas e econômicas são intrínsecos. Ao transcorrer das
décadas, pouco se foi questionado a respeito de quais os verdadeiros pretextos e
fatores à frente dos efeitos dessa problemática. Portanto, é a partir daqui que é
proposto compreender, por meio de análises, o que é essa criminalização, como
sucedeu seu processo histórico e quais são os produtos dessa melindrosa realidade.

1.2.1. A gênese da criminalização e teorias raciais no Brasil

Fazendo um resgate histórico, a sociedade brasileira, com o processo de


colonização por parte da Europa, tem suas bases firmadas em cima da escravidão do
negro africano, trazidos do exterior; e na tentativa falha de dominação dos indígenas,
que culminou na dizimação desses habitantes brasileiros. A criminalização dos
pobres, portanto, terá seu alicerce na própria origem do país, visto que, desde o início,
18

a economia do Brasil foi pautada sobre o uso da mão-de-obra escrava. Assim, Sodré
pontua:

Trata-se, portanto, e fundamentalmente, de uma sociedade transplantada:


uns chegam para serem escravos; outros, para serem senhores, ou
encontrarem condições para tal. Aos que chegam para serem escravos,
importa pouco a tradição, o passado africano. Se os indígenas, como tem
sido referido com frequência, sofreram destruição cultural, mesmo, e talvez
principalmente, quando aldeados e “protegidos”, essa destruição foi processo
idílico se comparado à destruição cultural sofrida pelo negro africano.
(SODRÉ, 2010, p.30).

A partir desse fragmento, fica de fácil percepção a maneira como os negros


africanos e indígenas foram total e automaticamente subjugados, submetidos a uma
classe ínfera desde o que se diz “descobrimento do Brasil”. Apesar de trazer esse
trecho como explicação para a chegada dos negros africanos no Brasil, Sodré faz uma
infeliz comparação com o contexto indígena. Portanto, é preciso prudência ao analisar
as conjunturas entendendo que o processo de aniquilação da cultura e da nossa raiz
no Brasil – ao matar nosso povo – não é algo a ser equiparado ou para servir de
referência para outros eventos, são contextos históricos diferentes, ambos lancinantes
e marcados na história. Dessa forma, podemos ver a partir de então a hierarquia
estabelecida desde os primórdios trazendo a burguesia branca como imperante, o que
com os desdobramentos da história poderemos testemunhar essa paradoxal realidade
se estender até os dias atuais.
Em 1808, com a chegada da corte portuguesa no Brasil, a população do Rio de
Janeiro – capital brasileira na época – tinha mais da metade de sua população
constituída por pessoas escravizadas. Assim, temendo uma rebelião contra a elite
que, mesmo minoritária, comandava o país, o então príncipe regente Dom João criou
a Guarda Real com o intuito de proteger a burguesia por meio da repressão e da
submissão das classes dominadas, isto é, dos pobres, negros e das pessoas
escravizadas. Assim, além de manter a hierarquia social no país, era possível
controlar as massas com base no pressuposto de que os pobres eram criminosos em
potencial e uma constante ameaça para a sociedade.
Oitenta anos depois, com a abolição da escravatura no Brasil, os recém libertos
não receberam nenhum aparato, por eles nada se foi feito, os colocando assim, de
forma instantânea, numa situação de pobreza e desvantagem social. É nessa
conjuntura que estes começam a fugir para as margens na tentativa de se abrigar
19

construindo pequenas casas com material fajuto, uma vez que os preços de moradias
– determinados pelo governo – eram de elevado custo. É dessa maneira que nascem
as primeiras favelas no Rio, com essa população altamente excluída e marginalizada.
É no contexto de abolição da escravatura, no Brasil em 1888, que as teorias
raciais vão surgir. Todavia, mesmo a constituição considerando todos iguais perante
a lei, as teorias vão reafirmar a inferioridade dos negros. Gileno (1997) diz:

Podemos dizer que as teorias raciais estabeleciam critérios diferenciados de


cidadania, estabelecendo diferenças sociais. Estava em marcha a edificação
de um novo tipo de hierarquia, desta vez com um embasamento “científico” que
procurava determinar a “inferioridade” inata dos negros. A República brasileira,
símbolo de uma sociedade mais justa e democrática, parecia presa ao passado
(GILENO, 1997, p. 51).

O Darwinismo social, uma das principais teorias raciais vigentes no Brasil a


partir do século XIX, considera que os seres humanos são, por natureza, desiguais.
Isto é, de forma espontânea são dotados de aptidões instintivas, podendo ser umas
inferiores e outras superiores. Portanto, dentro da sociedade, a teoria afirma que a
luta pela sobrevivência é orgânica, fazendo com que dessa forma, os mais
“capacitados” dominem – tenham sucesso, acesso ao poder econômico, social e
político – e os menos aptos sejam dominados – não tenham acesso a nenhuma forma
de poder (BOLSANELLO, 1996). Assim, segundo a teoria racial do darwinismo social,
somente as potências industrializadas e civilizadas poderiam propagar a civilização.
Isto é, a raça superior branca europeia levaria a civilização para as colônias. Com
isso, podemos afirmar que o darwinismo social era uma ideologia associada e
defensora do sistema capitalista, vinculado a ideologias racistas e eugênicas.
Desde então, o menosprezo e criminalização com os pobres tornou-se comum
para essa classe elitista e controladora. Renato Kehl, um dos líderes do movimento
eugênico no Brasil, no início do século XX, defendia em suas obras a esterilização
dos:

(...) parasitas, indigentes, criminosos, doentes que nada fazem, que vegetam
nas prisões, hospitais, asilos; (dos) que perambulam pelas ruas, vivendo da
caridade pública; (dos) amorais, (dos) loucos que enchem os hospitais, (da)
mole de gente absolutamente inútil que vive do jogo, do vício, da libertinagem,
do roubo e das trapaças (KEHL apud LOBO, 1997, p. 147)

Isto é, Kehl sustentava a concepção de que toda a população pobre brasileira


“sem utilidade para o capitalismo”, ou seja, não inseridos no mercado de trabalho,
20

deveriam desaparecer para um “aperfeiçoamento” da raça humana, como defendia


Darwin.
Já D. Leopoldina, esposa de D. Pedro I, em uma das cartas aos seus familiares
em 1824, descreveu o que as elites brasileiras pensavam sobre o Rio de Janeiro e as
chamadas classes perigosas, assim, afirmou que “O Rio é um lugar imundo, temos
que tratar de sair daqui no verão (...). Os pobres se exterminam a si mesmos,
contagiam-se uns aos outros nos cortiços. Os alforriados deixaram de ser pobres
excluídos para ser os pobres perigosos” (KAISER, 1997)
Em outra declaração, Coimbra (2006) vai destacar um trecho presente em um
documento oficial da Prefeitura do Distrito Federal, datado de 1930, neste consta:

(...) são as favelas, uma das chagas do Rio de Janeiro, na qual será preciso,
num dia muito próximo, levar-lhes o ferro cauterizador (...), a sua lepra suja a
vizinhança das praias e os bairros (...). A sua destruição é importante não só
sob o ponto de vista da ordem social e da segurança, como sob o ponto de
vista da higiene geral da cidade, sem falar da estética. (Prefeitura do Distrito
Federal, 1930, apud COIMBRA, p. 09)

Explicitamente, é possível, mais uma vez, constatar a criminalização presente


desde as primícias, com seus fundamentos calcados no racismo, gerando a
segregação das classes e marginalização desses povos. Não obstante, por mais que,
aos nossos olhos, tais declarações sejam irracionais, diversas dessas falas são
repercutidas e faladas nos dias atuais, contudo, de formas diferentes.
Os negros africanos foram trazidos ao Brasil numa atividade comercial e eram
compreendidos como mercadorias de grande valor, uma vez convertidos em mão-de-
obra, colaborando para o capitalismo sem escolha alguma. Portanto, desde sempre o
negro foi tratado como mercadoria, usados para o benefício próprio da burguesia,
fazendo os donos dos meios de produção lucrar cada vez mais. Dessa forma, os
pobres têm tão somente o direito de servir as elites, seja como funcionários ou
consumidores, seja como lavadores de carros ou empregadas domésticas. Caso
saiam dessa linha, entra em cena a repressão penal, visando sempre produzir
indivíduos dóceis e úteis (FOUCAULT, 1999) para a expansão do capital.
Cesare Lombroso (2010), considerado pai da antropologia criminal, deu vida a
teoria do “criminoso nato”, sendo essa muito criticada e refutada posteriormente. Ele
baseou sua teoria nos aspectos evolucionistas do ser humano, assim, acreditava que
o crime nascia com o ser. Isto é, para Lombroso, existiam seres humanos
21

predestinados a serem criminosos de forma biológica, herdada geneticamente,


perdurando por gerações. Para isso, o estudioso analisou diversos detentos na
Europa, assim como centenas de autópsias de indivíduos que haviam cometido algum
tipo de delito. Dessa maneira, Lombroso concluiu que criminosos em potencial
apresentavam algumas semelhanças físicas, psíquicas e morais em comum, com isso
era designado um padrão para os delinquentes. Para ele, atributos físicos como:
assimetria craniana, face larga, lábios grossos, cabelos abundantes e estatura alta
eram indicativos, assim como a pouca sensibilidade (tanto para dor, quanto emoções
– podendo ser identificado na infância do indivíduo, por exemplo, quando a criança é
pouco afetuosa e sem apresso pela convivência familiar). Assim, Cesare via
criminosos como indivíduos menos desenvolvidos, de natureza bruta e insensível –
menos evoluídos.
Uma análise feita por Salomão, Bellotti e Costa (2019), mostra que as ideias
lombrosianas foram aceitas por diversos estudiosos da criminologia no Brasil, assim
como rapidamente difundidas e enraizadas em nossa sociedade – influenciando
inclusive na formulação do direito penal brasileiro. A respeito disso, os autores
exemplificam o pensamento de Alvarez (2002) ao compor do estudo:

O enfoque no estudo do crime passa a não se atentar a aspectos como a


desigualdade social, desigualdade de oportunidades, falta de recursos de
saúde e educação e o não acesso a moradia. Em consequência desse fato,
Alvarez afirma que se criaram fortes raízes eugênicas e preconceituosas ao
redor dos estudos dos crimes e dos criminosos. Tais raízes atingiram
agressivamente as minorias em situação de risco no Brasil, enquadrando-os
no perfil do “delinquente brasileiro”, sendo esses homens e mulheres negras,
homossexuais e moradores de comunidades formadas pela urbanização
excludente. (ALVAREZ, 2002, apud SALOMÃO, BELLOTTI E COSTA, 2019,
p. 481)

Junto a essa discussão, podemos vincular a percepção a respeito da


“periculosidade”8 do indivíduo. A periculosidade vai se manifestar na sociedade por
volta do século XIX, este dispositivo (de periculosidade) reitera que tão importante
quanto o que o indivíduo fez, é o que ele tem possibilidades de vir a fazer. Pode-se
dizer então que é um instrumento de depreciação que determina certas identidades
aos indivíduos. Assim, questiona-se: então a depender da natureza – do sujeito – este
será tendencioso a cometer atos perigosos e introduzir-se ao mundo do crime?
Todavia, de que natureza estamos falando?

8 Termo discutido no âmbito do Direito Penal.


22

Assim, ao indagar essa natureza, pode-se abrir a discussão a respeito do


racismo estrutural. Como apresentado até aqui, o racismo no Brasil tem raízes sócio-
históricas, desde o primeiro passo para a tomada de território e colonização por parte
da Europa. É diante das condições expostas que a exclusão social e a discriminação
racial se direcionam aos “menos aptos na luta pela vida”, isto é, os dominados e
explorados pelo o sistema são quem constituem esse ponto em questão.
As teorias racistas, as quais baseavam o processo de colonização, acentuavam
que as misturas raciais culminavam em indivíduos doentes físico e moralmente,
indolentes, tomados por insensatez e isso, por sua vez, estruturava os perigos sociais.
Afirmando, por fim, a existência dos “bandidos de nascença” (COIMBRA, 2006). Com
base em todo esse histórico, a ideia de que pretos, pobres, moradores de periferia em
situação de vulnerabilidade social tendem a cometer crimes por conta da sua
“essência”, passa a ser assentada no Brasil, correndo de forma velada até os dias
atuais. Dessa forma, esse parecer comprova a realidade contemporânea, por meio de
análises ao longo da história, a existência da criminalização do pobre e preto.
A vista disso, é possível declarar que todas essas construções oriundas da
escravidão, a datar no Brasil colônia, foram fortalecidas ao longo do século XX e
entram a todo vapor no século XXI, todavia sob novas maquiagens. Com base nisso,
discutiremos então as circunstâncias da criminalização da pobreza, adentrando
também no momento atual da sociedade, para assim, podermos analisar a
repercussão dos ideais preconceituosos e racistas – e onde podemos encontrá-los –
de maneira vigente.

1.2.2. Problemas sociais: as circunstâncias

Fenômenos sociais como exclusão social, pobreza, desigualdade e preconceito


suscitam diretamente o processo de criminalização do pobre. Esses são temas
tradicionais que sempre foram objeto de estudo dentro das ciências sociais,
entretanto, por mais semelhantes que pareçam, suas operações não são as mesmas.
Contudo, a circunstância que articula todos esses fenômenos é o capitalismo, pode-
se afirmar, portanto, que todos esses eventos são redondamente inerentes ao sistema
capitalista de produção.
23

Partindo do ponto que o sistema de produção acumulativo capitalista, que se


baseia em exploração, é extremamente excludente (MARX, 1980), o grupo de
pessoas que vai se encaixar no termo “exclusos” são aquelas sujeitadas à um
processo de afastamento do centro do corpo social, responsável pelas decisões,
sejam elas políticas, culturais ou econômicas.

Exclusão é um termo utilizado, frequentemente, para se referir a todo tipo de


mazela social e é usado de forma pouco parcimoniosa, com sentidos
sobrepostos, referindo-se a fenômenos diversos tais como pobreza,
desigualdade, isolamento, preconceito, privação e vulnerabilidade, entre
outros (CARNEIRO, 2005, p. 44)

A exclusão social, portanto, vai perpassar por uma multiplicidade de


designações. Existe uma desqualificação do ser, que vai justificar a falta de
oportunidades, excluindo as pessoas do acesso à bens e serviços, como é o caso do
emprego formal. Esse evento por sua vez, vai colocar o indivíduo à margem do
processo econômico e do desenvolvimento da sociedade.

Se o termo exclusão social diz respeito ao ato de excluir, de colocar à margem


um determinado grupo social, o conceito sociológico – que é múltiplo, como
ver-se-á em seguida – refere-se sempre a um processo social de não
reconhecimento do outro, ou de rejeição, ou ainda, intolerância. Dito de outra
forma, trata-se de uma representação que tem dificuldades de reconhecer no
outro direitos que lhes são próprios. (NASCIMENTO, 1994, p.31)

Apesar da exclusão social e pobreza se manterem numa linha de pensamento


semelhantes, não podemos pensar como sinônimos e sim como fenômenos
interdependentes. Crespo e Gurovitz (2002) dirão que a pobreza terá uma relação
direta com a desigualdade, apontando como pobres as pessoas situadas na camada
inferior de distribuição de renda, quando comparados aquelas mais bem posicionadas.
Entretanto, a pobreza não é definida apenas pela falta de recursos financeiro, abrange
muito mais do que isso, se tratando de um termo dinâmico. O acesso precário – ou
não acesso – a educação e moradia, a cultura e ao lazer, a falta ou má qualidade da
alimentação são umas das várias particularidades que compreende esse tema. Isto é,
implica-se na falta de uma estrutura para atingir elementos básicos de consumo, que
são: renda, educação, saúde, alimentação, nutrição, acesso à mercados, transportes
públicos, vestimentas e até condições de participação na comunidade.
Como já previamente discutido, a pobreza tem raízes na formação sócio-
histórica e econômica da sociedade brasileira. O que marca o desenvolvimento da
24

pobreza é justamente a expansão do sistema capitalista de produção. É durante o


século XX que o capitalismo se apresenta em sua forma mais madura,
consequentemente necessitando da exploração para sua manutenção (é nela que o
sistema se consolida). Como consequência, a exploração da classe trabalhadora gera
a desigualdade econômica, uma vez que o que é produzido por esta classe, não é
compartilhado, e sim apropriado. Kowarick (1999), vai dizer que o Brasil é constituído
por uma sociedade extremamente marginalizada no ponto de vista econômico e social
e tem constituído massas de trabalhadores autônomos ou assalariados com
rendimentos ínfimos que os levam a uma vida precária e sem proteção social,
considerados potencialmente perigosos.
A desigualdade vem a ser um dos principais determinantes da pobreza no
Brasil. Diante disso, quando falamos de classes sociais, estamos justamente
articulando essa divisão socioeconômica existente na sociedade capitalista, isto é,
enquanto a classe trabalhadora é explorada, a dominante se apropria de todo o lucro
produzido. Para Marx (1980), o que controla e baseia a sociedade são justamente as
relações econômicas. As diferenciações provocadas pelas relações de produção que
vão gerar as classes sociais. É no sistema capitalista de produção que podemos
observar as classes que estão no controle do processo – dominante – e classes que
são subalternas a esse processo – proletariado. Essa exploração aponta a
contradição do sistema: a classe trabalhadora produz e não tem direito ao lucro,
enquanto a burguesia não produz e fica com todo o lucro. Nessa perspectiva então,
para o intelectual, o proletariado só tinha condições de acender na sociedade através
de uma revolução do próprio proletariado, visto que esses eram extremamente
explorados para fins lucrativos da burguesia dominante. É com essa visão divisão de
classes que podemos visualizar a desigualdade socioeconômica que a sociedade
enfrente até os dias atuais.
O quadro social do Brasil evidencia a persistência da pobreza e da
desigualdade, como uma forte e devastadora realidade. Dessa forma, quando
colocamos em pauta um indivíduo privado, por exemplo da educação, podemos
identificar a marginalização presente na vida deste. Há diversas questões rodeando
um indivíduo que não tem acesso à escola no Brasil, muitas vezes, ainda criança, é
colocando a função de trabalhar para sustentar a família, pois esta não tem renda para
alimentação básica. Assim, é possível perceber que as necessidades de subsistência
colocam o indivíduo automaticamente à margem, e então recai sobre ele todas as
25

consequências dessa segregação advinda do sistema capitalista: desigualdade,


preconceito, racismo e exclusão social.
Por meio desse debate, foi possível reconhecer que toda a herança histórica,
social e política que o Brasil carrega, reflete, até o atual momento, nas expressões da
questão social. A criminalização do sujeito pobre e preto tem uma base estrutural
muito vasta, repleta por uma dolorosa realidade que se manifesta de inúmeras
maneiras. É diante desse aterrorizante fardo que propomos esmiuçar como o Estado
responde a esse processo e de quais maneiras esses fenômenos perduram na
contemporaneidade.

1.2.3. Estado e criminalização

Como já foi discutido, o racismo deriva da própria estrutura social. É a partir


disso que analisaremos a função do Estado e sua conduta perante a criminalização
do pobre negro na sociedade.
Em sua obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Engels
(1984), vai defender que o surgimento do Estado se deu conjuntamente com a
manifestação da propriedade privada, como meio de protegê-la. O filósofo vai falar,
portanto, que o Estado moderno é um comitê que administra os problemas da classe
burguesa. Este, por sua vez, não representa nenhum ideal de moral ou razão, e sim
uma força externa da sociedade que se põe acima dela para garantir a dominação de
uma classe por outra.
É com o desenvolvimento do capitalismo que a política vai revelar uma
configuração mais autônoma e centralizada. Almeida (2018) explica que no
capitalismo, a organização política da sociedade não será exercida diretamente pelos
grandes proprietários ou pelos membros de uma classe, mas pelo Estado. Dessa
maneira, pode-se afirmar que Estado e capitalismo estão estruturalmente atrelados,
estes zelam para que suas formas sociais apresentadas – de mercado, economia e
política – possam endossar a existência de um controle social, isto é, que o poder
esteja sempre nas mãos do grupo dominante sobre o grupo dominado.
Após o início da expansão capitalista, o mundo passou a vivenciar sucessivas
crises. É no final do século XX que presenciamos a maior delas, tendo sido motivada
pelas baixas taxas de lucros, diminuição do consumo, produtividade baixa do trabalho
e outros determinantes que vão compor a lógica capitalista, e é mergulhado nesse
26

contexto que damos início ao século atual. Hodiernamente – século XXI – enfrentamos
uma crise do capital que vem deixado marcas na sociedade e em países com maior
nível de desigualdade social, que é o caso do Brasil. De acordo com Antunes (1999),
a crise do capital se expressa destruindo a força humana que trabalha, acabando com
os direitos sociais e transformando em predatória a relação existente entre
produção/natureza. Isto posto, podemos dizer que essa instabilidade no sistema afeta
diretamente a vida da classe trabalhadora brasileira, gerando uma sucessão de
eventos: uma vez que grandes empresas correm risco de perder seu lucro, isso
ocasiona um grande quadro de demissão da classe operária, o que, por
consequência, resulta em dois fenômenos: mais exploração e alta taxa de
desemprego. Ambos, frutos do capitalismo.
Até aqui é inegável notar o fato de que o sistema capitalista de produção não
esconde nenhum de seus fundamentos, principalmente que é calcado na exploração
e o seu suporte à classe burguesa. Mesmo tentando camuflar essa realidade, ao fazer
uma análise a respeito, torna-se notório. Portanto, podemos ver que a classe operária
é continuamente golpeada por essa organização, dispondo de condições precárias de
vida e trabalho, mais uma vez resultando na criminalização e marginalização
do indivíduo.
Almeida (2018) afirma:

Em uma sociedade em que o racismo está presente na vida cotidiana, as


instituições que não tratarem de maneira ativa e como um problema a
desigualdade social irão facilmente reproduzir as práticas racistas já tidas
como “normais” em toda a sociedade. É o que geralmente acontece nos
governos, empresas e escolas em que não há espaços ou mecanismos
institucionais para tratar conflitos raciais e de gênero (...) sem nada a fazer,
toda instituição irá tornar-se uma correia de transmissão de privilégios e
violências racistas e sexistas. (ALMEIDA, 2018, p. 37)

Como já foi visto, o preconceito racial é uma realidade na sociedade brasileira


e a desigualdade é uma característica inerente do nosso sistema, porém o que
ocasionalmente não é levado em consideração é que: o próprio Estado incita essas
conjunturas.
Mandel (1982), baseado em Marx, classifica as principais funções do Estado
no modo capitalista de produção: I) criar condições gerais para a produção capitalista;
II) reprimir qualquer ameaça das classes dominadas, usando para isso o exército, a
polícia e os sistemas judiciário e penitenciário e III) integrar as classes dominadas
27

garantindo que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante,


culminando na aceitação da exploração por parte do operariado. O autor ainda
complementa reafirmando a função repressiva (do Estado) de impor a vontade da
classe dominante por meio da coerção (exército, polícia, lei, sistema penal). Essa
função repressora, por sua vez, só incita uma sociedade cada vez mais calcada no
preconceito, onde é gradativamente naturalizado a não ascensão econômica dos
pobres, os reduzindo sempre a empregados das elites, exclusos de quaisquer
oportunidades.
A Fundação Rosa Luxemburgo9, publicou a pesquisa de Tatiana Merlino – Um
Estado que mata pretos, pobres e periféricos – e nesta, a pesquisadora e jornalista
dos direitos humanos expõe:

A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Grande parte


destas mortes são provocadas por agentes do Estado, representados pela
Polícia Militar. (...) Estes casos, em sua maioria, não recebem nenhum tipo
de investigação e acabam sendo arquivados, o que movimenta uma teia onde
a impunidade é a principal incentivadora de mais crimes. (...) A morte de
jovens negros, pobres e das periferias, principal alvo destas ações,
demonstra um genocídio em curso em todo o país, o que não comove a
sociedade, fruto do processo de desumanização que a população negra
enfrenta no Brasil, resquício de séculos de escravidão. (MERLINO, 2018, p.
01)

Por muito tempo, no Brasil, a pobreza foi vista como um sinônimo de


"vadiagem", tendo uma associação direta com a delinquência e a criminalidade, e isso
reflete até hoje na realidade diária da vida em sociedade. Loïc Wacquant (2001), em
suas análises, cita três casos de violência urbana ocorridos na Inglaterra, França e
Estados Unidos, tendo como protagonistas população pobre moradora de periferia –
em sua maioria imigrantes negros. Ele vai falar então que os três eventos decorreram
do mesmo fator comum: violência estatal. Isto é, o próprio Estado como agente da
violência contra a classe pobre e negra. As autoridades estatais abusam do seu poder,
violentando membros da sociedade pelo fato de serem pobres, negros, vistos como
inferiores e subalternos. O Estado, que deveria ser o maior provedor, agride não só
moral, mas fisicamente os indivíduos por suas condições e origem social.

9 A Fundação Rosa Luxemburgo é uma instituição de formação política com escritórios na África,
América, Ásia, Europa e Oriente Médio. A organização procura contribuir para a construção de uma
sociedade mais democrática e igualitária, promovendo pesquisa, reflexão e debate sobre alternativas
ao capitalismo.
28

Essa é uma dura realidade enfrentada nas entranhas do dia a dia do povo
brasileiro. Mais uma vez podemos analisar a presença do racismo estrutural, nas
instituições, perpassando assim o âmbito da ação individual, e se vinculando à ordem
social. Dessa maneira, conclui-se que o racismo é inerente à ordem social (ALMEIDA,
2018).
A Lei N° 11.343 – que regulamenta o consumo, venda e porte ilegal de drogas
como crime – sancionada em 23 de agosto de 2006, no seu capitulo III (dos crimes e
das penas), o artigo 28 afirma que: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes
penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à
comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.” Dando continuidade, o parágrafo 2 diz: “§ 2º Para determinar se a droga
se destinava a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da
substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente.”
Isto é, a constituição brasileira afirma que para determinar se o indivíduo é
consumidor ou traficante, é necessário levar em conta as condições sociais daquela
pessoa, juntamente com a análise do local onde a abordagem foi feita, também é
preciso verificar os antecedentes criminais. A partir dessa ação, é fácil perceber como
o próprio Estado criminaliza a pobreza, notamos aqui a discriminação operante,
definindo os lugares propensos ao tráfico de drogas. Assim, podemos analisar que o
preconceito e a criminalização são previstos por lei.
O G1 é um portal online de divulgação de notícias da Rede Globo, este é um
dos canais mais usados pela população afim de obter informação rápida e atualizada
sobre o país e o mundo. Porém, algumas manchetes chamam atenção ao descrever
a mesma situação com pesos diferentes. Uma das manchetes diz: “Polícia prende
jovens de classe média com 300 kg de maconha na Tijuca”10, porém diversas outras
notícias divulgadas pelo portal têm manchetes como: “Polícia prende dupla de

10
G1. Polícia prende jovens de classe média com 300 quilos de maconha. Disponível em
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/videos/t/todos-os-videos/v/policia-prende-jovens-de-classe-media-
com-300-quilos-de-maconha-na-tijuca/4067779/ Acesso em: 24 de setembro de 2020
29

traficantes que portava 10 kg de maconha na zona oeste de Boa Vista” 11ou “Polícia
prende traficante com 10 kg de maconha em Fortaleza”12. Ao decorrer da leitura das
notícias, podemos ver que as duas últimas se trata de pretos periféricos. Todavia,
esse tipo de notícia veiculada pela mídia é muito comum no Brasil.
O jornal online, El País, também publica algumas manchetes como: "A cocaína
que viajava no avião da comitiva de Bolsonaro”13, “Militar da comitiva de Bolsonaro é
preso com cocaína”14 ou "FAB intercepta avião com 500 kg de cocaína que decolou
da fazenda da família de Blairo Maggi”15. É comum que os noticiários tanto escritos
quanto televisionados velem informações quando se trata da elite brasileira. Com as
manchetes apresentadas é possível perceber que há uma manipulação na forma de
expor, onde as pessoas culpadas pelo tráfico de drogas não são expostas, ou até são
“livres” da culpa, que é transferida para terceiros, por exemplo, para o avião. Ao
decorrer da notícia sobre a apreensão de 500 kg de cocaína pela FAB – que tem o
ex-candidato à presidência da república, Aécio Neves, envolvido – um trecho dessa
diz: “A Força Aérea Brasileira (FAB) interceptou um avião que transportava 500 quilos
de cocaína em Goiás na tarde de domingo, 25. Segundo a FAB, a aeronave decolou
da Fazenda Itamarati Norte, no município de Campo Novo do Pareceis (MT)”.16 Nesse
fragmento há uma tentativa mascarada de persuasão para inocentar os responsáveis
pelo crime, melhor dizendo, os traficantes. Assim, é possível perceber a existência de
uma aliança entre o Estado e a mídia. Para o Estado então, o que define o indivíduo

11
G1. Polícia prende dupla de traficantes que portava 10 kg de supermaconha na Zona Oeste de Boa
Vista. Disponível em https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/01/03/policia-prende-dupla-de-
traficantes-que-portava-10-kg-de-supermaconha-na-zona-oeste-de-boa-vista.ghtml Acesso em: 24 de
setembro de 2020
12
G1. Polícia prende traficante com 10 quilos de maconha em Fortaleza. Disponível em
http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/03/policia-prende-traficante-com-10-quilos-de-maconha-em-
fortaleza.html Acesso em: 13 de setembro de 2020
13 ELPAÍS. A cocaína que viajava no avião da comitiva de Bolsonaro. Disponível em

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/02/politica/1562091519_351309.html Acesso em: 24 de


setembro de 2020
14
ELPAÍS. Militar da comitiva de Bolsonaro preso na Espanha com cocaína aceita 6 anos de prisão e
multa de 2 milhões de euros. Disponível em https://brasil.elpais.com/internacional/2020-02-24/militar-
da-comitiva-de-bolsonaro-preso-na-espanha-com-cocaina-aceita-6-anos-de-prisao-e-multa-de-2-
milhoes-de-euros.html Acesso em: 24 de setembro de 2020
15 ELPAÍS. FAB intercepta avião com 500 kg de cocaína que decolou da fazenda da família de Blairo

Maggi, diz FAB. Disponível em


https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/26/politica/1498506161_256460.html Acesso em: 24 de
setembro de 2020
16
ELPAÍS. ELPAÍS. FAB intercepta avião com 500 kg de cocaína que decolou da fazenda da família
de Blairo Maggi, diz FAB. Disponível em
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/26/politica/1498506161_256460.html Acesso em: 24 de
setembro de 2020
30

como criminoso é a cor da sua pele, um branco, mesmo com um número exorbitante
de carga de drogas em um avião, é inocentado e dispõe da droga para uso próprio,
porém, um negro com cem vezes menos do volume em uma mochila, é um traficante.
As práticas de atos criminosos, como roubos ou tráfico de drogas, são
associadas diretamente à pobreza, principalmente aos moradores de favelas. Essa
população, majoritariamente excluída, é vista como "inútil" ao capital, o que passa a
se tornar um constante perigo para a sociedade burguesa. Como visto, o Estado
criminaliza jovens pobres e negros, além de reproduzirem o discurso para a
sociedade, por meio da mídia, perpassando a sensação de medo e insegurança. Isso
produz desconfiança e reafirma ainda mais as desigualdades. Os alvos mais comuns
dessa criminalização apontada são jovens negros, pobres, população de rua e os
movimentos sociais. Com base nisso, podemos perceber o estigma sendo destacado.
O estigma social se define quando seu portador é designado como não
qualificado. Goffman (2004), esclarece como a “situação do indivíduo que está
inabilitado para aceitação social plena”. Assim, o estigma vai cumprir a função de
designar os pertencentes a um grupo e os que não são. Dessa maneira, torna-se
acessível compreender a "ameaça" a qual essa classe significa para a parte
privilegiada da sociedade. Os negros, pobres, marginalizados os quais falamos, são
um exemplo de estigma. Estes sofrem consequências, uma vez que são
desvalorizados, tidos como inferiores pela classe opressora, além de serem negados
os direitos e oportunidades. É comum e corriqueiro que a classe estigmatizada
apareça nas mídias como os autores de atos criminosos, sendo apanhados de
maneira imediata e preconceituosa, associados à prática do crime. Assim, a definição
de criminalização faz conexão sobre o quão suscetível essa classe vive. Sempre
acusados por crimes, ainda que inocentes.
Como se observa, a questão social no Brasil se expressa das mais variadas
maneiras, essas se expandem cada vez mais e afetam diretamente a vida dos
brasileiros. Exclusão e desemprego, como umas dessas expressões, fomentam o
grande cenário brasileiro que enclausura milhões de pessoas: portanto, como ser
pobre e sobreviver no Brasil?
A urbanização no Brasil tomou força na segunda metade do século XX,
alcançando a grande crise do capital no final dos anos 70, o que resultou num grande
porcentual de desemprego. Assim, parte da população não absorvida pelo emprego
formal, acabaram por adotar novas estratégias de sobrevivência. Foi então que o
31

mercado de trabalho informal – ou seja, o trabalho não regulamentado, autônomo –


se expandiu e é o principal meio de sobrevivência de pelo menos metade da
população brasileira até os dias atuais. A inserção no trabalho informal, é um processo
onde a sociedade passa a se “autoempregar”, assim considera-se como informal os
seguintes grupos de trabalhadores: “empregados sem carteira, doméstico sem
carteira, conta própria, trabalhadores na produção para o próprio consumo,
trabalhadores na construção para o próprio uso e os não-remunerados.” (COSTA,
2010)
A autora também pontua:

Esse movimento de expansão do trabalho informal teve impacto decisivo no


setor de serviços, tradicionalmente mais passível, em determinados ramos,
para a proliferação das atividades informais. Ampliaram-se, assim, os ramos
e atividades dos serviços de: apoio à produção e à comercialização industrial
(armazéns, ambulantes, as diversas atividades de reparação de carros,
eletrodomésticos, representantes autônomos, etc.), aqueles destinados às
unidades de consumo das famílias, aqui incluído o emprego doméstico, e aos
indivíduos; os serviços sociais; motoristas de táxi, caminhoneiros, e inúmeros
outros trabalhadores por conta própria. (COSTA, 2010, n.p)

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),


atualmente a informalidade atinge a vida de 41,1% dos brasileiros, essa vem a ser a
maior taxa desde o ano de 2016. Apesar da informalidade e da pobreza estarem
associadas, o indivíduo inserido no mercado de trabalho informal não é
necessariamente pobre, uma vez já discutido a dissociação entre pobreza/renda no
decorrer desse estudo.
Costa (2010), fala a respeito dessa dualidade:

A economia informal não pode ser considerada um eufemismo para a


pobreza, devido à sua elevada heterogeneidade: há muito dinamismo na
economia informal e ela é geradora de elevado nível de renda para muitos
empreendedores informais. Todavia, a noção de pobreza não pode ser
entendida apenas pelo critério de renda (ou insuficiência de renda), pois ela
também está relacionada ao consumo ou ao acesso a serviços, como
qualidade da moradia, acesso à educação, políticas de saúde coletiva, enfim,
à noção de direitos e de cidadania. Esses aspectos remetem às escolhas
políticas de uma sociedade e aos mecanismos que ela socialmente engendra
para distribuir sua riqueza. E esse é essencialmente o campo do conflito
político de classe. (COSTA, 2010, n.p)

Dessa forma, a classe social prejudicada pelo sistema enxerga na


complexidade do mercado informal um meio para a sobrevivência, sendo através de
venda de água na rua, artesanatos na praia, venda de produtos falsificados, fazendo
32

unhas à domicílios e diversas outras maneiras. O Estado, por sua vez, argumenta o
problema desse mercado informal para a economia do país: estes não pagam
impostos, ou seja, além de não contribuírem com essa arrecadação tributária, ainda é
“desleal” fazer vendas nessa situação, visto a injustiça com as empresas
regulamentadas.
Outra pesquisa do IBGE (2018), apresenta em dados que o trabalhador sem
registro na carteira ganha em média 44% menos que o empregado formal. Assim,
além da falta de garantias como: 13° salário, férias remuneradas, licença maternidade,
licença paternidade, depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e
seguro-desemprego; o indivíduo que por questões de subsistência se insere no
mercado informal quase sempre trabalha horas a mais do que previsto para o
trabalhador formal, e ganha menos. Mesmo diante disso, o Estado ainda criminaliza
diariamente esses trabalhadores, apreendendo suas mercadorias por pirataria (que é
crime), fechando pontos de venda de água nas calçadas ou na praia (pois é proibido)
ou expulsando agrupamentos de pessoas de pedaços de terra para morar ou plantar
(pois se configura crime organizado). Visto isso, é possível concluir que a
informalidade é fruto de um sistema tributário e burocrático profundamente opressor,
sobrecarregado de regulações e obstáculos que impossibilita os setores menos
favorecidos da sociedade a participar, marginalizando ainda mais os pobres que
constantemente lutam para se manterem vivos dentro de um sistema hostil.
33

CAPÍTULO 2 – A IMPLICAÇÃO DIRETA DA MÍDIA NA CRIMINALIZAÇÃO DO


POBRE E NEGRO E ANÁLISE DOS PROGRAMAS TELEVISIVOS E ENTREVISTA

2.1. Mídia e criminalização do pobre

Como já discutido anteriormente, a mídia, principalmente televisionada – que


atende a um público bem maior – tem grande influência na vida em sociedade, sendo
esse quarto poder um grande contribuidor e controlador de opiniões. Em primeiro
lugar, através das análises foi possível perceber de que lado a mídia verdadeiramente
atua e por quem essa é movida. Isto é, a mídia defende os interesses do capital,
passando para a sociedade seus valores como uma verdade absoluta. Desse modo,
a instituição – para proteger interesses próprios – acaba por manipular elementos da
informação para que os receptores moldem suas formas de pensar e possam
repercutir aquela opinião – acabando por se tornar senso comum – para a sociedade,
fortalecendo ainda mais pensamentos racistas e preconceituosos.
É a partir do século XX que a mídia se expande, o que antes era voltado para
a disseminação de informações ou noticiários políticos, agora emerge no mundo das
artes, encontrando no meio da indústria cultural – música e cinema – uma forma ampla
de lucratividade e de influência sobre a sociedade. Na sua obra A sociedade do
espetáculo (1967), Guy Debord fala a respeito dessa dominação midiática que
acontece no mundo pós segunda guerra, com o advento da globalização. Debord vai
dizer que a sociedade vive a era da “dominação das imagens”, onde essa exerce um
controle sobre as pessoas através dos elementos audiovisuais. Portanto, a utilização
desses recursos vai definir o que é esse espetáculo ao qual o autor se refere. Debord
ainda vai criticar o fácil controle social pela mídia e afirmar que “o espetáculo não é
um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por
imagens”. Dessa maneira, pode-se vincular a força dessa imagem com a sociedade
atual, utilizada pelas diversas mídias, manipulando e controlando as relações sociais.
Foi durante a década de 1920, aqui no Brasil, que a imprensa adotou em seus
impressos imagens fortes de acidentes e uma linguagem apelativa e direta, como
meio de retratar os crimes. Assim, os jornais passaram a refletir um horror,
despertando pavor na população, ao mesmo tempo que a curiosidade dos leitores. É
nesse contexto que o jornal impresso domina as ruas, atingindo todas as camadas
34

sociais, servindo agora como uma forma de entretenimento para a população


(BARBOSA, 2007).
Mesmo com a chegada do rádio anos depois, e logo após, a da televisão, o
crime ainda era o principal tema abordado por qualquer veículo de informação, uma
vez que estampar esse conteúdo atraia um grande público. Durante a ditadura militar,
a televisão passou a ser associada com o poder “estatal e político”. Souza (2017)
afirma:

É preciso ressaltar que esse jornalismo criado pela influência política da


ditadura militar, no Brasil, tratou de instalar, entre a população, o pensamento
de que inimigos internos e externos da pátria poderiam abalar a segurança e
a estabilidade do país. Nesse diapasão, a criminalidade passou a ser
retratada, na televisão brasileira, com o intuito de atemorizar a população
para um possível risco, o qual dava a sensação de necessidade de um Estado
forte, coeso, rígido e militar. Assim, os brasileiros uniam-se pelo medo.
(SOUZA, 2017, p. 84)

Nesse cenário, somado ao contexto sócio-histórico do Brasil, podemos


perceber onde têm sua gênese e se firma a imagem do “preto criminoso” que perpassa
e consiste até os dias atuais na sociedade. Em sua análise, Souza (2017) ainda
aponta a preferência da sociedade pelo consumo da notícia criminal acima dos
problemas governamentais de corrupção que nosso país enfrenta. Sobre isso ele cita
Zaffaroni, Barcesat e Feierstein (2012):

Os autores explicam que a preferência pela audiência de delitos violentos dá-


se por um fator de ordem psicológica: a criação de papéis e de estereótipos
criminais fundamenta a necessidade da sociedade de culpar determinados
grupos marginais através do elemento do medo. Assim, os popularmente
denominados “crimes de colarinho branco” não causam, de imediato, temor
à população, motivo pelo qual a mídia costuma os retratar de forma mais
imparcial e menos emotiva. (ZAFFARONI, BARCESAT e FEIERSTEIN, 2012,
apud SOUZA, 2017. p. 86)

Diante disso, é de grande pertinência que a partir daqui seja desenvolvida uma
análise correlacionando qual a imagem do pobre, preto e morador de periferia
apresentada pelas mídias, principalmente nos programas policialescos diários, e sua
interferência na opinião da massa social receptora.
35

2.1.1. Jornalismo policialesco e perfil desses programas no Brasil

O jornalismo policialesco no Brasil desrespeita os fundamentos do jornalismo


tradicional e transforma sua transmissão em um “show” sensacionalista para atrair o
grande público, visando sempre o aumento da audiência. A maioria dos programas
policiais brasileiros, apresentados diariamente, acabaram por se tornar um
entretenimento aos consumidores de canais abertos e fechados dentro de suas
residências. Esses programas atingem variadas camadas sociais, sejam elas
alcançadas apenas como telespectadores, sejam elas como vítimas desses mesmos
programas. Periago (2004, p. 5) vai dizer: “A espetacularização da notícia policial, por
meio de métodos extraídos do sensacionalismo, hiper-realismo e da dramaturgia,
vulgariza a TV, diminui a credibilidade do jornalista e falseia o conteúdo do fato diante
da realidade”.
Outro ponto relevante a se destacar a respeito do formato desses telejornais é
a maneira ao qual as notícias são apresentadas, isto é, de forma superficial e
impactante, esses adjetivos por si definem por completo esses programas. Periago
(2004), faz diversos apontamentos a respeito, destacando o tempo acelerado que os
telejornais precisam apresentar, portanto, as notícias não têm “tempo” de serem
aprofundadas. Porém, a crítica do autor se instaura quando este afirma que embora a
duração precise acontecer de forma acelerada, os telejornais policialescos
“aproveitam” seu período em tela para chamar atenção de todas as maneiras e atrair
seu público. Isso se faz com manchetes sensacionalistas, imagens impactantes de
mortes e crimes urbanos estampados nas televisões e sites. Portanto, fatores como a
briga pela audiência e custos das transmissões acabam por sintetizar as notícias
apresentadas, com apurações de fatos instantâneas, simples e diretas ao público,
optando por aderir essa face hostil de um “jornalismo”, totalmente apelativo, com o
objetivo de atrair. Alguns desses jornais também fazem coberturas de casos, tornando
a transmissão longa, porém as informações não são significativas, o que faz aquele
tempo de tela se tornar repetitivo, cansando o telespectador, uma vez que a notícia
não está sendo aprofundada, apenas acompanhada.
Programas como Cidade Alerta, Brasil Urgente e Patrulha da Cidade 17 são
grandes exemplos desse jornalismo policialesco consumido com frequência no Brasil.

17Adiante será elucidado, de maneira mais particularizada, a respeito do perfil de cada programa
apresentado nesse trecho.
36

Romão (2013), ao falar da estrutura básica desses programas, observa que esse
jornalismo pode ser dividido em três categorias principais, sendo cada uma delas
responsável por uma função especifica dentro da estrutura. Dessa forma, ele aponta
as categorias como: 1) o sensacionalismo (a captura da atenção dos telespectadores),
2) a construção da credibilidade (elementos que constroem a credibilidade e
autoridade dos programas) e 3) a visão de mundo do jornalismo policial (visão
apresentada dentro dos programas). O autor ainda cita as subcategorias que cada
uma dessas engloba, por exemplo: a dramatização, a ênfase de imagens, as figuras
de linguagem, a repetição na fala e a violência exacerbada, como parte do
sensacionalismo; o hiper-realismo, os depoimentos de autoridades, a postura
imponente do apresentador e o tom do discurso, constroem a credibilidade do
programa, e por fim, a realidade hostil apresentada, juntamente com a solução que
esses programas induzem: punição e agressividade por parte do Estado, como os
elementos de visão de mundo dos programas. Diante do exposto, é possível
compreender por onde esse tipo de jornalismo corre e as inteligíveis formas de
manipulação da massa.
O programa Cidade Alerta, é um grande exemplo desse telejornal policialesco,
cumprindo à risca as categorias e subcategorias pontuadas em sua apresentação. O
programa é exibido pela Rede Record, na TV aberta, e conta com Luiz Bacci como
atual apresentador – embora tenha tido a figura e Marcelo Rezende a frente do
programa por anos, tornado o último uma grande personalidade reconhecida no Brasil
e lembrada diretamente pela sua participação no programa. O Cidade Alerta é exibido
de segunda a sexta-feira no período entre 17h e 20h30 e ainda conta com a edição
“especial” aos sábados, reprisando os principais acontecimentos da semana. Este,
tem alcance nacional e internacional, já que é exibido pela Record Internacional em
mais de 160 países. O Brasil Urgente, programa concorrente do mesmo gênero, é
exibido de segunda a sexta-feira entre 17h às 19h na TV Bandeirantes e é
apresentado por José Luiz Datena (conhecido como Datena). Este, é exibido em
diversos estados e também em TV aberta. Ambos os telejornais são exibidos por no
mínimo 2h diariamente, justamente dentro do horário em que as pessoas começam a
chegar em suas casas optando por passar um pouco de tempo frente à televisão.
O programa Patrulha da Cidade, o mais antigo programa policial do Brasil, teve
início na Rádio Tupi e está no ar há mais de 60 anos. Esse programa se expandiu e
hoje é também televisionado em diversos estados brasileiros, com apresentadores
37

diferentes. Em Natal, no Rio Grande do Norte, o programa tem à frente o apresentador


e radialista Cyro Robson, conhecido como Papinha.
Todos os apresentadores dos programas citados apresentam uma mesma
postura. Estão sempre bem vestidos, com terno e gravata, cabelo bem penteado,
postura impune e voz alta. Sempre apresentam pontos de vistas fortes e tendem a
repetir todos os crimes retratados, juntamente com suas opiniões pessoais. Dito isso,
é possível encontrar todas as categorias mencionadas por Romão (2013) ao analisar
esses programas policiais mais populares. Há o sensacionalismo nas manchetes, a
investigação policial repleta de imagens fortes como atrativo aos telespectadores. Há
a imposição do apresentador para passar credibilidade para a sociedade e no
momento em que a sociedade – receptora – compra a voz daquela imagem influente
na TV, as ideias autoritárias difundidas atingem a massa, que tende a absorver e
moldar suas noções, reproduzindo pensamentos preconceituosos.
Maingueneau (1997), reitera que discursos proferidos por líderes sociais são
dotados de grande influência sobre a massa social. Ao estudar esses discursos, é
possível perceber o quão ativa essa influência se dá sobre os receptores leigos e
como é possível modificar as relações pessoais e as noções individuais da sociedade.
Assim, como já foi discutido previamente nesse trabalho, a televisão é o veículo
de informação mais consumido no Brasil e os jornais televisionados são base de
notícias atuais, do Brasil e mundo, por esses consumidores. Com base nisso,
podemos analisar então a influência que esse jornalismo, com todas as suas
características gritantes e propositais, e a maneira ao qual retratam as classes menos
abastadas da sociedade, tem sobre a vida do cidadão.

2.1.2. A criminalização televisionada

Ainda se tratando dos programas televisivos de cunho policialesco citados


acima, podemos destacar trechos ditos com constância pelos apresentadores. Frases
como “Bandido é a pior espécie” ou “Para esse tipo de gente monstruosa sou favorável
à pena de morte!” são alguns dos ditos ao vivo por José Luiz Datena, apresentador
do Brasil Urgente. Expressões como “vagabundo”, “bandido” e “escoria da sociedade”
também são usadas com frequência diariamente na exibição do programa. Assim, é
na fala e posicionamento do apresentador que o preconceito é ostentado e exibido
sem moderação.
38

Nesse tipo de conteúdo televisivo é comum escutarmos a opinião do


apresentador, junto ao entretenimento – de forma espetacular – disfarçados de
informação. Muitas vezes não é necessário perceber as entrelinhas para entender o
que os apresentadores querem dizer, por exemplo, a apologia a pena de morte é dita
de forma direta quando o apresentador do Patrulha da Cidade, Papinha, dispara
frases como: “Era bom que essa grade fosse daquela que solta assim, né? Pra fechar.
Na hora que ele botasse a cabeça: pluf!” fazendo menção a guilhotina. Em outro
momento, dispara: “Enquanto tão matando os bandidos, é um a menos para prejudicar
a gente”18, reforçando mais uma vez o deturpado e comum pensamento reproduzido
na sociedade de que “bandido bom é bandido morto”.
Sobre esse “espetáculo” ao qual o jornalismo é tratado por esse tipo de
programa, Negrini e Tondo (2007), afirmam:

A espetacularização é uma das formas de atrair a atenção do telespectador,


atuando na produção de sentidos. No caso do apresentador Datena, ele tem
uma atuação capaz de gerar mobilização no público e fazer com que este
esteja consciente da opinião do programa o tempo todo. Assim, podemos
considerar as atitudes do apresentador como a materialização do espetáculo
televisivo e como a plena exploração dos ingredientes peculiares da vida
humana. (NEGRINI e TONDO, 2007, p. 27)

Diante disso, o cenário do medo é construído no imaginário da população e


constantemente reiterado pelas figuras televisivas reafirmando dia após dia ideias
ignorantes. Essas figuras configuram-se num aspecto fidedigno, transmitindo para a
sociedade uma falsa credibilidade com suas falas repletas de arrogância e
prepotência, porém compradas devido ao tom sério e autoritário. É nesse cenário que
maior parte dos telespectadores são coagidos, influenciados pelo discurso de ódio
que é disseminado e disparado, em grande maioria, contra a classe de baixa renda.
No mesmo programa televisivo, Patrulha da Cidade, pode-se analisar mais um
reforço ao preconceito racial quando o apresentador tem como bordão, após a
apresentação alguma reportagem, a frase: “Quer botar papinha na boca do
neguinho?”, expressa em tom irônico, o apresentador induz que não deve existir

18
Ambos os trechos mencionados pelo apresentador do programa Patrulha da Cidade foram retirados
da pesquisa “Violação de direitos na mídia brasileira: guia de monitoramento”, desenvolvida pela ANDI
Comunicações e Direitos, em parceria com outras organizações sociais, em outubro de 2017. Assim,
foi realizado o monitoramento de doze edições do programa, totalizando mais de 17 horas assistidas.
Disponível em: https://agorarn.com.br/entretenimento/__trashed-28/ Acesso em: 13 de outubro de
2020.
39

facilidades ou brechas para criminosos, que precisam sempre ser punidos, reforçando
nesse ponto também a não acessibilidade de direitos humanos. Desse modo, conclui-
se ele entende como marginal a pessoa negra, referindo-se a qualquer um que comete
delitos como “neguinho”. Diante disso, é de fácil compreensão que o apresentador
reduz o negro a uma figura delinquente sem direitos a segundas chances e destinado
à punição, ainda pior, à pena de morte.
Até aqui elucidado, o jornalismo policialesco está sempre exibindo o crime em
sua pior forma. As invasões policiais dentro das favelas são mostradas como um
espetáculo em prol do bem da população, uma vez que a polícia entra para prender
traficantes, bandidos e acabar com o tráfico de drogas presente naquele meio. As
pessoas periféricas são exibidas como um mal e perigo constante à sociedade,
tonificando ainda mais a criminalização que as comunidades sofrem diariamente.
É comum vermos na televisão crimes sendo praticados por pretos periféricos,
onde esses apresentadores costumam expor toda a situação por longos minutos
repetindo os crimes e sua opinião pessoal, jogando ao público todos os seus
julgamentos. Assim, essa população, é sempre colocada na posição de perigo social,
apresentada como atores de crime em potencial.
Entretanto, não é necessário se restringir apenas a faceta policial do jornalismo
para identificar a inferiorização do negro na mídia. As propagandas televisivas,
telenovelas brasileiras ou seriados, também abrangem o preconceito no modo ao qual
o negro é mostrado, isto é, sempre de forma estereotipada. Negros costumam
aparecer em novelas e séries como grandes criminosos, pequenos ladrões, sempre
subjugados e servindo aos brancos, o que reforça ainda mais esses rótulos
preconcebidos.

As instituições como a família, escola e religião, enfim, a sociedade,


encarregam-se de transmitir os valores que já estão formulados e
perpetuados, de geração a geração. A propagação dos estereótipos
negativos em relação ao negro está presente na História, arraigados na
cultura brasileira e se disseminam de várias formas. (BARBOSA, 2002, p. 4)

Essa propagação de estereótipos cria vida nas telas, quando em ficção, o


homem negro é sempre o criminoso que mata ou corrompe o bom moço importante
de pele branca, a mulher negra é sempre a empregada da casa de brancos, ou até a
prostituta. Essa visão deturpada do preto é disseminada e enraizada no pensamento
40

do senso comum, que passa a entender aquilo como uma realidade generalizada sem
precedentes, até que essa concepção passa a ser reproduzida de forma inconsciente.
Em 2016, o jornal italiano fanpage.it 19 publicou um experimento social feito com
crianças negras do país. O experimento conhecido por “Teste da Boneca” –
desenvolvido pelo psicólogo norte americano Kenneth Clark, em 1939 – tinha como
objetivo “testar o grau de marginalização sentido por crianças afro-americanas e
causado por preconceito, discriminação e segregação racial”. O então experimento,
reproduzido na Itália, consistia em deixar uma boneca branca e uma preta sobre uma
mesa de frente para as crianças (entrevistadas uma por vez) e fazer perguntas simples
a respeito. O teste foi realizado com seis crianças (três meninos e três meninas) e
tiveram basicamente as mesmas respostas. Analisaremos a seguir:
Quando perguntado “Qual boneca é branca?” e “Qual boneca é negra?” as seis
crianças apontaram para as respectivas bonecas de forma correta, sabendo
diferenciar a raça. Quando perguntado “Qual boneca é bonita?” apenas uma indicou
a boneca preta como bonita e quando a pergunta foi “Qual boneca é feia?” apenas
essa mesma criança apontou para a boneca branca. O entrevistador então insiste com
uma criança: “Por que a boneca é bonita?” e a resposta é: “Porque tem olhos azuis!”.
Nesse ponto, é possível notar o preconceito arraigado nas próprias crianças negras,
apontando traços brancos como sinônimo de beleza, isto é, reproduzindo o que é
mostrado diariamente nas mídias e reafirmado pela sociedade: o branco como padrão
de beleza e sempre à frente em propagandas televisivas, papeis principais em filmes,
como príncipes e princesas de desenhos animados, grandes empregos e como
próprios modelos estampando capas de revistas. Aqui é possível identificar a falta de
representatividade negra na indústria cultural.
Ao desenvolver da entrevista, é questionado “Qual boneca é boa?” e todas as
crianças apontam para a branca, em seguida questionado “Qual é má?”, mesmo por
um momento hesitantes na resposta, e com dedos contidos na hora de apontar, mais
uma vez, por unanimidade, a resposta foi a boneca preta. O entrevistador insiste: “E
por que é má?” a resposta obtida é uma: “Porque é negra!”. Por último, é questionado
“Qual boneca parece com você?” e todos apontam para a boneca negra. Uma criança

19 FANPAGE.IT. Gli effetti del razzismo sui bambini: Fanpage.it rilancia il Doll Test in Italia. Disponível
em: https://www.fanpage.it/cultura/gli-effetti-del-razzismo-sui-bambini-fanpage-it-rilancia-il-doll-test-in-
italia/. Tradução em: https://www.youtube.com/watch?v=CdoqqmNB9JE Acesso em: 13 de outubro de
2020.
41

então argumenta com o entrevistador e diz estar ofendida quando ele a pergunta com
qual boneca ela se acha parecida, ao questionar o porquê ela se sentiu ofendida a
resposta é: “Porque você está me chamando de negra”.
É possível identificar a confusão no olhar de cada criança ao final do
experimento, quando apontam todas as más qualidades para a boneca preta e ao fim
se identificam como tal. Com isso, é possível refletir a respeito da construção da
identidade negra na sociedade. Os meios de comunicação transmitem valores e
modelos de conduta, nessa realidade é possível que a representatividade do negro é
mínima. As crianças então crescem vendo o homem branco na televisão como centro
de tudo, simbolizando o sucesso e a boa conduta, dessa maneira, acabam que
inconscientemente caindo no conformismo, reproduzindo, mesmo sem entender,
trivialidades de que o branco é bom e o negro é ruim.
O racismo não vai ser reproduzido na mídia de maneira aberta e escancarada,
com frases evidentes de inferioridade negra, ao contrário, ele se apresenta de forma
implícita e velada, naturalizando o racismo nas entrelinhas. Ramos (2007), afirma que:
“As dinâmicas de exclusão, invisibilização e silenciamento são complexas, híbridas e
sutis, ainda que sejam decididamente racistas.”
Com o que foi exposto, é possível considerar a grande mídia como o principal
agente difusor da imagem corrompida do negro na sociedade. Os telejornais policiais
sensacionalistas reafirmam diariamente o preconceito, entrando no imaginário dos
espectadores, alastrando a sensação constante de medo e insegurança, apontando a
população negra e pobre como perigo social. Dessa maneira, vemos o racismo
fortificado e viabilizado por uma instituição social.
Para além da exposição de dados bibliográficos, foi realizada uma pesquisa
empírica, analisando trechos de notícias acompanhadas de comentários da
população. Também foram realizadas entrevistas, fazendo parte de um estudo dessa
realidade, partindo do ponto de vista dos próprios prejudicados e excluídos dos
processos na sociedade.

2.2. Análises dos noticiários e entrevistas

A partir daqui, analisaremos trechos de notícias divulgadas em jornais


televisivos – que posteriormente são colocados em seus respectivos sites, e
repercutidos em toda a internet por meio de redes sociais etc., para o acesso público
42

– juntamente a isso, aos comentários deixados nas páginas, feitos pelos


telespectadores e leitores. Buscamos com isso, visualizar de maneira mais concreta
a influência e a reprodução de pensamentos que são perpassados para a sociedade
por meio dos dispositivos de comunicação.

2.2.1. Manchetes dos noticiários televisivos e comentários dos telespectadores

Como foi refletido até aqui, as matérias e manchetes que retratam o crime no
Brasil são exibidas de forma propositalmente premeditada para atrair a atenção dos
telespectadores. Analisaremos os trechos das notícias20 exibidas em TV aberta,
porém expostas na internet para o acesso de todos os públicos. A internet proporciona
com maior facilidade o posicionamento pessoal de cada indivíduo, dessa forma, torna-
se acessível coletar os comentários dos consumidores dos programas por meio dela.
Em primeiro lugar, de forma a reafirmar e exibir concretamente a
espetacularização dos programas policiais, o programa Cidade Alerta – sob liderança
de Luiz Bacci – exibiu de maneira insensível e grotesca uma situação altamente
vulnerável ao vivo. Após o ocorrido, diversos sites jornalísticos publicaram a notícia:
“Mãe desmaia ao vivo ao descobrir assassinato da filha em programa da Record”. 21
Durante a exibição do programa, Andreia, mãe de Marcela Aranda – jovem de 21 anos
que havia sido sequestrada – recebeu a notícia da morte da filha ao vivo. O jornalista
que entrevistava a mais velha comunicou ter novas informações sobre o caso e teve
a insensibilidade de perguntar se aquela mãe, sem notícias da filha há nove dias,
queria saber da apuração naquele momento, Andreia logo respondeu que sim e então
foi revelado o assassinato de sua filha. No mesmo momento a mãe passa mal e aos
gritos desmaia.
A câmera permaneceu focada em Andreia, e a tela do jornal continuou dividida
entre Luiz Bacci, no estúdio, e aquela mãe desmaiada sendo socorrida pela equipe

20 As manchetes analisadas foram retiradas do Facebook oficial do programa Cidade Alerta, programa
esse investigado nesse estudo.
21 Um dos sites jornalísticos a divulgar foi o Correio Braziliense:

Correio Braziliense. Mãe desmaia ao vivo ao descobrir assassinato da filha em programa da Record.
Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/02/18/interna-
brasil,828822/mae-desmaia-ao-vivo-ao-descobrir-assassinato-da-filha-record.shtml Acesso em: 23 de
outubro de 2020.
43

do programa. Tamanha impiedade chocou diversos telespectadores o recorte do duro


vídeo logo tomou conta das redes sociais.
Com isso, podemos identificar, mais uma vez, a espetacularização da notícia.
Esse tipo de programação tem seu foco em atrair o público mostrando a degradação
e a pior versão de qualquer conteúdo, camuflado de informação. Não há respeito pelo
sentimento alheio, querem a comoção do público que ao assistir entendem que aquela
é a realidade em sua forma mais “pura” sendo mostrada. Dessa maneira, não há a
compreensão de que o exibido não passa de uma manobra do sistema para prender
os olhos do público onde há a maior divulgação de que o preto é um bandido em
potencial e que a vida do cidadão de bem está sempre em risco.
O canal do Facebook22 do programa Cidade Alerta divulga todas as notícias
apresentadas em seu programa, de forma rápida e atualizada. O modelo das notícias
apresentadas no facebook é composta por uma grande imagem com a manchete e
uma descrição de duas a três linhas a respeito do ocorrido, portanto, para ter acesso
a reportagem completa eles disponibilizam o link do site oficial – R7 da Rede Record
– e quando direcionado para o mesmo, é possível ler uma versão maior da notícia,
acompanhada do recorte do vídeo do noticiário exibido no programa. Com isso, os
comentários da população foram retirados da página oficial do programa, esta conta
com mais de nove milhões de seguidores e mais de seis milhões de curtidas.
Na manchete “Homem que sequestrou mulher em supermercado se entrega à
polícia”23, de primeira não é divulgado informações a respeito, nos deparamos apenas
com o título da notícia. No correr dos fatos expostos, é possível compreender o
acontecido: o homem citado observa a cliente do supermercado fazer as compras, por
fim, quando esta vai de encontro ao próprio carro, é abordada. O homem então entra
no carro e dirige por alguns metros, onde libera a vítima e segue sozinho. Mais na
frente, ao abandonar o carro na rua, leva as compras junto a ele e uma quantia de
dinheiro. Ele ainda comenta que cometeu o ato “por impulso”, além disso, não
apresentava nenhum antecedente criminal.
Comentários dos leitores no post com apenas título da notícia e uma imagem:

22
Facebook. Cidade Alerta Rede Record. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/CidadeAlertaRecord/ Acesso em: 23 de outubro de 2020.
23 R7 Record Tv. Homem que sequestrou mulher em supermercado se entrega à polícia. Disponível

em: https://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/homem-que-sequestrou-mulher-em-supermercado-
se-entrega-a-policia-22102020?fbclid=IwAR07rC-
cEPqcGk8mXgk3YY8_52KqC2vqk8VrtH4dKXXYMEgCi-Pst2x31dE Acesso em: 23 de outubro de
2020.
44

I. “Sem vergonha e ainda tem direito de vagabundo defendido, onde estão


os valores e direitos da vítima? Esta lei tem que mudar.”
II. “Aí você mata um traia deste você vai preso.”
Mais uma manchete onde é exposto apenas título e imagem: “Briga de jovens
por pipa acaba em tragédia entre vizinhos”24.
Comentários dos leitores:
I. “Se não fosse a pipa, certamente seria qualquer outra coisa!!!
Simplesmente ele revelou a má índole dele, a pipa só foi um pretexto!! E assim se
revela o que cada indivíduo carrega dentro do seu coração!! Se é luz; a bondade
sempre se manifestará, agora se é trevas; a maldade.”
II. “As famílias das vítimas têm que começar a fazer justiça com as próprias
mãos.”
III. “Brasil deveria ter pena de morte para vagabundo.”
IV. “Nesse caso seria melhor a polícia matar esses lixos do que entregar pra
justiça soltar dias depois.”
Nesses dois exemplos, podemos perceber a opinião da população a respeito
dos dois casos. Como falado anteriormente, no modelo de reportagem pela rede
social, primeiro é exposto imagem junto à um título, para ter acesso a notícia completa,
é necessário clicar no link que dirige o consumidor ao site oficial do programa. Muitas
das vezes, esses telespectadores, em busca de informação rápida, acabam
consumindo apenas títulos de diversas notícias, sem se dar o trabalho de ler os
detalhes. Além disso, os seguidores da página online, em sua maioria, são
telespectadores do programa, acostumados com a dinâmica.
É possível perceber o discurso de ódio perpassando nos comentários, palavras
bastante similares às ditas pelos apresentadores dos programas já analisados no
capítulo anterior.
Mais uma manchete no Cidade Alerta: “Boneca do crime: jovem é presa por
vender drogas em casa no Pará”25. A jovem se trata de uma menina negra, de 19
anos, presa por porte de entorpecentes em casa. Quando questionada, assumiu que
mantinha em casa poucas gramas de drogas. A polícia então apreendeu junto a droga,

24 Facebook. Cidade Alerta: Briga de jovens por pipa acaba em tragédia entre vizinhos. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=658516074855871 658516074855871 Acesso em: 23 de outubro
de 2020.
25
Facebook. Cidade Alerta: “Boneca do crime”: jovem é presa por vender drogas em casa no Pará.
https://www.facebook.com/watch/?v=714304765958952 Acesso em: 23 de outubro de 2020.
45

dinheiro trocado (maioria em moedas de um real). Os comentários que acompanham


as notícias, são:
I. “Quando aparecem espancadas, assassinadas... Aiinn coitadinhas!
Falta de oportunidades! Culpa do Bolsonaro!” – com ironia.
II. “Boneca onde? Se isso daí é boneca, eu sou a Barbie.”
III. “Boneca de vudu, só se for”
IV. “Um trouxa pega nela, depois tem que a matar”
Aqui percebemos a vulnerabilidade da vítima apontada. Uma mulher negra,
solteira, mãe, vendendo entorpecentes, ficando com dinheiro trocado. O noticiário
aponta a mesma como traficante, a mostrando na frente do banner da polícia militar.
O Apresentador ainda aponta para o rosto da garota e se refere à mesma como “lata”.
Nos comentários, além do preconceito racial escancarado e a agressividade evidente,
pode-se notar o vínculo que a sociedade faz a bonecas como garotas brancas. A
internauta ainda cita a Barbie – conhecido brinquedo de cor clara, cabelos loiros e
olhos claros. “Barbie” sempre foi um adjetivo para beleza na nossa sociedade. Dessa
forma, não cumprindo esse padrão, a noticiada foi dada como “boneca de vudu” de
modo pejorativo.
Com base no mostrado, é possível entender de maneira concreta a visão do
corpo social a respeito do negro. Foi analisado até aqui o contexto sócio-histórico onde
podemos apontar a origem brutal dessa visão deturpada. Porém, após a apuração da
maneira a qual a mídia retrata até os dias atuais essa camada social, é necessário
escutar esses que tanto são estigmatizados e exclusos.
Para essa pesquisa, foram realizadas entrevistas para melhor compreender o
ponto de vista de pessoas pobres e pretas sobre a mídia que tanto os atacam e
estereotipam suas cores e suas vidas. Em um primeiro momento, faz-se necessário
dizer que no projeto desse trabalho, foi definido que as entrevistas ocorreriam de
forma presencial no bairro do Jardim Lola, localizado na zona norte de Natal/RN.
Porém, devido a pandemia do covid-19 e respeitando o isolamento social, essa ideia
precisou ser readaptada. Dessa maneira, as entrevistas foram realizadas a distância
(via internet) e com uma redução no número de entrevistados. Assim, por meio de
indicações de pessoas conhecidas foram entrevistadas 03 (três) pessoas negras,
moradoras de bairros periféricos tanto de Natal/RN quanto do Rio de Janeiro/RJ. Por
fim, a quantidade, mesmo reduzida, permitiu uma análise de aspectos importantes a
46

respeito do negro, sua cultura e a criminalização sofrida – expressas diariamente.


Conferindo então, a essa pesquisa, um caráter qualitativo.

2.2.2. Análise das entrevistas realizadas para a pesquisa

A primeira pergunta da entrevista, de forma introdutória ao tema, consiste em:


“Você já sofreu algum tipo de preconceito?” as respostas obtidas foram positivas e
imediatas, sempre cheias de histórias carregadas para ilustrar.
Entrevistado 01: “Sim, diariamente. Às vezes é muito mais disfarçado que
outras, mas sempre acontece. Tem coisas escancaradas, mas tem coisas que só o
negro vê. Tipo um olhar, uma segurada de bolsa ou um segurança seguindo na loja.”
Entrevistado 02: “Eu acho que 90% dos pretos já sofreram o preconceito racial,
independente da classe social e de quanto dinheiro, ainda mais nós que moramos em
bairros periféricos.”
Entrevistado 03: “Desde sempre, desde que me entendo por gente eu sofro
preconceito. Eu só não entendia que aquilo era preconceito. Quando eu era bem
pequena as coisas aconteciam e eu pensava que tinha algo errado comigo, ou que as
pessoas não gostavam de mim por não gostar mesmo. Eu não tinha noção dessas
coisas. Nos colégios que estudei, normalmente eu era a única preta do colégio. Então
sempre foi bem complicado.”
A respeito de acusações, o entrevistado 01 conta:
“De uma forma mais fortemente, eu já sofri uma acusação! Uma acusação de
roubo e tal, da polícia mesmo. Inclusive estamos na justiça vai fazer um ano e meio.
Eu estava voltando do supermercado, porque tinha ido comprar um livro de desenhar
pro meu irmão e a polícia me abordou e pediu a nota fiscal do meu celular, só que
ninguém anda com nota fiscal, né? Aí eu falei pra ele que não tava com nota fiscal,
desbloqueei meu celular, mostrei minhas fotos e tal, e mesmo assim ele falou que eu
tinha roubado. Me agrediu verbalmente. Me agrediu fisicamente. Enfim, eu tenho até
exame de corpo de delito, testemunhas e tal que podem provar isso, e simplesmente
levaram meu celular pra delegacia.” Nesse momento, há uma pausa, é possível ouvir
a voz embargada pelo choro, o próprio ainda pontua “Eu não vou chorar”, antes de
seguir: “Levaram meu celular pra delegacia porque acharam que eu tinha roubado.
Esse episódio foi o que mais me marcou, por ser algo tão escancarado. Mas
diariamente tem sim um preconceito de “leve”, de “leve” entre aspas, né? Porque pra
47

mim tem um peso muito grande, mas é de uma forma mais discreta, vamos dizer
assim.”
Até aqui vemos o descaso, o preconceito enraizado e o Estado contra o próprio
negro. O Brasil é um país miscigenado, onde mais da metade da população é negra,
portadora de nenhum respeito e pouca representatividade.
A entrevista segue, e é questionado aos mesmos: “Já notou se alguém te
considerou uma ameaça? Principalmente em lugares públicos, como: estádio de
futebol, shopping etc.”, mais uma vez a resposta é positiva e imediata.
Entrevistado 01: “Sim! Em shopping sempre. (...) é algo que infelizmente
acontece no meu cotidiano, pra mim já é comum” ele retrata: “Fui pra um jogo com
meus amigos, todos brancos, só eu negro. Estava até de ‘braço dado’ com uma das
meninas e quando entramos o policial me tirou do meio, só a mim, e me deu ‘baculejo’.
Outro caso, quando estava voltado da praia de carro com meus amigos, o carro foi
parado e o policial pediu apenas o meu documento para ver se tinha antecedentes
criminais.”
O segundo entrevistado fala de maneira mais direta: “A gente já nasce se
sentindo ameaça, principalmente pela polícia. Eles sempre nos veem como ameaça.
Na rua a noite ou madrugada dependendo se eu estiver com outros amigos negros,
também em lojas de departamento a gente sempre é olhado de forma diferente pelos
seguranças.”
De forma a ilustrar melhor, o entrevistado 03 compartilha também de situações
específicas as quais isso acontece com frequência: “Isso acontece direto. (...) Esses
dias eu estava na fila de uma loja do shopping, eu estava na frente e minha mãe ainda
ficou olhando mais algumas coisas e como só entrava uma pessoa por vez, ficou eu
na frente, uma senhora atrás e só depois minha mãe entrou na fila, minha mãe é
negra. E daí eu pedi para minha mãe trocar de lugar comigo para ela passar as
compras dela primeiro, quando isso aconteceu, a mulher que estava entre a gente
começou a confiscar os próprios bolsos, passando as coisas para a frente e fechar a
bolsa segurando forte. (...) No meu bairro, eu não posso correr. Eu moro em bairro
comercial, então estou sempre saindo para comprar algo rápido. Passar correndo no
meio do meu bairro? Sendo eu? Eu vejo muita coisa. Quando eu corro ou aumento o
passo, as pessoas em volta se agitam. As mulheres apertam as bolsas. Muitas vezes
eu me assusto e olho pra trás pensando que tem alguém, mas aí lembro que problema
sou eu.”
48

Com os relatos, vemos o racismo impregnado, transformados em ações no dia


a dia, nem sempre de forma velada. O negro é notoriamente estereotipado, como já
discutido, colocado como um “indivíduo perigoso” capaz de cometer crimes, vistos
sempre como constantes riscos à sociedade.
Por continuidade, a respeito das mídias consumidas pelos entrevistados, foi
questionado: “Qual é a principal fonte de informação e notícias da sua casa?” e “Quais
os programas de televisão que você, família ou vizinhos assistem?”
Entrevistado 01: “A gente se baseia em jornais, mas eu tento filtrar muito,
porque eu acho que nunca é neutro, nunca é uma coisa sem partido. Eu sempre acho
que os jornais e tal, enfim qualquer meio televisionado hoje em dia tem política por
trás, sabe? Tem uma opinião formada, acho que nunca é uma coisa neutra. Mas eu
assisto os jornais de meio dia e da noite, quando tenho tempo.”
Entrevistado 02: “Eu me alimento mais em redes sociais, mas meus pais em
jornais televisivos diariamente”
Já o 03, falou a respeito da tradição dos programas policialescos: “Meus pais
assistem todos os jornais e meus vizinhos também, eles comentam. Na minha casa
já é tradição almoçar vendo aqueles programas violentos. Tipo o do Papinha ou o
Cidade Alerta. Eu não gosto. Aquilo coloca a galera negra para linchamento, 90% das
pessoas que passam são negras. Às vezes não tem comprovação do crime e eles
estão estampados na TV. Então a principal fonte de informação daqui são esses
programas de TV e os vizinhos que sempre trocam informação, mas também
baseados nesse conteúdo”.
Por continuidade, já entrando numa discussão de forma mais aprofundada, é
indagado: “Como você se sente quando jornais de noticiários retratam o crime? Você
acha que há julgamentos de pessoas que são pretas e pobres?”, assim a entrevistada
03 continua:
“Cem por cento! Eu acho que esses jornais são feitos para mostrar pretos e
pobres como pessoas ruins. Às vezes nem tem boletim de ocorrência feito e já estão
estampando-os, chamando de bandido. Esses programas existem para lucrar em
cima do pobre e do negro, sempre mostrando que o pobre tem a vida ruim, triste e
que o negro é um bandido. Quando é um branco em questão, as notícias são
“empresário envolvido com droga”, quando é preto é automaticamente “traficante”. O
branco pode ser um tráfico no nível que sustentava a cidade inteira com drogas, o
49

negro muitas vezes está com gramas. O branco tá com um helicóptero de cocaína e
ainda é empresário, é estudante de universidade. Noticiários tem julgamento sim.”
O entrevistado 01 afirma: “Isso aí é uma coisa nítida. Como eu falei, sempre
tem algo político por trás, de certa forma sempre acaba sendo de uma forma muito
radical ou tem pessoas que criminalizam muito a pessoa pobre e negra, ou tem
pessoas que omitem, não falando a respeito. Eu acho que a gente tem muito mais a
mostrar e que as pessoas esquecem de proposito de falar. É muito rico em cultura,
sabe? Simplesmente apagam isso e deixam de falar ou criminalizam. É algo que mexe
muito comigo, acho que uma das pautas que mais bato hoje em dia é sobre isso.
Sobre essa falta de informação real do que são as pessoas periféricas. Porque acho
que todo mundo que não é de periferia acaba tendo medo de pessoa de periferia por
não conhecer, por essa forma que é retratada na televisão e mídias. (...) tem muito
projeto social que deveria tá em destaque, mas não tá, só tá esse acesso a armas e
as drogas.”
As falas destacadas reforçam mais uma vez a face grotesca escolhida pela
mídia para retratar a vida na periferia. Os entrevistados pontuam tanto a respeito da
desigualdade, ao falarem da diferença do branco e do preto sendo expostos na mídia,
quanto da face violenta e amplificada da favela. Pela influência midiática, é assim que
é fixado no imaginário da sociedade. As novelas mostram pretos como favelados,
criminosos, empregados domésticos, enquanto os brancos são médicos ricos,
moradores de mansões. Mais uma vez é ratificada a ideia de que pretos servem os
brancos e resgatando um histórico doloroso imutável.
Na mesma linha de raciocínio, é questionado: “Acha que a mídia pode fazer a
sociedade a pensar assim e a reproduzir esse pensamento no meio social? Se sim,
como você acha que a mídia faz isso?”, o entrevistado 02 então respondeu:
“Isso só me vem à cabeça as novelas, que geralmente o papel do preto é de
bandido ou empregado. Dificilmente no papel de galã ou do mocinho. Apesar de achar
que isso tá mudando de forma lenta. O Babu Santana do “BBB”, por exemplo, o cara
foi taxado de agressivo e várias coisas, enquanto isso uns dois anos atrás a menina
(branca) fez coisa muito pior e ganhou o prêmio.”
O entrevistado 03 reafirma: “Claro que sim. A mídia faz de um jeito premeditado.
O negro nunca está em bons papéis na mídia, só em coisa ruim.”
Por último, é feito uma questão não tão direcionada, de forma mais aberta aos
entrevistados para poderem explorar, assim é notoriamente pontuada a falta de
50

representatividade. “Como você acha que os programas poderiam tratar a pessoa


pobre, negra e que mora na periferia?”
Entrevistado 01 começa: “Eu acho que a televisão precisa dar lugar de fala pra
essas pessoas e não induzir os pensamentos delas, não mostrar aquilo que eles
(receptores) querem ouvir, mas realmente ouvir o que passa dentro deles, se infiltrar
mesmo e ver o descaso social que é, sabe? A televisão tem um grande poder, na
verdade eu acho que a coisa que mais controla as pessoas hoje em dia são esses
meios de comunicação, seja ele televisionado ou via internet, ou redes sociais, rádio...
Eu acho que a mídia tem uma responsabilidade muito grande e deve mostrar o que
realmente acontece.”
A falta de representatividade é apontada:
“Eu acho muito difícil um jornalista branco, que cresceu a vida toda com todas
as oportunidades de vida, criar uma matéria sobre pessoas negras periféricas. Mesmo
que ele se esforce ao máximo e tenha empatia pela causa, ele nunca vai retratar o
que realmente acontece, só uma pessoa que vive isso diariamente pode retratar isso.
Tem tanta coisa que precisa ser falada... existe essa questão racial, existe essa
questão estrutural de drogas, pessoas periféricas e pessoas negras. Existe casos de
maus tratos domésticos que infelizmente existe muito em periferia. Às vezes as
pessoas esquecem. Eles gostam muito de mostrar números e estatísticas, “Ah, mais
um caso de feminicídio dentro da favela”, mas quando uma mulher negra tenta se
posicionar, quando ela tenta falar, ela é impedida. Quando uma pessoa pobre tenta
falar, ele é impedido. Quando um homem negro tenta falar, é impedido.”
O entrevistado 02 fala: “No geral, acho que o caminho é explorar o lado bom
da periferia e favelas, onde a maioria das pessoas são de bem. Explorar o talento das
pessoas de lá, explorar a arte, os projetos sociais e tirar essa imagem que só tem mal
elemento em bairros periféricos e favelas.”
O 01 volta a explanar refletindo sobre a saúde mental do negro: “Deve haver
um cuidado muito grande, porque pode acarretar também muitos problemas
psicológicos. Esses dias eu estava vendo uns estudos que diziam que pessoas negras
são muito mais propensas a ter depressão. Acho que 90% das pessoas negras tem
ou já tiveram algum problema psicológico, ou ainda vai ter. E acho que é exatamente
por isso, por essa falta de espaço, de mostrar quem ela é, e não assassinar a cultura
dela, não assassinar o jeito de se expressar, não apagar o passado, porque
infelizmente acontece muito atualmente, as pessoas apagam as coisas, marginalizam
51

nossa cultura. Por exemplo, a questão do candomblé, eu vejo que a mídia é muito
cristã e para mim isso é algo absurdo, porque marginalizam a religião das pessoas.”
E conclui: “Então acho que se der um lugar de fala para essas pessoas se
expressarem já ajudaria muito, não resolveria o problema, mas ajudaria muito e
ajudaria também a muitas pessoas criarem esse pensamento próprio, mostrar o quão
rico a gente é. Mas infelizmente é muito difícil mudar, pode ajudar, mas não mudar,
porque acho que no Brasil tudo é muito estrutural. O preconceito, o racismo e essa
desigualdade social, isso é muito estrutural.”
O entrevistado 03 fala: “Essas pessoas sempre estiveram aí, primeiro elas
precisam de oportunidades, precisam ser vistas. Eu sempre falo ‘precisam ser
tratadas como pessoas’, por que o que acontece? Se a pessoa é pobre, negra e mora
na periferia, o assunto que ela vai precisar falar é que ela é pobre, negra e moradora
de periferia. Tem muita gente fazendo de tudo, produzindo som, arte, conhecimento,
mas a gente sempre vai estar voltado a falar sobre escravidão, violência, racismo. Não
estou reclamando de estar aqui falando sobre, também é um lugar para expressar, é
uma pesquisa, o que eu quero falar é: muitas vezes esses temas não são pautas, mas
quando chamam um preto se torna. Por exemplo, estão fazendo um trabalho de inglês
e me chamam para participar, aquilo automaticamente se torna sobre racismo, não é
mais o que era antes. Tem uma galera de periferia despontando, fazendo blogs sobre
moda e essas coisas, mas o que acontece? Quando chamam essa pessoa para falar,
não vai ser sobre o trabalho dela, da moda, é sobre racismo, é sobre como a vida é
difícil, é sobre como ser negro é difícil, é sobre como começar na periferia e como é
viver na pobreza. Parece que a gente só pode ser isso! Acaba que pessoas negras
fazem coisas para outras pessoas negras, porque aí há o reconhecimento e a
abordagem da forma certa. Um negro quando chama outro negro para trabalhar no
seu projeto, não é pra falar de racismo, quando um branco chama, é. É isso que quero
dizer quando falo ‘tratar como pessoas’. O negro é sempre visto como exótico.”
Essa é uma reflexão de grande importância. O negro sempre é vinculado aos
fatídicos acontecimentos com sua raça, sempre é tratado como um resquício da
escravidão, a resgatando constantemente para os dias atuais. Embora a propriedade
para falar da sua raça, mais do que isso, precisam ser reconhecidos como igualmente
capazes. A comunidade negra vem alcançando grandes espaços na modernidade,
ainda de forma bastante reduzida quando comparados aos brancos, que mesmo
pobres, apenas a cor da pele os privilegia. Portanto, na fala, é apontado essa
52

separação social entre pretos e brancos, havendo uma não naturalização da raça,
reforçando a exclusão em outra esfera.
O Brasil teve uma taxa de aumento da população que se considera negra,
agora, os negros constituem mais da metade da população. Entre os anos de 2012 a
2018, dados do IBGE mostram um aumento em quase 5 milhões no número de
declarados pretos, que pela primeira vez, seguem sendo maioria no país. Por muito
tempo, a população brasileira, devido a miscigenação atrelada ao preconceito racial,
se considerava branca ou parda, isso tem uma ligação direta com o racismo estrutural,
a carga cultural africana segue constantemente na tentativa de ser apagada. Religiões
de matriz africana são demonizadas e discriminadas.

Gráfico – Número de pessoas que se autodeclararam pretas por ano

Fonte: IBGE/2018

A representatividade é um fator fundamental na construção da subjetividade e


identidade negra, é a partir dessa que o negro começa a se enxergar, se entender a
ponto de se aceitar e se reconhecer como um, abraçando seus ancestrais. A influência
negra, lentamente e com muita luta, vem conquistando seu espaço na sociedade.
Embora somados mais da metade do país, a representatividade no Brasil ainda é
mínima. Em 2018, a estreia da novela “Segundo Sol” na rede Globo, rendeu
discussões a respeito da falta de representatividade dentro da televisão brasileira,
sobre isso o canal Correio Braziliense26 divulgou uma matéria com falas com

26
Correio Braziliense. Espaço para atores negros na tevê brasileira é muito pequeno. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-
53

levantamento de dados relevantes. O ator André Luiz Miranda, de 33 anos, afirma:


“Só fazemos papéis escritos para negros. Na maioria das vezes, fazemos
personagens que não são bem sucedidos e carregamos o estereótipo que a tevê
delimita.”.
Campos e Júnior (2016), no estudo a respeito da diversidade racial nas
telenovelas das últimas três décadas, traçam um panorama sobre a
representatividade negra nas novelas da Globo, de 1985 até 2014. O levantamento
aponta que: “93% das novelas tiveram protagonistas brancos contra apenas 7% com
ao menos um dos protagonistas preto/a ou pardo/a. Ao todo, apenas onze novelas
foram protagonizadas por atores e atrizes pretas ou pardas.” Outro ponto é que
nenhum dos escritores ou diretores das novelas foram considerados pretos ou pardos.
Além disso, os autores citam a constituição dos espaços de “branquidade”, bastante
presente na academia, que trata o mundo como se a ausência do negro fosse natural.
Sobre isso, expõe:

Os brancos estão no poder, real, na figura de escritores e diretores, e


simbólico, na sua forte dominância em papéis de protagonismo. De maneira
complementar, aos não brancos são relegadas posições subalternas,
marginais e estereotipadas. Cabe notar que mesmo quando são colocados
em papeis de protagonistas, os atores selecionados são majoritariamente
mais claros, ou seja, quase brancos. Por fim, a sobrerrepresentação de
brancos em novelas que pretendem representar o “povo brasileiro” ou a
população do sudeste, mesmo se comparadas a novelas que representam a
Europa, da mesma emissora, demonstram como o padrão branco é imposto
de maneira sub-reptícia por meio desses bens culturais. (CAMPOS e
JÚNIOR, 2016, p. 51)

Em 2019, no Dia da Consciência Negra, a Agência Lupa27 divulgou uma


pesquisa expondo em números – dados do IBGE – a desigualdade racial no Brasil.
No mesmo ano, quase 65% da população “desocupada” ou “subocupada”, isto é, fora
do mercado de trabalho formal, era negra. Essa porcentagem corresponde a dois
terços das pessoas que não tem emprego no Brasil. Em 2018, entre os 10% da
população brasileira que têm os maiores rendimentos do país, em média 27% são
negros. Além disso, as taxas de pobreza e extrema pobreza também são maiores
entre a população negra.

arte/2018/06/04/interna_diversao_arte,685838/negros-em-novelas.shtml Acesso em: 26 de outubro de


2020.
27
AFONSO, Nathália. Dia da Consciência Negra: números expõem desigualdade racial no Brasil.
Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/20/consciencia-negra-numeros-brasil/
Acesso em: 26 de outubro de 2020.
54

Quando falamos da representatividade no poder político, o número de negros


também é baixo: “Pardos e pretos são minoria no Poder Legislativo, apesar de esta
representação ser vital para a construção de debates e projetos que diminuam a
desigualdade no Brasil. Negros são apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9%
dos deputados estaduais eleitos em 2018.” No poder Judiciário, não é diferente, em
2013 – último ano com as informações disponíveis –, dados do Conselho Nacional de
Justiça, mostraram que 83,8% dos magistrados eram brancos, 14,2% negro e apenas
1,4% pretos.
Com isso, podemos visualizar a ocupação do preto no Brasil – que é composto,
majoritariamente, por essa população. O preconceito racial e o racismo são
construções sociais que desencadeiam a exclusão e a desigualdade, particularidades
essas que permeiam em nossa sociedade e a alicerça.
Dessa maneira, com base no que foi exposto e discutido nesse capítulo,
podemos então perceber o paradoxo existente entre a forma a qual a mídia
hegemônica brasileira, como uma instituição social, atua e como realmente deveria
atuar, visto o dever de informar a população. Assim, de forma a fugir da mídia
tradicional – mercantilizada – as mídias alternativas aparecem de forma voluntária e
singular dando voz às minorias.
Para entender melhor como a mídia alternativa se coloca:

Alguns teóricos definem que a sociedade contemporânea é altamente


midiatizada e com isso, todas as atividades e relações das pessoas são
modificadas. É pelo fato de muitas delas terem o direito à comunicação e à
informação negado que novas formas comunicacionais estão emergindo e
colaborando para que estes direitos sejam assegurados e se tornem
acessíveis às variadas camadas sociais. (ROGRIGUES E LIMA, 2018, p.03)

A mídia alternativa chega buscando uma forma de democratização da


informação – que não é exercida plenamente, visto que a mídia hegemônica é
direcionada e vendida. Durante as décadas de 60 e 70, a alternatividade tornou-se
conhecida pois atuavam no enfrentamento a censura militar que existia durante o
regime. Atualmente, principalmente com o avanço e popularização da internet,
podemos ver a mídia alternativa dando voz às classes exclusas socialmente,
permitindo mostrar uma outra face do que, por exemplo, os jornais policialescos estão
constantemente mostrando.
55

No Brasil, percebemos a mídia alternativa se espalhar, principalmente nas


redes sociais. Algumas páginas atuam na difusão de informações sobre movimentos
sociais, na dilucidação dos direitos cidadãos e na realização de análises políticas,
mostrando as propostas de cada candidato que concorre a cargos políticos em todo
país. Dessa maneira, encontramos na proposta e atuação da imprensa alternativa o
que é direito cidadão regulamentado e reconhecido pela Constituição Brasileira – que
objetiva a transparência de informações para com a população. Notamos dessa
maneira, o que se coloca como uma “saída”, um escape, da forma a qual a mídia
hegemônica tradicional e conservadora funciona. Desse modo, é possível entender a
imprensa alternativa como um espaço para a expressão das minorias, que é o caso
dos pretos e indígenas, e do protagonismo negro.
Mediante essa perspectiva, podemos então dialogar com o Serviço Social. O
projeto ético-político do Serviço Social brasileiro está atrelado a um projeto de
transformação da sociedade visando um “compromisso com a autonomia, a
emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais.” 28 Destarte, apresenta um
comprometimento no desempenho de uma mediação entre a sociedade e os direitos
humanos. O Serviço Social tem como dever profissional “analisar, elaborar, coordenar
e executar planos, programas e projetos para viabilizar os direitos da população e
seus acessos as políticas sociais.”29 Assim, o Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS) e os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), como Conjunto
CFESS-CRESS, em 2016, apresentaram a nova versão revisada da Política Nacional
de Comunicação. Dessa forma, podemos entender o posicionamento do Serviço
Social a respeito da informação como um direito.
O Serviço Social, juntamente aos movimentos sociais militantes da área,
passou a levantar a bandeira da comunicação como um direito humano e da
democratização da comunicação. Defendem assim, a construção de uma
comunicação com produção e acesso popular, com valores solidários entres as
classes subalternas, conferindo uma linguagem fácil e não discriminatória, visando
com isso a implantação de um processo democrático social. (CFESS-CRESS, 2016).

28 NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social. Serviço Social e
Saúde, v. 4, p. 141-160, 2006.
29 CFESS. Assistente social: um guia básico para conhecer um pouco mais sobre esta categoria

profissional. Acesso em, v. 8. Site do CFESS. Disponível em: http://www.cfess.org.br/ Acesso em: 29
de novembro de 2020.
56

A Política Nacional de Comunicação traz em seus princípios: “a defesa da


comunicação como direito humano de se expressar, receber, difundir informações,
ideias e opiniões por qualquer meio; a defesa da comunicação como bem público, de
caráter fundamental para o desenvolvimento sociocultural da população, em
contraposição à concentração e à mercantilização existente no Brasil; assim como o
fortalecimento de uma comunicação plural, no que diz respeito à imagem e à
linguagem, priorizando a diversidade e combatendo o preconceito por questões de
gênero, orientação sexual, raça, etnia, etc.”(CFESS-CRESS, 2016, p.15 e 16)
Dessa maneira, podemos perceber a atuação do profissional na defesa de uma
classe trazendo essa conexão ao campo da comunicação. A democratização da
informação e seu uso de maneira a abranger toda as classes, dando voz às minorias,
não é apenas uma viabilização de direitos, mas também um ato político, visto que a
comunicação tem o poder formador de opiniões, como foi possível perceber no
decorrer desse estudo.
57

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do estudo realizado, foi possível compreender o poder da mídia sobre


a sociedade. Com a modernidade cada vez mais avançada, a mídia se fortifica em
todas as suas facetas, o que torna sua influência poderosa. Embora a televisão ainda
seja o principal meio de difusão de informações, a internet tem grande poder,
ocupando o segundo lugar de meio mais usado no mundo. Como foi mostrado nas
análises empíricas, a internet é enorme e hodiernamente tornou-se uma plataforma
que dá voz ao povo, englobando inclusive formas da mídia alternativa. Assim, foi
possível entender e analisar o discurso midiático em sua abrangência.
O racismo perpetuado através da grande mídia, não é algo inerente ao ser
humano e sim um produto do sistema capitalista. Como foi analisado ao decorrer
desse estudo, o racismo tem sua base na formação sócio-histórica do país e, com o
advento do capitalismo, só tomou força passando a acompanhar a sociedade, se
fazendo presente até a atualidade. A desigualdade social é responsável pelas
condições de vida – subsistência – que a classe pobre enfrenta, com anuência tanto
do Estado, quanto da própria sociedade.
É necessária uma percepção delicada a respeito da escravidão, tratada no
início desse ensaio. Ao decorrer dos séculos, mesmo após sua abolição, é possível
enxergar uma alteração da mesma junto com o sistema. Isto é, hoje é possível ver os
negros – principalmente pobres – como escravos desse sistema excludente, com
poucas oportunidades e totalmente favorável a essa invisibilidade das classes menos
favorecidas, visto que não geram lucro para o capital. Embora não haja uma privação
direta da liberdade do indivíduo, é diante das questões sociais diárias que este se vê
“preso” ao sistema. Dessa maneira, podemos dizer que a população negra é
evidentemente um dos segmentos mais vulneráveis da sociedade capitalista.
De tal forma, podemos concluir que as propostas desse trabalho foram
comprovadas, uma vez que o desenvolver do estudo aponta de que forma a grande
mídia veicula o preconceito racial. Numa sequência construtiva, é mostrado dados a
respeito de qual meio de comunicação é o mais usado para o trânsito de informações,
apontando sua evolução entre as décadas até a atualidade e onde podemos perceber
sua influência na sociedade. Atrelado a esses fatos, é investigado as raízes históricas
do racismo no Brasil, passando a destrinchar ao correr das décadas como este vem
58

sendo perpassado e findando na análise, e exposição, de como a mídia apresenta-se


como manipulador de massas, desvendando também os motivos para tal.
Por fim, esse trabalho de conclusão de curso deixa espaço para que,
posteriormente, ideias sejam aprofundadas. A exemplo disso: explorar como essas
questões são diretamente violações aos direitos humanos, além de analisar acerca
das políticas sociais no Brasil. Da mesma forma, estudar a respeito da mídia
alternativa, sua atuação no Brasil e também a articulação com os movimentos sociais.
59

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65

APÊNDICE A - ROTEIRO DA ENTREVISTA

1. Você já sofreu algum tipo de preconceito?


2. Já notou se alguém te considerou uma ameaça? Principalmente em
lugares públicos, como: estádio de futebol, shopping etc.
3. Na sua opinião, negros, moradores de periferias, sofrem preconceito?
4. Qual é a principal fonte de informação e notícias da sua casa?
5. Quais os programas de televisão que você, família ou vizinhos
assistem?”
6. Como você se sente quando jornais de noticiários retratam o crime?
Acha que há julgamentos de pessoas que são pretas e pobres?
7. Acha que a mídia pode fazer a sociedade a pensar assim e a reproduzir
esse pensamento no meio social? Se sim, como você acha que a mídia faz isso?
8. Como você acha que os programas poderiam tratar a pessoa pobre,
negra e que mora na periferia?

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