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Desafios da Educação CTS e Objetivos da Agenda 2030

Tema: Educação CTS para a inclusão


Comunicação Oral

EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E SEU POTENCIAL PARA A REDUÇÃO


DAS DESIGUALDADES: Proposições ao Movimento Nacional de
Combate ao Abuso no Meio Ayahuasqueiro brasileiro - MovAya

Palavras-chave: Educação CTS; Ayahuasca; Antirracismo; Combate ao Abuso

Objetivo de Desenvolvimento Sustentável: 10 – Reduzir das Desigualdades

No final de 2020, em meio a pandemia de COVID-19, mulheres


ayahuasqueiras1, cisgênero, de diferentes classes sociais e oriundas das cinco
regiões do Brasil, se reuniram para produzirem uma carta-manifesto direcionada
principalmente às instituições religiosas que se utilizam do chá Ayahuasca como seu
sacramento central contra abusos e injustiças. Pois, ao tensionarem a realidade
diversa, encontraram violências de gênero, classe e étnico-raciais no meio onde se
consome a bebida enteógena Ayahuasca ou Hoasca, Yagé, Vegetal, Daime, Nixi-pae,
Uní, entre outros nomes. Perceberam que, ao identificar espaços e pessoas
ayahuasqueiras que propunham práticas abusivas também se observava, em muitos
casos, tentativas de dominação e subalternização de determinados corpos a
determinados contextos sociais e rituais religiosos, tal como uma reprodução das
violências estruturais a quais são impostas as minorias sociais.
Dessa reunião de mulheres surge o coletivo Maria Marques, fazendo alusão a
uma mulher cisgênero negra, figura importante na liturgia do Santo Daime, uma das
religiões ayahuasqueiras mais antigas. A partir da elaboração desse coletivo e dos
anseios em produzir materiais educativos, intervenções no meio e a realização de
debater com a comunidade ayahuasqueira no geral, é fundado o Movimento Nacional
de Combate ao Abuso no Meio Ayahuasqueiro – MovAya, que surge, portanto, como
uma resposta concreta ao levante dessas mulheres que vinham de diferentes linhas

1Por ayahuasqueira ou ayahuasqueiro entende-se a adjetivação daquela ou daquele que faz parte de
alguma comunidade que faz usos culturais e religiosos da bebida Ayahuasca.
e comunidades ayahuasqueiras. Desde então, esse movimento social tem produzido
e compartilhado materiais informativos, realizado estudos e pesquisas, acolhido
vítimas, e oferecido assistência psicológica e orientação jurídica, para quem tenha
vivido e/ou presenciado situações de violência.
O principal objetivo inicial de movimento, portanto, era combater abusos e
violências identificadas nos grupos ayahuasqueiros, de modo a combater a
reprodução de práticas sociais abusivas que estejam sendo reproduzidas no meio.
Foram recrutadas voluntários e voluntárias para o desenvolvimento da produção
desses materiais e intervenções, e o oferecimento desses serviços e orientações, de
modo que pessoas de todo o Brasil, com diferentes conhecimentos, abordagens e
perspectivas passaram a compor esse movimento, e dele também passou a emergir
as injustiças sociais que provocam exclusões sociais e silenciam as narrativas
dissidentes e minoritárias. Esses conflitos internos ficaram marcados na disputa de
narrativa interna do movimento social, e impactou diretamente na abrangência da
abordagem educacional dele, evidenciando a complexidade do tema que propõe
tratar, como veremos na análise desta apresentação.
É importante lembrarmos que este plano de consistência ao qual nos
remetemos quando falamos de comunidades ayahuasqueiras e as movimentações
sociais que delas derivam, somente é possível graças a existência de uma tecnologia
ameríndia que produz a beberagem Ayahuasca. Esta que possui usos milenares e
uma origem que remete aos quíchuas pré-colombianos, é comumente preparada
através da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e a sua posterior fervura com as
folhas da Psychotria viridis. Essa composição é a mais comum, principalmente no
Brasil, onde a a regulamentação dos usos da bebida foi determinada em 2010, por
meio da formação de um Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT) organizado pelo
Conselho Nacional de Drogas (Conad)2. O seu preparo foi condicionado à
combinação de poucas variações dos gêneros supracitados, muito embora ainda se
encontrem outras combinações em cenas culturais afro-ameríndias, tal como a
substituição do cipó pela planta Arruda Síria, Jurema, entre outras.
Os usos da Ayahuasca no Brasil, até pouco tempo, eram apresentados em
estudos acadêmicos como comportando algumas linhas institucionalizadas e alguns

2 Cf. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/subcapas-
senad/conad/atos-do-conad-1/2010/11___resolucao_n__01_2010___conad.pdf (Acessado em:
31/10/2023)
usos indígenas, porém o panorama da realidade ayahuasqueira em terras brasileiras
está em plena expansão, desde a década de 1970, e com isso uma diversidade de
usos têm surgido e provocado desde desconfortos a descobertas. Quando ainda na
década de 1920, um jovem preto, com cerca de dois metros de altura, nascido dois
anos após a abolição da escravatura no Brasil, filho e neto de pessoas que aqui foram
escravizadas, migrou do estado do Maranhão para o território recém anexado ao país,
atualmente conhecido como estado do Acre, durante os primeiros ciclos da extração
do látex das seringueiras, esse mesmo jovem descobre a bebida Ayahuasca com
indígenas peruanos, no contexto em que estaria prestando serviços militares na
fronteira dos dois países. Com o vegetalista Don Pizango, esse jovem aprendeu a
produzir essa bebida que lhe traria muitas revelações, dentre elas a missão de fundar
uma doutrina religiosa assentada na comunhão da Ayahuasca como sacramento
(Goulart, 1996; Macrae, Moreira, 2011).
Podemos afirmar que a situação atual da utilização da Ayahuasca não se limita
aos usos religiosos, mas, sob uma narrativa religiosa ou espiritualista, outros usos
têm surgido e, por haver uma regulamentação que os acompanha, têm apresentado
algumas problemáticas a serem observadas. O comércio e incentivo dos usos
terapêuticos da Ayahuasca, para além dos estudos científicos que se dedicam em
descobrir os seus potenciais terapêuticos, têm funcionado como um “gatilho” para
situações abusivas, quer seja pela falta de informação sobre a própria substância,
como pela possibilidade de manipulação psicológica e emocional das pessoas
envolvidas. Nesse cenário de expansão dos usos da Ayahuasca surgiram, também,
usos recreativos, ou melhor, usos descontextualizados de uma ritualística, e que não
somente vão contra o que prevê a regulamentação atual, como provocam a
banalização que corrobora com o apagamento de seu histórico indígena, dos usos
com propósito xamânico, e com isso, também, têm contribuem com o genocídio dos
povos estigmatizados pela racialização.
O MovAya tem potencial para se valer das contribuições da perspectiva da
Educação pautada na Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) em suas devolutivas,
pois há quase três anos tem preparado pesquisas e levantado dados sobre as
relações com a Ayahuasca e outras substâncias presentes no meio ayahuasqueiro.
Com isso, tem sido possível contribuir com a discussão sobre Ayahuasca e as
demandas da contemporaneidade, a partir de uma perspectiva antiproibicionista que,
principalmente, respeite a ancestralidade indígena da bebida e seus usos históricos
e culturais. As aplicações desse material que vem sendo coletado são variáveis e
podem fortalecer o desenvolvimento de metodologias de cuidados e prevenções aos
riscos que as pessoas estão expostas, tal como através da Redução de Danos, que
nos oferece ferramentas para realizar contribuições significativas a esse meio em
expansão, que tanto tem a oferecer à sociedade brasileira, mas que pode ter suas
relações aprimoradas por uma educação libertária e antirracista, por exemplo.
Considerando o atual cenário, proporemos reflexões que, uma vez tendo
superado o paradigma da segurança, consigamos proporcionar espaços saudáveis e
em prol do bem-estar comum, do bem-viver, e da reparação e redução das
desigualdades sociais.
Bibliografia
Goulart, Sandra L. Raízes Culturais do Santo Daime. Dissertação de Mestrado em
Antropologia Social, USP, 1996.

MacRae, Edward das N.; Moreira, Paulo. Eu venho de longe: Mestre Irineu e seus
companheiros. Salvador, EDUFBA, EDUFMA, ABESUP, 2011.

Rocha, Jessica. Experimentações Enteogênicas: Santa Maria e Exu no Santo Daime.


Dissertação de Mestrado em Estudos Culturais, USP, 2021.

https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/politicas-sobre-drogas/subcapas-
senad/conad/atos-do-conad-1/2010/11___resolucao_n__01_2010___conad.pdf

https://www.instagram.com/mov_aya/

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