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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA)

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (IFCH)


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA (PPGA)

UMA ETNOGRAFIA MULTI-SITUADA: DIALOGANDO COM AS MEDICINAS DA


FLORESTA E ERVAS SAGRADAS EM COLARES, BENEVIDES E MARABÁ.

ROBERTA CRUZ CORREIA

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Antropologia Social


LINHA DE PESQUISA: Memória, Paisagem e Produção Cultural.
INDICAÇÃO DE ORIENTADOR(A): Dra. Júlia Otero dos Santos / Dra. Érica Quinaglia
Silva.

Marabá, Pará
2022
1. INTRODUÇÃO

Este trabalho visa uma etnografia multi-situada em conjunto com a antropologia


visual, onde realizarei pesquisas em três contextos sendo eles, dois grupos do Sagrado
Feminino, o “Filhas da Terra” em Marabá/PA e “Centro Mãe Divina Tonantzin” em
Benevides/PA e o “Santuário Aldeia Santa Maria” em Colares no Estado do Pará, visando
estudar a relação desses grupos com medicinas da floresta e ervas sagradas e sua importância
para os rituais.
De acordo com a teoria de Marcus, (1995, p. 95) no artigo “Etnography in/of the
world system: The emergence of Multi-Sited Ethnography”:
O estudo geral da etnografia multi local está localizado dentro de estudos de
esfera de trabalho interdisciplinar, incluindo mídia, ciência e tecnologia e
estudos culturais, são consideradas várias as estratégias de “rastreamento”
que moldam a pesquisa multi local.
De acordo com Bruce Albert (2014), a antropologia clássica se baseava em um só
campo ou grupo de estudo e a contribuição da situação etnográfica pós malinowskiano diz
respeito à própria construção do objeto realizado na antropologia social clássica:

Ela sustenta um novo olhar etnográfico que induz a um deslocamento


radical do foco através do qual a configuração e a temporalidade dos
espaços sociais eram apreendidas (ALBERT, 2014, p.8).

O termo medicinas da floresta, no caso dos Huni Kuĩ, engloba o nixi pae (ayahuasca1)
e outras substâncias usadas em seus rituais contemporâneos: o rapé2, o kampũ3 e a sananga4
(MENESES, 2018, p. 6). Nos encontros do Sagrado Feminino, com os dois grupos, é
utilizado a ayahuasca (vegetal), porém não é permitido outro tipo de medicinas da floresta.

1
Ayahuasca - Bebida psicoativa, feita através das plantas Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis.
2
Rapé - Pó resultante de folhas de tabaco torradas e moídas, misturada com outras ervas, utilizado
para inalação.
3
Kambô - A Vacina do Sapo é o nome popular para a aplicação das secreções produzidas pela
perereca Kambô em pequenos ferimentos ou queimaduras produzidos nos braços ou nas pernas de
uma pessoa, para que as substâncias presentes na pele do animal penetrem na circulação sanguínea.
4
Sananga - Colírio medicinal utilizado por povos indígenas da Amazônia, para limpeza ocular e
melhorar a visão antes da caça. Feita do extrato da raiz de uma planta chamada Tabernaemontana
sananho, provoca ardor nos olhos e lágrimas.
Santo Daime, Centros Ayahuasqueiros, Umbandaime e a integração do Sagrado Feminino,
podemos afirmar que se trata de uma re(invenção) das tradições e rituais ayahuasqueiros.
Nesse território de experiências performáticas e (re)invenção de tradições e
rituais, sobressaem-se o consumo ritual de substâncias psicoativas e/ou
terapêuticas, denominados pelos adeptos indígenas e não indígenas de
medicinas da floresta, que do complexo cultural pano passou a ser utilizada
nos contextos urbanos do neoxamanismo e do Santo Daime (FERNANDES,
2018, p. 4).

Para o contexto umbandista, as ervas têm presença obrigatória, pois sem folha não
tem orixá e não tem rituais de cura. Utilizadas em defumações, banhos atrativos e de
descarrego, fumo, bebidas ritualísticas e preparações específicas.

Sobre os papéis das plantas em religiões afro-brasileiras CAMARGO (2006), afirma


que:
Para as religiões afro-brasileiras as plantas de rituais possuem dois papéis
bem determinados: primeiramente ela possui um papel sacral, vinculada a
um pensamento mítico, onde nelas é depositado o axé (força vitalizadora das
divindades); em segundo lugar, o papel funcional, quele que cada planta
desempenha dentro dos rituais, tendo em vista seu valor intrínseco, o qual se
supõe poder determinar em que situação ritualística ela se enquadra.
(CAMARGO, 2006, p.4).

O objetivo desta pesquisa é evidenciar a agência e vida das plantas, a importância da


vida vegetal e as relações delas com os seres humanos. Quando se trata de vida nas coisas,
Tim Ingold (2015, p. 62), explica:
Trazer coisas à vida, portanto, não é uma questão de acrescentar a elas uma
pitada de agência, mas de restaurá-las aos fluxos geradores do mundo de
materiais no qual elas vieram à existência e continuam a subsistir. Essa
visão, de que as coisas estão na vida ao invés de a vida nas coisas, é
diretamente oposta à compreensão antropológica do animismo [...] As coisas
estão vivas e ativas, não porque estão possuídas de espírito - seja na ou da
matéria - mas porque as substâncias de que são compostas continuam a ser
varridas em circulação dos meios circundantes que alternadamente
anunciam a sua dissolução ou garantem sua regeneração.
Como justificativa pode-se identificar poucas produções quanto à discussão do tema
na região. Com as entrevistas e as idas ao campo, fica evidenciado a importância das
medicinas da floresta e ervas em relação aos grupos estudados. Em relação a relevância do
xamanismo à sociedade:
O xamanismo é percebido como um sistema sócio-cultural, que implica em
refletir sobre diversos campos da sociedade, tais como a política, a
medicina, o direito e a organização social, expressando questões centrais da
cultura; para a autora, o xamanismo se organiza como um sistema simbólico
e cosmológico, que se manifesta de diferentes formas entre as diversas
culturas, se conformando como expressão cultural relevante na organização
e geração de grupos e atividades sociais (LANGDON, 1996 apud.
PAIVA, 2015, p.16).
Será identificado as plantas utilizadas em rituais, e farei tabelas com nome científico,
vernacular, origem, função e uso de acordo com cada um desses contextos. Desta forma, será
realizado registros fotográficos, entrevistas semi estruturadas, pesquisa bibliográfica e
trabalho de campo.
2. OBJETIVO GERAL: Compreender a relação das plantas e ervas medicinais com
seres humanos em determinadas culturas ayahuasqueiras em Marabá e Benevides e
em Colares no Estado do Pará.

3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

- Identificar a relação do homem com o ambiente.


- Analisar a importância das medicinas da floresta, outras ervas utilizadas em banhos,
defumações e fumo, para o contexto ritualístico do grupo Aldeia Santa Maria em Colares,
Pará.
- Analisar a importância da ayahuasca, ervas utilizadas em banhos e defumações, para
os grupos de Sagrado Feminino em Marabá e Benevides.

4. METODOLOGIA:
Como metodologia será realizada uma etnografia com observação participante, na
qual segundo MALINOWSKI (1978), compreende que ao sair do gabinete, viver entre os
Trobriandeses, falar a língua e analisar os imponderáveis da vida nativa, criou-se uma nova
forma de produção de conhecimento através da ação.
Utilizarei também diário de campo, gravador de voz, fotografias, audiovisuais e
entrevistas semi-estruturadas em todos os grupos de pesquisa. Será feito tabelas com nome
científico, vernacular, forma de uso, parte utilizada e sua utilização no ritual. Quanto à
produção visual e etnografia, segundo a antropóloga Clarice Peixoto (2019) explica que
desde o surgimento da antropologia visual, ela ampliou as perspectivas e revelou a riqueza da
interdisciplinaridade.
As novas gerações de antropólogos(as) visuais estão mais conectadas com
as tecnologias de imagem e som, focalizando seus interesses nestes antigos
temas, agora revisitados, e integrando novas temáticas, novas linguagens e
narrativas e os inúmeros meios visuais para comunicar o saber
antropológico (PEIXOTO, 2019, p.13).
Seguindo os protocolos do Ministério da Saúde e do comitê de ética na pesquisa em
contexto de pandemia com Covid-19, em caso de agravamento da doença, será utilizado
máscara, álcool em gel e respeitado o distanciamento de dois metros, nas entrevistas
presenciais.
De acordo com a resolução nº 510, de 7 de Abril de 2016, contendo o Registro do
Consentimento e do Assentimento, fica explicitada a importância de preservar a identidade
das pessoas, assim, pedirei permissão por meio oral ou com termo de autorização para
fotografar, gravar, e utilizar nomes reais ou fictícios.

5. RELEVÂNCIA ACADÊMICA E SOCIAL DA PESQUISA


Essa pesquisa se torna importante para combater o preconceito a respeito de tradições
ayahuasqueiras e religiões de matrizes afro-brasileiras, promovendo o debate e a pesquisa
nesse campo.
Ayahuasca, por ser uma bebida psicoativa, acaba induzindo uma “depreciação”
religiosa, na qual por muito tempo foi proibida por ser uma “droga alucinógena”, o termo traz
a tona a ocorrência de “alucinações” como efeito da droga e carregado de preconceitos contra
povos, comunidades e grupos que consagram da medicina ayahuasca.
A maneira pejorativa de tratar a bebida se contradiz com a filosofia de vida das
pessoas que participam, que buscam autoconhecimento por meio dos significados e símbolos
em suas “mirações”.
Segundo o artigo de ASSIS; LINS & FARIA (2014, p.05-09), o uso da ayahuasca
melhora a subjetividade do indivíduo e a qualidade de vida, melhora a relação de autoconhecimento,
ajuda no tratamento de dependência, ajuda a melhorar o domínio de si e do ambiente, ou seja, por
meio das mirações, a ayahuasca mostra aprendizados que permite a pessoa adquirir hábitos como
práticas de exercícios físicos, de bem-estar, cuidados com o corpo (dietas e abstinências) e
desenvolvimento de autocontrole. Ajuda também com relações sociais, que induzido pelas mirações e
principalmente pela comunicação, permite à pessoa melhorar comportamentos com familiares e
amigos.
6. CRONOGRAMA

MESES/ ANOS

JAN - JUL AGO - DEZ JAN - JUL AGO - DEZ


ATIVIDADES (2023) (2023) (2024) (2024)

REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA E
DISCUSSÃO
TEÓRICA X X X

COLETA DE
DADOS X X X

ANÁLISES E
INTERPRETAÇÃO
DE DADOS X X X

REDAÇÃO DA
DISSERTAÇÃO X X X X

REVISÃO DA
DISSERTAÇÃO X X

DIVULGAÇÃO
DOS RESULTADOS
E DEFESA
PÚBLICA X
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERT, Bruce. “Situação Etnográfica” e Movimentos Étnicos. Notas sobre o trabalho


de campo pós-malinowskiano.” Revista Campos, v. 15, n.1, p. 129-144, 2014. Disponível
em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/42993>. Acesso em: 30/08/2022.

ASSIS, Cleber L. de; LINS, Laís F. T & FARIA, Deyse F. (2014). Bem-estar subjetivo e a
qualidade de vida em adeptos de ayahuasca. Psicologia & Sociedade, v.26, n.1, p.224-
234. 2014.

CAMARGO, Maria Thereza Lemos de Arruda. Os poderes das plantas sagradas numa
abordagem etnofarmacobotânica. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 15-16,
p. 395-410, São Paulo, 2006. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/revmae/article/view/89745/92557> . Acesso em: 30/08/2022.

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Dispõe


sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos
metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou
de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na
vida cotidiana. Brasília (DF), 2016. Disponível em:
<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf>. Acesso em: 30/08/2022.

FERNANDES, Saulo Conde. Xamanismo e neoxamanismo no circuito do consumo ritual


das medicinas da floresta. Horizontes Antropológicos, ano 24, n. 51, p. 289-314. Porto
Alegre, maio/ago. 2018. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0104-71832018000200011>. Acesso em: 30/08/2022.

GUPTA, Akhil; FERGUSON, James (Ed.). Culture, power, place: Explorations in critical
anthropology. Duke University press, 1997.

INGOLD, Timothy. Estar Vivo: Ensaios Sobre Movimento Conhecimento e Descrição.


[S. l.] Editora: Vozes, 2015.

LANGDON, E. Jean M. Introdução: Xamanismo – velhas e novas perspectivas. In:


Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis: UFSC, 1996.

MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental: Um relato do


empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné e
Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Disponível em:
<https://www.ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/sele%C3%A7%C3%A3o%202016/Docfoc.
com-MALINOWSKI_Argonautas-Do-Pacifico-Ocidental-Os-Pensadores.pdf.pdf>. Acesso
em: 30/08/2022.

MARCUS, George E. Ethnography in/of the world system: The emergence of multi-sited
ethnography. Annual review of anthropology, v. 24, n. 1, p. 95-117, 1995.
MENESES, Guilherme Pinho. Medicinas da floresta: conexões e conflitos
cosmo-ontológicos. Horizontes Antropológicos, ano 24, n. 51, p. 229-258. Porto Alegre,
2018.
PAIVA, Vinicius Schwochow. Ayahuasca, experiências e neoxamanismo: Um estudo
etnográfico junto ao Grupo Xamânico Caminho do Arco-Íris – Pelotas/RS. Dissertação
(Mestrado em Antropologia), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de
Pelotas. Rio Grande do Sul, p. 16, 2015. Disponível em:
<https://wp.ufpel.edu.br/ppgant/files/2016/10/PAIVA_VS.pdf>. Acesso em: 30/08/2022.
PEIXOTO, Clarice E. Antropologia & Imagens: O que há de particular na antropologia
visual brasileira?. Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 8, n° 1, pag. 131-146, 2019.

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