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Xamanismo Amazônico
Alecsandre Auá
Neste volume: “Xamanismo Amazônico”
do Curso de Formação Shamanic Healing do Neo Xamanismo,
pesquisei e revisei alguns aspectos importantes da bebida
sacramental Ayahuasca e as medicinas da floresta amazônica,
bem como suas indicações e contra-indicações
para fins terapêuticos e espirituais,
à luz de anotações e experiências pessoais
quando em expedição pelo estado do Acre e da literatura
existente sobre o assunto, mas não somente,
no que diz respeito aos seus aspectos neuroquímicos,
farmacológicos e legais, foram consultados revistas nacionais
e internacionais: Science, Veja e Galileu.
Além disso, consultei livros e alguns sites da Internet.
Agradeço
Ao Grande Espírito.
À Mãe Terra, em sua abundância.
À todas as minhas relações.
Ao xamanismo, pela luz no caminho.
Alecsandre Auá
Pesquisador da cultura da ayahuasca
Enteógenos X Alucinógenos
O uso de plantas expansoras da consciência que induzem ao estado xamânico
ou de êxtase é uma realidade mundial e milenar.
Como plantas, os enteógenos também são chamados por grupos religiosos e
povos indígenas de plantas mestras, plantas professoras, plantas de
poder e plantas sagradas.
A palavra "enteógeno", significa literalmente "manifestação divina".
A farmacologia ainda não chegou a um acordo sobre o termo para descrever as
suas ações farmacológicasː assim, o termo "alucinógeno" continua sendo a
designação predominante entre os cientistas mais tradicionais.
Alguns autores não consideram que a expressão "enteógeno" seja um mero
sinônimo de alucinógeno, já que nem todas as plantas usadas num contexto
sagrado provocam alucinações. A distinção se apoia no contexto religioso,
sagrado e tradicional, em que seu uso é feito, e na forca espiritual que estaria
presente na bebida.
Introdução
Dentre as inúmeras plantas e substâncias utilizadas por populações indígenas
da bacia amazônica, talvez nenhuma delas seja mais interessante ou complexa
em termos botânicos, químicos ou etnográficos, como a Ayahuasca, Hoasca,
Vegetal ou Daime.
A Ayahuasca é uma bebida sagrada da América do Sul, fundamental para o
xamanismo no tratamento de doentes em muitas tribos indígenas da
Amazônia, obtida pela fervura do cipó Jagube (Banisteriopis caapi) com a
mistura de folhas do arbusto Chacrona (Psycotria viridis).
A natureza química dos compostos ativos, bem como, a maneira de utilização
faz com que essa bebida ocupe posição de destaque no Brasil, nos atuais
estudos da etnomedicina, neurofarmacologia, neurofisiologia e psiquiatria. As
plantas sagradas constituem poderosa base experimental para investigar a
correlação biológica com os estados alterados de consciência.
O estudo dos enteógenos em humanos é de suma importância porque as
substâncias com essas propriedades afetam certas funções cerebrais que
tipicamente caracterizam a mente humana, incluindo a cognição, volição, ego e
auto-percepção.
As várias manifestações dos "desequilíbrios do ego" são especialmente
características psicodélicas proeminentes, que acabam naturalmente criando
as psicoses.
História do Uso da Ayahuasca
A palavra Ayahuasca tem sua origem no idioma Quéchua, falado nos altiplanos
andinos, cuja etimologia é: Aya – persona, alma, espíritu; waska – cuerda,
enredadera, parra, liana; que poderia ser compreendida como: “Cipó das
Almas”, em referência as várias espécies de cipós utilizados como base da
preparação da bebida utilizada por pelo menos 72 grupos indígenas diferentes,
espalhados pelo Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia e Equador.
Mesmo que seu uso tenha origem indígena, a partir do fim do século XIX e
início do século XX, grande número de trabalhadores (principalmente
seringueiros, atraídos pela corrida da extração da borracha), vindos de diversas
regiões do Brasil, do Peru e da Colômbia entraram em contato com essa
bebida. A partir desse encontro entre indígenas e ribeirinhos, seringueiros e
agricultores, a ayahuasca passou a ser utilizada em novos contextos,
caracterizados por influências culturais as mais variadas: catolicismo popular,
espiritismo kardecista, magia e esoterismo europeus, cultos afro etc., dando
origem a novas e complexas maneiras de uso dessa poderosa medicina.
A partir das décadas de 1920-1930, formaram-se as chamadas religiões
ayahuasqueiras, como o Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal (UDV),
organizações atualmente presentes em praticamente todo o território nacional,
inclusive nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, o uso religioso da
ayahuasca é legitimado juridicamente desde 1986 pelo Conselho Nacional
Antidrogas – CONAD, submetido à plenária e aprovado por unanimidade.
O uso da ayahausca vem se expandindo nas últimas décadas para as principais
capitais brasileiras e para grandes centros urbanos dos Estados Unidos e
Europa, aumentando o leque de informações, sobretudo a respeito de suas
bases neuroquímicas e farmacológicas.
Religiões Xamânicas
Embora em vários países da América
do Sul, tais como Colômbia, Bolívia,
Peru, Venezuela e Equador, haja uma
tradição de consumo da ayahuasca por
xamãs e vegetalistas, curiosamente é
somente no Brasil que se desenvolvem
religiões de populações não-indígenas
que fazem uso desta bebida.
Estas religiões, a exemplo dos casos da
religião do Buiti do Gabão (que utiliza a
Iboga) e da Native American Church no
México e EUA (que faz uso do Peyote),
reelaboram as antigas tradições dos
sistemas locais a partir de uma
releitura influenciada pelo cristianismo.
Esta releitura, no caso brasileiro, é formulada por meio da herança de consumo
da ayahuasca pelos sistemas que compõem as matrizes das religiões
ayahuasqueiras, a saber: a tradição indígena, principalmente o xamanismo
amazônico; o cristianismo, representado pelo catolicismo popular; o
espiritismo kardecista; elementos afro-brasileiros; e elementos do esoterismo
europeu. (sobretudo via o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento).
(Labate, 2004, p. 65)
Em um cenário de intensas transformações na vida amazônica, relacionadas
principalmente à formação dos seringais e do contato entre caboclos e
indígenas, um conjunto de elementos ganhou atenção especial nas pesquisas
sobre o Santo Daime, a Barquinha e a UDV, consolidando na história um
conjunto de matrizes culturais das quais os grupos são herdeiros, cada qual
com sua particularidade.
As primeiras pesquisas sobre a Barquinha e a UDV não deixam de apontar a
importância dos nordestinos migrantes e da população cabocla, especialmente
daqueles que se empregaram na extração da borracha, por travarem contato
com grupos indígenas nos primeiros momentos da ocupação amazônica, fator
determinante para a transmissão e disseminação do uso da ayahuasca entre a
população urbana.
Deste modo, as pesquisas em questão apresentam indícios importantes sobre
a relevância do contexto socioeconômico amazônico e do papel que o contato
entre populações indígenas e caboclas assume na reconstituição histórica do
fenômeno enquanto movimento de circulação de crenças, práticas e de
elaboração de novas modalidades de consumo da ayahuasca.
O Bailado do Santo Daime
Além de ser conduzido pelo ritmo dos hinos, qual o outro sentido para tal
movimento?
O baile é uma dança com passos laterais para direita e esquerda, seguidos de
ritmos da marcha, a mazurca e valsas. Narram os mais antigos, como dona
Percília Matos e dona Maria Gomes, que esse foi um período de aprendizado
dos mais difíceis na história de relacionamento com o grupo de seguidores.
Irineu Serra teve de ensinar cautelosamente a cada seguidor a bater o maracá
nos três ritmos e a dar os passos laterais no mesmo compasso.
O baile tem como referência o mar, cujas águas vão e vêm com a força dos
ventos. O sopro da vida. Podemos até fazer a relação: Mediante essa
sistematização, ou seja, a ritualização, é que se baixam os seres divinos. Cada
um na sua ordem, no seu ritmo, no seu compasso, com sua mensagem – são
os hinos reagindo como forças da natureza e atuando como elemento
disciplinador de cada um e da humanidade, no conjunto de pensamentos
positivos fluidos por meio da harmonia, do amor, da verdade e da justiça, tudo
isso invocado pelos cânticos.
A execução dos hinários que exigem um esforço maior por parte dos
seguidores, muitas vezes chegando a 12 horas de serviço, trazem curas e
benefícios à irmandade. Afinal, o conjunto harmônico do cântico e do bailado,
exercido pelo deslocamento ritmado de todos no compasso da música, é
capaz de formar uma corrente de voz e movimento muito além daquilo que
nossos pensamentos possam imaginar.
Século XIII - O inca Manco Capac funda Cuzco (que significa "O Umbigo do Mundo"), capital do
Império e estabelece um Estado Teocrático Absolutista. Não se sabe ao certo se aprendeu com
os nativos da floresta ou se introduziu o costume de tomar um misterioso CHÁ, reservado
apenas aos nobres de sua corte.
1500 - Pedro Álvares Cabral chega ao BRASIL em nome da Igreja Católica Apostólica Romana e
inicia a cristianização e a escravização dos povos nativos. No período português do povo
brasileiro existiam duas possibilidades: ser livre ou ser escravo, e a liberdade era então
somente a do cristão, o que fez surgir o sincretismo religioso.
1533 - Os espanhóis chegam ao Império Inca. Conta a lenda que o inca HUASKAR se refugiou
na Floresta Amazônica e levou a receita do misterioso CHÁ. Depois de sua morte, a PLANTA
MESTRA passou a ser conhecida como Aya (alma de) Huaskar (chicote), ou seja, Ayahuaska,
ou Ayahuasca.
1591 - 1ª visitação da Inquisição no Brasil (BA-PE). Haverá outras em 1618 e 1769. Alguns réus
irão para a fogueira em Portugal.
Século XVII - As missões jesuítas informam a corte portuguesa sobre a existência de "poções
diabólicas" feitas pelos índios do Amazonas.
Brasil Império
1849 - O botânico inglês Richard Spruce remete às escondidas para o "Jardim Botânico de
Kew" da Inglaterra, mudas de algumas das 11 espécies da SERINGUEIRA. De 1849 a 1864
viajou intensamente através da Amazônia brasileira, venezuelana e equatoriana, para montar
um inventário da variedade de espécies de plantas lá encontradas (Schultes and Raffauf, 1992).
Spruce fez grande número de descobertas valiosas, incluindo Hevea, os genes da Seringueira e
Cinchona, da qual o quinino é derivado e usada pelos nativos da floresta para se fazer bola.
Identificou também uma das fontes primárias de uma poderosa destilaria de alucinógenos
usada por indíos Mazan e Zaparo, chamada ayahuasca ("vinho das almas " ou "vinho dos
mortos", na língua quechua).
1851 - Richard Spruce percorre o Rio Negro no interior do Estado do Amazonas e constata que
os nativos Tucanos usam a planta Caapi, que ele classifica como pertencente à ordem das
Malpigiáceas e ao gênero das Banisterias.
1858 - Spruce encontra a mesma planta sendo usada na tribo Guahibo, na margem superior do
rio Orinoco, na Colômbia e Venezuela e, no mesmo ano, entre os Záparos dos Andes peruanos,
que denominavam-na Ayahuasca. Villavincencio é o primeiro a descrever o misterioso chá no
Rio Napo, na Amazônia equatoriana.
Brasil República
1903 - Ocupação brasileira do território do Acre, que pertencia à Bolívia. Chegam homens
vindos dos estados do Ceará e do Maranhão, os soldados da borracha, para a extração do
látex. Entram em contato com os nativos.
1905 - A "telepatina" - outro nome da harmina - é identificada como o "yajé" dos índios (Zerda e
Bayon).
1912 - Raimundo Irineu Serra migra para o Acre, vindo do Estado do Maranhão. Lá atua como
seringueiro, soldado da Guarda Territorial, e já é conhecido CURADOR.
1913 - Em Brasiléia (fronteira com o Peru), Irineu experimenta a Ayahuasca com nativos.
1915 - Perto de CUSCO, ex-capital do Império Inca, Mestre Irineu recebe do plano astral o seu
primeiro ÍCONE, que chama de Hino.
1918 - Irineu Serra é reconhecido pelo xamã peruano Dom Crescêncio Pizango, em uma sessão
de Ayahuasca, como sendo o herdeiro do conhecimento do inca Huaskar. Segundo Pizango,
Mestre Irineu era a pessoa que estava em condições espirituais de revolucionar a Ayahuasca
no mundo.
1920 - Surge a primeira igreja oficial do Santo Daime na cidade de Rio Branco, capital do Acre,
no bairro hoje conhecido como Alto Santo.
1931 - A Dimetiltriptamina (DMT) é sintetizada e identificada como outro alcalóide deste chá.
1934 - A nova Constituição Brasileira declara: Art. 113, prg. 4: É inviolável a liberdade de
consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não
contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem
personalidade jurídica nos termos da lei civil.
1943 - José Gabriel da Costa, capoeirista, ex-soldado, seringueiro, vem da Bahia para o Acre.
1945 - Daniel Pereira de Matos, músico, poeta e amigo de Mestre Irineu, funda a Capelinha,
depois Capelinha de São Francisco e, finalmente, BARQUINHA, no estado do Acre, em Rio
Branco.
1959 - José Gabriel da Costa encontra a Ayahuasca pelas mãos de um seringueiro chamado
Chico Lourenço, em Colocação de Capinzal, na fronteira com a Bolívia.
1961 - José Gabriel da Costa, em Porto Velho, no Estado de Rondônia, funda no dia 22 de julho
a UDV - União Do Vegetal - adotando o nome Hoasca para a planta.
1987 - O uso da Ayahuasca dentro de contexto religioso começa a ser estudado para futuro
reconhecimento no Brasil.
1991 - As entidades que utilizam o chá assinam a "CARTA de Princípios dos USUÁRIOS", em
Brasília.
1992 - O CONFEN, depois de sete anos de pesquisa, por unanimidade de votos de seus
integrantes, decide liberar o uso religioso do Chá em todo o território nacional.
2006 - O Seminário da Ayahuasca em Rio Branco do Acre, organizado pelo CONAD, conta com
a presença de inúmeras autoridades e elege o GMT (Grupo Multidisciplinar de Trabalho para os
Estudos da Ayahuasca), que por sua vez cumpre a resolução de realizar um cadastro nacional
das entidades que fazem uso da Ayahuasca e a confecção do Relatório Final (Documento de
Deontologia), que foi assinado em 23 de Novembro.
DMT
Alcaloides
Substância presente na ayahuasca
estimula a formação de neurônios
Adicção e tolerância
Do ponto de vista farmacológico, a
ayahuasca parece não produzir
dependência fisiológica, nem induzir
mudanças corporais crônicas capazes
de desencadear tolerância. Pesquisa
realizada com membros da União de
Vegetal evidenciou a inexistência de
distúrbios psiquiátricos que
caracterizam dependência (abstinência,
tolerância, comportamento de abuso e
perda social).
Corroborando esses dados, estudos sobre a administração de repetidas doses
de DMT em seres humanos não encontrou qualquer evidência de tolerância aos
efeitos. A DMT é essencialmente não-tóxica para os órgãos do corpo e não
produz dependência fisiológica ou comportamentos associados com a
dependência.
Mesmo que a ayahuasca não possua apenas DMT em sua composição, esses
dados, somados aos estudos com membros da União do Vegetal, sugerem a
inexistência de dependência fisiológica produzida pela ayahuasca. No entanto,
a ayahuasca pode produzir forte fascinação em certas pessoas que tiveram
experiências poderosas com a bebida, algo semelhante ao fascínio
desenvolvido por alguns indivíduos com a música, questões intelectualmente
interessantes, ou talvez com uma paixão por outra pessoa e, em todos esses
casos, se a fascinação é positiva ou negativa, uma benção ou um vício, é
responsabilidade de cada indivíduo julgá-la dentro do contexto de sua própria
vida.
Embora não existam pesquisas sistematizadas, depoimentos fornecidos por
consumidores da bebida apontam para a não existência de tolerância e/ou
dependência. Observou-se que membros de religiões ayahuasqueiras que
consomem a bebida há várias décadas não aumentam a dose de chá ingerido,
pelo contrário, vários consumidores diminuem a quantidade de ayahuasca com
o passar do tempo, e ainda assim continuam a experimentar seus efeitos
peculiares.
Além disso, pesquisas recentes têm evidenciado, de maneria geral, que o
consumo ritual da ayahuasca parece não produzir qualquer tipo de prejuízo
social ou patologia, seja física ou mental, inclusive em adolescentes.
Antidepressivos são
fármacos para tratar
transtornos depressivos, mas
também são utilizados para
tratar diversas outras
doenças, como transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios
do sono, dependência química “adicção” e mal de Parkinson.
Os transtornos do estado de ânimo parecem estar relacionados a uma redução
na transmissão dos impulsos ou dos sinais nervosos nas áreas do cérebro que
regulam o humor.
O cérebro de indivíduos em fase depressiva, transtorno bipolar, depressão
crônica ou profunda poderá apresentar pequenas diminuições na utilização dos
neurotransmissores “monoaminas” (adrenalina e dopamina) e da serotonina.
Os sintomas mais comuns nas pessoas que sofrem de depressão, podem ser
agrupados da seguinte forma: sintomas emocionais (falta de ânimo, tristeza,
desesperança, sensação de solidão, negatividade, ansiedade, perda de
interesse ou prazer, sentimento de culpa, ideias suicidas e transtornos
cognitivos) e sintomas físicos (agitação, mudanças de peso, dores musculares,
perda de energia, alterações do sono).
Os antidepressivos atuam diretamente no cérebro, modificando e corrigindo a
transmissão neuroquímica em áreas do sistema nervoso que regulam o estado
do humor (o nível da vitalidade, energia, interesse, emoções e a variação entre
alegria e tristeza), quando o humor está afetado negativamente num grau
significativo.
A ação farmacocinética da Ayahuasca é bem parecida com a destes
medicamentos, que contém ISRS (inibidores seletivos de recaptação de
serotonina) e IMAO (inibidores da monoamina oxidase), porém seu efeito
antidepressivo é natural.
É muito importante observar a quantidade de Ayahuasca quando em
associação com antidepressivos que contenham IMAO e ISRS, administrando
sempre uma quantidade menor que a normal, para não correr o risco de
acontecer uma sobrecarga de serotonina no sistema nervoso central (síndrome
serotoninérgica) o que não é nada muito grave, mas pode ser; podendo
provocar irritabilidade, agitação, ansiedade, hiper vigilância, aumento de
temperatura, contrações musculares e convulsões, em casos extremos pode
ser fatal.
Isso pode ser facilmente equilibrado, diminuindo a quantidade de Ayahuasca
ou diminuindo a quantidade dos remédios. E recomendável suspender a
utilização desses medicamentos por no mínimo 48 horas, para maior
segurança e conforto durante a experiência.
O conhecimento mais aprofundado da farmacologia da ayahuasca também
pode prevenir eventuais riscos associados a esse consumo.
Efeitos Colaterais
É comum durante as sessões acontecerem as “limpezas” ou “purgas” (vômito e
diarréia) não acontece com todos, se acontecer, é porque faz parte do
tratamento. Na maioria das vezes estas limpezas, são processos de cura para
questões psicológicas ou emocionais, não deve ser compreendido como
simples efeitos colaterais.
Contra-Indicações
“A ayahuasca é para todos, mas nem todos são para a ayahuasca.”
Para a maioria das pessoas a ayahuasca faz um bem impressionante, porém
ela não faz milagres, alguns pacientes não respondem positivamente.
Especialistas explicam que o chá pode causar distúrbios psiquiátricos em
pessoas com histórico ou pré-disposição genética para bipolaridade e
esquizofrenia, — como mostrou o caso de Cadu, o jovem diagnosticado com
esquizofrenia que matou o cartunista Glauco e seu filho Raoni, em 2010.
“O grande problema é que não é possível prever quem terá problemas
psiquiátricos após beber o chá. É uma questão de genética e vulnerabilidade
sobre a qual ainda não existe conhecimento sólido.”
Síndrome Serotoninérgica
Redução do Uso Abusivo de Drogas
Após 15 anos de observação de
milhares de casos de ingestão da
ayahuasca sob condições específicas
de preparação, prescrição e
acompanhamento terapêutico, podemos
afirmar que a ingestão destas
preparações possui uma ampla
variedade de indicações, com total
ausência de dependência. A expansão
que simultaneamente envolve o corpo,
as sensações e os pensamentos,
proporcionam a possibilidade de
confrontar problemas habituais por
conta própria e sob uma nova perspectiva. A intensa aceleração dos processos
cognitivos que acompanham tais experiências, concebem soluções originais
que melhor se adaptam à personalidade de cada pessoa.
O que caracteriza o uso problemático ou abusivo de certas substâncias não é,
necessariamente, a quantidade e a frequência de uso destes psicoativos,
embora estes fatores possam fazer parte do comportamento. Mais do que
quantidade de substâncias e frequência de uso, que poderiam atuar num nível
primário (físico-biológico), seriam as desarmonias na vida profissional,
sentimental e espiritual, num nível secundário, os principais motivos para o
problema.
Existem vários relatos na literatura sobre os possíveis efeitos benéficos do uso
ritual e/ou supervisionado de enteógenos como alternativa às terapias
contemporâneas para o auxílio na dependência ou no uso abusivo de drogas,
sobretudo cocaína, álcool e antidepressivos.
Logo após a descoberta dos efeitos do LSD-25 por Albert Hofmann em 1943,
várias substâncias desta classe foram aplicadas e testadas no contexto
psicoterapêutico, médico e em práticas espirituais, ou seja, práticas que, em
condições favoráveis de supervisão e preparação, buscam a reestruturação do
indivíduo por meio de um estado de consciência xamânica, que seria
semelhante ao estado de êxtase, que são experienciados como uma
iluminação por uma realidade transcendental.
A opção de se utilizar certos enteógenos para auxiliar o tratamento do uso
abusivo de substâncias também ocorre em grupos indígenas. Como exemplos
do uso tradicional da ayahuasca na amazônia, uma prática com alta taxa de
sucesso (por volta de 60%, após alguns meses de tratamento) e a recuperação
de práticas ancestrais, incluindo o uso ritual de cactos contendo mescalina por
parte dos curandeiros, como o wachuma.
Nestes contextos, as plantas são carregadas de um simbolismo altamente
complexo, no qual fazem parte de seu consumo os aspectos:
a) biológicos – a planta em si, suas substâncias e o organismo do indivíduo;
b) psicológicos – o indivíduo, suas expectativas, motivações e preparações;
c) socioculturais – o indivíduo, sua comunidade e as regras sociais;
d) ambientais – o local, música, danças, aromas, decoração etc.
Recentemente, um estudo realizado com 15 membros da União do Vegetal que
consagravam a ayahuasca ritualisticamente demonstrou, entre outras coisas,
que de acordo com os critérios da CID-10 e DSM-III-R, cinco dos examinandos
tinham antecedentes de desordens formais por abuso de álcool, dois de
depressão crônica e três de ansiedade fóbica; 11 examinandos tinham um
histórico de uso moderado a grave de álcool anterior à sua entrada na UDV,
com cinco deles referindo episódios associados com comportamento violento
(dois deles tinham sido presos por causa de sua violência) (Grob & cols., 2004
Além destes dados, o estudo de Grob e cols. (2004) evidenciou que quatro
indivíduos também relataram envolvimento anterior com abuso de outros
psicoativos, incluindo cocaína e anfetamina, e que oito dos 11 examinandos
com históricos anteriores de álcool e abuso de outros psicoativos eram
dependentes de nicotina. Muitos dos examinandos do estudo de Grob e cols.
referiram uma variedade de comportamentos disfuncionais anteriores à sua
entrada na UDV. Autodescrições incluíram “impulsivo, sem respeito, raivoso,
agressivo, opositor, rebelde, irresponsável, alienado, fracassado”.
Entretanto, avaliações de diagnóstico psiquiátrico revelaram que apesar de
uma porcentagem de usuários de longo tempo da ayahuasca terem tido
desordens relativas ao uso de drogas, depressivas ou de ansiedade, essas
desordens estavam diminuindo consideravelmente depois de sua entrada na
UDV. Os examinandos referiram que desde sua entrada na UDV suas vidas
passaram por mudanças profundas. Os sujeitos enfaticamente afirmaram que
sua conduta diária e orientação para o mundo à sua volta estavam passando
por uma reestruturação radical.
Ainda neste contexto, vale citar a existência do
Centro Takiwasi, em Tarapoto, Peru, fundado em
1992. Neste centro, colaboradores – curandeiros
locais, médicos, psicólogos e terapeutas –
exploram os potenciais curativos do racionalismo
ocidental juntamente com as práticas espirituais
xamânicas e das terapias tradicionais amazônicas,
utilizando plantas medicinais, dietas, isolamento na
floresta, vida comunitária, psicoterapia e a
ayahuasca, desenvolvendo métodos alternativos para lidar com o uso abusivo
de álcool e outras drogas, principalmente cocaína, cuja região é uma das
principais consumidoras do mundo.
A Magia do Vegetalismo
A população mestiça em territórios peruanos e colombianos, assim como a
prática de seus curandeiros ao longo de rituais de cura – na floresta e nas
metrópoles – com ayahuasca e outras plantas de poder demonstraram ser o
vegetalismo um tipo de medicina popular, tendo como base os saberes
adquiridos das plantas, incluindo a arte de cantar e curar, além da noção de
ataque ou proteção contra malefícios, a prática de dietas, restrições e a
comunicação do curador com planos extra-humanos.
Dentre esta população encontramos diversos curandeiros, sendo os
vegetalistas representantes de um subgrupo desta categoria abrangente,
intitulados de “maestros”, “doutores”, “bancos” e “abuelos”. Práticas
vegetalistas podem ser encontradas dentre as populações interioranas e
urbanas do Peru e da Colômbia, uma mescla das tradições indígenas, cristãs e
esotéricas.
A prática vegetalista surgiu em território amazônico do final do Século XIX para
o início do XX período, no qual observamos o contato dos seringueiros
advindos do Peru e de outros países com as populações indígenas e caboclas,
que já haviam passado por processos de colonização e catequização. O
xamanismo vegetalista voltado para a cura, é identificado como produto
cultural relativo a intercambio étnicos e fluxos migracionais da cidade para a
floresta e vise versa.
Mesmo diante das mudanças inerentes aos processos de colonização,
catequização, exploração da borracha e migrações – inicialmente da floresta
para a cidade e depois da cidade para a floresta – alguns elementos
xamanísticos permaneceram dentre vegetalistas, embora tenham passado por
influências de outros sistemas simbólicos como vertentes do catolicismo rural
e do esoterismo europeu. Os saberes sobre plantas foram “preservados” pelos
curandeiros, assim como a concepção ameríndia sobre mundo e corpos em
relação com o cosmos e o plano espiritual.
O termo vegetalista passou a ser designado aos curadores, que obtiveram
conhecimentos sobre corpos, doenças e curas a partir dos espíritos de “plantas
professoras” capazes de instruírem os xamãs em prol da cura, mas também do
desvelo referente aos segredos do universo. Vegetais também designados por
“doutores”, pois aos seus espíritos são outorgados os princípios da sabedoria
unificada numa complexa e abrangente sapiência médica, religiosa e mágica
transmitida por meio de cantos e demais sonoridades, pela performática
salivação acompanhada da ejeção de “corpos patológicos” (soprar fumaça
para curar) do organismo infortunado, além dos estados ampliados de
consciência, que representam elementos centrais às terapêuticas vegetalistas.
Embora o mais importante destes professores seja a ayahuasca, encontramos,
tal qual no contexto indigenista, a presença de “plantas aditivas” inseridas
pelos vegetalistas à bebida - feita à base do cozimento das folhas da
Psychotria viridis, junto com o cipó Banisteriopsis caapi – tendo em vista, que
os mesmos compactuam da crença de que outros vegetais de poder, quando
acrescentados à “planta mãe”, além de tornarem-na mais potente, facilita o
contato do curandeiro e dos doentes com o espírito destas outras plantas,
também possuidoras de almas, perspectivas e autonomias acessadas durante
as Sessões da ayahuasca; “planta mãe” que permite a manifestação de outros
espíritos vegetais a ela agregados.
Vegetalistas podem ser denominados feiticeiros ou bruxos. Neste sentido,
estas categorias são utilizadas para definir sujeitos envolvidos com a magia
voltada para o “mal”, havendo batalhas no mundo dos vegetalistas contra tais
forças frente à cura dos “clientes”. A doença pode ser inserida no corpo por um
“brujo” mal intencionado, sendo capaz de ser sanada perante atuação de um
curandeiro poderoso (banco). No universo dos feiticeiros, podem existir
“bancos do bem” e “bancos do mal”, a depender das formações iniciáticas,
condutas e escolhas do vegetalista no decorrer de sua trajetória de vida.
Considerações
Buscamos elucidar brevemente o papel conferido as plantas de poder para
algumas tradições indígenas e vegetalistas ameríndias, destacando, acima de
tudo, o processo envolvendo os fenômenos da saúde, da doença e da cura
imersos em peculiares perspectivas xamânicas, inerentes aos planos físicos e
metafísicos, que circundam as medicinas da floresta, sendo a ayahuasca
considerada “la madre de todas las plantas”.
“Medicina ancestral”, condutora de ações, perspectivas e identidades em
mundos infinitos, onde vivos e não-vivos interagem no plano da “consciência
cósmica”. “Medicina transcendental”, pois localizam a origem das doenças e
distúrbios, adentrando noutros estados de consciência, onde seres encantados
e outros agentes não humanos, seriam responsáveis pela recuperação ou
perda da saúde, e cuja eficácia depende da capacidade que um xamã tem de
fazer acordos e negociar com essas “forças ocultas”, no intento de restaurar e
manter o equilíbrio, cuja ausência se manifesta em infortúnios individuais e
coletivos. “Medicina professora”, pois, de fato, ensina aos humanos, os grandes
mistérios da vida.
Kenes
Os kenes teriam sidos ensinados por uma entidade chamada Inka. O “espírito
dono do cipó”, do qual se faz a bebida ayahuasca chama-se Nishi ibo. Pino, o
espírito do beija-flor, orienta as visões necessárias.
Através de experiências e memórias retratadas pelos Marubo, por exemplo,
percebemos o frondoso porte da samaúma primordial, onde as lagartas fazem
casas e estabelecem um padrão no aninhar-se; padrões geométricos
conhecidos como kene.
Os kenes representam instruções profundas, e também conversam com a
ayahuasca nas mais variadas circunstâncias, inclusive entre este grupo clânico,
existe o matsi tama kene. Esse kene é um dos tipos que devem ser
“camuflados” pelo pajé. Serve para a proteção do povo, pois, se trata do
desenho da jibóia e da anaconda-sucuri que “atrai, engana e mata”. Carrega
para uma vida que não é boa, segundo as explicações. Tais espécies de cobras,
os Marubo não matam e nem olham.
Entre pessoas que consomem ayahuasca, indígenas ou não, é comum a
visualização de cobras, além de outros animais e plantas da Amazônia.
Especialmente das cobras citadas. A visão, chamada pelos seguidores de
religiões ayahuasqueiras de miração, traz “elementos característicos do
ambiente” onde vivem os vegetais utilizados no feitio da bebida.
Já os padrões gráficos indígenas “kenes”, seu processo de memorização,
aprendizado e realização, também se apresentam fortemente em tais
mirações. Em variados contextos relacionados à bebida e as plantas,
correlacionam o aprendizado dos desenhos com a sananga/sanango, colírio
extraído do sumo do arbusto Apocynaceae, Tabernaemontana sananho.
Tais visualizações, de fractais, vórtices, espirais e também geometrias planas
bidimensionais independem da linha espiritual daquele que toma a bebida, da
condução de procedimentos rituais adequados ou mesmo, do conhecimento
prévio destas referências. É certo que haja uma comunicação, entre o cipó e a
cobra. Ou, entre a bebida e o ambiente endêmico do cipó e também da folha.
A jibóia, em suas variantes encantadas, hora cobra, ora ser encantado,
transformado-se em homem ou mulher, se encarrega de repassar para as
mulheres, especialmente, os variados estilos e tecnologias relacionadas aos
kenes.
A ayahuasca proporciona visões relacionadas aos kenes, tanto homens como
mulheres podem ver detalhes de tais desenhos. Sendo administrada sozinha
ou acompanhada de outras plantas de poder, como a Sananga, proporcionando
visões acuradas dos desenhos a serem executados. As folhas podem ainda ser
postas sobre o umbigo durante a puberdade nas meninas e moças aprendizes
dos kenes.
Reconhecidos por sua singularidade, ao entrelaçar os padrões numa
sobreposição, um kene dialoga com o outro kene. O mesmo acontece na
intersecção entre ayahuasca, outros enteógenos, plantas medicinais e
conhecimentos indígenas.
Ao permearem-se, sintetizam um conjunto de conhecimentos sistemicamente
interligados numa ramaria de interações. Tal ramaria, caso compreendida e
valorizada em projetos e processos, pode servir como resguardo de princípios
éticos e estéticos associados à bebida e suas conexões simbólicas e práticas,
de grupos étnicos e sociais variados.
Trato com a jibóia
Entre grupos indígenas das famílias linguísticas Pano e Aruak, e também entre
os seringueiros, há eventos específicos, conhecidos como tratos, em que uma
pessoa interessada em aprender habilidades específicas faz uma negociação
com a cobra. Habilidades como “rezar”, cantar, dançar e bem enxergar, ser bom
caçador, visualizar feitiços e inimigos, ou mesmo, tornar-se invencível em
disputas são todas passíveis de trato. Ou de contrato, um acordo entre duas ou
mais partes que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma
obrigação.
Jibóias e sucuris, de preferência grandes, são reservadas para tal fim entre
Yaminawa, Yawanawa, Huni Kuin, Katuquina. As jibóias são guardadas em
caixas fechadas, durante parte do dia. Mas, são soltas para passear e se
alimentar de sapos e pequenos animais, voltando ou sendo recolhidas pelos
donos ao entardecer. As trocas entre as pessoas e cobras existem desde
sempre.
O “trato com a jibóia” envolve conhecimentos e poderes como o da
invisibilidade e da irresistibilidade à sedução, obtido através da ingestão do
olho da jibóia branca ou de seu contato, quando o olho é posto num tecido
quadrado, costurado e mantido seco sob a camisa. O olho é retirado com a
cobra ainda viva. A cobra deve ser posta para rastejar novamente. Segue sem o
olho, mas, alguém lhe deve algo. E enxerga por ela, ou, como ela.
A jibóia freme suas escamas. E durante um estado alterado, a pessoa pode
sentir arrepios em sua coluna vertebral, igualmente estivesse fremindo suas
próprias escamas. Ou mesmo, transformar-se na cobra ou ser engolido por ela;
o que para alguns grupos como Huni Kuin, Yawanawa e Yaminawa simboliza o
interesse da cobra em repassar seus conhecimentos para um futuro possível
pajé.
A jibóia, enquanto animal vivente, freme suas escamas para encantar sua
presa, seja uma cotia, uma paca ou um rato-coró. Geralmente, embiaras ou
animais de pequeno porte.
A pessoa perdida na mata ou que anda em círculos faz um nó na própria roupa,
ou a veste do avesso e pede para a jibóia deixá-la ir embora. Há interações
imperceptíveis, mas, fundamentais nos nexos semânticos e simbólicos
relacionando cobras, seus ambientes, o uso de enteógenos e plantas sagradas.
Mas, para saber usar, antes de tudo é necessário, conhecer, estabelecer
ligações e pesquisar profundamente.
Cura, Pajelança e Xamanismo
Todos os homens Shipibo-Konibo sabem preparar a ayahuasca. No entanto,
apenas um ou dois em cada aldeia, o fazem habitualmente. Todos os iniciados
podem beber, mas nem todos tomam a mesma quantidade e com a mesma
frequência. Alguns nunca tomam, enquanto outros tomam sempre que servido,
o que acontece mais ou menos uma vez por semana ou mês, em pequenos
grupos.
Atualmente bebida é ingerida em sessões terapêuticas ou “de cura”, as
cerimônias públicas de consumo da ayahuasca praticamente desapareceram.
A ayahuasca propicia o diagnóstico e inspira o xamã em suas técnicas, como
por exemplo, ao desenhar os kenes sobre o corpo do paciente e cantar.
As pessoas mantem-se sentadas e cantam. Com frequência há relatos de
grandes cobras, além de animais como onças e jaguatiricas. As mirações e
observações de cada participante são discutidas após a cerimônia, buscando-
se obter detalhes a respeito da causa de uma doença, problemas ou
dificuldades na caça, comércio, conflitos.
Há uma correlação direta entre música, vizualizações, processos de cura e
desenhos. Para o povo indígena Mai Huna Tucano, os desenhos que servirão
para curar, precisam ser fixados ao corpo através do canto do xamã e do sopro
do moe (tabaco), juntamente com o bate-folhas de ervas aromáticas.
Tomar banho é considerado importante, pelo menos no dia seguinte, caso
contrário o nixi pae “ayahuasca”, fica agindo; seu efeito vem e vai como numa
onda ou banzeiro. A jibóia, dona da bebida para os Huni Kuin, não abandona
facilmente sua presa.
Para que o desenho se fixe são necessárias várias sessões. Em média de três a
quatro sessões com cinco horas cada. Durante o tratamento a pessoa tem uma
dieta rígida, assim como alguns membros de sua família, deve evitar o contato
com mulheres menstruadas e casais que tenham mantido relações sexuais.
Entre os Ashaninkas, a utilização da ayahuasca é um processo ritual em
pequenos grupos, geralmente em encontros noturnos e silenciosos, são
chamados kamarãpi ("limpeza"). Os cantos são apenas vocais, não sendo
acompanhados por nenhum instrumento musical.
Pawa, o Sol na cosmologia Ashaninka, traz a bebida para que as pessoas
Ashaninka adquiram conhecimento e aprendizados essenciais para sua vida na
Terra. O conhecimento e o aprendizado xamânicos denominados sheripiari
prevê anos de consumo regular e repetitivo da bebida. Esse uso continuado e
sua experiência conferem respeito e credibilidade a quem se propõe fazê-lo.
Através da bebida, o xamã realiza suas viagens para outros mundos e adquire
sua própria sabedoria. Tais procedimentos só logram resultado em questões
consideradas indígenas, circunstâncias específicas de necessidade de
organização e planejamento, conflitos pessoais e grupais, feitiçaria, mortes e
doenças.
Já entre os Apurinãs, da mesma família lingüística que os Ashaninka, o
princípio das doenças e da cura do “pajé” (meẽtu) são as pedras. A pedra é, ao
mesmo tempo, agente da cura, do aprendizado e da feitiçaria. Um meẽtu utiliza
katsoparu, folha que se masca, e awire, rapé. Uma das atribuições do pajé é
cuidar dos espíritos das crianças, severamente acometidas pelos malefícios
vindos de animais que levam consigo seus espíritos.
Como entre os dauiá Huni Kuin, o xamã guia-se pelos sonhos e outros espíritos
disponíveis, de felinos como as onças e répteis como as cobras. No entanto, o
uso da ayahuasca é relativamente recente entre os Apurinãs de Boca do Acre –
Amazonas. Segundo consta, tal grupo passou a consumir ayahuasca a partir do
contato com as religiões ayahuasqueiras.
Lugares sagrados
A jibóia planta, a jibóia cobra, o cipó cobra e os variados desenhos que os
representam, os desenhos da cobra, também se inscrevem, sub-repticiamente,
na topografia dos rios amazônicos em seu típico serpentear. Rios Juruá, Purus,
Madeira, Negro e o próprio Rio Amazonas. Em línguas Pano, como do povo
Huni Kuin, o termo runu (cobra/jibóia) assemelha-se ao termo rene (rio).
Municípios de Rio Branco (Alto Santo, Barquinha, Colônia Cinco Mil), Tarauacá
(Aldeia Pinuya “Beija-Flôr”), Cruzeiro do Sul na região do Rio Croa (Terra
Indígena Katukina, Comunidade Nova Era, Casa da Xamã Peruana “Flores”) e
Vila Céu do Mapiá na Floresta Nacional do Purus.
A melhor época para viajar para o Acre a turismo é entre os meses de maio e
setembro. Além de ser um período com temperaturas mais baixas, o volume de
chuva também é menor — sendo a única época do ano em que não chove todos
os dias. Festividades e cerimônias importantes do Santo Daime e Barquinha
em Rio Branco, meses de junho e julho.
Quem controla a Ayahuasca?
Ao liberar o uso do chá da ayahuasca para fins religiosos, o Conselho Nacional
de Políticas sobre Drogas (Conad) também reconheceu, ao menos
implicitamente, que o consumo do alucinógeno é arriscado para algumas
pessoas, por isso é obrigatório um rigoroso controle sobre o sistema de
ingresso de novos adeptos ou pacientes.
Quem fiscaliza os centros ayahuasqueiros? Quem identifica os portadores de
transtornos mentais? Quem será responsabilizado caso a resolução não seja
seguida? Fazer essas perguntas às autoridades leva, hoje, a uma série de
contradições…
Segundo Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, chefe da Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas (Senad) – que exerce a função executiva do Conad -, a
fiscalização acerca do uso do chá cabe tanto “às instâncias que congreguem
as entidades usuárias” (ou seja, entidades como Cefluris e a União Vegetal, que
têm vários templos espalhados pelo país) como “aos diversos órgãos da
administração pública, conforme suas competências específicas”.
Vladimir de Andrade Stempliuk, coordenador-geral do Observatório Brasileiro
de Informações sobre Drogas, subordinado ao Senad, é mais específico:
“Compete aos diversos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas
sobre Drogas a fiscalização e a imposição de medidas legais caso estas sejam
pertinentes”, explica. Dessa forma, se tornariam responsáveis, por exemplo, o
próprio Conad e, indiretamente, entidades como a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Polícia Federal (PF), que compõem o Conselho
Nacional.
Mas nem todos entendem assim. Procurada pela reportagem, a Anvisa afirmou
que a ayahuasca não faz parte da lista de substâncias que caem sob seu
controle. Já o Ministério da Saúde encaminhou ao Conad, alegando com razão
ter sido esse órgão “quem regulamentou o uso religioso dessa bebida no
Brasil”.
Igualmente, o Ministério Público Federal, apontou para o Conad. Os
promotores, contudo, podem agir caso haja descumprimento da fiscalização.
Ainda segundo o MPF, “nenhum procedimento nesse sentido” está registrado
na base de dados da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
A resolução do Conad recomenda ainda que a produção da bebida seja auto-
sustentável, veta seu comércio e propaganda do composto e estabelece que o
cultivo e o transporte só devem ocorrer para fins religiosos.
Mas quem, de fato, fiscaliza a produção e comércio dessas plantas? A Polícia
Federal, por exemplo, alega que sua função se restringe ao controle do DMT (n-
dimetiltriptamina), a substância alucinógena do chá da ayahuasca. “Se isolado,
o DMT passa a ser droga proibida, portanto conduzi-la ou comercializá-la será
crime a ser enquadrado na lei contra uso e tráfico de entorpecentes”, explica
em nota. Fiscalizar o plantio da erva-rainha ou do cipó-jagube, dos quais são
extraídos o DMT, portanto, não seria atribuição da PF.
Para os juristas, os furos no sistema criado pela resolução do Conad são
gritantes. “O poder público pecou em não regulamentar mais clara e
objetivamente o uso do chá”, diz o advogado criminalista André Alves
Wlodarczyk. Ao que o advogado constitucionalista João Wiegerinck
acrescenta: “Por eliminação, percebemos que a fiscalização só será feita
quando provocada: quando alguém passar mal ou surtar com a bebida.
Obviamente, é uma falha.”
Não há dúvida de que a própria entidade religiosa que faz uso do chá poderá
ser responsabilizada em caso de dano a um fiel, se não forem observadas as
orientações da resolução do Conad. “A igreja tem o dever de indenizar, se for
provado que ministrou sem os cuidados que a resolução determinava”, diz
Wlodarczyk. Pode, em tese, vir a ser o caso da Céu de Maria, seita fundada pelo
cartunista Glauco e onde seu assassino, Carlos Eduardo, bebia o daime. Isso
porque, Carlos Grecchi, pai de Carlos Eduardo, afirma ter pedido a Glauco que
parasse de dar o daime ao filho em 2007. Não teria sido atendido.
Saúde pública – A resolução também é criticada por profissionais da saúde
pública. Ela entrega aos próprios religiosos a responsabilidade de dizer quem
está apto a tomar ou não o chá. Mas essa deveria ser uma tarefa de psicológos
ou psiquiatras. Segundo Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Grupo Multidisciplinar de
Trabalho do Conad, “o uso do chá é arriscado para pessoas que tomam
antidepressivos e é contra-indicado a pessoas com diagnóstico de psicose, já
que aumenta muito a produção de certas substâncias no cérebro”. Para ele, o
Conad deveria desenvolver algum tipo de instrumento para aferir se as
entidades religiosas estão realizando o questionário ou não. “A falta de
fiscalização pode levar o aparecimento de vários casos graves”, diz Silveira.
Preocupado com as brechas deixas pela resolução do governo sobre o daime,
o psiquiatra Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de
Medicina (CFM) e novo representante do órgão no Conad, acredita que o atual
estado de coisas pode desaguar em um problema de saúde pública. “É uma
temeridade. As pessoas não saem por aí dizendo se têm doença mental ou
não. Isso merece uma reflexão por parte do Conselho Federal de Medicina”, diz,
criticando abertamente a capacidade de as entidades religiosas decidirem
quem pode ou não tomar o chá. “Com a ampliação e o crescimento organizado
de novas seitas, os casos de efeitos colaterais indesejados e o agravamento de
estados psíquicos começarão a aparecer”, acredita Carlos José Renaut Filho,
psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que presta consultoria
a uma entidade daimista no Rio de Janeiro.