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A Dieta do rapé.

Durante 21 dias, a pessoa iniciada por um xamã, elimina de sua rotina o sal, o açúcar, todos
os tipos de carne e atividade sexual. Frutas e derivados de animais são permitidos.. A
comida preparada para as pessoas que estão nessa dieta são preparadas especialmente para
elas, e não podem ser divididas com outros que estão se alimentando normalmente para que
o propósito da energia se preserve.

O rapé, medicina feita a partir de tabaco moído e cinza de árvores, deve ser auto-aplicado
durante os dias. Não se restringem o número de aplicações, mas se sugere uma disciplina de
pelo menos dois ou três sopros por dia: uma ao acordar, em jejum; uma ao anoitecer e um
antes de dormir. A primeira e a última aplicação do dia são fundamentais nesse estudo. Por
ser um estudo pessoal que irá familiarizar a energia do estudante com a medicina da
floresta, a pessoa não pode receber sopro de outras pessoas durante a dieta.

A ideia de se eliminar certas atividades e alimentos durante o período é de purificar o corpo


e limpar o canal espiritual. Esse jejum voluntário retira certos vícios alimentares comuns e
coloca a pessoa em estado mais intenso de auto-observação. Assim ela terá mais clareza dos
ensinamentos da floresta ao consagrar o rapé e outras medicinas.

Os pajés mais velhos também conhecem outras dietas para afastar doenças e conhecer
outras medicinas. No entanto, são estudos mais profundos que devem ser passados
pessoalmente àqueles que estão trilhando o caminho, preservando a tradição e os mistérios
da floresta. Você pode se auto iniciar e seguir essa dieta, mas o aconselhável é você
procurar uma pessoa com experiencia para te ajudar nesse inicio.
Muitas pessoas ficam curiosas e visitam esses povos para ampliar o estudo da pajelança e
curandeirismo amazônicos. Os shawãdawas, hunikuin, katukina, yawanawa e outros do
Acre normalmente introduzem a dieta do rapé para não índios interessados no tema. Essa
dieta é vista como um primeiro passo para se conhecer com mais respeito as medicinas da
floresta.
Entre os povos indígenas da Amazônia é costume fazer alterações na alimentação quando
determinadas pessoas são iniciadas espiritualmente em determinados estudos. As chamadas
dietas são restrições alimentares que variam de acordo com o propósito. Por exemplo, a
dieta de um caçador que irá acampar durante vários dias na mata para trazer carne para a
comunidade é diferente da dieta de um pajé que se aprofunda no estudo da ayahuasca ou do
rapé.

Sagrada Medicina do Rapé é consagrada para limpeza espiritual, relaxamento,


concentração, equilíbrio, elevação, retirar dores de cabeça e coluna, limpeza
das vias aéreas, entre outros benefícios físicos, espirituais e mentais. É comum
o relato de vivências desagradáveis com a Medicina do Rapé. Normalmente,
um desconforto físico, seja ele a sensação no nariz ou um torpor, dormências,
vômitos, excesso de calor ou frio.
Sendo assim, viemos dar dicas para você analisar e refletir sobre seu contato
com o Pai Rapé:
- A Medicina do Rapé nasceu de uma cultura ligada diretamente à Natureza,
sem a disponibilidade de ferramentas avançadas que produzissem uma
Medicina “confortável”, como um comprimido, por exemplo. Sendo, inclusive,
uma peça essencial do rapé para o domínio do corpo e da mente. Reflita se
sua mente não está priorizando a sensação física do que o efeito energético; -
Você sabe as diferenças entre os Rapés? Procure entender sobre cada cinza,
erva e tabaco utilizados na produção do Rapé. Pois cada tipo trará sensações
e benefícios diferenciados; e nós, somos Universos únicos, podendo nos
“afinizar” ou não com aquele Rapé ou aquela energia; - Você já se perguntou
ou ao Pai Rapé o que essas sensações vieram trazer de aprendizado pra
você? - A Sagrada Medicina do Rapé não deve ser consagrada com intenções
que não seja da Luz e da Cura. Confie na pessoa que irá compartilhar a
Medicina com você; - Pode ser que seu contato com o Rapé seja recente,
necessitando, às vezes, de um ancoramento da Medicina em seu Ser. Por 21
dias, pratique uma dieta alimentar, consumindo somente alimentos leves, grãos
e líquidos. Evitando carne de qualquer tipo, açúcares, gorduras e derivados de
leite. Nesse período, consagre a Medicina do Rapé com um auto-aplicador
(kuripe) por duas vezes no dia, uma pela manhã/tarde e outra à noite. Em um
período que seja tranquilo, no qual você consiga reservar um tempo somente
para a consagração (perceba quanto tempo você leva para consagrar e sair da
Força para conseguir se programar). Não tome rapé com mais ninguém, esse
período é somente a sua energia e a do Rapé; - E acima de tudo, sempre muito
respeito com a Medicina do Pai Rapé, tenha a humildade em reconhecer um
professor Ancestral.

Dietas, Terapias e Cosmogonias do Sagrado


Indígena
Home / Por Jairo Lima / 22/11/2016
Dietas: Equilibrando a substância e o conteúdo do ser
Não come isso aí não txai! – Alertou-me Maru fazendo-me cessar o
movimento de levar à boca uma colherada de um apetitoso pirão de peixe, e
olhar para o prato em busca de algo estranho que alertasse meu parceiro de
viagens…

Por Jairo Lima

 O que foi? – Perguntei, já achando que tinha algo errado com a


comida.
 Esse peixe aí tu não pode comer, se não vai afetar tua melhora
– Respondeu-me Maru. Sem precisar de mais detalhes eu
entendi que ele se referia à “dieta” que eu deveria seguir, pois
estava me recuperando de uma infecção e aquele alimento seria
por demais reimoso.

Desisti imediatamente daquela iguaria às margens do rio Taraya


(Tarauacá), enquanto descansávamos à noite no batelão, após um dia de
muito sol e poucas novidades em nossa subida em direção à aldeia Goiana,
Terra Indígena Praia do Carapanã. Acabei tendo que me contentar com
uma farofa de carne moída.

A conversa então seguiu sobre a questão das dietas, com os tipos de comida
que deveriam ser evitadas ou usadas, de acordo com as idades, condição
física ou de saúde da pessoa.

Assim, pelo restante de minha estadia nesta Terra Indígena até o meu total
reestabelecimento, segui à risca a dieta indicada pelo Maru e pela Parã.

Essas são minhas lembranças de 2004, e não foi meu primeiro contato como
assunto, mas foi a primeira vez que dei a devida atenção ao tema.
Principalmente pelo fato de estar em recuperação de uma enfermidade e a
última coisa que eu queria era passar o restante de minha viagem doente, a
dias de distância de um hospital.
Foto: Anouk Garcia
Desde essa experiência passei a estudar mais sobre o assunto, bastante
interessante e complexo que vai além de simplesmente deixar de comer ou
beber algo. Tem muito a ver, também com o equilíbrio espiritual e holístico
do indivíduo e, deste, com a natureza. Esta última também numa concepção
anímica de sua essência.

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Muitas vezes me submeti a dietas e tratamentos com as chamadas
“medicinas indígenas”, não só com olhos e interesses de pesquisador, mas,
também, por questões pessoais, e posso afirmar que essas dietas e
tratamentos foram verdadeiras jornadas, fazendo-me
compreender profundamente uma das chaves do entendimento da sentença
filosófica e espiritual mais clara que já ouvi, eternizada nas paredes do
templo de Apolo, em Delfos: conhece-te a ti mesmo.

A palavra dieta é algo muito comum aos ouvidos e entendimento de nossa


sociedade. No entanto, a compreensão e uso da mesma foram restringidos à
estética do corpo ou ao tratamento de saúde.

Vemos, a cada dia, surgirem novas formas de dieta para emagrecimento,


para lapidar o corpo, para endurecer o bumbum, sumir com as rugas, etc.
Assim como vemos notícias sobre novas descobertas ligando alimentos ao
aumento ou diminuição de doenças.
Somos inundados de propagandas do “antes e depois” de tal terapia,
tratamento ou uso de técnicas e produtos de ultima geração, consagrados,
onde estrelas da TV ou do esporte nos mostram como estão bem com estes
procedimentos mágicos.

Vemos, a cada dia, novos estudos trazendo regras e novidades sobre


nutrição e bem estar alimentar. O que acho interessante nestes “novos
estudos” sobre alimentação e nutrição é que, a cada ano ou década,
descobre-se que tal alimento é perigoso ou, o que era considerado saudável
antes, torna-se pernicioso depois.

Tenho quarenta e três anos e já vi o ovo entrar e sair da lista de alimentos


perigosos umas tantas vezes. Assim como o café, o chocolate, o vinho e o sal.
Parece que a cada nova geração de médicos a regra é desdizer a anterior.

Parece que nossos estudiosos ainda não conseguem entender o que se passa
com a “máquina humana”.  Acho isso interessante e não posso deixar de
fazer uma comparação com os conhecimentos indígenas que, para muitos,
são primitivos, atrasados e cheios de superstições.

Sei que pode parecer papo de bicho grilo (nada contra), mas aprendi nesses
anos todos que não se trata a “máquina” sem equilibrar o “sopro” que a
move. Isso está claro não só para os mais antenados às praticas holísticas da
medicina, como também para todos os povos antigos, inclusive os que nos
deram as bases da sociedade que vivemos hoje.

Acontece que, ao passo que nós vamos “evoluindo” nessa civilização


moderna rodeada de concreto e asfalto, vamos deixando para trás, ou
relegando à categoria de superstição, a herança espiritual e mística dos
nossos antepassados.

Até a espiritualidade moderna é, em grande maioria e principalmente em


nossa cultura ocidental, enquadrada em “caixinhas” devidamente
doutrinada e com preceitos estabelecidos, pautados em dogmas ou
expressões frias de algo que parece estar tão longe, algo inalcançável.

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Vamos perdendo o prazer das coisas simples, com a simplicidade com que
são feitas ou nos são dadas.
 

Temos ainda as terapias exóticas, tratamentos, vivências e peregrinações que


prometem nos conectar com os espíritos, energias e nos equilibrar com
o cosmos. Infelizmente, para acessá-las, em muitos dos casos, é necessário,
além do passaporte, dispor de recursos financeiros suficientes.

Afinal, ir ao Tibete, fazer o Caminho de Santiago, ir à China ou ao Japão


não são para qualquer um. Até mesmo para experiências conhecidas em
nosso próprio continente sul-americano, como o nosso “Tibete Inca” (Andes)
não é tão acessível assim.

 Certo, então quais seriam essas dietas mágicas dos índios?


Mostra onde compro! –Calma, também não é assim que a coisa
funciona.
Já escrevi em outro momento que não se deve buscar algo, principalmente
tratamentos, seja espiritual, seja material, quando não se tem necessidade. É
como citei: o vaso cheio demais transborda, e se cai, quebra. Assim é o ser
humano.

Temos uma riqueza enorme de conhecimentos indígenas ligados a


tratamentos e terapias. Conhecimentos estes que vem, em certo grau, sendo
buscados cada vez mais por pessoas que sentem a necessidade de “algo a
mais” que as terapias biomédicas ou ditas “holísticas” que nossa sociedade
dispõe.
Vejo crescer a circulação de pessoas pelas aldeias daqui do Juruá, sendo
atendidas pelos curadores, fazendo algumas dietas e tratamentos.
Infelizmente, como esse processo ainda não está devidamente valorizado e
organizado junto com as instituições de controle e apoio, além dos enfermos
e peregrinos, vem junto aqueles que querem se apropriar desses
conhecimentos e divulgar irresponsavelmente ou, ainda, procurar obter
lucro.

Cada povo indígena tem o seu compêndio de regras alimentares e


comportamentais para diferentes finalidades. Esse é um conhecimento
secular, passado de geração a geração que precisa ser devidamente
reconhecido, valorizado, estudado e disponibilizado para conhecimento
geral e acessível a quem precisa.

Claro que, nesse processo, há de se assegurar os direitos e valorização dos


seus detentores originários, para que tal conhecimento não se torne mais um
objeto de mercado ou da biomedicina, rapinado pelo yura (não-índio).

Outro fator de preocupação para a proteção desses conhecimentos é a


necessidade de se discutir esses temas junto aos órgãos, unidades e
profissionais de atendimento biomédico, pois, muitas vezes, consideram as
práticas tradicionais de cura e tratamento como processos inúteis ou
prejudiciais aos “pacientes”.

Existem muitos estudos sobre as práticas tradicionais de dieta e terapias dos


povos indígenas. Infelizmente, em sua quase totalidade, são estudos
guardados, ou esquecidos, em dissertações, teses, ensaios e artigos
localizados em alguma prateleira virtual ou física de bibliotecas
universitárias, que em nada são atrativas ou devidamente valorizadas
na macro-sociedade, suscitando interesse somente em grupos de estudos ou
graduações específicas. Sem contar que, em quase sua totalidade, esses
materiais são um tanto quanto enfadonhos ou difíceis de “digerir” para os
que não dominam o linguajar acadêmico.
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Recentemente, alguns livros mais alternativos vêm sendo construídos nas
comunidades indígenas, tentando mostrar a riqueza das plantas e suas
aplicabilidades para as diferentes enfermidades e panemas. Posso citar como
exemplo o ricamente ilustrado e didático livro Una Isi Kayawa: Livro da
Cura do Povo Huni Kui do Jordão. Obra feita através de uma parceria entre
o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e as comunidades indígenas localizadas
no Rio Jordão. Até materiais como esse são pouco conhecidos, e divulgados
somente em um circuito muito pequeno e fechado de interessados.

Ressalto, no entanto, que não adianta só ter materiais de leituras e


descritivos com as “receitas” de dietas e tratamentos, pois, como venho
tentando expor neste texto, a essência deste tipo de conhecimento vai além
da “substância”, compreendendo, também em seu processo, o “conteúdo”.

Ou, trocando em miúdos: nem todas as dietas ou tratamentos tratam-se só


de fazer um chá ou aplicar algo no corpo, é preciso também, harmonizar a
matéria com o yuxin do corpo e os yuxin da natureza.

A afirmação acima pode até parecer bem estranha, assim como esse papo
como um todo, mas, acredite, faz sentido para um bocado de gente. E, para
as comunidades indígenas, eu não estou falando mais que o óbvio, algo
totalmente crível e embasado em séculos de conhecimento.
No cotidiano caótico e em que vivemos nas cidades, cada vez mais somos
impelidos a paliativos artificiais de “sobrevivência”, condicionadas em
cápsulas ou vendidas em diferentes sites. Temos tudo devidamente embalado
para ficarmos felizes, calmos, com sono, magro, gordo, forte, ou com tesão.

Temos gurus midiáticos e estrelas do bom viver que sempre nos dizem para
“substituir isso por aquilo”. No entanto, ainda assim, vemos crescer cada vez
mais os problemas existenciais dos citadinos, seja no plano físico, seja no
mental/espiritual (substância e conteúdo do ser).

Acredito que, em vez de só “substituir isso por aquilo”, ou buscar o alívio


imediato encapsulado dentro de caixinhas, devemos buscar algo que não só
nos mantenha saudáveis de corpo, mas, também, equilibrados com o ying-
yang, nessa breve existência material que dispomos.

Quando, em meu cotidiano na cidade, me deparo com as circunstâncias que


envolvem saúde ou algum “inferno astral”, o que vivi, vi e aprendi com
os povos indígenas faz com que uma resposta pronta venha logo à mente e,
por vezes à boca: tô precisando fazer uma dieta, “tomar um sapo”, uma
sananga, um cipó ou rapé…acho que tenho que ir para a aldeia o mais rápido
possível.

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