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Existe também algumas linhas que acreditam que os mistérios do rapé estejam diretamen-
te ligado aos mistérios do tabaco devido a quantidade de histórias e lendas que fazem re-
ferência a essa mesma consciência e sua manifestação nos rituais de cachimbo, lembro
agora me de uma história sobre a Mãe Samaúma, que faz referência ao rapé como meio
de comunicação entre uma curandeira e o espírito da Samaúma.
Independente das crenças, algo a ser levado em conta é de que o uso do rapé deve ser
feito dentro de um conceito de respeito e tranquilidade, com as intenções de cura bem de-
finidas, e seu uso não é recomendado associado ao álcool ou fora de um contexto de cura
ou espiritual, mas cabe a cada um, dentro de sua consciência, escolher a forma de relação
com essa medicina.
Renê Dalton
Iniciação ao Feitio de Rapé
Rapé é uma medicina fitoterápica em pó para aplicação nasal, de acordo com a tradição
dos povos originários o rapé é também um veículo de conexão energética (astral).
Apesar de sua concentração cultural e ritualística ser mais difundida na América do Sul,
existem medicinas semelhantes tanto na composição quanto na forma de uso na África,
Ásia e Meio Oriente e vale lembrar que a palavra rapé vem do francês “râper” que significa
rapar, entre os povos originários cada um tem o seu termo para designar essa medicina e
sua tradição no feitio e ritualística.
Em sua composição básica encontramos tabaco, ervas e cinzas, a junção desses elemen-
tos de acordo com a tradição de cada etnia é o segredo para a ação dessa medicina.
A) O Corpo - Tabaco
O tabaco no rapé tem sua ação principal de aterramento, ele é o responsavel pela cone-
xão física do rapé
C) O Espírito - Cinzas
Na composição das cinzas temos o espírito do rapé, toda a ação energética astral tem seu
fundamento nas cinzas escolhidas, nos alcalóides provenientes das cinzas e na sua devi-
da ação.
Para se fazer um rapé é necessário ter em mente cada uma de suas etapas, cuidado com
a higiene, tanto pessoal quanto dos utensílios utilizados, conhecimento básico fitoterápico,
compreensão sobre a influência das fases da lua e ao menos uma noção de como o rapé
atua nos níveis de consciência e centros de energia.
Antes de pensarmos no feitio, vale ressaltar que tanto os utensílios quanto a matéria que
será utilizada (tabaco, ervas, cinzas) devem estar ao alcance da mão, dispostas de forma
organizada.
A aquisição do tabaco e das ervas pode ser feita junto a raizeiros, pajés ou empórios es-
pecializados, caso não tenha como plantar em casa.
O fumo de corda pode ser utilizado desde que a procedência seja orgânica e que esteja
em bom estado de conservação, o fumo de corda mofa com muita facilidade se não for de-
vidamente manuseado e estocado.
A) Utensílios
B) Etapas do feitio
1b) Seleção
Nessa etapa o cuidado com a higiene é fundamental, cada um dos ingredientes devem ser
primeiramente selecionados um a um, os potes e pratos de vidros serão utilizados para ca-
da ingrediente separado, nesse processo de seleção devemos evitar cascas com teias de
aranha, ovos de insetos, ervas e folhagens que estejam amareladas, com pontos escuros
ou mofo retirando também todo pedaço de caule ou galho das ervas, folhas e demais in-
gredientes, o mofo é mais comum em flores, frutos ou fumo de corda, por isso muita aten-
ção quando for comprar fumo de corda, eu recomendo o fumo porto faria, o melhor em
qualidade na minha opinião tanto para rapé quanto para kumbaya (mistura de ervas aro-
máticas e tabaco).
2b) Desidratação
Eu gosto de secar todos ingredientes do rapé ao calor e luz do sol, na impossibilidade dis-
so, pode ser feita em forno ou panela de barro, mas existe uma diferença perceptível entre
o que é seco ao sol e o que não é, cabe a cada um decidir de acordo com sua fé, possibili-
dade ou praticidade.
Com excessão das cinzas, eu compreendi durante o tempo que venho lidando com essa
medicina que é melhor evitar a ação direta ou indireta do fogo tanto no tabaco quanto nos
demais ingredientes que irão compor o coração do rapé e até os ingredientes de que se-
rão feito as cinzas devem ser desidratados primeiro na luz e calor do sol.
3b) Redução
Após a desidratação total, quando as folhas ou tabaco estiverem esfarelando com facilida-
de na mão, devemos reduzir o máximo possível do tamanho, utilizando as mãos para que-
brar ou esfarelar os ingredientes, isso torna o processo no pilão mais fácil e eficiente, o
material que será utilizado nas cinzas não precisa ser pilado, mas é indicado ao menos a
quebra após a desidratação para facilitar e agilizar o feitio das cinzas.
4b) Pilagem
Nesse processo iremos triturar separadamente cada um dos itens do nosso rapé até redu-
zir a pó, lembrando que os ingredientes que serão usados para o feitio das cinzas não
passam por esse processo. Essa etapa pode levar um certo tempo, principalmente se o pi-
lão utilizado for pequeno ou médio, o ideal é o pilão grande também conhecido por pilão de
braço.
6b) Peneiração
Nessa etapa devemos coar cada item separado utilizando o voal, as sobras podem ser pi-
ladas novamente e devidamente peneiradas, após esse processo pode se juntar todo o
material peneirado no voal para fazer a última passagem pela malha fria ou poliester, isso
dará ao rapé uma característica fina feito talco.
7b) O Rezo
O pensamento tem poder bem como as emoções, dentro do meu entendimento e prática a
vibração do pensamento e as emoções atuam como a fina costura que agrupa energetica-
mete todos os ingredientes do
rapé, ativando assim a força, o poder de cura e determinando por uso da fala o objetivo fi-
nal dessa
medicina. Você pode fazer uso de uma oração ou afirmação positiva dentro de sua crença
ou linha religiosa.
Eu particularmente começo meu rezo agradecendo ao Sagrado Universo e a Divina Natu-
reza a bênção da
vida, saúdo o reino vegetal, o reino elemental e por fim as forças e espíritos das matas.
Sagrado Universo, Divina Natureza
Eu agradeço a bênção da vida
Eu agradeço por experimentar a vida manifestada na matéria
Eu saúdo o reino vegetal e todo o seu poder de vida e consciência
Eu saúdo o reino elemental e reconheço sua força presente em tudo que existe no Cos-
mos
Eu saúdo os espíritos das matas e seus encantados
Peço a bênção e a proteção
Das correntes de cura, das benzedeiras e curandeiras
Meu respeito e saudação à todos os pajés, aos catimbozeiros e à todas tendas de umban-
da de mesa branca
Que a energia contida nesse rapé seja força de cura, amor e luz
4) Uso pessoal e aplicações
O uso do rapé é feito com aplicador, existem dois tipos de aplicadores de rapé, um para
uso pessoal conhecido por Kuripe e o tipí que é utilizado para aplicações em outras pes-
soas.
A aplicação de rapé dever ser feita pelo sopro e quem o recebe deve manter a respiração
presa no momento da aplicação.
1- O rapé
2- Quem o aplica
3- O sopro utilizado
Dentro da tradição indígena o sopro do rapé sempre estará relacionado com algum animal
bem como sua
representação de força e poder, eu particularmente faço uso de 3 tipos de sopro de acordo
com o rapé, de
acordo com a necessidade e o estado de quem receberá esse sopro, cabe dentre desse
entendimento
sabedoria e bom senso.
1 - Sopro suave
indicado para iniciantes ou pessoas em estado de fraqueza ou adoentadas
sopro contínuo - duração aproximada 3 segundos
2 - Sopro médio
indicado para iniciados e rapés de atuação mais sutil (sem tabaco)
sopro de início suave finalizando com força - duração aproximada 2 segundos
3 - Sopro forte
Indicado para casos específicos, necessidade de força de atuação sobre a
pessoa que recebe, sessões com enteógenos ou meditação
sopro forte único - duração aproximada 1 segundo
5) Como fazer um aplicador 2 em 1
Material utilizado
Um pedaço de bambu de aproximadamente 10cm
Um pedaço mangueira de borracha cirúrgica ou mangueira de plástico
Uma lixa fina para madeira
Como fazer:
Serre o bambu com cuidado para não descascar, para isso faça primeiro o vinco do corte
com a serra girando o bambu lentamente até o vinco marcar todo o bambu
Lixe cada uma das extremidades das partes, sendo que a ponta que será colocada no na-
riz deve ter a sua extremidade arredondada
Encaixe cada uma das pontas na mangueira sem usar cola, assim será possível retirar as
pontas da mangueira quando for necessário higienizar
INFLUÊNCIA LUNAR
De modo comparativo, a lua rege o fluxo e refluxo do nosso sistema aquoso (sangue, linfa,
líquidos seminais) e também determina o movimento da seiva nas plantas.
Lua Nova:
Esta fase lunar caracteriza-se pela “ausência” da lua. É a primeira fase da quinzena positi-
va, pois o éter vital concentra-se na parte superior do vegetal, isto é, nas folhas, frutos, flo-
res e caules superiores. Assim, é uma das fases propícias para a colheita de elementos
vegetais.
Lua Crescente:
É a fase complementar, ou segunda fase da quinzena positiva. O éter vital, ou corrente
Prânica, ainda está nas folhas, flores e frutos. Está se dirigindo das extremidades das
plantas para o seu centro.
Lua Cheia:
É a fase que está na quinzena negativa, não sendo o melhor ciclo para a colheita de er-
vas, para efeitos ritualísticos, pois o Prana ou éter vital está no caule principal e dirige-se
às raízes, para completar o ciclo.
Lua Minguante:
Nesta fase lunar, o Prana concentra-se na raiz, vitalizando-a, permitindo que ela extraia os
nutrientes necessários do solo. Não é uma fase propícia para a colheita de ervas, pois es-
tá na quinzena negativa.
Como eu faço uso do rapé
1) Preparação
O local aonde será feita a aplicação é muito importante, eu normalmente busco sempre
um local calmo, perto da natureza e a céu aberto
Costumo reservar alguns minutos antes de qualquer aplicação, faço uma breve meditação
passiva focando no ritmo da minha respiração, isso ajuda a diminuir o fluxo de pensamen-
tos e auxilia a focar no objetivo da aplicação
Após a meditação eu faço meu rezo pessoal, onde agradeço as forças da natureza e es-
pecialmente ao reino vegetal por todas as riquezas que nos oferecem e peço pela cura
com muita humildade, dentro do meu merecimento
2) Facilitadores
Após o rezo eu costumo utilizar o óleo essencial de hortelã pimenta sobre as narinas, esse
óleo por si só já promove uma limpeza profunda das vias aéreas e facilita a absorção do
rapé
Quando possível eu faço uso também o óleo essencial de cravo sobre a garganta, isso au-
xilia muito na prevenção de vômitos involuntários
3) Aplicação
Eu costumo usar uma quantidade equivalente a massa de um grão de feijão por narina,
mais do que isso é desnecessário e fatalmente provocará irritação na garganta e vômito
O ângulo correto de aplicação é aquele que segue a mesma inclinação do nariz, voltados
para cima e não em direção ao maxilar
O tempo de aplicação entre uma narina e outra não pode ser demorado, o ideal é que seja
feito uma e logo após a outra
4) Pós Aplicação
Depois da aplicação do rapé eu reservo mais alguns minutos para meditar e assimilar a
medicina recebida e só quando começa a escorrer é que eu uso um papel para assoar o
nariz de forma suave, sem fazer muita pressão, esse breve tempo de silêncio e meditação
após a aplicação é fundamental
5) Finalização
Por fim agradeço encerrando a cerimônia com um rezo
Sobre a questão de fundo musical, mantras e afins eu particularmente gosto muito de colo-
car ícaros de peyote, segue um exemplo no link abaixo
https://www.youtube.com/watch?v=56V2gVdNFHI
Considerações Finais
Dentro da minha vivência com o rapé e no passar do tempo observei alguns fatores que
merecem atenção e que são desconhecidos pela maioria das pessoas
* Prazo de validade - qualquer alteração na coloração e no cheiro do rapé pode ser indício
de fim de validade, atenção ao cheiro de azedo, o prazo de validade de um rapé pode vari-
ar de 1 a 3 anos
* Cuidados com a manipulação - evite deixar o recipiente de rapé aberto e exposto a umi-
dade e sol, isso pode tanto alterar como anular o rapé
* Cuidados com a higiene - é indicado higienizar os aplicadores com frequência, evite apli-
cadores que tenham em suas partes pedaços de animais, dentes, ossos, penas e couro,
além de ser considerado crime pela atual legislação brasileira é anti-higiênico, restos mor-
tais podem conter bactérias indesejadas
* Evite misturar rapés no mesmo recipiente, independente que seja o mesmo tipo de rapé,
cada feitio é único.
* Conhecimento fitoterápico nunca é demais, procure estudar o poder medicinal das plan-
tas junto aos raizeiros e raizeiras, compre livros, faça cursos. Tenha consigo um caderno
aonde possa sempre anotar essas informações.
Agora é com você, desejo do fundo do meu coração que de hoje em diante a tua relação
com o rapé seja mais ativa, positiva e edificante.