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ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PESQUISA E SAÚDE COM CANNABIS

1. Cannabis, uma medicina ancestral

Reconhecido como um conjunto de espécies de plantas com largo histórico de


cultivo e uso, Cannabis L. é um gênero botânico originalmente disperso para todos os
continentes habitados do planeta, a partir de seu principal centro de origem, na Ásia
Central.
Plantas deste gênero vicejam sob diversas condições ecológicas, desde o nível
do mar até o sopé das cordilheiras do Himalaia, região a partir da qual ampliou sua
distribuição geográfica por meio de sociedades especialmente motivadas no uso de suas
fibras e demais partes vegetais.
A utilidade na produção de alimento, fibra, abrigo, remédio e sobretudo a
presença marcante de substâncias psicoativas fizeram com que em diversas regiões,
plantas como Cannabis sativa L., C. indica Lam. e C. ruderalis Janisch. fossem
considerados artefatos de sociabilização e sacralização. Assim, no Planalto Tibetano e
na Índia, a mesma planta que estimulava a consagração dos prazeres sensoriais e
afetivos através da sexualidade, promovia o poder agregador e contemplativo da fé
religiosa.
Contemporaneamente, esta diversidade de usos de Cannabis como remédio,
substância de uso adulto, fonte de fibra e de óleo terapêutico tem estimulado
fortemente o interesse público e científico em torno da planta. Conforme o
neurocientista Sidarta Ribeiro, um dos mais notáveis pesquisadores brasileiros deste
tempo, é possível que não haja planta medicinal ou substância de uso adulto comparável
à Cannabis, tanto em termos de alcance étnico-cultural quanto em termos de
abrangência de sua ação biológica.
Espécies de Cannabis L. (maconha) são formalmente reconhecidas como
plantas medicinais nas tradicionais farmacopeias e compêndios médicos da
Antiguidade. Apesar das evidências históricas do uso de Cannabis na medicina chinesa,
datada de pelo menos 2.700 a.C, é somente no século XX que o interesse farmacológico
em torno da maconha passa a se destacar no Ocidente.
Há atualmente uma vasta literatura acadêmica de expressão global,
destacando as aplicações terapêuticas de Cannabis no tratamento de diversas
condições de saúde, com acúmulo de relatos anedóticos e evidências clínicas que
sugerem eficácia terapêutica satisfatória quando se compara aos medicamentos
alopáticos.
Além das particularidades históricas, botânicas, farmacológicas, dos aspectos
socioculturais, bem como da ação neurobiológica, psíquica e comportamental
promovidas pelo uso de Cannabis, emerge contemporaneamente uma plataforma
política e social que tem oportunizado em níveis global, nacional e regional um amplo e
crescente debate nos campos da ciência, saúde e sociedade.
Tais questões se referem principalmente ao status de ilegalidade da planta, e
mais recentemente à sua emergência como tema em espaços acadêmicos, sociais e
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políticos, evidenciando as contradições relativas às percepções sociais em torno da
planta, seu alcance terapêutico e a democratização do acesso para uso adulto e
medicinal.
A partir dos anos 1960, estudos em diversas áreas do conhecimento vêm sendo
continuamente publicados em periódicos científicos de circulação internacional,
atestando a necessidade de se superar, enquanto sociedade, os velhos estigmas e
noções pré-concebidas em torno de uma planta que desde o Neolítico – há pelo menos
10 mil anos – vem sendo selecionada e cultivada em todos os continentes habitados do
planeta.
Contemporaneamente há um destaque expressivo para a dimensão
terapêutica da Cannabis. Um acúmulo considerável nos campos da pesquisa e da prática
médica evidenciam os benefícios terapêuticos de extratos de maconha no tratamento
de um conjunto significativo de condições de saúde.
Dores crônicas e neuropáticas, doenças autoimunes, fibromialgia, lúpus, artrite
reumatoide, esclerose múltipla, doenças neurodegenerativas, Parkinson, Alzheimer,
distúrbio do sono, transtorno do humor, câncer, epilepsias refratárias, síndrome de
Dravet, síndrome de West, transtorno do espectro autista (TEA), síndrome de Asperger,
transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno do estresse
pós-traumático (TEPT), transtorno de ansiedade, endometriose, síndrome do intestino
irritável, doença de Crohn e distúrbios psicomotores podem ser citadas como as
principais condições tratáveis com Cannabis.

2. Maconha e organização social

O clube de diambistas representa a primeira iniciativa conhecida de agremiação


de uso social de maconha. O termo certamente soa estranho, sobretudo aos ouvidos de
diambeiros maranhenses, a quem dirigimos a seguinte explicação: Clube de diambistas
foi um termo adotado pelo médico e sertanista Francisco de Assis Iglesias em 1918,
quando noticiou em um importante periódico científico de medicina cirúrgica da época,
a prática tradicional de fumar diamba no vale do Mearim.
Hoje, mais de um século após o registro de um dos modos tradicionais de uso
social da maconha no Maranhão, acompanhamos o rápido crescimento de grupos
organizados em torno desta planta no Brasil. Milhares de famílias brasileiras amparadas
por entidades sociais antiproibicionistas estão conquistando o direito ao cultivo de
maconha em espaço privado e protegido.
O contexto de proibicionismo e as ausência de uma regulamentação nacional
que contemple a democratização do acesso à Cannabis vem sendo enfrentados com
dignidade por meio de um cuidadoso trabalho de acolhimento, pesquisa e mobilização
social realizado por aguerridas associações que compõem o ativismo canábico no Brasil.
Fruto de iniciativas de pacientes e familiares, as centenas de associações
canábicas brasileiras atuam juntamente a pesquisadores, advogados, médicos,
terapeutas e demais profissionais na ampla difusão do conhecimento em direção aos
potenciais riscos e aos benefícios concretos decorrentes do uso terapêutico de
maconha.
A maioria absoluta destas entidades sociais segue em busca de
regulamentação. Conta-se nos dedos o quantitativo de associações canábicas

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devidamente regulamentadas e aptas ao cultivo e dispensação de fitoterápicos
derivados de Cannabis a seus pacientes.
O movimento pacífico de enfrentamento capitaneado por estas entidades
sociais vêm consolidando, em todo o país, experiências legítimas de cultivo, produção,
avaliação, orientação e acompanhamento de pessoas e famílias em processo de
acolhimento terapêutico com Cannabis.
Apesar do ecossistema proibicionista circundante, as associações vêm se
fortalecendo por meio de efetiva interação institucional estabelecida com universidades
e centros de pesquisa, através da celebração de parcerias para o desenvolvimento de
protocolos técnicos, bem como da realização de atividades pragmáticas referentes às
tecnologias de seleção genética, produção e avaliação do potencial farmacológico de
extratos e variedades botânicas.
Em um cenário em que vigora um elevado custo nos tratamentos à base de
extratos importados de Cannabis, as associações nacionais estabelecem como
fundamento a promoção irrestrita do acesso à medicina canabinoide via Sistema
Único de Saúde, especialmente a pessoas e famílias em situação de
vulnerabilidade socioeconômica.
As associações canábicas são representantes legítimas da sociedade na
construção de uma plataforma política antiproibicionista, na circulação de saberes
práticos e conhecimentos científicos, no acolhimento de pessoas sob diversas
condições de saúde, na educação, na condução de pesquisas e na participação ativa nos
debates públicos em direção à consolidação de políticas de drogas e de saúde que
reflitam os interesses expressos pela sociedade.
Estas entidades assumem o lugar de difusoras de conhecimentos diversos
sobre a planta, sobre saúde e sobre acesso aos direitos. Ao oportunizar o contato de
pacientes e familiares com médicos, advogados, pesquisadores e ativistas, as
associações promovem a produção e circulação de conhecimentos de maneira original
e inovadora através da interlocução com as pessoas, suas histórias de vida e suas
demandas por saúde e direitos. Assim, as associações atingem a adesão de novos
membros para sua pauta em clara convergência com a pauta dos pacientes que as
procuram.
Estes coletivos promovem a mediação entre ciência, medicina, justiça e
sociedade civil, além de estimularem a educação cívica através do engajamento político
em direção à regulamentação do uso adulto e medicinal da maconha. O movimento
associativo representa, portanto, um modelo alternativo de educação, controle social e
uso responsável da maconha, o qual deve ser difundido com a intenção de potencializar
a participação da sociedade civil na implementação de um processo legitimo de
regulamentação que deve incluir necessariamente as dimensões do auto cultivo e do
cultivo associativo.
O modelo de organização associativo corresponde a uma efetiva tecnologia
social em defesa da saúde e do direito de todas as pessoas que demandam o acesso
legal à Cannabis. É preciso elevar o debate, de forma que se mantenha a receptividade
e a disponibilidade ao diálogo, percebendo com perspicácia o auspicioso cenário que se
descortina à nossa frente quanto aos ganhos expressivos no campo da saúde pública,
do bem viver, no meio ambiente e nas relações de produção e consumo.

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3. Acolhedeira: vanguarda do associativismo canábico maranhense

A Associação Cultural de Pesquisa e Saúde com Cannabis também chamada


Acolhedeira, se define como uma associação civil apartidária, sem fins lucrativos, com
atuação em cultura, sociedade, saúde, meio ambiente, pesquisa, educação, políticas
públicas e garantia de direitos fundamentais através das atitudes de acolher vidas e lutar
pelo direito ao acesso à Cannabis, por meio da promoção da pesquisa científica, da
criação e divulgação de canais informativos e do acesso à medicina canabinoide.
Deve-se ressaltar que não contemplam os objetivos estatutários da associação,
apologia, promoção e/ou facilitação do consumo de substâncias ilícitas, de modo que
está incumbida a Acolhedeira unicamente de informar e garantir a democratização do
acesso à Cannabis a seus associados para fins exclusivamente medicinais e científicos.
Baseada nos princípios da cultura de paz, a Acolhedeira estabelece como
objetivos pragmáticos:
I) o acolhimento de pessoas, sem discriminação e em quaisquer condições de saúde;
II) a realização de estudos, pesquisas e eventos sobre Cannabis, informando e dando
publicidade à sociedade sobre seus resultados, promovendo formação e qualificação
funcional, acadêmica e profissional a seus sócios e a quaisquer interessados;
III) a celebração de convênios e parcerias, articulando-se com entidades públicas nas
três esferas de atuação, assim como com a iniciativa privada, nacional ou estrangeira,
visando à pesquisa, o uso terapêutico e industrial da Cannabis;
IV) a promoção e defesa dos interesses de seus associados e familiares, representando-
os judicial ou extrajudicialmente, ativa ou passivamente, em qualquer poder da
República Federativa do Brasil, garantindo o direito fundamental de acesso à cultura, à
saúde e à liberdade de pesquisa, seu fomento e desenvolvimento, dentro e fora do país;
V) o requerimento, junto aos órgãos competentes, do direito e autorização de cultivo
de Cannabis para finalidades científicas, medicinais e industriais, visando à produção,
avaliação e dispensação de produtos de caráter terapêutico para seus associados.
O acolhimento de seus mais de uma centena de associados é o coração da
Acolhedeira. Este processo se inicia no ato de preenchimento do formulário de cadastro
de associados e segue com encaminhamento para consulta e prescrição médica por
profissional habilitado em medicina canabinoide. Estando apto, o novo paciente
associado é encaminhado para a dispensação do fitoterápico adequado ao seu
receituário.
O extrato terapêutico integral ou de espectro completo (full spectrum) é obtido
a partir de variedades híbridas de Cannabis, visando à produção de fitoterápicos como
tintura (extrato hidroalcóolico), pomada e óleo, todos ricos em canabinoides ácidos e
estáveis, monoterpenos, sesquiterpenos, triterpenoides, alcaloides, flavonoides,
ésteres, colinas, fenois e outras moléculas bioativas de importância médica.
Os fitoterápicos de Cannabis são produzidos a partir de material botânico
reprodutivo e vegetativo, ambos descarboxilados e em condições adequadas de
conservação molecular e manutenção do potencial terapêutico. No óleo medicinal,
triglicerídeos de cadeia média como os ácidos cáprico e caprílico conduzem os

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fitocanabinoides extraídos do material vegetal, culminando na eficácia terapêutica por
meio de efeito comitiva (entourage effect)1.
A composição fitoquímica e a concentração dos fitoterápicos são
frequentemente avaliadas através de um protocolo de Cromatografia Líquida de Alta
Eficiência, um procedimento químico em que é possível separar os componentes de
determinada mistura de substâncias com o objetivo de identificá-los, quantificá-los e
purificá-los.
O protocolo de identificação e quantificação de fitocanabinoides de extratos de
Cannabis é resultante de parceria institucional da Acolhedeira com pesquisadores da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), do Piauí (UFPI) e de Viçosa, MG (UFV).
Dentre os principais fitocanabinoides identificados e quantificados nos fitoterápicos da
Acolhedeira, destacam-se as formas ácidas CBG-A, THC-A, CBD-A, CBC-A, THCV-A e seus
respectivos correspondentes moleculares estáveis: CBG, THC, CBD, CBC e THCV, todos
com reconhecida atividade terapêutica.
No vasto universo da ciência e medicina canabinoide há um abundante e
crescente conjunto de conhecimentos apontando para a necessidade de
aprofundamento da pesquisa e difusão social dos saberes construídos em torno da
Cannabis como uma planta ancestral de uso terapêutico. O acúmulo de evidências
clínicas reflete o que a biologia, a história cultural e a farmacologia nos apresentam:
Cannabis é conhecimento, justiça social, saúde e bem viver.

CONTATO INSTITUCIONAL
www.acolhedeira.org
https://linktr.ee/acolhedeira
@acolhedeira
acolhimento@acolhedeira.org

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Mecanismo bioquímico em que os fitocanabinoides e as demais moléculas da planta interagem em
processo de sinergia e favorecem a atividade modulatória do sistema endocanabinoide.

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