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Bens Comuns, Direitos Humanos, Economia e Sustentabilidade

Book · September 2021

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6 authors, including:

Milena Petters Melo Thiago Burckhart


Universidade Regional de Blumenau University of Rome Unitelma Sapienza
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Leura Dalla Riva


UNICAMPANIA
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SEE PROFILE

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© Imaginar o Brasil Editora, 2021
Capa © Imaginar o Brasil Editora, 2021
Projeto Gráfico © Imaginar o Brasil Editora, 2021

Apoio Editorial:
Me. Clarissa de Souza Guerra (URI/Santiago)
Me. Francieli Iung Izolani (URI/Santo Ângelo)
Me. Leura Dalla Riva (UNICAMPANIA, Itália)

Imaginar o Brasil Editora


Florianópolis – SC – Brasil
www.imaginarobrasileditora.com
imaginarobrasil@gmail.com
BENS COMUNS, DIREITOS HUMANOS,
ECONOMIA E SUSTENTABILIDADE
Anais do IV & V Simpósio Regional De Direito Público E
Seminário Internacional Sobre Políticas Constitucionais

Esta Obra reúne os resumos expandidos apresentados no IV


e V Simpósio Regional de Direito Público e Seminário Internacional
sobre Políticas Constitucionais, realizado na Universidade Regional
de Blumenau, respectivamente em setembro de 2019 e outubro de
2020, como iniciativa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Constitucionalismo, Cooperação e Internacionalização
(CONSTINTER), Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), Universidade
Regional de Blumenau (FURB) e do Centro de Pesquisa Euro-
Americano sobre Políticas Constitucionais (CEDEUAM), em
parceria com o Instituto Internacional de Estudos e Pesquisas sobre
os Bens Comuns (IISRBC, França/Itália), Doutorado em Direitos
Humanos da Università Federico II di Napoli (UNINA, Itália),
Doutorado em Direito Comparado e Processos de Integração da
Università della Campania Luigi Vanvitelli (UNICAMPANIA,
Itália), Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Maria (PPGD UFSM), Grupo de Pesquisa Direito
Ambiental na Sociedade de Risco da Universidade Federal de Santa
Catarina (GPDA UFSC) e Diretório Acadêmico Clóvis Beviláqua da
Universidade Regional de Blumenau (DACLOBE FURB).
Agradecemos a preciosa colaboração dos Professores,
Pesquisadores e Estudantes, às Universidades, Centros de estudo,
Grupos de pesquisa, à Fundação de Amparo à Pesquisa e à
Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao
Consiglio Nazionale delle Ricerche (CNR) e aos órgãos de fomento no
Brasil e na Itália que subsidiaram as pesquisas apresentadas nesta
coletânea.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO / 17
Milena Petters Melo e Valéria Ribas do Nascimento

PARTE I
PROTEÇÃO DOS BENS COMUNS E
SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

O DIREITO À ALIMENTAÇÃO NA GRAMÁTICA DOS


BENS COMUNS: A segurança alimentar no quadro da
governança global / 21
Milena Petters Melo e Thiago Burckhart

GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS COMPARTILHADA:


Comitê do Rio Itajaí / 26
Felipe da Silva Claudino e Nicolau Cardoso Neto

A INSTITUIÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA


PRODUTOS RECICLADOS COMO TÉCNICA FISCAL
AMBIENTAL / 31
Humberto Francisco F. Campos M. Filpi

ANÁLISE ACERCA DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE


DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA MEDIDA
PROVISÓRIA Nº 871/2019, CONSOLIDADAS PELA LEI Nº
13.846/2019, NO QUE SE REFERE AOS REQUISITOS
PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO
RECLUSÃO / 37
Leonardo da Luz
O USO DE AGROTÓXICOS E AS IMPLICAÇÕES PARA A
GARANTIA DA SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL / 42
Clarissa de Sousa Guerra e Larissa Melez Ruviaro

A PL DO VENENO E A SUBSTITUIÇÃO DO TERMO


“AGROTÓXICO”: O poder de persuasão através da
ferramenta de linguagem hegemônica / 48
Francieli Iung Izolani e Jerônimo Siqueira Tybusch

NEOLIBERALISMO, PARTICIPAÇÃO POPULAR E


JUSTIÇA AMBIENTAL: As recentes políticas
governamentais brasileiras sobre o meio ambiente / 52
Eduardo Schneider Lersch e Leura Dalla Riva

CONFLITOS EM TORNO D’ÁGUA EM SANTA CATA-


RINA: Judicialização e padrões de desenvolvimento / 58
Luciano Félix Florit e Ana Lucia Bittencourt

A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS


COMO EXECUTORA DE ÁGUA LIMPA E
SANEAMENTO: Objetivo 6 do Desenvolvimento Sustentável
da Organização das Nações Unidas / 63
Nicolau Cardoso Neto, Luiza Sens Weise e Layra Pena

A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E


EXTENSÃO RURAL: Caminhos ao desenvolvimento rural
sustentável / 69
Francieli Iung Izolani e Marina Augusta Tauil Bernardo
A INTERCONEXÃO ENTRE OS DIREITOS HUMANOS
E OS DIREITOS DA NATUREZA PARA A PROTEÇÃO
SOCIOAMBIENTAL: Uma análise a partir da decisão da
Corte Suprema de Justiça da Colômbia sobre a Floresta
Amazônica / 75
Elisa Fiorini Beckhauser

ÉTICA SOCIOAMBIENTAL E A ETNOCONSERVAÇÃO:


Novos paradigmas para a análise dos direitos fundamentais
dos povos indígenas / 83
Luciano Félix Florit, Lucia Helena de Souza Martins e Juliana
Perdoncini Correia Hoffmann

O EMPREENDEDORISMO SOCIAL E A SUSTENTA-


BILIDADE SOCIOAMBIENTAL / 88
Lucas Gabriel Luchetta da Fonseca

CONSTITUIÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL NOS


PAÍSES LUSÓFONOS: Resultados parciais da análise das
Constituições de Angola e Cabo Verde / 93
Artur Bernardo Milchert, Maria Júlia Tonet Chicato e Milena
Petters Melo

O TRATAMENTO JURÍDICO DOS MIGRANTES NO


NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO:
Uma comparação entre Brasil, Bolívia e Equador / 99
Leura Dalla Riva
ETNODESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS TERRITORIAIS DE
POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA DO SUL: Uma Análise
Comparada / 104
Thiago Burckhart

OS DIREITOS DA NATUREZA NO NOVO


CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E SEUS
CASOS DE APLICAÇÃO / 109
Vivian Bittencourt e Luciano Felix Florit

A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO
ESTADO NO DIREITO HUMANITÁRIO
FUNDAMENTADA PELA FRATERNIDADE EM PETER
HÄBERLE / 115
Dárya Pereira Rega e Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

CULTURA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL:


O reconhecimento da autoria como vetor de fomento à
inovação / 121
Alejandro Knaesel Arrabal

TECNOLOGIA COMO MEIO DE AUXÍLIO PARA OS


PROFESSORES QUE ATENDEM ALUNOS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA / 127
Suellen de Oliveira e Fabiana Martins Rochembach
PARTE II
DIREITOS HUMANOS, ECONOMIA E
SUSTENTABILIDADE

PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL:


A traditional knowledge digital library como mecanismo de
salvaguarda dos direitos consubstanciados na
Convenção Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais / 133
João Vitor Lavagnini Menezes, Liliane Castro dos Santos e Vinicius
Silva Martins Theodoro

BRASIL E O MAPA DA FOME: Análise crítico-jurídica dos


cercamentos aos comuns do direito humano à alimentação
adequada / 135
Leonardo Felipe de Oliveira Ribas

OS EFEITOS NEGATIVOS DE PRÁTICAS CORRUPTIVAS


COM RELAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À
SAÚDE DURANTE O ENFRENTAMENTO DA
PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL / 137
Caroline Fockink Ritt e Luiza Eisenhardt Braun

I BENI COMUNI IN PROSPETTIVA DE IURE


CONDENDO: Spunti di riflessione a partire dallo studio delle
costituzioni andine / 140
Maria Chiara Girardi

JUSTIÇA CLIMÁTICA E A AGENDA 2030 DA ONU: A


cooperação internacional e os mecanismos multilaterais como
estratégias para o presente e futuro das infâncias / 142
Wanda Helena Mendes Muniz Falcão
ESTADO E DIREITOS SOCIAIS NA PERSPECTIVA
NEOLIBERAL / 145
Alexandre Nogueira Pereira Neto

ANÁLISE DESCRITIVA E COMPARATIVA DA


BIOÉTICA DE PROTEÇÃO E DA BIOÉTICA DE
INTERVENÇÃO / 147
Bruna Schneider e Helena de Azeredo Orselli

DIÁLOGOS ENTRE SISTEMAS REGIONAIS E NACIO-


NAIS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS / 150
Bruna Sueko Higa de Almeida

GIG ECONOMY: A precarização das relações de trabalho no


Brasil e os afrontes aos direitos fundamentais do trabalhador
informal / 153
Helena Luize Fiamoncini e Tatiani Heckert Braatz

DIREITOS FUNDAMENTAIS À LUZ DAS AUDIÊNCIAS


VIRTUAIS / 156
Bruna Thaís Heinen e Júlia Famoso Piotrowski

DIREITO INTERNACIONAL E LITIGÂNCIA


REPETITIVA: O Sistema Interamericano de Direitos Huma-
nos como instrumento de ampliação do acesso à justiça / 158
César Augusto Martins Carnaúba

A VERDADE EM NÚMEROS: A corte interamericana segue


seus padrões de duração razoável do processo? / 160
Bernardo de Souza Dantas Fico
SOLIDARIETÀ E SUSSIDIARIETÀ: La tutela effettiva dei
diritti fondamentale, in particolare del diritto alla salute / 162
Guido Saltelli

O DIREITO CONSTITUCIONAL À ALIMENTAÇÃO:


Estudo da regulamentação realizada pela lei de segurança
alimentar e nutricional diante da consideração dos interesses
dos animais no ordenamento jurídico brasileiro / 164
Clarissa de Souza Guerra e Fabiana Barcelos da Silva Cardoso

ECOLOGIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE


INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS / 167
Layra Linda Rego Pena e Milena Petters Melo

“O VÍRUS” QUE AMEAÇA A DEMOCRACIA: A violação do


direito constitucional à liberdade de informação no
enfrentamento da COVID-19 pelo governo brasileiro / 170
Bruna B Oliveira e Valéria R. Nascimento

SANEAMENTO AMBIENTAL INADEQUADO NO


BRASIL: A (in)disponibilidade e gestão sustentável da água
ante à disseminação da Covid-19 / 172
Angélica Altmann e Francieli Iung Izolani

RESTITUIÇÃO EM QUESTÃO: A Corte Interamericana de


Direitos Humanos como foro de disputas sobre restituição de
Patrimônio Cultural / 174
Letícia Machado Haertel
O RITUAL YAOKWA E O DIREITO À IDENTIDADE
CULTURAL DO POVO ENAWENE NAWE: Uma disputa
pelo conceito jurídico de conhecimento tradicional / 176
Beatriz Tiemi Ikeda e Daniel Lucas Dejavite de Biagio

A (IM)POSSIBILIDADE DE DEGRADAÇÃO DO MEIO


AMBIENTE EM RAZÃO DO TRABALHO ESCRAVO
BRASILEIRO / 179
Andressa Laste

A UNESCO E A CIRCULAÇAO GLOBAL DE POLITICAS


PUBLICAS: O regime internacional de tutela do patrimônio
cultural imaterial / 182
Thiago Burckhart

A PATOLOGIZAÇÃO DO DIREITO À IDENTIDADE DE


GÊNERO NA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS
HUMANOS: Um estudo exploratório do direito ao nome / 184
Victoria Moura Vormittag

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO


AMBIENTAL E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ÀS MARGENS
DO RIO ITAJAÍ-AÇU: Um estudo de caso do Município de
Blumenau / 186
Rafael Nietsche Renzetti Ouriques

DO AGRONEGÓCIO À SUSTENTABILIDADE: O papel


fundamental do Estado e os possíveis entraves na transição
agroecológica / 189
Leura Dalla Riva
A FALÊNCIA DA ECONOMIA LINEAR E O
SURGIMENTO DA ECONOMIA CIRCULAR: Uma
contribuição para o desenvolvimento sustentável à luz dos
direitos humanos / 192
Eduardo Manuel Val, Wilson Tadeu de Carvalho Eccard e Wilson
Danilo de Carvalho Eccard

NA CONTRAMÃO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL: A flexibilização das normas de registro e
fiscalização de agrotóxicos no Brasil / 195
Fábio Franz, Isadora Doose e Milena Petters Melo

O CONSTITUCIONALISMO AMBIENTAL NO EQUA-


DOR E BOLÍVIA: O redesenho do direito e da justiça / 198
Milena Petters Melo e Thiago Burckhart

DA INSEGURANÇA ALIMENTAR EM DECORRÊNCIA


DOS AGROTÓXICOS ÀS PERSPECTIVAS SOBRE A
PRODUÇÃO ORGÂNICA NO BRASIL COMO
PARÂMETRO DE SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL / 201
Francieli Iung Izolani e Jerônimo Siqueira Tybusch

A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E SUA APLICAÇÃO


NO ÂMBITO JURÍDICO INTERNACIONAL E
BRASILEIRO / 204
Eduardo Schneider Lersch

“LOBBY DO BATOM” E A CONQUISTA FEMINISTA


ATRAVÉS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 / 207
Tricieli Radaelli Fernandes e Lucas Denardi Cattelan
A JUDICIALIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO
TRANSFORMADOR: Impulsionando a normatividade da
Constituição Brasileira / 210
Ana Carolina Lopes Olsen, Henrique Murtinho de Borba e Renan
de Souza Cândido

A INFLUÊNCIA DAS EMENDAS CONSTITUCIO-


NAIS NA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DE
1988 / 213
Alhandra Cristina Moraes Antunes Tepedino e Ana Carolina Lopes
Olsen

CIDADES INTELIGENTES E A LEI Nº 13. 709/2018: breves


estudos sobre Direito à Cidade / 216
Isabela Marisa Câmara Sousa e Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima

O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DA NATUREZA


PARA A (RE)CONFIGURAÇÃO DO CONSTITUCIO-
NALISMO AMBIENTAL NA AMÉRICA LATINA / 218
Mayra Angélica Rodríguez Avalos

A POSSIBILIDADE DA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARA A
APLICAÇÃO DA TAXAÇÃO DE GRANDES FORTUNAS
NO BRASIL: Reflexões a partir da ADO 55 / 220
Felipe Baldin Dalla Valle

A REALIZAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS


SUBNACIONAIS: Um estudo de caso da cidade de Manaus
durante a pandemia de covid-19 / 223
Pedro Francisco Moura Vormittag e Victoria Moura Vormittag
CONSTITUIÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL NOS
PAÍSES LUSÓFONOS: Análise da constituição de
Moçambique / 226
Artur Bernardo Milchert, Maria Júlia Tonet Chicato e Milena
Petters Melo

TERRITÓRIO E LUTA DOS POVOS INDÍGENAS NO


BRASIL: O debate constituinte e a tese do marco temporal em
confronto / 229
Wellen Pereira Augusto

O PRINCÍPIO DA SOBERANIA NO NEOCONSTI-


TUCIONALISMO LATINO-AMERICANO: O meio
ambiente como bem comum e a necessária proteção da
biodiversidade / 232
Clarissa de Souza Guerra

A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA PELO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: Um olhar a partir do
garantismo de Luigi Ferrajoli / 234
Gabriela Parode Buzetto

DIVERSIDADE CULTURAL E JUSTIÇA GLOBAL: Estudo


acerca do direito internacional do reconhecimento na corte
interamericana de direitos humanos / 237
Daniela Roveda

DESAFIOS DA AMÉRICA LATINA EM UM MUNDO DE


TRANSIÇÃO: Acordos internacionais como previsibilidade
funcional sistemática / 239
Daiane Dutra Rieder
VEÍCULOS MIDIÁTICOS E O CRESCIMENTO
DAS FAKE NEWS DURANTE A PANDEMIA
DE COVID-19 / 241
Tricieli Radaelli Fernandes e Lucas Denardi Cattelan

GOVERNANÇA DE ALGORITMOS NA TUTELA DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS / 244
Paulo Rodrigo de Miranda

A INFLUÊNCIA DA CONVENÇÃO AMERICANA DE


DIREITOS HUMANOS NA FORMULAÇÃO DE
POLÍTICA PENAL NO BRASIL E SUAS
CONTRADIÇÕES / 248
Vinícius Ramos Rigotti e Rodrigo Rodrigues dos S. Tavares
APRESENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

Os direitos humanos ou direitos fundamentais constituem


elementos integradores do patrimônio comum da humanidade, bem
como tem sido demonstrado em toda sua trajetória uma gradativa
consolidação no âmbito do direito constitucional e do direito
internacional dos direitos humanos. Atualmente, com efeito, não há
mais Estados que não tenham aderido a algum dos principais
tratados ou pactos internacionais sobre direitos humanos.
Entretanto, em que pese esse inquestionável progresso na esfera da
sua positivação, percebe-se que, em plena era tecnológica, onde já se
fala em internet ou web 4.0, existem, ainda, grandes desafios pelo
caminho.
Nesse contexto, esta coletânea dos Anais do IV & V
Simpósio Regional de Direito Público e Seminário Internacional
sobre Políticas Constitucionais aborda grandes temas como “Bem
comuns, Direitos Humanos, Economia e Sustentabilidade”. Longe
de se buscar uma definição unívoca sobre os diferentes temas
apresentados, pretende-se expor ao público processos e discussões
sociais, econômicas, políticas e normativas, que abram e consolidem
espaços de luta pela dignidade, como afirmava o saudoso professor
Joaquín Herrera Flores.
Este volume se divide em duas partes. Na primeira, trata-se
sobre “Proteção dos bens comuns e sustentabilidade
socioambiental” e na segunda “Direitos Humanos, Economia e
Sustentabilidade”. Como pode-se perceber, os assuntos são
transversais e se interligam, no que – metaforicamente – relaciona-se
com o que a jurista francesa Mireille Delmas-Marty denomina de

17
APRESENTAÇÃO

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“rosa dos ventos”, ou seja, para que ocorra equilíbrio ou fôlego é


necessário que os ventos fluam em direção à compatibilização.
Apenas para exemplificar os temas abordados no livro, cita-
se como “ventos opostos” ações relativas aos agronegócios ou
inovações tecnológicas e à sustentabilidade ambiental ou
agroecologia. Como harmonizar à “rosa dos ventos”? Nesse sentido,
são apresentadas vários estudos e pesquisas sobre justiça e
saneamento ambiental ou climático, direito à água e recursos
hídricos, extensão rural, direito à saúde e alimentação (incluindo
análises profundamente relevantes no contexto da pandemia de
COVID-19), direitos da natureza e à natureza, assim como,
discussões sobre inclusão de grupos vulneráveis, gênero,
constitucionalismo latino-americano, o papel da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, propriedade intelectual,
bioética, migrações, imunidade tributária, audiências virtuais, “fake
news”, governança de algoritmos, judicialização da política, dentre
outros.
Importa considerar, ainda, que os Estados contemporâneos
passam por momentos de intensa tensão, social, política, econômica
e institucional, somadas à grande pandemia da COVID-19 que se
alastrou pelo mundo em 2020 e permanece em 2021. Nesse sentido,
mais urgente se torna o debate sobre assuntos comuns à
humanidade e a busca por soluções também comuns à proteção dos
seres humanos e das demais formas de vida.
A título de ilustração cita-se a obra “A Peste” de Albert
Camus, na tentativa de revelar a importância do que o referido autor
alertou em 1947, pouco tempo após a Segunda Guerra Mundial. Em
“A Peste” há um cuidado para demostrar o que poderia acontecer
de fato. O livro retrata que a desinformação gera histeria,
comportamentos levianos e xenofóbicos. Ademais, faz o ser
humano ser pensado como parte de um grupo, não sendo possível
optar pelo lema “cada um por si”. Como afirma Camus, a peste vira

18
APRESENTAÇÃO

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assunto de todos. Os problemas e sentimentos individuais viram


problemas coletivos.
Como afirma o personagem principal do texto de Camus, o
Dr. Rieux, “...a alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o
que a multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da
peste não morre nem desaparece nunca...”. Dessa forma, os
assuntos tratados neste Livro visam lançar possiblidades em um
horizonte comum para humanidade, em uma perspectiva menos
egoísta e mais coletiva e solidária. Boa leitura!

Sul do Brasil, 27 de setembro de 2021.

Prof. Dra. Milena Petters Melo


Prof. Dra. Valéria Ribas do Nascimento

19
PARTE I

PROTEÇÃO DOS BENS COMUNS E


SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL
Milena Petters Melo; Thiago Burckhart

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O DIREITO À ALIMENTAÇÃO NA GRAMÁTICA DOS


BENS COMUNS: A segurança alimentar no quadro da
governança global

Milena Petters Melo1


Thiago Burckhart2

A constatação do fenômeno da fome enquanto um


“problema político”, logo após a Segunda Guerra Mundial, foi o
elemento propulsor para a projeção jurídica do direito humano à
alimentação no âmbito da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 (ALSTON, 1984; CASTRO, 1980). A partir de então,
constata-se o paulatino desenvolvimento de uma governança global
em relação a este direito que se estabelece em pelo menos três
questões principais: o aprimoramento normativo-legislativo no
âmbito internacional, sobretudo a partir da positivação no Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a criação
da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO), que atua na prevenção e erradicação da fome na
esfera global; e o crescente engajamento dos Estados, da sociedade
global, dos atores privados e das Organizações Não-

1 Doutora em Direito, Università degli Studi di Lecce (Itália). Professora Titular de “Direitos
Humanos e Sustentabilidade” e de Direito Constitucional da Universidade Regional de
Blumenau (FURB). Professora Associada da Academia Brasileira de Direito Constitucional
(ABDConst). Professora do Doutorado em Diritto Comparato e Processi di Integrazione,
Università degli Studi della Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Coordenadora para a área
lusófona do Centro Didattico Euroamericano Sulle Politiche Costituzionale (Cedeuam,
Università del Salento, Itália-Brasil/FURB). Coordenadora do Núcleo de Estudos em
Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-FURB). Pesquisadora do
Institut International d’Étude et Recherche sur les Biens Communs (Paris/Napoles). E-mail:
mpettersmelo@gmail.com.
2 Doutorando em Diritto Comparato e Processi di Integrazione, Università degli Studi della

Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (2019). Pesquisador do Centro Euroamericano Sulle Politiche Costituzionali
(CEDEUAM, Italia-Brasil/FURB) e do Núcleo de Pesquisa em Constitucionalismo,
Internacionalização e Cooperação (Constinter-Furb). Email: thiago.burckhart@gmail.com

21
GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
-------------------------------------------------------------------------------------------------

Governamentais nesta temática, além da elaboração de mecanismos


de monitoramento e controle da fome em nível global. Muito
embora o direito humano à alimentação seja considerado “jovem”
por estudiosos do tema, é indubitável que se relaciona diretamente
com a manutenção da vida no planeta, sendo essencial para sua
reprodução saudável e sustentável.
É neste contexto que nasce e se aprimora o conceito de
segurança alimentar na esfera internacional. Trata-se de uma noção
imprescindível para a garantia da efetividade-concretização do
direito humano à alimentação e para a governança global da
alimentação sustentável. Em efeito, este conceito designa as
estratégias e ações que visam a garantia do abastecimento e
disponibilidade de alimentos para toda a humanidade em nível
internacional e nacional, exigindo engajamento de atores
transnacionais do setor público e privado para sua efetivação. Ela
implica em capacidade técnica, política e financeira para a garantia
do direito à alimentação nas mais diversas situações sociais e
adversidades ambientais. Mais recentemente, este conceito foi
ampliado e enriquecido por sua dimensão nutricional, que se refere
não somente à distribuição dos alimentos, mas também à sua
qualidade e adequação – cultural, ambiental, sustentável e saudável.
Contudo, apesar do desenvolvimento político, normativo e
institucional no campo internacional – e também no âmbito interno
de diversos países – ao longo do século XX e início do século XXI,
a fome segue como uma realidade pungente em termos globais,
sobretudo nas economias em vias de desenvolvimento, o que aponta
para a necessidade de afirmação do direito humano à alimentação e
da segurança alimentar como estratégia para sua concretização. A
recente crise internacional dos preços de alimentos ocorrida entre
2006-2008 reposicionou o debate sobre o direito à alimentação e a
garantia da segurança alimentar em escala global, da mesma forma
que impulsionou os Estados a tomarem iniciativas para a efetivação

22
Milena Petters Melo; Thiago Burckhart

--------------------------------------------------------------------------------------------

da soberania alimentar. Na mesma ocasião, a crise foi um alento ao


renascimento do debate sobre a democratização das organizações
internacionais no âmbito da sociedade civil global – organizações
não-governamentais internacionais como Oxfam International e
ActionAid International –, especialmente daquelas responsáveis pela
governança global relativa ao direito humano à alimentação.
Nesse sentido, a instituição-chave da governança global
relativa ao direito à alimentação e à segurança alimentar, o Comitê
de Segurança Alimentar Global (Committee on World Food Security),
logo após um caloroso e profícuo debate público realizado pela
comunidade internacional, passou por processos de restauração que
congregam a sua abertura para a governança democrática
(ALESSIO, 2014). Consistiu na previsão da participação das
organizações da sociedade civil global no plenário e no Grupo
Consultivo do Comitê, além da atribuição ao Comitê do papel de
coordenação internacional relativa à segurança alimentar mundial,
passando a ser considerado o lócus por excelência da governança
global da segurança alimentar.
Ocorre que o referido processo de democratização ainda não
se mostra suficiente para a garantia global do direito à alimentação
por meio da segurança alimentar. Em efeito, o último relatório de
monitoramento da FAO, intitulado The State of Food Security and
Nutrition in the World (UN, 2018), publicado em 2018, aponta que,
após um prolongado declínio, os dados mais recentes demonstram
que a fome em nível global está em ascensão desde 2016. O
relatório aponta que atualmente cerca de 821 milhões de pessoas
encontram-se em situação de insegurança alimentar, ou seja, 10,9%
da população mundial[1]. Esta situação foi agravada sobretudo em
praticamente todas as sub-regiões africanas e da América do Sul
(UN, 2018, p. 3). Este quadro demonstra que atualmente o número
de pessoas que convivem com a fome retornou para níveis
semelhantes a uma década atrás.

23
GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
-------------------------------------------------------------------------------------------------

Tomando isso em consideração, a hipótese deste trabalho


é de que ocorreu uma “democratização incompleta” da governança
global relativa ao direito à alimentação na esfera internacional. Isso
se deve a dois fatores que diretamente impactam o processo de
democratização no plano internacional: a) a permanência e
aprofundamento da lógica do capitalismo neoliberal (HARVEY,
2008) que concebe a alimentação como uma commodity e não como
um direito; e, aliado a isso, b) o recrudescimento do
neoconservadorismo político que se projeta na negação do
liberalismo político (MOUNK, 2014), o que reverbera na ação de
Estados e de atores internacionais na garantia do leque de direitos
humanos e fundamentais, dentre eles o direito à alimentação. Para
ressignificar o processo de democratização, na esteira daquilo que
Vandana Shiva (2016) chama de “food democracy”, é necessário
conceber o direito à alimentação na gramática dos bens comuns, o
que implica na mudança de concepções e práticas políticas sobre o
direito à alimentação na esfera internacional e nacional.
Nessa perspectiva, este trabalho tem por objetivo analisar
criticamente as incursões do direito à alimentação e da segurança
alimentar na governança global no âmbito de seus desafios
hodiernos, propondo teoricamente a conciliação do direito humano
à alimentação com a gramática dos bens comuns (LUCARELLI,
2011; VIVERO-POL, 2018) como um modo de ressignificar o
recente processo de “democratização incompleta” deste direito na
governança global. A análise se inscreve no campo da teoria crítica
dos direitos humanos, em abordagem dialógica com a sociologia
jurídica e a teoria política. As conclusões parciais inscrevem-se em
quatro pontos centrais: 1) a necessidade de articular o direito
humano à alimentação e sua práxis política e econômica – no âmbito
da segurança alimentar – com a perspectiva dos bens comuns; 2) o
fortalecimento da governança global democrática relativa a este
direito; 3) o fortalecimento da noção de desenvolvimento

24
Milena Petters Melo; Thiago Burckhart

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sustentável no âmbito da política ordinária e da prática econômica; e


4) a construção de uma regulamentação jurídica internacional sobre
o direito à alimentação que privilegie uma abordagem em
consonância com a prática democrática.

Referências
ALESSIO, F. J. A sociedade civil na governança global de alimentos: o caso da reforma do
Comitê de Segurança Alimentar Mundial. Dissertação de Mestrado em Relações
Internacionais. Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.
ALSTON, P. International Law and Human Rights to Food. In: ALSTON, Philippe;
TOMASEVSKI, Katarina. The right to food. Leiden: Martinus Nojhoff Publishers,
1984.
CASTRO, J. A geografia da fome: o dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Antares
Achiamé, 1980.
DE SCHUTTE, O. A Rights Revolution: implementing the right to food in Latin
America and Caribbean. Briefing Note 6, September 2012.
HARVEY, D. Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola,
2008.
LUCARELLI, A. Note minime per una teoria giuridica dei beni comune. Quale
Stato, v. 1, p. 87-98, 2011.
MOUNK, Y. The People vs. Democracy: why our freedom is in danger and how to save
it. Cambridge: Harvard University Press, 2018.
SHIVA, V. Stolen Harvest: the hijacking of the Global Food Supply. Louisville: The
University Press of Kentucky, 2016.
UNITED NATIONS. The State of Food Security and Nutrition in the World: building
climate resilience for food security and nutrition. Rome: FAO, 2018.
VIVERO-POL, J. Alimentos como bens comuns: uma nova perspectiva sobre a
narrativa do sistema alimentar. In: CORREA, L. E. Diálogos sobre direito humano à
alimentação adequada. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Juiz de Fora,
2018.

25
GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS COMPARTILHADA:


Comitê do Rio Itajaí

Felipe da Silva Claudino1


Nicolau Cardoso Neto2

Os objetivos do desenvolvimento sustentável nos colocam


diversos desafios e um deles é universalizar o acesso à água potável.
Proteger e recuperar ecossistemas que vivem e dependem da água,
como florestas, montanhas, pântanos e rios, é essencial à mitigação
da escassez de água. Cabe dizer que, juridicamente e em termos
históricos, nos primórdios da República, mais precisamente em
1934, editou-se o Decreto nº 24.643 (Código de Águas). O
documento tinha o enfoque predominantemente econômico e
atribuía às águas três regimes jurídicos, quais sejam, águas públicas,
águas comuns e águas particulares.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), “já
não pode ser tolerado o não uso de águas comuns ou de nascente,
porquanto o seu não aproveitamento deixa-as sem função social, em
prejuízo da coletividade” (NUNES, 1969, p. 33). Para Celso
Antônio Pacheco Fiorillo (1999), estes bens envolvem uma nova
filosofia, desvinculada do instituto da propriedade. O constituinte

1 Mestrando em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Mestrando em Território, Urbanismo e


Sustentabilidade no Marco da Economia Circular pela Universidade de Alicante. Integrante do
Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais, Cidadania e Diferenciação, na linha
Sustentabilidade Socioambiental, Ecocomplexidade, Políticas Sanitárias e Ambientais.
Advogado. E-mail: felipesclaudino@gmail.com
2 Doutor pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) convênio Edital n.

002/2013 (DINTER UNISINOS/FURB) CAPES AUXPE/PROEX 595/2014 Processo


23038.009170/2012-70, Mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade de Blumenau
(FURB), Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Especialista em Direito Ambiental pela Fundação Boiteux (UFSC). Professor da Universidade
de Blumenau (FURB) Blumenau/SC. Integrante do Grupo de Pesquisa Direitos
Fundamentais, Cidadania e Diferenciação, na linha Sustentabilidade Socioambiental,
Ecocomplexidade, Políticas Sanitárias e Ambientais. Advogado. E-mail: ncardoso@furb.br

26
Felipe da Silva Claudino; Nicolau Cardoso Neto

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trouxe a ideia de um bem que não tem estrutura de propriedade, seja


pública ou privada, isto é, foi concebido no campo de um bem/
direito fundamental. Além disso, ao defini-lo como um bem de uso
comum do povo, a CF/88 remete-se à característica de que não
pertence a ninguém, embora, ao mesmo tempo, pertença a todos,
possuindo um valor essencial e fundamental (FIORILLO, 1999, p.
163-164).
Em consonância com o princípio social da propriedade,
instituído pelo texto constitucional, afigura-se a impossibilidade de
se atribuir às águas o caráter privado e predominantemente
econômico. Faz-se necessário uma alteração na forma de gerenciar
este recurso natural e, ainda, da mesma forma, com a evolução do
conceito de governança, que deixou de atribuir somente ao
governante o gerenciamento dos órgãos da administração pública.
Entretanto, o referido tema trouxe inúmeros atores à participação
destes órgãos, influenciando na tomada de decisões, tornando-os
mais democráticos, visando atender as necessidades da maior parte
de grupos possíveis.
Nesta seara, a Declaração da Conferência da Organização das
Nações Unidas para o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo
em 1972, declara no seu primeiro princípio que “o homem tem o
direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de
condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade”
(ONU, 1972). Internamente, a Constituição Federal de 1988
consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Além disso, a União editou a Lei nº 9.433 de 1997 (Lei das Águas),
que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o
Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Ainda,
estabeleceu-se os fundamentos, objetivos e diretrizes, com a
instituição dos instrumentos para efetuar a execução desta política.
A Gestão dos Recursos dar-se-á de maneira descentralizada,
com a participação de órgãos públicos, usuários e comunidade. O

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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gerenciamento será limitado a bacia hidrográfica, conceito que é


importantíssimo para o estabelecimento da Política Nacional de
Recursos Hídricos (PNRH), pois delimita a circunscrição territorial,
garantindo a visão sistêmica adequada para a implementação da
política e do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos
Hídricos. A Bacia Hidrográfica cria um ecossistema dependente,
uma “água viva”, pois elas correm pelos rios, ribeiros, e seus
afluentes com um único destino, sua foz. O uso deste recurso em
qualquer parte desta bacia influenciará o setor seguinte, aumentando
ou diminuindo a qualidade ou quantidade de água disponível.
Nesse sentido, importa dizer que a gestão dos recursos
hídricos se trata de uma atividade “analítica e criativa voltada à
formulação de princípios e diretrizes, ao preparo de documentos
orientadores e normativos, à estruturação de sistemas gerenciais e à
tomada de decisões que têm por objetivos final promover o
inventário, uso, controle e proteção dos recursos hídricos” (TUCCI,
2001, p. 744). O órgão competente para efetuar este gerenciamento
é o Comitê de Bacia Hidrográfica. Este terá que se utilizar dos
instrumentos definidos na Lei das Águas para assegurar à atual e às
futuras gerações uma água com quantidade e qualidade a fim de que
possa propiciar um desenvolvimento seguro.
No que tange ao Vale do Itajaí e considerando o objeto de
estudo do presente trabalho, o Comitê do Rio Itajaí é o órgão
responsável, juntamente com outros, pela gestão dos recursos
hídricos. Trata-se de um órgão colegiado de caráter consultivo e
deliberativo em nível regional, vinculado ao Conselho Estadual de
Recursos Hídricos. Possui Regimento Interno aprovado pelo
Conselho Estadual e homologado pelo Governo Estadual, por meio
do Decreto Estadual nº 3.426 de 4 de dezembro de 1998. A sua área
de atuação compreende a bacia hidrográfica do Rio Itajaí e seus rios
tributários. E a sede do Comitê está localizada na cidade de
Blumenau.

28
Felipe da Silva Claudino; Nicolau Cardoso Neto

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O maior curso d’água da bacia hidrográfica do Itajaí é o Rio


Itajaí-Açu, e ele é formado pela junção dos rios Itajaí do Oeste e rio
Itajaí do Sul. Esta bacia se subdivide em sete sub-bacias, que são:
Itajaí do Sul, Itajaí do Oeste, Itajaí do Norte, Benedito, Luís Alves,
Itajaí-açu, e Itajaí Mirim (COMITÊ DO ITAJAÍ, 2010, p. 18). A
região do CBRI é composta por 53 municípios, envolve uma área de
aproximada de 15.000 km² correspondendo a 16,15% do território
catarinense, e uma população envolvida em mais de 1,249 milhões
de pessoas. Destaca-se que as referidas Informações compreendem
o período até é 31 de outubro de 2016 (ANA, 2017).
O objetivo geral do trabalho foi analisar quais são as
competências, os membros e instrumentos para atuação do Comitê
de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí para a
realização da gestão dos recursos hídricos. O problema de pesquisa
foi identificar se o Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica
do Rio Itajaí, por meio de suas competências, tem atuado de
maneira a efetivar a Política Nacional de Recursos Hídricos. Dessa
forma, hipotetiza-se se as atribuições de competências concedidas
ao Comitê de Bacia do Rio Itajaí, se este órgão vem atuando para
efetuar uma gestão na bacia hidrográfica de forma a garantir a atual
e as futuras gerações uma água de quantidade e qualidade aceitável a
população.
Esta constatação se dá em razão de todos as ações do Comitê
documentados através de Resoluções, Deliberações e Moções,
emitidas entre os anos de 1999 e 2017. Através do método de
abordagem indutivo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica,
qualitativa e não experimental. Analisando e mensurando as
decisões proferidas pelo Comitê do Rio Itajaí, fundadas pelas
atribuições a ele conferido. Dessa forma, avaliou-se a atuação do
comitê do decorrer do tempo através dos documentos emitidos por
ele.

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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O resultado percebido foi que o comitê trabalhou dentro de


sua área de atuação, com a participação dos entes públicos, dos
usuários e da comunidade, aproximando a todos de uma gestão
descentralizada e participativa, visando a qualidade da água como
um de seus principais objetivos, porém muitas vezes barrado no
interesse político.

Referências
ANA, Agência Nacional de Águas. Comitê Bacia Hidrográfica. Comitês Estaduais.
2017. Disponível em: http://www.cbh.gov.br/EstudosTrabalhos.aspx. Acesso em:
18 out. 2017.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Declaração da Conferência de ONU no
Ambiente Humano. Estocolmo. 1972. Disponível em:
www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc. Acesso em: 27
jul. 2017.
COMITÊ DO ITAJAÍ – CBRI. Plano de recurso hídricos da Bacia do Itajaí: para que a
água continue a trazer benefícios para todos: caderno síntese. Blumenau: Fundação
Agência de Água do Vale do Itajaí, 2010.
FIORILLO, C. A. P. Direito ambiental internacional e biodiversidade. Revista do
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, n. 8, Brasília, 1999.
Disponível em:
http://www.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/225/387. Acesso em:
25 jul. 2017.
NUNES, A. de P. Nascentes e águas comuns. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969.
TUCCI, C. E. M. Hidrologia: ciência e aplicação. 2. ed. 2. reimpr. Porto Alegre:
UFRGS/ABRH, 2001.

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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A INSTITUIÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA


PRODUTOS RECICLADOS COMO TÉCNICA FISCAL
AMBIENTAL

Humberto Francisco F. Campos M. Filpi1

No contexto de atual crise ambiental e ecológica, é cada vez


mais necessário e urgente incentivar atividades que impulsionam a
educação ambiental e comportamentos ecologicamente
comprometidos, sobretudo no âmbito dos padrões e níveis
insustentáveis de produção e consumo (AYDOS, 2010). Nesse
sentido, a partir do método dedutivo e empregando a técnica de
pesquisa bibliográfica e documental, o objetivo geral do presente
artigo é verificar em que medida é possível e adequado da instituição
da imunidade tributária como técnica fiscal ambiental, em especial, a
imunidade tributária de produtos reciclados. Especificamente, por
primeiro, se propõe discutir o instituto da imunidade tributária
previsto no ordenamento jurídico brasileiro, sob o enfoque da sua
instrumentalidade para assegurar a consolidação de objetivos,
valores e direitos fundamentais; e, posteriormente, analisar a
possibilidade e adequabilidade da utilização de tal técnica fiscal, sob
o prisma da eficiência econômica-ambiental, considerando a
insustentabilidade do processo econômico de extração,
transformação, consumo e descarte atuais (GEORGESCU-
ROEGEN, 2012).
O instituto da imunidade tributária, previsto no ordenamento
jurídico brasileiro, se manifesta como um impedimento à cobrança
de tributos, afastando determinados fatos, bens e sujeitos expressa e
constitucionalmente declarados da possibilidade de exercício da
competência tributária por parte de qualquer ente da federação.

1 Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),


humberto.filpi@gmail.com.

31
Humberto Francisco F. Campos M. Filpi

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Ademais, as imunidades tributárias, além de comporem o desenho


do quadro das competências tributárias e de influenciarem na
política arrecadatória, refletem, resguardam e fortalecem valores da
própria sociedade que foram reconhecidos como relevantes pelo
legislador ordinário (SILVA, E., 2001). Ou seja, considerando as
espécies previstas na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (inciso VI, do Art. 150), é possível inferir que a imunidade
tributária também se manifesta a partir de um caráter extrafiscal,
tanto para atrair os cidadãos a colaborarem nas atividades essenciais
do Estado como para fortalecer princípios estruturantes no sentido
jurídico-constitucional e político constitucional (COSTA, 2001).
Associado à finalidade extrafiscal da tributação e,
principalmente, da não tributação, o instituto da imunidade
tributária também poderia se configurar como técnica fiscal
ambiental. A tributação ambiental, neste caso, estaria associada à
satisfação de uma finalidade ambiental pretendida, devendo ser
analisada a partir de uma eficácia incentivadora ou desincentivadora,
de sua capacidade para orientar o comportamento dos agentes
econômicos, inclusive, promovendo a substituição de atividades que
degradam o meio ambiente sem que seja impedido o
desenvolvimento econômico (MONTEIRO, 2014). Conforme
assevera a professora Cristiane Derani (2001), tal modelo de
intervenção, mais voltado à regulação de conduta do que à
arrecadação e distribuição de receitas, está baseado na proposta de
Pigou para correção das falhas de mercado, no caso, das
externalidades negativas ecológicas. Ademais, a política tributária
ambiental, nesse sentido, deve se embasar no macro princípio da
eficiência econômica ambiental, do qual decorrem os princípios do
poluidor-pagador e do protetor-recebedor (BRITO, 2017).
No Brasil, não há nenhuma previsão constitucional para a
instituição de impostos ambientais strito sensu, sendo a técnica fiscal
de defesa do meio ambiente implementada através de tributos com

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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caráter contraprestacional, como taxas, e via incentivos e


desonerações fiscais. Por decorrência da complexidade intrínseca do
bem ambiental e do caráter poliédrico dos problemas ambientais,
seria complicado reconhecer uma tributação ecológica única ideal
(MONTEIRO, 2014). No tocante às taxas ambientais, é mister que
tal espécie de tributo tem pouca capacidade incentivadora e que,
embora tenha grande abrangência estrutural, quando não se trata de
serviços públicos com relevância ecológica nem de atividade
relacionada ao exercício do poder de polícia estatal, o seu uso pode
causar graves distorções, principalmente pela dificuldade de se
determinar um limite tolerável para determinadas atividades.
O esverdeamento do sistema tributário, através dos
incentivos e isenções tributárias, apesar de acarretarem diminuição
da receita, considerando o princípio da eficiência econômica-
ambiental supramencionado, é bastante apropriado para reduzir e
prevenir determinados impactos ambientais, como técnica de
estímulo e de favorecimento de ações vantajosas em detrimento das
ações nocivas ao meio ambiente. Contudo, tais instrumentos
tributários, em razão da sua matriz infraconstitucional, estão mais
sujeitos a oscilações políticas e econômicas e, assim, podem
acarretar cenários de insegurança jurídica e, até mesmo, de guerra
fiscal, com reflexos negativos para toda a coletividade, inclusive no
âmbito ambiental.
Nesse sentido, invoca-se a instituição da imunidade tributária
como técnica fiscal ambiental, de modo a fortalecer tanto o direito
como o dever fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (artigo 225 da Constituição Brasileira de 1988). A
utilização do caráter extrafiscal de tal instituto tributário reforça a
responsabilidade compartilhada indispensável e intrínseca à proteção
e promoção do bem ambiental, além de configurar um incentivo
para a sociedade copartícipe nesta tarefa essencial que não incumbe
apenas ao Estado. Na perspectiva do princípio da eficiência-

33
Humberto Francisco F. Campos M. Filpi

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econômica, a imunidade tributária pode provocar efeitos ainda mais


benéficos para essa conjugação entre políticas tributária e ambiental.
Isso, porque traz maior segurança jurídica e uma verdadeira
densificação da norma fundamental de garantir um meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações
(COSTA, 2001).
No tocante a utilização de tal técnica fiscal ambiental para
fomentar a reciclagem, esclarece-se que já foram apresentados dois
projetos de emenda constitucional para incluir uma nova alínea no
inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal de 1988: um
proposto na Câmara dos Deputados, tratando de “produtos reciclados
de matéria-prima nacional” (PEC nº 571/2006); e outro, no Senado
Federal, um pouco distinto, “produtos elaborados preponderantemente com
insumos provenientes de reciclagem e reaproveitamento, nos termos da lei” (PEC
nº 01/2012). Apesar de ambas as alternativas destacarem a
importância da reciclagem para tentar reverter as crises ecológicas
atuais, as duas terminaram sendo arquivadas.
Contudo, entende-se que, sem se filiar a uma das propostas
mencionadas, o caráter extrafiscal da imunidade tributária de
produtos reciclados é uma interessante alternativa, pois além de
incentivar a atividade de reciclagem, também promove a redução de
extração de recursos da natureza e, ao mesmo tempo, a diminuição
dos depósitos de resíduos sólidos inutilizados. Tal técnica fiscal
ambiental se adequa ao paradigma da economia ecológica, com a
perspectiva de que o sistema econômico está inserido e depende do
ecossistema (Planeta Terra), que é finito e fechado (DALY, 1996).
Dessa forma, entende-se que a imunidade tributária de
produtos reciclados seria uma excelente alternativa, pois densifica e
pode contribuir para a consolidação do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente, inclusive com a coparticipação dos
agentes particulares em funções essenciais do Estado. Além disso,
no que se refere aos produtos reciclados, também se mostra

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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adequada do ponto de vista dos princípios da eficiência econômica-


ambiental e da sustentabilidade ecológica, sendo técnica capaz de
impulsionar, a partir de um apelo econômico, a cultura e a ética
ecológica intergeracional.

Referências
AYDOS, E. de L. P. Tributação ambiental no Brasil: fundamentos e perspectivas.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2010.
BRASIL. [Constituição de (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil, de
05 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
Acesso em: 26 jun. 2019.
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda à Constituição nº
571/2006. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPropos-
icao=333227. Acesso em: 26 jun. 2019.
BRASIL. SENADO FEDERAL. Proposta de Emenda à Constituição nº 01/2012.
Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/104116. Acesso em: 26 jun. 2019.
BRITO, L. A. M. de B. Direito tributário ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
COSTA, R. H. Imunidades tributárias. São Paulo: Dialética, 2001.
COSTA, R. H. Apontamentos sobre a tributação ambiental no Brasil. In: TORRES, H.T.
(Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005.
DALY, H. Beyond growth: the economics of sustainable development. Boston: Beacon Press,
1996.
GEORGESCU-ROEGEN, N. O decrescimento: entropia, ecologia, economia. Tradução de
Maria José Perillo Isaac. São Paulo: SENAC, 2012.
MONTEIRO, C. E. P. Tributação Ambiental: reflexões sobre a introdução da variável
ambiental no sistema tributário. São Paulo: Saraiva, 2014.
SILVA, E. N. Imunidade e isenção. In: MARTINS, I. G. S. (Coord.). Curso de direito
tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 134297-8/SP.
Disponível em:

35
Humberto Francisco F. Campos M. Filpi

-------------------------------------------------------------------------------------------------

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=207731.
Acesso em: 26 jun. 2019.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de inconstitucionalidade nº
5.312/TO. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=74-
9117787. Acesso em: 26 jun. 2019.

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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Análise acerca da (in)constitucionalidade das alterações


promovidas pela Medida Provisória nº 871/2019, consolidadas
pela Lei nº 13.846/2019, no que se refere aos requisitos para
concessão do benefício de auxílio reclusão

Leonardo da Luz1

No dia 18 de janeiro de 2019, cuja data fixa o marco temporal


deste trabalho, foi publicada a Medida Provisória nº 871,
posteriormente convertida na Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019,
cujo texto, dentre outros aspectos, enrijeceu os requisitos para
concessão do benefício previdenciário conhecido como auxílio-
reclusão, previsto no art. 80, da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991,
a qual dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.
Anteriormente à publicação da referida medida provisória, o
art. 80, da Lei nº 8.213/91 previa que o apanágio de auxílio-reclusão
era devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos
dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber
remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de
aposentadoria ou de abono de permanência em serviço,
independentemente de qualquer carência, bastando a qualidade de
segurado do instituidor do benefício.
Segundo o texto vigente do art. 80, caput e §3º da Lei nº
8.213/91, o auxílio-reclusão, cumprido o período de carência
correspondente a 24 (vinte e quatro meses), é o benefício
previdenciário devido, nas condições da pensão por morte, aos
dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em
regime fechado que não receber remuneração da empresa nem
estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-
maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), luz_leonardo@outlook.com.

37
Leonardo da Luz

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serviço. Sendo que, para a configuração de baixa renda, considerar-
se-á aquele que, no mês de competência de recolhimento à prisão,
tenha renda, apurada nos termos do disposto no § 4º deste artigo, de
valor igual ou inferior àquela prevista no art. 13 da Emenda
Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, corrigido pelos
índices de reajuste aplicados aos benefícios do RGPS.
Além disso, segundo a atual redação do art. 80, §4º da Lei nº
8.123/91, o para se proceder a aferição da renda mensal bruta
necessária ao enquadramento do segurado como de baixa renda,
deve-se calcular a média dos salários de contribuição apurados no
período de 12 (doze) meses anteriores ao mês do recolhimento à
prisão.
Nesse sentido, destaca-se que, não obstante o artigo 201 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 confere ao
Estado a prerrogativa de dispor, mediante lei, sobre os critérios a
serem observados no ato de concessão do referido apanágio aos
dependentes do segurado recluso, há de se questionar, como
problema de pesquisa, se as alterações previstas na medida
provisória nº 871/2019, consolidadas pela Lei nº13.846/2019,
guardam coerência com os princípios constitucionais da dignidade
da pessoa, da igualdade, do Estado democrático de direito, da
intranscendência da pena, da máxima eficácia das normas
definidoras de direitos fundamentais e da vedação ao retrocesso.
Outrossim, ainda dentro do problema de pesquisa, questiona-
se a existência e a extensão de um limite sobre o poder de limitar
direitos fundamentais, especialmente no que toca às restrições
impostas para concessão de benefícios previdenciários, bem como
se a Medida Provisória nº 871/2019 excedeu (ou não) o referido
poder de limitação.
Destarte, para o estudo do tema, faz-se necessário remontar
às origens da instituição do auxílio-reclusão, revisitando suas
características e a finalidade a que se destina, razão pela qual é mister

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GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
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reconhecer o contexto constitucional e infraconstitucional em que o
referido apanágio está inserido.
É mister salientar que o marco teórico do presente trabalho
perpassa pelo reconhecimento dos direitos previdenciários como
direitos sociais e fundamentais dos cidadãos, de onde decorre a
constante preocupação com a vedação de retrocessos das conquistas
já consolidadas ao longo da história.
Nessa toada, para responder ao problema proposto, o
trabalho realizado adotou o método dedutivo, partindo de teorias e
leis existentes, para chegar a uma conclusão particular, e o
procedimento de pesquisa bibliográfica e de análise de documento.
Para tanto, delimita-se a análise do tema em questão situando-a no
âmbito de estudo do direito público brasileiro, buscando aporte
teórico, principalmente, na seara do direito constitucional, direito
previdenciário, direito penal e na teoria dos direitos fundamentais.
Em vista das premissas alhures, este estudo busca, como
objetivo geral, demonstrar a inconstitucionalidade das restrições
impostas pela Medida Provisória nº 871/2019, consolidadas pela Lei
nº 13.846/2019, no que se refere à concessão do benefício
previdenciário de auxílio-reclusão. Por essa razão, a pesquisa tem,
como objetivos específicos, a pretensão de: expor o conceito do
benefício previdenciário de auxílio-reclusão; desmistificar os
preconceitos existentes em relação ao auxílio-reclusão; apresentar o
histórico do auxílio-reclusão na constituição e na legislação
infraconstitucional; evidenciar o contexto social dos beneficiários de
auxílio-reclusão, levando-se em consideração o estado de coisas
inconstitucional do sistema carcerário brasileiro; expor o conceito de
Direitos Fundamentais e a extensão da possibilidade de sua
limitação; demonstrar que as restrições impostas pela Lei nº
13.846/2019 guardam coerência e conformidade com a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988; e demonstrar que as
restrições impostas pela Lei nº 13.846/2019 extrapolam o poder de

39
Leonardo da Luz

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limitação de direitos fundamentais, desvirtuando o núcleo essencial
protegido pelo auxílio-reclusão.
Por fim, as hipóteses levantadas, as quais também assumem o
papel de resultado parcial desta pesquisa, apontam para a direção
segundo a qual, confrontando o texto da Medida Provisória nº
871/2019, convertida na Lei nº 13.846/2019, com o texto anterior
do artigo 80 da Lei nº 8.213/91 e com os princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do Estado
democrático de direito, da intranscendência da pena, da máxima
eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais e da
vedação ao retrocesso, se verifica que a mencionada restrição ao
acesso do benefício de auxílio-reclusão seja inconstitucional. Além
disso, considerando que os requisitos impostos pela Medida
Provisória nº 871/2019, convertida na Lei nº 13.846/2019,
desnaturam o núcleo essencial e o bem jurídico tutelado pelo
benefício de auxílio-reclusão, pode-se concluir que o legislador
incorreu em excesso ao se valer da prerrogativa de limitação de
direitos e garantias sociais e fundamentais.

Referências

ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. Traduzido por Vigílio Afonso da Silva. 2.
ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
BRANCO, P. G. G.; MENDES, G. F. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 out. 1998.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
25 ago. 2019.
BRASIL. Lei nº 8.123 de 24 de julho de 1991. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 25 ago.
2019.

40
GRUPO DE TRABALHO 1: Bens comuns, proteção ambiental e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar e intersetorial
------------------------------------------------------------------------------------------------
BRASIL. Medida provisória nº 871 de 18 de janeiro de 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv871.htm.
Acesso em: 25 ago. 2019.
CANOTILHO. J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003.
CASTRO, C. A. P.; LAZZARI, J. B. Manual de direito previdenciário. 20. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017.
SARLET, I. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal
de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

41
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
------------------------------------------------------------------------------------------------

O USO DE AGROTÓXICOS E AS IMPLICAÇÕES PARA A


GARANTIA DA SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL

Clarissa de Sousa Guerra1


Larissa Melez Ruviaro2

Considerando a alimentação como um direito humano


fundamental e as relações sociais advindas da produção de
alimentos, a partir da exploração econômica da natureza, os Estados
se apropriam do conceito de segurança alimentar, como um
mecanismo capaz de possibilitar a concretização do direito à
alimentação. Nesse contexto, a evolução das fronteiras agrícolas e o
procedimento químico-dependente trouxeram à baila problemáticas
urgentes com cunho social e ambiental. Cabe, assim, perquirir quais
os impactos do atual modelo de produção agrícola, para a segurança
alimentar, especialmente, no que diz respeito à saúde humana
(BRITO; GOMIDE; CÂMARA, 2009).
Cumpre adotar como teoria de base a teoria sistêmico-
complexa de posto que, de forma transdisciplinar, analisar-se-ão as
partes – diante da lógica que o mercado reduz o poder dos
pequenos agricultores, pela monopolização da produção -, bem
como o agrupamento entrelaçados desses elementos, quando trazem
à baila seu aspecto complexo. A pesquisa desenvolve-se através do
método de abordagem dialético, isso porque serão realizados
contrapontos teóricos durante todo o trabalho, abordando as
implicações na segurança alimentar e nutricional, ocasionadas pelo
uso de agrotóxicos. O procedimento utilizado para desenvolver o
presente trabalho será por meio da documentação direta e indireta.

1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) clarasouzaguerra@hotmail.com.


2 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) larissa_ruviaro@hotmail.com.

42
Clarissa de Sousa Guerra; Larissa Melez Ruviaro

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Ao passo que fez uso da análise bibliográfica que se destinou a
auxiliar no embasamento teórico e descritivo, sob o viés de doutrina
relevante sobre o assunto, abrangendo obras clássicas de autores
renomados, artigos científicos, monografias, dissertações de
mestrado, teses de doutorado, entre outros documentos. Por fim, a
técnica de pesquisa empregada será a elaboração de resumos e
fichamentos, com a finalidade de papirar minimamente cada
assunto, extraindo o máximo de informações para o embasamento
teórico.
Importa dizer, inicialmente, que a emergência da concepção
de “segurança alimentar global” faz parte da internacionalização da
questão alimentar e evidencia, por um lado, a interação e
determinação entre os fatores que condicionam a questão alimentar,
no meio internacional. Por outro lado, essa ideia veio à tona como
expressão da produção e do comércio de alimentos em escala
mundial, para a valorização do papel dos mercados e do comércio
internacional de alimentos (MALUF, 2011).
Num primeiro momento, a segurança alimentar voltava-se
somente à disponibilidade de alimentos. Nos anos 1980, porém,
passa a enfatizar a capacidade de acesso aos alimentos pelos
indivíduos e grupos sociais, além da sedimentação da ideia de oferta
suficiente de alimentos, com qualidade e regularidade na
alimentação (TOMAZINI, LEITE, 2016). Segundo esses autores, a
temática chegou ao Brasil em 1985, tendo como panorama o início
das discussões na América Latina, a partir da Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da
Comissão Econômica Para A América Latina E Caribe (CEPAL)
(TOMAZINI, LEITE, 2016).
O avanço do sistema latifundiário deu ênfase à agricultura de
exportação, apesar de essa prática representar uma ameaça à
segurança alimentar, por desconsiderar seus princípios e a qualidade

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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alimentícia, bem como a distribuição equitativa da produção. A
agricultura brasileira, por sua vez, se desenvolve coma
implementação de máquinas e tecnologias agrícolas, colocando o
Brasil entre os grandes países do agronegócio. Tal progresso fez
com que o Brasil se tornasse o maior consumidor de agrotóxicos do
mundo, pois visava o avanço das bases socioeconômicas, conduzido
pelo crescimento econômico (SANTILLI, 2009).
O uso de agrotóxicos na agricultura é utilizado há anos e tem-
se uma tendência em aumentar o número de agrotóxicos permitidos,
em razão de benefícios econômicos que a substância fornece.
Acontece que esses agrotóxicos passaram a influenciar não só no
processo da plantação até a colheita, mas também o consumo de
alimentos derivados dessas plantações. Além de que, o meio
ambiente também vem a sofrer impactos em razão desse uso
(PIGNATI, 2011).
Assim, o modelo de exportação contribuiu para sabotar a
agricultura familiar e potencializar os conflitos rurais, de modo a
menosprezar a repartição equitativa de terras, voltando-se tão
somente à dominação das atividades econômicas, inclusive, do
campo. Diante disso, a modernização agrícola trouxe uma inversão
de valores, em que os agricultores passam a ser, simplesmente,
produtores e consumidores de sementes, onde a cultura de
exportação potencializou o uso de agrotóxicos, para amparar a
dependência química das culturas e avançar a produtividade para as
fronteiras naturais (MARRERO, 2012).
Isso em razão de que, há muitos anos, deixou-se de utilizar a
vida rural tão somente como forma de produzir o sustento da
própria família. Há um comércio de grande força que provém da
agricultura, o que leva a necessidade de maior efetividade nas
produções. Contudo, resta destacar que até mesmo as civilizações
antigas, momento em que não havia esse comércio intensificado de

44
Clarissa de Sousa Guerra; Larissa Melez Ruviaro

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agrotóxicos, faziam uso de substâncias para evitar pragas e
possibilitar a permanência da plantação (BRITO; GOMIDE;
CÂMARA, 2009).
Por isso, o modelo de produção agrário encontrado no Brasil,
atualmente, é hegemônico, marcado pelo caráter cruel do
capitalismo e da “revolução verde” (BAUMAN, 1999). Os impactos
tornaram-se frequentes, principalmente, em relação à saúde, devido
às poluições e intoxicações ocasionadas pelos agrotóxicos,
resultando na retirada forçada dos indivíduos da localidade em que
residiam tradicionalmente. Em contrapartida, os defensores da
“revolução verde” afirmam que tais riscos são inerentes à atividade
agrícola, pois sem eles não seria possível manter a produção para o
crescente número de habitantes do planeta. A referida alegação
mostra-se controversa, na medida em que a desigualdade na
distribuição alimentícia sempre se sobrepôs à produção global
(SACHS, 2008).
A produção agrícola químico-dependente monopolizou o uso
de agrotóxicos e dificultou a saída do atual modo de produção. Ao
passo que, atualmente verifica-se que a cada ano novos agrotóxicos
são liberados no Brasil, além da intensificação dessa liberação ter
ocorrido de forma desproporcional no ano de 2019. Estima-se que
até o mês de maio do corrente ano foram liberados mais de 100
agrotóxicos (SILVA, 2005).
Assim, torna-se fácil imaginar e prever as consequências
desse uso na saúde social, que abrange efeitos na saúde do agricultor
e também do consumidor final. Entre as consequências advindas
desse uso, pode-se citar a intoxicação como um resultado imediato,
além de outras doenças como câncer, enquanto um resultado
mediato desse uso exacerbado. Entre tantas consequências
possíveis, não se pode negar ao menos existência dos riscos sofridos
pelos agricultores e trabalhadores rurais em meio a tantos produtos

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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químicos, que trazem benefícios tão somente econômicos (SILVA,
2005).
Portanto, o seu consumo não abarca, apenas, cultivos
transgênicos, mas, de certa forma, toda a cultura produtiva,
transformando o setor agrícola em organismos geneticamente
modificados, devido ao excessivo nível de contaminação dos
pesticidas. (SANTILLI, 2009). Portanto, a garantia de segurança
alimentar está intrinsecamente ligada aos manifestos sociais e
políticos, pois requer a atenuação da dependência dos agrotóxicos e
a retomada de modelos produtivos voltados à qualidade dos
alimentos que chegam à mesa das pessoas.

Referências
BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999.
BOMBARDI, L. M. A intoxicação por agrotóxicos no Brasil e a violação dos
direitos humanos. In: MERLINO, T.; MENDONÇA, M. L. (org.). Direitos Humanos
no Brasil 2011: Relatório. São Paulo: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos,
2011.
BRITO, P. F.; GOMIDE, M.; CÂMARA, V. M. Agrotóxicos e saúde: realidade e
desafios para mudança de práticas na agricultura. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v.
19, n. 1, Rio de Janeiro, 2009.
MALUF, R. S. Segurança alimentar e nutricional. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
MARRERO, C. R. Brasil: Monsanto em apuros. Brasil de Fato. São Paulo, 30 jul.
2012. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/10214. Acesso em: 12
maio 2019.
PIGNATI, W. O agronegócio e os impactos dos agrotóxicos na saúde e ambiente:
produtividade ou caso grave de saúde pública? In: MERLINO, T.; MENDONÇA,
M. L. (org.). Direitos Humanos no Brasil 2011: Relatório. São Paulo: Rede Social de
Justiça e Direitos Humanos, 2011.
SACHS, I. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond,
2008.
SANTILLI, J. Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores. São Paulo: Peiropolis, 2009.

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Clarissa de Sousa Guerra; Larissa Melez Ruviaro

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SILVA, J. M. Agrotóxico e trabalho: uma combinação perigosa para a saúde do
trabalhador rural. Ciência e saúde coletiva, v. 10, n. 4, p. 891-903, 2005.
TOMAZINI, C. G.; LEITE, C. K. S. Programa Fome Zero e o paradigma da
segurança alimentar: ascensão e queda de uma coalização? Revista de Sociologia e
Política, v. 24, n. 58, p.13-30, jun. 2016.

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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A PL DO VENENO E A SUBSTITUIÇÃO DO TERMO


“AGROTÓXICO”: O poder de persuasão através da
ferramenta de linguagem hegemônica

Francieli Iung Izolani1


Jerônimo Siqueira Tybusch2

O padrão hegemônico de produção agrícola refletido no Sul


Social vai ao encontro de interesses econômicos globalizados, que
propiciam o agronegócio devido a toda uma estrutura que se
estabelece a partir da Revolução Verde, nos anos 1960. Com escusas
à modernização do instrumental agrícola, plantou-se um cenário de
práticas monocultoras com a alta utilização de agrotóxicos, e com o
desenvolvimento da biotecnologia, de total dependência às
corporações das sementes corretas, adequadas ao plantio, produzidas
pelo monopólio econômico dos transgênicos (JUNGES, 2010).
Referido cenário atinge o Brasil, centro da biodiversidade do
planeta, mas que por ser do Sul Social, foi colonizado pelo Norte
Social e mesmo após a independência, não deixou de ser submetido
a novas formas de colonização e, assim, além das práticas

1 Doutoranda em Direito (URISAN). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa


Maria. Integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos da Sociobiodiversidade (GPDS/UFSM).
Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Uniderp-Anhanguera. Bacharel
em Direito pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail:
franizolani@hotmail.com.
2 Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2011);

mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2007);
graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2004). Professor
Adjunto no Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFSM) - Mestrado em
Direito. Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Educacionais em Rede
(PPGTER/UFSM) - Mestrado Profissional em Tecnologias Educacionais em Rede.
Pesquisador e Líder do Grupo de Pesquisa em Direito da Sociobiodiversidade - GPDS.
Atualmente é Pró-Reitor Adjunto e Coordenador de Planejamento Acadêmico da Pró-
Reitoria de Graduação da UFSM. Membro da Diretoria do CONPEDI Gestão 2017-2020.
jeronimotybush@ufsm.br.

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Francieli Iung Izolani; Jerônimo Siqueira Tybusch

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econômicas que obedecem ao padrão hegemônico, consolida e
reitera a colonialidade do saber.
Para o termo agrotóxico, também é encontrado pesticida na
literatura inglesa ou ainda praguicida na literatura espanhola (GRAFF,
2013). Todavia, o termo mais acertado é “agrotóxicos”, que vai ao
encontro ao direito à informação, pois implica em risco. Os demais
termos podem causar a falsa impressão de que a sua utilização é algo
benéfico e que não demanda atenção pelo consumidor dos
produtos, pois “matam pragas e pestes”, apenas. Fato é que os
interesses do mercado propiciam uma verdadeira blindagem,
ocultando as informações indispensáveis à saúde pública em favor
da utilização dos agrotóxicos com amplo apoio governamental
(CARNEIRO, 2016, p. 78).
Em diversas searas no Brasil, tem-se notado dificuldades em
se formular alternativas teóricas e políticas frente ao imperialismo
economicista de mercado que preza pelo neoliberalismo, que deve
ser compreendido como o discurso hegemônico de um modelo de
civilização com pressupostos e valores básicos de riqueza e
progresso em detrimento da natureza (LANDER, 2005). Em nome
desse progresso supostamente trazido pelas práticas neoliberais, o
país vivencia mais uma era das velhas colonialidades que estiveram
sempre presentes ao longo da história do Brasil, dentre elas, a
anulação da gravidade do uso de agrotóxicos pelo recurso de
linguagem no Projeto de Lei 6.299/2002, conhecido como PL do
Veneno, que busca a substituição do termo agrotóxico por outro
menos impactante.
Nesse contexto, o presente estudo tem por escopo responder
quais os limites e possibilidades de a substituição, proposta no PL
do Veneno, do termo agrotóxico por outro menos impactante é mais
um exemplo de atuação do padrão hegemônico, em sua vertente do
discurso e da linguagem como ferramenta de persuasão do Sul
Social. Para tanto, utilizou-se o trinômio de metodologia,

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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abordagem, procedimento e técnica. Como abordagem, optou-se
pelo método indutivo, pois a partir de um caso concreto, será
atingida uma generalização. Como procedimento, foi utilizada a
pesquisa bibliográfica sobre agrotóxicos, discurso hegemônico e
padrões exercidos pelo Norte Social, e também a análise documental
do PL do Veneno. As técnicas foram os resumos, fichamentos e a
análise do PL em questão.
O PL do Veneno é defendido pelo setor do agronegócio
como uma norma necessária à modernização das necessidades na
sociedade brasileira moderna, tais como a facilitação na avaliação e
na liberação dos agrotóxicos. Atualmente, há a necessidade do
consentimento de vários órgãos e entidades para que um novo
produto seja aprovado, devendo passar, por exemplo, pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde.
Quando em 1962, Rachel Carson corajosamente revelou o
que estava por trás da primavera silenciosa não o fez em vão. O uso
indiscriminado do DDT foi apenas mais um padrão hegemônico
utilizado, que quando contestado, através do discurso foi convertido
de negativo a positivo rapidamente, tornando-se, inclusive, um
produto de consumo altamente desejado à época. No Brasil, ele
somente foi proibido em 2009.
De fato, ao longo de toda a história do Brasil, sua política
econômica sempre esteve voltada para a monocultura latifundiária
exportadora, em que pese a biodiversidade que aqui é encontrada. O
Norte Social sempre se fez presente impondo esse padrão através de
sua política e de seu discurso de dominação, a hegemonia, durante a
colonização e após, até os dias atuais e, assim, a mentalidade
reducionista foi sendo intrinsicamente acoplada. Com relação aos
agrotóxicos, a Revolução Verde acentua ainda mais a colonialidade
brasileira, ao implantar as chamadas sementes milagrosas (SHIVA,
2003) sob um conjunto estruturado de venda e dependência das
grandes corporações pela falácia de que as sementes transgênicas

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Francieli Iung Izolani; Jerônimo Siqueira Tybusch

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são mais resistentes às pragas, mas na verdade, são efetuadas
vendas-casadas com agrotóxicos disfarçados de outro nome,
acarretando a perda da biodiversidade agrícola, causando variados
impactos socioambientais, como a erosão dos solos, a poluição das
águas, a contaminação por agrotóxicos, o êxodo rural (SANTILLI,
2009).
O PL do Veneno, portanto, serve para confirmar que o
padrão hegemônico tende a ser efetivado mais uma vez, através da
maculação das verdadeiras consequências que os agrotóxicos
provocam em termos de saúde do ser humano e de impactos
socioambientais, fazendo-se acreditar e defender seu uso intensivo
como algo bom e necessário ao combate de pragas, que na verdade,
é apenas a biodiversidade sem valor econômico rentável aos
interesses do Norte Social.

Referências
CARNEIRO, F. F. (org.). Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos
agrotóxicos na saúde. 1. ed. Rio de Janeiro: EPSJV-Fiocruz; Expressão Popular,
2015. v. 1. 624p.
GRAFF, L. Os agrotóxicos e o meio ambiente: uma abordagem a partir do direito
humano à alimentação adequada. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul,
2013.
JUNGES, J. R. (Bio) Ética ambiental. São Leopoldo: Unisinos, 2010.
LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo nas ciências sociais -
perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: 2005. 130p. Disponível em:
http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lander/pt/lander.html. Acesso em: 20
out. 2014.
SANTILLI, J. Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores. São Paulo: Petrópolis, 2009.
SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia
de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São
Paulo: Cortez, 2010. p.31-83.
SHIVA, V. Monoculturas da Mente: Perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia.
Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Gaia, 2003.

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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NEOLIBERALISMO, PARTICIPAÇÃO POPULAR E


JUSTIÇA AMBIENTAL: As recentes políticas
governamentais brasileiras sobre o meio ambiente

Eduardo Schneider Lersch1


Leura Dalla Riva2

A partir da expansão do modo de produção capitalista em


razão da globalização econômica do final do século XX, observou-
se também a consagração de políticas neoliberais em diversos
Estados. Assim, com a chamada crise do welfare state, ganhou espaço
o discurso em defesa de um “Estado mínimo” que não interfere na
economia e nas relações sociais. Paralelamente, incorporou-se à
agenda internacional a pauta do desenvolvimento sustentável e da
proteção ambiental, tendo em vista os novos desafios gerados pelas
mudanças climáticas do aquecimento global.
As políticas desenvolvidas sob o domínio do neoliberalismo
tornaram as corporações a instituição dominante no mundo, pois
este modelo de globalização se constituiu, de acordo com Vandana
Shiva (2005), na “ocupação dos espaços das pessoas pelas empresas
com o apoio dos Estados”. Tal quadro agravou alguns dos
problemas mais prementes do mundo, como a pobreza, a guerra, a
destruição do meio ambiente e as doenças, tendo em vista que o
mundo passou a ser dominado por uma cultura definida pelo

1 Especialista em Direito Penal pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI).


Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pesquisador do
Núcleo de Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-
Furb). Pesquisador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ABDConst,
eduardoschneiderl@hotmail.com.
2 Doutoranda em Diritto Comparato e Processi di Integrazione pela Università degli studi

della Campania Luigi Vanvitelli (UNICAMPANIA, Itália). Pesquisadora do Núcleo de


Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-Furb).
Pesquisadora da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), leura-
d@hotmail.com.

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Eduardo Schneider Lersch; Leura Dalla Riva

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egoísmo, no qual as corporações existem para maximizar a riqueza
dos acionistas, não importando o custo social e ambiental de tal
objetivo. O discurso neoliberal também apresenta no “Estado
mínimo” a solução para os problemas ambientais, argumentando
que o desenvolvimento sustentável e a proteção das presentes e
futuras gerações seria alcançado por iniciativa das próprias empresas
e dos consumidores que compõe o mercado (BAKAN, 2008, p.
172-173).
Nesta segunda década do novo milênio, esse discurso
neoliberal ressurge com ainda mais força, o que se pode observar
das políticas governamentais aplicadas ao meio ambiente, por
exemplo, por alguns países sul-americanos como o Brasil. Nesse
cenário, a pesquisa proposta apresenta como problema a seguinte
questão: em que medida as políticas ambientais recentes do governo
brasileiro são fruto da falta de participação popular na tomada de
decisões sobre a proteção do meio ambiente, bem como refletem o
pensamento neoliberal de exploração ilimitada dos recursos naturais
que beneficia as grandes corporações? Os objetivos da pesquisa são,
portanto, abordar em que contexto e de que modo foram elaboradas
as recentes políticas do Governo brasileiro no que diz respeito ao
meio ambiente, quais seus impactos em termos de justiça ambiental,
bem como se contaram com participação popular ou se evidenciam
um direcionamento neoliberal do Estado brasileiro em benefício de
grandes empresas.
Para responder o problema proposto, a pesquisa adota o
trinômio da metodologia: abordagem, procedimento e técnica.
Como método de abordagem, utilizou-se a dialética, já que pretende
contrapor a lógica neoliberal de desregulação da proteção ambiental
a um modelo de participação popular democrática na formulação de
políticas ambientais. O procedimento utilizado foi o de pesquisa
bibliográfica e as técnicas de fichamentos e resumos. Pretende-se
dividir o trabalho em três eixos. Primeiramente, abordar-se-á a

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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globalização do capitalismo e o papel do pensamento neoliberal na
busca pela desregulação da proteção ambiental. Em seguida,
apresentar-se-á a participação popular democrática como requisito
para uma justiça socioambiental. Por fim, realizar-se-á a análise de
algumas políticas governamentais recentes do governo brasileiro no
que diz respeito à matéria ambiental.
Com efeito, as democracias se baseiam na igualdade entre os
cidadãos. As corporações estariam salvas da participação dos
cidadãos no processo político se fossem controladas apenas pelo
mercado e não pelos governos, pois, no mercado, um dólar – e não
uma pessoa – é igual a um voto. Assim, “quando transferimos esse
poder para o mercado, o modesto e o rico ficam totalmente
desiguais [...] é por isso que historicamente sentimos a necessidade
de regular os mercados”, além disso, estar-se-ia ignorando o fato de
que “a maior parte da população mundial é pobre demais para
participar da economia de consumo” (BAKAN, 2008, p. 176).
Mostra-se também equivocada a crença de que os
consumidores decidem sobre o que consumir com base em
objetivos sociais e ambientais. Tal fato está intimamente ligado com
a questão da justiça socioambiental, já que o acesso à informação
não é distribuído igualitariamente quando se diz respeito à instalação
de empreendimentos ou consumo de produtos danoso ao ambiente
e à saúde, evidenciando a inexistência de participação popular nesses
processos.
Assim, em que pese estar difundida a noção de que todos os
habitantes do planeta estão sujeitos aos problemas ambientais na
mesma proporção, trata-se de raciocínio simplista, já que “sobre os
mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder recai,
desproporcionalmente, a maior parte dos riscos ambientais
socialmente induzidos, seja no processo de extração de recursos
naturais, seja na disposição de resíduos no ambiente”. É contra esse
pensamento hegemônico que considera democrática a distribuição

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Eduardo Schneider Lersch; Leura Dalla Riva

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dos riscos que surgem movimentos em busca de uma maior
participação popular em busca de uma justiça ambiental, a qual pode
ser entendida como “[...] a condição de existência social configurada
através do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas
as pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda no que diz
respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e aplicação
de políticas, leis e regulações ambientais”. Assim, entende-se como
tratamento justo aquele pelo qual nenhum grupo de pessoas venha a
suportar desproporcionalmente as consequências ambientais
negativas geradas por empreendimentos industriais, comerciais e
políticas públicas estatais, bem como pela ausência ou omissão
dessas políticas (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 12-
16).
Conforme Bakan (2008, p. 181), “As regulações foram criadas
para forçar as corporações a internalizar, ou seja, pagar, os custos
que de outra maneira externalizaria para a sociedade e para o meio
ambiente”. Sendo assim, a justa e igualitária participação popular na
elaboração das políticas, leis e regulações ambientais, que deve
acompanhar o devido acesso à informação quanto aos custos e
riscos do empreendimento que se analisa, pode servir também como
instrumento para garantia de que o Estado não se omitirá na
proteção do meio ambiente a fim de beneficiar as grandes
corporações.
Esta não parece ser, todavia, a realidade que se apresenta
atualmente no Brasil. Pelo que se pode constatar a título de
resultados, as recentes políticas governamentais adotadas
evidenciam o descomprometimento do atual governo com a
proteção ambiental no País, com a participação popular na tomada
dessas decisões e, consequentemente, com a justiça ambiental. As
ameaças do Governo de deixar o Acordo de Paris de 2015, a
extinção do Fundo Amazônia, a revisão de todas as Unidades de
Conservação, o aviso prévio de datas e locais que serão fiscalizados

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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por órgãos ambientais como o IBAMA, a prevalência de militares
sobre especialistas ambientais, remoção de dados empíricos e
científicos sobre desmatamento e espécimes ameaçadas de extinção,
bem como o aumento significativo de queimadas e desmatamento à
Amazônia neste ano de 2019 são apenas alguns dos vários exemplos
do descaso da atual gestão com a política ambiental e à vedação
constitucional do retrocesso ambiental e que refletem o pensamento
neoliberal de exploração ilimitada dos recursos naturais que
beneficia os grandes detentores do capital.

Referências
ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N. O que é Justiça Ambiental.
Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
BAKAN, J. A Corporação: A busca patológica por lucro e poder. Trad. Camila
Werner. São Paulo: Novo Conceito, 2008.
BRUM, E. Belo Monte: a anatomia de um etnocídio. Dez. 2014. El País. Disponível
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930086.html. Acesso em: 16 ago. 2019.
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https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/06/03/15-
pontos-para-entender-os-rumos-da-desastrosa-politica-ambiental-no-governo-
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56
Eduardo Schneider Lersch; Leura Dalla Riva

--------------------------------------------------------------------------------------------
VEIGA, E. Brasil e EUA lideram retrocessos ambientais, aponta estudo que
abrange mais de um século. BBC News Brasil. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48463000. Acesso em: 20 ago. 2019.

57
Luciano Félix Florit; Ana Lucia Bittencourt

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CONFLITOS EM TORNO D’ÁGUA EM SANTA
CATARINA: Judicialização e padrões de desenvolvimento

Luciano Félix Florit1


Ana Lucia Bittencourt2

O trabalho apresenta uma reflexão acerca dos conflitos em


torno da água no estado de Santa Catarina e o tratamento dado pelo
Estado a estes conflitos. A partir daí, faz-se uma reflexão com base
nos aspectos sociológicos dos conflitos, analisando-se decisões do
Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina sobre os conflitos
em torno da água. O problema de pesquisa está em verificar se o
tratamento dado pelo judiciário aos conflitos aqui tratados tem sido
um tratamento abrangente sob a perspectiva da ética
socioambiental. Verifica-se que os conflitos tratados estão ligados
aos padrões de desenvolvimento regional do estado e que os
recursos hídricos foram e são vistos como entes de valor meramente
instrumental para o modelo de desenvolvimento vigente. É possível
perceber, por meio de dados disponíveis de fontes judiciais e da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão ligado à igreja católica e à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que, em
proporção ao número de conflitos existentes, é uma pequena e
seleta parcela dos conflitos que alcançam efetivamente acesso à
justiça. As decisões analisadas referem-se, quase na totalidade, a
conflitos gerados pela instalação de usinas hidrelétricas no estado,
existindo conflitos de menor visibilidade ligados à suinocultura e à
atividade de extração do carvão. Com relação à instalação das

1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade


Regional de Blumenau (FURB). Líder do Grupo Interdisciplinar em Pesquisas
Socioambientais (Grupo IPÊS). Email: lucianoflorit@gmail.com.
2 Doutora em Desenvolvimento Regional. Membro do Grupo Interdisciplinar em Pesquisas

Socioambientais (Grupo IPÊS). Professora do Centro Universitário Avantis. E-mail:


ana.bittencourt@avantis.edu.br.

58
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
--------------------------------------------------------------------------------------------
hidrelétricas, a realização de tais obras afeta as populações
ribeirinhas, que muitas vezes tem que ser deslocadas de suas
propriedades, se veem cerceadas de realizar as suas atividades
profissionais, perdem a sua identidade territorial e devido às
características jurídicas que permeiam a questão, acabam por não ter
nenhum direito reconhecido. Considera-se que os que os conflitos
aqui analisados são conflitos ambientais territoriais (LASCHEFSKI,
2011), nos quais estão também em jogo conflitos de valoração do
meio ambiente (MARTINEZ ALIER, 2007) suscetíveis de serem
entendidos sob uma perspectiva ética socioambiental (FLORIT,
2016). Assim sendo, a presente pesquisa tem como objetivos:
compreender a relação dos conflitos em torno da água em Santa
Catarina com as atividades econômicas de relevância para o
desenvolvimento do estado, verificar o tratamento que é dado pelo
Estado a estes conflitos, em especial, por meio das decisões judiciais
proferidas acerca do tema e por fim, fazer uma análise crítica das
decisões à luz da ética socioambiental e da violência epistêmica.
Com relação à metodologia utilizada, para a análise pormenorizada
dos casos judicializados, partiu-se da identificação de decisões
judiciais pertinentes ao tema e que foram confirmadas em segunda
instância pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, essa
identificação se deu por meio de categorias específicas e
selecionadas a partir do referencial teórico do trabalho
(BITTENCOURT, 2018). No exame das decisões foi utilizada a
Metodologia de Análise de Decisões (MAD) desenvolvida por
Roberto Freitas Filho e Thalita Moraes Lima (FREITAS FILHO E
LIMA, 2010). No presente estudo, a MAD permitiu perceber em
decisões variadas e sobre o mesmo tema o entendimento de
diferentes decisores, podendo-se verificar a criação/repetição de um
protocolo nas decisões que envolvem conflitos em torno da água
em Santa Catarina. Feita a análise das decisões, foi possível efetuar
uma crítica à luz do conceito de violência epistêmica (CASTRO-

59
Luciano Félix Florit; Ana Lucia Bittencourt

--------------------------------------------------------------------------------------------
GOMEZ, 2005; TIRADO, 2009). A violência epistêmica está ligada
à desconsideração do outro, o desejo de conhecimento e
paralelamente o desejo de impor uma determinada forma de
entender e formular conhecimento ao outro (TIRADO, 2009, p.
175). Reconhece-se como violência epistêmica nesse trabalho o ato
de desconsideração dos atingidos pelos conflitos ambientais em
torno da água no estado de Santa Catarina. A ignorância acerca do
sentimento de dor e perda por estar perpetuado um determinado
‘tipo’ de conhecimento (BITTENCOURT, 2018). Os conflitos aqui
tratados são conflitos decorrentes do padrão de desenvolvimento
estabelecido e que tem visualizado os recursos ambientais em geral e
em especial os recursos hídricos, como instrumentos para a
criação/manutenção/imposição de uma territorialidade urbana-
industrial-capitalista, que é incompatível com o modo de vida das
comunidades ribeirinhas atingidas. Percebe-se que essa
incompatibilidade se dá porque é impossível, para aqueles que
decidem, baseados na dureza da lei, perceber os laços que são
estabelecidos entre aquelas comunidades e o território em que
vivem e desenvolvem as suas relações das mais variadas ordens.
Neste sentido os resultados da pesquisa permitiram perceber que o
número de conflitos que são judicializados, é ínfimo em relação ao
número de conflitos existentes, além disso, quando os conflitos são
judicializados as decisões levam em consideração o interesse
nacional para anular qualquer possibilidade de direitos que possam
ser reconhecidos aos atingidos. O que se depreende das narrativas
das decisões analisadas, é que, aquelas populações devem arcar com
o ônus de um desenvolvimento que muitas vezes não é por eles
aproveitado. Tanto em algumas decisões de primeiro grau, e que
depois foram reformadas, como em alguns votos divergentes dados
no segundo grau, é possível perceber uma análise que considera que
os pescadores deveriam ser indenizados, pois não obstante as
hidrelétricas sejam empreendimentos licenciados, a responsabilidade

60
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
--------------------------------------------------------------------------------------------
objetiva que permeia a sua natureza jurídica, dá origem a essa
necessidade de indenização. Nestas narrativas percebe-se que
mesmo reconhecendo-se um direito aos ribeirinhos, esse
reconhecimento se pauta em direitos fundamentais como o direito
ao trabalho, mas nunca no direito fundamental a um meio ambiente
sadio e equilibrado. Ainda nestas decisões, constata-se discursos que
avaliam que as hidrelétricas fazem parte de um progresso, sem o
qual não é possível viver, ou seja, pode se notar a naturalização da
realidade de um padrão de desenvolvimento dominante que não
importa o que venha a ser destruído, esse desenvolvimento precisa
continuar. A partir disso, buscar-se-á fazer uma análise
socioambiental evidenciando que a análise das decisões leva a crer
que há uma redução instrumental dos recursos hídricos que são
vistos apenas como instrumentos, seja para o trabalho ou seja para o
desenvolvimento do país, desconsiderando-se todo e qualquer
vínculo que as populações ribeirinhas possam ter com o território e
que extrapole o exercício de sua profissão. Analisar-se-á ainda, o
fato de que mesmo quando há decisões que ponderam os direitos
dos ribeirinhos, estas também são decisões baseadas no
antropocentrismo e que ainda há um caminho a ser trilhado para o
reconhecimento da natureza como um todo e principalmente dos
recursos hídricos como algo que vá além de fonte de recursos para a
produção de bens.

Referências
BITTENCOURT, A. L. Conflitos socioambientais em torno da água em Santa Catarina:
Desenvolvimento Regional e atuação estatal. 2018. Tese (Doutorado em
Desenvolvimento Regional) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2018.
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“invenção do outro”. In: LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo
e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. p.
169-186. (Coleção Sur Sur). Disponível em:

61
Luciano Félix Florit; Ana Lucia Bittencourt

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http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/libros/lander/pt/CastroGomez.rtf. Acesso
em: 03 ago. 2018.
CPT. Massacres no Campo, 2018. Disponível em:
https://www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/category/6-conflitos-
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FLORIT, L. F. Ética ambiental ocidental e os direitos da natureza. Contribuições e
limites para uma ética socioambiental na América Latina. Revista Pensamiento Actual,
v. 17, p. 121-136, 2017.
FLORIT, L. F. Conflitos ambientais, desenvolvimento no território e conflitos de
valoração: considerações para uma ética ambiental com equidade social. Revista
Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 36, p. 255-271, abr. 2016. DOI: 10.5380/dma.
v36i0.41624.
FREITAS FILHO. R.; LIMA, T. M. Metodologia de Análise de Decisões – MAD.
Univ. JUS, Brasília, n. 21, p. 1-17, 2010.
MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.
LASCHEFSKI, K. Licenciamento e equidade ambiental. As racionalidades distintas
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TIRADO, G. P. Violencia epistémica y decolonización del conocimiento.
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ZHOURI, A. Povos tradicionais, meio ambiente e colonialidade. In: PAULA, A.
M. N. R. et. al. (org.). Povos e comunidades tradicionais: contribuições para outro
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62
Nicolau Cardoso Neto; Luiza Sens Weise; Layra Pena

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A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS


COMO EXECUTORA DE ÁGUA LIMPA E
SANEAMENTO: Objetivo 6 do Desenvolvimento
Sustentável da Organização das Nações Unidas

Nicolau Cardoso Neto1


Luiza Sens Weise2
Layra Pena3

O conceito de Desenvolvimento Sustentável surgiu a partir


do debate internacional sobre o limite para a exploração dos
recursos naturais, ocorrido na década de 1970 por meio da
publicação do Relatório The Limits of Growth, extremista, pois sua
intenção era estabelecer um nível zero de crescimento a fim de
cessar a exploração dos recursos naturais, e, por isso, polêmico.
Ainda na década de 70, houve a realização da primeira Conferência
Internacional para o Meio Ambiente, promovida pela Organização
das Nações Unidas em Estocolmo, marco da mobilização
internacional em prol do meio ambiente. Todavia, o surgimento do
conceito de Desenvolvimento Sustentável só ocorreu em 1987, com
a publicação do “Relatório Nosso Futuro Comum” ou Relatório
Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial do Meio Ambiente
(UNCED) da ONU, presidido pela Primeira-Ministra da Noruega
na época, Gro Harlem Brundtland. Nesse Relatório, o
desenvolvimento sustentável é conceituado como “aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade
de as gerações futuras também atenderem as suas” (LIMA, 1997, p.
7).

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), ncardoso@furb.br.


2 Universidade Regional de Blumenau (FURB), weiseluiza@gmail.com.
3 Universidade Regional de Blumenau (FURB), layrapena2@gmail.com.

63
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
--------------------------------------------------------------------------------------------

A partir desse conceito, iniciou-se uma jornada internacional


de negociações e eventos a fim de, dentre outros objetivos, construir
uma agenda comum em prol da sustentabilidade. Como exemplo
dessa necessidade de compromissos internacionais com a
sustentabilidade, tem-se a Agenda 21, um dos documentos
produzidos durante a segunda Conferência Internacional para o
Meio Ambiente da ONU, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
Além disso, os Objetivos do Milênio da ONU, propostos nos anos
2000, também podem ser elencados como exemplo da mobilização
internacional em prol da dignidade humana, que possui uma relação
estreita com o desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, a sustentabilidade foi redesenhada ao longo do
tempo, destacando-se as cinco dimensões da sustentabilidade
definidas por Freitas (2012, p. 69-70), quais sejam: ambiental, que
importa em reconhecer a responsabilidade humana na degradação
ambiental, mudando essa situação; econômica, que se preocupa com
a produção e o consumo, na diminuição do desperdício e na busca
de um indicador mais amplo do que o Produto Interno Bruto, para
medir o desenvolvimento; social, pois a sustentabilidade deve ser
inclusiva, auxiliando os menos favorecidos; ética, buscando
promover benefícios para todos, e não apenas se omitir de realizar
malefícios; e político-jurídica, que reconhece a tutela jurídica para o
direito ao futuro, e todos os direitos que o refletem, como a
longevidade digna, alimentação de qualidade, democracia, dentre
outros.
Considerando todas essas dimensões, a Agenda 2030
representa mais um compromisso da comunidade internacional com
vistas à sustentabilidade, estabelecendo os 17 Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ponderando a importância da
água como um recurso essencial a todas as atividades humanas, e
tendo em vista os problemas de disponibilidade e qualidade hídrica,
dá-se especial destaque ao Objetivo nº 6 do Desenvolvimento

64
Nicolau Cardoso Neto; Luiza Sens Weise; Layra Pena

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Sustentável, relacionando-o com a Política Nacional de Recursos


Hídricos, em seus fundamentos, objetivos, estrutura institucional e
instrumentos de gestão.
Ainda, considerando a importância da água para todas as
atividades humanas, bem como a relação estreita entre esse recurso,
a dignidade humana e o conceito de Desenvolvimento Sustentável,
pretende-se expor o histórico da construção do conceito de
Sustentabilidade, além de apresentar sua elevação como princípio
constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, e verificar se o
referido princípio, nas suas múltiplas dimensões, está presente na
Política Nacional de Recursos Hídricos, inclusive na implementação
de seus instrumentos, conforme dados do Relatório Conjuntura dos
Recursos Hídricos (ANA, 2017), relacionando-a com o Sexto
Objetivo do Desenvolvimento Sustentável definido pela Agenda
2030 da ONU.
Dessa forma, o escopo do presente estudo consiste em
verificar se o princípio do Desenvolvimento Sustentável, nas suas
múltiplas dimensões, está presente na Política Nacional de Recursos
Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/97, relacionando-a com o
ODS 6, intitulado “Água e Saneamento”, definido pela Agenda 2030
da ONU. Além disso, observadas as metas do ODS 6, a
implementação dos instrumentos da PNRH será analisada a partir
do Relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos da Agência
Nacional de Águas (2017), com dados atualizados conforme o
Informe 2018.
Para tanto, utilizou-se como metodologia a revisão
bibliográfica de doutrinadores e artigos científicos contemporâneos
sobre o tema, além da norma instituidora da Política Nacional de
Recursos Hídricos, Lei nº 9.433/97, do Relatório Conjuntura dos
Recursos Hídricos de 2017 e Informe 2018, produzidos pela
Agência Nacional de Águas (ANA), que trouxeram dados sobre a
implementação dos instrumentos de gestão da PNRH.

65
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
--------------------------------------------------------------------------------------------

Por todo o exposto, foi possível perceber que as disputas de


interesses, mormente econômicos, sempre se mostraram empecilhos
ao progresso da sustentabilidade. Não obstante, é possível afirmar
avanços, como a incorporação do Princípio do Desenvolvimento
Sustentável ao ordenamento jurídico brasileiro na Constituição
Federal de 1988, notadamente no art. 225, além de ser fundamento
da República Federativa do Brasil, conforme art. 3º, inciso II e
também princípio da ordem econômica, no art. 170, inciso VI
(FREITAS, 2012, p. 111). Assim, ao analisar a Constituição
brasileira é possível extrair do desenvolvimento sustentável um
conceito mais robusto e atual, que destaca as responsabilidades
estatais e da sociedade, e vincula todos à construção de uma
sociedade sustentável (FREITAS, 2012, p. 41).
Além disso, observa-se que a multidimensionalidade da
sustentabilidade trazida por Freitas (2012) se aplica também à água,
considerando sua essencialidade. Nesse sentido, o Objetivo do
Desenvolvimento Sustentável nº 6, água e saneamento, definido
pela Agenda 2030 da ONU, traduz a preocupação da comunidade
internacional com os problemas de escassez e qualidade hídrica,
estabelecendo diversas metas ambiciosas, relacionadas à gestão
integrada dos recursos hídricos.
A partir da apresentação dos fundamentos, objetivos,
instrumentos e estrutura institucional, percebeu-se que houve a
incorporação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável de
forma explícita no art. 2º, inciso I e II da Política Nacional de
Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/97, e também de
forma implícita por todo o seu texto, traduzindo a
multidimensionalidade da sustentabilidade: social, ambiental,
econômica, ética e jurídico-política. Porém, quando analisada a
implementação dos instrumentos propostos pela referida política
pública, a partir de dados do Relatório Conjuntura dos Recursos
Hídricos de 2017, atualizado pelo Informe 2018, elaborado pela

66
Nicolau Cardoso Neto; Luiza Sens Weise; Layra Pena

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Agência Nacional de Águas, nota-se que ainda não foi possível a


implementação integral, o que dificulta a realização da gestão
integrada dos recursos hídricos e o cumprimento do ODS 6. Assim,
confirmou-se parcialmente a hipótese de pesquisa, considerando que
embora a Lei nº 9.433/97 atenda todos as dimensões da
sustentabilidade, sua implementação não está completa, o que não
atende satisfatoriamente o ODS 6 da Agenda 2030.

Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2017:
relatório pleno. Brasília: ANA, 2017.
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil
2018: Informe anual. Brasília: ANA, 2018. Disponível em:
http://arquivos.ana.gov.br/portal/publicacao/Conjuntura2018.pdf. Acesso em: 27
abr. 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acesso em: 08 mar. 2019.
BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da
Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de
dezembro de 1989. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm. Acesso em: 08 mar. 2019.
BRASIL. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Disponível em:
http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio.
Acesso em: 05 mar. 2019.
BRASIL. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/Agenda2030-completo-
site.pdf. Acesso em: 05 mar. 2019.
FREITAS, J. Sustentabilidade: Direito ao Futuro. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
LIMA, G. F. C. O debate da sustentabilidade na sociedade insustentável. Revista
eletrônica Política e Trabalho, p. 201-202, set. 1997. Disponível em:

67
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
--------------------------------------------------------------------------------------------

http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/640
4/19666. Acesso em: 08 mar. 2019.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO.
Água é Vida. Disponível em: http://www.aguaevida.net.br/agenda. Acesso em: 07
mar. 2019.

68
Francieli Iung Izolani; Marina Augusta Tauil Bernardo

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A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA


TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL: Caminhos ao
desenvolvimento rural sustentável

Francieli Iung Izolani1


Marina Augusta Tauil Bernardo2

Em meados da década de 1960, em decorrência do processo


de industrialização no Brasil, ocorre a chamada “modernização
conservadora” da agricultura (CARNEIRO et al., 2015) com a
difusão de inovações tecnológicas e movimento de disseminação
ideológica com intuito de formar e desenvolver a agricultura
industrial capitalista. A partir dessa lógica capitalista de mercado, o
país passa de uma base primário-exportadora para uma base urbano-
industrial, e como consequência, ocorrem transformações
socioeconômicas e políticas do meio rural e a consolidação do
modelo de sistema agroalimentar agroexportador, o que resultou em
diversos impactos negativos, como a simplificação dos sistemas
produtivos tradicionais, altamente complexos e diversificados, a
perda de biodiversidade e o aumento do uso de agrotóxicos
(BEVILAQUA et al., 2014). De fato, o padrão de produção agrícola
atual vai ao encontro de interesses econômicos globalizados, não
dando relevância aos pequenos e médios agricultores e propiciam
um cenário de uma total dependência às

1 Doutoranda em Direito (URISAN). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa


Maria. Integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos da Sociobiodiversidade (GPDS/UFSM).
Bolsista Capes. Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Uniderp-
Anhanguera. Bacharel em Direito pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul. E-mail: franizolani@hotmail.com.franizolani@hotmail.com.
2 Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Univ. Cândido Mendes (2012).

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural pela Universidade Federal de


Santa Maria (UFSM). Bolsista Capes. Pós-graduanda em Agroecologia e Produção Orgânica
pela UERGS/SCS. Advogada (2012). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito da
Sociobiodiversidade (GPDS/UFSM). E-mail: marina.atb@gmail.com. marina.atb@gmail.com.

69
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
--------------------------------------------------------------------------------------------

corporações/multinacionais das sementes “adequadas”, produzidas


pelo monopólio econômico dos transgênicos (JUNGES, 2010).
Nessa senda, a dita modernização da agricultura propiciou o
processo de descaracterização cultural dos agricultores com o intuito
de aumentar a produção e a produtividade agrícola, sem a
preocupação dos impactos no modo de viver da comunidade rural
(SILVA, 2011). Dessa forma, os conhecimentos tradicionais, as
ações sociais, as práticas milenares e o modo de vida dos
agricultores foram subjugados e, paulatinamente, destruídos no
ideário brasileiro, pois o objetivo consistiu “em mudar normas de
comportamento tradicional, a fim de se conseguir uma conduta
nova mais conforme as exigências do progresso social técnico”
(CLERCK, 1969). Ademais, nesse contexto, ocorre a consolidação
dos denominados complexos agroindustriais em detrimento de uma
grande parcela de agricultores, que permaneceram à margem do
processo de modernização da agropecuária. De fato, a mentalidade
reducionista da Revolução Verde implanta as chamadas sementes
milagrosas (SHIVA, 2003) que, além da ameaça à agricultura
familiar, o conjunto de “benefícios falaciosos” acarreta a perda da
biodiversidade agrícola, afetando a própria base de produção,
advindo dos impactos ambientais, os impactos socioambientais,
dentre os quais, a erosão dos solos, a poluição das águas, a
contaminação por agrotóxicos, o êxodo rural (SANTILLI, 2009) ,
fruto da monocultura intensiva em agrotóxicos.
Entretanto, juntamente com o processo de redemocratização
do País, em meados da década de 1980, é propiciada “a retomada da
organização dos movimentos no campo, alguns com representação
nacional e outros de ação apenas local ou microrregional”
(ALTAFIN, 2007, p. 15), criando o cenário necessário para que mais
tarde fosse aprovada a Lei 11.326/06 (BRASIL, 2006), que
legalmente delimita e insere o agricultor familiar no rol de realidades
agrárias existentes no país.

70
Francieli Iung Izolani; Marina Augusta Tauil Bernardo

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A inserção da agricultura familiar tem suma importância,


considerando que o Brasil possui cerca de 70% (setenta porcento)
dos estabelecimentos com área entre 1 e 50 hectares (IBGE, 2017),
contribuindo ao mercado de produtos agroalimentares em pequenos
e em médios empreendimentos. Portanto, “a agricultura familiar é
reconhecida como importante ator social, responsável por parte
significativa das dinâmicas rurais e de grande relevância na
articulação rural-urbana, especialmente em Municípios menores”
(ALTAFIN, 2007, p. 21). Todavia, em que pese o reconhecimento
da agricultura familiar, ainda o país é carente de políticas públicas,
mecanismo imprescindível, com o escopo de efetivar os direitos
assegurados na Carta Magna, que por serem em sua grande maioria
normas de eficácia limitada, tratam-se de direitos “dependentes das
medidas tomadas pelo Estado para sua consumação”
(BARCELLOS, 2016, p. 133).
Nesse diapasão, com vistas a promover e apoiar estratégias de
incluir a diversidade de categorias e atividades da agricultura familiar
no processo que leva à sustentabilidade socioeconômica e ambiental
no meio rural, foi sancionada a Lei 12.188/2010 - Lei de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Lei de Ater), que institui a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER),
orientada pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (PRONATER). De acordo com o art. 2º, I, da Lei
de Ater, a orientação institucional e a ação extensionista, que
decorrem dos serviços de Ater, correspondem a um “serviço de
educação não formal, de caráter continuado”, tendo o profissional
extensionista como “um mediador de saberes e conhecimentos, um
agente impulsionador do desenvolvimento das comunidades rurais,
que influi também nas mudanças institucionais que são necessárias
nas entidades de Ater” (CAPORAL et al., 2006, p. 6). Destarte, a
PNATER foi elaborada a partir dos princípios do desenvolvimento
sustentável, incluindo as diversas categorias e atividades

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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desenvolvidas na agricultura familiar, com fomento à produção de


tecnologias e de conhecimentos apropriados.
Desse modo, o presente estudo tem como objetivo analisar
em que medida a PNATER pode ser utilizada como mecanismo de
impulsionamento e de fortalecimento de ações voltadas à promoção
do desenvolvimento rural sustentável através de assistência técnica e
extensão rural direcionadas à agricultura familiar brasileira. Para
responder ao problema de pesquisa, foi utilizado o trinômio de
metodologia, abordagem, procedimento e técnica. Como
abordagem, optou-se pelo método indutivo, a partir da análise
específica da PNATER para se chegar a uma conclusão generalizada
aplicável à agricultura familiar brasileira, utilizando o procedimento
de pesquisa bibliográfica, do tipo qualitativa (Godoy, 1995), e
também de pesquisa documental, através das técnicas de resumos,
fichamentos de artigos científicos e de análise de legislação.
Dada a importância da Ater enquanto instrumento de política
pública agrícola nacional para planejar e executar a assistência
técnica e a extensão rural, cuja competência está prevista
constitucionalmente no art. 187, caput, inciso IV, da Carta Magna,
ressalta-se que “o profissional da Ater, ao contrário do tradicional
difusor de tecnologias, deve ser um mediador e um facilitador de
processos de desenvolvimento, dando-se conta de que atua numa
realidade concreta da qual faz parte e sobre a qual tem influência”
(CAPORAL et al., 2006, p. 10), e, que conforme a PNATER, cabe à
Extensão Rural “estimular, animar e apoiar iniciativas de
desenvolvimento rural sustentável, que envolvam atividades
agrícolas e não agrícolas, pesqueiras, de extrativismo, e outras, tendo
como centro o fortalecimento da agricultura familiar, visando a
melhoria da qualidade de vida e adotando os princípios da
Agroecologia como eixo orientador das ações” (BRASIL, 2004).
Nesse viés, na lógica de que “o desafio do desenvolvimento
local é dar conta dessa complexidade, e não voltar as costas para

72
Francieli Iung Izolani; Marina Augusta Tauil Bernardo

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ela” (OLIVEIRA, 2001, p. 13), a PNATER sugere práticas


“mediante uso de metodologias participativas, devendo seus agentes
desempenhar um papel educativo, atuando como animadores e
facilitadores de processos de desenvolvimento rural sustentável”
(BRASIL, 2004). Em que pese o arcabouço jurídico favorável ao
desenvolvimento rural de maneira sustentável, há que se buscar uma
maior efetividade prática e à execução do PNATER para que se
alcance similar eficiência que o agronegócio nacional possui,
conquanto, embora seja um mecanismo, ainda tem alcance limitado,
o que poderia ser realizado a partir de planejamento participativo, de
forma a garantir a mobilização e a participação dos atores sociais
locais, segundo Callou (2007), em todas as etapas dos processos de
emancipação social e econômica, como sujeitos de mudança e do
desenvolvimento e, até mesmo, a disseminação de uma ecologia de
saberes (SANTOS, 2010), combinando o conhecimento científico
com a sabedoria dos povos tradicionais como a base para a nova
relação com a natureza, a fim de viabilizar o desenvolvimento rural
sustentável.

Referências
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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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partir do Agreste da Paraíba. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2002.

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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A INTERCONEXÃO ENTRE OS DIREITOS HUMANOS


E OS DIREITOS DA NATUREZA PARA A PROTEÇÃO
SOCIOAMBIENTAL: Uma análise a partir da decisão da
Corte Suprema de Justiça da Colômbia sobre a Floresta
Amazônica

Elisa Fiorini Beckhauser1

Durante os últimos séculos, a utilização predatória e


indiscriminada do meio ambiente pelos seres humanos, alicerçada
no antropocentrismo, conduziu a uma profunda crise
socioambiental que atinge os ciclos ecossistêmicos do planeta. A
partir da revolução, industrial, o sistema econômico mundial
dominante, euroamericano, baseou-se no conflito entre povos,
classes, e contra a natureza. Essa objetificação para exploração
econômica, conduzida a uma velocidade sem precedentes têm como
externalidades negativas as mudanças climáticas e os desastres
ambientais na Era do Antropoceno (CRUTZEN, 2005).
Nesse contexto de interpretação mecanicista e não sistêmica,
importante reforçar as interconexões entre os seres humanos e o
meio ambiente para a sustentabilidade ecológica, pois a humanidade
é um elemento-chave integrante da natureza, de modo que ambos
são interdependentes e devem coevoluir de forma harmônica para
um futuro comum.
Em efeito, as injustiças ligadas às alterações no clima pelas
ações antrópicas no Antropoceno incorreram em casos de litigância

1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de


Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) no projeto Direito Ambiental Brasileiro: desafios,
perspectivas, avanços e retrocessos - GPDA/UFSC. Integrante do Grupo de Pesquisa em
Direito Ambiental na Sociedade de Risco - GPDA/UFSC (CNPq), do Núcleo de Estudos em
Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (CONSTINTER/FURB) e da
Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) no projeto: o patrimônio comum
do constitucionalismo democrático e a contribuição da América Latina. E-mail:
elisafbeckhauser@hotmail.com

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Elisa Fiorini Beckhauser
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climática, nos quais se recorre ao sistema judiciário para solucionar,


ou ao menos mitigar, questões de mudanças do clima (SETZER;
CUNHA, FABBRI, 2019, p. 24). Tais demandas traduzem um
modelo de sociedade vigente com parâmetros reducionistas que
ignoram a complexidade do planeta e a vital relação com a espécie
humana.
Recentemente, a América Latina foi palco de um caso de
litigância climática, intentada pela juventude colombiana, que
ingressou com uma ação para analisar o desmatamento da
Amazônia e os impactos das emissões de gases de efeito estufa. A
alegação pautou-se na afetação dos direitos fundamentais e
coletivos, interligados entre si, vez que as mudanças climáticas
oriundas das atividades exploratórias alterariam as condições de
qualidade de vida, mormente das gerações futuras, privando-as de
um ambiente equilibrado (COLÔMBIA, 2018, p. 11).
A partir disto, considerando o cenário da pós-modernidade,
indaga-se: a interconexão entre os direitos humanos e o valor
intrínseco à natureza pode ser o elo para garantir a dignidade de
todas as formas de vida por meio da litigância climática? A hipótese
inicial é que os direitos humanos e os direitos da natureza podem
ser o elemento crucial na reaproximação entre a humanidade e o seu
entorno natural, pois a Terra é um ambiente sistêmico e as
problemáticas e injustiças associadas às mudanças climáticas estão
conectadas ao uso mecanicista e irrestrito da natureza. Essa
percepção enseja, contudo, rompimento com o paradigma
reducionista para a complexidade, restabelecendo a harmonia entre
humano-natureza e rejeitando-se o hegemônico posicionamento
egoísta para a estabilidade ambiental. Assim, objetiva-se demonstrar
como a vinculação entre os direitos humanos e os direitos da
natureza pode auxiliar para a construção da sustentabilidade
ecológica, levando-se em conta a atuação jurisdicional no caso da
Amazônia colombiana. Deste modo, os direitos humanos,

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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associados aos direitos intrínsecos à natureza, surgem como a


intersecção possível para restabelecer os níveis de resiliência da
Terra. Para isto, utilizou-se do método dialógico, observando o caso
específico a partir da coleta de dados de diferentes fontes
bibliográficas e perspectivas para a composição de um
conhecimento mais completo e plural.
Surgidos após a Segunda Grande Guerra, os direitos inerentes
à pessoa humana destinam-se a proteger a integridade física e
psicológica dos indivíduos, assegurando seu bem-estar com pautas
de igualdade, fraternidade e proibição de discriminações
(RODRIGUES in AVZARADEL; PAROLA, 2018, p. 177), sendo
um alicerce histórico na vanguarda das minorias, em questões de
gênero, etnia e sexualidade.
Os direitos da natureza, por sua vez, são fruto do
reconhecimento da relevância inerente ao ecossistema e ao planeta,
apartados da visão instrumental (MELO in GALLEGOS-ANDA;
FERNANDEZ, 2011, p. 139). A salvaguarda desses direitos
representa o respeito à existência e regeneração dos ciclos vitais e
processos ecossistêmicos estruturais, permitindo que os cidadãos
cobrem das autoridades públicas o respeito a esses direitos e
vinculando o Estado a uma atuação ambiental preventiva
(PECHARROMAN, 2018, 71).
Neste sentido, a Suprema Corte Colombiana entendeu que
direitos fundamentais como a vida, liberdade e dignidade estão
substancialmente interligados com o ecossistema, pois dele depende
a sobrevivência dos sujeitos, das gerações futuras e da própria
sociedade. Outrossim, asseverou-se que a exposição da natureza a
situações extremas impede a sua subsistência e esgota os recursos
naturais, agravando ainda mais a satisfação de necessidades básicas e
a subsistência das populações historicamente vulneráveis
(COLÔMBIA, 2018, p.11).

77
Elisa Fiorini Beckhauser
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Os limites ecológico-planetários foram matéria do último


relatório do IPCC, apontando os impactos agressivos das mudanças
climáticas, com projeção de aumento na temperatura planetária no
século XXI. Em virtude disso, espécies da fauna e da flora estão
sendo afetadas em seus habitats naturais, mudando de localização e
tamanho. Ademais, o clima a nível global sofre o processo de
mudança, com aumento de zonas áridas e secas, expondo os
ecossistemas a perturbações que danificam sua estrutura,
composição e funcionamento (IPCC, 2019, p. 18).
Deste modo, os impactos negativos à natureza implicam um
prejuízo aos direitos fundamentais, e o papel jurisdicional no Estado
Constitucional é reconhecer efetivamente esses direitos, orientados
pelos interesses coletivos e necessidades gerais, defendendo os
direitos humanos.
Então emerge o papel da hermenêutica ambiental, que deve
ser instrumento para minimizar os impactos da crise ecológica em
prol da sustentabilidade, por meio de um intérprete cujas pré-
compreensões levem em conta o movimento dialético do Direito
nas lides envolvendo litigância climática. Enfatiza-se a necessidade
de uma interpretação normativa atenta à técnica que, com suporte
principiológico pro ambiente (mínimo existencial ecológico e equidade
geracional e interespécie), conduza a respostas racionalmente
fundamentadas e à objetiva argumentação jurídica no processo
decisório envolvendo as demandas ambientais (MARMELSTEIN,
2008, p. 362).
Essa nova face hermenêutica, portanto, pode orientar –
sobretudo no âmbito jurisdicional – um viés ecológico do Direito,
chegando-se a decisões mais adequadas para o meio ambiente
quando, considerando a Ética da Terra, o ser humano torna-se
membro e cidadão de uma comunidade de partes interdependentes,
cuja integridade deve preservar, respeitando o direito do solo,

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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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plantas, água e animais a continuarem existindo em seu estado


natural (LEOPOLD, 1949, 203 in BOSSELMAN, 2017, p. 141).
O julgado enfatizou, ainda, a conexão direta que existe entre
os direitos ambientais das futuras gerações e o dever ético da
solidariedade interespécie, sendo emblemática por ter reconhecido o
valor intrínseco da natureza e o ser humano como parte do
ecossistema. A Corte determinou, assim, a construção de um pacto
intergeracional pela vida da Amazônia colombiana, visando diminuir
os índices de desflorestamento e de emissão de gases de efeito
estufa, com medidas preventivas, corretivas e pedagógicas para
adaptação das mudanças climáticas (COLÔMBIA, 2018, p. 49).
A decisão emoldura, portanto, aspectos que sinalizam o dever
de considerar o que antes era objeto como um sujeito de direitos: o
primeiro deles é o poder de instituir ações legais por seu próprio
pedido, o segundo refere-se ao fato de que a Corte considera o
prejuízo sofrido pelo sujeito ao determinar a concessão de reparação
legal, e o terceiro é que as medidas tomadas se revertem em
benefício desse próprio ente (STONE, 1972, p. 458).
Assim, conclui-se insuficiente uma posição tecnocrática para
garantir a salvaguarda do planeta, pois a sustentabilidade ambiental
requer planejamento e estratégias de desenvolvimento que respeitem
o meio ambiente desde o princípio, com uma participação
democrática e ecologicamente responsável nas decisões do Estado
(GUDYNAS, 2009, p. 91).
Além disso, a interconexão biocêntrica entre direitos
humanos e da natureza representa a intervenção do ser humano no
meio natural para suprir necessidades básicas, com uma distribuição
equitativa dos recursos (GUDYNAS in GALLEGOS-ANDA;
FERNANDÉZ, 2011, p. 101). Deste modo, a vida humana deve
estar em harmonia com seus congêneres, com a comunidade e com
a natureza, em um novo modelo de desenvolvimento sob a lógica da
equidade e igualdade, cuja chave será uma cidadania ativa (BRAVO;

79
Elisa Fiorini Beckhauser
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SALAZAR in GALLEGOS-ANDA; FERNANDEZ; 2011, p. 237).


Com efeito, a interlocução horizontal transforma as vigentes
estruturas econômico-sociais para que se tornem ecologicamente
responsáveis (RIECHMANN in GALLEGOS-ANDA;
FERNANDEZ, 2011, p. 360) sendo o único meio de poder exercer
plenamente o direito humano (ZSÖGÖN in GALLEGOS-ANDA;
FERNANDEZ, 2011. p. 143, p. 150).
Conclui-se, ainda, que a dimensão ecológica dos direitos
humanos considera as fontes ecológicas como um pré-requisito
fundamental para o bem-estar e um direito universal humano,
compreendendo o planeta como sistema complexo e interconectado
e limitando liberdades individuais, vez que são exercidas em um
contexto ecológico e social (BOSSELMANN in BUGGE; VOIGT,
2013. p. 83). Neste sentido, os direitos humanos pensados
ecologicamente tornam-se instrumento para mitigar os efeitos das
mudanças climáticas, bem como estratégia para assegurar direitos
relacionados à natureza.

Referências
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GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
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Elisa Fiorini Beckhauser
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82
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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ÉTICA SOCIOAMBIENTAL E A ETNOCONSERVAÇÃO:


Novos paradigmas para a análise dos direitos fundamentais
dos povos indígenas

Luciano Félix Florit1


Lucia Helena de Souza Martins2
Juliana Perdoncini Correia Hoffmann3

O resumo propõe como fio condutor da pesquisa a pergunta


“Poderão, a ética socioambiental e a etnoconservação, serem
consideradas um caminho viável para se pensar sobre novos
paradigmas para a análise dos direitos fundamentais dos povos
indígenas frente ao atual modelo de desenvolvimento? O objetivo
da pesquisa é propor uma reflexão sobre novos paradigmas para a
análise dos direitos fundamentais dos povos indígenas frente ao
atual modelo de desenvolvimento”. A metodologia utilizada foi a
analética que propõe que a análise do objeto se dê a partir da
exterioridade. A América Latina, historicamente, vive sob um
processo de exploração dos povos e comunidades tradicionais e,
consequentemente, da natureza. No entanto, na Modernidade, a
Europa superou as demais culturas em função da sua racionalidade.
Como verdade incontestável, a Europa impôs-se mundialmente,

1 Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional -


PPGDR/FURB. Líder do Grupo de pesquisas Interdisciplinar em Pesquisas Socioambientais
(Grupo Ipê), Professor do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais. Pós-doutorado em
Antropologia na UFMG, Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul – UFRGS, com doutoramento sanduiche na University of Nottingham, Graduado em
Sociologia pela Universidade de Buenos Aires, lucianoflorit@gmail.com.
2 Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, advogada, mestre e

doutoranda em Desenvolvimento Regional no Programa de Pós-graduação em


Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau (FURB),
lhsmartins24@hotmail.com.
3 Graduada em Direito pela Universidade do Contestado -UNC. Advogada especialista em

Direito Processual Civil pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI e Direito Público
Universidade Regional de Blumenau – FURB. Mestranda em Desenvolvimento Regional no
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional pela Regional de Blumenau
(FURB), jpc_advocacia@hotmail.com.

83
Luciano Félix Florit; Lucia Helena de Souza Martins;
Juliana Perdoncini Correia Hoffmann
-------------------------------------------------------------------------------------------------

sendo que este processo foi fruto da superioridade acumulada na


Idade Média e pela conquista, colonização e integração da
Ameríndia. A Europa constitui a Modernidade no “paradigma
eurocêntrico”, ou seja, o “sistema-mundo” como a relação centro-
periferia (DUSSEL, 2012). O modelo eurocêntrico tem como base a
ética antropocêntrica e dela decorre a organização socioeconômica
baseada na racionalidade instrumental. Os povos indígenas pautam-
se num modo de vida cuja relação com a natureza é mais equitativa
do que a relação estabelecida pelos povos urbanos-industriais. A
atuação do Poder Público vem corroborando para um lamentável
retrocesso na história das conquistas indígenas. O novo
conservacionismo proposto por Diegues (2000), conhecido como
etnoconservação, deve ter em sua base o ecologismo social e os
movimentos sociais do Terceiro Mundo, que começam a surgir em
vários países como a Índia, o Zimbábue, o Brasil, entre outros.
Esses movimentos enfatizam, assim como o novo naturalismo, “[...]
a necessidade de se construir uma nova aliança entre o homem e a
natureza”, que terá como base, dentre outras coisas, “[...] a
importância das comunidades tradicionais indígenas e não indígenas
na conservação das matas e outros ecossistemas presentes nos
territórios em que habitam.”. O conhecimento e as práticas de
manejo dessas populações deveriam constituir um dos pilares de um
novo conservacionismo nos países do Sul (DIEGUES, 2000, p. 41).
Para o etnocientista, o manejo é realizado também pelas populações
tradicionais indígenas e não indígenas, o que implica na manipulação
de componentes inorgânicos ou orgânicos do meio ambiente,
trazendo consigo uma diversidade ambiental líquida maior que a
existente nas chamadas condições naturais primitivas onde não
existe presença humana (DIEGUES, 2000, p. 33-38). A vida dos
povos indígenas está diretamente ligada ao território. A natureza é
essencial e integra do conceito de dignidade humana desses povos.
A cultura desses povos está diretamente vinculada a ideia de viver

84
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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em equilíbrio com a natureza, sendo que eles tiveram os direitos à


cultura e ao território assegurados na CRFB/1988. Os povos
indígenas têm o reconhecimento da sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, bem como aos direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231,
caput). O fato é que não se observa a efetividade desses direitos, o
que se desalinha completamente do princípio da dignidade da
pessoa humana, cláusula pétrea prevista em nossa constituição. O
abalo a esses povos é reiterado e, ao contrário do esperado, vive-se
um momento de retrocesso. O avanço esperado com relação ao
direito à vida digna para todos os seres viventes continua à margem
dos diálogos do estado brasileiro. E, neste caso, trata-se de pensar
no valor do ser em si mesmo e não apenas na preservação das
espécies. Na defesa de uma ética socioambiental ele registra que é
premente pensar na consideração moral a todos os seres viventes e
o faz sustentando que povos tradicionais e originários apresentam
modos de vida que reconhecem a valoração da natureza por uma
racionalidade distinta da racionalidade instrumental (FLORIT,
2019). Os povos originários vivem uma constante interferência
advinda dos povos urbanos-industriais e, para tanto, necessitam
equilibrar o seu modo de vida com o modo de vida desses povos. A
cultura do seu povo permanece viva e é transferida aos mais jovens
pelo costume e pelo diálogo na aldeia, essencialmente na casa de
reza. Contudo, eles precisam ser visibilizados dentro do contexto
dos povos urbanos-industriais. Os processos de reificações[1] pela
qual passa a questão indígena precisam ser compreendidos em
função da identidade étnica que os envolve e pelos impactos dessas
análises nas políticas públicas voltadas a eles e a humanidade
(CUNHA, 1994). Considerando que a ética socioambiental propõe
que o desenvolvimento seja pautado num modelo que respeito o
modo de vida e seja mais equitativo com todos os seres, propõe-se
que o avanço no diálogo entre Estado, comunidade urbano-

85
Luciano Félix Florit; Lucia Helena de Souza Martins;
Juliana Perdoncini Correia Hoffmann
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industrial e povos indígenas avance pelo caminho de uma


comunicação efetiva. É preciso que os direitos fundamentais
estabelecidos em nossa constituição sejam de fato respeitados. A
eficácia social da norma é uma necessidade premente. O pluralismo
jurídico propõe a horizontalidade das normas, sob um viés
interdisciplinar, expressando dimensões históricas, sociológicas,
políticas, filosóficas, econômicas, dentre outras. A
interdisciplinaridade impede a delimitação estanque e rígida dos
diferentes saberes na análise do referencial teórico nuclear
(WOLKMER, 2001). A ética ambiental vincula a conservação da
diversidade biológica do planeta ao respeito à heterogeneidade
étnica e cultural da espécie humana. O respeito à diversidade étnica,
além de seu valor humano intrínseco, tem implicações para as
estratégias de apropriação e manejo dos recursos naturais. A
estrutura social e as práticas de produção dos povos tradicionais
indígenas estão intimamente relacionadas com processos simbólicos
e religiosos que estabelecem um sistema de crenças e saberes sobre
os elementos da natureza que se traduzem em normas sociais sobre
o acesso e uso dos recursos. (LEFF, 2001). Avançar com os
diálogos sobre a baixa eficácia social dos direitos fundamentais dos
povos indígenas é fundamental e, para tanto, será preciso repensar
sobre os paradigmas que embasam as normas ambientais,
desprezando a importância desses povos para a própria conservação
do meio ambiente. Propõe-se que essa mudança seja feita pelo
caminho da ética socioambiental e os estudos da etnoconservação.

Referências
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acesso em: 25 ago. 2019.

86
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
-------------------------------------------------------------------------------------------------

CUNHA, M. C. O futuro da questão indígena, Estudos Avançados, v.8, n.20, São


Paulo, jan./apr. 1994. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40141994000100016. Acesso em: 13 ago. 2019.
DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Núcleo de
Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras (Hucitec),
USP, 2000a.
DUSSEL, E. Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2012.
FLORIT, L. F. Ética ambiental ocidental e os direitos da natureza. Contribuições e
limites para uma ética socioambiental na América Latina. Revista Pensamiento Actual,
v. 17, n. 28, 2017. ISSN Impresso: 1409-0112 / ISSN Electrónico: 2215-358.
Disponível em: https://revistas.ucr.ac.cr/index.php/pensamiento-
actual/article/view/29550/29651. Acesso em: 02 ago. 2019.
LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.
Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2001.
WOLKMER, A. C. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito.
São Paulo: Alfa Omega, 2001.
WOLKMER, A. C. (Org.). Direito e justiça na América indígena: da conquista à
colonização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

[1] Reificações, segundo Cunha (1994), são os processos pelo qual passam os traços
culturais indígenas. Um mesmo elemento pode ter signos distintos a partir do olhar
que é visto, como ela exemplifica, usar um cocar durante um ritual indígena na
aldeia tem um significado distinto daquele que ganhou ao ser usado por uma
liderança indígena durante uma coletiva de imprensa para reivindicar direitos na
Assembleia Nacional Constituinte em 1988.

87
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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O EMPREENDEDORISMO SOCIAL E A
SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

Lucas Gabriel Luchetta da Fonseca1

O presente estudo, de caráter exploratório e descritivo, tem


como o objetivo de compreender como os empreendimentos sociais
no Brasil contribuem para o desenvolvimento socioambiental e se
propõe a discutir as possíveis intersecções entre Sustentabilidade
Socioambiental, o Desenvolvimento Social e o Empreendedorismo
Social. Parte-se do pressuposto de que as práticas e os conceitos que
os temas encerram são extremamente próximos em suas finalidades,
buscando responder a uma mesma questão: como o
empreendedorismo social pode contribuir para promover
transformações socioeconômicas que assegurem igualdade no
acesso de todos os cidadãos a boas e sustentáveis condições de vida?
O empreendedorismo social tem adquirido evidência e destaque no
âmbito da produção acadêmica e, principalmente, das práticas
organizacionais contemporâneas, no chamado setor dois e meio
(Termo inspirado no modelo de negócio criado pelo Prêmio Nobel
da Paz Mohamed Yunus do Grameen Bank. Setor composto pelas
empresas sociais que ajudam a reduzir a pobreza no mundo), por se
constituir em mais uma alternativa de combate à pobreza e à
exclusão social, e de promoção do desenvolvimento social e da
sustentabilidade socioambiental.
O desenvolvimento social vem sendo debatido desde o
século XX, se tornando um tema extremamente relevante, e, uma
diversidade de acontecimentos vêm a marcar este momento da
história. Um dos principais acontecimentos, resultando na mudança
do capitalismo moderno, é a discussão que se consolidou em torno

1 Universidade Regional de Blumenau, lfons@furb.br.

88
Lucas Gabriel Luchetta da Fonseca

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do Desenvolvimento Sustentável, com essas circunstâncias


históricas o debate da sustentabilidade foi elevado a um novo
patamar nas agendas globais e nacionais, muitas vezes, tornando-se
prioridade entre os programas de desenvolvimento, fomentados,
tanto pelo poder público bem como a iniciativa privada
(OLIVEIRA, 2003). Entre os objetivos principais de uma
organização com cunho social é o ideal de justiça, considerando as
desigualdades que existem na sociedade, e diante do acelerado
processo de globalização, sua fundamentação é essencial. Ao mesmo
tempo ocorre uma contradição, pois, com o aumento sem
precedentes da produção de bens, da inovação e da capacidade de
comunicação, causa o desequilíbrio das relações entre as pessoas e
entre os países, ameaçando a sustentabilidade social, política,
econômica e cultural (ZAMBAM, 2009).
Desta forma, é que considero o objeto de investigação, o
surgimento, significado e caracterização do empreendedorismo
social como um fenômeno que surge em meio a este contexto de
quebra de paradigma, por um lado, há os impactos da globalização;
por outro as ações de enfrentamento da pobreza e da
sustentabilidade socioambiental. Na medida em que o debate e o
pensamento sobre o desenvolvimento social eram enriquecidos por
contribuições das ciências econômicas, sociais e políticas,
experiências práticas de soluções para problemas sociais foram
concebidas, testadas e implantadas diretamente por atores da
sociedade civil, dando corpo ao fenômeno do Empreendedorismo
Social. São iniciativas, programas e organizações criados
principalmente para lidar com necessidades sociais complexas,
através de ações que têm como objetivo principal a geração de valor
social para um dado grupo de pessoas, uma dada comunidade ou
um dado território.
Esses empreendimentos têm experimentado crescente
visibilidade desde a última década do século XX. Pode-se dizer que

89
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
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estamos vivendo um ponto de virada histórica, em um mundo que


vem sendo definido pela repetição do trabalho, estamos sendo
definidos pela mudança. Há pelo menos trezentos anos a taxa de
mudança através da globalização e a inovação tecnológica vêm
diminuindo barreiras e permitindo uma nova forma de se fazer a
economia (DRAYTON, 2019).
Atualmente estes empreendimentos podem ser facilmente
identificados em todos os continentes, operando nas mais diversas
realidades e buscando soluções para uma ampla gama de problemas
sociais, que vão desde a erradicação da miséria até a defesa de
direitos difusos, inclusive a sustentabilidade ambiental do planeta e a
redução da desigualdade socioeconômica no mundo. Estão na
constante missão da sustentabilidade financeira da organização e por
isso são fomentados por recursos financeiros do setor público e da
iniciativa privada, bem como de fundações e institutos privados com
finalidades públicas, e buscam gerar receita financeira através de
suas próprias atividades e da ação coletiva, movimentando parcela
significativa de recursos nas economias locais e nacionais, além de
promoverem a geração de emprego e renda. Atualmente nossa
economia consome os recursos de quase dois planetas, ou seja, nós
usamos duas vezes a capacidade de regeneração do planeta terra. E
isso é apenas a média. Nos Estados Unidos, por exemplo, o
consumo atual ultrapassou cinco planetas. A divisão social pode ser
resumida por outro número: Oito. Oito bilionários possuem até
metade da riqueza da humanidade combinada. Um pequeno grupo
de pessoas que você pode colocar em uma minivan possui mais do
que a “metade inferior” da população mundial: quatro bilhões de
pessoas.
A divisão da humanidade pode ser resumida pelo número 800
mil. Mais de 800 mil pessoas por ano cometem suicídio - um
número que é maior do que a soma de pessoas que são mortas por
guerra, assassinato e desastres naturais combinados. A cada quarenta

90
Lucas Gabriel Luchetta da Fonseca

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segundos há um suicídio. Em essência, estamos criando


coletivamente resultados que (quase) ninguém quer. Estes resultados
incluem a perda da natureza, a perda da sociedade e a perda do ser
humano (SCHARMER, 2014). De acordo com Bill Drayton,
fundador da Ashoka, organização pioneira no campo da inovação
social e no apoio aos empreendedores sociais, oitenta por cento dos
três mil e quinhentos empreendedores apoiados por aquela
instituição mudaram alguma política nacional nos últimos dez anos e
oitenta e sete por cento têm mudado o padrão nacional no seu
campo de atuação (DRAYTON, 2010).
Esses dados sugerem a importância da realização de pesquisas
exploratórias neste campo. São raros os estudos brasileiros que
procuram identificar as relações entre as atividades executadas
através de empreendimentos sociais e o desenvolvimento
socioambiental. Portanto, visando aprofundar essas reflexões e
trazer elementos que contribuam para a constituição de um quadro
teórico sobre o tema, fundamenta-se esse estudo para investigar se
empreendedorismo social pode contribuir para promover
transformações socioeconômicas que assegurem igualdade no
acesso de todos os cidadãos a boas e sustentáveis condições de vida.
Este problema insere o estudo em uma perspectiva que busca
chegar a contribuições teóricas que complementam as teorias
existentes sobre Empreendedorismo Social e Desenvolvimento
Socioambiental, e suas intersecções.

Referências
ARTEMÍSIA. O que são negócios sociais? Disponível em:
http://www.artemisia.org.br/entenda_o_conceito.php. Acesso em: 20 jul. 2019.
ASHOKA. Empreendedorismo Social. Disponível em:
http://www.ashoka.org.br/visao/empreendedorismosocial/. Acesso em: 20 jul.
2019.

91
GRUPO DE TRABALHO 2: Desenvolvimento, cidadania e
sustentabilidade socioambiental
------------------------------------------------------------------------------------------------

DRAYTON, B. Tipping the world: The power of collaborative entrepreneurship.


McKinsey&Company, 2010. Disponível em:
http://www.mckinseyquarterly.com/spContent/2010_04_07.html. Acesso em: 20
jul. 2019.
FARFUS, D. Empreendedorismo social e desenvolvimento local: um estudo de caso no
SESI Paraná. Curitiba, 2008. Dissertação (Mestrado). Centro Universitário
Franciscano do Paraná – UNIFAE, Curitiba, 2008.
JACKSON, T. Prosperity without Growth? The transition to a sustainable
economy. Sustainable Development Commission, 2009.
LIMA, J. L. S. Empreendedorismo social: uma perspectiva de cidadania social e uma
alternativa de trabalho e renda nos espaços populares. Rio de Janeiro, 2008.
Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.
NASCIMENTO, E. P. Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social, do
social ao econômico. Revista da USP Estudos avançados, v. 26 n. 74, 2012. Disponível
em: http://revista usp.be. Acesso em: 22 jun. 2019.
SCHARMER, O. Liderar a partir do futuro que emerge. A evolução do sistema
econômico egocêntrico para o ecocêntrico. Como aplicar a Teoria U para
contribuir com a transformação de indivíduos, organizações e sociedades. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2014

92
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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CONSTITUIÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL NOS


PAÍSES LUSÓFONOS: Resultados parciais da análise das
Constituições de Angola e Cabo Verde

Artur Bernardo Milchert1


Maria Júlia Tonet Chicato2
Milena Petters Melo3

A constitucionalização da proteção ambiental se apresenta


como uma das tendências principais do constitucionalismo
contemporâneo (MELO; BURCKHART, 2016), tendo em vista a
importância política que a questão ambiental assumiu nas últimas
décadas. Em efeito, cresce em relevância o estudo do Direito
Constitucional Ambiental como matéria científica que coloca
grandes desafios para os juristas e operadores do Direito. No
Brasil grandes juristas como José Afonso da Silva (SILVA, 2013),
Ingo Wolfgang Sarlet (SARLET, 2017), José Rubens Morato Leite
(CANOTILHO; LEITE, 2015) tem reunido esforços para a
compreensão desta disciplina. Na área lusófona, uma obra de
referência é “Direito Constitucional Ambiental Brasileiro”, uma
coletânea organizada pelos Professores José Joaquim Gomes
Canotilho e José Rubens Morato Leite (CANOTILHO; LEITE,
2015) em que analisam as aquisições evolutivas do
constitucionalismo ambientalista no Brasil e em Portugal.

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), Pesquisador do CONSTINTER, Bolsista


PIPE/artigo 170 Projeto SIPEX 104/2019 “Constituição e Proteção Ambiental nos Países
Lusófonos”, arturmilchert@hotmail.com.
2 Universidade Regional de Blumenau (FURB), Pesquisador do CONSTINTER, Bolsista

PIPE/artigo 170 Projeto SIPEX 104/2019 “Constituição e Proteção Ambiental nos Países
Lusófonos”, mariajuliachiacto@gmail.com.
3 Professora Titular de Direito Constitucional e Sustentabilidade Socioambiental Universidade

Refional de Blumenau – FURB. Coordenadora para a Àrea Lusófona do Centro Euro-


Americano sobre Políticas Constitucionais – CEDEUAM (UNISALENTO, Itália).
Coordenadora do Núelceo de Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e
Cooperação, CONSTINTER/ FURB, milenapetters@furb.br.

93
Artur Bernardo Milchert; Maria Júlia Tonet Chicato; Milena Petters Melo

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No estudo das políticas constitucionais, a comparação


constitucional é fundamental para compreender as aquisições
evolutivas e as sedimentações de sentido das categorias
operacionais centrais do constitucionalismo contemporâneo
(MELO; CARDUCCI, 2016). Na era da intensificação das relações
internacionais e das tensões interculturais, a cooperação
internacional ganha particular relevância, especialmente no âmbito
científico e político-cultural, para a compreensão dos paradoxos
dos direitos humanos e da proteção ambiental, bem como para a
efetiva proteção dos direitos englobados no conceito de
sustentabilidade socioambiental (MELO, 2011). Considerando os
diferentes níveis de proteção de direitos fundamentais em que se
desenvolve o constitucionalismo contemporâneo, o chamado
“constitutionalism multilevel” (PERNICE, 2015) ou
“transconstitucionalismo” (NEVES, 2009) o conhecimento
recíproco e a comparação constitucional se revelam sempre mais
necessários. No que tange a proteção ambiental, além de questões
que se colocam ao conjunto de povos e nações no contexto global
(MELO, 2011), como as mudanças climáticas ou a proteção dos
bens comuns e patrimônio natural da humanidade por exemplo,
muitos problemas e dilemas se impõem frequentemente de modo
transfronteiriço e é também por isso que acordos semânticos e
políticos sobre a tutela jurídica do ambiente são sempre mais
imprescindíveis. Do que decorre a relevância do estudo da
constitucionalização da proteção ambiental em chave
comparatista.
O estudo da proteção ambiental nas constituições dos
países lusófonos, por isso, pode ajudar na cooperação
internacional desta comunidade, que, unida pela língua e pela
história, pode fortalecer também a interação para a proteção de
interesses comuns na salvaguarda do ambiente. Nessa direção, o
presente trabalho tem como objetivo apresentar resultados parciais

94
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
------------------------------------------------------------------------------------------------

do projeto de pesquisa que analisa as relações entre Constituição e


proteção ambiental na comunidade lusófona, e mais
especificamente nos seguintes países: Angola, Cabo Verde,
Moçambique e Portugal. O problema focalizado nesta pesquisa se
relaciona com o seguinte questionamento: existe um acordo
semântico sobre a proteção constitucional do ambiente nos países
lusófonos? Neste primeiro momento, a pesquisa, em andamento,
objetiva explorar a Constituição da República de Angola e a
Constituição da República de Cabo Verde afim de sedimentar a
posição que a proteção ambiental passou a caracterizar no
constitucionalismo contemporâneo e na hodierna Teoria da
Constituição e provocar a reflexão, respondendo às seguintes
questões: 1. As Constituições dos países lusófonos, em especial a
Constituição da República de Angola e a Constituição da
República de Cabo Verde, contribuem para a compreensão da
proteção do meio ambiente como princípio constitucional
fundamental? 2. Como estas Constituições disciplinam a proteção
do meio-ambiente e dos recursos naturais? 3. A proteção
ambiental figura dentre os direitos fundamentais? 4. Estas
Constituições relacionam a proteção ambiental com os direitos
humanos? 5. Estas Constituições contemplam uma visão
antropocêntrica da tutela do ambiente ou, em compasso com as
tendências mais recentes do constitucionalismo, compreendem ou
podem comportar uma visão biocêntrica?
Utilizando o método comparatístico ou comparativo, a
pesquisa focaliza o estudo dos textos constitucionais, a partir do
eixo temático principal, proteção do meio-ambiente, e respectivas
categorias operacionais (como a ex. “sustentabilidade”, “recursos
naturais”, “valor ambiental”) identificadas, nas suas estratificações
de sentido, dentro da especificidade dos textos constitucionais de
Angola e Cabo Verde. O estudo dos textos constitucionais é
complementado com pesquisa bibliográfica e de documentos.

95
Artur Bernardo Milchert; Maria Júlia Tonet Chicato; Milena Petters Melo

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Seguindo a doutrina sedimentada na “nova hermenêutica


constitucional” afirmada na segunda metade do século passado, a
pesquisa empreende a comparação constitucional a partir da
compreensão da Constituição 1. Qual documento escrito voltado
para a racionalização do poder e proteção de direitos
(CANOTILHO, 1998) bem como: 2. Documento normativo, nas
relações de condicionamento recíproco entre norma e realidade,
entre “ser” e “dever ser” constitucional (HESSE, 1991); 3.
Produto cultural, não apenas texto jurídico ou obra normativa,
expressão do grau do desenvolvimento cultural e instrumento de
representação cultural do povo, espelho da sua herança cultural e
fundamento das relativas esperanças (HÄBERLE, 2000). A
pesquisa também parte da compreensão de que a
constitucionalização da proteção ambiental se relaciona com a
abertura das constituições e do constitucionalismo a novos direitos
e novos sujeitos de direito.
Dentre os resultados parciais, pode-se destacar que, no que
toca a Constituição de Angola, através destas pesquisas
documentais foi possível perceber que existe, sim, preocupação
com as questões ambientais e que o texto constitucional angolano
contempla esta temática em diversos dispositivos. Por isso,
observa-se na presente análise, e se destaca na pesquisa, que a
evolução da história constitucional angolana e mundial, e a relação
entre texto e contexto social em Angola, foram fundamentais para
a sensibilização para o problema e sedimentação do conteúdo
concernente à proteção ambiental, trazendo um status
constitucional a esta moderna visão a respeito do meio ambiente.
No estudo da Constituição da República de Cabo Verde e da Lei
de Bases do Ambiente neste país, foi possível observar e destacar
nestes documentos normativos disposições a respeito dos direitos
e deveres dos cidadãos e do Estado em relação à proteção do
ambiente. Cumpre ressaltar que a preocupação com o ambiente

96
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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em Cabo Verde originou-se dos diversos problemas climáticos e


geográficos inerentes ao território, onde a realidade demonstrou a
necessidade da implantação de medidas políticas, sociais e jurídicas
para a proteção e a preservação ambiental. Assim, após a
independência do país, iniciou-se a implementação das primeiras
medidas de proteção do ambiente, tendo como ápice a atual
Constituição, que constitucionalizou os direitos e os deveres da
sociedade e do Estado para com o ambiente. A Constituição de
Cabo Verde estabelece como dever do Estado “Proteger a
paisagem, a natureza os recursos naturais e o meio ambiente, bem
como o património histórico-cultural e artístico nacional”.
O artigo referente ao dever para com a nação e a
comunidade estabelece que os cidadãos devem “defender e
promover a saúde, o ambiente e o património cultural”. Além de
deveres, protege-se o direito de todos terem um ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado, incumbindo aos poderes públicos
elaborar políticas de defesa, preservação e promoção do
aproveitamento racional dos recursos naturais, bem como
promover a educação ambiental, a valorização do ambiente e a luta
contra a desertificação e a seca (problemas climáticos recorrentes
no território).

Referências
ALEXANDRINO, J. M. O Novo Constitucionalismo Angolano. Lisboa: Instituto de
Ciências Jurídico-Políticas, 2013.
ALVES JR., L. C. M. O Sistema Constitucional dos Países Lusófonos. Revista da
Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 59, p. 193-240, jul./dez. 2011.
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http://www.tribunalconstitucional.ao/uploads/%7B9555c6
35-8d7c-4ea1-b7f9-0cd33d08ea40%7D.pdf. Acesso em: 09 fev. 2019.
CABO VERDE. Constituição da República de Cabo Verde (1992). Disponível em:
http://www.parlamento.cv/e-cidadao/leis/CR.pdf. Acesso em: 09 fev. 2019.

97
Artur Bernardo Milchert; Maria Júlia Tonet Chicato; Milena Petters Melo

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CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:


Almedina, 1998.
CANOTILHO, J. J. G; LEITE, J. R. M. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 6.
ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
HESSE, K. A Forca Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Fabris, 1991.
HÄBERLE, P. Teoria de la Constitución como ciência de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000.
MELO, M. P. Cultural Heritage preservation and environmental sustainability:
sustainable development, human rights and citizenship. In: Klaus Mathis (ed.),
Efficiency, Sustainability, and Justice to Future Generations. New York: Springer, 2011.
MELO, M. P.; CARDUCCI, M.; SPAREMBERGER, R. F. L. Políticas constitucionais
e sociedade: direitos humanos, bioética, produção do conhecimento e diversidades.
Curitiba: Prismas, 2016.
MELO, M. P.; BURCKHART, T. R. Constitucionalismo e Meio ambiente: Os
Novos Paradigmas do Direito Constitucional Ambiental no Equador, Bolívia E
Islândia. In: Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia
Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2016, v. 8, n. 14, Jan./Jun. p. 175-193.
NEVES, M. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
PERNICE, I W. Multilevel Constitutionalism and the Crisis of Democracy in
Europe. European Constitutional Law Review. Cambridge University Press, 2015.
Disponível em: https://doi.org/10.1017/S1574019615000279. Acesso em: 09 fev.
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PINTO, J. F. Da CPLP à Comunidade Lusófona: o futuro da lusofonia. Revista
Angolana de Sociologia [Online], n. 7, 2011, pp. 107-118.
SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito Constitucional Ambiental.
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dos Tribunais, 2017.
SILVA, J. A. da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2013.

98
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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O TRATAMENTO JURÍDICO DOS MIGRANTES NO


NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO:
Uma comparação entre Brasil, Bolívia e Equador

Leura Dalla Riva1

Juntamente com o processo de globalização das relações


humanas verifica-se o crescimento progressivo dos índices de
deslocamento humano. Nesse contexto, os fluxos migratórios
passam a ser um importante fator de transformação do mundo
contemporâneo, tendo em vista que proporcionam mudanças
econômicas, sociais, políticas e culturais, sendo, portanto, essencial
para a formação de uma sociedade plural. Paralelamente, o novo
milênio também restou marcado pelo advento de novas
Constituições, bem como novas legislações infraconstitucionais
regulando os movimentos migratórios, a exemplo da Lei n.
13.445/2017 (lei de migração) que parece ter superado alguns
paradigmas de segurança nacional do antigo Estatuto do Estrangeiro
de 1980 (Lei 6.815/80).
Nesse cenário, questiona-se como as novas Constituições
latino-americanas, em comparação com a Constituição brasileira de
1988, lidam com os não-nacionais, isto é, se possuem uma visão do
estrangeiro baseada na segurança nacional ou reconhecem o
migrante como um sujeito e o direito a migrar como um direito
humano? Os exemplos acima citados evidenciam a atualidade e
relevância teórica da pesquisa que tem como objetivo averiguar
como o novo constitucionalismo latino-americano encara as
migrações, tendo como objetivo verificar se o modelo de Estado
plurinacional reconhece o migrante como sujeito capaz de participar

1 Doutoranda em Diritto Comparato e Processi di Integrazione pela Università degli studi


della Campania Luigi Vanvitelli (UNICAMPANIA, Itália), mestre em Direito (UFSM),
especialista em direito ambiental e sustentabilidade (FAEL). Pesquisadora
CONSTINTER/FURB, leura-d@hotmail.com.

99
Leura Dalla Riva

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na vida política e o direito de migrar como um direito humano. Para


responder ao problema proposto, o trabalho realizado adotou o
método comparatístico e o procedimento de pesquisa bibliográfica e
de análise de documento, dividindo-se em três etapas.
Num primeiro momento, o artigo apresenta o tratamento
jurídico dispensado aos migrantes pelo ordenamento jurídico
brasileiro, tendo em vista o modelo humanista inaugurado pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/1988) que impôs a adequação de todo o ordenamento
jurídico aos novos paradigmas de proteção dos direitos humanos e
valorização da dignidade humana (artigos 1º, III e 3º, IV). Não
obstante, o texto constitucional brasileiro ainda reforça no caput do
art. 5º que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”. Em seguida, apresenta extenso rol de
direitos fundamentais titularizados por nacionais e estrangeiros
residentes no país. Controvérsias surgem, contudo, no que diz
respeito à interpretação do dispositivo constitucional, em especial
quanto ao sentido do termo “residentes” (BRASIL, 1988).
Este trabalho adota o posicionamento segundo o qual os
migrantes no país, assim como os nacionais, simplesmente por
serem seres humanos cuja dignidade merece proteção, têm
garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB) direitos fundamentais. Trata-se de entendimento firmado
do próprio Supremo Tribunal Federal, conforme voto do Ministro
Celso de Melo do Supremo Tribunal Federal no habeas-corpus n.
94016 MC/SP, segundo o qual a condição jurídica do estrangeiro
não domiciliado no Brasil não o desqualifica como sujeito de
direitos (BRASIL, 2008).
Em seguida, abordam-se as novas Constituições latino-
americanas da Constituições de Venezuela (1999), Equador (2008) e

100
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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Bolívia (2009), dando início ao movimento que passou a ser


nomeado por alguns autores como “novo constitucionalismo latino-
americano” ou “constitucionalismo andino”. Partindo do
constitucionalismo clássico europeu e comprometidas com o
processo de descolonização, , essas novas Constituições refundaram
a noção de Estado e de “soberania popular” através da valorização
do pluralismo cultural e multiétnico, da inclusão social e da
participação política, da proteção e da sustentabilidade
socioambiental, da diversidade histórico-cultural e do
desenvolvimento sustentável, além de visar o equilíbrio do uso dos
recursos econômicos e ambientais num modelo socioeconômico
voltado a uma melhor qualidade de vida, ou seja, ao bien vivir, ou
sumak kawsay (Constituição do Equador) e suma qamaña
(Constituição da Bolívia) (MELO, 2013). Surge então o Estado de
Bem Viver que se baseia numa sociedade onde os seres humanos
são vistos como parte da natureza e apresenta como uma de suas
consequências mais notáveis o reconhecimento dessa natureza
como sujeito de direitos (Pachamama), na Constituição do Equador
(2008).
A Constituição do Equador de 2008, em seu art. 9º, dispõe
que “Las personas extranjeras que se encuentren en el territorio ecuatoriano
tendrán los mismos derechos y deberes que las ecuatorianas, de acuerdo con la
Constitución”. Mais adiante, contudo, consagra o direito a migrar
como um direito humano ao dispor que “Se reconoce a las personas el
derecho a migrar. No se identificará ni se considerará a ningún ser humano como
ilegal por su condición migratoria" (art. 40). No capítulo destinado aos direitos
de participação política, prevê que “Las personas extranjeras gozarán de estos
derechos en lo que les sea aplicable” (art. 61) e que “Las personas extranjeras
residentes en el Ecuador tienen derecho al voto siempre que hayan residido
legalmente en el país al menos cinco años” (art. 63).Como limitações
estabelecidas pelo texto constitucional equatoriano vale mencionar o
dispositivo 405 que determina que as pessoas naturais ou jurídicas

101
Leura Dalla Riva

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estrangeiras não poderão adquirir nenhum título, terras ou


concessões em áreas de segurança nacional ou áreas protegidas, de
acordo com a lei (EQUADOR, 2008).
A Constituição da Bolívia de 2009, assim como o novo texto
constitucional equatoriano, refundou o Estado boliviano como um
Estado social, plurinacional, comunitário, democrático e
intercultural que “se funda en la pluralidad y el pluralismo político,
económico, jurídico, cultural y lingüístico, dentro del proceso integrador del país”.
O texto constitucional boliviano establece que “Las extranjeras y los
extranjeros en el territorio boliviano tienen los derechos y deben cumplir los
deberes establecidos en la Constitución, salvo las restricciones que ésta contenga”
(art. 14). No que tange aos direitos de participação política, a
Constituição boliviana determina que os estrangeiros têm direito ao
sufrágio em eleições municipais, nos termos da lei, aplicando
princípios de reciprocidade internacional (art. 27) (BOLÍVIA, 2009).
Por fim, comparam-se o tratamento dado por esses três
textos constitucionais aos não-nacionais. Pôde-se observar os
avanços realizados pelos textos andinos, sobretudo no que diz
respeito à consagração de um direito a migrar e o reconhecimento
de direitos de participação política aos migrantes. A análise realizada
também se mostra relevante porque possibilita reflexões acerca da
própria universalidade e efetividade dos direitos humanos,
sobretudo no que diz respeito ao direito a migrar, previsto na
Declaração Universal dos Direitos Humanos desde 1948 e que
parece ser ignorado pelos Estados. Ademais, frente às inúmeras
violações de direitos de migrantes noticiadas diariamente e tendo em
vista os inúmeros avanços realizados pelas Constituições andinas, é
preciso repensar as promessas que o processo de globalização não
efetivou e se o modelo de Estado atual sobrepõe o nacionalismo à
dignidade humana.
Quanto ao contexto brasileiro, pode-se observar que, em
descompasso com essa lógica humanitária, algumas normas

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GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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contrárias a princípios constitucionais permaneceram e permanecem


vigentes por muito tempo, a exemplo do antigo Estatuto do
Estrangeiro, finalmente revogado pela nova Lei de Migrações
brasileira (Lei n. 13.445/2017) que inovou em muitos aspectos no
que diz respeito à temática. A nova legislação brasileira, ao contrário
das constituições andinas e da legislação migratória argentina (um
dos marcos sobre o assunto na América do Sul), não reconhece o
direito a migrar como um direito humano e tampouco previu
hipóteses de exercício de direitos políticos por migrantes. Conclui-
se, destarte, que o Brasil, em comparação à Bolívia e ao Equador,
ainda possui aspectos a serem melhorados no que diz respeito ao
tratamento jurídico dos migrantes.

Referências
BOLÍVIA. Constituição da Bolívia. 2009. Disponível em:
https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf. Acesso em: 01 jul. 2019.
BRASIL. [Constituição de (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acesso em: 05 jul. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo n. 502. Brasília, 2008. Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo502.htm#tran
scricao1. Acesso em: 10 jul. 2018.
EQUADOR. Constituição do Equador. 2008. Disponível em:
https://www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/es/ec/ec030es.pdf. Acesso em: 01 jul.
2019.
MELO, Milena Petters. O patrimônio comum do constitucionalismo
contemporâneo e a virada biocêntrica do ‘novo’ constitucionalismo latino-
americano. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 18, n. 1, jan/abril 2013, Itajaí,
UNIVALI, p. 74-84. Disponível em:
http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/4485. Acesso em: 20
mar. 2018.

103
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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ETNODESENVOLVIMENTO E PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS TERRITORIAIS DE
POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA DO SUL:
Uma Análise Comparada

Thiago Burckhart1

As duas últimas décadas do século XX foram marcadas por


profundas transformações no constitucionalismo da América do Sul.
A superação de regimes políticos autoritários e o redesenho dos
modelos de desenvolvimento econômico nos países do
subcontinente foram alguns dos motivos que impulsionaram a
promulgação e/ou revisão de textos constitucionais, que confluíram
para a caracterização da “terceira onda” do constitucionalismo
regional (GARGARELLA, 2013). O mesmo período histórico
também fora marcado pelo fortalecimento do indigenismo e pela
emergência dos povos indígenas como novos atores políticos
(SIEDER, 2015). Tal engajamento político deu fundamento e
sustentação para a inclusão de suas reivindicações públicas nos
novos textos constitucionais, projetando-se como novos sujeitos de
direito ou mesmo novos sujeitos constitucionais.
Na centralidade das reinvindicações indígenas encontra-se o
reconhecimento e demarcação de suas terras como seu direito
originário. Trata-se de uma reivindicação histórica que marcou o
indigenismo no subcontinente para além das reivindicações relativas
à afirmação política de suas culturas e epistemologias. Em efeito, o
1 Doutorando em Diritto Comparato e Processidi Integrazione pela Università degli studi
della Campania Luigi Vanvitelli (UNICAMPANIA, Itália), Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2019). Pesquisador do Centro Didattico
Euroamericano Sulle Politiche Costituzionali (Cedeuam, Itália-Brasil). Pesquisador do Núcleo
de Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-Furb).
Pesquisador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ABDConst. Membro da
Réseau ALEC – Amérique Latine, Afrique, Europe et Caraïbe, sobre "Territoire, Populations
Vulnérables et Politiques Publiques", vinculada à Université de Limoges, França.
thiago.burckhart@outlook.com.

104
Thiago Burckhart

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reconhecimento constitucional dos seus direitos territoriais – que


compreende não somente o reconhecimento do “direito à terra”,
mas de diversos aspectos que se relacionam com este direito – como
o a capacidade de manejo e gestão sustentável, proibição de
mineração, dentre outros – posiciona no debate político-
constitucional as perspectivas críticas sobre o etnodesenvolvimento,
na esteira do pensamento de Rodolfo Stavenhagen (1985). A noção
de etnodesenvolvimento se inscreve na necessidade de se repensar o
modelo hegemônico de desenvolvimento capitalista a partir da
perspectiva indígena – na forma de um “perspectivismo ameríndio”
(CASTRO, 1996) – a partir do respeito à autonomia e
autodeterminação destes povos.
Trata-se de uma articulação realizada entre os interesses de
povos indígenas com a conservação ambiental, o que aproxima a
perspectiva do etnodesenvolvimento da noção de desenvolvimento
sustentável na sua vertente social (SACHS, 2000) – naquilo que se
pode chamar de sustentabilidade socioambiental. Partindo da
constatação do caráter etnocida do modelo hegemônico de
desenvolvimento que, desde os primórdios da colonização europeia
tem sido implementado como projeto político-econômico na
América do Sul, a perspectiva do etnodesenvolvimento aponta para
a valorização das etnicidades marginalizadas no processo de
desenvolvimento, na medida em que pontua que a afirmação étnica
é o elemento-chave para a atuação dessas populações frente aos
Estados nacionais com o fulcro de exigir o reconhecimento de sua
autonomia e autodeterminação. Nesse sentido, para Stavenhagen, o
etnodesenvolvimento significa, de modo sintético, que determinada
etnia – autóctone, tribal ou outra – tenha o controle sobre suas
próprias terras, seus recursos e sua organização social e cultural
(VERDUM, 2006).
Nesse contexto, nota-se que a afirmação dos direitos
territoriais de povos indígenas no âmbito das Constituições

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GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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estabelece o delineamento de modelos de etnodesenvolvimento, que


se circunscrevem no maior ou menor nível de autonomia e
autodeterminação dos povos indígenas nos diferentes contextos
nacionais. Tomando isso em consideração, o objetivo deste trabalho
é de analisar a proteção constitucional dos direitos territoriais de
povos indígenas nos países sul-americanos, buscando identificar e
categorizar comparativamente os “modelos” de
etnodesenvolvimento que os referidos textos constitucionais
delineiam. A hipótese é de que há um alto nível de proteção
constitucional aos direitos de povos indígenas na América do Sul. A
abordagem parte da teoria constitucional, com aportes da teoria
política, sendo realizado mediante o método da comparação
constitucional, e focaliza a dimensão dos textos constitucionais –
muito embora tenha-se em vista que a jurisdição constitucional nos
referidos países produziu recentemente decisões importantes neste
campo.
Como conclusões parciais, pode-se inferir que os textos
constitucionais se inscrevem em quatro categorias que congregam
pelo menos três “modelos” de etnodesenvolvimento: 1) ausência de
referência aos direitos territoriais; 2) modelo de proteção fraca; 3)
modelo de proteção forte; 4) modelo de proteção fortíssima. Na
primeira categoria, encontram-se os textos constitucionais do Chile
(1980), Suriname (1987) e Uruguai (2004), países que, por razões
históricas e/ou políticas, não fazer nenhuma referência aos seus
povos indígenas em suas constituições. Na segunda categoria
encontra-se a Guiana (1980) que reconhece o direito à terra dos
povos nativos somente em seu preâmbulo. Na terceira categoria,
encontram-se as constituições dos seguintes países: Brasil (1988),
Colômbia (1991), Peru (1992), Paraguai (1992), Argentina (1994), e
Venezuela (1999); esses países possuem em comum uma forte
proteção constitucional aos direitos territoriais de povos indígenas,

106
Thiago Burckhart

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compreendidos como direitos originários e fundamentais destes


povos.
Por fim, na quarta categoria encontram-se as constituições do
novo milênio do Equador (2008) e Bolívia (2009), caracterizadas por
uma “fortíssima” proteção constitucional aos direitos territoriais de
povos indígenas. Essas constituições podem ser assim definidas na
medida em que ambos seus textos foram escritos com base na
epistemologia indígena que condiz com as demandas históricas
desses povos que, diferentemente dos demais países – com exceção
do Peru – possuem maioria indígena em sua composição
demográfica. Ambas as constituições posicionam o respeito aos
direitos territoriais logo no início de seus textos, destacando-os
como um tema fundamental, e não “periférico”, na estrutura da
Constituição. A Constituição da Bolívia reconhece logo em seu art.
2º, como “base fundamental do Estado”, que em razão do domínio
originário e ancestral sobre seus territórios, garante-se a
autodeterminação dos povos indígenas que consiste na consolidação
de suas entidades territoriais. A Constituição equatoriana estabelece
no seu art. 3º, 6, que são deveres do Estado a promoção do
desenvolvimento equitativo e solidário de todo o seu território
mediante o fortalecimento do processo de autonomias.
Tomando em consideração esta categorização, entretanto,
também cabe pontuar, como conclusão parcial, que embora grande
parte dos estados sul-americanos possuam um alto nível de proteção
constitucional dos direitos territoriais de povos indígenas no
paradigma do etnodesenvolvimento – o que confirma parcialmente
a hipótese de pesquisa –, a concretização deste direito encontra
inúmeros empecilhos de ordem política e econômica – ocupação
territorial desordenada, processos de grilagem de terra, processos de
land grabbing, confusões fundiárias, interesses econômicos na
exploração e mineração de terras indígenas, regulamentações que
subvertem o sentido das constituições, dentre outros. Esse quadro

107
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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demonstra os “paradoxos da constitucionalização do


etnodesenvolvimento”, no qual fica evidente que a
constitucionalização por si só está longe de garantir o direito na sua
materialidade, mas exige um nível de engajamento sociopolítico na
forma da “vontade da Constituição” que já falava Konrad Hesse
(2010).

Referências
CASTRO, E. V. de. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio.
Revista Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996.
GARGARELLA, R. Latin american constitutionalism, 1810-2010: the engine room of
the Constitution. Oxford: Oxford University Press, 2013.
HESSE, K. A força normativa da Constituição. Brasília: IBDC, 2010.
SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Coleção Ideias Sustentáveis.
Organizadora: Paula Yone Stroh. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
SIEDER, R. Indigenous peoples’ rights and the law in Latin America. In: Corinne
Lennox and Damien Short (ed.), Routledge Handbook of Indigenous Peoples’ Rights,
Abingdon, Oxon: Routledge, 2015.
STAVENHAGEN, R. Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no
pensamento desenvolvimentista. Anuário Antropológico, v. 84, p.11-44, 1985.
VERDUM, R. Etnodesenvolvimento: nova/velha utopia do indigenismo. 2006. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais). Centro de Pesquisas e Pós-Graduação sobre as
Américas, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

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GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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OS DIREITOS DA NATUREZA NO NOVO


CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E SEUS
CASOS DE APLICAÇÃO

Vivian Bittencourt1
Luciano Felix Florit2

O objetivo da presente pesquisa é analisar a aplicação da


corrente dos Direitos da Natureza – que parte de uma visão
holística da ética ambiental – nas normativas e tribunais
internacionais, a partir da promulgação da vanguardista Constituição
de Montecristi, no Equador. Para alcançar este fim, realizar-se-á
uma pesquisa exploratória, utilizando-se uma abordagem qualitativa,
através de análise documental e revisão bibliográfica. Busca-se
responder a seguinte problemática: quais os casos emblemáticos
internacionalmente em que a natureza foi reconhecida judicialmente
como sujeito de direitos e qual a fundamentação jurídica utilizada
para tanto? Como resultado parcial da pesquisa, constata-se que os
direitos da natureza ganham força com o crescimento dos
movimentos em prol dos direitos indígenas, que remontam às
décadas de 80 e 90, e tem na América Latina o ápice do seu
fortalecimento com a promulgação das Constituições plurinacionais
do Equador em 2008 e da Bolívia em 2009, influenciando as
normativas internacionais
Neste ponto, é imperioso destacar que os referidos
movimentos dos povos indígenas andinos se deram na busca pelo
direito de respeito ao seu modo de vida e pela consideração do seu

1 Doutoranda em Desenvolvimento Regional no Programa de Pós-Graduação em


Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau (FURB),
vivi_bit@hotmail.com.
2 Professor no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade

Regional de Blumenau (FURB), Líder do Grupo Interdisciplinar em Pesquisas


Socioambientais (Grupo IPÊS), lucianoflorit@gmail.com.

109
Vivian Bittencourt; Luciano Felix Florit

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conhecimento originário, o que é defendido por Alberto Acosta


através da teoria conhecida como o Bem Viver (Buen Vivir, no
Equador ou Vivír Bien, na Bolívia) (ACOSTA, 2011).
A Constituição do Equador, que em seu preâmbulo celebra
“a natureza, a Pacha Mama, de que somos parte e que é vital para nossa
existência” e invoca a “sabedoria de todas as culturas que nos enriquecem
como sociedade”, também estabelece em seu art. 71 que “a natureza ou
Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite
integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais,
estrutura, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, povoado, ou
nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da
natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, observar-se-ão os princípios
estabelecidos na Constituição no que for pertinente. O Estado incentivará as
pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e
promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema”.
Neste mesmo sentido, a Constituição Boliviana de 2009,
prescreve em seu art. 33 que “as pessoas têm direito a um meio ambiente
saudável, protegido e equilibrado. O exercício desse direito deve permitir aos
indivíduos e coletividades das presentes e futuras gerações, além de outros seres
vivos, desenvolver-se de maneira normal e permanente”.
Deste modo, estas constituições latinas consagraram a
corrente dos Direitos da Natureza, sendo a do Equador de modo
expresso e a da Bolívia de modo tácito, conferindo juridicamente à
natureza o título de sujeito de direitos, reconhecendo a importância
de todos os seres vivos de forma igualitária, tratando a natureza não
mais como mera coisa, bem patrimonial ou simples fonte de
recursos naturais para satisfazer as necessidades humanas, mas
como meio em que se reproduz e se realiza a vida, dotado de valor
intrínseco, estabelecendo uma regra em que, sem negar a utilização
da natureza e da técnica, exige o respeito à tudo que é humano e não
humano, em prol de uma convivência de todos os seres vivos na

110
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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Terra e do direito desta de manter sua integridade ou até mesmo de


se regenerar (ZAFFARONI, 2011).
Em que pese a carência de precisão técnica da categoria
Natureza, mormente na perspectiva jurídica, no Equador, após o
advento da referida constituição, destacou-se o caso do Rio
Vilcabamba, o qual foi defendido judicialmente por dois cidadãos
comuns daquele país, que ajuizaram em 2010 uma “Ação de
Proteção”, fundamentando seus argumentos nos direitos da
Natureza previstos na recém promulgada Constituição,
especialmente no art. 10, que estabelece que a natureza será sujeito
dos direitos que lhe reconhecem aquela constituição, sendo o
primeiro caso em todo o globo, em que a Natureza foi reconhecida
como sujeito de direitos em uma decisão judicial.
Ainda na América Latina, a Corte Constitucional da
Colômbia, mesmo não possuindo em sua Carta Maior a expressa
garantia de direitos conferidos à Natureza, proferiu, em 2016,
decisão que reconheceu o Rio Atrato como “una entidad sujeto de
derechos a lá protección, conservación, mantenimiento y restauración”,
baseando o seu entendimento em precedentes estrangeiros e
normativas internacionais, ordenando a tutoria e representação do
Rio Atrato ao governo nacional e às comunidades étnicas que vivem
naquela bacia (MATOS, 2018).
Na mesma linha, observa-se o advento de normativas e de
decisões judiciais em diferentes países do mundo, com a tendência a
seguir os passos dos países latinos, no que diz respeito à legislação
de cunho constitucional ambiental.
Na Nova Zelândia, em 2017, o Rio Whanganui obteve a
classificação de entidade, para efeitos legais, dotada de personalidade
jurídica, o que se deu mediante lei do Parlamento daquele país,
depois de 140 anos de exaustiva discussão judicial iniciada pela
Tribo Maori, para quem o Rio possui valor espiritual, não sendo esta
a única decisão desta natureza naquele país, pois a área florestal de

111
Vivian Bittencourt; Luciano Felix Florit

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Te Urewera, na ilha norte do país, também é considerada uma


entidade jurídica em virtude de uma decisão tomada em 2014.
De modo similar, um tribunal superior da Índia ordenou que
se outorgasse ao Rio Ganges e ao seu afluente Rio Yamuna, o título
de 'seres vivos', cujo pedido, também feito através de processo
judicial por um morador da cidade sagrada de Haridwar, iniciou em
2014 e teve seu fim em 2017, inspirado pela lei Neozelandesa no
mesmo ano, em relação ao Rio Whanganui. No entanto, diferente
da estrutura preparada pela Nova Zelândia para dar efetividade à
medida, a Índia acabou suspendendo a decisão meses mais tarde,
por falta de planejamento e dificuldade de sua aplicação.
Não menos importante, a título de exemplo de propostas que
futuramente podem ensejar uma discussão de cunho legal, senão
constitucional, considerando o convite à reflexão sobre o tema a
partir dos esforços e da manifestação popular local, é o caso do
Lago Erie, em Ohio nos Estados Unidos, que diante de sua
poluição, chamou a atenção dos eleitores, levando-os à promover
em 2019 uma votação para a aprovação de uma “declaração de
direitos” do lago, que apesar de pouca adesão, se destacou pela
iniciativa da proposta.
No Brasil, por outro lado, depois do desastre ocorrido na
cidade de Mariana, no Estado de Minas Gerais, foi ajuizada em
2017, pela Associação Pachamama, Ação Judicial em face da União
e do Estado de Minas Gerais, tendo como autor da ação a Bacia
Hidrográfica do Rio Doce, utilizando-se dos mesmos fundamentos
da ação colombiana, ou seja, precedentes judiciais estrangeiros e
dispositivos normativos internacionais sobre o tema.
Dividindo a opinião dos doutrinadores, a ação foi julgada em
2018 improcedente em primeira instância, sob a alegação de que a
Bacia Hidrográfica do Rio Doce não possui personalidade jurídica
para interpor a referida ação, sendo, portanto, inepta a petição inicial
interposta (MELLO, 2018).

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GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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Referências
ACOSTA, A. Los derechos de la Naturaleza: una lectura sobre el derecho a la
existencia. In: ACOSTA, A; MARTÍNEZ, E. (org.). La Naturaleza com derechos: de la
filosofia a la política. p. 317-362. Quito: Abya-Yala, 2011.
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https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf. Acesso em: 25 ago. 2019.
BRASIL. [Constituição de (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil, 05 de
outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
23 ago. 2019.
CÂMARA, A. E.. FERNANDES, M. M.. O reconhecimento jurídico do Rio
Atrato como Sujeito de Direitos: reflexões sobre a mudança de paradigma nas
relações entre o ser humano e a natureza. Revista de Estudos e Pesquisa sobre as
Américas, v. 12, n. 1, 2018. Disponível em:
http://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/15987. Acesso em: 25
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COLÔMBIA. Constitución Política de Colombia - 1991. Actualizada com os Actos
Legislativos a 2016. Disponível
em:http://www.corteconstitucional.gov.co/inicio/Constitucion%20politica%20de
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Bogotá, 10 de noviembre 2016. Disponível em:
http://cr00.epimg.net/descargables/2017/05/02/14037e7b5712106cd88b687525d
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ECUADOR. Constitucion de la República Del Ecuador. Disponível em:
https://www.oas.org/juridico/pdfs/mesicic4_ecu_const.pdf. Acesso em: 25 ago.
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GUDYNAS, E. Derechos de la naturaleza: ética biocentrica y politicas ambientales. 1.
ed. Buenos Aires: Tinta Limon, 2015.
INDIA court gives sacred Ganges and Yamuna rivers human status. BBC News, 21
de março de 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-asia-india-
39336284. Acesso em: 24 ago. 2019.
JUSTIÇA da Índia determina que rios não têm os mesmos direitos que os
humanos. O Estado de São Paulo, 07 de julho de 2017. Disponível em:
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,justica-da-india-determina-que-
rios-nao-tem-os-mesmos-direitos-que-os-humanos,70001881112. Acesso em: 23
ago. 2019.

113
Vivian Bittencourt; Luciano Felix Florit

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MATOS, L. M. A. Os rios como sujeitos de direitos nos tribunais da América


Latina. p. 65-75.In: MORAIS, G. de O.; LIMA, M. M. B.; ARARIPE, T. A. F. (org).
Direitos de Pachamama e direitos humanos. Fortaleza: Mucuripe, 2018.
MELLO, A. J. M. A luta pelo reconhecimento dos direitos da natureza na América
do Sul e as novas gramáticas para os direitos humanos. In: MORAIS, G. de O.;
LIMA, M. M. B.; ARARIPE, T. A. F. (org). Direitos de Pachamama e direitos humanos.
Fortaleza: Mucuripe, 2018. p. 65-75.
MORADORES de Toledo concedem personalidade ao Lago Erie. Disponível em:
https://pt.aleteia.org/2019/03/14/moradores-de-toledo-concedem-personalidade-
ao-lago-erie/. Acesso em: 25 ago. 2019.
NEW ZEALAND river granted same legal rights as human being. Disponível em:
https://www.theguardian.com/world/2017/mar/16/new-zealand-river-granted-
same-legal-rights-as-human-being. Acesso em: 25 ago. 2019.
ZAFFARONI, E. R. La Pachamama y el humano. Buenos Aires: Colihue, 2011.

114
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO
ESTADO NO DIREITO HUMANITÁRIO
FUNDAMENTADA PELA FRATERNIDADE EM PETER
HÄBERLE

Dárya Pereira Rega1


Wanda Helena Mendes Muniz Falcão2

A presente pesquisa tem como proposta desconstruir as


proposições teóricas de Fraternidade inferidas por Peter Häberle a
fim de proporcionar a aplicação das mesmas na fundamentação de
atribuição de responsabilidade internacional no Direito
Internacional Humanitário (DIH). Esta análise tem como plano de
fundo a Fraternidade como ela é observada a partir da obra “Estado
Constitucional Cooperativo” do autor alemão supracitado.
Vale notar que a Fraternidade em si não é um tema abordado
explicitamente pelo autor analisado, mas pode ser inferida da leitura
dessa obra, bem como já foi apontada no decorrer de outros textos,
que também servirão de fontes aqui. Todavia, será investigada a
possibilidade que essas percepções são de fato pontes para
fundamentar novas aferições de responsabilidade internacional.
Levar-se-á como problema de pesquisa, portanto, a seguinte
questão: A Fraternidade, como inferida do livro “Estado
Constitucional Cooperativo” de Peter Häberle, pode servir de
fundamentação para a responsabilização internacional do Estado no
Direito Internacional Humanitário? Nessa senda, a hipótese que se
investiga é que sim, a Fraternidade na modalidade häberliana
estudada aqui suscita o fundamento de enquadre na
responsabilidade internacional do Estado no DIH.

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), darya.p.rega@gmail.com.


2 Orientadora. Universidade Regional de Blumenau (FURB), wfalcao@furbr.br.

115
Dárya Pereira Rega; Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

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A partir dessas indagações, procurar-se-á alcançar os


seguintes objetivos: (a) Desconstruir a Fraternidade inferida de
Häberle a partir da obra “Estado Constitucional Cooperativo”; (b)
Compreender a responsabilidade internacional do Estado dentro da
corrente genebrina do Direito Internacional Humanitário; e (c)
Verificar a relação intrínseca entre os dois, justificando a
possibilidade de utilização da Fraternidade em Häberle no
enquadramento na responsabilidade internacional do Estado no
Direito Humanitário.
Quanto à Fraternidade, então, no primeiro objetivo, será
proposto o diálogo com o pensamento cerne da proposta que é o
do pensador alemão Peter Häberle, um constitucionalista que
procurou expor na bibliografia indicada um modelo de Estado ideal
que compreenderia o seu dever não apenas quanto aos seus
eleitores, mas quanto à toda a população que tem interesse direto
sobre tais ações. Esse modelo, que advém de uma pressuposição de
democracia, mas que não se detém as percepções anteriores de
constitucionalismo rompe com os ideais dos modelos
constitucionais anteriores, por não mais elevar somente a
Constituição e o povo que ela diretamente protege ao patamar de
maior importância, mas sim abrir o alcance protecionista à
comunidade global.
Visando essas novas pautas de respaldo entre as nações, o
jurista denomina a sua nova proposição de organização “Estado
Constitucional Cooperativo”, aí indicando claramente que não mais
seria possível manter as atitudes do Estado de forma egocêntrica e
desconexa ao resto do mundo, mas que deveria se instaurar um
sentimento solidário e de comprometimento com a comunidade
internacional. Sobre o Estado Constitucional Cooperativo, em obra
com esse mesmo nome, Häberle (2007, p. 4) traz que “Estado
Constitucional Cooperativo” é “o Estado que justamente encontra a
sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento

116
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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das relações internacionais e supranacionais, na percepção da


cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo
da solidariedade. Ele corresponde, com isso, à necessidade
internacional de políticas de paz”.
Aqui se expressa também a noção – comum ao que se nota
na trajetória do Direito Internacional como um todo – que não mais
se garante a fixação de culpabilidade somente àquilo que infringe
texto legal, mas que a responsabilidade também tem de estar
intimamente atrelada à solidariedade e à compreensão da
necessidade do outro. Eduardo Veronese pontua similar apreciação,
que deve ser levado em consideração “sempre os interesses daqueles
que não participam do debate internacional, o que se poderia
caracterizar como sendo um dever altruísta, ou, mesmo, fraterno”
(PETRY VERONESE, 2015, p. 34).
Em questão do segundo objetivo, vemos a necessidade
primeiramente de fixação da corrente de DIH que aqui se trabalha,
sendo esta a de Genebra, que se envolve com as partes apanhadas
nos embates que se veem despidas de defesas ou de interesse de se
armar, mas ainda sofrendo com as repercussões do conflito. A
responsabilidade internacional do Estado que aqui se encarrega é
justamente aquela que tem como fatos geradores a própria guerra,
ou outras ações que sirvam de início, continuidade, ou agravo de
conflitos.
Ver-se-á também uma explanação sobre a responsabilidade
internacional. A responsabilidade internacional pode ser debatida
sob vários pontos de vista, mas vejamos o conceito de Danielle
Annoni (2003, p. 36): “[...] a responsabilidade internacional do
Estado é, em regra, apresentada como uma obrigação internacional
de reparação em face de violação de norma internacional prévia. É o
descumprimento de norma (acordo, tratado, convenção)
internacional, previamente pactuada, que gera o dever de reparar o
dano, indenizar o ser lesado, quando não mais possível o

117
Dárya Pereira Rega; Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

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reestabelecimento ao status quo ante, pelos danos que foi obrigado a


suportar, injustamente”.
Portanto, remetendo a citação de Annoni, um ato estatal que
resulte em dano considerável a um país, povo, ou qualquer outro
determinável grupo de pessoas, que transforme a sua situação de
maneira drástica para o pior, e que em últimos casos solidifique-se
uma nova realidade que não mais poderia ser revertida e/ou
reparada, é sim merecedora de análise crítica do DI – especialmente
na sua forma Humanitária - a fim de responsabilizar as condutas
lesivas.
Häberle propõe que existem dois momentos participativos
dentro da cooperação, sendo eles o Procedere, que corresponde ao
aspecto formal e no âmbito do DI foca no direito consuetudinário
de ajustes de tratados e acordos, e o material, que trata de objetivos
solidários realistas como a Paz no Mundo, a justiça social, o
desenvolvimento de outros países, e os direitos humanos
(HABERLE, 2007, p. 8). Agora, vale ressaltar que o enquadramento
aqui proposto é o do segundo momento, não obstante a presença da
infração também do primeiro. Quer dizer, o fato de um país ter
infringido disposições internacionais, e por tanto ser possível o
encaixe da responsabilidade internacional tradicional, não significa
que essa responsabilidade em razão da Fraternidade seja então
desconsiderável e/ou impeditiva.
Assim, nesse segundo momento então, o que se procura é a
justiça social, haja vista as razões expostas anteriormente. Dentro do
plano atual de Direito em que vivemos, não é cabível acreditar que
todos os males serão sanados pela boa vontade dos Estados,
todavia, vê-se em teorias como a aqui estudada uma oportunidade
de reivindicações históricas advindas de um contexto de autoridade
internacional do DIH. A aceitação da Fraternidade como uma razão
de criação e verificação de deveres é o equivalente ao abrir de uma
porta para uma nova forma de aplicação do Direito às “feridas

118
GRUPO DE TRABALHO 3: Constitucionalismo contemporâneo,
internacionalização e comparação constitucional
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profundas”, a aproximação desse campo da ciência ao que ele é


imediatamente associado na mente leiga: justiça.
Contudo, diante tudo isso, ainda existe uma questão a ser
explicada: o autor alemão traz na obra supracitada a seguinte
posição: “O oposto típico ideal (em parte, ainda “típico real”!) ao
Estado Constitucional Cooperativo é – dentro do espectro do tipo
Estado Constitucional – o Estado Constitucional “egoísta”,
individualista e, para fora, “agressivo’; externamente a esse espectro,
o Estado Totalitário com “sociedade fechada” (ex-União Soviética)
e/ou o Estado “selvagem” (países em desenvolvimento como a
Uganda)”. (HABERLE, 2007, p. 7)
Isso aparentemente posicionaria uma grande quantidade de
países (até mesmo como o próprio Brasil) como Estados periféricos
e, portanto, não merecedores de inclusão ao sistema fraterno em
Häberle, porém, a leitura que há de ser feita nesse passo é que a
responsabilidade em tela é de um Estado (aquele causador de dano),
e não de um dever recíproco, não importando, desta forma, se o
país danado se encontraria servo às mesmas incumbências. Uma
interpretação possível a ser extraída da totalidade da obra, que é a
adotada pelas pesquisadoras que aqui subscrevem, é que a situação
de um não desobriga um do outro, e de fato, na senda do dever
altruísta e fraterno, eleva essa obrigação a um plano superior a
qualquer outro, haja vista não somente a preocupação do futuro da
coletividade cooperativa dos Estados, mas a parcela de culpa
histórica considerável, por exemplo, que países colonizadores que
são os mais próximos do ideal de Häberle tem sobre a situação dos
países que a eles foram submetidos.
Para fins dessa pesquisa, utilizar-se-á o método dedutivo,
partindo das esferas amplas de Fraternidade em Häberle e
responsabilidade internacional do Estado (geral) para a relação
intrínseca de um quanto ao outro como forma de fundamentação
(específico). Em quesito de fontes de pesquisa, analisar-se-á fontes

119
Dárya Pereira Rega; Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

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bibliográficas, notavelmente a obra “Estado Constitucional


Cooperativo” de Peter Häberle, bem como livros, artigos, e afins,
sobre Direito Internacional Humanitário e responsabilidade
internacional do Estado.

Referências
ANNONI, D. Direitos humanos e acesso à justiça no Direito Internacional:
Responsabilidade Internacional do Estado. Curitiba/PR: Juruá, 2003.
CHEREM, M. T. C. S. Direito Internacional Humanitário: Disposições aplicadas
através das ações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. 2002. 137 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Centro de Ciências Jurídicas,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/83201. Acesso em: 07 maio 2019.
COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. O que é o direito
internacional humanitário? 1998. Disponível em:
https://www.icrc.org/pt/doc/resources/documents/misc/5tndf7.htm. Acesso
em: 04 maio 2019.
HÄBERLE, P. Estado Constitucional Cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 78 p.
Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk.
PAULA, M. Direito Humanitário versus Direito da Guerra: As convenções de Haia e
Genebra no século XXI. 2009. 130 f. Monografia (Especialização) - Curso de
Artilharia, Academia Militar, Lisboa, 2009. Disponível em:
https://comum.rcaap.pt/bitstream/. Acesso em: 04 maio 2019.
PETRY VERONESE, E. R. Um Conceito de Fraternidade para o Direito. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2015. 126 p.

120
GRUPO DE TRABALHO 4: Direito da inovação, propriedade intelectual e
proteção do patrimônio cultural imaterial
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CULTURA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL: O


reconhecimento da autoria como vetor de fomento à inovação

Alejandro Knaesel Arrabal1

No campo da cultura da propriedade intelectual, o estudo


concentra-se na observação do reconhecimento da autoria como
vetor de fomento à inovação. Investiga-se sob quais condições o
exercício do direito moral de autor, tradicionalmente referido como
"direito de paternidade" pode ou não contribuir para o
aprimoramento das relações institucionais voltadas à inovação.
Para efeito deste estudo, considera-se inovação a
implementação de produtos (bens e serviços), processos ou
métodos organizacionais novos ou significativamente melhorados
(OCDE, 2017), que advenham de relações e ambientes das
instituições públicas e privadas.
Por sua vez, a “cultura da propriedade intelectual”
compreende aqui o conjunto de práticas, discursos e valores que
orientam quando e como a exclusividade sobre expressões artísticas,
literárias e científicas, bem como sobre soluções tecnológicas,
revela-se ético-social e juridicamente admissível.
O tema integra-se ao campo das políticas constitucionais
voltadas ao incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem

1 Doutor em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade


do Vale dos Sinos – UNISINOS. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Regional de
Blumenau – FURB. Professor Colaborador do Programa de Mestrado em Administração da
FURB. Professor da Universidade Regional de Blumenau – FURB e do Centro Universitário
de Brusque – UNIFEBE. Líder do grupo de pesquisa Direito, Tecnologia e Inovação – DTIn
(CNPQ-FURB). Membro dos grupos de pesquisa Constitucionalismo, Cooperação e
Internacionalização - CONSTINTER (CNPq-FURB) e Estado, Sociedade e Relações
Jurídicas Contemporâneas (CNPq-FURB), com estudos em direito de Propriedade Intelectual,
desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Membro do NIT - Núcleo de Inovação
Tecnológica da Universidade Regional de Blumenau (FURB), arrabal@furb.br.

121
Alejandro Knaesel Arrabal

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como pressupõe a complexidade dos fatores jurídicos que orientam


as relações entre universidade, indústria e governo descritas por
Etzkowitz (2008).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo
XXVII, 2) consagra a todos o "[...] direito à proteção dos interesses
morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica
literária ou artística da qual seja autor". Nesta linha, a Constituição
Federal de 1988 (Art. 5º, XXVII, XXIX) garante aos autores os
benefícios decorrentes de suas obras, seja no campo das artes, da
ciência ou da técnica.
Os direitos de autor compreendem garantias de ordem
patrimonial equivalentes aos direitos de propriedade (uso, gozo e
fruição), somados a direitos de ordem moral, tidos como espécie de
desdobramento dos direitos de personalidade. Neste contexto, a
legislação autoralista vigente reserva às pessoas físicas a qualificação
de autor (BRASIL, Lei n° 9.610/98, art. 11) e confere, no escopo
das garantias correspondentes a tal condição, os direitos morais de
"reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra" e "ter seu nome,
pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como
sendo o do autor, na utilização de sua obra" (BRASIL, Lei n°
9.610/98, art. 24, I, II).
De modo geral, os direitos de autor decorrem dos ideais
modernos voltados ao reconhecimento da dignidade humana
(CARBONI, 2008). Na busca inabalável por compreender e
controlar sua existência, o homem fortaleceu gradualmente o seu
protagonismo, transigindo às condicionantes do mundo natural. A
realidade posta (e imposta) por forças externas (a natureza e suas
correspondentes divindades, ou o Deus cristão) cedeu lugar a uma
realidade produzida e constantemente transformada pela
humanidade. Para o pensamento moderno, a autoria encontra
fundamento em três aspectos. O primeiro “consiste na noção de
vínculo causal, ou seja, a autoria é uma relação de causa e efeito. A

122
GRUPO DE TRABALHO 4: Direito da inovação, propriedade intelectual e
proteção do patrimônio cultural imaterial
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causa corresponde à ação, o fazer do sujeito. A consequência


compreende a obra efetivamente manifesta”. O segundo
compreende “a ideia de supremacia intelectual, ou melhor, que a
intelectualidade supera a materialidade”. O terceiro “implicitamente
relacionado aos dois primeiros, é que a autoria representa um fato e,
nesta condição, corresponde a qualquer outro evento natural, ou
seja, é dado objetivo, imune a qualquer deliberação externa”
(ARRABAL, 2017).
Antes da realidade cultural que oportunizou à modernidade
conceber o sujeito autor, as obras literárias, artísticas e os produtos
da técnica não provinham de forças autônomas, não eram
percebidas como expressões de singularidades. Isto porque o
“indivíduo” não era a instância legítima de qualquer expressão da
beleza ou da verdade.
Guardadas as devidas distinções, o Iluminismo e o
Romantismo contribuíram para forjar a categoria autor e conferir a
ela qualidades demiúrgicas. O gênio criativo surgiu com todo
esplendor, mas patologicamente também fortaleceu pretensões
aristocráticas e egocêntricas.
Mourão (2001) observa que “autoridade e autor têm a mesma
raiz e as práticas medievais davam-lhes um sentido idêntico. Os
autores, em sentido medieval, são aqueles cujos textos têm
autoridade, os que podem ser comentados, mas não contraditos”.
Ao ser confundido com a “autoridade”, a categoria autor
encontrou na crítica literária de Barthes (2004) fervorosa oposição,
quando considera que todo o discurso não é produto de um autor,
mas de uma tessitura enunciativa que o precede e o domina. Nesta
linha, ele procura combater a pensamento burguês moderno que
enaltece o valor da individualidade. Por sua vez, Foucault (2001)
alude que o autor não é um sujeito, o autor é um atributo do
discurso de modo que ele (autor) se constitui como função e não

123
Alejandro Knaesel Arrabal

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como origem do que é expresso. O autor está para a obra e não a


obra para o autor. De certa forma, sujeito torna-se objeto e objeto
torna-se sujeito.
A crítica ao gênio criativo atravessou o século XX e chegou
ao século XXI sustentada nas virtudes dos processos colaborativos
e, mais especialmente, ancorada no entusiasmo que orienta o
desenvolvimento das Tecnologias e Informação e Comunicação -
TICs (CARBONI, 2010).
Por outro lado, o reconhecimento de garantias individuais
vinculadas a personalidade representa um fator indissociável da
dignidade humana, alicerçado na busca por uma sociedade mais
justa e solidária. No campo das relações de trabalho, o
reconhecimento de cada colaborador é um componente para o
fortalecimento e sustentabilidade das organizações. Cumpre
observar que um dos pilares constitucionais da ordem econômica
consiste na valorização do trabalho humano (BRASIL, CF/88, art.
170).
A partir dos pressupostos teóricos que balizam o pensamento
complexo (MORIN, 2011), a identidade de grupo passa pela
valorização das individualidades, assim como estas se constituem a
partir da relação com o todo. Neste contexto, o reconhecimento
autoral sobre artefatos resultantes das demandas de produção nos
campos da indústria e da economia criativa, como se observa nos
ambientes de inovação, é um aspecto que deve ser observado.
Carboni (2010, p. 172) considera que “[...] a atribuição da
autoria deveria ter a sua natureza deslocada [...] para o campo
funcional da necessidade social de identificação do autor de uma
obra, como imperativo ético [...]” e considera ainda que “há um
evidente interesse da coletividade na identificação do autor de uma
determinada obra ou informação, pois isso não apenas traz uma
segurança social quanto à sua procedência, mas, principalmente,
contribui para a formação de um espaço público democrático.”

124
GRUPO DE TRABALHO 4: Direito da inovação, propriedade intelectual e
proteção do patrimônio cultural imaterial
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Se é fato que não há lugar na ordem jurídica para tutela de


interesses individuais radicalmente descomprometidos com a
coletividade, também é fato que o desprezo da individualidade em
favor do todo é uma forma de opressão que atenta contra a
dignidade humana. É neste viés que o reconhecimento da autoria no
campo da Propriedade Intelectual demanda estudos mais apurados
para o seu adequado entendimento e aplicação.

Referências
ARRABAL, A. K. Propriedade intelectual, inovação e complexidade. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2017.
BARTHES, R. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
14 abr. 2019.
BRASIL. Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a
legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 14 abr. 2019.
CARBONI, G. Direito autoral e autoria colaborativa na economia da informação em rede. São
Paulo: Quartier Latin, 2010.
ETZKOWITZ, H. Triple Helix: university-industry-government, innovation in
action. New York: Routledge, 2008.
FOUCAULT, M. O que é o autor? In: FOUCAULT, M. Estética: literatura e
pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.
MOURÃO, J. A. Para uma poética do hipertexto. Edições Universitárias Lusófonas,
Lisboa, 2001. Disponível em: http://www.triplov.com/hipert/. Acesso em: 14 abr.
2019.
OCDE. Oslo manual 2018: guidelines for collecting, reporting and using data on
innovation. 4. ed. OCDE: Paris, 2018. Disponível em:
https://doi.org/10.1787/9789264304604-en. Acesso em: 14 abr. 2019.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral. Disponível em:

125
Alejandro Knaesel Arrabal

--------------------------------------------------------------------------------------------

https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em:


14 abr. 2019.

126
GRUPO DE TRABALHO 4: Direito da inovação, propriedade intelectual e
proteção do patrimônio cultural imaterial
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TECNOLOGIA COMO MEIO DE AUXÍLIO PARA OS


PROFESSORES QUE ATENDEM ALUNOS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Suellen de Oliveira1
Fabiana Martins Rochembach2

O objetivo de utilizar softwares educacionais na educação


inclusiva vem se tornando um objeto de estudo e pesquisa,
principalmente quando falamos de trabalhar com crianças que
possuem algum tipo mais elevado de Transtorno do Espectro
Autista. A cada ano os desafios aumentam para os professores que
precisam estar sempre com temáticas no cotidiano dessa criança
auxiliando no desenvolvimento para que ela busque sua
independência.
Percebe-se que as ferramentas que os professores usam para
ensinar crianças com transtorno do espectro autista ainda são bem
limitadas em sala de aula, e que muitos ainda não conhecem
aplicativos que podem ajudar no momento de alfabetizar esta
criança. No âmbito do cotidiano escolar a tecnologia vem se
mostrando uma aliada de muitos professores que precisam de aulas
mais dinâmicas com crianças autistas. Na escolarização das crianças
com transtorno do espectro autista a utilização dos recursos ligados
à tecnologia ultrapassou o caráter instrumental e hoje se tornou uma
importante ferramenta para o acesso ao currículo.
O objetivo é analisar como as crianças interagem com o
ensino por meio de aplicativo com jogos e se houve melhoras
quando a tecnologia entra para auxiliar os professores na didática

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), suellendeow@gmail.com.


2 Universidade Regional de Blumenau (FURB), frochembach@yahoo.com.br.

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Suellen de Oliveira e Fabiana Martins Rochembach

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proposta para alunos com diferentes níveis de Transtorno do


Espectro Autista.
A metodologia usada neste trabalho segue o formato
dedutivo, pois por meio de analise podemos entender como se passa
o Transtorno do Espectro Autista e como as crianças portadoras
desta síndrome interagem no ambiente escolar e indutivo, pois por
meio de estudos realizados pode-se perceber a melhora em aspectos
pessoais de crianças que começaram a ter a tecnologia dentro de sala
de aula auxiliando e melhorando a qualidade de ensino da criança
buscando melhorar sua independência.
Sabe-se que o TEA engloba diferentes condições que marcam
o desenvolvimento neurológico da criança, e podemos perceber três
aspectos fundamentais que podem se manifestar em conjunto ou até
mesmo isoladamente que são: dificuldade de comunicação por
deficiência no domínio da linguagem e no uso da imaginação para
lidar com jogos simbólicos, dificuldade de socialização e padrão e
comportamento restritivo e repetitivo, 1 em cada 50 crianças do
mundo sofrem de autismo, segundo os dados mais recentes do
Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos,
sendo que, no Brasil cerca de 90% dos casos não receberam o
devido diagnóstico da doença.
Conforme o Dr. Dráuzio Varela os com quadros clínicos o
TEA pode ter três classes: 1. Autismo Clássico: conhecido pelo grau
de comprometimento pode variar de muito, de forma geral os
indivíduos são voltados para si mesmos, acabam não estabelecendo
o contato visual com as demais pessoas nem com o ambiente que se
encontra. 2. Autismo de Alto Desempenho: Também conhecido
como Síndrome de Asperger – os portadores deste tipo de autismo
apresentam as mesmas dificuldades dos outros autistas, porem em
uma medida bem reduzida, são verbais e inteligentes chegam a ser
confundidos com gênios. 3. Distúrbio global do desenvolvimento
sem outra especificação (DGD-SOE) – os indivíduos são

128
GRUPO DE TRABALHO 4: Direito da inovação, propriedade intelectual e
proteção do patrimônio cultural imaterial
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considerados dentro do espectro do autismo como a dificuldade de


comunicação e de interação social.
Percebe-se que os índices de alunos com deficiência no
ensino regular têm crescido muito no país nos últimos anos, porém
é preciso evoluir ainda mais nas metodologias usadas em sala de
aula. Nos últimos anos percebemos como se tornou importante
falar sobre educação inclusiva, e isso se tornou um desafio grande
no Brasil, pois a falta de ferramentas e matérias para auxiliar neste
momento ainda é muito escassa, logo estimular o debate acerca das
metodologias que andam sendo utilizadas em sala de aulas regulares
para promover a inclusão dos alunos com necessidades se tornou a
grande chave para resolver o problema.
Quando falamos em softwares educacionais falamos em
recursos fundamentais para um processo de aprendizagem de
crianças, podemos citar o Software ABC Autismo busca no auxilia
na alfabetização de crianças com transtorno de desenvolvimento. O
aplicativo se estabelece por meio do tratamento e educação para
autistas e crianças com déficits relacionados com a comunicação
(Teacch), o aplicativo foi criando em 1964 nos Estados Unidos pela
Universidade da Carolina do Norte, é um programa mundialmente
utilizado no processo de alfabetização dessas crianças.
O aplicativo conta com quatro níveis para auxiliar essa
criança, os dois primeiros níveis contam com habilidades com
discriminação e transposição, a partir do terceiro e quarto nível o
jogo começa a se tornar mais complexo, sendo que o ultimo novel
está totalmente de acordo com o quarto nível do Teacch que aborda
questões do letramento no qual é ensinada a repartição silábica, o
conhecimento de vogais e a formação das palavras.
Os jogos digitais educacionais por usarem ações em vez da
explicação criam um sentimento de satisfação pessoal nessa criança,
isso porque ao atenderem aos vários modos de aprendizagem

129
Suellen de Oliveira e Fabiana Martins Rochembach

-------------------------------------------------------------------------------------------------

acabam reforçando suas habilidades e promovem a tomada de


decisões que acaba contribuindo na aprendizagem de conceitos mais
complexos.
É importante ressaltar que o objetivo da educação de uma
criança autista, é buscar sua independência a fim de proporcionar
mais segurança com a mesma for executar tarefas do seu cotidiano,
além de melhorar sua qualidade de vida e de seus familiares, usar a
tecnologia como meio de impulsionar está criança a buscar a sua
independência é fundamental para seu desenvolvimento.
O objetivo de utilizar softwares educacionais com alunos
autistas é pela facilidade na aprendizagem que esses sistemas
propiciam, pois envolve diferentes estilos de aprendizagem como
visual, auditivo e sinestésico. Uma pesquisa realizada em 2011 por
Adriano Hidalgo Fernandes, da Universidade Federal do Paraná,
identificou que os alunos que realizam as atividades nos
computadores deixam de ser meros receptores de conteúdo e
acabam movimentando-se e desenvolvendo assim a coordenação
motora, o estudo evidenciou que o computador e outros recursos
tecnológicos são instrumentos valiosos para se alcançar êxito na
aprendizagem de alunos com TEA.
Ainda podemos ressaltar outras habilidades que foram
desenvolvidas com o auxílio da intervenção da tecnologia dentro de
sala de aula como: maior autonomia e melhora da fala, alteração de
humor tornando-os mais tolerantes; diminuição de estereotipias e
mobilização afetivo-cognitiva.
Os avanços da tecnologia se tornaram peça principal dentro
das escolas quando falamos em meios de aprendizagem quando se
trata de alunos com TEA, o software educacional vem auxiliando
cada vez mais os professores dentro de sala de aula no
desenvolvimento do seu aluno e buscando cada vez mais mostrar a
independência que esta criança poderá ter no futuro.

130
GRUPO DE TRABALHO 4: Direito da inovação, propriedade intelectual e
proteção do patrimônio cultural imaterial
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As metodologias usadas com base nos aplicativos podem


auxiliar o desenvolvimento cognitivo desta criança que possuem um
dos quadros clínicos o TEA, apresentar uma didática diferenciada
dentro de sala de aula pode projetar um futuro totalmente diferente
a essa criança mostrar desde cedo sua independência como
autonomia para tomar decisões.
Desta forma é possível observar que o uso da tecnologia
possibilitou novas aprendizagens para essas crianças, foi importante
analisar que esse meio de aprendizagem, é importante ressaltar que a
inserção da tecnologia fez com que essas crianças encontrassem
uma nova forma de pensar, e entrarem em contato com um novo
estimulo que exigiu delas o desenvolvimento de habilidades que
antes elas não tinham apenas com o aprendizado em sala de aula.

Referências
BENINI, W. C.; PAULO, A. A inclusão do aluno com transtorno do espectro autista na
escola na escola comum: desafios e possibilidades. Paraná, 2016. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes
_pde/2016/2016_artigo_ped_unioeste_wivianebenini.pdf. Acesso em: 20 ago.
2019.
O USO das Tecnologias Digitais no desenvolvimento de crianças com Tea. 29 out.
2018. Blog Educação Rhema. Disponível em:
https://blog.rhemaeducacao.com.br/tecnologia-digital-criancas-tea/. Acesso em:
20 ago. 2019.
VARELLA, B. M. H. Transtorno do Espectro Autista (TEA). Blog Drauzio Varella.
Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/transtorno-
do-espectro-autista-tea/. Acesso em: 20 ago. 2019.

131
PARTE II

DIREITOS HUMANOS, ECONOMIA E


SUSTENTABILIDADE
João Vitor Lavagnini Menezes; Liliane Castro dos Santos;
Vinicius Silva Martins Theodoro
-----------------------------------------------------------------------------------------------

PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL:


A traditional knowledge digital library como mecanismo de
salvaguarda dos direitos consubstanciados na Convenção
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

João Vitor Lavagnini Menezes1


Liliane Castro dos Santos2
Vinicius Silva Martins Theodoro3

Conhecimentos tradicionais são definidos como realizações


intelectuais desenvolvidas e transmitidas geracionalmente em uma
comunidade, integrando sua identidade cultural ou espiritual. Ao
curso do tempo, povos indígenas e comunidades locais foram alvo
de sérias violações de obrigações internacionais, principalmente sob
o prisma dos direitos culturais e das proteções que recaem sobre o
seu patrimônio imaterial. É certo que o sistema internacional
onusiano conta com o mecanismo da Convenção Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CIDESC) e de seu
respectivo Comitê (CESCR), que positivou os direitos de usufruir
dos benefícios do progresso científico, bem como de usufruir de
proteção dos interesses morais e materiais que resultem de qualquer
produção científica, literária ou artística de que se seja autor. Nesse
sentido, o Comitê realiza um importante trabalho em consubstanciar
essa proteção, de forma a assegurar que novas modalidades de
negociações não se tornem meios de burlar direitos assegurados pela
Convenção. Desse modo, o presente trabalho se propõe a analisar a
criação da Traditional Knowledge Digital Library (TKDL), na Índia,
como um método de proteção dos direitos sobre patrimônio

1 Universidade de São Paulo (USP), Pesquisador pelo Núcleo de Estudos Internacionais da


Universidade de São Paulo, joaolavagnini@usp.br.
2 Universidade de São Paulo (USP), lilianecastroo@usp.br.
3 Universidade de São Paulo (USP), viniciussmt@usp.br.

133
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
------------------------------------------------------------------------------------------------

cultural entronados na CIDESC. O mecanismo da TKDL, que


registra conhecimentos tradicionais provenientes de comunidades
locais do país, é uma importante fonte de referenciação que
possibilitou o mapeamento das violações ao patrimônio imaterial
dessas comunidades, principalmente no que concerne ao uso do
regime de propriedade intelectual para o registro indiscriminado de
patentes sobre elementos de conhecimento tradicional. A pesquisa a
ser realizada se insere nesse contexto e visa a responder a seguinte
pergunta: a Traditional Knowledge Digital Library é um instrumento
adequado para proteger o conhecimento dos povos tradicionais?
Para estimar tal questionamento, realizaremos pesquisa empírica,
compreendendo uma análise qualitativa das decisões de tribunais
indianos abordando temas ensejados pelo TKDL, a fim de avaliar a
materialização dos mecanismos de proteção ao patrimônio imaterial
das comunidades locais. Ademais, analisaremos comparativamente o
conteúdo das decisões supracitadas com as declarações emitidas
pelo CESCR sobre direito à cultura, bem como com notícias
relevantes sobre o assunto. Subsidiariamente, foi realizada pesquisa
doutrinária obre o tema. A TKDL mostra-se uma iniciativa bem-
vinda e um importante avanço para a proteção dos interesses dos
povos nativos. Apesar disso, sua execução é controversa: sua
conformidade com a Indian Copyright Act de 1957, o direito de
autodeterminação dos povos nativos e sua limitação de acesso são
alguns pontos levantados por críticos da medida. Nesse sentido, é
preciso ponderar as vantagens e os óbices do instituto, a fim de que
possamos avaliar a aplicabilidade efetiva de seu modelo em outras
jurisdições nacionais.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Patrimônio Cultural Imaterial.
Conhecimentos Tradicionais. TKDL. CIDESC. CESCR.

134
Leonardo Felipe de Oliveira Ribas

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BRASIL E O MAPA DA FOME: Análise crítico-jurídica dos


cercamentos aos comuns do direito humano à alimentação
adequada

Leonardo Felipe de Oliveira Ribas1

De acordo com os últimos dados acerca da situação de (in)


segurança alimentar da população brasileira processados e
divulgados pela POF/PNAD/IBGE de 2017-2018, em
17/09/2020, cerca de 10 milhões de brasileiros vivem em situação
de insegurança alimentar grave. De acordo com os indicadores da
Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), da FIES (Food
Insecurity Scale Experience) da FAO e o PoU (Prevalence of
Undernousihment) do Programa Alimentar Mundial, o Brasil está na
iminência de retornar ao Mapa da Fome. O objetivo do artigo é
estabelecer uma análise crítica dos cercamentos econômicos,
jurídicos e políticos sobre os comuns do direito humano à
alimentação adequada promovidos pelo sistema alimentar liberal-
produtivista agroindustrial brasileiro. Uma rede de corporações que
controla a cadeia da produção-distribuição-acesso-consumo de
alimentos. Nesse sentido, a metodologia se propõe a analisar: a) nos
cercamentos econômicos: os cercamentos corpóreos (na cadeia
econômica do regime alimentar) e incorpóreos (na comoditização,
na corporificação e organização da pressão da lógica proprietária
sobre os comuns); b) nos cercamentos políticos: o processo de
desconstrução do sistema e da política de segurança alimentar e
nutricional nos últimos anos; c) nos cercamentos jurídicos: a
gramática jurídica e o paradigma da classificação de bens civis pós-

1 Doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional pelo PPGD da PUC-Rio,


leofelipe25rj@hotmail.com.

135
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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pandectista que excluiu categorias comuns do direito romano como


“res nullius” e “res extra patrimonium” e como a classificação
binária apenas em bens públicos e privados favorece o mercado e a
comoditização de comuns. Apresentam-se como resultados parciais:
1) os dados empíricos da POF/PNAD/IBGE 2017-2018 sobre a
insegurança alimentar no Brasil que evidenciam o retorno do Brasil
ao Mapa da Fome e que o país não conseguirá cumprir as metas do
2º Objetivo do Desenvolvimento Sustentável da ONU da Agenda
2030. 2) Como o processo de desconstrução do sistema de
segurança alimentar implica no fortalecimento do sistema alimentar
agroindustrial brasileiro e, consequentemente, no controle sobre um
direito fundamental (a alimentação), no crescimento da desigualdade
social e na perda da soberania alimentar. Por fim, além dos dados da
pesquisa citada em epígrafe, há referências bibliográficas de autores
como Hardt/Negri, Dardot/Laval, Carducci, Vivero-Pol, que
exploram as categorias analíticas dos comuns, de cercamentos e o
processo de comoditização do direito humano à alimentação
adequada. Com isso, espera-se contribuir com o GT 1 que pretende
analisar os bens comuns e sua relação com os direitos fundamentais,
em uma perspectiva multinível e interdisciplinar.

136
Caroline Fockink Ritt; Luiza Eisenhardt Braun

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OS EFEITOS NEGATIVOS DE PRÁTICAS CORRUPTIVAS


COM RELAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À
SAÚDE DURANTE O ENFRENTAMENTO DA
PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL

Caroline Fockink Ritt1


Luiza Eisenhardt Braun2

O presente trabalho de pesquisa possui como temática as


consequências negativas de práticas corruptivas com relação ao
direito fundamental à saúde, especificamente durante o período de
pandemia de COVID–19 no Brasil. O problema que norteia a
pesquisa é: a deficiente prestação do direito fundamental à saúde,
durante a pandemia de COVID-19 acontece também devido a
práticas de corrupção? O método escolhido para este estudo é o
dedutivo, como técnica de pesquisa foi utilizada a documentação
indireta, por meio de revisão bibliográfica. Os resultados da pesquisa
demonstram que as principais práticas de corrupção que vêm
ocorrendo desde o início da pandemia de 2020 no segmento da
saúde pública são aquelas que envolvem o superfaturamento de
contratos, tanto daqueles que dizem respeito à aquisição de objetos
como máscaras, luvas e até mesmo equipamentos mais complexos
como respiradores pulmonares, quanto dos contratos firmados

1 Pós-doutoranda em Direitos Fundamentais na PUC – RS. Professora de Direito Penal no


Curso de Direito da UNISC. Coordenadora do Projeto de Pesquisa “As consequências
negativas de práticas corruptivas e má gestão na realização de políticas públicas com relação
ao direito fundamental à saúde” e do Projeto de Extensão “Enfrentamento da Violência
Doméstica e Familiar: Direitos da Mulher Agredida” em Montenegro – RS,
carolinefritt@gmail.com.
2 Graduanda do curso de Direito UNISC, Bolsista de Iniciação Científica PUIC sob a

orientação da professora Dra. Caroline Fockink Ritt na pesquisa “As consequências negativas
de práticas corruptivas e má gestão na realização de políticas públicas com relação ao direito
fundamental à saúde”. Bolsista do DAAD no Hochschulwinterkurs 2020,
luizaeise@hotmail.com.

137
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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visando a prestação de serviços, como a construção de hospitais de


campanha. Ademais, devido à flexibilização dos procedimentos de
contratação pública, também foram visualizadas situações nas quais
empresas que não preenchiam os requisitos necessários para o
oferecimento de determinado produto ou serviço restaram
contratadas pela administração pública para auxiliar no combate à
COVID-19. Partindo-se para um panorama geral da corrupção no
período pandêmico, evidenciou-se que o valor dos contratos
investigados sob suspeita de fraude, até o mês de junho, era de 1,07
bilhão de reais; todavia, não se sabe o quanto desse valor foi
efetivamente desviado dos cofres públicos. Além disso, até essa
data, 18 operações especiais foram deflagradas com a finalidade de
investigar irregularidades em diferentes locais ao redor do país,
incluindo capitais de Estados como Fortaleza, Recife, Rio Branco e
São Luís e também investigações de Âmbito estadual, como no Rio
de Janeiro e no Pará (SHALDERS, 2020). No que diz respeito às
consequências trazidas por tais práticas, infere-se que a corrupção
acaba por violar direitos humanos e fundamentais; nos casos
estudados, isso pode ser percebido diretamente na prestação do
direito fundamental à saúde. Isso se dá porque, com os inúmeros
recursos desviados e até desperdiçados, o sistema público de saúde
como um todo sofre prejuízos, gerando, por sua vez, uma
precarização dos serviços públicos, o que se torna ainda mais
alarmante no período de pandemia pelo qual o Brasil passa, havendo
uma necessidade maior de disponibilização e qualidade desses
serviços, especialmente para aqueles cidadãos que dependem
exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), não podendo
voltar-se para o meio privado a fim de ter seu direito à saúde
prestado. Conclui-se, portanto, que as práticas corruptivas
corrupção estão acontecendo em muitos estados causando efeitos
nefastos com relação ao direito fundamental à saúde, o que
evidencia a necessidade de combate efetivo de tais práticas, pois

138
Caroline Fockink Ritt; Luiza Eisenhardt Braun

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onde se trata a vida humana é onde deveria haver mais probidade e


transparência.
Palavras-chave: Corrupção. COVID-19. Direito fundamental à
saúde.
Referências
SHALDERS, ANDRÉ. 'Covidão' já atinge governos de sete Estados e valor
investigado chega a R$ 1,07 bilhão. BBC News, Brasília, 2020. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53038337. Acesso em 03 set. 2020. Não
paginado.

139
Maria Chiara Girardi
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I BENI COMUNI IN PROSPETTIVA DE IURE


CONDENDO: Spunti di riflessione a partire dallo studio delle
costituzioni andine

Maria Chiara Girardi1

La presente proposta intende analizzare il tema dei beni comuni,


quali beni strumentali alla tutela dei diritti fondamentali e allo
sviluppo della persona umana. In Italia, infatti, non è stata ancora
riconosciuta una categoria giuridica di beni comuni, nonostante
esistano diverse normative regionali e locali volte a tutelare tali beni.
Allo stesso tempo, inoltre, sia autorevole giurisprudenza che la
dottrina hanno fornito indicazioni utili per la classificazione
giuridica degli stessi. Si tratta, dunque, di una nozione de iure
condendo, che nasce dalla consapevolezza dei limiti del rapporto
proprietario, basato sul mero concetto di appartenenza, e che spinge
a ripensare il modello demaniale: ciò che rileva, infatti, è la funzione
sociale di tali beni, tesi a soddisfare i diritti riconducibili alla prima
parte della Costituzione. Qui vengono in rilievo tematiche di
estrema attualità, su cui si intenderà compiere qualche ulteriore
tentativo di indagine, a partire dal tema della partecipazione - quale
declinazione della sovranità popolare - del ruolo regolatore dello
Stato, nonché dell’importanza del tema della solidarietà. In questo
senso, gli ordinamenti costituzionali andini rappresentano un
modello paradigmatico e innovativo, per l'inclusione dei beni
comuni - quali beni funzionali allo sviluppo del benessere collettivo
(buen vivir) - nelle Carte costituzionali. Pertanto, dallo studio delle
Costituzioni andine si intende muovere per riflettere sulla categoria

1Dottoranda di ricerca in Diritti umani: teoria, storia e prassi - Università degli Studi di Napoli
Federico II, mariachiara.girardi@unina.it.

140
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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dei beni pubblici e sul modello di democrazia che li sottende. Quali


insegnamenti è possibile trarre dalle politiche di protezione e
valorizzazione dei beni comuni della cultura andina? Si tratta di
interrogativi complessi, che, a prescindere da logiche economiche e
concorrenziali, spingono a riflettere su una concezione attiva della
partecipazione dei cittadini, quale forma ulteriore di democrazia, che
si affianca alla rappresentanza, in un’ottica di collaborazione tra
istituzioni e cittadini per la creazione di uno spazio pubblico. In
questa prospettiva, una costituzionalizzazione della categoria
giuridica dei beni comuni contribuirebbe a rendere effettivo il
concetto di funzione sociale dei beni pubblici, in una logica di tutela,
fruibilità e accessibilità.
Parole-chiave: Beni comuni. Buen vivir. Democrazia. Funzione
sociale. Partecipazione.

141
Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

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JUSTIÇA CLIMÁTICA E A AGENDA 2030 DA ONU: A


cooperação internacional e os mecanismos multilaterais como
estratégias para o presente e futuro das infâncias

Wanda Helena Mendes Muniz Falcão1

Este trabalho volta-se para a discussão acerca da relação entre


sustentabilidade e infância, de forma específica no que toca à justiça
climática aos direitos da criança e à Agenda 2030 da Organização
das Nações Unidas (ONU); esta pesquisa encontra-se em fase inicial
de levantamento bibliográfico e de coleta de dados, tendo como
suporte os estudos no Direito Internacional, na Infância e na
Ecologia, com objetivo geral de analisar os impactos à população
infantil a respeito da poluição atmosférica compreendida, tomando
como base no Relatório apresentado em 2017 pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), o Inheriting a sustainable world? Atlas on
children’s health and the environment, no qual traz a tensão entre
sustentabilidade, bem-estar infantil e a degradação ambiental em
escala global. Neste sentido, tem-se como problema: Como estão
estabelecidos os mecanismos de execução das metas do Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) 13 da Agenda 2030 da ONU
para diminuição eficaz da poluição climática e de danos à saúde de
crianças? Como hipótese tem-se que este quadro deriva de ações
empresariais, da permissividade de controle e baixa fiscalização
estatal com relação aos poluentes liberados e do uso de
combustíveis fosseis transformados e expelidos no ar e que trazem
efeitos nocivos à saúde infantil, sendo esta uma violação à
Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 e aos Acordos

1Professora do Curso de Direito da FURB. Doutoranda e Mestre em Direito na Universidade


Federal de Santa Catarina (UFSC), wanda.hmmf@gmail.com.

142
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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Climáticos globais, bem como a Convenção Quadro das Nações


Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para a contenção desta
problemática, assim, a chave avistada na cooperação e no reforço de
mecanismos multilaterais para a alteração deste quadro. Como
resultados parciais, aponta-se que: (i) Por estar atrelado o conceito
de justiça climática aos direitos humanos e às mudanças climáticas,
há negligência dos Estados em promover políticas endereçadas à
proteção específica para crianças quanto à exposição à poluição do
ar; (ii) Uma vez vinculada aos direitos humanos, há falhas também
em pensar o desenvolvimento sustentável e isto viola às diretrizes da
Agenda 2030 da ONU, assinada por 193 Estados-partes, e que já
está sendo introjetada no ambiente doméstico de jurisdição, sendo
assim necessário o reforço de mecanismos para evitar estes danos
ambientais e que as populações, especialmente a infantil, possam
desenvolver-se de forma adequada; (iii) As infâncias, assim
entendidas na forma plural do termo, são atravessadas por essas
vivências de poluição e de restrição de bem-estar social e por isso
tem-se dados alarmantes, como consta em Relatório da OMS de
2017, como a mortalidade de mais de cinco milhões de crianças com
até cinco anos de idade por este fator; (iv) Apesar da consolidação
em textos normativos internacionais no âmbito da ONU e nos
Sistemas Regionais de Proteção de Direitos Humanos, há baixa
eficiência nas estratégias estatais para mudança deste quadro e de
atenção às metas do ODS 13, numa perspectiva de cooperação
firmada no multilateralismo. Como aspectos metodológicos, tem-se
que a metodologia de procedimento é dedutivo, como opção de
coleta de dados indireta mediante busca e exame de relatórios de
organizações internacionais, sendo feita análise qualitativa.
Palavras-chaves: Direito Internacional. Infâncias. Justiça climática.

143
Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

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Referências
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança
de 1989. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-
direitos-da-crianca. Acesso em: 19 out. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Agenda 2030 da ONU. Disponível
em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 19 out. 2020.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Inheriting a sustainable world? Atlas on
children’s health and the environment. Geneva/SWZ: World Health Organization,
2017. Disponível: https://www.who.int/ceh/publications/inheriting-a-sustainable-
world/en/. Acesso em: 19 out. 2020.

144
Alexandre Nogueira Pereira Neto

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ESTADO E DIREITOS SOCIAIS NA PERSPECTIVA


NEOLIBERAL

Alexandre Nogueira Pereira Neto1

O presente trabalho tem como proposta central analisar o art. 3º,


III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/1988) e os impasses de sua efetividade. Para que a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais e regionais se tornem possíveis, o Estado deve
manifestar uma atuação ativa na implementação de políticas públicas
com o fito de, por meio da efetivação dos direitos sociais, equalizar
os desequilíbrios sociais e econômicos. Atualmente, no País, pratica-
se uma política econômica que impõe graves entraves na qualidade e
na satisfação dos direitos sociais, impulsionada pelo neoliberalismo.
O neoliberalismo é uma linha econômica que não privilegia todos os
atores de determinado espaço social, mas, apenas, seletos grupos de
vultoso poder político e econômico. Isto é, a política econômica
neoliberal postula um Estado mínimo para as pessoas e um Estado
máximo para o capital. Dessa forma, enfrenta-se o seguinte
problema: o art. 3º, III, da CRFB/1988 determina que o Estado
promova políticas de enfrentamento das desigualdades sociais e, em
contrapartida, o neoliberalismo é uma corrente política e ideológica
que tem como premissa definidora de suas práticas o modelo de
Estado mínimo. A metodologia utilizada será a dialética, na medida
em que este trabalho possui dois elementos chaves: a necessidade de
efetivação do art. 3º, III, da CRFB/1988 contraposta à prática de

1Mestre em Direito, na linha de pesquisa Estado e Constituição, com área de concentração


em Direitos Sociais, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pós-graduando em Direito Constitucional pela
Academia Brasileira de Direito Constitucional, alexandrenpn@gmail.com.

145
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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medidas políticas, econômicas e sociais neoliberais no Brasil.


Conforme será demonstrado, esses elementos são antagônicos, pois
não convergem entre si. Assim, proceder-se-á de modo crítico à
análise da polaridade que reside entre esses dois objetos diferentes.
Pode-se concluir, preliminarmente, que o neoliberalismo é uma
ideologia contrária ao modelo de Estado Social e Democrático de
Direito. Este, por sua vez, tem como premissa a redução das
desigualdades sociais por meio de políticas públicas praticadas pelo
Estado. O neoliberalismo é uma forma ideológica de organizar a
política, a economia e a sociedade de um Estado com interesses
individuais e não coletivos. Por isso, o estudo demonstra que a
ideologia neoliberal é um contraestímulo a políticas de
desenvolvimento social, que possibilitam o acesso das camadas
sociais excluídas a direitos sociais fundamentais, uma vez que
rechaça a atuação ativa do Estado na promoção desses direitos.

146
Bruna Schneider; Helena Azeredo Orselli

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ANÁLISE DESCRITIVA E COMPARATIVA DA BIOÉTICA


DE PROTEÇÃO E DA BIOÉTICA DE INTERVENÇÃO

Bruna Schneider1
Helena de Azeredo Orselli2

O presente artigo analisa a origem, os fundamentos e os objetivos


das teorias latino-americanas da Bioética de Proteção e da Bioética
de Intervenção. Foram utilizados o método indutivo e as técnicas de
revisão bibliográfica e análise descritiva, a partir do material
levantado em fichamentos. Em lato sensu, a Bioética pode ser
conceituada como o ramo da ética que estuda as consequências das
ações humanas para a continuidade e a melhoria das condições de
vida na Terra, partindo de uma reflexão frente às questões morais
ligadas à vida do ser humano e dos demais seres vivos. A introdução
da Bioética no Brasil partiu da Bioética Principialista, que, pautada
em ideais universais, debate principalmente a liberdade de escolha
nas relações médico-paciente e nas pesquisas envolvendo seres
humanos. Essa vertente bioética se mostrou insuficiente para a
resolução dos macroproblemas enfrentados pelos países periféricos
do Sul, como a falta de moradia, alimentação, trabalho, transporte,
segurança, educação e saúde de qualidade. Surgiram, então, as
vertentes bioéticas latino-americanas críticas à importação de teorias
desenvolvidas para outras realidades socioeconômicas. A Bioética de
Proteção provém da necessidade de se distanciar da teoria
principialista, procurando superar o contexto desigual da sociedade
brasileira, indo além da autonomia dos pacientes frente aos

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), Bolsista de iniciação científica do programa


PIPe/ARTIGO 170 (pesquisa), brunaschneider43@gmail.com.
2 Orientadora. Departamento de Direito da Universidade Regional de Blumenau (FURB),

helena@furb.br.

147
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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tratamentos médicos, buscando amparar os indivíduos vulnerados


(SCHRAMM, 2008, p. 12-13). Destaca a diferenciação entre
vulneração de indivíduos e de grupos por razões sociais,
econômicas, raciais ou de gênero, e vulnerabilidade em geral,
oriunda da fragilidade do corpo e da vida humanas (KOTTOW,
2003, p.72). A Bioética de Proteção defende a assistência obrigatória
do Estado para com os vulnerados, cobrindo suas necessidades
essenciais, não se confundindo com paternalismo estatal, uma vez
que a proteção visa sanar os problemas decorrentes da vulneração,
respeitando a decisão dos indivíduos, já a prática paternalista é mais
incisiva, tomando decisões sem espaço à autonomia dos atingidos
pela ação (SCHRAMM; KOTTOW, 2001, p. 953- 954). A Bioética
de Intervenção também surge como crítica às teorias bioéticas
provenientes dos países desenvolvidos e se fundamenta no
utilitarismo, propondo, no âmbito da coletividade, que a prioridade
das políticas públicas seja melhorar as condições de vida e de saúde
dos excluídos socialmente, privilegiando o maior número de pessoas
pelo maior tempo, de modo que o resultado final beneficie a todos,
por viverem uma sociedade mais igualitária (GARRAFA; PORTO,
2008, p. 89). Na questão individual, a Bioética de Intervenção
procura solucionar os problemas regionais com soluções regionais.
Os discursos críticos das Bioéticas de Proteção e de Intervenção
têm como objetivo empoderar o excluído, afastando-se da lógica
individualista e universalizante da Bioética Principialista. As duas
vertentes da Bioética social estudadas apontam que não se pode
mirar exclusivamente os problemas relacionados à vida e à saúde do
ser humano, mas se deve também reduzir as desigualdades sociais
persistentes que atingem grande parcela das populações latino-
americanas, a partir da efetivação os direitos fundamentais por meio
principalmente de políticas públicas e ações de entidades privadas e
não governamentais, visando à construção de uma sociedade mais
justa e igualitária, visando ao bem comum.

148
Bruna Schneider; Helena Azeredo Orselli

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Palavras-chave: Bioética de Proteção. Bioética de Intervenção.


Cidadania. Direitos fundamentais. Igualdade social. Justiça social.
Referências
GARRAFA, V.; PORTO, D. Interventional bioethics: epistemology for peripheral
countries. Journal International de Bioéthique, 2008 vol. 19, n. 3, p. 87-104. Disponível
em: https://www.cairn.info/revue-journal-international-de-bioethique-2008- 1-
page-87.htm. Acesso em: 10 maio 2019. Acesso restrito.
KOTTOW, M. Comentários sobre bioética, vulnerabilidade e proteção. In:
GARRAFA, Volnei; PESSINI, Leocir (org.). Bioética: poder e injustiça. São Paulo:
Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2003. p. 71-78.
SCHRAMM, F. R.. Bioética da proteção: ferramenta válida para os problemas
morais na era da globalização. Revista Bioética, Conselho Federal de Medicina,
Brasília, v. 16, n. 1, p. 11-23, 2008. Disponível em:
http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/52.
Acesso em: 02 ago. 2019.
SCHRAMM, F. R.; KOTTOW, M. Principios bioéticos en salud pública:
limitaciones y propuestas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 949-956,
2001. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X20010004000
29& lng=en&nrm=iso. Acesso em: 22 ago. 2019.

149
Bruna Sueko Higa de Almeida

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DIÁLOGOS ENTRE SISTEMAS REGIONAIS E


NACIONAIS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Bruna Sueko Higa de Almeida1

O estopim das mais bárbaras violações de direitos humanos, durante


a Segunda Guerra Mundial, impulsionou um esforço a nível mundial
para impedir que a humanidade fosse dizimada e garantir a proteção
dos direitos mais básicos do ser humano (RAMOS, 2016). Desta
reação, a fim de assegurar e fortalecer dita garantia, ascenderam
Sistemas Regionais de proteção de direitos humanos (AMARAL,
2020). Neste cenário, surge a questão de como impedir um embate
entre interesses do Estado soberano e as premissas do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (TRINDADE, 1993; RAMOS,
2007). Propõe-se que o diálogo entre os sistemas regionais e
nacionais é essencial para contornar esse possível embate
(PIOVESAN, 2020). Analisa-se, neste artigo, a partir dos
mecanismos institucionais brasileiros em prol do cumprimento da
sentença do Caso Favela Nova Brasília (CORTE IDH, 2017), como
este diálogo realmente ocorre. A metodologia adotada incluiu
pesquisa jurisprudencial nacional, principalmente em julgados do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,
buscando-se os termos “Corte Interamericana de Direitos
Humanos” e “Convenção Americana de Direitos Humanos” após a
data da sentença internacional (2017); buscou-se também
publicações oficiais, referentes ao Caso Favela Nova Brasília, do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), da Comissão de

1 Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisadora e


Coordenadora do Núcleo de Estudos Internacionais da FDUSP. Estagiária do Núcleo de
Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
brunahigalm@gmail.com.

150
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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Direitos Humanos e Legislação Participativa, do Ministério Público


do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Procuradoria Geral do
Estado (PGE); incluiu-se também, por fim, pesquisa pelos
mecanismos de supervisão de cumprimento de sentença da própria
Corte Interamericana. A pesquisa demonstrou, até o momento que,
apesar do status oficial divulgado pela Corte, de cumprimento
parcial pelo Estado brasileiro, apenas quanto a medidas de
publicação da sentença, tem havido uma articulação de órgãos
internos de proteção dos direitos humanos em prol do
cumprimento das demais medidas. Pressupõe-se, assim, que os
mecanismos institucionais internos realmente dialogam com o
sistema regional e que este diálogo é essencial, tanto para assegurar a
garantia de proteção de direitos fundamentais a nível nacional,
quanto para a manutenção do próprio Sistema Interamericano de
Direitos Humanos.
Palavras-chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Proteção nacional de direitos fundamentais. Diálogos dos sistemas
de proteção.

Referências
AMARAL JR, A. Os sistemas regionais de proteção de direitos humanos: uma
visão holística. In: AMARAL JR., A.; PIOVESAN, F.; DANESE, P. M.. 50 anos da
Convenção Americana de Direitos Humanos - O Sistema Interamericano: Legado,
Impacto e Perspectivas. São Paulo: JusPODIVM, 2020, v.1, p. 36.
CORTE IDH. Caso Favela Nova Brasília Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 16 de fevereiro de 2017. Série C No. 333.
PIOVESAN, F. O impacto da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos e a emergência de um novo paradigma jurídico. In: AMARAL JR., A.;
PIOVESAN, F.; DANESE, P. M. 50 anos da Convenção Americana de Direitos Humanos
- O Sistema Interamericano: Legado, Impacto e Perspectivas. São Paulo:
JusPODIVM, 2020, v.1, p. 48.

151
Bruna Sueko Higa de Almeida

-------------------------------------------------------------------------------------------------

RAMOS, A. C. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 6. ed., São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 35.
RAMOS, A. C. O diálogo das Cortes: o STF e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007.
TRINDADE, A. A. Cançado. A interação entre direito internacional e o direito interno na
proteção dos direitos humanos. Arquivos do Ministério da Justiça, 1993, pp. 27-54.

152
Helena Luize Fiamoncini e Tatiani Heckert Braatz

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GIG ECONOMY: A precarização das relações de trabalho no


Brasil e os afrontes aos direitos fundamentais do trabalhador
informal

Helena Luize Fiamoncini1


Tatiani Heckert Braatz2

Este artigo dedica-se a expor a atual precarização das relações de


trabalho no Brasil, suscitando o debate acerca dos desdobramentos
que advém dessa crise no direito trabalhista, dando enfoque ao
trabalho informal e sua nova roupagem: a Gig Economy. O trabalho
informal no Brasil pode ser caracterizado por ser uma modalidade
de trabalho de baixa produtividade e má remuneração causando um
impacto além do trabalhador individual. Dentro da espécie de
trabalho informal, uma modalidade cresce exponencialmente,
intensificada pelas novas formas de interação proporcionadas pelas
tecnologias e se desenvolve com base em um discurso econômico
recente. O termo “Gig Economy”, descreve “um sistema de arranjos
de trabalhos flexíveis, sob demanda e transitórios”
(SUTHERLAND, JARRAHI, 2017, p. 3, tradução nossa), sendo
sob o espectro dessa nova forma de relação laboral que houve o
estudo dos impactos sociais, como marginalização e desigualdade,
advindos dessa modalidade de trabalho informal. Outrossim, este
artigo tem como objetivo apresentar a problemática que recai sobre
o Direito do Trabalho, mas que também deve ser abordada na
esfera constitucional, a fim de garantir que não haja violação de

1Universidade Regional de Blumenau (FURB), helenaluizef@gmail.com.


2Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em
Direito do Trabalho e Direito Previdenciário (UNIVALI). Especialista em Direito Processual
Civil (FURB). Professora titular do Curso de Direito da Universidade Regional de Blumenau
(FURB). Pesquisadora no grupo de pesquisa JUSTEC - Justiça, Educação e Ciência, da
Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Advogada, tatiani@furb.br.

153
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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direitos fundamentais do trabalhador. Desta maneira, é questionado


o papel estatal na proteção dos direitos fundamentais dos
trabalhadores informais, que atualmente, acaba por excluir de sua
tutela justamente uma classe trabalhadora vulnerável, marginalizada
e desprovida de qualquer assistência. A metodologia utilizada foi a
revisão sistemática de literatura juntamente com o método dedutivo,
sendo possível apontar como resultados que o desmonte da
legislação trabalhista aliado à inserção de novas tecnologias no
cotidiano da sociedade, a abertura e intensificação da globalização,
assim como a expansão de correntes de mercado neoliberais
provocaram a precarização das condições de laborais, sendo
compreendida por atender aos interesses do capital em detrimento
dos direitos trabalhistas e fundamentais já consolidados no
ordenamento jurídico brasileiro. Isto é, embora o Direito do
Trabalho atualmente apenas garanta sua tutela aos trabalhadores
formais, é por definição constitucional e principiológica, dever do
Estado proporcionar algum tipo de proteção a classe de
trabalhadores informais, em especial os trabalhadores que atuam na
conhecida Gig Economy; Esses trabalhadores são expostos a
condições de trabalho degradantes, como jornada de trabalho
exaustiva, renda mensal frequentemente abaixo do salário mínimo
vigente, ausência de acesso ao auxílio doença (especialmente em
casos de acidentes ocorridos durante a jornada de trabalho), seguro
desemprego, férias remuneradas e qualquer aparato Estatal, já que
nem mesmo conseguem obter do judiciário o reconhecimento de
que tal relação jurídica trata-se vínculo de emprego. Portanto,
compreendendo o descaso e situação marginalizada que vivem a
população de trabalhadores informais no Brasil, é preciso reiterar a
ideia de valor social do trabalho consagrado pela Constituição
Federal de 1988, onde nas palavras de Ruy Braga (2017 apud
CARDOSO, 2017, p. 887) “é necessário impulsionar um
movimento de emancipação e de proteção social contra as

154
Helena Luize Fiamoncini e Tatiani Heckert Braatz

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investidas da mercantilização do trabalho”, para então, poder


disseminar um novo modo de vida, onde o trabalho enfim seja
dotado de dignidade, e que não submeta nenhum trabalhador a
condições precarizadas a fim de garantir a sua sobrevivência.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Gig Economy.
Marginalização Social. Precarização das Relações Trabalhistas.
Trabalho Informal.
Referências
CARDOSO, F. G. Rebeldia com horizonte de emancipação ou pela proteção do
trabalho? In: BRAGA, R. Rebeldia do Precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul
global. São Paulo: Boitempo, 2017. 269 p.
SUTHERLAND, W; JARRAHI, M. H. The gig economy and information
infrastructure: The case of the digital nomad community. Proceedings of the ACM on
Human-Computer Interaction, v. 1, n. CSCW, p. 1-24, 2017.Disponível em:
https://dl.acm.org/doi/abs/10.1145/3134732. Acesso em: 02 maio 2020.

155
Bruna Thaís Heinen; Júlia Famoso Piotrowski

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DIREITOS FUNDAMENTAIS À LUZ DAS AUDIÊNCIAS


VIRTUAIS

Bruna Thaís Heinen1


Júlia Famoso Piotrowski2

Com o advento da pandemia do novo coronavírus surge a


necessidade de adaptação das instituições aos novos moldes sociais,
onde se busca ao máximo o distanciamento social. Porém, a
adaptação do judiciário brasileiro a partir do modelo de Plantão
Extraordinário, adotado pelo Conselho Nacional de Justiça, faz
questionar se os direitos fundamentais seguem intactos em meio a
uma nova realidade que agora é virtual e tecnológica. A pesquisa se
dá a partir dos questionamentos: são as audiências virtuais a
salvação? Há restrições ao uso desse recurso? Os direitos
fundamentais estão sendo feridos? Visando a formulação dos
resultados pretende-se investigar as vantagens e desvantagens do
uso das videoconferências, analisando as consequências já
observadas a partir de uma ótica que proteja aos direitos
fundamentais e encare o sistema jurídico como serviço essencial que
não pode ser interrompido nesse período pandêmico. Como
metodologia, emprega-se o método de abordagem indutivo, dado
que a análise parte de pontos específicos para chegar a conclusões
gerais sobre as audiências virtuais e suas consequências ao judiciário
e ao direito. Como método de procedimento aplica-se o
comparativo, na verificação das vantagens e desvantagens do uso de
videoconferências, e o monográfico, na análise das diferentes
dificuldades enfrentadas no sistema jurídico destacando as dos

1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), integrante do Grupo de Pesquisa em Direito


da Sociobiodiversidade vinculado a UFSM, bruna.heinen2014@gmail.com.
2 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), integrante do Grupo de Pesquisa em Direito

da Sociobiodiversidade vinculado a UFSM, famoso.julia@gmail.com.

156
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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advogados, das Defensorias Públicas e da Justiça do Trabalho. E,


finalmente, como técnicas de pesquisa emprega-se a documental e a
bibliográfica. Entre os advogados, houve uma manifestação a nível
nacional que resultou em sugestões encaminhadas ao Conselho
Nacional de Justiça visando diminuir os impactos negativos
enfrentados por esses profissionais, entre as sugestões está a
flexibilização do regime, que tornaria as audiências virtuais um
instrumento utilizado apenas em casos onde fosse possível e onde
houvesse uma real necessidade. Essa flexibilização favorece a
proteção dos direitos fundamentais ao buscar não ferir princípios
constitucionais como o da ampla defesa e do contraditório. Para
além das urgências dos advogados, pautas como a
constitucionalidade do júri e a incomunicabilidade de testemunhas
também devem ser verificadas, afinal, são imprescindíveis à garantia
do devido processo legal. Nas defensorias e na Justiça do Trabalho,
a isonomia processual é ameaçada pela falta de acesso aos meios
tecnológicos por parte dos jurisdicionados, essa falta de acesso se dá
tanto pela falta de letramento digital quanto pelo acesso a
computadores e internet de qualidade. Porém, diante de tantas
dificuldades ainda não há de se pensar na hipótese da abolição do
uso das videoconferências, visto que tem garantido a continuidade
dos serviços prestados, serviços de caráter essencial à sociedade, que
não podem esperar até o fim da pandemia. Apesar de estarem longe
de ser um modelo ideal, as audiências virtuais ainda são um
instrumento interessante, e, para uma redução de possíveis
malefícios, deve-se utilizá-las com cautela a fim de não violar
direitos.
Palavras-chave: Audiências online. Pandemia. Direitos
Fundamentais.

157
César Augusto Martins Carnaúba

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DIREITO INTERNACIONAL E LITIGÂNCIA


REPETITIVA: O Sistema Interamericano de Direitos
Humanos como instrumento de ampliação do acesso à justiça

César Augusto Martins Carnaúba1

Em seu artigo “Why the ‘haves’ ccome out ahead”, Marc Galanter
estabelece uma distinção entre repeat players (jogadores habituais) e
one-shotters (participantes eventuais) em um processo judicial,
destacando a evidente desvantagem sofrida por aqueles que não
atuam usualmente nessa seara de controvérsias. Tal desvantagem é
agravada no caso de litigância contra os repeat players, que utilizam
probabilidades e a própria estrutura do sistema a seu favor. O
presente trabalho parte do marco teórico de Galanter para
investigar, sob a perspectiva de acesso à ordem jurídica justa, os
incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDR) instaurados
e julgados envolvendo a poluição hídrica em decorrência do desastre
ocorrido em novembro de 2015, em Mariana/MG, com o
derramamento de resíduos da “Barragem do Fundão” da Samarco-
Mineradora, assim como o pedido de suspensão nacional de
demandas semelhantes feito no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O estudo parte da hipótese de que o participante eventual – no caso,
os indivíduos lesados que ajuizaram ações indenizatórias em face da
Samarco-Mineradora – enfrentou desvantagens estruturais no Poder
Judiciário que, em última análise, representaram um déficit em
termos de acesso à justiça. Assim, o trabalho investiga alternativas
processuais a esses participantes eventuais que poderiam ter sido
exploradas (ou poderão ser exploradas em casos futuros) para fins
de permitir um acesso a uma tutela jurisdicional mais adequada. A

1 Mestrando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São


Paulo. Bacharel pela mesma instituição. Advogado e mediador em São Paulo,
ccarnauba@vh.adv.br.

158
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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metodologia a ser utilizada pode ser dividida em duas frentes: na


primeira, parte-se de pesquisa empírica consistente no estudo de
caso dos IRDR supramencionados; a seguir, faz-se pesquisa
normativa e dogmática, essencialmente de caráter hipotético, para
verificar a adequação em tese do SIDH para “reequilibrar” as
posições de jogadores habituais e participantes eventuais. A
principal alternativa estudada é a de utilizar O Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), cujo caráter
promissor foi constatado em sede de resultados parciais. No
entanto, o estudo revelou que muitas das desvantagens da dinâmica
repeat players vs. one shotters pode ser verificada perante o SIDH,
considerando que a parte demandada é sempre o Estado. Resta
analisar se o recurso ao SIDH é efetivo no caso de demandas
repetitivas.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Direitos humanos. Direito
processual.

159
Bernardo de Souza Dantas Fico

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A VERDADE EM NÚMEROS: A corte interamericana segue


seus padrões de duração razoável do processo?

Bernardo de Souza Dantas Fico1

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão supervisor do


Pacto de San José da Costa Rica, é reconhecida nas Américas como
bastiã da defesa aos direitos humanos com um viés de interpretação
progressista. Dentre suas teses mais famosas está seu entendimento
a respeito da duração razoável de processos nos países sob sua
jurisdição. Entende a Corte que a celeridade de processos depende
de quatro critérios: a) complexidade do caso, b) atividade processual
das partes interessadas, c) conduta das autoridades, e d) impacto do
tempo na demanda. O desenvolvimento da jurisprudência
interamericana ocorre paralelamente ao da Corte Europeia de
Direitos Humanos, com a qual há fertilização cruzada no processo
(CARVALHO RAMOS, 2017). Com a maturação de
posicionamento a respeito do prazo razoável, surge uma doutrina
sem parâmetros temporais claros, e circunstancial (PASTOR, 2002),
o que causa uma grande zona cinzenta. Um dos mecanismos para
reduzir esta incerteza é a divisão dos estágios do processo, os quais
devem ser analisados individualmente (CORTE EUROPEIA, 1993).
A alteração de uma destas fases pode, por si só, indicar uma
violação das obrigações estatais. Ao se observar estes períodos,
contudo, há que se ter claro que processos indevidamente velozes
podem ser tão prejudiciais quanto aqueles que se arrastam por
décadas. É com base nestas premissas, e no detalhamento
jurisprudencial da Corte Interamericana, que se pretende responder

1LL.M. em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Northwestern Pritzker School
of Law (Chicago, Estados Unidos da América), Graduado em Direito pela Universidade de
São Paulo, bsd.fico@gmail.com.

160
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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à questão: os processos no sistema interamericano de direitos


humanos obedecem a seu próprio parâmetro de duração razoável
do processo? A conclusão parcial da pesquisa indica que há casos no
Sistema Interamericano que extrapolam uma, às vezes duas,
décadas. Ainda que a complexidade dos casos seja alta, é improvável
que este prazo seja razoável. A coleta de dados analisa todos os 85
(oitenta e cinco) casos decididos pela Corte Interamericana entre os
anos de 2012 e 2017, do momento em que as petições foram
apresentadas ao Sistema Interamericano, via Comissão
Interamericana, até a data da sentença pela Corte. A título de
comparação, são explorados dados da Corte Europeia quando
disponíveis. O recorte temporal considera que no ano de 2018
houve uma injeção de capital no Sistema Interamericano a qual
distorceria as análises enquanto não se puder delimitar claramente o
período adaptativo do Sistema Interamericano à nova verba, e a
definição de um novo padrão de normalidade processual. O recorte
se mantém relevante como parâmetro comparativo objetivo da
evolução da Corte Interamericana ao longo do tempo, o qual poderá
demonstrar por contraste se este novo investimento no Sistema
Interamericano causou impactos positivos à celeridade processual
interamericana nos casos analisados pela Corte.
Palavras-chave: Corte Interamericana. Celeridade processual
interamericana. Direitos Humanos. Duração razoável do processo.
Referências:
CARVALHO RAMOS, André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem
Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
PASTOR, Daniel R. El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho. 1.ed.
Konrad Adenauer Stiftung, 2002.
CORTE EUROPEIA. Scopelliti v. Italy, European Court of Human Rights,
Application Nº 15511/89. 1993.

161
Guido Saltelli

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SOLIDARIETÀ E SUSSIDIARIETÀ: La tutela effettiva dei


diritti fondamentale, in particolare del diritto alla salute

Guido Saltelli1

Il presente contributo evidenzia il difficile momento storico in cui i


diritti fondamentali rischiano di essere “compressi”. L’analisi si
incentra sul rapporto tra solidarietà e sussidiarietà muovendo, in
primo luogo, da una dimensione extra-giuridica. Infatti, i principi di
solidarietà e sussidiarietà, prima ancora di essere riconosciuti
all’interno della nostra Carta Costituzionale, sono valori
fondamentali dello Stato democratico. Dopo aver brevemente
analizzato tali principi, la riflessione pone in risalto che il
riconoscimento formale di tali valori nella Costituzione non è
sufficiente a garantirne il rispetto. Pertanto, il filo conduttore
dell’analisi è la valorizzazione dello stesso legame che intercorre tra i
due principi, i quali si muovono lunga una linea direttrice comune e
si contemperano costantemente al fine di dare attuazione concreta ai
diritti fondamentali degli individui. Soltanto questo continuo e
stretto legame dei principi di solidarietà e sussidiarietà è garanzia di
una tutela piena ed effettiva dei diritti fondamentali. Infatti, nella
nuova concezione di Stato che si muove sempre di meno su una
dimensione sociale, è importante individuare quali sono gli
strumenti a disposizione dei cittadini per vedersi garantiti i diritti,
evitando possibili forme di disparità di trattamento. Non è, infatti,
concepibile che i diritti fondamentali non siano adeguati tutelati,
perché è necessario prescindere dal mero riconoscimento formale
dei diritti e perseguire un riconoscimento di matrice sostanziale

1Dottorando di Ricerca in Diritti Umani. Teoria, Storia e Prassi - Università Federico II di


Napoli, guido.saltelli@unina.it.

162
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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strettamente legato alla giusta dimensione dei principi di solidarietà e


sussidiarietà. Emblematico è quello che è successo relativamente al
diritto alla salute. Il fenomeno di progressiva
“deresponsabilizzazione” dello Stato ha avuto l’effetto di lasciare il
spazio all’inizia dei privati anche in relazione ad un diritto
fondamentale come quello della salute, con la conseguenza di una
decisiva ed evidente lacuna nella tutela di tale diritto. L’obiettivo
finale del lavoro è, quindi, di dimostrare il ruolo fondamentale dello
Stato nella tutela dei diritti fondamentali, soprattutto nella necessità
di un intervento diretto per far sì che tali diritti non siano
meramente riconosciuti bensì garantiti in maniera indiscriminata a
tutti i cittadini.
Parole chiave: Diritto alla Salute. Garanzia. Diritti Fondamentali.
Solidarietà. Sussidiarietà.

163
Clarissa de Souza Guerra; Fabiana Barcelos da Silva Cardoso

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O DIREITO CONSTITUCIONAL À ALIMENTAÇÃO:


Estudo da regulamentação realizada pela lei de segurança
alimentar e nutricional diante da consideração dos interesses
dos animais no ordenamento jurídico brasileiro

Clarissa de Souza Guerra1


Fabiana Barcelos da Silva Cardoso2

A alimentação é um direito humano fundamental, reconhecido


internacionalmente e, no Estado brasileiro, consagrado na
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Uma alimentação
segura implica no acesso a alimentos de qualidade e em quantidade
suficiente à subsistência humana, efetivando a segurança alimentar e
nutricional (BURLANDY, 2009, p. 03). Ao alimentar-se, o ser
humano relaciona-se com a natureza, pois os produtos advêm da
transformação de recursos naturais (VALENTE, 2002) e, quanto ao
consumo de alimentos de origem animal, interessa apontar que o
hábito implica no sacrifício dos animais (SORDI, 2013). Por isso, as
discussões em torno da consideração dos interesses de todas as
espécies vivas, propondo um tratamento igualitário entre elas,
ponderando que os animais são seres sencientes e, assim, possuem
interesses a serem respeitados (SINGER, 2010). Nesses termos, o
estudo se voltou à busca de respostas para a questão: “No que
condiz à efetivação das normas de segurança alimentar e nutricional
e, analisando as formas alternativas de alimentação, que consideram
os interesses dos animais, qual é o papel do Estado para resguardar a
opção por uma alimentação sem proteína animal?”. A metodologia
adotada foi o método dedutivo, com a análise do direito humano à

1 Mestre em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),


clarasouzaguerra@hotmail.com
2 Docente do Curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e

Missões Campus Santiago, fabiana.barcelos@urisantiago.br.

164
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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alimentação adequada, a partir da Lei de Segurança Alimentar e


Nutricional, e das formas alternativas de alimentação, no que tange à
regulamentação e amparo estatal a estas. Utilizou-se de pesquisa em
documentação indireta, a partir do estudo da legislação pátria e
internacional, bem como de pesquisa bibliográfica. Como
procedimento, adotou-se o histórico-comparativo, com a análise de
como o direito à alimentação se constituiu no Brasil e os
desdobramentos históricos da consideração dos interesses dos
animais. Por fim, confrontou-se as temáticas e passou-se a análise
das formas alternativas de alimentação e a respectiva
regulamentação do Estado. Embora a CF/88 assegure que o meio
ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos,
percebe-se que não há uma efetiva proteção às prerrogativas dos
animais. Em consonância com a igual consideração de interesses,
acentuam-se as formas alternativas de alimentação, que não
contemplam a proteína animal, conhecidos como veganismo e
vegetarianismo. Estes propõem estilos de vida humana, que não
implicam em sofrimento e dor aos animais, pois os adeptos se
abstêm do consumo de produtos de origem animal ou reduzem esse
consumo, abandonando ou atenuando práticas especistas. Ocorre
que os adeptos desses formatos alimentares alternativos, na
qualidade de consumidores, encontram dificuldades para alimentar-
se de forma segura, pois há certa resistência dos fornecedores,
principalmente, em cidades interioranas, quanto aos produtos
veganos ou vegetarianos (TRIGUEIRO, 2013). Nesse contexto, ao
estabelecer direitos básicos do consumidor, o Código de Defesa do
Consumidor prevê o direito à informação correta, adequada e clara
como uma prerrogativa dos brasileiros (BRASIL, 1990). Cabe ao
Estado possibilitar o exercício do direito à alimentação adequada
àqueles que optam pelo veganismo ou vegetarianismo, já que estes

165
Clarissa de Souza Guerra; Fabiana Barcelos da Silva Cardoso

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são práticas que viabilizam a preservação ambiental e o bem-estar


animal bem como contribuem, positivamente, para a saúde humana.
Palavras-chave: Interesses dos animais. Formas alternativas de
alimentação. Segurança alimentar e nutricional.
Referências
BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 out. 1988. Seção
1, p. 1.
BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 set. 2006. Seção 1, p.1.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 set. 1990. Seção 1, p. 1.
BURLANDY, L. A construção da política de segurança alimentar e nutricional no
Brasil: estratégias e desafios para a promoção da intersetorialidade no âmbito
federal de governo. Ciência e Saúde Coletiva. jun. 2009. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/250028448. Acesso em: 05 mar. 2017.
SINGER, P. Libertação Animal/ Peter Singer; tradução Marly Winckler, Marcelo
Brandão Cipolla; Revisão técnica Rita Paixão. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2010.
SORDI, C. De carcaças e máquinas de quatro estômagos: Estudo das controvérsias sobre
o consumo e a produção de carne no Brasil. Orientador: Bernardo Lawgoy. Porto
Alegre, 2013. Disponível em:
www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/70673/000877368.pdf?sequence=1.
Acesso em: 07 set. 2016.
TRIGUEIRO, A. Consumo, ética e natureza: o veganismo e as interfaces de uma
política de vida. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, UFCS, v. 10, n. 01,
Florianópolis, 2013.

166
Layra Linda Rego Pena; Milena Petters Melo

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ECOLOGIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE


INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Layra Linda Rego Pena1


Milena Petters Melo2

Crise é uma palavra bem presente no cotidiano hodierno. Isso


porque, o século passado e o atual foram profundamente marcados
por crises em diversas áreas e em vários âmbitos, locais e mundiais.
De todas as crises, uma ganha especial destaque no cenário
internacional no final do século passado: a crise ecológica. Essas são
as consequências do longo período em que a relação entre direito e
meio ambiente foi desenvolvida sob o paradigma antropocêntrico,
separando os direitos humanos dos direitos ambientais e vendo a
natureza a partir de uma visão utilitarista antropocêntrica. Assim,
ainda que tardiamente, a comunidade internacional começou a
perceber o quanto os problemas ambientais não respeitam as
fronteiras dos países e, por isso, para mitigar suas consequências é
primordial a cooperação internacional. Além disso, percebeu-se
também que os ditos problemas ambientais paulatinamente
deixavam de se apresentar como simples problemas e passaram a
1 Pós-graduanda em Direito Constitucional Aplicado (LEGALE). Bacharel em Direito pela
Universidade Regional de Blumenau (FURB). Integrante do Núcleo de Estudos em
Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (CONSTINTER / FURB) e do Grupo
de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
layrapena2@gmail.com.
2 Doutora em Direito, Università degli Studi di Lecce (Itália). Professora Titular de “Direitos

Humanos e Sustentabilidade” e de Direito Constitucional da Universidade Regional de


Blumenau (FURB). Professora Associada da Academia Brasileira de Direito Constitucional
(ABDConst). Professora do Doutorado em Diritto Comparato e Processi di Integrazione,
Università degli Studi della Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Coordenadora para a área
lusófona do Centro Didattico Euroamericano Sulle Politiche Costituzionale (Cedeuam,
Università del Salento, Itália-Brasil/FURB). Coordenadora do Núcleo de Estudos em
Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-FURB). Pesquisadora do
Institut International d’Étude et Recherche sur les Biens Communs (Paris/Napoles),
mpettersmelo@gmail.com.

167
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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representar verdadeira ameaça à continuidade da vida na Terra. É


nesse cenário que surge a necessidade de ecologizar o direito na
tentativa de superar o paradigma antropocêntrico que fundamentou
as ações antrópicas de exploração do planeta ao ponto de trazer à
discussão a possibilidade de uma nova era geológica, o
Antropoceno. Nesse contexto, surge a problemática: será que os
sistemas de proteção dos direitos humanos estão atentos às questões
ambientais, em especial a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, por fazer parte do Sistema em que o Brasil está
submetido? E, se está, de que forma realiza essa tutela? Assim, o
presente estudo objetiva identificar como está sendo feita e, se está,
a tutela do meio ambiente, pela Corte Interamericana, considerando
o importante papel que as Cortes regionais possuem no processo de
Ecologização do direito. Ademais, nas últimas décadas o Sistema
Interamericano de Direitos Humanos tem se mostrado um expoente
no que tange à expansão dos direitos da Natureza, mormente
através de sua ampla jurisprudência sobre o tema e diversidade na
resolução dos casos. Para tanto, utilizou-se o método de abordagem
dedutivo e o método de procedimento monográfico, elegendo a
interdisciplinaridade como uma opção de abordagem temática.
Utilizou-se, ainda, das técnicas de pesquisa bibliográfica, documental
e jurisprudencial. Dessa forma, o presente estudo se divide em três
partes. A primeira delas dedica-se à apresentação do
desenvolvimento histórico do direito internacional dos direitos
humanos e do direito internacional ambiental, visando demonstrar a
falsa dicotomia existente entre essas duas áreas. Além disso, são
apresentados brevemente os sistemas regionais de proteção dos
direitos humanos existentes hoje no mundo e alguns delineamentos
desses sistemas no que toca à proteção ambiental. A segunda parte
concentra-se no processo de reconhecimento do direito humano ao
meio ambiente como um passo para ecologização do direito.
Ademais, perpassa algumas questões da crise ambiental,

168
Layra Linda Rego Pena; Milena Petters Melo

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antropoceno e ecologização. Por fim, a terceira e última parte


ocupa-se na demonstração do processo de ecologização da
jurisprudência da Corte Interamericana até a resoluta afirmação da
ecologização com a Opinião Consultiva 23/2017 e seus efeitos
sobre a recente decisão do caso Nuestra Tierra vs Argentina.
Palavras-chave: Ecologização. Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Opinião Consultiva 23/17. Nuestra Tierra vs Argentina.

169
Bruna B Oliveira e Valéria R Nascimento
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“O VÍRUS” QUE AMEAÇA A DEMOCRACIA: A violação do


direito constitucional à liberdade de informação no
enfrentamento da COVID-19 pelo governo brasileiro

Bruna B Oliveira1
Valéria R. Nascimento2

Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS)


identificou a transmissão de um novo tipo de coronavírus nomeado
SARS-CoV-2, em Wuhan, na China. Da mesma família da MERS,
síndrome respiratória do Oriente Médio, descoberta em 2012 e da
SARS, síndrome respiratória aguda grave, detectada em 2002,
coronas são vírus de gripe comuns que infectam diversas espécies
animais, mas apenas em casos excepcionais atingem seres humanos.
O novo coronavírus causa a COVID-19 e apesar de apresentar
menor letalidade em relação aos outros citados, é altamente
transmissível, o que levou rapidamente a uma situação de pandemia.
O primeiro caso confirmado pelas autoridades sanitárias no Brasil
foi em 26 de fevereiro de 2020 e desde então, o Ministério da Saúde
passou a informar os dados sobre o avanço da doença no país
através de boletins diários em pronunciamentos do ministro
responsável pela pasta e atualizações no site do órgão. Embora tais
informações estivessem causando visível descompasso entre os
discursos do presidente da República e do Ministro da Saúde, elas
atendiam ao direito constitucional à liberdade de informação
expresso no artigo 5º da Constituição Federal que garante a todos
receber informações de interesse particular, coletivo ou geral de
órgãos públicos, salvo se houver justificativa de proteção à

1 Acadêmica de direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pesquisadora do


núcleo de direito constitucional da (NDC/UFSM), brunacelula@gmail.com
2 Professora do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa

Maria (UFSM), valribas@terra.com.br.

170
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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sociedade para o sigilo das mesmas. Então qual seria o problema? A


celeuma se dá a partir de 5 de junho de 2020, logo após a demissão
do segundo ministro da saúde desde o início da pandemia, quando o
Ministério muda a forma de divulgar as estatísticas da Covid no
Brasil e passa a omitir dados anteriormente consolidados.
Outrossim, tira o próprio site do órgão do ar durante
aproximadamente vinte horas alegando manutenção e ao retornar, o
mesmo encontrava-se reformulado e sem grande parte das
informações antes divulgadas. Em decorrência da alteração nas
estatísticas, órgãos internacionais excluem o Brasil do balanço global
da COVID-19 e forma-se um consórcio de veículos de imprensa no
país com o objetivo de informar precisamente a população
coletando dados diretamente das secretarias de saúde e não mais do
governo federal, visto que surgem divergências numéricas entre
ambos. É sobre esta “maquiagem estatística” do governo federal no
enfrentamento da pandemia que trataremos neste trabalho, trazendo
à luz a discussão sobre a importância do direito à informação para
que não retroajam direitos conquistados na “Constituição cidadã”
de 1988. O método de pesquisa será a análise bibliográfica do
tratamento dos dados da covid-19 pelo Ministério da Saúde e pelo
consórcio de imprensa brasileiro, além da legislação constitucional.
O método de abordagem será indutivo partindo da divulgação e/ ou
omissão de informações por parte do governo sobre a pandemia
evidenciando sua reformulação e as possíveis intencionalidades
desta. O método de procedimento será o comparativo confrontando
ambas as formas de divulgação das estatísticas brasileiras.

171
Angélica Altmann e Franciele Iung Izolani

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SANEAMENTO AMBIENTAL INADEQUADO NO


BRASIL: A (in)disponibilidade e gestão sustentável da água
ante à disseminação da Covid-19

Angélica Altmann1
Francieli Iung Izolani2

Esta pesquisa tem como objetivo central compreender a relação da


falta de saneamento ambiental inadequado, especificamente, na falta
de acessibilidade à água, e a disseminação da Covid-19. A questão
do saneamento ambiental inadequado tem se constituído de
problemática grave, eis que abastecimento de água, esgotamento
sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, respeitando a
saúde coletiva e o meio ambiente, não têm sido concretizados no
Brasil, embora sejam elementos que fazem parte de serviços do
saneamento básico, previstos na Carta Magna e na Lei 11.445/2007.
Em que pese esteja dentre os direitos fundamentais, garantido
constitucionalmente, trata-se de um direito de eficácia limitada, a
depender de políticas públicas que o regulamentem e que priorizem
medidas com vistas a fazer chegar aos cidadãos e, por isso, a
disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para
todos encontra-se como um dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da Agenda 2030. O saneamento ambiental adequado
seria efetivado se houvesse uma rede de esgoto e de coleta de lixo
disponibilizada à população, bem como se houvesse acesso dos
domicílios à rede geral de abastecimento de água canalizada, por
exemplo, fatores que vem sendo agravados ante à problemática da
disseminação da Covid-19, considerando as medidas preventivas
recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, como o singelo

1Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), angélica.altmann@outlook.com.


2Doutoranda em Direito (URISAN). Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), franizolani@hotmail.com.

172
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
-------------------------------------------------------------------------------

ato de lavar as mãos. Nesse contexto, questiona-se: Quais as


possibilidades de a falta de saneamento básico, sob o viés da
disponibilidade de água à população para a higienização das mãos,
agravar a disseminação da Covid-19? Para tanto, adotou-se o
trinômio metodológico, abordagem, procedimento e técnica. Como
método de abordagem, tem-se o indutivo, considerando o problema
da falta de saneamento básico e a situação da Covid-19, podendo-se
fazer outras abstrações a partir dessa situação específica. Como
método de procedimento, a opção é o da pesquisa bibliográfica e da
análise de dados, considerando doutrinas, artigos científicos, bem
como dados oficiais sobre saneamento básico no Brasil. As técnicas
são as de resumos e fichamentos, também a elaboração de tabelas e
gráficos. Conclui-se, parcialmente, que a falta de gestão do
saneamento básico tem contribuído para o avanço da disseminação
da nova doença, considerando dados oficiais que demonstram o
aumento significativo em regiões cujo saneamento básico é mais
inacessível, tendo a elevação do número de casos sido relacionado
com o fator da falta de acesso à água, impossibilitando a
higienização das mãos com água e sabão várias vezes ao dia, em
cumprimento à recomendação dos órgãos oficiais de saúde.
Palavras-chave: Covid-19. Higienização das mãos.
(In)disponibilidade de água. Saneamento ambiental inadequado.
Saneamento básico.

173
Letícia Machado Haertel

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RESTITUIÇÃO EM QUESTÃO: A Corte Interamericana de


Direitos Humanos como foro de disputas sobre restituição de
Patrimônio Cultural

Letícia Machado Haertel1

A quantidade crescente de demandas por restituição de patrimônio


cultural fez com que os estudos de suas implicações – em especial,
no âmbito da UNESCO – se multiplicassem nos últimos anos.
Apesar da existência de instrumentos internacionais lidando
especificamente com a restituição do patrimônio cultural (mais
notadamente, a Convenção da UNESCO de 1970), estes não
possuem possibilidade de aplicação retroativa, o que representa um
grande obstáculo para a restituição de objetos removidos de seu país
de origem há muito tempo. Ao passo em que a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (CADH) também não
apresenta aplicação retroativa, o conceito de “violações
continuadas” de direitos humanos é um mecanismo interpretativo
que permite a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CtIDH)
se debruçar sobre eventos iniciados antes da entrada em vigor da
CADH. A pesquisa a ser apresentada se insere nesse contexto e
pretende responder a seguinte pergunta: é possível que o Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (e mais especificamente, a
CtIDH) possa vir a se tornar um foro para disputas sobre restituição
de patrimônio cultural? Para avaliar tal questionamento, foi realizada
pesquisa empírica quantitativa na jurisprudência da CtIDH,
aplicando-se um recorte para casos de propriedade indígena, a fim
de se localizar os casos em que a corte proferiu entendimentos
relevantes sobre a restituição do patrimônio cultural indígena para

1LL.M. em Direito pela Ludwig Maximilians Universität (Munique, Alemanha) e Graduada


em Direito pela Universidade de São Paulo), haertel.adv@gmail.com.

174
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
-------------------------------------------------------------------------------

os fins da pesquisa. Outro grupo de decisões, sobre o conceito de


violações continuadas, passou por análise qualitativa para se avaliar
o posicionamento da CtIDH sobre a possibilidade de aplicação de
tal doutrina a disputas sobre patrimônio cultural. A pesquisa
demonstrou, até o momento, que o conceito de violações
continuadas é aplicável ao direito à propriedade indígena. Cumpre
ainda analisar se o direito à propriedade indígena se estende ao
patrimônio móvel, e não apenas às terras comunais. Assim, será
possível determinar se a CtIDH pode ser um foro para a discussão
de disputas sobre a restituição do patrimônio cultural indígena.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Corte Interamericana.
Propriedade Cultural. Propriedade Indígena. Restituição

175
Beatriz Tiemi Ikeda; Daniel Lucas Dejavite de Biagio

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O RITUAL YAOKWA E O DIREITO À IDENTIDADE


CULTURAL DO POVO ENAWENE NAWE: Uma disputa
pelo conceito jurídico de conhecimento tradicional

Beatriz Tiemi Ikeda1


Daniel Lucas Dejavite de Biagio2

O presente trabalho pretende analisar os efeitos e o contexto do


registro do Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe como
“Patrimônio Cultural Imaterial que Requer Medidas Urgentes de
Salvaguarda” pela UNESCO, na medida em que a Propriedade
Intelectual mostra-se inadequada para proteção desses
conhecimentos tradicionais (bens comuns), relacionados aos direitos
fundamentais identitários dessa tribo. Esse registro decorre da
aplicação do Decreto nº 3.551/2000, e da Resolução 001/2006. O
Decreto instituiu o “Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial” do Brasil, que constituem o patrimônio cultural brasileiro,
um bem comum, e garante, por exemplo, o direito fundamental das
comunidades indígenas de preservar seus costumes, organização
social e tradições (art. 231, Constituição Federal de 1988). O povo
indígena Enawene Nawe habita uma faixa territorial no noroeste do
Estado do Mato Grosso. O Ritual Yaokwa consiste em uma longa
celebração de sete meses que inicia o calendário anual Enawene no
período em que parte dos homens (os Yaokwa) sai para pescar e
construir barragens (essa pesca será ofertada aos espíritos Yakairiti,
em momento posterior), enquanto outra parte (os Harikare)
permanece na aldeia junto com as mulheres e realiza as preparações
para o rito. Em suma, a organização social, cultural e espacial dessa
tribo indígena tem relação intrínseca com o Ritual Yaokwa, o que

1 Universidade de São Paulo (USP), ikeda.beatriz@usp.br


2 Universidade de São Paulo (USP), daniel.biagio@usp.br

176
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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reafirma a importância de sua proteção para preservação identitária


dessa comunidade. Entre os objetos do registro, são destacados os
conhecimentos técnicos e culturais tradicionais que compõem o
ritual a fim de verificar-analisar se sua salvaguarda, ou seja, o ato de
registrá-los como Patrimônio Cultural Imaterial (bem comum), se
faz necessária, haja vista a inadequação da Propriedade Intelectua
cuja tutela tem caráter privatista. Ademais, as disputas econômicas e
projetos desenvolvimentistas que cercam o ambiente dessa tribo
indígena ameaçam seus direitos humanos. Entre as ameaças,
destaca-se a construção de dez Pequenas Centrais Hidrelétricas no
Rio de Juruena, além da expansão da frente agrária para extração de
madeira e cultivo de soja. Esse cenário serve como ilustração da
atual disputa global entre a afirmação dos conhecimentos
tradicionais como ativo comercial (bens privados) e a luta dos
indígenas pelo reconhecimento e proteção de seus direitos
(SUNDER, 2007; IDO, 2017). No que tange à metodologia, será
realizado estudo de caso prevalentemente dedutivo (MACHADO,
2019), observando a interação entre o Parecer nº
015/10/CGIR/DPI/Iphan, produzido pelo Departamento de
Patrimônio Imaterial (DIP) do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artística Nacional (IPHAN) e o dispositivo normativo regulador do
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Para a realização
da análise, serão utilizados aportes teóricos dos estudos culturais de
Stuart Hall (1997), autor que situa a cultura como elemento de
centralidade na estrutura social. Através do aspecto substantivo da
cultura, pode-se compreender a sua posição na organização das
atividades, instituições e relações culturais do povo Enawene Nawe.
Por fim, o aspecto epistemológico da cultura será utilizado a fim de
aprofundar a reflexão indicada pelos resultados parciais aqui
abordados de que a tutela dos conhecimentos tradicionais pela
propriedade intelectual é inadequada.

177
Beatriz Tiemi Ikeda; Daniel Lucas Dejavite de Biagio

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Palavras-chave: Conhecimentos Tradicionais. Ritual Yaokwa.


Direitos Fundamentais. Patrimônio Cultural. Comunidades
Indígenas.
Referências:
BRASIL. [Constituição de (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil, de
1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
18 out. 2020.
BRASIL. Decreto nº 3551, de 4 de agosto de 2000. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3551.htm. Acesso em: 18 out.
2020.
BRASIL. Resolução nº 001, de 03 de agosto de 2006. Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN, 13 de maio de 2020. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Resolucao_001_de_3_de_a
gosto_de_2006.pdf. Acesso em: 18 out. 2020.
BRASIL. Parecer nº 015/10. Coordenação Geral de Identificação e Registro.
Departamento de Patrimônio Imaterial. Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN, 13 de maio de 2020. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Parecer_DPI_ritual_yaokw
a.pdf. Acesso em: 18 out. 2020.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso
tempo. Educação & Realidade. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Educação, 1997, pp. 15-46.
IDO, V. H. P. Conhecimentos Tradicionais na Economia Global. Dissertação (Mestrado),
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2017.
IPHAN. Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/74. Acesso em: 18 out. 2020.
MACHADO, M. R. Estudo de caso na pesquisa em direito. In: QUEIROZ, R.;
FEFERBAUM, M. (org.). Metodologia da pesquisa em direito: técnicas e abordagens
para elaboração de monografias, dissertações e teses. 1. ed. São Paulo: Saraiva,
2019, pp. 311-333.
SUNDER, M. The Invention of Traditional Knowledge. Symposium, Cultural
Environmentalism, 10, 70 Law and Contemporary Problems, 2007. Disponivel em:
http://scholarship.law.duke.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1421&context=lcp.
Acesso em: 19 out. 2020.

178
Andressa Laste
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A (IM)POSSIBILIDADE DE DEGRADAÇÃO DO MEIO


AMBIENTE EM RAZÃO DO TRABALHO ESCRAVO
BRASILEIRO

Andressa Laste1

A legalidade de possuir escravos, no Brasil, teve seu fim em 1888,


dessa forma, é possível intuir que o Estado brasileiro não admite a
possibilidade de uma pessoa ser proprietária de outra. O trabalho
escravo na contemporaneidade além de infringir dispositivos legais,
atinge a intimidade e a dignidade das pessoas que acabam
submetidas a ele, sendo caracterizado, principalmente, pelas suas
condições degradantes e sua jornada exaustiva (SAKAMOTO,
2020). A prática do trabalho em condições análogas à de escravo
ocorre em diversos Estados do Brasil, contudo, a maioria dos casos
se concentra nas zonas rurais, pois são locais de difícil acesso tanto
para os grupos de fiscalização que realizam resgates quanto para os
próprios trabalhadores pedirem socorro, eis que os grandes centros
da cidade ficam a quilômetros de distância. Assim, os trabalhadores
aliciados são submetidos a toda e qualquer atividade no meio rural,
eis que vão desde o desmatamento para o plantio à aplicação de
agrotóxicos e também extração de madeira (COSTA, 2010). Nesse
sentido, por ser o trabalho escravo, na contemporaneidade, uma
prática ilegal, sua ocorrência se dá de maneira clandestina, ou seja,
além de infringir os direitos constitucionais, como a dignidade da
pessoa humana, e os direitos trabalhistas, como a jornada de

1Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito


Prof. Damásio de Jesus; Especialista em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário pela
Escola Brasileira de Direito - EBRADI; Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de
Santa Maria - FADISMA. Pesquisadora do Grupo de Estudos As Relações de Trabalho no
Século XXI e os Novos Desafios na Sociedade em Rede (RETRADE) da Universidade
Federal de Santa Maria cadastrado na plataforma de pesquisas CNPq,
andressalaste@hotmail.com.

179
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
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trabalho e condições dignas no meio ambiente de trabalho, a falta de


preparo e de cuidados do solo, em razão de práticas errôneas de
plantio e aplicação indevida de produtos, viola também as leis
ambientais. A Constituição Federal de 1988 preceitua que todos
possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
portanto, a violação das Leis ambientais com a consequente
degradação do meio ambiente, que consiste na alteração de suas
características, afeta a sociedade como um todo. Salienta-se que o
meio ambiente é regido por importantes princípios e diretrizes que
possuem a intenção principal de tutelar a vida sob todas as formas,
conhecidas ou não, e que a presença do ser humano, no planeta
Terra, tem ocasionado processos de intervenção no mundo natural
com a permanente utilização de seus recursos naturais (AREND;
HERBSTRITH; VIEIRA, 2008). Dessa maneira, por meio de uma
reflexão, ainda que breve, sobre o trabalho escravo contemporâneo,
cumpre perguntar sobre a possibilidade de degradação do meio
ambiente em razão de sua prática, eis que por ocorrer de maneira
clandestina, desrespeita tanto as leis trabalhistas, quando as leis
ambientais. Para responder ao questionamento utilizou-se de estudo
bibliográfico, método de abordagem dedutivo de acordo com o
entendimento clássico, sendo o método que parte do geral e, a
seguir, desce ao particular, bem como o método de procedimento
monográfico onde parte do princípio de que o estudo de um caso
em profundidade pode ser considerado representativo de muitos
outros ou mesmo de todos os casos semelhantes. Assim, por meio
da pesquisa foi possível observar que a prática do trabalho escravo é
uma constante ameaça à garantia de um meio ambiente
ecologicamente saudável e equilibrado, pois ele constitui impactos
ambientais, dentre os quais, a degradação ambiental. A justificativa
do tema dá-se em razão de um viés informativo.
Palavras-chave: Degradação. Meio Ambiente. Trabalho escravo.

180
Andressa Laste
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Referências
AREND, C. A.; HERBSTRITH, W.; VIEIRA, J. T. Meio Ambiente do Trabalho
como instrumento para a construção de uma constituição social: Uma análise
teórico-jurídica sobre a ciência e ecologia. In. LEAL, M. C. H.; CECATO, M. A. B.;
RUDIGER, D. S. (org.) Constitucionalismo Social: O papel dos sindicatos e da
jurisdição na realização dos direitos sociais em tempos de globalização. 1. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2008. p. 127-142.
COSTA, P. T. M.. Combatendo o trabalho Escravo Contemporâneo: o exemplo do Brasil.
1. ed. Brasilia: ILO, 2010.
SAKAMOTO, L. O Trabalho Escravo contemporâneo. In. SAKAMOTO, L. (org).
Escravidão Contemporânea. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2020.

181
Thiago Burckhart

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A UNESCO E A CIRCULAÇAO GLOBAL DE POLITICAS


PUBLICAS: O regime internacional de tutela do patrimônio
cultural imaterial

Thiago Burckhart1

Desde sua criação em 1945, a UNESCO projeta-se no plano


operativo como instância mundial de assistência técnica, foro de
debate intelectual e ator normativo na construção do Direito
Internacional (SARRE, 2006). Neste âmbito, a UNESCO pode ser
considerada como um ator impulsionador da circulação global de
políticas públicas nos campos em que atua – Educação, Ciência e
Cultura –, na medida em que cria e difunde Resoluções, Declarações
e Convenções Internacionais com detalhado rigor técnico que
fornecem orientações – vinculantes, nos casos das Convenções –
para a formulação e aplicação de políticas públicas nas esferas
regionais, nacionais e intranacionais. Nesse sentido, a Convenção
UNESCO sobre a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
pode ser compreendida como um exemplo da circulação global de
políticas públicas. Criada em 2003, tendo entrado em vigor em 2006,
a Convenção conta atualmente com 180 Estados-parte. Dentre as
determinações da Convenção está a necessidade de os Estados-parte
empenharem-se para a construção de arcabouços normativos e
institucionais nas esferas domésticas que sejam responsáveis pela
tutela desta nova forma de patrimônio. Tomando isso em
consideração, nota-se que o caso brasileiro – assim como outros
países como Coréia do Sul, Marrocos e Bolívia – é peculiar neste

1 Doutorando em Diritto Comparato e Processi di Integrazione, Università degli Studi della


Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (2019). Pesquisador do Centro Euroamericano Sulle Politiche Costituzionali
(CEDEUAM, Italia-Brasil) e do Núcleo de Pesquisa em Constitucionalismo,
Internacionalização e Cooperação (Constinter-Furb), thiago.burckhart@outlook.com.

182
GRUPO DE TRABALHO 1 – Bens comuns, direitos humanos e direitos
fundamentais em diálogo interdisciplinar
-------------------------------------------------------------------------------

processo. Isso porque a tutela do patrimônio cultural imaterial já era


constitucionalmente reconhecida no país desde o advento da
Constituição de 1988, ao passo que desde 2000 já existe uma política
pública arquitetada na esfera do IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) em co-cordenaçao com o antigo
Ministério da Cultura. Assim, este trabalho objetiva analisar a
circulação global das políticas públicas no âmbito da UNESCO
focalizando particularmente o caso brasileiro e sua interação com a
dimensão internacional. O trabalho inscreve-se no campo da teoria
do direito constitucional internacional em abordagem
interdisciplinar com a teoria das relações internacionais. Como
conclusão parcial, tem-se que a circulação global de políticas
públicas, em especial no caso da tutela do patrimônio cultural
imaterial, não segue uma linhagem top-down, mas sua formulação
em um foro internacional democrático permitiu a contribuição de
países como o Brasil – que já havia tradição neste domínio – para a
formulação do texto convencional. Nesse sentido, a circulação
global de políticas públicas é um fenômeno que deve ser
compreendido na interface da complexidade que a política e o
direito internacional assumem na sociedade internacional.
Palavras-chave: UNESCO. Circulação global de políticas públicas.
Patrimônio cultural imaterial. Brasil.
Referências
SARRE, P. L. 60 anos de UNESCO. Conferencia presentada en el Centro de
Estudios sobre la Universidad – UNAM. Perfiles educativos, v. 28, n. 111, 2006.

183
Victoria Moura Vormittag
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A PATOLOGIZAÇÃO DO DIREITO À IDENTIDADE DE


GÊNERO NA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS
HUMANOS: Um estudo exploratório do direito ao nome

Victoria Moura Vormittag1

A população transexual é, globalmente, uma das mais vulneráveis no


que se refere à garantia de direitos fundamentais. Nesse sentido, o
direito ao nome é uma das questões mais simbólicas, pois, apesar de
sua fundamentalidade, encontrou diversos obstáculos para sua
realização. Um dos marcos da garantia desse direito foi o julgamento
proferido pela Corte Europeia de Direitos Humanos em Goodwin v
Reino Unido, em que a Corte alterou seu entendimento anterior a
respeito da obrigação dos Estados em garantir a retificação de
registro civil de pessoas transexuais, após quase duas décadas
fundamento a negação desse direito na doutrina da margem de
apreciação. Com esse caso paradigma, a Corte passa a reconhecer o
direito ao nome, entretanto apontando em seus julgamentos
características patológicas dos requerentes, como realização de
cirurgias de redesignação de sexo e a apresentação de laudos
médicos. Assim, percebe-se que o direito à identidade de gênero
continua sujeito à visão patologizante de que a transexualidade seria
uma doença. Esse estudo se propõe a responder à pergunta: a Corte
Europeia de Direitos Humanos enxerga o direito ao nome de
pessoas transexuais sob uma ótica de patologização ou de
autodeterminação? Para chegar à conclusão, a metodologia utilizada
é a pesquisa empírica jurisprudencial, para posterior análise

1Graduanda em direito pela Universidade de São Paulo. Coordenadora do Núcleo de Estudos


Internacionais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e estagiária na área de
Contencioso Cível no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. and Quiroga Advogados,
victoria.vor@gmail.com.

184
GRUPO DE TRABALHO 2 – Economia, desenvolvimento e
sustentabilidade socioambiental
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qualitativa, dos casos julgados pela Corte Europeia de Direitos


Humanos envolvendo o direito ao nome de pessoas transexuais.
Com o levantamento jurisprudencial, a análise que se segue é da
fundamentação utilizada pela Corte ao reconhecer ou não a
obrigação do Estado em retificar o registro civil dos requerentes e
sua compatibilização com a Convenção Europeia de Direitos
Humanos. Preliminarmente, percebe-se que, após o julgamento de
Goodwin v Reino Unido, a Corte passou a reconhecer a violação do
direito à privacidade, sendo que, nos requerentes, a hormonização é
fato praticamente unânime, enquanto que a realização de cirurgia de
redesignação sexual é destacada como comprovação de que a
identidade de gênero não é mero sentimento passageiro. Resta
analisar qual importância a Corte dá à autodeterminação do
indivíduo ao tomar suas decisões e qual o impacto desse fator na
realização do direito à identidade de gênero.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Direito Internacional.
Transexualidade. Corte Europeia de Direitos Humanos.

185
Rafael Nietsche Renzetti Ouriques
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O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO


AMBIENTAL E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ÀS MARGENS
DO RIO ITAJAÍ-AÇU: Um estudo de caso do Município de
Blumenau

Rafael Nietsche Renzetti Ouriques1

A presente investigação lança luz sobre o conflito surgido entre a


regularização fundiária no município de Blumenau, especificamente
em área de preservação permanente às margens do rio Itajaí-Açu, e
o princípio da vedação do retrocesso ambiental que, inclusive
emerge como princípio geral do Direito Ambiental (BENJAMIN,
2012). Isso porque o Município de Blumenau, se valendo de
normativas destinadas à regularização fundiária de núcleos urbanos
informais, inclusive os consolidados, têm autorizado a manutenção e
a construção de edifícios de alto padrão ao longo das margens do
corpo hídrico em comento, o que fere a própria concepção de
regularização fundiária da Lei Federal nº 13.465/2017
(SIRVINSKAS, 2018). Essa situação torna-se evidente sob dois
aspectos principais: o tipo de imóveis autorizados a serem
construídos e a distância que tais imóveis se encontram em relação à
margem do rio Itajaí-Açu. Desse contexto emerge a seguinte
questão: de que maneira esses aspectos, tipo de imóvel e seu
distanciamento da margem, relativos à regularização fundiária no
Município de Blumenau, ferem o princípio da vedação do retrocesso
ambiental? Para responder a essa pergunta, definiu-se como objetivo
central analisar de que maneira os aspectos tipo de imóvel e

1Acadêmico de Direito (UNISOCIESC). Pós-graduado em Gestão Pública (UNISUL). Pós-


Graduado em Gestão de Polos de Educação a Distância (UFPEL). Graduado em
Administração (UFSC), rafaorix@gmail.com.

186
GRUPO DE TRABALHO 2 – Economia, desenvolvimento e
sustentabilidade socioambiental
-------------------------------------------------------------------------------

distanciamento da margem, relativos à regularização fundiária do


município de Blumenau em área de preservação permanente às
margens do rio Itajaí-Açu, relacionam-se com o princípio da
vedação do retrocesso ambiental. Para tanto, o presente estudo
utilizou-se da pesquisa documental com fundamentação em
diferentes normas de âmbitos federal e municipal, especificamente
de Blumenau, bem como jurisprudências e doutrinas como fontes
de análise. A análise foi realizada a partir do comparativo entre a
norma local, que estabelece a maneira como a regularização ocorre
em Blumenau, com o que está disposto nas normas federais. O
estudo permitiu a conclusão de que há efetivo retrocesso ambiental
ao estabelecer faixa marginal de área de preservação permanente
muito aquém daquela delineada no Código Florestal, além de
efetivamente autorizar a edificação de imóveis que vão para além do
intuito da regularização fundiária. Ao mesmo tempo, restou
evidente que a normativa do Município de Blumenau fere a
Constituição Federal em diferentes pontos, uma vez que não é
possível falar em meio ambiente ecologicamente equilibrado se não
há qualquer respeito ao mínimo existencial ambiental quando se
trata das garantias do fluxo gênico da flora e da fauna local,
representando evidente afronta ao princípio da vedação do
retrocesso ambiental por se tratar antiga norma que representava um
ganho ao meio ambiente.
Palavras-chave: Princípio da Vedação do Retrocesso Ambiental.
Regularização Fundiária. Área de Preservação Permanente. Rio
Itajaí-Açu. Blumenau.
Referências:
BENJAMIN, A. H. Princípio da Proibição do Retrocesso Ambiental. In: Comissão de
Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal.
Brasília/DF: Senado Federal, 2012.

187
Rafael Nietsche Renzetti Ouriques
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SIRVINSKAS, L. P. Manual de Direito Ambiental. 16. ed. São Paulo: Saraiva


Educação, 2018.

188
Leura Dalla Riva

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DO AGRONEGÓCIO À SUSTENTABILIDADE: O papel


fundamental do Estado e os possíveis entraves na transição
agroecológica

Leura Dalla Riva1

Partindo da análise da insustentabilidade dos impactos sociais e


ambientais gerados pelo modelo de produção agrícola moderno
caracterizado pelo agronegócio monocultor e exportador de
commodities e apresentando a agroecologia como legítima
alternativa sustentável multidimensional com fundamento
constitucional no Brasil, esta pesquisa buscará responder ao seguinte
problema: qual é o papel do Estado na transição entre o
agronegócio e um modelo produtivo agroecológico de larga escala e
quais entraves podem ser encontrados nesse processo? O objetivo,
portanto, é refletir acerca das possíveis medidas que podem (e
devem) ser tomadas pelo Estado e os entraves que este pode
encontrar ao tentar proporcionar a transição para um modelo de
produção agrícola sustentável que consagre os compromissos
assumidos constitucionalmente. Para responder ao problema
proposto, adota-se o método de abordagem dedutivo e
procedimento bibliográfico, dividindo-se o artigo em três capítulos.
Inicialmente, apresenta-se a contextualização geral dos problemas
ambientais e sociais vivenciados hoje no que tange ao agronegócio e
a agroecologia como ciência capaz de dar concretude à
sustentabilidade em suas multidimensões (ALTIERI, 2012). Expõe-
se também como a agroecologia encontra fundamento no valor e

1 Doutoranda em Diritto Comparato e Processi di Integrazione pela Università degli studi


della Campania Luigi Vanvitelli (UNICAMPANIA, Itália), mestre em Direito (UFSM),
especialista em direito ambiental e sustentabilidade (FAEL). Pesquisadora
CONSTINTER/FURB. Email: leura-d@hotmail.com.

189
GRUPO DE TRABALHO 2 – Economia, desenvolvimento e
sustentabilidade socioambiental
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princípio constitucional da Sustentabilidade (CANOTILHO, 2010)


e por quais razões pode ser considerada um meio de concretização
dos direitos humanos, especialmente no que se refere ao meio
ambiente equilibrado, à saúde humana e à alimentação adequada,
estando também profundamente conectada com conceitos como
soberania e segurança alimentar (LEONEL JÚNIOR, 2016). Em
seguida, aborda-se o qual é o papel do Estado como garante desses
direitos através da transição da produção agrícola para um modelo
agroecológico, aprofundando as possíveis medidas que podem
incentivar essa transformação produtiva rumo à sustentabilidade.
Dentre as características do processo transitório se encontra uma
perda momentânea de produtividade que, a longo prazo, compensa
significativamente os produtores. Esta questão, contudo, é
considerada relevante do ponto de vista econômico e acaba se
tornando um grande entrave na implementação da transição
agroecológica. Sendo assim, o Estado surge como ente capaz de
equilibrar a situação dando suporte aos produtores durante este
período. Por fim, apresentam-se alguns entraves que podem ser
encontrados nessa transição agroecológica, especialmente em razão
do contexto atual marcado pela alta financeirização do capital
(DOWBOR, 2017) que amarra setores estatais, inviabilizando a
tomada de decisões rumo à uma sociedade mais justa, sustentável e
solidária.
Palavras-chave: Agroecologia. Agronegócio. Estado.
Sustentabilidade. Transição agroecológica.
Referências
ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3. ed.
São Paulo: Expressão Popular, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2012.
CANOTILHO, J. J. G. O Princípio da sustentabilidade como Princípio
estruturante do Direito Constitucional. Tékhne Barcelos, n. 13, p. 07-18, jun. 2010.
Disponível em

190
Leura Dalla Riva

-------------------------------------------------------------------------------

http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-
99112010000100002&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 21 out. 2020.
DOWBOR, L. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias têm mais riqueza do
que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
LEONEL JÚNIOR, G. Direito à agroecologia: a viabilidade e os entraves de uma
prática agrícola sustentável. Curitiba: Prismas, 2016.

191
Eduardo Manuel Val; Wilson Tadeu de Carvalho Eccard;
Wilson Danilo de Carvalho Eccard
-------------------------------------------------------------------------------------------------

A FALÊNCIA DA ECONOMIA LINEAR E O


SURGIMENTO DA ECONOMIA CIRCULAR: Uma
contribuição para o desenvolvimento sustentável à luz dos
direitos humanos

Eduardo Manuel Val1


Wilson Tadeu de Carvalho Eccard2
Wilson Danilo de Carvalho Eccard3

As ações do ser humano na natureza vêm se modificando ao longo


tempo. Antes visto como parte do meio ambiente, na transição do
homem moderno para o pós-moderno, ele se descobre em um
paradoxo, pois não se encontra mais integrado a ela e, pior, a
consome de maneira a esgotar seus recursos cada vez mais. Esta
vida em sociedade gera necessidades infinitas em um planeta com
recursos naturais (como água e alimento) escassos. Com mais de
sete bilhões de habitantes no mundo, o padrão de consumo desses
recursos se torna um ponto chave para discutir economia,
desenvolvimento e sustentabilidade socioambiental, na exata medida
em que ainda a miséria e fome ainda existem, os Estados continuam
a desenvolver-se e os recursos naturais estão a esgotar-se. A defesa
de medidas que buscam desenvolver o ser humano em sua
integralidade é uma defesa de direitos humanos, de respeito à
dignidade da pessoa humana, de efetivação de direitos sociais
econômicos e culturais. Uma das razões para este cenário é o
modelo econômico linear que predomina em nossas sociedades
capitalistas desde a revolução industrial, caracterizada pela utilização

1Universidade Federal Fluminense e Universidade Estácio de Sá, eduardval11@hotmail.com.


2 Laboratório de Empresas e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense e
Universidade Estácio de Sá, careccard@gmail.com.
3 Laboratório de Empresas e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense,

danilo.eccard@gmail.com.

192
GRUPO DE TRABALHO 2 – Economia, desenvolvimento e
sustentabilidade socioambiental
-------------------------------------------------------------------------------

de matérias primas não renováveis, em uma sociedade de consumo


(BAUMAN, 2007) descompromissada com sustentabilidade ou
mesmo com a proteção do meio ambiente, mas sedenta pelo
próprio ato de consumir, por vezes a si mesma. O problema se
caracteriza com o fato de o atual modelo linear vigente na sociedade
(extração de recursos naturais virgens, transformação em produtos
bens e serviços e, após consumo, descarte em forma de resíduo
sólidos ou líquidos) ser insustentável, pois tende ao esgotamento
dos recursos naturais a fim de manter seu voraz padrão de
consumo. Uma possibilidade de transformação deste cenário
encontra guarida na Constituição de 1988. A constituição
econômica presente em nossa lei maior prevê em seu capítulo sobre
a ordem econômica e financeira que enquanto agente normativo
(jurídico-econômico) e regulador da economia nacional, o Estado
exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
situação que comporta uma modificação do atual modelo
econômico, com vistas à promoção de justiça social, vez que
valoriza os princípios liberdade e igualdade, através do fomento de
uma livre concorrência responsável ao mesmo tempo que uma
justiça social que combata a pobreza, estímulos claros dos valores
democráticos presentes em nosso texto constitucional. A economia
circular surge como um modelo alternativo de produção econômica,
muito mais adequado às demandas socioambientais contemporâneas
e como possibilidade de promoção de um desenvolvimento
sustentável. A hipótese é que uma transição econômica nestes
moldes atende tanto às necessidades de Estado, quanto da
sociedade, pois é socialmente inclusivo ao gerar emprego e renda,
ambientalmente correto, bem como economicamente interessante
para o mercado capitalista. O trabalho terá como base teórica os
fundamentos de Amartya Sen, Ignacy Sachs e Joseph Stiglitz na
pauta econômica e Nobre et al (2020) no que tange a EC. O artigo

193
Eduardo Manuel Val; Wilson Tadeu de Carvalho Eccard;
Wilson Danilo de Carvalho Eccard
-------------------------------------------------------------------------------------------------

segue um padrão interdisciplinar que perpassa pelos campos do


direito e economia e o método usado será o indutivo a partir da
pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Economia circular. Desenvolvimento sustentável.
Direitos humanos
Referências
BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
NOBRE, G.; TAVARES, E. The Quest for a Circular Economy Final Definition: A
Scientific Perspective. Rio de Janeiro: Research Gate, 2020
SACHS, I. Primeiras Intervenções. In: NASCIMENTO, E. P.; VIANA, J. N.
Dilemas e desafios do desenvolvimento sustentável no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond,
2007.
SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro:
Garamond, 2008.
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras.
2000a.
STIGLITZ, J. E. O Grande Abismo-Sociedades desiguais e o que podemos fazer sobre isso.
Alta Books Editora, 2016.

194
Fábio Franz; Isadora Doose; Milena Petters Melo

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NA CONTRAMÃO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL: A flexibilização das normas de registro e
fiscalização de agrotóxicos no Brasil

Fábio Franz1
Isadora Doose2
Milena Petters Melo3

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Só no


ano de 2019 foram registrados 474 novos agrotóxicos, sendo que
30% dos ingredientes ativos que são permitidos no Brasil, são
proibidos na União Europeia. Isto vai totalmente na contramão dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável afirmados no plano
internacional, especialmente no que toca o objetivo 2, que mira
promover a agricultura sustentável, e o objetivo 12, que busca
assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis. A
flexibilização que vem ocorrendo nos últimos anos na legislação e
no controle do registro de novos agrotóxicos no Brasil, causa efeitos
não só para o ordenamento jurídico e a agricultura, mas também
agride o meio ambiente, repercute na qualidade dos alimentos
produzidos e, portanto, causa danos à saúde humana e de todos os
animais que os consomem. Considerando este cenário, este trabalho

1 Universidade Regional de Blumenau (FURB), fabiof@furb.br.


2 Universidade Regional de Blumenau (FURB), idoose@furb.br.
3 Orientadora, Doutora em Direito, Università degli Studi di Lecce (Itália). Professora Titular

de “Direitos Humanos e Sustentabilidade” e de Direito Constitucional da Universidade


Regional de Blumenau (FURB). Professora Associada da Academia Brasileira de Direito
Constitucional (ABDConst). Professora do Doutorado em Diritto Comparato e Processi di
Integrazione, Università degli Studi della Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Coordenadora
para a área lusófona do Centro Didattico Euroamericano Sulle Politiche Costituzionale
(Cedeuam, Università del Salento, Itália-Brasil/FURB). Coordenadora do Núcleo de Estudos
em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-FURB). Pesquisadora
do Institut International d’Étude et Recherche sur les Biens Communs (Paris/Napoles). E-
mail: milenapetters@furb.br.

195
GRUPO DE TRABALHO 2 – Economia, desenvolvimento e
sustentabilidade socioambiental
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científico, resultado de pesquisa bibliográfica e de documentos,


como atividade complementar no âmbito da disciplina de Direitos
Humanos e Sustentabilidade no Curso de Graduação em Direito,
objetiva analisar a legislação brasileira sobre agrotóxicos e seus
impactos na sustentabilidade, focalizando as atuais mudanças
legislativas em contraponto à proteção constitucional do meio
ambiente. Dessa forma, pretende examinar as flexibilizações das
normas de registro e fiscalização de agrotóxicos e refletir sobre se
elas divergem da proteção constitucional ao meio ambiente e à
saúde. Para tanto, na pesquisa realizada foi analisada a legislação
pertinente, bem como notícias que tratam das recentes
flexibilizações e bibliografias sobre o tema. Sabe-se que a
Constituição de 1988 em seu artigo 225 prevê o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e
à coletividade sua proteção e preservação, a fim de assegurar os
direitos das gerações presentes e futuras. Além disso, também exige
a reparação do meio ambiente degradado, prevendo a possibilidade
de responsabilização da pessoa física e jurídica, com ou sem a
reparação. Para a maior garantia desse direito, a Lei 7.802/1989
estabelece no seu §6° do artigo 2° as hipóteses em que o registro de
agrotóxicos fica proibido, sendo que o Decreto 4.074/2002 em seu
artigo 31 reafirma tal posição. Todavia, em contraponto a estas
medidas para o controle e preservação do direito ao meio ambiente
e à saúde, os governos recentemente implementaram medidas de
flexibilização, sem observância destas normas, causando grandes
problemas nos ecossistemas brasileiros e na saúde da população.
Outrossim, um fato marcante é que a exigência na qualidade dos
produtos exportados é mais rígida do que para os consumidos
dentro do território. Portanto, e na contramão do desenvolvimento
sustentável, o Brasil vem passando por flexibilizações motivadas por
questões econômicas que visam a alta produção e o lucro, pondo
em risco o meio ambiente e a vida.

196
Fábio Franz; Isadora Doose; Milena Petters Melo

-------------------------------------------------------------------------------

Palavras-chave: Agrotóxicos. Flexibilização normativa. Proteção


ambiental. Sustentabilidade.

197
Milena Petters Melo; Thiago Burckhart
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O CONSTITUCIONALISMO AMBIENTAL NO
EQUADOR E BOLÍVIA: O redesenho do direito e da justiça

Milena Petters Melo1


Thiago Burckhart2

O terceiro ciclo do constitucionalismo na América Latina, posto em


cena a partir da década de 1980, é caracterizado pela abertura
cognitiva da Constituições em direção à “questão ambiental”. Em
efeito, o processo de constitucionalização da proteção do meio
ambiente nas constituições latino-americanas evidencia a emergência
de um novo paradigma constitucional, que pode ser descrito como
“constitucionalismo ambientalista”, caracterizado pela projeção
normativa da proteção do meio ambiente como direito fundamental.
Impulsionado pelo debate sobre o desenvolvimento sustentável, o
constitucionalismo ambientalista coloca em discussão os modelos de
desenvolvimento e a necessidade de investir esforços e recursos em
direção à sustentabilidade socioambiental, na forma de alternativas
para o futuro comum: ambientalmente sustentável, socialmente
justo e culturalmente rico. Nesta perspectiva, as recentes
Constituições promulgadas no Equador (2008) e Bolívia (2009)

1 Doutora em Direito, Università degli Studi di Lecce (Itália). Professora Titular de “Direitos
Humanos e Sustentabilidade” e de Direito Constitucional da Universidade Regional de
Blumenau (FURB). Professora Associada da Academia Brasileira de Direito Constitucional
(ABDConst). Professora do Doutorado em Diritto Comparato e Processi di Integrazione,
Università degli Studi della Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Coordenadora para a área
lusófona do Centro Didattico Euroamericano Sulle Politiche Costituzionale (Cedeuam,
Università del Salento, Itália-Brasil/FURB). Coordenadora do Núcleo de Estudos em
Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-FURB). Pesquisadora do
Institut International d’Étude et Recherche sur les Biens Communs (Paris/Napoles),
milenapetters@furb.br.
2 Doutorando em Diritto Comparato e Processi di Integrazione, Università degli Studi della

Campania Luigi Vanvitelli (Italia). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (2019). Pesquisador do Centro Euroamericano Sulle Politiche Costituzionali
(CEDEUAM, Italia-Brasil/FURB) e do Núcleo de Pesquisa em Constitucionalismo,
Internacionalização e Cooperação (Constinter-Furb), thiago.burckhart@outlook.com.

198
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

evidenciam, pautando-se na cosmovisão indígena, que a natureza e a


biodiversidade assumem papel fundamental na estrutura constitutiva
dessas sociedades. A natureza passa a ser reconhecida como “sujeito
de direitos” e a sua proteção passa a ser obrigatória ao Estado e à
sociedade. A água passa a ser reconhecida como bem comum e
como direito fundamental – ou “fundamentalíssimo”, no caso da
Bolívia. Este novo cenário constitucional também passa a proteger e
promover, ao menos formalmente, a soberania alimentar e
energética. As constituições também garantem o redesenho dos
órgãos da Justiça, tanto na forma organizacional-representativa,
quanto na qualidade de suas decisões, o que evidencia a abertura
cognitiva da Jurisdição, no âmbito das “políticas constitucionais”,
para os diferentes saberes que constituem a sociodiversidade na
garantia dos direitos da natureza. Nesse sentido, este trabalho busca
analisar o redesenho do Direito e da Justiça a partir das inovações
trazidas pelo constitucionalismo ambientalista equatoriano e
boliviano. A análise parte da teoria constitucional e do estudo dos
textos constitucionais do Equador e da Bolívia, com aportes da
teoria política e do debate ecológico, utilizando o método da
comparação constitucional. Como resultado parcial, tem-se que
essas Constituições, ao menos teoricamente, contribuem para a
quebra de paradigmas antepostos ao meio ambiente e aos modelos
de desenvolvimento hegemônicos, indo além das propostas até
então suscitadas em torno ao desenvolvimento sustentável.
Superando a lógica econômica mercantilista e neoliberal e
contrapondo-se ao “desenvolvimentismo”, estes documentos
propõem uma nova concepção da proteção do meio ambiente em
nível constitucional e preveem, portanto, diferentes estratégias de
tutela, valorização e proteção da natureza, da mesma forma que
desenham novas estruturas judiciais para a proteção dos “re-cursos”

199
Milena Petters Melo; Thiago Burckhart
--------------------------------------------------------------------------------------------

e direitos da natureza. Estas são profícuas contribuições para o


patrimônio comum do constitucionalismo democrático.
Palavras-chave: Constitucionalismo ambiental. Direito. Justiça.
Equador. Bolívia.

200
Francieli Iung Izolani; Jerônimo Siqueira Tybusch

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DA INSEGURANÇA ALIMENTAR EM DECORRÊNCIA


DOS AGROTÓXICOS ÀS PERSPECTIVAS SOBRE A
PRODUÇÃO ORGÂNICA NO BRASIL COMO
PARÂMETRO DE SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL

Francieli Iung Izolani1


Jerônimo Siqueira Tybusch2

Esta pesquisa tem por escopo compreender as perspectivas da


produção orgânica para a superação do paradigma da insegurança
alimentar no Brasil e a consequente promoção da sustentabilidade
socioambiental. O cenário O Brasil, em decorrência de seu padrão
latifundiário monocultor voltado à exportação de commodities
através da larga utilização de agrotóxicos e de sementes transgênicas,
tem ocasionado um panorama de insegurança alimentar, seja pelo
próprio aspecto quantitativo quanto pelo qualitativo do alimento,
tornado uma mercadoria artificial e lucrativa aos interesses
hegemônicos. O alimento deixa de estar culturalmente ligado à
simbiose entre ser humano e natureza, refletindo em dois grandes

1 Doutoranda em Direito (URISAN). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa


Maria. Integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos da Sociobiodiversidade (GPDS/UFSM).
Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Uniderp-Anhanguera. Bacharel
em Direito pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail:
franizolani@hotmail.com.
2 Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2011);

mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2007);
graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2004). Professor
Adjunto no Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFSM) - Mestrado em
Direito. Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Educacionais em Rede
(PPGTER/UFSM) - Mestrado Profissional em Tecnologias Educacionais em Rede.
Pesquisador e Líder do Grupo de Pesquisa em Direito da Sociobiodiversidade - GPDS.
Atualmente é Pró-Reitor Adjunto e Coordenador de Planejamento Acadêmico da Pró-
Reitoria de Graduação da UFSM. Membro da Diretoria do CONPEDI Gestão 2017-2020.
jeronimotybush@ufsm.br.

201
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------------------------

problemas. O primeiro deles é que o alimento passa a não atender


mais ao combate da fome, que deixa de ser uma questão de
produção, para se tornar um problema de distribuição e acesso, já
que o foco está no mercado externo. O segundo relaciona-se com a
qualidade, que lhe é retirada, já que a forma produtiva se torna
totalmente artificial, com os transgênicos, visualmente bonito, mas
internamente sem valor nutritivo algum e, além disso, com resíduos
de agrotóxicos. Esses dois fatores desembocam, em linhas gerais, na
insegurança alimentar existente no Brasil, fazendo emergir a
problema da presente pesquisa: Ante à insegurança alimentar e
nutricional vigente no Brasil, quais as perspectivas de concretização
da sustentabilidade socioambiental a partir do incentivo à produção
orgânica? Ressalta-se ainda que, através dessa lógica colonial de
produção, os problemas socioambientais são recorrentes, pois o uso
de venenos e de transgenia na produção agrícola compromete, para
além da sustentabilidade ambiental, com a problemática da poluição
das águas e da erosão do solo, a manutenção da própria
agrobiodiversidade no Brasil, propiciando o desaparecimento da
diversidade das sementes crioulas, dos conhecimentos milenares dos
povos tradicionais, bem como impactando social e
economicamente, o que, portanto, demanda a busca de alternativas.
Para tanto, utiliza-se o quadrinômio metodológico: Teoria de Base;
Abordagem; Procedimento e Técnica. Como Teoria de Base e
Abordagem, a opção dá-se pela sistêmico-complexa, calcada em
autores como Edgar Morin, Enrique Leff e Fritjof Capra,
considerando-se o entendimento que é preciso vincular o Direito
com outras Ciências, inter-relacionando os diversos sistemas
existentes na busca de soluções viáveis e eficazes para as
problemáticas ambientais desta sociedade contemporânea. Com
relação ao método de procedimento, a opção é pela pesquisa
bibliográfica, amparada em teses, dissertações e artigos científicos, a
partir das técnicas de fichamentos e resumos.

202
Francieli Iung Izolani; Jerônimo Siqueira Tybusch

-------------------------------------------------------------------------------

Palvras-chave: Agrotóxicos. Insegurança alimentar. Produção


orgânica. Sustentabilidade socioambiental.

203
Eduardo Schneider Lersch

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A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E SUA APLICAÇÃO NO


ÂMBITO JURÍDICO INTERNACIONAL E BRASILEIRO

Eduardo Schneider Lersch1

Esta pesquisa se propõe a analisar o tratamento destinado à garantia


fundamental e constitucionalmente prevista do princípio da
presunção de inocência ou da não culpabilidade em constituições
contemporâneas de países diversos, com enfoque nos países
europeus que aplicam o sistema legal de civil law como a Alemanha,
França, Portugal, Espanha e Itália. Busca-se responder se a
relativização da presunção de inocência é possível numa
interpretação lógico-sistemática e se isso seria possível no
ordenamento jurídico brasileiro sem afetar seu núcleo
principiológico constitucional. Primeiramente, partindo-se de uma
análise comparativa, apresenta-se como a presunção de inocência é
aplicada nos países estudados e verificar se tal questão está assentada
e pacificada no ordenamento jurídico e na jurisprudência dos países
analisados. Em seguida, aborda-se o contexto brasileiro, no qual a
discussão ainda persiste com diversas propostas de mudanças
legislativas e emendas constitucionais e possibilidade de mudanças
no entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a
despeito do que foi julgado no âmbito das ADCs n° 43, 44 e 54 em
2019. A vinculação da presunção de inocência ao trânsito em
julgado da sentença condenatória, prevista no inciso LVII do art. 5º
da Constituição Federal de 1988, possui disposições semelhantes na
legislação constitucional e infraconstitucional em países como
Portugal e Itália, nações que influenciaram o texto normativo tal

1Especialista em Direito Penal pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI).


Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB),
eduardoschneiderl@hotmail.com.

204
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

como foi lavrado pelos constituintes de 1988 (BARBAGALO,


2015). Por fim, analisa-se a argumentação de alguns julgados das
cortes superiores sobre esse entendimento e sua evolução,
concluindo-se que jurisprudência que permitia a execução provisória
da pena foi aplicada durante a maior parte da vigência da
Constituição de 1988 e foi somente alterada no período de 2009 até
2016, sendo revisitada com frequência até o julgamento de mérito
das referidas ADCs em 2019. Além disso, pela análise dos países em
que a presunção de inocência está atrelada ao trânsito em julgado da
sentença condenatória, tal realidade não aparenta ser preponderante,
inclusive com a possibilidade de relativização por interpretação dos
tribunais, como aconteceu em julgado da Corte Constitucional
Portuguesa. Tendo em vista a aparente interminável discussão
acerca da possibilidade da relativização da presunção de inocência
através da possibilidade de execução provisória da pena, a força
normativa da constituição só terá eficácia e estabilidade no caso
brasileiro levando em conta à natureza singular do presente e
incorporando o estado espiritual de seu tempo (HESSE, 1991). Na
abordagem, utiliza-se o método histórico-dedutivo para delimitar o
surgimento e evolução do princípio da presunção de inocência. O
método dialético será utilizado para concluir, através de estudo de
casos e pesquisa aplicada acerca das diferentes interpretações e
aplicabilidade do princípio no âmbito jurídico internacional, sob a
possibilidade de relativizar o princípio de não culpabilidade, numa
interpretação lógico-sistemática. O método analítico será usado para
delimitação dos conceitos na doutrina e jurisprudência, com
enfoque na evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Constituição. Civil law. Direito comparado.
Presunção de inocência.
Referências

205
Eduardo Schneider Lersch

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HESSE, K. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto


Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991.
BARBAGALO, F. B. Presunção de inocência e recursos criminais excepcionais: em busca da
racionalidade no sistema processual penal brasileiro. Brasília: TJDFT, 2015.

206
Tricieli Radaelli Fernandes; Lucas Denardi Cattelan

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“LOBBY DO BATOM” E A CONQUISTA FEMINISTA


ATRAVÉS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Tricieli Radaelli Fernandes1


Lucas Denardi Cattelan2

O presente trabalho visa trazer reflexões acerca da participação


feminina na assembleia constituinte de 1987 – 1988, que teve por
objetivo a elaboração da Constituição Federal de 1988. Assim, parte-
se do pressuposto que a Constituição Cidadã foi pioneira ao
estabelecer direitos às mulheres, representando forte ruptura com
diversos estereótipos de discriminação contra a mulher, machismo e
patriarcalismo que ao invés de serem exclusos, eram respaldados
pelas constituições anteriores. Neste viés, o alcance destes direitos
não seria possível sem a luta político-jurídica da bancada feminina
composta por 26 mulheres constituintes que ficara conhecida
popularmente como “Lobby do Batom”. Criada através do
Conselho Nacional de Direitos da Mulher – CNDM, a bancada
vigia-se pelo seguinte lema: “Constituinte para valer tem que ter
Palavra de Mulher” (SILVA, p. 07). Além do direito a igualdade
entre os sexos, disposto no art. 5°, inciso I, da Constituição Federal,
foram conquistados também os direitos ao não preconceito relativo
ao sexo, presente no art. 3°, IV, o direito a paridade salarial entre os
sexos, estabelecido no art. 7°, inc. XXX, entre outros.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). Nesta estrutura de uma
1 Graduada em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões –
URI Campus Santiago e pós-graduanda em Direito do Trabalho pela faculdade Dom Alberto
– Santa Cruz do Sul, tricielir@gmail.com.
2 Graduado em Música - Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria –

UFSM. Graduado em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e


Missões – URI Campus Santiago. Graduando em Música - Bacharelado em Canto pela
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e pós-graduando em Direito Constitucional
pela Faculdade Dom Alberto – Santa Cruz do Sul, viceprefeito@jaguari.rs.gov.br.

207
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
------------------------------------------------------------------------------------------------

sociedade completamente assimétrica em suas relações de gênero, a


articulação política destas mulheres trouxe a luz a necessidade dos
debates sobre a igualdade de gênero, como também o
fortalecimento da vinculação da mulher à esfera pública,
enfraquecendo discursos patriarcais que reprimem as mulheres aos
ambientes estritamente privados e a tarefas domésticas, além de
expandir o panorama no que diz respeito às minorias, possibilitando
voz aos clamores sociais enfrentados por estes grupos
historicamente discriminados. Como metodologia, elegeu-se o
método analético (ana-lético ou ana-lialético), como um método que
tem como ponto principal, partir do outro totalmente livre, do
outro, estando além do sistema da totalidade. Com o uso desta
metodologia, busca-se a possibilidade de compreensão do outro
como exterioridade ao sistema, para além da totalidade que o
reprime, objetivando deslocá-lo da sociedade que o aprisiona e não
observa as suas particularidades, que ao invés de tutelá-lo, o exclui
como maneira de se desresponsabilizar das necessidades enfrentadas
pelas consideradas “minorias”. Neste contexto, tem-se a busca da
emancipação da mulher, bem como seu empoderamento, sua real
liberdade de pensamento, de escolhas e decisões e, também, a
concretização da igualdade, que através da movimentação política
destas mulheres foi conquistada na formalidade da Carta Magna de
1988, veiculando pilares para a sustentação desta igualdade na
materialidade. A revolução trazida por estas mulheres, além de
consolidar direitos primordiais elencados no ordenamento jurídico
brasileiro, os quais usufruímos paulatinamente, deu palavra as
necessidades sofridas pelas mesmas, trazendo perspectivas para
coibir preconceitos e confrontar o machismo institucional
(AMÂNCIO, 2013, p. 79). Portanto, frisa-se essencial que além de
consolidar vasto escopo de direitos imprescindíveis como
conhecemos na atualidade, as conquistas destas mulheres foram
marco para o aumento da representatividade feminina em todas as

208
Tricieli Radaelli Fernandes; Lucas Denardi Cattelan

-------------------------------------------------------------------------------

esferas de poder, garantindo a concretização do Estado


Democrático de Direito e da justiça e, ainda, refutando que não se
pode haver democracia estruturada em desigualdade de gênero.
Palavras-chave: Feminismo. Constituição. Lobby do Batom.
Referências
AMÂNCIO, K. C. B. “Lobby do Batom”: uma mobilização por direitos das
mulheres. Revista Trilhas da História, Três Lagoas, v. 3, n. 5, p. 72-85. jul./dez., 2013,
ISSN 2238-1651.
BRASIL. [Constituição de (1988)]. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acesso em: 30 set. 2020.
SILVA, S. M. O Legado Jus-político do Lobby do Batom Vinte Anos Depois: A
Participação das Mulheres na Elaboração da Constituição Federal. Encontro Nacional
de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de
Constituição. Parabéns! Por quê?”, ISNB 978-85-61681-00-5.

209
Ana Carolina Lopes Olsen; Henrique Murtinho de Borba;
Renan de Souza Cândido
-------------------------------------------------------------------------------------------------

A JUDICIALIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO


TRANSFORMADOR: Impulsionando a normatividade da
Constituição Brasileira

Ana Carolina Lopes Olsen1


Henrique Murtinho de Borba2
Renan de Souza Cândido3

O Constitucionalismo transformador tem como objetivo cumprir


uma agenda social que vem para alterar as dinâmicas da
comunidade, com o foco na inclusão e na promoção da dignidade
humana. Esse conceito é aplicado no seio latino-americano por
meio de transições políticas decorrentes da superação dos regimes
autoritários e a necessidade de democratização, em que as estruturas
sociais, econômicas e culturais de geração de exclusão e miséria
precisam ser enfrentadas. Por intermédio da promulgação de uma
Constituição dotada de elementos de cunho social, inicia-se uma
positivação de anseios outrora esquecidos, os quais permeiam a
viabilização de uma sociedade plural e democrática fundada na
dignidade de todas as pessoas. Nesse panorama, o Poder Judiciário,
além de um guardião das normas constitucionais, assume uma
função ativa na implementação das pautas transformadoras, o que
desmistifica o caráter político de sua atuação sem descuidar da
necessária fundamentação jusracional de suas decisões. Esta

1 Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Membro do Núcleo de


Estudos Constitucionalismo e Democracia da Universidade Federal do Paraná; Mestre em
Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná; professora de Direito Constitucional
e Direitos Humanos do Centro Universitário Católica de Santa Catarina, unidade de Joinville,
SC, ana.olsen@catolicasc.edu.br.
2 Aluno do curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina,

henrique.borba@catolicasc.edu.br.
3 Aluno do curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina,

renan.candido@catolicasc.org.br.

210
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

concepção, ainda que tenha elementos comuns com as ideias de


normatividade constitucional de Konrad Hesse e dirigismo de J. J.
Gomes Canotilho, procura ir além. A partir deste quadro teórico,
indaga-se sobre o papel assumido pela jurisdição constitucional
brasileira na perspectiva da caracterização da Constituição Federal
promulgada em 1988 no Brasil como uma constituição
transformadora. Através do método dedutivo, e mediante pesquisa
bibliográfica, pretende-se inicialmente apresentar a categoria do
constitucionalismo transformador, para em seguida caracterizar a
Constituição brasileira como uma amostra desse constitucionalismo
transformador. Num terceiro momento, mediante pesquisa em
doutrina e jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal Federal,
perscrutar sobre seu papel na implementação das mudanças
estruturais necessárias à realização do caráter transformador da
Constituição. A pesquisa se mostra consciente de eventuais conflitos
entre os poderes decorrentes do fenômeno da judicialização, haja
vista o perigo de uma sobreposição do judiciário em confronto com
as responsabilidades dos poderes democráticos instituídos. A
hipótese a ser confirmada é evidenciar o papel da jurisdição
constitucional no impulso da agenda transformadora da
Constituição Federal, especialmente por meio da realização dos
direitos e garantias constitucionais, implementando de forma efetiva
as propostas transformadoras que decorrem do texto fundamental.
Palavras-Chave: Constitucionalismo Transformador.
Judicialização. Direitos Humanos. Exclusão.
Referências:
VALLE, V. Constitucionalismo Latino Americano: Sobre como o Reconhecimento da
Singularidade pode trabalhar contra a Efetividade. Rio de Janeiro, 2013. Disponível
em:
https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/420/3
48. Acesso em: 20 out. 2020.

211
Ana Carolina Lopes Olsen; Henrique Murtinho de Borba;
Renan de Souza Cândido
-------------------------------------------------------------------------------------------------

PULCINELLI, E. STF como indutor de Mudanças no Constitucionalismo Transformador.


Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: https://portal.estacio.br/media/922586/ok-
eliana-pulcinelli.pdf. Acesso em: 20 out. 2020.
HESSE, K. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 1991.
BARROSO, L. R. O controle da constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2019.
VIEIRA, O. V. Batalha dos Poderes. São Paulo: Editora Schwarcz, 2018. Disponivel
em: https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/14586.pdf. Acesso em: 20
out. 2020.
KLARE, K. E. Legal Culture and Transformative Constitutionalism. South African
Journal on Human Rights, v. 1, 1998.
MELLO, P. P. C. Constitucionalismo, transformação e resiliência democrática no
Brasil: o Ius Constitucionale Commune na América Latina tem uma contribuição a
oferecer?. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 2, 2019.
FACHIN, M. G.; KANAYAMA, R. L. A Constituição têxtil. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-constituicao-textil-18052020.
Acesso em: 20 out. 2020.
CANOTILHO, J. J. G. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra:
Coimbra, 2001.
ROA ROA, J. E. El rol del juez constitucional en el constitucionalismo
transformador latinoamericano. Max Planck Institute for Comparative Public Law
& International Law (MPIL) Research Paper Series No. 2020-11. Disponível em:
https://meet.google.com/linkredirect?authuser=3&dest=https%3A%2F%2Fssrn.c
om%2Fabstract%3D3571507. Acesso em: 20 out. 2020.

212
Alhandra Cristina Moraes Antunes Tepedino; Ana Carolina Lopes Olsen

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A INFLUÊNCIA DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS


NA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Alhandra Cristina Moraes Antunes Tepedino 1


Ana Carolina Lopes Olsen2

Nos últimos 32 anos a Constituição da República Federativa do


Brasil recebeu 108 (cento e oito) Emendas Constitucionais advindas
do Poder Constituinte Reformador. Sabe-se que a Constituição
brasileira é classificada como: prolixa, no que tange o grande
número de matérias estranhas ao direito constitucional e normas
com regulamentações minuciosas, que abre o leque de assuntos que
podem vir a ser alterados; e, rígida, devido sua modificação ser
realizada apenas via procedimentos solenes e complexos, além de ter
que respeitar as cláusulas pétreas do seu artigo 60, ambos são
limitações do Poder Reformador. Esse ambiente suscita reflexões
sobre a teoria da força normativa defendida por Konrad Hesse
como a superação da constituição como documento político, além
da existência de uma relação de coordenação entre a constituição
real (prática) e a constituição jurídica (positivada), de modo que deve
basear-se na realidade a fim de ser atualizada e trazer modificações
para a sociedade. Considerando o conceito de Hesse e as limitações
do Poder Reformador, pode-se dizer que o primeiro se relaciona
com a preservação da constituição sem engessá-la, de modo que seu
texto pode ser alterado eventualmente a fim de acompanhar as
evoluções sociais, desde que se mantenha o teor identitário advindo
1 Aluna do curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina, unidade de
Joinville, SC, alhandra.tepedino@catolicasc.edu.br.
2 Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Membro do Núcleo de

Estudos Constitucionalismo e Democracia da Universidade Federal do Paraná; Mestre em


Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná; professora de Direito Constitucional
e Direitos Humanos do Centro Universitário Católica de Santa Catarina, unidade de Joinville,
SC, ana.olsen@catolicasc.edu.br.

213
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------------------------

dos anseios dos constituintes originários. Desse modo, alterações


são possíveis, desde que resguardadas as limitações contidas no
artigo 60 no qual observam-se as regulamentações focadas nas
alterações constitucionais. A ideia central do presente trabalho nasce
com a seguinte provocação: em que medida a intensa produção de
emendas constitucionais interfere na força normativa da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no sentido
de ter propiciado, ou não, o distanciamento dos ideais originais
pautados pelo caráter social e de preservação da dignidade humana?
Neste estudo, aplicado o método dedutivo somado à pesquisa
bibliográfica, pode-se estabelecer uma relação entre os pontos
levantados na problemática: a Constituição de 1988, suas Emendas,
a força normativa segundo Konrad Hesse e a limitação formal do
Poder Reformador. A hipótese a ser confirmada é que embora o
texto constitucional precise preservar graus de abertura às
necessárias inovações, as emendas constitucionais realizadas nos
últimos anos têm fragilizado seu caráter social bem como a
responsabilidade do Estado para a realização dos direitos
fundamentais. Ademais, buscar-se-á além do exposto, uma análise
calcada em uma avaliação qualitativa e substancial do corpo
normativo das emendas constitucionais que propiciam alterações
significativas no texto original da Carta Magna brasileira desde sua
promulgação há mais de três décadas.
Palavras-chave: Força normativa. Emendas constitucionais. Poder
reformador. Constituição de 1988.
Referências:
BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BARROSO, L. R. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição
sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.

214
Alhandra Cristina Moraes Antunes Tepedino; Ana Carolina Lopes Olsen

-------------------------------------------------------------------------------

FACHIN, M. G.; KANAYAMA, R. L. A Constituição têxtil. Disponível em:


https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-constituicao-textil-18052020.
Acesso em: 20 out. 2020.
GARGARELLA, R.; ROA ROA, J.E. Diálogo democrático y emergencia en
América Latina. Max Planck Institute for Comparative Public Law & International
Law (MPIL) Research Paper No. 2020-21. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3623812. Acesso em: 20 out. 2020.
HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 1991.
LIMA, J. Emendas constitucionais inconstitucionais: democracia e supermaioria. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2018.
NOVELINO, M. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

215
Isabela Marisa Câmara Sousa; Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima

--------------------------------------------------------------------------------------------

CIDADES INTELIGENTES E A LEI Nº 13. 709/2018: breves


estudos sobre Direito à Cidade

Isabela Marisa Câmara Sousa1


Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima2

O direito fundamental à cidade não pode ser encarado de forma


isolada, é mais do que o acesso ao espaço urbano já existente. Para
compreendê-lo é necessário também vislumbrar a possibilidade de
participar das mudanças, construir, refazer e desfazer, inclusive o
próprio indivíduo. O atual momento da sociedade permite que a
participação humana nessa construção conte com o apoio da
tecnologia para aprimoramento do espaço urbano, criando um novo
tipo de experiência de cidade, conhecido como Smart Cities – cidades
inteligentes. Nesse contexto, em agosto do ano corrente entrou em
vigor a Lei Geral de Proteção de Dados, que além de proteger os
dados do indivíduo, visa proteger também sua participação nesse
novo universo tecnológico. Contudo, o processo de implementação
dessas tecnologias requer a presença de diferentes requisitos, por
diversas vezes não tão acessíveis. Dito isso e considerando o direito
uma ciência não estática, conectado diretamente com a mudança,
principalmente, em se tratando das relações humanas, o presente
trabalho tem por objetivo elucidar e tecer comentários acerca do
Direito Fundamental à Cidade, a partir de especialistas como Henri
Lefebvre e David Harvey, e sua relação multidisciplinar com a Lei
13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados. Ainda sob essa

1 Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, Pós-Graduanda
em Direitos Humanos, Responsabilidade social e Cidadania global pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC/RS), isabelamcamara@icloud.com.
2 Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, Mestranda em

Direito - Minter PUC-RS/Centro de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB,


glauciamaranhao@gmail.com.

216
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

premissa, tem-se como objetivo expor sobre a temática das Smart


Cities - cidades inteligentes. Destarte, a partir da análise reflexiva
sobre a temática em ascensão considerando toda a conjuntura atual,
indaga-se sobre a possibilidade de inserção da realidade brasileira no
contexto contemporâneo de imersão nos novos moldes urbanísticos
desenvolvimentistas. Ao final, o funcionamento eficaz das cidades
inteligentes fica condicionado a aplicabilidade coerente do direito à
cidade, sendo inviável a implantação de um projeto tecnológico sem
uma visão democrática de inclusão social no ambiente urbano.
Durante a pesquisa será utilizado o método de abordagem dialético,
pois pretende-se observar as mudanças que vem ocorrendo em
sociedade, no que diz respeito às cidades inteligentes. O método de
interpretação será o tópico sistemático, com o intuito de verificar o
conceito de cidades inteligentes e a Lei Geral de Proteção de Dados.
A metodologia utilizada contará com pesquisa de caráter
bibliográfico e qualitativo.
Palavras-chave: Direito à Cidade. LGPD. Direitos Fundamentais.
Desenvolvimento.

217
Mayra Angélica Rodríguez Avalos

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O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DA NATUREZA


PARA A (RE)CONFIGURAÇÃO DO
CONSTITUCIONALISMO AMBIENTAL NA AMÉRICA
LATINA

Mayra Angélica Rodríguez Avalos1

O reconhecimento dos direitos da natureza na Constituição do


Equador (2008) é precursor de um novo paradigma constitucional,
fundada no estado do “buen vivir”, ou “sumak kawsay”, ao dotá-la de
titularidade de direito oponíveis perante as pessoas, além de conferir
legitimidade a estas últimas para atuar judicialmente na defesa destes
direitos. Na Bolívia, a Carta Constitucional (2009), embora não
reconheça abertamente a natureza como titular de direitos,
reconhece a relação harmoniosa que deve existir entre as pessoas e
ela para alcançar o estado do bem viver “Suma quamaña” como
fundamento de existência do próprio Estado, e, por conseguinte,
confere também a todas as pessoas, no plano individual ou coletivo,
a faculdade de agir em seu nome. Estas novas epistemologias foram
o ponto de inflexão para considerar que a natureza tem direitos,
influenciado outras latitudes de todo o mundo, com especial ênfase
na América Latina, onde se alcançou o reconhecimento de entidades
naturais como subjetividades titulares de direito e, portanto, da
proteção jurisdicional como por exemplo na Colômbia; ou a dupla
dimensão de proteção do meio ambiente -antropocêntrica
ambientalista e biocêntrica - determinada pela Suprema Corte de
Justicia no México. Nesta perspectiva, é possível falar da transição para

1Maestra en Derecho Procesal Penal pelo Instituto Nacional de Estudios en Derecho Penal,
México. Master in Diritto e Sicureza Umana, per la Univesità Milano-Bicocca, Milano, Italia.
Phd Studend in Diritto Comparato e Processi di Integrazione nella Università degli studi della
Campania Luigi Vanvitelli (Unicampania, Itália), mayra.rodriguez.abogada@gmail.com.

218
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

um “constitucionalismo ambiental baseado num Estado de bem


viver”, em coexistência harmoniosa entre as pessoas e a natureza ou
os seus elementos, reconhecendo a cada uma das partes direitos
independentes, mas simbióticamente relacionados, dando origem a
uma dupla tese de proteção constitucional ao mesmo nível (pessoa e
natureza), superando a visão antropocêntrica de disponibilidade
material da natureza para as pessoas ou para o próprio Estado e
aceitando que ela é em si mesma titular. Este trabalho reflete sobre
os fundamentos e justificações nas Constituições do Equador e da
Bolívia, para o reconhecimento da natureza como subjetividade; é
também abordada, a proteção que surge através de decisões
judiciais, como aconteceu na Colômbia e no México, embora o seu
reconhecimento constitucional seja menor ou relativamente fraco;
para finalmente posicionar a existência de um constitucionalismo
ambiental na América Latina como um novo modelo constitucional
contemporâneo que supera a visão monista de proteção apenas
direitos humanos e inclui outras subjetividades.
Palavra-chave: Constitucionalismo ambiental. Os direitos da
natureza. Direitos Humanos. Antropocentrismo ambiental.
Biocentrismo.
Referências
BOLÍVIA. Constitución Política del Estado (CPE) - 7 febrero 2009. Disponível em:
https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf. Acesso em: 25 ago. 2019.
EQUADOR. Constituição do Equador. 2008. Disponível em:
https://www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/es/ec/ec030es.pdf. Acesso em: 01 jul.
2020.

219
Felipe Baldin Dalla Valle

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A POSSIBILIDADE DA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARA A
APLICAÇÃO DA TAXAÇÃO DE GRANDES FORTUNAS
NO BRASIL: Reflexões a partir da ADO 55

Felipe Baldin Dalla Valle1

A Taxação de Grandes Fortunas é alvo de incansáveis debates desde


seu surgimento na Constituição Federal de 1988. Disposta no artigo
153, mais precisamente no inciso VII, o Imposto sobre Grandes
Fortunas (IGF) necessita de uma lei complementar para sua devida
regulamentação. Ocorre que, em 32 anos de promulgação de nossa
Magna Carta, sequer existiram avanços de caráter significativo para
legislar acerca do IGF nas casas do legislativo. No entanto, com o
advento da crise ocasionada pela pandemia de COVID-19 no Brasil,
cresceram as discussões no meio jurídico acerca da possível
implementação do IGF na tentativa de mitigar os danos
ocasionados à saúde pública e setores econômicos e sociais de nosso
país. Problema: Discute-se, dessa forma, a possibilidade do
implemento do Imposto sobre Grandes Fortunas a partir da Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), tendo em
vista a morosidade dos Poderes Legislativo e Executivo de nosso
país para seu implemento. Assim, o presente trabalho possui como
objetivo principal analisar a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão de número 55, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Metodologia: Para isso, o método de pesquisa utilizado foi o
hipotético-dedutivo, tendo em vista a necessária formulação de
hipótese que possa vir a confirmar a tese da possibilidade da ADO

1Graduando em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Grupo de


Estudos e Pesquisas em Democracia e Direito Constitucional da Universidade Federal de
Santa Maria (GPDECON/UFSM), fbaldin.valle@gmail.com.

220
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

para regulamentação do tema. Além disso, utilizou-se também


método bibliográfico, haja vista a essencial análise da jurisprudência
da Suprema Corte acerca do assunto, bem como doutrinas
especializadas na seara constitucional. Resultados e Discussões:
Presente no artigo 103, 2§ da Constituição Federal, a ADO é vista,
majoritariamente pelos doutrinadores, como um remédio para a
“síndrome de ineficácia das normas constitucionais”. Consoante o
pensamento de BARROSO (2011) ao artigo referido anteriormente,
a omissão engloba tanto os atos gerais e abstratos quanto os
obrigatórios de outros Poderes e não somente daquele ao qual cabe
a responsabilidade primária pela criação do direito positivo. Nesse
sentido, a ADO 55 fora interposta no ano de 2019 pelo Partido
Socialismo e Liberdade, sustentando o argumento de que tal
tributação é fundamental à República a medida em que colabora na
construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, reduzindo as
desigualdades sociais e regionais, previstas no artigo 3º da
Constituição. No entanto, o Advogado-Geral da União Augusto
Aras sustenta a tese de que não caberia à Suprema Corte a atuação
como legisladora positiva, haja vista que afrontaria os princípios da
divisão funcional do Poder e da legalidade tributária dispostas,
respectivamente, nos artigos 2º e 150, I da Constituição Federal.
Com isso, pode-se perceber o conflito existente na ação que,
embora não tenha data para julgamento do ministro-relator Marco
Aurélio, tem gerado profundos debates até o presente momento
frente sua viabilidade.
Palavras-chave: Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão. Controle de Constitucionalidade. Taxação de Grandes
Fortunas. Remédios Constitucionais.
Referências

221
Felipe Baldin Dalla Valle

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BARROSO, L. R. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição


sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2011.

222
Pedro Francisco Moura Vormittag; Victoria Moura Vormittag

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A REALIZAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS


SUBNACIONAIS: Um estudo de caso da cidade de Manaus
durante a pandemia de covid-19

Pedro Francisco Moura Vormittag1


Victoria Moura Vormittag2

A pandemia do novo coronavírus pôs à prova a capacidade de


realização dos direitos humanos em todo o mundo, impondo
especiais desafios às cidades. Com cerca de 90% dos casos
registrados ocorridos em áreas urbanas (ONU 2020a), aspectos
centrais dos esforços de prevenção e combate à doença foram
executados no âmbito subnacional. Do ponto de vista dos direitos
humanos, o efeito colateral dos esforços de prevenção ao vírus
sobre a vida e a sobrevivência de camadas marginalizadas da
população está entre as principais preocupações das Nações Unidas
(ONU 2020b). No Brasil, as medidas de distanciamento social no
comércio e nos serviços, no transporte público e nas escolas,
atraíram para o centro do esforço sanitário de emergência a
competência municipal para legislar sobre matérias de interesse
local. Este estudo se propõe a responder à seguinte pergunta de
pesquisa: quais são os potenciais e limites para realização dos
direitos humanos pelos municípios brasileiros? A partir de um
estudo de caso das políticas públicas de resposta à pandemia do
novo coronavírus ativadas pelo município de Manaus (Amazonas),

1 Bacharel em direito pela Universidade de São Paulo e mestrando em Gestão Internacional


pela Fundação Getúlio Vargas; Lemann Fellow aceito no Mestrado em Administração Pública
da School of International and Public Affairs (SIPA) da Universidade de Columbia, nos
Estados Unidos, pedrovormittag@gmail.com.
2 Graduanda em direito pela Universidade de São Paulo. Coordenadora do Núcleo de Estudos

Internacionais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e estagiária na área de


Contencioso Cível no Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. and Quiroga Advogados,
victoria.vor@gmail.com.

223
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
------------------------------------------------------------------------------------------------

cidade que chamou atenção internacionalmente durante o ápice da


pandemia e que se encontra sob o olhar atento de todo o mundo,
mobilizamos a teoria jurídica dos direitos humanos com objetivo de
entender o papel desempenhado pelo discurso e pela legislação
municipal de direitos humanos na prevenção e combate à COVID-
19. O insumo empírico para o estudo consiste (i) no conjunto de
normas municipais — Leis, Decretos, Portarias e outros atos
normativos — editados especificamente para a ativação das políticas
públicas de resposta da Prefeitura de Manaus à pandemia do novo
coronavírus e (ii) nos dados que revelam o impacto da pandemia na
cidade – como número de óbitos, contágios, desenvoltura do
sistema de saúde e de funerário. Examinamos os dados à luz do
panorama legal dos direitos humanos colocado pelo Direito
Internacional dos Direitos Humanos — com atenção especial à
obrigação de promover e realizar direitos humanos — e do exame
da estrutura jurídica de governança em direitos humanos da
Prefeitura de Manaus, de modo a entender como seu ordenamento
jurídico de direitos humanos reagiu diante do desafio sanitário da
COVID-19. Resultados preliminares apontam que o potencial para
realização de direitos humanos pelos municípios brasileiros ainda é
pouco explorado e estudado, apesar de sua função imprescindível na
realização a nível local dos direitos humanos, como o direito à
saúde, positivados na Constituição Federal de 1988. A cidade de
Manaus não ignora seu papel nesse sentido, tendo o Departamento
de Direitos Humanos dentro de sua Secretaria Municipal da Mulher,
Assistência Social e Cidadania, com objetivo de promover e garantir
o livre e pleno exercício dos direitos humanos aos grupos
historicamente vulneráveis, alvos de discriminação e preconceitos.
Entretanto, pela magnitude dos impactos causados pela pandemia
de COVID-19, resta analisar quais os limites das políticas públicas já
existentes e como agiu a prefeitura frente aos novos desafios que
teve, e ainda tem, que enfrentar.

224
Pedro Francisco Moura Vormittag; Victoria Moura Vormittag

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Palavras-chave: Competência municipal. Cidade. COVID-19.


Direito humanos. Manaus.

Referências
DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS - DDH. Secretaria Municipal da
Mulher, Assistência Social e Cidadania da Cidade de Manaus. Disponível em:
semasc.manaus.am.gov.br/ddh/. Acesso em: 21 out. 2020.
UNITED NATIONS. (2020). Policy Brief: COVID-19 in an Urban World. United
Nations. Disponível em: https://unsdg.un.org/resources/policy-brief-covid-19-
urban-world#:~:text=With an estimated 90 per,the spread of the virus. Acesso em:
21 out. 2020.
UNITED NATION DEVELOPMENT PROGRAMME. Checklist for a Human
Rights-Based Approach to Socio-Economic Country Responses to COVID-19. July 2020.

225
Artur Bernardo Milchert; Maria Júlia Tonet Chicato; Milena Petters Melo

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CONSTITUIÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL NOS


PAÍSES LUSÓFONOS: Análise da constituição de
Moçambique

Artur Bernardo Milchert1


Maria Júlia Tonet Chicato2
Milena Petters Melo3

O estudo da Constituição da República de Moçambique, de 1990 e


com revisões periódicas, sendo a mais recente datada de 2004, se
deu através do método comparatístico, com enfoque na análise das
seguintes questões: as Constituições dos países lusófonos, em
especial a Constituição da República de Moçambique, contribuem
para a compreensão da proteção do meio ambiente como princípio
constitucional fundamental?; como esta Constituição disciplina a
proteção do meio-ambiente e dos recursos naturais?; esta
Constituição relaciona a proteção ambiental com os direitos
humanos?; esta Constituição contempla uma visão antropocêntrica
da tutela do ambiente ou, em compasso com as tendências mais
recentes do constitucionalismo, compreendem ou podem comportar

1 Graduando em Direito pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Pesquisador do


Centro Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais - CEDEUAM (UNISALENTO,
Itália/FURB, Brasil). Pesquisador do Núcleo de Estudos em Constitucionalismo, Cooperação
e Internacionalização - CONSTINTER. Bolsista do Programa de Incentivo à Pesquisa -
PIPE, PROPEX, FURB, Projeto: "Constituição e Proteção Ambiental nos Países Lusófonos".
Presidente do Diretório Acadêmico Clóvis Beviláqua - DACLOBE, do Curso de Direito da
Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB, Blumenau, Santa Catarina/BR,
arturmilchert@hotmail.com.
2 Graduanda Direito pela Universidade Regional de Blumenau - FURB; Pesquisadora do

Centro Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais - CEDEUAM (UNISALENTO,


Itália/FURB, Brasil); Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Constitucionalismo,
Cooperação e Internacionalização - CONSTINTER; Bolsista do Programa de Incentivo à
Pesquisa - PIPE, PROPEX, FURB, Projeto: Constituição e Proteção Ambiental nos Países
Lusófonos, mariajuliachiacto@gmail.com.
3 Universidade Regional de Blumenau (FURB), milenapetters@furb.br.

226
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
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uma visão biocêntrica?. O documento estudado é uma carta


constitucional consideradas recente e, por isso, traz consigo uma
proteção especial com relação aos aspectos de proteção ambiental.
Neste sentido, na Constituição de Moçambique, em seu artigo 45,
há previsão para que a comunidade defenda e conserve o ambiente
e, no artigo 117, 1, encontra-se a definição do Estado como ente
responsável por promover iniciativas para garantir o equilíbrio
ecológico e a conservação e preservação do ambiente. Outro
aspecto presente nesta Constituição é que o texto tutela para o
Estado a proteção do ambiente como um todo, prevendo também o
direito das gerações futuras e da preservação das espécies. Além
disso, o Estado também tutela para si o direito de conservação,
exploração e aproveitamento dos recursos naturais. Sendo assim, a
garantia da proteção do ambiente é elencada como um direito
fundamental, onde há principalmente a tutela do Estado para a
garantia de sua conservação. Adiante, a carta constitucional
disciplina o direito a um ambiente sadio, ecologicamente equilibrado
e o dever de toda a comunidade de defendê-lo e valorizá-lo. Além
disso, incumbe a responsabilidade aos poderes públicos de elaborar
políticas de defesa, exploração e promoção do ambiente e a
promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais,
salvaguardando a capacidade de renovação e a estabilidade
ecológica. Portanto, está previsto constitucionalmente um status
ativo tanto do Estado, quanto da comunidade para a proteção
ambiental. Com relação à proteção ambiental e os direitos humanos,
a Constituição de Moçambique segue o que há de mais moderno
com relação à teoria constitucional, prevendo a recepção de tratados
internacionais em seu ordenamento jurídico. Em especial quanto a
articulação da Proteção Ambiental como Direito Humano,
importante o destaque para os dispositivos que estabelecem o
respeito pela dignidade humana e o dever do Estado de proteger os

227
Artur Bernardo Milchert; Maria Júlia Tonet Chicato; Milena Petters Melo

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recursos naturais e o meio ambiente. Assim, pode-se concluir que a


proteção ambiental é sim tratada como um Direito Humano. Por
derradeiro, a Constituição moçambicana prevê o ambiente como um
bem tutelado pelo Estado, não como sujeito de direitos, não
acompanhando portanto as tendências do neoconstitucionalismo
latino-americano. Entretanto, ressalta-se que a garantia do ambiente
como um direito fundamental e relacionado com os direitos
humanos já denota uma significativa atenção à causa.
Palavras-Chave: Constituição. Moçambique. Proteção Ambiental.
Países Lusófonos.

228
Wellen Pereira Augusto

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TERRITÓRIO E LUTA DOS POVOS INDÍGENAS NO


BRASIL: O debate constituinte e a tese do marco temporal em
confronto

Wellen Pereira Augusto1

A Constituinte de 1987-1988 foi um campo de disputa, de clivagens


e de protagonismo do movimento indígena organizado em
associações, aliados indigenistas, intelectuais, etc., para garantir o
direito originário à terra e o fim da política de assimilação e tutelar
(SANTANA; CARDOSO, 2020). Os direitos ali consagrados
decorrem de lutas requeridas desde a década de 1970, com forte
apoio da sociedade civil pelo fim da ditadura militar e emancipação
dos povos, por meio da formação anterior de entidades indígenas e
de uma consciência indígena nacional. O aspecto de afirmação de
direitos humanos e de um Direito dos Povos Indígenas é alicerçado
pela aprovação da Convenção nº 169 da OIT, em 1989. Com o
advento da redemocratização, buscou-se garantir direitos de
autodeterminação, culturais e, em especial, territoriais, em razão do
reconhecimento originário da posse indígena em terras brasileiras.
Assim, foi possível garantir a demarcação de terras indígenas, de
propriedade da União e que serviriam aos seus usos e costumes,
bem como à sua sobrevivência física e ancestral. Todavia, o impasse
causado pela influência econômica em relação ao agronegócio, ao
comércio ilegal de madeira e mineração, a expulsão dos povos de
seus territórios foi continuada. Desse modo, na disputa de
propriedade das terras, criou-se a tese do marco temporal, a qual

1 Pós-graduanda em Direito Constitucional (ABDConst) e em Direitos Humanos (UFFS).


Membro do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Cidadania (PPGD/Unochapecó), no
eixo “Constitucionalismo Latino-Americano, Povos Indígenas e Direitos Humanos”,
wellen._@hotmail.com.

229
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
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consiste em compreender que só será legítima a posse indígena se


aquela comunidade estivesse presente fisicamente na terra no ano de
promulgação da Constituição ou, se não se fizesse presente,
estivesse pendente uma disputa pelo território, seja pelo confronto
físico ou judicial. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal afetou
o Recurso Extraordinário nº 1017365/SC, constituindo o Tema
1031, com intuito de definir “o estatuto jurídico-constitucional das
relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz
das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional”. O
objetivo do trabalho é investigar se há confronto e antinomia entre
as concepções contemporâneas de posse indígena e a tese do
indigenato. Os objetivos específicos são de apresentar a tese de
forma crítica, como uma invenção jurídica do julgador e não do
Poder Constituinte Originário, nem dos intérpretes doutrinários da
Constituição. Além disso, enfatizar os efeitos da decisão que acolhe
a tese do marco temporal, em contraponto à vontade constituinte. A
problemática permite refletir se há compatibilidade entre a tese do
marco temporal e o debate constituinte. A pesquisa será
bibliográfica e documental, em artigos e livros sobre a temática, bem
como nos documentos atinentes à Assembleia Constituinte de 1987-
1988, em especial os pareceres. Além disso, pelo método analítico-
descritivo, será feita a análise da compatibilidade entre a tese do
marco temporal com as teses dos membros da Constituinte. Com
isso, pretende-se apresentar as teses que instituíram o indigenismo
no Brasil, sua repercussão na Constituição de 1988 e a interpretação
equivocada de ocupação temporal. O debate é iminente, tendo em
vista o julgamento próximo pelo Supremo Tribunal Federal sobre a
natureza jurídica dos territórios indígenas.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Direitos dos povos indígenas.
Território. Marco temporal. Poder Constituinte.

230
Wellen Pereira Augusto

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Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1017365. Rel. Min.
Edson Fachin. Origem: Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Santa Catarina.
Distribuição: 16/01/2017. Disponível em: http://www.stf.jus.br/.
SANTANA, C. R.; CARDOSO, T. M. Direitos territoriais indígenas às sombras do
passado. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 89-116, 2020.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/40863. Acesso em: 29
abr. 2020.

231
Clarissa de Souza Guerra

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O PRINCÍPIO DA SOBERANIA NO
NEOCONSTITUCIONALISMO LATINO-
AMERICANO: O meio ambiente como bem comum e a
necessária proteção da biodiversidade

Clarissa de Souza Guerra1

As Constituições nacionais são as leis fundamentais dos Estados


Democráticos e Sociais de Direito, contemplando, portanto, os
princípios da organização estatal e as prerrogativas que assistem os
seres humanos. Formam, portanto, as bases dos sistemas jurídicos e
irradiam seus efeitos por todo o ordenamento. Dessa forma, o
presente trabalho se volta ao estudo do neoconstitucionalismo
latino-americano frente ao princípio da soberania nacional,
considerando o reconhecimento do direito ao bem-viver e da
natureza como um sujeito de direitos. Para tanto, tem como
problema de pesquisa: “Quais os limites e possibilidades do
princípio da soberania nacional, frente ao neoconstitucionalismo
latino-americano e à necessidade de cooperação entre os Estados
para o atendimento de direitos e pressupostos constitucionais?”.
Utiliza-se como metodologia o sistêmico-complexo, buscando
compreender em sua complexidade o neoconstitucionalismo latino-
americano e o princípio da soberania alimentar. Há que se
considerar que, no âmbito da América Latina, dado o contexto
histórico-social de colonização e os movimentos conhecidos como
neocolonialismo, estabelece-se uma série de direitos e pressupostos
constitucionais voltados ao atendimento dos interesses dos Estados
do Norte. Processo este que sofreu modificações a partir do

1 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),


clarasouzaguerra@hotmail.com.

232
GRUPO DE TRABALHO 3 – Constitucionalismo contemporâneo e
comparação constitucional
-------------------------------------------------------------------------------

neoconstitucionalismo e das vertentes voltadas ao amparo aos


interesses dos povos tradicionais e de proteção à biodiversidade,
enquanto bem comum. O reconhecimento do direito ao “bem-
viver” e a mudança na lógica e na percepção da natureza,
considerando o ser humano como parte do meio ambiente,
ensejaram alterações no que diz respeito ao princípio da soberania,
um dos fundamentos dos Estados nacionais. Há que se considerar
que a promoção do bem-viver e a consideração da natureza como
detentora de direitos conduz à dispersão dos centros de poder, a
partir da necessidade de cooperação entre os Estados para a
proteção da biodiversidade. Concebe-se a natureza como parte do
patrimônio natural e cultural dos povos, implicando, para tanto,
atenuação da soberania nacional.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo latino-americano.
Soberania. Meio ambiente.

233
Gabriela Parode Buzetto

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A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA PELO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: Um olhar a partir do
garantismo de Luigi Ferrajoli

Gabriela Parode Buzetto1

No dia 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal julgou


procedente a ação de inconstitucionalidade por omissão número 26,
o qual reconheceu o estado de mora inconstitucional do Congresso
Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a
cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos
XLI e XLII do art. 5° da Constituição federal, para efeito de
proteção penal aos integrantes do grupo LGBT. Também declarou a
existência de uma omissão normativa inconstitucional do Poder
Legislativo sobre o caso. Assim, enquadrou a homofobia e
transfobia, em qualquer que seja sua forma de manifestação, nos
diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que
sobrevenha legislação autônoma. Após a conduta do Supremo,
houve uma discussão sobre a legalidade da decisão, uma vez que a
tipificação de uma conduta criminosa é de competência do Poder
Legislativo. Ademais, houve o debate sobre a tipificação do crime de
homofobia ter sido enquadra na lei que criminaliza o racismo, pois
ambas as condutas são distintas e sua vítimas também. A fim de
buscar uma posição doutrinaria sobre a discussão analisou-se a
teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli, utilizando como uma
das bases seu livro DIREITO E RAZÃO Teoria do Garantismo
Penal (FERRAJOLI, 2014) bem como, a Constituição Federal
(BRASIL, 1988) e o Código Penal (BRASIL, 1940). Ademais, para
uma maior compreensão acerca do tema também foi estuda a Lei nº

1 Universidade Franciscana, gparode@gmail.com.

234
GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

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7.716/89. A presente pesquisa tem como objetivo principal analisar
se a tipificação da conduta de homofobia pelo Supremo Tribunal
Federal é coerente com a teoria garantista tendo como base o
doutrinador Luigi Ferrajoli, para tanto foi utilizado o método de
abordagem dedutivo, visto que, inicialmente, foi realizado um
estudo sobre a Teoria Garantista de Luigi Ferrajoli para que
posteriormente discutir-se, com base na teoria, a legalidade da
decisão do Supremo Tribunal Federal. Em relação ao método de
procedimento será empregado o monográfico e a técnica de
pesquisa alicerçada em documentação indireta (bibliográfica e
documental). A presente pesquisa conclui que houve por parte do
Supremo Tribunal federal uma violação do princípio da legalidade,
trazido no Código penal em seu artigo 1º que se manifesta pela
locução nullum crimen nulla poena sine previa lege. Deste modo, não
poderia haver o crime de homofobia, uma vez que não há lei
anterior que o defina como crime, apesar do supremo alegar
omissão legislativa. Assim, houve no julgamento do STF a violação
ao princípio da legalidade estrita em sua conexão com a estrita
jurisdicionaridade, pois apesar das melhores intenções, não cabe ao
supremo criar crimes. Embora, no caso em tela não tenha sido
criado uma lei própria é decidido ampliar o significado do conceito
raça para muito além de sua alçada. Por fim, cumpra-se frisar que a
pesquisa entende que as lutas contra a homofobia são de extrema
relevância social, porém é necessário que seja criada uma lei pelo
Congresso Nacional, engolindo seus preconceitos, para que desta
forma haja uma grande vitória do grupo LGTBQI+.
Palavras-chave: Homofobia. Criminalização. Teoria Garantista.
Referências
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria Garantista. SARAIVA 4. ed, 2014.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

235
Gabriela Parode Buzetto

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BRASIL. Código Penal de 1940. Promulgado em 7 de dezembro de 1940.

236
Daniela Roveda

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DIVERSIDADE CULTURAL E JUSTIÇA GLOBAL: Estudo


acerca do direito internacional do reconhecimento na corte
interamericana de direitos humanos

Daniela Roveda1

O direito internacional, além de promover o desenvolvimento dos


Estados do Norte global, serviu como instrumento legitimador de
injustiças, especialmente relacionadas a opressão da diversidade
cultural e de identidades aos povos da América Latina, como reflexo
da colonização. Nesse cenário, a leitura crítica do direito
internacional contemporâneo propõe meios para tentar amenizar
essas injustiças históricas cometidas aos povos indígenas da América
Latina, a partir da consolidação do direito internacional do
reconhecimento (JOUANNET, 2012). Assim, a presente pesquisa
tem por escopo a investigação do papel da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) em aplicar o direito internacional do
reconhecimento nas sentenças referentes a opressão as identidades e
diversidade cultural dos povos indígenas da América Latina. A
delimitação do campo de pesquisa considerou o critério temporal,
para selecionar as sentenças condenatórias proferidas no período de
2005 a abril de 2020, já que em 2005 foi publicada a Convenção
para Proteção da Diversidade Cultural da UNESCO, documento
internacional que instituiu o regime jurídico internacional protetivo
a diversidade cultural e de identidades. A pesquisa quer responder o
seguinte problema: como o direito internacional do reconhecimento,

1Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de


Santa Maria, Linha de Pesquisa: Direitos da Sociedade em Rede: atores, fatores e processos de
mundialização. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Direito Internacional (NPPDI).
Pesquisadora do Núcleo de Direito Constitucional Especialista em Direito Processual Civil
(UNISUL), Advogada, dani_roveda@yahoo.com.br.

237
GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

-------------------------------------------------------------------------------------------------

a partir dos enfoques propostos por Emmanuelle Jouannet, aparece


na fundamentação das sentenças da CIDH? Para tanto, o trabalho
envolve a investigação empírica das sentenças da CIDH, tendo
como método de pesquisa a abordagem dialética e, como técnica, a
revisão bibliográfica e documental, além das análises quantitativas e
qualitativas das sentenças condenatórias selecionadas. Como
resultado parcial, foram selecionadas 18 (dezoito) sentenças em que
Estados foram condenados a medidas de reparação relacionadas a
preservação da memória e cultura indígenas, conforme um dos
enfoques propostos por Emmanuelle Jouannet. Percebe-se que a
jurisprudência da CIDH vem criando meios para amenizar as
injustiças relacionadas a opressão da diversidade cultural e de
identidades, em consonância com os parâmetros propostos pelo
direito internacional do reconhecimento.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Direito Internacional do
Reconhecimento.
Referências
JOUANNET, E. Le droit international de la reconnaissance. Paris: Pedone, 2012.

238
Daiane Dutra Rieder

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DESAFIOS DA AMÉRICA LATINA EM UM MUNDO DE
TRANSIÇÃO: Acordos internacionais como previsibilidade
funcional sistemática

Daiane Dutra Rieder1

A crescente gama de compromissos oficiais é evidenciada pelo


movimento existente, desde a Segunda Guerra Mundial, em
materializar práticas consuetudinárias em instrumentos jurídicos
internacionais explícitos. O papel crescente dos acordos
internacionais formais e da autoridade supranacional no
ordenamento das relações entre estados soberanos é um estudo em
ascensão nas relações internacionais. Deste feito, a consolidação de
tratados e/ou acordos cresceu rapidamente nos últimos 40 anos,
com o desenvolvimento de regras que regulam o comportamento
humano em seus mais variados âmbitos. E o crescimento e
desenvolvimento de formas juridicamente vinculativas de solução de
controvérsias, diante de um mundo que está em período de
transição – isto é, em constante amadurecimento e processo de
evolutividade – não pode ficar para trás. Pensando nesse crescente
movimento de desenvolvimento humano, cujas migrações
internacionais estão inseridas, a proposta deste estudo teórico é
relacionar o modo pelo qual o Ministério da Previdência e
Assistência Social do maior país da América Latina – o Brasil –
verificou a possibilidade de um respaldo internacional de cobertura
de direitos que norteiem a vida laboral de pessoas em trânsito
internacional e, não escassas vezes, sob vulnerabilidade jurídica. A,
então, firmação de Acordos Internacionais de Previdência Social e o

1 Acadêmica do curso Bacharelado em Direito da Antonio Meneghetti Faculdade


(AMF/Brasil), juntamente à Università Degli Studi di Torino (UniTo/Itália). Restinga Sêca
(Brasil), ddrieder@hotmail.com.

239
GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

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Princípio da Universalidade da Cobertura e do Atendimento


estabelecem um justo meio de propiciar aos brasileiros migrantes, e
aqueles dos países signatários, um amparo legal, de forma a
assegurar que esses cidadãos labutadores não sejam totalmente
submissos à uma legislação estrangeira e, se assim podemos
identificá-la, desconhecida. Como forma de ir ao encontro de uma
fundamentação coerente ao estudo teórico inicialmente proposto –
compreender de que forma a integração internacional dos direitos
previdenciários, na aplicação nacional, contribui para a efetivação
dos direitos humanos na América Latina – este trabalho acadêmico
alicerça-se na utilização da metodologia de cunho bibliográfico, por
consistir em uma discussão teórica/explicativa acerca da temática
abordada, buscando abordar a seguinte conclusão: os direitos
referentes à Seguridade Social estão sendo materializados em uma
direção que vai ao encontro desse conceito de amplo, mas pontual
de justiça, sendo eficaz no âmbito das individualidades e propondo
êxito em sua efetividade, no que diz respeito ao mínimo existencial,
bem como revela perfeita sintonia com os princípios sociais
consagrados em tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos. A caminhada pela busca da efetividade da justiça em
terras internacionais vai não somente ao encontro da firmação de
acordos internacionais como previsibilidade funcional sistemática,
mas, especialmente, como respaldo jurídico-social humano.
Palavras-chave: Acordos internacionais. Direitos humanos. Direito
previdenciário. Internacionalização.

240
Tricieli Radaelli Fernandes; Lucas Denardi Cattelan

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VEÍCULOS MIDIÁTICOS E O CRESCIMENTO DAS
FAKE NEWS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

Tricieli Radaelli Fernandes1


Lucas Denardi Cattelan2

Não bastassem as dificuldades sociais, políticas e econômicas


trazidas pela pandemia no novo coronavírus, a enxurrada constante
de fake news advindas das mídias sociais tornou o cenário ainda
mais nebuloso. O presente trabalho abordará brevemente como o
descrédito dado pela população às mídias tradicionais serviram de
esteio para o demasiado crescimento das fake news, tendo como
exemplo atual o enfraquecimento do combate à Covid-19
ocasionado pela intensificação das mesmas. Neste quadro, observar
a ascensão do movimento de mídias sociais é importante, haja vista
que por intermédio destes veículos ocorre um interessante
fenômeno chamado homofilia. Tal evento se caracteriza por
entender que uma das características das redes sociais é manter os
usuários conectados com pessoas e correntes ideológicas das quais
ele compartilha, não oportunizando que estes desfrutem de
conceitos e discussões divergentes de suas convicções (RECUERO;
GRUZD, 2019, p. 34). Acredita-se ser esta uma das razões pelas
quais haja uma descrença cada vez maior nos meios de comunicação
tradicionais, considerando o inevitável choque entre os
posicionamentos dos veículos convencionais com os dos

1 Graduada em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões –


URI Campus Santiago e pós-graduanda em Direito do Trabalho pela faculdade Dom Alberto
– Santa Cruz do Sul, tricielir@gmail.com.
2 Graduado em Música - Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria –

UFSM. Graduado em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e


Missões – URI Campus Santiago. Graduando em Música - Bacharelado em Canto pela
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e pós-graduando em Direito Constitucional
pela Faculdade Dom Alberto – Santa Cruz do Sul, viceprefeito@jaguari.rs.gov.br.

241
GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

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telespectadores que podem ser muito discordantes em diversas


temáticas. Obviamente outros fatores adentrariam o debate, porém
acredita-se que a partir deste contexto forma-se um terreno fértil
para o crescimento das fake news, considerando que elas devem ser
compreendidas como a criação intencional de notícias inverídicas
com intuito de angariar seguidores de ideologias distorcidas da
realidade, influências políticas negativas e estratégias
governamentais, entre outros (Ibidem, p. 33). A utilização de uma
narrativa única proporcionada pelas mídias sociais, colocando os
receptores dessa informação em uma confortável posição de não
exercer crítica analítica sobre temas pertinentes obstaculiza, em
muito, o combate ao avanço das fake news (GURUMURTHY;
BHARTHUR, 2018, p. 43). Neste ponto, perante os desafios
impostos pela pandemia, combatê-la tornou-se ainda mais
dificultoso, isto porquê uma pesquisa realizada entre março e abril
deste ano pela Fundação Oswaldo Cruz demonstrou que o
Instagram, Facebook e WhatsApp são as plataformas onde mais
circulam informações falsas (FIOCRUZ, 2020), corroborando que
as fake news não apenas prejudicaram o enfrentamento ao vírus,
como também podem ter levado pessoas a óbito em razão de não
seguirem as estratégias de segurança recomendadas por órgãos
fidedignos. Como metodologia, fora utilizado o procedimento
dedutivo, pois fora analisada a conjuntura das mídias tradicionais e
sociais na esfera das fake news e da pandemia. Como método de
procedimento, fora adotado o monográfico e como técnica de
pesquisa a documentação indireta, apoiando-se em artigos dentro do
conteúdo aventado. Em síntese, buscou-se fazer um recorte sobre
os assuntos propostos, provocando o leitor a uma reflexão
pormenorizada acerca da relevância de buscar informações em
meios de comunicação verossímeis com a realidade que os permeia,
bem como atentar para o uso responsável das mídias sociais. As
vertentes propostas são não exaustivas em demonstrar que o

242
Tricieli Radaelli Fernandes; Lucas Denardi Cattelan

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compromisso dos veículos midiáticos deve ser com a verdade em
primeiro lugar, sem olvidar da obrigação em efetivar os direitos
humanos e a democracia que se manifestam ainda mais substanciais
em momentos de crise como o da pandemia do coronavírus.
Palavras-chave: Mídia tradicional. Mídias sociais. Fake news.
Pandemia.
Referências:
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Fundação Oswaldo Cruz: uma
instituição a serviço da vida. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-revela-dados-sobre-fake-news-
relacionadas-covid-19. Acesso em: 30 set. 2020.
GURUMURTHY, A; BHARTHUR, D. Democracia e a Virada Algorítmica. Sur -
Revista Internacional de Direitos Humanos, SUR 27, v. 15, n. 27, p. 41-52, 2018.
RECUERO, R;. GRUZD, A. Cascatas de Fake News Políticas: um estudo de caso no
Twitter. Galáxia (São Paulo, online), n. 41, p. 31-47, maio/ago. 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542019239035.

243
Paulo Rodrigo de Miranda

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GOVERNANÇA DE ALGORITMOS NA TUTELA DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

Paulo Rodrigo de Miranda1

Com o avanço da Big Data houve a ampliação do uso da inteligência


artificial e de sistemas automatizados de decisão envolvendo
diversos domínios do contexto social, tais como a contratação de
pessoas, avaliação de beneficiários de programas sociais, avaliação
de crédito, policiamento preditivo, dentre outros. Em seu livro
Weapons of math desctruction (Armas de destruição matemática) a
autora Cathy O’Neil (2016) descreve situações em que o uso
inadequado pelo governo e pelas empresas privadas dos sistemas de
decisão automatizados ao sabor do mercado acabam por promover
a desigualdade e a violação de direitos humanos. A título de
ilustração em 2014 a equipe da Amazon desenvolveu um programa
com objetivo de mecanizar a análise dos currículos dos candidatos a
empregos (DASTIN, 2018). O resultado disso foi desastroso, sendo
que após descobrir o viés discriminatório, consistente na avaliação
negativa dos currículos de candidatas em razão de conter o termo
“feminino”, a empresa resolveu cancelar os estudos do projeto
(DASTIN, 2018). Tais evidencias, reforçam que existem diversas
formas que esses sistemas podem impactar no meio social, violando
a autodeterminação informacional e a proteção de dados pessoais,
recentemente alocados dentro de uma perspectiva constitucional
pela Suprema Corte (BRASIL, 2020). Embora o Brasil tenha editado
a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), não existem legislações
específicas tratando sobre inteligência artificial ou sistemas

1Mestrando em Direito da Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM). Universidade


Federal de Santa Maria (UFSM), pauulorodrigo@hotmail.com.

244
GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

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automatizados de decisão. Com efeito, Doneda e Almeida (2016) ao
avaliarem os riscos que o uso de algoritmos representa para à
sociedade, ponderam sobre a imprescindibilidade da implementação
de um processo de governança. Problema de pesquisa: Qual a
viabilidade do uso de mecanismos (frameworks) de governança de
algoritmos no intuito de contornar os riscos dos sistemas
automatizados de decisão que empregam inteligência artificial na
tutela de direitos fundamentais? Metodologia: O trabalho será
realizado através de uma abordagem dedutiva com emprego de
procedimento bibliográfico. Resultado e conclusões: A análise de
relatórios internacionais, tal como por exemplo A governance
framework for algorithmic accountability and transparency (Uma estrutura de
governança para responsabilidade algorítmica e transparência) e
diversos artigos publicados na seara internacional (em especial o
trabalho desenvolvido pelos professores da Universidade de
Zurique, Michael Latzer e Natascha Justos, 2015; 2020), apontam
para a utilização de estruturas de governança. Esse enfrentamento
através de uma governança decorre da necessidade de uma
abordagem multidisciplinar e habilidades combinadas que envolvam
a colaboração de vários setores da sociedade (FERRARI; BECKER;
WOLKART, 2018). A combinação da autorregulação e
corregulação, tendo como eixo valorativo uma heterorregulação
(FRAZÃO, 2019) são propostas que merecem respaldo no intuito
de contornar o “problema de ritmo” decorrente do processo
legislativo tradicional (MARCHANT, 2011). Dentre as propostas
resolutivas, destacam-se o emprego de uma tecnologia reguladora
(seja através do emprego da privacy by default seja através da
privacy by design), bem como a implementação de relatórios de
impacto à proteção de dados previstos na LGPD (BIONI;
LUCIANO, 2019), que poderiam ser estendidas aos sistemas
automatizados de decisão.

245
Paulo Rodrigo de Miranda

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Palavras-chave: Sistemas automatizados de decisão. Governança


de algoritmos. Direitos Fundamentais.
Referências
BIONI, B. R.; LUCIANO, M. O Princípio da precaução na regulação de
inteligência artificial: seriam as leis de proteção de dados o seu portal de entrada? In:
MULHOLLAND, C. S.; FRAZÃO, A. (coord.). Inteligência artificial e direito: ética,
regulação e responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. Disponível
em: https://brunobioni.com.br/home/707-2/. Acesso em: 10 jun. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6.387. Distrito Federal. Relatora Min. Rosa Weber. 2020.
Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6387MC.pdf.
Acesso em: 05 jul. 2020.
DASTIN, J. Amazon scraps secret AI recruiting tool that showed bias against
women. The Reuters, 10 out. 2018. Disponível em:
https://www.reuters.com/article/us-amazon-com-jobs-automation-
insight/amazon-scraps-secret-ai-recruiting-tool-that-showed-bias-against-women-
idUSKCN1MK08G. Acesso em: 05 abr. 2020.
DONEDA, D.; ALMEIDA, V. A. F. O que é governança de algoritmos? Instituto
Nupef. 2016. Disponível em: https://politics.org.br/edicoes/o-que-%C3%A9-
governan%C3%A7a-de-algoritmos. Acesso em: 10 abr. 2020.
FERRARI, I.; BECKER, D.; WOLKART, E. N. Arbitrium ex machina: panorama,
riscos e a necessidade de regulação das decisões informadas por algoritmos. Revista
dos Tribunais, v. 995, set. 2018. Disponível em:
https://www.academia.edu/38199022/ARBITRIUM_EX_MACHINA_PANORA
MA_RISCOS_E_A_NECESSIDADE.pdf. Acesso em: 25 maio 2020.
FRAZÃO, A. Objetivos e alcance da Lei Geral de Proteção de Dados. In:
TEPEDINO, G.; FRAZÃO, A., OLIVA, M. D. (coord.). Lei Geral de Proteção de
Dados Pessoais e suas repercussões no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2019.
KOENE, A.; CLIFTON, C.; HATADA, Y.; WEBB, H.; PATEL, M.;
MACHADO, C.; LAVIOLETTE, J.; RICHARDSON, R.; REISMAN, D. A
governance framework for algorithmic accountability and transparency. European
Parliamentary Research Service, abr. 2019. Disponível em:
https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/8ed84cfe-8e62-11e9-
9369-01aa75ed71a1/language-en/format-PDF/source-120507593. Acesso em: 15
jul. 2020.

246
GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

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LATZER, M.; JUSTOS, N. Governance by and of algorithms on the internet: impact and
consequences. Oxford University Press USA, 2020. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/339675115_Governance_by_and_of_al
gorithms_on_the_internet_impact_and_consequences. Acesso em: 18 abr. 2020.
LATZER, M.; JUSTOS, N. Governance by and of algorithms on the internet:
impact and consequences. v. 17, n. 6, p. 35-49, 2015. © Emerald Group Publishing
Limited, ISSN 1463-6697 info PAGE 35. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/339675115_Governance_by_and_of_al
gorithms_on_the_internet_impact_and_consequences. Acesso em: 18 abr. 2020.
MARCHANT, G. The Growing Gap Between Emerging Technologies and the
Law. In: MARCHANT, G.; ALLENBY, B.; HERKERT, J. (coord.). The growing gap
between emerging technologies and legal-ethical oversight: the pacing problem. Dordrecht,
Alemanha: Springer, 2011. Cap. 2, p. 19-32. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/226523376_The_Growing_Gap_Betwe
en_Emerging_Technologies_and_the_Law. Acesso em: 25 set. 2020.
O’NEIL, C. Weapons of math destuction: how big data increases inequality and
threatens democracy. New York: Crown Publishers, 2016 [recurso eletrônico].

247
Vinícius Ramos Rigotti; Rodrigo Rodrigues dos S. Tavares

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A INFLUÊNCIA DA CONVENÇÃO AMERICANA DE


DIREITOS HUMANOS NA FORMULAÇÃO DE
POLÍTICA PENAL NO BRASIL E SUAS CONTRADIÇÕES

Vinícius Ramos Rigotti1


Rodrigo Rodrigues dos S. Tavares2

Este trabalho se propõe a investigar a influência dos tratados e


convenções internacionais, com foco na Convenção Americana de
Direitos Humanos (CADH), na formulação de políticas públicas
que engendram a persecução penal do Estado brasileiro. Com o fito
de situar histórica e politicamente esse trabalho, utilizamos como
marco temporal inicial a entrada em vigor do Código Penal (1939) e
do Código de Processo Penal (1941), ambos situados em um
contexto político e histórico de autoritarismo (MARQUES, 1998).
Investigamos ainda, como uma série de fatores do pós II guerra
mundial concorreram, em âmbito mundial para o reconhecimento
dos direitos humanos como um direito universal e, como esses
fatores, no continente americano, concorreram para a criação do
Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Assim,
buscamos identificar a influência deste mesmo Sistema na
formulação de políticas públicas penais até a atualidade. Buscaremos
ainda, apontar contradições que ainda subsistem na legislação pátria
ao SIDH, de modo a identificar certos nuances convencionados no
Tratado de San José da Costa Rica que ainda não foram observado
na atual legislação e acabam por desaguar sistema judiciário
brasileiro que, por vezes, não se ocupa de observar o
convencionado e, por vezes, aponta as soluções possíveis. De modo

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Memória Social da Universidade Federal do


Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
2 Graduado em Direito na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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GRUPO DE TRABALHO 4 – Internacionalização, direitos humanos e inovação

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a instrumentalizar a pesquisa, nos utilizaremos da revisão de
literatura e da metodologia da análise de conteúdo (MINAYO,
2020). Primeiramente delimitamos o problema e questão aqui
abordados. Em seguida, foram coletados dados contidos em
decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) que após a realização de inferências e interpretações,
indicou rastros de evidência da influência do SIDH na formulação
de políticas públicas voltadas a persecução penal no Estado
brasileiro. Neste trabalho, depreendemos, sem a pretensão de ter
esgotado o tema, que em razão da dificuldade da adequação da
legislação pátria ao convencionado no Tratado de San José da Costa
Rica, muitas vezes o Poder Judiciário acaba por fomentar e formular
políticas públicas voltadas ao sistema penal brasileiro nos mais
diversos âmbitos, o que acarreta na transformação do papel do
Poder Judiciário nos processos de transformação social.
Palavras-chave: Processo Penal Constitucional. Convenção
Americana de Direitos Humanos. Processo Penal.
Referências:
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Diário
Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941.
Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 03 out. 1941.
MARQUES, J. F. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São
Paulo: Hucitec, 2020

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Esta edição foi patrocinada pelo Núcleo de estudos em Constitucionalismo,
Cooperação e Internacionalização – CONSTINTER/FURB e pelo
Diretório Acadêmico Clóvis Beviláqua dos estudantes do Curso de Direito da
Universidade Regional de Blumenau – DACLOBE/FURB.

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