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ENSAIO SOBRE O

ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL


conceito, mecanismo e desafio
ENSAIO SOBRE O ESTADO DE
DIREITO AMBIENTAL
CONCEITO, MECANISMO E DESAFIO

Daniel Ribeiro Preve


Maurício da Cunha Savino Filó
Newton Cesar Pilau
DANIEL RIBEIRO PREVE
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Mestre em Ciências Ambientais
pela Universidade do Extremo Sul Catarinense
Advogado e professor universitário

MAURÍCIO DA CUNHA SAVINO FILÓ


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Mestre em Teoria do Direito
pela Universidade Presidente Antônio Carlos
Advogado e professor universitário

NEWTON CESAR PILAU


Pós-doutor em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí
Mestre em Direito em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul
Advogado e professor universitário

ENSAIO SOBRE O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL


CONCEITO, MECANISMO E DESAFIO

2021
Editora Belcanto
Avenida Gílio Búrigo, 702
Jardim Maristela - Criciúma/SC
CEP 88815-300
www.editorabelcanto.com.br
Conselho Editorial
André Viana Custodio (Unisc) Rafael Bueno da Rosa Moreira (Urcamp)
Andrea Marocco (Unochapeco) Juliano Bitencourt Campos (Unesc)
Cristiano Lange dos Santos (Unisc) Rogério Portanova (UFSC)
Daniel Ribeiro Preve (Unesc) Levi Hulse (Uniarp)
Daniela Lippstein (URI) Luiz Osteberk (UTAD)
Fernando da Silva Mattos (MP/PR) Mônica Duarte (Uniavan)
Helena Nastassya Paschoal Pitsica (Univali) Newton Cesar Pilau (Univali)
Ismael Francisco de Souza (Unesc) Jairo José Zoche (Unesc)
Jadir Zaro (Fapas)

Diagramador: Nicolas Takumi Lara Haida


Capa e Revisão: Camila Milioli Casagrande Preve

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sem a expressa permissão dos autores. Os dados e a completude das
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Preve, Daniel Ribeiro
Ensaio sobre o estado de direito ambiental [livro
eletrônico]
Preve, : conceito, mecanismo e desafios / Daniel
Daniel Ribeiro
Ribeiro Preve, Maurício da Cunha Savino Filó, Newton
Ensaio sobre --o 2.
Cesar Pilau. estado
ed. -- de direito
Criciúma, ambiental
SC : Editora [livro
eletrônico]
Belcanto, :2021.
conceito, mecanismo e desafios / Daniel
PDF
Ribeiro Preve, Maurício da Cunha Savino Filó, Newton
Cesar Pilau. -- 2. ed. -- Criciúma, SC : Editora
Bibliografia
Belcanto,
ISBN2021.
978-65-996472-0-8
PDF
1. Direito ambiental 2. Direito ambiental -
Brasil 3. Ecologia I. Filó, Maurício da Cunha Savino.
Bibliografia
II. Pilau, Newton Cesar. III. Título.
ISBN 978-65-996472-0-8

21-88778 CDU-34:502.7(81)
1. Direito ambiental 2. Direito ambiental -
Índices para
Brasil 3. Ecologia I.catálogo sistemático:da Cunha Savino.
Filó, Maurício
II. Pilau, Newton Cesar. III. Título.
1. Brasil : Direito ambiental 34:502.7(81)

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964


21-88778 CDU-34:502.7(81)
Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Direito ambiental 34:502.7(81)

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964


Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

APRESENTAÇÃO

Honra-me sobremaneira apresentar esta obra Ensaio


sobre o Estado de Direito Ambiental: conceito, mecanismo e
desafio, de autoria de três brilhantes professores catarinenses,
Daniel Ribeiro Préve, Doutorando em Direito pelo Programa de
Pós-graduação em Direito da UFSC, Maurício da Cunha Savino
Filó, Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-graduação
em Direito da UFSC e Yduan de Oliveira May, Doutor em Direito
pela UFSC. O tema envolve problema crucial do nosso tempo, a
constitucionalização da proteção do meio ambiente, a envolver
democracia, proteção da vida e dignidade da pessoa humana
perante o desafio do desenvolvimento econômico sustentado.
A expressão: Estado de Direito Ambiental estampada no título
designa essa complexidade dos novos conflitos dessa temática,
que em escala global vem transformando os papéis de Estados,
indivíduos e coletividades, numa intensidade tamanha que as
leis e mecanismos tradicionais de controle já não conseguem
acompanhar.

O livro está dividido em três capítulos, iniciando com a seção


sobre Constituição e Meio Ambiente, a questionar, em princípio,
o conceito de Estado Democrático de Direito. Seria aquele em
que prevalece o princípio da legalidade? Mas legalidade em que
tipo de leis, se as leis representativas já não são suficientes para
fazer prevalecer justiça ambiental? Daí a dimensão constitucional
do Estado Democrático de Direito, que introduz a participação
da população no exercício direto da soberania, nos termos da
Constituição. De fato, se o modelo das codificações esgotava os
direitos subjetivos na esfera individual, com as limitações da lei;
agora os direitos coletivos, entre eles o meio ambiente equilibrado,
elevam o jurídico ao plano dos direitos públicos subjetivos; cujo

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Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

exercício não é individual, mas deliberativo, democrático, com o


devido processo legal. É o retorno do casuísmo: cada caso à luz dos
princípios constitucionais.

Por isso o artigo 225 da CRFB define o ambiente como:


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, determinando ao poder público e à coletividade a sua
defesa e preservação: o primeiro no plano do dever, e o segundo
no plano de direito coletivo ou de propriedade extrapatrimonial,
observadas as leis. Daí insistirem os autores nos princípios da
esfera ambiental, assim relacionados pela pesquisa: princípio
do acesso equitativo aos recursos naturais; princípio do usuário-
pagador e poluidor-pagador; princípio da precaução; princípio
da prevenção; princípio da reparação; princípio da informação;
e, princípio da participação. Este último sem dúvida o mais
importante, haja vista que a participação é, republicanamente, o
povo com as suas autoridades, as suas leis e os seus procedimentos
jurídicos – em face do devir e do justo. Quod omnes tangit, ab
omnibus tractari et approbari debet.

No capítulo segundo os autores tratam do Estado de Direito


Ambiental, historiando o desenvolvimento do Estado Moderno ao
Contemporâneo, do Liberal ao Social, desde o ideário iluminista
que fundamentou as duas principais revoluções do século XVIII: a
Revolução Francesa de 1789 e a Independência dos Estados Unidos
em 1776. E destacam, na substância, o sistema capitalista, que se
desenvolveu ao longo desse processo, e que na sua expansão e
crescimento do consumo, na mesma proporção, foi até e além
dos limites que o planeta poderia suportar. Se, nos séculos XIX e
XX, o modelo liberal de organização do Direito estava adequado
à racionalidade da produção econômica, tendo como fonte única
do direito o Estado, a neutralidade das normas perante os limites
da natureza e a concepção do homem como sujeito abstrato,
distante da participação efetiva no devir, agora esse modelo está

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

esgotado.

O capítulo aborda, então, a questão da responsabilidade


civil do Estado, no plano constitucional e perante o Código Civil,
concluindo, no caso do ambiente, ser ela de caráter objetivo.
Sobretudo, avulta o papel do Ministério Público e suas funções
constitucionais ampliadas no tocante à defesa desse Estado de
Direito Ambiental. Mas cumpre acrescentar que não é apenas a
dimensão repressiva que nos deve ocupar, mas principalmente
o plano positivo das ações, que é, justamente, e constitui o
objeto da participação comunitária: como tratar o ambiente
como direito, como propriedade constitucional cujo exercício
seja democrático, positivo e preventivo? O ambiente não pode
ser indefinidamente um caso de polícia, e esgotar-se nesse plano.
Como ir além, e criar agendas positivas de exercício, compatíveis
com o desenvolvimento econômico e a segurança ambiental?

O terceiro e último capítulo é dedicado ao mecanismo


de proteção do Estado de Direito Ambiental, destacando os
autores o Termo de Ajustamento de Conduta, o controle da
Administração Pública pelo Ministério Público e o orçamento
público como desafios ao Estado de Direito Ambiental. O TAC foi
introduzindo no Direito brasileiro pelo artigo 113, da Lei 8.078/90,
que acrescentou o § 6o, ao artigo 5o, da Lei 7.347/85, e tem sido
um instrumento valioso à proteção ambiental. Cumpre destacar,
apenas, que o meio ambiente não é do Estado, não pertence ao
Poder Público, é um bem comum de todos; por isso, dependendo
do objeto do TAC, vai depender de aprovação em audiência
pública deliberativa. Esse é um aspecto que alcança mutatis
mutandis as demais subseções do capítulo, i.e, o campo da
Administração e do Orçamento, se o ambiente não for respeitado
como bem coletivo.

O livro conclui afirmando que o seu desiderato é levantar


questões importantes e nem sempre tão debatidas, como

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Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

a solução de novos conflitos e de novos problemas; no caso,


problemas pertinentes ao Estado de Direito Ambiental. E nisso com
certeza atinge o objetivo, pois é uma obra que não se consegue
ler sem ser arrebatado pelo estímulo ao desenvolvimento das
ideias. Na minha modesta maneira de ver, e à guisa de elogio
aos autores, que conheço e muito admiro, especialmente nessa
preocupação com os interesses coletivos – o principal problema
está na nossa cultura, de não termos o mesmo apreço por aquilo
que nos pertence enquanto coletividade. O período colonial,
o patrimonialismo e a escravidão estão na raiz dos nossos
problemas, como feridas que não cicatrizam. Quem discrimina
é exatamente igual aos que vivem de ódio: avilta-se. Ambiente
saudável só se tem onde há respeito pelos concidadãos.

José Isaac Pilati


Professor do Curso de Doutorado em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina

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APRESENTAÇÃO A NOVA EDIÇÃO

A proposta da revisão e ampliação, desta nova edição,


tem como objetivo principal, atualizar a matéria ambiental, em
relação aos novos paradigmas para a proteção da natureza e
da coletividade. Isto porque uma nova dinâmica desenvolve-se
na área de Direito Ambiental, para além de uma abordagem
exclusivamente teórica e racionalista do Direito, mas como uma
possibilidade prática real de conquistas de novos direitos na área
de proteção e reconhecimento ao meio ambiente.

Um dos pontos de partida desta nova concepção parte


da própria falência do Estado e dos atuais meios e instrumentos
jurídicos na proteção do meio ambiente. A urgência climática, a
intensificação do consumo e das relações de produção em massa,
acentuaram drasticamente os danos e impactos ambientais no
planeta em uma escala avassaladora.

A necessidade de uma abordagem diferenciada para os


problemas ambientais passa a ser uma das mais importantes
agendas de governos e organismos internacionais, tendo em
vista os graves problemas gerados nas escalas de desertificação
do solo, disponibilidade de água potável, contaminação química,
entre outros. Neste ponto, o Estado de Direito Ecológico se
apresenta como uma alternativa para constituir os instrumentos
jurídicos reais para o enfretamento e superação dos problemas
ambientais enfrentados atualmente. Por isso, como autores
propomos o acréscimo desta temática para análise deste tema,
completando a abordagem da obra.

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Ademais, o Estado de Direito Ambiental é a nomenclatura
para a constitucionalização da proteção do meio ambiente.
Envolve a definição de diretrizes que norteiam o Estado
Democrático de Direito brasileiro por meio da proteção à vida,
da garantia da dignidade humana e de um desenvolvimento
econômico e ambientalmente sustentado para a presente e
as futuras gerações. É dever constitucional do Poder Público e
compromisso de toda a coletividade.

Desde a Conferência de Estocolmo, os países vêm


desenvolvendo novas legislações com o objetivo de garantir a
proteção ao meio ambiente. Ocorre que os atuais modelos de
produção da sociedade continuam a entrar em contradição
com o equilíbrio ambiental. Face à realidade apresentada, por
meio de uma situação dicotômica e antagônica entre os recursos
ambientais existentes atualmente e à sua exploração desregrada,
há a consolidação de um processo de constitucionalização da
proteção ao meio ambiente.

Inscrevem-se nas cartas constitucionais garantias de


dispositivos normatizados e positivados com vistas à proteção
ao meio ambiente, bem como o estabelecimento de Princípios
Constitucionais do Direito Ambiental.

Esse arcabouço em constante construção constitui nova


utopia democrática, a qual exige nova concepção (visão) de
mundo em relação à realidade imposta, bem como um exercício
radical da cidadania individual e coletiva.

No percurso deste ensaio foram analisados o Estado


Democrático de Direito, o Ministério Público e sua função
constitucional de defesa dos direitos difusos e coletivos, a
responsabilidade civil do Estado, o termo de ajustamento de
conduta e o orçamento público.

Com a mente aberta, aborda-se que o Ministério

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Público tem a função de resolver os problemas sociais frente
à Administração Pública, com acordos extrajudiciais, como
os termos de ajustamento de conduta (TAC), aliados a uma
participação e integração da sociedade civil organizada e da
própria população em si, principalmente, as comunidades, povos
indígenas, quilombolas, entre outras.

Assim, o livro objetiva despertar e agregar o debate


em torno da matéria ambiental, desde o Estado de Direito
Ambiental, o Estado de Direito Ecológico, culminando nos Direitos
da Natureza como novo paradigma para os enfretamentos dos
danos ambientais para este novo século.

Daniel Ribeiro Preve


Maurício da Cunha Savino Filó
Newton Cesar Pilau

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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
A CONSTITUIÇÃO E O MEIO AMBIENTE
1.1 Estado Democrático de Direito......................................................................................................12

1.2 O Meio Ambiente no Brasil.............................................................................................................16

1.3 O Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988.................................................................19

1.4 Os Princípios do Direito Ambiental.............................................................................................. 22

CAPÍTULO 2
O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL
2.1 A Construção do Estado de Direito Ambiental..........................................................................28

2.2 A Responsabilidade Extracontratual do Estado..................................................................... 37

2.3 A Responsabilidade Civil no Código Civil..................................................................................42

2.4 O Ministério Público e os Meios Constitucionais de Defesa do Estado de Direito


Ambiental...............................................................................................................................................46

CAPÍTULO 3
O MECANISMO DE PROTEÇÃO NO ESTADO
DE DIREITO AMBIENTAL
3.1 O Termo de Ajustamento de Conduta........................................................................................ 52

3.2 O Controle da Administração Pública pelo Ministério Público.............................................59

3.3 O Orçamento Público como Desafio ao


Estado de Direito Ambiental...............................................................................................................61

CAPÍTULO 4
O ESTADO DE DIREITO ECOLÓGICO
4.1 Novos Paradigmas para a Proteção da Natureza e da Coletividade ................................. 74

4.2 O Estado de Direito para a natureza ...................................................................................... 76

4.3 Demandas Judiciais Ambientais e o Estado de Direito Ecológico....................................... 79

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 86
A CONSTITUIÇÃO E O MEIO AMBIENTE

1.1 Estado Democrático de Direito

No artigo primeiro da Constituição está caracterizada a


concepção do Estado Brasileiro: “A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”.

Segundo José Afonso da Silva (1998, p. 97), nesse artigo


está um dos princípios político-constitucionais da Carta
Magna brasileira; e cita Canotilho para melhor explicar o seu
entendimento: “Manifestam-se como princípios constitucionais
fundamentais, positivados em normas-princípios que ‘traduzem as
opções políticas fundamentais conformadoras da Constituição’”.

Na visão de Cretella Júnior (1992, p. 134), a expressão


“Estado Democrático de Direito” é descabida, pois o Estado de
Direito é a situação dos sistemas jurídicos em que a Administração
está vinculada à regra jurídica, resumida no adágio “suporta a
lei que fizeste” (patere legem quam fecisti), um dos princípios
do liberalismo político. Ou seja, no Estado Democrático, ou
Estado de Direito, o princípio da legalidade irá limitar o poder
da Administração Pública. Porém, talvez esse pleonasmo tenha
sido fruto do ímpeto e do animus abutendi, próprios dos períodos
de transição de um regime ditatorial para outro democrático,
devido à preocupação de se opor o novo Estado Democrático
(de Direito, já que é redundante, porque em toda democracia o
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Estado é de direito, visto ser regime em que prevalece o princípio


da legalidade) ao “antigo ou anterior Estado ditatorial” instituído
ou constituído em 1964.

Contudo, para Carvalho (1997, p. 192):

O Estado de Direito, conceito político que serviu


historicamente ao liberalismo, vem-se transformando hoje
em dia em Estado legalista, onde nem sempre o cumprimento
da lei reflete a Justiça, desde que a multiplicidade e a
instabilidade das leis vêm comprometendo a justiça.

Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1964, p. 48)


aduz que,

[…] desde o instante em que é aprovada, antes mesmo da


promulgação, já lhe reclamam a revogação. Alteram-se,
então, com as variações do sistema de forças políticas, leis
sobre a mesma matéria, dispondo uma o oposto da outra
(de cuja edição pouco tempo decorreu). O que era proibido
torna-se permitido, para, logo mais, voltar a ser proibido,
para, um instante depois, voltar a ser permitido. O lícito e o
ilícito assim flutuam, desorientando e confundindo a todos
que querem curvar-se à lei.

Para se chegar à concepção de Estado Democrático de


Direito, houve um percurso evolutivo. Ao final do período medieval,
reinava o pluralismo jurídico. Tal realidade contrastava, em muito,
com os anseios da nascente classe burguesa, por liberdade,
igualdade e segurança – jurídica e política –, ante leis universais
e impessoais.

Segundo Rodrigues (2002), a “concepção de Estado de


Direito, que, em sua origem, era liberal, serviu para apoiar os
direitos individuais do homem, sendo um dos mais importantes
legados da modernidade”.

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Pode-se resumi-lo, na expressão de Bobbio (1992, p. 61),


como o “Estado dos cidadãos”, que o aponta como a passagem
final do ponto de vista dos príncipes para o ponto de vista dos
cidadãos, quando estes deixam de ter apenas direitos privados
em relação ao soberano e passam a ter direitos públicos.

Contudo, concepções posteriores deformaram tal conceito,


ao dar significado diferente à palavra direito, como o conceito de
Estado, justiça, lei, formalidade etc.

José Afonso da Silva (1998, p. 118), tratando da concepção


jurídica de Kelsen, mostra, nessa doutrina, a existência de uma
confusão de conceitos, pois Estado e Direito se confundiriam:

A concepção jurídica de Kelsen também contribuiu para


deformar o conceito de Estado de Direito. Para ele, Estado
e Direito são conceitos idênticos. Na medida em que ele
confunde Estado e ordem jurídica, todo Estado, para ele,
seria Estado de Direito. […]. Essa doutrina converte o Estado
de Direito em mero Estado Legal. Em verdade, destrói
qualquer idéia de Estado de Direito.

Ao passo que injustiças sociais eram provocadas pelo


individualismo e o neutralismo do Estado de Direito, revelados por
intensas revoltas e movimentos sociais nos séculos XVIII e XIX, além
de sua manifesta incapacidade para evitar conflitos bélicos (como
os das duas Grandes Guerras), a expansão da miséria no mundo
e a formação de ordens ditatoriais. Daí surgiu a consciência da
necessidade de se criar uma situação de bem-estar geral, a fim
de garantir o desenvolvimento da pessoa humana: “Os regimes
constitucionais ocidentais prometem, explícita ou implicitamente,
realizar o Estado Social de Direito, quando definem um capítulo
de direitos econômicos e sociais” (SILVA, 1998, p. 119).

O Estado Social de Direito não descuida das conquistas


anteriores, ou seja, das garantias formais alcançadas, mas passa

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Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

a intervir na economia, de forma direta ou indireta, tentando


compatibilizar as demandas do neocapitalismo com o bem-estar
geral. Foi uma forma de o sistema capitalista ceder, para não se
consumir.

Essa nova tentativa tornou-se inócua, já que a interpretação


do vocábulo social nem sempre foi feita corretamente. Talvez, por
ser vasta, mantiveram o vocábulo “social” adstrito à compreensão
do vocábulo “Estado”:

Todas as ideologias, com sua própria visão do social e do


Direito, podem acolher uma concepção do Estado Social de
Direito, menos a ideologia marxista, que não confunde o
social com o socialista. A Alemanha nazista, a Itália fascista,
a Espanha franquista, Portugal salazarista, a Inglaterra
de Churchill e Attlee, a França, com a Quarta República,
especialmente, e o Brasil, desde a Revolução de 30 – bem
observa Paulo Bonavides – foram “Estados Sociais”, o que
evidencia, conclui, “que o Estado social se compadece com
regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o
fascismo e o nacional-socialismo. (SILVA, 1998, p. 120)

Pelo exposto, é fácil concluir que as concepções de Estado


de Direito e Estado Social de Direito não conseguiram se converter
em Estados Democráticos. Apesar da tentativa de que este
corrigisse os erros daquele, isso não ocorreu de fato, pois não se
alcançou a justiça social.

Para se constituir um Estado Democrático de Direito, não


basta simplesmente unir palavras, incluindo “Democrático”, ao
ultrapassado Estado de Direito, mas construir novo conceito.
Não se deve, portanto, repetir os erros do passado, pois com a
Constituição da República de 1988 abriram-se as portas para se
alcançarem verdadeiras conquistas para a sociedade, na medida,
é claro, dos paradigmas da lei, nos moldes da Democracia.

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

O Estado democrático de Direito, para Rodrigues (2002a,


p. 23), é, ao mesmo tempo, um princípio constitucional e a própria
ordem que resulta da aplicação desse princípio:

A ordem que se cria e se alimenta do princípio do Estado


democrático de Direito tem uma caracterização especial.
Para os fins de nosso trabalho, elegemos três decorrências
fundamentais da estruturação do Estado democrático
de Direito, intimamente vinculadas ao valor da cidadania
e da dignidade da pessoa humana, que são a tendência
à dimensão participativa da democracia, a garantia do
acesso à justiça de direitos transindividuais e a concepção
de uma instituição especialmente dedicada à defesa da
democracia e dos direitos.

Em suma: a juridicidade deve ser o princípio mais vigoroso


e presente no Estado de Direito. Nas atuações da Administração
Pública, esse princípio é rotulado como Princípio da Legalidade.

1.2 O Meio Ambiente no Brasil

Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente


Humano, ocorrida no ano de 1972 em Estocolmo, capital da
Suécia, desencadearam-se as primeiras ações governamentais
de aspectos mundiais em relação à elaboração de diretrizes e
políticas públicas de proteção ao meio ambiente. A partir da
Conferência de Estocolmo, os Estados iniciaram um processo de
reconhecimento normativo do meio ambiente como um direito
e um dever fundamentais, promovendo assim a perspectiva de
proteção dos direitos humanos.

Nesse contexto, a evolução internacional de proteção ao


meio ambiente propiciou um processo de constitucionalização
em diversos países pelo meio ambiente e sua categorização
como direito fundamental. No Brasil, a Carta Magna de 1988

16
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

foi importante marco jurídico de proteção ao meio ambiente,


rompendo paradigmas liberais-patrimonialistas, por meio de
novo Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, torna-se imperativa a compreensão


dos principais elementos que consolidaram o processo de
constitucionalização da proteção ao meio ambiente no Brasil.

A proteção do meio ambiente no Brasil perpassa,


primeiramente, pela própria concepção sobre o termo “meio
ambiente”, construído e moldado pela legislação, jurisprudência
e a doutrina ao longo dos anos. Sobre o termo, desenvolveu-
se grande discussão ao considerar as duas palavras, “meio” e
“ambiente”, como sinônimos, conforme aponta Freitas (2001, p.
17):

A expressão meio ambiente, adotada no Brasil, é criticada


pelos estudiosos, porque meio e ambiente, no sentido
enfocado, significam a mesma coisa. Logo, tal emprego
importaria em redundância. Na Itália e em Portugal usa-se,
apenas, a palavra ambiente.

Para Leff (2001), o conceito de ambiente não compõe


apenas uma categoria biológica, mas também constitui uma
racionalidade social, caracterizada por condutas, valores e
saberes. Já Morin (2011) propõe uma visão sistêmica para o
meio ambiente, por meio de uma complexidade, pela qual visa
entender a realidade como sistemas em que estão envolvidos
homem, sociedade, galáxia, átomos, células, a cultura e os demais
fenômenos existentes que interferem e sofrem interferência
desses fatores.

Apesar do referido debate, segundo Lemos (2010),


diversos autores consideram que a expressão meio ambiente,
historicamente empregada no Brasil, embora redundante,

17
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

consagrou-se frente ao ordenamento jurídico pátrio.

A primeira conceituação legal sobre meio ambiente, no


Brasil, foi aquela prevista na Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei nº 6.938/81), em cujo artigo 3º, inciso I, está
manifestado: “O meio ambiente corresponde ao conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química
e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.

Ademais, encontra-se também conceituado o meio


ambiente pela Resolução nº 001/1986 do Conama, a qual o
considera o “conjunto de todas as condições e influências externas
que afetam a vida e o desenvolvimento de um organismo”.

Além do ambiente natural, o meio ambiente abrange outras


características em que a vida esteja inserida. Carvalho (2009)
aponta que a dogmática jurídica, a partir de uma compreensão
ampliada do conceito de meio ambiente, passou a tutelar
também os aspectos humanos e sociais.

Verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro, em especial


o artigo 225 da Constituição Federal brasileira de 1988, considera
que o meio ambiente não é constituído apenas pelos elementos
naturais, tais como o ar, a água, o solo ou a biodiversidade animal
e vegetal; também tutela o meio ambiente cultural, do trabalho
e da ocupação do espaço urbano. Assim, segundo Silva (2007,
p. 24), o conceito de meio ambiente compreende os seguintes
aspectos:

18
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

O meio ambiente natural ou físico é constituído pelo solo,


a água, o ar atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos
seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca
entre as espécies e as relações destas com o ambiente
físico que ocupam; Meio ambiente artificial, constituído
pelo espaço urbano construído; Meio ambiente cultural,
integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico,
paisagístico, turístico, que, embora artificial, difere do
anterior pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de
que se impregnou.

Sobre o meio ambiente do trabalho, disposto no artigo


200, inciso VIII, da Constituição de 1988, compreende-se como
o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que,
interligados ou não, estão presentes e envolvem o local de
trabalho da pessoa (FIORILO, 2011).

Nessa linha, cabe ao Poder Público ordenar e controlar as


atividades que possam afetar o equilíbrio vigente, podendo o
Estado intervir nas mais diversas atividades ou empreendimentos
que ponham em risco o bem jurídico ambiental. No Brasil, a
definição da legislação quanto ao meio ambiente é ampla e
visa à proteção e à preservação de todos os elementos que o
compõem.

1.3 O Meio Ambiente na Constituição Federal de


1988

A Constituição Federal de 1988 destacou-se entre as demais


Constituições brasileiras como a que melhor delimitou e ampliou
o enfoque de proteção ambiental no Brasil. Até então tratada
de forma indireta e superficial, sob domínio infraconstitucional,
a tutela ambiental, a partir do prisma constitucional de 1988,
foi estabelecida com maior enfoque, inclusive em relação às
legislações infraconstitucionais que vigoravam até então no País.

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Nela, elevaram-se as normas de proteção ambiental ao


status constitucional, estabelecendo assim a constitucionalização
do ambiente. Tais preceitos de tutela ambiental foram dispostos
em diversos Capítulos, tendo inclusive um específico (BELTRÃO,
2009).

Preleciona Milaré (2005, p. 147) que

[…] cabe à Constituição, como lei fundamental, traçar o


conteúdo e os limites da ordem jurídica. É por isso que, direta
ou indiretamente, vamos localizar na norma constitucional
os fundamentos da proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, a norma constitucional como base legislativa


de uma nação impera com pressupostos que protegem o meio
ambiente.

No artigo 225, conceituou o meio ambiente como “bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, e,
ainda, determinou ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Os registros constitucionais sobre o meio ambiente iniciam-


se já a partir do artigo 5º, inciso LXXIII, ao legitimar qualquer
cidadão a interpor ação popular para anulação de ato lesivo ao
meio ambiente. Ademais, as terras devolutas indispensáveis à
preservação ambiental são consideradas bens da União Federal,
conforme prevê o artigo 20, inciso II, da CF. No mesmo artigo,
inciso IV, determina-se que devem ser não apenas públicas,
mas também exclusivamente da União, as ilhas oceânicas e as
costeiras.

No artigo 23, incisos VI e VII, da CF, estabelece-se que


é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios a proteção ao meio ambiente e o combate a qualquer
forma de poluição, bem como a preservação das florestas, da

20
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

fauna e da flora.

O artigo 24, em seus incisos VI, VII e VIII, estabelece as


competências concorrentes à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre matéria ambiental de
patrimônio natural e histórico.

Entre as competências do Conselho de Defesa Nacional,


estabelece-se na Constituição, em seu artigo 91, § 1º, inciso III, que
cabe a este propor critérios e condições na utilização de áreas
indispensáveis à segurança do território nacional e nas ações
relacionadas à preservação e exploração dos recursos naturais.

No artigo 170, inciso VI, assim se dispõe a defesa do meio


ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação (BRASIL, 1988).

Correlaciona-se a necessidade da existência de um


desenvolvimento econômico compatível e o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Ou, em outras palavras, é necessário
o desenvolvimento econômico, fundado na sustentabilidade dos
recursos naturais.

Sobre o tema desenvolvimento sustentável e economia


ecológica, Montibeller-Filho (2008, p. 131) considera que:

O novo conceito tem como uma das premissas a redefinição


dos valores sociais e pessoais. Uma preocupação
fundamental passa a ser a garantia do suprimento das
necessidades básicas da sociedade. Isto é, preocupação
com o consumo vital ou endossomático.

Ainda na Constituição se encontram a proteção do meio


ambiente do trabalho (art. 200, inc. VIII) e a caracterização de
conjuntos urbanos e sítios de valor ecológico como patrimônio

21
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

cultural brasileiro (art. 216, inc. V).

Na Carta Magna de 1988, uma série de direitos, deveres


e princípios ambientais, todos estes de forma explícita e
implícita, substantivos e procedimentais, genéricos e específicos,
foram estabelecidos. A constitucionalização da proteção ao
meio ambiente se dá por meio das seguintes técnicas: direitos
fundamentais, deveres fundamentais, princípios ambientais,
função ecológica da propriedade, objetivos públicos vinculantes,
programas públicos abertos, instrumentos de implementação e
proteção de biomas ou ecossistemas particulares (BENJAMIN,
2005).

Advêm daí grandes transformações na sociedade. Ações


governamentais e investimentos públicos para a proteção da
qualidade de vida do homem, para a proteção da flora e da
fauna, para o desenvolvimento de novas tecnologias de energia
renováveis são pautadas pela identidade paradigmática
constitucional de proteção ao meio ambiente.

1.4 Os Princípios do Direito Ambiental

Os princípios gerais do Direito são valores genéricos


expressos por enunciações normativas, as quais condicionam e
orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a
sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas
normas (REALE, 1991).

Esses princípios gerais do Direito têm como escopo, entre


outras, as funções de constituir um padrão que permite aferir
a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as
disposições legislativas ou regulamentares, ou os atos que as
contrariem. Ademais, os princípios auxiliam no procedimento de
interpretação de normas jurídicas e, ainda, permitem a integração
de lacunas.

22
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Nesse sentido, os princípios, conforme aponta Fiorillo (2011),


são elementos basilares dos sistemas político-jurídicos dos Estados
civilizados, e na esfera ambiental é resultado da necessidade de
uma ecologia equilibrada. Isto é, na esfera ambiental os princípios
visam instrumentalizar o operador do Direito para a proteção
ambiental em conformidade com a realidade social e os valores
culturais de cada Estado.

Apesar de a doutrina brasileira não apresentar consenso


em relação à nomenclatura e à classificação dos princípios do
Direito Ambiental, segundo Figueiredo (2011), não restam dúvidas
quanto a sua relevância e autonomia científica. Optou-se para o
presente estudo pela organização mais sistemática e abrangente
em relação aos princípios do Direito Ambiental.

Quanto aos princípios de Direito Ambiental, Machado (2012)


destaca que estes são os alicerces ou fundamentos do Direito
Ambiental, podendo ser referendados, também, por declarações
internacionais. Ele propõe a sistematização principiológica
do Direito Ambiental a partir de sete princípios gerais, a saber:
princípio do acesso equitativo aos recursos naturais; princípio do
usuário-pagador e poluidor-pagador; princípio da precaução;
princípio da prevenção; princípio da reparação; princípio da
informação; e princípio da participação.

O princípio do acesso equitativo aos recursos naturais


estabelece a necessidade de um dever de razoabilidade quando
da utilização dos recursos naturais. O acesso razoável e equitativo
aos recursos naturais existentes deverá sempre priorizar não
apenas as atuais gerações, mas também as gerações futuras.

De fato, este princípio está intrinsecamente ligado ao uso


equilibrado dos recursos naturais, considerando a dicotomia
existente entre as necessidades atuais em contrapartida às
necessidades futuras. Tal paradigma dicotômico esteve presente,
por exemplo, nas atividades de mineração do carvão em

23
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Criciúma, pois o acesso a este recurso natural se deu de forma


desequilibrada.

Ainda segundo Machado (2012), quanto ao princípio do


usuário-pagador e poluidor-pagador, verifica-se que objetivam
estabelecer limites e também restringir abusos para a preservação
do meio ambiente. Esses limites são impostos por meio da
valoração econômica dos recursos naturais. Ambos estão previstos
no artigo 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81, o qual estabelece que o
usuário de recursos ambientais com fins econômicos deve pagar
pela sua utilização. Dessa forma, os custos serão direcionados
apenas aos que utilizam recursos naturais com finalidade
econômica, isentando, assim, o Poder Público e a sociedade em
geral.

O princípio do poluidor-pagador tem por objetivo imputar


a responsabilidade de determinado dano ambiental ao agente
poluidor. Desse modo, os custos gerados em decorrência da
poluição ambiental deverão ser suportados pelo poluidor,
inibindo condutas potencialmente poluidoras. A internalização e
a redistribuição dos custos ambientais são medidas aplicadas aos
agentes poluidores.

O princípio da precaução, de acordo com Machado (2012,


p. 51), encontra-se previsto no princípio quinze da Declaração do
Rio de Janeiro:

Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis,


a ausência de absoluta certeza científica não deve ser
utilizada como razão para postergar medidas eficazes
e economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental.

Está diretamente ligado à busca da proteção do meio


ambiente, como também à segurança da integridade da vida

24
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

humana. Nesse sentido, o princípio da precaução pode ocorrer


mesmo nos casos em que há determinada dúvida ou incerteza
científica em relação a determinado risco ou perigo de dano
ambiental, antecipando-se à ocorrência do dano ambiental.
Segundo Leite (2000, p. 49), o princípio da precaução tem seu
foco “anterior à manifestação do perigo e, assim, prevê uma
política ambiental adequada a este princípio”.

Possibilita-se que o risco seja analisado e consubstanciado,


com base no grau de ameaças e perigos, a permitir o
desenvolvimento prévio de políticas, ações e decisões visando à
proteção ambiental cabível.

Igualmente, o princípio da prevenção tem como escopo


antecipar ações que evitem agressões ao meio ambiente,
afastando o risco ambiental. O princípio da prevenção é basilar
em Direito Ambiental, concernindo a prioridade que deve ser dada
às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente,
de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de
alterar a sua qualidade (MILARÉ, 2005).

O princípio da prevenção está disposto na Declaração do


Rio de Janeiro (ONU, 1992) – princípio 8º –, o qual tem como
escopo prevenir os danos quando a realização de determinada
ação ou conduta é conhecida. De forma distinta, está o princípio
da precaução, o qual é aplicado quando não se tem certeza
científica sobre quais as consequências de determinada ação ou
conduta (MACHADO, 2012).

Natural para a materialização do princípio em voga é a


necessidade do desenvolvimento de uma consciência ecológica
por parte dos agentes que possam intervir no meio ambiente,
bem como de um conhecimento prévio das consequências de
determinadas ações que possam causar danos ambientais,
podendo assim evitá-las.

25
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Caso não evitado, o princípio da reparação consiste na


obrigação daquele que, de qualquer forma, degrade o meio
ambiente de reparar o respectivo dano.

Para fins de aplicação do princípio da reparação, tanto na


Constituição Federal brasileira de 1988 (BRASIL, 1988) quanto
na Lei nº 6.938/1981 (BRASIL, 1981), adotou-se a regra da
responsabilidade civil objetiva por danos ambientais (MACHADO,
2012).

O princípio da informação, disposto na Declaração do


Rio de Janeiro (ONU, 1992) – princípio 10 –, estabelece que as
questões ambientais devem ser tratadas com a participação de
todos os cidadãos interessados

Trata-se de um dos instrumentos efetivos para a defesa


do meio ambiente, permitindo a atuação consciente e eficaz da
sociedade, por meio do exercício da cidadania. De acordo com
Milaré (2005, p. 342-343): “O princípio da informação surge como
significativa conquista da cidadania para a participação ativa na
defesa de nosso rico patrimônio ambiental”.

E, por último, o princípio da participação popular na proteção


do meio ambiente, o qual também está previsto expressamente
no princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro (ONU, 1992).

A partir da Constituição de 1988, o princípio da participação


popular, em matérias de meio ambiente, constituiu-se como
elemento intrínseco ao sistema democrático brasileiro. O
princípio da participação popular consolidou-se como um dos
cernes do Direito Ambiental, sendo considerado nas atividades
de elaboração hermenêutica e de aplicação das normas na área
jurídica ambiental.

Milaré (2005) assinala que o princípio da participação


popular, por meio do exercício da cidadania e democracia,
legitima, torna transparente e mais seguros os processos

26
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

decisórios em matéria ambiental. Para ele, esse princípio se


manifesta: na organização jurídica das comunidades (associações
de bairro, de proteção aos animais e ONGs); na participação
popular no processo legislativo, mobilização e pressões frente às
casas legislativas; por meio de mecanismos constitucionais de
democracia direta (referendo, plebiscito e iniciativa popular); na
pressão e controle sobre as autoridades públicas e busca pela
efetividade das orientações e decisões políticas emanadas dos
órgãos ambientais; na participação direta na gestão ambiental
por meio de tais organismos, seja de caráter consultivo ou
deliberativo, federais, estaduais, distritais ou municipais; e, por
fim, na utilização de instrumentos jurídico-processuais de tutela
do ambiente.

Em conclusão, apesar das divergências da doutrina quanto


à nomenclatura e à classificação dos princípios de Direito
Ambiental, não restam dúvidas quanto à existência, à importância
e à autonomia científica destes. Os princípios do Direito Ambiental
são diretrizes que norteiam o Estado Democrático de Direito
brasileiro, por meio da proteção à vida, da garantia da dignidade
humana e de um desenvolvimento econômico ambientalmente
sustentado para a presente e as futuras gerações.

27
O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

2.1 A Construção do Estado de Direito Ambiental

O sistema capitalista de produção encontra-se em


expansão global da economia. Segundo Montibeller-Filho (2008,
p. 257), o capitalismo constitui-se num sistema que tende a uma
produção excessiva de mercadorias.

Ou seja, a dinâmica de expansão e crescimento do sistema


capitalista é diretamente proporcional às suas capacidade e
necessidade de expandir e aumentar o consumo. A necessidade
de produzir em volumes crescentes de mercadorias está
diretamente relacionada com a própria sobrevivência e a
expansão do capitalismo.

Como resultado, em escala global, impulsionou-se um


quadro de atomização de conhecimentos, de decomposição
das estruturas de socialização previamente existentes, de crise
ambiental1 e de identidades culturais. Inclusive, Habermas (1997)
observa que as sociedades ocidentais atuais, no desenvolvimento
de suas políticas nacionais ou internacionais, optam pelo
crescimento econômico em detrimento de questões ecológicas.
1 “A crise ambiental se constitui, conforme Morin e Kern, em uma policrise
desencadeada por uma racionalidade humana pautada na relação moderna,
cartesiana e predatória entre a humanidade e a natureza, que proporcionou
o desenvolvimento da tecnociência, da revolução industrial e do crescimento
econômico.” (LEITE; SILVEIRA; BETTEGA, 2017, p. 62).

28
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Em oposição, a noção de proteção ao meio ambiente


surge conjuntamente ao desenvolvimento dos instrumentos
jurídicos que visam à garantia daquele. Tais mecanismos jurídicos
de proteção ao meio ambiente estão intrinsecamente ligados
ao modelo de desenvolvimento político dos Estados nacionais
(VULCANIS, 2007).

Torna-se imperiosa para o exame da formação do Estado


de Direito Ambiental a análise do desenvolvimento histórico e
político da formação dos Estados modernos e contemporâneos.
Assim, as características do desenvolvimento do Estado Liberal
ao Estado Social são extremamente relevantes na conceituação
do Estado de Direito Ambiental (VULCANIS, 2007).

O surgimento do Estado Liberal está intrinsecamente


ligado às transformações políticas e ideológicas iniciadas
pelo Renascimento (1300-1550), as quais foram aprofundadas
e ganharam mais consistência nos séculos XVII e XVIII com
o movimento iluminista e com as revoluções burguesas. As
doutrinas políticas, econômicas e sociais que sustentavam as
monarquias absolutistas e o sistema econômico mercantilista
foram radicalmente negados (COSTA; MELLO, 1994).

Para Sarmento (2004, p. 21), durante o Iluminismo foram


construídos os pilares do conceito moderno de direitos do homem.
Os pressupostos teóricos “de que o homem é dotado de direitos
inatos, que precedem o Estado e a comunidade política, e que
têm de ser respeitados e garantidos pelo Poder Público é uma
ideia essencialmente Iluminista”.

A partir desse período, novos valores surgiram, pregando


uma sociedade fundamentada no liberalismo político, econômico
e jurídico. Tais valores condensavam-se para a formação de um
Estado Liberal que tinha como eixo basilar a liberdade individual.
Conforme Comparato (1999, p. 132), os ideais liberais constituíram
“o atestado de óbito do Ancien Régime, constituído pela

29
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

monarquia absoluta e pelos privilégios feudais”.

Desse modo, a discussão sobre a legitimidade do poder


estatal, por meio da teoria do contrato social, tornou-se um dos
principais eixos de análise dos pensadores iluministas como Locke,
Montesquieu, Kant e Rousseau.

Para Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), a fonte de


poder era o próprio povo, no seu contrato social, as pessoas
alienavam toda a sua liberdade para um corpo social ao qual
todos pertenciam, e não para um soberano, como em Hobbes
(BONAVIDES, 2001).

John Locke (1632-1704) considerava o contrato social como


um pacto de consentimento, e não de submissão como em Hobbes
(soberano) e Rousseau (corpo social). Propunha uma relação
contratual entre governantes e governados, em substituição ao
absolutismo monárquico, a partir do estabelecimento de um
conjunto de leis escritas, a Constituição. Locke defendia que todo
homem possuía alguns direitos naturais, os quais eram inatos e
inalienáveis, que deveriam ser respeitados pelos governantes.
Entre esses direitos, destacam-se a liberdade, a propriedade
privada e a resistência contra governos tirânicos (WEFFORT,
2000).

Embora as ideias de Rousseau tenham influenciado as


principais revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII e, ainda,
resgatado o conceito de democracia, foi a visão lockeana de
liberalismo político que fundamentou o Estado Moderno. Nessa
linha, o Estado se mantinha inerte para não violar as liberdades
privadas do indivíduo, o que caracterizava os limites ao exercício
do poder político dos governantes. De acordo com Sarmento
(2004, p. 23), “o Estado era visto como um adversário da liberdade,
e por isso cumpria limitá-lo, em prol da garantia dos direitos do
homem”.

30
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

No entanto, com Montesquieu (1689-1755), em sua principal


obra, “O Espírito das Leis”, é que se consolida a engenharia
institucional do Estado Liberal, a partir da teoria da separação
dos poderes ou equipotência.

Conforme Weffort (2000, p. 119), Montesquieu estabeleceu,


“como condição para o Estado de direito, separação dos poderes
executivo, legislativo e judiciário e a independência entre eles. A
ideia de equivalência consiste em que essas três funções deveriam
ser dotadas de igual poder”.

Nesse sentido, as teorias dos pensadores iluministas levaram


a fundamentar as duas principais revoluções burguesas do final do
século XVIII, a Revolução Francesa (1789) e a Independência dos
Estados Unidos (1776). Tais eventos impulsionaram e proliferaram
o modelo de Estado Liberal, o ordenamento jurídico, bem como o
sistema de codificação das leis civis moderno. Segundo Canotilho
(1999), esse novo Estado Liberal ou de Direito objetivava a
formação de um governo de leis em oposição a um governo de
homens, baseado em princípios da divisão dos poderes, na defesa
e garantia a direitos e liberdades individuais.

Nos séculos XIX e XX, as codificações civis e o modelo liberal


de organização do Direito estavam amplamente vinculados
a um conjunto de normas organizadas num sistema racional,
que tinham como objetivo fundamental regular toda a vida da
sociedade privada. Dessa forma, a compreensão liberal do Direito
teve como fonte única o Estado, a neutralidade das normas e a
concepção do homem como sujeito abstrato.

Assim, o Direito, desde o século XIX, passa a exercer


uma função legitimadora do modo de produção dominante,
objetivando manter a nova ordem social burguesa. Segundo
Löwy (1998), a classe burguesa constituía nova ordem, uma
ordem industrial, contendo o progresso, isto é, o desenvolvimento
da indústria e das ciências (CAENEGEM, 2000).

31
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Isso se deu porque, após a conquista do poder político pelos


burgueses, estes necessitavam solidificar, manter e difundir seus
pressupostos ideológicos, em oposição à antiga ordem social
aristocrática. O sistema jurídico liberal com bases racionalistas e
individualistas induziu os juristas à busca do sentido do Direito
somente no texto legal.

Segundo Kelsen (1997, p. 12), “o Direito se compreende


como um sistema de normas, um conjunto de relações lógicas
desvinculadas da natureza e do homem que dela faz parte”.

Para Bobbio (1995), o processo de codificação, predominante


nos séculos XIX e XX, levou a uma mecanização da Justiça, a
qual fora reduzida a mera aplicadora da lei. Segundo o referido
autor, cultuava-se o texto da lei, cuja interpretação deveria estar
balizada na intenção do legislador.

Contudo, o Estado de Direito Liberal, com o objetivo de


erradicar as diferenças pessoais características dos períodos
medievais e absolutistas monárquicos, não considerou as
desigualdades sociais e econômicas, tratando todos os indivíduos
de forma idêntica perante a lei. Essa postura acentuou a
concentração do poder econômico capitalista, ampliando as
desigualdades sociais (LÖWY, 1998).

Assim, esse contexto de críticas ao Estado Liberal propiciou


a expansão de novas teorias políticas e ideológicas, como o
marxismo, o socialismo utópico e a doutrina social da Igreja. Essas
novas teorias, por meio de perspectivas distintas, questionavam o
individualismo exacerbado do constitucionalismo liberal.

A Revolução Russa e a consequente expansão das ideias


marxistas em diversos países impulsionaram uma revisão
do liberalismo político e econômico de Estado. De acordo
com Hobsbawn (1995, p. 61-62), “cerca de 40 anos depois da
Revolução Russa de 1917, um terço da humanidade estava

32
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

vivendo em regimes diretamente derivados do modelo soviético,


de apropriação coletiva dos meios de produção”.

A premissa por direitos sociais passa a ser a tônica das


pressões políticas, ideológicas e populares desse período.
Conforme aponta Portanova (2008, p. 61):

O Estado precisa se modificar, uma vez que ele não pode


ser o simples anteparo que sustenta as classes detentoras
do poder econômico e possuidoras dos meios de produção.
É preciso que ele, Estado, ponha em prática o valor
emergente da igualdade. É mister que o Estado cumpra
com o seu desiderato social, e não apenas garanta os
privilégios econômicos da classe dominante.

A temeridade do expansionismo das revoluções de cunho


marxista, por parte dos países capitalistas, dirimiu as resistências
para os processos de transição do Estado Liberal para o Estado
do Bem-Estar Social (Welfare State). No início do século XX, as
primeiras constituições a garantirem direitos fundamentais
mínimos foram a Carta mexicana de 1917 e a Constituição de
Weimar de 1919.

O modelo codificado, a partir da segunda metade do


século XX, foi tornando-se incipiente e esgotado, face às
pressões sociais para atendimento das mais diversas demandas
que se apresentavam no cotidiano da sociedade. Conforme
Gschwendtner (2006, p. 76), foi principalmente no período
após a Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 40 e 50, que
“o processo de intervenção na economia se ampliou em face
do aumento dos conflitos sociais e do aparecimento de novas
situações econômicas que simplesmente não encontravam
previsão no Código Civil”.

O Estado baseado nos pressupostos liberais foi se


enfraquecendo, sendo substituído pelo Estado de Direito Social,

33
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

este de maior cunho intervencionista e que se constituía como


garantidor das crescentes demandas sociais.

Entretanto, o Estado Social cresce de forma desmedida,


tornando-se o verdadeiro Leviatã de Hobbes, com seu gigantismo
e sua lógica tecnocrática. As constituições, que no Estado Liberal
abordavam apenas a garantia de direitos individuais e uma
estrutura básica de Estado, no Estado Social passaram a abordar
uma série de temas, desde os direitos sociais até as funções de
direção das estâncias políticas e da própria sociedade.

Nas palavras de Bobbio (1995, p. 25):

[…] com o declínio dos limites à ação do Estado, cujos


fundamentos éticos haviam sido encontrados pela tradição
jusnaturalista na prioridade axiológica do indivíduo
com respeito ao grupo, e na consequente afirmação dos
direitos naturais do indivíduo, o Estado foi pouco a pouco
se reaprimorando do espaço conquistado pela sociedade
civil burguesa.

O modelo de Estado Social também encontrou críticas e


opositores, principalmente a partir de 1970, com a crise do petróleo,
o desenvolvimento dos governos neoliberais e o processo de
globalização econômica. Esse novo paradigma propõe o retorno
de um Estado mínimo, aos antigos moldes liberais (HOBSBAWN,
1995). Segundo Chomsky (2002, p. 22):

[…] os grandes arquitetos do Consenso (neoliberal) de


Washington são os senhores da economia privada, em geral
empresas gigantescas que controlam a maior parte da
economia internacional e têm meios de ditar a formulação
de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião.

A teoria neoliberal produz consequências políticas,

34
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

econômicas e jurídicas e encontra fortes críticas e oposição de


diversos segmentos da sociedade, principalmente daqueles
setores ligados aos movimentos sociais. Resta que o Estado Social
se destacou pela garantia dos direitos fundamentais sobre as
relações privadas.
Nas palavras de Bonavides (2003), o Estado Social
possibilitou o processo de publicização do privado, ou seja,
impulsionou a intervenção do Direto Público no Direito Privado.
E, ainda, propiciou as bases para a fundamentação da
Constitucionalização do Direito Privado, a partir de elementos de
proteção ao meio ambiente.
Canotilho (1999) destaca que os princípios e valores de
um Estado que esteja subordinado ao Direito são aqueles que
promovem a formação de um Estado Constitucional de Direito
Democrático, social e ambientalmente sustentado. Portanto,
segundo o autor, há a necessidade de implantação de um Estado
que apresente as seguintes características: seja subordinado às
leis; democrático, devendo o exercício do poder ser legitimado pelo
povo; apresente medidas de justiça social e seja ambientalmente
sustentável.
Os modelos de produção da sociedade até então vigentes,
ignorando tecnologias inovadoras e sustentáveis, passaram a
entrar em contradição com o equilíbrio ambiental. Os níveis de
produção existentes podem até conduzir ao colapso ecológico,
tendo em vista que “a capacidade científica e tecnológica de
processar a matéria é infinitamente superior à capacidade que
tem a natureza de se regenerar ou de ofertar matéria-prima para
o seu processamento” (PORTANOVA, 2008, p. 63).
Em face da realidade apresentada, por meio de uma
situação dicotômica e antagônica entre os recursos ambientais
existentes atualmente e a sua exploração desregrada, necessária
se faz a consecução de um Estado de Direito Ambiental. Aponta
Santos (apud LEITE, 2000) que o Estado de Direito Ambiental

35
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

se constitui numa utopia democrática, tendo em vista que a


transformação necessária exige nova concepção (visão) de
mundo em relação à realidade imposta, bem como um exercício
radical da cidadania individual e coletiva.

A origem histórica do Estado Liberal e, assim, dos direitos


fundamentais não finalizou a sua caracterização. Houve um
inegável avanço da proposta clássica dos direitos fundamentais
do Estado Liberal, tais como as liberdades individuais e os direitos
políticos, para serem compreendidos os direitos a prestações
estatais (Estado Social) (VULCANIS, 2007).
No entanto, alternativas aos modos de produção e consumo
capitalistas contemporâneos têm sido desenvolvidas e propostas
à sociedade. Modelos que vislumbram novo marco constitucional
em contraponto ao modelo americano-europeu, tendo como
base o “multiculturalismo e a tutela do meio ambiente e das
futuras gerações” (PORTANOVA, 2012, p. 13).
Nessa linha, pode-se admitir que as demandas sociais
existentes na América Latina estão diretamente relacionadas às
questões ambientais. Os danos ambientais em relação à poluição
do solo, ar, água, entre outros, afetam principalmente as camadas
mais pobres da população, que sofrem as consequências desses
impactos.
A existência desse modelo de Estado de Direito Ambiental
tem como objetivo principal a orientação das políticas sociais,
econômicas e jurídicas voltadas para as práticas sustentáveis,
visando ao respeito à dignidade humana e à preservação do
meio ambiente. O Estado de Direito Ambiental apresenta-se pela
tomada de consciência global da crise ambiental, exigindo uma
ação conjunta do Estado e da coletividade na proteção ambiental,
por meio de uma cidadania participativa (LEITE, 2004).

36
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

2.2 A Responsabilidade Extracontratual do Estado

Como foi demonstrado, a República Federativa do Brasil


constitui-se em Estado Democrático de Direito.

Meirelles (1999, p. 59) define a Administração Pública:

Numa visão global, a Administração é, pois, todo o


aparelhamento do Estado preordenado à realização de
serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.
A Administração não pratica atos de governo; pratica,
tão-somente, atos de execução, com maior ou menor
autonomia funcional, segundo a competência do órgão e
de seus agentes.

Pela Constituição de 1988, as entidades estatais são, além


da União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal,
e constituem a Administração Pública direta ou centralizada.
Essas entidades são as únicas a possuírem autonomia política,
administrativa e financeira, nos termos do caput da Constituição
de 1988.

As Autarquias, as Fundações, as empresas governamentais


e as entidades paraestatais são instituídas por lei e formam a
Administração Pública Indireta ou Descentralizada.

Apesar de a Administração e o Governo serem criações


abstratas da Constituição da República e das leis, cumpre salientar
que os atos de governo somente envolvem responsabilidade
constitucional e política. A responsabilidade profissional pela
execução é reservada aos atos administrativos.

A responsabilidade extracontratual do Estado, ou seja, a


obrigação de ressarcir os danos causados a terceiros por suas
atividades, pode-se dar por danos resultantes de comportamentos
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Porém, será em

37
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

relação aos atos da Administração Pública que a responsabilidade


extracontratual do Estado irá incidir com maior frequência.

Quanto aos atos legislativos típicos, que se manifestam na


lei, dificilmente haverá dano somente a um particular. A norma
jurídica, por ser abstrata, se manifesta sobre toda a coletividade;
não há como falar em indenização. Outrossim, poder-se-ia
pensar que, se alguma lei inconstitucional de efeito concreto
atingisse a um ou alguns indivíduos isoladamente, haveria, em
tese, responsabilidade do Estado por atos legislativos. Isso porque
essa lei teria efeito concreto, como um ato administrativo. Porém,
essa matéria ainda não foi pacificada pela Doutrina.

Em relação aos atos judiciais típicos, a matéria também não


foi pacificada. O inciso LXXV do artigo 5º da Constituição Federal,
ao determinar que “o Estado indenizará o condenado por erros
judiciários, assim como o que ficar preso além do tempo fixado
na sentença”, atribuiu responsabilidade por danos decorrentes
de sentença criminal. Contudo, há a necessidade de avaliar se
haverá ou não responsabilidade estatal em decisões judiciais
cíveis e trabalhistas.

Os atos legislativos e judiciais atípicos, que não impliquem


exercício de função de parlamentar ou de magistrado, se
equiparam aos atos administrativos. E como tais, podem dar
causa a indenização, se forem lesivos.

Entretanto, após esses esclarecimentos, vale ressaltar que a


responsabilidade extracontratual do Estado por atos legislativos
e jurisdicionais não faz parte do objeto deste trabalho.

Para a responsabilidade extracontratual ocorrer, o Estado


deve cometer um ato omissivo ou comissivo, causando dano a
um terceiro. Não é necessário que esse ato estatal seja ilícito. Mas
deve haver um elo entre o ato da Administração Pública e o dano
sofrido por um particular.

38
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

No entender de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, p. 524):

[…] a responsabilidade extracontratual do Estado


corresponde à obrigação de reparar danos causados a
terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou
omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis
aos agentes públicos.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 775):

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual


do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar
economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente
garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em
decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos,
comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

As Constituições de 1824 e 1891 não chegaram a prever


nada a respeito da responsabilidade estatal. Apenas previam a
responsabilidade do funcionário público em decorrência de abuso
ou omissão praticados no exercício de suas funções.

A Constituição de 1824 estabelecia em seu artigo 178, nº 29:


“Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos
abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por
não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos”.
A Constituição de 1891 possuía dispositivo equivalente em seu
artigo 82.

À primeira leitura, pareceria que tais Constituições adotaram


a teoria da irresponsabilidade do Estado; contudo, essa teoria
nunca foi adotada pelo Direito brasileiro. Pelo contrário, algumas
leis ordinárias previam a responsabilidade solidária entre o
funcionário público e o Estado.

A Constituição de 1934 adotou a teoria da responsabilidade

39
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

solidária entre o Estado e o funcionário público, em seu artigo 171:


“Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a
Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos
decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos
seus cargos”. A Constituição de 1937 repetiu a mesma norma em
seu artigo 158.

Em 1946, com o advento de nova Constituição, houve grande


alteração legislativa no tocante à responsabilidade estatal.
Adotou-se a teoria da responsabilidade objetiva. Dispunha o
artigo 194:

As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente


responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa
qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra
os funcionários causadores do dano, quando tiver havido
culpa destes.

Com a adoção da teoria da responsabilidade objetiva


criou-se a possibilidade de o Estado compor danos causados por
atos de funcionários, mesmo sem haver procedimento irregular
destes, por culpa ou falta de serviço.

A Constituição de 1967, além de manter a norma em seu


artigo 105, acrescentou ao parágrafo único a expressão “dolo”, ou
seja, determinou que caberia ação regressiva em caso de culpa
ou dolo:

As pessoas jurídicas de Direito Público respondem pelos


danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a
terceiros.
Parágrafo único. Caberá ação rescisória contra o
funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo.

Com a Emenda nº 1 à Constituição de 1967, houve uma

40
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

reprodução desse dispositivo no artigo 107 da Carta de 17 de


outubro de 1969. Apesar de estar delineado em outros termos, o
conteúdo foi mantido.

Finalmente, a Constituição da República de 1988, em seu


artigo 37, § 6º, dispõe:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado


prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.

Esse dispositivo prevê duas regras. A primeira é a da


responsabilidade objetiva do Estado e a segunda é a da
responsabilidade subjetiva do funcionário. E estabelece alguns
requisitos para ocorrer a responsabilidade objetiva:

a) pessoa jurídica de direito público ou de direito privado


prestadora de serviços públicos; com esta redação sanou-
se dúvidas a respeito da incidência da responsabilidade
objetiva em se tratando de pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público; como foi visto,
a Constituição de 1967 mencionava apenas as pessoas
jurídicas de direito público;

b) serviços públicos; a regra constitucional somente se aplica


quando a entidade prestar serviço público; descartem-
se assim as sociedades de economia mista e empresas
públicas, que terão sua responsabilidade avaliada pelo
direito privado, e não pelo direito público;

c) dano causado a terceiros; deve haver um elo entre o


serviço prestado e o dano sofrido por terceiro(s)
d) dano causado por agente; aqui não interessa a
qualificação do agente, o que importa é que ele atue em

41
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

uma das pessoas jurídicas aludidas;


e) o agente deve estar no exercício de suas funções; se isso
não ocorrer, não haverá responsabilidade estatal.

2.3 A Responsabilidade Civil no Código Civil

O Código Civil de 1916, em seu artigo 15, dispunha:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente


responsáveis por atos de seus representantes que, nesta
qualidade, causarem danos a terceiros procedendo de
modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por
lei, salvo o direito regressivo contra os causadores de danos.

Por meio desse artigo, havia-se acolhido a teoria da


responsabilidade subjetiva. Houve um avanço da legislação
brasileira, tendo em vista a Constituição de 1891, que, ao
responsabilizar apenas os servidores causadores de danos a
terceiros, excluía a responsabilidade do Estado.

Contudo, pelo Código de 1916, a culpa do funcionário deveria


ser demonstrada para que o Estado fosse responsabilizado.

Com o advento de novas Constituições e o surgimento


de outras leis ordinárias, houve uma mudança na posição da
doutrina e da jurisprudência. Paralelo a esse avanço, o Código
Civil manteve-se estático e defasado.

O Código Civil que entrou em vigor, por meio da Lei 10.406,


de 10 de janeiro de 2002, traz em seu artigo 43 o seguinte
conceito:

As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente


responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade

42
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo


contra os causadores do dano, se houver, por parte destes,
culpa ou dolo.

E no artigo 41: “As pessoas jurídicas de direito público


interno são a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios,
os Municípios, as Autarquias e as demais entidades de caráter
público criadas por lei”.

A interpretação do Direito Civil deve ser feita sempre a partir


da Constituição, e não o contrário, o que seria um contrassenso.
Toda a sistemática civil se sujeita aos dispositivos constitucionais,
e com muito mais razão, àqueles que regulam regras específicas
das normas de direito infraconstitucional.

Pela leitura, percebe-se que o legislador avançou ao


adotar a teoria da responsabilidade objetiva, ao propiciar maior
integração do Código com a Constituição Federal.

Ao analisar o artigo 43 do “novo” Código Civil de 2002,


deve-se ter em conta que a expressão agente de pessoas jurídicas
de direito público não deve ser interpretada restritivamente, de
forma a excluir a responsabilidade objetiva do Estado por atos
de pessoas públicas de direito privado, mas sim pelo prisma
constitucional.

A palavra agente refere-se a toda pessoa que exerce uma


função pública ou está encarregada de uma delegação pública.
Abarca-se, pois, a pessoa jurídica de direito privado que opera,
age ou atua em favor de negócios ou de interesses públicos.

Ao exercer uma função pública, o agente pode fazê-lo em


nome próprio ou em nome de sua mandante (um município ou
uma autarquia, por exemplo).

Outro avanço se refere ao alcance que se deu ao dano


sofrido pelo particular. Pelo código anterior, o dano deveria advir

43
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

de ato ilícito ou de omissão de ato previsto por lei. Na época em


que ele foi elaborado, somente se previa o dano patrimonial.

O Código, ao não especificar qual o dano ou a forma em


que ele deve ocorrer, possibilita ao prejudicado ajuizar uma ação
de indenização por danos morais sofridos por atos de agentes
de pessoas jurídicas de direito público. O inciso X do artigo 5º é
um bom exemplo disso, ao não fazer distinção entre pessoas de
direito público ou de direito privado que violarem a intimidade, a
honra e a imagem das pessoas, ao prever indenização pelo dano
material ou moral daí decorrente.

A partir da vigência da Lei 10.406/02, a doutrina e


a jurisprudência sistematizaram a integração do artigo
analisado (e de todos os outros decorrentes de dispositivos
infraconstitucionais) com os dispositivos da Constituição, a fim de
se manter a harmonia jurídica. Mancuso (1994, p. 193) conclui que
a Constituição manteve o regime de responsabilidade objetiva do
Estado, e aduz sobre a exclusão de responsabilidade do Estado:

Conforme já antes deixamos assente, cremos que em


matéria de responsabilidade por danos ao consumidor
somente poderá o causador (Estado) exonerar-se em
provando culpa exclusiva da vítima, isto é, que a causa
do evento não derivou do produto e sim do mau uso ou
manipulação temerária. Já no tocante às lesões ao meio
ambiente e patrimônio cultural, cremos que nem essa
forma de exoneração de responsabilidade será praticável,
já que não caberia falar em “culpa da vítima” posto que a
“vítima” é a própria sociedade, como um todo, lesada em
seu legítimo interesse em ver preservados os bens naturais
e o acervo cultural do País. Nestes dois últimos casos,
cremos que remanesce íntegra a responsabilidade objetiva
e solidária de todos os que concorreram para o resultado,
ressalvada, entre eles, a via regressiva.

44
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Os direitos do consumidor, por exemplo, podem ser feridos


em decorrência de má fiscalização do Poder Público em relação
às propagandas enganosas e abusivas. Ou ainda ferir, ao mesmo
tempo, mais de um direito indisponível, como o de consumo e o
da infância e juventude, ao permitir que propagandas incentivem
a vinculação do uso de bebidas e de cigarros a imagens de jovens
com aparência de adolescentes, em falsa manifestação de
liberdade, com a expectativa de ampliar o orçamento com o lucro
que as altas alíquotas dos impostos desses produtos propiciam.

Em relação ao meio ambiente não é diferente:

As lesões ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural


(histórico, estético, artístico, paisagístico e turístico), às vezes
é o próprio Estado o primeiro a causá-las, como quando
inunda Sete Quedas ou vastas florestas amazônicas, em
troca de seus lagos e usinas hidrelétricas, muitas vezes
instalados apenas por critérios políticos subalternos ou para
favorecer empreiteiras que financiam campanhas eleitorais
e corrompem governantes. É ele quem explora e deixa
vazar o petróleo que incendeia todo um bairro operário
de Vila Socó em Cubatão. Ainda é ele quem produz o
aço, em cuja corrida se lançam à atmosfera diariamente
e por dezenas de anos toneladas de resíduos tóxicos em
Cubatão. (MAZZILLI, 1996, p. 466)

A Administração Pública, em um Estado de Direito


Ambiental, não deve deixar de ser responsabilizada pelos seus
atos lesivos à sociedade.

45
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

2.4 O Ministério Público e os Meios Constitucionais


de Defesa do Estado de Direito Ambiental

Apesar de a década de 1980 ser considerada uma década


perdida para a economia nacional, a Constituição de 1988 inovou
o Ministério Público e todo o direito brasileiro ao tratar, de forma
efetiva, de direitos transindividuais ou metaindividuais.

Os direitos difusos e os direitos coletivos, ao lado dos direitos


individuais homogêneos, formam os direitos transindividuais.
Segundo a definição legal (incs. I, II e III do art. 81 da Lei 8.078/90),
os direitos individuais homogêneos são os transindividuais
decorrentes de uma origem comum; já os direitos coletivos se
caracterizariam por serem de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Por
fim, os direitos difusos se definem pela sua natureza indivisível,
de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato. Os direitos coletivos e os difusos serão
tutelados pelo Parquet.

A origem do Ministério Público é objeto de discussão


doutrinária, podendo ser considerada no antigo Egito, em
Esparta, em Roma, na Idade Média e até mesmo em Portugal,
como explica Moraes (2001). Mas é à França que a maior parte
da doutrina atribui a procedência dessa instituição, sem, contudo,
desconsiderar os referidos antecedentes. A menção a Parquet,
muito usada com referência ao Ministério Público, provém da
tradição francesa.

O mais usual é indicar a origem do Parquet na Ordenança de


25 de março de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França, que impôs
aos seus procuradores, antes de tudo, prestar o mesmo juramento
dos juízes, dedicando-se exclusivamente ao Rei. Foi com a
Revolução Francesa que se estruturou mais adequadamente o

46
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias aos


seus integrantes.

Em uma primeira fase, o Parquet cuidava de interesses


particulares do Rei junto aos Tribunais. Não surgiu para a acusação
penal, como se poderia imaginar. Com o andar da carruagem, o
Ministério Público foi se libertando dessa influência, passando a
representar a Sociedade e a defender os seus interesses.

O Ministério Público teve sua origem constitucional no


Brasil na Carta de 1891, tendo surgido anteriormente, pelo Código
Penal de 1832, como promotor da ação penal (MORAES, 2001). A
partir daí, nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967, galgou seu
espaço no meio jurídico nacional.

Com o advento da Constituição da República de 1988, o


Ministério Público foi elevado ao status de instituição permanente
das atividades essenciais à Justiça, recebendo tratamento jamais
visto nas Constituições anteriores, conforme o artigo 127:

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à


função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.

Diante da hierarquia alcançada, houve quem acreditasse


se tratar de um quarto Poder. Contudo, o fato de uma Instituição
não se submeter aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
não justifica tal entendimento:

Não é um quarto poder do Estado, mas a Constituição


coloca o Ministério Público a salvo de ingerências
dos outros Poderes, assegurando aos seus membros
independência no exercício de suas funções. Com efeito,
o Ministério Público é conceituado pela Constituição como
instituição permanente, essencial à função jurisdicional

47
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do


regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Assim, o Ministério Público não promove a
defesa dos interesses dos governantes, de quem se acha
desvinculado, mas busca a realização dos interesses da
sociedade. (CARVALHO, 1997, p. 182)

Várias funções institucionais foram elencadas pelo


Constituinte ao Parquet, o que contribuiu para o crescimento de
suas atividades e para maior presença junto à sociedade. Sem
embargo, é mister deter-se no artigo 129, inciso III, da Magna
Carta: “São funções institucionais do Ministério Público: […] III –
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; […]”.

A ação civil pública e o inquérito civil que, desde 1985, já


tinham previsão na legislação ordinária (Lei 7.347/85), foram
recepcionados pela Constituição de 1988. Cretella Jr. (1992, p.
322) assim define o inquérito civil:

Operação dinâmica e contínua dos órgãos do Ministério


Público, o inquérito civil, conjunto de atos e diligências com
o fito de apurar algum fato ou de investigar o que há de
verdade, em determinada matéria de sua competência,
desenvolve-se dinamicamente em diversos sentidos.

Esse procedimento de natureza inquisitorial é simples


faculdade, e não dever do Ministério Público. Ao Poder Judiciário
é atribuído o controle de legalidade sobre a instauração do
inquérito civil. A instauração será feita por meio de portaria ou
por despacho, admitindo representação, por determinação do
Procurador-Geral de Justiça ou, ainda, do Conselho Superior do
Ministério Público.

48
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Para Machado (2001, p. 345), o inquérito civil é um


procedimento administrativo exclusivo do Ministério Público
Federal ou do Ministério Público Estadual: “Os outros legitimados
a proporem ações civis públicas, inclusive as organizações não-
governamentais, podem coletar prova de outra forma, mas não
através do inquérito civil”.

O inquérito civil, na visão de Édis Milaré (2002 p. 386), como


fase pré-processual, serve para obtenção de provas, a fim de que
o Ministério Público forme sua convicção a respeito da proposição
de uma Ação Civil Pública:

Com efeito, através desse procedimento o Ministério


público sai dos corredores apertados da prova e passa a ter
o domínio dos fatos, na medida em que, sem intermediários
e sem burocracia, na condição de titular das ações penal
e civil públicas, com poderes de notificação e requisição,
promove a coleta de todos os elementos úteis para o
esclarecimento do objeto de sua investigação. Constitui, por
isso mesmo, instrumento adequado para instruir não só a
ação civil pública como a própria ação penal, dispensando
o inquérito policial, consoante permissivo constante do art.
39 § 5º, do Código de Processo Penal.

Apesar da importância do inquérito civil, ele não é


imprescindível para o ajuizamento de uma ação civil pública.
Esta, como aquele, conforme vimos, está regulada pela Lei 7.347,
de 24 de julho de 1985.

A ação civil pública pode ser considerada a arma mais


eficiente para se proteger o patrimônio público e os interesses
difusos e coletivos. Convém ressaltar que, apesar de o Ministério
Público ser legitimado incondicional para propô-la, essa ação não
é exclusiva do Ministério Público, podendo ser manejada pelos
demais legitimados (mencionados no capítulo seguinte) do artigo
5º, caput, e incisos I e II, da Lei 7.347/85, sendo que, neste caso, o

49
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Parquet atuará como fiscal da lei (§ 1º do art. 5º).

Cretella Jr. (1992) ressalta que a ação civil é, em geral,


privada, e por exceção pública, ao contrário da ação penal, que
é, em regra, pública, mas pode ser privada, em alguns casos. Essa
ação é civil porque tramita no juízo cível, e não no criminal. E é
pública por causa do seu objeto: bens públicos e sociais, interesses
difusos e interesses coletivos. Suas finalidades são: cumprimento
de obrigação de fazer, cumprimento da obrigação de não fazer
e/ou a condenação em dinheiro.

A ação civil pública está sendo cada dia mais usada pelo
Ministério Público na defesa dos direitos coletivo e difuso: meio
ambiente, consumo, urbanismo, patrimônio histórico, prevenção
de acidentes do trabalho, infância e juventude, idosos, saúde,
moradia, transporte, educação, moralidade pública e patrimônio
público. Isso se reflete nas inúmeras promotorias de justiça
especializadas do Estado de Minas Gerais e de todo o País.

Além da oportunidade de iniciativa e da boa elaboração


da Lei 7.347/85, podem ser citadas como motivos do sucesso do
Parquet nessa seara a já referida criação do inquérito civil e a
sua legitimação para propor a ação civil pública, que, apesar de
concorrente, é incondicional.

Defender direitos difusos e coletivos, com grande empenho,


contribuiu para a mudança do perfil dos membros do Ministério
Público, que passou a alcançar maior número de pessoas com
a sua função, ao diminuir o número de contendas que chegam
ao Poder Judiciário, pois permite que em uma só ação esteja o
interesse de vários.

A partir da utilização do procedimento administrativo,


conhecido por inquérito civil, e da ação civil pública, o próprio
conceito que grande parte da sociedade tinha dos membros
do Ministério Público mudou. Antes, os “Promotores de Justiça”

50
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

só eram conhecidos como aquelas pessoas que ficavam nos


tribunais do júri, pedindo, na maioria dos casos, a condenação de
algum infeliz. Hodiernamente, os membros do Parquet têm, além
de suas antigas funções, forte atuação perante a sociedade.

Segundo Milaré (2002, p. 90), o promotor de justiça


já adquiriu o status de agente público, sendo muitas vezes
procurado por moradores de associações de bairro, membros
de organizações não governamentais, entre outras pessoas
que queiram fazer uma representação, a fim de se resolverem
problemas que envolvam questões do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, por
meio do inquérito civil e da ação civil pública.

Percebe-se, pelos noticiários, que a atuação do Ministério


Público se ampliou de tal forma que até mesmo a administração
pública tem sido alvo constante das investigações ministeriais.
Destarte, com esse controle externo da Administração Pública, a
sociedade, em geral desacreditada e conformada com o Estado,
pelos constantes episódios de mau uso que os políticos sempre
fizeram de suas estruturas e instituições, quer se valer de uma
Instituição que, apesar de não se constituir em um Poder, não se
subordina a nenhum dos Três Poderes.

51
O MECANISMO DE PROTEÇÃO NO
ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

3.1 O Termo de Ajustamento de Conduta

No capítulo anterior, foi tratada a atuação do Ministério


Público na defesa dos direitos difusos e coletivos, destacados
no inciso III do artigo 129 da Constituição. Esses direitos são
indisponíveis, ou melhor, são de natureza indisponível; ou seja,
não admitem, a princípio, transação judicial ou extrajudicial
(MILARÉ, 2002).

Não obstante, é importante avaliar a prestação jurisdicional


em nosso País, inegavelmente lenta e muitas vezes ineficaz.

Raumsol (1940, p. 165), ao referir-se à Justiça argentina,


oferece-nos pontos que muito têm a ver com a atual realidade
brasileira:

O poder judiciário, que deveria ser símbolo de amparo e


garantia para o cidadão e as instituições, inspira, em nossos
dias, o mais amargo receio e deixa sulcos de indignação
nas consciências sãs, que, em virtude dos mandatos que
o próprio povo lhe conferiu, creram nele. A reprovação, em
todos os setores, é unânime e, maior ainda, o pessimismo
das pessoas; tal o desconceito em que caiu a justiça, em
nosso país. Já é quase vox populi que não se vai aos tribunais
para discutir direitos, senão “influências”. E quantos há que

52
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

dizem que “é preferível um mau acordo extrajudicial que


ganhar uma demanda”!

Tal situação é idêntica à do Brasil, a despeito dos bons


magistrados que se esforçam em realizar sua função de forma
célere e eficaz. Talvez, tendo isso em conta, o legislador, por meio
do artigo 113 da Lei 8.078/90, introduziu o § 6º ao artigo 5º da
Lei 7.347/85, criando o compromisso de ajustamento de conduta:

[o]s órgãos públicos legitimados poderão tomar dos


interessados compromisso de ajustamento de sua conduta
às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial.

A celebração de um termo de ajustamento de conduta tem-


se mostrado eficaz para a defesa dos direitos difusos e coletivos,
ao evitar a proposição de uma ação civil pública, com todos os
seus necessários e demorados trâmites legais, quando o causador
ou responsável pelo dano manifesta-se no sentido de saná-lo.

Não obstante, houve grande controvérsia a respeito da


vigência do § 6º do artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública, em
razão de um possível veto do Presidente da República ao artigo
113. Isso se deu em razão de o Chefe do Executivo, ao vetar o §
3º do artigo 82 e o parágrafo único do artigo 92, externar sua
intenção de também vetar o artigo 113 da Lei 8.078/90 – Código
de Defesa do Consumidor, sendo que a sua publicação foi um erro.

Em acórdão referente ao Processo nº 213.947/MG, publicado


em RSTJ, v. 134/401, o STJ se posicionou no sentido de que o veto
não foi expresso e direto, conforme exige a Constituição (§§ 1º e
2º do art. 66).

Ao não o ser, o Congresso Nacional não poderia analisar


aquilo que não era expresso, daí a publicação do dispositivo

53
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

legal. Eis a ementa do referido acórdão:

Ação civil pública – Compromisso de ajustamento – Execução


– Título executivo. O compromisso de ajustamento firmado
perante o Ibama e o Ministério Público constitui título
executivo, nos termos do art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85,
que está em vigor. Recurso conhecido e provido.

O termo de ajustamento de conduta, também conhecido


por compromisso de ajustamento de conduta, conjuga três
fundamentais variáveis, assim apontadas por Rodrigues (2002, p.
3):

[...] tutela dos direitos transindividuais, a solução extrajudicial


de conflitos e as implicações do princípio democrático de
direito na definição de decisões políticas, questões que
têm como pano de fundo a tutela dos direitos do homem,
enquanto inserido em uma dada coletividade.

Para fins didáticos, é esclarecedora a posição de Machado


(2000) de que o compromisso de ajustamento de conduta deve
ser encarado como um acordo, e não como uma transação,
devido à espécie dos direitos tratados.

Para se firmar o termo de ajustamento de conduta, é


necessário que o ente seja um dos legitimados para propor uma
ação civil pública, ou seja:

Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios,


as Autarquias, as empresas públicas, as sociedades de
economia mista ou as associações, estas desde que
constituídas “há pelo menos um ano, nos termos da lei civil”
e desde que “inclua entre suas finalidades institucionais a
proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico ou a
qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 129, § 1º, da

54
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

CF/88, c.c. o art. 5º, I e II, da Lei 7.347/85). (MILARÉ, 2002,


p. 70)

De qualquer forma, mesmo que outros entes possam


celebrar um termo de ajustamento de conduta, o Ministério
Público – devido aos contornos que a Constituição da República
de 1988 lhe deu, em seus artigos 127, caput, e 129, inciso III – tem
o poder-dever de também atuar na elaboração deste, por ter
primordialmente a legitimidade para fazê-lo:

Se é imprescindível a participação do Ministério Público


como fiscal da lei nas ações propostas pelos demais co-
legitimados, a mesma razão há de prevalecer para tornar
obrigatória sua participação na celebração do compromisso
extrajudicial, eis que se trata, da mesma forma, de exercer
a competência que lhe foi reservada quanto à defesa dos
interesses sociais, em ato do qual resultará a definição das
obrigações (liquidez e certeza) e, consequentemente, título
executivo. (MILARÉ, 2002, p. 72)

Quanto à posição dos demais entes legitimados ativos que


não participaram do compromisso de ajustamento de conduta,
não se pode fugir da questão sobre a existência de vinculação
ao que ficou acordado. Partindo do princípio de que o Parquet
se colocou como uma das partes no referido acordo, resta saber
sobre a possibilidade de os entes legitimados proporem ou não
uma ação civil pública.

É sabido que um acordo extrajudicial não é uma fase pré-


processual que, ao ser esgotada, enseja a proposição de uma
ação civil pública. Porém, uma vez que o autor de uma conduta
ofensiva dá mostras de ser possível reparar o dano por ele causado,
mediante um documento formal, aparece evidente interesse de
não se propor uma ação judicial.

Além do mais, pelo fato de o termo de ajustamento de

55
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

conduta (TAC) não ter natureza judicial e ter sido criado para
evitá-la, descabido seria o entendimento contrário, pois o instituto
perderia a sua finalidade. Face ao fato de que o compromisso de
ajustamento de conduta é um documento formal, com muitas
garantias (como prazo, multa pelo descumprimento de obrigação
de fazer, etc.), e de a oportunidade para participar dele não estar
vedada a nenhuma entidade legitimada para propor a ação
civil pública, não se deve falar em interesse processual. Poder-
se-ia discutir se há alguma falha no acordo, por exemplo, em
relação à extensão do dano ou em relação ao prazo para o seu
cumprimento:

Formalizado o compromisso, surge situação jurídica


nova, amparada por expressa previsão legal, isto é, o
aparecimento de título executivo extrajudicial, fazendo
com que deixe de existir o interesse dos co-legitimados
ativos em obter o provimento jurisdicional condenatório.
(MILARÉ, 2002, p. 278)

Não se poderá mais desprezar o acordo extrajudicial;


somente interesse diferente do tratado ou não abarcado
totalmente poderá ser objeto de litígio.

Vencidas essas questões, faz-se necessário exemplificar


o benefício da atuação do Ministério Público na defesa dos
direitos difusos e coletivos. A título de exemplo, Rodrigues (2002)
demonstrou em gráfico a atuação das Procuradorias Federais dos
Direitos do Cidadão nos Estados, tendo como base os relatórios de
suas atividades de 1992 até meados de 1998, logo nos primórdios
da discussão.

Dito relatório aponta para o número de 71 termos de


ajustamento de conduta, sendo que 41% foram propostos por
Procuradorias da Região Sudeste, contando a Procuradoria
da República de Minas Gerais com 15 dos 37 compromissos

56
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

extrajudiciais assumidos no Sudeste.

Apesar de serem os dados oficiais, eles ainda não abarcaram,


segundo pesquisa própria feita por Rodrigues (2002, p. 259),
todo o universo desses acordos extrajudiciais por insuficiência de
informações. Mas o inegável é que o número vem crescendo em
alta velocidade.

Pela referida pesquisa, observa-se que a grande maioria


dos interesses presentes nos termos de ajustamento de conduta
é de natureza difusa e relativa a questões ambientais. Mas algo
lamentável, revelado por essa pesquisa, é constatar que, apesar
de ser comum os órgãos públicos realizarem representações
junto ao Ministério Público e participarem da celebração de
TAC, na maioria dos casos são os entes estatais que configuram
a parte passiva dos compromissos de ajustamento de conduta.
Ou seja, em vez de o Estado, por meio das pessoas jurídicas
que o representam, zelar pelos direitos de seus cidadãos, ele é,
constantemente, o primeiro a violá-los.

Apesar dessa triste constatação, deve-se comemorar a


atuação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais em
celebrar com o Ministério do Meio Ambiente o Convênio SECEX/
MMA nº 2001 CV 00083, com o objetivo de revitalizar a bacia
do Rio São Francisco. Para cumprir tal feito, criaram-se as
Coordenadorias das Promotorias de Justiça de Defesa do Rio São
Francisco.

Conforme se observou, em 2002, foram celebrados 130


termos de ajustamento de conduta; foram propostas quatro
ações civis públicas e uma ação de improbidade administrativa
ambiental; instauraram-se 552 inquéritos civis, procedimentos
administrativos ou investigatórios; realizaram-se 261 reuniões; as
Coordenadorias efetuaram 312 vistorias e viagens às Comarcas
da bacia do Rio São Francisco, para a realização de audiências,
diligências e auxílio aos Promotores de Justiça na celebração

57
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

de termos de ajustamento de conduta, além de 112 consultorias


ambientais.

O relatório aponta que os problemas ambientais são


solucionados basicamente em seara administrativa. São raras as
propostas de ações civis públicas ou de improbidade ambiental,
pois o Ministério Público soluciona a maioria absoluta das lides
ambientais, por meio da celebração de termos de ajustamento
de conduta, orientados por laudos de consultoria, que instruem
os inquéritos civis e os procedimentos administrativos ou
investigatórios.

Apesar do destaque no uso no TAC em matéria de direito


ambiental, vale lembrar que o seu uso não é restrito a essa
matéria, e que tem sido muito usado na defesa de todos os outros
direitos difusos e coletivos. Os enunciados do Conselho Superior do
Ministério Público de Minas Gerais tratam amplamente do termo
de ajustamento de conduta, no período compreendido entre 1996
e 2002, dando clara orientação aos seus membros.

Pode-se extrair de seus Enunciados nº 1 e nº 5 que há


orientação no sentido de que o TAC ponha fim ou suspenda o
inquérito civil, quando o compromisso se cumpra de imediato ou
após o seu cumprimento, dentro do prazo estipulado. Quando
não há o seu cumprimento, o membro do Ministério Público
deve elaborar outro acordo ou propor ação civil pública. Nenhum
acordo firmado entre o agente infrator e os órgãos de fiscalização
impossibilita ou substitui o TAC.

Já nos enunciados números sete e oito, há clara intenção


do Parquet de coibir, através dos compromissos de ajustamento
de conduta, o enriquecimento ilícito e vantagens indevidas
adquiridas por meio de lesão a direitos difusos e coletivos. Ou
seja: não deve haver possibilidade de o infrator auferir lucro com
o produto do ilícito cometido.

58
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Muito eloquentes esses enunciados, pois, do contrário, seria


uma vantagem para o infrator a celebração de um TAC, e não
para a sociedade. Isso se conecta bem ao Enunciado nº 17, que
prevê que os TACs devem ser sempre precedidos de um inquérito
civil ou de procedimento administrativo, para se saber a extensão
do dano aos direitos tutelados pelo Ministério Público.

Ao se focalizar o atual panorama da atuação do Ministério


Público Federal e do Ministério Público de Minas Gerais na
celebração de acordos extrajudiciais – que reflete também a
realidade dos demais Estados da União –, deve-se atentar, uma
vez mais, para o fato de que esse procedimento está se tornando
cada vez mais comum, devido a sua rapidez no atendimento dos
anseios da sociedade, a qual muitas vezes até participa de sua
feitura, mediante, por exemplo, associações de bairro ou cidadãos
que fizeram alguma representação ao Parquet.

Esse procedimento administrativo e extrajudicial pode


oferecer uma resposta rápida e eficaz à sociedade.

3.2 O Controle da Administração Pública pelo


Ministério Público

O princípio do controle jurisdicional dos atos administrativos


decorre do princípio da indisponibilidade do interesse público,
aclamando a necessidade de um controle da Administração
Pública, não por órgãos independentes e autônomos, que
integram a própria Administração, como ocorre nos países
europeus, mas sim pelo Poder Judiciário.

Mello (1999, p. 47) defende que esse controle jurisdicional é


de suma importância para que um Estado seja verdadeiramente
de Direito:

59
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Princípio do controle jurisdicional dos atos administrativos.


Trata-se, é bem de ver, de exigência impostergável à idéia
de Estado de Direito. Com efeito, de nada valeria proclamar-
se o assujeitamento da Administração à Constituição e às
leis, se não fosse possível, perante um órgão imparcial e
independente, contrastar seus atos com as exigências delas
decorrentes, obter-lhes a fulminação quando inválidos e as
reparações patrimoniais cabíveis.

Desse modo, cabe o questionamento do controle da


Administração Pública, feito não mais perante o Poder Judiciário;
mas sim realizado, unilateralmente, por uma Instituição
independente, como o Parquet. Com a celebração dos termos de
ajustamento de conduta, o Judiciário, que não age de ofício, mas
somente por provocação, fica fora de qualquer avaliação nesses
acordos, que são essencialmente extrajudiciais.

A questão é saber se o Ministério Público, uma instituição


essencial à Justiça, estaria, por meio dos acordos celebrados com
a Administração Pública, suprimindo a atuação do Judiciário.
Quando há um consenso de que não se deve propor uma ação civil
pública, após o percurso de um inquérito civil, não há supressão
da atuação da Justiça (aqui entendida como atuação do Poder
Judiciário), pois não haveria interesse na ação.

Porém, o mesmo ocorreria no caso contrário, em que há


esse interesse de agir. Nesse sentido, não se estaria ferindo o
princípio base da Constituição da República de 1988, o Estado
Democrático de Direito, e o princípio da inarredabilidade do
controle jurisdicional (CRETELLA JR., 1992, p. 434-454), constante
no inciso XXXV do artigo 5º da CF/88: “XXXV – a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Apesar de pensar-se a priori, com certa rigidez, na existência


de um quê de inconstitucionalidade nesse procedimento
administrativo, após refletirmos sobre a questão, chega-se à

60
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

conclusão contrária.

Se o Ministério Público celebrar um Termo de Ajustamento


de Conduta com a Administração Pública, esta deverá atingir
certas metas estabelecidas, dentro de determinado prazo,
também pré-convencionado. Cumpridas as metas estabelecidas,
não há que se falar em ação civil pública, pois inexistiria interesse
na ação.

Contudo, se o acordo foi descumprido no todo ou em


parte, há a possibilidade de se celebrar novo TAC ou, conforme a
conveniência, propor uma ação civil pública, para se exigir o que
não foi cumprido.

Agora, suponha-se que determinado termo de ajustamento


de conduta não tenha abordado todas as questões referentes
a danos causados, por exemplo, ao meio ambiente, deixando
sequelas não reparadas ou ainda sendo agravadas a cada dia. A
resposta está justamente em se elaborar outro acordo, ou ajuizar
uma ação civil pública, já que há interesse de agir em relação às
questões que ainda não foram tocadas.

Vale ressaltar que em relação aos compromissos de


ajustamento de conduta, tanto em casos de descumprimento
quanto em casos de ineficiência, qualquer um dos legitimados
para propor uma ação civil pública poderá propô-la ou mesmo
propor outro TAC. Destarte, ao não se prejudicar o primeiro termo
celebrado e possibilitar futuras atuações, preservam-se os direitos
difuso e coletivo.

3.3 O Orçamento Público como Desafio ao


Estado de Direito Ambiental

O orçamento público é de grande importância nos Estados


democráticos. Ganhou relevo político quando o Legislativo

61
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

procurou controlar o Executivo, à época do liberalismo. Bastos


(1999, p. 75) trata sobre orçamento:

Sua inspiração última é de se tornar um instrumento de


exercício da Democracia pelo qual os particulares exercem
o direito, por intermédio de seus mandatários, de só
verem efetivadas as despesas permitidas e permitidas as
arrecadações tributárias que estiverem autorizadas na lei
orçamentária. O orçamento é, portanto, uma peça jurídica
[…].

Nele, estão aspectos políticos, econômicos, técnicos e


jurídicos. No plano político, podemos observar quais regiões
ou grupos sociais serão beneficiados, ou seja, a que se destina
a política econômica de um país. Pelo aspecto econômico do
orçamento do Estado, podemos observar o resultado da política
fiscal e da conjuntura econômica. Por meio dessa análise, podem
surgir mudanças benéficas. O aspecto técnico se refere ás regras
do orçamento, que devem seguir um método racional de receitas
e despesas. Finalmente, está o aspecto jurídico do orçamento. O
Administrador deve observar as regras advindas da lei ordinária e,
principalmente, das instituições constitucionais de um país. Para
Aliomar Baleeiro (2000, p. 411):

Nos Estados democráticos, o orçamento é considerado o


ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder
Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas
destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros
fins adotados pela política econômica ou geral do país,
assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.

Classificar a natureza jurídica do orçamento é um problema


que gerou grande discussão doutrinária. Sabendo que se trata de
uma lei, o problema, assim encarado, consiste em saber qual o

62
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

tipo de lei o orçamento traz consigo, o sentido material da lei.

Os atos jurídicos podem se classificar de três formas: ato-


regra, ato subjetivo e ato-condição. O ato-regra contém normas
de direito que se aplicam independentemente da vontade do
agente, como a lei e a convenção coletiva de trabalho. Já os
atos subjetivos referem-se às relações dos particulares, como os
contratos civis.

As receitas tributárias dependem dos atos dos funcionários e


fiscais da Fazenda Pública em realizar os mecanismos necessários
para a arrecadação. Faz-se necessário, então, um ato-condição,
ou seja, uma lei orçamentária, para autorizar esses atos. Quanto
às receitas dominiais, sabe-se que elas não têm sentido jurídico,
pois não dependem de autorização legislativa.

As despesas públicas, por sua vez, dependem de autorização


legislativa para isentar os funcionários que a realizam das
responsabilidades legais. É, da mesma forma, um ato-condição.

O orçamento público contém cinco princípios constitucionais:


da Unidade, da Anualidade, da Universalidade, da Especialização
(ou especialização) e da Exclusividade. Deter-nos-emos nos três
primeiros.

O Princípio da Unidade estabelece a existência de um único


documento para a previsão de todas as despesas e de todas as
receitas. Advém da inteligência do artigo 165, § 8º, da CF/88:

§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo


estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não
se incluindo na proibição a autorização para abertura de
créditos suplementares e contratação de operações de
crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos
da lei.

E, concomitante com o artigo 2º, §§ 1º e 2º da Lei 4.320/64,

63
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

respectivamente:

Art. 2º A Lei do Orçamento conterá a discriminação


da receita e despesa de forma a evidenciar a política
econômica financeira e o programa de trabalho do Governo,
obedecidos os princípios de unidade universalidade e
anualidade.
§ 1º Integrarão a Lei de Orçamento:
I – Sumário geral da receita por fontes e da despesa por
funções do Governo;
II – Quadro demonstrativo da Receita e Despesa segundo
as Categorias Econômicas, na forma do Anexo nº 1;
III – Quadro discriminativo da receita por fontes e respectiva
legislação;
IV – Quadro das dotações por órgãos do Governo e da
Administração.
§ 2º Acompanharão a Lei de Orçamento:
I – Quadros demonstrativos da receita e planos de aplicação
dos fundos especiais;
II – Quadros demonstrativos da despesa, na forma dos
Anexos n. 6 a 9;
III – Quadro demonstrativo do programa anual de trabalho
do Governo, em termos de realização de obras e de
prestação de serviços.

O Princípio da Anualidade surge do inciso III do artigo


165 da CF/88: “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo
estabelecerão: […] III – os orçamentos anuais”, e do artigo 34
da Lei 4.320/64, e estabelece que os orçamentos serão anuais,
coincidindo com o ano civil: “O exercício financeiro coincidirá com
o ano civil”.

O Princípio da Universalidade recomenda que todas as


receitas e todas as despesas devem ser incluídas no orçamento.
Conforme artigo 165, § 5º, da CF/88:

64
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:


I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União,
seus fundos, órgãos e entidades da administração direta
e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que
a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do
capital social com direito a voto;
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas
as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração
direta ou indireta, bem como os fundos e fundações
instituídos e mantidos pelo Poder Público.

O controle orçamentário no Brasil, a exemplo do da França,


da Itália e de Portugal, é o jurisdicional, realizado pelo Poder
Legislativo, mediante o Tribunal de Contas, conforme dispõem os
artigos 70 e 71 da Constituição.

O que está estabelecido para a União na Constituição da


República deverá ser observado pelos Estados como princípio
(BALEEIRO, 2000. Contudo, podem estes legislar concorrentemente
com aquela, desde que não firam os princípios constitucionais e
as normas gerais editadas. Aos Municípios, por sua vez, competirá
suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inc.
II do art. 30 da CF/88). Quanto ao Distrito Federal, nos termos do
artigo 32, § 1º, são atribuídas as competências legislativas que
são reservadas aos Estados e aos Municípios.

Diferentemente do que ocorre nas relações privadas, em


que as partes negociam seus interesses livremente dentro dos
limites legais, os interesses públicos devem ter um tratamento
priorizado. Uma vez que um interesse geral se torna público, não
há como a Administração dispor dele, independentemente de
sua natureza: patrimonial, fazendário, moral etc.

Quando se afirma dispor a Administração de um interesse,

65
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

isto significa o poder de dar um destino final a ele, em vez de


zelar ou praticar atos de curador. Por exemplo, o Administrador
Público não pode alienar patrimônios ou transferir-lhe o domínio
sem autorização advinda de lei e um devido interesse público.
Senão, estaria praticando atos de dono.

Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p.


34):

A indisponibilidade dos interesses públicos significa que,


sendo interesses qualificados como próprios da coletividade
– internos ao setor público –, não se encontram à livre
disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O
próprio órgão administrativo que os representa não tem
disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe
apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita
conformidade do que predispuser a intentio legis.

Outrossim, a Administração Pública não titulariza interesses


públicos, pois o titular de tais direitos é o Estado, que se vale
desta para protegê-los e exercitá-los. Mesmo quando as pessoas
administrativas, como as autarquias, dispõem dos interesses
públicos, fazem-no adstrito a uma finalidade determinada por
lei, de interesse da sociedade.

Está contido o direito dos administrados, cuja importância


se observa nos princípios a que se submete a Administração
Pública. Segundo Mello (1999, p. 35), seriam os princípios da
legalidade (considerando também os princípios da finalidade,
da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação e da
responsabilidade do Estado como dele consequentes); da
obrigatoriedade do desempenho de atividade pública e o princípio
da continuidade do serviço público; do controle administrativo ou
tutela, da isonomia, ou igualdade dos administrados em face da
Administração; da publicidade, da inalienabilidade dos direitos

66
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

concernentes a interesses públicos e do controle jurisdicional dos


atos administrativos.

Torna-se inevitável o enfrentamento desta questão sobre


a indisponibilidade do orçamento público feito pelo executivo
sem prévia autorização orçamentária. Pode-se afirmá-lo porque,
para o cumprimento de um termo de ajustamento de conduta, é
mister a aplicação de recursos financeiros; seja para a prevenção,
a preservação, a restauração ou a indenização por dano a um
bem.

Por exemplo, no caso de uma pequena Prefeitura do


interior acordar recuperar parte de uma floresta – explorada
indevidamente por ela, mas sob o comando de um prefeito
de outro partido –, não haverá dúvida de que essa atitude da
Administração será objeto de elogios em todas as partes.

Contudo, na ânsia de atender aos direitos difuso e


coletivo da população, de se ter um meio ambiente saudável, o
Administrador, ao não consultar os representantes desta, talvez
se esqueça de outros interesses difusos e coletivos, que deveriam
ser atendidos, em primeiro lugar, com projetos que já estavam
previstos no orçamento público.

Por exemplo, o direito à educação (garantido pela


Constituição da República, no art. 205), dando andamento
à construção de uma escola pública. Não cabe ao crivo do
Administrador mudar a direção dos gastos públicos, pois o Erário é
indisponível.

Outrossim, sabemos que o orçamento não é imutável,


pois sofre modificações durante o exercício financeiro. No caso
em tela, se se quisesse recuperar uma floresta e preservar o
habitat natural dos animais da região, a Administração Pública
deveria se valer dos créditos orçamentários adicionais especiais,
que são destinados a despesas para as quais não haja dotação

67
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

orçamentária, conforme artigo 167, inciso III, da CF/88:

Art. 167. São vedados: […]


III – a realização de operações de créditos que excedam
o montante das despesas de capital, ressalvadas as
autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais
com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo
por maioria absoluta.

Nem mesmo um título executivo extrajudicial firmado


perante o Parquet, instituição incumbida da defesa da ordem
jurídica, escapa dessa determinação constitucional.

Nesse sentido, tal compreensão foi avalizada por alguns


julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relativos aos
Processos 254.782-6/00 e 254.791-7/00, ambos conexos:

EMENTA: Execução – Ministério Público – Termo de


Ajuste de Condutas – Descumprimento pelos Municípios
Impossibilidade de cumprimento. 1 – Uma vez que o “Termo
de Ajustamento de Condutas” executado consiste em
comprometimento do Erário com a ordenação de despesas
para as quais inexistia prévia dotação orçamentária, o que
está em desacordo com a Lei nº 4.320/64, conclui-se que
a obrigação foi assumida de forma ilegal, não podendo o
seu descumprimento gerar qualquer responsabilização. 2 –
Sentença reformada no reexame necessário, prejudicado o
recurso voluntário.

No caso em análise, o Ministério Público de Minas Gerais


moveu uma ação civil pública de execução de quantia certa contra
os dois Municípios de Minas Gerais, pois ambos descumpriram um
termo de conduta para a construção conjunta de um abatedouro.
Como sempre ocorre, foi prevista no TAC a pena de multa, em
caso de descumprimento.

68
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Ambos os municípios embargaram a execução. O juiz


monocrático rejeitou ambos os embargos, sob o fundamento de
que não haveria base para tornar sem efeito o termo de ajuste de
condutas executado.

O voto do Desembargador Nilson Reis, relator dos


mencionados processos, foi em caminho contrário. Reproduz-se
para entendimento dos fatos e direitos envolvidos:

Com a devida vênia ao ilustre sentenciante, tenho que a


decisão não pode prosperar, pois as obrigações assumidas
pelos prefeitos dos Municípios Apelantes no “Termo de
Ajustamento de Condutas” que teria sido descumprido, a
mim se revelam inexequíveis, seja por ofensa à legalidade
orçamentária, seja por violação dos deveres de zelo pela
coisa pública, senão vejamos. Como se vê do controvertido
“Termo de Ajustamento de Condutas” (fls. 33/36 – TJ dos
autos da execução), os Municípios assumiram o compromisso
de, em um ano a contar da celebração do Termo, construir
um abatedouro municipal em comum, na sede do Município
de São Roque de Minas, em terreno cedido por este,
arcando cada um com 50% dos custos da obra, sob pena
de multa diária de R$ 1.000,00. Contudo, o que se verifica
é que os alcaides signatários daquele documento estavam
comprometendo o Município com a realização de despesas
para as quais inexistia prévia dotação orçamentária, ou
seja, sem autorização legislativa, o que está em desacordo
com as normas que regem a ordenação e realização de
despesas públicas, no caso aquelas da Lei nº 4.320/64,
entre as quais se citem:
“Art. 4º A Lei de Orçamento compreenderá todas
as despesas próprias dos órgãos do Governo e da
Administração centralizada, ou que, por intermédio deles
se devam realizar, observado o disposto no art. 2º.”
“Art. 5º A Lei de Orçamento não consignará dotações
globais destinadas a atender indiferentemente a despesas

69
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

de pessoal, material, serviços de terceiros, transferências


ou quaisquer outras, ressalvado o disposto no art. 20 e seu
parágrafo único.”
“Art. 6º Todas as receitas e despesas constarão da Lei de
Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções.”
“Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio
empenho.”
“Art. 75. O controle da execução orçamentária
compreenderá:
I – a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação
da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a
extinção de direitos e obrigações; […].
Ao tratar da imprescindibilidade do orçamento, da
cogência de suas normas e da responsabilização por seu
descumprimento, José Nilo de Castro adverte que:
“Dirigem-se tais regras vedatórias ao Legislativo e ao
Executivo, atendendo-se ao princípio constitucional
da legalidade orçamentária, propiciando-se,
inquestionavelmente, alcançar-se a melhor execução
orçamentária, que pressupões inafastável controle interno
e externo (arts. 31, 74, CF e 76 a 82 da Lei nº 4.320/64).
A despesa pública municipal só se realizará validamente
com a irrenunciável observância do princípio da legalidade,
isto é, nenhum ato de despesa pública se pode executar
sem a autorização legislativa, cujo quantum, igualmente,
tem de vir explicitamente autorizado na lei. O Poder Público
só pode gastar, ordenar despesas, liquidá-las, se prévia e
explicitamente tiver autorização legislativa para tal, sob
pena de responsabilização do ordenador da despesa.” (In:
Direito Municipal Positivo, 5ª edição, Editora Del Rey, Belo
Horizonte, 2001).
Analisando pelo ângulo publicístico, o “termo de
ajustamento de conduta” é nulo, já que eivado de vício
de legalidade, não gerando efeitos válidos, não podendo
os Municípios, portanto, ser responsabilizados pelo seu

70
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

descumprimento.
Pelo direito privado, a solução não seria diferente, já que tal
obrigação padece de impossibilidade jurídica objetiva e,
portanto, também seria considerada nula, a qual se verifica
“quando se antepõe à prestação um obstáculo originário
do próprio ordenamento […];” (sendo obstáculo, no caso
dos autos, a inexistência de autorização legislativa para a
realização de despesa ajustada.), vício que diz respeito à
própria formação do vínculo e conduz à ineficácia do negócio
jurídico por falta de objeto, na sempre esclarecedora lição
de Caio Mário da Silva Pereira (vide “Instituições de Direito
Civil”, vols. I, item 109, e II, item 174).
Ademais, não se pode perder de vista que, acaso os
prefeitos signatários do ajuste o cumprissem, incorreriam
em crime de responsabilidade, nos termos do art. 1º, inciso
V, do Dec.-Lei nº 201/67 […].
Ao comentar tal dispositivo, o já citado municipalista José
Nilo de Castro ensina e assevera que:
“Conhecida a legislação pertinente à ordenação, efetuação
e realização das despesas públicas traduzidas pela lei
orçamentária municipal, por outras leis semelhantes,
especificando-lhes o conteúdo em nível municipal ou
superior e, sobretudo, pela Lei Federal nº 4.320, de 17 de
março de 1964 – que “estatui normas gerais de Direito
Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços” das entidades públicas da Federação –, resulta
evidente que toda e qualquer despesa pública se realizará,
validamente, segundo a autorização desses comandos
normativos. Aqui, o Prefeito é igualmente obrigado a
cumprir a lei. Não o fazendo, porém, como gestor de
negócios públicos municipais que é, incidirá, em tese, nas
sanções invocadas.
Ademais, como assente na doutrina e no direito positivo, o
crime de responsabilidade aqui previsto é crime formal, isto
é, consuma-se a infração independentemente do resultado
externo.” (In: A defesa dos Prefeitos e Vereadores em face

71
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

do Decreto-Lei nº 201/67, 3ª ed., Editora Del Rey, Belo


Horizonte: 1999).
Mais comprometedora ainda a situação do Município de
Vargem Bonita/MG, que estaria gastando, sem autorização
legislativa, dinheiro seu para empreendimento em outro
município.
Assim, sem embargo da iniciativa do Parquet, concluo que a
obrigação foi assumida de forma ilegal, não podendo o seu
descumprimento gerar qualquer responsabilização, o que
me leva, em reexame necessário, a reformar a sentença,
para julgar procedentes os embargos e, consequentemente,
nula a execução apensa, prejudicado o recurso voluntário.

Destarte, qualquer comportamento da Administração


que no sentido de descumprir o estabelecido no orçamento não
elide a responsabilidade fiscal, mesmo sob o pretexto de se estar
cumprindo um termo de ajustamento de conduta firmado com o
Ministério Público:

Mandado de Segurança. Ministério Público. O Ministério


Público, quando aponta uma ilegalidade, não tem
competência para impor à entidade o dever de sanar o
vício. A entidade que adota o entendimento ministerial age
movida por sua própria convicção, ainda que formada a
partir da posição do Ministério Público, assumindo os ônus
daí advindos. (Ementa do Processo 197.771-9/00, TJMG)

Esse posicionamento da Jurisprudência Mineira em relação


aos termos de ajustamento de conduta foi pioneiro em todo o
País, servindo de alerta aos Administradores Públicos.

Pensar diferente seria colocar um acordo extrajudicial em


posição privilegiada às sentenças condenatórias, devidas pela
Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, previstas no artigo 100
da Constituição da República de 1988.

72
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Após a constatação da importância dos interesses difusos


e coletivos, que se constituem em direitos indisponíveis, resta
enfrentar a questão desses direitos metaindividuais, os quais,
constituídos muitas vezes em Princípios Constitucionais, entram
em conflito uns com os outros em casos concretos. Se os direitos
difusos e coletivos estivessem sempre em situações definidas,
seria a glória para qualquer profissional do Direito, mas sabe-se
que não é assim.

73
O ESTADO DE DIREITO ECOLÓGICO
4.1 Novos Paradigmas para a Proteção da
Natureza e da Coletividade

A proposta da revisão e ampliação, desta nova edição,


tem como escopo abordar uma nova dinâmica na área de
Direito Ambiental que tem se constituído para além de uma
abordagem teórica e figura agora como uma possibilidade
prática real de conquistas de novos direitos na área de proteção
e reconhecimento ao meio ambiente. Tal abordagem, tem com
premissa a constatação da falência do Estado e dos atuais meios
e instrumentos jurídicos na proteção do meio ambiente.

A intensificação das ações humanas sobre o meio ambiente


na busca de recursos naturais para o desenvolvimento das
atividades de consumo “(...) são elementos fundamentais para
explicar o agravamento da crise ambiental, complexa, planetária
e interconectada.” (LEITE; SILVEIRA; BETTEGA, 2017, p. 60).

Os danos ambientais decorrem de uma má gestão do


controle dos riscos ambientais, e transcendem as soberanias e
fronteiras das nações. Neste ponto, pode ser citado como exemplo
a chuva ácida, na qual os danos provocados ultrapassam as
fronteiras e soberanias nacionais de um Estado.
A degradação do meio ambiente atinge níveis
preocupantes, e os riscos advindos dos avanços
científicos, escondidos em todas as partes, inclusive
junto aos bens mais indispensáveis à vida, atravessam

74
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

até barreiras de proteção altamente controladas da


modernidade. A modificação na gravidade e abrangência
dos riscos e danos antropogênicos é advinda do maior
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, alargando
os conhecimentos humanos sobre a natureza, e
gerando, consequentemente, uma maior capacidade de
interferência nas transformações sofridas pelo planeta.
(LEITE; SILVEIRA; BETTEGA, 2017, p. 61).

Dessa forma, a atual crise planetária não se regula mais


pelas legislações das soberanias nacionais. Há a necessidade de
uma abordagem sistêmica da questão ambiental, um olhar local
e um pensar global2.

Uma abordagem com sensibilidade ecológica em qualquer


procedimento ambiental, que considere a pluralidade do Direito
relacionada à uma governança de centralidade ambiental.
Estes elementos compreendem uma nova ótica principiológica
do Direito ao considerar um Mínimo Existencial Ecológico. Um
princípio que considera o direito fundamental aliado a dignidade
ecológica do direito de vida com a dignidade e o meio ambiente
com qualidade.

Esses novos paradigmas para a Proteção da Natureza e


da Coletividade passam a considerar e a proteger os Processos
Ecológicos Essenciais na garantia de controlar o uso dos bens
ambientais, sob pena de um retrocesso ecológico e lesão a
2 “Constitucionalismo Global” aplicado por Canotilho, que sugere três traços
caracterizadores “deste novo paradigma emergente”: “(1) alicerçamento do
sistema jurídico-político em relações entre Estado/povo, isto é, não de relações
horizontais entre Estados mas sim com as populações dos próprios estados; (2)
emergência, através das declarações e documentos internacionais, de um jus
cogens internacional (que “inclui um mínimo de proteção à vida, liberdade e
segurança, no âmbito das liberdades pessoais, e o direito à autodeterminação
como direito básico da democracia”) legitimado em valores, princípios e regras
universais; (3) a dignidade humana fixada como pressuposto de todos os
constitucionalismos. Assim, compreende a transformação do Direito Internacional
como um “parâmetro de validade das próprias constituições nacionais cujas
normas deveriam ser consideradas nulas se violassem as normas do jus cogens
internacional”. (CANOTILHO, 2008, 1370).

75
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

dignidade da pessoa humana. Outra medida a ser considerada


neste processo é o aproveitamento racional dos recursos naturais,
com reflexos diretos no modo de produção e consumo de
mercadorias e serviços.

A Ecologização do Direito Ambiental, no caso brasileiro tem


como escopo o próprio texto constitucional da Carta de 1988, a
qual considera a natureza como um direito fundamental. Ademais,
insta consignar os movimentos do novo constitucionalismo latino-
americano, com uma abordagem a partir de um novo marco
constitucional, tendo as comunidades e povos indígenas e a
natureza como direito, um verdadeiro Estado Plurinacional.

A partir desses elementos tem-se uma dimensão jurídica


irradiante, com os compromissos do setor privado, do setor público
e da sociedade civil com a Ecologização do Direito. Uma proposta
calcada na proibição do retrocesso ecológico e no compromisso
do Estado e da Coletividade em agir proativamente em defesa do
meio ambiente. Essa defesa dos bens ambientais se constituirá
de mecanismos próprios e concretos para efetuarem a proteção
e manutenção dos direitos ambientais. A própria formulação de
uma hermenêutica jurídica própria que reconheça os processos
ecológicos essenciais para a manutenção da vida humana e de
todo o meio ambiente.

4.2 O Estado de Direito para a natureza

O Estado de Direito para a natureza ou Estado de Direito


Ecológico tem como pressupostos basilares um constructo de
normas, princípios e estratégias jurídicas que têm como escopo
“garantir a preservação de um conjunto de condições de
funcionamento do sistema terrestre que tornam o Planeta terra
um espaço seguro” para a humanidade e todos demais seres e, a
própria natureza como um todo. (ARAGÃO, 2017, p. 22).

76
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

A ação da humanidade na era do Antropoceno3, conforme


já destacado anteriormente, tem levado o Planeta a inúmeros
danos ambientais em todos os meios físico, biótico e antrópico.
No ano de 2021, mesmo com a queda nas relações de produção e
consumo mundial, em virtude da pandemia da Covid-19, o mundo
apresentou dados alarmantes quanto aos impactos ambientais.

Como exemplo, temos o “Dia da Sobrecarga da Terra”4, o


qual marca o dia do ano em que a demanda da humanidade por
recursos naturais supera a capacidade da Terra de produzir ou
renovar esses recursos ao longo de 365 dias. Neste ano, os recursos
da Terra foram gastos três semanas mais cedo do que em 2020.
(WWF-Brasil, 2021). Basicamente, há uma situação insustentável
em relação aos recursos naturais e a sustentabilidade da vida e
da própria natureza como um todo no Planeta.

Desse modo, fica configurada a necessidade de um novo


paradigma jurídico para o Direito Ambiental, um novo marco,
principiológico e legal fundamental, o qual corresponda a um
novo ambiente seguro, justo e saudável para a vida em todo o
Planeta. Este novo marco jurídico estaria além de toda a matéria
já conquistada até o momento na história recente humana, em
relação aos direitos ambientais, tanto de âmbito internacional,
quanto nacional.

Consoante, se destaca o reconhecimento do Conselho de


Direitos Humanos da ONU, ocorrido no mês de outubro, do ano
corrente, o qual declara que ter o meio ambiente limpo, saudável
e sustentável é um direito humano. A resolução foi proposta pelos
3 “A ideia do Antropoceno, enquanto nova era geológica marcada pelas profundas
transformações antrópicas do Planeta, surgiu na viragem do milénio, sendo
atribuído a Paul Crutzen o seu lançamento e generalização. Em 2008 foi pela
primeira vez apreciada pela Comissão Estratigráfica Internacional - organização
científica da área da Geologia que estuda as eras geológicas terrestres - a
proposta de proclamação de uma nova etapa na vida recente da Terra.” (ARAGÃO,
2017, p. 23).
4 Em inglês, Earth Overshoot Day. “Em 2019 era necessário 1,75 planeta para
sustentar nosso padrão de consumo. Em 2020, com a pandemia, esse número
caiu para 1,6, de acordo com a GFN (Global Footprint Network), organização
internacional responsável pelo cálculo. Agora o número voltou a subir: precisamos
de 1,7 planeta.” (WWF-Brasil, 2021).

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

seguintes países: Costa Rica, Maldivas, Marrocos, Eslovênia e


Suíça, e foi aprovada 43 votos a favor e 4 abstenções, da Rússia,
Índia, China e Japão. (ONU-Brasil, 2021).

A referida decisão pelo Conselho de Direitos Humanos da


ONU vai ao encontro de uma nova concepção/visão/abordagem
para a justiça e o direito ambiental na construção de um planeta
mais saudável e seguro. Neste sentido, um modo mais justo e,
consequentemente, mais equânime na utilização dos recursos
naturais e que respeite os limites planetários são os subsídios
centrais para a constituição de novos instrumentos jurídicos
voltados para um Estado de Direito Ecológico.

Um Estado de Direito Ecológico que tenha como premissas


fundamentais na sua constituição e atuação:
• Justiça entre as nações - entre os Estados que são
detentores de recursos naturais e outros Estados que não
os têm.
• Justiça entre os cidadãos – entre ricos e pobres que
têm um acesso muito desigual aos recursos da Terra.
• Justiça entre gerações - entre as gerações atuais, que
exploram o Planeta para além do espaço operacional
seguro, e as gerações futuras, que hão de herdar um
Planeta mais pobre e a funcionar mal.
• Justiça no relacionamento entre as espécies – entre
a espécie humana, que consome e degrada de forma
desproporcional os recursos, e as outras espécies, cujas
vidas são ameaçadas por fatores antrópicos. (grifo nosso).
(ARAGÃO, 2017, p. 30).

A distinção entre este novo marco legal e o anterior para a


matéria ambiental se configura no alcance de resultados finais
que garantam efetivamente a prevenção dos danos ambientais
e alcancem a qualidade do ambiente. Uma visão sistêmica,

78
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

holística, interdisciplinar, intergeracional e internacional das


questões ambientais.

4.3 Demandas Judiciais Ambientais e o Estado de


Direito Ecológico

O último tópico da presente obra, se dedica ao estudo


das demandas judiciais que apresentam uma nova lógica
argumentativa em suas decisões com base nos pressupostos do
Estado de Direito Ecológico. Uma nova racionalidade jurídica
constituída, a partir de uma ressignificação biocêntrica, de bases
éticas ecocêntricas e vetora de uma harmonia com a Natureza
como principal sujeito de direitos.

Um primeiro exemplo, destes novos paradigmas


ambientais na esfera do Direito, destaca-se o caso do Rio
Whanganui5, na Nova Zelândia. Após anos de mobilizações em
pról da defesa do Rio Whanganui, as tribos Maori conquistam
uma decisão do Tribunal da Nova Zelândia e, posteriormente a
promulgação de uma nova legislação, a qual reconheceu o Rio
Whanganui como sujeito de direitos. (AGUIRRE; CÁRCAMO, p. 47,
2020).

O acordo do Rio Whanganui, o Whanganui River Claims


Settlement, ocorreu em 2014 e tornou-se lei em 2017, na Nova
Zelândia. O povo Maori apresenta uma relação de significado
intenso para com o rio que ultrapassa a concepção da
racionalidade jurídica de posse e propriedade. Para o povo Maori
a relação estabelecida com o Rio Whanganui é de integração e
pertencimento mútuo, ou seja, “eu sou o rio, o rio sou eu”, destaca
o provérbio que consta no texto da lei, Te Awa Tupue Act (NOVA
5 “O Rio Whanganui é considerado sagrado para os Maori, e se trata do rio mais
longo e navegável da Nova Zelândia, conhecida como Aotearoa pelos Maoris. Te
Awa Tupue é o nome maori do rio, e significa “o rio sobrenatural”, é considerado
um ancestral dos Maori, e inclui o rio e a área de montanhas, até o mar.”
(AGUIRRE; CÁRCAMO, p. 47, 2020).

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

ZELÂNDIA, 2017).

O acordo do Rio Whanganui de 2014 e a Lei, Te Awa Tupue


Act, de 2017, acolheram os Direitos da Natureza, garantindo ao
rio a sua personalidade jurídica, incluídos os lagos, riachos e
demais ecossistemas aquáticos naturais associados ao rio. Desta
forma, o rio passou a ser sujeito de direitos e deveres, podendo ser
representado frente ao judiciário. Também, foi considerada uma
visão jurídica mais integradora, sistêmica e holística em relação
ao rio, considerando-o nos aspectos de fonte de alimentos,
transporte, moradia, relevância social e cultural. (AGUIRRE;
CÁRCAMO, p. 51, 2020).

Ademais, além de indenizações pecuniárias, reparações


públicas foi constituído um ente jurídico, denominado de Te Pou
Tupua, ou seja, “Os Guardiões do Rio”. A referida “entidade” tem a
capacidade jurídica para representar e agir em nome do rio, com
objetivo principal de garantir e promover a saúde e o bem-estar
do rio. Cabe ressaltar, que incluem este ambiente de proteção,
não somente o rio, mas todos os elementos que compõem o seu
ecossistema. (AGUIRRE; CÁRCAMO, p. 52-53, 2020).

A composição do conselho do Te Pou Tupua, envolve as


tribos do povo Maori, representantes da sociedade civil organizada
e do Estado da Nova Zelândia. Assim, garante-se uma simbiose
eclética entre o conhecimento científico ocidental tradicional e a
cosmovisão da tradição cultural Maori, possibilitando uma nova
abordagem para com os Direitos da Natureza.

Como segundo caso para análise da construção dos


Direitos da Natureza, tem-se o Caso do Povo Xukuru6 e o Brasil
6 “Os Xukuru habitam um conjunto de montanhas, conhecido como Serra do
Ororubá, no estado de Pernambuco. Os registros sobre esses índios datam do
século XVI e desde então indicavam que a sua ocupação nessa região já sofria
transformações devido aos violentos processos de expropriação de suas terras.
Documentos relativos ao período colonial atestam essa invasão por parte dos
portugueses e registram que a antiga Vila de Cimbres, hoje uma aldeia xukuru,
foi palco de conflitos entre os Xukuru e os colonizadores. Muitas aldeias foram

80
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O que


levou a primeira condenação do Estado brasileiro por violação
de Direitos Humanos, no âmbito do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos.

Este caso tem como elemento central o reconhecimento


dos direitos dos povos indígenas no Brasil, mas a partir da própria
experiência da Comunidade Indígena Xukuru, em constituir e
aplicar seu próprio sistema jurídico.

Ocorre que o Movimento Nacional de Direitos Humanos/


Regional Nordeste, o Gabinete de Assessoria Jurídica às
Organizações Populares e o Conselho Indigenista Missionário, no
ano de 2002 apresentaram uma denúncia perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. A denúncia tinha como
base a violação do direito à propriedade coletiva e das garantias
de proteção judicial, consagrados na Convenção Americana de
Direitos Humanos, em prejuízo do povo indígena Xukuru e seus
membros. (TEIXEIRA, 2020, p. 59).

A decisão e o trânsito em julgado da decisão da Corte


Interamericana de Direitos Humanos, ocorreu em 2018, com
reconhecimento aos povos indígenas ao direito à propriedade
coletiva e a sua relação cultural especial com suas terras e
territórios tradicionais. Na decisão a referida Corte considera que:

o território indígena é uma forma de propriedade que


não se fundamenta no reconhecimento oficial do Estado,
mas no tradicional uso e posse das terras e recursos. Para

extintas e as terras logo registradas em nome de fazendeiros. Desde muito tempo


conflitos entre os Xukuru e os fazendeiros e políticos locais são constantes, mas
sua intensificação se deu especialmente com o início do processo demarcatório
de suas terras em 1989. O assassinato de um importante líder xukuru, de outros
dois índios e de um procurador, no fim da década de 1990, foram tentativas de
inibir o andamento do processo de regularização da Terra Xukuru, assim como os
inúmeros processos jurídicos e administrativos que surgiram no caminho. A Terra
Indígena somente foi homologada em 2001.” (ISA, 2021).

81
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

a Corte IDH, o Brasil possui este reconhecimento em seu


sistema normativo interno; contudo, em atenção ao
princípio de segurança jurídica, é necessário materializar
os direitos territoriais dos povos indígenas mediante a
adoção de medidas legislativas e administrativas para
criar um mecanismo efetivo de delimitação, demarcação
e titulação que reconheça esses direitos na prática.
(TEIXEIRA, 2020, p. 59).

O reconhecimento e proteção dos territórios indígenas


tradicionalmente reconhecidos pela legislação nacional
brasileira, com foco principal na Constituição brasileira de 1988 e
a própria decisão da Corte Interamericana, em comento, vincula
para além do Direito dogmático vigente, possibilitando uma nova
hermenêutica ligada aos Direitos da Natureza e, assim à um
Estado de Direito Ecológico.

Os movimentos necessários a sua organização na


demanda de defesa e reconhecimento do seu território promoveu
ao Povo Xukuru a constituição de espaços políticos, jurídicos e
religiosos próprios e únicos. Como exemplo, cita-se a criação de
um Conselho de Representantes, composto pelos líderes de todas
as aldeias do território. O conselho tinha como objetivo inicial
analisar e resolver as dificuldades enfrentadas em cada aldeia,
devido ao processo de demarcação das terras. (PREVE, 2019, p.
285).

Portanto, no caso do Povo Xukuru ocorreu o reconhecimento


de um pensar o Direito, a partir da sua base tradicional e
cosmovisão cultural, para além da racionalidade antropocêntrica
e eurocêntrica vigente. Há um reconhecimento de um pluralismo
jurídico, com multiplicidade de formas de compreender e aplicar o
Direito com respeito aos povos indígenas e demais comunidades.

Finalmente, como terceiro caso em comento, pode-se

82
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

destacar a Ação Judicial que tramita até a presente data, mas


que já apresenta uma primeira decisão judicial, mesmo que
interlocutória, extremamente inovadora em relação aos Direitos
da Natureza. Trata-se de uma Ação Civil Pública de n. 5012843-
56.2021.4.04.7200/SC, promovida por pesquisadores do Grupo
de Pesquisa em Direito Ambiental e Ecologia Política (GPDA) e do
Observatório de Justiça Ecológica da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), em nome de entidades da sociedade civil
organizada, face aos danos ambientais ocorridos na Lagoa da
Conceição, em Florianópolis-SC. (BRASIL, 2021).

Após uma forte chuva, ocorrida no mês de janeiro deste


ano, na manhã do dia 25, houve o rompimento de uma lagoa
artificial de infiltração que recebe efluente tratado da Estação
de Tratamento de Esgotos da região. As consequências foram
casas inundadas, carros arrastados e moradores que precisaram
ser resgatados por botes do Corpo de Bombeiros. (BRASIL, 2021).

Devido ao ocorrido, a Companhia de Águas e Saneamento


de Santa Catarina - Casan foi acusada por crime de poluição
ambiental, após o rompimento do lago artificial. Um inquérito foi
aberto pela Polícia Civil para investigar os motivos que provocaram
o ocorrido, além dos danos ambientais causados na região, como
a fauna marinha que foi afetada. Os danos afetaram diretamente
o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição,
que concentra um dos ambientes mais frágeis da Ilha de Santa
Catarina, a restinga. (BRASIL, 2021).

A Justiça Federal concedeu uma liminar, em primeira


instância, a qual institui um sistema de governança ecológica,
envolvendo múltiplos atores, para a defesa e preservação
da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. A decisão judicial
determinou a instituição de uma Câmara Judicial de Proteção
da Lagoa da Conceição7, “com a finalidade de assessorar este
7 A Câmara Judicial de Proteção da Lagoa da Conceição foi constituída pelas seguintes
entidades: 1. Departamento de Unidades de Conservação – Depuc/Floram; 2. Diretoria de

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Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

Juízo na adoção de medidas estruturais necessárias para


garantir a integridade ecológica do ente natural através de uma
governança judicial socioecológica”. (BRASIL, 2021).

Na sentença, os argumentos apresentados pelos autores


da ação são acolhidos nos seguintes termos:WW
Com efeito, existe um problema histórico envolvendo
o despejo de efluentes de modo impróprio e ilegal
no sistema lagunar. Os estudos científicos juntados
pela parte autora demonstram inequivocamente o
grave comprometimento dos sinais vitais da Lagoa da
Conceição e para o agravamento dos riscos e danos em

cenário futuro próximo, com risco de irreversibilidade.


As evidências científicas são contundentes e já indicam
um quadro de colapso. Com efeito, possui razão a parte
autora, pois a caracterização da incapacidade reiterada
de governança da Lagoa da Conceição restou evidente
no episódio do extravasamento ou rompimento da
Barragem de Evapoinfiltração, ocorrido no último 25 de
janeiro de 2021. (BRASIL, 2021).

A decisão no caso em comento, inédita no país, busca


a proteção da integridade ecológica, a manutenção e a
restauração dos processos ecológicos essenciais da Lagoa da
Conceição. Numa abordagem inovadora em relação ao Direito
Ambiental brasileiro, a partir de elementos e novos paradigmas
dos Direitos da Natureza, bem como do Estado de Direito
Licenciamento Ambiental – Dilic/Floram; 3. Conselho Consultivo do Parque Estadual do
Rio Vermelho – Paerve; 4. Conselho Consultivo da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo
– Corbio; 5. Base avançada TAMAR do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação; 6.
Divisão Técnico-Ambiental da Superintendência do Ibama no Estado de Santa Catarina –
Ditec/Ibama; 7. Superintendência do Iphan em Santa Catarina; 8. Companhia Catarinense
de Águas e Saneamento – Casan; 9. Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa
Catarina – Aresc; 10. Laboratório de Ficologia (Lafic), Laboratório de Oceanografia Química
e Biogeoquímica Marinha (Loqui), Núcleo de Estudos do Mar (Nemar), e Laboratório de
reuso de águas (Lara), todos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); 11. Grupo
Técnico da Floram, instaurado pela Portaria nº 004/2021; 12. Conselho Municipal do Meio
Ambiente – Comdema; 13. Conselho Estadual de Meio Ambiente – Consema; 14. Defesa Civil
de Florianópolis; 15. Defesa Civil do Estado de Santa Catarina.

84
Ensaio sobre o Estado do Direito Ambiental

Ecológico. A sentença fundamenta-se, principalmente, no artigo


225 da Constituição Federal, capítulo do Meio Ambiente, e no
artigo 133 da Lei Orgânica no Município de Florianópolis, que
trata da natureza como sujeito de direito.

Desse modo, a Lagoa da Conceição, passa a ter uma


proteção sistêmica, integrada e gestada, por meio de uma
governança plural e não fragmentada. Para além, do patrimônio
natural material, a referida decisão judicial objetiva a garantia
de direitos intergeracionais e a proteção das características
de bem imaterial que correspondem ao imaginário coletivo da
comunidade da região e da própria cidade de Florianópolis para
com a Lagoa da Conceição.

Portanto, as novas iniciativas avençadas, neste capítulo,


são apenas uma pequena amostra das ações que se avolumam,
diariamente, para com uma nova visão dos Direitos da Natureza e
do Estado de Direito Ecológico. Esta é uma nova forma de pensar
e refletir o Direito Ambiental, a partir de uma ressignificação
biocêntrica, de bases éticas ecocêntricas e vetora de uma
harmonia com a Natureza como principal sujeito de direitos.

85
Daniel Ribeiro Preve; Maurício da Cunha Savino Filó & Newton Cesar Pilau

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