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Sumário
Desde que rigorosamente vinculada aos meios e fins constitucionais, ela pode
desempenhar um papel legítimo como instrumento de salvaguarda da segurança do
Estado e da sociedade, sempre respeitando os direitos fundamentais.
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Apesar de excepcionalmente justificável em razão de seus fins, o relativo sigilo
que vela a atuação dos órgãos de inteligência apresenta alto risco de abuso de poder. Por
tal motivo, justifica-se a adoção de parâmetros especiais e reforçados de integridade
pública, ética e controle de legalidade, como aqueles que esboçamos nas recomendações
a seguir, bem como em sua fundamentação técnica (Anexo e Artigo).
Recomendações:
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• A experiência em compliance preconiza que um bom programa de integridade
pública deve ser constantemente monitorado. Sem um processo de revisões
sistemáticas e periódicas, ele deixaria de acompanhar a realidade da atividade que
pretende conduzir.
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Anexo
-I-
Nos últimos anos, a experiência brasileira foi marcada por episódios nos quais a
atividade de inteligência foi exercida não para proteger o Estado, a sociedade e seus
cidadãos, mas sim para finalidades ilegítimas de grupos particulares de interesse. O mais
ilustrativo deles se deu no Ministério da Justiça, que, por meio de sua Secretaria de
Operações Integradas (SEOPI), elaborou relatório de inteligência no qual eram vigiados
e estigmatizados mais de quinhentos cidadãos, de policiais a professores universitários,
simplesmente por terem se declarado antifascistas em suas redes sociais.
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Ora, a produção e difusão de um dossiê canhestro sobre suposta movimentação
social antifascista, sem qualquer indício de que tenha seriamente exposto a risco a defesa
da sociedade e do Estado, muito pelo contrário, não guarda nenhuma relação com a
atividade de inteligência no âmbito da segurança pública ou da defesa nacional. Não à
toa, a ocorrência de tal ilícito foi duramente reprovada pelo Supremo Tribunal Federal,
que sancionou o desvio de finalidade e assegurou o direito de manifestação política dos
cidadãos abusivamente espionados (ADPF n.º 722).
As violações aos direitos dos cidadãos brasileiros são ainda mais graves em
função da capilaridade do sistema de inteligência: o SISBIN conta, em nível federal, com
a interligação de 48 órgãos públicos. Essa complexa rede se ramifica em terminações
locais, a exemplo, no caso do malfadado “dossiê ilegal”, dos três centros de inteligência
vinculados à SEOPI no Sul, Norte e Nordeste, sem falar nas Superintendências Estaduais
da Agência Brasileira de Inteligência.
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O mau uso da rede integrada de inteligência é altamente reprovável, pois o
potencial de difusão da ilegalidade atinge dimensões exponenciais. Sem controles
constitucionais firmes e fiscalização republicana atenta, práticas ilícitas cultivadas à
sombra encontram ali ambiente propício para infeccionar o organismo todo.
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2. O risco de contaminação sistêmica. Na estrutura capilarizada do SISBIN, e
havendo forte incentivo ao compartilhamento de informações, sem a correspondente
garantia de responsabilidade, o estímulo à vigilância produzido pelo “cérebro do sistema
de inteligência” percorreu ilicitamente uma vasta rede neural, no caso do malfadado
dossiê reprovado pelo STF. A informação ilegítima alcançou grande número de
destinatários, em detrimento dos direitos fundamentais dos cidadãos estigmatizados.
- II -
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Como dissemos, o condicionamento temporário e excepcional da regra da
publicidade dos atos estatais é um exemplo da especialidade desse serviço estatal.
O relativo sigilo que vela a atuação dos órgãos de inteligência, contudo, apresenta
alto risco de abuso de poder e desvio de finalidade. O caso do dossiê repudiado pelo
Supreo é exemplar desse perigo antidemocrático.
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Não se trata apenas de exercer um controle administrativo dos meios, mas
também da regularidade dos fins. Não há notícia pública de nenhum programa reforçado
de integridade pública aplicado à atividade de inteligência como um todo, com ênfase
na ética funcional e na boa regulação do uso das informações. Na ausência de medidas
preventivas e de aperfeiçoamento institucional, sobressaem as ações repressivas.
4. Em outros países de tradição democrática, tais códigos não são tão genéricos,
e costumam abordar as especificidades da atividade administrativa de inteligência. Não
consta, tampouco, que os programas de controle interno hoje existentes tenham sido a
testes regulares de eficiência, como recomendam as melhores práticas nacionais e
internacionais.
Fato é que os controles internos e externos então em vigor não foram suficientes
para prevenir a fabricação e disseminação do “dossiê” repudiado pelo STF.
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5. O caso do “dossiê” é exemplar do padrão relaxado de conformidade legal da
atividade de inteligência, tal como então praticada. O episódio revelou: (i) que a alta
administração federal só interveio depois que os fatos foram noticiados pela imprensa,
em reação à censura do Supremo, ainda assim de forma constrangida, para negar a sua
gravidade; (ii) a ausência de mapeamento adequado de risco de integridade de atividade
exercida sob sigilo; (iii) a má-gestão do serviço desviado para fins estranhos aos
legítimos interesses da segurança pública, com desperdício de tempo e recursos públicos;
(iii) a apuração interna parece ter sido inócua ou superficial; (iv) inexiste notícia da
adoção de medidas de preventivas capazes de dificultar a ocorrência de novos ilícitos.
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(b) Instância responsável pelo acompanhamento, monitoramento e gestão das
ações e medidas de integridade a serem implementadas.
ii. Além disso, é relevante que órgãos específicos tratem da prevenção à prática
de ilegalidades ou violações de direitos humanos, por meio de controles internos eficazes.
iii. A alusão, nos documentos oficiais, à “cultura do sigilo” é equívoca e pode dar
margem àquele tipo insidioso de confusão conceitual onde o abuso gosta de se instalar.
A regra do Estado Democrático de Direito é a transparência. A publicidade dos atos
estatais só pode ser condicionada, temporariamente, por um regime especial e altamente
regulado de classificação.
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No caso da DIOPI, uma grande massa de informações de inteligência é
conservada e distribuída, o que demanda tratamento rigoroso de dados. Deve ser possível
auditar os portadores de senhas de acesso aos sistemas de interceptação, se necessário
para apurar eventual prática de desvios.
A esse respeito, chama atenção que o Código de Ética do Servidor da ABIN tenha
permanecido por tantos anos em segredo da população, tendo se tornado público apenas
após revisão posterior ao caso do dossiê reprovado pelo STF. Dada sua importância, o
novo código deve ser cuidadosamente examinado e, se for o caso, revisado novamente,
de maneira a se assegurar sua efetividade na proteção de garantias constitucionais.
Para além da cúpula, padrões de conduta ética adequados devem ser aplicados ao
SISBIN como um todo. É preciso estabelecer uma abordagem funcional mais uniforme,
voltada à atividade em si, e não tão variável de um órgão a outro.
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As regras de integridade devem operar em todas as ramificações do sistema. É
justamente nas pontas que reside o maior risco de fermentação nociva de ações
clandestinas, bem como de inoperância dos mecanismos preventivos e repressivos de
controle.
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Considerando que as regras especiais de conformidade legal do serviço de
informações de inteligência sobre segurança pública cabem ao Ministério da Justiça e
Segurança Pública, convém disciplinar, num programa piloto de compliance, que pode
ser depois generalizado, as melhores práticas de exercício do controle interno e auditoria
da conformidade legal da atividade administrativa de inteligência de sua alçada.
- III -
PROVIDÊNCIAS PRÁTICAS
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i. o comprometimento da alta direção dos órgãos integrantes do
SISBIN – com destaque para o Diretor-Geral da ABIN e para o
Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública – com o respeito à
legalidade e os direitos fundamentais, enquanto pressupostos
necessários do exercício dessa atividade profissional;
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específica, respeitados os direitos fundamentais dos envolvidos e o
devido processo administrativo;
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