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um estudo Hercules
de caso na indústria Sílvio
B. Vernalha; de processamento
R. I. Pires químico
Resumo
Estudos tratando do processo de outsourcing em importantes setores industriais não-líderes ao redor do mundo,
bem como propondo modelos práticos para a condução do processo de repasse de atividades de manufatura como
um todo, e não somente no estágio de decisão, são difíceis de encontrar. Nesse contexto, este artigo procura
apresentar um modelo prático para conduzir o processo de outsourcing na sua totalidade, dividindo-o em quatro
estágios principais (motivação, decisão, implementação e gestão). O modelo foi aplicado com sucesso em um caso
envolvendo duas companhias multinacionais operando no Brasil, em uma cadeia de suprimentos do setor de resinas
fenólicas. Os resultados ressaltam, principalmente, a adequação do modelo proposto, no sentido de enfatizar os
desafios em cada fase e as habilidades necessárias para enfrentá-los, bem como a importância da construção de
parcerias baseadas na confiança e na integração por meio da tecnologia da informação.
Palavras-chave
Outsourcing, cadeia de suprimentos, resinas fenólicas.
Key words
Outsourcing, supply chain, phenolic resin
cas conduzida sob a perspectiva de três dos quatro es- Inventário (APICS) define VMI como “uma forma de
tágios propostos. Os riscos, opções e soluções encontra- otimizar o desempenho da cadeia de suprimentos, na
dos ao longo do processo são apontados de forma a qual o fornecedor tem acesso aos dados do estoque do
ressaltar as principais características e desafios de cada cliente e é responsável por manter os níveis de inventá-
um dos estágios. rio por ele requerido. O VMI é implantado através de
um processo no qual o ressuprimento é feito pelo forne-
PRÁTICAS NA GESTÃO cedor por meio de um plano de verificações regulares
DA CADEIA DE SUPRIMENTOS dos estoques no cliente” (FLAVIN, 2002).
A julgar por essa definição, poder-se-ia acreditar que o
A rápida evolução tecnológica e a crescente competi- VMI é simples de se executar sem nenhum suporte de
ção em mercados globalizados pressionam as empresas a tecnologia de informação. Waller et al. (1999) enfatizam
reduzir custos, abreviar o TTM (time to market), melho- que a implantação bem-sucedida do VMI freqüentemente
rar a qualidade e agilizar a inovação de complexos produ- depende de plataformas computacionais, tecnologia da
tos e serviços (FÜRST & SCHMIDT, 2001). A solução comunicação e sistemas de identificação e rastreamento
encontrada por muitas companhias em diferentes setores de produtos. Os autores afirmam que o EDI, sozinho,
produtivos para enfrentar esses desafios foi a implanta- fornece poucas possibilidades de melhoria nos níveis de
ção de uma bem coordenada cadeia de suprimentos. Pires estocagem, mas que em conjunto com o VMI tem sido
(1998) vê nas práticas de SCM a busca pelos benefícios considerado muito eficaz.
da verticalização, porém sem os prejuízos à flexibilidade O VMI controlado através de EDI se torna ainda mais
que freqüentemente a acompanham. confiável e fácil de implantar quando se está trabalhando
O repasse das atividades de manufatura, por sua vez, com material líquido, estocado a granel. Nesse caso, um
requer um relacionamento muito próximo e harmonioso transmissor de nível do líquido instalado no tanque de
entre os parceiros, o qual é freqüentemente conseguido armazenamento informa o MRP do fornecedor sobre
por meio das práticas de SCM. Entre essas práticas, o quaisquer mudanças no nível dentro do tanque, em tempo
VMI (Vendor Managed Inventory) e o ESI (Early real, como mostra a Figura 1.
Supplier Involvement) estiveram intensamente envolvi- O fornecedor pode acessar os estoques do cliente
dos no processo de outsourcing do caso apresentado mais através do EDI e providenciar o enchimento do tanque de
adiante neste artigo. produto, assim que o ponto de reposição for alcançado,
até um nível predefinido ou conforme a capacidade do
VMI – Vendor Managed Inventory tanque.
A Sociedade Americana de Produção e Controle de Porém, mais que acessar informações sobre o estoque,
Cliente Fornecedor
é necessário que o fornecedor receba informação sobre as ambiente adequado para a melhoria do produto ou até para
tendências de mercado, de forma a assegurar uma reposi- o co-desenvolvimento de novos produtos.
ção constante e eficiente. Quando os níveis mínimo, máxi-
mo e de reposição são adequadamente definidos e o Outsourcing das atividades de manufatura
fornecedor recebe informações sobre quaisquer mudan- Apesar do ambiente de intensas mudanças exercer
ças significativas no comportamento do mercado do clien- crescente pressão por melhoria de desempenho e im-
te, a prática do VMI permitirá que cliente e fornecedor por restrições, ele oferece, ao mesmo tempo, oportuni-
consigam muitas vantagens, tais como redução de custo e dades de exploração dos recursos de forma a atender
maior precisão na reposição de materiais, além da simpli- os requisitos do negócio (DEKKERS, 2000). O repasse
ficação e agilização na tarefa de ressuprimento. (outsourcing) das atividades de manufatura é uma prá-
tica crescente entre as empresas que buscam,
principalmente, voltar suas energias para a
ma série de razões tem levado
U as companhias a repassar
atividades pertencentes às chamadas
realização de suas atividades essenciais e
consideradas não passíveis de serem repassa-
das a fornecedores externos. Na busca por
fornecedores com classe mundial, o impacto
do outsourcing das atividades produtivas via
“áreas não-essenciais”. de regra transcende os parceiros da iniciativa e
resulta em um realinhamento dos agentes da
cadeia de suprimento, com a entrada de novos
ESI – Early Supplier Involvement fornecedores e clientes.
Nas últimas duas décadas, o envolvimento de fornece- Ehie (2001) afirma que o outsourcing das ativida-
dores no processo de desenvolvimento de novos produ- des de manufatura está ligado ao processo de determi-
tos foi antecipado e aprofundado em virtude da busca nação de quais dentre essas atividades deveriam ser
pela integração das competências desses fornecedores ao transferidas a um fornecedor externo. A essência do
projeto do produto. outsourcing é o uso das instalações produtivas de outras
Bidault et al. (1996) apontam as práticas da indústria empresas ao invés de utilizar recursos existentes na com-
automotiva japonesa como origem da atitude cooperativa panhia ou de fazer novos investimentos na estrutura
entre clientes e fornecedores que resultou no ESI. Eles produtiva. É uma iniciativa complexa que envolve dife-
afirmam que certos fatores que proporcionam a adoção rentes funções gerenciais, desde a fase de motivação até
do ESI, como a competição e a cultura do país, são o gerenciamento do processo plenamente implementado.
externos à organização, enquanto outros estão relaciona- Nesse contexto, este artigo propõe um modelo de
dos à sua estratégia interna ou a questões operacionais, quatro estágios para conduzir o processo de outsourcing,
como o nível de integração e globalização. visando à facilitação da identificação de características,
O modelo proposto por Calvi et al. (2001) apresenta riscos e desafios presentes em cada um deles. A Figura 2
uma matriz baseada na autonomia do fornecedor no desen- mostra a seqüência desses estágios, os quais são descri-
volvimento do projeto e no risco desse desenvolvimento. tos abaixo.
Eles reconhecem cinco tipos possíveis de envolvimento
do fornecedor, desde o relacionamento do tipo “contrata- (a) Motivação: A definição das razões para o outsourcing
ção clássica” até o co-desenvolvimento crítico. Durante o freqüentemente passa por um planejamento estratégico
processo de outsourcing das atividades de manufatura, o ou tático que pode afetar profundamente o desempenho
estreito relacionamento entre cliente e fornecedor cria o da empresa. Quando uma oportunidade para o outsour-
cing é corretamente identificada, ela permite à organiza- da estruturação de acordos com os fornecedores para
ção focar seus esforços em suas próprias competências garantir os controles apropriados e ainda prover a neces-
essenciais, proporcionando, dessa forma, mais valor a sária flexibilidade na demanda?
seus produtos e a oportunidade de reduzir seus custos. Por
outro lado, o repasse de uma atividade estrategicamente Neste ponto, Quinn & Hilmer (1994) identificam
ou criticamente importante pode colocar a empresa em dois fatores que afetam as decisões pelo outsourcing de
sérias dificuldades. atividades de manufatura: o grau estratégico de vulne-
rabilidade (risco do negócio) e o potencial para vanta-
Ehie (2001) realizou uma pesquisa na qual se questio- gem competitiva. Atividades que fornecem pouca vanta-
naram 108 empresas de manufatura americanas sobre gem competitiva e baixa vulnerabilidade de fornecimen-
suas razões para a prática do outsourcing. Os resultados to deveriam ser repassadas; já aquelas que fornecem alta
estão ilustrados na Figura 3. vantagem competitiva e expõem a companhia a um alto
Quinn & Hilmer (1994) trabalharam em um mode- grau de risco do negócio, em função da vulnerabilidade
lo para determinar se uma atividade não essencial do fornecedor, deveriam ser produzidas “em casa”. En-
deve ou não ser repassada, através de três questões tre esses dois extremos, há um continuum de atividades
básicas: demandando diferentes graus de controle e flexibilida-
de estratégica.
1- Qual o potencial para se obter uma vantagem competiti-
va nessa atividade, levando-se em consideração os cus- (b) Decisão: Importantes decisões que envolvem aspectos
tos da transação? estratégicos, técnicos, financeiros e logísticos são toma-
2- Qual a vulnerabilidade potencial que poderia surgir a das neste estágio do processo. Tendo em vista ser o
partir de uma falha de mercado, caso fosse feito o out- outsourcing um acordo de longo prazo, a escolha de um
sourcing da atividade? parceiro sólido, capacitado e confiável é um passo decisi-
3- O que pode ser feito para aliviar a vulnerabilidade, através vo em direção a uma parceria de sucesso.
compartilhar riscos
Brueck (1995) propõe quatro requisitos-chave para a ROTHERY & ROBERTSON (1995) alertam para a
escolha do fornecedor: variada gama de reações negativas que o processo de
• Desenvolvimento de know-how; outsourcing pode despertar no pessoal mais envolvido com
• Adequada capacitação de manufatura e custo da estrutura; funções afetadas, em virtude do medo e da rejeição às
• Estabilidade financeira enquanto parceiro no negócio; mudanças. Entre elas estão a desconfiança, o estresse, a
• Lealdade. agressividade, o desânimo, o isolamento e até a sabotagem.
Não obstante, os autores apontam a ocorrência de reações
Monczka (1998) aponta para a importância do estudo individuais positivas à mudança, do tipo “vamos experimen-
detalhado dos custos envolvidos na operação de tar e ver”, que acabam resultando na percepção de que nova
outsourcing, em comparação com os custos da manufatu- situação pode ser compreendida e manejada com sucesso.
ra “em casa”. Ele lista os diversos elementos que com- Como sugestões para facilitar a superação das dificul-
põem os custos variáveis, os custos diversos de fabrica- dades que podem advir das mudanças, os autores suge-
ção e os custos operacionais da manufatura. O autor rem, dentre outras, a intensa comunicação com o grupo e
alerta para o risco de que diversos elementos de custos de também com os indivíduos em particular, incluindo o
overhead não sejam computados, em função da tendência feedback do desempenho e a emissão de mensagens cla-
dos gerentes de produção de escondê-los, visando à con- ras sobre a segurança do emprego.
tinuidade da fabricação em suas próprias plantas. Tratando dos riscos de implantação do processo de
Com relação aos limites e interfaces que irão regrar o outsourcing, Monczka (1998) aponta a existência de
relacionamento entre cliente e fornecedor, Brueck diversos fatores, tais como:
(1995) acredita que a definição correta do sistema de • Problemas com a capacitação, tais como qualidade, tem-
informação seja um fator-chave em todo processo de po de ciclo, tecnologia, e custos;
outsourcing. Ele aponta duas questões predominantes: • Itens ligados ao gerenciamento, como objetivos, prioriza-
qual interface deveria ser escolhida e quais deveriam ser ção de tarefas, desempenho;
as dimensões do sistema de outsourcing. • Desvios de ética envolvendo propriedade da informação e
O próprio autor sugere que a solução para essas dúvi- exagerada dependência do fornecedor;
das está em manter-se a simplicidade. A interface com o • Problemas relativos ao mercado, tais quais a criação
fornecedor deveria ser projetada de forma que a clara inadvertida de um concorrente e a transferência de know-
demarcação do limites do sistema viesse a simplificar a how para a concorrência.
operação de ambas as companhias e, ao mesmo tempo,
abrisse possibilidades para melhorias de ordem técnica. (d) Gestão: A administração do processo de outsourcing no
Outra importante escolha está relacionada ao tipo de longo prazo, por sua vez, deverá assegurar a melhoria
contrato de outsourcing a ser adotado. Contratos do tipo contínua dos benefícios da iniciativa de repasse, através
“pacote fechado” (lumpsum) permitem ao consumidor da freqüente avaliação do processo e também da pesquisa
conhecer previamente os custos totais, mas, por outro de novas formas de mantê-lo interessante e lucrativo.
lado, demandam mais tempo dedicado ao desenvolvi-
mento de uma descrição muito completa e precisa do Harbison & Parker (1998) apresentaram uma série de
propósito do contrato. Por sua vez, contratos do tipo “por fatores, os quais são apontados como melhores práticas
medição” (reimbursable) permitem que se mude o esco- para sucesso de parcerias com fornecedores. São eles:
po do trabalho, mas também aumentam os riscos de • Criação de uma estrutura organizacional flexível e enxuta;
estouro nos custos e nos prazos planejados. • Basear os processos e a estrutura da parceria na estratégia
e nas necessidades da mesma e não nas “particularidades”
(c) Implementação: Esta fase do processo de outsourcing dos parceiros;
requer que se desaprendam e reaprendam diversos concei- • Acompanhar a reação dos concorrentes à parceria;
tos sobre gestão de recursos. As empresas fornecedoras e • Preparar e revisar periodicamente detalhados cronogra-
clientes terão que trabalhar juntos para enfrentar novos mas, entre outras ferramentas de acompanhamento;
desafios no planejamento da produção, logística de matérias • Confiar na comunicação aberta como forma de obter a
primas e produtos acabados e controle de custos. Motivar flexibilidade na solução das questões que apareçam;
os funcionários a compartilhar informações e habilidades é • Definir, desde o início, os papéis do gerenciamento;
também um importante passo neste estágio. A tecnologia • Fornecer aos gerentes a força necessária para atingir os
de informação é uma ferramenta essencial para dar supor- objetivos;
te ao desempenho das novas atividades, ajudando na • Tornar acessíveis aos participantes, em tempo real, as
integração entre fornecedor e cliente. lições aprendidas com a parceria.
Com relação aos novos modelos de gerenciamento a gica oriunda das ciências sociais, o pesquisador não só
serem adotados ao longo dos processos de outsourcing, participa do fenômeno observado, mas contribui para o
Quinn & Hilmer (1994) apontam a necessidade de efetu- seu planejamento com vistas à resolução de problemas
arem-se ajustes em três áreas, a saber: ou transformação de situações.
1- desenvolver gerenciamento de compras e contratos muito O modelo proposto neste artigo, portanto, foi desen-
mais profissional e altamente treinado; volvido paralelamente ao desenrolar do processo de
2- aprimorar intensamente o sistema de informação logística; outsourcing descrito a seguir, de tal forma que a compo-
3- aprimorar o gerenciamento do conhecimento. sição do modelo serviu-se da observação do caso bem
como o processo foi muitas vezes orientado pelo conhe-
Novos modelos de gerenciamento deverão ser desenvol- cimento levantado na pesquisa que levou ao estabeleci-
vidos ao longo do tempo em que se pratica o outsourcing, mento do modelo.
para assegurar a gestão eficiente da informação envol- O estudo de caso apresenta as três primeiras etapas do
vendo compras, contratos e operações logísticas. A ação processo de outsourcing analisado. Em virtude do prazo
conjunta das equipes técnicas de ambos os parceiros no dedicado a esse estudo, não houve tempo hábil para
sentido do aprimoramento e criação de produtos deve ser colher dados que permitissem identificar os aspectos
intensamente estimulada. típicos da fase de gestão, que demandariam acompanhar
o amadurecimento da prática do outsourcing.
UM CASO DE OUTSOURCING NA Uma vez que a Betta Brasil não costumava fornecer
INDÚSTRIA DE RESINA FENÓLICA usualmente o serviço de manufatura de produtos a tercei-
ros, muito menos nos volumes envolvidos neste caso, o
Na seqüência deste artigo, será apresentado o estudo processo de outsourcing pesquisado foi precedido pelo
de um caso de outsourcing realizado na indústria de exercício do planejamento estratégico em duas diferen-
fabricação de resinas fenólicas operando no Brasil. As tes dimensões e em momentos distintos: a dimensão do
empresas envolvidas no caso estudado estão apresenta- cliente e a dimensão do fornecedor.
das sob nomes fictícios.
Trata-se de um processo de re-
o outsourcing abre-se mão de ativos,
N
passe das atividades de manufatura
de toda uma linha de resinas fenóli-
cas de uma empresa de processa- infra-estrutura, mão-de-obra e competência
mento químico, afiliada da Alffa
Chemical norte-americana, para ao repassar atividades ligadas diretamente ao
uma concorrente, afiliada de outra
multinacional do ramo de resinas
“core business” para fornecedores.
fenólicas, a Betta International. A
iniciativa visou ao encerramento das atividades de uma A primeira delas teve lugar na Alffa Química, quando
planta da Alffa na cidade de Cotia. Nessa planta, além de profundas reestruturações na organização da empresa
manufaturar, embalar, armazenar e distribuir o produto, a culminaram na opção pelo repasse da manufatura das
Alffa fabricava também uma das principais matérias-pri- resinas de fricção, em termos que podem ser resumidos
mas da resina, o formaldeído. da seguinte forma:
Na condição de gerente industrial de uma das empre- • O fornecedor fabricaria as resinas de fricção utilizando
sas envolvidas no processo de outsourcing investigado, as formulações da Alffa;
a Betta Brasil, o autor deste trabalho teve condição • O fornecedor embalaria as resinas em sacarias contendo
privilegiada para contatar cada um dos protagonistas do o logotipo da Alffa;
processo, bem como coletar, classificar e reconfirmar • A Alffa forneceria a matéria-prima e providenciaria a
uma farta coleção de dados relacionados ao caso em distribuição do produto;
estudo. Por outro lado, em virtude dessa mesma condi- • A Alffa encerraria as atividades da planta onde tradicio-
ção, o autor interferiu no processo, visando ao aprimo- nalmente fabricava as resinas de fricção.
ramento de seus resultados, muitas vezes utilizando-se
dos próprios conhecimentos teóricos adquiridos para A segunda deu-se na Betta Brasil, quando, a partir da
viabilização do desenvolvimento da pesquisa. formalização do interesse da antiga concorrente em
Fica claro que a metodologia utilizada na investigação transferir a ela toda sua produção dessas resinas, optou
foi do tipo pesquisa–ação. Nessa modalidade metodoló- por assumir o repasse, que significaria, à época, um
acréscimo de 50% na sua produção bruta. do por apresentar capacidade ociosa em relação à deman-
Por esse motivo, nas fases de motivação e decisão, da de mercado. A situação fica mais evidente quando se
decidiu-se apresentar os fatores apurados ao longo do consideram as resinas menos diferenciadas; essas resinas
trabalho de pesquisa, divididos em duas partes, como se são tratadas praticamente como commodities. Entre elas,
pode constatar na Figura 4. estão as resinas de fricção.
Por essa razão, o mercado brasileiro de resinas fenóli-
A indústria de resina fenólica no brasil cas tem sido considerado como altamente competitivo. A
A resina fenólica é classificada como um polímero satisfatória resposta às demandas dos clientes, o correto
obtido a partir da reação de condensação. Nesse tipo de cumprimento dos prazos de entrega, a alta flexibilidade no
reação, o polímero cresce a partir da combinação de duas aspecto quantidade e um excelente atendimento personali-
grandes moléculas e da liberação de uma terceira pequena zado são vantagens competitivas ganhadoras de pedido
molécula, normalmente água. Dependendo da formulação nesse mercado onde o preço é um quesito qualificador,
do produto, uma novolaca ou um resol são produzidos. seguindo a classificação de Hill (1993). Inovações, em
As novolacas são projetadas para incorporar um agen- diversas linhas de produto, não se verificam há anos.
te de cura, tal como a hexametilenotetramina, e são Entre os desafios enfrentados pela indústria de manufa-
também chamadas de duplo-estágio, enquanto os resóis tura de resinas fenólicas no Brasil, alguns dos mais signi-
não necessitam agente de cura e, em virtude de sua ficativos estão ligados ao volume de produção. São eles:
característica de componente único, são também chama- • Custo da Matéria-Prima: o Fenol, principal componente
dos de estágio-único. dessas resinas, é fabricado no Brasil pela Rhodia Brasil
Os produtos-alvo do contrato de outsourcing estudado S.A., afiliada do Groupe Rhodia francês, que tem grande
neste trabalho são resinas fenólicas do tipo novolaca, capacidade de fabricação e forte poder de negociação na
utilizadas na confecção de materiais de Fricção e comercialização desse produto no País. O preço do fenol
Abrasivos, por vezes tratadas somente como resinas de praticado no Brasil apresenta-se, freqüentemente, majo-
fricção. rado em relação ao fornecido no mercado internacional.
O parque industrial dedicado à fabricação de resinas Importar o produto através das inseguras estruturas portuári-
fenólicas no Brasil tem tradicionalmente se caracteriza- as brasileiras, porém, pode significar risco de desabaste-
Motivação
Decisão
Motivação
Decisão
Implementação
Situação ao término
da pesquisa
cimento e prejuízo. Só se justifica em caso de volumes esse motivo, a empresa terminou a década de 1990 so-
realmente significativos. frendo o impacto dos altos custos de matéria-prima,
• Tratamento de Efluentes: os resíduos líquidos resultantes sobretudo o fenol, e das significativas despesas com
do processo de fabricação de resinas fenólicas apresentam tratamento de efluentes fora de sua planta.
teores de fenol e de formaldeído em sua composição. A No caso específico das resinas de fricção, essa situa-
presença simultânea desses dois componentes torna bas- ção traduziu-se no crescente desinteresse da Betta em
tante complexo seu tratamento pela via biológica, pois os produzi-las, em virtude dos preços reduzidos, da alta taxa
microorganismos que degradam um dos compostos são, de geração de efluentes resultantes do processo produti-
normalmente, incompatíveis com o outro. Incineradores vo e do alto custo de manufatura, por serem produzidas
demandam sofisticada instrumentação para monitorar o com um segundo estágio (a moagem) no qual incorporam
processo de queima a temperaturas superiores a 1.200ºC. um agente de cura. No início do ano 2000, o volume de
Em conseqüência disso, os investimentos no tratamento de resinas de fricção manufaturado pela empresa represen-
efluentes químicos dessas plantas são consideráveis e pas- tava algo em torno de 6% de sua produção total.
sam a viabilizar-se somente a partir de uma
determinada escala de produção.
VMI controlado através de EDI se
• Tecnologia de Produção em Massa: em
alguns países mais industrializados, a
produção de resinas fenólicas através de
lotes (batches) foi substituída pela pro-
O torna ainda mais confiável e fácil de
implantar quando se está trabalhando
dução contínua. Essa tecnologia aumenta
muito a capacidade produtiva, baratean- com material líquido, estocado a granel.
do o custo unitário de produção. Porém,
ela demanda investimento de capital em
equipamentos produtivos e automação, que só se justi- A Alffa Química
fica em caso de alta demanda de mercado. Em meados dos anos 90, a Alffa Química decidiu
reestruturar seus negócios no Brasil. A empresa definiu-se
Portanto, vários desafios para maximização da lucrativi- pela cisão em duas outras organizações independentes,
dade ou, em alguns casos, da redução das perdas da indús- ambas sob o controle da Alffa Chemical Inc.: a Alffa
tria de resinas fenólicas estão ligados ao aumento do volu- Adesivos Ind. e Com. Ltda. e a Alffa Química Ind. e Com.
me de produção, o que equivale a dizer, tendo em vista a Ltda. Entre outros motivos, a divisão visava intensificar o
limitação da demanda local, redução da sua partição entre foco de cada uma das empresas em um portfolio de produ-
muitos competidores. Ao longo dos últimos anos cresceu a tos mais similares.
percepção de que esse retalhamento é pernicioso para os A Alffa Química modernizou suas instalações no sul
resultados das empresas. A partir daí, iniciaram-se os pri- do País e ali concentrou investimentos, implantando a
meiros movimentos no sentido da reestruturação do setor. maior fábrica de formaldeído da América Latina e produ-
zindo resinas para o setor madeireiro e moveleiro. Po-
A Betta Brasil Ltda. rém, a planta de produção de resina novolaca para fric-
Desde meados dos anos de 80, a Betta Brasil Ltda. ção, em Cotia, não acompanhou essa evolução e apresen-
(Betta) tem investido em uma política de constante moder- tava, por ocasião do reposicionamento estratégico da com-
nização de suas instalações industriais e nas práticas de lean panhia, equipamentos com muitos anos de uso e
production, desenvolvendo assim um diferencial competiti- desatualizados: reatores sem comando eletrônico, ausên-
vo no âmbito das empresas de manufatura de resinas. Ela foi cia de flaker-belt (esteira para fabricação de resina no
uma das pioneiras na instalação de itens tais como esteiras formato de escamas) e ensacadeira para sacos costurados.
de resfriamento do filme de resina do tipo flaker belt, Então, como parte da profunda reestruturação estraté-
controle de reatores e utilidades através de PLC e sistema de gica da companhia, decidiu-se pela interrupção da produ-
entamboramento automático de resinas líquidas. ção de resinas de fricção na planta de Cotia, e por seu
Além disso, a Betta foi uma das primeiras afiliadas do repasse para outra companhia.
grupo a certificar-se conforme normas internacionais de
qualidade. Este perfil de alta competência de manufatura A motivação para a prática do outsourcing
traduziu-se na intensificação dos negócios com resinas e
esmaltes diferenciados, mas não resultou na ampliação (a) Na Alffa Química
do volume de vendas das resinas menos elaboradas. Por Abrir mão da fabricação própria de resinas fenólicas
configurou-se em um grande empecilho a ser vencido. A • Todas as matérias-primas fornecidas pela Alffa;
preocupação da Alffa residia, basicamente, em dois fatores: • Embalagem e rotulagem no padrão da Alffa;
• o risco de perda imediata da tecnologia de produto para • Prazo de entrega de duas semanas depois de recebida a
um forte concorrente. Se, por um lado, a inovação dessa ordem de compra;
tecnologia era bastante baixa, a perspectiva de que todas • Local de retirada nas dependências da Betta;
as fórmulas passassem de uma só vez às mãos de um • Previsão de Demanda com antecedência de 90 dias;
competidor agressivo como a Deltta Resinas era um fator • Confidencialidade das informações provindas da Alffa.
de muito desconforto.
• A competição entre a Alffa e a Deltta no mercado
mercado brasileiro de resinas
das resinas sintéticas foi sempre intensa. Os ge-
rentes de vendas da Alffa manifestaram descon-
forto com a hipótese de um relacionamento mais
estreito com o concorrente nacional, que conside-
O fenólicas tem sido considerado
como altamente competitivo.
ravam agressivo.
Betta não foram convenientemente programados para produtos existentes, bem como a alta viabilidade do de-
a interconexão eletrônica, a gestão do reabastecimento senvolvimento conjunto de novos produtos.
de matérias-primas tornou-se mais cara e complexa e a
prática do VMI foi temporariamente inviabilizada. Em Situação ao término da pesquisa
conseqüência, ocorreram episódios de excesso de No segundo semestre de 2001, seis meses depois de
abastecimento e também de falta de material, acarre- firmado o contrato de outsourcing entre Alffa e Betta, os
tando algum acréscimo de custos. seguintes resultados foram verificados:
• Conciliar a programação de Alffa e Betta na fábrica de • A produção de resina de fricção em Cotia estava definiti-
Atibaia constituiu-se em um dos mais importantes desa- vamente encerrada;
fios para as equipes de gerenciamento do processo de • O manuseio das formulações e outros dados vindos da
outsourcing. A priorização dos lotes a serem produzidos, Alffa ficaram absolutamente restritos ao pessoal da Betta;
por vezes, mostrou-se confusa. Algumas mudanças no • O volume de manufatura na Betta atingiu somente 70%
plano de produção foram pedidas com menos de três dias do inicialmente planejado para o mês;
de antecedência. Informações deficientes sobre as ven- • O investimento em ativo-fixo superou o orçado em 15%
das da Alffa e a falta de acesso ao Programa Mestre de até a data. Em torno de 60% das atividades do projeto de
Produção (MPS) da Betta foram reconhecidas como os instalações de equipamentos estavam concluídas;
maiores problemas para se atingir um planejamento da • Houve duas reclamações de clientes com relação a pro-
produção consistente e realista. blemas (pouco graves) de qualidade com os produtos,
• Houve problemas também com a entrega dos produtos número considerado baixo em comparação com o históri-
acabados: co dessas resinas;
o A sacaria não foi pedida / entregue a tempo em virtude • Melhores preços de tratamento da água efluente do pro-
do atraso no fechamento do contrato. Inicialmente, cesso já estavam em vigor há três meses;
foram necessárias improvisações na embalagem e • As negociações sobre o preço de fenol com a Rhodia
identificação dos produtos; ainda estavam em andamento;
o As dimensões da sacaria utilizada na Betta não eram • A programação dos lotes de produção não havia alcança-
compatíveis com o espaço disponível nos caminhões do a estabilidade, ou seja, ainda não era possível atingir o
da transportadora contratada pela Alffa. número usual de dias de plano congelado.
• Notaram-se dificuldades no diálogo entre os parceiros
com relação às análises físico-químicas a serem efetua- CONSIDERAÇÕES FINAIS
das. De maneira geral, as mesmas propriedades eram
investigadas, porém através de ensaios diferentes. Apesar Baseado nos dados obtidos a partir do estudo de caso
do bom relacionamento das equipes gerenciais que traba- realizado foi possível observar que a divisão em etapas do
modelo proposto é aplicável a um
caso de outsourcing entre empresas
modelo de quatro estágios ajudou a
O enfatizar os principais desafios em cada
uma das fases do caso estudado, bem como
produtoras de resinas fenólicas, ainda
que, com respeito às três primeiras
fases propostas no modelo, os limites
(início e término) de cada uma delas
pareceram não ser rigidamente defini-
as habilidades necessárias para enfrentá-los. dos, podendo haver interpenetração
entre fases subseqüentes, como indi-
cam os seguintes aspectos:
lharam para o sucesso da iniciativa do outsourcing, demo- • A Alffa iniciou a análise de eventuais parceiros para o
rou aproximadamente dois meses até que o pessoal de repasse das resinas de fricção (fase de decisão) antes
ambas as companhias substituísse os e-mails por contatos mesmo que o encerramento das atividades na Planta de
pessoais para solução dos problemas nas áreas de qualida- Cotia estivesse definitivamente decidido (fase de moti-
de (métodos de análise, resultados, desvios), equipamentos vação);
(compra de itens da planta de Cotia) e PCP (programação, • As pesquisas de laboratório, os lotes-piloto e os lotes
entrega de matéria-prima, embarques de produto acabado). experimentais com formulações do cliente (fase de im-
• O encontro do know-how e das tecnologias de Alffa e plementação) foram iniciados na Betta antes que o con-
Betta permitiu ao corpo técnico de ambas as companhias trato estivesse plenamente definido e assinado (fase de
vislumbrar uma série de possíveis melhoramentos nos decisão).
Pode-se considerar que o modelo de divisão do pro- ser importantes na escolha do fornecedor no estágio da
cesso de outsourcing em estágios ajudou a enfatizar os tomada de decisão.
principais desafios em cada uma das fases do caso estu- Um consistente suporte de tecnologia de informação
dado, bem como as habilidades necessárias para também aparece como fator chave para que ambas as
enfrentá-los. Os motivos para a iniciativa do repasse companhias consigam adequar os processos de planeja-
detectados neste estudo, tais como aumentar o foco da mento de produção e suprimento de matérias-primas.
empresa e reduzir custos operacionais, são encontrados Percebeu-se a importância do prévio desenvolvimento de
com certa facilidade na literatura existente. Por outro soluções de informática visando evitar problemas de
lado, características pouco citadas na literatura, como a intercâmbio de informações constatados ao longo do
cultura das empresas e sua nação de origem, mostraram estágio de implementação.
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Sobre os autores
Hercules B. Vernalha, MSc
Professor na FAAT- Faculdades Atibaia
E-mail: hbvernalha@uol.com.br