Você está na página 1de 2

Série discute quando a inclusão no ambiente de trabalho

é só uma fachada
Com uma trama que se passa numa editora de livros, “A Outra Garota Negra”, da Star+,
mistura suspense e comédia
Por Luciano Buarque de Holanda – 26/09/2023
Por dois anos, Nella Rogers (Sinclair Daniel, da franquia “Sobrenatural”) foi a única negra
trabalhando na Wagner Books, uma editora de Nova York que nunca lhe deu o devido valor, a
despeito do discurso progressista repetido pela chefia. É com grande alívio, portanto, que ela
recebe a notícia da contratação de uma garota do Harlem, Hazel McCall (Ashleigh Murray, de
“Riverdale”). Irmã de cor e concorrente direta no cargo de editora-assistente, Hazel chega
distribuindo sorrisos e guloseimas. Os colegas ficam encantados, incluindo a própria protagonista,
cuja autoestima logo será insuflada pelas palavras de incentivo da nova aliada — assim supõe.

Encorajada a se impor perante os chefes, Nella decide dizer o que realmente pensa sobre o livro
inédito de Colin Franklin (Brian Baumgartner, o Kevin da versão americana de “The Office”), o
astro da editora. Numa tentativa de se enquadrar na pauta da diversidade, Colin criou uma
personagem negra cheia de estereótipos raciais, potencialmente ofensivos e perigosos para a
reputação da Wagner Books.

Na hora do enfrentamento, cara a cara com o escritor, porém, Hazel sequer fica em cima do
muro: ela se declara uma fã de Colin; diz que adorou a personagem. Com o emprego
subitamente ameaçado, Nella passa a ver a recém-chegada com outros olhos, justamente
quando é surpreendida por um bilhete anônimo, que diz, em letras garrafais, para ela deixar a
empresa o quanto antes.

Baseada no best-seller homônimo de Zakiya Dalila Harris, também desenvolvedora desta


adaptação, “A Outra Garota Negra” lida com temas sensíveis como o “tokenismo” (esforço
simbólico e superficial para agradar a grupos minoritários) e o racismo velado no ambiente
corporativo. A despeito de sua qualificação, Nella raramente é ouvida. Ela está lá para preencher
a cota de diversidade da editora e, muitas vezes, ainda se vê buscando o cafezinho da patroa.

A chegada de Hazel cria uma dinâmica mais complexa junto à diretoria, mas, no fim, nem a crítica
social será apenas uma das camadas da trama. Não necessariamente a mais importante.

Essencialmente um misto de suspense e comédia ácida, a série muito se constrói em torno das
suspeitas sobre Hazel. Suas reais pretensões confundem nossa expectativa, e ela aparentemente
não é quem diz ser, como sugere uma estranha que aborda Nella no metrô. Ao mesmo tempo,
tudo parece se relacionar ao misterioso desaparecimento de Karen Rae (April Parker Jones, de
“Jericho”), única editora negra que a Wagner Books já teve.
Nos anos 1980, quando foi vista pela última vez, Karen acompanhava de perto a conclusão de
“Burning Heart”, a novela favorita da protagonista. Não por acaso envolvida numa reedição do
mesmo livro, Nella agora é assombrada por visões mórbidas em que vê seu rosto se fundindo ao
de Karen.

Um argumento forte, porém não tão bem aproveitado — na TV, ao menos “A Outra Garota Negra”
muitas vezes ameaça decolar, o que nunca acontece de fato. Algumas das piadas são bem
dispensáveis e mesmo o comentário racial carece de alguma profundidade. O saldo final é
interessante, mas não é animador para uma segunda temporada.

Dividida em dez episódios de meia hora de duração cada um, a série inclui Hunter Parrish
(“Weeds”), Bellamy Young (“Scandal”), Garcelle Beauvais (“Um Príncipe em Nova York”) e Eric
McCormack (“Will & Grace”), como o enigmático fundador da Wagner Books.

A Outra Garota Negra - EUA - 2023. Criadoras: Zakiya Dalila Harris, Rashida Jones. Onde:
Star+. Cotação: ***

Você também pode gostar