The Hulu and MGM Television Adaptation of The Handmaid’s Tale de Eva-
Marie Kröller realiza um breve recorte analítico, de cunho intersemiótico, observando
como a série de tv, The Handmaid’s Tale, de Bruce Miller, lançada em 2017, adapta o romance de mesmo nome, de Margareth Atwood, publicado em 1985. O lançamento da primeira temporada da série de Tv, como lembra Eva-Marie Kröller, por acionar de forma interativa o contexto ideológico que se inscreve em alguns países, e, por inserir um comentário oportuno com a política reacionária dos últimos anos, acaba por garantir que o romance de Atwood chegue ao topo das listas de best-sellers e que a série de tv seja um fenômeno internacional após a eleição de Donald Trump como o quadragésimo quinto presidente dos Estados Unidos. As premissas discutidas em Gilead, república criada na obra, elegem uma sociedade distópica, que logo foi comparada à experiência vivida pelo público que se vê representado na trama narrativa experimentada por Offred, personagem interpretada por Elisabeth Moss. Em seu ensaio, Kroller nos lembra que a série de tv, que projeta a obra num repertório de alcance internacional, não é, porém, a primeira adaptação que o romance ganha. Já nos anos 1990, após cinco anos da publicação da obra escrita, a adaptação se deu para o cinema, mas a projeção da mulher se reforça em um caráter de passividade, repressão afirmada e uma ausência de resistência, no qual as mulheres são reduzidas a “corpos femininos descartáveis, que inquieta o telespectador. The Handmaid’s Tale foi adaptado para uma variedade grande de mídia ao longo dos anos. Em 2000 ganha adaptação em ópera, é adaptada para o balé em 2013, e em franco processo de adaptação para a tv, surge ainda o graphic novel com arte e adaptação de Renée Nault, mas apenas na adaptação para série de tv, em 2017, em plataforma de Streaming, a adaptação provoca a inscrição de paratextos produzidos por cineastas, atores, designers, críticos e espectadores em vasta escala. O público não apenas inscreve seus comentários, mas alteram a perspectiva de criação das temporadas seguintes, na promessa de assistir ou não assistir aos próximos episódios, pela projeção dos comportamentos cada vez mais silenciados de Offred, da ausência de resistência da personagem e da opressão crescente em Gilead. Em um viés transmidiático, Eva-Marie Kröller lembra que a série de tv não apenas garante o diálogo entre as obras (romance e série), mas insere a participação efetiva do telespectador, bem como assegura que as tramas cinematográficas, o foco da câmera, a escolha dos objetos intertextuais na série, sirvam para construir um “mundo de narrativa transmídia”. A exemplo, a autora pontua as relações intertextuais entre a obra e a série, ao que pudemos perceber, em um diálogo com a música, pintura, jogos e com a literatura. Numa análise dinâmica e precisa, embora breve, Kroller lembra uma cena, na segunda temporada, episódio onze, em que June grávida se esconde em uma mansão abandonada, e, na tentativa de fugir, toma um Chevrolet Camaro enquanto ouve uma rádio americana em que o apresentador anuncia que acentua o patriotismo americano de Gilead. A música não apenas reforça o local e contexto em que se passa a história, mas embrica a realidade cinematográfica que constrói a opressão que Gilead mantém com os prisioneiros e o patriotismo exacerbado que é condicionalmente reforçado e imposto pela república criada. Mas a relação intertextual da música com a obra não se limita aos diálogos de convergência contextual, antes, insere contradições ou evasão interpretativa na técnica sonora que usa “Feeling” de Nina Simone Bom” para acompanhar a marcha triunfante das Aias para casa após o apedrejamento fracassado de Janine, ignorando os contextos afro-americanos da música, como "Sugar in My Bowl" de Simone para acompanhar o ato de amor ilícito de Nick e June e “Wild Is the Wind” como tema para acompanhar o “amor inicial” de Waterfords. Este último parece um musical notadamente contraditório, o passo em falso, porque o Comandante e sua esposa não são apenas os opressores de June, mas também ajudaram a construir o estado supremacista de Gileade. A crítica aqui se estende por a intertextualidade das músicas de artistas negros aqui se construírem como pano de fundo, apenas, para a orquestra das cenas, não mantendo com elas a relação contextual garantida na cena da fuga da mansão, por exemplo. Esse recurso transmidiático se entende ainda à forte relação estabelecida pela aparição do romance de Charles Dickens na obra. Hard Times se constrói a partir da dominação social que se acentua por meio da educação de crianças, na modulação dos personagens desacostumados à contestação e obedientes à massificação se seus corpos e espírito. A inserção intertextual dessa obra na série se justifica legitimamente não apenas pelo efetivo diálogo contextual e político que permite relacionar Gilead com a argumentação antiliberal inscrita em Dickens, mas pela forma como o autor publica seus textos, periodicamente, em cursos semanais, tal qual a série se lança em procedimentos episódicos. O mesmo acontece com o jogo de scrabble, um jogo de tabuleiro que a autora lembra ser compartilhado pelo capitão Offred e June. A peça que falta no jogo para o alcance do final da jogada é comparada à cerâmica no alto do teto, que reforça o contexto de uma cena instaurada na trama televisiva. Talvez pelo objetivo do artigo de Kroller, de fazer uma breve apresentação de como o universo transmidiático é reforçado na série, esse diálogo intertextual entre o jogo de tabuleiro e a cena da série é superficialmente apresentado. Há, evidentemente, mais recursos dessa natureza a ser explorado nas obras por ela apresentadas. Ainda na esteira da intertextualidade, a passividade com que June debruça o braço sobre o parapeito da janela do quarto, enquanto pousa o rosto e os pensamentos sobre ele, perece lembrar uma pintura de Johanes Vermeer, reforçando a solidão vivenciada pela personagem. A sinfonia das cores que garante o segregado extrato social das personagens na obra ainda merece destaque no texto de Kroller. Não apenas por organizar o sistema hierárquico de Gilead, garantindo a distribuição das tarefas e reforçando a posição de cada personagem, mas, contribui para o reforço da simbologia do imaginário da significação das cores em culturas das mais antigas às mais atuais. Embora a semiose das cores ainda tenha muito a falar sobre como o vermelho, o azul, o verde e o marrom organizam a posição das mulheres na obra, a curta apresentação da autora nos lança a semente da inquietação pela busca de outras e mais condensadas interpretações. Kroller conclui seu texto chamando a atenção para as falhas tanto do romance quanto da série em investigar as injustiças sociais, na ausência de prestar a devida homenagem aos negros. As músicas de artistas negros quando aparecem, aparecem apenas para reforçar o apagamento do tema nas obras. Tanto a trilha sonora quanto a trilha visual são passíveis de censura ao apropriar-se do trabalho desses artistas para o reforço de momentos de paixões ou privilégios de atores brancos. Além disso, a personagem Moira, cuja representa um dos maiores símbolos de luta racial na obra, funciona como apêndice da história de luta de uma pessoa branca. Os demais personagens negros, como Luke, o esposo de June e sua filha, são apresentados de forma passiva, não reprimidos, perseguidos ou castigados, o que para Kroller mais se configura como uma aniquilação, que valorização do negro, isso, tanto no romance, quanto na série. Esse dado, como nos lembra a autora, não passa despercebido pelo público, que critica a ausência de espaço de luta racial, reforçando a construção de uma proposta idealista, em que tanto a narrativa, em Atwood, quanto o foco das câmeras, em Miller, acabam por reforçar um apagamento que ainda precisa ser realocado nos espaços de larga repercussão dialógica tanto na literatura, quanto no cinema. Josebede Angélica Guilherme da Silva Disciplina: Leituras Dirigidas Professor Yuri Jivago Caribé