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A Seleção

Resenha por Carolina Cardoso


Em seu mais aclamado livro, Kiera Cass traz à vida uma história de amor e
luta, repleta de reviravoltas e surpresas, ambientada em um futuro distópico
quando os Estados Unidos da América já implodiram pós Terceira Guerra
Mundial, dando origem a um novo país Illeá. A organização político-econômica
do país consiste em um governo monárquico de sucessão hereditária com a
população dividida em castas de 1 a 8, sendo 1 a família real e 8 as pessoas
em situação de extrema miséria. A desigualdade econômica é tema relevante
nessa obra que imprime um romance entre o tão cobiçado Príncipe Maxon
Schreave, herdeiro do trono illeano e América Singer, uma simples musicista
da quinta casta. Nossos protagonistas não poderiam ser mais diferentes, ele
busca um amor, ela já encontrou o seu, ele governará um país, ela mal pode
gerir seu próprio salário, ele nasceu em um castelo e ela tem seu maior tesouro
em uma casa da árvore caindo aos pedaços. Ela é intempestiva e raivosa, tem
uma vida dentro de si e ele é a calma, a serenidade, a compassividade em
pessoa. Um não esperava encontrar o que procurava no outro, mas
encontraram.
A autora merece destaque pela obra de sucesso que produziu, é de fato um
romance infanto-juvenil delicado e fluido, com boas sacadas cômicas e
reflexões sociais e tem, é claro, um romance digo desse título. Todavia
passado um primeiro deslumbramento, é notória a superficialidade geral da
trama. Apesar de tantos aspectos interessantes e dignos de debate na esfera
político-econômica, eles mal são abordados durante o livro e quando o são é
sempre de maneira frívola e incipiente, sem deixar espaço para debate, sem
criar reflexões, sem abrir ao leitor as vias do senso crítico. Esse livro possui a
bagagem de ativar debates sérios sobre pobreza e consciência de classe,
desigualdade social e miséria, mas deixa todas essas oportunidades passarem
ao não as encarar de frente e trazer à tona os questionamentos necessários.
Outra problemática evidente é a falta de representatividade racial e sexual, em
uma seleção com 35 garotas são todas brancas ou de ascendência asiática,
nenhuma negra. A autora não só não inclui personagens de cor como também
faz questão de destacar em diversas passagens o tom claro da pele de
determinadas personagens, ou o azul dos olhos e o loiro dos cabelos.... Ela
reforça as características brancas constantemente como que impedindo o leitor
de se deixar levar pela imaginação e mantendo-o ali diante de sua visão restrita
e branqueada de mundo. A questão sexual não é nem ao menos mencionada
durante o primeiro livro, marcando um apagamento.
Kiera constrói romance jovem, gostoso e fluido, que muito agrada seu público
e até leitores diversos em um primeiro contato, mas é fato que uma releitura
mais pausada e crítica vai evidenciar não só os problemas acima como
também a insuportável narração em primeira pessoa de uma personagem
extremamente repetitiva e que a todo momento retoma os mesmos
pensamentos e dilemas como que num ciclo infernal sem fim e a falta de
identidade própria e diferencial para acionar um clichê do tipo triângulo
amoroso. Todo o caso Aspen dialoga com os argumentos acima, o primeiro
amor e ex-namorado de America surge no Castelo como guarda no momento
em que nossa protagonista percebe seus sentimentos pelo príncipe e a partir
de então se enredam decisões de escrita absolutamente questionáveis. A
autora compromete os personagens numa roda de ramster que começa aqui e
vai até o terceiro livro da série, impedindo qualquer avanço narrativo
significativo, a cada evolução do casal principal um segredo surge e parece
que damos um passo atrás e de novo e de novo e de novo. É exaustivo e
chato. Falta ainda uma maior interação com as participantes da seleção, muito
se descobre pela descrição minuciosa (e longa) de America enquanto
narradora, mas muito pouco se vê de fato, são escassas as interações com as
diferentes garotas o que empobrece o livro como um todo.
Eis aí o grande problema deste livro: possibilidades não exploradas. Havia
tanto em tantos sentidos para ser discutido e ativado, conversado, mas a
autora não passa da linha da superfície construindo um romance morno com
protagonistas básicos e enredos clichê que não possuem personalidade ou
originalidade. É uma grande colcha de retalhos de tudo que você já viu:
romance de época, distopia adolescente, triângulo amoroso, mãe rígida, pai
superprotetor, mocinha pobre, mocinho rico, enemies to lovers, friends to lovers
e por aí vai... A moral é que funciona, afinal ela só costura coisas boas e que já
tem um histórico de darem certo, mas não possui diferencial e corre o risco de
entediar o leitor.

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