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Economia Política

Prof. Diego Boehlke Vargas


Prof. Daniel Rodrigo Strelow
Prof.ª Tatiane Thaís Lasta

2015
Copyright © UNIASSELVI 2015

Elaboração:
Prof. Diego Boehlke Vargas
Prof. Daniel Rodrigo Strelow
Prof.ª Tatiane Thaís Lasta

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

338.9
V297e Vargas, Diego Boehlke
Economia política /Diego Boehlke Vargas, Daniel Rodrigo Strelow, Tatiane
Thaís Lasta. Indaial : UNIASSELVI, 2015.

206 p. : il.

ISBN 978-85-7830-875-9

1.Desenvolvimento econômico. Política econômica.


I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Impresso por:
Apresentação
Prezado(a) acadêmico(a)! Bem-vindo ao Caderno de Estudos de
Economia Política. Aqui trabalharemos com três unidades sobre as teorias do
que se pode chamar de Economia Política.

Na Unidade 1 estudaremos a economia política clássica. Antes disso,


inclusive, trabalharemos com conceitos bem básicos da economia enquanto
uma ciência social, mais adiante estudaremos como se deu o processo de
transição de uma economia de regime feudal para uma economia capitalista
de mercado, o que vai dar na origem das ideias mercantilistas; mais tarde
os fisiocratas entram em cena, e estudaremos seus principais precursores.
Entraremos mais especificamente na Economia Política Clássica no tópico 3
desta primeira unidade e estudaremos os principais precursores da escola
clássica: Adam Smith, David Ricardo, entre outros importantes intérpretes
do pensamento clássico. Fecharemos este tópico com a crise dessa escola de
pensamento econômico.

Para abrir o tópico 4, estudaremos os críticos da economia política,


que surgem justamente no momento de crise desse pensamento, em meados
de 1848. Trabalharemos com as ideias centrais de Marx, principal crítico dessa
escola. Na sequência, trabalharemos com as ideias dos schumpeterianos e
neoschumpeterianos, abordagens consideradas mais atuais no campo da
economia política.

Na Unidade 2 iremos discutir algumas temáticas que remetem ao


papel do Estado na Economia. É muito difícil existir alguma nação que não
tenha experimentado e que não venha experimentando alguma ação do
Estado em seu cotidiano socioeconômico. Mesmo países como os Estados
Unidos o fazem. Um bom exemplo são os subsídios que destinam para a
produção de determinados gêneros. O que existe são graus de intervenção.
Em alguns países esse grau é mínimo, enquanto em outros pode ser maior.
Não há uma regra geral.

Por isso, a Unidade 2 está dividida em seis tópicos. No primeiro,


conversaremos a respeito do keynesianismo, modalidade de intervenção do
Estado na economia que ganhou evidência em meio à Grande Depressão dos
anos de 1930. No segundo tópico, nossa atenção se voltará ao Estado de Bem-
Estar Social. Esta é uma das formas que o Estado pode assumir e corresponde
ao modelo garantidor das necessidades básicas (renda, educação, saúde, entre
outros) a todo o conjunto da população. No terceiro tópico conheceremos
alguns preceitos básicos da Escola Francesa da Regulação. Estes pressupostos
econômicos ganharam destaque por tentar construir um novo modelo teórico-
metodológico para compreensão da realidade.
III
Já no quarto tópico, nosso objetivo será conhecer o desenvolvimentismo,
modalidade de intervenção estatal que encontrou lugar nos países latino-
americanos e no Brasil no século XX. O quinto tópico dedica-se a alguns
indicadores de desenvolvimento, bem como ao tema das políticas públicas.
Por fim, no sexto tópico iremos conhecer um pouco sobre a Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), cujo objetivo primeiro
foi de contribuir para o desenvolvimento das nações latino-americanas,
consideradas subdesenvolvidas.

Na Unidade 3 estudaremos o desenvolvimento do capitalismo


contemporâneo, passaremos pelos processos de globalização e de
reestruturação produtiva, financeirização do capital. Estudaremos ainda o
neoliberalismo, e daremos uma atenção especial ao cenário internacional e
ao atual panorama brasileiro; juntamente com os aspectos desafiadores das
sociedades contemporâneas.

Bons estudos!

UNI

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades
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de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

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Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
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continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!

IV
UNI

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V
VI
Sumário
UNIDADE 1 - ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA ....................................................................... 1

TÓPICO 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA POLÍTICA .............................................................. 3


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3
2 O QUE É ECONOMIA ....................................................................................................................... 3
RESUMO DO TÓPICO .......................................................................................................................... 7
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 8

TÓPICO 2 - EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO: ANTECEDENTES E


PRECURSORES ................................................................................................................ 9
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 9
2 EVOLUÇÃO DAS IDEIAS ECONÔMICAS .................................................................................. 9
2.1 TRANSIÇÃO EM DIREÇÃO A UMA ECONOMIA CAPITALISTA DE MERCADO ......... 10
2.2 TRANSIÇÃO PARA O CAPITALISMO E ELABORAÇÃO DO PENSAMENTO
MERCANTILISTA ......................................................................................................................... 15
2.3 OS FISIOCRATAS E AS IDEIAS ECONÔMICAS DE QUESNAY .......................................... 16
RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................................... 19
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 20

TÓPICO 3 - ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA ........................................................................... 21


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 21
2 PRINCIPAIS PRECURSORES DA ESCOLA DE ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA ........ 21
2.1 ADAM SMITH (1723-1790) ........................................................................................................... 21
2.2 DAVID RICARDO (1772-1823) .................................................................................................... 24
2.3 THOMAS ROBERT MALTHUS (1766-1834) .............................................................................. 27
2.4 JOHN STUART MILL (1806-1873) ............................................................................................... 31
2.5 JEAN-BAPTISTE SAY (1769-1832) ............................................................................................... 32
3 A CRISE DA ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA ..................................................................... 34
RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................................... 38
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 39

TÓPICO 4 - A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA ................................................................... 41


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 41
2 A CRÍTICA MARXISTA DA ECONOMIA POLÍTICA ............................................................... 42
RESUMO DO TÓPICO 4 ...................................................................................................................... 48
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 49

TÓPICO 5 - A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA: ECONOMIA E INOVAÇÃO ................ 51


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 51
2 JOSEPH ALOIS SCHUMPETER ....................................................................................................... 51
3 NEOSCHUMPETERIANOS ............................................................................................................. 55
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 56
RESUMO DO TÓPICO 1 ...................................................................................................................... 61
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 62

VII
UNIDADE 2 - O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA ............................................................... 63

TÓPICO 1 - O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA ................................................................... 65


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 65
2 JOHN MAYNARD KEYNES .............................................................................................................. 66
3 UMA NOVA TEORIA EM MEIO À CRISE .................................................................................... 67
4 A ECONOMIA KEYNESIANA ......................................................................................................... 68
5 CRÍTICAS E INFLUÊNCIAS ............................................................................................................. 72
RESUMO DO TÓPICO 1 ...................................................................................................................... 74
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 75

TÓPICO 2 - O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ........................................................................ 77


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 77
2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ..................................................................................................... 77
3 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ............................................................................................ 78
3.1 O ESTADO DE BEM-ESTAR “LIBERAL” ................................................................................... 79
3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR “CONSERVADOR” ..................................................................... 80
3.3 O ESTADO DE BEM-ESTAR “SOCIAL-DEMOCRATA” .......................................................... 80
4 CRISE NO MODELO DE BEM-ESTAR .......................................................................................... 82
5 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL NO BRASIL .................................................................... 82
RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................................... 84
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 85

TÓPICO 3 - A TEORIA DA REGULAÇÃO ....................................................................................... 87


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 87
2 CONTEXTO DA ESCOLA DA REGULAÇÃO .............................................................................. 87
3 PRECEITOS BÁSICOS ....................................................................................................................... 88
3.1 O CONCEITO DE REGIME DE ACUMULAÇÃO .................................................................... 90
3.2 O CONCEITO DE MODO DE REGULAÇÃO ............................................................................ 91
3.3 O CONCEITO DE MODELO DE DESENVOLVIMENTO ........................................................ 92
3.4 O CONCEITO DE FORMAS INSTITUCIONAIS ....................................................................... 93
RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................................... 94
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 95

TÓPICO 4 - A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA ........................................................................ 97


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 97
2 UMA NOÇÃO INICIAL ..................................................................................................................... 97
3 O BRASIL E A AMÉRICA LATINA ................................................................................................. 98
4 O NOVO DESENVOLVIMENTISMO ............................................................................................ 101
RESUMO DO TÓPICO 4 ...................................................................................................................... 105
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 106

TÓPICO 5 - INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS ............. 107


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 107
2 O TEMA DESENVOLVIMENTO ..................................................................................................... 107
3 OS INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO .......................................................................... 108
4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO ......................................................... 111
RESUMO DO TÓPICO 5 ...................................................................................................................... 113
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 114

TÓPICO 6 - A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL ........... 115


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 115
2 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................................................... 115

VIII
3 A ESCOLA CEPALINA – UMA ESCOLA DE PENSAMENTO .................................................. 117
3.1 AS NOÇÕES DE “CENTRO VERSUS PERIFERIA” E DE “DETERIORAÇÃO DOS
TERMOS DE TROCA” ................................................................................................................... 118
3.2 INFLAÇÃO COM “PROBLEMA ESTRUTURAL” E A IMPORTÂNCIA DO
“PLANEJAMENTO E DO PROTECIONISMO” ........................................................................ 119
3.3 “TENDÊNCIA AO DESEMPREGO”, “TENDÊNCIA AO DESEQUILÍBRIO
EXTERNO” E A “SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES” ....................................................... 119
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 121
RESUMO DO TÓPICO 6 ...................................................................................................................... 125
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 126

UNIDADE 3 - O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO ............ 127

TÓPICO 1 - O IMPERIALISMO .......................................................................................................... 129


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 129
2 O ESTÁGIO IMPERIALISTA ........................................................................................................... 134
2.1 A FASE “CLÁSSICA” DO IMPERIALISMO ............................................................................... 139
2.2 OS “ANOS DOURADOS” DA ECONOMIA IMPERIALISTA ................................................. 140
RESUMO DO TÓPICO 1 ...................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 147

TÓPICO 2 - OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO ..................................................................... 149


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 149
2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA ................................................................................................ 152
3 NEOLIBERALISMO ............................................................................................................................ 161
4 FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITAL ............................................................................................... 164
RESUMO DO TÓPICO 2 ...................................................................................................................... 173
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 174

TÓPICO 3 - ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES


CONTEMPORÂNEAS .................................................................................................... 175
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 175
2 RELAÇÕES DE TRABALHO ENTRE RAÇAS .............................................................................. 175
3 VIOLÊNCIA E JUVENTUDE ............................................................................................................ 180
4 JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL ......................................................................................................... 187
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 195
RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................................... 198
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 199

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 201

IX
X
UNIDADE 1

ECONOMIA POLÍTICA
CLÁSSICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Prezado(a) acadêmico(a), bem-vindo(a) à Unidade 1 do caderno de
Economia Política! Esta unidade tem por objetivos:

• apresentar a economia política clássica, os conceitos básicos da economia


enquanto uma ciência social;

• descrever o processo de transição de uma economia de regime feudal para


uma economia capitalista de mercado;

• apresentar ao acadêmico as principais correntes e os principais teóricos da


economia política clássica e suas principais correntes de pensamento;

• apresentar ao acadêmico a crise da escola clássica e o aparecimento das


escolas críticas da economia politica;

• apresentar e debater as teorias críticas da economia política;

• apresentar escolas contemporâneas da economia da inovação e o principal


teórico desta corrente.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos e no final de cada um deles você
encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA POLÍTICA

TÓPICO 2 - EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO:


ANTECEDENTES E PRECURSORES

TÓPICO 3 - ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

TÓPICO 4 - A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

TÓPICO 5 - A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA: ECONOMIA E


INOVAÇÃO

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO À ECONOMIA POLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
Ao iniciar um assunto novo, de qualquer campo teórico, torna-se
indispensável que se faça, mesmo que brevemente, referências à sua história e sua
evolução. Justamente por isso propomos trabalhar, nesta primeira unidade, com
os principais conceitos introdutórios da Economia Política. Perpassaremos pela
evolução das ideias econômicas, ou seja, os principais períodos que subdividem
a chamada economia política ao longo dos séculos. Abordaremos as chamadas
correntes de pensamento da economia política que predominaram desde sua
gênese originária, passando pela Idade Média e chegando às correntes que
prevaleceram durante alguns séculos na Europa e Inglaterra, que são as correntes
da Fisiocracia e do Mercantilismo, chegando aos clássicos e, por fim, aos críticos
da economia política, dentre os quais destaca-se a produção teórica de Marx
como principal crítico das correntes sustentadas pela economia política clássica
até aquele momento. Marx, com sua obra O Capital: Crítica da Economia Política
(1867), marca os estudos da chamada economia política crítica justamente por ser
crítico das teses de Adam Smith, Ricardo e outros, como veremos no decorrer desta
primeira unidade.

O estudo da economia política tem por base voltar-se às teorias e relacioná-


las com a compreensão da realidade de determinado contexto social. Quem
se propõe a estudar a economia política desafia-se, portanto, a compreender a
realidade à sua volta, as controversas, as diferenças entre países e regiões, entre
pessoas, abastece-se de conteúdo para questionar a escandalosa desigualdade
social, os interesses dos diferentes grupos e classes sociais dentro de determinada
sociedade, os grupos de poder e questões políticas. O profissional de Ensino Social
deve ter a habilidade de analisar o contexto socioeconômico para ter a capacidade
de propor ao poder público políticas públicas que estão realmente conectadas
com os problemas sociais de determinada população de uma região. Portanto, a
economia política é capaz de fornecer diversas ferramentas e elementos centrais
para o assistente social lidar com a realidade como ela é, e no momento em que o
profissional estiver desafiado em seu campo de trabalho.

2 O QUE É ECONOMIA
Caro estudante, para dar início à nossa unidade, trabalharemos de forma
abreviada e fácil as conceituações da economia e dos chamados problemas
econômicos, veremos aos poucos como a economia está presente no nosso dia a
dia em praticamente tudo o que fazemos.
3
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Todos os dias, em telejornais e notícias na internet, nos deparamos com


questões econômicas. Algumas simples, que passam despercebidas, como,
por exemplo, o aumento dos preços por meio de reajustes que o governo faz,
períodos de crises ou de crescimento econômico, desemprego, taxa de câmbio,
taxas de juros, alta nos impostos e tarifas públicas. Mas não somente isto, a nossa
diária relação de trabalho em troca de um salário no final do mês é uma relação
puramente econômica, mas também é política; o valor da passagem de ônibus,
quando se compra alguma coisa no mercado, a mensalidade da faculdade, tudo é
economia. É só começar a prestar atenção à nossa volta e veremos que tudo o que
nós compramos, consumimos na forma de bens ou de serviços está envolto em
várias relações econômicas e políticas. Por isso nós lemos, ouvimos e praticamos
todos os dias essas relações político-econômicas passando despercebidas entre
nós. Veremos na sequência o que é a economia e como ela surgiu, quais são os
problemas econômicos.

O senso comum geralmente tem a tendência de reduzir a ciência


econômica ao seu viés puramente matemático, bancário e a gráficos. Equivoca-se
esse “achismo” de que a ciência econômica se reduz a essa exatidão e a números.

A economia trata-se de uma ciência social, e cabe a nós, economistas,


grifarmos isso. Preocupa-se, portanto, com a sociedade e os indivíduos escolhendo
empregar os recursos produtivos que são escassos na produção de bens e serviços,
de modo a distribuí-los entre a sociedade com a finalidade de satisfazer as
necessidades de todas as pessoas dentro de uma determinada sociedade.

A economia desafia-se ainda a compreender a sociedade e os indivíduos e a


forma como eles decidem empregar os seus recursos produtivos, que são escassos
na produção de um determinado bem e serviço. Estuda-se ainda a forma como
esses bens serão distribuídos entre as várias pessoas e grupos da sociedade com a
finalidade de satisfazer as necessidades das pessoas.

Os indivíduos devem fazer escolhas para que administrem bem os seus


recursos, que são escassos já, de acordo com as suas necessidades (alimentação,
saúde, educação, vestuário, habitação, transporte), que, como citamos, são
ilimitadas. A ciência econômica preocupa-se com a alocação dos recursos de forma
que não sejam comprometidas as gerações futuras com a escassez.

Algumas palavras são chaves na economia:

• Escolha
• Escassez
• Necessidades
• Recursos
• Produção
• Distribuição

4
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À ECONOMIA POLÍTICA

FIGURA 1 - RECURSOS PRODUTIVOS ESCASSOS E NECESSIDADES ILIMITADAS

FONTE: Adaptado de Vasconcelos; Garcia (1999)

Dada a escassez de recursos, associada com as necessidades das pessoas,


que são ilimitadas, originam-se os chamados problemas econômicos, que são os
seguintes:

FIGURA 2 - PROBLEMAS ECONÔMICOS FUNDAMENTAIS

FONTE: Adaptado de Vasconcelos; Garcia (1999)

O que e quanto produzir?

Considerando a escassez dos recursos de produção, a sociedade deverá


escolher, dentro das possibilidades de produção, quais produtos irá produzir.

5
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Como produzir?

A sociedade deverá ainda escolher quais recursos utilizará para produzir


bens e serviços dado o nível tecnológico; dessa forma, os produtores tendem a
escolher o método que tiver menos custo na produção desses bens e serviços.

Para quem produzir?

Neste ponto a sociedade deve decidir como seus membros participarão da


distribuição dos resultados de sua produção. A distribuição leva em conta fatores
como salários, rendas da terra, dos juros, e dos benefícios do capital, ou seja,
fatalmente a produção se destinará para quem tem rendas.

6
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos:

• A economia é considerada uma ciência social.

• Que a economia está presente no nosso dia a dia em tudo o que fazemos, basta
observar.

• Que as necessidades das pessoas são ilimitadas.

• Que os recursos são escassos.

• A ciência econômica, portanto, é responsável por fazer a alocação do melhor


modo possível a fim de atender às necessidades humanas que são ilimitadas.

• Aprendemos quais são os problemas econômicos fundamentais.

7
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), para fixar melhor o que estudamos neste tópico


introdutório, vamos exercitar um pouco. Leia com atenção as questões e
responda-as no seu Caderno de Estudos.

1 Por que a ciência econômica é considerada uma ciência social?

2 Explique quais são os problemas econômicos fundamentais.

3 Qual o propósito da ciência econômica?

8
UNIDADE 1
TÓPICO 2

EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO
ECONÔMICO: ANTECEDENTES E
PRECURSORES

1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), neste tópico vamos nos dedicar ao estudo
da evolução do pensamento econômico. Estudaremos desde os primórdios da
antiguidade grega, antiguidade romana, Idade Média, perpassaremos ainda
pelo mercantilismo, pela fisiocracia e seus principais precursores. Buscaremos
compreender como chegamos às chamadas economias capitalistas de mercado,
para isso mencionaremos também as economias chamadas pré-capitalistas da
Europa desde as ruínas feudais até chegarmos às escolas de pensamento econômico
propriamente. Estudaremos, também, os precursores de cada período histórico e
de cada escola de pensamento.

2 EVOLUÇÃO DAS IDEIAS ECONÔMICAS


Segundo consta, na antiguidade grega algumas ideias econômicas
apareceram fragmentadas em estudos filosóficos. As primeiras referências de que
se tem conhecimento sobre a economia aparecem nos trabalhos de Aristóteles (384-
322 a.C.), sendo ele o primeiro a cunhar o termo economia (oikonomos) em seus
escritos sobre administração e finanças públicas. Nos escritos de Platão (427-347
a.C.) encontram-se algumas considerações de ordem econômica e também nos
estudos de Xenofonte (440-335 a.C.). Todavia, autores gregos não tratavam um
pensamento econômico independente.

Na antiguidade romana, igualmente não se teve um pensamento econômico


independente, embora na Roma antiga a economia de troca fosse mais intensa
do que na Grécia. A preocupação dos gregos era fundamentalmente na política.
Não se tem notícias de que Roma tenha deixado escritos notáveis sobre esta área.
Nos séculos mais tarde, até na época dos descobrimentos, encontram-se poucos
escritos e trabalhos de destaque na área da economia, quando se encontrou algo
eram trabalhos permeados pelas temáticas de justiça e moral. O que se tem de
mais notório desde os primórdios da ciência econômica são as leis de usura, a
modalidade de juros altos e o que deveria ser um lucro justo (VASCONCELOS;
GARCIA, 1999).

9
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Na Idade Média (1450-1750), quem dá lugar ao pensamento econômico


nesse período são os mercantilistas (1450-1750). Essa corrente de pensamento
“imprimiu preceitos de administração pública que os governantes deveriam
usar para aumentar a riqueza da nação e do príncipe” (PINHO et al., p. 27, 2003).
Veremos a seguir mais sobre essa corrente de pensamento da economia.

E
IMPORTANT

A palavra economia deriva do grego oikonomos (de oiko, casa, e nomos, lei),
significando a administração da casa. O objeto de estudo da ciência econômica é o de analisar
os vários problemas econômicos e buscar formular soluções para resolvê-los de forma que
isso impacte positivamente na qualidade de vida das pessoas (VASCONCELOS; GARCIA 1999).

2.1 TRANSIÇÃO EM DIREÇÃO A UMA ECONOMIA


CAPITALISTA DE MERCADO
Ao iniciar estudos sobre a história e evolução do pensamento econômico,
é necessário entender o contexto no qual esta ciência foi desenvolvida ao longo
dos séculos. Cabe aqui estudarmos, mesmo que de forma abreviada, como as
sociedades se organizavam. Como era a economia europeia pré-capitalista?

Para responder a essa pergunta é necessário que se fale no regime que


então predominava, que era o feudalismo, o sistema econômico que precedeu o
capitalismo. O feudalismo resumia-se assim: uma hierarquia feudal onde o servo
ou camponês era protegido pelo senhor feudal, que devia fidelidade e era protegido
por senhores mais poderosos e assim sucessivamente, indo até ao rei, em troca de
pagamentos em moeda, trabalho e alimentos. Os senhores concediam aos servos o
uso da terra a seus vassalos. Na base ficava o servo que cultivava a terra. A maior
parte da população cultivava a terra para alimentação e vestuário (HUNT, 2005).

A sociedade medieval era essencialmente agrária. A hierarquia social


baseava-se nos vínculos que os indivíduos mantinham com a terra; as atividades
agrícolas eram as que sustentavam todo o sistema social. Todavia, uma série de
mudanças foram ocorrendo em vários séculos, o que resultou na ruína do sistema
feudal e no surgimento do capitalismo (HUNT, 2005).

São centrais no sistema feudal os costumes e as tradições no lugar das leis


como conhecemos hoje. Toda a organização baseava-se num sistema de serviços e
obrigações mútuas que envolvia toda a hierarquia feudal.

As instituições econômicas básicas da vida essencialmente rural medieval


resumiam-se ao feudo, no qual separavam-se por classes distintas: o rei
considerava-se que era o elemento mais importante do sistema feudal (ficando
10
TÓPICO 2 | EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO: ANTECEDENTES E PRECURSORES

no topo, se pensarmos em uma pirâmide), na sequência, teríamos a alta nobreza,


incluindo os dignitários da igreja, duques e condes; na sequência, o baixo clero,
monges, sacerdotes junto com barões e cavalheiros; e, por fim, como base de
suporte (imaginando novamente uma pirâmide) ficam os camponeses, servos
que obrigavam-se a viver e a trabalhar nas terras do senhor feudal em troca de
alimentos e condições para sobrevivência. Assim, cada andar desta pirâmide ia
sucessivamente sustentando o outro.

FIGURA 3 - SISTEMA FEUDAL

FONTE: Adaptado de HUNT (2005)

Além dos feudos, a Europa medieval tinha muitas cidades, as quais eram,
para a época, importantes centros manufatureiros. Esses bens manufaturados eram
comercializados nos feudos e às vezes em longa distância. O que predominava
nessa época eram as guildas, pequenos grupos organizados de artesões, e quem
quisesse produzir e vender algo deveria fazer parte dessas guildas.

Com o crescimento das chamadas vilas e das cidades, conduziu-se também


o crescimento da especialização rural-urbana. A produção de bens manufaturados
cresceu muito e, aos poucos, o que era essencialmente agrário (rural) começa a
ganhar outras feições, com trabalhadores rompendo os laços com a terra. Nesse
processo de crescente produção manufatureira as atividades se especializam e a
produtividade aumenta, causando, consequentemente, o aumento das relações de
comércio internacional.

Para muitos pensadores, essa disseminação do comércio internacional foi a


mais importante força para a desintegração do feudalismo medieval. Obviamente
11
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

que isso não deve ser posto em dúvida, todavia convém lembrar que um dos
fatores desse comércio se expandir na Europa foi o contato com os árabes. O
crescimento da produtividade agrícola significava que o excedente de alimentos
e manufaturados tornava-se disponível tanto para abastecer os mercados locais
como para o mercado internacional (HUNT, 2005).

Aos poucos, com os aperfeiçoamentos na energia e nos transportes, tornou-


se possível e mais lucrativo concentrar os indivíduos nas cidades e a partir daí
produzir para vender em grande escala em mercados a longa distância. Todavia,
esse crescimento do comércio não pode ser considerado o principal elemento para
a dissolução do sistema feudal e a formação de uma sociedade em direção ao
capitalismo.

Embora essa transição das economias feudais para as economias ditas


capitalistas tenha coincidido com o aumento do comércio internacional, não é
somente esta força que conduziu para a transição. A intensificação das atividades
comerciais na Europa contribuiu para a consolidação e perpetuação das relações
sociais, econômicas e feudais. Nesse contexto, o comércio tendia a ser estritamente
mantido subordinado aos interesses da classe feudal.

O feudalismo na Europa era um sistema relativamente novo, considerado


potencial econômico de desenvolvimento. Todavia, esse sistema se dissolveu antes
mesmo de se solidificar. Segundo Hunt, o impulso para essa dissolução do sistema
feudal diz respeito aos aumentos da produtividade, o excedente social se tornava
cada vez menor para sustentar uma classe dominante que crescia rapidamente. Isso
provocou conflitos cada vez mais sérios e irreconciliáveis dentro da própria classe
dominante. Nesse contexto se deram graves conflitos entre os vários segmentos da
nobreza e do clero, o comércio se "tornou uma força desestabilizante e corrosiva"
(HUNT, 2005, p.39).

Com a expansão do sistema de comércio, fortaleceram-se as cidades


industriais e comerciais para justamente servir este comércio. Com esse crescimento,
as mudanças na agricultura foram grandes, havendo um enfraquecimento das
relações com a terra e, por consequência, com as estruturas feudais.

Por volta do século XV as feiras aos poucos eram substituídas por cidades
comerciais, onde florescia um mercado permanente. Nesse período, novas leis com
relação ao comércio foram sendo criadas. É daí que surgem as leis que regem o
sistema capitalista baseadas nos negócios, contratos, representações comerciais,
leilões etc.

As indústrias que começaram a aparecer nas cidades eram basicamente


de exportação. Os artesões vendiam seus produtos aos comerciantes e estes os
transportavam e revendiam. Diferença ainda a ser considerada era o fato de que os
artesãos no sistema feudal eram também agricultores, e o artesão das cidades vai
desistir da sua posse de terra para dedicar-se única e exclusivamente ao trabalho
com o qual ele tivesse uma renda em dinheiro, a qual poderia utilizar para satisfazer
suas necessidades.
12
TÓPICO 2 | EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO: ANTECEDENTES E PRECURSORES

Com o comércio prosperando, se expandia também a necessidade de haver


uma maior produtividade, nesse momento passa-se a ter maior controle do processo
produtivo, elo capitalista. Por volta do século XVI, as indústrias que existiam eram
de um artesão proprietário de sua oficina e de suas ferramentas e matérias-primas,
e funcionava como um pequeno produtor independente. Inicialmente, o capitalista
fornecia ao artesão a matéria-prima e lhe pagava uma quantia para transformar no
produto final, num sistema doméstico de trabalho (HUNT, 2005).

Muitos historiadores afirmam que o capitalismo já existia quando ocorre


essa expansão e domínio do comércio na Europa. Os mercados, na busca de
lucro monetário, substituíram os costumes e a tradição do sistema hierárquico
do feudalismo na determinação de quem executaria certa tarefa, como era neste
regime de castas.

O capitalismo, enquanto sistema econômico, só se tornou dominante no


momento em que as relações entre os capitalistas e os trabalhadores existentes
por conta das indústrias de exportação, aproximadamente do século XVI, foram
estendidas a várias outras indústrias da economia daquela época. Para esse sistema
se desenvolver, os resquícios do sistema feudal deveriam ser destruídos.

O século XVI é um "divisor de águas” na história de toda a Europa. Nesse


período marca-se a linha divisória entre as ruínas feudais e o novo sistema que
surgia, o capitalismo. Ocorria uma série de mudanças por conta disso, mas a
principal é que a partir deste momento cria-se uma classe trabalhadora, sendo
a mesma privada dos meios de produção e forçada à situação de vender o seu
próprio trabalho como única possibilidade de sobrevivência.

O aumento da população acompanha, nesse processo, o movimento dos


cercamentos, que começaram na Inglaterra em meados do século XII. A nobreza,
cada vez mais à beira do colapso, cercava e fechava as terras até então usadas como
pasto comum. A partir daí o pasto era destinado às ovelhas, para satisfazer as
necessidades da indústria têxtil com a lã produzida.

O movimento dos cercamentos atingiu o seu ápice nos séculos XV e


XVI, quando em alguns locais os camponeses foram expulsos do campo, sendo
forçados a buscar sustento nas cidades. Os cercamentos, acompanhados pelo
crescimento populacional, colocaram o feudalismo em ruínas, criando uma classe
de trabalhadores sem-terra, sem meios de produção, tendo apenas a força de
trabalho para vender. A migração dessa força de trabalho para as cidades eram
braços disponíveis no "mercado" que se formava.

O termo capitalismo refere-se ao sistema de busca de lucro e de acumulação


de capital. Nesse sistema, ter a propriedade do capital é ter a fonte dos lucros e, daí,
a fonte de mais acumulação de capital. A acumulação primitiva de capital ocorreu
no período que está sendo considerado. Os importantes fatores para esse processo
de acumulação inicial de capital foram: (1) o volume do comércio, que cresceu
rapidamente; (2) o sistema industrial de produção doméstica; (3) o movimento dos
cercamentos.
13
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Em finais do século XVI e início do século XVIII, quase todas as grandes


cidades da Inglaterra, França, Espanha e dos Países Baixos (Bélgica e Holanda)
já tinham se transformado em prósperas economias capitalistas, dominadas
pelos mercadores capitalistas, que controlavam não só o comércio, mas também
grande parte da indústria. Nos modernos Estados-nação, coalizões de monarcas
e capitalistas tinham retirado o poder efetivo da nobreza feudal de muitas áreas
importantes, principalmente nas relacionadas com a produção e o comércio.
Essa época do início do capitalismo é conhecida por muitos como mercantilismo,
assunto este que abordaremos no próximo ponto, na sequência (HUNT, 2005).

E
IMPORTANT

Caro(a) acadêmico(a), o feudalismo foi uma forma de organização social e


econômica da Idade Média europeia, a qual caracterizava-se como sendo um sistema de
grandes propriedades de terra isoladas chamadas de feudos, os quais pertenciam à nobreza e
ao clero, e trabalhados pelos servos da gleba, numa economia de subsistência. O sistema era
organizado segundo uma extensa e intrincada hierarquia de feudos. A terra, única fonte de
poder, era recebida pelo senhor em caráter hereditário (SANDRIONI, 1999).

NOTA

Prezados(as) estudantes, o movimento dos cercamentos ocorrido na Idade Média


foi o que deu origem ao efeito que favoreceu a entrada de um outro modelo, o capitalismo,
onde, de feudo ou terra comunal, passaram a constituir propriedade. Num movimento no qual
aqueles que se emanciparam não se tornaram nada além do que vendedores de si mesmos, já
que não eram possuidores dos meios de produção, e obrigam-se a vender-se a si mesmos a
quem detém os meios de produção (MARX, 1983).

ATENCAO

Capitalismo é o sistema que floresceu depois do sistema feudal. Esse é o sistema


econômico hoje adotado em todas as partes do mundo, sistema que se baseia na propriedade
privada e no acúmulo de riquezas.

14
TÓPICO 2 | EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO: ANTECEDENTES E PRECURSORES

2.2 TRANSIÇÃO PARA O CAPITALISMO E ELABORAÇÃO


DO PENSAMENTO MERCANTILISTA
O mercantilismo é uma doutrina econômica que caracteriza o período
histórico da revolução comercial entre os séculos XVI-XVIII. Nesse quadro de
revolução é que se desenvolve a doutrina mercantilista. Principalmente na Europa,
mais especificamente França, Portugal e Espanha. Este período foi marcado por
ruínas feudais e pela formação dos Estados nacionais. Nesse momento de transição
surge a corrente mercantilista, que defenderá um aumento no acúmulo de divisas
em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior protecionista
(SANDRIONI, 1999). A riqueza de uma nação, portanto, se daria pelo acúmulo de
metais preciosos, ou o que se chama metalismo. Citaremos alguns dos princípios
básicos do mercantilismo, que seriam:

• O Estado como promotor do bem-estar nacional.


• A riqueza das economias nacionais vai resultar de um aumento da população e
da ampliação do volume de metais preciosos no país (ou o chamado metalismo).
• O comércio exterior deve ser estimulado (pois é por meio de uma balança
comercial favorável que se aumenta o estoque de metais preciosos, deixando
assim o país em boas condições).
• O comércio e a indústria são mais importantes para a economia nacional que a
agricultura.

E
IMPORTANT

Como observamos, a partir do século XVI o mercantilismo é a primeira escola


econômica que nasce. Suas principais preocupações são sobre o acúmulo de riquezas de uma
nação com o intuito de promover o comércio exterior. Considerava-se que uma economia
seria poderosa economicamente quanto maior fosse o seu estoque de metais preciosos
(VASCONCELOS; GARCIA, 1999).

ATENCAO

Os mercantilistas, portanto, tinham preocupação explícita sobre a acumulação de


riquezas, comércio exterior e moeda. Davam ênfase para o poder do Estado, considerando que
tanto quanto maior fosse o seu estoque de metais preciosos, maior seria a riqueza da nação
(PINHO et al., 2003; VACONCELOS; GARCIA, 1999).

15
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Embora seja considerada pouco significativa a contribuição do mercantilismo


para a composição da análise econômica, alguns autores e obras marcaram esse
período. Entre alguns dos principais nomes representantes da doutrina estão os
ingleses Thomas Mun e Josiah Child, os franceses Barthélemy de Laffemas, William
Petty com a obra: Political Arithmetic (1682) (este autor evidenciou a preocupação
da análise estatística dos problemas econômicos) e Catillon com a obra Essai Sur
La Nature Du Commerce En Général (1755) - muitos afirmam ser o berço da ciência
econômica, obra na qual Catillon argumenta sobre os riscos dos empresários e
explicitando o circuito econômico (reformulado mais tarde por Quesnay, que
veremos mais adiante) (SANDRIONI, 1999; PINHO et al., 2003). É somente depois
de Quesnay que a atividade econômica passou a ser tratada de forma científica,
justamente é isso o que veremos na sequência.

2.3 OS FISIOCRATAS E AS IDEIAS ECONÔMICAS DE


QUESNAY
Essa corrente de pensamento é de origem francesa do século XVIII e
elaborou alguns trabalhos considerados importantes. Ela vem de contraponto
aos mercantilistas, que vimos anteriormente. Os fisiocratas se debruçavam sobre
a ideia de que a terra era a única fonte de riqueza, e acreditavam que o universo
era regido por leis naturais, absolutas, imutáveis e universais desejadas pela
“providência divina” (VASCONCELOS; GARCIA 1999). Os fisiocratas tinham
como propósito reformar a França, que estava passando por problemas de ordem
social econômica caracterizados pela transição do feudalismo para o capitalismo.
O caos que a França vinha passando resultou na Revolução Francesa.

Essa corrente de pensamento acreditava que a sociedade era regida por leis
naturais e, portanto, os problemas da França eram devido à incapacidade de seus
dirigentes compreenderem essa lei natural e ordenarem a produção e o comércio
de acordo com essa lei.

Um dos precursores dessa escola de pensamento foi François Quesnay,


autor da obra Tableau Économique, o primeiro a dividir a economia em setores
e mostrando a inter-relação entre os mesmos. Esta é considerada a sua maior
contribuição à análise econômica. Mais tarde este quadro foi aperfeiçoado e
transformou-se no sistema de circulação monetária (VASCONCELOS; GARCIA,
1999).

Justamente aí é que Quesnay formula um modelo simples da forma pela


qual, para ele, a sociedade deveria ser estruturada, com a finalidade de refletir o
que chamavam de lei natural e com base neste modelo de Quesnay. Essa corrente
de pensamento defende uma reforma política: a abolição das guildas, bem como a
remoção de todos os impostos e tarifas da indústria e do comércio (HUNT, 2005).

16
TÓPICO 2 | EVOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÔMICO: ANTECEDENTES E PRECURSORES

FIGURA 4 - FRANÇOIS QUESNAY

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/imagens/


biografia/ecfrqnay.jpg > Acesso em: 10 jan. 2015.

Nesse quadro econômico, Quesnay representou o fluxo de bens entre as


diferentes classes sociais, distinguindo um equilíbrio de quantidades globais.
Importante instrumento de análise, o Quadro de Quesnay é considerado precursor
da economia quantitativa (PINHO et al., 2003).

Nesse quadro, a sociedade era dividida em três classes: os produtores


(agricultores), os proprietários de terra (a nobreza e o clero) e as “classes estéreis”
(os demais cidadãos). Onde perceberam então que existe inter-relação entre essas
classes. Ou seja, uma circulação da renda entre essas três classes: os agricultores e
proprietários compram produtos e serviços dos demais grupos, que depois fazem
retornar essa renda comprando produtos agrícolas, o que é exposto justamente no
Tableau Économique, de Quesnay (SANDRIONI, 1999). Este quadro sintetizou
um modelo de uma economia. Demostrando os processos de produção, circulação
da moeda e das mercadorias, além da distribuição da renda.

17
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 5 - TABLEAU ÉCONOMIQUE (1758)

FONTE: Disponível em: <http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTVhtjn3S


kPPAwUKvSeFEwk6oxSNhscSsE0E62HtJJbgR7pB88-Zg > Acesso em:
10 jan. 2015.

E
IMPORTANT

Prezado(a) acadêmico(a), como vimos anteriormente, para a fisiocracia, a riqueza


consistia em bens produzidos por “regras da natureza”, ou seja, em atividades essencialmente
rurais que eram incentivadas, como lavouras, pesca, mineração e agricultura. Para essa corrente,
só a terra tinha a capacidade de ampliar a riqueza (VASCONCCELOS; GARCIA, 1999).

18
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você aprendeu que:

• Na antiguidade romana não havia um pensamento econômico independente.

• Na antiguidade grega, Xenofonte cunha o termo economia.

• Na Idade Média, as atividades mercantis/ou predomínio do mercantilismo


como regime predominavam na Europa, especialmente na Inglaterra.

• Feudalismo foi uma forma de organização social e econômica da Idade Média


europeia. Caracterizava-se por ser um sistema de grandes propriedades de
terra isoladas chamadas de feudos, os quais pertenciam à nobreza e ao clero e
trabalhados pelos servos da gleba, numa economia de subsistência.

• Cercamentos foi um movimento no qual constitui-se a propriedade privada dos


feudos.

• Capitalismo é o sistema que floresceu depois do sistema feudal.

• Mercantilismo, escola de pensamento que considerava a riqueza das nações


com base nos metais que elas acumulavam.

• Fisiocratas consideravam que a riqueza provinha das terras. Seu principal


precursor foi Quesnay.

19
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), para fixar melhor o que estudamos neste tópico,


vamos exercitar um pouco. Leia com atenção as questões e responda-as no seu
Caderno de Estudos.

1 Em que consiste a riqueza para os mercantilistas e fisiocratas?

2 Quais as noções de economia na antiguidade grega e romana e na Idade


Média?

3 Explique, brevemente, o que François Quesnay propôs com o Tableau


Économique.

4 Explique como se deu o processo de transição do regime feudal para as


economias de mercado.

20
UNIDADE 1
TÓPICO 3

ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

1 INTRODUÇÃO
A expressão Economia Política é de origem grega [politeia e oikonomika],
aparecendo as primeiras vezes nos escritos de Aristóteles e Platão, tomando corpo
teórico com as publicações do livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, em
1776, aos Princípios de Economia Política, de John Stuart Mill, de 1848, e é marcada
pela obra de David Ricardo, Princípios de Economia Política e Tributação, de 1817.
O que se denomina Economia Política Clássica vai de meados do século XVIII ao
século XIX.

Os precursores da escola clássica, Smith e Ricardo, centraram a sua atenção


nas questões teóricas de valor, trabalho e ao dinheiro. “À economia política
interessava compreender o conjunto das relações sociais que estava surgindo do
antigo regime” (NETTO, BRAZ, 2011, p. 27), as proposições econômicas e de uma
visão de conjunto da evolução econômica. “A escola clássica baseou-se nos preceitos
filosóficos do liberalismo e do individualismo e firmou os princípios da livre
concorrência, que exerceram decisiva influência no pensamento revolucionário
burguês” (SANDRIONI, 1999).

Veremos agora alguns dos principais precursores da Escola de Economia


Política Clássica e suas teorias que formularam este campo teórico.

2 PRINCIPAIS PRECURSORES DA ESCOLA DE ECONOMIA


POLÍTICA CLÁSSICA

2.1 ADAM SMITH (1723-1790)


Adam Smith (1723-1790) nasceu na Escócia, onde viveu quase toda a sua
vida. Frequentou as Universidades de Glasgow e Oxford entre 1737-1746, lecionou
em Glasgow entre 1751 e 1764. Uma de suas obras chamava-se Theory of Moral
Sentiments - Teoria dos Sentimentos Morais, este livro foi um tratado de filosofia
social e moral, portanto com pouquíssimas contribuições para a Economia Política.
Smith ficou dois anos na França, entre 1764 e 1766, onde teve contato com muitos
pensadores e filósofos, dentre os quais destaca-se o contato que teve com o fisiocrata
Quesnay. Em 1776 publicará a sua obra mais importante, An Inquiry into the Nature
and Causes of the Wealth of Nations (conhecida como A Riqueza das Nações).

21
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 6 - ADAM SMITH

FONTE: Disponível em: <http://oll.libertyfund.org/media/W1siZiIsIn


Blb3BsZS80NC80MDJweC1BZGFtU21pdGguanBnIl1d/402
px-AdamSmith.jpg?sha=50d35f7e52350ce0> Acesso em:
14 jan. 2015.

Adam Smith é considerado o precursor da “Teoria Econômica” moderna,


entendida como um campo teórico próprio justamente por essa obra: “Uma
Investigação sobre a Causa da Riqueza das Nações”, em 1776. A partir de então,
muitos pensadores consideram que abrem-se os estudos do campo teórico da
economia política. Na obra são tratadas questões econômicas que vão desde
leis de mercado, aspectos monetários, até a distribuição e rendimentos da terra
(VASCONCELOS; GARCIA, 1999; HUNT, 2005).

Smith vai distinguir-se de todos os economistas que o antecederão pela sua


formação acadêmica e pela vastidão de conhecimentos. Além de ser considerado
o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e relativamente coerente da
natureza, da estrutura e do funcionamento do sistema capitalista. Notou que
havia ligações entre as principais classes sociais, entre os setores de produção, a
distribuição da riqueza, da renda, o comércio, a circulação da moeda, questões
relativas aos preços, e ao processo de crescimento econômico das nações (HUNT,
2005).

O pressuposto central defendido por Smith era que se deixasse atuar a


livre concorrência, que os agentes encontrariam o equilíbrio através de uma “mão
invisível” que levaria a sociedade consequentemente à perfeição. Nesta teoria
Smith defendia que todos os agentes, em sua busca por lucrar o máximo, acabam
promovendo o bem-estar de toda a sociedade. E afirma: "não é da benevolência
do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar,
mas sim do empenho deles em promover seu autointeresse” (SMITH,1996, p. 22).

22
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

É como se uma mão invisível orientasse as ações do mercado e da economia sem


a necessidade propriamente da atuação do Estado para isso. Portanto, este autor
baseava-se no mercado, única e exclusivamente, como regulador das decisões
econômicas de uma nação. Acreditava que isso traria muitos benefícios para a
coletividade, independente da ação estatal. Pressupostos, portanto, do liberalismo.
Smith defendia a livre iniciativa, calcada nos pressupostos do laissez–faire
(VASCONCELOS; GARCIA, 1999: HUNT,2005: SMITH, 1996).

NOTA

Mão invisível, segundo Pinho et al. (2003, p. 589), é a base do pensamento liberal
da escola de economia clássica: “milhões de consumidores e milhares de empresas sozinhos,
como que guiados por uma mão invisível, encontram posição de equilíbrio nos vários mercados
sem a intervenção estatal”.

NOTA

laissez–faire - ‘laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même’, de origem


francesa e que em português significa "deixem fazer, deixem passar, o mundo vai por si só". É
a expressão utilizada por economistas que tendem ao liberalismo, no sentido de deixar que as
forças de mercado sozinhas agem tendendo ao equilíbrio, e que o papel do Estado nada mais
é do que intervir na economia somente nos termos da lei e da ordem (PINHO et al., 2003).

A principal explicação de Adam Smith para o desenvolvimento encontra-


se logo nas primeiras páginas de seu principal livro, em um item que trata sobre
a divisão do trabalho. Para Smith, a divisão do trabalho seria fator decisivo
para o aumento da produtividade de uma fábrica, por exemplo. Portanto, os
trabalhadores deveriam se especializar em algumas determinadas tarefas e, por
consequência, a produtividade se elevaria. A aplicação destes princípios, por
sua vez, fez com que houvesse um aumento da destreza pessoal, diminuição do
tempo, condições favoráveis para o aparecimento de novos inventos e máquinas
(VASCONCELOS,1999; PINHO et al., 2003).

Smith distingue ainda o valor de uso e valor de troca das mercadorias, dando
destaque às mercadorias, afirmando que elas são determinadas pela quantidade de
trabalho necessário para reproduzir as mesmas. Já para os fisiocratas, como vimos
anteriormente, apenas o trabalho na agricultura produzia valor. Smith contrariou
os fisiocratas, demostrando que todas as atividades que produzem mercadorias

23
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

têm valor. Sendo contrário ainda à concepção mercantilista, Smith argumenta em


seu livro que a riqueza é constituída pelos valores de troca e não pela moeda, que
é apenas o meio que permite a circulação dos bens (SANDRIONI, 1999).

Para Smith, a verdadeira fonte de riqueza de um país é o seu trabalho. A


riqueza de uma nação só poderá aumentar se pode ser elevada com o aumento
da produtividade e, portanto, com a expansão da especialização, da divisão do
trabalho e com a acumulação do produto sob a forma de capital (SANDRIONI,
1999).

Dentre os principais discípulos de Smith, importantes para a Economia


Política pelas suas contribuições, estão Ricardo, Malthus, Stuart Mill e Say, os
quais estudaremos na sequência.

2.2 DAVID RICARDO (1772-1823)


David Ricardo é outro autor da Escola Clássica de Economia Política. Era
filho de um rico capitalista inglês, que tinha feito uma fortuna na bolsa de valores,
após ter migrado da Holanda para a Inglaterra. O jovem Ricardo teve mais sucesso
ainda na bolsa de valores do que seu pai, sendo muito rico antes mesmo dos 30
anos de idade. Em 1799 leu A Riqueza das Nações, livro publicado em 1776 por
Adam Smith, desde então passou tempo estudando e escrevendo sobre questões
de Economia Política e aumentando suas posses.

Ricardo viveu na mesma época turbulenta de Malthus. Sua opinião sobre


a classe operária não era diferente da de Malthus. Ricardo inclusive aceitará as
conclusões de Malthus sobre a teoria da população. Já quanto às questões sociais,
suas opiniões se diferiam. No conflito entre capitalistas e os proprietários de terra,
Ricardo sempre defendia os capitalistas, e Malthus, como vimos, os proprietários
de terra. Sua obra mais importante no campo da Economia Política intitula-se
“Princípios de economia e tributação”, publicada em 1817, nas quais estão suas
principais teorias, que de forma breve passaremos a estudar neste ponto.

24
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 7 - DAVID RICARDO

FONTE: Disponível em: <http://www.pensamentoeconomico.ecn.br/


images/ricardo.gif> Acesso em: 14 jan. 2015.

Partilhando das ideias de Adam Smith e partindo dos escritos justamente


deste autor é que Ricardo formula modelos econômicos com importante poder
analítico. Ricardo vai aprimorar a tese de que todos os custos se reduzem a
custos de trabalho, é a chamada teoria do valor-trabalho, já mencionada por
Smith anteriormente. Com esta teoria, Ricardo sustentava que o valor de uma
determinada mercadoria dependia do trabalho nela incorporado. Por isso, para
Ricardo, as mercadorias sempre teriam preços proporcionais ao trabalho nelas
incorporado (HUNT, 2005).

Ricardo analisou ainda as questões do comércio internacional, porque as


nações comercializavam entre si, se é melhor para elas comercializarem, e quais
produtos deveriam ser comercializados. Com essas questões, Ricardo formulou a
Teoria das vantagens comparativas. Esta teoria consistia em demonstrar que cada
país deveria se especializar na produção de bens para os quais possuía maiores
vantagens comparativas. As teorias das vantagens comparativas determinam o
padrão de produção, de forma que o comércio internacional seria impulsionado
pela diferença da produtividade da mão de obra, o que fará com que se maximize a
produção e a competitividade destes produtos. Muito atual nas linhas de comércio
exterior, essa teoria demonstra como os países exportam bens produzidos de forma
eficiente e competitiva, e, de outro lado, importando bens que seriam produzidos
de maneira ineficiente com custos mais elevados dentro de determinado país
(VASCONCELOS; GARCIA, 1999).

25
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Ricardo observava a sociedade de sua época da perspectiva da teoria do


trabalho ou da produção. Observava os conflitos de classe da época e percebia que
os interesses entre capitalistas e a classe operária eram opostos, e afirmava: se os
salários se elevarem, os lucros tenderão a cair por parte dos capitalistas (HUNT,
2005).
Ricardo foi o primeiro economista a defender que o livre comércio
internacional poderia beneficiar dois países, mesmo que um deles produzisse
todas as mercadorias de forma mais eficiente que a outra nação. Defendia que
dois países poderiam beneficiar-se com o comércio se cada um tivesse uma
vantagem relativa na produção. Isso significaria que a razão entre o trabalho (ou
horas trabalhadas) incorporado às duas mercadorias pode ser diferente em países
diferentes, de modo que cada um deles poderia ter no mínimo uma mercadoria na
qual a quantidade de trabalho incorporado seria menor que no outro país, e que
por isso teria vantagem na produção de determinado produto sobre o outro país
(HUNT, 2005). Acompanhemos o exemplo a seguir.

QUADRO 1 - TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS DE RICARDO – NÚMERO DE HORAS


NECESSÁRIAS PARA PRODUZIR UMA UNIDADE DE TECIDO E VINHO NA
INGLATERRA E PORTUGAL

Horas entre preço e do Razão entre preço do


Produto Tecido Vinho
vinho e do tecido vinho e tecido

Inglaterra 100 120 1,20 0,83

Portugal 90 80 0,88 1,12

FONTE: Adaptado de HUNT (2005)

Observando o quadro, podemos perceber que Portugal tem uma vantagem


absoluta na produção de vinho e de tecidos, isso significa afirmar que são
necessárias menos horas de trabalho para produzir estas mercadorias em Portugal
do que sua produção na Inglaterra.

Vemos que

em Portugal são necessárias 90 horas para produzir uma unidade de


tecido e 80 horas para produzir uma unidade de vinho. Significa dizer
que o vinho precisa de 88% do trabalho exigido pelo tecido e que o
preço do vinho equivale a 88% do preço do tecido. Já na Inglaterra,
o trabalho necessário à produção de vinho e seu preço equivalem a
120% do trabalho. Segundo Ricardo, Portugal utiliza menos trabalho
na produção de vinho e o preço é mais baixo, de outro lado Portugal
usa 112% do trabalho incorporado na produção de vinho para produzir
tecido e, assim, o preço do tecido equivale a apenas 83% do preço do
vinho. Assim sendo, a Inglaterra utiliza relativamente menos trabalho
para produzir tecido, mas de outro lado utiliza mais trabalho, em
termos absolutos; portanto, a Inglaterra tem uma vantagem relativa na
produção de tecido. (HUNT, 2005, p. 138-139).

26
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Ricardo demonstrara ainda como a acumulação de capital acompanhada


pelo aumento populacional ocasionaria uma elevação da renda da terra. Demonstra
que os rendimentos decrescentes diminuem de tal forma os lucros que a poupança
se torna nula, tendo-se uma condição de economia estacionária, com salários de
subsistência e crescimento nulo (VASCONCELOS; GARCIA, 1999; PINHO et al.,
2003; HUNT, 2005).

Considerado um trabalho primordial, a teoria da renda da terra de Ricardo


é uma das principais formulações e contribuições para o período dos clássicos.
Ricardo sustentava em duas hipóteses sua teoria: em primeiro lugar, considerava
que a terra era diferente em sua fertilidade e que as terras poderiam se ordenar a
partir da mais fértil para a menos fértil; a segunda premissa é a de que a concorrência
sempre igualava a taxa de lucro dos fazendeiros capitalistas que arrendassem terra
dos proprietários (HUNT, 2005).

ATENCAO

A teoria das vantagens comparativas defende que uma nação exportará sempre
os produtos que produzir com custos relativamente menores que outros e importando os
produtos nos quais se tem um custo mais elevado, o que resultaria em vantagens para ambas
as economias, por isso teoria das vantagens comparativas (PINHO, et al., 2003).

E
IMPORTANT

A teoria do valor-trabalho. Ricardo sustentava que o valor de uma determinada


mercadoria dependia do trabalho nela incorporado. Por isso, para Ricardo as mercadorias
sempre teriam preços proporcionais ao trabalho nelas incorporado (HUNT, 2005).

2.3 THOMAS ROBERT MALTHUS (1766-1834)


Thomas Robert Malthus (1766-1834) era filho de família inglesa de posses.
Estudou na Universidade de Cambridge. Mais tarde lecionou Economia Política
na faculdade da Companhia das Índias Orientais em Harleybury, onde ficou até
sua morte.

O contexto histórico que viveu Malthus foi muito tumultuado e permeado


por conflitos de classes, e suas obras de certa forma refletem a sua posição em relação
a esses conflitos. O conflito era a Revolução Industrial, que ocorre justamente pelo
sofrimento por conta da precarização das relações de trabalho que a classe operária
estava passando.
27
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 8 - THOMAS ROBERT MALTHUS

FONTE: Disponível em: <https://jellyfishcoolman.files.wordpress.


com/2009/10/malthus.jpg> Acesso em: 10 jan. 2015.

A Revolução Industrial trouxe aumentos da produtividade, a construção


de fábricas, o uso de máquinas na produção. Essas mudanças faziam com que
houvesse um aumento da produtividade. Por outro lado, as condições de trabalho
para a classe operária eram precárias, em níveis de mera subsistência, os sacrifícios
sempre foram feitos por aqueles que tinham menor poder econômico e político,
ou seja, a classe operária. A classe operária na Inglaterra vivia perto dos níveis de
subsistência, com o salário deteriorado, isso por volta de 1750, na segunda metade
do século XVIII (HUNT, 2005).

Nessa época da Revolução Industrial é consenso de muitos estudiosos e


historiadores que as condições de vida dos trabalhadores decaíram muito, e que
"os pobres ficaram mais pobres simplesmente porque as classes média e rica
ficaram obviamente mais ricas” (HUNT, 2005, p.111). Justamente neste momento
em que os pobres estavam nas piores condições possíveis, a classe média e rica
estava com capital excedente, o qual utilizava para investir.

Por isso não se tem dúvidas de que quem sempre arcou com os custos
sociais necessários à industrialização foi a classe trabalhadora. Este momento
ainda é marcado pela perda, usurpação da "habilidade artesanal", do trabalhador,
pois da manufatura passa a submeter-se ao novo sistema fabril, o que destruiu
completamente o modo de vida deste trabalhador (HUNT, 2005).

28
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 9 - PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO DOS TRABALHADORES

FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn3.gstatic.com/


images?q=tbn:ANd9GcQiSnj5-ASLIzEMTcflRcJMpGOZQXHBB6cUvKyoZkrW
2051SLkbg>. Acesso em: nov. 2012.

Agora, no novo sistema fabril, a única relação era de troca entre trabalho e
salário, os trabalhadores foram perdendo o acesso aos meios de produção e foram
reduzidos a meros vendedores da força de trabalho e totalmente dependentes das
condições de mercado para sua sobrevivência.

"A máquina, que antes era um apêndice do homem, se tornava agora o ponto
central do processo de produção. O homem passou a ser um simples apêndice
da máquina fria, implacável e ditadora do ritmo de trabalho” (HUNT, 2005, p.
112). Esse novo sistema fabril fez com que grupos de trabalhadores destruíssem
máquinas e fábricas que, segundo eles, eram responsáveis pela sua má situação.

A divisão do trabalho na fábrica fez com que mulheres e crianças sem


treinamento algum pudessem trabalhar tão bem quanto os homens. Para o
capitalista era muito lucrativo, já que os salários pagos às mulheres e crianças
eram bem mais baixos com relação aos homens. Em muitos casos, relatam os
historiadores que, dadas as condições da época, famílias inteiras se submetiam
a trabalhos precários nas fábricas, recebendo o suficiente apenas para comer, na
maioria dos casos.

Em alguns casos ainda há relatos de que os donos das fábricas preferiam


mulheres e crianças, pois eram mais "obedientes" e "dóceis".

29
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

No contexto descrito acima, em meio aos conflitos de classe da época da


Revolução Industrial, Malthus era defensor declarado dos ricos, tanto que sua
teoria da população serviu para defender esta classe. Em 1798 ele publicou sua
obra intitulada An Essay on the Principle e of Population as It Affects the Future
Improvement of Society, with Remarks on the Speculations of Mr. Godwin, M.
Condorcet, and Other Writers, geralmente conhecida como Ensaio sobre o Princípio
da População.

Em 1814 a principal preocupação de Malthus era com relação à luta


entre os proprietários de terras e os capitalistas. Nesse período Malthus sempre
defendeu os interesses da classe dos proprietários de terras. Nos princípios, a base
teórica mais importante de sua defesa dos proprietários de terras era sua teoria da
“superprodução” ou das depressões econômicas (HUNT, 2005, p. 118).

As condições sub-humanas da classe operária e a inquietação e revolta de


muitos trabalhadores fizeram surgir muitos defensores desta classe, nomes como
do francês Marie Jean Antonie Nicolas de Caritat, e o inglês Willian Godwin.
Malthus era contrário a essas ideias, o que foi base para seu primeiro ensaio.

Quanto à sua principal teoria, a chamada teoria da população, Malthus


baseava suas conclusões relativamente de forma simples: acreditava que quase
todas as pessoas eram impelidas por um desejo de prazer sexual e que, por conta
disso, as taxas de reprodução levariam a aumentos em progressão geométrica da
população, e que a população duplicaria a cada geração.

Ainda para Malthus, se não houvesse um meio de controle habitacional, a


fome acabaria limitando o crescimento populacional. Acreditava que por meio da
esterilidade, da abstinência sexual e controle de nascimentos era possível ter o que
ele chamou de controle preventivo. De outro lado, o controle positivo aumentava a
taxa de natalidade; incluía a fome, a miséria, as pragas, as guerras. "Se os controles
preventivos fossem inadequados, os controles positivos seriam inevitáveis e, se
houvesse uma insuficiência de doenças, guerras e catástrofes naturais, a morte
pela fome sempre controlaria o crescimento da população." (HUNT, 2005, p. 122).

Malthus foi o primeiro economista a sistematizar uma teoria geral sobre


a população. Malthus sustentava que o crescimento da população dependia
rigidamente da oferta de alimentos. Para este autor, a causa de todos os males
sociais estaria em um excesso populacional: “enquanto a população crescia em
progressão geométrica, a produção de alimentos seguia em progressão aritmética”
(VASCONCELOS; GARCIA, 1999, p. 17). Portanto, ele acreditava em uma escassez
de alimentos para um contingente populacional elevado e, ainda mais, acreditava
que a produtividade da terra não sustentaria uma produção de alimentos para
uma população grande (VASCONCELOS; GARCIA, 1999). Malthus acreditava
que o crescimento demográfico iria ultrapassar a capacidade produtiva da terra,
gerando assim fome e miséria.

30
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

2.4 JOHN STUART MILL (1806-1873)


Nascido em Londres em 1806, filho de James Mill, filósofo, economista
e alto funcionário da Companhia das Índias Orientais. A tentativa de integrar a
teoria do valor-trabalho com a perspectiva utilitarista foi feita por este pensador.
Na sua obra Princípios de Economia Política, publicada em 1848, declarava-se um
seguidor de Bentham e Ricardo. Reformulou a teoria do valor-trabalho de Ricardo,
com algumas modificações, e o utilitarismo de Bentham (HUNT, 2005).

Na apresentação de sua perspectiva da teoria do trabalho, Mill acredita


que a produção consistia, simplesmente, no trabalho transformado em recursos
naturais.

“Os requisitos da produção são dois: o trabalho e objetos naturais


apropriados… Em quase todos os casos… a não ser em alguns casos
sem importância, os objetos oferecidos pela natureza são apenas
instrumentais para as necessidades humanas, após terem sido, de certa
maneira, transformados pelo esforço humano.” (HUNT, 2005, p. 275).

FIGURA 10 - JOHN STUART MILL

FONTE: Disponível em: <http://avignon.midiblogs.com/


media/02/02/1371370821.jpg> Acesso em: 10 jan. 2015.

Seguidor de Ricardo, Mill elaborou o que pareceu uma reformulação a


teoria do valor-trabalho de Ricardo. Afirmou ainda que, embora o trabalho fosse
o mais importante determinante do valor, não era o único. Argumentava que a
teoria do valor-trabalho só seria válida quando as razões capital e trabalho fossem
as mesmas em todas as fábricas. Dessa forma, os custos para produzir seriam
proporcionais ao trabalho incorporado nas diferentes mercadorias. Todavia, isso
não acontecia com grande parte das mercadorias. A exemplo do vinho e do tecido:
produzidos na mesma quantidade de trabalho, têm valores diferentes, pois, por
exemplo, o vinho demorava mais para dar lucro que o tecido (HUNT, 2005).

Este pensador foi considerado o sintetizador do pensamento clássico. Seu


trabalho foi o principal utilizado para o ensino de economia no fim do período

31
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

clássico e início do período neoclássico. Sua obra vai consolidar o exposto por seus
precursores, nos quais se definiu melhor as restrições, vantagens e funcionamento
das economias de mercado (VASCONCELOS; GARCIA, 1999).

2.5 JEAN-BAPTISTE SAY (1769-1832)


Jean-Baptiste Say foi jornalista, industrial, parlamentar e professor, ocupou-
se a lecionar a cátedra de Economia Política no colégio da França, escreveu em
1804 um tratado de economia política.

Considerava-se um seguidor das ideias de Smith, afirmava que corrigia


pequenos equívocos do pensador escocês. Em sua obra mais importante, “Um
Tratado de Economia Política”, elogia Smith por suas contribuições à economia
política.

Entretanto, Smith era um liberal entre os autores ingleses de sua escola, foi
um dos únicos otimistas. Say, em sua releitura, conservou e fortifica este caráter, e
assim formou-se a corrente liberal otimista, denominada na história das doutrinas
como “Escola Liberal Francesa”.

Say argumentava que o preço ou valor de troca de qualquer mercadoria


dependia inteiramente de seu valor de utilidade. Rejeita a ideia de que o trabalho
era a fonte de valor e riqueza, insiste que a utilidade criava o valor de uma
determinada mercadoria. Este pensador colocou no centro dos fenômenos de
produção a indústria, enquanto a escola inglesa, com Ricardo (que já estudamos
acima), consagrou especial atenção à propriedade fundiária e à renda. Já Say vai
considerar o empreendedor e o lucro.

Importante nos escritos de Say era a crença deste pensador nos mercados
livres que se ajustam automaticamente, em um equilíbrio em que todos os recursos,
inclusive o trabalho, estariam plenamente utilizados e isso resultaria em pleno
emprego, tanto o trabalho quanto a capacidade produtiva. Essa crença no mercado
passou a ser conhecida mais tarde como a Lei de Say. (HUNT, 2005).

Say argumentava que a economia de mercado era uma economia em que


produtores especializados trocavam seus produtos. Afirmava ainda que ninguém
produziria o que não quisesse trocar. Portanto, para ele, uma oferta cria uma
demanda da mesma magnitude", "produção abre caminho para produção. Say
explicava ainda que poderia haver uma superprodução temporária de algumas
mercadorias e isso seria consequência do mercado não estar em equilíbrio, e o
resultado disso seriam preços muito altos e muito baixos (HUNT, 2005).

32
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 11 – JEAN-BATISTE SAY

FONTE: Disponível em: <http://www.liberal-international.org/


editorial.asp?ia_id=680> Acesso em: 15 jan. 2015.

Alguns pensadores rejeitaram as ideias de Say, entre eles Keynes, Marx e


Malthus. Todavia, a Lei de Say ainda hoje é aceita por muitos economistas.

E
IMPORTANT

Muito conhecida como “Lei de Say”, trata-se do principal pressuposto defendido


por este autor, em que a oferta cria sua própria demanda.

A adoção dos princípios do liberalismo econômico pautados e defendidos


por esses autores clássicos que citamos acima trouxe consequências negativas
principalmente para a classe trabalhadora, na época em que foram implantados. A
condição de vida das pessoas desmoronou, sujeitos a jornadas de trabalho de mais
de 12 horas diárias, em alguns casos até 18 horas, mulheres e crianças trabalhando
em chão de fábricas, os acidentes de trabalho com máquinas e equipamentos eram
muito frequentes nesse período.

33
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 12 - EM PLENO AUGE DO CAPITALISMO, CRIANÇAS TRABALHANDO


NAS FÁBRICAS DE 12 A 18 HORAS POR DIA

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/j3sHDi>. Acesso em: jan. 2015.

Dadas essas condições de precarização da maioria da classe trabalhadora,


começam a surgir questionamentos com relação às ideias liberais da escola da
economia política clássica. Essas ideias econômicas ainda deram margem para
o questionamento do autoajustamento da sociedade baseado apenas nas leis de
mercado guiadas pela “mão invisível”. Neste período ainda começam a surgir
o que se chamou de ideias socialistas e escolas socialistas. Surgem aí os críticos,
escola clássica, como Karl Marx, o principal crítico dessas ideias e que justamente
estudaremos no próximo tópico.

E
IMPORTANT

Liberalismo econômico é uma doutrina baseada em defesa das iniciativas


individuais que busca limitar a intervenção mínima possível na vida econômica, social e
cultural. Essa corrente clássica do século XVIII acredita que os mercados são guiados por uma
mão invisível e se equilibram por si sós, por isso a intervenção estatal é mínima.

3 A CRISE DA ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA


Por volta de 1830 até 1850 desenha-se uma crise da Economia Política
clássica que até então dominava o cenário das ideias econômicas. Mas exatamente
em 1825 manifestou-se a primeira crise do capitalismo; em 1848 explodem as
revoluções democrático-populares na Europa Ocidental e Central. A Revolução
Burguesa de 1848 não conduziu ao prometido reino da igualdade, liberdade e
fraternidade. O propósito era de conduzir uma nova ordem social, sem dúvida
muito mais livre que antes, mas ainda continha os limites insuperáveis para a
emancipação da humanidade. Os movimentos de classe daquela época mostram

34
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

claramente o que se desenhara a partir daí, “um novo cenário de confrontos


entre a burguesia e segmentos dos trabalhadores, com destaque para o jovem
proletariado”. Começam os conflitos, “avolumam-se rebeliões, convulsões pela
Europa, o que vai explodir em 1848 [...] agora dois protagonistas começam a se
enfrentar diretamente, a burguesia conservadora e o proletariado revolucionário”
(NETTO; BRAZ, 2011, p. 30).

FIGURA 13 - REVOLTAS POPULARES DE 1848

FONTE: Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/uploads/docs/


images/images/revolta%20chicago.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2015.

Nesse contexto, portanto, que se compreende a crise da Economia Política


Clássica, com a inflexão, causada pela burguesia em classe conservadora, aos poucos
a economia política vai se tornando incompatível com os interesses da burguesia
conservadora. Nota-se, portanto, que o chamado pensamento burguês depois de
1848 abandona as conquistas teóricas da Economia Política Clássica e também
não é casual que tais conquistas se transformem num legado dos pensadores que
ficaram mais ao lado do proletariado da época (NETTO, BRAZ, 2011).

Importante ainda que a economia política clássica não fosse compatível com
os ideais da burguesia, que converteu-se em uma classe dominante e conservadora.
Observa-se que entre 1825 até meados de 1848 a economia política sente uma crise.
Observa-se até hoje o desuso do termo Economia Política, isso se deve a dois fatores
expostos por Netto e Braz (2011), essa dissolução da Economia Política deve-se
a: primeiro, as investigações conduzidas pelos pensadores vinculados à ordem
burguesa e, de outro lado, os pensadores que investigavam ligados ao proletariado
(observa-se Karl Marx à frente).

A partir daí a economia política se dissolve e passa a ser apenas uma


disciplina científica, “economia” estritamente especializada, livrando-se das
questões históricas, sociais e políticas, e passa a ser uma disciplina particular,
específica, técnica, e que ganha estudo científico-acadêmico. Adequada à ordem
burguesa, vai desenvolver-se a partir daí com modelos matemáticos úteis à

35
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

burguesia. Todavia, recusam-se qualquer pretensão de fornecer as bases para o


conjunto da vida social e política, as análises são feitas superficialmente e com
caráter imediatista da vida econômica. As correntes burguesas privilegiam o estudo
da distribuição dos bens produzidos entre os agentes econômicos e atentam para
a questão da produção e a teoria do valor-trabalho (que vimos anteriormente nos
escritos de Smith e Ricardo, principalmente) (NETTO; BRAZ, 2011).

Essa economia aparece primeiro em esboços nos escritos dos chamados


economistas vulgares (Marx assim os qualificou), tem as formulações mais bem
elaboradas nas obras de Willian Jevons (1840-1921), Carl Menger (1840-1921), Leon
Walras (1834-1910); essa escola de pensamento desenvolve-se nesse período no
século XIX e até os dias atuais tem influenciado, se fragmentando em diversas
escolas de pensamento. Essa escola de pensamento legitimou-se produzindo um
corpo de profissionais ligados a atuar como gestores nas empresas capitalistas e na
administração das mesmas.

Essa forma da “ciência econômica” marca a ruptura da Economia


Política, assim naturalizou-se a consideração das categorias próprias do regime
burguês como realidades supra-históricas, eternas, que não devem ser objeto
de transformação estrutural. Portanto, essa ciência econômica, a propriedade
privada, o salário, o capital, o lucro fazem parte naturalmente e necessariamente de
qualquer organização social normal e civilizada e, portanto, devem ser preservados
(NETTO, BRAZ, 2011).

A ciência econômica abandonou definitivamente as ideias formuladas pela


Economia Política Clássica que poderiam consistir elementos de crítica ao regime
burguês (como a teoria do valor-trabalho, por exemplo, que foi substituída pela
teoria da utilidade marginal), com esse artifício principal tornou-se um importante
instrumento de administração, manipulação e legitimação da ordem comandada
pela classe burguesa (NETTO, BRAZ, 2011). Veremos na sequência um tópico
dedicado a Karl Marx, o principal crítico às escolas clássicas.

36
TÓPICO 3 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

E
IMPORTANT

Os economistas clássicos afirmavam que os preços eram determinados pelos


custos de produção. A maior crítica a que os chamados marginalistas deram ênfase foi de que
os preços dependiam da demanda, que dependia da satisfação dos consumidores em relação
às mercadorias e serviços individualmente. Essa corrente de pensamento forneceu conceitos
microeconômicos e modelos matemáticos. Os chamados economistas marginalistas têm
como principais figuras: o inglês William Satanley Jevons (1835-1882), que publicou Teoria e
Política Econômica em 1871, utilizou-se de modelos matemáticos, embora de modo diverso.
O austríaco Carl Menger (1840-1921) vai desenvolver a teoria da utilidade marginal em sua
obra Princípios de Economia Política, publicada em 1871. O francês Léon Walras (1834-1910) é
um dos precursores da economia matemática, tinha uma visão da economia puramente nos
termos matemáticos, preocupou-se com o equilíbrio geral e com a interdependência de todo
sistema. Sua obra mais importante foi Elementos da Economia Política Pura, publicada em 1874.

37
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você aprendeu que:

• A contribuição fundamental de Ricardo - princípio das vantagens comparativas:


o importante, no interior de uma mesma nação, são as diferenças relativas entre
as condições de produção dos bens que podem ser definidas a partir do custo de
oportunidade.

• Adam Smith é considerado o pai da teoria econômica, com a publicação de


“uma investigação sobre a causa da riqueza das nações” (1776).

• David Ricardo: teoria do valor-trabalho, teoria da renda da terra, teoria das


vantagens comparativas.

• Thomas Robert Malthus: crítica da lei de Say, teoria da população.

• Cenário da Revolução Industrial momento em que muitos pensadores escrevem


sobre o turbilhão que acontecia, condições da classe operária precárias.

• John Stuart Mill: síntese da economia clássica.

• Jean-Batiste Say – Lei da oferta e da procura.

• A crise da economia política explodiu e novas ideias surgiram (1848).

38
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), para fixar melhor o que estudamos neste tópico,


vamos exercitar um pouco. Leia com atenção as questões e responda-as no seu
Caderno de Estudos.

1 Quem foi considerado o precursor da teoria economia clássica? Quais seus


principais pressupostos? Comente.

2 Em que consistem os princípios do livre comércio, “lassez-faire”?

3 Neste tópico estudamos os autores da escola clássica de economia política.


Com base no que estudamos a esse respeito, associe a primeira coluna com
a segunda:

(A) Teoria da renda da terra ( ) David Ricardo


(B) A oferta cria sua própria demanda ( ) Adam Smith
(C) Teoria das vantagens comparativas ( ) Thomas Malthus
(D) Teoria da população ( ) Joh Stuart Mill
(E) Síntese da economia política clássica ( ) Lei de Say
(F) Mão invisível ( ) David Ricardo

39
40
UNIDADE 1
TÓPICO 4

A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
Após passarmos pelas evoluções do pensamento econômico, estudar os
principais precursores de cada período histórico, conhecendo bem a teoria clássica,
seus pensadores e o contexto histórico em que escreveram suas teses, podemos
agora partir para os críticos desta escola de pensamento econômico, que, como
vimos no último tópico, foi posta em questionamentos pelos críticos.

Karl Marx nasceu em Trier em 1818. Era o filho mais jovem de uma família
judaica de classe média. Estudou em Jena e obteve o título de doutor em Filosofia
em 1841. Mais tarde, como redator-chefe de um jornal, conhece Engels, que
passará a ser seu companheiro e publicarão diversas obras em conjunto, entre elas
a Sagrada Família, mais tarde publicaram o Manifesto Comunista e A ideologia
alemã. Marx, de forma clandestina, participou de diversas organizações da classe
trabalhadora de sua época. Depois de ter participado da Revolta de 1848, que
citamos anteriormente.

Em 1844 muda-se para Londres, em 1852 publica o 18 Brumário de Luís


Bonaparte e em 1859 faz a Crítica da Economia Política (que será alvo de nossos
esforços neste tópico), oito anos depois publica a sua mais importante obra conjunta
com Engels: O Capital. Marx faleceu sem conseguir terminar os últimos dois
volumes de O Capital, os quais foram editados e publicados pelo seu companheiro
Engels em 1885 e 1894, respectivamente. Este livro, como veremos na sequência,
demonstra minuciosos estudos das leituras dos clássicos, a acumulação de capital
demonstra que a classe operária está sempre em desvantagem em relação aos
donos das fábricas, os quais ficam sempre mais ricos às custas da classe operária,
disto ele desenvolve a teoria da mais-valia, pontos que estudaremos na sequência.

Karl Marx foi quem aproximou-se das ideias revolucionárias que


germinavam no movimento operário europeu, pouquíssimo tempo depois de ter
concluído o curso de Filosofia. Desde então e até sua morte, os esforços de Marx
eram no sentido de contribuir para a organização da classe operária do seu tempo.

Para este pensador, o protagonismo dos trabalhadores dependeria do


conhecimento sobre a realidade social. Marx considerava ainda que a ação
revolucionária seria tanto mais eficaz quanto mais estivesse fundada não em
concepções utópicas, mas sim em uma teoria social que se reproduzisse idealmente,
num movimento real.

41
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Marx, estando vinculado à classe operária e com Engels, vai articular uma
pesquisa que desdobrou durante 40 anos de trabalho intelectual. Por meio de sua
teoria ele explica o surgimento, o processo de consolidação, desenvolvimento
e as condições da crise da classe burguesa. As pesquisas de Marx resultaram o
contrário do que pregavam as teses da Economia Política Clássica. Explicou que
a organização da sociedade capitalista não é uma organização natural, como
defendiam as teses dos economistas clássicos, e sim que resultou antes em uma
forma de organização histórica, transitória, que contém diversas contradições e
tendências que possibilitam a sua superação, dando lugar a outro tipo de sociedade;
precisamente Marx falava de comunismo, o que também marca o fim da história,
mas apenas o ponto inicial de uma nova história, aquela que só será construída
pela humanidade assim que for emancipada (NETTO, BRAZ, 2011).

2 A CRÍTICA MARXISTA DA ECONOMIA POLÍTICA


Marx foi um dos primeiros pensadores críticos a problematizar o
desenvolvimento do capitalismo. Suas reflexões estavam envoltas na produção
e repartição da riqueza produzida pelo trabalhador. Marx percebia que mesmo
produzindo riquezas em quantidades estratosféricas, o sistema capitalista ainda
era banhado pelas desigualdades sociais e econômicas com relação à burguesia e
ao proletariado (operários e patrões).

FIGURA 14 - KARL MARX

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/wp-content/


uploads/2010/07/karl_marx-255x300.jpg > Acesso em: 15 jan.
2015.

42
TÓPICO 4 | A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

Marx foi quem pela primeira vez contestou as teses da chamada economia
clássica de Adam Smith e outros. Em 1848 ele publica o “Manifesto do Partido
Comunista”, escrito com Friedrich Engels. Essa obra trata-se de um panfleto
organizado para os trabalhadores da época na Inglaterra. Nessa obra, Marx tratará
da evolução do capitalismo, identificando várias formas de opressão da classe
trabalhadora sobre o proletariado submisso à classe empresarial. Marx vai sugerir,
nessa obra, que os rumos de uma sociedade mais justa estariam no empoderamento
dos trabalhadores, no sentido de se unirem em busca de um bem comum para não
serem explorados pelo sistema.

Todavia, outro livro seria a obra referência dos estudos críticos de Marx, é
o “Das Kapital” - “O Capital”. O primeiro livro publicado foi em 1867 e os demais
publicados em 1885, 1894 e 1905, respectivamente estes últimos depois da morte
de Marx, organizados e editados por Engels. Importante observar aqui que Marx
publica suas obras depois de todos os clássicos.

Marx foi muito influenciado pelas teorias dos neoclássicos, sobretudo as


de Smith e Ricardo, mais precisamente as teorias do valor e dos lucros (vimos no
tópico 2 desta unidade). Muitos consideram que sua teoria foi uma extensão, um
refinamento e uma elaboração mais detalhada das ideias daqueles autores, todavia
considerando sempre a crítica.

Na opinião de Marx, se esses autores, os clássicos, tivessem feito um estudo


de forma detalhada sobre os vários modos de produção que citamos acima, teriam
descoberto que todas as épocas de produção têm certos traços comuns, certas
características comuns (HUNT, 2005).

Para Marx, a grande crítica aos autores ditos da escola clássica é que lhes
faltava perspectiva histórica, embora essa crítica não se dirigisse a Smith. Na opinião
de Marx, se tivessem estudado história com mais cuidado, teriam descoberto que
“a produção é uma atividade social” e que esta, por isso, assume diferentes formas
e modos, dependendo da organização social (HUNT, 2005, p. 297).

A sociedade europeia e também na Inglaterra havia passado por períodos


de escravidão, feudalismo, e é neste contexto que Marx entra em cena; estava
organizado de uma forma histórica o modo capitalista de produção, havia ainda
resquícios do que se pode chamar de feudalismo, todavia se erguia desde as
ruínas feudais a sociedade capitalista, baseada na produção de mercadorias e na
exploração do trabalho, como vimos no segundo tópico desta unidade (HUNT,
2005).

Contrariamente à premissa dos clássicos, de que naturalizaram-se no


capitalismo os “instrumentos de produção” e “o trabalho acumulado” eram a
fonte de renda e do poder da classe social dominante. Marx, contrariamente aos
economistas que criticava, procurou entender como esse aspecto do capital surgiu
e, depois, como se perpetuou.

43
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Marx estava interessado em explicar justamente a natureza das relações


sociais entre os capitalistas e os trabalhadores em forma de uma teoria, isso
significava a relação entre salários e lucros e parecia uma simples troca de
mercadoria (HUNT, 2005).

Para Marx, a riqueza das sociedades capitalistas é determinada por uma


coleção de mercadorias. “A mercadoria nada mais é do que um objeto capaz de
suprir necessidades humanas, necessidades essas que podem ser das mais diversas
formas ou até necessidades que são marketeiramente criadas” (HUNT, 2005 p.45).
Cada coisa útil para o autor deve ser duplamente vista através da quantidade e
qualidade. “A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso”, mudanças nas
necessidades por tantas mudanças nas mercadorias. “O valor de uso realiza-se
somente no uso ou no consumo. Os valores constituem o conteúdo material da
riqueza, qualquer que seja a forma social desta.” (p. 46) “[...] o valor de troca
aparece, de início, como relação quantitativa, à proporção na qual valores de uso
de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie, uma relação que
muda constantemente no tempo e no espaço.” (p. 46) “Todo trabalho é, por um
lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e, nessa
qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera valor da
mercadoria” (MARX,1986, p. 46).

Para Marx (1986, p. 46), as qualidades físicas particulares de determinada


mercadoria, que tornavam útil uma mercadoria, não tinha qualquer ligação com
a "quantidade de trabalho necessário para a apropriação de suas qualidades”.
Ainda para Marx, o trabalho que cria o valor de troca das mercadorias, porém, tem
também aspectos qualitativos e está emaranhado de relações sociais por detrás.

Marx afirmou ainda que o trabalho determinava os valores de troca,


definiu o tempo de trabalho como o trabalho simples e homogêneo nos quais eram
abstraídas todas as diferenças específicas entre variados processos de trabalho.

Dessa forma, distinguiu-se no pensamento de Marx duas formas


de trabalho. Estas seriam o trabalho útil e o trabalho abstrato. O trabalho
útil analisava características específicas de processos específicos de trabalho, onde
essas qualidades particulares eram necessárias para produzir valores de uso. Já
o trabalho abstrato vai desconsiderar essas particularidades e cria valor de troca.
Assim, o valor de uma mercadoria significa trabalho humano no sentido abstrato,
além de gasto de trabalho humano em geral (HUNT, 2005).

Para Marx, não era apenas o tempo socialmente necessário de trabalho


para produzir uma mercadoria que contava, mas também deveria considerar as
diferenças entre trabalho qualificado e trabalho não qualificado.

A defesa nas teses de Marx é a de que a sociedade capitalista é contraditória.


Nesta sociedade existe um grande conflito de classes, de interesses entre a classe
do proletariado e a burguesia, ou seja, entre trabalhadores e capitalistas. Se os
capitalistas, por um lado, querem maximizar os seus lucros e o retorno investido
no seu capital, para isso produzirão com o menor custo possível, e isso implica em
44
TÓPICO 4 | A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

remunerar o trabalhador o mínimo possível também, que não é nada mais do que
objeto necessário ao trabalho para o capitalista explorar.

Marx chama de mais-valia para designar essa disparidade entre o salário


pago e o valor do trabalho produzido. Por exemplo, se o trabalhador produzir 50
peças num dia, ficará com cinco, enquanto o capitalista ficará com as outras 45,
parte dessas 45 são para pagar os custos de produção e outra parte o capitalista
irá teoricamente reinvestir em bens de capital (máquinas e equipamentos) e o
excedente ficará com o capitalista que possui os meios de produção. Portanto, o
salário pago representa um pequeno percentual do resultado final do trabalho
(mercadoria ou produto), a disparidade vai configurar concretamente a chamada
mais-valia, dando origem a uma lucratividade maior para o capitalista sobre o
trabalhador.

FIGURA 15 - MAIS-VALIA

FONTE: Disponível em: <https://lh3.ggpht.com/-wy_s1WMP4K0/Tg-b74c0VKI/


AAAAAAAAAN0/fDLo6xje3_0/s640/mais_valia.jpg> Acesso em: 15 jan. 2015.

Para Marx, a busca de quantidades cada vez maiores de mais-valia era a


força que impulsionava o sistema capitalista. Esta tese de Marx sobre a economia
política clássica foi um dos meios pelos quais provou que as relações de trabalho
no mundo capitalista tinham caráter exploratório.
45
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

Dessa forma, ele condensava mais um argumento favorável à oposição


de interesses existentes na relação entre burguesia e proletariado. Esta
tese serviu de base para que vários operários lutassem pela obtenção
de melhores salários e condições mais dignas de trabalho. Disponível
em: <http://www.mundoeducacao.com/historiageral/teoria-mais-valia.
htm>. Acesso em: 15 jan. 2015.

Por outro lado, os trabalhadores buscam com o trabalho melhorar suas


condições de vida, todavia isso seria difícil, dadas as condições que Marx deixa
explícitas em sua obra. Para Marx, a origem das injustiças e desigualdades está na
gênese do capitalismo: a propriedade privada que fornece os meios de produção e
com isso acaba garantindo que o capitalista tenha os meios para expropriar o máximo
possível de riqueza, ao mesmo tempo em que o proletário mal consegue o suficiente
para sua subsistência. Aliás, ressalta Marx, o trabalhador torna-se dependente
do capitalista, pois deve a ele o mísero salário que pagará a sua subsistência. O
trabalhador torna-se dependente ao necessitar retornar no dia seguinte à fábrica.
O trabalhador, conforme explica Marx, é amarrado num ciclo vicioso do qual tem
apenas como bem a sua força de trabalho e não consegue se libertar das garras do
capital, explica Marx, deixando todos os dias seu sangue na fábrica.

Outro termo importante utilizado por Marx é o que ele chama de acumulação
primitiva, que precede a acumulação capitalista, uma acumulação que não é
resultado do modo de produção capitalista, mas sim seu ponto de partida. Marx
ironiza afirmando: essa acumulação primitiva corresponde na Economia Política a
um papel análogo ao pecado original na Teologia.

A acumulação primitiva está intimamente relacionada com a separação do


trabalhador de seus meios de produção. Marx chama de “primitivo”, pois constitui
a pré-história do capital e do modo de produção. Este modelo de sociedade advém
das ruínas feudais, a decomposição do feudalismo é que o fez surgir.

Marx resume outro efeito que favoreceu a acumulação primitiva, que são
os enclousures, com a “lei parlamentar de cercamentos de terras comunais”, que
de feudo ou terra comunal passaram a constituir propriedade. Com o processo de
usurpação da terra comunal, a classe dos camponeses teve seu salário tão baixo,
o qual não bastava para as necessidades vitais absolutas, dessa forma cria-se uma
relação de dependência entre os donos do capital e o camponês expropriado. Onde
antes a organização da vida baseava-se fundamentalmente na sua relação com a
terra (vimos isso no segundo tópico desta unidade).

46
TÓPICO 4 | A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

E
IMPORTANT

Mais-valia - conceito criado por Marx o qual se refere à diferença entre o valor das
mercadorias que o trabalhador produz e o valor da força de trabalho que possui, esta que é
vendida ao capitalista. Os lucros, as rendas, representam a taxa de mais-valia do capitalista em
relação ao trabalhador.

NOTA

Marxismo: escola de pensamento fundada do pensamento do alemão Karl Marx,


representa uma crítica às teses da economia política clássica defendidas por Smith e seus
precursores. Essa escola de pensamento enfatiza que o desenvolvimento das forças produtivas
leva os trabalhadores à marginalização.

E
IMPORTANT

Acumulação primitiva é a base de todo este processo, é a expropriação/separação


dos meios de produção dos próprios trabalhadores. “A assim chamada acumulação primitiva é,
portanto, nada mais que o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção.
Ele aparece como ‘primitivo’ porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção
que lhe corresponde” (MARX, 1984, p. 262).

47
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico você aprendeu que:

• Marx foi um dos primeiros a questionar e criticar a Economia Política Clássica.

• Mais-valia é a diferença entre o valor das mercadorias que o trabalhador produz


e o valor da força de trabalho que possui, esta que é vendida ao capitalista. Os
lucros, as rendas, representam a taxa de mais-valia do capitalista em relação ao
trabalhador.

• Acumulação primitiva é a base de todo este processo, é a expropriação/separação


dos meios de produção dos próprios trabalhadores.

48
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), para fixar melhor o que estudamos neste tópico,


vamos exercitar um pouco. Leia com atenção as questões e responda-as no seu
Caderno de Estudos.

1 Neste tópico nos dedicamos a estudar o pensamento de Marx. Com base no


que você estudou até agora, coloque V para verdadeiro e F para falso nas
sentenças abaixo:

( ) Marx foi o primeiro pensador a contestar as teses da economia política


clássica.
( ) Smith, juntamente com Marx, foi quem elaborou a teoria da mais-valia.
( ) Acumulação primitiva, para Marx, foi a base de todo este processo, é a
expropriação/separação dos meios de produção dos próprios trabalhadores.
( ) Mais-valia é um termo cunhado por Marx para explicar a exploração do
capitalista sobre a classe trabalhadora.
( ) Para Marx, a sociedade capitalista é baseada na “mão invisível” e no livre
mercado.
( ) Marx foi quem defendeu a divisão e especialização do trabalho no interior
das fábricas.
( ) Marx foi um dos autores a se juntar à classe operária para reivindicar por
mais direitos de classe.

49
50
UNIDADE 1
TÓPICO 5

A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA:
ECONOMIA E INOVAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico trabalharemos com um conceito popularmente conhecido
como economia da inovação, seus precursores são os chamados schumpeterianos e
neoschumpeterianos. A obra do economista tem influenciado as teorias no campo
da economia da inovação. As noções primordiais de inovação têm sua origem
justamente neste autor: Schumpeter. Conforme estudaremos na sequência.

2 JOSEPH ALOIS SCHUMPETER


Joseph Alois Schumpeter era de origem austríaca, nasceu em 1883, era
filho de um poderoso empresário têxtil da época. Foi dedicado ao estudo do
Direito e Economia na Universidade de Viena. Publicou a sua primeira obra,
uma das mais discutidas no âmbito da economia, chamada The Theory of Economic
Development (1912) - A teoria do Desenvolvimento Econômico. Foi professor na
Universidade de Graz (1911) e ministro das Finanças em 1919, foi professor da
Universidade de Bona, antes de mudar-se para os Estados Unidos, onde assumiu
como professor em Harvard até 1949. Além da obra já citada, as principais obras
de Schumpeter são Capitalism, Socialism and Democracy, publicada em 1942, onde
defendeu fortemente o capitalismo, ao mesmo tempo em que efetuou previsões
relativamente ao seu futuro, e History of Economic Analysis, na qual manifestou
a sua opinião relativamente a vários economistas e correntes de pensamento
(SCHUMPETER, 1982).

A obra do economista tem influenciado as teorias no campo da economia


da inovação. As noções primordiais de inovação têm sua origem em Schumpeter.
Sua máxima é a de que o desenvolvimento econômico é conduzido pelo que o
autor chama de “novas combinações”, ou inovações por meio de um esforço em
que as novas tecnologias substituem outras tecnologias mais antigas, um processo
que ele cunhou de "destruição criativa” (SCHUMPETER, 1984, p. 110-113).

Para Schumpeter e seus seguidores, o desenvolvimento de uma nação se


daria pela sua capacidade de geração de inovações tecnológicas. Schumpeter é um
dos primeiros defensores do desenvolvimento, de que um país é definido pela sua
capacidade inovadora. Esta corrente é tão marcante e importante na teoria econômica
contemporânea que, atualmente, as políticas públicas são pautadas pelas premissas
de Schumpeter, norteando um amplo grupo de economistas e fazendo acreditar que
a inovação tecnológica é o motor do desenvolvimento das nações.
51
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

É central ainda, na ideia de inovação de Schumpeter, que a inovação


tecnológica ocorre de forma descontinuada no tempo e dá origem a um processo de
destruição criadora, no qual as velhas estruturas são abandonadas e substituídas
pelo novo, ou seja, pelas inovações.

FIGURA 16 - JOSEPH ALOIS SCHUMPETER

FONTE: Disponível em: <http://www.innoresource.org/wp-content/


uploads/2012/06/joseph_schumpeter.jpg> Acesso em: 25 jan.
2015.

As inovações têm importância suprema dentro do sistema capitalista, já


que impulsionam o capital, fazendo com que sejam mais competitivos e, dessa
maneira, se torne mais necessária a inovação em diversos ramos da economia. Por
isso, Ciência e Tecnologia não estão desligadas uma da outra, e é nesse processo
que tornam-se um negócio cujo objetivo é gerar mais tecnologia, que geraria mais
capital por meio das inovações.

“A inovação refere-se à capacidade de fazer algo novo. O conceito de


inovação é mais amplo do que o de invenção, esta que, por sua vez, quando se
insere no domínio econômico sob forma de produtos ou de processos novos e
melhorados” (BIROU, 1978, p. 207-208).

Inovação constitui na introdução de novos produtos e/ou processos, ou


novas técnicas para sua produção ou funcionamento. Pode consistir na aplicação
de alguma prática ou uma invenção desenvolvida. Podem ser inovações novas
formas de marketing, vendas, distribuições, publicidade etc., que possam
resultar em custos menores e faturamentos maiores. As inovações têm um papel
importante de estímulo à atividade econômica, na medida em que implicam novos
investimentos (SANDRIONI, 1999).

52
TÓPICO 5 | A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA: ECONOMIA E INOVAÇÃO

Pode-se afirmar ainda que as inovações tratam-se de um conjunto de


mudanças significativas no processo econômico, num certo tempo e em um
determinado espaço, que podem derivar desde uma abertura de um novo bem
no mercado, uma nova fonte de matérias-primas ou de uma nova forma de
organização da atividade produtiva (THEIS, ALMEIDA, 2010).

O desenvolvimento, na ótica de Schumpeter (1982), se dá pelo que ele


chama de “novas combinações”:

O ‘desenvolvimento’, portanto, apenas as mudanças da vida econômica


que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua
própria iniciativa. Se ao concluir que chamamos de desenvolvimento
econômico é na prática baseado no fato de que os dados mudam e que
a economia se adapta continuamente a eles, então diríamos que não
há nenhum desenvolvimento econômico. Pretenderíamos com isso
dizer que o desenvolvimento econômico não é um fenômeno que pode
ser explicado economicamente, mas que economia em si mesma sem
desenvolvimento é arrastada pelas mudanças do mundo à sua volta,
e que as causas e, portanto, as explicações do desenvolvimento devem
ser procuradas fora do grupo de fatos que são descritos pela teoria
econômica (SCHUMPETER, 1982, p. 47-48).

Para Schumpeter, o desenvolvimento econômico é impulsionado pela


incorporação de inovações, que podem ser: inovações “radicais”, ou seja, que
produzem rupturas mais intensas, ou então inovações “incrementais”, que dão
continuidade ao processo de mudança. Para este autor, o processo inovador
englobaria os seguintes aspectos:

i. A introdução de novos produtos no mercado.


ii. Introdução de novos métodos de produção.
iii. Abertura de novos mercados.
iv. Desenvolvimento de novas fontes provedoras de matérias-
primas e outros insumos.
v. Criação de novas estruturas de mercado em uma indústria
(1982, p. 48).

53
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

FIGURA 17 - PROCESSO DE DESTRUIÇÃO CRIADORA SEGUNDO SCHUMPETER

FONTE: Adaptado de Schumpeter (1984)

Schumpeter deu atenção particularmente ao estudo dos ciclos econômicos.


Ele admitia a existência de ciclos longos (de vários decênios), médios (de dez anos)
e curtos (de 40 meses), atribuindo diferentes causas a cada período. As depressões
econômicas resultariam da sobreposição desses três tipos de ciclo num ponto baixo,
como ocorreu na Grande Depressão de 1929-1933. O estímulo para o início de um
novo ciclo econômico viria principalmente das inovações tecnológicas introduzidas
por empresários empreendedores (SANDRIONI, 1999). Para Schumpeter, esse
ponto é primordial (conforme pode ser visto na Figura 18).

Para Schumpeter, "O processo de destruição criadora é o fato essencial


do capitalismo", e segundo este autor, o protagonista central desse processo é o
empresário inovador. Esse processo seria um processo de destruição do velho para
dar lugar ao novo.

Este processo de destruição criativa é básico para se entender o capitalismo,


ele constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda empresa capitalista para
poder sobreviver dentro do sistema. Justamente com o esforço em enfrentar uma
situação (crise, por exemplo) tudo indica que mudará, ou seja, como uma tentativa
dessas empresas de firmar-se em um trenó que lhes foge sob os pés.

O processo de destruição criativa promove as empresas que são inovadoras


dentro do sistema capitalista, que respondem positivamente às novas solicitações
do mercado, e vão quebrar as empresas sem agilidade para acompanhar as
mudanças. Ao mesmo tempo em que orienta os agentes para as novas tecnologias e
novas preferências dos clientes, Schumpeter menciona ainda que elimina-se postos
de trabalho e se criam novas oportunidades, o que vai possibilitar a abertura de
novos mercados e novos negócios.

54
TÓPICO 5 | A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA: ECONOMIA E INOVAÇÃO

Ressalta-se o papel do crédito financeiro para promover as inovações numa


dinâmica em que o empresário pode promover inovações mesmo sem ter grandes
montantes de capital, justamente pela facilidade atribuída ao crédito.

Ainda defende que os empreendedores inovadores são a força que conduz


uma determinada economia. Acreditava que sem empreendedores atrevidos e
suas propostas de e para a inovação tecnológica, a economia manter-se-ia estática
ou no que chamou de “círculo econômico fechado” de bens, nulos o crescimento
real e a taxa de investimento (SANDRIONI, 1999: SCHUMPETER, 1984).

Ainda segundo Schumpeter (1982), as empresas inovam para obterem


lucros, além disso, a empresa teria vantagens sobre seus concorrentes. Para o
enfoque clássico e neoclássico, a inovação tecnológica é fundamental para que se
tenha eficiência econômica e, portanto, da sobrevivência do mercado. No mercado
competitivo, a escolha de tecnologia adequada e sua introdução ao processo
produtivo permitem manter uma posição mais vantajosa em relação aos seus
concorrentes.

3 NEOSCHUMPETERIANOS
Esta corrente de pensadores segue os pressupostos de Schumpeter, todavia
são correntes mais recentes. Consideram que a inovação tecnológica é a base para
o desenvolvimento do sistema capitalista. O enfoque central desta corrente seria
que “forças econômicas e fatores sociais e institucionais conferem estabilidade a
sistemas de inovação que explicam o êxito de uma dada trajetória tecnológica e o
consequente desenvolvimento econômico” (THEIS; ALMEIDA, 2010, p. 124).

A mudança tecnológica para estes pensadores é tida como um processo


social e reconhece a presença de diversos sujeitos atores e instituições, porém dá
ênfase ao empresário que inova e a empresa que realiza a inovação. Esta corrente
de pensamento que segue os pressupostos de Schumpeter sugere que os processos
de inovação dependem da presença de empresários inovadores e estabilidade
econômica e socioinstitucional.

“Esta corrente de pensamento tem origem nos países centrais e seus


precursores admitem que as instituições e forças econômicas presentes no centro
se manifestariam igualmente na periferia” (THEIS; ALMEIDA, 2010, p. 130).

55
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

LEITURA COMPLEMENTAR

A ATUALIDADE DA ECONOMIA POLÍTICA MARXISTA

A Economia Política marxista não oferece segredos aos seus iniciados. O que
ela oferece são conexões entre aspectos da realidade que outras teorias sociais tendem
a analisar separadamente. Usando a Economia Política marxista é possível perceber
relações sistêmicas entre as sociedades, dentro de cada sociedade e, através da história,
tal utilização permite a explicação da existência das classes, da exploração, do progresso
técnico, do imperialismo, do neoliberalismo e de toda uma série de estruturas, processos
e relações que não são imediatamente evidentes. Em contraste, teorias ortodoxas
(por exemplo, a economia neoclássica) utilizam modelos discretos construídos com
conceitos intercambiáveis, como “bloquinhos de lego”, como se a realidade fosse uma
aglomeração de elementos ligados apenas externamente e de forma contingente. Isso
limita analiticamente essas teorias, tornando-as pouco interessantes.

O potencial superior da teoria marxista deve-se ao fato de ela reconhecer que


a realidade é um todo concreto que determina os seus momentos, enquanto a maioria
das teorias sociais presume o contrário. Na teoria marxista, entender a realidade é
o processo de reconstruir no pensamento – ou apropriar-se conceitualmente de –
as estruturas e relações reais de determinação entre o concreto e seus momentos.
Essa análise sistemática, procedendo em níveis sucessivamente mais complexos
e concretos, permite iluminar as relações entre diferentes aspectos da realidade
através da introdução ordenada de conceitos que expressam essas relações. Esse
procedimento é típico da dialética materialista desenvolvida por Evald Ilyenkov
(1977, 1982). A dialética materialista supera as oposições artificiais na textura do
concreto e ajuda a identificar as relações sistêmicas (a unidade) que sustentam os
momentos da realidade. Ela também permite identificar conexões estruturadas e
historicamente específicas onde elas não são evidentes, o que poderia sugerir às
teorias não dialéticas que análises separadas seriam suficientes. Isso é muito útil
do ponto de vista das ciências sociais, mas evidentemente esse procedimento é
incompatível com as profecias.

Apesar de a dialética ter um papel central na crítica da Economia Política,


Marx nunca escreveu em detalhe sobre seu método. E. P. Thompson estava certo ao
comentar que isso não se deveu à negligência de Marx – o fato é que o seu método não
existe no plano do abstrato, como um conjunto de regras formais de pensamento ou
apresentação. O método de Marx só existe como uma prática concreta, e através da
análise de problemas específicos. Evidentemente, é possível extrair regularidades a
partir de uma leitura metodológica de O Capital ou dos Grundrisse, o que a dialética
sistemática busca rigorosamente fazer (Arthur, 1997, 2000; Smith, 1990). Entretanto,
isso não é a mesma coisa que derivar um conjunto de princípios filosóficos rígidos
(que não existem em Marx), e esse esforço é intrinsecamente limitado porque os
métodos de investigação e de exposição de Marx eram, na prática, muito flexíveis
(Saad Filho, 2002). Essa conclusão é importante porque o marxismo, como qualquer
teoria social, não tem acesso imediato ou privilegiado à verdade e não oferece
respostas prontas para os problemas da atualidade.
56
TÓPICO 5 | A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA: ECONOMIA E INOVAÇÃO

A análise marxista oferece um instrumental de estudo e espera-se que ela seja


um guia para a ação, mas o marxismo não basta para construir a realidade. Esperar
o contrário seria um hegelianismo não permitido para uma teoria materialista.
Entretanto, essa flexibilidade metodológica não implica que a Economia Política
marxista seja desestruturada. Ao contrário, ela é articulada de maneira firme e
rigorosa, não por categorias hegelianas, mas por categorias do valor. O valor não
é um conceito simples, e a teoria marxista do valor é discutida não apenas entre
defensores e críticos de Marx, mas também em torno de interpretações divergentes
do que Marx realmente quis dizer.

A teoria do valor não se baseia na noção economicista e a-histórica do trabalho


embutido, como aparece na maior parte da literatura anglo-saxã. Ao contrário,
a teoria do valor liga a Economia Política a noções fundamentais: que as classes
do capital e do trabalho dividem-se em torno de conflitos na produção, os quais
antecedem as considerações distributivas; que a acumulação é um imperativo no
capitalismo e que ela procede por caminhos definidos. Essas noções fundamentais
indicam que não se pode aplicar ou desenvolver a Economia Política marxista senão
a partir da teoria do valor e constantemente verificando o progresso da análise frente
às suas categorias, mesmo que apenas implicitamente. Isso garante a integridade
e o poder analítico da Economia Política marxista, além do potencial para explicar
aspectos sistêmicos do capitalismo que outras escolas de pensamento têm dificuldade
em analisar. Isso inclui não apenas grandes categorias históricas, como o capitalismo
ou o neoliberalismo, mas também a natureza do progresso técnico, o crescimento
da classe assalariada, a dinâmica da desigualdade, o desenvolvimento desigual e
combinado, as crises, e assim por diante.

O argumento desenvolvido até aqui pode ser resumido em quatro princípios.


Primeiro, em contraste com o idealismo hegeliano, o método de Marx não se baseia
em derivações conceituais. A limitação básica do raciocínio conceitual é que é
impossível demonstrar porque as relações evoluindo na cabeça do analista devem
existir no mundo real. Colocado de outra forma: a realidade é formada pela estrutura
social e por tendências e contratendências que podem ser derivadas dialeticamente,
e por contingências determinadas historicamente que não podem ser derivadas.
Não é possível antecipar o resultado da interação entre elas. O reconhecimento de
que as contingências históricas pertencem ao método de estudo – ou seja, de que a
lógica e a história são inseparáveis – não é uma concessão ao empirismo. É apenas
a constatação de que a realidade não pode ser reduzida a um sistema de conceitos.
Segundo, a análise marxista é estruturada pelas relações entre teoria e história –
permitindo o estudo das condições materiais da reprodução social, incluindo o que
é produzido e como – e as estruturas sociais, econômicas e políticas, sustentando o
modo de produção, especialmente as modalidades de exploração. Essa é a definição
de Economia Política oferecida por Engels no Anti-Dühring, que naturalmente
transcende a compartimentalização das ciências sociais:

A Economia Política (…) é a ciência das leis governando a produção


e a troca dos meios materiais de subsistência na sociedade humana…
As condições nas quais as pessoas produzem e trocam variam entre os
países e, em cada um deles, entre as gerações. A Economia Política (…)

57
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

não pode ser idêntica para todos os países e épocas históricas (…) A
Economia Política é, portanto, uma ciência histórica (Engels, 1998).

Terceiro, os fenômenos sociais existem apenas em seu contexto histórico


– e somente assim podem ser entendidos. Generalizações trans-históricas são
normalmente vazias ou inválidas. Os conceitos devem ser identificados a partir de
sociedades específicas e perdem a validade, ou pelo menos a vitalidade, se forem
empurrados para além de seus limites sociais e históricos.

Quarto, a Economia Política marxista explica a estrutura e a dinâmica do


capitalismo, e ela pode ajudar a identificar os pontos de tensão no tecido histórico.
Isso apoia tanto estudos empíricos quanto conclusões políticas, sugerindo onde a
pressão política pode facilitar as transformações sociais. Nada disso implica que a
análise marxista oferece uma chave mágica para a análise ou a ação. O marxismo foi
usado desde o final do século XIX por movimentos sociais e políticos que alcançaram
sucessos muito importantes, frequentemente a um custo elevadíssimo. Ele também
foi usado como justificativa para crimes terríveis. Essa herança ambivalente é o
destino de todas as teorias influentes. Mas, em contraste com outras teorias sociais,
o marxismo oferece um aparato conceitual e teórico que pode ser usado para avaliar
as suas próprias experiências, informar a sua renovação e apoiar movimentos
progressistas e transformadores no século XXI.

Essa interpretação de classe da Economia Política marxista conecta formas


complexas, como preços, lucros, capital portador de juros, neoliberalismo e assim por
diante a determinantes abstratos e analiticamente simples, especialmente as formas
sociais do trabalho e da exploração, permitindo a análise da dialética da reprodução
e das mudanças sociais em níveis de complexidade crescentes. Essa interpretação
é ortodoxa no sentido de Lukács, porque ela segue o método de Marx, mas ela
não presume que cada rabisco de Marx esteja certo ou que cada silêncio seja uma
condenação. Nesse sentido, Agnes Heller estava certa ao enfatizar que “não existe
uma interpretação de Marx que não possa ser contradita por citações do próprio
Marx. O que me interessa é a tendência principal do seu pensamento” (1976, p. 22).

Até agora, a Economia Política marxista é a única teoria do capitalismo com


uma avaliação sistemática da dinâmica das crises. Isso não sugere que o marxismo
tenha uma teoria geral da crise – algo impossível, porque as crises são complexas
demais, concretas demais e historicamente específicas demais para caber numa
fôrma. Na prática, a crise explode quando a produção desenvolve-se além das
possibilidades de lucro. Isso pode ocorrer pelas mais diversas razões e o que importa
para a explicação das crises individuais é como essa causa subjacente, a subordinação
da produção de valores de uso à produção de mais-valia, se manifesta através das
desproporções, superprodução, subconsumo e queda da taxa de lucro (Clarke, 1994).
Essas últimas, ao invés de teorias rivais da crise, podem ser mais bem apreciadas
como aspectos da análise marxista das crises. Outro aspecto estrutural do capitalismo
é a degradação ambiental. Aqui o marxismo é frequentemente acusado de privilegiar
o social à custa da natureza, de subestimar o potencial das reformas no capitalismo,
ou até de rejeitar a análise da natureza devido ao seu suposto economicismo. Ignora-

58
TÓPICO 5 | A PERSPECTIVA SCHUMPETERIANA: ECONOMIA E INOVAÇÃO

se que Marx falou bastante sobre temas ambientais, embora raramente de forma
direta (Bellamy Foster, 2002; 2009; Benton, 1996; Burkett, 1999; 2003).

O ambiente deve ser entendido primariamente em termos das relações


ambientais típicas do capitalismo. Essa abordagem rejeita a noção de um conflito
trans-histórico entre sistemas ecológicos e sociais, ou entre “a economia” e “o
ambiente”. No capitalismo, a busca do lucro e o aumento da composição orgânica
do capital geram uma tendência de processamento de quantidades cada vez
maiores de insumos, necessidades crescentes de recursos energéticos e minerais e
de produção de resíduos sem consideração pelo seu impacto ambiental. Entretanto,
o sistema de produção também gera contratendências, através do progresso técnico
e da regulamentação estatal, que permitem limitar e reverter parcialmente essa
degradação. Para entender esses processos e seus limites em cada caso é preciso
fazer uma análise detalhada, setorial e histórica, e não essencialista, dos diferentes
aspectos da crise ambiental.

A Economia Política marxista pode ser extremamente relevante para a


época atual, especialmente se ela for desenvolvida em bases metodológicas sólidas.
Para isso, ela deve partir das relações de classe que constituem o capitalismo,
para reconstruir o sistema analiticamente, em níveis de complexidade crescentes,
incorporando produção, distribuição e troca, e os campos socioeconômicos e
culturais, de modo a revelar como as estruturas e práticas socioeconômicas e políticas
se reproduzem e transformam em cada contexto histórico. Essa abordagem teórica
é necessariamente dinâmica, e ela naturalmente busca identificar as tendências
(forças) subjacentes, e examinar a sua interação com as contratendências em termos
de resultados complexos, ao invés de impor um equilíbrio ideal entre elas. Por fim,
os limites da análise abstrata devem ser reconhecidos e o material historicamente
específico incorporado, refletindo resultados históricos, como os estágios do
capitalismo, e aspectos mais concretos, como as relações nacionais entre a indústria e
as finanças, as relações de classe, o papel dos movimentos sociais, e assim por diante.

Ao fazer isso, a Economia Política marxista pode ajudar a superar a


fragmentação das experiências de exploração, e demonstrar que a produção
capitalista necessariamente envolve conflitos sociais na produção e na distribuição.
Ela também pode informar ações práticas para superar esse modo de produção,
não apenas através do trabalho teórico consistente, mas especialmente, e de forma
urgente, para articular a possibilidade da liberdade humana e da sobrevivência
biológica frente à catastrófica degradação ambiental promovida pelo capitalismo. A
remoção dessas limitações permitirá que a humanidade saia da pré-história (Marx,
1987), porque ficaremos livres da ditadura da riqueza, da pobreza devido à grande
propriedade, e da desigualdade gerada pelo privilégio econômico. A igualdade
econômica é necessária para a construção da igualdade política. Essa é uma condição
para que todos possam ser igualmente membros da sociedade, e possam aspirar à
realização do seu potencial. Em todos esses sentidos, não existe teoria mais atual
do que a marxista.

FONTE: FILHO, Alfredo, S. A atualidade da Economia Política Marxista. Revista Crítica marxista n.
30. 2010. UNICAMP – Campinas-São Paulo.

59
UNIDADE 1 | ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

DICAS

FILMES PARA ESTA UNIDADE

Prezado(a) acadêmico(a), colocamos à sua disposição alguns filmes que podem ser úteis para
sua dinâmica de aprendizado.

Tempos Modernos
A história das coisas
Privatizações - a distopia do capital
Trabalho interno – Insayd job

Obs.: Todos os filmes estão disponíveis no YouTube.

DICAS

SITES INTERESSANTES

<http://www.diplomatique.org.br/>
<http://outraspalavras.net/>
<http://www.cartacapital.com.br/>

60
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico você estudou que:

• A obra de Schumpeter tem influenciado as teorias no campo da economia da


inovação. As noções primordiais de inovação têm sua origem neste autor, com
sua obra de 1942.

• Para Schumpeter e seus seguidores, o desenvolvimento de uma nação se daria


pela sua capacidade de gerar inovações tecnológicas. Schumpeter é um dos
primeiros defensores de que o desenvolvimento de um país é definido pela sua
capacidade inovadora.

• O processo de destruição criadora ou criativa é o fato essencial do capitalismo,


e segundo Schumpeter, o protagonista central desse processo é o empresário
inovador. Esse processo seria um processo de destruição do velho para dar
lugar ao novo.

• O processo de destruição criativa promove as empresas que são inovadoras


dentro do sistema capitalista, que respondem positivamente às novas solicitações
do mercado, e vai quebrar as empresas sem agilidade para acompanhar as
mudanças.

61
AUTOATIVIDADE
Caro(a) acadêmico(a), para fixar melhor o que estudamos neste tópico,
vamos exercitar um pouco. Leia com atenção as questões e responda-as no seu
Caderno de Estudos.

Neste tópico nos dedicamos a estudar o pensamento de Schumpeter.


Com base no que você estudou até agora, a esse respeito, julgue os itens que
seguem:

O processo de destruição criativa promove as empresas que não


I são inovadoras dentro do sistema capitalista, que respondem
positivamente às novas solicitações do mercado.

Schumpeter é um dos primeiros defensores de que o


II desenvolvimento de um país é definido pela sua capacidade
inovadora.

As noções primordiais de inovação têm sua origem nos estudos


III
dos clássicos.

O processo inovador englobaria os seguintes aspectos: a introdução


IV de novos produtos no mercado; a introdução de novos métodos
de produção; e abertura de novos mercados.

O enfoque central da corrente dos neoschumpeterianos é a de que


as “forças econômicas e fatores sociais e institucionais conferem
V estabilidade a sistemas de inovação que explicam o êxito de uma
dada trajetória tecnológica e o consequente desenvolvimento
econômico”.

Das afirmativas acima, estão corretas, apenas:

a) ( ) I, II e III.
b) ( ) II e IV.
c) ( ) II e V.
d) ( ) I, II, III, IV e V.
e) ( ) Todas as alternativas estão erradas.

62
UNIDADE 2

O PAPEL DO ESTADO NA
ECONOMIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Prezado(a) acadêmico(a), bem-vindo(a) à Unidade 2 do caderno de
Economia Política! Esta unidade tem por objetivos:

• apresentar os elementos básicos do keynesianismo, bem como seu contex-


to histórico de surgimento;

• descrever os elementos básicos daquilo que se entende pelo Estado de


Bem-Estar Social e refletir sobre o contexto brasileiro;

• apresentar ao acadêmico os conceitos básicos da Escola Francesa da Regu-


lação, bem como seu contexto histórico de aparecimento;

• apontar as principais características daquilo que foi o desenvolvimentis-


mo no Brasil e na América Latina, bem como listar os princípios básicos do
movimento neodesenvolvimentista;

• citar alguns indicadores de desenvolvimento e ainda refletir sobre o tema


das políticas públicas no contexto do desenvolvimento;

• apresentar a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CE-


PAL), bem como descrever suas principais características enquanto escola
de pensamento no contexto dos países latino-americanos (século XX).

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em seis tópicos e no final de cada um deles você
encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 - O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

TÓPICO 2 - O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

TÓPICO 3 - A TEORIA DA REGULAÇÃO

TÓPICO 4 - A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA

TÓPICO 5 - INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS


PÚBLICAS

TÓPICO 6 - A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO


BRASIL
63
64
UNIDADE 2
TÓPICO 1

O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

1 INTRODUÇÃO
Na unidade anterior nos debruçamos sobre vários temas relacionados à
economia política. Além de noções introdutórias, perpassamos brevemente os
autores clássicos, a crítica desenvolvida por Karl Marx e, ainda, os principais
postulados de Schumpeter, com sua economia da inovação.

O desafio nesta nova unidade é concentrar nossos esforços sobre alguns


temas que remetem à ação do Estado na economia. Na verdade, várias são as
formas de intervenção na vida econômica de uma nação. Por mais que alguns
teóricos tentem defender que existiam, na prática, nações em que a ação estatal
é nula, é difícil concordar com esta ideia. O que podemos distinguir ao redor do
globo são proporções diferentes de intervenção.

O capitalismo já provou não ser capaz de se autorregular, como previam os


modelos clássicos. A última crise econômica, iniciada em fins dos anos 2000, é prova
disso: até mesmo o governo dos Estados Unidos (país considerado puramente
liberal) teve de intervir para salvar empresas e instituições financeiras. Sem contar
os grandes subsídios que historicamente dispõe a alguns setores econômicos.

Desta forma, nesta unidade iremos debater temas que se relacionam a esta
temática da intervenção. Logo de início conheceremos um pouco mais sobre o
keynesianismo. Os postulados dessa corrente econômica ganharam força em meio
a um ambiente conturbado, tanto da academia como da vida social, econômica e
política. Keynes, ao desconsiderar a tendência ao autoequilíbrio do capitalismo,
sugeriu a intervenção do Estado como forma de garantir sua continuidade,
principalmente em momentos de crise.

As ideias keynesianas influenciaram muitos pesquisadores e agentes


políticos, tanto que muitos dos movimentos de ação do Estado na economia têm
raízes ou encontram algum elemento nestes pressupostos. Por isso, veremos ainda
nesta unidade outros cinco tópicos (além deste primeiro): O Estado de Bem-Estar
Social, Os Pressupostos da Escola Francesa da Regulação, O Desenvolvimentismo,
Algumas Políticas para o Desenvolvimento e, por fim, um tópico sobre a Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Evidente que os temas são introdutórios, de forma que cabe também


a você, acadêmico(a), procurar sempre mais informações sobre os assuntos.
Lembrando que ao final de cada tópico há um resumo e questões para auxiliá-lo
na compreensão dos conteúdos.

65
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

Voltando à conversa a respeito deste primeiro tópico, conheceremos um


pouco mais sobre a vida de John Maynard Keynes. Posteriormente, veremos
o contexto histórico em que ganham força os pressupostos keynesianos. Por
conseguinte, abordaremos algumas premissas básicas desta teoria e, por fim,
veremos algumas críticas e influências. Bom estudo!

2 JOHN MAYNARD KEYNES


John Maynard Keynes (1883-1946), considerado por muitos o pioneiro da
macroeconomia, foi um dos mais notáveis economistas da primeira metade do
século XX. Discípulo de Alfred Marshal, estudou e lecionou em Cambridge. Tinha
grandes preocupações com as implicações práticas das teorias econômicas. Não
por acaso, tornou-se crítico dos conceitos da ortodoxia marginalista (em que seu
mestre, Marshall, era grande expoente). Como economista, foi autor de uma das
obras mais influentes da teoria econômica do século XX, cujo expoente é “A Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”.

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), a macroeconomia pode ser entendida como o estudo da


determinação e do comportamento dos grandes agregados de uma economia, como o Produto
Interno Bruto (PIB), o nível geral de preços, a poupança nacional, importação, exportação, nível
de investimento agregado, entre outros. Enfim, são todos aqueles indicadores que têm uma
dimensão e impacto macro, ou seja, em nível de país (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD,
2003).

De família ilustre e filho de pais intelectuais, desfrutou desde cedo da


melhor educação de sua época. Passou a estudar Economia com a conclusão do
ensino formal. Até então havia se dedicado ao estudo de Matemática, Filosofia
e Humanidades. Além de célebre economista, teve destaque em muitas outras
áreas da vida. Foi homem de negócio, diretor de Companhias de Seguro e
Investimento, assessor de grande influência do Tesouro Britânico, diretor do Banco
da Inglaterra (equivalente ao nosso Banco Central). Além disso, gostava de artes,
foi produtor teatral, editor e colecionador de livros raros, articulista da imprensa,
entre muitos outros afazeres. Politicamente, tinha ligação com o Partido Liberal
inglês. Importante lembrar que representou a Inglaterra na Conferência de Bretton
Woods, em 1944, de onde se originaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Mundial.

66
TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

FIGURA 18 - JOHN MAYNARD KEYNES

FONTE: Disponível em: <http://www.ministry-of-information.com/john-maynard-


keynes-really-warren-buffet-day/> Acesso em: 14 jan. 2015.

3 UMA NOVA TEORIA EM MEIO À CRISE


A grande contribuição de Keynes veio com a publicação de sua obra Teoria
geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936. A publicação de seus postulados
ocorreu em um ambiente econômico e político conturbado, em que o mundo vivia
os impactos de uma das maiores crises econômicas de sua história, a saber, a crise
de 1929 (também conhecida como a Grande Depressão), cujo ponto central foi a
quebra da Bolsa de Valores de Nova York.

E
IMPORTANT

A crise de 1929, conhecida como a “Grande Depressão”, foi o período de maior crise
econômica, de nível mundial, do século XX. Iniciou em 1929, no interior do sistema financeiro,
cujo ponto central foi a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Primeiramente atingiu a
economia norte-americana para então se espalhar pela Europa e, por conseguinte, pelos
países latino-americanos, asiáticos e africanos. Seus maiores impactos só foram atenuados em
meados da década de 1930 (SANDRONI, 1999).

Com a Grande Depressão, o desemprego estava muito elevado, tanto


nos Estados Unidos como na Europa (VASCONCELLOS; GARCIA, 2009). Até
a década de 1930, era irrelevante a preocupação dos economistas em estudar os
problemas “macro” da economia, particularmente a questão do nível de emprego.
Os pressupostos clássicos, baseados na Lei de Say, enxergavam o desemprego
como algo temporário e passível de autoajuste da economia, que tenderia ao pleno
67
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

emprego. Não se pensava em desemprego de caráter permanente, muito menos


em superprodução (VICECONTI; NEVES, 2005).

Dessa maneira, a teoria econômica da época não dava conta de atenuar os


problemas da crise financeira. Keynes, com seus estudos acerca do emprego e dos
ciclos econômicos, acabou superando os conceitos hegemônicos, provenientes da
ortodoxia marginalista. Sugeriu, como remédio à crise, políticas de intervenção do
Estado nas atividades econômicas dos países, a fim de conter os efeitos da crise,
pois teriam impacto na demanda efetiva.

Entre a corrente hegemônica (liberais, marginalistas) havia a crença de que


o mercado encontraria seu equilíbrio de forma natural. Baseados na Lei de Say,
sustentavam que a produção criava seu próprio comércio, e, portanto, não haveria
problema de superprodução. Tanto é que os marginalistas subestimaram os efeitos
da crise de 1929, mesmo considerando-a um desajuste temporário, capaz de se
reajustar naturalmente.

NOTA

O marginalismo é a base do pensamento neoclássico. Para seus defensores, o


valor de um bem é definido por um fator subjetivo, a saber, a sua utilidade. Rompe com a teoria
clássica do valor-trabalho justamente por colocar a capacidade de satisfação das necessidades
dos indivíduos como central na valoração de algo. A necessidade é subjetiva e, deste modo, a
utilidade de determinado bem depende de cada indivíduo. “O valor de cada bem é dado pela
utilidade proporcionada pela última unidade disponível desse bem, ou seja, por sua ‘utilidade
marginal’” (SANDRONI, 1999, p. 367).

Keynes apontou justamente o contrário, evidenciando que a demanda era


responsável por guiar a oferta. Defendeu e comprovou que o nível de emprego
de uma economia estava ligado à sua demanda efetiva, que corresponde àquela
proporção da renda direcionada a gastos com o consumo e com o investimento.
Evidente que, a partir destes pressupostos, a solução para a crise econômica
não se encontrava no “autoequilíbrio” do mercado, mas sim, em uma política
macroeconômica de estímulo à demanda efetiva da economia, ou melhor, com
gastos e investimentos do governo na vida econômica da nação.

4 A ECONOMIA KEYNESIANA
A grande contribuição de John Maynard Keynes está no princípio da
demanda efetiva. Seus pressupostos foram em desencontro à premissa clássica de
que a oferta criava sua própria demanda (da qual a Lei de Say é expoente). Para
Keynes, pelo contrário, era a demanda – ou seja, as necessidades dos indivíduos
– que influenciaria a oferta. Desta maneira, para resolver o problema da crise

68
TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

eram necessárias políticas focadas na demanda. Para promover o equilíbrio


macroeconômico com emprego é preciso atentar para o lado da procura. A
saída então é a intervenção do Estado na economia. De acordo com sua teoria,
um dos fatores fundamentais pelo volume de emprego era o nível de produção
nacional de determinada economia, que era determinado pela demanda efetiva
(VASCONCELLOS; GARCIA, 2009).

E
IMPORTANT

A demanda efetiva (ou demanda solvente, agregada) pode ser entendida como a
demanda por bens e por serviços, que possuem capacidade de pagamento. São menores que
as necessidades do conjunto da população, pois se referem às necessidades que a população
efetivamente possa pagar (SANDRONI, 1999).

A preocupação de Keynes foi com relação aos grandes agregados


econômicos a curto prazo (os clássicos defendiam o longo prazo). Criticou dois
sustentáculos do pensamento clássico: A Lei de Say e a efetividade da redução
dos salários como forma de reduzir o desemprego. Para ele, o pleno emprego era
apenas uma das tantas situações possíveis em uma economia e, ao contrário dos
clássicos, era possível alcançar o equilíbrio de uma economia com desemprego no
mercado de trabalho. Seria possível, de acordo com ele, alcançar o equilíbrio do
produto nacional de uma economia sem o pleno emprego dos recursos produtivos.

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), a noção de “curto prazo” corresponde a um período de tempo


em que existe, no mínimo, um fator de produção fixo. Já a noção de “longo prazo” corresponde
a um período de tempo em que todos os fatores de produção variam. Contrariamente ao curto
prazo, não existe sequer um fator fixo.

Foi a partir do trabalho de Keynes que se desenvolveu profundamente a


Teoria Macroeconômica, principalmente no pós-Segunda Guerra. Cada vez mais
se procurou compreender as variáveis que exerciam influência no produto e no
nível de emprego de determinada economia (VICECONTI; NEVES, 2005). No pós-
guerra aumentaram os resultados positivos das políticas influenciadas por estes
postulados.

69
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

Em uma economia em depressão, era difícil, segundo Keynes, que os


empresários elevassem seus investimentos. Neste caso, para que houvesse
equilíbrio e a economia alcançasse pleno emprego, o governo deveria aumentar
seus gastos, que aumentaria a demanda agregada, aumentando a mão de obra
empregada.

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), o pleno emprego de uma economia corresponde a uma


situação em que todos os recursos disponíveis (emprego, por exemplo) estão sendo utilizados
de forma plena na produção dos bens e dos serviços, o que garante o equilíbrio das atividades
produtivas.

O pensamento de Keynes a respeito de poupança diferia dos clássicos. A


poupança não era função da taxa de juros, mas do nível de renda. Este pressuposto
inclusive invalidou a ideia de equilíbrio automático entre poupança e investimento
através da taxa de juros (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD, 2003). Afirmou
ainda que poderia haver maior vantagem em reter dinheiro, em comparação com
algum certo tipo de aplicação em investimento. Quando acontece este fato, onde
entesourar dinheiro torna-se mais rentável do que aplicá-lo em determinada
atividade produtiva, a demanda efetiva da economia cai, reduzindo o número de
atividades, o emprego e, consequentemente, a renda.

Das suas análises das variações da produção e do emprego, concluiu que


o que altera o volume de emprego é a procura de mão de obra e não a sua oferta,
como sustentavam os clássicos. Desta maneira, o desemprego é fruto de uma
demanda insuficiente de bens e serviços, solucionada com um maior volume de
investimentos. O investimento, inclusive, é o fator dinâmico da economia, capaz
de assegurar o pleno emprego e influenciar a demanda.

Segundo os pressupostos keynesianos, a economia pode encontrar seu


nível de equilíbrio mesmo com um nível alto de desemprego, que vai permanecer
assim até que haja intervenção do governo, através de uma política adequada de
investimentos e de incentivos, capazes de sustentar a demanda efetiva, bem como
manter os níveis de emprego e renda em alto ritmo. Assim, com cada elevação da
renda, crescem também o consumo e o investimento. E para que isto aconteça,
faz-se necessário que o Estado tenha instrumentos de política econômica, sejam de
regulação da taxa de juros, de expansão dos gastos públicos, de investimentos por
meio de empréstimos, entre outros (SANDRONI, 1999).

O keynesianismo inaugura assim uma modalidade de intervenção do


Estado na economia, que não atinge totalmente a autonomia da iniciativa privada.
Em sua originalidade e em face da conjuntura de crise, defendia a adoção de

70
TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

políticas capazes de solucionar os problemas de desemprego pela intervenção


estatal, desestimulando o entesouramento por meio da redução da taxa de juros
e aumento dos investimentos públicos. Em consequência disso, aumentam-se os
investimentos em atividades produtivas.

Vale lembrar que suas ideias influenciaram o famoso New Deal, programa
de recuperação econômica de Franklin D. Roosevelt (1933-1939). A grande
convicção que pairava no ar era que o capitalismo poderia ser salvo (quando
envolto em crises), desde que os governos interviessem na economia, cobrando
impostos, reduzindo juros, tomando empréstimos e gastando.

NOTA

O economista Michal Kalecki, polonês, chegou aos mesmos resultados de Keynes,


partindo não da economia neoclássica, mas da marxista.

QUADRO 2 - ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE O PENSAMENTO CLÁSSICO E O KEYNESIANO


Postulados clássicos Postulados keynesianos
Predomínio da oferta sobre a demanda. Predomínio da demanda sobre a oferta.
Considera que alguns mercados de fatores
Equilíbrio de todos os mercados de fatores de
podem estar em desequilíbrio, como o caso do
uma economia.
mercado de trabalho.
Sustenta uma situação de pleno emprego Sustenta ser possível chegar à condição de
dos recursos da economia como condição de equilíbrio sem o pleno emprego dos recursos
equilíbrio. de uma economia.
Baseia-se nas soluções de longo prazo para os
Baseia-se nas soluções de curto prazo.
problemas econômicos.
Não dá muita importância aos gastos do
governo em uma economia. Sustenta que os Os gastos do governo assumem papel
gastos da iniciativa privada (investimento importante para alavancar o crescimento
das empresas, consumo dos indivíduos, entre econômico, principalmente em momentos de
outros) contribuem de forma decisiva para o crise.
crescimento econômico.
Não considera que o mercado venha a se
Tem suas premissas baseadas no conceito de autorregular sempre, sendo necessária a
laissez-faire, ou seja, de livre mercado, que se intervenção estatal. Sugere uma política
autorregula. macroeconômica de estímulo à demanda
efetiva da economia.
Sua ênfase é na microeconomia. Sua ênfase é nos agregados macroeconômicos.
FONTE: Adaptado de Vasconcellos; Garcia, 2009 e Pinho et al. (2003)

71
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

5 CRÍTICAS E INFLUÊNCIAS
Alguns autores fizeram algumas críticas à obra de Keynes. Uma delas
afirma que tal teoria não logrou ser “geral” (como pretendia a Teoria Geral), sendo
assim, mais adaptada à realidade socioeconômica da Grã-Bretanha durante a
Grande Depressão dos anos de 1930. Além disso, há críticas por ser limitada aos
problemas do subemprego e ao curto prazo. Outros afirmam que Keynes tenha
simplificado demais a complexa realidade econômica e, ainda, deixou de lado a
análise da microeconomia. Além de não ter se debruçado sobre o caso dos países
emergentes. Soma-se a isso o fato de que não considerou o problema do fim da
análise produtiva como fundamental.

Ainda nesta linha, outros autores criticam as políticas econômicas


recomendadas por Keynes, já que, por um lado, foram responsáveis pelo aumento
da inflação e, por outro, por não elevarem o poder aquisitivo dos trabalhadores.
O que tais políticas acabaram fazendo foi o estímulo ao consumo, que favoreceu
as classes dominantes. Por simplificar a organização da sociedade, Keynes acabou
estabelecendo uma única lei de consumo, ignorando que este é totalmente diferente
se for levada em conta a classe dos trabalhadores e dos capitalistas. Os primeiros
têm um poder de consumo bem inferior aos segundos.

Também se critica o fato de que Keynes não tenha se posicionado sobre


a natureza de classes do Estado, principalmente dos modelos imperialistas (da
qual a Inglaterra é exemplo claro). E por subestimar a natureza classista do
Estado capitalista, suas propostas de aumento do controle estatal mediante o uso
de recursos da renda nacional acabaram por aumentar a submissão à oligarquia
financeira.

Apesar das críticas, o pensamento keynesiano exerceu grande influência


após a Segunda Guerra, principalmente nos países capitalistas. A própria Ciência
Econômica experimentou um maior desenvolvimento, como exemplo, a presença
cada vez mais contundente de modelos estatísticos e matemáticos. Mesmo estas
mudanças não foram capazes de provocar tamanho impacto como foi o provocado
pela publicação da obra keynesiana Teoria geral do emprego, do juro e da moeda,
em 1936. Não houve, dentro da ciência econômica, ideias capazes de gerar
consequências tão impactantes, como o fortalecimento do intervencionismo nas
sociedades capitalistas ocidentais (PINHO; VASCONCELLOS; GREMAUD, 2003).

Mesmo economistas com uma tendência mais crítica ao capitalismo e mais


próximos ao socialismo incorporaram algumas contribuições da teoria keynesiana,
como, por exemplo, a política de direcionamento dos investimentos por parte do
Estado e a política de pleno emprego.

Sem contar que os pressupostos keynesianos fomentaram o desenvolvimento


de estudos tanto nas ciências econômicas como em outras áreas do conhecimento.
A econometria, que vem ganhando espaço no mainstream da economia, é um bom

72
TÓPICO 1 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

exemplo: construiu novos modelos agregados e passou a desenvolver pesquisas


relacionadas à contabilidade nacional, ao produto, à renda nacional e tantos outros
agregados.

Sobre os cientistas econômicos que deram continuidade a pesquisas


partindo daquilo que Keynes discutiu com sua obra, podemos destacar três grupos:

• Os monetaristas, que se vinculam à Universidade de Chicago e defendem um


controle maior da moeda e um baixo grau de intervenção estatal. Podemos citar
como exemplo de destaque o economista Milton Friedman.
• Os fiscalistas, que sustentam a utilização de políticas fiscais ativas e um grau
mais acentuado de intervenção estatal. Entre os economistas de destaque estão
James Tobin, da Universidade de Yale, e Paul Anthony Samuelson, de Harvard
e MIT.
• Os pós-keynesianos, que têm se debruçado sobre a obra de Keynes, perfazendo
de certa maneira uma releitura dela. O que tentam mostrar é que o pensador
britânico não negligenciou o papel da moeda e da política monetária. Além
disso, tratam do papel da especulação financeira e defendem a intervenção
estatal na economia, com maior ênfase que os demais citados. Podemos citar
aqui os economistas Joan Robinson, Hyman Minsky, Paul Davison e Alessandro
Vercelli.

Apesar desta distinção, há ainda diferenças entre os próprios grupos.


Mesmo estas divergências existindo, são baseados nos pontos fundamentais do
trabalho de John Maynard Keynes (VASCONCELLOS; GARCIA, 2009).

73
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos que:

• As ideias keynesianas ganham força em meio à Grande Depressão, originada


em 1929. O marco destes postulados é a publicação da obra Teoria geral do
emprego, do juro e da moeda, em 1936.

• Os postulados keynesianos foram ao desencontro da premissa clássica de que o


mercado se autorregulava e de que a oferta criava sua própria demanda.

• Ao contrário dos clássicos, para Keynes o capitalismo não tendia ao autoequilíbrio.


Para ele, era a demanda que exercia influência sobre a oferta.

• Uma das grandes contribuições da teoria de Keynes foi o princípio da demanda


efetiva.

• O keynesianismo inaugura uma modalidade de intervenção do Estado na


economia, que não atinge totalmente a autonomia da iniciativa privada.

• As preocupações keynesianas eram os grandes agregados econômicos e o curto


prazo. Podemos dizer que são a base da Macroeconomia.

• As teorias keynesianas sustentavam que o pleno emprego era apenas uma das
situações possíveis da economia, portanto, era possível alcançar o equilíbrio
com desemprego e sem o emprego total dos recursos disponíveis.

• Em uma economia em depressão era essencial a intervenção do Estado na


economia, através dos gastos públicos e aumento da demanda agregada.

• Os gastos do governo têm papel importante para alavancar o crescimento


econômico.

• O keynesianismo influenciou muito a Ciência Econômica, bem como governos e


instituições pelo mundo todo.

74
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 O keynesianismo surgiu nos anos de 1930, no calor da Grande Depressão.


Seus postulados revolucionaram a teoria econômica e influenciaram
governos pelo mundo inteiro. De acordo com os principais postulados,
coloque V para verdadeiro e F para falso:

( ) O keynesianismo não dá muita importância aos gastos do governo em uma


economia. Bastam ao crescimento econômico os gastos da iniciativa privada.
( ) Uma das grandes contribuições do keynesianismo está no princípio da
demanda efetiva.
( ) O economista Michael Kalecki chegou aos mesmos resultados de Keynes,
partindo da economia marginalista.
( ) Para Keynes, a solução para a crise econômica capitalista se dava com o
aumento dos gastos e do investimento por parte do governo na economia.
( ) De acordo com os postulados keynesianos, o pleno emprego de uma
economia poderia ser alcançado mesmo com desemprego.
( ) Segundo Keynes, a poupança era função da taxa de juros. Sustentava que
havia uma tendência ao equilíbrio entre poupança e investimento através
da taxa de juros. Sendo assim, o entesouramento excessivo de dinheiro não
tinha nenhum efeito sobre a demanda efetiva da economia.

2 Podemos dizer que a teoria keynesiana foi um contraponto a alguns


postulados da teoria econômica clássica. Em acordo com o que vimos a
esse respeito, comente ao menos cinco diferenças entre as duas escolas de
pensamento.

3 Os postulados keynesianos tiveram destaque na solução dos problemas da


crise financeira de 1929 e acabaram influenciando políticas de governo por
todo o mundo. Comente as principais características deste processo.

75
76
UNIDADE 2 TÓPICO 2
O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior vimos alguns dos pressupostos básicos do keynesianismo,
que influenciou e vem influenciando pesquisadores, governos e políticas no
mundo todo. Neste segundo tópico nossa atenção estará voltada a um modelo
de Estado, o “Estado de Bem-Estar Social”. Podemos ter certeza de que muitos
dos postulados de Keynes têm influência sobre as concepções mais recentes desta
forma de atuação estatal.

O Estado de Bem-Estar Social é uma das formas que o Estado pode assumir.
Evidente que tem maior incidência no cotidiano dos indivíduos, em maior grau
em alguns casos, em outros, em menor grau. Muitos pesquisadores fazem uma
classificação dos vários modelos que vem a assumir este tipo de Estado, de acordo
com as funções que desempenha. Podemos citar como exemplo bem-sucedido
na atualidade os países escandinavos. Nestes são ofertados de maneira universal
serviços públicos de alta qualidade, como educação, moradia, garantia de emprego,
de renda, saúde e tantos outros. É bom lembrar que tais serviços são fruto de lutas
históricas e não apenas da caridade de governantes.

2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Algumas vezes já ouvimos falar do Estado de Bem-Estar Social, também
conhecido como Welfare State ou, ainda, Estado assistencial. De fato, é uma das
formas de se conceber o Estado, diante das mais diversas formas que ele assume
ou pode assumir. Historicamente, podemos apresentar a política adotada na
Grã-Bretanha, no pós-Segunda Guerra, como exemplo deste modelo de Estado.
Frutos de reivindicação de longa data, muitas políticas de assistência social foram
aprovadas, desde saúde à educação, que tinham como propósito garantir serviços
idênticos a todos os cidadãos, independente de sua renda (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 2000).

Voltando um pouco no tempo, podemos apontar um avanço rumo ao


Estado de Bem-Estar na Inglaterra, entre os anos de 1905 a 1911. Na época, houve
a instituição de um seguro nacional de saúde e de um sistema fiscal progressivo,
além do reconhecimento dos direitos sindicais e políticos da classe operária. O
cenário rumo à constituição do Welfare State vai ganhando cada vez mais corpo,
durante os anos de 1920, 1930 e nos anos que seguem à Segunda Guerra Mundial,
com a constante intervenção estatal, seja na indústria bélica, como na distribuição
de gêneros em geral.

77
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

Os anos que se passaram à Grande Depressão, como vimos anteriormente,


fizeram com que o mundo ocidental passasse a aumentar as despesas públicas,
como forma de manter o nível de emprego e mesmo a condição de vida das
pessoas. Interessante ressaltar que, nos casos da Inglaterra e dos Estados Unidos,
as políticas assistencialistas se dão em um ambiente liberal-democrático, com
fortalecimento dos sindicatos e criação de uma estrutura administrativa capaz de
responder às demandas sociais, principalmente dos mais necessitados (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 2000).

É na Inglaterra dos anos 1940 que se chega àquilo que vem a ser
definitivamente o Welfare State, ou seja, a garantia da universalidade de direitos
a todos os cidadãos, independente de sua idade, renda e posição social. Exemplo
seguido por muitos outros países industrializados.

Vale ressaltar que o aumento das despesas públicas resultou em um aumento


da porcentagem do Produto Interno Bruto gasto em serviços à população. Aqui se
vê a relação entre o crescimento econômico e a melhora da qualidade material da
vida dos indivíduos: grosso modo, quanto mais riqueza produzida, mais recursos
às demandas da população.

3 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL


Muito se pode dizer sobre o Estado de Bem-Estar Social, assim como sobre
suas concepções. Basicamente, Benevides (2011) define este tipo de Estado com
ajuda de Wilensky (1975): aquele que garante "tipos mínimos de renda, alimentação,
saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade, mas
como direito político". Interessante conceito, porque dele se conclui que um Estado
que garanta o bem-estar dos seus indivíduos não é algo proveniente do acaso ou
da vontade de governantes piedosos, mas sim, fruto da luta política organizada,
de longa data.

E
IMPORTANT

A grande diferença do Welfare State de outros tipos de Estado não é apenas a


intervenção das estruturas públicas na melhora do nível de vida dos indivíduos, mas sim, o
fato de que isto é reivindicado pelas pessoas. Portanto, as políticas que garantem melhores
condições de vida à população são fruto da luta política organizada e não de caridade.

78
TÓPICO 2 | O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

Praticamente todas as noções de Welfare State remetem ao Estado como


garantidor das necessidades básicas da população. Seu fundamento está na
garantia mínima de renda, educação, saúde, moradia a qualquer cidadão. É
o poder do Estado organizado a fim de oferecer a todo conjunto da população,
indiferentemente de sua posição social, garantia de reprodução material de sua
vida (BENEVIDES, 2011).

Esta ação estatal acaba reduzindo os riscos sociais a que os cidadãos estão
expostos, principalmente pela dinâmica do capitalismo. Baseia-se em uma noção
de direito social e, é claro, tem relação com o mercado, já que tenta amenizar os
resultados adversos das atividades capitalistas, como a desigualdade de acesso aos
bens públicos, entre tantas outras.

O financiamento deste tipo de Estado se dá, geralmente, pela contribuição


social dos trabalhadores e dos empregadores, porém, dependendo do tipo de
Estado, o peso destes varia (BENEVIDES, 2011). É bom lembrarmos que não há
uma única forma de Estado de Bem-Estar Social. Há aqueles que gastam mais com
benefícios sociais, que têm mais controle estatal, como também existem os que
gastam menos e que pouco intervêm no mercado. Existem diferenças quanto à
contribuição também, e, é claro, sobre o nível de redução da pobreza que venham
a alcançar.

Mesmo que o modelo de Welfare State seja aquele que busca o bem-estar dos
indivíduos através dos direitos sociais, a constituição deste entre as nações levou
em consideração certas especificidades. Portanto, há como distingui-los. Esping-
Andersen (1991) nos ajuda neste sentido, ao distinguir três tipos de Welfare State:
o Liberal, o Conservador e o Social-democrata. Apesar desta divisão, não há como
apontar uma delimitação tão clara entre os modelos. Ou seja, características dos
três tipos se entrelaçam. Um modelo conservador pode apresentar características
de um modelo social-democrata e vice-versa, por exemplo. Vejamos cada regime
em separado.

3.1 O ESTADO DE BEM-ESTAR “LIBERAL”


O Welfare State com predomínio das características liberais é aquele
em que os mecanismos de mercado têm maior evidência. Os serviços sociais
não são estendidos a toda a população. Focam-se nos mais pobres, com ações
assistencialistas. É bom destacarmos que é necessária uma comprovação dos
indivíduos considerados pobres e indigentes. As transferências destinadas aos
serviços universais são menores. Outra característica reside no programa de
previdência, mais modesto. Inclusive, há o incentivo aos planos privados de
seguridade.

Como já exposto, não há uma extensão plena dos direitos de cidadania,


preocupando-se mais com a garantia de certos níveis de renda e com uma gama
mais tímida de benefícios. Há, assim, uma grande preocupação em deixar de
incentivar o trabalho. É justamente no mercado de trabalho que o Estado age: é

79
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

através da inserção no mercado, buscando neste melhores salários, que a população


pode se valer de melhores condições de vida (através do trabalho e salários).

A solução aos problemas socioeconômicos é relegada às forças do mercado,


sendo que a intervenção estatal ocorre apenas quando muito necessário, ou seja,
quando alguns problemas sociais se tornam graves e não encontram solução na
iniciativa privada. Países como os Estados Unidos, Canadá e Austrália podem ser
visualizados como exemplos.

Vale um adendo: por não se beneficiarem tanto com os programas


assistenciais, é típico das classes de melhor poder aquisitivo uma rejeição ao
aumento dos gastos sociais e o consequente aumento dos impostos.

3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR “CONSERVADOR”


No Welfare State com esta característica, o modelo de proteção social
é baseado nas transferências. Benefícios como a aposentadoria, por exemplo,
são proporcionais à contribuição do indivíduo. Neste sentido, não tem uma
preocupação com as necessidades totais (e divergentes) das pessoas, mas sim, com
a proporção com que o indivíduo contribuiu para o fundo específico. Aqui vemos
a importância do mercado de trabalho neste processo, já que, quanto melhor for o
salário, melhores as condições de contribuição com o Estado e, portanto, maior seu
retorno. Uma das críticas a este modelo é que sua proteção sobre aqueles que estão
excluídos do mercado de trabalho é insuficiente. Nestes casos, os benefícios são os
mínimos possíveis, através de transferências.

O Estado assume um papel subsidiário, relegando às famílias (inseridas no


mercado de trabalho) o papel principal na garantia dos direitos fundamentais dos
indivíduos. A população empregada tem, é claro, amplo amparo, o que de certa
maneira torna o custo do emprego maior. Sem contar que parte importante dos
serviços de saúde e de cunho assistencial é ofertada por setores sem fins lucrativos.
Tem presença na Europa continental, como Alemanha, Áustria, França, Bélgica,
Holanda. Ainda assim, apresenta diferenças entre estes países, tendo cada um
deles características distintas.

3.3 O ESTADO DE BEM-ESTAR “SOCIAL-DEMOCRATA”


Neste modelo, os indivíduos têm direito a maiores serviços provenientes
da esfera pública. Inclusive, conseguem manter seu nível material de vida sem
depender do mercado de trabalho. O princípio da solidariedade marca as ações
deste tipo de Estado, no sentido de que as políticas (seja de saúde, educação,
aposentadoria, entre outras) são universais, ou seja, estendidas a toda população,
independente da renda e posição social. Um bom exemplo: tanto o filho de um
operário quanto o filho de um banqueiro terão o mesmo direito à universidade,
sendo esta custeada pelo Estado.

80
TÓPICO 2 | O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

Ao contrário dos modelos conservador e liberal, os benefícios não estão


ligados à proporção da contribuição do indivíduo. As políticas deste modelo
procuram deixar o indivíduo não tão dependente das forças de mercado, através de
serviços públicos de alta qualidade. Evidente que, por ser universal e por oferecer
serviços de alta qualidade, estende-se a toda a população, sejam os mais pobres,
classe média e mesmo os mais ricos. Isto também implica maiores contribuições
por parte da população. Por isso, a busca por manter o maior número de pessoas
trabalhando é constante. A busca do pleno emprego é uma questão central para
estes países. Quanto mais pessoas estiverem no mercado de trabalho e o mínimo
vivendo das transferências do governo, melhor. Tanto é que políticas de emprego,
das mais diversas formas, são constantes.

Podemos destacar algumas características marcantes deste modelo de


Estado de Bem-Estar: garantia de renda para todos (universal), políticas de
emprego, de educação e prestação de serviços contra os riscos sociais diversos.
Alguns, inclusive, têm serviços de cuidado bem desenvolvidos, como creches e
mesmo o cuidado com os idosos. Os serviços das creches permitem que as mulheres
trabalhem, o que contribui na diminuição da desigualdade.

Os países escandinavos são os exemplos que se encaixam nesses moldes.


Importante ressaltar que os direitos sociais não estão relacionados à comprovação
da pobreza ou da inserção no mercado de trabalho, como nos dois modelos
apresentados anteriormente. Para acessar os benefícios do Estado, basta ser cidadão.
Por isso, é um direito político. Evidente que isto retira muito a dependência das
pessoas das livres forças do mercado.

QUADRO 3 - RESUMO DAS DIFERENÇAS ENTRE OS MODELOS DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL


Modelo Liberal Modelo Conservador Modelo Social-democrata
As forças do mercado As famílias, através de sua
têm centralidade na posição no mercado de trabalho, O Estado assume centralidade
provisão dos direitos têm a primazia na provisão dos na provisão dos direitos sociais
sociais fundamentais dos direitos sociais fundamentais dos fundamentais dos indivíduos.
indivíduos. indivíduos.
O Estado é mínimo. O Estado exerce função subsidiária. O Estado tem papel central.
Benefícios à população são
Programas
Programas assistencialistas universais. Políticas de saúde,
assistencialistas aos
aos pobres e os benefícios aos educação, emprego, renda,
pobres e incentivo
cidadãos têm ligação com prévia previdência, entre outros, são
a planos privados
contribuição (aposentadoria, por de alta qualidade e ofertados a
(previdência, saúde,
exemplo). todos, independente da renda e
entre outros).
posição social.
FONTE: Adaptado de Benevides (2011).

81
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

4 CRISE NO MODELO DE BEM-ESTAR


Os argumentos utilizados para a redução dos recursos destinados às
demandas da população e, portanto, a limitação do Estado de Bem-Estar Social,
se associam ao déficit público, que, de acordo com os defensores desta crítica,
provocou instabilidades econômicas e sociais (a inflação é um exemplo).

Discorrer sobre a crise do Welfare State não é tão simples, muito menos
algo de consenso. Isto porque remete mesmo a posturas ideológicas e, de certa
forma, pela retomada de poder no direcionamento do Estado por determinadas
classes sociais. Um elemento para o qual podemos chamar a atenção é o caso de
países desenvolvidos, em que a redução do Welfare State se relaciona com a crise
fiscal, ocasionada pela dificuldade crescente em equilibrar os gastos públicos com
crescimento econômico. Realizar esta tarefa em uma economia capitalista nem
sempre é tarefa fácil.

Um exemplo marcante do desmonte do Estado de Bem-Estar Social foi


o orquestrado na Grã-Bretanha, com a eleição da primeira ministra Margareth
Thatcher, do Partido Conservador. Seu partido esteve no poder de 1979 a 1990,
tendo na privatização das empresas públicas sua marca. É bom destacarmos que
tal postura influenciou muitos países ao redor do mundo, como o caso do Brasil
da década de 1990, que, além de vacilar em garantir os direitos básicos garantidos
na Constituição, optou por uma política de arrocho salarial e de privatização do
patrimônio público.

5 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL NO BRASIL


O Brasil nunca logrou estruturar um Welfare State, aos moldes de alguns
países europeus e dos países nórdicos. Ao longo de sua história há elementos
garantidores de melhores condições de vida à sua população, ora mais expressivos,
ora menos expressivos. Estes elementos são parte de estratégias de bem-estar.

Podemos dizer que a primeira tentativa de um Estado preocupado com o


bem-estar de seus indivíduos tem origem nos anos de 1930, com Getúlio Vargas. A
regulação das relações de trabalho, com a extensão de direitos aos trabalhadores, é
exemplo disso, e até poderíamos enquadrá-la nos moldes do Estado de bem-estar
conservador. Antes disso, o que havia eram medidas fragmentadas e de caráter
emergencial.

O ambiente em que se fundam os alicerces do sistema de proteção social


brasileiro desta época tem como marca o autoritarismo, que, se por um lado provia
necessidades, também reduzia o poder de reivindicação dos sindicatos e dos
líderes trabalhistas. Entre 1930 e 1945 é crescente a intervenção do Estado na área
trabalhista e previdenciária. Podemos destacar a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio (MTIC), a criação do Ministério da Educação e Saúde
Pública em 1930. Em 1946, a legislação trabalhista então elaborada gradualmente
foi reunida na intitulada Consolidação das Leis do Trabalho, que, dentre outras

82
TÓPICO 2 | O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

coisas, regulamentava o número de horas do trabalho, o trabalho das mulheres e


menores, direito a férias, salário mínimo, pensão, estabilidade e demais benefícios.

O que se conclui desta época é que o sistema de proteção social brasileiro


tinha suas bases na mediação entre o capital e o trabalho e atingia, essencialmente,
os trabalhadores urbanos (BENEVIDES, 2011).

Outro momento a evidenciar ocorreu na época da ditadura militar, com a


extensão de alguns direitos a segmentos da sociedade. O que pode ser evidenciado
deste período histórico são a criação do Instituo Nacional de Previdência Social
(INPS) em 1966, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), que
incluía os trabalhadores do campo no sistema previdenciário, além do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (que operava como compensador da flexibilidade da
legislação trabalhista). Criou-se ainda, no ano de 1974, o Ministério da Previdência
e Assistência Social (BENEVIDES, 2011).

É bom lembrar que, apesar de criar benefícios sociais que em teoria


cobririam toda a população, o sistema público brasileiro, na prática, acabou se
especializando no atendimento seletivo da população. Sem contar que nivelou a
segurança social em níveis baixos. Não por acaso, o período militar caracterizou-
se pelo aprofundamento das disparidades socioeconômicas entre a população, ao
mesmo tempo em que favoreceu elites políticas e econômicas, tanto do Brasil como
de países estrangeiros.

A Constituição de 1988 é um pouco mais abrangente. Suas reformas,


principalmente na área social, fazem com que a proteção social ao brasileiro possa
ser enquadrada em regime de Welfare State. Nela se reconhece que somente as forças
de mercado são incapazes de prover os direitos fundamentais aos indivíduos,
muito menos de reduzir os riscos sociais a que estão expostos. Propõe o direito
social atrelado à cidadania.

Podemos dizer que foi um marco para os direitos sociais no Brasil, já que
sustenta uma ampliação do sistema de proteção social e, mesmo, a instituição
de princípios de universalização. Podemos destacar deste período a criação do
Sistema Unificado de Saúde (SUS), a criação do seguro-desemprego, a evolução da
previdência social (com sistema unificado com a previdência urbana e incorporação
dos benefícios às mulheres). Longe de citar todos os avanços, pelo menos em tese
se fundou um sistema de proteção social que universalizou direitos sociais e tratou
temas importantes, como a saúde, a assistência social e a previdência como questões
de ordem pública e, portanto, responsabilidade do Estado brasileiro (BENEVIDES,
2011). Em tese, o Brasil deu um passo à consolidação de um Welfare State, mas na
prática ainda está longe disso.

83
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos que:

• Conforme define Wilensky (1975), o Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State


é o tipo de Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde,
habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como
direito político.

• É na Inglaterra dos anos 1940 que se chega àquilo que vem a ser definitivamente
o Welfare State, ou seja, a garantia da universalidade de direitos a todos os
cidadãos, independentemente de sua idade, renda e posição social.

• Este modelo de Estado é fruto da luta organizada dos cidadãos por melhores
condições de vida e não mera caridade de governantes piedosos.

• O financiamento do Welfare State se dá geralmente pela contribuição dos


trabalhadores e empregadores.

• Alguns autores distinguem três tipos de Estado de Bem-Estar Social: o Liberal, o


Conservador e o Social-democrata.

• No modelo Liberal, o Estado é mínimo e cabe às forças de mercado a centralidade


na provisão dos direitos fundamentais dos indivíduos.

• No modelo Conservador o Estado tem papel subsidiário, sendo que as famílias


têm centralidade na provisão dos direitos fundamentais dos indivíduos.

• No modelo Social-democrata o Estado tem papel central na vida dos indivíduos,


provendo benefícios universais e de alta qualidade.

• O Brasil nunca logrou estruturar um Welfare State aos moldes dos países europeus
e escandinavos. O que existem são políticas e demais elementos garantidores
de melhores condições de vida à população, ora mais expressivos, ora menos
expressivos.

84
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno de
Estudos. Bom trabalho!

1 Praticamente todas as noções de Welfare State remetem ao Estado como


garantidor das necessidades básicas dos indivíduos. Sua constituição entre
as nações levou em consideração certas especificidades. Tanto é que alguns
autores classificam três formas de Welfare State. Com base no que vimos,
discorra sobre as principais diferenças entre estes três modelos (liberal,
conservador e social-democrata).

2 O modelo de Bem-Estar Social é uma das muitas formas que o Estado pode
assumir. Vimos no tópico 2 algumas características dele. Com base nisto, leia
com atenção as afirmações abaixo e assinale o conjunto correto de afirmações:

I - A grande diferença do Welfare State de outros tipos de Estado não é apenas


a intervenção das estruturas públicas na melhora do nível de vida dos
indivíduos, mas sim, que esta intervenção é fruto da luta política organizada
e não de caridade do governo.
I I - Podemos dizer que é na Inglaterra dos anos de 1940, no governo de
Margareth Thatcher, que se constitui aquilo que vem a ser o Estado de Bem-
Estar Social.
III - O financiamento do Welfare State se dá pela contribuição tanto dos
trabalhadores como dos empregadores e não varia de acordo com o tipo de
Estado de bem-estar.
IV – O Welfare State do tipo social-democrata tem como premissa conceder
benefícios mediante a prévia contribuição dos cidadãos. Seus maiores exemplos
são os países escandinavos.

( ) Todas as afirmações estão corretas.


( ) Apenas as afirmações I e II estão corretas.
( ) As afirmações II e III estão corretas.
( ) Apenas a afirmação I está correta.
( ) Nenhuma afirmação está correta.

3 Um subtópico de nosso estudo abordou o tema do Estado de Bem Estar-


Social aplicado ao caso brasileiro. Seria o Brasil um modelo de Welfare State?
Justifique.

85
86
UNIDADE 2
TÓPICO 3

A TEORIA DA REGULAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Depois de vermos um pouco sobre as teorias keynesianas e entrar em
contato com o modelo de Bem-Estar Social, nossa tarefa neste terceiro tópico será
conhecer um pouco da Escola Francesa da Regulação.

Os regulacionistas, como veremos, também surgem em um momento de


crise. Por um lado, em um contexto de queda das taxas vigorosas de crescimento
das economias capitalistas, e de outro, com os limites da própria teoria econômica:
nem as teorias keynesianas, nem o fundamentalismo marxista, muito menos as
teorias neoclássicas davam conta de explicar a complexa realidade.

É sobre estas lacunas que a Teoria da Regulação ganhou evidência,


impulsionada pela tese doutoral de Michel Aglietta, em 1974. Apesar de criticar
o marxismo “fundamentalista”, a base desta escola de pensamento repousa nos
pressupostos de Marx, pelo menos em sua origem. Algo de Keynes também
encontrou espaço nos regulacionistas. Na verdade, pretendiam uma nova
abordagem para explicar a realidade.

Veremos com mais cuidado os principais aspectos da Teoria da Regulação.


Portanto, além desta parte introdutória, a seção que segue discorre sobre o contexto
do surgimento da Escola da Regulação. A última seção é dedicada aos preceitos
básicos desta escola de pensamento, com especial atenção aos conceitos-chave.
Bom estudo!

2 CONTEXTO DA ESCOLA DA REGULAÇÃO


As concepções regulacionistas também ganharam força em um contexto
de crise, ou seja, com o fim dos anos gloriosos de crescimento que se procederam
no pós-Segunda Guerra Mundial. A volta das crises desvelou os limites do
keynesianismo e, assim, abriu espaço para o debate dentro da economia. Não por
acaso, houve o renascimento dos autores neoclássicos, principalmente daqueles
alinhados a perspectivas racionais. Por outro lado, abriu espaço para o pensamento
crítico, com raízes nos pressupostos de Marx, somados à incorporação das novas
especificidades da conjuntura econômica e, ainda, de preceitos de outros autores.
Eis o caso da Escola Francesa da Regulação. É neste contexto que esta escola
ganhou força, na sua tentativa de construir uma análise do processo de acumulação
capitalista, suas regularidades e crises (BOCCHI, 2000).

87
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

E
IMPORTANT

Apesar de influenciada pelo marxismo, a Teoria da Regulação recusa as


concepções mais fundamentalistas desta corrente de pensamento, ou seja, aquelas que
sustentam leis gerais capazes de determinar e explicar tanto o crescimento quanto as crises do
capitalismo. Os regulacionistas se opunham àquelas formulações baseadas em leis universais
regentes do comportamento social, como o caso de alguns teóricos marxistas (ortodoxos),
dos estruturalistas e dos neoclássicos, com sua defesa do equilíbrio geral (NASCIMENTO, 1993).

Além da influência de Marx, podemos citar ainda certa influência dos


pressupostos de Keynes, principalmente pelo fato de que este autor tenha
defendido a natureza instável do capitalismo, inclusive de seu crescimento. Além
disso, a visão positiva do economista inglês acerca das instituições interessava aos
autores regulacionistas.

Podemos dizer que o marco fundador da Escola Francesa da Regulação foi


a tese doutoral de Michel Aglietta, defendida em 1974, cuja publicação ocorreu dois
anos depois, em 1976. Seu trabalho foi intitulado Regulação e crises do capitalismo.
O núcleo mais representativo desta escola foi formado por Robert Boyer, Alain
Lipietz, Jacques Mistral, J. P. Benassy, J. Munõz e C. Ominami. Porém, quando se
aborda esta teoria, é comum destacar Boyer, Lipietz e Aglietta.

Alguns autores classificam os vários autores regulacionistas em


três grandes correntes. Um primeiro grupo é denominado de “ortodoxia”
regulacionista, congregando pesquisadores da teoria do Capitalismo Monopolista
de Estado e outros ligados ao Partido Comunista Francês. Um segundo grupo
pode ser denominado como “heterodoxia” regulacionista, conhecidos como
“regulacionistas parisienses”, e tem como base os estudos de Michel Aglietta e J. P.
Benassy. Por fim, o terceiro grupo, mais heterogêneo, onde se enquadram vários
autores, desde alemães e os intitulados radicais norte-americanos. Há quem afirme
que esta corrente possa ser apresentada como institucionalista (NASCIMENTO,
1993).

3 PRECEITOS BÁSICOS
Os regulacionistas, embora estivessem de acordo com a tese do esgotamento
das políticas keynesianas, criticaram a opção neoliberal para resolver a crise
do fordismo. Sua proposta era tentar entender os processos de acumulação e
crise do capitalismo contemporâneo mediante o desenvolvimento de um novo
referencial teórico-metodológico. Dentre as categorias mais importantes por eles
desenvolvidas, ganharam destaque as categorias modelo de desenvolvimento,
paradigma tecnológico, regime de acumulação, modo de regulação, fordismo,
fordismo periférico, pós-fordismo, entre outras.

88
TÓPICO 3 | A TEORIA DA REGULAÇÃO

FIGURA 19 - MICHEL AGLIETTA

FONTE: Disponível em: <http://www.xerficanal-economie.com/emission/Michel-


Aglietta-Zone-euro-de-nouvelles-pistes-pour-sortir-de-la-crise_31.html>.
Acesso em: 12 jan. 2015.

A pretensão dos regulacionistas foi bastante ousada. Por um lado,


objetivaram desenvolver um referencial teórico da economia capitalista que fosse
além daquele sustentado pelos economistas neoclássicos, ou seja, defensores do
equilíbrio geral. Além do mais, deveria dar conta de superar os modelos marxistas
reducionistas. A esta tarefa somou-se a tentativa em explicar o fenômeno da
estagflação, que tomava conta dos países desenvolvidos a partir de 1973 (BOCCHI,
2000). Sem contar que a volta das crises e do caráter cíclico do capitalismo expõe os
limites das políticas econômicas de cunho keynesiano.

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), o fenômeno da estagflação ocorre quando se tem, ao


mesmo tempo, taxas elevadas de inflação e recessão econômica (PINHO; VASCONCELLOS;
GREMAUD, 2003). Este fenômeno foi típico do pós-Segunda Guerra e se acentuou com a
crise do petróleo (1973-1979). Contraria a teoria clássica de que a inflação tende a cair com o
aumento do desemprego. Vale destacar que o Brasil experimentou este fenômeno entre 1963 e
1966, entre 1981 até 1984 (mais fortemente) e ainda entre 1987 até a introdução do Plano Real,
em 1994 (SANDRONI, 1999).

Os três principais nomes da Escola da Regulação empenharam-se em


uma análise histórica do capitalismo, tentando demonstrar como este modelo
de produção havia perdurado mesmo em meio a crises e conflitos diversos. O
questionamento acerca de como o processo de acumulação de capital consegue

89
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

se reproduzir, com um grau de regularidade, inserido e a partir de contradições


e conflitos, é a grande questão econômica para eles. Segundo os regulacionistas,
o sistema capitalista é instável e suas contradições e antagonismos são fruto das
relações entre os indivíduos. Por isso mesmo, o foco destes pesquisadores são as
instituições, vistas como determinantes na reprodução do sistema capitalista.

Para os regulacionistas, o modo capitalista de produção evolui com base


em modelos de desenvolvimento, sustentado por um regime de acumulação e por
um modo de regulação específico. Estes dois conceitos são chave nesta teoria e
constituem faces de uma mesma moeda (CARVALHO, 2008).

Justamente por tentar entender como o capitalismo vive momentos de


prosperidade e de crises, sem que venha a se destruir, o conceito de regulação
utilizado por esta escola tem ligação com as concepções de crise e de acumulação
de capital. Ele é mais amplo e diferente do de regulamentação e tem implicações
na história, na economia e na sociologia. Seu arcabouço metodológico buscou
construir conceitos capazes de articular algumas ideias-chave, dentre as quais:

• Que o processo de acumulação de capital tem papel determinante na dinâmica


econômica do capitalismo. Esse processo de acumulação pode assumir formas
variadas.
• O processo de acumulação de capital não se autorregula, nem mesmo encontra
equilíbrio via forças de mercado.

As instituições (estruturas que são constituídas ao longo do tempo) têm


papel fundamental para moldar a lógica do sistema capitalista. Ou seja, elas são
responsáveis por direcionar a reprodução econômica em determinado período
(CARVALHO, 2008).

Outros conceitos são importantes para os teóricos da regulação. Veremos


mais especificamente abaixo.

3.1 O CONCEITO DE REGIME DE ACUMULAÇÃO


Por regime de acumulação se entende a forma específica que o processo
de acumulação capitalista assume, com vistas a garantir a continuidade de
acumulação de capital, bem como, de evitar desequilíbrios e crises. Denota, assim,
um sentido de coerência. É um padrão de organização da atividade econômica que
permite a continuidade do crescimento econômico. Isso de forma a permitir que os
desequilíbrios e crises do próprio sistema capitalista, que são permanentes, sejam
absorvidos ao longo do tempo.

Pode assumir uma forma extensiva ou intensiva. No primeiro caso,


combina crescimento econômico com baixo dinamismo tecnológico e, portanto,
tem predomínio da mais-valia absoluta. No segundo caso, combina crescimento
com progresso tecnológico, com predomínio da mais-valia relativa (CARVALHO,
2008).

90
TÓPICO 3 | A TEORIA DA REGULAÇÃO

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), os conceitos de “mais-valia absoluta” e “mais-valia relativa”


já foram abordados na Unidade 1.

As regularidades referidas se relacionam:

• A um tipo de evolução da organização da produção e, ainda, das relações entre


os trabalhadores assalariados e os meios de produção.
• A um espaço de tempo em que ocorre a valorização do capital, de onde se
desenvolvem os princípios de gestão.
• A como ocorre a distribuição da renda, capaz de permitir a reprodução dinâmica
das diferentes classes sociais.
• A uma composição que permite que a demanda social seja ajustada à tendência
de evolução da capacidade produtiva.

A uma articulação com as formas não capitalistas de produção (CARVALHO,


2008).

3.2 O CONCEITO DE MODO DE REGULAÇÃO


Já o modo de regulação corresponde ao conjunto dos comportamentos (dos
indivíduos) institucionalizados, sejam formais ou informais, cuja função é fazer
com que as decisões das pessoas sejam compatíveis com o regime de acumulação
em que estão inseridas. São o conjunto de leis, valores, que irão reproduzir e
sustentar determinada forma que o capitalismo venha a assumir (já que mantém a
coesão social) (SAMPAIO, 2003).

A figura a seguir nos ajuda a compreender o conjunto de procedimentos


e de comportamentos, tanto individuais como coletivos, do modo de regulação.

91
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

FIGURA 20 - CONJUNTO DE PROCEDIMENTOS DO MODO DE REGULAÇÃO

FONTE: Adaptado de Carvalho (2008).

Visto como a materialização do regime de acumulação (através das normas,


leis, entre outros), possibilita que o processo capitalista de produção se reproduza
de forma regular e “coerente”, mesmo que envolto em constantes contradições e
crises.

3.3 O CONCEITO DE MODELO DE DESENVOLVIMENTO


Seria uma espécie de “conjugação” de um regime de acumulação com
um modo de regulação. Podemos descrever um modelo de desenvolvimento a
partir da forma com que este desenvolve o processo de acumulação de capital.
Um bom exemplo é o modo desenvolvimento fordista, fruto de um regime de
acumulação intensivo e de um modo de regulação denominado administrativo
(alguns preferem utilizar monopolista).

Neste tópico existe ainda uma classificação de crises que venham a ocorrer
no processo de acumulação capitalista. Conforme nos aponta Carvalho (2008),
podemos resumi-las da seguinte forma:

• Crises exógenas: causadas por fatores externos ao sistema econômico (o atingem


“vindo de fora”). Um bom exemplo são os desastres naturais.
• Crises endógenas: têm sua origem no interior do modo de desenvolvimento. De
menos impacto, são fruto de falhas na regulação, mas podem ser controladas
pela intitulada forma institucional.

92
TÓPICO 3 | A TEORIA DA REGULAÇÃO

• Crises estruturais: são as crises de grande proporção, que marcam o fim de uma
era do capitalismo. As soluções para este tipo de perturbação exigem grandes
mudanças, desde políticas, técnicas, produtivas, institucionais e sociais.

3.4 O CONCEITO DE FORMAS INSTITUCIONAIS


As formas institucionais são a codificação das relações sociais fundamentais
que condicionam o modo de regulação (visto acima), como o regime de crescimento.
É através destas formas que os agentes econômicos se relacionam. O que as norteia
são as leis (ação de coerção), as noções de compromisso e mesmo o hábito (no
sentido de um sistema de valores). Podemos descrever cinco principais formas
institucionais.

QUADRO 4 - FORMAS INSTITUCIONAIS


Como a moeda é a linguagem do mundo mercantil, das trocas, ela
assume a forma de colocar em relacionamento os indivíduos, ou melhor,
Padrão
os agentes econômicos. Por exemplo, possibilita a relação entre empresas
monetário
e trabalhadores ou os consumidores e comércio. Dessa forma, não é vista
como mercadoria.
Correspondem às instituições que coordenam a relação capital-trabalho.
Dentre as relações que coordenam a relação capital-trabalho, cinco
merecem destaque: 1) Tipos de meio de produção; 2) Forma que assume
Formas
a divisão técnica e social do trabalho (relacionam-se à organização do
de relação
processo produtivo, entre outras); 3) Maneira de remuneração dos
salarial
trabalhadores pelas empresas; 4) Normas de determinação dos salários
(formal ou informal); 5) Modo de vida dos trabalhadores (essencialmente
ligado ao consumo: como se dá o consumo dos trabalhadores).
Denotam como se dão as relações entre as empresas (vistas
Formas de individualmente, com suas decisões tomadas independente das
concorrência demais) no mercado. Podemos citar algumas formas: mecanismos de
concorrência e monopolistas.
Corresponde ao conjunto de regras e procedimentos determinantes
Regime
da relação de um país com o resto do mundo (inserção no mercado
de adesão
internacional). Isso tanto para as trocas de mercadorias quanto para os
internacional
locais de produção.
Correspondem às relações entre Estado, capital e produção. São todos os
Formas de
compromissos estabelecidos e institucionalizados que criam as regras da
Estado
composição das receitas e das despesas públicas.
FONTE: Adaptado de Carvalho (2008).

93
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico vimos que:

• O marco fundador da Escola Francesa da Regulação foi a tese doutoral de Michel


Aglietta, intitulado Regulação e crises do capitalismo.

• Os regulacionistas objetivavam entender os processos de acumulação e crise


do capitalismo contemporâneo mediante o desenvolvimento de um novo
referencial teórico-metodológico.

• Para os regulacionistas, o modo capitalista de produção evolui com base em


modelos de desenvolvimento, sustentado por um regime de acumulação e um
modo de regulação específico.

• Por tentar entender como o capitalismo vive momentos de prosperidade e de


crises, sem que venha a se destruir, o conceito de regulação utilizado por esta
escola tem ligação com as concepções de crise e de acumulação de capital.

• O conceito de regime de acumulação refere-se a um padrão de organização da


atividade econômica que permite a continuidade do crescimento econômico
capitalista. Isso de forma a permitir que os desequilíbrios e crises do próprio
sistema capitalista, que são permanentes, sejam absorvidos ao longo do tempo.

• O conceito de modo de regulação corresponde ao conjunto dos comportamentos


(dos indivíduos) institucionalizados, sejam formais ou informais, cuja função
é fazer com que as decisões das pessoas sejam compatíveis com o regime de
acumulação em que estão inseridas.

• O conceito de modelo de desenvolvimento pode ser descrito a partir da forma


com que ele desenvolve o processo de acumulação de capital. Um bom exemplo
é o modo desenvolvimento fordista.

• As formas institucionais são a codificação das relações sociais fundamentais que


condicionam o modo de regulação com o regime de crescimento. É através
destas formas que os agentes econômicos se relacionam.

94
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 Alguns conceitos relacionados à Teoria da Regulação merecem destaque.


Com base no que vimos no tópico 3 a esse respeito, associe a primeira coluna
com a segunda.

Conjunto de comportamentos compatíveis com


(A) Regime de Acumulação ( )
o regime de acumulação.

(B) Modo de Regulação ( ) Um exemplo é o modelo fordista.

Modelo de Liga-se à concepção de crise e de acumulação de


(C) ( )
Desenvolvimento capital.
É um padrão de organização da atividade
(D) Formas Institucionais ( )
econômica.
Os agentes econômicos se relacionam através
(E) Conceito de Regulação ( )
delas.

2 Um conceito importante para os regulacionistas é o de modelo de


desenvolvimento. A partir dele pode-se perceber uma classificação de
crises, oriundas do processo de acumulação capitalista. Discorra sobre elas,
evidenciando seus elementos principais.

3 Com base no que vimos sobre a Escola Francesa da Regulação, coloque V


para verdadeiro e F para falso.

( ) As concepções regulacionistas têm raízes em Marx. Apesar disso, recusavam


as concepções marxistas mais fundamentalistas, como aquelas sustentadas
por leis gerais e determinantes.
( ) Em sua origem os regulacionistas desejavam um referencial teórico: que
fosse além daquele sustentando pelos neoclássicos; que superasse os
modelos marxistas reducionistas; que desse conta dos limites do keynesiano
e; que explicassem o fenômeno da estagflação.
( ) O conceito de regulação tem intrínseca relação com o conceito de
regulamentação.
( ) As instituições assumem papel fundamental de moldar a lógica do sistema
capitalista. Assim, são responsáveis por direcionar a reprodução econômica
de um determinado período.
( ) Para os regulacionistas, o processo de acumulação de capital tinha papel
central na dinâmica econômica capitalista. Além disso, esse processo se
autorregulava, encontrando equilíbrio junto às forças de mercado.

95
96
UNIDADE 2
TÓPICO 4

A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA

1 INTRODUÇÃO
Nas unidades anteriores vimos um pouco sobre keynesianismo, discutimos
o Estado de Bem-Estar Social e, ainda, conhecemos mais sobre a Escola Francesa
da Regulação. Pois bem, nossa tarefa agora, neste quarto tópico, será conhecer um
pouco mais sobre a teoria desenvolvimentista.

O desenvolvimentismo teve presença marcante no direcionamento


de políticas nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Os estudos do
desenvolvimento se inserem na fronteira entre a Teoria Econômica e a Política
Econômica. Suas origens se encontram em três fontes principais:

• No trabalho teórico dos economistas clássicos. O primeiro foi Adam


Smith.
• Nas crises econômicas, pelas quais o capitalismo vem passando desde
a Revolução Industrial.
• Nos estudos empíricos, de onde podemos fazer uma conexão do tema
de nosso último tópico, ou seja, os estudos realizados pelos economistas
da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

O desenvolvimentismo acabou perdendo força a partir do ano de 1970,


com o retorno crescente das políticas neoliberais. No entanto, a partir de 2000 os
pressupostos desenvolvimentistas retomam destaque, agora com a vestimenta de
novo desenvolvimentismo.

Este tópico nos ajudará na compreensão destes conceitos. Após esta


parte introdutória, faremos breve contextualização. Seguindo, são apresentadas
características do desenvolvimentismo que teve lugar nos países latino-
americanos, com destaque para o Brasil. Por fim, as principais características do
novo desenvolvimentismo são abordadas. Bom estudo!

2 UMA NOÇÃO INICIAL


A preocupação com o desenvolvimento é um pouco mais recente no campo
da economia. Ganhou força a partir da Segunda Guerra. As raízes do Estado
desenvolvimentista remontam ao Japão do século XIX, com seu nacionalismo
econômico, orientado a desenvolver a indústria e realizar a revolução capitalista.

97
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

Na época os japoneses viviam sob o jugo do imperialismo e tinham seu comércio


atrelado aos interesses estrangeiros. Na tentativa de romper os laços de dominação,
realizaram uma revolução nacionalista (da qual a Restauração Meiji, de 1868, é
expoente) e iniciaram a sua revolução industrial e capitalista, dando impulso a um
desenvolvimento econômico com base nacional.

Porém, o desenvolvimentismo surgiu como tal no final dos anos 1940,


como uma estratégia nacional de desenvolvimento, cujo objetivo era fomentar a
industrialização dos países periféricos, como o Brasil. Os fundamentos teóricos
do desenvolvimentismo estão na Escola Histórica Alemã (Max Weber), na
macroeconomia de Keynes e de Kalecki e ainda, da Escola Estruturalista do
Desenvolvimento Econômico. Nos países latino-americanos, encontrou espaço
na CEPAL e em seus principais expoentes, como Raúl Prebisch e Celso Furtado
(PEREIRA; FURQUIM, 2012).

Didaticamente, podemos dizer que o Estado desenvolvimentista é aquele


que fomenta o desenvolvimento econômico. Para tanto, conta com uma estratégia
nacional de desenvolvimento, com leis, políticas, objetivos claros, cuja finalidade
é criar oportunidades de investimento lucrativo à iniciativa privada e, ainda,
melhorar os padrões de vida da população. Enxerga o mercado como uma ótima
instituição capaz de coordenar a ação de setores competitivos, mas perigoso
quando coordena setores monopolistas.

Em suas premissas, os desenvolvimentistas têm restrição quanto à


autorregulação dos mercados, sugerindo o planejamento destes. Além do mais,
sustentam o planejamento em áreas estratégicas, como da infraestrutura e na
indústria de base. O Estado torna-se responsável por parte dos investimentos nestas
áreas, ficando para a iniciativa privada o restante (PEREIRA; FURQUIM, 2012).

3 O BRASIL E A AMÉRICA LATINA


O desenvolvimentismo encontrou terreno fértil na América Latina,
com destaque entre os anos 1950 a 1970. Assumindo a forma de “nacional-
desenvolvimentismo”, logrou êxito ao fomentar a industrialização e desenvolver
as forças capitalistas de mercado. No caso latino-americano, Pereira; Furquim
(2012) nos apontam três características principais.

98
TÓPICO 4 | A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA

FIGURA 21 - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTISMO NA AMÉRICA LATINA

FONTE: Adaptado de Pereira e Furquim (2012).

E
IMPORTANT

Caro(a) acadêmico(a), o grande objetivo do desenvolvimentismo dos anos de 1950


a 1970 era promover a industrialização dos países latino-americanos. Era função do Estado
desenvolvimentista promover a “revolução industrial” nestes países, cuja posição periférica
no mercado internacional, baseada na venda de produtos agrícolas, só agravava as graves
disparidades sociais e econômicas.

NOTA

Bom lembrar que quando Pereira; Furquim (2012) caracterizam o


desenvolvimentismo como nacionalista, não se referem à questão étnica e, sim, à questão
econômica. Quando se referem a uma “burguesia nacionalista”, referem-se a um “nacionalismo
econômico”, na medida em que fomenta a indústria nacional, cujos interesses têm fim no país
de origem.

99
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

Voltando ao caso brasileiro, alguns autores defendem que as raízes do


Estado desenvolvimentista iniciaram de forma “acidental”, como resposta à Grande
Depressão dos anos de 1930. Foi nos governos de Getúlio Vargas que ganharam
corpo as principais instituições e também políticas de intervenção, que seriam base
da política desenvolvimentista brasileira. Dentre as quais, vale lembrar: empresas
estatais de aço (1940 e 1950), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE) em 1950, a Petrobrás (1953), entre outras políticas (SCHNEIDER, 2013).

Vários grupos políticos, muitas vezes com distinções claras, se mobilizaram


dentro de um panorama nacionalista. Economistas, sindicalistas, burocratas do
Estado, grupos militares (décadas de 1960 e 1970), entre muitos outros. Porém,
os grupos nunca se fundiram como uma força única de coalização em prol de
uma estratégia de desenvolvimento, fazendo com que este movimento ocorresse
de forma mais irregular.

É comum alguns autores afirmarem que o Estado desenvolvimentista


brasileiro do século XX é permeado pela correlação entre autoritarismo e
desenvolvimentismo (que encontrava destaque internacionalmente também), com
destaque para o período da ditadura militar. Porém, é bom frisar que a evolução,
e até mesmo consolidação, de um desenvolvimentismo brasileiro se dá entre 1954
a 1964, nos governos democráticos. São deste período algumas políticas-chave,
como a de substituição de importações e, ainda, a consolidação de indústrias de
base, como a Petrobrás (SCHNEIDER, 2013).

NOTA

Caro(a) acadêmico(a), o processo de substituição de importações corresponde


a uma estratégia de desenvolvimento econômico que tinha por base o estabelecimento
de barreiras à importação de determinados produtos estrangeiros que tinham potencial de
produção pela indústria nacional. Assim, se por um lado se restringia a importação de certos
produtos, por outro se fomentava a indústria nacional. Esta estratégia foi popularizada pelos
teóricos da CEPAL (que veremos adiante).

No geral, o desenvolvimentismo logrou bons resultados, apesar de que


desiguais. Em muitos casos proporcionou taxas elevadas de crescimento do PIB,
geração de empregos, aumento real dos salários. No Brasil, muitas vezes aliado a
um clientelismo, acabou deixando a desejar no que concerne à extensão de direitos
socioeconômicos.

A partir dos anos de 1970 o desenvolvimentismo acabou perdendo força.


De um lado, pelo discurso daqueles que criticavam a possibilidade de uma
revolução capitalista nos países periféricos (encontra expoentes na teoria da
dependência). Por outro, pela retomada dos pressupostos neoclássicos e liberais,
que ganham grande destaque a partir de 1980 e influenciam decisivamente as

100
TÓPICO 4 | A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA

nações e instituições internacionais com grande poder político e econômico. Com a


hegemonia neoliberal (da qual os anos 1990 são destaque), o desenvolvimentismo
é relegado a segundo plano.

4 O NOVO DESENVOLVIMENTISMO
A euforia das políticas neoliberais dos anos 1990 encontra seu limite e
o debate acerca do desenvolvimentismo ressurge a partir dos anos 2000, agora
denominado novo desenvolvimentismo. O grande predomínio neoliberal até então
se deu principalmente pela influência dos países centrais, como os Estados Unidos.
Seu ideário era de desregulamentação completa das economias, para assim atrair
novos investimentos externos e possibilitar a livre mobilidade de capitais.

O modelo de Estado novo desenvolvimentista tem sua base teórica nos


pressupostos keynesiano e estruturalistas, somados a novos modelos econômicos
desenvolvidos com base em políticas desenvolvimentistas bem-sucedidas dos
países asiáticos. No que se refere à promoção de políticas públicas, o Estado continua
tendo papel central. A grande prioridade é o desenvolvimento econômico, uma
taxa de câmbio competitiva no mercado internacional, a responsabilidade fiscal e,
ainda, o aumento da carga tributária com a finalidade de financiar os gastos sociais
(educação, saúde, assistência social, seguridade social, entre outros).

No Brasil, um grande expoente da corrente “novo desenvolvimentista” é


o economista Luiz Carlos Bresser Pereira. O novo desenvolvimentismo, proposto
por ele, teria novas características, conforme figura a seguir.

101
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

FIGURA 22 - CARACTERÍSTICAS DO NOVO DESENVOLVIMENTISMO

FONTE: Adaptado de Pereira; Furquim (2012).

NOTA

Caro acadêmico, de forma simples, podemos descrever a desindustrialização como


um processo de reversão do crescimento e da participação da indústria, tanto na produção
geral de um país, como na geração de empregos (com destaque para os mais qualificados). É
uma situação em que dois dados macroeconômicos, o emprego industrial e o valor adicionado
da indústria (no PIB) se reduzem, se comparados proporcionalmente ao emprego total e ao PIB
total. Este fenômeno de “encolhimento da indústria” torna-se um problema quando ameaça
o crescimento da economia e, é claro, contribui para a diminuição da qualidade de vida das
pessoas. No caso brasileiro, há muitas divergências entre os pesquisadores acerca da incidência
deste problema. Há os que negam que esteja ocorrendo, como também os que sustentam já
haver sinais de desindustrialização de nossa economia.

102
TÓPICO 4 | A TEORIA DESENVOLVIMENTISTA

Ao contrário da ortodoxia liberal convencional, o novo desenvolvimentismo


vê o Estado como agente do desenvolvimento. Além disso, defende um crescimento
“feito em casa”, na produção do próprio país (com uma indústria nacional), sendo
contra o déficit em conta corrente. Neste sentido, sugere responsabilidade do ponto
de vista cambial (do contrário, a ortodoxia liberal convencional de um crescimento
apoiado na poupança externa, com déficit em conta corrente e endividamento
externo).

Longe de considerar que o mercado tende a regular a taxa de câmbio de


forma satisfatória, o novo desenvolvimentismo recomenda a administração desta
(enxergam na taxa de câmbio uma tendência à sobreapreciação devido à doença
holandesa e a entradas excessivas de capital).

Diferentemente do mainstream da economia, que entende que o objetivo


do Banco Central seja exclusivamente o controle da inflação, usando como único
instrumento a taxa de juros, os novos desenvolvimentistas consideram de suma
importância que esta instituição busque uma taxa de câmbio competitiva, bem
como o pleno emprego.

NOTA

Caro acadêmico, a doença holandesa é considerada um problema antigo, porém


identificado apenas em meados dos anos de 1960, nos Países Baixos. O que ocorreu nestes
territórios foi a descoberta de generosas fontes de gás natural. A exportação deste, apesar de
trazer divisas, acabou apreciando demasiadamente a taxa de câmbio, ameaçando destruir toda
a indústria manufatureira (derrubando as exportações dos demais produtos, pois tornaram-
se menos competitivos internacionalmente). Falando de conceito, podemos definir a doença
holandesa como um processo de sobreapreciação da taxa de câmbio de determinado país,
causada pela exploração de recursos naturais abundantes e baratos. A produção e exportação
destes recursos são adequadas a uma taxa de câmbio muito mais elevada que aquela que
as torna competitivas internacionalmente às outras empresas, que utilizam tecnologia mais
moderna. Apontada como um fenômeno estrutural, cria problemas para a industrialização (para
os países em processo de industrialização) e pode provocar o fenômeno da desindustrialização
(PEREIRA; FURQUIM, 2012).

103
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

QUADRO 5 - AS DIFERENÇAS ENTRE AS ESTRATÉGIAS DESENVOLVIMENTISTAS E OS NOVOS


DESENVOLVIMENTISTAS
DESENVOLVIMENTISMO NOVO DESENVOLVIMENTISMO
Pretende conservar a autonomia nacional
e promover um crescimento econômico
Pretendia realizar a revolução nacional e
com taxas mais elevadas que dos países
industrial dos países periféricos.
ricos. Isso a partir da base industrial já
consolidada.
Sustentava a proteção da indústria nacional Considera a indústria nacional madura
(considerada frágil) através de tarifas e capaz de competir no mercado
elevadas. internacional.
Sustenta uma estratégia equilibrada de
Apoiava-se na política de substituição de crescimento do PIB e das exportações. A
importações. natureza das exportações deve ser de bens
manufaturados e não de commodities.
Tinha no Estado o grande investidor das Procura um equilíbrio entre os
obras de infraestrutura e na indústria de investimentos dos setores privado e
base. Isso porque considerava a iniciativa estatal. Embora sustente a manutenção
privada nacional com falta de capacidade dos investimentos públicos em áreas
para tal. estratégicas.
Muitos afirmam que o desenvolvimentismo
dos anos 1950 foi vítima de um
“keynesianismo vulgar” (fez interpretações O novo desenvolvimentismo afirma e
equivocadas das teorias de Keynes) e defende a responsabilidade fiscal.
mesmo de um populismo fiscal (anos de
1980).
FONTE: Adaptado de Pereira; Furquim (2012).

Há quem afirme que tanto no Brasil como nos demais países latino-americanos
há vários elementos daquilo que poderia ser o novo desenvolvimentismo. No caso
brasileiro, principalmente nas recentes políticas do Estado orientadas à inclusão
social, o que vem ocorrendo é uma espécie de redefinição de um projeto nacional
de desenvolvimento, com políticas sociais e econômicas identificadas com aquelas
do novo desenvolvimentismo.

Das críticas direcionadas ao desenvolvimentismo e ao novo


desenvolvimentismo está o fato de que muitas vezes ele é organizado visando
atender aos interesses de grupos sociais e econômicos específicos. É o caso do
controle do Estado por grupos hegemônicos a fim de garantir bons negócios. Neste
caso, é mais uma deturpação do real sentido do Estado desenvolvimentista por
aqueles grupos políticos que enxergam nestas ideias uma grande oportunidade
de negócio.

104
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico vimos que:

• As raízes do Estado desenvolvimentista remontam ao Japão do século XIX, com


seu nacionalismo econômico, orientado a desenvolver a indústria e realizar a
revolução capitalista.

• O desenvolvimentismo surgiu como tal no final dos anos 1940, como


uma estratégia nacional de desenvolvimento, cujo objetivo era fomentar a
industrialização dos países periféricos, como o Brasil.

• Os fundamentos teóricos do desenvolvimentismo estão na Escola Histórica


Alemã (Max Weber), na macroeconomia de Keynes e de Kalecki e, ainda, da
Escola Estruturalista do Desenvolvimento Econômico.

• O Estado desenvolvimentista é aquele que fomenta o desenvolvimento


econômico. Para isso, utiliza-se de uma estratégia nacional de desenvolvimento,
com leis, políticas, objetivos claros, cuja finalidade é criar oportunidades de
investimento lucrativo à iniciativa privada e, ainda, melhorar os padrões de
vida da população.

• O desenvolvimentismo exerceu papel preponderante nas economias da América


Latina, com destaque entre os anos 1950 a 1970. No Brasil teve destaque.
Assumiu a forma de “nacional-desenvolvimentismo” e logrou êxito ao fomentar
a industrialização e desenvolver as forças capitalistas de mercado.

• Os ideais desenvolvimentistas perderam força com o advento das políticas


neoliberais em meados de 1970.

• O debate acerca do desenvolvimentismo ressurge a partir dos anos 2000, agora


denominado novo desenvolvimentismo.

• O novo desenvolvimentismo deseja conservar a autonomia nacional e promover


um crescimento econômico com taxas mais elevadas que dos países ricos. O
Estado continua tendo papel central neste propósito.

105
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 O Estado desenvolvimentista tem a preocupação de impulsionar o


crescimento e desenvolvimento econômico. Como vimos, exerceu papel de
destaque no Brasil e nos demais países latino-americanos, no século XX.
Com base no que vimos acerca das características do desenvolvimentismo
na América Latina, coloque V para verdadeiro e F para falso.

( ) Os ideais desenvolvimentistas latino-americanos se aliavam aos interesses


estrangeiros. Tinham nas multinacionais grandes aliados na luta pelo
desenvolvimento nacional.
( ) A função do Estado desenvolvimentista latino-americano era fomentar a
“revolução industrial”, promovendo o desenvolvimento econômico.
( ) O Estado tem papel central, seja na coordenação e planejamento do
processo de investimento (infraestrutura e indústria de base), na
promoção da poupança e, mesmo, no incentivo ao investimento privado.
( ) A união nacionalista deveria colocar em prática uma política de privatização
do patrimônio público, com vistas a reduzir o déficit nas contas externas.
( ) Nos países latino-americanos encontrou espaço na CEPAL e em seus
principais expoentes, como Raúl Prebisch e Celso Furtado.

2 Os pressupostos desenvolvimentistas ressurgiram a partir de 2000, como


resposta aos limites das políticas neoliberais. Denomina-se agora como novo
desenvolvimentismo. Com base no que vimos acerca das características
deste movimento, analise as afirmações abaixo e assinale qual conjunto de
afirmações está correto.

I – No caso dos países latino-americanos, ainda deseja fomentar a chamada


“revolução industrial”.
II – A base de sua política macroeconômica deve aliar estabilidade de preços,
estabilidade financeira e crescimento econômico.
III – Não distingue claramente política macroeconômica e política industrial.
IV – Dentre seus objetivos, pretende atacar os problemas causados pelas
políticas neoliberais, como a desindustrialização.
V - São prioridades: o desenvolvimento econômico, taxa de câmbio
competitiva no mercado internacional e responsabilidade fiscal.

( ) As afirmações II, III, IV e V estão corretas.


( ) As afirmações I e III estão incorretas.
( ) Apenas a afirmação II está correta.
( ) Apenas a afirmação III está incorreta.
( ) Todas as afirmações estão corretas.

3 O desenvolvimentismo teve papel importante na América Latina no século


XX. Mesmo que tenha encontrado êxito em suas políticas, podemos citar
algumas críticas a ele direcionadas. Comente as principais.

106
UNIDADE 2
TÓPICO 5

INDICADORES DE
DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS
PÚBLICAS
1 INTRODUÇÃO
Até agora já vimos quatro tópicos importantes: o primeiro dedicado ao
keynesianismo, o segundo ao Estado de Bem-Estar Social, o terceiro à Teoria
Francesa da Regulação e o quarto, dedicado ao desenvolvimentismo, com destaque
para o caso latino-americano. Neste quinto tópico iremos conhecer um pouco sobre
os indicadores de desenvolvimento e políticas públicas, que podem muito bem
assumir a forma de políticas para o desenvolvimento.

O tema desenvolvimento não tem um único sentido. Na verdade, ele


encontra explicação em várias áreas do conhecimento, é multidisciplinar. Inclusive,
dependendo da ótica de análise, pode assumir uma postura mais quantitativa ou
qualitativa. Os indicadores de desenvolvimento são aqueles que nos ajudam a
“medir” o desenvolvimento de um país, de uma região, enfim, de determinado
território. É claro que com base em premissas específicas. Cada vez mais estão
presentes no cotidiano, seja nos relatórios, nos planos de governo, no noticiário e
em muitos outros espaços. Inclusive, eles são base para que se formulem políticas
cujo objetivo é interferir na realidade. É o caso das políticas públicas, que têm um
lastro nas demandas da população.

2 O TEMA DESENVOLVIMENTO
Para podermos entender melhor o tema das políticas públicas, é necessário
um debate inicial do próprio conceito de desenvolvimento. Como vimos
anteriormente, os estudos acerca do desenvolvimento estão inseridos na fronteira
entre a teoria econômica e a política e têm sua origem em três fontes principais: a
primeira se refere aos trabalhos teóricos dos economistas clássicos; a segunda nas
crises econômicas e; a terceira nos estudos voltados a uma intervenção na realidade.
Normalmente se associa desenvolvimento à ideia de progresso e de crescimento.
Porém, não é somente isso. O desenvolvimento é um fenômeno de muitas faces e
que requer um olhar multidisciplinar.

Sendo assim, sua conceituação não é única, dependendo muito do viés


que se adota. Todaro (1979) nos ajuda nesta compreensão, com um viés mais
econômico. Este autor liga o conceito de desenvolvimento a um processo de longa
duração, que tem em suas bases a utilização eficiente de todos os recursos, bem
como um “crescimento sustentado do produto agregado”. Este crescimento seria

107
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

promovido pelo emprego de todos os mecanismos socioeconômicos e institucionais


na melhora das condições de vida das pessoas, principalmente da população mais
pobre daquele território periférico.

Ainda partindo do ponto de vista econômico, o desenvolvimento é,


basicamente, aumento do fluxo de renda real, isto é, aumento da quantidade de
bens e serviços por unidade de tempo à disposição de determinada coletividade
(FURTADO, 1983). “Tudo se resume em dotar a sociedade de instituições que
possibilitem ao indivíduo realizar plenamente suas potencialidades.” (FURTADO,
1980, p. 2). Dessa forma, “não se pode aceitar que o modelo de desenvolvimento
que temos hoje no mundo resulte na exclusão das massas que vivem nas periferias
do mundo” (FURTADO, 1974, p. 72).

Com base nisso, podemos dizer que o desenvolvimento - e mais precisamente


o desenvolvimento socioeconômico - estaria intimamente relacionado à melhora
da qualidade de vida das pessoas, distribuição de rendas geradas e acumuladas
durante os séculos, condições básicas de educação, saúde, entre outros fatores,
para que os indivíduos de determinado país/região sobrevivam com dignidade.
Além do mais, deveria levar em consideração o cuidado com o meio ambiente.

No Brasil, as políticas de desenvolvimento têm cerca de 60 anos, porém


sabe-se que não obtiveram o êxito necessário para reduzir, de forma significativa,
as desigualdades regionais. Ocupando lamentáveis índices quando se trata de
distribuição de rendas e riquezas, o Brasil ainda se configura como um dos países
mais desiguais do mundo, com altos índices de concentração da renda, embora
não faltem riquezas (recursos naturais ou riqueza monetária).

3 OS INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO
Ao longo dos anos, alguns indicadores vêm ganhando destaque na
mensuração do desenvolvimento por inúmeras agências. Muitos são os
indicadores que podem ser utilizados para esta tarefa. Não há como afirmar que
existe um indicador tão abrangente que seja capaz de mensurar todo o processo de
desenvolvimento.

Um indicador de desenvolvimento, na verdade, é uma unidade de medida


parcial a respeito da realidade. Sendo assim, ele exprime apenas um aspecto da
realidade, que é bem mais complexa. Disto podemos dizer que os indicadores de
desenvolvimento são variáveis que representam aspectos parciais de determinados
processos de desenvolvimento. Isto dado em contextos específicos.

Os aspectos ligados ao desenvolvimento econômico podem ser quantificados


de forma direta. Já os aspectos ligados ao desenvolvimento social são um pouco
mais complexos, sua mensuração é indireta. Da mesma forma, os conceitos que
fundamentam os dados sociais são diferenciados, o modo de obtenção e uso não é
consenso entre os pesquisadores (SIEDENBERG, 2003).

108
TÓPICO 5 | INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Os indicadores de desenvolvimento são usados de diversas maneiras,


sendo fundamentais para:

• realizar diagnósticos das condições de desenvolvimento social e setorial;


• ser uma fonte de informação importante sobre problemas sociais;
• ser base para a formulação de políticas públicas, metas diversas e decisões
políticas;
• ser um instrumento de avaliação de políticas de desenvolvimento, de estratégias,
entre outras.

Abaixo apresentamos um quadro com a diferenciação de indicadores de


desenvolvimento, de acordo com o tipo de informação que tentam exprimir.

QUADRO 6 - SÍNTESE DOS INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO


Tipo de
Função
indicadores
Referem-se àqueles que exprimem médias estatísticas com relação ao
que medem diretamente. Têm um caráter mais econômico e não levam
Indicadores per
em consideração classes de distribuição. Como exemplo, podemos
capita
citar o indicador de renda per capita e o consumo de calorias por
habitante.
Exprimem os percentuais que determinados grupos detêm ou não
detêm em relação a certo aspecto. Têm um caráter mais social e
Indicadores
consideram classes de distribuição. Como exemplos podemos citar o
percentuais
índice GINI (concentração de renda), indicadores de distribuição da
renda, indicadores de analfabetismo, entre outros.
Estes indicadores também exprimem percentuais, mas não
Indicadores representam metas de desenvolvimento. Eles denotam estruturas.
estruturais Como exemplo, citamos aqueles indicadores que medem a estrutura
etária da população, a divisão por sexos, entre outros.
FONTE: Adaptado de Siedenberg (2003)

As publicações das instituições que procuram fazer uma análise do


desenvolvimento de determinado país/região vêm, em geral, acompanhadas de
uma gama de indicadores de desenvolvimento socioeconômico. De forma breve,
apresentamos um agrupamento dos principais indicadores de desenvolvimento
que aparecem nos relatórios.

109
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

QUADRO 7 - SÍNTESE DOS PRINCIPAIS INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO


Indicador Descrição
O Produto Interno Bruto mede o crescimento econômico de
PIB determinado país, em determinado período de tempo. É um indicador
puramente econômico.
É um indicador que exprime a dimensão econômica do
desenvolvimento. É a divisão do PIB total pelos habitantes de um país.
PIB per capita
Como é uma média por pessoa, não exprime aspectos qualitativos,
muito menos níveis de concentração de riqueza.
O Índice de Desenvolvimento Humano vem sendo amplamente
utilizado, principalmente por exprimir certa faceta qualitativa do
desenvolvimento. Foi criado como contraponto ao PIB per capita, que
IDH
foca a dimensão econômica. É composto de três pilares principais:
esperança de vida ao nascer, indicadores de educação e indicadores de
renda.
Indicadores Como a alimentação é fundamental na vida das pessoas, estes
de indicadores são de primeira grandeza. Dois são os principais: consumo
alimentação diário de calorias per capita e consumo diário de proteínas per capita.
Geralmente, os indicadores mais presentes são três: um que faz a
Indicadores relação do número de médicos por número variável de habitantes; outro
de saúde relacionado à expectativa média de vida ao nascer e, ainda, índices de
mortalidade (o índice de mortalidade infantil é mais comum).
Há uma variedade do conjunto destes indicadores e, portanto, pouco
consenso. Podemos verificar dois tipos: aqueles relacionados com os
Indicadores efeitos no meio ambiente (índice de desertificação, erosão do solo,
ambientais qualidade das águas e do ar, extinção de espécies, destruição dos
recursos naturais) e aqueles de efeito indireto, ou seja, nas pessoas
(como o percentual da população com acesso a água potável).
Fazem parte deste grupo os indicadores que exprimem o número de
Indicadores
habitantes por moradia, percentual de habitantes com acesso a energia
habitacionais
elétrica, água e esgoto. Há ainda a classificação do tipo de moradia.
Neste grupo os indicadores mais utilizados são os relacionados à
Indicadores
taxa de analfabetismo, ao percentual de alfabetizados, índice de
educacionais
escolarização.
FONTE: Adaptado de Siedenberg (2003)

DICAS

Caro acadêmico, visite alguns sites que trazem indicadores de desenvolvimento


brasileiro. Além dos indicadores, relatórios e documentos importantes estão disponíveis.
Vejamos alguns: <www.ibge.gov.br>; <www.ipea.gov.br>; <www.ipeadata.gov.br>; <www.
pnud.org.br>.

110
TÓPICO 5 | INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO


Os indicadores são muito importantes na formulação de políticas de
desenvolvimento, bem como na avaliação destas. Eles permitem uma noção da
realidade no primeiro caso e, no segundo, verificam avanços e retrocessos de uma
estratégia de desenvolvimento.

Segundo Siedenberg (2003), para um indicador ser capaz de subsidiar


políticas de desenvolvimento, ele teria que atender a alguns requisitos: ser
simples, dinâmico, sensível, holístico, confiável, participativo e ter a capacidade de
combinar aspectos gerais com específicos. As políticas públicas são uma ferramenta
na promoção de desenvolvimento. Mas o que elas são?

Na verdade, o conceito de política pública é abrangente, não existindo um


sentido único. Há aqueles que remetem à soma das atividades do governo e que
têm ação direta na vida das pessoas, ou ainda aqueles que relacionam a definição
com a solução de problemas (SOUZA, 2006).

De forma mais prática, as políticas públicas são princípios norteadores


da ação do Estado. É a forma com que o poder público age na sociedade. Assim,
correspondem a todo o conjunto de programas, linhas de ação e demais atividades
desenvolvidas pelo Estado, que objetivam a garantia do direito à cidadania à
população. A elaboração de políticas públicas requer que se defina “QUEM” decide
“O QUÊ, QUANDO”, com que “CONSEQUÊNCIA” e, ainda, para “QUEM”
(TEIXEIRA, 2002).

Há uma diferença entre políticas públicas e políticas governamentais.


Estas últimas, embora estatais, nem sempre são públicas, já que não consideram
a quem se destinam seus benefícios, nem mesmo têm um processo de elaboração
submetido ao debate público.

O grande objetivo das políticas públicas é atender às demandas da


população. Evidente que as demandas da sociedade são interpretadas pelos
agentes do Estado, mas são influenciadas em grande medida por aquilo que se
denomina de “agenda”. A agenda corresponde às reivindicações de determinados
grupos sociais, ancoradas pela pressão e mobilização social.

Dentre as demandas da população cabe destaque para as que objetivam a


ampliação e efetivação dos direitos de cidadania, principalmente das camadas da
população marginalizada. Destaque ainda para as políticas voltadas diretamente
ao desenvolvimento, como a busca por alternativas de geração de emprego e renda
(TEIXEIRA, 2002).

Bom lembrar que muitas políticas públicas nascem de lutas sociais,


mas também de interesses de grupos específicos, com maior poder político e
econômico. Fazem parte de um processo dinâmico, envolto em negociações,
pressões, mobilização e alianças estratégicas. Sendo assim, podem ou não refletir
os interesses da maioria da população. O que se pode afirmar é que, quanto maior o
111
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

grau de participação e mobilização popular (consciente), maior será o alinhamento


da política pública com as necessidades reais da população.

Souza (2006) nos ajuda a compreender melhor o tema das políticas públicas,
através de uma síntese de seus principais elementos.

• As políticas públicas permitem que se faça distinção entre o que o governo de


fato faz daquilo que ele pretende fazer.
• Envolvem vários atores sociais e vários níveis de decisão. Sua materialização se
dá, porém, em nível de governo.
• Têm um caráter abrangente, não se limitando a leis e regras.
• É uma ação intencional, ou seja, com objetivos a alcançar.
• Têm impacto no curto e no longo prazo, já que podem ser consideradas políticas
de longo prazo.
• É um processo. Mesmo após sua proposição, é necessário implementar a política
pública, como também executá-la e avaliá-la constantemente.

As políticas públicas são uma grande ferramenta de participação popular


na formulação de estratégias de desenvolvimento socioeconômico. E para garantir
que elas realmente exprimam as reais necessidades da população, faz-se necessária
a ampliação dos canais democráticos e de participação. Só com a verdadeira
democracia, que transcende o modelo representativo hegemônico de nosso tempo,
é que alcançaremos níveis mais elevados de cidadania.

112
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico vimos que:

• Não há uma única definição do termo desenvolvimento. É um fenômeno de


muitas faces e que requer um olhar multidisciplinar.

• O desenvolvimento - e mais precisamente o desenvolvimento socioeconômico


- estaria intimamente relacionado à melhora da qualidade de vida das pessoas,
distribuição de rendas geradas e acumuladas durante os séculos, condições
básicas de educação, saúde, entre outros fatores, para que os indivíduos de
determinado país/região sobrevivam com dignidade. Além disso, deveria levar
em consideração o cuidado com o meio ambiente.

• Os indicadores de desenvolvimento são uma unidade de medida parcial a


respeito da realidade. São variáveis que representam aspectos parciais de
determinados processos de desenvolvimento.

• Os aspectos ligados ao desenvolvimento econômico podem ser quantificados


de forma direta. Já os aspectos ligados ao desenvolvimento social são um pouco
mais complexos, sua mensuração é indireta.

• O conceito de política pública é abrangente. De forma mais prática, são


princípios norteadores da ação do Estado. Assim, correspondem ao conjunto de
programas, linhas de ação e demais atividades desenvolvidas pelo Estado, que
objetivam a garantia do direito à cidadania à população.

• Há diferença entre políticas públicas e políticas governamentais.

• As políticas públicas são um processo dinâmico, envolto em negociações,


pressões, mobilização e alianças estratégicas. Sendo assim, podem ou não refletir
os interesses da maioria da população.

113
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 Neste quinto tópico vimos que o conceito de desenvolvimento tem várias


faces. Sendo assim, ele assume várias perspectivas, é multidisciplinar.
Com base no que estudamos, descreva algumas conceituações do termo
desenvolvimento.

2 Os indicadores são ferramentas para “medir” o desenvolvimento. Vimos


em nosso estudo alguns indicadores comumente utilizados nas publicações
das instituições preocupadas com o tema do desenvolvimento. Com base
nisso, associe a primeira coluna com a segunda.

(A) IDH ( ) Índice de mortalidade infantil

(B) Indicadores de saúde ( ) Taxa de analfabetismo

(C) PIB per capita ( ) Exprime face qualitativa do desenvolvimento


Exprime a dimensão econômica do
(D) Indicadores ambientais ( )
desenvolvimento
(E) Indicadores educacionais ( ) Índice de desertificação

3 O conceito de políticas públicas é abrangente. Podemos dizer que elas


são a forma com que o poder público age na sociedade. Com base no que
estudamos a esse respeito, coloque V para verdadeiro e F para falso nas
sentenças abaixo.

( ) As políticas públicas não se diferenciam das demais políticas governamentais.


Afinal, todas elas têm como princípio básico atender às demandas da população.
Sem contar que ambas são fruto de discussão popular.
( ) As políticas públicas são fruto de um processo dinâmico, envolto em
negociações, pressões e alianças. Muitas vezes nascem de lutas populares.
( ) As políticas públicas podem ou não refletir os interesses da maioria da
população.
( ) As políticas públicas sempre vêm ao encontro das reais necessidades da
população, não importando o grau de participação dos indivíduos.
( ) No processo de formulação e implantação das políticas públicas, as
demandas da sociedade são interpretadas pelos agentes do Estado. Porém,
são influenciadas em grande medida por aquilo que se denomina de
“agenda”.

114
UNIDADE 2
TÓPICO 6

A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA
AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao fim da Unidade 2, cujo tema foi o papel do Estado na
economia. Até o momento, conhecemos um pouco mais acerca de cinco temas que,
de certa forma, têm ligação entre si. Entre eles: o keynesianismo, a Escola Francesa
da Regulação, o Estado de Bem-Estar Social, o desenvolvimentismo e o tema dos
indicadores de desenvolvimento em conjunto com o das políticas públicas.

Nosso esforço neste último tópico será conhecer um pouco mais sobre a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Esta importante
instituição ligada à ONU exerceu grande influência no direcionamento de políticas
de vários governos latino-americanos, inclusive do brasileiro. Na verdade, ainda
tem sua influência atualmente.

Os pressupostos cepalinos podem mesmo ser considerados uma escola de


pensamento, pela importância que tiveram. As teorias da deterioração dos termos
de intercâmbio, que contrariava a teoria das vantagens comparativas, e a proposta
de industrialização substitutiva de importações, são bons exemplos.

Nos subtópicos que seguem veremos com mais cuidado esse assunto.

2 BREVE HISTÓRICO
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) tem
sua criação datada de 1948. É um órgão ligado à ONU (Organização das Nações
Unidas), mais precisamente ao Conselho Econômico e Social desta entidade.
Atualmente tem sede em Santiago, no Chile.

Na época de sua criação, seu grande objetivo era elaborar alternativas para
o desenvolvimento dos países da América Latina, vistos como subdesenvolvidos.
A fim de mitigar este cenário, formou-se um quadro de especialistas de diversas
áreas (administradores, economistas, sociólogos, entre outros). Evidente que
estas pessoas já contavam com renome nos países da região, dentre os quais vale
destacar o argentino Raúl Prebisch (considerado grande inspirador do organismo)
e o brasileiro Celso Furtado. Mais tarde ficaram conhecidos como representantes
da Escola Cepalina (SANDRONI, 1999).

115
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

FIGURA 23 - CELSO FURTADO E RAÚL PREBISCH

FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0101-


572005000200001&script=sci_arttext> Acesso em: 15 jan. 2015 e <http://
prebisch.cepal.org/pt-pt/multimedia/foto/prebisch-como-asesor-de-la-junta-
militar-argentina-en-1955> Acesso em: 12 jan. 2014.

DICAS

Caro acadêmico, Celso Furtado é considerado um dos maiores economistas


brasileiros. A dica é assistir ao documentário “O longo amanhecer: cinebiografia de Celso
Furtado”. Vale conferir!

Os primeiros diagnósticos realizados pela CEPAL apontavam que uma das


causas do atraso dos países latino-americanos ligava-se ao fato de que a região
era especializada em fornecer produtos primários aos países centrais e importar
destes produtos industrializados. Dentre outras coisas, essa relação deteriorava
as contas externas e inibia o desenvolvimento. O grande remédio estava então na
industrialização dos países latino-americanos, bem como na diversificação de sua
estrutura produtiva. Isso faria com que as importações diminuíssem (logicamente,
sobraria mais moeda estrangeira) e tão logo passariam de meros exportadores de
commodities para exportadores de produtos com maior valor agregado.

Atualmente a CEPAL continua figurando como uma das cinco comissões


regionais da ONU e a partir do ano de 1996 teve sua missão institucional atualizada.
Cabe a esta instituição, agora, a tarefa de colaborar com os seus Estados-membros,
principalmente com análises dos processos de desenvolvimento em curso, sendo
em forma de assessoria, acompanhamento, formulação de políticas públicas e
outras tantas atividades.

São 44 Estados-membros da CEPAL, somados a oito membros associados.


Os membros correspondem a todos os países da América Latina e Caribe, mais
algumas nações desenvolvidas. São eles: Alemanha, Antigua e Barbuda, Argentina,
Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica,

116
TÓPICO 6 | A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Cuba, Dominica, Equador, El Salvador, Espanha, Estados Unidos da América,


França, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Itália, Jamaica, Japão,
México, Nicarágua, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido
da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Dominicana, República da Coreia,
Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad
e Tobago, Uruguai e Venezuela. Já os oito membros são: Anguilla, Antilhas
Holandesas, Aruba, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos Estados Unidos,
Montserrat, Porto Rico, Ilhas Turcas e Caicos (CEPAL, 2015).

Além da sede principal (no Chile), tem uma sede sub-regional para a
América Central, localizada no México e outra subsede para o Caribe, localizada
em Porto Espanha, Trinidad e Tobago. Conta ainda com cinco escritórios nacionais,
localizados em Brasília, Bogotá, Buenos Aires, Montevidéu e Washington (CEPAL,
2015).

DICAS

Para conhecer mais sobre a CEPAL, visite o site da entidade: <http://www.cepal.


org/es>.

3 A ESCOLA CEPALINA – UMA ESCOLA DE PENSAMENTO


Muito além de um mecanismo da ONU, a CEPAL foi, durante os anos de
1950 até 1970, uma escola de pensamento. Sua interpretação do desenvolvimento
econômico dos países latino-americanos diferia de alguns aspectos da visão
dominante de sua época, que guiava as ações de recuperação das economias no
pós-guerra (como os ideários do Plano Marshall).

A visão dominante da época sustentava que as diferenças de desenvolvimento


entre os países eram resultado das condições históricas particulares de cada nação
e que a superação do subdesenvolvimento seria lograda com a ultrapassagem de
certas fases, necessárias ao desenvolvimento. Evidente que as fases a se trilhar
correspondiam àquelas que os Estados Unidos haviam feito. Dessa forma, bastaria
que as economias latino-americanas, por um lado, expandissem as suas atividades
produtivas existentes, ou seja, se especializassem ainda mais na exportação
de matéria-prima; e, por outro lado, incrementassem ainda mais o mercado
internacional. Eis a tese dos países dominantes para o desenvolvimento.

Os pensadores cepalinos criticavam tal “receita”. Ao contrário das “fases”,


afirmavam que era a divisão internacional do trabalho (que se reconfigurou no
pós-guerra) que não permitia que os países mais atrasados alcançassem um
desenvolvimento como o das nações europeias e dos norte-americanos. Para
os cepalinos, se as nações latino-americanas se especializassem ainda mais em

117
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

exportar matéria-prima, a tendência era aumentar as disparidades nos níveis de


desenvolvimento. Isso se daria pela deterioração dos termos de troca (exportação
de matéria-prima e importação de produtos com maior valor agregado: nações
ricas sempre ganhariam mais).

Desde aí, estas proposições sustentaram políticas econômicas dos Estados


latino-americanos, voltadas ao processo de industrialização destas economias. Era
o Estado financiando a industrialização (FILHO; CORRÊA, 2011).

Como já vimos, um aspecto de destaque da escola cepalina foi a construção


da teoria do subdesenvolvimento dos países da América Latina, que influenciou
políticas de governo, estratégias privadas, pesquisadores, entre tantos outros.
Estava baseada em duas proposições básicas:

• Que as nações latino-americanas desenvolveram estruturas econômicas com


baixo grau de diversificação e pouco integradas com um setor agrário exportador
dinâmico. Isto impedia a difusão do progresso técnico para o restante da
economia, bem como a geração de emprego e um crescimento dos salários reais.
• O progresso técnico e consequentemente aumento da produtividade da indústria
era maior nos países desenvolvidos do que nos países periféricos, exportadores
de produtos primários. Os países centrais acumulariam rendas, fruto das
vantagens provenientes do comércio internacional (COLISTETE, 2001).

Esta teoria foi muito eficiente, já que sua base eram as características da
realidade latino-americana. Vejamos mais detalhadamente alguns dos principais
conceitos da chamada Escola Cepalina a respeito do subdesenvolvimento dos
países da América Latina.

3.1 AS NOÇÕES DE “CENTRO VERSUS PERIFERIA” E DE


“DETERIORAÇÃO DOS TERMOS DE TROCA”
A noção de “centro versus periferia” tem relação com os efeitos que
a divisão internacional do trabalho causava nos países ricos e nos pobres. O
progresso técnico dos países era desigual, ou seja, nos países capitalistas centrais
foi muito mais rápido, elevando a produtividade de todos os setores econômicos.
Nos países pobres, que baseavam suas exportações em commodities para os países
centrais, o progresso técnico era mais lento, restrito ao setor exportador. Portanto,
não se propagava aos demais setores econômicos. Evidente que os países ricos
sempre saíam ganhando, agravando a situação de dependência dos países em
desenvolvimento.
Já a noção de “deterioração dos termos de troca” vinha em desencontro
à teoria das vantagens comparativas, de David Ricardo. Os cepalinos afirmavam
que não havia ganhos de produtividade transferidos dos países centrais para a
periferia, mas o contrário. O que existia era uma grande desvantagem comparativa
no intercâmbio entre o bloco dos países ricos (especializados em vender produtos
industriais e com maior valor agregado) e dos países pobres (especializados em
vender alimentos e demais matérias-primas). Os preços dos produtos primários
118
TÓPICO 6 | A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

se desvalorizavam constantemente, contrariamente dos preços dos produtos


industrializados. Isso fazia com que os países da periferia acumulassem perdas em
relação às trocas com os países centrais. Um dos fatores da desvalorização estava
no fato de que, com o elevado progresso técnico das nações centrais, poupava-
se cada vez mais o uso de matérias-primas. Logo, a demanda por elas diminui,
forçando os preços a cair (PEREIRA, 2011).

3.2 INFLAÇÃO COM “PROBLEMA ESTRUTURAL”


E A IMPORTÂNCIA DO “PLANEJAMENTO E DO
PROTECIONISMO”
Os cepalinos discordavam da visão liberal acerca da inflação. Os liberais
argumentavam que a elevação dos preços era um fenômeno conjuntural,
decorrente, em grande parte, do aumento da quantidade de moeda na economia
(isso provocaria excesso de demanda que não poderia ser saciada pela oferta, no
curto prazo). Contrariamente a isto, os teóricos da CEPAL viam a inflação como
um problema estrutural. Para estes, o aumento de moeda na economia era fruto de
uma elevação nos preços cuja origem estava em problemas estruturais dos países
subdesenvolvidos. A grande causa da inflação ligava-se, basicamente, à rigidez da
oferta de alimentos, que encontrava dificuldade em aumentar devido às condições
“pré-capitalistas” presentes no setor agrícola destes países. Além disso, havia
uma pressão sobre a agricultura, de um lado, como produtora de alimentos aos
centros urbanos crescentes e, por outro, pela rápida urbanização e, ainda, como
fornecedora de matérias-primas à indústria crescente.

A noção de planejamento tinha centralidade para os cepalinos. Ligava-se


à ação do Estado na economia, na direção das forças de mercado. O planejamento
estatal, direcionado ao melhor aproveitamento dos recursos das economias dos
países periféricos, era a melhor forma de promover a indústria com equilíbrio,
restringindo os gargalos da economia e promovendo o desenvolvimento
econômico.

As ações protecionistas eram defendidas levando em consideração o atraso


da indústria dos países periféricos em relação à dos países desenvolvidos. Assim,
para os cepalinos a implantação de tarifas e subsídios compensaria as grandes
diferenças de produtividade (PEREIRA, 2011).

3.3 “TENDÊNCIA AO DESEMPREGO”, “TENDÊNCIA AO


DESEQUILÍBRIO EXTERNO” E A “SUBSTITUIÇÃO DE
IMPORTAÇÕES”
Os cepalinos defendiam que havia uma tendência estrutural ao desemprego
nos países periféricos. Isso se dava pela relação exercida entre a mão de obra e capital
nestes países. Nos países subdesenvolvidos a oferta de mão de obra era abundante
ao passo que o capital era escasso. Como era escasso, não desempenhava um papel

119
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

de importância na escolha que os empresários faziam com relação às técnicas de


produção. Assim, os empresários latino-americanos pautariam suas escolhas em
técnicas de trabalho mais baratas (que economizavam mão de obra, já abundante),
gastando com elas o capital escasso.

A tendência ao desequilíbrio externo para os países periféricos se dava pela


forma como ocorria o comércio com os países desenvolvidos. Tanto a instabilidade
de preços quanto a necessidade de importar bens de capital e insumos mais
caros corroíam as contas externas. Aliado a isso, estava a tendência das elites em
copiar os padrões de consumo dos países centrais, ampliando a pressão sobre as
importações.

Como vimos anteriormente, a política de substituição de importações


tinha por base uma estratégia de desenvolvimento econômico pautado no
estabelecimento de barreiras de importação a determinados produtos estrangeiros,
que podiam ser produzidos pela indústria nacional (fomentando esta). O que os
cepalinos postulavam era a mudança de um padrão de crescimento voltado para
o mercado externo por um padrão de crescimento baseado no mercado interno,
sustentado pela indústria nacional. A princípio, ela (a indústria) seria produtora
de bens de consumo tradicionais (que requerem uso de tecnologia simples e pouco
capital), avançando aos poucos para uma indústria de bens duráveis e de bens
de capital (que requerem tecnologia mais avançada e mais capital). O avanço da
industrialização corrigiria aos poucos o desequilíbrio externo (PEREIRA, 2011).

Alguns autores afirmam que atualmente a CEPAL não aglutina as mesmas


condições de outrora para se configurar como uma escola de pensamento,
principalmente a partir dos anos de 1990. Apesar de ainda realizar importantes
estudos e diagnósticos acerca da realidade latino-americana, mantém uma
relação próxima (e mesmo de dependência) de alguns organismos multilaterais
internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC. Assim, as proposições
cepalinas mais atuais relacionam-se aos ideais fundamentais destes organismos
(FILHO; CORRÊA, 2011).

120
TÓPICO 6 | A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

LEITURA COMPLEMENTAR

Trechos da entrevista do economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo para


a Revista Fórum, de janeiro de 2015.

Fórum – O que podemos esperar do ministro Joaquim Levy e da equipe


econômica brasileira para os próximos quatro anos?

Luiz Gonzaga Belluzzo – A minha modesta opinião é a de que não devemos


personalizar. O Joaquim Levy, na verdade, representa um conjunto de interesses,
que acabou se impondo durante as eleições e logo depois delas. Disse, em uma
entrevista recente, que não é que a Dilma cometeu uma traição, porque esta é uma
palavra imprópria. Ela, diante da desigualdade da correlação de forças, capitulou
diante do projeto dos mercados financeiros.

O que aconteceu? Exageraram no cenário de precariedade da situação fiscal.


O Brasil não está à beira de um colapso, nem pelo critério da dívida pública, que está
em 63% do PIB, nem pelo critério do déficit nominal, que é bastante aceitável, sem,
claro, que a gente tenha que se conformar com isso. Essas situações se agravaram,
sobretudo, depois de 2011, 2012, quando a economia começou a perder fôlego.
O consenso do mercado, então, era de que havia alguma espécie de violação das
regras de administração do tripé [macroeconômico]. O tripé, na “teologia” econômica,
é uma espécie de substituto da Santíssima Trindade – eu, pessoalmente, prefiro a
Santíssima Trindade, seu mistério é mais interessante. Já o mistério do tripé tem
uma vida recente, está apoiado sobre uma certa concepção da economia, uma certa
formulação dos modelos macroeconômicos, e, em geral, esses modelos são curiosos,
porque cuidam das políticas fiscal, monetária e cambial, indiretamente, a partir de
um modelo que não tem banco e nem dinheiro.

É um capitalismo estranho, que não tem banco nem dinheiro. Se você dissesse
isso para um economista conservador, no início do século XX, final do século XIX,
ele acharia que você deveria ser enviado a um hospício. Mas, de qualquer maneira,
eles têm a necessidade de formular uma regra, ou regras que valem o tempo inteiro,
independentemente do período histórico e da conjuntura que a economia esteja
vivendo. Se olharmos a ideia do ajuste fiscal, estão dizendo que, na verdade, só
podem surgir os desequilíbrios macroeconômicos por conta dos equívocos da
política econômica. Se a economia for deixada a ela mesma, tem capacidade de se
reequilibrar automaticamente, pelas suas próprias forças, e, ao mesmo tempo, claro
que apresenta flutuações, mas são autocorrigíveis. Os desequilíbrios e as flutuações
só poderiam vir da tentativa do Estado de intervir.

Tome-se como exemplo o que o Joaquim Levy falou: “precisamos acabar com
o patrimonialismo”. O que é o patrimonialismo? A tentativa do Estado de intervir
para estimular um ou outro setor. Isso é uma visão – eu diria, para ser gentil – pobre,
do que é o patrimonialismo.

121
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

Se você considera isso uma impropriedade em uma economia de mercado,


é porque acha que o mercado é capaz de fornecer seus próprios incentivos, e que
o Estado tem de ficar ausente, porque o mercado se auto-organiza e produz um
resultado mais eficiente. Isso é uma falácia. É preciso não ter nenhuma noção da
história do capitalismo, desde a Revolução Industrial – quando nasce o mercantilismo
dos privilégios – até as industrializações dos EUA e da Inglaterra. Acho que os
economistas em geral têm um déficit intelectual decorrente da ignorância histórica,
ficam falando abstrações.

Estamos nos referindo a uma abstração, que é um modelo competitivo,


dinâmico, de equilíbrio geral. Se você toma essa construção abstrata como uma
espécie de retrato adequado de como funciona o capitalismo, pode chegar à conclusão
de que, em uma economia que tem ciclos, dinheiro, créditos, crises financeiras, o
Estado deve deixar que isso ocorra naturalmente. É claro que quando ocorre uma
crise como a de 2008, eles não têm a capacidade de se autorregular, então chamam
o Estado. Não fossem os bancos centrais, teríamos entrado em uma depressão de
grandes proporções. Mas isso passa batido, porque quando a intervenção é a favor
deles, não tocam no assunto – melhor nem falar. É como algumas histórias familiares:
é melhor não falar do tio bêbado nas reuniões de família.

Fórum – Ou seja, um modelo que não corresponde à realidade…

Belluzzo – Escrevi um artigo na Carta Capital, falando “ah, é, patrimonialismo?”.


Então vamos ver quem aumenta seu patrimônio com a estrutura tributária e as leis
fiscais brasileiras, tanto pelo lado da tributação e da receita, como pelo lado da
despesa. É uma das coisas mais escandalosas do mundo, porque quem paga imposto
mesmo são os assalariados. O rico e o pobre compram a geladeira com a mesma
alíquota, mas quem é que paga proporcionalmente mais? E quem é que recebe o
grosso dos juros? Não é que não exista o trabalhador que tenha sua poupança e receba
seus “jurinhos”, mas o grosso mesmo quem recebe são os grandes poupadores.
Aí eles vêm com a história de que precisa aumentar a poupança pública. Eu me
pergunto: como é que você pode aumentar a poupança, concebida como uma
renúncia ao gasto corrente – você recebe a renda, decide entre poupar e consumir?

Se você não tem renda, não decide nada. Se a renda cai, também vai poupar
menos. O Keynes, sobre quem estou escrevendo um livro, já explorou essa ideia,
que é superideológica, porque justifica o enriquecimento pelo esforço: “eu poupei,
sacrifiquei meu consumo presente para ter o consumo no futuro, então produzi um
benefício social”. O Keynes diz: não senhor, você, na verdade, tomou uma decisão
de acumular a riqueza para si mesmo. Como empreendedor e produtor de riquezas,
alguém só é útil socialmente quando investe, gera renda adicional, emprega mais
gente, gera mais imposto. Quando poupa, está fazendo uma subtração. E aquilo
fica lá perturbando o tempo inteiro, afinal, como você vai adquirir renda, receita,
basicamente pela sua riqueza poupada? Aplica, digamos, num CDB, em uma
poupança, e aí fica um parceiro do juro alto.

122
TÓPICO 6 | A CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Quando ela [Dilma] baixou a taxa de juros, recebi uma quantidade de


telefonemas, inclusive de vários jornalistas, indignados: “onde já se viu, estou
perdendo dinheiro!”. Porque ele não faz nada, é um poupador, um parasita da
sociedade, todos nós a parasitamos um pouco quando aplicamos nosso dinheiro.
Não estou fazendo uma condenação moral, estou fazendo uma observação do papel
social disso. Não é que a poupança seja ruim, ela faz parte do jogo econômico, o
problema é que a avaliação da riqueza acumulada ao longo do tempo é que vai
determinar o custo do dinheiro para quem vai investir. Não é difícil entender isso.

Então, essa defesa da poupança é uma mistura de picaretagem com safadeza


[risos], porque é preciso conhecer o conceito, uma coisa é a palavra, outra é o conceito
que está por trás dela. A poupança é algo que parece virtuoso, mas essa economia
capitalista de mercado funciona ao contrário. Há um sistema de coordenação da
riqueza chamado sistema bancário. O que ele faz: transfere o dinheiro de um para
outro? Não, cria moeda. Quando faz um empréstimo, cria um ativo para ele e um
passivo, que é o depósito à vista. Ele adianta dinheiro para quem quer investir,
gastar – claro que isso supõe o crescimento da renda e a capacidade de pagar de
volta. Mas o banco funciona assim, por isso há, na economia, expansões muito
virtuosas e, ao mesmo tempo, crises.

Como os modelos deles não têm bancos, ficam falando de montar poupança –
poupança externa, da família, do governo. É uma trapalhada. E acham que políticas
para o desenvolvimento, keynesianas, são para fazer déficit. Não é nada disso! Isso é
uma falsificação absurda do Keynes. Ele disse uma vez, para seu companheiro: vocês
se preocupam demais com a cura e não com a prevenção, é preciso haver um processo
de socialização do investimento, ou seja, o Estado precisa estar permanentemente
apetrechado para manter a taxa de investimento a um nível razoável, nem muito
exagerada e nem muito baixa. Outra coisa que ele dizia é que é possível ter um
sistema fiscal progressivo, que estimule o consumo de quem tem renda menor, é
necessário fazer distribuição de renda.

A terceira coisa é sobre a “eutanásia do rentista”. Ele [Keynes] falava sobre


a renda, palavra que vem do inglês rent, derivado, por sua vez, dos proprietários
da terra, aquilo que recebiam por sua propriedade. Assim também a taxa de juros
é uma renda decorrente da propriedade do dinheiro, ou do controle do dinheiro.
Só que, no caso da terra, esse fenômeno pode ser atribuído a causas naturais. No
caso do dinheiro, não, porque os bancos criam moeda, portanto, a escassez de
capital não se compara à escassez da terra. Finalmente, a quarta coisa dita por ele
era que o sistema monetário internacional e o movimento de capitais acabam por
destruir as economias, sobretudo aquelas que têm a moeda menos forte. Por isso,
defendia um sistema que impedisse que as economias fossem devastadas por esse
movimento de capitais. O que acontece com esses “caras do ajuste”? Acham que
isso é natural. Como é isso mesmo, são os países que têm de fazer ajustamento nas
suas economias, não o sistema monetário internacional – que é uma maluquice,
para dizer o mínimo. Continua....

123
UNIDADE 2 | O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

NOTA: Caro acadêmico, seria muito importante ler a entrevista na íntegra.

FONTE: BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Belluzo: a regra da economia de hoje é o povo
que se lixe. [21 jan.2015]. Revista digital: Revista Fórum. Entrevista concedida a Anna
Beatriz Anjos e Glauco Faria. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/
blog/2015/01/belluzzo-regra-da-economia-de-hoje-e-o-povo-que-se-lixe/>. Acesso em:
15 fev. 2015.

124
RESUMO DO TÓPICO 6
Neste tópico vimos que:

• A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é ligada à


ONU e foi criada em 1948. Seu grande objetivo era elaborar alternativas para o
desenvolvimento dos países da América Latina, vistos como subdesenvolvidos.

• Merecem destaque os cepalinos: o argentino Raúl Prebisch (considerado grande


inspirador do organismo) e o brasileiro Celso Furtado.

• A CEPAL foi, durante os anos de 1950 até 1970, uma escola de pensamento.
Sua interpretação do desenvolvimento econômico dos países latino-americanos
diferia dos aspectos da visão dominante de sua época.

• As proposições cepalinas para a superação da condição de subdesenvolvimento


perpassavam por políticas econômicas dos Estados latino-americanos,
principalmente aquelas voltadas ao processo de industrialização destas
economias. A industrialização tinha papel central no desenvolvimento e cabia
ao Estado seu financiamento.

• A CEPAL influenciou fortemente políticas de desenvolvimento dos governos


latino-americanos, como no caso do programa de substituição de importações.

• Um aspecto importante da escola cepalina foi a teoria do subdesenvolvimento


dos países da América Latina, baseada em duas proposições: 1) que países
latino-americanos desenvolveram estruturas econômicas com baixo grau de
diversificação e pouco integradas com um setor agrário exportador dinâmico
e; 2) O progresso técnico e consequentemente aumento da produtividade da
indústria era maior nos países desenvolvidos do que nos países periféricos,
exportadores de produtos primários.

• Alguns autores afirmam que atualmente a CEPAL não aglutina as mesmas


condições de outrora para se configurar como uma escola de pensamento,
principalmente a partir dos anos de 1990. Isso porque mantém uma relação
próxima com os ideais de organismos multilaterais internacionais, como o FMI,
o Banco Mundial e a OMC.

125
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 Os diagnósticos da CEPAL sobre o desenvolvimento dos países da América


Latina contrariavam o da visão dominante da época, que inclusive guiava
as ações de recuperação das economias no pós-guerra. Explique essas
diferenças.

2 Uma das grandes contribuições da escola cepalina foram as teses a respeito


do subdesenvolvimento das economias latino-americanas. Alguns conceitos
ganham evidência neste debate. Com base no que vimos acerca destes
conceitos, coloque V para verdadeiro e F para falso, nas sentenças abaixo:

( ) A base da política de substituição de importações era uma estratégia de


desenvolvimento econômico pautada no estabelecimento de barreiras
de importação a determinados produtos estrangeiros, que podiam ser
produzidos pela indústria nacional.
( ) O planejamento estatal não tinha muita importância para os cepalinos. Para
eles, o mercado deveria encontrar seu equilíbrio naturalmente.
( ) Para os cepalinos a inflação era um fenômeno conjuntural. Era causada pela
rigidez na oferta de alimentos e pela pressão sobre a agricultura.
( ) Para os cepalinos havia uma deterioração dos termos de troca no comércio
internacional, causada pela grande desvantagem comparativa no intercâmbio
entre o bloco dos países ricos (com produtos de maior valor agregado) e dos
países pobres (com produtos primários).
( ) Mesmo com uma pauta de exportações baseada em produtos primários, com
o tempo havia uma tendência a um equilíbrio externo dos países periféricos.

3 Da sua criação até meados dos anos de 1970, os argumentos da CEPAL


podem ser considerados como uma escola do pensamento. Atualmente
ainda podemos descrevê-la desta maneira?

126
UNIDADE 3

O DESENVOLVIMENTO DO
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Prezado(a) acadêmico(a), bem-vindo(a) à Unidade 3 do caderno de
Economia Política! Esta unidade tem por objetivos:

• compreender o estágio imperialista da história do capitalismo;

• adquirir conhecimento sobre as fases nas quais desenvolve-se o capitalis-


mo;

• caracterizar as peculiaridades da dinâmica do desenvolvimento do capita-


lismo sob a globalização;

• esclarecer a dinâmica da globalização por meio da reestruturação produ-


tiva, do neoliberalismo e da financeirização do capital;

• discutir aspectos e problemáticas desafiadoras que atravessam as socieda-


des na entrada do século XXI.

• compreender o estágio imperialista da história do capitalismo;

• adquirir conhecimento sobre as fases nas quais desenvolve-se o capitalis-


mo;

• caracterizar as peculiaridades da dinâmica do desenvolvimento do capita-


lismo sob a globalização;
• esclarecer a dinâmica da globalização por meio da reestruturação produ-
tiva, do neoliberalismo e da financeirização do capital;

• discutir aspectos e problemáticas desafiadoras que atravessam as socieda-


des na entrada do século XXI.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos e no final de cada um deles você
encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 - O IMPERIALISMO

TÓPICO 2 - OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

TÓPICO 3 - ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEM-


PORÂNEAS

127
128
UNIDADE 3
TÓPICO 1

O IMPERIALISMO

1 INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), o estudo relativo à fase recente do desenvolvimento do


capitalismo, o capitalismo contemporâneo, exige que se compreenda o contexto
mais amplo no qual a organização da sociedade atual se encontra. Desta forma,
os tópicos da Unidade 3 irão esclarecer as peculiaridades presentes na dinâmica
do desenvolvimento do capitalismo após a década de 1980 (Tópico 2) e discutir
aspectos e problemáticas desafiadoras que atravessam as sociedades na entrada
do século XXI (Tópico 3). Entretanto, o Tópico 1, que tem início a partir deste
momento, debruçar-se-á sobre o estágio imperialista da história do capitalismo.

A temática do imperialismo diz respeito às importantes transformações


experimentadas durante o desenvolvimento do sistema capitalista a partir dos
últimos 30 anos do século XIX. Neste sentido, a partir de 1910, alguns autores,
amparados nas obras de Karl Marx, dedicaram-se a estudos que confluíram na
configuração de um novo estágio do capitalismo, denominado imperialismo, que
se estende ao longo de todo o século XX, e conta com novas determinações na
virada para o século XXI.

Karl Heinrich Marx, nascido em 1818 na Alemanha,


foi filósofo e cofundador, junto com Friedrich Engels, da
escola de pensamento marxista. Contudo, seus escritos
influenciaram diversas áreas, como o Direito, a Economia
e a Sociologia. A principal obra publicada por Marx é “O
Capital”, em 1867, predominantemente, um livro sobre
Economia Política, mas que realiza uma extensa análise
crítica da sociedade capitalista. Os conceitos de mais-valia,
força de trabalho, acumulação primitiva e meios de produção
foram introduzidos por Marx e Engels na segunda metade
do século XIX, mas são extremamente atuais à compreensão
da sociedade capitalista atual.

FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Karl_Marx_001.


jpg>. Acesso em: 19 jan. 2015.

129
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

A modo de introdução cabe lembrar que, durante o processo de evolução


do capitalismo, distinguem-se, também, alguns estágios específicos, tendo início
com o capitalismo comercial ou mercantil que, por sua vez, estende-se desde
a acumulação primitiva até o momento em que o capital tem a capacidade
de controlar o trabalho humano, mediante o estabelecimento da manufatura,
cobrindo, portanto, os séculos XVI, XVII e meados do século XVIII.

NOTA

Acumulação primitiva é um conceito marxista que explica a origem mais primitiva


da acumulação de capital, cuja dinâmica decorre da expropriação, por parte dos capitalistas,
dos meios de produção dos trabalhadores do campo. Isto é, trata-se da separação do produtor
direto dos seus meios de subsistência.

Trata-se, portanto, do nascimento da classe social burguesa, que passou a


acumular e controlar grandes riquezas comerciais ao longo dos séculos, mas que
confronta diretamente com a nobreza fundiária que dominava as relações de poder
no período. A crescente burguesia é, nesta perspectiva, uma classe revolucionária,
cujos interesses até convergiam com o restante da população: liberar as forças
produtivas dos entraves estabelecidos pelas relações feudais de produção. “Temos,
à época, uma burguesia de caráter audacioso, uma burguesia empreendedora,
heroica mesmo, como se verifica dos seus inícios à sua marcha triunfal rumo à
construção da nova sociedade.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 170).

Esse primeiro movimento já revela a tendência à mundialização do capital


devido à expansão marítima e à conquista de territórios distantes a partir de grupos
mercantis europeus, traços históricos das revoluções burguesas empreendidas até
meados do século XVIII. No período subsequente, o capitalismo ingressa em um
novo estágio evolutivo, proporcionado pelo avanço da tomada de poder do Estado
pela burguesia e por meio do aprimoramento das técnicas no ambiente produtivo,
resultando na Revolução Industrial e na organização da produção através da
nascente grande indústria.

NOTA

Quando falamos, aqui, em grande indústria, nos referimos à formação e à


consolidação de uma completa estrutura fabril, na qual a divisão social do trabalho é
fundamental e se realiza por meio da relação entre os trabalhadores e as máquinas.

130
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

A partir, portanto, da segunda metade do século XVIII, descortina-se o


segundo estágio do capitalismo, o capitalismo concorrencial, também chamado de
“clássico”, estudado com maior especificidade na Unidade 1. O desenvolvimento
do capitalismo concorrencial estendeu-se até fins do século XIX; até o início do
estágio imperialista. No percurso de cerca dos seus cem anos de maturação, o
capitalismo tende a consolidar sua dinâmica própria de relações econômicas e
sociais, revelando suas principais características: o controle da força de trabalho
pelos detentores dos meios de produção e a mercantilização de tudo e de todos; a
reificação ou coisificação das relações sociais.

A grande indústria provocou, primeiramente, no capitalismo concorrencial,


um processo de urbanização sem precedentes nas principais cidades europeias.
A referida expropriação dos meios de subsistência dos trabalhadores do campo
obriga-os a migrarem às cidades em busca de formas diferenciadas de sobrevivência,
isto é, obriga uma grande massa de pessoas do campo a venderem sua força de
trabalho no interior das fábricas localizadas nas cidades.

NOTA

A formação da grande indústria, propiciada pelos avanços da Revolução Industrial


do século XVIII, faz as cidades crescerem rapidamente em termos de população. Essa dinâmica
faz surgir áreas do conhecimento preocupadas com o caos das cidades, por exemplo, aquelas
ligadas ao planejamento urbano e regional.

FIGURA 24 - GRANDE INDÚSTRIA E CIDADES EUROPEIAS DO SÉCULO XVIII

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-zWf7Ho-s8CE/UzSJzeJslZI/AAAA


AAAAACA/ouckFsuTKP0/s1600/revolucao_industrial.jpg>. Acesso em: 20 jan.
2015.

131
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Em segundo lugar, mas não menos importante, o capitalismo concorrencial


possibilitou a criação do mercado mundial. Nesse contexto, os países mais
avançados buscam matérias-primas para produção em diversos países do mundo
que, depois de transformadas, em larga escala, são devolvidas em forma de
mercadorias, criando vínculos econômicos e culturais permanentes com territórios
distantes. “Povos, nações e Estados situados fora da Europa, que se mantinham
isolados resistindo com recursos de força, são agora integrados mais pela via da
invasão comercial que pela intervenção militar.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 172).

É, portanto, no estágio concorrencial do capitalismo que se desenvolve e se


consolida um sistema econômico internacional, uma economia mundial, marcada
pela desigualdade entre as trocas econômicas. Pois, uma vez que tal integração
ocorreu entre países com condições socioeconômicas muito desiguais, suas
consequências agravaram e ampliaram ainda mais a desigualdade preexistente.
A caracterização concorrencial desse estágio ocorre justamente em função das
amplas possibilidades de negócios que surgiram para os pequenos e também para
os médios capitalistas entre meados do século XVIII e fins do século XIX.

E
IMPORTANT

Os dois primeiros estágios da evolução do capitalismo são o capitalismo comercial


(a partir da ideia de acumulação primitiva) e o capitalismo concorrencial (com a formação de
uma economia mundial).

Ao final do século XIX, em seus últimos 30 anos, o panorama do


capitalismo em sua forma concorrencial estava prestes a sofrer alterações bastante
significativas. O gatilho para a transição a um novo estágio de desenvolvimento do
sistema capitalista encontrava-se em dois processos que merecem especial atenção:
o surgimento dos monopólios e a modificação do papel dos bancos.
Uma vez que o modo de produção capitalista encontrava-se organizado e
devidamente consolidado, cuja evolução vimos através de suas formas comercial e
concorrencial, as tendências “naturais” do capital, a concentração e a centralização
encarregaram-se da convergência destes mercados, neste momento já integrados
à formação dos monopólios. O impacto do surgimento de diversos e poderosos
monopólios em menos de 30 anos (final do século XIX), controlando ramos
produtivos inteiros, empregando e comandando milhares de trabalhadores e,
o mais importante, influenciando diretamente as economias nacionais, alterou
extraordinariamente o desenvolvimento do capitalismo.

Apenas dois exemplos dessa alteração: 1) na Alemanha, o grupo Krupp


empregava 16 mil pessoas em 1873, 24 mil por volta de 1890, 45 mil por
volta de 1900 e quase 70 mil por volta de 1912; 50% da produção de
carvão estava, em 1893, nas mãos de um único grupo produtor; 2) nos
Estados Unidos, a um único grupo, em 1901, cabiam 60% da produção

132
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

de aço; aí, em 1904, 0,9% do total das empresas industriais respondia


por 38% da produção industrial do país (NETTO; BRAZ, 2006, p. 177).

NOTA

Segundo o dicionário de economia Sandroni (1999), monopólio é uma forma


de organização de mercado em que apenas uma empresa domina a oferta de determinado
produto ou serviço. Atualmente, a maioria dos países proíbe esta prática, com exceção daqueles
monopólios exercidos pelos Estados, como o fornecimento de serviços públicos.

Como se percebe, a constituição dos monopólios, sobretudo aqueles


relativos à produção industrial, torna-se o elemento-chave da economia capitalista
já na entrada do século XX. Contudo, o surgimento dos monopólios industriais
ocorre praticamente no mesmo momento em que há uma mudança no papel dos
bancos. Aí, os bancos tornaram-se as peças básicas do sistema de crédito. Uma
vez que reuniam capitais inativos de capitalistas, além das economias de muitas
pessoas, os bancos passaram a controlar um volume monetário muito grande que,
por sua vez, era disponibilizado para empréstimos. Devido à grande concorrência
intercapitalista, o empréstimo para realização de novos investimentos tornou-se
fundamental à sobrevivência no mercado.

Desta forma, os bancos passaram a ocupar uma posição estratégica


no controle de disponibilidade de créditos para diferentes empresas e ramos
industriais. Pois, como passaram a conhecer as estruturas internas de muitas
empresas (os defeitos e as virtudes), os bancos poderiam ofertar empréstimos a
quem fosse de sua escolha e, ainda, participar somente dos melhores negócios.
Como resultado: da condição de meros intermediários de pagamentos, os bancos
passaram a associados dos capitalistas industriais; tanto a concentração quanto
a centralização ocorrida nas atividades industriais passam a ocorrer também no
setor bancário. Isto é, o surgimento dos monopólios industriais é acompanhado
pela monopolização do setor bancário.

Dois exemplos da monopolização no setor bancário: 1) em 1909, nove


grandes bancos de Berlim – e as casas bancárias a eles associadas –
controlavam 83% de todo o capital bancário alemão; 2) na França, os três
bancos mais importantes, entre 1870 e 1909, decuplicaram [tornaram
dez vezes maiores] os capitais alheios sob sua guarda (NETTO; BRAZ,
2006, p. 179).

Os bancos, ao comprarem ações de grandes monopólios industriais,


convertem-se em coproprietários destas empresas. As empresas também passam
a possuir ações dos bancos. Consequentemente, produz-se uma fusão do capital
monopolista industrial com o capital monopolista bancário. É justamente esta
fusão dos capitais bancários e industriais que origina o capital financeiro, peça
fundamental do terceiro estágio do desenvolvimento capitalista: o imperialismo.
133
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

E
IMPORTANT

A formação dos monopólios industriais e o novo papel atribuído aos bancos dão
origem ao capital financeiro, cuja dinâmica é essencial ao estágio imperialista do capitalismo.

No item a seguir estudar-se-á, mais precisamente, o estágio imperialista,


que, como visto nesta introdução, tem origem nas três últimas décadas do século
XIX, se estende ao longo de todo o século XX e conta com novas determinações na
virada para o século XXI.

2 O ESTÁGIO IMPERIALISTA
Como se viu, o estágio imperialista do desenvolvimento do capitalismo
inicia-se nos últimos anos do século XIX, período no qual o capital financeiro
possui um papel decisivo. Aí, as empresas eram tipicamente monopolistas. Embora,
ainda assim, subsistissem empresas pequenas e médias (não monopolistas), estas
estavam totalmente subordinadas às pressões dos grandes monopólios.

A circulação de mercadorias (o comércio externo) já empreendida pelo


desenvolvimento do modo de produção capitalista possibilitou conectar todo o
mundo aos centros capitalistas. A troca de mercadorias entre países constitui-se
em sua principal vinculação. Contudo, no imperialismo, além da exportação de
mercadorias, ganhou relevância a exportação de capitais. A exportação de capitais
ocorria tanto por meio de empréstimos, quando “capitalistas concedem créditos,
em troca de juros determinados, a governos ou capitalistas de outros países”,
quanto como capital produtivo, quando “capitalistas implantam indústrias em
outros países.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 181). Por sua vez, o estímulo à exportação
de capitais está na procura de máxima lucratividade por parte dos capitalistas (por
parte dos juros recebidos ou pelos lucros a serem repartidos).

O objetivo das grandes empresas monopolistas é controlar, além dos


mercados de seus próprios países, os mercados externos, associando-se a
empresas do mesmo ramo localizadas em outros países. Ou seja, dividem, por
meio de acordos entre si, as regiões do mundo as quais pretendem subordinar
a seus interesses; realizam uma partilha econômica do mundo. No período de
constituição do imperialismo, entre 1874 e 1914, cerca de 25 milhões de km² foram
apropriados pelos países imperialistas, espaço que representa mais de 50% dos
seus próprios territórios (NETTO; BRAZ, 2006). Tais acordos, que não eliminam
a concorrência, mas estabelecem limites temporários à concorrência, continuaram
presentes na dinâmica do capitalismo ao longo de todo o século XX.

134
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

Vladimir Lênin (1977, p. 641-642 apud NETTO; BRAZ, 2006, p. 180,


grifos nossos) resume os traços principais do imperialismo por meio de cinco
características:
1) A concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado
de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham
um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário
com o capital industrial e a criação, baseada neste capital financeiro,
da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da
exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente
grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de
capitais, que partilham o mundo entre si; e 5) o termo da partilha
territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.

Quanto à ideia de oligarquia financeira, oriunda da fusão entre o capital


bancário e o capital industrial, é preciso dizer que o controle da economia dos
países passou a ser concentrado em um pequeno número de grandes capitalistas.
E, além do controle interno, houve uma concentração do poder das decisões
econômicas também dos países aonde seus grupos econômicos atuavam (devido
à formação dos mercados externo). Desta forma, estes poucos capitalistas
monopolistas passaram a dispor de uma enorme influência política no interior de
seus territórios e no âmbito dos demais países capitalistas do mundo. “Assim, já
antes da Primeira Guerra Mundial, o mercado de petróleo foi objeto de acordos
entre a Standard Oil (norte-americana) e a Royal Dutch Shell (anglo-holandesa);
na indústria eletrotécnica, em 1907, um acordo entre a General Electric/GE (norte-
americana) e a Allgemeine Elektrizitägesellschft/AEG (alemã) garantiu à primeira os
mercados americanos e à segunda os europeus e parte dos asiáticos.” (NETTO
BRAZ, 2006, p. 182)

E ainda com relação aos monopólios:

Em 1954, nos Estados Unidos, 17 empresas controlavam 94% da


produção de aço; apenas um monopólio (Standard Oil) controlava a
indústria do petróleo e, em 1958, três grupos (General Motors, Ford
e Chrysler) detinham 93% da produção de veículos; na Inglaterra, à
mesma época, um grupo (Imperial Chemical Industries) controlava 95%
de toda a produção química básica; na França, também na década de
cinquenta, quatro grupos monopolistas controlavam 96% da produção
de veículos, um grupo, toda a produção de alumínio, e outro, 80% da
produção de colorantes químicos (NETTO BRAZ, 2006, p. 180).

No entanto, a dinâmica de repartição do mundo em territórios econômicos


para a exploração, que é própria do estágio imperialista do desenvolvimento
do capitalismo, entra em crise em 1914. Pois, com a falta de territórios livres ao
comércio, as novas expansões deram-se por meio do confronto direto entre os
países imperialistas, resultando na Primeira Guerra Mundial.

135
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

E
IMPORTANT

O estágio imperialista pode ser entendido por meio de elementos como a


formação dos monopólios industriais; a fusão que origina o capital financeiro; a exportação de
capitais; a associação internacional de empresas; e a partilha territorial do mundo.

A evolução a partir do estágio imperialista operou a mundialização do


capitalismo, cuja expansão ocorre para além de qualquer fronteira. Pois, com
seu desenvolvimento, a divisão social do trabalho na produção mercantil (ver
Figura 26) não se restringiu às unidades produtivas, originando uma divisão
internacional do trabalho, na qual cada território nacional procura especializar-
se em determinados tipos de produção. Aí é possível perceber países mais
desenvolvidos e menos desenvolvidos e as relações de domínio e exploração dos
primeiros sob os segundos.

FIGURA 25 - DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO EM UMA FÁBRICA DE ALFINETES

FONTE: Disponível em: <https://economianostra.files.wordpress.com/2013/05/fc3a1brica-de-


alfinetes.png?w=300&h=108>. Acesso em: 20 jan. 2015.

A expansão mundial do capitalismo pode ser entendida por meio de sua


característica desigual e combinada. Quanto à desigualdade, as sociedades menos
desenvolvidas, com traços atrasados, têm a possibilidade, ou são obrigadas, a adotar
certos traços avançados, saltando as etapas intermediárias. Tais traços, desiguais,
atrasados e avançados, combinam-se sempre de forma original, resultando em
uma específica forma de desenvolvimento para cada território (LÖWY, 1998).

Na passagem específica sobre a terminologia, na obra História da Revolução


Russa (TROTSKY, 1980, p. 25, grifo nosso), se lê:

A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral dos processos históricos,


evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países
atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária
vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da

136
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação
apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado,
que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases
diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas.

Contudo, a relevância dos diferentes espaços para o entendimento do


desenvolvimento pelo capitalismo mundial é mais bem captada pela ideia de
desenvolvimento geográfico desigual.

A noção de desenvolvimento geográfico desigual pode ser apreendida


como uma construção teórica cuja origem está nos escritos de Vladimir Lênin
sobre o processo de desenvolvimento capitalista na Rússia, mas que adquire maior
significado pela lei do desenvolvimento desigual e combinado de Leon Trotsky
depois da Revolução de 1905 (na Rússia) e ganha, mais recentemente, sua devida
espacialização pelos esforços de geógrafos marxistas como Neil Smith e David
Harvey.

O fôlego no estudo do desenvolvimento desigual e combinado das


formações sociais capitalistas que se perdeu após Trotsky ganha ímpeto na
intenção de se formular uma teoria do desenvolvimento geográfico desigual,
como já foi dito, mais recentemente; atribui-se esses exames a geógrafos do lado
da crítica marxista, sobretudo a partir da década de 1980, como Neil Smith (1988)
e David Harvey (1982, 2004, 2006), embora o tema tenha sido tratado também por
outros estudiosos, colocando a dimensão espacial no centro do debate sobre o
desenvolvimento do modo de produção capitalista (THEIS, 2009).

FONTE: Disponível em: <http://www.apec.unesc.net/VIII_EEC/sessoes_tematicas/7%20-%20


Eco%20Reg.%20Urbano/PLANEJAMENTO%20REGIONAL%20NO%20BRASIL>. Acesso
em: 13 mar. 2015.

FIGURA 26 - LEON TROTSKY; NEIL SMITH; DAVID HARVEY

FONTE: Disponível em: <http://static.guim.co.uk/sys-images/Guardian/Pix/


pictures/2013/2/28/1362053521131/Leon-Trotsky-006.jpg>; <http://2.
bp.blogspot.com/vybyw6SCQY0/UGmh9RnexmI/AAAAAAAAAiI/pGm1t0Tzqo4/
s1600/neil_smith_multipliciudades.jpg> e <http://www.oktober.no/var/
ezwebin_site/storage/images/forfattere/utenlandske/harvey_david/1971-2-nor-
NO/harvey_david.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

137
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

NOTA

Na figura acima se vê: Leon Trotsky (1879-1940), intelectual e dirigente político


durante a Revolução Russa; Neil Smith (1954-2002); e David Harvey (1935-). Os dois últimos
referem-se a geógrafos marxistas responsáveis por pesquisas sobre a desigualdade do sistema
capitalista.

A diferença fundamental entre a “lei do desenvolvimento desigual e


combinado e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual” está na ênfase da
primeira em explicar porque diferentes e irregulares padrões de desenvolvimento
em formações sociais periféricas/atrasadas podem, combinando-se, vivenciar uma
revolução política. Já a segunda constitui uma tentativa teórico-metodológica de
conceber a natureza geográfica da desigualdade socioeconômica entre regiões e
países produzida pelo capitalismo. “A coexistência, simultânea e dinâmica, de
espaços economicamente mais e menos pujantes é o resultado do desenvolvimento
geográfico desigual”, embora seja, também, condição para o processo de continuada
valorização do capital (THEIS; BUTZKE, 2012, p. 104, grifo do autor).

Na teoria do desenvolvimento geográfico desigual, dois elementos são


centrais (HARVEY, 2004): a produção das escalas espaciais e a produção da
diferença geográfica. A produção das escalas espaciais diz respeito à produção de
uma hierarquia de escalas espaciais que organiza as atividades humanas.

[...] não se pode entender o que acontece numa dada escala fora das
relações de acomodamento que atravessam a hierarquia de escalas –
comportamentos pessoais (por exemplo, dirigir automóveis) produzem
(quando agregados) efeitos locais e regionais que culminam em
problemas continentais, de, por exemplo, depósitos de gases tóxicos ou
aquecimento global (HARVEY, 2004, p. 108).

A produção da diferença geográfica é resultante, por um lado, da


conformação de um mosaico geográfico ambiental ao redor do mundo e, por outro,
pela forma como essas diferenças geográficas são modificadas pelos processos
político-econômicos e socioecológicos que ocorrem atualmente. A acumulação do
capital é que gera desenvolvimento geográfico e a taxa de lucro é o que dá direção
ao desenvolvimento. Em consonância com esse movimento, as áreas com altas
taxas de lucro vão se desenvolver e as áreas que apresentam baixas taxas de lucro
vão apresentar baixos índices de desenvolvimento (SMITH, 1988). Marx, numa
perspectiva mais geográfica, observou que “o capital cresce enormemente num
lugar, numa única mão, porque foi, em outros lugares, retirado de muitas mãos.”
(SMITH, 1988, p. 212).
FONTE: Disponível em: <http://www.apec.unesc.net/VIII_EEC/sessoes_tematicas/7%20-%20
Eco%20Reg.%20Urbano/PLANEJAMENTO%20REGIONAL%20NO%20BRASIL>. Acesso
em: 13 mar. 2015.

138
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

É importante compreender o modo pelo qual as diferenças geográficas


foram sendo produzidas política e historicamente, pois tais traços e características
tornaram-se explícitos justamente no estágio imperialista do desenvolvimento
do capitalismo, quando, pelo domínio dos monopólios, constituiu-se como um
sistema econômico mundial.

[...] o imperialismo levou a cabo e consolidou a vinculação de nações


e Estados de todo o planeta, estabelecendo um fluxo de conexões que
acabou por configurar uma economia em que todos são interdependentes
(sem prejuízo das hierarquias e das relações de dominação e exploração).
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 187).

E
IMPORTANT

No estágio imperialista a expansão do capitalismo ultrapassou fronteiras nacionais,


constituindo um sistema econômico mundial.

Nos próximos dois subitens (2.1 e 2.2) tratar-se-á, brevemente, a respeito da


fase “clássica” do imperialismo, entre 1890 e 1940, e da fase conhecida como “anos
dourados”, do fim da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1970.

2.1 A FASE “CLÁSSICA” DO IMPERIALISMO


A característica fundamental existente durante todo o estágio imperialista
do capitalismo se refere à formação e desenvolvimento dos monopólios, cujas
dinâmicas de acumulação e crescimento econômico resultaram em constantes
crises, como as de 1891, 1900, 1907, 1913, 1921, 1929 e 1937-1938. A crise de
1929 foi a mais “dolorosa” delas. Por esta perspectiva, pode-se afirmar que o
desenvolvimento do capitalismo sob as forças de mercado obrigou os capitalistas
dos grandes monopólios pensarem em alternativas ao cenário de recessão
econômica, resultando em políticas implementadas no segundo estágio do
imperialismo (NETTO; BRAZ, 2006).

A fase “clássica”, portanto, refere-se ao momento de formação do


imperialismo, período que foi visto até aqui. Contudo, cabe destacar que é nesta
fase em que se percebe a necessidade de intervenção por parte do Estado para
efetuar os ajustes necessários ao funcionamento da economia capitalista. No
liberalismo econômico, o Estado procurava garantir as condições externas para
a produção e a acumulação capitalista, mas outra modalidade de participação do
Estado fazia-se necessária:

139
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

[...] uma intervenção que envolvesse as condições gerais de produção e


da acumulação. Essa era uma exigência estritamente econômica; mas
o contexto sociopolítico em que ela se punha condicionou largamente
a modalidade em que foi implementada (NETTO; BRAZ, 2006, p. 193,
grifo do autor).

E
IMPORTANT

A fase “clássica” se refere ao período de formação e desenvolvimento do próprio


estágio imperialista. Neste período, as forças do mercado são predominantes para os ajustes
da economia.

Um suporte teórico para a intervenção estatal fazia-se necessário, uma


vez que esta perspectiva contrariava o pensamento liberal-econômico dominante
até final da década de 1920. O principal autor responsável pela legitimação do
intervencionismo estatal foi John Maynard Keynes, a partir da obra “Teoria geral
do emprego, do juro e do dinheiro”, de 1936, visto com mais detalhes na Unidade
2 deste Caderno de Estudos.

O capitalismo não dispunha espontaneamente da faculdade de utilizar


inteiramente os recursos econômicos. Isto é, os recursos precisavam ser plenamente
empregados para evitar crises e desemprego e, para isso, era preciso que o Estado
atuasse como regulador dos investimentos privados por meio do ajuste de seus
próprios gastos, os gastos do governo. “Keynes atribuía papel central ao orçamento
público enquanto induto de investimento.” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 195).

O próximo estágio do imperialismo recebe o nome de “anos dourados”


justamente devido aos bons resultados econômicos alcançados pelas ideias e
políticas keynesianas implementadas a partir da década de 1930.

2.2 OS “ANOS DOURADOS” DA ECONOMIA IMPERIALISTA


Entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) até início da década de
1970, o imperialismo viveu uma fase única em todo seu desenvolvimento. Esta fase
pode ser denominada por “anos dourados” ou as “três décadas gloriosas”. Pois,
durante quase 30 anos, o sistema capitalista operou com resultados econômicos
nunca antes alcançados, os quais não se repetiriam mais. As frequentes crises da
fase “clássica” não foram totalmente suprimidas, pois foram observadas crises em
1949, 1953, 1958, 1961 e 1970, mas seus impactos foram relativamente menores
devido à intervenção do Estado na economia (sob inspiração de Keynes).

Os dados do Quadro 7, a seguir, revelam as altas taxas de crescimento


alcançadas na segunda fase do imperialismo nas principais economias do mundo.

140
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

QUADRO 8 - SITUAÇÃO ECONÔMICA MUNDIAL EM PERÍODOS SELECIONADOS


Período Indicadores econômicos
1950 a 1970
Produção industrial nos países capitalistas aumentou 2,8 vezes
1940 a 1966
Produção industrial norte-americana cresceu 5,0%
1947 a 1966
Produção industrial japonesa cresceu 9,6%
1947 a 1966
Produção industrial da Comunidade Europeia cresceu 8,9%
1950 a 1973
Produto Interno Bruto dos países capitalistas aumentou, anualmente, 4,9%
1960 a 1968
Crescimento da economia norte-americana foi de 4,4%
1960 a 1968
Crescimento da economia japonesa foi de 10,4%
1960 a 1968
Crescimento da economia alemã (ocidental) foi de 4,1%
1960 a 1968
Crescimento da economia francesa foi de 5,4%
1960 a 1968
Crescimento da economia inglesa foi de 3,8%
Década de Estados Unidos, Japão, Alemanha (ocidental), França, Grã-Bretanha e Itália
1960 registram forte crescimento econômico e um alto nível da taxa de lucro.

FONTE: Netto; Braz (2006)

E
IMPORTANT

Nos “anos dourados” do imperialismo, embora tenham existido crises, observaram-


se ótimos resultados econômicos em todos os países capitalistas do mundo.

Nos marcos deste elevado desempenho econômico, contrapõem-se críticas


e constantes questionamentos ao capitalismo à ordem burguesa que vigorava
predominantemente em diversos países. Um primeiro elemento refere-se à
prosperidade e poderio adquirido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). Seu modelo de economia planificada uniu países libertos da ocupação
nazista, rompeu com o sistema capitalista e iniciou, em 1922, uma experiência
socialista.

141
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

E
IMPORTANT

A utilização do planejamento (ou planificação) de forma ampla pelos países


surge na União Soviética como um plano quinquenal (cinco anos) para toda a economia. No
período da revolução russa, especialmente entre 1917 e 1930, ainda não existiam experiências
de planejamento aplicadas no mundo: antes da Primeira Guerra Mundial a União Soviética foi
o único território a adotar o planejamento de forma sistemática. Por meio desta perspectiva
acreditava-se que a economia deveria ser conduzida de forma centralizada pelo planejamento.
O que se constata é que no início da década de 1920 já se iniciava um processo de organização
centralizada na União Soviética: o número de funcionários do Estado passou de pouco mais
de 100.000 para crescentes 5.880.000. Entre 1928 e 1933, vigora o Primeiro Plano Quinquenal
global soviético (aprovado em maio de 1929, pelo V Congresso dos Sovietes da URSS),
cujo processo abarca todo o sistema econômico, mas exclui formalmente os mecanismos
usuais de mercado e formação de preços, esmiuçando o processo produtivo em função de
metas nacionais estabelecidas pelo Estado visando uma rápida industrialização. Entretanto,
“o plano visava não apenas o desenvolvimento econômico por si mesmo, mas, também o
melhoramento do nível de vida da população” (MIGLIOLI, 1997, p. 51); tratava-se de um conjunto
integrado de objetivos, com metas para todos os setores da economia, para a força de trabalho,
as finanças e o desenvolvimento cultural. O Comitê Central de Planejamento (GOSPLAN) tinha
conhecimento de todos os produtos fabricados, bem como os custos dos insumos destes
produtos para cada setor da economia soviética, podendo controlar e determinar o grau de
crescimento da renda e as quantidades das produções setoriais. Por meio de planos elaborados
com base nas informações estatísticas sobre a economia, as metas passavam para escalões
hierárquicos inferiores e regionais e chegavam às empresas, as quais requisitam, primeiramente,
os materiais necessários, para, num segundo momento, o plano voltar ao GOSPLAN para
realização do balanceamento detalhado do nível das produções (LIRA, 2006).

Outro questionamento ao desenvolvimento do capitalismo originava-se


na Europa Nórdica e Ocidental, a partir do movimento operário e sindical e dos
partidos ligados aos trabalhadores, os quais ganharam grande legitimidade sob a
população, impondo limites e restrições à organização dos grandes monopólios
capitalistas.

É nesta segunda fase do imperialismo, entre derrotados e vitoriosos da


Segunda Guerra Mundial, que o eixo político-militar e econômico transferiu-se da
Europa para os Estados Unidos. Desta forma, a política norte-americana procurou
se impor às outras potências imperialistas (tanto vitoriosas quanto derrotadas:
França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Japão) como um país imperialista com
liderança mundial.

Além do crescimento dos indicadores econômicos, durante a segunda fase


do imperialismo a economia sofreu outras alterações importantes. A primeira
mudança foi sobre a exportação de capitais, vista anteriormente. Tais exportações
não decrescem na fase dos anos dourados, mas seu fluxo é alterado, isto é, na fase
clássica do imperialismo, as exportações de capitais dirigiam-se dos países centrais
para os periféricos; no segundo estágio do imperialismo, a exportação de capitais
tem origem e destino final nos países centrais, resultando num giro de grande

142
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

quantidade de capitais apenas entre os principais países imperialistas. O fluxo de


capitais aos países periféricos restringiu-se a empréstimos de Estado (central) para
Estado (periférico) (NETTO; BRAZ, 2006).

E
IMPORTANT

Na segunda fase do imperialismo, à diferença da fase “clássica”, as exportações de


capital tiveram maior volume justamente no fluxo entre os próprios países capitalistas.

Uma segunda mudança no capitalismo durante a fase imperialista nos “anos


dourados”, e que recebeu maior atenção de estudiosos, diz respeito à organização
interna do trabalho industrial. O fato é que o modo de produção taylorista-fordista
(de Frederick Taylor e Henry Ford), em desenvolvimento já na fase “clássica”,
ganha relevância e se torna o padrão mundial para toda a indústria. Por meio destas
técnicas específicas de produção foi possível implementar a produção em massa
de mercadorias, ou seja, a produção em larga escala de diversas modalidades de
produtos.

No taylorismo-fordismo, iniciado na indústria automobilística, priorizava-


se a racionalização da produção, reduzindo o tempo por meio do aumento do ritmo
de trabalho. Tal racionalização foi possível pelo parcelamento e fragmentação das
tarefas produtivas, portanto, o trabalho, realizado de forma extensiva (longas
jornadas de trabalho), também passou a ser realizado de forma intensiva. O ritmo da
intensidade pelo qual o trabalho realizava-se era ditado pela velocidade da esteira,
a mesma esteira que interligava as diferentes e fragmentadas (individualizadas)
etapas e de produção.

Ademais, o padrão taylorista-fordista baseado na produção em massa


de mercadorias, que deu origem à era do consumo de massa (que também será
visto no Tópico 2), também foi ampliado à questão cultural, estendendo o estilo
de vida norte-americano ou o american way of life para o restante do mundo,
especialmente a partir da década de 1950. O estilo de vida hegemônico que
procurou-se universalizar dizia respeito justamente ao mercado de consumo de
massa, com ênfase ao automóvel, aos eletrodomésticos e à dominação dos meios
de comunicação e expressão (imprensa, rádio, cinema, discos, televisão).

143
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 27 - ESTILO DE VIDA NORTE-AMERICANO NA DÉCADA DE 1950

FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-itSZZUJCkxg/US090z0itPI/


AAAAAAAAALk/Xx3RDqNaSQE/s1600/hhousewife.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Por fim, cabe destacar outras três peculiaridades do imperialismo nos


“anos dourados”, os quais vão se consolidar e aprofundar ao longo desse estágio:
o crescimento do crédito ao consumidor; a inflação; e a intensificação do setor de
serviços.

Com relação ao aumento das vendas a crédito, apenas é importante destacar


que esta tendência foi institucionalizada a partir da década de 1940 e garantiu
uma ampliação das possibilidades de consumo de diversas mercadorias, desde
roupas até móveis, equipamentos eletrodomésticos e automóveis. Pois, uma vez
implementado o processo de produção em larga escala de bens, era preciso que
as mercadorias encontrassem seus compradores no mercado de trocas de bens e
serviços.

Já o fenômeno da inflação torna-se frequente durante os “anos dourados”,


penalizando os trabalhadores assalariados, uma vez que o poder aquisitivo de
seus salários é depreciado, ou seja, o dinheiro recebido pelo trabalho passa a valer
menos, pois aquele aumento à concessão de créditos também resulta em maiores
índices inflacionários. Mas, embora penalize os assalariados em geral, a inflação
passa a ser esperada pelo capital monopolista, uma vez que se torna possível
elevar o preço das mercadorias constantemente.

Quanto ao setor de serviços, os dados mostram que houve um enorme


crescimento. Vejamos o motivo. No setor de serviços incluem-se atividades de
empresas financeiras e de seguros, comerciais, publicitárias, médias, educacionais,
turísticas. Trata-se do trabalho improdutivo, que passou a empregar uma
grande massa de trabalhadores durante o segundo estágio do imperialismo.

144
TÓPICO 1 | O IMPERIALISMO

Tais trabalhadores possuem muitas diferenças entre si, desde trabalhadores sem
nenhuma qualificação até técnicos e universitários. O Quadro 8 dá uma ideia do
crescimento da participação da força de trabalho ocupada no setor de serviços.

QUADRO 9 - CRESCIMENTO DA FORÇA DE TRABALHO DO SETOR DE SERVIÇOS EM PAÍSES


SELECIONADOS
Período Indicadores da força de trabalho empregada
1910 e 1970 Passou de 36,8% para 62,1% nos Estados Unidos
1907 e 1970 Passou de 22,2% para 41,9% na Alemanha
1911 e 1966 Passou de 39,7% para 50,3% na Grã-Bretanha
1911 e 1970 Passou de 26,0% para 47,8% na França
1920 e 1970 Passou de 16,5% para 38,0% no Brasil
FONTE: Netto; Braz (2006)

O aumento da participação do setor de serviços na economia constitui


um dos fenômenos típicos do capitalismo e sua dinâmica por meio dos
monopólios. Entretanto, esta peculiaridade também será perceptível na atual fase
do imperialismo, conhecida por capitalismo contemporâneo (estágio que será
explorado no Tópico 2). Este fenômeno diz respeito “à tendência a mercantilizar
todas as atividades humanas, submetendo-as à lógica do capital; com efeito,
mediante os “serviços”, tomam caráter de mercadoria o trato da educação, da
saúde, da cultura, do lazer e os cuidados pessoais (a enfermos, a idosos etc.).”
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 202, grifo do autor).

NOTA

A “mercantilização” de tudo e de todos também é chamada de reificação (que


pode ser entendida como coisificação), a qual implica em transformar as relações sociais em
relações de troca entre mercadorias.

A intervenção estatal nos “anos dourados”.

TUROS
ESTUDOS FU

No Tópico 2 trataremos o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo,


também conhecido como o período da globalização.

145
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você aprendeu que:

• O imperialismo diz respeito às importantes transformações experimentadas


durante o desenvolvimento do sistema capitalista a partir dos últimos trinta
anos do século XIX, estágio que se estende ao longo de todo o século XX, e conta
com novas determinações na virada para o século XXI.

• As fases do capitalismo, que antecedem o imperialismo, são as do capitalismo


comercial e do concorrencial.

• A gênese do imperialismo está no surgimento dos monopólios e na modificação


do papel dos bancos.

• Os monopólios referem-se à concentração de poucas empresas que passam a


controlar setores inteiros de produção.

• O novo papel dos bancos no imperialismo é o de associarem-se aos monopólios


industriais.

• A exportação de capitais ganha relevância no estágio imperialista e ocorre pelos


empréstimos e pelo investimento em capitais produtivos.

• No imperialismo os monopólios repartem o mundo entre si conforme os


interesses de investimento.

• O imperialismo pode ser dividido por uma etapa “clássica”, outra dos “anos
dourados” e, por fim, pelo capitalismo contemporâneo.

146
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 Em quais estágios podemos separar a evolução do capitalismo antes da fase


imperialista? Qual a principal característica de cada um deles?

2 Quando e em que contexto se organiza o estágio imperialista do capitalismo?

3 Uma característica central na formação do imperialismo está no desempenho


do capital financeiro. Explique:

4 O que significa exportação de capitais, cuja dinâmica ganha relevância com


o imperialismo? Quais as formas de exportação de capitais?

5 De que forma as empresas multinacionais realizam a partilha do mundo


em regiões de interesse?

6 Quais são as três principais fases do estágio imperialista? Em quais períodos


predominaram?

7 Marque V nas questões consideradas verdadeiras e F para aquelas


consideradas falsas:

( ) A fusão entre monopólios capitalistas e bancários não refere-se ao


específico estágio imperialista do capitalismo, mas ganha importância a
exportação de capitais.
( ) Os objetivos das empresas multinacionais convergem à partilha do
mundo em regiões de interesse por meio de acordos que não eliminam,
necessariamente, a concorrência entre empresas.
( ) A mundialização do capitalismo, característica do imperialismo,
induziu a uma divisão internacional do trabalho, resultando em nações
especializando-se em determinados tipos de produção.
( ) Nos “anos dourados” do imperialismo diversos países entram numa
profunda crise econômica devido ao baixo consumo da população.

147
148
UNIDADE 3
TÓPICO 2

OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
É possível distinguir três conformações mais específicas do desenvolvimento
do capitalismo: uma etapa liberal, ao longo do século XIX; o capitalismo
“organizado”, entre 1930 e 1980; e uma última etapa relativa ao período mais
recente, cujos traços são demarcados pelos processos de globalização.

A primeira etapa do desenvolvimento do capitalismo, o liberalismo


econômico, contava com o Estado para garantir ampla e livre concorrência entre os
agentes econômicos no mercado e um regime específico do mercado de trabalho.

NOTA

O mercado onde operam os agentes econômicos é o mercado de bens e serviços,


o qual determina o nível de produção e de preços em um país. Por sua vez, no mercado de
trabalho são definidos a taxa de salários e o nível geral de emprego.

Ou seja, até início do século XX, os donos das empresas ou os detentores


dos meios de produção conduziam o mercado de trabalho de forma livre e sem
obstáculos regulatórios por parte do Estado, implicando, por exemplo, na proibição
dos sindicatos de trabalhadores, uma vez que sua atuação contrariava a ideia da
livre concorrência e do contrato diretamente entre os indivíduos (DOMINGUES,
1999). Ora, a barganha por aumentos salariais é mais eficaz quando os trabalhadores
unem-se por meio de sindicatos, daí advém a necessidade de os contratos entre
trabalhadores e empregadores serem realizados individualmente e não de forma
coletiva.

E
IMPORTANT

Liberalismo econômico: crença na autorregulação do mercado e defesa de um


regime rígido do mercado de trabalho.

149
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

As constantes crises sofridas pelo sistema capitalista e a crescente


organização das classes operárias entre o final do século XIX e o início do século
XX acumularam certa desconfiança na capacidade do mercado regular-se de forma
independente. A Grande Depressão de 1929, conhecida como Crise de 1929 [Figura
29], consolida uma nova etapa do desenvolvimento do capitalismo, cuja principal
característica está na ampliação da intervenção direta do Estado na economia.

NOTA

A depressão econômica que iniciou com a queda drástica da Bolsa de Valores de


Nova York em outubro de 1929 estendeu-se ao longo da década de 1930, causando redução
dos níveis de produção e altas taxas de desemprego em diversos países.

Nesta segunda etapa do desenvolvimento do capitalismo forma-se o


chamado Estado de Bem-Estar Social (examinado com maior especificidade
na Unidade 2), cuja dinâmica trouxe um conjunto de garantias sociais aos
trabalhadores. Neste momento, diversas políticas a partir do Estado são formuladas
e implementadas no sentido de orientar os rumos do desenvolvimento dali para a
frente.

Além disso, cabe dizer: neste momento a classe trabalhadora encontrava-


se com razoável poder de compra, cujo terreno foi excelente para a implantação
do sistema de produção fordista na maioria dos países capitalistas do mundo,
iniciando, assim, a era do consumo de massa (DOMINGUES, 1999).

NOTA

O fordismo ou o sistema de produção fordista refere-se à produção em massa (em


série) de produtos. Esta organização da produção no capitalismo foi idealizada por Henry Ford
(fundador da Empresa Ford) em 1913, com o intuito de atender ao consumo de massa.

150
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

FIGURA 28 - PRODUÇÃO EM MASSA DO MODELO A

FONTE: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ford_Motor_


Company_assembly_line.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2015.

Este conjunto de fatores específicos do modo de produção capitalista


permitiu que, entre 1930 e 1980, a acumulação de capital fosse constantemente
crescente e, por isso, podemos caracterizar esta etapa como um período mais
“organizado” do desenvolvimento do capitalismo, na qual o Estado exerce papel
fundamental.

E
IMPORTANT

A partir da década de 1930 as ideias do liberalismo econômico dão lugar à


intervenção direta do Estado nas relações econômicas e sociais, originando o Estado de Bem-
Estar Social e a ascensão do fordismo.

Na década de 1980 o cenário do desenvolvimento do capitalismo sofre


certa inversão em direção ao esgotamento. Altos níveis de inflação dos preços em
diversos países do mundo, não freados por meio da intervenção do Estado, abrem
caminho às políticas conhecidas como neoliberais, as quais serão vistas nos itens
a seguir.

Ademais, a produção em massa, principal característica do sistema de


produção fordista predominante até então, também entrou em crise: os produtos
do tipo standard (em série) perdem espaço frente à diferenciação dos produtos e
dos processos industriais mundiais.

151
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Esta terceira e mais recente etapa do desenvolvimento do capitalismo


carrega a ideologia neoliberal como forma de orientar politicamente os
territórios, mas é caracterizada, também, por fenômenos como a terceirização,
cujos determinantes são específicos do processo de globalização. Nesta etapa
há uma ampliação dos fluxos econômicos para o nível mundial, tanto por meio
das atividades industriais e comerciais quanto pelas financeiras, estas últimas
possuem função primordial na dinâmica da globalização. Outro aspecto é
a diluição das fronteiras nacionais num cenário global de comércio com a
estruturação de blocos supranacionais, tais como a União Europeia, NAFTA (que
compreende México, Estados Unidos e Canadá), e outros blocos em implantação,
bem como a Aliança de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a Aliança
Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA).

E
IMPORTANT

A terceira e mais recente etapa do desenvolvimento do capitalismo intensifica-se


na década de 1980 e é conhecida como globalização.

Contudo, é importante perceber que os processos de produção pós-fordistas


possuem caráter plural no âmbito da organização econômica. Em países do centro
do capitalismo as características são relativas à alta tecnologia e flexibilização das
relações de trabalho (regime flexível do mercado de trabalho); nos países periféricos,
subsistem formas de produção avançadas e atrasadas com exploração intensiva de
força de trabalho (regime rígido do mercado de trabalho). Neste cenário o Estado
tem, novamente, um importante e revalorizado papel: “O Estado é fundamental
para todas as novas articulações do capitalismo contemporâneo, dependendo dele
o próprio processo de ‘desregulamentação’ (e, parcialmente, nova ‘regulação’) do
mercado” (DOMINGUES, 1999, p. 64-65).

2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
A fase dos “anos dourados” do capitalismo, relativa ao período entre 1930
e 1980, com resultados de crescimento econômico e taxas de lucro compensadoras,
chega ao fim. As ondas longas expansivas são substituídas por ondas longas
recessivas. A taxa de lucro começou a declinar rapidamente, conforme mostra a
Tabela 1, a seguir.

152
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

TABELA 1 - TAXAS DE LUCRO EM PAÍSES SELECIONADOS


Taxa de lucro (%)
País
1968 1973
Alemanha Ocidental 16,3 14,2
Grã-Bretanha 11,9 11,2
Itália 14,2 12,1
Estados Unidos 18,2 17,1
Japão 26,2 20,3
FONTE: Netto; Braz (2006, p. 213).

O crescimento econômico também se reduziu: nenhum país capitalista


central conseguiu manter as altas taxas observadas no período anterior (entre 1950
e 1970). Ademais, dois fatores anunciaram o esgotamento dos anos gloriosos do
desenvolvimento do capitalismo. Primeiro, o colapso do ordenamento financeiro
mundial, pela decisão norte-americana de romper com o padrão-ouro a partir do
fim do acordo de Bretton Woods; e, o segundo fator, refere-se ao choque do petróleo,
com a alta dos preços determinada pela Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP).

NOTA

As conferências de Bretton Woods estabeleceram, em julho de 1944, as regras


para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo,
convencionando o ouro como lastro para o comércio internacional.

Em face desta inversão da dinâmica do desenvolvimento do capitalismo


mundial (que passou de uma condição de prosperidade para uma de prejuízos
econômicos), os grandes monopólios passaram a formular e implementar um
conjunto articulado de respostas para a profundidade da crise que se passava,
o qual transformou largamente a cena mundial: mudanças econômicas, sociais,
políticas e culturais ocorreram e estão ocorrendo num ritmo extremamente veloz.
Estas respostas podem ser descritas como a restauração do capital, sintetizadas
como uma estratégia articulada sob o tripé: reestruturação produtiva, ideologia
neoliberal, financeirização do capital. Todas as transformações implementadas
pelos grandes monopólios capitalistas tiveram como objetivo reverter a queda da
taxa de lucro.

153
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

E
IMPORTANT

O processo de restauração do capital a partir da década de 1980 pode ser


descrito pelo tripé formado por (1) reestruturação produtiva, (2) a ideologia neoliberal e (3) a
financeirização do capital.

Um primeiro fator relativo à reestruturação produtiva refere-se ao violento


ataque ao movimento sindical e diretamente aos sindicatos de trabalhadores de
diversos setores e de diversos países do mundo. Cabe lembrar, a formação dos
sindicatos de trabalhadores foi um dos suportes do sistema de regulação social
conduzido pelo Estado de Bem-Estar Social. Desta forma, os capitalistas atribuíam
às conquistas do movimento sindical a responsabilidade pelos gastos públicos
com as garantias sociais, bem como atribuíam a queda das taxas de lucro às suas
demandas por aumentos salariais.

FIGURA 29 - MOVIMENTO SINDICAL DE TRABALHADORES NO FINAL DA DÉCADA


DE 1970

FONTE: Disponível em: <http://www.spbancarios.com.br/Uploads/ckfinder/


userfiles/images/capa_pagina1.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2015.

Ao fim da década de 1970, esses ataques ocorrem por meio de medidas


legais restritivas, as quais reduzem o poder de intervenção do movimento sindical
de trabalhadores; nos anos oitenta, o assalto do patronato (classe dos patrões) toma
formas claramente repressivas, os exemplos são as ações dos governos Thatcher,
da Inglaterra, e Reagan, nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, começam a ser introduzidas alterações nos circuitos


produtivos do mundo inteiro, que deslocam aquele padrão das relações de
trabalho predominante nos “anos dourados”. Isto é, a modalidade de acumulação

154
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

denominada por rígida, própria do período do modelo fordista de produção,


começa a ser substituída pela modalidade de acumulação flexível.

E
IMPORTANT

Na reestruturação produtiva esgota-se a modalidade rígida das relações de


trabalho, a qual passa a ser substituída pelo regime de acumulação flexível.

A acumulação flexível se refere à flexibilidade dos processos de trabalho e


de produção, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo.
Neste momento, passam a formarem-se setores inteiramente novos, fornecimento
de serviços financeiros novos, mercados novos e, ainda, intensifica-se a inovação
comercial, tecnológica e organizacional. Um exemplo é o método “just in time” de
produção, no qual os produtos somente são fabricados no momento exato em que
forem necessários, ou quando já forem vendidos. Da mesma forma, ocorre com
as matérias-primas necessárias para a produção, as quais apenas são adquiridas
no momento em que forem ser utilizadas, reduzindo ao mínimo os estoques de
matérias-primas e de produtos. Este método pôde ser difundido amplamente
pelo mundo devido ao avanço das tecnologias da informação, que permitiram
comunicação rápida e eficiente de fornecedores.

A reestruturação produtiva opera na base da acumulação flexível. Pois, a


produção “rígida” é substituída por um tipo diferenciado de produção. Nesta nova
modalidade, a produção em massa, já referida anteriormente, tem a característica
de produção em larga escala mantida, mas procura romper com a “standartização”
(produtos iguais e padronizados). Desta forma, passa a destinar-se a mercados
específicos, buscando atender variabilidades culturais e regionais, bem como as
especificidades de cada grupo de consumidores.

Por outro lado, a reestruturação produtiva resultou numa dinâmica de


desconcentração industrial, cuja principal característica está na desterritorialização
da produção. Neste processo, unidades produtivas (completas ou desmembradas)
são deslocadas para novos espaços territoriais, especialmente países
subdesenvolvidos e periféricos, nos quais a exploração da força de trabalho pode
ser mais intensa, seja pelo baixo preço da mão de obra, seja pela ausência de
legislação protetora do trabalho e de tradições de luta sindical.

Este movimento de desterritorialização da produção permite o controle


da produção por um grande monopólio, o qual, na verdade, não produz um só
produto. Exemplo disto é a empresa Nike. Em 1996, não era produzido nem mesmo
um cadarço na sede da empresa, mesmo assim, empregava 9.000 funcionários nos
setores de organização estratégica, desenvolvimento de produtos e subcontratação

155
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

de serviços. Entretanto, juntas, as empresas que terceirizavam suas atividades de


produção, espalhadas pelo mundo, somavam 75 mil empregados. (NETTO BRAZ,
2006).

E
IMPORTANT

Na reestruturação produtiva ocorre uma intensa desterritorialização da produção


por meio da terceirização das etapas do processo de produção das grandes empresas, para
outras menores, situadas em diversos países do mundo, na maioria das vezes, países mais
pobres.

Um elemento essencial à reestruturação produtiva se trata de uma intensiva


incorporação na produção de tecnologias resultantes de avanços técnico-científicos.
Assim, o desenvolvimento da produção de um modo geral ocorre de tal forma que
reduz enormemente a demanda por força de trabalho. Ou seja, ocorre um aumento
na produção, mas uma redução no nível de pessoas empregadas, uma vez que há
uma substituição de homens e mulheres por máquinas no momento da fabricação
dos produtos.

FIGURA 30 - INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO PROCESSO DE PRODUÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/cfeWxhTuWR0/VJm8zuG2wJI/


AAAAAAAACg8/AXBOzgi45lY/s1600/MB-robot.jpg>. Acesso em: 22 jan. 2015.

156
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

A introdução da microeletrônica e dos recursos informáticos e robóticos na


esfera da produção vem alterando os processos de trabalho e afetando fortemente
o contingente dos trabalhadores ligados à produção. Talvez esta dinâmica
possa ser vista até como uma terceira Revolução Industrial ou uma Revolução
Informacional. O fato é que a base produtiva vem se deslocando rapidamente dos
suportes eletromecânicos para os eletroeletrônicos (NETTO; BRAZ, 2006).

Quanto às implicações resultantes desta específica organização do modo


de produção capitalista ao trabalhador, uma delas se refere às exigências que são
postas à força de trabalho. Pois, devido a estas alterações, se requer aos trabalhadores
envolvidos na produção uma qualificação mais alta e, ao mesmo tempo, a
capacidade para participar de atividades múltiplas. Isto é, os trabalhadores devem
ser qualificados e polivalentes para estarem inclusos nos empregos ofertados sob
este novo cenário proporcionado pela reestruturação produtiva.

Contudo, ainda assim, cabe observar certo paradoxo: enquanto os


processos de produção passam a exigir certa mão de obra altamente qualificada,
noutros setores muitas atividades são desqualificadas, de forma a empregar
trabalhadores substituíveis a qualquer momento. Portanto, de um lado, se
encontram trabalhadores extremamente qualificados, mas com pouca segurança
no emprego, os quais formam um pequeno núcleo; de outro lado, uma grande
parcela de pessoas trabalhando em atividades precarizadas, com alta rotatividade
(isto é, também com pouca segurança no emprego), salários baixos e, normalmente,
em empresas terceirizadas vinculadas àquelas do pequeno núcleo qualificado
(NETTO; BRAZ, 2006).

DICAS

Um movimento de reação a este processo ocorreu recentemente na Argentina,


por meio da recuperação de empresas que precisaram ser fechadas. O videodocumentário
“Ocupar, resistir, produzir”, produzido pelo Canal Futura, está disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=U6qh_PT_kuk>

Outra implicação ao conjunto dos trabalhadores relaciona-se à gestão da


força de trabalho. Sem um regime rígido das relações de trabalho, a organização
da produção também sofre alterações: o controle da força de trabalho pelo sistema
capitalista ocorre por meio da “participação” e do “envolvimento” dos funcionários,
os quais, agora, tornam-se “colaboradores”, “cooperados” ou “associados”,
valorizando a comunicação e a redução de hierarquias mediante a utilização de
“equipes de trabalho” que buscam constantemente atingir metas e resultados.
Em outras palavras, esta configuração reformulada do processo produtivo busca
quebrar a consciência de classe dos trabalhadores, utilizando-se de um discurso
“de que a empresa é sua casa” e vinculando diretamente o êxito pessoal com o da
empresa, para garantir que o trabalhador não se sinta explorado.
157
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

A Figura 32, a seguir, procura mostrar as possíveis alterações nas relações


de trabalho, isto é, a relação entre empregados e empregadores. No eixo vertical
estão as possibilidades externas do regime de trabalho e do contrato salarial, do
mais “rígido” para o mais “flexível”. No eixo horizontal, as variações internas, ou
seja, as formas de organização e cooperação no interior das firmas: do “controle
direto” para uma “autonomia responsável” ou “participação”. No interior deste
cenário encontram-se diferentes formas das relações do mercado de trabalho, tal
como a brasileira, que se encontra na condição de um fordismo periférico: com
maior flexibilidade do contrato salarial, mas com controle direto do mercado
interno de trabalho (LIPIETZ, 1991).

FIGURA 31 - RELAÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO

FONTE: Adaptado de Lipietz (1991)

O que se passa é que esta nova relação entre empregadores e empregados


no mundo do trabalho, a flexibilização, resultou em ônus que recaíram fortemente
sobre os trabalhadores, como a redução salarial (entre 1973 e 1992, o preço da
hora de trabalho daqueles envolvidos com a produção, nos Estados Unidos, caiu
de US$ 10,37 para US$ 8,80) e a precarização dos empregos. Formas precárias
são observadas quando, por exemplo, passam a existir poucas garantias de
continuidade no emprego e pela implementação do emprego em tempo parcial
(também frequentemente sem garantias) (NETTO; BRAZ, 2006).

A Tabela 2, a seguir, revela alguns dados estatísticos com relação ao


desemprego em países selecionados. Uma das informações relevantes refere que
entre 1991 e 2000 a maioria dos indicadores revela aumento do desemprego, seja
em países mais ricos ou nos mais pobres. Nos anos seguintes é possível perceber
os países que foram mais ou menos atingidos pela crise financeira de 2008,
impactando no aumento do nível de desemprego. Destaque para a Espanha, com
maior índice de desemprego em 2013, 26,6%.

158
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

TABELA 2 - TAXA DE DESEMPREGO EM PAÍSES SELECIONADOS (% DO TOTAL DA FORÇA DE


TRABALHO)
País / Região 1991 1995 2000 2005 2010 2011 2012 2013
Argentina 5,8 18,8 15,0 10,6 7,7 7,2 7,2 7,5
Austrália 9,6 8,5 6,3 5,0 5,2 5,1 5,2 5,7
Bolívia 2,9 5,0 4,8 5,4 3,3 2,7 2,7 2,6
Brasil 6,9 6,0 9,5 9,3 7,9 6,7 6,1 5,9
Canadá 10,3 9,5 6,8 6,7 8,0 7,4 7,2 7,1
Chile 8,2 7,3 9,2 8,0 8,1 7,1 6,4 6,0
China 4,9 4,5 4,5 4,1 4,2 4,3 4,5 4,6
Alemanha 5,6 8,1 7,7 11,1 7,1 5,9 5,4 5,3
Leste Asiático & Pacífico 4,7 4,2 4,7 4,7 4,4 4,3 4,4 4,5
Europa & Ásia Central 9,4 10,0 9,7 8,8 9,3 9,0 9,3 9,6
Espanha 16,4 23,1 14,2 9,3 20,2 21,7 25,2 26,6
União Europeia 8,8 10,8 9,2 8,9 9,6 9,6 10,5 10,9
França 9,1 11,8 10,2 8,9 9,3 9,2 9,9 10,4
Reino Unido 8,5 8,7 5,6 4,8 7,9 7,8 8,0 7,5
Japão 2,1 3,2 4,8 4,4 5,0 4,5 4,3 4,0
América Latina & Caribe 6,9 8,1 8,8 8,0 7,3 6,7 6,3 6,2
Federação Russa 12,2 9,4 10,6 7,1 7,3 6,5 5,5 5,6
Uruguai 7,6 10,4 10,3 9,0 7,2 6,3 6,5 6,6
Estados Unidos 6,9 5,7 4,1 5,2 9,7 9,0 8,2 7,4
FONTE: Banco Mundial

DICAS

Assista ao videoentrevista com o prof. Ricardo Antunes, da Unicamp. Por meio


desse material é possível entender o perfil da classe trabalhadora no Brasil. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pcY8bXrxslg> (Quem é a classe trabalhadora no Brasil?
Em três blocos).

Outros indicadores permitem perceber que a precarização das relações


de trabalho trouxe de volta formas de exploração próprias do passado, tais
como aumento das jornadas de trabalho, trabalho infantil, salários diferenciados
entre homens e mulheres, trabalho semiescravo. O Quadro 10, a seguir, mostra,
por exemplo, os dados relativos aos grupos ocupacionais e aos estratos sociais
ocupados pelos trabalhadores no Brasil, para o ano de 2007 e, ainda, a posição
ocupada pelas mulheres.

159
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

QUADRO 10 - GRUPOS OCUPACIONAIS E ESTRATOS


SOCIAIS OCUPADOS POR MULHERES, BRASIL, 2007
Grupo ocupacional Estrato social % mulheres
1,2,3 26,0
Empregadores 4,5 33,1
Total 26,5
1,2,3 44,5
Colarinhos-brancos 4,5 58,8
Total 49,1
1,2,3 23,3
Trabalhadores não agrícolas 4,5 52,1
Total 41,0
1,2,3 8,60
Trabalhadores agrícolas 4,5 12,9
Total 12,0
1,2,3 54,5
Não remunerados
4,5 59,8
não agrícolas
Total 59,5
1,2,3 60,1
Não remunerados agrícolas 4,5 57,7
Total 57,8
1,2,3 33,8
Total 4,5 49,5
Total 42,3
FONTE: Adaptado de Quadros; Maia (2010)

Os Estratos sociais referem-se à renda total dos indivíduos: 1, 2 e 3 são


relativos aos salários acima de R$ 500,00; os estratos 4 e 5, abaixo de R$ 500,00.
Desta forma, é possível perceber, primeiramente, que, no geral, as mulheres
estão presentes em apenas 33,8% dos estratos que recebem maior remuneração.
Ao focarmos nos dados sobre a classe dos empregadores, vê-se que apenas 26,5%
destes postos de trabalho são ocupados por mulheres. E, ainda, a maioria delas
(33,1%) encontra-se no estrato social que recebe menor remuneração. No estrato
social com maior remuneração, apenas 26% dos postos de trabalho são ocupados
por mulheres.

Existem dois grupos ocupacionais em que as mulheres são predominantes:


justamente os dois grupos não remunerados não agrícolas (59,5% são mulheres)
e agrícolas (57,7% são mulheres). Ademais, em todos os grupos ocupacionais da
pesquisa as mulheres estão mais presentes naqueles estratos sociais com menor
remuneração. Portanto, estes dados buscam ilustrar parte da realidade das relações
de trabalho em pleno século XXI.

160
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

DICAS

Para entender ainda mais sobre o processo de reestruturação produtiva e o


mundo do trabalho no Brasil, não deixe de ler o artigo do prof. Ricardo Antunes, da Unicamp, “A
nova morfologia do trabalho no Brasil. Reestruturação e precariedade”, publicado em 2012, na
Revista Nueva Sociedad. Disponível em: <http://www.nuso.org/upload/articulos/3859_1.pdf>.

3 NEOLIBERALISMO
Vimos que na terceira fase do desenvolvimento do capitalismo, a etapa do
capitalismo contemporâneo, também conhecida por globalização, houve diversas
mudanças relativas ao mundo do trabalho: a dinâmica denominada reestruturação
produtiva. Tais alterações são fruto de uma forma específica de orientar o
desenvolvimento dos países, isto é, uma forma específica de política, chamada de
neoliberalismo.

Uma das peculiaridades do capitalismo contemporâneo é que a partir da


década de 1980, aquelas garantias sociais e de trabalho conquistadas anteriormente
estão, pouco a pouco, sendo destruídas pelas políticas neoliberais. A desmontagem
total ou parcial dos diversos tipos de Estado de Bem-Estar Social é o exemplo
emblemático da estratégia neoliberal na atualidade. Por meio de políticas
tipicamente neoliberais prioriza-se a supressão de direitos sociais conquistados
arduamente, os quais, pela perspectiva neoliberal, tratam-se de privilégios dos
trabalhadores (e não direitos), e liquida-se com as garantias ao trabalho em nome
da flexibilização das relações de trabalho.

O que se pode denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção


de homem (considerado atomisticamente como possessivo, competitivo
e calculista), uma concepção de sociedade (tomada como um agregado
fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados)
fundada na ideia da natural e necessária desigualdade entre os homens
e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de
mercado) (NETTO; BRAZ, 2006, p. 226, grifos do autor).

A ideologia neoliberal tem papel de legitimar o projeto de romper com as


restrições e regulamentações sociopolíticas que limitam a liberdade de movimento
das forças do mercado. Ou seja, o objetivo de orientar o desenvolvimento por
meio de políticas neoliberais está na inteira desregulamentação das atividades
econômicas para que se obtenha um máximo de liberdade nas relações econômicas.

Uma primeira frente do projeto neoliberal diz respeito à intervenção


do Estado na economia. Aí, o Estado é visto como um empecilho para o
desenvolvimento das forças produtivas, que deve ser reformado urgentemente.
Contudo, esta reforma trata-se, na verdade, de uma contrarreforma, ou seja, trata-
se da supressão da participação e intervenção do Estado na economia e da redução
de direitos e garantias sociais.
161
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Mas, é importante salientar: uma economia, mesmo que voltada somente


para o crescimento econômico, não pode funcionar sem a intervenção estatal.
Desta forma, o Estado não deixa de existir, nem mesmo deixa de intervir nas
relações econômicas e sociais, mas recebe novos papéis, tais como: proteção dos
mercados consumidores, garantia de acesso privilegiado a contratos públicos em
setores estratégicos de alta tecnologia, oferta de incentivos fiscais e investimentos
em ciência e tecnologia.

Na Tabela 3, a seguir, é possível perceber os dispêndios realizados com


investimento em ciência e tecnologia pelo Governo Federal do Brasil entre 2000
e 2010. Tanto os dados da esfera federal quanto os da esfera estadual apresentam
constantemente crescimento ao longo dos anos. Os resultados, portanto, dão ideia
das novas formas apresentadas pelas políticas de desenvolvimento implementadas
pelo Estado brasileiro, os quais podem ser aplicados e dizem respeito à realidade
de diversos outros países.

TABELA 3 - INVESTIMENTOS EM C&T NO BRASIL (EM MILHÕES CORRENTES)


Públicos
Ano
Federais Estaduais Total
2000 5.795,4 2.854,3 8.649,7
2001 6.266,0 3.287,1 9.553,1
2002 6.522,1 3.473,3 9.995,4
2003 7.392,5 3.705,7 11.098,2
2004 8.688,2 3.900,5 12.588,6
2005 9.570,1 4.027,3 13.597,4
2006 11.476,6 4.282,1 15.758,6
2007 14.083,5 5.687,4 19.770,9
2008 15.974,5 7.138,0 23.112,5
2009 18.475,2 8.424,8 26.900,0
2010 22.577,0 10.201,8 32.778,7
FONTE: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Aliado a este processo de desregulamentação das relações de trabalho (a já


referida flexibilização), outra reforma importante no que diz respeito à atuação do
Estado na economia foi o processo de privatização, pelo qual o Estado repassa ao
campo privado setores que anteriormente eram de administração pública. Desta
forma, torna-se possível a exploração privada e lucrativa de complexos industriais
inteiros, como a siderurgia, a indústria naval e automotiva, também a indústria
petroquímica, além de serviços de grande importância, relativos à distribuição de
energia, transportes, telecomunicações, saneamento básico, bancos e seguros.

162
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

NOTA

O movimento de privatização de setores públicos é uma característica principal


do capitalismo contemporâneo e das políticas neoliberais de condução da economia.

A transferência da administração pública para a privada também significou


uma profunda desnacionalização da economia, isto é, setores nacionais na
economia passaram a ser operados e controlados por empresas estrangeiras. Pois,
uma vez que certa empresa que assume, por exemplo, a administração de uma
empresa siderúrgica estatal no Brasil, aquela empresa pode não possuir sede no
país. Na Tabela 4, a seguir, encontra-se o número de empresas desnacionalizadas,
isto é, a quantidade de empresas nacionais adquiridas por empresas estrangeiras
entre 2004 e 2012, e a variação percentual entre um ano e outro.

TABELA 4 - EMPRESAS DESNACIONALIZADAS, BRASIL, 2004-2012


Quantidade de empresas
Ano Variação (%)
desnacionalizadas
2004 69 -
2005 89 28,99
2006 115 29,21
2007 143 24,35
2008 110 -23,08
2009 91 -17,27
2010 175 92,31
2011 208 18,86
2012 296 42,31
FONTE: Adaptado de Lopes (2013)

Durante toda a série somam-se 1.296 empresas nacionais que passaram


para o controle estrangeiro, com significativo aumento a cada ano; o último
período, 2012, se revela com maior número de desnacionalizações, 296, contra as 69
observadas em 2004. Apenas nos anos de 2008 e 2009 não se observou crescimento
deste indicador (claros indícios da crise financeira de 2008). Contudo, no ano
subsequente, em 2010, o crescimento foi de 92,31%, o mais alto registrado.

Algumas consequências do movimento de desnacionalização da economia:

• Aumento das remessas de lucros para fora do país: entre 2004 e 2011, as remessas
totais para o exterior elevaram-se 238,4%.
• Aumento das importações: entre 2004 e 2011 houve aumento de 260% do total
das importações, passou de US$ 62,835 bilhões para US$ 226,233 bilhões.
Este dado revela que as multinacionais importam grande quantidade de bens

163
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

intermediários para a produção de bens finais, enfraquecendo a dinâmica


interna da economia; ou importam os próprios bens finais produzidos nas
matrizes estrangeiras utilizando as filiais somente para venda final.
• Estagnação tecnológica: pois, as inovações tecnológicas (ou o investimentos em
pesquisa e desenvolvimento) são realizadas no interior das matrizes estrangeiras
e não em suas filiais em outros países, gerando um atraso competitivo para
a economia interna e, consequentemente, uma estagnação do crescimento
econômico.

FONTE: Lopes (2013)

Com relação à última consequência da desnacionalização da economia


brasileira, o indicador de registro de patentes junto ao United States Patent and
Trademark Office (USPTO) contribui no esclarecimento do grau de inovação
tecnológica nos diferentes países. No Brasil, o número de patentes concedidas
(inovações tecnológicas) cresceu 6,3% entre 1981 e 2009, contudo, considerando
números bem baixos na década de 1980, o Brasil, em comparação com outros
países, não tem motivos para comemorar. Em 2009, por exemplo, os Estados
Unidos registraram 82 mil patentes; o Japão, mais de 35 mil; a Coreia do Sul,
8.762; e o Brasil, apenas 103 patentes (THEIS, 2014). Embora o investimento em
ciência e tecnologia esteja crescendo constantemente (como se viu), poucas são
empresas nacionais que decidem inovar, e este cenário é agravado pela referida
desnacionalização propiciada pelo neoliberalismo.

DICAS

Para saber mais sobre a história das privatizações e consequente desnacionalização


no Brasil, assista ao documentário “Privatizações: a distopia do capital”, dirigido por Silvio
Tendler, em 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=A8As8mFaRGU>.

4 FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITAL
Caro(a) aluno(a), primeiramente, cabe lembrar, rapidamente, do que vimos
até este momento no Tópico 2. Para compreendermos a formação da sociedade
contemporânea, o desenvolvimento do capitalismo foi dividido em três grandes
etapas:

1) O liberalismo econômico, que tem auge durante o século XIX com a crença no
livre mercado como melhor ajuste da economia, e perdura até a década de 1930,
cujo fim é demarcado pela crise econômica de 1929.
2) A partir daí surge uma segunda etapa, cuja intervenção do Estado nas relações
econômicas e sociais é fundamental para seu entendimento; este período se
alonga desde 1930 até o início da década de 1980. É o período no qual muitos
países implementam políticas específicas para orientar o desenvolvimento.
164
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

3) Por fim, viu-se uma última etapa, do capitalismo contemporâneo, que se


estende desde 1980 até os dias de hoje, a qual é reconhecida na mídia em geral
por globalização.

Em nossos estudos vimos, também, que o capitalismo contemporâneo (a


globalização) representa a restauração do capital, por motivo da profunda crise
econômica em que se encontrava. No Brasil, por exemplo, os índices de inflação
foram os mais altos da história durante este período. Mas, ainda, é importante não
perder de vista que a restauração do capital pode ser entendida por meio do tripé:
reestruturação produtiva – neoliberalismo – financeirização do capital.

O item que será visto a partir de agora tratará da última parte deste tripé:
a financeirização do capital. A Figura 32 ilustra a organização da dinâmica da
restauração do capital.

FIGURA 32 - TRIPÉ DO PROCESSO DE RESTAURAÇÃO DO CAPITAL

FONTE: O autor

A possibilidade dos fluxos econômicos alcançarem um nível de circulação


mundial sempre foi uma marca do capitalismo, ampliada ainda mais no
capitalismo contemporâneo. Contudo, existem particularidades no atual estágio
de desenvolvimento do capitalismo que vão além de sua grande expansão.
Antes de estudarmos, de fato, a financeirização do capitalismo, vejamos outras
características do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo.

Um primeiro elemento diz respeito à forma das transações econômicas


mundiais. As interações comerciais intensificaram-se especialmente entre os
países mais ricos (centrais). Estas transações tornaram-se muito mais importantes
e significativas do que aquelas entre os países centrais e periféricos (pobres). A
chamada Tríade (Estados Unidos, União Europeia e Japão) realiza entre si a maior
parte das transações econômicas e comerciais mundiais, as quais são operadas por
grandes monopólios e processadas nas matrizes e filiais.

Outro fator diferencial das relações econômicas mundiais do capitalismo


contemporâneo é a estruturação de blocos supranacionais que passam a constituir
espaços geoeconômicos regionais, com normas próprias para suas transações e

165
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

promovendo a integração de investimentos e mercados, os quais favorecerão,


fundamentalmente, os grandes monopólios que passaram a comandar estes
processos (NETTO; BRAZ, 2006).

NOTA

Blocos supranacionais são acordos econômicos e comerciais realizados entre um


grupo específico de países e/ou regiões. Os blocos podem ser classificados em: zona de livre
comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica ou monetária.

Vejamos a formação de alguns destes blocos.

• União Europeia: tem origem na Comunidade Econômica Europeia, formada na


década de 1950, sendo instituída com o atual nome em 1993. Possui 28 países-
membros independentes. O objetivo é assegurar trânsito livre para pessoas,
bens, serviços e comércio.

FIGURA 33 - PAÍSES MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:UE-EU-ISO_3166-1.


png>. Acesso em: 23 jan. 2015.

166
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

• NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio): envolve México, Estados


Unidos e Canadá, tendo o Chile como associado. O objetivo é garantir livre
comércio entre os três países, com custo reduzido para troca de mercadorias. O
NAFTA entrou em vigor a partir de 1994. (NAFTANOW, 2015).
• ALADI (Associação Latino-Americana de Integração): procura contribuir para
a integração latino-americana garantindo seu desenvolvimento econômico e
social. Atualmente, é o maior bloco supranacional na América Latina, fundado
em 1980, com 13 países-membros. (ALADI, 2015).
• APEC (Cooperação Econômica Ásia Pacífico): inclui países da área do Pacífico,
Ásia e Oceania, e ainda os Estados Unidos e o Chile, totalizando 21 membros.
O objetivo é promover o livre comércio e a cooperação econômica em toda a
região. O fórum foi criado em 1989 justamente para fortalecer a competição
num cenário em que se estabeleciam blocos supranacionais em outras partes
do mundo. Um dos temores era de que o Japão passasse a dominar a atividade
econômica da região. (APEC, 2015).
• Mercosul (Mercado Comum do Sul): formado por cinco países da América
do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela). Trata-se de uma
união aduaneira que garante livre comércio e política comercial comum, cujas
discussões iniciaram na década de 1960. Sua fundação data do ano de 1991.
(MERCOSUL, 2015).

FIGURA 34 - PAÍSES MEMBROS DO MERCOSUL

FONTE: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/


File:MERCOSUR_(orthographic_projection).svg>. Acesso em: 26
jan. 2015.

167
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Contudo, como já sinalizado na abertura deste item, uma das


transformações mais importantes no capitalismo contemporâneo (a terceira etapa
do desenvolvimento do capitalismo) consiste na financeirização do capital. Mas,
do que se trata, afinal?

Primeiramente, há de se entender que este processo é propiciado


fundamentalmente pelo avanço dos recursos informacionais, os quais garantem
comunicações instantâneas entre os agentes econômicos do mundo. Mais ainda,
seu suporte está na gigantesca concentração do sistema bancário e financeiro. Esta
concentração acompanhou o movimento mais geral da economia, contudo, teve
efeitos específicos devido à amplitude que atingiram as atividades exclusivamente
especulativas.

Um indicador da concentração bancária mostra que ao final do século


XX, menos de 300 bancos controlavam a totalidade das finanças internacionais.
Esta concentração, que opera em nível internacional, também se mostra evidente
no interior dos países: no final do século XX, 25 bancos dos Estados Unidos
concentravam 85% dos depósitos norte-americanos, e apenas três bancos japoneses
concentravam todos os depósitos japoneses (NETTO; BRAZ, 2006).

O desenvolvimento do próprio sistema capitalista depende tanto do capital


real quanto do capital fictício. Entretanto, o elemento principal da financeirização
do capitalismo é o aumento brutal do capital fictício, isto é, as ações, as obrigações,
os certificados e os outros títulos que são negociáveis, mas não possuem valores
em si mesmos, apenas representam um título de propriedade, que dá direito a um
rendimento e são conversíveis em dinheiro. O que se percebeu mais recentemente
é o crescimento de um segmento de pessoas que passaram a viver somente desse
capital fictício, os rentistas. Ou seja, formou-se uma grande massa de dinheiro que
não é reinvestida no setor produtivo, tendo caráter meramente especulativo, que,
por sua vez, não guarda correspondência com a massa de valores reais.

NOTA

Capital real é o valor criado no âmbito da esfera da produção. Já o capital fictício é


oriundo dos rendimentos a partir de juros ou o direito a um fluxo de renda futuro.

A financeirização do capitalismo contemporâneo deve-se a que as


transações financeiras (isto é: as operações situadas na esfera da
circulação) tornaram-se sob todos os sentidos hipertrofiadas e desproporcionais
em relação à produção real de valores – tornaram-se dominantemente
especulativas (NETTO; BRAZ, 2006, p. 232, grifos do autor).

O Gráfico 1 contextualiza estas informações em termos históricos,


apresentando a evolução do Produto Interno Bruto [PIB] (capital real) e dos ativos

168
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

financeiros das famílias americanas (capital fictício), entre 1946 e 2012. É nítido
que a riqueza financeira, que era colada com o movimento do PIB nas décadas
seguintes ao pós-guerra, passa a crescer em ritmo muito mais acelerado após a
década de 1980, justamente no período que estamos estudando relativo à etapa do
capitalismo contemporâneo.

GRÁFICO 1 - PRODUTO INTERNO BRUTO E RIQUEZA FINANCEIRA, ESTADOS UNIDOS, 1946-2012

FONTE: Rossi (2014)

Enquanto as cifras do comércio são da ordem de US$ 18 bilhões por ano,


a riqueza relativa ao capital fictício ultrapassa o nível de US$ 60 bilhões por ano.

Os rentistas, que são possuidores de capitais fictícios, buscam extrair ganhos


sobre valores frequentemente imaginários, pois os papéis financeiros são garantias
futuras de rendimento que, às vezes, deixam de possuir tal garantia de retorno
dos investimentos. Contudo, apenas se descobre isso quando, durante as crises do
mercado financeiro, um título que tinha valor cotado, por exemplo, em R$ 100,00,
passa a valer, no dia seguinte, apenas R$ 50,00 ou, ainda, fica sem valor algum.
Entretanto, entre uma crise e outra, tais “bolhas financeiras” estouram, derivando
crises reais, tais como a do México, em 1995, da Ásia, em 1997, da Rússia, em
1999, da Argentina, em 2001, e, mais recentemente, dos Estados Unidos, em 2008
(NETTO; BRAZ, 2006).

Sobretudo devido à forte integração e dependência dos mercados


internacionais, as consequências das crises econômicas e financeiras, como
o aumento crescente do desemprego, atingem países da periferia do sistema
capitalista, mas também os países do centro da organização capitalista de produção.

169
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

FIGURA 35 - PROTESTO NA ESPANHA POR CONSEQUÊNCIA DA CRISE NORTE-


AMERICANA

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-lx3YDR4uUQE/TkM0TKxMlSI/


AAAAAAAACgQ/vi7Yy4zlxGE/s1600/2+indignados.jpg>. Acesso em: 26 jan.
2015.

DICAS

Para ampliar o debate em torno dos movimentos populares que tomaram as


ruas do mundo mais recentemente, não deixe de ler a coletânea organizada pela Boitempo
Editorial, denominada “Occupy”, publicada em 2012. Conta com textos de David Harvey, Slavoj
Žižek e Emir Sader.

Portanto, foi possível perceber, ao longo do Tópico 1, que o processo de


restauração do capital após a década de 1980, também chamada de globalização,
trouxe uma dinâmica totalmente nova ao cenário do desenvolvimento do
capitalismo. Daí advém a necessidade de distinguirmos uma terceira etapa da
organização das sociedades, a do capitalismo contemporâneo.

DICAS

Um documentário importantíssimo para compreender a dinâmica da globalização


chama-se “O mundo global visto do lado de cá”, dirigido, em 2006, por Silvio Tendler. Nele
encontram-se entrevistas com o geógrafo brasileiro Milton Santos. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM>.

170
TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO

O “mundo novo” do capitalismo contemporâneo, entre o final do século


XX e início do século XXI, é muito diferente daquele que surgia em 1930, no qual
o Estado intervia diretamente nas relações econômicas e sociais. Primeiramente,
é possível perceber um mercado renovado por produtos totalmente novos;
desenvolvidos e fabricados a partir do zero, basta pensar em todos os eletrônicos
da década de 1990 e anos 2000.

Além do turbilhão de novidades, alteraram-se as formas de realização do


comércio, a partir dos grandes shopping centers e de toda lógica comercial virtual
por meio da internet. O fetiche pelos automóveis foi rapidamente transfigurado na
cultura de consumo pelos eletrônicos. Atualmente, mais do que em outras etapas do
desenvolvimento do capitalismo, tudo é efetivamente passível de ser transacionado
como um produto mercantil. Isto é, tudo pode tornar-se uma mercadoria: desde
serviços, por exemplo, de cuidados aos idosos, passeio e recreação diária com
animais domésticos e, até mesmo, de acompanhantes sexuais.

FIGURA 36 - PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO INTENSIVA DURANTE A GLOBALIZAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-0-LvUiGGIgQ/UeWEVpj5v3I/


AAAAAAAAAEo/lvkwEGQBg5I/s1600/mundo.jpg>. Acesso em: 26 jan. 2015.

A velocidade acelerada pela qual circulam mercadorias e pessoas também


permite que informações, imagens, sons e toda uma simbologia girem rapidamente
pela Terra. “Os recursos informacionais estimulam a constituição de referências
culturais comuns, desterritorializadas, e novas modalidades de interação social,
que se operam no plano da virtualidade, alteram relações e valores [...]”. (NETTO;
BRAZ, 2006, p. 236).

Um elemento importante no aumento da velocidade de circulação de


mercadorias e pessoas está na evolução dos meios de transporte como superação
das barreiras e fronteiras que se colocam na expansão do desenvolvimento do
capitalismo contemporâneo. O movimento do capitalismo busca constantemente
expandir-se para novos espaços geográficos. Esta dinâmica resulta numa nova
percepção sobre o espaço e o tempo, pois, com a redução do tempo de circulação
dos capitais (devido à evolução dos transportes e comunicações), aumenta-se a

171
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

velocidade desta circulação. E, aumentando a velocidade da circulação, o espaço


geográfico tende a contrair-se, como se o “espaço fosse anulado ou aniquilado pelo
tempo”. (HARVEY, 2005).

O geógrafo inglês David Harvey recupera um exato extrato onde Karl


Marx explica esta ideia (MARX, 1973, p. 538 apud HARVEY, 2005, p. 50-51): “até a
distância espacial se contrai em relação ao tempo: o importante não é a distância do
mercado no espaço, mas a velocidade [...] pela qual o mesmo pode ser alcançado”.

Ademais, outros resultados podem ser extraídos da dinâmica propiciada


pelo capitalismo contemporâneo: a criação do maior contingente histórico de
desempregados, subempregados e empregados precarizados; a restauração de
formas arcaicas de exploração da força de trabalho de homens, mulheres e crianças,
a partir de jornadas de trabalho exaustivas que o próprio desenvolvimento do
capitalismo havia superado.

Neste período houve, também, a criação de certo mito relacionado à


sociedade de consumo, no qual o “cidadão consumidor” passa ao centro das atenções
das empresas: equívoco, porém, proporcionado pelos canais de publicidade, uma
vez que milhões de pessoas vivem em condições sub-humanas, cujas rendas sequer
custeiam o alimento necessário para um dia, quiçá fosse suficiente para a aquisição
de outros bens de consumo (NETTO; BRAZ, 2006).

Sobretudo, o processo de restauração do capitalismo aqui estudado


resultou na retomada das taxas de lucro observadas entre as décadas de 1950 e 1970.
Contudo, as taxas de crescimento econômico permaneceram baixas, revelando
constante concentração de renda no interior dos países. As crises, tipicamente
financeiras, tornaram-se frequentes. Como resultado: a distância entre os pobres e
os ricos é constantemente alargada entre os países do mundo e, ainda, dentro dos
países ricos esta diferença também persiste; se percebe a ascensão do racismo e
da xenofobia provocada, entre outros motivos, pela individualidade e competição
dos sujeitos; e o agravamento da crise ecológica do planeta. Questões que parecem
distantes de serem resolvidas nos marcos do desenvolvimento do capitalismo
contemporâneo (NETTO; BRAZ, 2006).

Entretanto, ao exacerbar todas as contradições do capitalismo, a globalização


também criou ferramentas e condições necessárias para repensarmos a forma de
organização atual da sociedade. As revoluções técnicas e científicas que originaram,
principalmente, novos mecanismos de comunicação e participação da sociedade,
iluminam novos cenários para um desenvolvimento mais humano, justo e democrático.

TUROS
ESTUDOS FU

No Tópico 3 trataremos especificamente dos aspectos desafiadores do


desenvolvimento do capitalismo contemporâneo.

172
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você aprendeu que:

• O desenvolvimento do capitalismo compreende uma etapa do liberalismo


econômico, outra do capitalismo “organizado”, e, uma última, referente ao
período mais recente, a globalização.

• A fase da globalização pode ser entendida pelas dinâmicas da reestruturação


produtiva, no neoliberalismo e da financeirização do capital.

• A reestruturação produtiva resultou numa intensa desconcentração industrial


da produção pelo mundo.

• O neoliberalismo diz respeito às políticas de condução das relações econômicas


que são específicas do período da globalização.

• A financeirização do capital trata-se do desproporcional aumento do capital


fictício frente ao capital real.

173
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 Em quais etapas podemos dividir o desenvolvimento do sistema capitalista,


e a quais períodos se referem?

2 Quais dinâmicas permitem compreender o processo de globalização (ou de


restauração do capital)?

3 Após a década de 1980 há o predomínio de políticas neoliberais para conduzir


o desenvolvimento dos países. Cite, pelo menos, três alterações que podem
ser percebidas nas relações de trabalho devido a esta dinâmica.

4 Marque com X somente a(s) resposta(s) correta(s) sobre o neoliberalismo e a


globalização:

a) ( ) O Estado passa a atuar de maneira diferenciada garantindo, por exemplo,


apoio e incentivos fiscais, e constante investimento em Ciência, Tecnologia
e Inovação.
b) ( ) Há uma alteração na regulamentação das relações econômicas e sociais
gerando fortes reflexos no mercado de trabalho.
c) ( ) Criam-se os Estados de Bem-Estar Social, privilegiando direitos sociais e
trabalhistas.

5 O movimento de restauração do capital que se intensifica após a década


de 1980 gerou, entre outros, um processo de reestruturação produtiva, que
tem efeitos perceptíveis no nosso dia a dia. O que podemos entender por
desconcentração industrial da produção de produtos?

6 Marque V para as questões verdadeiras e F para as falsas:

a) ( ) A financeirização do capital, propiciada pelo avanço dos recursos


informacionais, diz respeito à concentração do sistema bancário e financeiro.
b) ( ) O processo conhecido como financeirização do capital refere-se à
intensificação e à concentração dos fluxos econômicos mundiais, contudo,
a formação de blocos supranacionais (como a União Europeia e o Mercosul)
pouco contribuíram para esta dinâmica.
c) ( ) O fato dos capitais fictícios (os títulos públicos, as ações....) terem ganhado
proporção muito maior em relação ao capital real (as compras, os produtos...)
não interferiu na dinâmica da financeirização do capital.

174
UNIDADE 3
TÓPICO 3

ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES


CONTEMPORÂNEAS

1 INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), ao longo do terceiro, e último, tópico da Unidade 3
deste Caderno procurar-se-á discutir aspectos e problemáticas desafiadoras que
atravessam as sociedades na entrada do século XXI.

Num primeiro momento veremos as relações de trabalho e sua manifestação


entre as diferentes raças. Será que pessoas de cor branca recebem mais que pessoas
de outras raças? Como esta dinâmica se apresenta para o caso brasileiro?

O terceiro item irá tratar sobre a temática da violência presente na sociedade


brasileira, com especial atenção ao caso dos jovens. Assim, veremos as taxas de
mortalidade causadas por eventos violentos em cada grupo de idade ao longo
dos anos. Além disso, procuraremos observar esta situação nas diferentes regiões
brasileiras e, também, nas diferentes raças da população. Será que notaremos
desigualdades?

Por fim, dar-se-á ênfase ao desafio contemporâneo referente à justiça


socioambiental existente no território nacional, com auxílio do “Mapa de conflitos
envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil”. Aí será possível verificar o
número de conflitos socioambientais nas áreas urbanas e rurais, de diferentes tipos
e em diferentes estados e regiões do Brasil.

2 RELAÇÕES DE TRABALHO ENTRE RAÇAS


O tema do racismo no Brasil e no mundo é discutido há tempos, por
meio de diversas políticas implementadas e em processo de implementação, em
pesquisas e artigos especializados. Sua atualidade pode ser percebida através dos
dados estatísticos relativos às ocupações trabalhistas e à estratificação dos salários
entre diferentes raças. No capitalismo contemporâneo, a ocupação dos indivíduos
em diferentes cargos passou a relacionar-se com o prestígio das relações sociais
proporcionado pela posição ocupacional, ou seja, a posição ocupacional está ligada
à maneira de vestir-se, aos relacionamentos com autoridades e chefias, e ainda,
com a diversidade de raças presentes nas sociedades.

Um elemento importante quando se analisa a estrutura ocupacional dos


indivíduos nos dias de hoje, seja no Brasil ou no mundo, é a formação de uma classe
média de trabalhadores assalariados. Entre este grupo, destaca-se a proliferação de
175
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

novas ocupações vinculadas aos trabalhadores que atuam em escritórios, comércio


e serviços, chamados de “colarinhos-brancos”, “os novos empregados que deixam
de manipular máquinas e objetos para ‘manipular’ papéis, símbolos e pessoas
em seus demiurgos administrativos.” (QUADROS; MAIA, 2010, p. 447). Desta
forma, tornou-se mais seguro e atraente ser empregado por uma grande empresa
multinacional ao invés de arriscar-se no ambiente competitivo do capitalismo
contemporâneo com uma pequena ou média empresa própria.

Conforme visto no Tópico 2, a reestruturação produtiva a partir da década


de 1980 trouxe a racionalização das relações de trabalho e, ainda, criou novas
hierarquias entre os grupos ocupacionais, fragmentando os ramos de trabalho
paralelamente à especialização acentuada nos diversos setores econômicos entre
gerentes, especialistas e funcionários. Grandes empresas que atuam em nível
internacional procuram empregar mão de obra altamente qualificada, inclusive
importando-a de outras partes do mundo; ao mesmo tempo, se generaliza o uso de
trabalhadores temporários com pouca qualificação profissional.

Antes de analisarmos as desigualdades de raça entre os trabalhadores,


cabe apresentar a estratificação social dos salários utilizada para demonstrar qual
o nível de rendimento, em 2007, para cada cargo ocupado.

TABELA 5 - ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL DOS SALÁRIOS, BRASIL, 2007


Estrato social Renda total
Superior Acima de R$ 2.965,00
Médio Entre R$ 1.482,00 e R$ 2.865,00
Baixo Entre R$ 593,00 e R$ 1.482,00
Inferior Entre R$ 296,00 e R$ 593,00
Ínfimo Abaixo de R$ 296,00
FONTE: Adaptado de Quadros; Maia (2010, p. 453)

Os resultados para o caso brasileiro mostram que nos dois primeiros


grupos, Superior e Médio, estão os Empregadores, aqueles que empregaram
assalariados nos setores agrícolas e não agrícolas. Os referidos colarinhos-
brancos, autônomos e assalariados, possuem rendimentos representados pelos
três primeiros estratos, Superior, Médio e Baixo. Por sua vez, os trabalhadores não
agrícolas, autônomos, assalariados e domésticos (que se referem às ocupações não
agrícolas, como operários da construção civil, ajudantes em obras e vinculados ao
serviço doméstico) estão presentes nos estratos de rendimento Baixo e Inferior.
Pessoas pobres e miseráveis convergem aos dois últimos estratos sociais, Inferior
e Ínfimo, enquanto os trabalhadores não remunerados (agrícolas e não agrícolas)
ocupam a base da pirâmide social (QUADROS; MAIA, 2010).

Na Tabela 6, a seguir, é possível visualizar com exatidão estas informações,


nela estão contidos os grupos ocupacionais de trabalhadores, bem como o
rendimento para o ano de 2007 no Brasil. No grupo dos Empregadores, que
representa apenas 5% da população ocupada (3,4 milhões de pessoas), estão

176
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

os trabalhadores com maiores rendimentos, ou seja, 35,5% dos Empregadores


possuem salários acima de R$ 2.965,00. Enquanto, entre a maioria dos ocupados
(42% da população ocupada brasileira ou 38 milhões de pessoas), os Trabalhadores
não agrícolas, apenas 1,1% recebem acima de R$ 2.965,00.

O grupo dos Trabalhadores não agrícolas possui rendimentos vinculados


aos estratos de salários mais baixos. A maior parte deles, 43,8%, encontra-se no
estrato social Inferior, recebe entre R$ 296,00 e R$ 593,00. Da mesma forma os
Trabalhadores agrícolas (9% da população ocupada ou 8,5 milhões de pessoas),
pois sua maioria também se encontra no estrato social Inferior.

TABELA 6 - GRUPOS OCUPACIONAIS ENTRE OS ESTRATOS SOCIAIS, BRASIL, 2007


Estrato social (%)
Grupo ocupacional
Superior Médio Baixo Inferior Ínfimo
Empregadores 35,5 27,4 25,3 7,3 1,2
Colarinhos-brancos 10,6 16,8 37,0 27,8 5,1
Trabalhadores não agrícolas 1,1 5,1 31,7 43,8 17,1
Trabalhadores agrícolas 1,3 3,2 20,0 40,5 32,9
Não remunerados não agrícolas 1,1 1,4 3,3 6,0 88,1
Não remunerados agrícolas 0,2 0,6 3,3 18,6 77,3
FONTE: Adaptado de Quadro; Maia (2010, p. 455)

Com relação aos trabalhadores chamados colarinhos-brancos, o segundo


maior grupo, com 35% dos ocupados e 31 milhões de pessoas, percebe-se certa
equidade na distribuição nos estratos sociais, mas, ainda assim, somam 64,8% nos
estratos Baixo e Inferior, recebendo, portanto, um máximo de R$ 1.482,00.

Uma última informação proporcionada por meio dos dados da tabela


acima, no entanto a mais preocupante, refere-se aos grupos dos trabalhadores não
remunerados, que somam 9,3 milhões de pessoas. Neste grupo estão aqueles que
não recebem remuneração diretamente pelas atividades principais desenvolvidas,
mas possuem outras fontes de remuneração, tais como programas sociais de
transferência de renda. Aí, tanto nos “não remunerados não agrícolas” quanto nos
“não remunerados agrícolas”, sua maioria se concentra no estrato social Ínfimo,
com rendimentos inferiores a R$ 296,00.

Portanto, foi possível perceber uma imensa desigualdade na distribuição


dos rendimentos recebidos entre os grupos ocupacionais. Vejamos, agora, na
tabela que segue, as desigualdades sócio-ocupacionais relacionadas à raça dos
trabalhadores ocupados.

Por meio da Figura 38 é possível visualizar a quantidade de pessoas


brancas que ocupam cada um dos grupos ocupacionais, além do estrato social
de rendimentos ao qual pertencem. Primeiramente, podemos ver que as pessoas
de cor branca são maioria nos dois primeiros grupos ocupacionais: no grupo dos
Empregadores, representam 73,1%; os colarinhos-brancos, 61,9%. Isto é, são maioria

177
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

dos dois grupos que possuem maior remuneração de forma geral, conforme visto
anteriormente. Dentro destes dois grupos, as pessoas de cor branca são maioria,
também, nos estratos sociais de maior remuneração. Entre os Empregadores, 74,6%
dos que recebem mais do que R$ 593,00 são de cor branca; entre os colarinhos-
brancos, 67,7% dos que recebem mais do que R$ 593,00 são de cor branca.

Mas, então, em qual grupo ocupacional a maioria das pessoas não é branca?
Justamente naqueles grupos em que predominam rendimentos Inferior e Ínfimo,
com exceção dos “Não remunerados não agrícolas”, aí, 51,6% é de cor branca. Entre
os trabalhadores não agrícolas, 45,1% são de cor branca. Entre os trabalhadores
agrícolas, apenas 37,4% são de cor branca. E entre os não remunerados agrícolas,
40,1% são de cor branca. Contudo, no interior destes grupos que possuem menor
remuneração, os estratos sociais 1, 2, 3 (acima de R$ 593,00) sempre são ocupados
em maioria por pessoas de cor branca, nunca a maioria é ocupada por outras raças.

TABELA 7 - GRUPOS OCUPACIONAIS E ESTRATOS SOCIAIS ENTRE AS RAÇAS, BRASIL, 2007


Grupo ocupacional Estrato social Brancos (%)
1, 2, 3 74,6
Empregadores 4, 5 53,0
Total 73,1
1, 2, 3 67,7
Colarinhos-brancos 4, 5 49,8
Total 61,9
1, 2, 3 54,5
Trabalhadores não agrícolas 4, 5 39,0
Total 45,1
1, 2, 3 56,1
Trabalhadores agrícolas 4, 5 31,1
Total 37,4
1, 2, 3 74,5
Não remunerados não agrícolas 4, 5 50,1
Total 51,6
1, 2, 3 62,3
Não remunerados agrícolas 4, 5 39,2
Total 40,1
FONTE: Adaptado de Quadro; Maia (2010, p. 461)

Retornando aos dados sobre Empregadores: apenas 26,9% dos ocupados


como Empregadores são de outras raças. E apenas 25,4% dos ocupados como
Empregadores que recebem remuneração equivalente aos estratos sociais 1,
2, 3 são de outras raças. Da mesma forma os colarinhos-brancos: apenas 38,1%
dos ocupados são de outra raça. E apenas 32,3% dos que recebem remuneração
equivalente aos estratos sociais 1, 2, 3 são de outras raças.

O que podemos perceber é que a dinâmica das relações de trabalho no


capitalismo contemporâneo continua gerando um cenário de permanente

178
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

desigualdade de rendimentos entre a população brasileira, mas, além disso,


resulta na formação de desigualdades entre as posições ocupadas por pessoas
brancas e negras, portanto uma desigualdade ocupacional entre as raças e entre as
raças nos estratos sociais de rendimentos: pois existe uma desigualdade racial dos
rendimentos no Brasil.

DICAS

Os dados apresentados neste tópico também estão disponíveis de forma separada


para as grandes regiões do Brasil. O artigo completo se encontra nas referências, e pode ser
acessado em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1415-98482010000300001>.

Tais desigualdades também podem ser captadas por meio da renda média
da população, segundo o sexo e a raça da população. A seguir é possível perceber
que, em 2009, a renda média dos homens de raça branca era de R$ 1.491,00 e das
mulheres de raça branca, R$ 957,00. Já a renda média dos homens de raça negra era
de R$ 833,50; das mulheres de raça negra, ainda menor, de R$ 544,50. Isto é, fica
evidenciada a desigualdade existente quanto às relações de gênero, bem como a
desigualdade entre as relações raciais.

FIGURA 37 - RENDA MÉDIA DA POPULAÇÃO, SEGUNDO SEXO E RAÇA, BRASIL, 2009

FONTE: Ipea (2011, p. 35)

179
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

3 VIOLÊNCIA E JUVENTUDE
A temática relativa à violência e seu constante crescimento na vida
cotidiana tem ganhado grande importância na atual organização das sociedades,
especialmente nas grandes aglomerações urbanas. Desta forma, ao longo dos anos,
muitos indicadores foram sendo utilizados para avaliar o grau de violência em
diferentes lugares e de diferentes formas, tais como taxas de homicídio, conflitos
étnicos, ambientais, religiosos e raciais, índices de criminalidade, entre outros. A
própria ideia de violência vem passando por constantes reconceituações, contudo,
pode-se dizer, segundo Waiselfisz (2014), que violência guarda relação com a noção
de coerção ou força e com o dano que se produz a um indivíduo ou a um grupo de
indivíduos ao qual pertence determinada classe social de gênero ou étnica.

Por meio desta perspectiva, os dados e as informações disponibilizados


aqui procurarão traçar um panorama da violência brasileira para o período mais
recente, mas com especial atenção à juventude. Isto é, os jovens que se encontram
entre 15 e 29 anos, idade utilizada na implementação de políticas nacionais e
internacionais ligadas à juventude. Em 2011, o Brasil contava com uma população
jovem de 51,8 milhões, representando 26,9% do total da população brasileira.
Esta população já foi maior; na década de 1980, por exemplo, representavam
29% da população total, contudo, as progressivas quedas nas taxas de fertilidade
resultaram numa alteração da pirâmide etária do país.

GRÁFICO 2 - TAXA DE MORTALIDADE VIOLENTA POR IDADE, BRASIL, 2011

FONTE: Waiselfisz (2014, p. 26)

180
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

Com o fim de relacionar a violência e a idade dos indivíduos, no Gráfico 2


estão dispostas as taxas de mortalidade e sua incidência entre a idade da população,
oriundas de homicídios (linha mais escura), suicídios e relacionadas a acidentes de
trânsito (linha mais clara).

O que se percebe é que as taxas de mortalidade por motivos violentos


se acentuam justamente no início da juventude, principalmente aquelas mortes
vinculadas a homicídios e acidentes de trânsito. Os resultados mais expressivos
para estes indicadores encontram-se aos 21 anos, quase 70% dos mortos jovens
durante os 21 anos de idade está relacionada a casos de homicídio.

Historicamente, estes dados também são preocupantes. Na década de


1980, 11,7% das mortes (da população total) estavam relacionadas a homicídios,
dez anos depois, 22,2%. Nos anos 2000, o percentual cresceu para 26,7% e, em 2011,
27,1% das mortes são relacionadas a homicídios. Isto é, entre 1980 e 1990 houve um
crescimento de 90% das mortes deste tipo. Entre 1980 e 2011, o crescimento foi de
132%! (WAISELFISZ, 2014).

Agora, vejamos a comparação da evolução (entre 1980 e 2011) dos óbitos


para a população jovem (15 a 29 anos) e para a população não jovem.

QUADRO 11 - ESTRUTURA DA MORTALIDADE: TAXAS DE ÓBITOS (POR 100 MIL HABITANTES)


SEGUNDO A CAUSA, ENTRE A POPULAÇÃO NÃO JOVEM E JOVEM, BRASIL
População Não Jovem População Jovem
Transporte

Transporte
Homicídio

Homicídio
Suicídio

Suicídio

Ano

1980 16,4 2,8 8,5 18,9 4,4 19,6


1990 19,1 3,1 14,7 22,9 4,1 41,2
2000 16,3 3,8 16,7 20,3 4,5 52,3
2011 21,0 4,9 17,6 29,0 5,7 53,0
Crescimento (%)
1980-1990 16,6 9,4 74,1 21,6 -7,0 110,7
1990-2000 -14,5 23,9 13,0 -11,5 9,0 26,8
2000-2011 28,5 28,9 5,6 43,0 27,6 1,5
1980-2011 28,1 74,7 107,8 53,8 29,3 171,0
FONTE: Adaptado de Waiselfisz (2014, p. 30)

A comparação entre a população não jovem e a população jovem permite


verificar a desigualdade das mortes violentas que acometem a população. Nos três
primeiros períodos, 1980, 1990 e 2000, a proporção da população jovem que vem a
óbito é maior tanto devido a acidentes de trânsito e homicídios, apenas no caso dos
suicídios a maioria se refere à população não jovem. Novamente, cabe ressaltar os
dados sobre homicídios: em 1980 a taxa para a população não jovem era de 8,5,
enquanto na população jovem 19,6; em 1990, 14,7 para os não jovens e 41,2 para

181
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

os jovens! E, em 2010, a taxa era de 16,7 para os não jovens e 52,3 para os jovens!
Os dados para o ano de 2011 são ainda mais expressivos, em todas as causas de
mortes violentas os jovens são, proporcionalmente, mais afetados, inclusive nos
casos de suicídios.

Quanto ao crescimento das taxas de óbitos se percebe que, entre os jovens,


os aumentos são mais significantes do que nos não jovens. Entre 1980 e 1990 houve
um crescimento de 110,7% nos casos relacionados a homicídios que afetaram jovens.
Entre 1990 e 2000, 26,8% de crescimento; entre 2000 e 2011, felizmente, apenas,
1,5%. No entanto, entre 2000 e 2011, as mortes relacionadas a acidentes de trânsito
e suicídios mostraram altos níveis de crescimento, 43% e 27,6%, respectivamente.

Contudo, se compararmos a evolução entre a década de 1980 e 2011, os não


jovens aumentaram sua taxa de óbitos em 107,8%, enquanto os jovens, em 171%.
Os resultados mais expressivos para os jovens também se revelam verdadeiros
para os casos de óbitos devidos a acidentes de trânsito; 28,1% para os não jovens e
53,8% para os jovens.

GRÁFICO 3 - CAUSAS DE MORTALIDADE NA POPULAÇÃO JOVEM E NÃO JOVEM, BRASIL, 2011

FONTE: Waiselfisz (2014, p. 30)

O Gráfico 3 ilustra o panorama desigual das causas de mortes entre a


população jovem e a não jovem.

A participação da população jovem no índice de mortalidade devido


a causas externas (diferentemente das causas naturais, como a velhice) é muito
superior à da população não jovem. Enquanto quase 70% das mortes dos jovens

182
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

ocorrem devido a causas externas, apenas 8,5% das mortes dos não jovens são
oriundas de causas externas. Entre as causas externas, os dados também revelam as
mortes devido a homicídios, suicídios e acidentes de trânsito (transporte). Nos três
casos, como se viu dos dados estatísticos anteriormente, fica clara a desigualdade
na mortalidade dos jovens e dos não jovens, sugerindo quem são as maiores
vítimas da violência que acomete a sociedade brasileira.

Como se viu, embora os acidentes de trânsito tenham maior participação nas


causas de morte dos jovens, são os homicídios que registraram maior crescimento
entre a década de 1980 e o ano de 2011. A Tabela 8, a seguir, mostra as taxas de
homicídio na população entre 15 e 29 anos segundo as grandes regiões do Brasil,
entre 2001 e 2011.

TABELA 8 - TAXAS DE HOMICÍDIO (POR 100 MIL) NA POPULAÇÃO ENTRE 15 E 29 ANOS,


SEGUNDO AS GRANDES REGIÕES DO BRASIL
Região 2001 2005 2010 2011 ∆%
Norte 34,2 45,2 69,8 65,9 92,4
Nordeste 42,2 50,5 72,9 72,2 71,1
Sudeste 74,5 54,6 39,5 37,5 -49,6
Sul 31,3 41,8 47,1 44,4 41,8
Centro-Oeste 48,9 49,9 58,6 62,1 27,2
Brasil 54,0 50,5 54,5 53,0 -1,8
FONTE: Adaptado de Waiselfisz (2014)

Uma primeira visão sobre o Brasil, de forma mais ampla, revela uma
pequena queda na taxa de homicídios entre 2001 e 2011: -1,8%; a taxa manteve-se
estável ao longo dos anos. Entretanto, quando comparamos as grandes regiões
brasileiras é possível perceber uma grande desigualdade. A região Norte foi aquela
que teve maior aumento das taxas de homicídio, 92,4% entre 2001 e 2011. E, no
interior desta região, o estado que teve maior aumento foi o Pará, com 185,6% de
variação da taxa de homicídios. O Estado de Roraima foi o que teve maior redução,
-43,6%.

Por sua vez, a região Sudeste foi a única do país que reduziu sua taxa de
homicídios entre os jovens, e em quase pela metade: -49,6%. O Estado de São
Paulo, que tinha uma taxa de 86,8, em 2002, e passou para 21,9, em 2011, redução
de 74,8%, a maior redução do país. Já o Estado de Minas Gerais tinha uma taxa de
24,9 e subiu para 43,3, crescimento de 74,1%.

Na região Nordeste, o estado que registrou maior aumento da taxa foi a


Bahia, com variação de 255,9%, o maior aumento do país ao longo dos 11 anos.
Nesta região, Pernambuco foi o único estado que reduziu sua taxa de homicídios,
-33,1%.

Entre os três estados da região Sul, Paraná foi o que teve maior crescimento
da taxa, 65,6% e, Rio Grande do Sul, a menor taxa, 13,1%.

183
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

No Centro-Oeste, Goiás e Mato Grosso do Sul foram os únicos que


registraram crescimento da taxa de homicídios, mas, no primeiro, 84,0% e, no
segundo, apenas, 1,4%. Mato Grosso foi o que teve maior redução: -5,7%.

Por outro lado, se olharmos apenas o ano mais recente da pesquisa, 2011,
veremos que a região Nordeste foi a que registrou maior taxa de homicídios: 72,2.
Enquanto a menor taxa encontra-se na região Sul: 44,4. No Nordeste, a maior taxa
para 2011 esteve no Estado de Alagoas (149,9, a maior do país) e, a menor, no Piauí
(24,9). E, na região Sul, a maior taxa foi do Estado do Paraná (64,1), e, a menor, de
Santa Catarina (22,6).

Na região Norte, a maior taxa para 2011 foi registrada no Estado do Pará
(77,1), e a menor em Roraima (28,5). No Sudeste, a maior taxa foi do Estado do
Espírito Santo (105,1), e a menor, no Estado de São Paulo (21,9, a menor taxa do
país para 2011). E, no Centro-Oeste, a maior taxa de homicídios para o ano de 2011
foi do Estado de Goiás (72,0), e a menor, no Mato Grosso do Sul (45,5).

A partir do Gráfico 4 fica mais evidente a evolução destes indicadores.


No gráfico estão dispostas taxas de homicídios entre os jovens (15 a 29 anos) das
grandes regiões do Brasil, entre 2001 e 2011.

GRÁFICO 4 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE HOMICÍDIOS ENTRE JOVENS, SEGUNDO AS GRANDES


REGIÕES DO BRASIL, 2001-2011

FONTE: Adaptado de Waiselfisz (2014)

184
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

A seguir, na Tabela 9, os dados relativos às taxas de homicídios encontram-


se ordenados segundo cada estado do país, para os anos de 2001 e 2011. Alagoas,
Espírito Santo e Paraíba são os três estados que ocupam os primeiros lugares no
que diz respeito às maiores taxas de homicídios do Brasil em 2011. Em 2001, estes
três lugares eram ocupados pelos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São
Paulo.

Já os estados de São Paulo, Santa Catarina e Piauí ocupam os três últimos


lugares da lista, com as menores taxas de homicídio do Brasil em 2011. Em 2001, os
estados com menores taxas de homicídios eram Maranhão, Piauí e Santa Catarina.
Este último manteve-se entre os três estados com menores taxas de homicídios,
conseguindo reduzir uma posição no ranking entre 2001 e 2011.

TABELA 9 - ORDENAMENTO DOS ESTADOS POR TAXAS DE HOMICÍDIO ENTRE OS


JOVENS
2001 2011
Estados Taxa Posição Taxa Posição
Alagoas 57,5 7 149,9 1
Espírito Santo 86,5 4 105,1 2
Paraíba 29,4 19 88,5 3
Bahia 22,4 23 79,6 4
Pernambuco 118,3 1 79,2 5
Pará 27,0 20 77,1 6
Amazonas 32,2 17 75,8 7
Goiás 39,2 14 72,0 8
Rio Grande do Norte 19,5 24 65,9 9
Distrito Federal 66,0 6 65,9 10
Ceará 31,0 18 64,4 11
Paraná 38,7 15 64,1 12
Sergipe 55,3 10 62,0 13
Amapá 74,1 5 58,1 14
Rio de Janeiro 103,3 2 56,4 15
Mato Grosso 55,9 9 52,7 16
Mato Grosso do Sul 44,8 12 45,5 17
Minas Gerais 24,9 22 43,3 18
Maranhão 17,6 25 41,9 19
Rondônia 57,0 8 40,9 20
Tocantins 25,4 21 39,6 21
Rio Grande do Sul 33,5 16 37,9 22
Acre 41,6 13 33,4 23
Roraima 50,6 11 28,5 24
Piauí 15,9 26 24,9 25
Santa Catarina 14,0 27 22,6 26
São Paulo 86,8 3 21,9 27
FONTE: Adaptado de Waiselfisz (2014).

185
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

O que é importante nos marcos deste tópico diz respeito ao panorama da


organização das sociedades durante o estágio do capitalismo contemporâneo. A
evolução das relações econômicas e sociais a um nível internacional, propiciado pela
dinâmica da globalização (que estudamos no tópico anterior), não proporcionou
uma redução das taxas de óbitos por causas externas nos países da periferia do
sistema capitalista de produção.

O Brasil, por exemplo, ocupa a 7ª posição dos países do mundo com


maiores taxas de homicídio entre os jovens (54,5 em 2010), atrás de El Salvador,
Ilhas Virgens, Trinidad e Tobago, Venezuela, Colômbia e Guatemala. Estados
Unidos encontra-se na 41ª, com uma taxa de homicídios de 3,4 pessoas (jovens)
para cada 100 mil habitantes – muito inferior às dos países mais pobres. Alemanha
encontra-se na 84ª posição, com uma taxa de homicídios em 0,4.

DICAS

Este e outros dados sobre violência e juventude no Brasil podem ser encontrados no
“Mapa da Violência: homicídios e juventude no Brasil”, disponível em: <http://mapadaviolencia.
org.br>.

Resgatando a discussão sobre a desigualdade de rendimento entre raças,


do item anterior, e integrando-a à questão da violência, percebe-se aí, também,
que os homicídios no Brasil possuem uma raça definida. A Tabela 10 apresenta o
número de homicídios no Brasil, entre 2002 e 2010, segundo a raça da população.

TABELA 10 - NÚMERO DE HOMICÍDIOS, SEGUNDO A RAÇA DAS VÍTIMAS, BRASIL, 2002-2010


Participação (%)
Ano Branca Negra Amarela Indígena Total
Branca Negra
2002 18.867 26.952 103 75 45.997 41,0 58,6
2003 18.846 28.331 178 78 47.433 39,7 59,7
2004 17.142 27.702 139 71 45.054 38,0 61,5
2005 15.710 28.454 81 93 44.338 35,4 64,2
2006 15.753 29.925 91 125 45.894 34,3 65,2
2007 14.308 30.193 45 144 44.690 32,0 67,6
2008 14.650 32.349 74 153 47.226 31,0 68,5
2009 14.851 33.533 60 135 48.579 30,6 69,0
2010 14.047 34.983 62 111 49.203 28,5 71,1
Total 144.174 272.422 833 985 418.414 34,5 65,1
FONTE: Adaptado de Waiselfisz (2012, p. 10)

186
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

O que se constata é a grande participação da raça negra (pretos e pardos)


no total dos homicídios que acometem a população. Entre 2002 e 2010 esta
participação cresceu constantemente: em 2002, 58,6% dos homicídios tinham
como vítimas pessoas negras; em 2010, chegou a 71,1%. Enquanto o número de
homicídios a pessoas brancas se reduziu entre 2002 e 2010 em -25,55%, nas pessoas
negras aumentou 29,80%.

Da mesma forma se encontra com as pessoas negras jovens. O número


de homicídios a pessoas jovens brancas se reduziu em -33,97%, e das pessoas
jovens negras aumentou 23,36%. A participação dos jovens negros no número de
homicídios, que era, em 2002, de 62,2%, passou para 69,10%, em 2010.

4 JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL
Os temas discutidos até aqui permitiram vislumbrar alguns aspectos
desafiadores das sociedades contemporâneas. Viu-se que o cenário do mercado
de trabalho no Brasil é bastante desigual quanto à distribuição de renda, gerando
consequências às mulheres e aos negros, por exemplo. Mas, as consequências
da desigualdade do desenvolvimento também se revelam nos indicadores sobre
violência no Brasil; aí, os jovens são os mais afetados, com acentuada participação
entre as vítimas de homicídios.

Entretanto, os desafios das sociedades contemporâneas – aqui, com


especial atenção ao Brasil – podem apresentar-se, ainda, por outras formas. Uma
dessas formas é evidenciando o número de conflitos socioambientais existentes no
território nacional. Por esta perspectiva, foi criado o “Mapa de conflitos envolvendo
injustiça ambiental e saúde no Brasil”. O mapa busca organizar e socializar as
informações disponíveis sobre os conflitos existentes em áreas urbanas e rurais a
partir de denúncias da própria comunidade atingida. A partir do ano de 2006, um
projeto envolvendo a Fiocruz e a Fase, com o apoio do Departamento de Saúde
Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, procurou mapear as
principais situações discutidas em fóruns e redes de todo o Brasil. Neste contexto,
foram priorizados os casos com maior relevância socioambiental e sanitária,
procurando revelar a visão das populações atingidas por determinadas políticas,
as demandas dessas populações, suas estratégias de resistência e propostas de
encaminhamento.

São quase 300 conflitos mapeados em todos os estados do Brasil,


envolvendo diferenciadas populações, como agricultores familiares, moradores
de encostas e favelas, garimpeiros, trabalhadores da indústria, seringueiros. Os
conflitos se referem à violência por demarcação de terras indígenas, alteração do
uso e ocupação do solo, luta por direito à educação e saúde, e também exposição
a produtos químicos derivados de empresas em regiões irregulares, entre outros.

Primeiramente, cabe observar a distribuição dos conflitos entre as áreas


urbanas e rurais. O que se percebe pelo Gráfico 4 é que a maioria dos conflitos
mapeados encontra-se nas áreas rurais. Um dos motivos do predomínio dos conflitos

187
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

em áreas rurais se refere à expansão da dinâmica capitalista ocorrer pela extração


de recursos naturais e pela utilização de terras cultiváveis, caso do agronegócio,
da mineração para a produção do ferro e do aço e da bauxita-alumínio, além de
grandes empreendimentos como hidrelétricas e rodovias. Este avanço constante
para o interior das áreas rurais prejudica social e ambientalmente inúmeros grupos
populacionais, desde indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores.

Por outro lado, as lutas das comunidades em ambientes urbanos


normalmente envolvem questões ligadas à saúde, meio ambiente, moradia,
saneamento, qualidade de vida e direitos humanos, isto é, questões que ainda não
incorporaram a necessidade da garantia de justiça ambiental para o conjunto da
sociedade, gerando uma condição de injustiça socioambiental.

GRÁFICO 5 - DISTRIBUIÇÃO DOS CONFLITOS EM ÁREAS URBANAS E RURAIS

FONTE: Adaptado de Fiocruz; Fase (2006)

Da mesma forma, o Gráfico 6, a seguir, procura demonstrar a distribuição


da população atingida pelos conflitos socioambientais.

188
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

GRÁFICO 6 - PRINCIPAIS POPULAÇÕES ATINGIDAS PELOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

FONTE: Adaptado de Fiocruz; Fase (2006)

Cabe-nos olhar atentamente os dados dispostos no Gráfico 6. A maioria da


população atingida pelos conflitos socioambientais é formada por povos indígenas,
33,67% dos conflitos mapeados, seguida pelos agricultores familiares: 31,99%.
A população quilombola também possui uma participação relativa importante:
21,55% dos conflitos socioambientais mapeados atingem estas populações. Na
sequência, os mais atingidos são os pescadores artesanais (14,81%), os moradores
de entorno de aterros e/ou terrenos contaminados (13,80%) e ribeirinhos (13,47%).
Portanto, como se viu anteriormente, a população mais atingida reside na área rural,
mas, também, encontram-se muitos casos que atingem a população da área urbana,
como os operários e trabalhadores da indústria, moradores dos centros e periferias
urbanas e moradores de encostas e favelas. Além dessas populações apresentadas
no gráfico, podem ser citadas as populações extrativistas, quebradeiras de coco,
mulheres, catadores de caranguejos, entre outras, todas com menos de 2% de
ocorrências.

Os principais danos e impactos socioambientais se referem à alteração


no regime tradicional de uso e ocupação do território, são 65,66% dos impactos
causados. Estes danos, por sua vez, irão originar conflitos em diversas populações. O
segundo impacto mais importante é a poluição dos recursos hídricos, representando
45,12%, seguido da falta ou irregularidade na demarcação do território nacional
(40,07%). Estes impactos são causados pelas disputas por territórios específicos
entre populações e setores econômicos, como o agronegócio, a mineração ou obras
de infraestrutura. Ademais, cabe lembrar, ainda, das queimadas, desmatamentos
(35,35%), falta de licenciamento ambiental (24,58%), poluição do solo (38,72%)

189
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

ou atmosférica (23,91%) e as invasões ou danos a áreas protegidas e unidades de


conservação (21,55%).

Mas, neste contexto, existem ainda os danos e riscos causados à saúde,


que levam em conta, também, a qualidade de vida, a cultura e as tradições das
populações. Pois o mapa indica uma piora na qualidade de vida das pessoas
devido à incidência dos conflitos socioambientais.

O que está em jogo neste caso não é apenas evitar os prejuízos decorrentes
de certos impactos ambientais, como a poluição, mas a manutenção de
certos valores, práticas sociais e relações com a natureza que foram ou
serão perdidos diante do “progresso” econômico no aproveitamento
de recursos naturais e da disputa por território. (FIOCRUZ; FASE, 2006
s/p.).

Assim, viu-se que quase 80% dos conflitos resultam em piora da qualidade
de vida da população. Contudo, os conflitos também sujeitam populações a doenças
não transmissíveis ou crônicas, como o câncer, e doenças respiratórias decorrentes
da poluição química (40,07%), violência, ameaça (37,71%), insegurança alimentar,
devido aos impactos no ambiente de produção (30,98%) e falta de atendimento
médico (29,97%).

Neste contexto, algumas atividades são predominantes na responsabilidade


pelos conflitos socioambientais. O Gráfico 7 traz as principais atividades que
originaram os conflitos. O item que mais se destaca é a atuação de entidades
governamentais, isto porque as injustiças sociais e ambientais estão ligadas
justamente à atuação ou à deficiência de atuação do próprio poder público
(Judiciário e/ou ministérios públicos) em conduzir políticas públicas e legislação
ambiental. Assim, a “atuação de entidades governamentais” aparece como a
principal atividade responsável por causar conflitos (52,86%); a formulação
de políticas públicas e a orientação da legislação ambiental também têm uma
participação importante (18,18%); a atuação do Judiciário e/ou do Ministério
Público, 9,76% de participação.

190
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

GRÁFICO 7 - ATIVIDADES RESPONSÁVEIS PELOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

FONTE: Adaptado de Fiocruz; Fase (2006)

No entanto, um segundo grupo causador de conflitos sociais e ambientais


se refere a atividades econômicas e sua interferência nos territórios e modos de vida
das populações. Aqui, destaca-se o agronegócio, representado pela “monocultura”,
com participação de 33,67% de participação na causa dos conflitos, e também
atividades ligadas à mineração e siderurgia (16,84%), à construção de barragens
e hidrelétricas (14,81%), madeireiras (13,47%), indústria química e de petróleo ou
gás, cuja participação é de 11,78%.

O Gráfico 7 ainda revela outras atividades que contribuem para a formação


de conflitos sociais e ambientais, muitas delas ligadas à produção de energia, por
exemplo. No item “outros”, com participação relativa também relevante, 28,96%,
aparecem os setores turísticos e imobiliários, devido a constantes disputas territoriais
pela expulsão das populações que se situam nos locais de seus empreendimentos,
como a construção de “eco resorts” ou no ambiente urbano, onde os moradores
pobres são acusados pela degradação ambiental e pela violência nas cidades.

Pois bem, caro(a) aluno(a), uma vez entendidos os possíveis conflitos


sociais e ambientais existentes nas sociedades contemporâneas, vejamos como eles
distribuem-se segundo os estados brasileiros. O Quadro 12, a seguir, relaciona o
número de conflitos em cada estado e região brasileira.

191
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

QUADRO 12 - DISTRIBUIÇÃO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS, SEGUNDO ESTADOS E


REGIÕES, BRASIL
Conflitos Conflitos % por % por
Região Estado Total
principais relacionados estado região
Goiás 8 1 9 2,62
Centro- Mato Grosso 13 3 16 4,66
9,62
Oeste Mato Grosso do
6 2 8 2,33
Sul
Alagoas 9 0 9 2,62
Bahia 16 4 20 5,83
Ceará 9 3 12 3,50
Maranhão 8 3 11 3,21
Paraíba 6 4 10 2,92
Nordeste 29,45
Pernambuco 13 3 16 4,66
Piauí 4 1 5 1,46
Rio Grande do
9 0 9 2,62
Norte
Sergipe 8 1 9 2,62
Acre 8 0 8 2,33
Amapá 8 0 8 2,33
Amazonas 15 2 17 4,96
Norte Pará 10 3 13 3,79 21,28
Rondônia 9 0 9 2,62
Roraima 8 0 8 2,33
Tocantins 9 1 10 2,92
Espírito Santo 13 0 13 3,79
Minas Gerais 23 4 27 7,87
Sudeste 27,70
Rio de Janeiro 20 1 21 6,12
São Paulo 30 4 34 9,91
Paraná 15 2 17 4,96
Sul Rio Grande do Sul 10 3 13 3,79 11,95
Santa Catarina 10 1 11 3,21
Total 297 46 343 100,00 100,00
FONTE: Adaptado de Fiocruz; Fase (2006)

A região que mais concentra número de conflitos socioambientais é a região


Nordeste, com 29,45% dos casos, seguida da região Sudeste, com 27,70% e da
região Norte, com 21,28% dos casos de conflitos. As regiões que menos concentram
conflitos socioambientais mapeados pela pesquisa são a região Centro-Oeste, com
apenas 9,62% dos conflitos, e a região Sul, com 11,95%.

192
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

GRÁFICO 8 - DISTRIBUIÇÃO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NAS REGIÕES BRASILEIRAS

FONTE: Adaptado de Fiocruz; Fase (2006)

Na região Nordeste, a que concentra mais casos, o estado que se destaca é


a Bahia, com maior número de conflitos, resultando em 5,83% dos casos da região.
O estado que menos registrou casos foi o Piauí, com 1,46%. Já na região Sudeste,
o Estado de São Paulo se destaca, com 9,91% dos casos de conflitos registrados; o
Estado do Espírito Santos é o que menos possui casos, representando 3,79% dos
conflitos.

No interior da região Norte, o estado que mais possui casos de conflitos


socioambientais é o Amazonas, com 4,96%, e os estados com menos registros são
Acre, Amapá e Roraima, todos os três com 2,33% dos casos.

No Sul do país, Paraná se destaca, com 4,96% dos casos, enquanto, em


Santa Catarina, encontram-se apenas 3,21% dos casos. E, no Centro-Oeste, a região
que menos concentra conflitos, o Estado do Mato Grosso do Sul é o que registra
menos conflitos, com 2,33% dos casos nesta região. Já Mato Grosso registra 4,66%
dos conflitos socioambientais existentes no Centro-Oeste.

O estado em que existe menor quantidade de conflitos mapeados é o Piauí,


com apenas cinco conflitos (principais e relacionados), seguido de Mato Grosso do
Sul, Acre, Amapá e Roraima, todos os quatro com apenas oito casos mapeados. Por
outro lado, o estado no qual existe maior quantidade de conflitos socioambientais
é São Paulo, com 34 registros. O Estado de São Paulo é seguido por Minas Gerais,
com 27 conflitos, e a Bahia, com 20 casos registrados.

Uma das ferramentas disponibilizadas pelo “Mapa de conflitos envolvendo


injustiça ambiental e saúde no Brasil” é a possibilidade de se visualizar no mapa
do Brasil a localização exata de todos os conflitos mapeados, distribuídos entre os
municípios e estados.

193
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Na Figura 38, a seguir, encontra-se em ênfase o Estado de São Paulo, devido


à grande quantidade de conflitos observados.

FIGURA 38 - MAPA DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

FONTE: Fiocruz; Fase (2006)

DICAS

A partir do “Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil” é


possível acessar as informações para todos os estados brasileiros. Disponível em: <http://www.
conflitoambiental.icict.fiocruz.br>

194
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

LEITURA COMPLEMENTAR

Os dilemas do trabalho no limiar do século 21


Ricardo Antunes

Se há um tema que está sempre presente nos debates atuais, junto com a
destruição ambiental, esse tema é o do trabalho e seu corolário, o desemprego. Isso
porque também não há nenhum país que, em alguma medida, não esteja vivenciando
o desmoronamento do trabalho.

Em plena eclosão da mais recente crise financeira, estamos constatando


a corrosão do trabalho contratado, a erosão do emprego regulamentado, que foi
dominante no século 20 e que está sendo substituído pelas diversas formas alternativas
de trabalho e subtrabalho, de que são exemplo o “empreendedorismo”, o “trabalho
voluntário”, o “cooperativismo”, modalidades que frequentemente “substituem”
o trabalho formal, gerando novos e velhos mecanismos de intensificação e mesmo
autoexploração do trabalho.

Os modos de precarização do trabalho, o avanço tendencial da informalidade,


o desemprego dos imigrantes, tudo isso acentua o tamanho da tragédia social em
que estamos envolvidos. O emprego assalariado formal, modalidade de trabalho
dominante no capitalismo da era taylorista e fordista, que magistralmente Chaplin
satirizou em Tempos modernos, está se exaurindo e sendo substituído por formas
de trabalho que em alguns casos se assemelham às da fase que marcou o início
da Revolução Industrial. Senão, como explicar, em pleno século 21, as jornadas
de trabalho que, em São Paulo, chegam a 17 horas por dia? Tudo isso nos obriga a
refletir: que trabalho queremos, de que trabalho necessitamos?

Trabalho como atividade vital

Aqui, devemos fazer uma pequena digressão. Sabemos que o trabalho,


concebido como atividade vital, nasceu sob o signo da contradição. Desde o primeiro
momento, foi capaz de plasmar a própria sociabilidade humana, por meio da criação
de bens materiais e simbólicos socialmente vitais e necessários. Mas também trouxe
dentro dele, desde seus primeiros passos, a marca do sofrimento, da servidão e da
sujeição. Ao mesmo tempo em que expressa o momento da potência e da criação, o
trabalho também se originou nos meandros do “tripalium”, instrumento de punição
e tortura. Se era, para muitos, dotado de uma ética positiva (ver as análises de Weber),
própria do mundo dos negócios (cujo significado etimológico é negar o ócio), para
outros, ao contrário, tornou-se um não valor, estampado na magistral síntese de
Marx: “Se pudessem, os trabalhadores fugiriam do trabalho como se foge de uma
peste!”.

Mas o século 20 moldou-se pela estruturação da chamada sociedade do


trabalho, em que desde muito cedo fomos educados para o princípio fundante do
trabalho. Esse cenário começou a ruir, no entanto, a partir dos últimos 20 anos.
Tragicamente, quanto mais a população vem aumentando, menor é a capacidade
de incorporar os jovens ao mercado de trabalho. Esta é a situação que vivenciamos
hoje: não encontramos empregos para aqueles que dele necessitam para sobreviver
e os que ainda estão empregados em geral trabalham muito e não ficam um dia sem

195
UNIDADE 3 | O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

pensar no risco do desemprego. Esse medo ocorre não só na base dos assalariados,
pois essa tendência cada vez mais avança na ponta da pirâmide social, chegando
até os gestores.

Desemprego

Uma rápida consulta aos dados acerca do desemprego mundial é


esclarecedora. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em recente relatório,
projetou mais de 50 milhões de desempregados ao longo deste ano de 2009, em
consequência da intensificação da crise que atingiu especialmente os países do Norte.
A mesma OIT acrescentou, ainda, que aproximadamente 1,5 bilhão de trabalhadores
sofrerão redução em seus salários (Relatório mundial sobre salários 2008 – 2009).

Na China, país que mais intensamente cresceu na última década, com quase
1 bilhão de trabalhadores, cerca de 26 milhões de trabalhadores que migraram do
campo para as cidades perderam seus empregos, gerando a onda de revoltas a que
assistimos atualmente.

A América Latina também não ficou de fora desse cenário: a mesma OIT
antecipou que, dada a ampliação da crise, “até 2,4 milhões de pessoas poderão
entrar nas filas do desemprego regional em 2009”, somando-se aos quase 16 milhões
hoje desempregados, sem falar do “desemprego oculto” e outros mecanismos que
mascaram as taxas reais de desemprego (Panorama laboral para América Latina e
Caribe, janeiro de 2009).

No limite da degradação

Dentro de um contexto marcado por uma profunda crise estrutural, ampliam-


se, portanto, as formas de aviltamento do trabalho. Os exemplos são abundantes e o
espaço aqui seria por demais limitado. Mas podemos emblematicamente apresentar
alguns casos mais expressivos.

A cada dia vemos mais e mais exemplos de trabalho escravo no campo; nos
agronegócios do açúcar, no etanol de Lula, cortar mais de 10 toneladas de cana por
dia é a média por baixo, low profile. No norte do país esse número pode chegar a
até 18 toneladas diárias.

Em São Paulo, não é difícil localizar a degradação dos trabalhadores


imigrantes, como os bolivianos, subempregados nas empresas de confecção, com
jornadas que atingem até 17 horas diárias, configurando uma modalidade de trabalho
no limite da condição degradante. E os exemplos se esparramam por todas as partes
do mundo: chicanos (EUA), dekasseguis (Japão), gastarbeiters (Alemanha), lavoro
nero (Itália) etc.

No Japão, jovens operários migram em busca de trabalho nas cidades e


dormem em cápsulas de vidro do tamanho de um caixão. Configuram o que já
chamei de operários encapsulados. Na América Latina, trabalhadoras domésticas
chegam a trabalhar 90 horas por semana, tendo não mais que um dia de folga ao
mês, conforme lembrou Mike Davis em seu Planeta favela (Boitempo, 2006).

196
TÓPICO 3 | ASPECTOS DESAFIADORES DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

Se, no século passado, os povos do Norte migraram em massa para o Sul do


mundo (como os italianos, alemães, portugueses, espanhóis, tão bem acolhidos no
Brasil), estamos presenciando o exato inverso. Nesse sentido, exemplos recentes na
Espanha, nos EUA e na Inglaterra, contra os brasileiros, são por demais expressivos.

Outra manifestação, ainda que diferenciada, é também esclarecedora:


trabalhadores britânicos em greve, no início de 2009, empunhavam um cartaz que
dizia: “Empreguem primeiro os trabalhadores britânicos”, em manifestação contrária
à contratação de italianos e portugueses. Se é justíssima a reivindicação de salário
igual para trabalho igual, para se contrapor à tendência destrutiva dos capitais de
explorar o imigrante carente de trabalho, é repulsiva a manifestação que estampe
qualquer traço xenófobo contra trabalhadores imigrantes. O fenômeno é curioso:
em plena apologética da assim chamada “globalização”, os capitais transnacionais
podem fluir e viajar livremente, enquanto o trabalho imigrante encontra-se cada
vez mais cerceado e tolhido. Talvez pudéssemos dizer que, enquanto os capitais
transnacionais são livres em seus voos e saques, os trabalhadores imigrantes devem
se manter cativos.

O trabalho jovem

São essas algumas das forças que moldam o mundo do trabalho hoje. Mas
existe ainda outro ponto – dentre tantos – que podemos lembrar, para concluir.
Sendo a CULT uma publicação que tem nos jovens um público importante, vale
a pena fazer uma nota geracional: poucos jovens hoje conseguem emprego nas
carreiras que escolheram. Quando têm qualificação, perambulam de um emprego
a outro até chegar – se conseguirem – ao que pretendiam inicialmente. Quando lhes
falta o capital cultural, aí a empreitada é mais difícil. Para conseguir emprego, são
“obrigados” a realizar trabalhos “voluntários”. Ou o que é ainda mais frequente:
a explosão do trabalho do estagiário, que se converte em um trabalho efetivo com
sub-remuneração.

Se a ordem societal dominante dificulta o acesso dos jovens em idade de


trabalhar, ela inclui, por outro lado, precoce e criminosamente crianças no mercado
de trabalho, não somente no Sul, mas também nos países capitalistas avançados.
Pouco importa que o trabalho hoje seja supérfluo e que centenas de milhões de
assalariados em idade de trabalho se encontrem em desemprego estrutural. Os
capitais globais frequentemente recorrem ao corpo produtivo das crianças, que
deveriam estar exercitando seu corpo brincante (na conceitualização de Maurício
da Silva). E esse retrato se amplia quando estudamos a produção de sisal, de têxtil
e confecções, calçados, cana-de-açúcar, carvoarias, pedreiras, olarias, emprego
doméstico etc.

Por fim, outra contradição social cada vez mais vital: se os empregos se
reduzem, aumentam os índices de desemprego, empobrecimento e miserabilidades
social – realidade em que bilhões hoje vivem com menos de 2 dólares por dia. Se,
como resposta, os capitais globais e suas transnacionais recuperarem os níveis
de crescimento, como fez a China na última década, o aquecimento global nos
converterá no mundo da torrefação. Trabalho e aquecimento global serão, portanto,
os grandes dilemas do século 21.

FONTE: ANTUNES, Ricardo. Os dilemas do trabalho no limiar do século 21. Cult, 139. Disponível
em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/os-dilemas-do-trabalho-no-limiar-do-
seculo-21>. Acesso em: 29 jan. 2015.

197
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você aprendeu que:

• A globalização trouxe, entre outras dinâmicas, muitos aspectos desafiadores


para as sociedades contemporâneas.

• O mercado de trabalho no Brasil é bastante desigual quanto à distribuição de


renda, gerando consequências às mulheres e aos negros.

• A violência no Brasil vem afetando sobremaneira os jovens, devido acentuada


participação entre as vítimas de homicídios.

• Outra forma de evidenciar a desigualdade do desenvolvimento é pelo número


de conflitos socioambientais existentes.

• A maioria dos conflitos socioambientais acomete as populações indígenas.

198
AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a)! Para fixar melhor o conteúdo estudado, vamos


exercitar um pouco. Leia as questões a seguir e responda-as em seu Caderno
de Estudos. Bom trabalho!

1 Segundo os grupos ocupacionais e os estratos sociais apresentados para o


Brasil em 2007, qual dos grupos recebe maiores salários? E qual aquele que
possui menor remuneração?

2 Como podemos perceber, a diferença de remuneração existe entre pessoas


brancas e de outras raças? Explique.

3 Podemos dizer que existem diferenças entre o rendimento dos homens e das
mulheres no Brasil?

4 Segundo os dados apresentados, em 2011, qual tipo de população é mais


atingida pela violência? E qual tipo de violência?

5 Em qual região podemos observar maior taxa de homicídios na população


entre 15 e 29 anos, no ano de 2011?

6 Conforme os dados apresentados, quais populações são consideradas mais


atingidas por conflitos socioambientais no ano de 2006 no Brasil? Qual
proporção?

7 É possível perceber que os conflitos socioambientais distribuem-se de forma


desigual pelo território brasileiro. Qual estado concentra maior número
(total) de conflitos? Qual é seu percentual com relação ao total de conflitos
no Brasil?

8 Qual a região do país que mais concentra conflitos socioambientais? Qual o


percentual com relação a regiões do Brasil?

199
200
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