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Café Fenomenológico

Discente: Luan Mendes de Sousa

Em princípio, antes de relacionar a obra aos conceitos de liberdade de Heidegger, é


necessária uma abordagem do que se passa no anime japonês baseado em um
mangá de mesmo nome. Por conseguinte, o anime trata de uma história que se
passa em um “orfanato” cheio de crianças e apenas uma governanta, responsável
por tudo. Essas crianças possuem muita liberdade de ação na casa e no terreno,
embora possuam uma proibição: elas não podem ir até o portão de saída e nem
ultrapassar a cerca limítrofe do terreno.

Emma, Norman e Ray são as crianças mais velhas da casa e sempre estão
ajudando a “mama” Isabella. Tudo até então no anime corria bem até que Conny,
uma das crianças, foi adotada. Ela e a mama foram o portão de saída, mas Conny
esqueceu seu coelhinho de pelúcia, Emma e Norman decidem nesse momento
correr até ela e entregar o brinquedo, mas são surpreendidos, nesse momento a
verdadeira trama do anime se revela – Conny está morta – e surgem duas criaturas
demoníacas conversando sobre a qualidade da mercadoria daquela “plantação”.
Com isso, a verdade vem à tona: aquilo não era um orfanato, mas uma criação de
seres humanos para alimentação de demônios. Emma e Norman, tomam nesse
momento do anime a decisão mais lógica: fugir. Assim, começa a elaboração de um
plano para escapar daquele lugar. Naturalmente, a mudança de comportamento
deles vai despertar uma desconfiança de Isabella, uma de suas “mamas” que
trabalham no local e as coisas não seriam tão simples a partir dali quanto as
crianças achavam que seriam para a fuga.

O aspecto mais interessante do anime para mim, no que tange a uma reflexão sobre
ele, foi o desenvolvimento dos personagens que fazem o papel de mamães. Durante
o anime, somos apresentados a duas: Isabella e Krone.
Descobriremos que ambas eram do grupo de órfãos quando crianças. Por terem
apresentado aptidões na gestão da casa e no cuidado com as crianças, receberam a
oportunidade de escolherem entre virarem refeição de demônio ou se tornarem
mamães e cuidarem de outras fazendas.

A primeira coisa que percebemos é que a liberdade de escolha dessas duas pré-
adolescentes (porque a decisão foi tomada quando elas tinham por volta de 13
anos) se enquadra naquilo que a filosofia chama de liberdade situada. Martin
Heidegger vai dizer que existem dois aspectos inseparáveis na existência humana: a
facticidade e a transcendência. A facticidade corresponde àquilo que está
determinado no ser humano, enquanto que a transcendência se refere à ação do ser
humano para além daquilo que lhe determinam, dando um sentido para as suas
escolhas.

Dito isso, é complicado julgar como má a decisão das duas meninas em escolherem
serem mamães do que comida de demônio. Suas opções eram limitadas. Escolher
viver é a reação mais natural e instintiva, até mesmo racional. Podemos até pensar
que elas queriam só ganhar um tempo para ver o que dava para ser feito, mas no
final não tinha mesmo opção.
Irei trabalhar nos próximos tópicos a transcendência de cada uma dessas mamães.
A liberdade delas, segundo Heidegger, estaria exatamente no sentido que elas
dessem para a escolha tomada. Seria o porquê ela escolheu esse caminho e como
ela viveu essa escolha. Nesse caso, cabe julgamento porque Isabella e Krone
tinham intenções diferentes e isso muda tudo.

A Escolha de Krone

Krone escolheu ser mamãe porque esse seria o mais alto posto que ela poderia
ocupar na hierarquia que lhe era proposta. Ela era ambiciosa. Ela não se importava
com a raça humana, ela se importava apenas consigo mesma. Ela estava disposta a
fazer de tudo para permanecer viva e crescer de status dentro das possibilidades
que ela tinha.

Nesse caso, vemos que o objetivo de Krone foi egoísta. Ela usou da sua liberdade
para viver a vida mais superior que fosse possível. Sua sede de poder era tão
grande que ela não aceitou esperar o tempo necessário para crescer na hierarquia
interna das cuidadoras e começou a arquitetar um plano para derrubar Isabella (que
era uma cuidadora de destaque).

Ela decidiu usar a opção que ela tinha para superar sua posição atual e tentar ser a
melhor humana de todas. Não duvido que tenha passado pela cabeça dela a ideia
de que ela seria tão boa que poderia sentar ao lado dos demais demônios como se
fosse uma igual.

A Escolha de Isabella

Isabella tinha outros motivos para aceitar ser mamãe. Ela, enquanto só mais uma
órfã, tinha uma admiração enorme pela sua mamãe. Além disso, ela fazia questão
de ajudá-la, cuidando das crianças menores e assessorando a mamãe.
Quando ela descobre a verdade, seu mundo desaba. Ela pensa primeiramente em
todos os seus irmãos que ficaram. Depois, ela tem o seguinte pensamento: eu
recusando, vou morrer; e o serviço irá continuar, com outra pessoa sendo escolhida
no meu lugar. Sendo assim, o melhor que posso fazer por essas crianças é aceitar
ser mamãe e dar o máximo de amor e carinho que eu possa fornecer. Assim,
mesmo elas tendo uma vida breve, será uma vida feliz.

Percebe-se uma abnegação de Isabella, ela não pensava nela, mas nas crianças,
não via outra escolha. Ao longo do anime, descobriremos que ela chegou a tentar
sair do orfanato, mas não viu escapatória. Dentro do que ela podia fazer, ela buscou
dar o seu melhor pelo bem das crianças.

Conclui-se que, é muito fácil julgar os outros quando não é você que está passando
pelo problema. Não podemos julgar as escolhas feitas por Krone e Isabella. Eu me
atrevi a julgar as motivações das duas, mas até isso é um risco porque, não sei se
tomaria a decisão “certa” se vivesse a vida que elas viveram.
Referências:

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Fausto Castilho. Petrópolis: Editora


Vozes, 2012.

BRAGA, Tatiana Benevides Magalhães e FARINHA, Marciana Gonçalves.


Heidegger: em busca de sentido para a existência humana. Rev. abordagem gestalt.
[online]. 2017, vol.23, n.1, pp. 65-73.

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