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BANCA EXAMINADORA
Raíres Basílio.
DEDICATÓRIA
In memoriam.
BASÍLIO, Raíres Joice Silva. Espaço e Identidade em Triste Fim de Policarpo
Quaresma. 63 f. Dissertação (Pós-Graduação em Letras) – Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte,2019.
RESUMO
RESUMEN
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
I – O ROMANCE E O SUJEITO NO MEIO SOCIAL ......................................................... 12
1.1 – Os espaços na ficção de Lima Barreto ..................................................................... 24
II – O ESPAÇO SOCIAL DA MULHER NO ROMANCE ................................................... 33
2.1 Ismênia, o casamento e o enquadramento social ....................................................... 39
2.3 Olga: consciência e recolhimento ................................................................................ 42
III – POR UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE ................................................................... 45
3.1 República e Positivismo .............................................................................................. 53
3.2 Pátria Reversa............................................................................................................. 56
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61
9
INTRODUÇÃO
Quaresma. Cita-se ainda que, segundo Souza (2014), “O método é comum a todas
as ciências”. Para tanto, nosso estudo centra-se no método dedutivo e se alinha à
pesquisa bibliográfica.
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Uma tal estrutura da relação entre alma e ideal relativiza a posição central
do herói: ela é casual; o herói é selecionado entre o número ilimitado dos
aspirantes e posto no centro da narrativa somente porque sua busca e sua
descoberta revelam, com máxima nitidez, a totalidade do mundo (LUKÁCS,
2000, p. 140).
O general nada tinha de marcial, nem mesmo o uniforme que talvez não
possuísse. Durante toda a sua carreira militar, não viu uma única batalha,
não tivera um comando, nada fizera que tivesse relação com a sua
profissão e o seu curso de artilheiro. Fora sempre ajudante de ordens,
assistente, encarregado disso ou daquilo, escriturário, almoxarife, e era
secretário do Conselho Supremo Militar, quando se reformou em general.
Os seus hábitos eram de um bom chefe de seção e a sua inteligência não
era muito diferente dos seus hábitos. (BARRETO, 2011, p. 103).
recusa-se a segui-la, pois, para ele, não faz sentido, não ver fundamento político e
cultural no comportamento adotado pela sociedade.
E as diversas vezes que Policarpo tentara intervir na organização social do
país, tropeçara no próprio ufanismo, pois, apesar de ser um grande entendedor
daquilo que estudava e acreditava que seria possível trazê-los à realidade, não
compreendia que os outros não compactuassem com o seu pensamento e assim
tornar concreta a sua proposta de projeto nacional. Em realidade, tinha o desejo de
grandeza pela nação, e, para ele, o fato de ser sensato seus paradigmas e
concepções, o fazia pensar que estimularia os outros a terem a mesma percepção
que ele, no entanto, os demais consideravam um absurdo seus ideais.
Oliveira (2015) sugere uma abordagem em que a configuração do romance
de Lima Barreto está baseada no indivíduo e no conflito com o meio social, o que
nos parece bastante convincente, uma vez que a narrativa utiliza-se de repetições
para reafirmar situações vividas por Policarpo, pois o personagem está diretamente
ligado aos conflitos, do início ao fim da narrativa. Há então uma individualização do
personagem, acompanhamos toda sua trajetória problemática desde o requerimento
que motivou muitos outros problemas até o seu fim na prisão.
A crítica ao nacionalismo ufanista encontra refúgio no personagem Policarpo,
por ele buscar um país descrito nos livros, e que não existia na realidade. Esse
desencontro fazia com que ele sofresse decepções e arcasse com duras
consequências. Desse modo, as necessidades psicológicas e sociais de Policarpo
não eram supridas e sua autonomia e liberdade eram diminuídas. Conforme
(OLIVEIRA, 2015, p. 64), “A dinâmica própria da repartição recoloca Policarpo no
meio social.” Isso justifica, parcialmente, o percurso individual do major, que
funcionava como uma espécie de alheamento aos problemas do país.
Policarpo constantemente comparava o Brasil com os países europeus, no
sentido de querer autonomia e liberdade, uma ideia de “descolonização”. Seu projeto
nacional não se dá puramente pelo fato de ser patriótico e por ter adotado um ideal
de pátria, ideal este proposto nos livros que tanto lia e queria transformar aquela
realidade na sua e de todos do país. E nessa busca por um espaço para a cultura
brasileira, Policarpo traça seu destino amargo.
Segundo Santiago (1982), dentre os livros de Lima Barreto, Triste Fim de
Policarpo Quaresma oferece a melhor composição ficcional, pertence a um projeto
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que o escritor, apesar do pouco tempo de vida, produziu livros fundamentais, e cita
Cemitério dos Vivos (1953) como livro que expressava as experiências de Barreto
no período em que esteve no hospício e conclui dizendo que todos os personagens
de Lima Barreto, de algum modo, eram uma transcendência dele mesmo, “porque
ele vive assombrado por esses seres.”.
Esse caráter autobiográfico de Lima Barreto é muito difundido pelos seus
estudiosos. Acredita-se que o fato de trazer para sua literatura a figura do negro, as
nuances da cidade do Rio de Janeiro, aspectos de sua realidade, é uma forma de se
reproduzir dentro de sua escrita, uma forma de manter-se vivo por meio da literatura.
O que não poderíamos desconsiderar totalmente, já que os ambientes na ficção de
Lima Barreto são cenários reais da cidade do Rio Janeiro, sociedade carioca do
século XIX.
A transfiguração do autor para sua escrita centra-se também para a
linguagem utilizada. Para alguns estudiosos, como Oliveira Lima (2011), acreditam-
se que a obra barreteana, sobretudo Policarpo Quaresma, “Refere-se à linguagem,
ou melhor, ao estilo, julgado menos cuidadoso e por vezes incorreto, por ser a
linguagem simples e propositalmente desataviada”. Reafirmando assim a postura de
Lima Barreto quanto à crítica à linguagem elitizada.
Em outras palavras, o romance mais popular de Lima Barreto traça um perfil
reverberante à chamada literatura dominante, uma vez que o autor é considerado
por muitos como aquele que se utilizou de uma linguagem descompromissada com
o meio social para mostrar a desvalorização da linguagem marginal e, com isso,
elevar as várias classes minoritárias como relevantes no plano nacional, já que só se
valorizava o cânone, o “de fora”. Figueiredo (1998) aponta caminhos que Policarpo
perpassa com objetivos distintos, de modo que sua postura frente à obra configura
uma grande ironia na narrativa, visto que o major era um homem de grande
conhecimento em um contexto cujo índice de analfabetos era alto; além disso,
contradiz um modelo de sociedade que pregava o destino dos livros apenas para
acadêmicos, no caso dele, “se não era formado, para quê?”.
O major, que não era um major propriamente, recebera esse apelido por
influência social e acostumaram-se a chamá-lo assim, portanto, o título ficou.
Policarpo, no auge de sua inocência quanto à maldade alheia, não percebia o quão
suas ações trariam para ele próprio grandes consequências. Sua forma
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Não havia ninguém mais bajulador e submisso do que ele. Nenhum pudor,
nenhuma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo o incenso
que podia. Quando saía, remanchava, lavava três ou quaro vezes as mãos,
até apanhar o diretor na porta. Acompanhava-o, conversava com ele sobre
serviço, dava pareceres e opiniões, criticava este ou aquele colega, e
deixava-o no bonde, se o homem ia para casa (BARRETO, 2011, p. 134).
para aqueles que não estavam inseridos na classe alta. Lima Barreto pretendia,
pois, dar voz justamente a esses menos favorecidos socialmente, assim como ele
próprio. O autor pensava sobre o progresso que já se estabilizava pela cidade: se
as construções civis não eram para todos, não se podia chamar de civilização ou de
progresso para o povo, mas sim de modernização conservadora. Segundo estudo
de José Carlos Pinheiro Prioste, professor e pesquisador do Rio de Janeiro:
Assim, a geografia carioca era recurso para Lima Barreto, o autor admirava
as belezas do local, mas não deixava de criticar através de textos como sátiras e
crônicas, a arquitetura da cidade, no sentido de alegar desnecessárias construções
de prédios que tentavam imitar centros urbanos mais favorecidos. No entanto, sua
crítica atacava principalmente o fato de as classes minoritárias serem excluídas
nesses planos urbanos do governo, pois residiam em espaços periféricos, sem os
mesmos benefícios daqueles que faziam parte da camada rica da cidade.
Esse progresso motivado pelo início da industrialização era notado no Rio,
construções ferroviárias e civis eram criados e edificados, aflorando assim a
fotografia da cidade. Essa mudança no aspecto urbano influenciava também o
avanço no mercado de trabalho que, com novos ambientes de fábricas e redes
ferroviárias davam espaço para operários e funcionários trabalharem para lucro
individual e crescimento da cidade. A evolução no centro urbano balançava também
a vida cotidiana das pessoas, que agora saíam de uma zona de tradicionalismo
para uma dita civilização, mudavam-se alguns costumes e comportamentos.
A vida urbana, como de costume, era um tema que interessava em especial
à escrita de Lima Barreto, sua busca sob o viés da literatura pela justiça e igualdade
de classes não se consolidou ainda em sua época, no entanto, mais tarde, com os
novos ideais de arte, motivados pelo modernismo, exerceu-se, em partes, um pouco
da ânsia que o escritor tinha desde cedo de modificar um pouco o cenário do Brasil,
seus artigos e crônicas são registros da vontade que ele tinha de mudar o
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pensamento daqueles que eram submissos a um sistema que ditava uma falsa
inclusão.
No entanto, Lima Barreto morreu em 1922, ano da Semana de Arte Moderna,
evento esse que promovia novas perspectivas culturais, no sentido de reivindicação
por liberdade de expressão, por linguagens mais próximas do cotidiano, o “grito” de
autonomia pela arte. O autor, portanto, não teve a chance de usufruir dessa
bandeira que ele tanto defendia, faleceu antes que pudesse ver propriamente a
continuidade dessas mudanças em prática, mas seus escritos deixaram legado
importante para isso acontecer: “Lima não chegou a ver essas mudanças serem
adotadas na prática, assim como não pôde acompanhar, mais tarde, o fim da
República Velha. De qualquer maneira, as transformações que vieram a reboque
não modificaram em nada a realidade dos excluídos” (PRIOSTE, 2006, p. 79).
Houaiss (1956) prefacia Vida Urbana de Lima Barreto, apontando a militância
da literatura do autor, que entendia essa arte como forma de comunicação e não
apenas como forma de expressão. Isso fazia com que a composição literária de
Lima Barreto chegasse a todos, sem distinção de classes, embora ele quisesse dar
voz àqueles que foram, por muito tempo, silenciados. “Lima Barreto quis embeber-
se do que há de tradição, fixação, codificação e estilização no uso da língua do seu
povo, de sua civilização, de sua cultura” (HOUAISS, 1956, p. 9). Isso reflete a
popularidade de Triste Fim... por se tratar de uma linguagem cotidianamente
utilizada como meio de valorização das minorias, como meio de registrar a
importância de uma cultura híbrida e como proposta de valorizar nossa identidade
nacional.
O teórico ainda ressalta ao leitor de Lima Barreto que o autor traz uma
literatura inerente à vida, pois aborda em seus romances os problemas referentes
às classes minoritárias:
Embora seja demonstrado de uma forma muito cômica, o autor não deixa de,
considerar a totalidade da obra, questionar o nacionalismo e nossas bases
democráticas. Nesse contexto de conflitos, enquanto muitos não percebiam as
artimanhas do governo, Lima Barreto já anotara com antecedência sua insatisfação,
pregava em sua escrita as ações transformadoras que pudessem solidarizar as
pessoas e conscientizá-las quanto aos deveres que deveriam assumir e os direitos
que lhes eram por lei.
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animação tão simples e discreta, que as frases jamais brilham por si mesmas [...]
mas deixam transparecer naturalmente a paisagem, os objetos e as figuras
humanas”.
O inconformismo cultural levou Lima Barreto, assim como outros escritores de
sua época, à ficção, escrever como forma de denunciar a realidade hipócrita e
autoritária a qual o governo projetava. (FIGUEIREDO, 1997, p. 278) afirmava que
“Lima Barreto mergulha com paixão na polêmica sobre os rumos da presidência”.
Para Lins (1976):
Lima Barreto, que considera nociva a ideia de pátria, vem a definir-se como
um dos mais interessados analistas de nossa realidade geográfica, política
e psicológica. Aplica, com intensidade, todos os seus instrumentos de
apreensão e julgamento no estudo do país que o ignora. Sua obra [...] é
uma série de flagrantes exatos, variados, por vezes comovidos, muitas
vezes sarcásticos, frequentemente irados e nos quais reconhecemos o
Brasil [...].
Jobim (1987, p. 219), sobre a obra de Lima Barreto, afirma que “A cidade do
Rio de Janeiro, seus tipos e costumes, forneceu os elementos humanos e sociais
com que trabalha em sua ficção”. Além de questões sociais e políticas abordadas
em suas obras, a urbanização da cidade vai surgindo em seus escritos, nos
permitindo, assim, uma leitura do espaço propriamente geográfico e do espaço
subjetivo presente em sua ficção.
Nesse sentido, a ambientação propriamente física descrita por Lima Barreto
vai ganhando forma, ao mesmo tempo em que esse espaço vai sendo preenchido
por personagens e situações que condicionam o sentido da obra. Bourneuf e Ouellet
(1976, p. 131) assinalam que “Longe de ser indiferente, o espaço num romance
exprime-se, pois, em formas e reveste sentidos múltiplos até constituir por vezes a
razão de ser da obra.” Já Antonio Dimas (1985) determina como “geografia literária”
o estudo desse aspecto.
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Isso não garantia, porém, sua ascensão social, mas permitia à mulher que
ocupasse outros espaços, além daqueles já pré-estabelecidos com as ocupações de
esposa, mãe e dona do lar. A questão era puramente instruir essas mulheres para
“treiná-las” a se comportarem de modo agradável perante à sociedade, já que
passaram a frequentar outros lugares acompanhando seus maridos, por uma
questão de status social. Infere-se aqui o prisma de que essa sociedade ainda não
estava preocupada com a mulher especificamente, mas com a imagem do homem
imerso no meio de trabalho, pois, esse homem precisaria de uma esposa instruída,
agradável e aparentável, reafirmando assim a ditadura da beleza para o universo
feminino como exigência social:
pelo fato de partirem do mesmo interesse de estudo que o nosso: a mulher. Embora
em outra perspectiva, se alinham à nossa perspectiva de estudo, a teoria de
ambivalências: homem/mulher, visto que, em análise, a mulher está equiparada ao
homem, portanto, atribui-se esse efeito de binarismo, já que propõem-se a um
estudo da condição feminina comparada a condição masculina.
Essa perspectiva emprega-se adequadamente ao estudo pelo fato de dialogar
com a leitura que fizemos da obra. A centralização da análise está voltada para esse
binarismo e para “o argumento da diferença biológica”, proposto por Oliveira (2012).
Para tanto, esse “argumento” é utilizado como justificativa para explicar a
desigualdade entre homens e mulheres nos mesmos espaços sociais, considerando
ainda um contexto em que o corpo feminino era sexualizado e objetificado com mais
recorrência.
Ao tratar da mulher em sua ficção, Lima Barreto cria personagens para
representar a opressão vivida por elas de modo muito naturalizado. Triste Fim de
Policarpo Quaresma (1915) é uma obra em que, a priori, a imagem da mulher não
será provavelmente o mais perceptível, porque há muitos outros fatores em projeção
na narrativa, o patriotismo, o nacionalismo, a crítica social ao regime republicano e
essas questões ditas mais gerais. No entanto, há mais personagens femininas do
que masculinas no romance, considerando os principais sujeitos da obra. Dentre as
mulheres em questão, estenderemos a discussão em torno das personagens: D.
Adelaide – irmã de Policarpo, Ismênia – filha do general Albernaz e amigo do major
e por último Olga – afilhada de Quaresma. De alguma forma, todas essas estão
ligadas ao personagem central.
Os perfis femininos traçados na narrativa contemplam a postura da mulher
ora submissa, ora questionadora, uma que externa sua existência para servir, e
outra que se submete aos valores convencionais, como o casamento, por outro lado,
uma com mais discernimento dos acontecimentos à sua volta, tendo consciência da
imposição a qual está sujeita, mas que também não escapa ao sistema patriarcal e
tradicionalista adotado pela sociedade. Adelaide, Ismênia e Olga, além de ligadas ao
personagem protagonista, se entrelaçam também por outras questões: o casamento
e a condição social em que ocupam. Todas têm uma ideia particular sobre o
casamento, e suas ações refletem o que pensam a respeito disso.
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constitui-se como aquela mulher sem maldade, sem grandes perspectivas do futuro,
mas com grandes habilidades domésticas.
Adelaide fora acostumada a cuidar e de ter uma presença masculina ao seu
lado; depois do pai, o irmão, sempre os julgando superior a ela, assim sentia-se
melhor, não sabia lidar com situações que fugiam de seu contexto doméstico, como
pessoas influentes e o mundo lá fora. Quaresma era consciente das limitações da
irmã e quando ele fora para o hospício, Ricardo a visitava para que ela não se
sentisse tão sozinha, já que tinha só o irmão de família. Nesse contexto em que
Policarpo esteve no hospício, julgado como louco por conta do requerimento,
pensava na irmã, sabia de suas limitações e preocupava-se:
A velha irmã, atarantada, atordoada, sem direção, sem saber que alvitre
tomar. Educada em casa sempre com um homem ao lado, o pai, depois o
irmão, ela não sabia lidar com o mundo, com negócios, com as autoridades
e pessoas influentes. Ao mesmo tempo, na sua inexperiência e ternura de
irmã, oscilava entre a crença de que aquilo fosse verdade e a suspeita de
que fosse loucura pura e simples (BARRETO, 2011, p. 158).
mulher em sociedade, para fazer pensar a questão de modo mais democrático. Ele
escreveu, sobretudo, sobre minorias, cuja questão do feminino estava inclusa.
Não era feia a menina, a filha do general, vizinho de Quaresma. Era até
bem simpática, com sua fisionomia de pequenos traços mal desenhados e
cabelos de uma tinta de bondade. Aquele seu noivado durava há anos; o
noivo, o tal de Cavalcanti, estudava para dentista, um curso de dois anos,
mas que ele arrastava há quatro, e Ismênia tinha sempre que responder à
famosa pergunta: “Então quando se casa?” (BARRETO, 2011, p. 98-99).
Ismênia tratou logo de ficar satisfeita e muito grata por seu destino, não havia mais
com o que se preocupar, casar era só uma questão de tempo, afinal, o noivo já
tinha.
D. Maricota foi quem mais influenciou a filha a pensar desse modo, pois
também reduzia sua existência ao casamento. Ismênia então passou a ver isso
como uma obsessão, um objetivo de vida:
O casal Albernaz tinha, acima de tudo, o desejo de casar as filhas, para assim
se sentirem aliviados da responsabilidade de destiná-las a outro futuro, esse, com
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certeza, seria o melhor para todos, pois, seriam agora responsabilidade do marido. E
a noiva de Cavalcanti poderia, finalmente, responder com propriedade quando se
casaria... “em março”, pois o noivo já estará formado.
No entanto, seu desejo de casar não se realiza, pois, o noivo a abandona.
Ismênia então passa a ter alucinações, conduzida por crises de loucura, já que via
no casamento um propósito de vida e como este não ocorreu, então, para ela, nada
restava a fazer. A ideia do casamento fora plantada, alimentada e ao final não
concretizada, o que fez com que Ismênia enlouquecesse, não teria mais como
arranjar outro noivo, para ela, estava tudo perdido, restava, portanto, a loucura,
aspecto recorrente também em Policarpo.
relação às outras, também se sujeita ao casamento, algo que para ela não tinha
tanto sentido, mas que precisava fazê-lo.
O quinto capítulo da terceira parte do romance é movido basicamente pela
consciência de Olga, que reflete sobre a condição do padrinho posto no hospício,
sobre as tantas outras pessoas que também lá habitavam e sobre si mesma como
sujeito privilegiado socialmente, se comparada àqueles que observava ali:
Desse modo, tem-se uma Olga como sujeito que consegue enxergar aquilo
que os demais não percebiam, seus ideais não estavam voltados necessariamente
para uma postura puramente feminina. Sua percepção sobre a vida chegava até
aqueles que sequer sabiam da existência dela, mas Olga refletia, sobretudo, sobre
sua condição privilegiada, enquanto outros viviam em estado de miséria, na solidão,
no esquecimento.
A filha de Vicente Coleoni casa-se com Armando Borges, não muito feliz com
isso; “O marido é que estava contente. Não seria muito com a noiva, mas com a
volta que sua vida ia tomar.”. Através do casamento buscava interesses próprios,
como algum cargo público na cidade, escrevia por algum tempo textos de linguagem
“difícil” para o jornal, sua esposa o desprezava e percebia seu grau de indiferença e
seus interesses particulares, casou-se simplesmente porque ele dissimulava certa
inteligência e demostrava amor à ciência. No entanto, Olga sabia que o casamento
era de “fachada”, mas optou por casar-se mesmo assim, preferia não adiar algo que
mais tarde teria que fazer de qualquer forma, se não fosse com ele seria com outro.
Olga difere-se das demais:
A questão de raça, cor, etnia é uma recorrência na obra barreteana, com isso,
o autor destina parte de seu trabalho à miscigenação e diversidade do país,
alinhando-se assim a uma questão de identidade nacional. Amartya (2015) traz
pontos interessantes sobre identidade, ainda que leve sua discussão para outro
rumo, sua fala dialoga com a proposta de estudos sobre identidade sugerida aqui. A
questão que o autor indiano, em sua seção sobre “Entender a Identidade” aborda, é
que as identidades são plurais e uma não se inferioriza em relação a outra. Essa
inferência norteia o entendimento quanto ao assunto, uma vez que se entende por
identidade, baseando-se no senso comum, aquilo que está relacionado à nossa
cultura, às nossas escolhas e ao nosso local de fala.
Ainda tratando da leitura de Amartya (2015), o sujeito, de modo voluntário ou
involuntariamente, faz suas escolhas, compondo assim sua identidade. Apesar de
parecer que reduz a questão da identidade puramente à escolhas, ele não a delimita
como simplesmente destino, a entende como processo de constante descoberta.
Para isso, elenca duas categorias que julga importantes para justificar sobre as
práticas diferentes do sujeito em relação as circunstâncias que o cercam. Primeira:
“decidir sobre quais são nossas identidades pertinentes” e segunda: “ponderar a
importância relativa dessas diferentes identidades”. Sendo assim, percebe-se aqui
pontos diferentes, no entanto, relacionados e que estimulam no mesmo sujeito
várias identidades, uma vez que podemos nos considerar como sujeitos híbridos.
Benedetto Vecchi (2005, p. 11) em entrevista direcionada a Bauman, introduz
uma discussão sobre o tema identidade pautando-se na linha de pensamento do
entrevistado. Para tanto, revela que a entrevista fugiu um pouco do senso comum
por ter sido realizada de forma muito fragmentada, razão essa justificada pelo
instrumento de contato entre ambos: o e-mail. Apesar disso, não deixa de trazer
importantes reflexões acerca do tema e revela que “A questão de identidade
também está ligada ao colapso do estado de bem-estar social e ao posterior
crescimento da sensação de insegurança, com ‘corrosão do caráter’ que a
insegurança e flexibilidade no local de trabalho têm provocado na sociedade.”.
É importante esclarecer que o texto introdutório de Benedetto Vecchi trata
especificamente de identidade na ótica de Bauman e que sua concepção de
identidade destina-se mais para o contexto moderno, apesar desse fato, se alinha a
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fazer o milagre esperado por ele. Policarpo então, vendo a situação, sugere que
Armando Borges, marido de sua afilhada Olga, examine a moça Ismênia.
Na ocasião em que Policarpo visita-os e fala da situação em pauta, Olga –
definida aqui como a mulher mais consciente do romance, pensava consigo sobre
esse ideal de casar e refletia:
Via bem o que fazia o desespero da moça, mas via melhor a causa, naquela
obrigação que incrustaram no espírito das meninas, que elas se devem
casar a todo custo, fazendo o casamento o polo e fim da vida, a ponto de
parecer desonra, uma injúria, ficar solteira. O casamento já não é mais
amor, não é maternidade, não é nada disso: é simplesmente casamento,
uma coisa vazia, sem fundamento nem na nossa natureza nem nas nossas
necessidades. (BARRETO, 2011, p. 319).
pareceu forte e, apesar de saber que a filha já não estava bem há meses, lhe
pareceu uma inverdade, no fundo sabia que era uma despedida. Em um momento
em que a mãe precisou sair, Ismênia se encontrava sozinha no quarto, as irmãs
ficaram de olhá-la vez ou outra, mas não se interessavam muito por essa tarefa.
Sendo assim, Ismênia sente o desejo de admirar seu vestido, então o pega do
guarda-roupas, não se contentando em observá-lo apenas, o veste e em um rápido
suspiro de “ai” cai morta na cama: “Quando a vieram ver, estava morta”. (BARRETO,
2011, p. 324). O enterro não se demorou muito também, Quaresma, ao fitá-la no
caixão, pensava:
Pouco mudara, entretanto. Era ela mesma ali; era a Ismênia dolente e pobre
de nervos, com os seus traços miúdos e os seus lindos cabelos, que estava
dentro daquelas quatro tábuas. A morte tinha fixado a sua pequena beleza e
o seu aspecto pueril; e ela ia para a cova com a insignificância, com a
inocência e a falta de acento próprio que tinha tido em vida. (BARRETO,
2011, p.325).
O contexto social dos anos 1889 a 1930 foi de grande relevância política e
determinante para muitos, no caso dos negros, após a abolição dos escravos, esse
fator foi negativo por não conseguirem mais se integrarem à sociedade de modo
digno. Alinhado a isso, tem-se um personagem na figura de um antigo escravo:
Anastácio. Muito querido por Policarpo, mas que ver-se abandonado por ele.
E isso ocorre porque Policarpo Quaresma, já nos capítulos finais do livro,
assume função de comandante de destacamento, já que incorporava-se ao batalhão
Cruzeiro do Sul, desde cedo tinha suas pretensões militares, junto a ele estava
Ricardo Coração dos Outros, seu amigo, na função de cabo. Ambos deslocados e
observadores dos conflitos a volta: “Quaresma recolheu-se ao seu quarto e
continuou os seus estudos guerreiros. [...] Os acontecimentos eram os mesmos e a
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certo o porquê, não sabia com exatidão o motivo de estar ali. Via-se a refletir sobre
todo o seu esforço patriota de que de nada adiantara. Aceitou a posição de
carcereiro sem manifestações de desespero.
O major queria ao menos encontrar seus amigos e familiares ou escrever
mais uma vez a eles. Veio então a mente de estar preso por ter escrito uma carta
ao presidente em tempos atrás, “[...] ele atribuía a prisão à carta que escreveu ao
presidente, protestando contra a cena que presenciara na véspera. ” (p. 144).
Fecha-se assim o percurso de Quaresma, sem grandes feitos e regado de
desilusões e angustias, refletindo sobre todo o seu esforço em vão, pensava:
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BARRETO, L. Triste Fim de Policarpo Quaresma. 25ª ed. São Paulo: Penguin,
2011.
______. Vida Urbana: artigos e crônicas. 11ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1956.
______. Impressões de Leitura, crítica. 13ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1956.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1970.
SANTIAGO, S. Uma ferroada no peito do pé, in Vale quanto pesa, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1983.