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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEG


CAMPUS AVANÇADO PROF.ª “MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL
MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

ESPAÇO E IDENTIDADE EM TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

RAÍRES JOICE SILVA BASÍLIO

PAU DOS FERROS


2019
RAÍRES JOICE SILVA BASÍLIO

ESPAÇO E IDENTIDADE EM TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

Dissertação apresentada como requisito


para obtenção do título de Mestre em
Letras, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, Campus Avançado
Prof.ª “Maria Elisa de A. Maia”, Programa
de Pós-Graduação de Letras, sob
orientação do Prof. Dr. Manoel Freire
Rodrigues.
Área de concentração: Estudos do
discurso e do texto.
Linha: Texto literário, crítica e cultura.

Pau dos Ferros


2019
A dissertação Espaço e Identidade em Triste Fim de
Policarpo Quaresma, autoria de Raíres Joice Silva
Basílio mestrando (a), foi submetida à Banca
Examinadora, constituída pelo PPGL/UERN, como
requisito parcial necessário à obtenção do grau de Mestre
em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte – UERN.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Manoel Freire Rodrigues– PPGL/UERN


(Presidente)

Prof. Dr. Mona Lisa Bezerra Teixeira


(1º Examinador)

Prof. Dr. Charles Albuquerque Ponte –PPGL/UERN


(2ª Examinador)

Pau dos Ferros


2019
AGRADECIMENTOS

Destino aqui palavras carregadas de gratidão pelo que venho me tornando e


me construindo graças ao apoio de muitas pessoas especiais. Deus, para mim, é
referência de amor, de companheirismo e de alguém que jamais manteve-se
distante durante todo o meu processo de formação dentro e fora da academia.
Obrigada, Senhor, por todas as bênçãos em minha vida. Agradeço, imensamente,
aos meus pais, Fátima Basílio e Antônio Basílio, que sempre me motivaram a
estudar e ser “alguém na vida”, que sempre me mostraram, com todo o cuidado e
amor, que caminho seguir e que decisões tomar.
Não poderia deixar de agradecer a todos os meus colegas de curso pelos
conhecimentos e experiências compartilhados, em especial, as minhas amigas
Alyne, Eduarda, Sâmea e Socorro que acompanharam mais de perto minhas
angústias e conquistas, muito obrigada, meninas! Tudo que foi vivido por nós jamais
será apagado do meu coração, vocês são muito especiais e torço, de verdade, pelo
sucesso de cada uma.
Durante o meu percurso acadêmico, tive a sorte de conhecer pessoas
incríveis, as quais me inspiraram a ser melhor a cada dia, e a não desistir daquilo
que me motiva a crescer e evoluir. Uma dessas pessoas, sem dúvida, é o professor
Manoel Freire, cujo primeiro contato me recebeu tão bem que logo me senti à
vontade e sortuda por tê-lo como orientador de meu trabalho, o meu muitíssimo
obrigada por toda paciência e compreensão, pela gentileza de sempre e saiba que
tudo isso faz muita diferença!
Agradeço também aos componentes de minha banca de qualificação e
defesa: o professor Charles e a querida professora Mona Lisa, saibam que o olhar
de vocês mais experiente que o meu, sobre o meu trabalho, será sempre bem-vindo.
Obrigada pelas sugestões e comentários rumo a evolução da pesquisa.
Hoje, sinto-me feliz pela realização deste sonho: título de mestre. A todos que
compõem o PPGL-UERN, eterna gratidão!

Raíres Basílio.
DEDICATÓRIA

Ao meu avô Luiz, que sempre me falou da


importância de seguir “o caminho dos
estudos”, dedico.

In memoriam.
BASÍLIO, Raíres Joice Silva. Espaço e Identidade em Triste Fim de Policarpo
Quaresma. 63 f. Dissertação (Pós-Graduação em Letras) – Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte,2019.

RESUMO

Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), de Lima Barreto, é um romance pré-


modernista que tematiza o nacionalismo e o amor à Pátria vivido por Policarpo
Quaresma – personagem central da obra. A narrativa barreteana, movida pelo
discurso do narrador, nos motiva a perceber a forma linear da história, fracionada
em três partes com a mesma distribuição de capítulos. Pensando na forma de como
se desdobra o romance de Lima Barreto, nos propomos a estudar, sumariamente,
como espaço e identidade são recorrentes nos contextos e personagens da obra. A
concepção de espaço aqui levantada está centrada no sujeito e a posição social em
que ocupa, assim como qual identidade assume nesse contexto. Para fundamentar
nossa pesquisa, nos fundamentamos teoricamente em autores que trazem questões
frente ao estudo, dentre eles: Antônio Candido (2000), Silviano Santiago (1982),
Lilian Schwarcz (2017), Lima (2012), Silveira (2012), Stuart Hall (2005), dentre
outros. Apesar de desenvolvermos uma pesquisa sucinta, propomos aqui uma
reflexão e releitura da obra pela ótica do espaço e identidade. Esperamos, portanto,
que esse estudo possa contribuir de alguma forma para outras pesquisas. Ademais,
podemos afirmar que foi possível refletir sobre a condição humana inserida em um
contexto de discriminações, racismo e desvalorização da mulher no meio social.

Palavras-chave: Romance. Espaço. Condição Feminina. Identidade.


BASÍLIO, Raíres Joice Silva. Espaço e Identidade em Triste Fim de Policarpo
Quaresma. 63 f. Dissertação (Pós-Graduação em Letras) – Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte,2019

RESUMEN

Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), de Lima Barreto, es una novela


premodernista que tematiza el nacionalismo y el amor a la Patria vivido por Policarpo
Quaresma - personaje central de la obra. La narrativa barreteana, movida por el
discurso del narrador, nos motiva a percibir la forma lineal de la historia, fraccionada
entres partes con la misma distribución de capítulos. Pensando en la forma de cómo
se desarrolla la novela de Lima Barreto, nos proponemos estudiar, sumariamente,
como espacio e identidad son recurrentes en los contextos y personajes de la obra.
La concepción de espacio aquí planteada está centrada en el sujeto y la posición
social en que ocupa, así como qué identidad asume en ese contexto. Para
fundamentar nuestra investigación, utilizamos varios teóricos que traen cuestiones
frente al estudio, entre ellos: Antonio Candido (2000), Silviano Santiago (1982), Lilian
Schwarcz (2017), Lima (2012), Silveira (2012), Stuart Hall (2005) ), entre otros. A
pesar de desarrollar una investigación sucinta, proponemos aquí una reflexión y
relectura de la obra por la óptica del espacio e identidad. Por lo tanto, esperamos
que este estúdio pueda contribuir de alguna manera a otras investigaciones.
Además, podemos afirmar que fue posible reflexionar sobre la condición humana
introducida en un contexto de discriminaciones, racismo y devaluación de la mujer
en el medio social.

Palabras-claves: Novela. Espacio. Condición femenina. Identidad.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
I – O ROMANCE E O SUJEITO NO MEIO SOCIAL ......................................................... 12
1.1 – Os espaços na ficção de Lima Barreto ..................................................................... 24
II – O ESPAÇO SOCIAL DA MULHER NO ROMANCE ................................................... 33
2.1 Ismênia, o casamento e o enquadramento social ....................................................... 39
2.3 Olga: consciência e recolhimento ................................................................................ 42
III – POR UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE ................................................................... 45
3.1 República e Positivismo .............................................................................................. 53
3.2 Pátria Reversa............................................................................................................. 56
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61
9

INTRODUÇÃO

A discussão centrada no espaço considera diferentes óticas para questões de


pesquisa. Mesmo existindo muitos teóricos que trabalhem essa categoria, ela ainda
parece menos estudada em relação a outros elementos da narrativa, como narrador
e personagens, embora estes também façam parte de uma análise voltada para o
espaço. São muitas as abordagens propostas para o espaço literário. Brandão
(2013, p. 18), em Teorias do Espaço Literário, traz uma visão panorâmica acerca
dessa categoria e afirma que o espaço versa sobre diferentes áreas do
conhecimento. O autor ainda complementa que “[...] as formas de representação
espacial variam de acordo com a relação que cada época e cada cultura possuem
com o espaço, reação que abarca possibilidades de percepção e uso, definidas por
condicionantes econômicos, sociais e políticos”.
Brandão (2013) também destina parte de sua discussão para considerar o
espaço das identificações, assunto este que se alinha ao interesse de estudo desta
pesquisa: Espaço e identidade em Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) de
Lima Barreto, romance pré-modernista que tematiza o nacionalismo e o amor à
Pátria vivido por Policarpo Quaresma – personagem central da obra. A narrativa
barreteana, movida pelo discurso do narrador, nos motiva a perceber a forma linear
da história, fracionada em três partes com a mesma distribuição de capítulos. Talvez
a finalidade de Lima Barreto com isso, naquele momento, não fora produzir um
romance tradicional, mas conduzir o leitor ao senso crítico e irônico sobre um Brasil
que se constituía enquanto República e sobre a condição de cada sujeito dentro
desse contexto social.
Gancho (2006) define a categoria espaço como “o lugar onde se passa a
ação numa narrativa.” Ainda que sua proposta para o livro Como Analisar Narrativas
seja de caráter sucinto sobre os elementos da narrativa, não deixa de esclarecer que
o espaço não se limita a um lugar, pois, afirma em seguida: “O espaço tem como
funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma
interação, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções [...]”. Essa
abordagem se alinha ao raciocínio do estudo em questão, já que faz-se aqui uma
pesquisa voltada para o espaço social, que, segundo a autora, demarca a presença
10

de um espaço físico, pois, este só se realiza com aspectos psicológicos, econômicos


ou sociais.
Pensando na forma de como se desdobra o romance de Lima Barreto, nos
propomos a estudar, sumariamente, como espaço e identidade são recorrentes nos
contextos e personagens da obra. Vale ressaltar que a concepção de espaço aqui
levantada está centrada no sujeito e a posição social em que ocupa, assim como
qual identidade assume nesse contexto. O texto que se segue, embora sucinto, se
subdivide em três seções para desdobrar melhor a discussão. De modo que o
primeiro capítulo da pesquisa está voltado para a centralização do romance e o
sujeito no meio social, refletindo a postura de Policarpo no romance.
Ainda compondo a primeira parte da pesquisa, tem-se um subtópico
destinado para os espaços reais da cidade do Rio de Janeiro descritos na ficção,
lugar recorrente nas obras de Lima Barreto. O segundo capítulo é destinado para o
espaço social da mulher no romance. Este conta com dois subtópicos, introduzidos
por uma explanação sobre a condição feminina em um sucinto apanhado histórico,
já traçando o perfil de Adelaide, irmã de Policarpo Quaresma. Logo em seguida,
apresenta-se um pouco sobre as personagens Ismênia e Olga, contrapondo-as, já
que partilham da mesma situação, porém com comportamentos diferentes.
Na terceira e última parte da pesquisa, a discussão centra-se na identidade,
traçando um pouco da identidade negra tão presente nas obras barreteanas. Além
disso, tem-se um subtópico destinado para república e positivismo, contextos
recorrentes no romance, que não poderiam ser desconsiderados, e outro para a
pátria reserva, fazendo jus a grande desilusão de Policarpo, que tanto idealizava
uma pátria cuja realidade lhe tirava esse sonho. De forma didática, cada capítulo da
dissertação obedece à sequência de cada parte do livro, que também são três.
Desse modo, sistematiza uma discussão para cada parte, mesmo considerando a
totalidade da obra.
Sendo assim, para fundamentar teoricamente nossa pesquisa, utilizamos
alguns autores que trazem questões frente a este estudo, dentre eles: Antonio
Candido (2000), Silviano Santiago (1982), Lilian Schwarcz (2017), Lima (1979),
Stuart Hall (2005), esse último mais destinado ao terceiro capítulo. Desse modo,
objetivamos estudar o espaço social na construção da identidade das personagens
dentro de seus contextos, partindo, sobretudo, do personagem central: Policarpo
11

Quaresma. Cita-se ainda que, segundo Souza (2014), “O método é comum a todas
as ciências”. Para tanto, nosso estudo centra-se no método dedutivo e se alinha à
pesquisa bibliográfica.
12

I – O ROMANCE E O SUJEITO NO MEIO SOCIAL

Em sua obra A teoria do romance, em particular no “Ensaio de uma tipologia


da forma romanesca”, George Lukács (2000), elenca algumas categorias de estudo
para considerações em torno do romance, assinalando categorias como o idealismo
abstrato, o romantismo da desilusão e o romance de aprendizagem. De acordo com
o teórico, o primeiro trata do sujeito de alma estreita e recluso à realidade do mundo;
o segundo versa sobre o indivíduo consciente de sua existência, porém, que não é
ativo às situações propostas à sua volta; e o terceiro culmina na junção dos dois
anteriores, buscando um equilíbrio entre ambos.
Policarpo Quaresma, personagem central de Triste Fim de Policarpo
Quaresma (1915), se alinha ao idealismo abstrato sugerido por Lukács, talvez por
ser um personagem constituído de ideais patrióticos que o levam, muitas vezes, a
situações humilhantes, já que sua ideologia, apesar de pertencer a um grupo, não se
torna realidade coletiva. Ou ainda porque, em alguns momentos da narrativa, o
personagem perde seu equilíbrio psicológico em função das consequências de suas
ações.
Tendo em vista que o idealismo abstrato se alinha à condição de que “A alma
é algo que repousa, para além dos problemas, na existência transcendente por ela
atingida; nenhuma dúvida, nenhuma busca, nenhum desespero pode nela surgir a
fim de arrancá-la para fora de si e pô-la em movimento [...]” (LUKÁCS, 2000, p. 101),
e que Policarpo conduz um comportamento relacionado a essa condição, é
importante pensar que sua busca é inerente ao idealismo abstrato, bem como o
romance de aprendizagem, que também configura um pouco de seu
comportamento, já que:

Uma tal estrutura da relação entre alma e ideal relativiza a posição central
do herói: ela é casual; o herói é selecionado entre o número ilimitado dos
aspirantes e posto no centro da narrativa somente porque sua busca e sua
descoberta revelam, com máxima nitidez, a totalidade do mundo (LUKÁCS,
2000, p. 140).

Portanto, Policarpo Quaresma vive um drama inconstante na narrativa. Dadas


as proporções de sua leitura, vive numa situação entre altos e baixos que reafirmam
sua busca incansável por um projeto nacional, mesmo consciente das dificuldades e
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empecilhos encontrados no caminho. Apesar de se alinhar às categorias propostas


por Lukács, atende melhor a uma: o idealismo abstrato.
A trajetória individual de Quaresma é facilmente captada, por ser ele o
protagonista do romance e por ser a partir dele que se dá o desdobramento de toda
a narrativa. Sendo a obra dividida sistematicamente em três partes, contendo cada
uma cinco capítulos, o romance inaugura um modelo de escrita relativamente novo,
por estar inserido em um contexto de transição para a era modernista e porque, até
então, os personagens anteriores ao pré-modernismo brasileiro não dispunham de
um sujeito semelhante ao comportamento de Quaresma. Assiste-se agora a um
contexto em que “O romance abandonara convenções e enredos tradicionais e
aplicara-se à particularização dos elementos narrativos: a individualização de
personagens, a especificação de tempo e espaço e a adequação da linguagem às
situações. ” (OLIVEIRA, 2015, p. 51, grifo nosso). Isso contempla a relação de
homem e meio social, revalidando seus conflitos e posturas na sociedade, sendo
consciente dessa confluência entre indivíduo e o espaço que ocupa.
Considerando o contexto dos primeiros anos de República no Brasil, onde
está projetado o romance de Lima Barreto, o sistema político e econômico são
campos férteis para a grande crítica e ironia do autor, visto que se utilizou da ficção
como meio de denúncia social, e isso é algo muito recorrente em sua escrita.
Considerando o romance em estudo propriamente, Policarpo Quaresma é visto
como o herói por seus ideais de um projeto coletivo nacional. Além de temas
emblemáticos como nacionalismo, patriotismo e período republicano, a narrativa
ainda permite outras abordagens, como o drama da loucura, recorrente em mais de
um personagem, ou ainda o espaço social da mulher nesse contexto.
Lima Barreto escreveu seu segundo livro em um período conturbado de sua
vida. Triste Fim de Policarpo Quaresma, inicialmente publicado em folhetim (1911) e
posteriormente em formato de livro (1915) narra, em terceira pessoa, a história de
Policarpo Quaresma. O narrador apresenta o personagem delineando seus traços
físicos e psicológicos:

Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava um pince-nez,


olhava sempre para baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma coisa, os
seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e
era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da coisa que fixava.
Contudo, sempre os trazia baixos, como se guiasse pela ponta do
cavanhaque que lhe enfeitava o queixo. (BARRETO, 2011, p. 74).
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Quaresma era um homem de sensibilidade muito viva e capaz de sofrer


profundamente com a menor situação/ocasião, possuía um patriotismo exacerbado
e uma vontade de grandeza nacionalista, desejava ver o desenvolvimento do país,
vivia com sua irmã mais velha Adelaide, que, apesar de não concordar com alguns
ideais do irmão, o respeitava e lhe queria bem, não entendia ao certo o porquê de
ele ser estudioso e interessar-se tanto pela história do Brasil. Além da irmã,
Policarpo contava com a amizade de Ricardo Coração dos Outros, que o visitava
para ensiná-lo a tocar violão – instrumento genuinamente brasileiro, segundo a visão
de Quaresma.
Policarpo trabalhava como subsecretário no Arsenal da Guerra (repartição
pública), seus hábitos eram repentinos e constantes, pegava o bonde no percurso
de volta para casa todos os dias, seus vizinhos o achavam estranho, apesar de ele
ser sempre cordial com todos. O major possuía uma biblioteca e tinha um amor
fraterno aos seus livros; não os mostrava a ninguém, no entanto, da janela do
cômodo particular era possível notar seu acervo. Esse era um ambiente para onde
se refugiava com bastante frequência, um dos primeiros espaços demarcados na
obra. Reunia diversificado acervo de autores nacionais ou nacionalizados e livros
sobre a história do Brasil, conteúdo de interesse especial ao major. Apesar de ser
visto como um intelectual, Policarpo não tinha formação acadêmica, era simples e
igualava-se aos demais à sua volta, prezava pela ajuda e, sobretudo, amizade de
Anastácio, antigo escravo que o acompanhava e que sempre lhe auxiliava no que
fosse necessário. Gostava de tê-lo em sua companhia, costumavam conversar e,
apesar de Anastácio ser um empregado, o considerava como um amigo:
“Conversando com o preto Anastácio, que lhe servia há trinta anos, sobre coisas
antigas [...]” (BARRETO,2011, p. 101).
As únicas pessoas que visitavam o major eram seu compadre Vicente Coleoni
com a filha Olga Coleoni (sua afilhada) e, posteriormente, o amigo Ricardo Coração
dos Outros. Os vizinhos eram alheios aos costumes e comportamentos do major,
ficavam todos intrigados pelo fato de ele meter-se a aprender a tocar violão, o que
consideravam um absurdo para um homem como Policarpo. O respeito que tinham
por ele diminuía; no entanto, o major não percebia.
Vestia-se sempre de fraque, nos tons mais fechados e escuros, como azul,
cinza ou preto. E isso representava, de certo modo, sua personalidade e aspecto de
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homem mais reservado. Defendia os hábitos e tradições genuinamente nacionais,


justamente por isso, o interesse de aprender as modinhas e a tocar violão, que, para
ele, depois de muito ter estudado e pesquisado, representavam o tom poético da
arte nacional; “O grande interesse de Quaresma não era pessoal, mas patriótico. ”
(OLIVEIRA, 2015, p. 56). Para tanto, o personagem afirmava que era preciso
preservar as nossas tradições e costumes nacionais.
O patriotismo que levou o major a interessar-se pela história do país veio desde
muito cedo, segundo o narrador: “Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte
anos, o amor da Pátria tomou-o inteiro” (BARRETO, 2011 p. 84). Apesar de ter
sofrido algumas decepções, como tentar ser militar e terem o julgado incapaz para o
ofício, ainda assim, o interesse pelas tradições e costumes nacionais não foram
esquecidos, bem como pelos valores e atribuições militares. Onde trabalhava era
considerado e respeitado, e isso fazia com que sua imagem de homem culto
aflorasse, porém era respeitado por sua honestidade e modéstia e não propriamente
por seus ideais nacionalistas, o que não impedia de ser ridicularizado pelos colegas
de trabalho.
Próximo também a seu convívio, vivia o general Albernaz, que tinha pretensão
de casar as filhas, este seria o destino mais decente e aceitável para as mulheres da
época – século XX. Albernaz, apesar da posição de general, não tinha propriedade
para falar quando o assunto era guerras ou batalhas; nunca tinha participado de
uma, mas gostava de contar histórias sobre, para ter projeção no cargo; orgulhava-
se da função, mas o nível de conhecimento que tinha igualava-se ao de um bom
chefe, um ajudante-de-ordens ou simplesmente ajudante, como é descrito pelo
narrador:

O general nada tinha de marcial, nem mesmo o uniforme que talvez não
possuísse. Durante toda a sua carreira militar, não viu uma única batalha,
não tivera um comando, nada fizera que tivesse relação com a sua
profissão e o seu curso de artilheiro. Fora sempre ajudante de ordens,
assistente, encarregado disso ou daquilo, escriturário, almoxarife, e era
secretário do Conselho Supremo Militar, quando se reformou em general.
Os seus hábitos eram de um bom chefe de seção e a sua inteligência não
era muito diferente dos seus hábitos. (BARRETO, 2011, p. 103).

À medida que a narrativa avança, vai mostrando acontecimentos


circunstanciais a Policarpo. Quando o major foi apontado como louco, devido aos
seus ideais, comportamentos estranhos e, principalmente, por ter a ideia de que
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todos falassem a língua de origem do país, o tupi guarani, fora internado em um


hospício, as pessoas o apontavam na rua. No entanto, nada disso o abalava, ele
aceitava o que diziam a seu respeito, só não permitia, porém, que dissessem que
era mentiroso:

Que julgassem doido vá! Mas que desconfiassem da sinceridade de suas


afirmações, não! E ele pensava, procurava meios de se reabilitar, caía em
distrações, mesmo escrevendo e fazendo a tarefa quotidiana. Vivia dividido
em dois: uma parte nas obrigações de todo dia, e a outra, na preocupação
de provar que sabia o tupi. (BARRETO, 2011, p. 150).

Essa dicotomia presente em Policarpo, na visão do narrador, assinala


também a dualidade entre a cultura nacional e a estrangeira, demarcadas na
narrativa pela singularidade do personagem em buscar modinhas, assim como
outros elementos da cultura popular, valorizando a cultura do país, enquanto outros
elogiavam a cultura europeia. Policarpo é o personagem que possui mais voz dentro
da narrativa, e somos motivados a interpretar a obra a partir do discurso do narrador
e, sobretudo, da postura de Quaresma.
A importância dada à cultura nacional é tão forte, que Policarpo, juntamente
com o amigo Albernaz, saem em busca de alguém cuja memória popular seja
suficiente para ensiná-los algumas modinhas, estas serviriam de animação para a
festa organizada pelo general e assim chamar a atenção das pessoas. Com essas e
outras ações, Policarpo estava interessado em intervir culturalmente no sistema do
país, de modo que a originalidade dos costumes e tradições ganhasse mais espaço
na sociedade.
Contudo, não foi possível realizar mais esse objetivo, pois, sem apoio de
autoridades seria inviável, e os demais amigos e colegas de trabalho também não
comungavam com seus pensamentos e ideais. O episódio da aula de violão quase
introdutório da narrativa sugere que nós não conseguimos aprender algo, segundo
Policarpo, propriamente nosso. Elevam-se então os costumes da cultura estrangeira,
o que incomodava muito o major. O amigo de Policarpo, Ricardo Coração dos
Outros, era um dos poucos que o considerava e valorizava suas premissas, porque
também se identificava com elas, de algum modo. Em conversa com Olga e o
major, ele afirmava “– Entre nós, [...] falou Coração dos Outros –, não se levam a
sério essas tentativas nacionalistas, mas, na Europa, todos respeitam e auxiliam...”
(BARRETO, 2011, p. 118).
17

Mesmo na condição de “louco”, Policarpo não fora abandonado por aqueles


amigos mais próximos, que o consideravam; estes o visitavam no hospital e
observavam com tristeza a realidade humana daquele lugar. As pessoas, de um
modo geral, tinham receio de entrar no hospício. No último capítulo da primeira parte
do livro, o hospício é descrito como um espaço vasto, silencioso e de recolhimento.
A consciência de Olga norteia quase todo o capítulo e ela pensava consigo mesma
naquele lugar deprimente, mas que, como em tantos outros locais, agregava todas
as classes sociais. “Como em todas as portas dos nossos infernos sociais, havia de
toda gente, de várias condições, nascimentos e fortunas. Não é só a morte que
nivela; a loucura, o crime e a moléstia passam também a sua rasoura pelas
distinções que inventamos. ” (BARRETO, 2011, p. 159), reflete o narrador, dando ao
pensamento da personagem.
O percurso de Policarpo parece ser acompanhado por pequenas decepções
que compõem uma maior. A primeira grande decepção de Policarpo é espacializada
no hospício, visto que é nesse ambiente que reflete sobre sua postura, o porquê de
estar ali. O personagem questiona-se, e compreende afinal que é pelo seu
comportamento que julgaram insensato, pois, de certo modo, rejeitara a língua
emprestada ao país. Agora era um sujeito que perdera o cargo público e que estava
condicionado à loucura.
As causas que motivaram Policarpo estar naquele lugar partiram de muitos
lados e por muitas pessoas, sua postura fora comparada à de um louco que,
consequentemente, perdera o cargo de funcionário público por não ser considerado
apto a exercê-lo devido ao seu comportamento patriota muito acentuado. O major
não cometia essas ações com a intenção de denegrir ou ofender a imagem de
alguém, no entanto, não era compreendido pelos demais.
A primeira parte do romance nos apresenta quase todos os personagens
dentro de seus espaços sociais e a partir disso conseguimos entender melhor a
função de cada um dentro da narrativa. Pensando a relação: indivíduo e sociedade,
Policarpo Quaresma e seu espaço configuram-se dentro dessa abordagem social,
uma vez que ele, por meio de suas ações, significa a sua existência e relação com o
mundo, mesmo que ele próprio não o compreenda e não o aceite como é, o
personagem tem a consciência daquela realidade diferente da sua. No entanto,
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recusa-se a segui-la, pois, para ele, não faz sentido, não ver fundamento político e
cultural no comportamento adotado pela sociedade.
E as diversas vezes que Policarpo tentara intervir na organização social do
país, tropeçara no próprio ufanismo, pois, apesar de ser um grande entendedor
daquilo que estudava e acreditava que seria possível trazê-los à realidade, não
compreendia que os outros não compactuassem com o seu pensamento e assim
tornar concreta a sua proposta de projeto nacional. Em realidade, tinha o desejo de
grandeza pela nação, e, para ele, o fato de ser sensato seus paradigmas e
concepções, o fazia pensar que estimularia os outros a terem a mesma percepção
que ele, no entanto, os demais consideravam um absurdo seus ideais.
Oliveira (2015) sugere uma abordagem em que a configuração do romance
de Lima Barreto está baseada no indivíduo e no conflito com o meio social, o que
nos parece bastante convincente, uma vez que a narrativa utiliza-se de repetições
para reafirmar situações vividas por Policarpo, pois o personagem está diretamente
ligado aos conflitos, do início ao fim da narrativa. Há então uma individualização do
personagem, acompanhamos toda sua trajetória problemática desde o requerimento
que motivou muitos outros problemas até o seu fim na prisão.
A crítica ao nacionalismo ufanista encontra refúgio no personagem Policarpo,
por ele buscar um país descrito nos livros, e que não existia na realidade. Esse
desencontro fazia com que ele sofresse decepções e arcasse com duras
consequências. Desse modo, as necessidades psicológicas e sociais de Policarpo
não eram supridas e sua autonomia e liberdade eram diminuídas. Conforme
(OLIVEIRA, 2015, p. 64), “A dinâmica própria da repartição recoloca Policarpo no
meio social.” Isso justifica, parcialmente, o percurso individual do major, que
funcionava como uma espécie de alheamento aos problemas do país.
Policarpo constantemente comparava o Brasil com os países europeus, no
sentido de querer autonomia e liberdade, uma ideia de “descolonização”. Seu projeto
nacional não se dá puramente pelo fato de ser patriótico e por ter adotado um ideal
de pátria, ideal este proposto nos livros que tanto lia e queria transformar aquela
realidade na sua e de todos do país. E nessa busca por um espaço para a cultura
brasileira, Policarpo traça seu destino amargo.
Segundo Santiago (1982), dentre os livros de Lima Barreto, Triste Fim de
Policarpo Quaresma oferece a melhor composição ficcional, pertence a um projeto
19

estético popular e permite dupla leitura. A primeira, segundo o crítico, segue


pequenos núcleos e método repetitivo para atualizar o leitor, pensada,
especialmente, para aqueles leitores mais desatentos, tendo em vista a dificuldade
que eles têm em acompanhar o trajeto do personagem dentro da narrativa; enquanto
que a segunda forma de leitura se alinha à carta de Pedro Vaz de Caminha, no
sentido de percepções textuais dentro de padrões linguísticos, sendo dividida por
três diferentes níveis.
Ainda em “Uma ferroada no peito do pé”, de Silviano Santiago (1982), é
pensada a relação de narrador e personagem, visto que o narrador se posiciona a
certa distância para narrar os fatos, e isso revalida a dinâmica de tipos de leitores,
pois, a partir do pensamento do teórico é possível afirmar que o narrador auxilia
qualquer um apto a ler o romance, ele chama a atenção para que:

Tenhamos a modéstia de ler Triste Fim de Policarpo Quaresma respeitando


a leitura que o narrador faz do próprio texto no interior do romance e que é
dada de presente para qualquer um dos seus possíveis leitores. Este é o
valor hermenêutico maior do resumo de toda a intriga romanesca [...].
(SANTIAGO, 1982, p. 167).

Considerar o narrador nesse contexto é pertinente pelo fato de ser ele o


condutor da ficção. O discurso desse narrador observador traduz a significância
daquilo que é descrito, portanto, dissociá-lo do restante da obra é problemático, se
este é um constituinte da narrativa, é preciso sua permanência para efetivar a obra.
Lins (1976) defende o discurso do narrador como plano de caracterização de
determinada personagem e se ele não for considerado, o estudo será incompleto,
uma vez que o autor valoriza os meios, técnicas e processos pelas quais a narrativa
se desdobra simultaneamente. Essa voz do narrador em Triste Fim de Policarpo
Quaresma é indispensável, pois, ele é o norteador da totalidade do romance.
Candido (1957) estabelece também uma relação pertinente no universo do
romance, contudo, contemplando obra e meio social ou “arte como expressão da
sociedade”. Em “A literatura e a vida social” – conferência de 1957 – levanta uma
discussão sobre a literatura como acesso subjetivo à realidade, mesmo que em
outros tempos essa inferência tenha sido desconsiderada, hoje temos a literatura
como mecanismo social, no sentido de que muitos têm mais acesso a ela, mesmo
sem total consciência dela.
20

Nesse sentido, em caráter introdutório, o teórico esclarece não pretender


propor uma teoria sociológica, embora não a abandone. Lança um questionamento
reverso apresentando o quanto o meio social é influente na obra ou como a obra
influencia no meio social. Nesse ínterim, a dialética proposta por Candido vai ao
encontro da literatura marginalizada de Lima Barreto, já que podemos afirmar com
base em muitos estudiosos dele, como a própria Lilian Schwarcz, que o meio social
do autor carioca muito influenciou em seus escritos, e é justamente esse prisma
escolhido inicialmente por Candido para a abordagem da discussão de seu texto,
baseando-se na arte como expressão da sociedade.
Para tanto, é viável pensar o enlace entre meio e sujeito, posto que Candido
(1957, p. 19) apresenta, por diferentes vieses, essa condição, acrescenta ainda uma
segunda tendência para os estudos literários, a de analisar o conteúdo social das
obras, a qual defende que esta é formulada “geralmente com base em motivos de
ordem moral ou política, redundando praticamente em afirmar ou deixar implícito que
a arte deve ter um conteúdo desse tipo, e que esta é a medida do seu valor”.
Seguindo essa linha de pensamento, é pertinente dizer que o discurso do teórico se
alinha à condição de escrita de Lima Barreto, pois este tinha sempre uma proposta
política e social dentro de suas obras. Além disso, outros autores também
contemplam esse raciocínio, reafirmando o do autor de Clara dos Anjos com a
realidade social do país.
Segundo Lilian Schwarcz (2017), Policarpo Quaresma é uma referência
significante a Dom Quixote, símbolo heroico da literatura espanhola. Em introdução
para a edição Triste Fim de Policarpo Quaresma de 2011, pela Penguin e
Companhia das Letras, a antropóloga, historiadora e estudiosa do Brasil aborda o
percurso de Lima Barreto enquanto escritor, das dificuldades para a publicação de
suas obras. Como se sabe, Lima Barreto escrevia uma literatura considerada por
muitos como marginal, além de ser militante e anarquista, traduzindo assim um
modelo contrário aos ideais pregados pela República. Para ele, não era fácil o ofício
de escritor, já que precisaria de recursos para financiar seus livros, mas, logo nos
primeiros romances faz nítidas críticas à imprensa e, posteriormente, aos políticos.
Em um de seus trabalhos mais recentes Schwarcz destina uma entrevista
sobre o autor em seu livro Lima Barreto: triste visionário (2017). Nesse contexto lhe
é questionado sobre a maturidade literária de Lima Barreto, o que Schwarcz afirma
21

que o escritor, apesar do pouco tempo de vida, produziu livros fundamentais, e cita
Cemitério dos Vivos (1953) como livro que expressava as experiências de Barreto
no período em que esteve no hospício e conclui dizendo que todos os personagens
de Lima Barreto, de algum modo, eram uma transcendência dele mesmo, “porque
ele vive assombrado por esses seres.”.
Esse caráter autobiográfico de Lima Barreto é muito difundido pelos seus
estudiosos. Acredita-se que o fato de trazer para sua literatura a figura do negro, as
nuances da cidade do Rio de Janeiro, aspectos de sua realidade, é uma forma de se
reproduzir dentro de sua escrita, uma forma de manter-se vivo por meio da literatura.
O que não poderíamos desconsiderar totalmente, já que os ambientes na ficção de
Lima Barreto são cenários reais da cidade do Rio Janeiro, sociedade carioca do
século XIX.
A transfiguração do autor para sua escrita centra-se também para a
linguagem utilizada. Para alguns estudiosos, como Oliveira Lima (2011), acreditam-
se que a obra barreteana, sobretudo Policarpo Quaresma, “Refere-se à linguagem,
ou melhor, ao estilo, julgado menos cuidadoso e por vezes incorreto, por ser a
linguagem simples e propositalmente desataviada”. Reafirmando assim a postura de
Lima Barreto quanto à crítica à linguagem elitizada.
Em outras palavras, o romance mais popular de Lima Barreto traça um perfil
reverberante à chamada literatura dominante, uma vez que o autor é considerado
por muitos como aquele que se utilizou de uma linguagem descompromissada com
o meio social para mostrar a desvalorização da linguagem marginal e, com isso,
elevar as várias classes minoritárias como relevantes no plano nacional, já que só se
valorizava o cânone, o “de fora”. Figueiredo (1998) aponta caminhos que Policarpo
perpassa com objetivos distintos, de modo que sua postura frente à obra configura
uma grande ironia na narrativa, visto que o major era um homem de grande
conhecimento em um contexto cujo índice de analfabetos era alto; além disso,
contradiz um modelo de sociedade que pregava o destino dos livros apenas para
acadêmicos, no caso dele, “se não era formado, para quê?”.
O major, que não era um major propriamente, recebera esse apelido por
influência social e acostumaram-se a chamá-lo assim, portanto, o título ficou.
Policarpo, no auge de sua inocência quanto à maldade alheia, não percebia o quão
suas ações trariam para ele próprio grandes consequências. Sua forma
22

desordenada de agir desenlaça o ritmo do romance, de modo que compreendemos


muito mais a proposta de Lima Barreto quando nos detemos à crítica imbuída em
toda sua ironia. Ora, um personagem, sem formação acadêmica, mas considerado
como major em um contexto em que muitos intelectuais se julgavam de suma
importância devido aos seus títulos, requer pensarmos a dialética do saber
institucionalizado e do saber comum.
Lukács (2000), acreditava em um romance cujo domínio burguês imperava,
além de ser o romance a melhor forma de expressar os valores da burguesia –
dominante na sociedade capitalista. Desse modo, fica evidente o saber
institucionalizado frente ao saber comum, já que nas civilizações anteriores à nossa
o acesso ao conhecimento era direcionado para os mais favorecidos socialmente,
pelo fato de poderem pagar por essa educação, por essa literatura, por esses
conhecimentos, que nesse contexto eram vistos como produto, pelo fato de ser
acessível apenas a quem tinha certo poder aquisitivo. Pensando ainda nessa
composição do romance, Mello e Oliveira (2013) pontuam que:

O romance [...] é fruto dessa dualidade entre Eu e mundo externo; ele


nasceu em uma sociedade sem comunidade, “puramente social”, e busca
representá-la: é a epopeia burguesa. Nesse gênero, as objetivações do
herói não são diretamente utilizáveis pelo indivíduo, pois este não mais se
identifica com as ações do herói, que constrói um universo para o seu uso
individual, não coletivo. (MELLO; OLIVEIRA, 2013, p. 3-4).

Policarpo Quaresma se alinha a essa condição de sujeito que, apesar de não


ser um individualista, pensa um universo particular, é o seu mundo individual, mundo
esse que demais pessoas não compreendem e, talvez por isso, não podem ter
acesso a ele. Policarpo lida com os demais personagens na narrativa, alguns bem
próximos de seu convívio.
Anastácio, personagem quase ausente na narrativa, configura-se como um
sujeito hierarquicamente/socialmente abaixo de Policarpo, não só porque trabalhava
para ele, mas, sobretudo, por ser negro em um momento em que o Brasil acabara
de abolir a escravidão, o que não determinou de fato o fim dela no país, apenas
decretou juridicamente que uma pessoa não teria mais direito legal sobre outra, e,
ainda assim, isso não resolve toda a questão escravista. Essa questão é tratada
também na edição Para uma História do Negro no Brasil (1988) organizada pela
Biblioteca Nacional. Os negros “recolocados” na sociedade não garantiriam sua
23

cidadania propriamente, mas, ainda assim, havia certa preocupação em relação a


isso no século XIX:

Nas primeiras décadas do século, criou-se, particularmente em São Paulo,


uma "imprensa negra", preocupada com alguns dos problemas não
resolvidos pela abolição e em orientar o comportamento da comunidade
negra. A educação foi um de seus principais objetivos: o negro deveria
educar-se para elevar-se socialmente, além de evitar o alcoolismo, a
boemia e as arruaças. (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, p. 51).

O fato é que sendo Anastácio amigo, mas principalmente ajudante de


Quaresma, seu saber popular, em alguns momentos, supriria as necessidades do
major, mesmo este sendo um homem estudado, aqueles conhecimentos vindo dos
livros não serviriam para auxiliá-lo em todas as situações e isso ficará muito claro na
segunda parte do romance, quando Policarpo se refugiará no sítio Sossego e tentará
viver da agricultura.
Além da figura do negro Anastácio, tem-se, logo no início do romance a
representação também de Maria Rita, uma antiga lavadeira da casa do general
Albernaz. Ela aparece rapidamente no enredo da narrativa como personagem
circunstante de um momento em que Policarpo e o general vão à sua procura com o
intuito de aprender algumas modinhas brasileiras (estórias da tradição folclórica e
oral/popular) para a comemoração da festa na casa do general. A mulher emociona-
se saudosamente ao ver seu antigo patrão: “Quaresma faz com a cabeça sinal
afirmativo e a preta velha, talvez com grandes saudades do tempo em que era
escrava e ama de alguma grande casa, farta e rica, ergueu a cabeça, como para
recordar-se.” (BARRETO, 2011, p. 108-109). Isso remonta a uma ideia de que essas
pessoas que foram, por muito tempo, escravizadas não souberam lidar com a
liberdade posta ou talvez não tivessem consciência sobre ela.
Naquela época, a ideia de racismo ainda não era algo consciente, divulgada e
propagada como preconceito tal qual é hoje, portanto, não causaria em Albernaz ou
até mesmo em Policarpo mais sensibilidade às causas humanas, algum receio em
ter essas pessoas como seus ajudantes. Em outras palavras, como “empregados”;
embora eles não tivessem necessariamente um comportamento autoritário e
atitudes discriminatórias para com eles, como era de costume dos fazendeiros e
donos de escravos. O próprio Lima Barreto sofreu racismo, mas, mesmo assim, a
24

importância que se dava a esse comportamento naquela época era considerada


como “coisa menor”. No entanto, o escritor externou isso em suas obras.

1.1 – Os espaços na ficção de Lima Barreto

A ficção de Lima Barreto trabalha com a figura do negro, do marginalizado e


daqueles desfavorecidos socialmente para projetar na sociedade a desvalorização e
discriminação sofrida por eles. Para tanto, é preciso levar em consideração que o
autor carioca vivenciou marcas do preconceito racial e isso repercutiu em sua
escrita. Lins (1976) aponta que talvez tenha sido Barreto o escritor que enxergou o
Brasil com mais lucidez e verdade, contemplando assim a proposta de (CANDIDO,
1957, p. 27) no tópico “A configuração da obra”, quando afirma que “A obra
depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam a sua
posição”.
A pensar nos espaços descritos no romance de Lima Barreto, é interessante
mencionar que estes funcionam quase como um mapeamento do Rio de Janeiro, já
que se tratam de cenários reais da cidade, referência maior de dimensão geográfica
na narrativa. Estamos projetando a discussão para o século XIX da sociedade
carioca, muitos lugares dessa época existem ainda hoje. Benjamin Constant, por
exemplo, na época uma escola militar da Praia Vermelha, é o nome também de um
engenheiro que difundia ideais positivistas onde lecionou, é hoje um Centro de
referência nacional na área da deficiência visual.
Por outro lado, há espaços reafirmando puramente a ironia de Lima Barreto
no romance, já que este era contra o Positivismo, mas apresenta um Policarpo que
trabalhava no arsenal da guerra, na função de escriturário, justamente em uma
repartição pública. Ridicularizando assim o sistema republicano, pois criticava a elite
que se julgava intelectual e isso é recorrente, especialmente, no quarto capítulo da
primeira parte do romance, quando o diretor, chefe de Policarpo, se sente insultado
por ele, pelo fato de o major reconhecer a língua tupi e escrevê-la em ofício,
enquanto ele, sujeito estudado, não sabia lidar com a situação proposta. A cena
desenvolve-se assim:

O diretor levantou-se da cadeira, com os lábios brancos e a mão levantada


à altura da cabeça. Tinha sido ofendido três vezes: na sua honra individual,
na honra de sua casta e na do estabelecimento de ensino que frequentara,
25

a escola da Praia Vermelha, o primeiro estabelecimento científico do


mundo. Além disso escrevera no Pritaneu, a revista da escola, um conto –
“A saudade” –, produção muito elogiada pelos colegas. Dessa forma, tendo
em todos os exames plenamente e distinção, uma dupla coroa de sábio e
artista cingia-lhe a fronte. Tantos títulos valiosos e raros de se encontrarem
reunidos, mesmo em Descartes ou Shakesperae, transformavam aquele –
não sabe – de um amanuense em ofensa profunda, em injúria (BARRETO,
2011, p. 152, grifo nosso).

E o momento se segue com o diretor questionando Quaresma se ele teria


estudado naquela instituição de grande referência de ensino para se sentir tão
superior assim ao ponto de saber outro idioma e querer pregá-lo. Quaresma, por
sua vez, não tinha intenção de ofender, tampouco de inferiorizar alguém, no
entanto, o simples fato de ser um grande conhecedor da língua e da cultura, já era
incômodo suficiente para aqueles que se julgavam os inteligentes e inquestionáveis
pela formação que tinham. Desse modo, percebemos a crítica de Lima Barreto à
elite, à república dos bacharéis, os intelectuais da época, “donos da verdade”, pois
a grande indignação do chefe é o fato de Policarpo não ser formado e ousar saber
mais do que os colegas e até do que ele próprio, que ocupava um cargo superior ao
de Quaresma.
Essa crítica ao saber elitizado se dá pelo fato dele (os que detêm esse saber)
menosprezar o saber popular. Assim como em outros momentos da narrativa, há
esse embate entre o erudito e o popular, Policarpo está constantemente fazendo
esse contraponto. Além disso, há também um menosprezo por quem tem um
conhecimento notável, mas que, no entanto, não possui diploma, que é o caso do
major. Em uma cena de diálogo entre o general Albernaz, o doutor Florêncio (um
circunstante no enredo) e Genelício – namorado de uma das filhas do general
Albernaz – Quinota; este último questiona o fato de Policarpo ter tantos livros se
nem era formado, julgando ser uma inutilidade: “– Devia até ser proibido – disse
Genelício – a quem não possuísse um título ‘acadêmico’ ter livros. Evitavam-se
assim essas desgraças. Não acham?” (BARRETO, 2011, p. 136). Essa proposta de
repressão é rompida por Quaresma pelo fato de ser um homem bastante
conhecedor da cultura e do país, muito mais do que aqueles que se punham como
superiores.
Genelício é descrito como “submisso e bajulador”, qualidades não tão
atrativas para se candidatar a um possível noivo, no entanto, o casamento naquela
época era muito mais determinante como fator social do que hoje, não se levava
26

tanto em consideração o consentimento, havia muito mais um jogo de interesses, e


se queria unir riquezas para elevar os nomes das famílias envolvidas.
No caso de Genelício a bajulação não era em relação à noiva, e sim aos seus
chefes, que ocupavam cargos notoriamente superiores ao dele. O rapaz de quase
trinta anos era também um escriturário do Ministério e se fazia gênio para os
colegas, que o admiravam muito. Essas atribuições de homem “culto” muito
agradavam o casal Albernaz, que julgava aquele homem como ideal para a filha. O
narrador assim o descreve:

Não havia ninguém mais bajulador e submisso do que ele. Nenhum pudor,
nenhuma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo o incenso
que podia. Quando saía, remanchava, lavava três ou quaro vezes as mãos,
até apanhar o diretor na porta. Acompanhava-o, conversava com ele sobre
serviço, dava pareceres e opiniões, criticava este ou aquele colega, e
deixava-o no bonde, se o homem ia para casa (BARRETO, 2011, p. 134).

Ainda assim, Genelício era considerado um “bom partido”. A ideia de


casamento no romance é decorrente de uma convenção social por ser tratada
unicamente como “obrigação” para as mulheres, Quinota não é necessariamente a
personagem que aborda esse aspecto como projeção, isso será muito mais
recorrente em sua irmã, Ismênia, que assume condição de louca após o casamento
não ser concretizado. Todas essas instâncias pensadas por Lima Barreto para cada
personagem demarcam os espaços sociais de cada sujeito, no caso das mulheres,
assumem papel secundário dentro desse contexto republicano.
Como proposto pelo autor e por quem o estuda, o romance traça muitos
temas dentro de uma só obra, o contexto social, a cultura, a linguagem, a paisagem,
dentre outros aspectos são recorrentes em sua escrita, no entanto, a predileção
pela área suburbana do Rio é um fator predominante em suas narrativas, já que
destina também contos exclusivamente para tratar desse tema. Para Prioste (2006,
p. 79), “a cidade que se civilizava era constantemente ironizada por Lima Barreto.
Até porque precisou se mudar para os distantes bairros suburbanos por conta da
urbanização forçada.”.
Essas observações registradas pelo autor tratam da fisionomia urbana do Rio
de Janeiro, principalmente porque o próprio crítico jornalista defendia que alguns
patrimônios construídos na cidade não eram projetados para o povo propriamente,
prédios monumentais como o Teatro Municipal (luxuoso e de mármore), não era
27

para aqueles que não estavam inseridos na classe alta. Lima Barreto pretendia,
pois, dar voz justamente a esses menos favorecidos socialmente, assim como ele
próprio. O autor pensava sobre o progresso que já se estabilizava pela cidade: se
as construções civis não eram para todos, não se podia chamar de civilização ou de
progresso para o povo, mas sim de modernização conservadora. Segundo estudo
de José Carlos Pinheiro Prioste, professor e pesquisador do Rio de Janeiro:

A construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, iniciada em 1905, por


exemplo, era vista pelo escritor não como um sinal de progresso, e sim
como algo inviável, pois o seu ambiente luxuoso e repleto de mármores não
estava sendo planejado para o povo. [...] Barreto se alinhava com os
excluídos e se definia como possuidor da alma de um bandido tímido diante
de um palácio monumental (PRIOSTE, 2006, p. 77).

Assim, a geografia carioca era recurso para Lima Barreto, o autor admirava
as belezas do local, mas não deixava de criticar através de textos como sátiras e
crônicas, a arquitetura da cidade, no sentido de alegar desnecessárias construções
de prédios que tentavam imitar centros urbanos mais favorecidos. No entanto, sua
crítica atacava principalmente o fato de as classes minoritárias serem excluídas
nesses planos urbanos do governo, pois residiam em espaços periféricos, sem os
mesmos benefícios daqueles que faziam parte da camada rica da cidade.
Esse progresso motivado pelo início da industrialização era notado no Rio,
construções ferroviárias e civis eram criados e edificados, aflorando assim a
fotografia da cidade. Essa mudança no aspecto urbano influenciava também o
avanço no mercado de trabalho que, com novos ambientes de fábricas e redes
ferroviárias davam espaço para operários e funcionários trabalharem para lucro
individual e crescimento da cidade. A evolução no centro urbano balançava também
a vida cotidiana das pessoas, que agora saíam de uma zona de tradicionalismo
para uma dita civilização, mudavam-se alguns costumes e comportamentos.
A vida urbana, como de costume, era um tema que interessava em especial
à escrita de Lima Barreto, sua busca sob o viés da literatura pela justiça e igualdade
de classes não se consolidou ainda em sua época, no entanto, mais tarde, com os
novos ideais de arte, motivados pelo modernismo, exerceu-se, em partes, um pouco
da ânsia que o escritor tinha desde cedo de modificar um pouco o cenário do Brasil,
seus artigos e crônicas são registros da vontade que ele tinha de mudar o
28

pensamento daqueles que eram submissos a um sistema que ditava uma falsa
inclusão.
No entanto, Lima Barreto morreu em 1922, ano da Semana de Arte Moderna,
evento esse que promovia novas perspectivas culturais, no sentido de reivindicação
por liberdade de expressão, por linguagens mais próximas do cotidiano, o “grito” de
autonomia pela arte. O autor, portanto, não teve a chance de usufruir dessa
bandeira que ele tanto defendia, faleceu antes que pudesse ver propriamente a
continuidade dessas mudanças em prática, mas seus escritos deixaram legado
importante para isso acontecer: “Lima não chegou a ver essas mudanças serem
adotadas na prática, assim como não pôde acompanhar, mais tarde, o fim da
República Velha. De qualquer maneira, as transformações que vieram a reboque
não modificaram em nada a realidade dos excluídos” (PRIOSTE, 2006, p. 79).
Houaiss (1956) prefacia Vida Urbana de Lima Barreto, apontando a militância
da literatura do autor, que entendia essa arte como forma de comunicação e não
apenas como forma de expressão. Isso fazia com que a composição literária de
Lima Barreto chegasse a todos, sem distinção de classes, embora ele quisesse dar
voz àqueles que foram, por muito tempo, silenciados. “Lima Barreto quis embeber-
se do que há de tradição, fixação, codificação e estilização no uso da língua do seu
povo, de sua civilização, de sua cultura” (HOUAISS, 1956, p. 9). Isso reflete a
popularidade de Triste Fim... por se tratar de uma linguagem cotidianamente
utilizada como meio de valorização das minorias, como meio de registrar a
importância de uma cultura híbrida e como proposta de valorizar nossa identidade
nacional.
O teórico ainda ressalta ao leitor de Lima Barreto que o autor traz uma
literatura inerente à vida, pois aborda em seus romances os problemas referentes
às classes minoritárias:

Lima Barreto não poderá, porém – senão levianamente –, ser considerado


um absenteísta ou um ignorante da problemática da correção e da eficácia
estética da linguagem. E, correto ou incorreto, de bom ou mau gôsto, foi
incontestavelmente um escritor muito consciente dos móveis e fins, recursos
e meios – inscrevendo-se como um dos maiores, senão o maior, dos
escritores realistas desta fase crítica de nossa evolução social. E isso com
tal riqueza de “comunicação” e de “exposição”, que qualquer orientação
gramatical ou estilística se pode comprazer em ver quantas questões
queira, ligadas à formulação prática, lúdica, expositiva, silogística,
impressiva, expressiva, automática ou trabalhada do problema da arte
literária (HOUAISS, 1956, p. 11).
29

Desse modo, as muitas faces de Lima Barreto dialogam, supostamente, com


as várias fases do Brasil, o escritor teve seus autos e baixos, estudou certo período
de tempo em uma escola politécnica, no entanto, não concluiu os estudos, assim
como o país passava por conflitos decorridos de um governo autoritário e ditador.
Desde o centro aos subúrbios, sobretudo o seu, o de Todos Santos, Lima
Barreto narrava a vida por uma ótica pouco aceitada na época, pois criticava o
estrangeirismo e a mania dos brasileiros de quererem imitar a cultura de fora, a
intenção não era menosprezar a cultura diferente da nossa, mas conscientizar de
que nós não somos menores do que essas.
Policarpo, muito ativo nessas questões culturais, prontamente eleva nossos
costumes e tradições, que são vistos como algo imensamente absurdo e descabido,
mas não nos detemos a também achar estranho o que, involuntariamente,
praticamos como nosso, sendo que, na verdade, pertence a outras culturas. Lima
Barreto trata desse desejo da ascensão da nossa cultura de forma irônica, mesmo
sendo Policarpo, de modo muito cômico, representante desse pensamento. Dentre
muitos trechos do romance, há um especificamente que representa muito bem a
ironia de Lima Barreto sobre essa questão. Em visita a Policarpo, Olga e o pai se
deparam com um comportamento estranho:

- Mas que é isso, compadre?


- Que é isso, Policarpo?
- Mas, meu padrinho...
Ele ainda chorou um pouco. Enxugou as lágrimas e, depois, explicou com a
maior naturalidade:
- Eis aí! Vocês não têm a mínima noção das coisas de nossa terra. Queriam
que eu apertasse a mão... Isso não é nosso! Nosso cumprimento é chorar
quando encontramos os amigos, era assim que faziam os tupinambás
(BARRETO, 2011, p. 114).

Embora seja demonstrado de uma forma muito cômica, o autor não deixa de,
considerar a totalidade da obra, questionar o nacionalismo e nossas bases
democráticas. Nesse contexto de conflitos, enquanto muitos não percebiam as
artimanhas do governo, Lima Barreto já anotara com antecedência sua insatisfação,
pregava em sua escrita as ações transformadoras que pudessem solidarizar as
pessoas e conscientizá-las quanto aos deveres que deveriam assumir e os direitos
que lhes eram por lei.
30

O escritor carioca igualava-se àqueles que, como ele, eram pertencentes às


camadas sociais mais baixas, não teve uma vida de regalias ou luxos, veio de
família pobre e por ser negro, sofreu preconceito e discriminação. Quando mais
jovem tentou a vida através dos estudos, e iniciou o curso de engenharia, no
entanto, devido às circunstâncias em que vivia sua família, teve que deixar o curso
para trabalhar e ajudar o pai e os irmãos, já que a mãe falecera.
Redações de jornais serviram de espaços propícios para a produção do
jovem escritor, que mais tarde tornara-se jornalista. Lima Barreto escrevia para
criticar o comportamento político e social da cidade, percebia a hipocrisia daqueles
que o cercavam e isso é representado em seu primeiro livro, Recordações do
Escrivão Isaías Caminha (1907). Por ter uma linguagem mais despreocupada dos
moldes estéticos, Lima Barreto era muito criticado pelos contemporâneos de sua
época, sua escrita era considerada como desordenada, feia, objetiva demais.
O autor não escrevia com a intenção de embelezar sua escrita, estimular o
pensamento crítico, para ele, era mais importante, e era isso que procurava fazer,
aflorar os pensamentos daqueles que o liam, para que pudessem interpretar o que
estava nas entrelinhas. Seu intuito era, portanto, “libertar” aqueles que estavam
alienados por aqueles que ocupavam o poder.
Acompanhava sempre as leituras dos jornais, esses meios lhe serviam como
fontes de estudo, sobretudo, inspiração para conduzir sua escrita, visto que não se
contentava com o que as redações traziam como notícia para seu público. Em um
de seus artigos reunidos no livro Vida Urbana, o escritor afirmava: “O jornal é uma
fonte de estudo para mim. Nêle tenho aprendido muito, menos elegância porque, ao
que parece, Deus não quer que eu tenha êsse dom extraordinário” (BARRETO,
1956, p. 249).
Barreto via a arte como um fenômeno social; levá-la, no entanto, a todos, era
tarefa difícil. Sua conduta para a escrita nasceu cedo, apesar da carreira de escritor
ter sido só posteriormente, já na fase adulta. Desde menino enxergava com mais
atenção os problemas sociais à sua volta, no entanto, só na fase adulta registrou
sobre as questões sociais e suas implicações. A ficção de Lima Barreto revela
realidades sociais, descrição de objetos, comportamentos, ambientações e,
sobretudo, trata da condição humana. Como defende Bosi (2001, p. 318), “[...] as
cenas de rua ou os encontros e desencontros domésticos acham-se narrados com
31

animação tão simples e discreta, que as frases jamais brilham por si mesmas [...]
mas deixam transparecer naturalmente a paisagem, os objetos e as figuras
humanas”.
O inconformismo cultural levou Lima Barreto, assim como outros escritores de
sua época, à ficção, escrever como forma de denunciar a realidade hipócrita e
autoritária a qual o governo projetava. (FIGUEIREDO, 1997, p. 278) afirmava que
“Lima Barreto mergulha com paixão na polêmica sobre os rumos da presidência”.
Para Lins (1976):

Lima Barreto, que considera nociva a ideia de pátria, vem a definir-se como
um dos mais interessados analistas de nossa realidade geográfica, política
e psicológica. Aplica, com intensidade, todos os seus instrumentos de
apreensão e julgamento no estudo do país que o ignora. Sua obra [...] é
uma série de flagrantes exatos, variados, por vezes comovidos, muitas
vezes sarcásticos, frequentemente irados e nos quais reconhecemos o
Brasil [...].

É, portanto, a escrita do ficcionista carregada de críticas ao estado, ao


governo e a tudo que para ele representava hipocrisia e prepotência, seu
personagem Policarpo Quaresma é exemplo de uma ironia notória ao governo
republicano.
O meio em que o homem vive influencia seu comportamento e modo de vida,
o espaço que ocupa é preenchido por suas perspectivas, seus ideais, suas
experiências e forma de pensar, esse espaço sempre culminou na vida do homem,
se o sujeito é pertencente a um contexto de conflitos, isso o atingirá de alguma
forma, mas como esse contexto pode mudar, ocorrerá o mesmo com a postura do
indivíduo.
O homem e o meio social estão diretamente relacionados, sendo assim, o
sujeito e a espacialidade que ocupa são indissociáveis. O espaço vai assumindo
mais autonomia, visto que seu comprometimento com o homem leva à reflexão de
influência/relação. Portanto, notadamente o meio social para Lima Barreto era a
cidade do Rio de Janeiro, ambiente recorrente em suas obras, por ser sua terra de
origem e, sobretudo, porque nela captava de perto os conflitos ocorridos nesse
espaço, para traduzir em seus romances a vida das pessoas da época republicana,
cujo objetivo estava voltado para a dar visibilidade às minorias, como a comunidade
negra.
32

Jobim (1987, p. 219), sobre a obra de Lima Barreto, afirma que “A cidade do
Rio de Janeiro, seus tipos e costumes, forneceu os elementos humanos e sociais
com que trabalha em sua ficção”. Além de questões sociais e políticas abordadas
em suas obras, a urbanização da cidade vai surgindo em seus escritos, nos
permitindo, assim, uma leitura do espaço propriamente geográfico e do espaço
subjetivo presente em sua ficção.
Nesse sentido, a ambientação propriamente física descrita por Lima Barreto
vai ganhando forma, ao mesmo tempo em que esse espaço vai sendo preenchido
por personagens e situações que condicionam o sentido da obra. Bourneuf e Ouellet
(1976, p. 131) assinalam que “Longe de ser indiferente, o espaço num romance
exprime-se, pois, em formas e reveste sentidos múltiplos até constituir por vezes a
razão de ser da obra.” Já Antonio Dimas (1985) determina como “geografia literária”
o estudo desse aspecto.
33

II – O ESPAÇO SOCIAL DA MULHER NO ROMANCE

É notória a participação da mulher na literatura, porém, predominantemente


como minoria. Em várias questões, sejam elas no tocante à escrita, visando a
mulher como autora propriamente, ou na composição narrativa, considerando essa
mulher como personagem da produção literária, há sempre uma marginalização, no
sentido de ser, até hoje, a mulher um sujeito em falta com seu contexto, dada as
proporções de valores estabelecidos por uma sociedade considerada machista, no
sentido literal da palavra. Vale ressaltar que o viés adotado para o estudo em
questão trata do aspecto da imagem, certamente, a imagem da mulher e sua
posição social no espaço urbano.
Considerando um apanhado histórico, desde o Brasil colônia, a mulher esteve
destinada a limitações sociais que as impossibilitaram de viver em conformidade
com os homens, no sentido de não usufruírem dos mesmos direitos e regalias. Essa
participação da mulher na sociedade, assim como todo processo de mudança,
sofreu alterações que ora surtia efeitos positivos, ora culminava negativamente.
Exemplo disso, fora a própria educação destinada para homens e mulheres, não
havia abstinência por parte da sociedade, as atribuições de cargos e funções para
os sujeitos eram aqueles cujo homem poderia estudar e trabalhar fora; enquanto as
mulheres tinham que se contentar com os afazeres domésticos, as que “escapavam”
do analfabetismo, iam para conventos ou aprendiam a ler, escrever e contar apenas
para extensões também domésticas.
É importante ressaltar que os meninos e meninas que gozavam desses
privilégios eram aqueles de famílias economicamente favorecidas, para os demais
que não tinham recurso algum, restava, portanto, o trabalho pesado e a ausência de
conhecimentos formais. Oliveira (2012, p. 3) declara: “A economia colonial gerou a
formação de uma sociedade, na qual a mulher ocupava uma posição peculiar,
afetando grandemente sua imagem durante anos. Mantendo-se em segundo plano
em relação ao homem [...]”. Para tanto, a figura masculina sempre esteve em
superioridade em relação à feminina, e isso pode ser explicado por vários fatores: a
mulher era vista como “sexo frágil”, denominação que se estabeleceu e perdurou por
vários anos.
Hoje, essas classificações são entendidas como preconceitos e
discriminações, porém, em outras épocas, como na transição do século XVIII para o
34

XIX, não se tinha ainda propriamente essa consciência de preconceito; pois a


mulher inferior ao homem era algo comum à sociedade. A única possibilidade de
“fugir”, naquele contexto, de ser propriedade do pai ou marido, era entrar no
convento ou apelar para a prostituição, pois a condição de submissa era algo
totalmente naturalizado, não se tinha consciência social da equidade e de igualdade
de direitos: “[...] deve-se ressaltar que havia, na sociedade escravocrata brasileira,
uma aceitação total por parte das mulheres, fossem elas ociosas ou trabalhadoras,
de sua posição submissa perante a figura masculina, tanto dentro da família como
na sociedade em geral” (OLIVEIRA, 2012, p. 4).
As mulheres eram treinadas a serem educadas, mas não instruídas, em
concordância ao pensamento de Saffioti (1979), é viável pensar que isso era
recorrente àquelas que pertenciam a uma classe social mais alta, pois, no século
XVIII especialmente, a mulher já começara a frequentar outros ambientes como
teatros, festas e missas. Ainda assim:

Sua instrução geral, porém, permanece desvalorizada, uma vez que a


sociedade espera que ela seja educada e não instruída. A educação
doméstica acrescenta-se o cuidado com a conversação, para torna-la mais
agradável nos eventos sociais. Aos poucos, a mulher sai da domesticidade
e integra-se finalmente na sociedade [...] (SAFFIOTI, 1979, p. 185).

Isso não garantia, porém, sua ascensão social, mas permitia à mulher que
ocupasse outros espaços, além daqueles já pré-estabelecidos com as ocupações de
esposa, mãe e dona do lar. A questão era puramente instruir essas mulheres para
“treiná-las” a se comportarem de modo agradável perante à sociedade, já que
passaram a frequentar outros lugares acompanhando seus maridos, por uma
questão de status social. Infere-se aqui o prisma de que essa sociedade ainda não
estava preocupada com a mulher especificamente, mas com a imagem do homem
imerso no meio de trabalho, pois, esse homem precisaria de uma esposa instruída,
agradável e aparentável, reafirmando assim a ditadura da beleza para o universo
feminino como exigência social:

A nova conjuntura econômica e social revela a necessidade de dar à mulher


algum nível de instrução, não se abandonando, porém, a educação
doméstica. Não há nessa época, contudo, o desejo de instruir igualmente
homens e mulheres, nem tampouco promover uma equiparação dos papéis
sociais dos elementos dos dois sexos [...]. (SAFFIOTI, 1979, p. 190).
35

Conforme o discurso de Saffioti (1979), é verdade a afirmativa de que mesmo


a mulher ganhando mais espaço nas relações sociais, sua condição ainda estava
subjugada à figura masculina. Essa postura da mulher sempre foi alvo de grandes
críticas e julgamentos, no sentido de que em vários momentos da nossa história
houve muitos apontamentos quanto ao comportamento feminino, sobre o que deve
ser seguido, o que deve ser evitado e o que é aceitável rigorosamente pela
sociedade.
Não é à toa que o Brasil se constituía como República na transição do século
XIX para o XX, e isso foi periodizado por grandes transformações, sejam elas no
plano social, sejam elas no campo das artes, que verbalizavam e expressavam o
que se assistia em sociedade. Segundo Antonio Candido (1989), Lima Barreto
fundiu problemas pessoais com sociais, uma vez que estes, dificilmente, poderiam
ser dissociáveis pelo escritor, visto que a pobreza, a miséria e o racismo eram temas
tratados em suas narrativas e que estão vinculados, de algum modo, à sua vida.
Nesse sentido, se detendo a estudar, ainda que sucintamente, o espaço feminino no
romance de Lima Barreto, não se pode homogeneizar a condição feminina, haja
vista que só é possível entender o percurso panorâmico de cada sujeito
considerando sua cultura e história. Neste caso, a mulher no contexto republicano.
E pensar esse sujeito feminino na dinâmica social é um tanto problemático e
complexo, pois, mesmo que muitas transformações já tenham ocorrido em várias
esferas sociais, ainda assiste-se-a uma inversão de valores em relação a posição
social entre homens e mulheres. Mesmo quando as mulheres conseguiram,
finalmente, se libertarem das submissões, essa “liberdade” é insuficiente. O direito
conquistado, por exemplo, é o de poder trabalhar fora, mas, sem abandonar as
atividades domésticas, tendo assim dupla jornada, já que a casa e os filhos
continuavam sendo de sua responsabilidade. Algumas dessas questões são
tratadas na narrativa de Lima Barreto, não propriamente nessa ordem, mas em suas
personagens é possível refletir um pouco sobre essas questões.
Patrasso e Grant (2007), amparadas pela teoria Freudiana, abordam uma
questão interessante em torno do universo de estudo sobre a questão feminina.
Para elas, mesmo em uma ótica psicanalítica, a mulher insere-se no meio como
traço social. “O que quer a mulher?”, questão levantada por elas, pensada
inicialmente por Freud e retomada por Lacan. A recorrência a essa intervenção é
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pelo fato de partirem do mesmo interesse de estudo que o nosso: a mulher. Embora
em outra perspectiva, se alinham à nossa perspectiva de estudo, a teoria de
ambivalências: homem/mulher, visto que, em análise, a mulher está equiparada ao
homem, portanto, atribui-se esse efeito de binarismo, já que propõem-se a um
estudo da condição feminina comparada a condição masculina.
Essa perspectiva emprega-se adequadamente ao estudo pelo fato de dialogar
com a leitura que fizemos da obra. A centralização da análise está voltada para esse
binarismo e para “o argumento da diferença biológica”, proposto por Oliveira (2012).
Para tanto, esse “argumento” é utilizado como justificativa para explicar a
desigualdade entre homens e mulheres nos mesmos espaços sociais, considerando
ainda um contexto em que o corpo feminino era sexualizado e objetificado com mais
recorrência.
Ao tratar da mulher em sua ficção, Lima Barreto cria personagens para
representar a opressão vivida por elas de modo muito naturalizado. Triste Fim de
Policarpo Quaresma (1915) é uma obra em que, a priori, a imagem da mulher não
será provavelmente o mais perceptível, porque há muitos outros fatores em projeção
na narrativa, o patriotismo, o nacionalismo, a crítica social ao regime republicano e
essas questões ditas mais gerais. No entanto, há mais personagens femininas do
que masculinas no romance, considerando os principais sujeitos da obra. Dentre as
mulheres em questão, estenderemos a discussão em torno das personagens: D.
Adelaide – irmã de Policarpo, Ismênia – filha do general Albernaz e amigo do major
e por último Olga – afilhada de Quaresma. De alguma forma, todas essas estão
ligadas ao personagem central.
Os perfis femininos traçados na narrativa contemplam a postura da mulher
ora submissa, ora questionadora, uma que externa sua existência para servir, e
outra que se submete aos valores convencionais, como o casamento, por outro lado,
uma com mais discernimento dos acontecimentos à sua volta, tendo consciência da
imposição a qual está sujeita, mas que também não escapa ao sistema patriarcal e
tradicionalista adotado pela sociedade. Adelaide, Ismênia e Olga, além de ligadas ao
personagem protagonista, se entrelaçam também por outras questões: o casamento
e a condição social em que ocupam. Todas têm uma ideia particular sobre o
casamento, e suas ações refletem o que pensam a respeito disso.
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As várias imagens empregadas para retratar a mulher na obra de Lima


Barreto declaram a condição feminina vista de diferentes formas, reafirmando essa
posição configurada na literatura, já que a obra do escritor carioca é muito
conhecida, e ao longo do tempo consolida o sujeito feminino como aquele que
provocou mudanças no quadro social. Essa identidade da mulher por muito tempo
esteve atrelada à ideia de que o homem era senhor e dono do corpo feminino, termo
adotado por Oliveira (2012).
No romance de Barreto, a mulher sofre certo enquadramento social cujas
consequências não são perceptíveis por todos, já que para muitos essa opressão
está vinculada somente à violência física. Ao pensarmos na personagem Adelaide,
irmã de Policarpo Quaresma, percebemos que esta assume condição de cuidadora
do lar, uma mulher de pensamentos “limitados” em relação aos de Quaresma,
sujeito estudioso e interessado pelos assuntos referentes ao Brasil. Ela não era
exatamente uma mulher submissa a um marido, porque não o tinha, sua relação
com o casamento fora de distanciamento, possuía pensamento recluso em relação a
isso, não sentia necessidade de casar, mas também não era a mulher autônoma
que decidiria sobre sua própria vida, uma vez que convivia com uma figura
masculina, o irmão, e dedicava-se a cuidar dele, que para ela era o bastante.
O irmão Policarpo representava então o homem ao qual ela se submetia a
servir, sem receios, e este lhe queria bem. Para Adelaide, isso era natural, a
condição puramente de servir, além disso, possuía também pensamentos
preconceituosos em relação a Ricardo Coração dos outros, amigo de Policarpo, pelo
fato do rapaz fazer modinhas e cantá-las. Para ela, isso não era algo digno de
respeito, e o major deveria respeitar sua condição social de homem de idade e
subsecretário no Arsenal da guerra.
O comportamento de Adelaide era “compatível” a época em que vivia, visto
que no contexto do século XIX nem todas as mulheres tinham autonomia sobre suas
próprias vidas. Adelaide não estudara e não entendia de negócios, tampouco
casara-se, caminho sujeito a muitas desse tempo. A personagem pode ser
classificada, talvez, como secundária, já que a projeção da obra, se lida sem outra
pretensão, está voltada para o patriotismo de Quaresma. A voz dessa personagem
aparecerá logo no primeiro capítulo da primeira parte do livro. Sua pertinência na
obra é sutil, porém, perpassa vários momentos na narrativa, sempre à margem,
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constitui-se como aquela mulher sem maldade, sem grandes perspectivas do futuro,
mas com grandes habilidades domésticas.
Adelaide fora acostumada a cuidar e de ter uma presença masculina ao seu
lado; depois do pai, o irmão, sempre os julgando superior a ela, assim sentia-se
melhor, não sabia lidar com situações que fugiam de seu contexto doméstico, como
pessoas influentes e o mundo lá fora. Quaresma era consciente das limitações da
irmã e quando ele fora para o hospício, Ricardo a visitava para que ela não se
sentisse tão sozinha, já que tinha só o irmão de família. Nesse contexto em que
Policarpo esteve no hospício, julgado como louco por conta do requerimento,
pensava na irmã, sabia de suas limitações e preocupava-se:

A velha irmã, atarantada, atordoada, sem direção, sem saber que alvitre
tomar. Educada em casa sempre com um homem ao lado, o pai, depois o
irmão, ela não sabia lidar com o mundo, com negócios, com as autoridades
e pessoas influentes. Ao mesmo tempo, na sua inexperiência e ternura de
irmã, oscilava entre a crença de que aquilo fosse verdade e a suspeita de
que fosse loucura pura e simples (BARRETO, 2011, p. 158).

Adelaide paira sobre a consciência de Policarpo, mesmo sendo ele quem


estava em uma situação desfavorável, preocupava-se com a irmã, já que esta não
se via com propriedade de resolver os problemas. Apesar de não ser propriamente
uma protagonista, ela é uma personagem que representa muitas outras e motiva
reflexões, pois a figura da mulher não é propriamente um viés escolhido por Lima
Barreto, mas ele destina crônicas e romance concomitantes ao universo feminino, no
sentido, de escrever também sobre essa condição/aspecto, como é o caso de Clara
dos Anjos (1948). A mulher também ocupa espaço importante dentro da narrativa
barreteana, mesmo não sendo personagem principal.
O ideal romântico proposto pelo romantismo brasileiro do século XIX não
atingiu efetivamente as personagens em estudo, pois, estas não viam
necessariamente um “amor” em seus respectivos maridos, mas, talvez, uma forma
de permanência e ascensão social, atrelada ao moralismo que elas deveriam ter. O
casamento foi pensado na ótica de duração, ou seja, “casar para durar”, isso
contribuiria para a organização social e o culto a tradicional família. Para tanto, Lima
Barreto situa suas personagens entre o discurso do narrador e a percepção do leitor.
Não há afirmações ou negações de que ele escreveu especialmente para projetar a
39

mulher em sociedade, para fazer pensar a questão de modo mais democrático. Ele
escreveu, sobretudo, sobre minorias, cuja questão do feminino estava inclusa.

2.1 Ismênia, o casamento e o enquadramento social

Os laços sociais das famílias do século XIX eram formados baseando-se em


interesses financeiros, em poder e em aquisição social. Nesse contexto, a mulher
ocupava uma posição muito desprivilegiada em relação ao homem, pois, estava ela
sujeita a um matrimônio arranjado. E essa comparação emerge do tradicionalismo
de que todos poderiam decidir sobre o destino feminino, menos ela própria. O
casamento para muitas mulheres era uma forma de ascensão social, para outras
apenas uma “prisão”. De todo modo, um valor convencional a qual todas estavam
sujeitas. Com o avançar do tempo, essa união estável ganharia outras roupagens, e
a mulher teria domínio sobre sua escolha em relação ao parceiro, mas, ainda assim
presa a esse valor moral pregado por religiões.
A personagem que mais se aproxima dessa abordagem é Ismênia, filha do
general Albernaz, moça que adota certo comportamento passivo, no sentido de se
submeter às convenções sociais, mesmo sem consciência disso. Desde a primeira
premissa de casamento direcionada a ela, esta não externa suas ações a outros
objetivos, senão o de casar. A personagem é introduzida na obra por intermédio de
um diálogo com Adelaide, que inclusive lhe questiona quanto ao casamento. Fica
então perceptível que a presença de Ismênia reduz-se a isso, já que desde antes do
noivado sua família e os demais já predestinavam tal objetivo. Quando, finalmente,
consegue arranjar um noivo, todos a interrogam quando será o casamento, para
terem a certeza do destino “garantido” da moça. Ela, porém, responde sem grande
ânimo a mesma coisa de sempre; “Não sei... Cavalcanti forma-se no fim do ano e
então marcaremos”.
A personagem cuja classificação passiva era conformada com o destino de
casar-se, sua mãe D. Maricota sempre a repreendia quanto aos modos e
comportamentos que deviam todas elas ter, porque isso serviria de cartilha para o
casamento, a maternidade e obrigações domésticas como dona de casa. Ismênia,
descrita como um sujeito incapaz de decidir sobre si mesma, reafirma a ideia de que
as mulheres, naquele contexto, eram totalmente desautorizadas sobre suas próprias
vidas, nasciam e cresciam em uma cultura cuja finalidade para as mulheres era
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casar-se e construir uma família, para assim perpetuar o patriarcalismo e tradição.


Ismênia, segundo o narrador:

Não era feia a menina, a filha do general, vizinho de Quaresma. Era até
bem simpática, com sua fisionomia de pequenos traços mal desenhados e
cabelos de uma tinta de bondade. Aquele seu noivado durava há anos; o
noivo, o tal de Cavalcanti, estudava para dentista, um curso de dois anos,
mas que ele arrastava há quatro, e Ismênia tinha sempre que responder à
famosa pergunta: “Então quando se casa?” (BARRETO, 2011, p. 98-99).

A visita de Ismênia a Adelaide era em prol de um mandato do pai, este


convidara Ricardo Coração dos Outros, que nesse momento se encontrava na casa
dos irmãos Adelaide e Policarpo, para tocar em uma festa que o general pretendia
fazer em sua casa, motivo: casar, pelo menos, uma das outras filhas, já que Ismênia
estava “garantida” de um futuro decente para as mulheres da época. Para tanto,
Albernaz e Policarpo saíram em busca de alguém que pudesse contribuir para essa
comemoração, alguém que pudesse ensiná-los algo de atrativo para conduzir a tal
festa. No entanto: “Albernaz vinha contrariado. Contava arranjar um número bom
para a festa que ia dar, e escapava-lhe. Era quase a esperança de casamento de
uma das quatro filhas que se ia, das quatro, porque uma delas já estava garantida,
graças a Deus!” (BARRETO, 2011, p. 109, grifo nosso).
Apesar dos empecilhos, Albernaz consegue realizar a tão desejada festa,
Cavalcanti, noivo de Ismênia, viera também prestigiar; porém, sua relação com a
noiva é de indiferença, ela o observava com olhar de satisfação e muito grata pelo
favor que este lhe prestava em casar-se com ela. Não havia uma relação de amor
ou sentimento qualquer entre esses noivos, isso não importava ali, os casamentos
eram arranjados com outros interesses, cujo amor não estava propriamente incluso.
Para Ismênia, o amor ou a paixão era apenas uma ideia, e esta ficava à margem,
distante de sua realidade, o que importava mesmo era casar e livrar-se logo do fardo
de ficar “solteirona”, já que “a menina foi se convencendo de que toda a existência
só tinha para o casamento”.
O casamento, portanto, era negócio. Havia aquelas que faziam bom negócio e
outras que não tinham a mesma sorte. Logo aos dezenove anos, Ismênia arranjou
namoro com Cavalcanti e passou a viver em função disso, não era tão simples para
uma moça em sua idade garantir lugar de esposa com um rapaz respeitado, que no
caso de seu noivo, era muito bem visto, especialmente, por seus pais. Portanto,
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Ismênia tratou logo de ficar satisfeita e muito grata por seu destino, não havia mais
com o que se preocupar, casar era só uma questão de tempo, afinal, o noivo já
tinha.
D. Maricota foi quem mais influenciou a filha a pensar desse modo, pois
também reduzia sua existência ao casamento. Ismênia então passou a ver isso
como uma obsessão, um objetivo de vida:

A vida, o mundo, a variedade intensa dos sentimentos, das ideias, o nosso


próprio direito à felicidade, foram parecendo ninharias para aquele
cerebrozinho; e de tal forma casar-se se lhe representou coisa importante
uma espécie de dever, que não se casar, ficar solteira “tia”, parecia-lhe um
crime, uma vergonha. De natureza muito pobre, sem capacidade para sentir
qualquer coisa profunda e intensamente, sem quantidade emocional para a
paixão ou para um grande afeto, na sua inteligência a ideia de “casar-se”
incrustou-se teimosamente como uma obsessão (BARRETO, 2011, p. 120).

Ismênia seria então a mulher passiva às situações e submissa ao sistema


patriarcal, já que em nenhum momento tenta sequer mudar o rumo de sua própria
história, mesmo que se conformasse com a ideia matrimonial, esta não teria sido
exatamente uma escolha sua, mas algo sugerido com tom de imposição pelos pais.
Ela, porém, não hesitou e nem poderia, justamente pela sua condição de sujeito
leigo e passivo. O problema, porém, não centra-se na ideia do matrimônio ou
maternidade para as mulheres, mas na conjuntura que isso representa.
O capítulo três da primeira parte do romance, mesmo que intitulado como “A
notícia do Genelício” fazendo menção a uma figura masculina, destina grande parte
de sua seção para tratar de perfis femininos, já que nessa parte aborda-se muito a
questão do casamento e traça os perfis das mulheres mais recorrentes na narrativa.
Genelício não escapa ao sistema matrimonial porque também está ligado à família
Albernaz, denominado como namorado de Quinota, uma das irmãs de Ismênia.
Genelício era também um nome estimado pela família Albernaz:

Interessante é que os companheiros o respeitavam, tinham em grande


conta o seu saber e ele vivia na seção cercado do respeito de um gênio, um
gênio do papelório e das informações. Acresce que Genelício juntava à sua
segura posição administrativa um curso de direito a acabar; e tantos títulos
juntos não podiam deixar de impressionar favoravelmente as preocupações
casamenteiras do casal Albernaz (BARRETO, 2011, p. 135).

O casal Albernaz tinha, acima de tudo, o desejo de casar as filhas, para assim
se sentirem aliviados da responsabilidade de destiná-las a outro futuro, esse, com
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certeza, seria o melhor para todos, pois, seriam agora responsabilidade do marido. E
a noiva de Cavalcanti poderia, finalmente, responder com propriedade quando se
casaria... “em março”, pois o noivo já estará formado.
No entanto, seu desejo de casar não se realiza, pois, o noivo a abandona.
Ismênia então passa a ter alucinações, conduzida por crises de loucura, já que via
no casamento um propósito de vida e como este não ocorreu, então, para ela, nada
restava a fazer. A ideia do casamento fora plantada, alimentada e ao final não
concretizada, o que fez com que Ismênia enlouquecesse, não teria mais como
arranjar outro noivo, para ela, estava tudo perdido, restava, portanto, a loucura,
aspecto recorrente também em Policarpo.

2.3 Olga: consciência e recolhimento

Para Patrasso e Grant (2007), a questão da feminilidade é uma “invenção


cultural”; o que se alinha às expectativas criadas em torno do comportamento
feminino. A sociedade cultuou essa ideia de mulher com postura devidamente
feminina e comportamento aceitável perante os outros, para isso, portanto, há regras
e privações no caso de alguma contrariar as convenções. O que ocorre é que essa
produção discursiva ecoa durante muito tempo e acaba por determinar os papéis
entre homens e mulheres, sobretudo, dos enquadramentos sociais aos quais a
mulher tem de se submeter.
A terceira personagem em estudo, Olga, filha de Vicente Coleoni, possuía
personalidade cujo enquadramento social surtiu efeitos negativos, pois, diferente de
Ismênia, ela era mais segura de si, mais consciente sobre os acontecimentos à sua
volta. Afilhada de Quaresma, devido forte admiração do pai ao major, ela também se
casaria, em condição diferente da filha de Albernaz. Era a única talvez que entendia
o padrinho Quaresma com mais precisão: “A menina vivaz, habituada a falar alto e
desembaraçadamente, não escondia a sua afeição tanto mais que sentia
confusamente nele alguma coisa de superior, uma ânsia de ideal, uma tenacidade
em seguir seu sonho”.
Olga, pois, mostrava-se como a personagem mais próxima de Quaresma, no
sentido de ser ela a única que ainda conseguia decifrar e perceber nele algo além de
ideias de maluco como os outros o julgavam. A moça demostrava ser curiosa e tinha
o ar de reflexão. No entanto, apesar de parecer uma mulher mais autônoma em
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relação às outras, também se sujeita ao casamento, algo que para ela não tinha
tanto sentido, mas que precisava fazê-lo.
O quinto capítulo da terceira parte do romance é movido basicamente pela
consciência de Olga, que reflete sobre a condição do padrinho posto no hospício,
sobre as tantas outras pessoas que também lá habitavam e sobre si mesma como
sujeito privilegiado socialmente, se comparada àqueles que observava ali:

Parecia-lhe que a sua fortuna a punha acima de presenciar misérias;


recalcou, porém, dentro de si esse pensamento egoísta, o seu orgulho de
classe, e agora entrava naturalmente, pondo em mais destaque a sua
elegância natural. [...] E ela pensava como esta nossa vida é variada e
diversa, como ela é mais rica de aspectos tristes que de alegres, e como na
variedade da vida a tristeza pode mais variar que a alegria e como que dá o
próprio movimento da vida (BARRETO, 2011, p. 159).

Desse modo, tem-se uma Olga como sujeito que consegue enxergar aquilo
que os demais não percebiam, seus ideais não estavam voltados necessariamente
para uma postura puramente feminina. Sua percepção sobre a vida chegava até
aqueles que sequer sabiam da existência dela, mas Olga refletia, sobretudo, sobre
sua condição privilegiada, enquanto outros viviam em estado de miséria, na solidão,
no esquecimento.
A filha de Vicente Coleoni casa-se com Armando Borges, não muito feliz com
isso; “O marido é que estava contente. Não seria muito com a noiva, mas com a
volta que sua vida ia tomar.”. Através do casamento buscava interesses próprios,
como algum cargo público na cidade, escrevia por algum tempo textos de linguagem
“difícil” para o jornal, sua esposa o desprezava e percebia seu grau de indiferença e
seus interesses particulares, casou-se simplesmente porque ele dissimulava certa
inteligência e demostrava amor à ciência. No entanto, Olga sabia que o casamento
era de “fachada”, mas optou por casar-se mesmo assim, preferia não adiar algo que
mais tarde teria que fazer de qualquer forma, se não fosse com ele seria com outro.
Olga difere-se das demais:

Mas, de todas as figuras femininas, é Olga, afilhada de Quaresma, aquela a


quem Lima Barreto dedicou especial atenção. Contrapondo-se às demais
personagens, Olga vê o casamento com a criticidade de uma emancipação
feminina embrionária. Para ela, o casamento representara uma simples
formalidade. Preferia se casar para não ter de suportar a censura. Nisso
Olga apresenta um conformismo tradicional, mas a forma como encara os
rituais do matrimônio e tira proveito disso conferem à personagem um
desvio de conduta inegável (ARAÚJO, 2016, p. 11).
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Desse modo, pode-se considerar Olga a personagem feminina mais


consciente do romance. Casa-se porque, afinal, precisava casar. Mas
diferentemente de Ismênia, não tornou isso um objetivo de vida, pelo contrário, o fez
para não ter futuros problemas em ser a mulher “sem identidade”, sem um nome,
pois, o marido é que daria essa visibilidade à esposa.
Nesse período de tempo em que Quaresma esteve no sítio, Olga, depois de
casada, foi visitá-lo, o padrinho fica surpreso com a visita ilustre e pergunta pelo
marido, Armando Borges. O rapaz não se contentara com o passeio ao sítio para
visitar um homem que, para ele, não tinha nenhuma função importante, não tinha
posição pública que pudesse influenciar em sua carreira de médico. Aliás, se
questionava como o sogro, homem rico, escolhera o subsecretário sem nome
influente como padrinho de sua filha.
Olga refletia sobre sua condição de esposa e o ambiente parecia também
intervir na alma da mulher, que ao passear pelo campo observando a paisagem que
a natureza lhe proporcionava, pensava consigo mesma que queria ser homem por
um momento, para passar mais dias ali, conhecendo as terras, a vida no campo,
descobrindo como as pessoas dali sobreviviam, já que imaginara a vida no campo
mais frutífera e feliz. Olga era a única que compreendia o padrinho, entendia o
porquê de agir de tal forma; ainda assim, ao final do triste percurso de Quaresma ela
não pôde fazer muito por ele, apesar de ter tentado.
As personagens barreteanas respondem culturalmente a seu período, são
compreendidas dentro de seu contexto. Mesmo em um tempo marcado por uma
condição romantizada da mulher, Adelaide, Ismênia e Olga não são essas
personagens românticas, no sentido de apoiarem-se a uma união matrimonial “por
amor”, cada uma tem sua particularidade quanto ao tema, diferentes entre si, mas
entrelaçam-se por terem pensamentos distintos em torno do mesmo aspecto: o
casamento. Uma o renega, já a outra entrega-se a ele, quanto a terceira, esta não
renega-o, tampouco, entrega-se, mas assume o papel ciente das consequências.
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III – POR UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE

A questão de raça, cor, etnia é uma recorrência na obra barreteana, com isso,
o autor destina parte de seu trabalho à miscigenação e diversidade do país,
alinhando-se assim a uma questão de identidade nacional. Amartya (2015) traz
pontos interessantes sobre identidade, ainda que leve sua discussão para outro
rumo, sua fala dialoga com a proposta de estudos sobre identidade sugerida aqui. A
questão que o autor indiano, em sua seção sobre “Entender a Identidade” aborda, é
que as identidades são plurais e uma não se inferioriza em relação a outra. Essa
inferência norteia o entendimento quanto ao assunto, uma vez que se entende por
identidade, baseando-se no senso comum, aquilo que está relacionado à nossa
cultura, às nossas escolhas e ao nosso local de fala.
Ainda tratando da leitura de Amartya (2015), o sujeito, de modo voluntário ou
involuntariamente, faz suas escolhas, compondo assim sua identidade. Apesar de
parecer que reduz a questão da identidade puramente à escolhas, ele não a delimita
como simplesmente destino, a entende como processo de constante descoberta.
Para isso, elenca duas categorias que julga importantes para justificar sobre as
práticas diferentes do sujeito em relação as circunstâncias que o cercam. Primeira:
“decidir sobre quais são nossas identidades pertinentes” e segunda: “ponderar a
importância relativa dessas diferentes identidades”. Sendo assim, percebe-se aqui
pontos diferentes, no entanto, relacionados e que estimulam no mesmo sujeito
várias identidades, uma vez que podemos nos considerar como sujeitos híbridos.
Benedetto Vecchi (2005, p. 11) em entrevista direcionada a Bauman, introduz
uma discussão sobre o tema identidade pautando-se na linha de pensamento do
entrevistado. Para tanto, revela que a entrevista fugiu um pouco do senso comum
por ter sido realizada de forma muito fragmentada, razão essa justificada pelo
instrumento de contato entre ambos: o e-mail. Apesar disso, não deixa de trazer
importantes reflexões acerca do tema e revela que “A questão de identidade
também está ligada ao colapso do estado de bem-estar social e ao posterior
crescimento da sensação de insegurança, com ‘corrosão do caráter’ que a
insegurança e flexibilidade no local de trabalho têm provocado na sociedade.”.
É importante esclarecer que o texto introdutório de Benedetto Vecchi trata
especificamente de identidade na ótica de Bauman e que sua concepção de
identidade destina-se mais para o contexto moderno, apesar desse fato, se alinha a
46

situações e contextos anteriores ao pensamento de ambos. O romance em estudo


dialoga nitidamente com a questão de identidade e seus desdobramentos. E isso se
afirma quando o próprio Benedetto Vecchi (2005, p.11) aponta a “corrosão do
caráter” sugerido por Bauman como “apenas a manifestação mais marcante da
profunda ansiedade que caracteriza o comportamento, a tomada de decisões e os
projetos de vida [...]”. (grifos nossos); o que se aplica à condição de Policarpo.
Política de Identidade é um termo adotado por Benedetto para mostrar a falta
de consciência social quanto ao assunto, pois, esta é vista como algo à margem,
menos importante e por ser questionada a relevância política da identidade, ele
esclarece que:

A política de identidade [...] fala a linguagem dos que foram marginalizados


pela globalização. Mas muitos dos envolvidos nos estudos pós-coloniais
enfatizam que o recurso à identidade deveria ser considerado um processo
contínuo de redefinir-se e de inventar e reinventar a sua própria história. É
quando descobrimos a ambivalência da identidade: a nostalgia do passado
conjugada à total concordância com a “modernidade líquida”. (VECCHI,
2005, p. 13).

Ao pensarmos nos indivíduos que são socialmente marginalizados lembramos


quase que de imediato dos personagens de Lima Barreto, não só necessariamente
no romance em estudo, mas todos aqueles que compõem a obra barreteana. Há
sempre um negro à margem, uma mulher submissa, um indivíduo que está
desfavorecido em relação aos outros em algum aspecto. Isso se justificaria, talvez,
pelo fato do próprio escritor carioca ser negro e isso acarretar discriminações e
racismo, mas, sobretudo, pela sua visão e consciência social do mundo.
Portanto, a questão de identidade insere-se também no romance T. F. P. Q.
de Lima Barreto, especialmente na terceira parte, já que é o momento do livro em
que centra-se mais na pátria, no sentido de reunir conflitos e figuras políticas nesse
contexto de escrita. A primeira seção é introduzida pelo título “Patriotas”, o que
evidencia o conteúdo do texto em questão. Essa é uma forma de reafirmar a
conduta de Policarpo Quaresma, enquanto sujeito com ideais patrióticos e atitudes
questionadas. Além de acentuar-se aqui o ideal de pátria, cita-se também um nome
importante na história do país enquanto república, o marechal Floriano Peixoto, o
então presidente do governo positivista.
47

Apesar de ter sido uma figura influente, o marechal é descrito na narrativa em


tom irônico advindo da crítica de Lima Barreto a sua postura:

Com uma ausência total de qualidades intelectuais, havia no caráter do


marechal Floriano uma qualidade predominante: tibieza de ânimo; e no seu
temperamento, muita preguiça. Não a preguiça comum, essa preguiça de
nós todos; era uma preguiça mórbida, como que uma pobreza de irrigação
nervosa, provinda de uma insuficiente quantidade de fluido no seu
organismo. Pelos lugares que passou, tornou-se notável pela indolência e
desamor às obrigações dos seus cargos. [...] Toda a gente ainda se lembra
de como foram os seus primeiros meses de governo. (BARRETO, 2011, p.
274-275).

Lima Barreto assinala uma dualidade na postura do marechal, cuja


ambivalência oscila entre cruel e paternal. E apesar de ironizar o governo liderado
por Floriano, reconhece que, com a história e conhecimento de vida que este tinha,
não poderia ter ele outro comportamento ou outro pensamento na posição em que
ocupava, para o marechal, era importante estar frente ao governo, isso o
popularizava e dava-lhe pertinência.Porém, não fazia jus ao cargo. Em momento
circunstante de Policarpo com Floriano, ele o trata com desdém, Policarpo, no
entanto, mantinha-se entusiasmado com a presença daquela autoridade ali.
Ao se prontificar em servir o governo, Policarpo leva um manuscrito ao
palácio cujo presidente estaria, o que preocupa bastante a irmã Adelaide e nenhum
pouco o marechal Floriano que o recebe de mau humor. Após essa ocorrência o
major sai e encontra Bustamante, também major, que conheceu em ocasião de festa
na casa do amigo Albernaz, nesse ínterim, justifica-se o fato de Policarpo ser
nomeado como “major”:

Quaresma então explicou por que o tratavam por major. Um amigo,


influência no Ministério do Interior, lhe tinha metido o nome numa lista de
guardas nacionais, com esse posto. Nunca tendo pago os emolumentos,
viu-se, entretanto, sempre tratado major, e a coisa pegou. A princípio,
protestou, mas como teimassem deixou. (BARRETO, 2011, p. 280).

Esse questionamento de o porquê Policarpo recebe título de major é também


uma recorrência da dualidade entre o saber popular e o saber comum, pelo fato de,
em vários momentos do romance esse ser um tema também abordado por Lima
Barreto que insere em Policarpo situações em que o personagem passa por
constrangimentos por ser nomeado major e considerado incapaz por muitos.
48

Isso também se repetirá quando, logo em seguida, Policarpo vai ao centro da


cidade visitar seu compadre Coleoni e a afilhada Olga. Na ocasião comenta que fora
visitar o marechal, o que gera certa inveja no marido de Olga, Armando Borges.
Mais uma vez Lima Barreto faz uma crítica acentuada ao saber elitizado, pois,
Armando não queria igualar-se aqueles que julgava estar em patamar intelectual
diferente do seu:

[...] ele estava escrevendo ou mais particularmente: traduzia para o


“clássico” um grande artigo sobre “Ferimentos por arma de fogo”. O seu
último truc intelectual era esse do clássico. Buscava nisso uma distinção,
uma separação intelectual desses meninos por aí que escrevem contos e
romances nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo, um doutor, não podia
escrever da mesma forma que eles. A sabedoria superior e o seu título
“acadêmico” não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da
mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos. Veio-lhe então a ideia do
clássico. (BARRETO, 2011, p. 285).

Contrariamente a isso, a literatura de Lima Barreto foi considerada, por


muitos, como apontou Lilian Schwarz (2017) e Pereira (1963) entre outros
estudiosos, como “feia” e descompromissada com o teor literato. No entanto, o
próprio Lima Barreto considerou sua composição literária como marginalizada, talvez
sem pretensões estéticas, mas de caráter representativamente social. Isso corre
também pelo fato de Lima Barreto sempre tratar da identidade negra em suas obras
como forma de transcender-se por meio delas.
Além da identidade negra presente em seus romances, há a crítica a algumas
convenções sociais, no romance em estudo, o casamento é uma das condições
mais criticadas por Lima Barreto. Não necessariamente pelo ato em si, mas como
este se procedia em relação a identidade da mulher. No caso da personagem
Ismênia, isso se torna bastante nítido, já que é a figura que, por não conseguir
concretizar o ideal do casamento, sofre o drama da loucura e não sobrevive ao
último capítulo do livro.
Como centram-se em Policarpo Quaresma quase todos os acontecimentos da
narrativa, o caso de Ismênia não foge a essa regra. O major, em meio aos conflitos e
revoltas vividos no governo republicano, questiona o amigo Albernaz sobre a
situação da filha, que já demostrava sintomas de doença após o abandono do noivo.
O general Albernaz mostra descrença quanto a ciência, por ter investido todos os
seus recursos em função da cura da filha e nenhum dos profissionais fora capaz de
49

fazer o milagre esperado por ele. Policarpo então, vendo a situação, sugere que
Armando Borges, marido de sua afilhada Olga, examine a moça Ismênia.
Na ocasião em que Policarpo visita-os e fala da situação em pauta, Olga –
definida aqui como a mulher mais consciente do romance, pensava consigo sobre
esse ideal de casar e refletia:

Via bem o que fazia o desespero da moça, mas via melhor a causa, naquela
obrigação que incrustaram no espírito das meninas, que elas se devem
casar a todo custo, fazendo o casamento o polo e fim da vida, a ponto de
parecer desonra, uma injúria, ficar solteira. O casamento já não é mais
amor, não é maternidade, não é nada disso: é simplesmente casamento,
uma coisa vazia, sem fundamento nem na nossa natureza nem nas nossas
necessidades. (BARRETO, 2011, p. 319).

Olga sempre demonstrou mais aptidão intelectual em relação as outras


mulheres da narrativa, isso se justifica também pelo fato de sua classe social ser
favorecida em relação às demais e, portanto, ter recebido mais orientação e
educação. Armando Borges, ao saber de Quaresma que precisaria ver Ismênia, fez
pouco caso. Afinal, isso não lhe renderia nada que pudesse promovê-lo, mas “[...]
levava a íntima convicção de que a sua ciência nova pudesse fazer alguma coisa;
mas assim não deu”. (BARRETO, 2011, p.322).
Concomitante a isso, há também ambivalências no romance em relação a
medicina considerada oficial e a medicina popularizada entre as pessoas mais
pobres. Essa dualidade contrária está representada nas figuras de Sinhá Chica –
popular – e o doutor Campos – medicina oficializada. A primeira voltada para
aqueles mais miseráveis, no sentido literal da palavra, e a segunda para os outros
favorecidos socialmente cuja saúde não poderia ser avaliada puramente pela
experiência e conhecimentos empíricos daqueles circunstantes.
Quase toda a trama que oscila entre o capítulo três e quatro da última parte
do romance destina-se para o desfecho da personagem Ismênia, que despede-se da
história antes mesmo que ela acabe. A moça já sofria alucinações, e enquanto
conversava com a mãe, Dona Maricota, tratou logo de conscientizá-la quanto à sua
morte. A mãe, porém, ficou receosa, mas não acreditou de início nessa afirmação da
filha.
O que Ismênia pede a mãe só reafirma o drama da loucura sofrido por ela, já
que segreda a mãe que tem o desejo de ser enterrada com o seu vestido de noiva.
Sabendo disso, Dona Maricota sai em lágrimas da presença da filha, aquilo lhe
50

pareceu forte e, apesar de saber que a filha já não estava bem há meses, lhe
pareceu uma inverdade, no fundo sabia que era uma despedida. Em um momento
em que a mãe precisou sair, Ismênia se encontrava sozinha no quarto, as irmãs
ficaram de olhá-la vez ou outra, mas não se interessavam muito por essa tarefa.
Sendo assim, Ismênia sente o desejo de admirar seu vestido, então o pega do
guarda-roupas, não se contentando em observá-lo apenas, o veste e em um rápido
suspiro de “ai” cai morta na cama: “Quando a vieram ver, estava morta”. (BARRETO,
2011, p. 324). O enterro não se demorou muito também, Quaresma, ao fitá-la no
caixão, pensava:

Pouco mudara, entretanto. Era ela mesma ali; era a Ismênia dolente e pobre
de nervos, com os seus traços miúdos e os seus lindos cabelos, que estava
dentro daquelas quatro tábuas. A morte tinha fixado a sua pequena beleza e
o seu aspecto pueril; e ela ia para a cova com a insignificância, com a
inocência e a falta de acento próprio que tinha tido em vida. (BARRETO,
2011, p.325).

Cada membro da família de Ismênia comportava-se de um jeito diferente, a


casa de Albernaz encontrava-se mais uma vez permeada de gente. No entanto,
desta vez, por um motivo contrário as festanças de costume, motivo este que reuniu
mais pessoas em relação aos dias de festa. O general apenas ficava em silêncio.
Talvez o próprio Lima Barreto utilizou-se dessa oposição para fazer refletir sobre a
questão do casamento como ideal de condição perfeita, principalmente, no tocante a
identidade da mulher que leva consigo esse “fardo”.
No caso de Ismênia, fecha-se o ciclo da família de Albernaz, no sentido de
que a mesma casa que antes se via com muita gente em razão de festa – com o
objetivo de casar as filhas - ao final, contrariamente, encontra-se cheia de gente pelo
enterro da filha em função também do casamento. Talvez o destino de Ismênia fosse
diferente sem as pressões pelas quais tinha passado e sofrido.
Essas e outras predileções de Barreto são explicadas por alguns autores. Em
“Posições políticas de Lima Barreto”, Pereira (1963), revela a postura dele enquanto
escritor de “prosa largada” e por isso possui excelentes formas de expressão,
mostrando assim seu sentimento em relação ao conteúdo da obra. Talvez por isso
faça propositalmente esse “jogo” com a linguagem, essa forma de ironizar os temas
movidos dentro da narrativa. O autor ainda acrescenta:
51

Os artigos de Lima Barreto são escritos naquela maneira correntia e


familiar, por vezes propositadamente descuidada, que caracteriza o seu
estilo, que era nele também uma forma de inconformismo e protesto contra
a ênfase e o formalismo vazio, que predominavam no “estilo” do tempo. [...]
a sua proposta largada possui excelentes qualidades de expressão, e isto
deve, segundo suponho, a própria natureza de seu conteúdo, que revela
com simplicidade e sinceridade os mais profundos pensamentos e
sentimentos do escritor. (PEREIRA, 1963, p. 37).

Ainda na linha de raciocínio de Pereira (1963, p. 38), a performance literária


de Lima Barreto nunca abandonou sua realidade. Ele contempla mais adiante esse
pensamento: “Lima Barreto permanecia intransigente na sua posição de escritor que
jamais se desligara do povo [...]”. Seu objetivo era, portanto, combater as opressões.
Assim como satirizava o governo republicano em seus escritos, criticava
também a forma de como as pessoas reagiam à situação, bajulando aqueles que
podiam representar ou influenciar em alguma posição social mais favorecida. E isso
está dissolvido no romance em vários momentos. Quando, por exemplo, as pessoas
faziam questão de cumprimentar o marechal Floriano Peixoto após a vitória de seu
governo para que ele visse que estas pessoas estavam ali prestativas e felizes junto
a ele:

Toda a gente queria mostrar-se a Floriano, queria cumprimentá-lo, queria


dar mostras da sua dedicação, provar os seus serviços, mostrando-se
coparticipante na sua vitória. Lançavam mão de todos os meios, de todos os
planos, de todos os processos. O ditador tão acessível antes agora se
esquivava. Havia quem lhe quisesse beijar as mãos, como ao papa ou a um
imperador; e ele já tinha nojo de tanta subserviência. O califa não se
supunha sagrado e aborrecia-se. (BARRETO, 2011, p. 358-359).

Essa predileção por bajular em vez de conscientizar-se em relação ao que


ocorria no governo republicano era comum devido ao medo e falta de entendimento
das pessoas sobre o que realmente acontecia ali diante dos seus olhos. Então
bajular seria mais fácil de chegar ao marechal, no sentido de ter algum privilégio, até
porque contrariá-lo de algum modo não seria uma boa ideia, já que podia ser punido
por isso. Policarpo Quaresma representa justamente o “rebelde” que não
concordava com muitas ações do governo Floriano, e era punido por pensar
diferente.
Os personagens de Lima Barreto, de um modo geral, fazem um apanhado
histórico na identidade nacional do país, já que sempre representam aqueles que
lutam pelos seus direitos e sonhos. Cada um desses personagens compõe o quadro
52

de heróis do Brasil, não necessariamente nas figuras de grande influência social,


mas projetados naqueles que são marginalizados e oprimidos de alguma forma, ora
pelo sistema, ora pelas classes dominantes. Silveira (2006) classifica essa condição
como “testemunho histórico” e afirma que:

As histórias “anônimas” desses personagens literários foram, durante muito


tempo, desconsideradas pela historiografia brasileira, pois esta não as
reconhecia como testemunhos históricos. Nos dias atuais, o debate sobre
os cruzamentos entre a história e a literatura é ainda candente. (SILVEIRA,
2006, p. 3).

A partir disso, questiona-se a literatura como documento histórico, no sentido


de entendê-la como fonte de pesquisa e resgate à historiografia, mesmo tratando-se
de uma dicotomia entre ficção e realidade, já que o que se comprova como
documento histórico aquilo que é considerado fato e como literatura aquilo que paira
sobre a ficção e o irreal. Mesmo assim, para qualquer leitor avisado e consciente, é
sabido que as narrativas, em sua grande maioria, ambientam-se em contextos,
senão históricos, políticos ou sociais de uma determinada época. É preciso situar, de
algum modo, o conteúdo daquilo do que se diz. Ficando evidente assim a função
social da literatura frente as questões consideradas puramente “reais”. Desse modo,
Silveira (2006) completa seu raciocínio sobre essa questão, alegando que:

Ao se eleger a produção literária como documento histórico, deparamo-nos


com a discussão da literatura como fonte histórica, visto que esse material,
ao transitar entre a ficção e a realidade, permite-nos uma re-leiturados
aspectos e das semelhanças da realidade vivida numa temporalidade
passada, mas também gera muita discussão sobre sua validade como fonte
para a pesquisa histórica. (SILVEIRA, 2006, p. 3).

Portanto, no caso em estudo, a literatura assume sim papel de documento


histórico, já que é por meio dela que traçamos nossas inferências sobre os aspectos
escolhidos para observar no romance de Lima Barreto. Espaço e identidade aqui,
enfim, relacionam-se de modo que isso se evidencia desde a postura da mulher
frente a sua identidade social.
Ainda dialogando com Silveira (2006), é possível afirmar que, se os romances
– por meio dos personagens – buscam mostrar sentimentos vividos por eles cujo
contexto de inserção, então torna-se uma reafirmação a ideia de ficção atrelada à
realidade como forma de documentar determinado período da história. O que ocorre,
53

portanto, é um pretexto ficcional, ou seja, os escritores utilizam-se de seus romances


para evidenciar insatisfações de muitos, mas que poucos teriam voz para se
pronunciar. Assim, as narrativas funcionam também como meio de denúncia, porém,
de uma forma relativizada, já que tratam-se de uma composição literária e que
incorporam-se como ficção.
E é justamente isso que Lima Barreto faz o tempo todo no romance Triste Fim
de Policarpo Quaresma, porém, nos capítulos finais evidencia o fracasso do
personagem Policarpo frente seu amor à Pátria. Nada adiantara sua dedicação e
sacrifício:

[...] o Quaresma de tão profundos pensamentos patrióticos, merecia aquele


triste fim? De que maneira sorrateira o Destino o arrastara até ali, sem que
ele pudesse pressentir o seu extravagante propósito, tão aparentemente
sem relação com o resto da sua vida? Teria sido ele com os seus atos
passados, com as suas ações encadeadas no tempo, que fizera com que
aquele velho deus docilmente o trouxesse até a execução de tal desígnio?
Ou teriam sido os fatos externos, que venceram a ele, Quaresma, e fizeram-
no escravo da sentença da onipotente divindade? Ele não sabia, e, quando
teimava em pensar, as duas coisas baralhavam, se emaranhavam e a
conclusão certa e exata lhe fugia. (BARRETO, 2011, p. 347).

Observa-se aqui a consciência de Quaresma pairando sob quase todo último


capítulo do romance, intitulado como “A afilhada”, por destinar também espaço a ela,
mas voltado principalmente para a grande desilusão de Policarpo. Ele chora ao se
dar conta de que nunca mais veria a querida irmã Adelaide, o amigo Anastácio, a
afilhada Olga e aqueles a quem estimava muito.
As vivências sociais dos personagens em Triste Fim de Policarpo Quaresma
se direcionam para o contexto republicano, período real da história, de modo que o
romance está entre os meandros do romantismo e modernismo. Desse modo, é
sabido das mudanças que ocorriam no cenário social e quão estas influenciaram
também na produção literária. Por isso, outros escritores e o próprio Lima Barreto se
propuseram a escrever em suas obras o que observam em suas experiências. Cada
um baseando-se na sua própria ideologia. Pereira (1963, p. 38) comparava outros
escritores a Lima Barreto: “[...] – eram articulistas identificados com interesses e a
ideologia das classes dominantes”. Cada um relatava a vida sobre sua ótica.

3.1 República e Positivismo


54

Rodriguez (2009), em seu trabalho intitulado “A instabilidade Política na


Primeira República Brasileira”, afirma que: “O processo de proclamação não teve a
participação de populares e as incertezas sobre como manter os meios de
manutenção da república foram constantes.” Desse modo, infere-se aqui o primeiro
momento democrático e importante do país enquanto República. Apesar disso,
assiste-se muitos conflitos em torno dessa constituição e isso se justifica pelos
diferentes tipos de interesses políticos que os grupos envolvidos tinham. Essas
lideranças, em caráter regional, distribuíam-se entre Minas Gerais, São Paulo e Rio
Grande do Sul.
Para tanto, 1889, em 15 de novembro mais precisamente, iniciava-se o
governo republicano, provisório, nesse primeiro momento, seguindo bases
federalistas, ocasionando algumas mudanças. Cotrim e Gilberto (1995, p. 13)
apontam que; “Com a República, Estado e religião foram separados, e o Brasil
deixou de ter uma religião oficial – como era o catolicismo até o final do império.”.
Portanto, com o governo provisório, novas leis foram implantadas, um dos objetivos
era o crescimento comercial – no setor industrial, para gerar lucro financeiro e pagar
os operários que agora trabalhavam em fábricas, já que acabara a mão de obra
escravista.
No entanto, a inflação afetou o salário dos trabalhadores, que se mobilizaram
para conseguir o direito de uma jornada de trabalho menor em concomitância a um
aumento salarial. Essa crítica à Primeira República e a forma como o governo
administrava o país aparece no romance de Barreto em várias dimensões, uma
delas é em uma conversa entre o general Albernaz e o Contra-Almirante, também
general, Caldas. Em diálogo, Albernaz diz:

A República precisa ficar forte, consolidada... Esta terra necessita de


governo que se faça respeitar... É incrível! Uma país com este, tão rico,
talvez o mais rico do mundo, é, no entanto, pobre, deve a todo mundo... Por
quê? Por causa dos governos que temos tido que não têm prestígio, força...
É por isso. [...] Deodoro nunca soube o que fez. (BARRETO, 2007, p. 92).

É notável a presença da crítica ao governo, na voz de um personagem que é


general, que de certa forma, ocupa um cargo público e tem seu sustento a partir
dele, mas que percebe a inflação acelerada e reflete sobre outros tempos em que a
vida já tinha sido melhor, agora ninguém poderia sequer casar-se, já que sempre
teve predileção pelo casamento das filhas.
55

Traçando uma visão panorâmica do governo republicano, de modo geral, as


pessoas não tinham liberdade para falarem o que pensavam sobre o regime, e
aqueles que tinham alguma posição social, emprego ou era beneficiado de alguma
forma, eram sujeitos a concordarem com tudo, pois poderiam perder o emprego, o
cargo do qual precisavam dele:

Bastava a mínima crítica, para se perder o emprego, a liberdade, quem


sabe? A vida também. Ainda estávamos no começo da revolta, mas o
regime já publicara o seu prólogo e todos estavam avisados. O chefe de
polícia organizara a lista dos suspeitos. Não havia distinção de posição e
talentos. Mereciam as mesmas perseguições do governo um pobre contínuo
e um influente senador, um lente e um simples empregado de escritório.
(BARRETO, 2007, p. 95 – 96).

Além disso, o positivismo exerceu bastante influência sobre a primeira


República, haja vista o mentor marechal Floriano Peixoto adotar postura autoritária
frente a essa corrente teórica, no sentido de abuso de poder e doutrinação durante
seu governo. O país não era o que poderíamos chamar de uma nação
organizada.Para Rodriguez (2009):

A questão do positivismo estava ligada ao caráter doutrinário, o apelo ao


rigor científico e a matematização. Seus seguidores eram vistos como
pensadores e não como membros de ação. O que ocorre com o positivismo,
aqui no Brasil - diferentemente de Portugal que irá trilhar um rumo com a
teoria de Stuart Mill, o abandono da religião da humanidade e as
indisposições com o governo representativo – será a prática autoritária e
que mais tarde se caracterizaria pela prática de autoritarismos doutrinários
[...]. (RODRIGUEZ, 2009, p. 3-4).

O contexto social dos anos 1889 a 1930 foi de grande relevância política e
determinante para muitos, no caso dos negros, após a abolição dos escravos, esse
fator foi negativo por não conseguirem mais se integrarem à sociedade de modo
digno. Alinhado a isso, tem-se um personagem na figura de um antigo escravo:
Anastácio. Muito querido por Policarpo, mas que ver-se abandonado por ele.
E isso ocorre porque Policarpo Quaresma, já nos capítulos finais do livro,
assume função de comandante de destacamento, já que incorporava-se ao batalhão
Cruzeiro do Sul, desde cedo tinha suas pretensões militares, junto a ele estava
Ricardo Coração dos Outros, seu amigo, na função de cabo. Ambos deslocados e
observadores dos conflitos a volta: “Quaresma recolheu-se ao seu quarto e
continuou os seus estudos guerreiros. [...] Os acontecimentos eram os mesmos e a
56

guerra caía na banalidade da repetição dos mesmos episódios” (BARRETO, 2011,


p. 302). O major sofria com as notícias de violência que recebia sobre o governo e
mantinha a consciência sobre a república; “Naqueles tempos, toda a gente tinha
medo de tratar com autoridades. ” BARRETO, 2011, p. 317).
Apesar de manter-se distante do sítio Sossego, Policarpo sentia falta daquele
lugar que lhe inspirou paz após outros conflitos. Lembrava-se com ternura da irmã
Adelaide sempre cuidadosa com ele e dos conselhos de Anastácio. Em carta à
Adelaide, o major narra o horror à guerra:

Querida Adelaide. Só agora posso responder-te a carta que recebi há quase


duas semanas. Justamente quando ela me chegou às mãos, acabava de
ser ferido, ferimento ligeiro é verdade, mas que me levou à cama e trar-me-
á uma convalescença longa. Que combate, minha filha! Que horror! Quando
me lembro dele, passo as mãos pelos olhos como para afastar uma visão
má. Fiquei com horror à guerra que ninguém pode avaliar... Uma confusão,
um infernal zunir de balas, clarões sinistros, imprecações – e tudo isto no
seio treva profunda noite... [...] Eu matei, minha irmã; eu matei! E não
contente de matar, ainda descarreguei um tiro quando o inimigo arquejava a
meus pés... Perdoa-me! Eu te peço perdão, porque preciso de perdão e não
sei a quem pedir, a que Deus, a que homem, a alguém enfim... [...] Além do
que, penso que todo esse meu sacrifício tem sido inútil. (BARRETO, 2011,
p. 335-336).

As decepções de Quaresma já se evidenciam desde o momento da carta à


irmã até seu último momento de reflexão quanto ao que tivera feito da vida. Em
relação ao governo, pregava-se o progresso, era este o ideal que queriam, no
entanto, a ordem deveria prevalecer: ordem essa instituída como a ditadura das
espadas.

3.2 Pátria Reversa

República da Espada – nomeação atribuída ao governo republicano, por ter


sido liderado por dois militares. Os marechais Floriano Peixoto e Deodoro da
Fonseca intitularam duas ruas de uma pequena vila do Rio de Janeiro próxima à
casa de Quaresma, seguindo uma estação de ferro, de forma que Deodoro da
Fonseca dava nome a rua mais antiga e Floriano Peixoto à nova, articulando-se
assim a ordem cronológica dos primeiros presidentes do Brasil.
As hierarquias sociais presentes na obra são notáveis, visto que a hipocrisia e
interesses são visíveis em alguns personagens, caso de Armando Borges, marido
de Olga Coleoni, que se orgulhava de seu posto de médico, se preocupava tanto
57

com a imagem ao ponto de querer se acompanhar apenas com sujeitos de nomes


influentes para dar mais projeção ao seu. Além disso, a estratégia de forçar
Policarpo a voltar para a cidade se deu pelo fato de rumores de que o homem havia
se mudado para o sítio com pretensões políticas, ele que nunca se metera na
política, mas pelo fato de ajudar os mais próximos, o julgaram de estrategista para
chamar atenção, isso também elenca-se como ponto crucial dessa pátria revessa,
contraditória, desorganizada.
Contudo, Policarpo nada tinha de relação com a política. O regime
republicano era motivado pelo autoritarismo e má orientação administrativa do país,
o interesse de Quaresma era defender sua Pátria, com honestidade e sabedoria. Ao
contrário dos ideais do major, a liderança política era baseada em corrupção,
prometiam e não cumpriam:

Os governos, com os seus inevitáveis processos de violência e hipocrisias,


ficam alheados da simpatia dos que acreditam nele; e demais, esquecidos
de sua vital impotência e inutilidade, levam a prometer o que não podiam
fazer, de forma a criar desesperados, que pedem sempre mudanças e
mudanças. (BARRETO, 2007, p. 101).

Em contraponto aos ideais do governo, além de Policarpo, estava Olga, que


era consciente das incoerências, mas não falava nada a pedido do pai, por medo
de comprometê-lo. A descrição do espaço do palácio onde ficava o senhor
marechal não era exatamente o que Quaresma esperava que fosse; “Tudo era
desleixo e moleza”. No início da era republicana, Floriano Peixoto assumiu o cargo
de presidente ainda inexperiente com a administração; “A sua concepção de
governo não era o despotismo, nem a democracia, nem a aristocracia; era a de
uma tirania doméstica”. (p. 106). Suas preocupações com o país não superavam a
predileção pela família, a qual ele se preocupava em deixar desamparados e com
dívidas.
Quaresma, devido às revoltas e guerras que agora ocupavam o espaço da
cidade, lembrava-se do sítio Sossego com certa ternura, porque aquele era um
lugar que traduzia tranquilidade, uma paz que agora já não se fazia possível.
Quando as revoltas chegam ao fim, os únicos a se entristecerem são os generais,
Albernaz e Caldas, que agora não sentiam que poderiam comandar, perdera a
chance de liderar uma esquadra, e com isso voltariam ao posto de antes. O triste
fim de Quaresma deu-se devido sua prisão, ainda que ele tentasse entender ao
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certo o porquê, não sabia com exatidão o motivo de estar ali. Via-se a refletir sobre
todo o seu esforço patriota de que de nada adiantara. Aceitou a posição de
carcereiro sem manifestações de desespero.
O major queria ao menos encontrar seus amigos e familiares ou escrever
mais uma vez a eles. Veio então a mente de estar preso por ter escrito uma carta
ao presidente em tempos atrás, “[...] ele atribuía a prisão à carta que escreveu ao
presidente, protestando contra a cena que presenciara na véspera. ” (p. 144).
Fecha-se assim o percurso de Quaresma, sem grandes feitos e regado de
desilusões e angustias, refletindo sobre todo o seu esforço em vão, pensava:

Foi o seu isolamento, o seu esquecimento de si mesmo; e assim é que ia


para a cova, sem deixar traço seu, sem um filho, sem um amor, se um beijo
mais quente, sem nenhum mesmo, e sem sequer uma asneira! Nada
deixava que afirmasse a sua passagem e a terra não lhe dera nada de
saboroso. (BARRETO, 2007, p. 146).

As reflexões de Quaresma se valem do espaço que agora ele ocupa, a prisão.


Se decepciona com a insensibilidade alheia, pela falta de credibilidade dos outros
quanto ao seu posicionamento patriota, mas agora parece que um “choque de
realidade” soprou-lhe os ouvidos, seu fim é mais triste pelas desilusões do que
propriamente a prisão. Entristece, sobretudo, por não ter deixado um legado, uma
continuidade ou um grito de esperança para que outros que pensassem assim como
ele pudessem tentar uma sorte melhor que a sua.
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CONCLUSÃO

Um romance com aspirações críticas ao governo, considerado autoritário,


consegue atingir algumas de suas muitas funções, denunciar e fazer refletir sobre
aquilo que não está óbvio para todos. Mesmo sendo Policarpo um sonhador e
idealista, isso não é algo valorizado pelos demais, portanto, sua permanência na
narrativa não se sustenta e ele não sobrevive ao final do romance. O título do livro já
evidencia o fim de Policarpo Quaresma, sua trajetória assume perfil degradante, no
sentido literal da palavra, uma vez que Policarpo era um idealista motivado por seus
sonhos patriotas, e justamente por isso vivia em uma realidade diferente dos
demais.
Em seus últimos momentos reflete ainda sobre seu duro percurso, tenta
entender o porquê de estar ali, merecia estar? Se questionava, por defender com
afinco seus ideais que alinhavam-se a interesses também de terceiros, sua vida fora
um fracasso, enfim, nada do que almejava conseguiu. Além disso, não casou, não
teve filhos, não tinha a quem deixar a continuidade de seus ideais. Policarpo, então,
é um sujeito que pensa sua existência na ótica da consciência de si e do mundo,
porém, essa consciência parece apenas vigorar no fim do romance, que é também o
fim do personagem, literalmente. O romance insere-se em um período histórico que
tinha como base nacional política uma república autoritária e conflituosa.
E essa implantação da Primeira República contextualiza a obra. A
significância desse espaço político é relevante para o contexto em que o
personagem Policarpo Quaresma vivia, uma vez que seu patriotismo exagerado
tentava, sob qualquer circunstância, traçar seus planos em prol do desenvolvimento
do país, o que não ocorre como esperado. O comportamento de Policarpo nos
revela uma espécie de ironia e crítica a esse sistema de governo republicano.
Em cada contexto em que o personagem Quaresma esteve o espaço exerceu
sobre sua identidade sentimentos diferentes, quando esteve em sua biblioteca, lugar
que apreciava bastante, seu comportamento era de bem-humorado, sentia-se à
vontade, pois, ele estava rodeado de livros de seu interesse maior, a história do
Brasil e conteúdos afins, nesse ambiente se sentia bem, longe daqueles que o
julgavam. Esse espaço, enquanto ambiente, como sugere Gancho (2006),
influenciou em seu comportamento, que se encontrava tranquilizado e em harmonia.
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Quando passou pelo hospital, sua conduta estava comparada à condição de


louco, que possivelmente não o fazia bem, já que o julgaram de maluco por defender
com afinco os ideais nacionalistas; já no espaço do sítio Sossego, a vida lhe parecia
mais significativa, apreciava de perto a terra que tanto amava, orgulhava-se por
poder trabalhar nela e viver de suas próprias plantações, embora isso não tenha
sido sustentado por muito tempo.
Já no arsenal de Guerra, repartição do ministério onde ocupava o cargo de
subsecretário, era respeitado por seu caráter de homem honesto e gentil, mas não
pelas suas predileções patriotas. Na prisão, lugar onde o major reflete sobre toda
sua trajetória, o espaço funciona como meio de fazê-lo pensar sobre seus fracassos,
que, no entanto, eram provindos de ideias que só ele tinha e respeitava, para os
outros não significavam nada, por isso, Policarpo Quaresma preferia ficar em
silêncio para evitar “a maldade dos homens”.
Ainda que Policarpo buscasse, de outras formas, seu ideal de pátria, não se
sustentaria por não pertencer ao contexto em que estava inserido, contexto esse
que refletia as pessoas de sua convivência, não conseguia convencer aos outros da
importância daquilo que pregava, estava sozinho para lutar pelo que acreditava e,
neste caso, não o era o bastante. Portanto, constrói uma identidade frustrada no
espaço político republicano, cuja projeção não era a que sempre almejou.
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