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SÉRIE PRÉ-VESTIBULAR

PROFESSOR(A) PAULO LOBÃO SEDE


TC
LÍNGUA PORTUGUESA
ALUNO(A) Nº
UNICAMP
TURMA TURNO DATA ___/___/___
1. Leia o segmento: Na vida de “Ana”, não havia lugar para que sentisse
AMOR ternura pelo seu espanto, logo abafava qualquer
Clarice Lispector sentimento de inquietação. A que se deve essa atitude
de “Ana”, considerando o contexto do conto.
Um pouco cansada, com as compras deformando
o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o b) Leia:
volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou- “O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas
se então no banco procurando conforto, num suspiro de largas. Logo um vento mais úmido soprava
meia satisfação. anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa instável. Ana respirou profundamente e uma grande
verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.
exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até
completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que
enguiçado dava estouros. O calor era forte no olhou para o homem parado no ponto.
apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o A diferença entre ele e os outros é que ele estava
vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham
lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a avançadas. Era um cego.
testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em
Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, desconfiança? Alguma coisa intranquila estava
mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles...
rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água Um homem cego mascava chicles.”
enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa
com comidas, o marido chegando com os jornais e A visão do cego mascando chicletes é fundamental
sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do para o desenvolvimento da narrativa. Explique a
edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão importância dessa imagem, considerando o conjunto
pequena e forte, sua corrente de vida. do conto.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da 3. Leia:


tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada EU, O NARRADOR, SOU TEORIA
mais precisava de sua força, inquietava-se.
a) No segundo parágrafo do texto, o narrador, para Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra
situar o melhor o leitor sobre os fatos, emprega um recebi a cor escura do café, vinda da mãe misturada ao
recurso importante na narrativa. Identifique esse branco defunto do meu pai, comerciante português.
recurso, que também está presente na segunda parte Trago em mim o inconciliável e este é o meu motor.
do romance “Til”, de José de Alencar, e explique Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu
qual a importância desse recurso no romance de represento o talvez. Talvez é não para quem quer ouvir
Alencar. sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa
b) No segmento “Ela plantara as sementes que tinha na será minha se os homens exigem a pureza e recusam as
mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam combinações? Sou eu que devo tornar-me em sim ou em
árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez?
de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam Face a este problema capital, as pessoas dividem-se aos
seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido meus olhos em dois grupos: os maniqueístas e os outros.
chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é
importuno das empregadas do edifício.”, a repetição geralmente maniqueísta."
do verbo “cresciam”, em relação ao momento de
crise que “Ana” experimentará, revela uma pista Mayombe, Pepetela
importante no desenrolar da narrativa. Explicite-a.
a) Os personagens da obra, de acordo com o trecho,
2. Leia: não se apresentam como participantes de um
romance comum, mas sim como entidades
“Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da sociológicas. Como isso se observa no fragmento.
tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada b) No romance, observa-se a presença de vários pontos
mais precisava de sua força, inquietava-se. de vista, denotando um aspecto marcante na obra.
[...] Identifique esse procedimento, explicando como ele
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora se apresenta na obra.
perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem
precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família
distribuído nas suas funções. Olhando os móveis
limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto.”
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4. Leia: nas suas coxas as coxas dela; sua alma derreteu-se,


“As pessoas devem estudar, pois é a única fervendo e borbulhando como um metal ao fogo, e saiu-
maneira de poderem pensar sobre tudo com a sua lhe pela boca, pelos olhos, por todos os poros do corpo,
cabeça e não com a cabeça dos outros. O homem tem de escandescente, em brasa, queimando-lhe as próprias
saber muito, sempre mais e mais, para poder conquistar carnes e arrancando-lhe gemidos surdos, soluços
a sua liberdade, para saber julgar. Se não percebes as irreprimíveis, que lhe sacudiam os membros, fibra por
palavras que eu pronuncio, como podes saber se estou a fibra, numa agonia extrema, sobrenatural, uma agonia
falar bem ou não? Terás de perguntar a outro. Dependes de anjos violentados por diabos, entre a vermelhidão
sempre de outro, não és livre. Por isso, toda a gente cruenta das labaredas do inferno.
deve estudar. Mas aqui o camarada Mundo Novo é um
ingénuo, pois que acredita que há quem estuda só para o a) Embora casado com Piedade, Jerônimo entrega-se
bem do povo. É essa cegueira, esse idealismo, que faz aos encantos da mulata Rita. A que se deve a
cometer os maiores erros. Nada é desinteressado.” mudança de comportamento desse personagem no
romance?
a) Considerando o trecho, qual a importância do estudo b) No romance “O Cortiço”, Jerônimo encontra um
para os líderes do movimento guerrilheiro? rival na disputa do pelo amor de Rita. Identifique
b) Considere o trecho: essa personagem e explique a opção de Rita baiana
“O homem tem de saber muito, sempre mais e mais, por Jerônimo.
para poder conquistar a sua liberdade, para saber
julgar. Se não percebes as palavras que eu 7.
pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou a) Segundo Antonio Candido, referindo-se à obra de
não? Terás de perguntar a outro. Dependes sempre Guimarães Rosa, ser jagunço, torna-se, além de uma
de outro, não és livre. Por isso, toda a gente deve condição normal no mundo-sertão, uma opção de
estudar.” comportamento, definindo um certo modo de ser
Aponte o comportamento coesivo do termo “para”, naquele espaço. Daí a violência produzir resultados
identificando seus valores semânticos. Identifique diferentes dos que esperamos na dimensão
também o valor coesivo, morfológico e sintático do documentária e sociológica, – tornando-se, por
termo “que”. exemplo, instrumento de redenção. – Explique o ato
de violência que em A hora e vez de Augusto
5. Leia: Matraga justifica tal afirmação:
“Teoria sentia que o Comandante também tinha um b) No conto, há uma destacada importância do número
segredo. Como cada um dos outros. E era esse segredo três durante toda a narrativa. Explicite esse aspecto
de cada um que os fazia combater, frequentemente por na obra.
razões longínquas das afirmadas. Por que Sem Medo
abandonara o curso de Economia, em 1964, para entrar 8.
na guerrilha? Por que o Comissário abandonara Caxisto, Já Nhô Augusto, incansável, sem querer esperdiçar
o pai velho e pobre camponês arruinado pelo roubo das detalhe, apalpava os braços do Epifânio, mulato
terras de café?” enorme, de musculatura embatumada, de bicipitalidade
maciça. E se voltava para o Juruminho, caboclo
a) O fragmento faz emergir o grande entrave na luta franzino, vivo no menor movimento, ágil até no manejo
pela libertação de Angola. Explique que entrave é do garfo, que em sua mão ia e vinha como agulha de
esse. coser:
b) Indique a função sintática do pronome “os” de “que — Você, compadre, está-se vendo que deve de ser um
os fazia combater”. corisco de chegador!...
E o Juruminho, gostando.
6. — Chego até em porco-espinho e em tatarana-rata, e em
Para responder à questão, leia o trecho a seguir de homem de vinte braços, com vinte foices para
O cortiço, de Aluísio Azevedo. sarilhar!... Deito em ponta de chifre, durmo em ponta de
Jerônimo bebeu um bom trago de parati, mudou faca, e amanheço em riba do meu colchão!... Está aí
de roupa e deitou-se na cama de Rita. nosso chefe, que diga... E mais isto aqui...
–– Vem pra cá... disse, um pouco rouco. E mostrou a palma da mão direita, lanhada de cicatrizes,
–– Espera! espera! O café está quase pronto! de pegar punhais pelo pico, para desarmar gente em
E ela só foi ter com ele, levando-lhe a chávena agressão.
fumegante da perfumosa bebida que tinha sido a Nhô Augusto se levantara, excitado:
mensageira dos seus amores (...) — Opa! Ôi-ai!... A gente botar você, mais você, de
Depois, atirou fora a saia e, só de camisa, lançou- longe, com as clavinas... E você outro, aí, mais este
se contra o seu amado, num frenesi de desejo doído. compadre de cara séria, p’ra voltearem... E este
Jerônimo, ao senti-la inteira nos seus braços; ao companheirinho chegador, para chegar na frente, e não
sentir na sua pele a carne quente daquela brasileira; ao dizer até-logo!... E depois chover sem chuva, com o pau
sentir inundar-se o rosto e as espáduas, num eflúvio de escrevendo e lendo, e arma-de-fogo debulhando, e
baunilha e cumaru, a onda negra e fria da cabeleira da homem mudo gritando, e os do-lado-de-lá correndo e
mulata; ao sentir esmagarem-se no seu largo e peludo pedindo perdão!...
colo de cavouqueiro os dois globos túmidos e macios, e

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Mas, aí, Nhô Augusto calou, com o peito cheio; tomou b) Um aspecto que afasta o conto da tradicional prosa
um ar de acanhamento; suspirou e perguntou: sertaneja do conto de Guimarães Rosa é sua
— Mais galinha, um pedaço, amigo? temática. Não se trata mais da idealização do amor
como era no Romantismo ou do espírito engajado e
— ’Tou feito. político como era no Segundo Tempo Modernista. O
— E você, seu barra? que ocorre aqui é a utilização de uma fábula
— Agradecido... ’Tou encalcado... ’Tou cheio até à (entende-se por fábula uma narrativa que encerra
tampa! simbolicamente uma moral, uma mensagem, tal qual
Enquanto isso, seu Joãozinho Bem-Bem, de cabeça as parábolas do Novo Testamento. Devemos, pois,
entendê-la como uma representação, com a intenção
entornada, não tirava os olhos de cima de Nhô Augusto. de trabalhar com temas universais de caráter
E Nhô Augusto, depois de servir a cachaça, bebeu metafísico. Esse caráter é nítido no presente conto já
também, dois goles, e pediu uma das papo-amarelo, a partir da referência constante a elementos
para ver: religiosos. Seu protagonista, Augusto, o nome da
— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa personagem, à primeira vista, se opõe ao seu caráter
tosco. No entanto, até o final da narrativa será
longe... estabelecida uma perfeita coerência com a
— Pode gastar as óito. Experimenta naquele pássaro ali, personalidade que irá adquirindo. Especifique a
na pitangueira... trajetória da personagem, estabelecendo a relação
— Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o entre o nome da personagem e o seu destino.
galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo
9.
que eu não puxo dedo em gatilho... “(…) E, páginas adiante, o padre se portou ainda mais
Fez fogo. excelentemente, porque era mesmo uma brava criatura.
— Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas Tanto assim, que, na despedida, insistiu:
acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro! – Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um
dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito
a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito
ROSA, J. G. Sagarana. 71 ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001. p. 394-395.
pedaço bom de alegria… Cada um tem sua hora e a sua
vez: você há de ter a sua.”
a) Observe o segmento: João Guimarães Rosa, A hora e a vez de Augusto Matraga,
Já Nhô Augusto, incansável, sem querer esperdiçar em Sagarana. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, p. 380.

detalhe, apalpava os braços do Epifânio, mulato


“(…) Então, Augusto Matraga fechou um pouco os
enorme, de musculatura embatumada, de olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de
bicipitalidade maciça. E se voltava para o sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento.
Juruminho, caboclo franzino, vivo no menor Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse,
movimento, ágil até no manejo do garfo, que em sua agora sussurrando, sumido:
– Põe a bênção na minha filha, seja lá onde for que ela
mão ia e vinha como agulha de coser:
esteja… E, Dionóra… Fala com a Dionóra que está tudo
— Você, compadre, está-se vendo que deve de ser em ordem!
um corisco de chegador!... Depois morreu.”
E o Juruminho, gostando.
Idem, p. 413.
— Chego até em porco-espinho e em tatarana-rata, e
em homem de vinte braços, com vinte foices para a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os ditos
sarilhar!... Deito em ponta de chifre, durmo em do padre apresentados no primeiro. Contudo, “a hora
ponta de faca, e amanheço em riba do meu e a vez” do protagonista não são asseguradas,
colchão!... Está aí nosso chefe, que diga... E mais segundo a narrativa, pela reza e pelo trabalho. O que
lhe garantiu ter “a sua hora e a sua vez”?
isto aqui...
b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se aos
encontros que ele tem com outro personagem,
No que concerne à linguagem, observa-se uma Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos da
marca fundamental do estilo de Guimarães Rosa. narrativa. Em cada um desses momentos, Nhô
Esse aspecto além de ilustrar o aspecto estilístico de Augusto precisa realizar uma escolha. Indique quais
são essas escolhas que importam para o processo de
sua obra também aponta para outra variante de
transformação do personagem protagonista.
linguagem. Especifique-a, destacando um trecho do
fragmento.

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10. Leia o soneto abaixo, de Luís de Camões: 13.


Depois disse Labão a Jacó: Acaso, por seres meu parente,
“Cá nesta Babilônia, donde mana irás servir-me de graça? Dize-me, qual será o teu salário?
matéria a quanto mal o mundo cria; Ora Labão tinha duas filhas: Lia, a mais velha, e Raquel, a
cá donde o puro Amor não tem valia, mais moça. Lia tinha olhos baços, porém Raquel era
que a Mãe, que manda mais, tudo profana; formosa de porte e de semblante. Jacó amava a Raquel, e
cá, onde o mal se afina e o bem se dana, disse: Sete anos te servirei por tua filha mais moça, Raquel.
e pode mais que a honra a tirania; Respondeu Labão: Melhor é que eu te dê, em vez de dá-la
cá, onde a errada e cega Monarquia a outro homem; fica, pois, comigo.
cuida que um nome vão a desengana; Assim, por amor a Raquel, serviu Jacó sete anos; e estes
cá, neste labirinto, onde a nobreza, lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a
com esforço e saber pedindo vão amava. Disse Jacó a Labão: Dá-me minha mulher, pois
às portas da cobiça e da vileza; já venceu o prazo, para que me case com ela. Reuniu,
cá neste escuro caos de confusão, pois, Labão todos os homens do lugar, e deu um
cumprindo o curso estou da natureza. banquete. À noite, conduziu a Lia, sua filha, e a
Vê se me esquecerei de ti, Sião!” entregou a Jacó. E coabitaram. (...) Ao amanhecer, viu
que era Lia, por isso disse Jacó a Labão: Que é isso que
Disponível em http:/www.dominiopublico.gov.br/download/ me fizeste? Não te servi por amor a Raquel? Por que,
texto/bv000164.pdf. Acessado em 08/09/2015.
pois, me enganaste? Respondeu Labão: Não se faz
assim em nossa terra, dar-se a mais nova antes da
a) Uma oposição espacial configura o tema e o primogênita. Decorrida a semana desta, dar-te-emos
significado desse poema de Camões. Identifique também a outra, pelo trabalho de mais sete anos que
essa oposição, indicando o seu significado para o ainda me servirás.
conjunto dos versos. Concordou Jacó, e se passou a semana desta; então
b) Identifique nos tercetos duas expressões que Labão lhe deu por mulher Raquel, sua filha. (...) E
contemplam a noção de desconcerto, fundamental coabitaram. Mas Jacó amava mais a Raquel do que a
para a compreensão do tema do soneto e da lírica Lia; e continuou servindo a Labão por outros sete anos.
camoniana.
Gênesis, 29,15-30. BÍBLIA SAGRADA (Trad. João Ferreira
11. Leia o seguinte trecho do conto “Amor”, de Clarice de Almeida.) Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1962.
Lispector.
SONETO 88
“O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos
ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus Sete anos de pastor Jacó servia
próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram Labão, pai de Raquel, serrana bela;
periclitantes, que se mantinham por um mínimo Mas não servia ao pai, servia a ela,
equilíbrio à tona da escuridão – e por um momento a Que a ela só por prêmio pretendia.
falta de sentido deixava-as tão livres que elas não Os dias, na esperança de um só dia,
sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi Passava, contentando-se com vê-la;
tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como Porém o pai, usando de cautela,
se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
ser revertidas com a mesma calma com que não o Vendo o triste pastor que com enganos
eram.” Lhe fora assi[m] negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
LISPECTOR, Clarice. Laços de família. 11. ed. Rio de Janeiro: José Começa de servir outros sete anos,
Olympio, 1979. p. 21-2.
Dizendo: ––Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!
a) Levando-se em consideração a leitura do fragmento
e do conto de maneira geral, explique o sentido do CAMÕES. OBRA COMPLETA.
segmento: “Expulsa dos seus próprios dias”. Rio de Janeiro: Aguilar, 1963, p. 298
b) Como se denomina o fenômeno que a personagem
experimenta cuja sensação está descrita no texto? O racionalismo é uma das características mais
Quais a consequências que esse fenômeno provoca frequentes da literatura clássica portuguesa. A
na personagem? logicidade do quinhentista repercutiu no rigor formal de
seus escritores, e no culto à expressão das "verdades
12. eternas", sem que isto implicasse tolhimento da liberdade
a) Transcreva duas orações subordinadas que, no imaginativa e poética. Com base nestas observações, releia
fragmento desenvolvem paralelismo sintático, os dois textos apresentados e: (ver texto)
indicando suas respectivas funções e classificações. a) aponte um procedimento literário de Camões que
b) Identifique o valor semântico-sintático do segmento comprove o rigor formal do classicismo;
“que elas não sabiam para onde ir” b) indique o dado da passagem bíblica que, por ter sido
omitido por Camões, revela a prática da liberdade
poética e confere maior carga sentimental ao seu
modo de focalizar o mesmo episódio.

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14. A pintura e o poema, embora sendo produtos de duas


Oh! Como se me alonga, de ano em ano, linguagens artísticas diferentes, participaram do mesmo
a peregrinação cansada minha. contexto social e cultural de produção pelo fato de
Como se encurta, e como ao fim caminha ambos
este meu breve e vão discurso humano. a) Considerando os adjetivos referentes à figura da
mulher, que visão o autor confere a figura feminina?
Vai-se gastando a idade e cresce o dano; Compare essa visão do autor à visão da literatura
perde-se-me um remédio, que inda tinha. romântica.
Se por experiência se adivinha, b) Identifique o contexto cultural a que pertence ambas
qualquer grande esperança é grande engano. as obras, apresentando o pensamento que guiou os
artistas desse período.
Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece, 16.
mil vezes caio, e perco a confiança. Quando da bela vista e doce riso,
tomando estão meus olhos mantimento,(1)
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, tão enlevado sinto o pensamento
se os olhos ergo a ver se inda parece, que me faz ver na terra o Paraíso.
da vista se me perde e da esperança. Tanto do bem humano estou diviso, (2)
que qualquer outro bem julgo por vento;
a) Na primeira estrofe, há uma contraposição expressa assi, que em caso tal, segundo sento,(3)
pelos verbos "alongar" e "encurtar". A qual deles assaz de pouco faz quem perde o siso.
está associado o cansaço da vida e qual deles se Em vos louvar, Senhora, não me fundo,( 4)
associa à proximidade da morte? porque quem vossas cousas claro sente,
b) Por que se pode afirmar que existe também uma sentirá que não pode merecê-las.
contraposição no interior do primeiro verso da Que de tanta estranheza sois ao mundo,
segunda estrofe? que não é d'estranhar, Dama excelente,
que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.
15.
Leda serenidade deleitosa, Camões, ed. A.J. da Costa Pimpão
Que representa em terra um paraíso;
Entre rubis e perlas doce riso; 1. Tomando mantimento - tomando consciência
Debaixo de ouro e neve cor-de-rosa; 2. Estou diviso - estou separado, apartado.
Presença moderada e graciosa, 3. Sento - sinto
Onde ensinando estão despejo e siso 4. Não me fundo - não me empenho.
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser fermosa; a) Caracterize brevemente a concepção de mulher que
Fala de quem a morte e a vida pende, este soneto apresentava.
Rara, suave; enfim, Senhora, vossa; b) Aponte duas características desse soneto que o
Repouso nela alegre e comedido: filiam ao Classicismo, explicando-as sucintamente.
Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa 17.
Despojar-me da glória de rendido. Texto I

CAMÕES, L. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. Ouvia:


Que não podia odiar
E nem temer
Porque tu eras eu.

E como seria
Odiar a mim mesma
E a mim mesma temer

HILST, H. Cantares. São Paulo: Globo. 2004.

Texto II
TRANSFORMA-SE O AMADOR
NA COUSA AMADA

Transforma-se o amador na cousa amada,


por virtude do muito imaginar
SANZIO, R. (1483-1520) A mulher com o unicórnio. não tenho, logo, mais que desejar
Roma, Galleria Borghese. pois em mim tenho a parte desejada.
Disponível em: www.arquipelagos.pt. Acesso em: 29 fev. 2012.
Camões. Sonetos. Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br.

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a) Identifique a temática comum aos dois textos: fingindo uma dor no coração.
b) Camões é considerado um representante do — Fulô! Fulô! Ó Fulô!
“Maneirismo”. Explique o que foi o “Maneirismo” e A sinhá burra e besta perguntou
como ele se apresenta na poesia de Camões. onde é que tava o sinhô
Considere o fragmento bem como outros sonetos que o diabo lhe mandou.
— Ah, foi você que matou!
como suporte para sua resposta.
— É sim, fui eu que matou —
disse bem longe a Fulô
18. pro seu nego, que levou
Essa Negra Fulô ela pro mato, e com ele
O sinhô foi açoitar aí sim ela deitou.
sozinho a negra Fulô. Essa nega Fulô!
A negra tirou a saia Esta nossa Fulô!
e tirou o cabeção,
SILVEIRA, O. Outra nega fulô. Cadernos negros: os
de dentro dele pulou
melhores poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1998. p. 109-110.
nuinha a negra Fulô
Essa negra Fulô! a) A leitura do poema permite estabelecer um diálogo
Essa negra Fulô! com o poema de Jorge de Lima. Explique em que
(…) medida essa relação ocorre:
Cadê, cadê teu Sinhô b) Que características modernas presentes nos dois
que nosso Senhor me mandou? poemas podem ser observadas?
Ah! foi você que roubou,
Foi você, negra Fulô? 20.
a) No romance “Caminhos cruzados”, Érico Verissimo
Essa negra Fulô!
destaca a questão da escrita e a condição do escritor
Jorge de Lima
no Brasil. Que personagens encarnam essa
discussão? Explique a visão que cada um tem da
a) Considerando a leitura do poema, explique a literatura.
temática comum ao conto “Negrinha” de Monteiro b) No romance “Caminhos cruzados”, o personagem
Lobato. Clarimundo Roxo pode ser considerado uma
b) O trecho é um bom exemplo de como era vista a caricatura da intelectualidade brasileira.
mulher negra dentro daquele contexto social racista Considerando a trajetória desse personagem,
do homem branco. Explique: identifique os impasses e contradições da
intelectualidade perceptíveis na sua trajetória:
19.
21. A sua obra... Agora ele já não enxerga mais a paisagem.
OUTRA NEGA FULÔ
O mundo objetivo se esvaeceu misteriosamente. Os
olhos do professor estão fitos na fachada amarela da
O sinhô foi açoitar
casa da fronteira, mas o que ele vê agora são as suas
a outra nega Fulô próprias teorias e ideias. Imagina o livro já impresso.
— ou será que era a mesma? Sorri, exterior e interiormente. O leitor (a palavra leitor
A nega tirou a saia, corresponde, na mente de Clarimundo, à imagem dum
a blusa e se pelou. homem debruçado sobre um livro aberto: e esse homem
O sinhô ficou tarado, – extraordinário! – é sempre o sapateiro Fiorello) – o
largou o relho e se engraçou. leitor vai se ver diante dum assunto inédito, diferente,
A nega em vez de deitar original. Tomemos por exemplo uma estrela
pegou um pau e sampou remotíssima; digamos... Sírio. Coloquemos lá um ser
dotado da faculdade do raciocínio e senhor de um
nas guampas do sinhô.
telescópio possante com o qual possa enxergar a Terra...
— Essa nega Fulô!
Como seria a visão do mundo e da vida surpreendida do
Esta nossa Fulô!,
ângulo desse observador privilegiado?”
dizia intimamente satisfeito a) Ao estabelecermos uma análise comparativa entre o
o velho pai João narrador e a personagem Clarimundo Roxo,
pra escândalo do bom Jorge de Lima, considerando a noção do espaço onde vive a
seminegro e cristão. personagem, é possível identificar um traço comum.
E a mãe-preta chegou bem cretina Explique:

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b) Leia: a) Com base na leitura do trecho extraído da obra


O homem de Sírio a tudo observa com seu potente Mayombe, aponte a importância da educação para
telescópio e revela verdades inalcançáveis para o os guerrilheiros.
homem comum. Clarimundo quer revelar no seu b) No trecho “O homem tem de saber muito, sempre
livro as grandes verdades, porém ignora fatos mais e mais, para poder conquistar a sua liberdade,
corriqueiros; por exemplo, ele não se dá conta de para saber julgar”, observa-se um segmento em
que numa das casas que observa mora um de seus paralelismo. Identifique-o, apontando o valor
alunos, Pedrinho, o irmão de Fernanda. morfológico e sintático.
Ele está numa espécie de torre de marfim e os
pequenos dramas do dia a dia passam longe de sua
25.
percepção. Sem se dar conta, põe-se a planejar seu
livro “longe do estéril turbilhão da rua".* “Como é dramático ter sempre de escolher, preferir
um caminho a outro, o sim ou o não! Por que no
Considerando o texto sobre a personagem Mundo não há lugar para o talvez? Estou no Mayombe,
“Clarimundo Roxo”, há uma alusão a duas escolas renunciando a Manuela, com o fim de arranjar no
literárias que marcaram a produção literária Universo maniqueísta o lugar para o talvez”.
brasileira no final do século XIX e início do século
XX. Cite essas duas escolas e suas respectivas Mayombe, Pepetela
propostas estéticas.
a) O trecho acima ilustra o dilema vivenciado por um
22. personagem em função de sua condição. Identifique
CINCO HORAS DA MANHÃ tal personagem e explicite sua representação na obra
b) No segmento “Como é dramático ter sempre de
A carroça do padeiro passa estrondando. fazendo tremer escolher, preferir um caminho a outro”, observa-se o
a Quietude da cidade afundada conflito da personagem. Considerando esse aspecto,
[...] qual o valor gramatical e semântico do termo
Quase invisível dentro da névoa, um gato cinzento “como” para esse a imagem presente no fragmento?
passeia sobre o telhado da casa da viúva Mendonça.
Debaixo desse telhado fica o Quarto do prof. 26.
Clarimundo. A umidade desenha figuras indecifráveis Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
nas paredes caiadas. |...| A cabeça descansando no abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e
travesseiro de fronha grosseira, o prof. Clarimundo janelas alinhadas.
Roxo dorme de ventre para o ar. ronca e bufa. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
procurando uma sincronia impossível com o tique-taoue assentada, sete horas de chumbo.
do relógio. […].
VERÍSSIMO. 2005. p.25. O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os
dias acentuava-se; já se não destacavam vozes
a) Que técnica cinematográfica pode ser observada no dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o
fragmento? Explique: cortiço. Começavam a fazer compras na venda;
b) No romance, a natureza da cidade recriada é ensarilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se
dialógica. Explique: gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se.
Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula
23. viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés
a) Com base na leitura do romance “Caminhos vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer
cruzados”, indique as quatro personagens que animal de existir, a triunfante satisfação de respirar
estabelecem um contraponto no romance, já que elas sobre a terra.
tomam a literatura como leitmotiv:
b) Em que consiste a técnica do contraponto na obra AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 15. ed.
“Caminhos cruzados”? São Paulo: Ática, 1984. p. 28-29.

24. Leia: a) Considerando o trecho proposto para leitura, pode-se


"As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de afirmar que há um grande apelo sensorial. Em que
poderem pensar sobre tudo com a sua cabeça e não com consiste essa afirmação?
a cabeça dos outros. O homem tem de saber muito, b) Transcreva do texto um fragmento que revele um
sempre mais e mais, para poder conquistar a sua processo de transição da dimensão fitomórfica para
liberdade, para saber julgar. Se não percebes as palavras a zoomórfica.
que eu pronuncio, como podes saber se estou a falar
bem ou não? Terás de perguntar a outro. Dependes
sempre de outro, não és livre. Por isso, toda a gente
deve estudar. Mas aqui o camarada Mundo Novo é um
ingénuo, pois que acredita que há quem estuda só para o
bem do povo. É essa cegueira, esse idealismo, que faz
cometer os maiores erros. Nada é desinteressado."
Mayombre, Pepetela

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27. Leia o texto abaixo, retirado da obra O Cortiço 29.


“Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele,
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e
abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo
janelas alinhadas. de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazias
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma e contemplativo e amoroso. A vida americana e a
assentada, sete horas de chumbo. natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos
[…]. imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar
dias acentuava-se; já se não destacavam vozes felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se
dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que
cortiço. Começavam a fazer compras na venda; de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres,
ensarilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido(...).
gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os
Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula seus hábitos singelos de aldeão português...”
viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés
vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer O Cortiço. Aluísio Azevedo.
animal de existir, a triunfante satisfação de respirar
sobre a terra. a) No fragmento, pode-se identificar uma teoria que
serviu de base para a organização da obra O Cortiço.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 15. ed. Identifique-a, explicitando a personagem da
São Paulo: Ática, 1984. p. 28-29. transformação descrita no trecho.
b) No texto, para sugerir a transformação que se
a) No trecho “o zunzum de todos os dias acentuava-se; processava na personagem, o narrador faz uso de
já se não destacavam vozes dispersas, mas um só uma analogia com uma crisálida, entretanto para
ruído compacto que enchia todo o cortiço”, Piedade, esposa da personagem, há uma outra razão
identifique o valor do termo “se” nas duas relevante para a mudança do marido. Identifique
ocorrências. esse fato e revele a importância que esse elemento
b) No trecho “Sentia-se naquela fermentação tem para a narrativa.
sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras
que mergulham os pés vigorosos na lama preta e 30.
nutriente da vida”, aponte o valor semântico, “Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele,
sintático e morfológico da oração “que mergulham dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e
os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida”. alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo
de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazias
28. Leia o fragmento a seguir: e contemplativo e amoroso. A vida americana e a
natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos
“Vivia longe dos homens, só se dava bem com os imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se
animais Os seus pés duros quebravam espinhos e não dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar
sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se
o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que
cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres,
entendia A pé, não se aguentava bem. Pendia para um e volvia-se preguiçoso, resignando-se(...).
lado, para o outro, cambaio, torto e feio. As vezes E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os
utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua seus hábitos singelos de aldeão português...”
com que se dirigia aos brutos exclamações e
onomatopeias. Na verdade, falava pouco. Admirava as O Cortiço. Aluísio Azevedo.
palavras compridas e difíceis da gente da cidade,
tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas a) Considerando o trecho a seguir “Uma
eram imiteis e talvez perigosas”. transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia
a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e
Graciliano Ramos. Vidas secas. alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e
surdo de crisálida”, identifique o comportamento
a) No trecho, observa-se uma herança naturalista na semântico e sintático do termo “lhe” nas duas
obra de Graciliano. Como se dá esse processo? ocorrências.
b) Considerando a escassez da linguagem de Fabiano, b) O gosto por enumerações trinárias (ternárias) marca
qual o impacto desse aspecto nas relações sociais de o estilo adotado por Aluísio Azevedo. Transcreva
tal personagem? dois trechos em que se observa esse recurso,
identificando as respectivas funções dos termos que
constroem essas enumerações.

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31. a) No poema Confissão, considerando que confissão


Fechou-se um entra-e-sai de marimbondos defronte pressupõe um pedido de desculpas, não se observa
daquelas cem casinhas ameaçadas pelo fogo. Homens e tal pedido. O que pode justificar hipoteticamente tal
mulheres corriam de cá para lá com os tarecos ao atitude do eu lírico ?
ombro, numa balbúrdia de doidos. O pátio e a rua b) Transcreva o verso em que se observa o ápice da
enchiam-se agora de camas velhas e colchões gradação confessional revelada pelo eu lírico no
espocados. Ninguém se conhecia naquela zumba de poema, o que impossibilita o pedido de perdão.
gritos sem nexo, e choro de crianças esmagadas, e
pragas arrancadas pela dor e pelo desespero. Da casa do 33.
Barão saíam clamores apopléticos; ouviam-se os DISSOLUÇÃO
guinchos de Zulmira que se espolinhava com um
ataque. E começou a aparecer água. Quem a trouxe? Escurece, e não me seduz
Ninguém sabia dizê-lo; mas viam-se baldes e baldes que tatear sequer uma lâmpada.
se despejavam sobre as chamas. Pois que aprouve ao dia findar,
Os sinos da vizinhança começaram a badalar. aceito a noite.
E tudo era um clamor.
A Bruxa surgiu à janela da sua casa, como à boca de E com ela aceito que brote
uma fornalha acesa. Estava horrível; nunca fora tão uma ordem outra de seres
bruxa. O seu moreno trigueiro, de cabocla velha, reluzia e coisas não figuradas.
que nem metal em brasa; a sua crina preta, desgrenhada, Braços cruzados.
escorrida e abundante como as das éguas selvagens,
dava-lhe um caráter fantástico de fúria saída do inferno. Vazio de quanto amávamos,
E ela ria-se, ébria de satisfação, sem sentir as mais vasto é o céu. Povoações
queimaduras e as feridas, vitoriosa no meio daquela surgem do vácuo.
orgia de fogo, com que ultimamente vivia a sonhar em Habito alguma?
segredo a sua alma extravagante de maluca.
Ia atirar-se cá para fora, quando se ouviu estalar o E nem destaco minha pele
madeiramento da casa incendiada, que abateu da confluente escuridão.
rapidamente, sepultando a louca num montão de brasas. Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.
Aluísio Azevedo. O cortiço.
E aquele agressivo espírito
a) No fragmento, rico em efeitos descritivos e soluções que o dia carreia consigo,
literárias que configuram imagens plásticas no já não oprime. Assim a paz,
espírito do leitor, Aluísio Azevedo apresenta destroçada.
características psicológicas de comportamento
comunitário. Identifique esse momento no texto. Vai durar mil anos, ou
b) A recorrência às imagens sonoras é evidente no extinguir-se na cor do galo?
texto. Essa estratégia produz um efeito expressivo Esta rosa é definitiva,
na cena retratada, emprestando maior realismo. ainda que pobre.
Explique, empregando trechos que justifiquem sua
resposta. Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
32. No mundo, perene trânsito,
CONFISSÃO calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.
Não amei bastante meu semelhante,
Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras, a) Considerando o poema no conjunto da obra, o verso
melodiosas, tarde , ao voltar da festa. “aceito a noite” surge como uma metáfora que
Dei sem dar e beijei sem beijo. traduz a atmosfera que envolve a obra Claro enigma.
(Cego é talvez quem esconde os olhos Explicite essa metáfora.
embaixo do catre.) E na meia-luz b) A primeira estrofe do poema sugere a construção de
tesouros fanam-se, os mais excelentes. um novo momento da poesia drummondiana. Como
Do que restou, como compor um homem se dá esse processo?
e tudo o que ele implica de suave,
34.
de concordâncias vegetais, múrmurios
a) Com relação à estrutura do poema “Dissolução”,
de riso, entrega, amor e piedade?
qual a importância da sucessão de palavras
Não amei bastante sequer a mim mesmo,
“escurece”, “seduz”, “sequer”, “pois” e “aceito”?
contudo próximo. Não amei ninguém.
b) Pode-se apreender nos versos de “Dissolução” um
Salvo aquele pássaro -vinha azul e doido-
eu lírico consciente de seus passos e principalmente
que se esfacelou na asa do avião.
do que diz. Transcreva o versos que confirma essa
Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma
ideia:

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35. Nem Fausto nem Mefisto,


a) Considerando que “Dissolução” é o poema que à deusa que se ri
inicia a obra “Claro enigma”, relacione a deste nosso oaristo,
importância do termo “escurece”, presente no
primeiro verso, como elemento fundamental para
compreender a tônica da obra. eis-me a dizer: assisto
b) No poema a ideia de aceitação da escuridão além, nenhum, aqui
amalgama-se ao poeta, fato observado em um mas não sou eu, nem isto.
determinado verso. Como se dá esse processo?
Transcreva versos que reiterem essa imagem. ANDRADE, Carlos Drummond de. Sonetilho do Falso
Fernando Pessoa. In Claro Enigma. ed. 10. Rio de Janeiro:
Record, 2001.
36.
A INGAIA CIÊNCIA a) O poema acima integra o livro Claro Enigma, de
1951, obra em que Carlos Drummond de Andrade
A madureza, essa terrível prenda que alguém nos dá, opera uma mudança de direção em relação à sua
raptando-nos, com ela, todo sabor gratuito de oferenda trajetória poética. Explique:
sob a glacialidade de uma esteia, b) No poema, observa-se uma característica marcante
da poética camoniana e do Barroco. Identifique esse
a madureza vê, posto que a venda interrompa a surpresa aspecto, explicando-o.
da janela, o círculo vazio, onde se estenda, e que o
mundo converte numa cela. 39. Ainda com relação ao poema de Drummond:
a) O poema tem uma base intertextual. Identifique tal
A madureza sabe o preço exato dos amores, dos ócios, diálogo, explicando como ele se constrói no poema.
dos quebrantos, e nada pode contra sua ciência b) Indique o valor gramatical da expressão “Eis-me”,
do verso “Eis-me a dizer...”
e nem contra si mesma. O agudo olfato, o agudo olhar, a
mão, livre de encantos, se destroem no sonho da 40.
existência. AMAR
a) Em forma de soneto, dois quartetos e dois tercetos, o Drummond de Andrade
soneto apresenta rimas internas com nasalização Que pode uma criatura senão,
“prenda”, “oferenda”, “venda”, “estenda”, Entre criaturas, amar?
“quebrantos”, “encantos” que alongam a processo da Amar e esquecer,
leitura. Qual o efeito sugerido pelo emprego de tais Amar e malamar,
termos? Amar, desamar, amar?
b) No primeiro verso, há uma grande contradição. Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Explique-a:
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
37. Sozinho, em rotação universal, senão Rodar também, e
a) No segundo quarteto, “a madureza vê, posto que a amar?
venda/ interrompa a surpresa da janela,/ o círculo Amar o que o mar traz à praia,
vazio, onde se estenda,/ e que o mundo converte O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
numa cela.”, o poeta utiliza o recurso poético do É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
cavalgamento ou enjambement. Em que consiste
esse recurso? Amar solenemente as palmas do deserto,
b) Ao compararmos os dois poemas de Drummond O que é entrega ou adoração expectante,
apresentados anteriormente, é possível afirmar que E amar o inóspito, o áspero,
no soneto “Ingaia Ciência” há ideia de dissolução. Um vaso sem flor, um chão de ferro,
Como se observa essa relação? E o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

38. Leia: Eis o nosso destino: amor sem conta,


Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
Onde nasci, morri Doação ilimitada a uma completa ingratidão,
Onde morri, existo E na concha vazia do amor a procura medrosa,
E das peles que visto Paciente, de mais e mais amor.
muitas há que não vi.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
Sem mim como sem ti Amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto a) Identifique as duas respostas possíveis à pergunta
que odiei ou senti. observa no início do poema, estabelecendo a relação
entre elas.
b) Qual a relação entre o título e o poema? Explique.

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41. a) Considerando a leitura do poema, especialmente as


a) Segundo o “eu poético”, o ato de amar é uma interrogações do eu lírico nas duas primeiras
vocação. Que versos sugerem essa ideia?
b) É possível perceber que, segundo o “eu poético”, o estrofes, explique o título do poema.
ato de amar acontece quando o indivíduo se b) Qual a importância do último verso, considerando a
encontra em uma determinada circunstância. Que produção literária de Drummond?
circunstância é essa?

42. 45. O trecho abaixo foi extraído de Iracema. Ele reproduz a


a) Na segunda estrofe, o “eu poético” diz que o ser reação e as últimas palavras de Batuiretê antes de
amoroso, em rotação universal, também pode amar. morrer:
Qual é o sentido da expressão “ser amoroso"?
b) Na segunda estrofe, ao empregar a palavra mar, o O velho soabriu as pesadas pálpebras, e passou do neto
“eu poético” estabeleceu uma relação de semelhança ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e
gráfica e sonora com a palavra amar. Qual a os lábios murmuraram:
importância desse aspecto no poema?
– Tupã quis que estes olhos vissem antes de se
43. apagarem, o gavião branco junto da narceja. O abaeté
REMISSÃO derrubou a fronte aos peitos, e não falou mais, nem mais
se moveu.
Tua memória, pasto de poesia, tua poesia, pasto dos
vulgares, vão se engastando numa coisa fria a que tu
chamas: vida, e seus pesares. José de Alencar, Iracema: lenda do Ceará.
Rio de Janeiro: MEC/INL, 1965, p. 171-172.
Mas, pesares de quê? perguntaria, se esse travo de
angústia nos cantares, se o que dorme na base da elegia a) Especifique quem é Batuiretê e Identifique os
vai correndo e secando pelos ares,
personagens a quem ele se dirige e indique os papéis
e nada resta, mesmo, do que escreves e te forçou ao que desempenham no romance.
exílio das palavras, senão contentamento de escrever, b) Explique o sentido da metáfora empregada por
Batureté em sua fala.
enquanto o tempo, em suas formas breves ou longas,
que sutil interpretavas, se evapora no fundo do teu ser?
46. Considere os dois fragmentos extraídos de Iracema, de
a) No poema, observa-se um tema recorrente na José de Alencar.
poética drummondiana. Identifique-a, comprovando
com versos. I. Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa
b) Ao comparar o poema “Dissolução” com o soneto cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde
“Remissão”, estabeleça o diálogo temático entre vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio
ambos.
nas solidões do oceano? Três entes respiram sobre o
44. frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
LEGADO Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o
sangue americano; uma criança e um rafeiro que
Que lembrança darei ao país que me deu tudo que
lembro e sei, tudo quanto senti? viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos,
filhos ambos da mesma terra selvagem.
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha II. O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim
incerta medalha, e a meu nome se ri.
partiu das praias do Ceará, levando no frágil barco o
E mereço esperar mais do que os outros, eu? filho e o cão fiel. A jandaia não quis deixar a terra
onde repousava sua amiga e senhora. O primeiro
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses
cearense, ainda no berço, emigrava da terra da
monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno,
entre o talvez e o se. pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?

Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz a) Qual a importância do fragmento I para o enredo do
matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém
seu mais secreto espinho. romance? Como se denomina esse procedimento?
b) Considerando o fragmento II, qual a representação
De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, simbólica de Moacir?
restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em
meio do caminho.

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47. b)
Texto I Texto
Como o imbuí1 na várzea, era o coração do guerreiro
Martim ficou mudo e triste, semelhante ao tronco branco na terra selvagem. A amizade e o amor o
d’árvore a que o vento arrancou o lindo cipó que o acompanharam e fortaleceram durante algum tempo,
entrelaçava. A brisa perpassando levou um murmúrio: mas agora longe de sua casa e de seus irmãos,
— Iracema! sentia-se no ermoí2. O amigo e a esposa não
Era o balido(1) do companheiro; a cerva(2), bastavam mais à sua existência, cheia de grandes
arrufando(3)-se, ganhou o doce aprisco(4). A floresta desejos e nobres ambições.
destilava suave fragrância e exalava arpejos(5)
harmoniosos; os suspiros do coração se difundiram nos (1) imbu: fruto de imbuzeiro
múrmuros do deserto. Foi a festa do amor e o canto do (2) ermo: deserto; despovoado
himeneu(6).
Já a luz da manhã coou na selva densa. A voz grave e ALENCAR, José de. Iracema.
sonora de Poti repercutiu no sussurro da mata:
— O povo tabajara caminha na floresta. Em toda a narração de Iracema, é recorrente o
Iracema arrancou-se dos braços que a cingiam(7) e do emprego de comparações e metáforas.
lábio que a tinha cativa; saltando da rede como a rápida Identifique a ocorrência de uma dessas figuras no
zabelê(8), travou das armas do esposo e levou-o através primeiro período deste excerto e reescreva todo o
da mata. período, transformando a comparação em metáfora,
(1) balido: grito próprio da ovelha ou a metáfora em comparação, e procedendo às
(2) cerva: a fêmea do cervo, animal típico da família dos alterações necessárias para que se mantenha
Cervídeos integralmente o sentido original.
(3) arrufar: encolher
(4) aprisco: caverna; toca; abrigo 48.
(5) arpejo: acorde de sons sucessivos em instrumentos Texto
de cordas
(6) himeneu: casamento; núpcias A LUA CRESCEU
(7) cingir: prender; ligar em volta
(8) zabelê: certo tipo de ave Três sóis havia que Martim e Iracema estavam nas
terras dos pitiguaras, senhores das margens do
ALENCAR, José de. Iracema. Camucim e Acaracu. Os estrangeiros tinham sua rede na
vasta cabana de Jacaúna. 0 valente chefe guardou para
Texto II si o prazer de hospedar o guerreiro branco.
Poti abandonou sua taba para acompanhar seu irmão de
E o mugido lúgubre daquela pobre criatura abandonada guerra na cabana de seu irmão de sangue, e gozar dos
antepunha à rude agitação do cortiço uma nota instantes que sobejavamí1) para a amizade, no coração
lamentosa e tristonha de uma vaca chamando ao longe, do guerreiro do mar.
perdida ao cair da noite num lagar(1) desconhecido e
agreste. Mas o trabalho aquecia já de uma ponta à outra (1) sobejar: sobrar
da estalagem; ria-se, cantava-se, soltava-se a língua; o
formigueiro assanhava-se com as compras para o ALENCAR, José de. Iracema.
almoço; os mercadores entravam e saíam; a máquina de
massas principiava a bufar. E Piedade, assentada à a) Com relação ao "tempo da narrativa", ocorrem no
soleira de sua porta, paciente e ululante(2) como um cão romance Iracema dois "tempos": o tempo
que espera pelo dono, maldizia a hora em que saíra da cronológico e o tempo poético.
sua terra, e parecia disposta a morrer ali mesmo, Caracterize resumidamente cada um desses tempos e
naquele limiar de granito, onde ela, tantas vezes, com a identifique a ocorrência do tempo neste excerto.
cabeça encostada ao ombro do seu homem, suspirava Justifique sua resposta com elementos presentes
feliz, ouvindo gemer na guitarra dele os queridos fados neste excerto.
de além-mar. b) A alegria morava cm sua alma. A filha dos sertões
(1) lagar: estabelecimento utilizado para extração de era feliz, como a andorinha, que abandona o ninho
líquido de certos frutos de seus pais, e peregrina para fabricar novo ninho no
(2) ululante: que uiva; lamentoso país onde começa a estação das flores. Também
Iracema achara ali nas praias do mar um ninho do
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço.
amor, nova pátria para seu coração.
a) Em ambos os excertos, há personagens comparadas
a animais. Considerando as características dos José de Alencar, Iracema.
movimentos literários em que se enquadra cada um
dos romances, esclareça se a animalização em cada No último período deste parágrafo, há duas
um dos excertos é realizada de acordo com os metáforas. Escolha uma delas e esclareça o emprego
mesmos princípios e qual o papel que essa da metáfora escolhida, considerando o romance
animalização cumpre em cada uma dessas situações Iracema no seu todo.
textuais.

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