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Às duas da manhã, fui encontrar o Esche, a árvore que havíamos plantado no Jardin
du Luxembourg.
Levei um garfo do hotel. Para cavar. Para me defender. Porque eu não tinha mais
nada.
Não conseguia pensar, falar ou planejar de maneira linear. Peguei um táxi na
recepção. Amy foi para a cama. Constance e Raef tinham partido em lua de mel. Durante
um mês. Sua vida de casados. Eu não contei a ninguém o que Raef me contou.
O taxista era de Burkina Faso, na África. Ele usava um chapéu preto, vermelho e
verde alargado com seus dreadlocks por baixo. Contei seis aromatizantes de pinheiro
pendurados no espelho retrovisor. Segundo a licença, seu nome era Bormo. Zungo,
Bormo. Ele olhava para mim no espelho sempre que parávamos.
— Você está bem, senhorita? — perguntou em francês.
Eu assenti.
Ele me estudou.
— Tem certeza? — perguntou.
Assenti novamente.
— É tarde para estar nos arredores do parque — ele falou. — O jardin é melhor
durante o dia.
Concordei.
Ele seguiu em frente quando a luz do semáforo mudou. Dirigimos muito tempo em
silêncio. Seus olhos me checavam com frequência no espelho retrovisor.
— Este não é o melhor lugar — Bormo disse quando estacionou na calçada do lado
de fora do jardim e desligou o taxímetro. — Quarenta e sete euros. Pode ser perigoso a
esta hora da noite.
Ele se virou em seu assento para poder falar diretamente comigo.
— Seria uma honra levá-la a um café... ou a algum lugar iluminado.
— Estou bem — falei, pagando-o.
— Ça va.
Ele pegou o dinheiro. Dei a ele uns vinte euros extras. Uma das coisas boas sobre
trabalhar incansavelmente e não ter vida social é que sempre encontrava dinheiro nos
bolsos. Ele pegou os vinte euros e o colocou na aba do chapéu encaroçado.
— É muito tarde — ele falou. — Você estava em um bom hotel e agora... não é
bom ficar sozinha aqui fora.
Sorri e saí do táxi. Depois parei por algum tempo, de frente para o portão de ferro
do Jardin du Luxembourg. Bormo se afastou do meio-fio.
Ele estava certo sobre tudo. O jardin era melhor durante o dia.

Eu não tinha luz a não ser a lanterna do celular. As luzes do parque não iluminavam
o lugar onde o Esche estava localizado. Ele cresceu em uma sombra. Levei pouco tempo
para me lembrar exatamente onde a árvore estava.
Usei o garfo para cavar no solo, que estava úmido e frio.
Você pode visitá-la sempre que vier a Paris. Tudo o mais no mundo irá junto, às
vezes falhando, às vezes prosperando, mas sua árvore — a nossa árvore — continuará
crescendo.
Quando alcancei o recipiente de plástico transparente que guardava nossos cabelos
trançados, puxei-o lentamente da terra. Vi o novo bilhete — de Jack — imediatamente.
Ele havia sido colocado dentro do recipiente de plástico depois que o enterramos. Ficou
claro que ele havia cavado e o colocado para mim ali dentro. Ele usou a nossa própria
caixa de correio secreta para me deixar uma mensagem que eu encontraria se não hoje,
amanhã, depois de mil amanhã. Ninguém mais no mundo saberia procurá-la. E o Esche,
o honorável Esche, tinha estado de guarda até que eu pudesse vir para ele — esteve
próximo a ele no inverno, através dos longos e cinzentos dias de outono e dos frutos da
primavera. Hadley e Hemingway esteve aqui, assim como nós, e não me surpreendeu ver
sua caligrafia cuidadosa.
Heather, a letra dizia.
Um envelope simples incluía qualquer coisa que ele tivesse escrito. Um pouco de
terra sujou o canto inferior direito. Por um momento não pude tocá-lo, respirar, nem fazer
nada.
Naquele instante, soube que ele não havia se esquecido de mim, não havia me
abandonado. Ele não teria escrito um bilhete, nem se importaria em retornar ao poderoso
Esche se não se importasse. Eu sabia que ele tinha pensado em mim ajoelhado no mesmo
lugar em que eu estava ajoelhada agora. Sabia que ele entendia que eu procuraria por ele,
que iria procurar até, finalmente, encontrá-lo. Senti uma enorme torrente de amor, ódio e
cada emoção sob o céu. Levantei o recipiente de plástico e o beijei. Removi a carta com
cuidado, fechei a caixa novamente e a enterrei mais uma vez. Pensei no sr. Periwinkle e
em todas aquelas criaturas que tentam partir com bravura. Sabia sobre o Jack agora. Sabia
que ele havia me abandonado por todas as razões que Raef havia explicado.
E também sabia que ele estava morrendo.

— Passei por aqui duas vezes e não podia voltar — Bormo disse —, mas eu tinha
a sensação de que algo estava acontecendo.
Abri a porta e entrei.
— Obrigada. Muito obrigada.
— Você se sujou.
Assenti.
Ele me olhou no espelho retrovisor.
Então ele balançou a cabeça, aparentemente incapaz de descobrir.
— De volta ao hotel? — perguntou.
Assenti.
— Você não vai me dizer o que aconteceu, vai? — ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
— Amor — ele disse. — Essa é a única coisa que faz as pessoas agirem como
loucas.
Eu sorri. Ele sorriu de volta. Então ele partiu e meu coração ficou vazio e assustado.
Segurei a carta contra o meu peito. Não consegui abri-la. Ainda não. Não até eu poder
respirar de novo.

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