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ORGULHO & PAIXÃO

Nora Roberts
HARLEQUIN Books 2007
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V,/S.à.r.l.
Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no
todo ou em parte, por quaisquer meios.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou
mortas é mera coincidência.
Copyright © 1985 by Nora Roberts
Originalmente publicado em 1985 por Silhouette Special Edition
Título original: ALL THE POSSIBILITIES
Tradução: Gracinda Vasconcelos
Digitalização: Silvia
Revisão e Formatação: Amanda F.
Versão ePub: AZ
Sangue bom, linhagem forte!
Um dos mais famosos clãs das Terras Altas da Escócia, os MacGregors
honram seu passado de romances e aventuras. E, para garantir a perpetuação
de seu nobre legado, o patriarca Daniel MacGregor faz o possível para que
seus filhos encontrem companheiros à altura de sua família. Afinal, soberana é
a sua raça, e um bom sangue faz uma linhagem forte!
Shelby Campbell é diferente de todas as mulheres que o senador Alan
MacGregor já conheceu, e ele acaba se apaixonando pela beldade espirituosa
apesar dos esforços dela para mantê-lo à distância. Mas, a despeito da rixa
secular entre os Campbells e os MacGregors e da trágica história da família
de Shelby, nada o impedirá de buscar o que deseja: o coração de sua amada.
Com um enredo criativo, arrebatador e nada convencional, Orgulho &
Paixão é o terceiro livro da saga Os MacGregors, série que consagrou Nora
Roberts como a principal voz do romance contemporâneo, e que ano após ano
continua encantando milhões de pessoas com suas histórias poderosas e
apaixonantes.
CAPÍTULO I

Shelby sabia que Washington era uma cidade louca. Por isso a amava.
Se quisesse podia dispor de elegância e história, ou de bares escuros e
espetáculos de variedades. Em uma viagem de um lado ao outro da cidade,
podia circular com graça e estilo pelas ruas principais. Sempre havia uma
opção: monumentos luminosos, nobres edifícios estatais, casas antigas de
tijolos, cabines de aço e vidro, estátuas que tinham oxidado havia tanto tempo
que ninguém mais lembrava o porquê da oxidação, ruas pavimentadas com
pedras redondas ou Watergate.
Mas a cidade não apresentava uma estrutura tão especial por nada. O
capital era o núcleo, e política, o nome do jogo. Washington agitava-se
freneticamente, não com a pressa contínua e descuidada de Nova York, mas
com um tipo cauteloso de frenesi. Para a maioria dos homens e mulheres que
trabalhavam lá, seus empregos ficavam na berlinda a cada eleição. Uma coisa
que Washington não era uma capa de segurança. E por isso Shelby a amava.
Segurança assemelhava-se a complacência, e complacência lembrava enfado.
Uma de suas principais metas era jamais permitir que seus negócios se
tomassem enfadonhos.
A cidade de Georgetown a satisfazia porque era, e ao mesmo tempo não
era, distrito federal. Tinha a energia da juventude: universidade, butiques,
cafés, cervejas pela metade do preço nas noites de quarta-feira. E a dignidade
da idade: ruas residenciais, paredes de tijolos vermelhos cobertas de hera,
venezianas pintadas, mulheres elegantes passeando com cãezinhos asseados.
Porque não podia ser rotulada estritamente como parte de qualquer outra
coisa, sentia-se confortável lá. Sua loja situava-se em uma das estreitas ruas
com piso de pedra e sua residência, propriamente dita, ficava no andar
superior. Dispunha de uma sacada, na qual podia se sentar e ouvir o
burburinho da cidade nas noites mornas de verão. As janelas eram decoradas
com venezianas de bambu, para que pudesse fechá-las, caso quisesse um
pouco de privacidade. O que raramente acontecia.
Shelby Campbell nascera para viver em meio às pessoas, conversas e
multidões. Considerava uma conversa com estranhos tão fascinante quanto
com os velhos conhecidos e o barulho mais atraente do que o silêncio.
Contudo, gostava de viver à sua maneira, de modo que seus companheiros de
quarto não eram da espécie humana: Moshe Dayan, um gato cego de uma vista
e Tia Em, um papagaio fêmea que se recusava a conversar com qualquer um.
Juntos, os três viviam em relativa paz, na desordem que Shelby chamava de
casa.
Era oleira por profissão e comerciante por capricho. A pequena loja
que batizara de Calliope se tomara um sucesso ao longo daqueles três anos,
desde que abrira as portas. Shelby achava que gostava de lidar com os
clientes tanto quanto gostava de se sentar frente ao prato giratório com uma
porção de barro nas mãos e dar asas à imaginação. A parte burocrática, sim,
era um aborrecimento constante. Entretanto, para ela, aborrecimentos davam
certo estímulo à vida. Então, para diversão da família e surpresa de muitos
amigos, ela entrara no ramo do comércio e vinha fazendo um inegável sucesso.
Eram seis horas da tarde quando fechou a loja. Desde o início,
estipulara uma política firme de não trabalhar durante a noite. Podia modelar
barro ou mexer com vernizes até a madrugada ou sair e se misturar à agitação
das ruas, mas nos negócios não admitia serão. Naquela noite, porém, teria de
enfrentar algo que evitava sempre que possível, mas que levava
completamente a sério quando não havia outra escapatória: uma obrigação.
Apagando todas as luzes como de costume, subiu os degraus que a levavam ao
andar superior.
O gato saltou com agilidade de seu poleiro no batente. Espreguiçou-se e
caminhou em sua direção. Quando Shelby entrava, significava que era hora do
jantar. O papagaio aprumou as asas e começou a roer o calcário que possuía
em sua gaiola.
— Como vai? — ela coçou atrás das orelhas de Moshe, onde ele mais
gostava. Com um miado de aprovação, o bichano inclinou a cabeça e a fitou
com seu único olho. A venda que usava emprestava-lhe uma aparência
desordeira e correta ao mesmo tempo. — Sim, já vou lhe dar seu jantar. —
Shelby levou uma mão ao estômago. Estava com fome também, e tudo que
tinha para comer naquela noite era fígado a rolê e bolachas. — Oh, muito bem.
— murmurou enquanto entrava na cozinha para alimentar o gato.
Havia prometido à mãe que iria ao coquetel do congressista Write,
portanto tinha de se apressar. Deborah Campbell, por certo, era a única pessoa
capaz de fazê-la apressar-se.
Sempre fora apaixonada pela mãe. Um amor que ia muito além do amor
básico que os filhos sentem pelos pais. Havia ocasiões em que eram
confundidas como irmãs, apesar da diferença de vinte e cinco anos entre as
duas. Ambas tinham cabelos da mesma cor, ruivos e brilhantes. Mas enquanto
a mãe usava um corte curto e reto, Shelby deixava os cachos caírem-lhe sobre
a testa em uma franja ondulada que sempre lhe parecia um pouco longa.
Herdara a pele de porcelana e os olhos cinzentos da mãe, mas enquanto essa
combinação fazia Deborah parecer elegante e delicada, em Shelby, de uma
estranha maneira, criava a aparência de uma criança abandonada vendendo
flores em alguma esquina. Tinha o rosto fino, com uma ossatura proeminente.
Sempre explorara sua imagem habilmente com uma boa aplicação de
maquiagem e uma predileção por roupas antigas.
Podia ter herdado os traços da mãe, mas no tocante à personalidade
eram bem diferentes. Shelby jamais pensara em se tomar livre ou excêntrica,
simplesmente era. Vivera e se formara em Washington, e as implicações
políticas haviam dominado sua infância. Pressão de anos eleitorais,
campanhas que faziam seu pai ficar afastado de casa durante semanas, lobby,
contas a repassar ou bloquear, tudo aquilo fizera parte do seu passado.
E havia as festas de crianças que, na maioria das vezes, faziam parte do
jogo, tal como uma entrevista coletiva. Os filhos do senador Robert Campbell
eram importantes para sua imagem, uma imagem que fora cuidadosamente
projetada como satisfatória para o salão oval. E muitos aspectos dessa
imagem, como Shelby bem se lembrava, eram verdadeiros. Seu pai fora um
homem bom, justo, afetuoso, dedicado e com um senso agudo de ridículo. Mas
aquilo não o salvara da bala de um louco quinze anos atrás.
Desde então, decidira que a política fora responsável pela morte do pai.
Um dia todo mundo morre. Mesmo contando apenas onze anos à época, Shelby
compreendia muito bem esse fato. Mas a morte viera cedo demais para o
senador Robert Campbell. E se pudera derrubá-lo, uma pessoa que ela julgava
inatingível, poderia derrubar qualquer um, a qualquer hora. Então, decidiu,
com todo o fervor de uma criança, desfrutar e aproveitar ao máximo tudo que a
vida tinha para lhe oferecer. E nada mais mudara essa sua análise. Portanto,
iria ao coquetel dos Write, em sua espaçosa casa às margens do rio, e acharia
algo com o que pudesse se divertir ou pelo que se interessar. Não duvidava de
que teria êxito.
Shelby estava atrasada. Mas isso não era novidade alguma. Não se
tratava de um descuido consciente ou necessidade de aparecer. Sempre se
atrasava porque nunca terminava qualquer coisa tão depressa quanto
imaginava que fosse terminar Além do mais, a casa colonial de tijolos brancos
encontrava-se abarrotada, cheia de pessoas o suficiente para que um
retardatário não fosse notado.
A sala era tão larga quanto o seu apartamento e duas vezes mais
comprida. Exibia tons de branco, marfim e creme, o que lhe conferia um senso
de espaço organizado. Nas paredes havia excelentes paisagens francesas
adornadas com molduras ricamente entalhadas. Shelby aprovava o ambiente,
entretanto não se imaginava morando num lugar daqueles. Gostava do cheiro
que predominava no ar, tabaco, perfumes variados e águas-de-colônia. Não
havia sequer o mínimo rastro de suor, é claro. Aquele era o odor de pessoas e
festas.
As conversas típicas na maioria dos coquetéis versavam sobre outras
festas, jogos de golfe, roupas, mas em meio a esses assuntos também se
ouviam comentários sobre o índice de preços, os discursos atuais da OTAN e
a última entrevista do secretário do Tesouro Nacional no programa Cara a
Cara.
Shelby conhecia a maioria das pessoas presentes, vestidas em suas
sedas finas ou seus ternos escuros. Enquanto caminhava com habilidade em
direção ao buffet, dispensou-lhes alguns sorrisos rápidos e saudações. Comida
era uma coisa que ela levava muito a sério. Ao se deparar com os apetitosos
quiches, decidiu que sua noite não seria uma perda de tempo tão grande.
— Olá, Shelby. Não havia reparado que estava aqui. Que bom vê-la. —
Carol Write, extremamente elegante em seu vestido de Unho lilás, deslizou por
entre a multidão sem derramar uma gota de seu xerez.
— Cheguei atrasada. — disse ela com a boca cheia, retribuindo o breve
abraço. — Tem uma bonita casa, Sra. Write.
— Muito obrigada, querida. Adoraria lhe mostrar o restante dos
cômodos mais tarde, se eu puder dar uma escapulida. — a mulher relanceou
um olhar rápido e satisfeito ao redor da multidão, o estandarte de uma anfitriã
de Washington. — Como vão indo as coisas na loja?
— Bem. Espero que com o parlamentar também.
— Oh, sim. Ele quer vê-la. Não imagina o quanto ele amou aquele vaso
que você fez para o escritório dele. — embora tivesse um sotaque levemente
georgiano, Carol conseguia falar tão depressa quanto um lojista de Nova York
oferecendo uma pechincha. — Write sempre diz que foi o melhor presente de
aniversário que já lhe comprei. Agora venha, precisa se misturar aos outros
convidados. — a mulher a segurou pelo cotovelo, antes que ela pudesse pegar
outro quiche. — Não existe ninguém melhor para fazer uma conversa fluir do
que você, minha querida. Muita conversa sobre negócios pode simplesmente
destruir uma festa. Várias pessoas aqui são suas conhecidas, é claro, mas...
Ah, ali está a Deborah. Vou deixá-la com ela por um momento e bancar a
anfitriã por aí.
Libertada, Shelby voltou ao buffet.
— Olá, mamãe.
— Estava começando a pensar que havia desistido de vir. — Deborah
relanceou um olhar à filha, maravilhando-se ao ver como a saia colorida, a
blusa de estilo camponês e o bolero pareciam tão elegantes nela, quando em
outra pessoa poderiam parecer uma fantasia de carnaval.
— Eu prometi que viria. — Shelby lançou um olhar de especialista ao
buffet, antes de fazer sua próxima escolha. — A comida está melhor do que eu
esperava.
— Shelby, não deixe que o estômago domine a sua mente. — com um
suspiro, Deborah segurou a filha pelo cotovelo. — No caso de não ter
percebido, há vários homens interessantes no salão.
— Ainda tentando me casar? — perguntou, dando-lhe um beijo
carinhoso na face. — Já a tinha quase perdoado pelo pediatra que tentou me
empurrar.
— Ele era um homem muito atraente.
— Hummm... — ela decidiu não mencionar que o homem atraente
parecia ter seis pares de mãos, todas muito ativas.
— Além do mais, não estou tentando casá-la. Só quero que seja feliz.
— Você é feliz? — Shelby redargüiu com um rápido brilho no olhar.
— Sim. — distraidamente, Deborah apertou o brinco de diamantes em
sua orelha esquerda. — Claro que sou.
— Quando vai se casar?
— Já fui casada. — a mãe a lembrou com um pequeno acesso de ira. —
E tive dois filhos e...
— Que a adoram. Tenho dois ingressos para o balé no Kennedy Center
semana que vem. Quer ir comigo?
A frágil carranca de aborrecimento desapareceu do cenho de Deborah.
Quantas mulheres, pensou ela, teriam uma filha capaz de exasperá-la e agradá-
la tão completamente ao mesmo tempo?
— Um modo bem inteligente de mudar de assunto, e, sim, eu adoraria ir
com você.
— Posso jantar, então? — Shelby irradiou um sorriso ao homem à sua
esquerda. — Olá, Steve. — ela examinou o braço musculoso do rapaz. —
Você tem malhado um bocado!
Deborah observou o charme que a filha jogou para o vice-secretário de
imprensa e a seguir para o novo chefe da Agência de Proteção Ambiental. Sem
esforço genuíno, meditou. Ninguém adorava mais, ou encantava mais uma
multidão, do que Shelby. Então, por que evitava tão escrupulosamente
envolvimentos com o sexo oposto? Se fosse apenas o casamento que ela
evitasse, Deborah teria aceitado, mas havia muito suspeitava de que havia
algo mais a bloqueava.
Jamais desejaria o sofrimento para a filha, mas até mesmo um
relacionamento fracassado teria lhe aliviado a mente. Durante quinze anos,
vira Shelby evitar a dor emocional de uma maneira ou de outra. Deborah sabia
que sem dor jamais haveria a verdadeira satisfação. Ainda assim ela suspirou
ao vê-la curvar os lábios naquele sorriso que endereçava a vários membros do
grupo ao qual se havia unido era uma jovem tão cheia de vida, tão iluminada.
Talvez estivesse se preocupando à toa. Felicidade era uma coisa muito
pessoal.

Alan contemplou a mulher de cabelos brilhantes, vestida como uma rica


cigana. Podia ouvir seu riso flutuando pelo saião, sensual e inocente. Um rosto
interessante, pensou. Mais singular do que bonito. Quantos anos teria?,
desejou saber. Dezoito? Trinta? Não parecia pertencer ao grupo que
freqüentava as festas de Washington. Só Deus sabia de quantas ele já
participara. Não havia nada nela de suave e circunspeto. Aquele vestido não
fora comprado em uma das lojas freqüentadas pelas esposas dos políticos e os
cabelos, por certo, não haviam sido cortados em algum salão sofisticado. Mas
parecia bem ajustada ao ambiente, com um toque de elegância de Los Angeles
e de erudição de Nova York.
— Olá, senador. — Write deu um tapa firme nas costas de Alan. — É
bom vê-lo fora da arena. Acho que não conseguimos seduzi-lo o bastante para
fazê-lo sair da toca.
— É só oferecer um bom uísque, Charlie. — o senador ergueu o copo.
— É sempre um bom truque.
— Normalmente é necessário bem mais do que isso. — corrigiu Write.
— Você costuma varar as noites trabalhando, Alan.
Ele sorriu. Nada em Washington passava despercebido.
— E parece que temos muito trabalho no momento.
Com um aceno positivo, Write sorveu um gole do uísque.
— Estou interessado em seu parecer sobre as contas de Breiderman que
serão apresentadas na próxima semana.
Alan fitou o congressista com um olhar sereno, sabendo que o homem
era um dos partidários de Breiderman.
— Não concordo com elas. — disse simplesmente. — Não podemos
dispor de mais cortes na verba da educação.
— Bem, Alan. Eu e você sabemos que as coisas não são assim tão preto
no branco.
— Às vezes as áreas cinza tornam-se demasiadamente grandes. Então, é
melhor voltar às bases. — ele não queria discutir e havia tempo descobrira
que não gostava de tratar de assuntos de trabalho em reuniões sociais. Um
comportamento nada conveniente para um senador em uma festa política. Mas
Alan MacGregor era político o bastante para escapar das perguntas quando lhe
convinha. — Sabe, pensei que eu conhecesse todos aqui. — comentou,
olhando ao redor do salão. — A mulher que parece ser uma mistura de
Esmeralda e Heidi, quem é ela?
— Quem? — repetiu Write, intrigado pela descrição a ponto de
esquecer-se da réplica planejada e seguir o olhar do senador. — Oh, não me
diga que não conhece Shelby. — o congressista sorriu, divertindo-se ainda
mais com a descrição, agora que sabia a quem MacGregor se referia. — Quer
que o apresente a ela?
— Acho que posso fazer isso sozinho. — murmurou Alan. — Obrigado.
Sem mais palavras, afastou-se, movendo-se com facilidade por entre os
grupos de pessoas. Assim como Shelby, ele também nascera para viver entre
as multidões. Apertos de mão, sorrisos, a palavra certa na hora certa, uma
memória infalível para rostos. Isso era imprescindível para um homem cuja
carreira dependia do capricho do público tanto quanto de sua própria
habilidade. E ele era habilidoso.
Alan conhecia a lei. Estava familiarizado com todas as suas sombras e
ângulos, mas ao contrário de seu irmão, Caine, também advogado, sentira-se
mais atraído pela teoria da lei do que por casos individuais. Era a avaliação
que o fascinava. Como a lei ou a base que a regia, a Constituição, trabalhava
em prol dos cidadãos. A política o conquistara ainda na faculdade. Ainda
agora, aos trinta e cinco anos, após uma legislatura na Câmara e em seu
primeiro mandato como senador, adorava explorar suas infinitas
possibilidades.
— Sozinho, senador? — Myra Ditmeyer, esposa de um magistrado do
Supremo Tribunal, segurou-o pelo braço no momento em que ele se afastava
de um grupo.
Alan sorriu e com o privilégio de um velho amigo beijou-lhe a face.
— Isso é uma oferta?
A mulher soltou uma de suas gargalhadas estrondosas, sacudindo os
pingentes de rubi nas orelhas.
— Oh, você, seu diabinho, como se isso fosse possível. Vinte anos a
menos, seu escocês destruidor de corações. Era tudo de que eu precisava.
Vinte anos. — seu sorriso era genuíno e os olhos astutos enquanto o
estudavam. — Por que não trouxe um daqueles seus tipos cosmopolitas
polidos a tiracolo esta noite?
— Tinha esperanças de convidá-la para um fim de semana em Puerto
Vallarta.
Dessa vez Myra cutucou o tórax do senador com uma longa unha
escarlate, enquanto ria.
— Seria bem feito para você se eu aceitasse o convite. Acha que sou
imune. — a mulher suspirou, a face redonda e bem-feita exibindo as linhas do
tempo. — Infelizmente é verdade. Precisamos achar alguém para você, Alan
MacGregor. Um homem da sua idade ainda solteiro. — alardeou. — Os
americanos gostam que seus presidentes sejam casados, meu querido.
O sorriso de Alan se alargou.
— Agora está parecendo o meu pai.
— Aquele velho pirata. — Myra fungou, mas um vislumbre de diversão
cruzou seus olhos. — Pelo menos, você foi sábio o bastante para seguir os
conselhos dele em uma coisa ou outra. Mas um político bem-sucedido tem de
se casar.
— Devo me casar para progredir em minha carreira?
— Não tente me enganar. — ordenou Myra e então viu o olhar dele se
voltando em direção ao som baixo e familiar de uma risada. Ora, ora, pensou,
não seria um casal interessante? A raposa e a borboleta. — Vou oferecer um
jantar semana que vem. — decidiu naquele instante. — Apenas para um grupo
seleto de amigos. Minha secretária entrará em contato com o seu escritório
para lhe fornecer os detalhes. — dando-lhe um tapinha de leve na face, a
mulher se afastou a fim de achar um lugar estratégico de onde pudesse
observar.
Ao ver Shelby deixar o trio com o qual conversava, Alan caminhou em
sua direção. Quando estava bem próximo, a primeira coisa que sentiu foi o
perfume agradável que ela exalava. Não era floral, nem picante ou
almiscarado, mas uma fusão instigante dos três. Era mais uma aura do que um
perfume. Inesquecível. A jovem havia se agachado em frente a um armário
bizarro, com o nariz pressionado de encontro ao vidro.
— Porcelana do século dezoito. — murmurou ela, sentindo que havia
alguém atrás de si. — Esmalte Teadust. Espetacular, não é?
Alan olhou para a tigela que parecia fasciná-la e em seguida para a
coroa da cabeça de cabelos avermelhados.
— Chama a atenção, certamente.
Shelby o fitou por sobre o ombro e sorriu, um sorriso tão atordoante e
singular quanto seu perfume.
— Olá.
— Olá. — Alan apertou a mão que ela lhe estendeu, forte e dura, um
paradoxo em relação a sua aparência delicada, e a ajudou a se erguer. Não a
soltou como teria feito normalmente sem pensar, mas continuou segurando-a,
enquanto ela lhe sorria.
— Acabei me distraindo de meu objetivo. Podia me fazer um favor?
A sobrancelha de Alan se ergueu. Havia um timbre em sua voz que
lembrava um misto de estudante e mulher de negócios.
— O quê?
— Espere aqui. — com um movimento rápido, Shelby se desviou dele,
retirou um prato do buffet e começou a enchê-lo. — Toda vez que começo a
fazer isto, alguém me vê e me puxa para algum lugar. Ainda não jantei. Pronto.
— satisfeita, cutucou-lhe o braço. —Vamos para o terraço. — ela circundou a
mesa e passou pelas portas francesas.
O ar estava morno e impregnado com o perfume dos lilases. O luar
prateado derramava-se sobre a grama recentemente aparada. Havia um velho
salgueiro com ramos novos e tenros que se estendiam sobre a laje. Com um
suspiro de pura gula sensual, Shelby enfiou um camarão empanado na boca.
— Não sei o que é isto. — murmurou, estudando o minúsculo prato de
entrada. — Prove e me diga.
Intrigado, Alan abocanhou um pedaço da iguaria que ela lhe levou à
boca.
— Patê envolto em massa folhada com... Um toque de castanha.
— Humm. Aprovado. — ela devorou o restante. — Meu nome é Shelby
— apresentou-se, enquanto colocava o prato em uma mesa de vidro e
acomodava-se em uma cadeira.
— O meu é Alan. — um sorriso curvou-lhe os lábios ao mesmo tempo
que ele se sentava ao lado dela. De onde viera aquele animalzinho
extraviado?, desejou saber. Decidiu passar os próximos minutos tentando
descobrir, e o ar da primavera era um alívio bem-vindo contra a fumaça de
tabaco e a variedade de cheiros que impregnavam o salão. — Vai compartilhar
esse prato comigo?
Shelby o estudou como se considerasse a possibilidade. Ela o havia
notado no salão, talvez porque fosse um homem alto com um físico
naturalmente atlético, que não se via com muita freqüência em uma festa de
Washington. Viam-se físicos cuidadosamente mantidos, dos tipos que falavam
sobre malhação três vezes por semana e jogos com raquete, mas aquele ali
fazia mais o tipo nadador... Um nadador de rios turbulentos, longilíneo e
elegante. Podia enfrentar correntezas sem despender muita energia.
A face não era lisa. Havia algumas rugas de expressão que
complementavam o aspecto aristocrático de seu rosto. O nariz mostrava-se
ligeiramente desalinhado, o que a atraiu. A boca de linhas suaves, os cabelos e
olhos escuros a fizeram lembrar de uma espécie de herói de Brontë...
Heathcliff ou Rochester, não estava bem certa. Mas ele possuía um ar
contemplativo que era ao mesmo tempo tranqüilo e atraente. Os lábios de
Shelby se curvaram mais uma vez.
— Claro. Acho que você merece. O que está bebendo?
Alan alcançou o prato.
— Uísque legítimo.
— Sabia que você devia ser confiável. — Shelby pegou o copo das
mãos dele e sorveu um gole da bebida. Seus olhos pareciam sorrir. A brisa
suave brincava em seus cabelos. A luz do luar e das estrelas combinava com
ela. Naquele momento, parecia um duende que poderia desaparecer com
apenas um sopro.
— O que está fazendo aqui? — perguntou Alan.
— Pressão materna — respondeu, sem hesitar. — Já experimentou isso?
Um dos cantos dos lábios dele se curvou num sorriso atraente.
— Pressão paterna é a minha especialidade.
— Não acho que faça muita diferença. – decidiu Shelby, falando com a
boca cheia. Depois de engolir, ela apoiou um dos lados da face na palma da
mão. — Você mora em Alexandria?
— Não. Em Georgetown.
— É mesmo? Onde?
O luar se refletiu nos olhos dela, fazendo-o perceber que possuíam o
mais puro tom de cinza que ele já vira na vida.
— Na Street.
— Engraçado, já devemos ter nos esbarrado no mercado local. Minha
loja fica apenas a alguns quarteirões de lá.
— Você tem uma loja? — vestidos sofisticados, jaquetas aveludadas.
Talvez jóias, imaginou Alan.
— Sou oleira. — Shelby devolveu-lhe o copo, deslizando-o sobre a
mesa.
— Oleira. — em um impulso, ele tomou-lhe uma das mãos e inverteu-a
a fim de examinar-lhe a palma. Era pequena e estreita, com dedos longos,
unhas bem aparadas e sem esmalte. O senador gostou do toque daquela mão e
da aparência do pulso sob uma pesada pulseira de ouro. — É boa no que faz?
— Excelente. — pelo que podia lembrar, era a primeira vez que sentia
o desejo de romper aquele contato. De repente lhe passou pela mente que, se
não o fizesse, ele iria segurá-la lá até ela esquecer que tinha outros lugares
para ir. — Não parece ser nativo de Washington. — continuou Shelby,
experimentando deixar a mão onde estava. — É da Nova Inglaterra?
— Massachusetts. — sentindo uma leve resistência da mão dela, Alan a
manteve segura, enquanto apanhava outro folhado de patê e lhe oferecia.
— Ah! Uma cria de Harvard! — havia uma leve ponta de desdém na
voz dela. Os olhos de Alan se estreitaram parcialmente. — Não estudou
Medicina. — especulou ela, permitindo que seus dedos se entrelaçassem aos
dele. Aquilo já estava se tornando uma sensação muito confortável. — As
palmas de suas mãos não são suaves o bastante para um médico.
Teria cursado Artes?, desejou saber Shelby, notando mais uma vez a
expressão romanticamente meditativa naqueles olhos escuros. Um sonhador,
suspeitou. Um homem que tendia a pensar em uma coisa de cada vez, antes de
agir
— Estudei Direito. — respondeu Alan, aceitando o exame minucioso
como também a expressão de surpresa na face dela. — Desapontada?
— Surpresa. — embora aquela voz máscula fosse mais adequada a um
advogado. Polida e clara, com tendências que variavam do drama ao humor —
Contudo, suponho que minha concepção sobre os advogados esteja um pouco
defasada. O meu tem uma enorme barriga e usa óculos com armação de casco
de tartaruga. Você não acha que a lei tende a se ocupar mais de coisas comuns?
A sobrancelha de Alan se ergueu em harmonia direta com um dos cantos
de sua boca.
— Como assassinato e caos?
— Essas coisas não são... Tão comuns. — corrigiu Shelby, enquanto
tomava outro gole do copo dele. — Estou me referindo à infinita formalidade
burocrática. Sabe como é... Todos os formulários que preciso preencher para
vender meus objetos. Então, alguém tem que ler esses formulários, outra
pessoa tem que arquivá-los e outra tem que enviá-los. Não seria muito mais
simples me deixar vender um vaso e ganhar o meu dinheiro?
— É difícil quando se está lidando com milhões. — Alan se esqueceu
de que não queria discutir política naquela noite, enquanto brincava
distraidamente com o anel que ela usava no dedo. — Nem todos iriam aderir a
um equilíbrio de lucros justo, ninguém pagaria impostos e o pequeno
empresário não teria nenhuma proteção a mais do que o consumidor.
— É difícil acreditar que preenchendo meu número de seguro social em
três vias eu consiga tudo isso. – os dedos fortes se moveram de um modo meio
amigável, meio sedutor sobre a pele dela, distraindo-a. Mas quando Alan
sorriu, quando ele realmente sorriu, Shelby decidiu que estava diante do
homem mais irresistível que ela já conhecera.
Talvez fosse aquele toque de sobriedade espreitando pelas raias do
humor.
— Sempre há uma grande superposição entre a burocracia e a
necessidade. — por um momento, ele desejou saber que diabos estaria
fazendo discutindo aquele assunto com uma mulher que parecia mais uma
criatura saída do século XIX, que alimentava o sonho de todo homem.
— O melhor das regras é a variedade infinita de modos de violá-las. —
Shelby deu uma daquelas risadas que o havia atraído minutos antes. —
Suponho que seja isso que mantém o seu emprego.
De repente, uma voz soou através da janela aberta, viva, fria e
autoritária.
— Nadonley deveria manter pulso firme sobre suas relações
americano-israelenses, mas não está fazendo muitos amigos com sua política
atual.
— E sua aparência deselegante de estudante em viagem de turismo é
ridícula.
— Típico. — murmurou Shelby, com o cenho franzido sombreando-lhe
os olhos. — Roupas são tão políticas quanto convicções, provavelmente até
mais. Se usar ternos escuros e camisas brancas, você é um conservador.
Sapatos de mocassim e suéter de cashmere, um liberal.
Alan já ouvira palavras arrogantes em relação a sua profissão. Ou
tranqüilas, ou ruidosas, dependendo da ocasião. Em geral, costumava ignorá-
las. Dessa vez se aborreceu.
— Você tende a generalizar, não é?
— Somente aquilo com que não tenho a menor paciência. — reconheceu
num tom casual. — Política tem sido um subproduto aborrecido da sociedade,
desde antes de Moisés discutir com Ramsés.
Um sorriso começou a brincar nos lábios de Alan. Contudo, Shelby não
o conhecia o suficiente para perceber que se tratava de um riso desafiador. E
pensar que ele quase cedera ante ao desejo de ficar em casa e passar uma
noite sossegada lendo um livro.
— Não gosta de políticos?
— É uma das poucas generalizações às quais sou propensa. Elas me
vêm em várias formas: sufocantes, fanáticas, famintas, trêmulas. Sempre achei
assustador que um punhado de homens governasse este estranho mundo.
Logo... — ela encolheu os ombros e empurrou o prato para o lado -... Tenho
como hábito fingir que realmente detenho algum controle sobre o meu próprio
destino. — curvando-se para frente, ela desfrutou do modo como as sombras
do salgueiro se projetavam sobre a face dele. De repente, sentiu-se tentada a
testar e sentir aquelas formas com suas próprias mãos. — Gostaria de voltar lá
para dentro?
— Não. — Alan deixou o dedo polegar deslizar ligeiramente detendo-
se sobre o pulso dela. Então, quase tomado de surpresa, sentiu-o acelerar. —
Não fazia idéia do quanto estava entediado até vir para cá.
Shelby abriu os lábios num sorriso luminoso.
— O maior dos elogios declarado eloqüentemente. Você não é irlandês,
é?
Ele negou com um movimento de cabeça, desejando provar o sabor
daquela boca extravagante.
— Escocês.
— Santo Deus! Eu também. — uma sombra cruzou novamente os olhos
dela, com uma ponta de antecipação correndo ao longo de sua pele. — Estou
começando a pensar que é o destino. Nunca fui propensa a acreditar em tal
coisa.
— Prefere acreditar que dirige o próprio destino? — cedendo a um
impulso, Alan ergueu-lhe os dedos e os levou aos lábios.
— Sim. Prefiro o assento do motorista. — concordou ela sem afastar a
mão, o que agradou a ambos. — Acho que é a natureza prática dos Campbell.
Agora era a vez de Alan gargalhar.
— As famílias tradicionalmente inimigas. — disse ele, erguendo o copo
para ela. — Sem dúvida nossos antepassados mataram uns aos outros sob o
lamento das gaitas de fole. Sou do clã MacGregor.
Shelby sorriu.
— Meu avô me deixaria a pão e água se soubesse que estamos
conversando. Um maldito e louco MacGregor. — o sorriso de Alan se alargou
enquanto o dela enfraqueceu. — Alan MacGregor... — disse ela lentamente
—... O senador de Massachusetts.
— Culpado.
Shelby suspirou e se ergueu.
— É uma pena.
Alan não a libertou. Em vez disso, pôs-se de pé de forma que seus
corpos ficaram próximos o bastante para transmitir toda aquela complicada
atração.
— Por quê?
— Eu poderia enfrentar a fúria do meu avô... — Shelby o fitou,
estudando-o rapidamente, intrigada pelas batidas instáveis do próprio
coração. — Mas não saio com políticos.
— É mesmo? — o olhar de Alan desceu até os lábios dela e então
voltou a fitá-la nos olhos. Não havia lhe pedido para sair. Entendia, e não
aprovava inteiramente, que ela fosse o tipo de mulher que fazia seus próprios
convites, quando lhe convinha. — É uma das regras de Shelby?
— Sim, uma das poucas.
A boca daquela mulher era tentadora, suave, sem pintura e com os
cantos curvados como se considerasse tudo uma grande piada. Sim, sua boca
era tentadora, mas o brilho de divertimento em seus olhos era um desafio. Em
vez de fazer o óbvio, Alan ergueu-lhe a mão e pressionou os lábios sobre o
pulso delicado, sem deixar de encará-la. Então, sentiu-lhe a pulsação acelerar
e percebeu a cautela pincelada com uma centelha de calor naqueles olhos
cinzentos.
— A melhor das regras... — citou ele num tom suave —... É a
variedade infinita de modos de violá-las.
— Certo. O feitiço virou contra o feiticeiro. — murmurou ela afastando
a mão. Era ridículo se sentir desestabilizada por um gesto romântico
antiquado, disse Shelby a si mesma. Mas havia algo naqueles olhos castanho-
escuros que lhe dizia que Alan fizera aquilo mais com aquele propósito do que
para o próprio prazer. — Bem, senador... — proferiu com uma voz mais firme
—... Foi um prazer. Mas agora está na hora de voltar para o salão.
Alan a deixou alcançar as portas francesas, antes de falar:
— Eu a verei novamente.
Ela parou e o fitou por sobre o ombro.
— É uma possibilidade.
— Uma certeza — corrigiu ele. Os olhos de Shelby se estreitaram por
um momento. O senador MacGregor se encontrava de pé próximo à mesa de
vidro, iluminado pela luz do luar, alto, moreno e pronto para a ação. Tinha a
face serena, a postura relaxada, contudo ela teve um pressentimento de que, se
lhe desse apenas uma chance, ele a alcançaria num piscar de olhos. Quase
sentiu vontade de tentar. Então, sacudiu a cabeça para desviar os cachos da
testa. O meio sorriso que ele exibia a estava enfurecendo, principalmente
porque desejava retribuí-lo. Sem mais uma palavra, abriu as portas e deslizou
para dentro do salão, dizendo a si mesma que aquilo era o fim.
E quase acreditou.
CAPÍTULO II

Shelby havia contratado um assistente de loja para trabalhar meio


período quase dois anos antes, assim ficaria livre para tirar uma hora ou um
dia de folga quando lhe conviesse, ou passar vários dias descansando, se
tivesse vontade. Encontrara a solução em Kyle, um poeta esforçado, cujas
horas eram flexíveis e que possuía um temperamento compatível com o dela.
Trabalhava às quartas-feiras e aos sábados, e esporadicamente sempre que ela
o chamasse. Em troca, pagava-lhe um excelente salário e ouvia suas poesias.
A primeira parte nutria-lhe o corpo, a segunda, a alma.
Shelby invariavelmente reservava os sábados para misturar ou bater o
barro, embora achasse engraçado se alguém a chamasse de disciplinada: ainda
acreditava que trabalhava por opção, não porque caíra em uma rotina. Nem
havia percebido o quanto aqueles sábados tranqüilos, sentada em frente ao
tomo de oleiro, haviam centralizado a sua vida.
Seu local de trabalho ficava nos fundos da loja. Havia duas robustas
estantes ao longo de duas paredes, abarrotadas com peças que já haviam
passado pela primeira queima ou aguardavam a vez de ir para o forno. Filas e
filas de esmaltes, sua paleta de cores, não menos importante para ela do que
para qualquer outro artista, e ferramentas tais como longas agulhas de madeira,
escovas de vários formatos e cones pirométricos. Ocupando quase toda a
parede dos fundos encontrava-se um enorme forno, agora fechado, com as
prateleiras apinhadas de cerâmicas vitrificadas e decoradas, em sua queima
final.
Pelo fato de os respiradouros estarem abertos — e a própria sala não
ser tão grande a alta temperatura do forno mantinha o ar abafado no interior
Shelby costumava trabalhar no tomo trajando apenas camiseta, bermudas
velhas e um avental branco, projetado para protegê-la da maioria dos salpicos
de barro.
Havia duas janelas, ambas com vista para um beco, logo, pouco dava
para ouvir dos barulhos de final de semana. Tendo o rádio como companhia e
com os cabelos presos em um rabo-de-cavalo por uma tira de couro, Shelby
curvou-se sobre o tomo com a última bola de barro que pretendia modelar
naquele dia.
Talvez aquela fosse a melhor parte da confecção de sua arte... Pegar
uma bola de argila e transformá-la em algo que sua habilidade e imaginação
produzissem. Podia ser um vaso ou uma tigela, achatada ou comprida,
enrugada ou lisa. Podia ser um cântaro, que precisaria esperar que ela
acrescentasse as alças, ou uma panela que um dia ficaria repleta de chá de
jasmim ou café temperado. Possibilidades. Shelby jamais deixava de se sentir
fascinada por elas.
A vitrificação, a pintura e o design invocavam uma parte diferente de
sua natureza. Significavam o término do trabalho. Criativo, por certo, mas
obrigatório. Podia ser pródiga ou econômica com as cores, se quisesse. Usar
detalhes discretos ou esguichos arrojados. Mas trabalhar o barro era mais
primitivo e muito mais desafiador.
Com as mãos nuas, moldava, beliscava e alisava uma bola disforme de
argila, a seu bel-prazer. Shelby percebia que as pessoas com freqüência agiam
dessa forma umas com as outras, principalmente com os filhos. Não gostava
dessa idéia e resolveu focalizar aquele aspecto do seu ego no barro: moldar,
aplainar e remodelar, até alcançar a forma desejada. Preferia que as pessoas
fossem menos maleáveis. Moldes eram para seres inanimados. Para ela,
qualquer pessoa que se ajustasse demais a outra era um semimorto.
O barro fora compactado e todas as bolhas haviam sido eliminadas.
Estava úmido e fresco, cuidadosamente misturado para ficar com a
consistência exata. Ela acrescentou pedaços de cerâmica, rudemente
quebrados, para aumentar a rigidez, e estava pronta para começar. Usando
ambas as mãos, apertou o barro sobre o tomo e começou a girar. Então,
segurou a argila macia e fresca firmemente nas palmas das mãos até vê-la
correndo na roda, permitindo-se sentir a forma que queria criar.
Absorta, trabalhou ao som do rádio atrás de si. A roda zumbia. O barro
girava, sucumbindo à pressão de suas mãos, rendendo-se às demandas
inflexíveis de sua imaginação. Modelou um anel espesso, apertando o polegar
no centro da bola e, em seguida, lentamente, muito lentamente, puxou-o para
cima entre os até formar um cilindro. Agora podia aplainá-lo no formato de um
prato, abri-lo para moldar uma tigela ou talvez transformá-lo em uma esfera,
de acordo com a sua vontade.
Detinha o controle e a direção. Suas mãos dominavam o barro tanto
quanto sua criatividade a dominava. Sentiu necessidade de criar um objeto
simétrico, equilibrado. No fundo da mente lhe veio uma figura máscula, forte,
algo com linhas nítidas, polidas e suave elegância. Começou a abrir o barro,
as mãos ágeis e seguras deslizavam agora com o material marrom-
avermelhado. Um vaso se tornou seu objetivo, fundo, com o cume largo, sem
alças e com linhas similares a um jarro romano. A rotação e a pressão de suas
mãos forçaram a parede de barro a subir. A forma deixava de existir apenas
em sua imaginação, enquanto ela a moldava por dentro e por fora.
Com mãos seguras e olhos experientes, moldou a forma na proporção
exata, afilando-a para a base e, então, aplainou-a. O tempo e a paciência que
despendia naquela tarefa eram poupados em outros aspectos da sua vida. A
energia, no entanto, jamais a abandonava.
Já podia imaginar a peça concluída, pintada num tom de verde-jade
escuro com nuances, mas apenas nuances, de algo mais suave sob a superfície
de acabamento. Nada de decoração, nada de flautas tocando ou outro tipo de
ornamento. O vaso seria julgado somente pela forma e durabilidade.
Ao concluir, resistiu ao desejo de exagerar. Cuidado demais era tão
perigoso quanto de menos. Desligando o tomo, Shelby fez um longo estudo
crítico de sua obra, antes de levá-la à estante, onde a deixou para secar. No
dia seguinte, quando estivesse em ponto de couro, a reporia no tomo e usaria
suas ferramentas para refiná-la, eliminando os restos de barro não desejados.
Sim, verde-jade, decidiu. E com uma cuidadosa vitrificação, poderia produzir
aquelas nuances de suavidade sob o tom rico e arrojado.
Distraída, curvou as costas, retirando as dobras minúsculas e
inconvenientes que não havia notado enquanto o tomo estava ligado. Decidiu
então tomar um banho quente, antes de sair para encontrar alguns amigos no
novo clube da Street. Um suspiro escapou-lhe dos lábios, mais de satisfação
do que de cansaço. Então, virou-se e ofegou.
— Isso é o que eu chamo de uma aula! — Alan tirou as mãos dos bolsos
e cruzou a distância até ela. — Sabe exatamente qual a forma que deseja criar
quando começa ou a idéia vai surgindo enquanto está trabalhando?
Shelby afastou os cachos que insistiam em lhe cair sobre os olhos, antes
de responder. Não se mostraria perplexa, perguntando-lhe o que ele estava
fazendo ali ou como havia entrado.
— Depende.
Ela ergueu uma sobrancelha, um pouco surpresa ao vê-lo trajando calça
jeans e camisa de moletom. O homem que conhecera na noite anterior lhe
parecera deveras formal para usar roupas tão triviais, especialmente o brim
desbotado na última moda. Os tênis eram caros, mas não novos. Tampouco o
relógio de ouro no pulso daquele braço discretamente musculoso. A riqueza
lhe caía bem, mas ainda assim não parecia o tipo de pessoa que dava
importância a tais coisas. Tinha ciência do próprio saldo bancário, das ações
que possuía e seu valor de mercado, algo que Shelby não podia dizer de si
mesma.
Alan não se incomodou com aquele exame minucioso. Crescera
acostumado demais a ser o centro das atenções para se incomodar com
qualquer tipo de dissecação. Além do mais, achou que Shelby tinha todo o
direito de fazer aquilo, já que ele passara os últimos trinta minutos fazendo o
mesmo.
— Suponho que deveria lhe dizer que estou surpresa por vê-lo aqui,
senador, já que é verdade. — um riso de divertimento brincou em seus lábios.
— E já que imagino que era essa a sua intenção...
Alan inclinou a cabeça em reconhecimento.
— Você trabalha duro. — comentou, olhando para as mãos dela sujas de
barro. — Sempre pensei que os artistas precisassem consumir tanta energia
quanto os atletas, quando a adrenalina estivesse fluindo. Gostei da sua loja.
— Obrigada. — porque o elogio fora simples e genuíno, Shelby sorriu
completamente. — Entrou aqui para xeretar?
— Para ser franco, sim. — ele resistiu ao desejo de deslizar o olhar
mais uma vez pelas curvas daquelas pernas. Eram muito, mas muito mais
longas do que havia imaginado. — Acho que cheguei bem na hora do
encerramento do expediente. Seu assistente pediu para lhe dizer que estava
fechando a loja.
— Oh! — Shelby olhou em direção às janelas como se quisesse
determinar as horas. Jamais olhava o relógio enquanto trabalhava. Usando o
ombro, esfregou a face que lhe coçava. A camiseta se deslocou para cima,
sobre os seios pequenos e firmes. — Bem, um dos benefícios de ser dona do
próprio negócio é abrir ou fechar à hora que eu bem entender. Se quiser, pode
ir dar uma olhada ao redor, enquanto me lavo.
— Na realidade... — ele segurou-lhe o pequeno rabo-de-cavalo como
se querendo avaliar-lhe o peso —... Estava pensando em sairmos para jantar
Você ainda não comeu.
— Não. — Shelby respondeu, embora aquilo não tivesse sido uma
pergunta. — Mas não vou sair para jantar com você, senador. Posso fazê-lo
interessar-se por um pote estilo oriental ou um vaso ainda não acabado?
Alan deu um passo à frente, divertindo-se com a segurança absoluta
daquela mulher e a idéia de que podia abalá-la. Afinal, fora para isso que
viera até ali, não é?, lembrou a si mesmo. E também para acabar com o
preconceito que ela parecia ter em relação à profissão dele.
— Poderíamos comer algo aqui mesmo. — sugeriu, deixando a mão
escorregar lentamente pela nuca dela. — Não sou muito exigente.
— Alan. — Shelby exalou um suspiro exagerado e fingiu não sentir o
arrepio de prazer provocado pelos dedos dele em sua pele. — Na sua
profissão, você entende de política. Política externa, política orçamentária,
política de defesa. — incapaz de resistir, ela relaxou um pouco sob a mão
dele. Toda a tensão de seus músculos havia desaparecido. — Eu lhe expus a
minha ontem à noite.
— Hum-hum. — que pescoço esbelto ela possuía, pensou ele. E a pele
era macia o bastante para lhe dar uma noção de como seria sob aquele avental
e camiseta.
— Bem, então, estamos entendidos. — o senador devia fazer algum
exercício físico que usasse as mãos, pensou Shelby. Aquelas palmas não se
adequavam a um burocrático. Ela se esforçou para combater a atração e a
vulnerabilidade que lhe permeavam a voz. — Parece-me um homem
inteligente demais para precisar de repetições.
Com uma pressão mais leve, ele a puxou lentamente em sua direção.
— É um procedimento padrão revisar as políticas de vez em quando.
— Quando faço isso, eu... — para impedir o próprio progresso, Shelby
espalmou uma mão contra o tórax musculoso e o empurrou. Então, os dois
olharam para baixo ao mesmo tempo. O ruído característico de uma risada o
fez erguer os olhos e encará-la. — Você provocou isso — disse Shelby
sorrindo. Seus olhos brilhavam enquanto o humor substituía as fagulhas de
tensão. A camiseta de Alan exibia no centro uma impressão bastante clara da
mão dela. — Isto... — disse ela, estudando a mancha. —... Poderia vir a se
tomar a próxima moda. Deveríamos patenteá-la rapidamente. Tem algum
conhecimento nessa área?
— Alguns. — redargüiu Alan, olhando para a camiseta e em seguida
para o rosto dela. Não se importava com um pouco de sujeira quando o
trabalho requeria. — Mas seria necessário um bocado de papelada.
— Tem razão. E como me recuso a preencher mais formulários do que
os que já necessito, é melhor esquecer o assunto. — virando-se, Shelby
começou a esfregar as mãos e os braços em uma enorme pia. — Venha, tire
isso. — disse ela, deixando a torneira aberta. — É melhor limpar o barro. —
sem esperar por resposta, pegou uma toalha e, secando as mãos, foi conferir o
forno.
Ele desejou saber, pela naturalidade daquela ordem, se ela tinha por
hábito entreter homens seminus em sua loja.
— Produz tudo que vende? — Alan esquadrinhou as estantes após tirar
a camisa.
— Hum-hum.
— Como começou?
— Talvez com a massa de modelar que minha babá me deu para manter-
me longe de problemas. Mas até hoje atraio problemas. — acrescentou,
enquanto checava os respiradouros. — Mas gosto de mexer com o barro.
Nunca tive o mesmo sentimento em relação a madeira ou pedra. — ela se
curvou para fazer um ajuste. Alan virou a cabeça a tempo de ver o brim
deslocar-se perigosamente pelos quadris arredondados. O desejo o atingiu
com uma força inesperada.
— Como está a camisa?
Distraído, ele se virou e contemplou a água batendo de encontro ao
algodão. Estava surpreso por seu coração estar batendo de modo anormal.
Precisava fazer algo em relação aquilo, decidiu. Mas deixaria para pensar e
reavaliar no dia seguinte.
— Está bem. — depois de fechar a torneira, ele torceu o tecido para
retirar o excesso de água. — Voltar para casa seminu vai ser... Interessante. —
Alan sorriu enquanto estendia a camisa sobre a beirada da pia.
Shelby lançou-lhe um olhar sobre os ombros, mas a réplica mordaz que
tinha em mente se esvaiu. Ele estava inclinado de um modo que se podia
contar-lhe as costelas. Havia uma aura de poder e resistência na amplitude
daquele tórax e ombros e na cintura fina. Aquele corpo másculo a fez
esquecer-se de qualquer outro homem que já conhecera.
Era nele que pensava, percebeu, quando transformava o barro naquele
vaso estreito e longilíneo.
Shelby permitiu que o primeiro fluxo de excitação se precipitasse sobre
ela porque era tão doce quanto violento. Então, enrijeceu, forçando o corpo a
manter as sensações sob controle.
— Está em excelente forma. — comentou num tom casual. — Acho que
seria capaz de alcançar a Street em apenas três minutos numa marcha
constante.
— Mas que modo hostil de falar.
— Acho que o termo correto seria "rude". — corrigiu ela, lutando para
conter o riso. — É melhor eu bancar a boa samaritana e colocar isto na
secadora para você.
— Foi o seu barro.
— Foi o seu movimento. — ela o lembrou, pegando a camisa úmida. —
Certo, venha, vamos subir. — Shelby se livrou do avental de trabalho,
deixando-o de lado, enquanto deslizava pelo vão da porta. — Acho que você
merece tomar um drinque lá em casa.
— Você é um amor. — murmurou Alan, seguindo-a pelos degraus.
— Minha reputação pela generosidade me precede. — disse Shelby,
abrindo a porta. — Se quiser uísque, está ali. — acenando com um gesto vago,
ela caminhou na direção oposta. — Se preferir café, a cozinha é na frente, lá
tem uma cafeteira sobre a pia e pó no armário próximo à janela. — dizendo
isso, entrou em um cômodo adjacente e desapareceu.
Alan olhou ao redor. O interesse que sentia por Shelby só aumentava
agora que conhecia o lugar onde ela vivia. Era uma mixórdia de cores que
deveriam ter entrado em conflito, mas por mais incrível que pudesse parecer,
isso não acontecera. Uma mistura de verdes arrojados, azuis vividos e alguns
tons ocasionais de escarlate. Boêmio. Talvez extravagante fosse uma descrição
mais precisa. Quaisquer desses adjetivos se ajustavam não apenas ao
ambiente, como também à mulher que lá vivia. E, na mesma proporção, se
ajustavam seu estilo de vida e seu gosto pessoal.
Havia grossas almofadas listradas jogadas sobre um sofá sem braços.
Um enorme vaso, num tom de azul profundo com enormes papoulas selvagens
salpicadas sobre a superfície, que abrigava uma bela samambaia. E um tapete
que era um ziguezague de cores sobre o piso de madeira.
Uma das paredes laterais da sala exibia um desenho geométrico que lhe
deu a impressão de um incêndio em uma floresta. Um par de sapatos italianos
altíssimos largados displicentemente próximo a uma cadeira decorativa. No
lado oposto, havia um hipopótamo verde de cerâmica com cerca de um metro
de comprimento.
Não era uma sala feita para contemplações tranqüilas e noites de
preguiça, mas para ação, energia e exigência.
Alan caminhou na direção que Shelby lhe indicara e então parou ao ver
o gato. Moshe estava deitado sobre o braço de uma cadeira, encarando-o
desconfiado com seu olho bom. O bichano não se moveu um milímetro,
fazendo-o pensar, por um momento, que fosse tão inanimado quanto o
hipopótamo. A venda que usava era ridícula, mas, tal como as cores da sala,
simplesmente lhe caía bem.
Sobre o gato, havia uma gaiola pendurada no teto. Dentro, um feio
papagaio de cor parda. Como Moshe, o pássaro o observava com o que
parecia ser um misto de suspeita e curiosidade. Meneando a cabeça, Alan
dispersou as próprias fantasias e caminhou até eles.
— Quer que eu lhe sirva um drinque? — murmurou ele ao gato, então
com o toque de um perito coçou o queixo de Moshe. Os olhos do bicho se
estreitaram de prazer.
— Bem, não deve levar mais de dez ou quinze minutos para secar. —
anunciou Shelby ao retomar à sala. Podia ouvir seu gato ronronando a alguns
metros de distância. — Então, já conheceu meus companheiros de quarto?
— Aparentemente, sim. Por que ele usa essa venda?
— Moshe Dayan perdeu um olho na guerra. E não gosta de falar sobre
esse assunto. — Alan julgou que o tom dela parecia despreocupado demais
para se tratar de humor deliberado e enquanto ela se dirigia ao bar, lançou-lhe
um olhar minucioso que ela não percebeu. — Não estou sentindo o cheiro de
café. Decidiu-se pelo uísque?
— Acho que sim. O pássaro fala?
— Não disse uma palavra em dois anos. — Shelby verteu a bebida em
dois copos. — Mais precisamente quando Moshe veio viver conosco. Tia Em
é uma perita em guardar rancor, ele só derrubou a gaiola dela uma vez.
— Tia Em?
— Sim. Lembra "não existe lugar como nosso lar", "siga a estrada de
tijolos amarelos". Sempre achei que a tia Em de Dorothy era a quintessência
da tia bonachona. Aqui está. — disse, caminhando na direção dele e
oferecendo-lhe o copo.
— Obrigado. — a escolha dos nomes dos bichos de Shelby o fez
lembrar que não estava lidando com o tipo de mulher com o qual estava
acostumado. — Há quanto tempo vive aqui?
— Humm... Aproximadamente três anos. — ela se deixou cair sobre o
sofá e encolheu as pernas, sentando-se como um índio. A sua frente, na mesa
de centro, havia um par de tesouras cor de laranja, uma cópia do Washington
Post aberta na sessão de história em quadrinhos, um único brinco de safiras
brilhantes, uma pilha de correspondências fechadas e uma cópia muito
manuseada de MacBeth.
— Não entendi muito bem ontem à noite. — disse ele, enquanto se
dirigia ao sofá. — Robert Campbell era o seu pai?
— Sim, você o conheceu?
— Não pessoalmente. Ainda estava na faculdade quando ele foi
assassinado. Conheço sua mãe, é claro. Ela é uma mulher adorável.
— Sim, é verdade. — Shelby tomou um gole da bebida. O líquido
escuro desceu macio. — Com freqüência me pergunto por que ela nunca se
candidatou a um cargo na política. Sempre adorou essa vida.
Alan percebeu uma nota de ressentimento na voz feminina. Isso era algo
para explorar mais tarde, decidiu. O tempo era quase sempre a última razão
para o sucesso ou o fracasso em qualquer campanha.
— Você tem um irmão, não é?
— Grant? — por um instante, o olhar dela recaiu sobre o jornal. —
Sim. Ele quase nunca vem a Washington. — nesse instante, uma sirene soou do
lado de fora da janela e então enfraqueceu. — Ele prefere a paz relativa do
Maine. — um brilho bruxuleante de diversão cruzou o olhar dela, o que o
intrigou. Contudo, o instinto lhe dizia para não insistir. Então, a lógica o
lembrou de que ele não tinha nenhum real interesse nos segredos de Shelby. —
Em todo caso, nenhum de nós parece ter herdado a síndrome dos servidores
públicos.
— É assim que se refere à política? — Alan se remexeu no assento. A
almofada em suas costas era fresca e acetinada. Ele imaginou que a pele dela
deveria ser igual.
— Não é apropriado? — revidou ela. — Uma dedicação às massas, um
fetiche por papelada e gosto pelo poder.
E lá estava novamente aquela leve arrogância permeada de desdém.
— Você não tem gosto pelo poder?
— Apenas pelo poder sobre a minha própria vida. Não gosto de
interferir na das outras pessoas.
Alan brincou com a correia de couro que prendia os cabelos dela, até
soltá-la. Talvez tivesse vindo para discutir com ela, afinal. Aquela mulher
parecia querer desafiá-lo a defender aquilo em que acreditava.
— Acha que alguém passa por este mundo sem interferir na vida de
outros?
Shelby ficou calada enquanto seus cabelos caíam-lhe livres por sobre
os ombros. Os fios roçaram-lhe o pescoço, fazendo-a lembrar do toque dos
dedos dele no mesmo lugar. Descobriu que era tão simples quanto imaginara
sentar ao lado daquele homem, com aquele corpo magro, porém musculoso,
seminu e ao alcance de suas mãos.
— Cabe a cada um repelir ou trabalhar essas interferências, à sua
maneira. Bem, essa é a minha filosofia durante o dia. Vou ver se a sua camisa
já está seca.
Alan a impediu de erguer-se, segurando-lhe os cabelos com mais força.
Shelby virou a cabeça e se deparou com aquele olhar contemplativo.
— As diferenças estão começando a surgir entre nós — disse ele num
tom suave. — Talvez seja melhor você começar a lidar com elas.
— Alan... — Shelby esforçou-se para manter a voz moderada e
paciente, enquanto a excitação a agitava por dentro. —... Eu já lhe disse, não
vai começar nada entre nós. Não leve para o lado pessoal. — acrescentou com
um meio sorriso. — Você é muito atraente, mas não estou interessada.
— Não? — com a mão livre, ele cingiu-lhe o pulso. — Sua pulsação
está acelerada.
Uma ponta de aborrecimento flamejou nos olhos dela.
— Fico contente por levantar seu ego. — disse Shelby num tom neutro.
— Agora, vou ver se sua camisa já está seca.
— Espere um pouco mais — sugeriu Alan, puxando-a para si. Um beijo,
pensou ele. Apenas um beijo e se daria por satisfeito. As mulheres agressivas
e extravagantes nunca se sentiam atraídas por ele. E Shelby, por certo, era uma
dessas mulheres. Bastaria um beijo, pensou novamente, e ficaria mais do que
satisfeito.
Shelby não imaginara que ele fosse tão teimoso, assim como não
esperava aquela onda de desejo que a atingiu, quando o hálito quente daquele
homem tocou-lhe os lábios. Deixou escapar um suspiro exasperado, esperando
enfurecê-lo. Então, o senador de Massachusetts queria tentar a sorte com uma
artista livre-pensadora, só para variar. Relaxando, ela inclinou o queixo.
Certo, decidiu. Ela o beijaria de tal forma [que o levaria a nocaute. Então, lhe
entregaria a camisa e o colocaria porta afora.
Mas ele não a beijou de imediato, apenas limitou-se a fitá-la. Por que
não conseguia controlá-lo?, desejou saber Shelby, enquanto a boca de Alan se
aproximava lentamente da sua. Por que não...?
Então a língua dele deslizou, traçando-lhe o contorno dos lábios e
impedindo-a de pensar. Não havia mais nada que pudesse fazer além de fechar
os olhos e abandonar-se às emoções.
Nenhum homem a tocara com tamanha sensualidade, e aqueles lábios
úmidos apenas haviam encostado nos seus. Aponta da língua dele se moveu
lenta e suavemente. Parecia que todas as sensações, todos os desejos estavam
concentrados naquele contato. Como podia imaginar que uma boca pudesse
levá-la a sentir tanta emoção? Como podia imaginar que um beijo, que nem era
um beijo, a deixaria incapaz de reagir?
Então, ele capturou-lhe o lábio inferior entre os dentes, fazendo-a
ofegar. Provou-o e o sugou até ela sentir o desejo explodindo dentro de si.
Havia um ritmo, Alan a estava guiando para isso e Shelby havia esquecido de
resistir. Com uma das mãos, ele lhe acariciava o pulso e com a outra roçava-
lhe a pele sensível do pescoço. Os pontos de prazer se espalharam até que seu
corpo inteiro estremeceu. E o beijo ainda não havia começado.
Ela gemeu. Um som baixo e gutural que era mais uma exigência do que
uma rendição. Então suas bocas se uniram, indo do desejo à paixão no instante
em que se tocaram.
Alan sabia que a boca de Shelby teria aquele gosto, quente e sôfrego.
Que o corpo dela se amoldaria ao seu assim, macio e forte. Teria sido por isso
que acordara naquela manhã pensando nela? Teria sido por isso que se vira
parado diante da loja dela quando a tarde se abriu em noite? Pela primeira vez
na vida, achou que as razões não importavam. Estavam ali abraçados e isso
era o bastante.
Os cabelos ruivos exalavam aquele cheiro indefinível de que ele se
lembrava. Alan mergulhou as mãos nos fios sedosos como se quisesse que a
fragrância lhe impregnasse os poros. Isso fez com que o beijo se aprofundasse.
Ele sentiu a língua de Shelby tocando a sua, buscando, procurando, até que o
gosto dela se transformou em todos os gostos que ele já desejara. As
almofadas farfalhavam com sussurros macios, enquanto ele a apertava contra o
peito.
Shelby não esperava aquele tipo de paixão crua e arrebatadora por
parte de Alan. Estilo, sim. Estilo e sedução com todos os trâmites tradicionais.
A isso poderia ter resistido, escapado. Mas não havia como resistir a um
desejo que a golpeou tão de repente. Como escapar de uma paixão que já a
havia capturado. Ela deslizou as mãos pelas costas nuas de Alan e gemeu ao
perceber que a carícia o excitou.
Ali estava uma forma espessa e muito firme a ser moldada. Aquele
homem havia se estilizado como bem quis. Shelby compreendeu aquilo
instintivamente e sentiu seu desejo aumentar Mas com o desejo veio a ciência
de que estava se tomando muito macia, muito flexível. E, então, veio o medo
de ele ter conseguido que ela mudasse com apenas um beijo.
— Alan... — disse, lutando para resistir, quando todos os seus poros e
células clamavam-lhe para se render —... Já basta. — conseguiu falar com
firmeza.
— Ainda não — corrigiu ele, abraçando-a ainda mais forte, quando ela
deveria estar lutando para escapar.
Ele a estava beijando outra vez, quase a fazendo perder o controle da
situação.
— Alan. — ela conseguiu se afastar o suficiente para ver o rosto dele.
— Quero que pare. — sua respiração era instável, os olhos enevoados, mas a
resistência em seu corpo era muito real. Alan sentiu uma pontada de raiva que
controlou habilmente e uma punhalada afiada de desejo, com a qual teve mais
dificuldade de lidar.
— Certo. — ele a libertou. — Por quê?
Era raro ter que ordenar a si mesma para fazer algo tão natural quanto
relaxar Mesmo após conseguir, ainda havia uma faixa clara de tensão na base
do seu pescoço.
— Você beija muito bem. — disse ela com uma casualidade forçada.
— Para um político?
Shelby deixou escapar um pequeno suspiro e se ergueu. Para o diabo
com aquela mania que ele tinha de provocar e com sua habilidade de fazer
isso sem se abalar. Pretensioso, pensou. Pretensioso, presunçoso e egoísta.
O apartamento estava quase às escuras. Ela acendeu a luz, surpresa por
ter passado tanto tempo, quando tudo parecia ter acontecido tão depressa.
— Alan... — Shelby uniu as mãos como fazia quando decidia ser
paciente.
— Você não respondeu à minha pergunta. — interrompeu ele, relaxando
em seguida de encontro às almofadas, que o faziam se lembrar da pele dela.
— Talvez não tenha sido clara o bastante. — ela se esforçou para dizer
algo que apagasse aquele brilho de desejo no olhar dele. Droga, ele era
inteligente, pensou, aborrecida. Com palavras e com expressões. Gostaria de
discutir com aquele homem quando as batidas de seu coração não estivessem
tão aceleradas. — Continuo pensando do mesmo modo de ontem à noite.
— Eu também. — Alan inclinou a cabeça como se a estudasse por um
novo ângulo. — Mas talvez como o seu pássaro, você também seja uma perita
em guardar rancor.
Shelby enrijeceu e as mãos que estavam unidas caíram-lhe ao longo do
corpo.
— Ora, não force.
— Geralmente não costumo cutucar antigas feridas. — a lesão estava lá.
Podia vê-la. E uma raiva que parecia bem arraigada. Era difícil lembrar-se de
que a conhecia havia menos de um dia e que não tinha o direito de perguntar
ou presumir. — Perdoe-me. — acrescentou, enquanto se erguia do sofá.
Shelby relaxou com aquele pedido de desculpas. O senador MacGregor
tinha um modo genuíno de dizer coisas simples, pensou. Isso a agradava.
— Está bem. — ela saiu da sala e voltou momentos depois com a
camisa dele. — Novinha em folha. — disse, passando-lhe a peça às mãos. —
Bem, foi um prazer. Não vou prendê-lo mais tempo aqui.
Alan sorriu.
— Estou sendo mandado embora?
Não se preocupando em disfarçar um sorriso, Shelby deixou escapar um
suspiro zombeteiro.
— Sempre fui muito óbvia. Boa noite, senador. Olhe para ambos os
lados quando atravessar a rua. — dizendo isso, ela abriu a porta lateral que
conduzia aos degraus externos.
Alan vestiu a camisa antes de passar por ela. Sempre pensara que era
seu irmão, Caine, que nunca era capaz de aceitar um "não" como resposta.
Talvez estivesse errado, meditou, e essa fosse uma característica básica dos
MacGregors.
— Os escoceses podem ser teimosos. — comentou ao passar do lado
dela.
— Lembre-se de que sou uma Campbell. Quem saberia melhor? —
Shelby abriu a porta um pouco mais.
— Então, ambos sabemos onde temos os pés. — ele segurou-lhe o
queixo com uma das mãos e deu-lhe um último beijo que se parecia mais com
uma ameaça. — Até a próxima vez.
Shelby fechou a porta atrás de si e, por um momento, permaneceu
imóvel. Aquele homem seria um problema. Alan MacGregor seria um
problema muito sério, decidiu.
CAPÍTULO III

O movimento na loja se mostrava bastante intenso para uma manhã de


segunda-feira. Antes das onze, Shelby já havia vendido várias peças, incluindo
três das que retirara do forno apenas na noite anterior. Entre um cliente e
outro, sentava-se atrás do balcão fazendo a instalação elétrica de um abajur
que ela criara em formato de âncora grega. Permanecer sentada sem fazer nada
durante as horas vagas era impossível. Espanar o pó ou perder tempo com
coisas sem importância a enfadava. Portanto, deixava isso para Kyle, para o
bem de ambos.
Devido ao calor, mantinha a porta da loja aberta. Sabia que era mais
tentador para os clientes entrarem por uma porta aberta do que ter que abrir
uma fechada. O ar gostoso da primavera entrava, juntamente com o som
singular dos carros circulando pela rua de paralelepípedos. Costumava ter um
fluxo fixo de pessoas que não compravam nada. Mas não se importava. Eram
companhia do mesmo modo que os compradores em potencial. A mulher que
levava seu poodle à pet shop, vestido com um suéter de tricô era sempre uma
diversão interessante. O adolescente inquieto que entrava para escarafunchar
ao redor lhe dava uma chance de discutir problemas da juventude e do
desemprego. Ela o contratara para lavar as vitrines. Enquanto ela mexia na
fiação, o menino esfregava os vidros do lado de fora, com um rádio portátil
tocando a seus pés. Shelby apreciava o som que se misturava às ocasionais
conversas dos transeuntes.
“Você viu o preço daquele vestido?”, “Se ele não me ligar essa
noite...”, “As anotações da aula dela sobre a Alemanha pré-Hitler.”
Às vezes, terminava as conversas em sua cabeça enquanto trabalhava.
Estava introduzindo o fio dentro do abajur quando Myra Ditmeyer entrou. A
mulher usava um terninho vermelho vivo combinando com a cor do batom e a
poderosa fragrância do seu perfume inundou a pequena loja.
— Olá, Shelby, sempre mantendo essas mãos hábeis ocupadas.
Com um sorriso de puro prazer, Shelby se curvou sobre o balcão para
beijar a face maquiada de Myra. Se quisesse saber das mais recentes fofocas
ou se divertir um pouco, não havia ninguém, em sua opinião, melhor do que
Myra.
— Pensei que estivesse em casa planejando todas as coisas
maravilhosas que vai oferecer hoje à noite.
— Oh, minha querida, já está tudo preparado. — disse a mulher
pousando a bolsa de couro de jacaré sobre o balcão. — Minha cozinheira é
muito criativa.
— Sempre adorei comer na sua casa. — Shelby retirou o fio pelo topo
do abajur. — Nada de refeições parcimoniosas ou molhos não comestíveis
disfarçados com nomes exóticos. — distraída, batia com o pé no ritmo do
rádio. — Você disse que a minha mãe vinha.
— Sim, com o embaixador Dilleneau.
— Oh, sim... O francês de orelhas grandes.
— Isso são modos de falar de um diplomata?
— Ela o tem visto com bastante freqüência. — disse Shelby num tom
casual. — Acho que vou ter um padrasto gaulês.
— Não lhe faria mal algum.
— Mmm... Então, diga-me, Myra... — ela conectou o bocal da lâmpada
ao fio com algumas voltas hábeis. — Quem você reservou para mim hoje à
noite?
— Reservou? — repetiu Myra, enrugando o nariz. — Mas que falta de
romantismo.
— Sinto muito. Que tal... Em quem você está planejando disparar as
setas de Cupido?
— Ainda não está nada romântico, enquanto continuar com esse sorriso
malicioso nos lábios. — Myra observou-a fixar a lâmpada que acendeu
imediatamente. — Em todo caso, acho que deve ser surpresa. Você sempre foi
apaixonada por surpresas.
— Gosto mais de proporcioná-las.
— Eu sei. Quantos anos tinha? Oito, se me recordo, quando você e
Grant... Surpreenderam todos numa reunião importante, na sala de estar de sua
mãe, com caricaturas precisas e constrangedoras dos membros do Gabinete.
— Foi idéia de Grant — disse Shelby, com uma ponta de pesar por não
ter pensado naquilo antes do irmão. — Papai riu por vários dias.
— Ele tinha um senso de humor sem igual.
— Pelo que me lembro, você ofereceu a Grant dois mil dólares pela
caricatura do secretário de Estado.
— E o danado não me vendeu. Santo Deus! Quanto valeria agora?
— Depende do nome que ele assinou, não é?
— Como vai Grant? Não o vejo desde o Natal.
— O mesmo... Brilhante e amuado. — um riso seguiu suas palavras. —
Vigiando a fortaleza do seu farol, no anonimato. Estou pensando em ir até lá e
aborrecê-lo durante umas duas semanas neste verão.
— Um homem jovem e deslumbrante — disse Myra. — Que
desperdício viver recluso naquele pedaço de costa.
— É o que ele quer. — revidou Shelby simplesmente.
— Pelo menos por ora.
Nesse instante, as duas olharam para a porta, onde um jovem trajando
uniforme de mensageiro encontrava-se de pé.
— Com licença? — disse o rapaz.
Shelby olhou para a cesta que ele trazia nos braços.
— Posso ajudá-lo?
— Senhorita Shelby Campbell?
— Sim, sou eu.
— Entrega para você. — o mensageiro segurou a cesta pela alça e
caminhou até ela.
— Obrigada. — automaticamente, ela alcançou um dólar na gaveta.
— De quem é?
— Tem um cartão aí dentro. — respondeu ele, embolsando a gorjeta. —
Desfrute.
Ela não abriu de imediato. Shelby era conhecida por estudar e cutucar
os presentes nas manhãs de Natal durante vinte minutos, antes de desembrulhá-
los. Havia muitas possibilidades no desconhecido, inclinava o pacote de um
lado para o outro, perscrutava, então apoiava o queixo nas mãos e o encarava.
— Oh, vamos, Shelby. — impaciente, Myra equilibrava seu peso em um
pé e depois no outro. — Desembrulhe logo. Estou morta de curiosidade.
— Espere um minuto — murmurou ela. — Pode ser um... Piquenique.
Mas quem me enviaria uma cesta de piquenique? Ou um filhote de cachorro.
— ela encostou o ouvido na tampa e escutou. — Está muito quieto para ser um
filhote de cachorro. E cheira a... — fechando os olhos, respirou fundo e
prendeu o ar. — Engraçado, quem me enviaria... — ela abriu a tampa. —...
Morangos!
A cesta estava repleta dos frutos, rechonchudos e vermelhos. O cheiro
suscitava lembranças do sol quente do campo, de onde certamente haviam sido
colhidos. Shelby ergueu um e o levou ao nariz, regozijando-se com o aroma
delicioso.
— Maravilhoso! — decidiu. — De fato maravilhoso!
Myra arrancou um da cesta e comeu a metade.
— Hummm... — murmurou, levando o resto à boca. — Não vai ler o
cartão?
Ainda segurando a baga, Shelby ergueu o envelope branco,
equilibrando-o na mão como se testando o peso. Então, inverteu-o, virando-o
contra a luz, e, em seguida, virou-o de frente mais uma vez.
— Shelby, por favor!
— Está bem. — ela rasgou uma das extremidades do envelope e retirou
o cartão.
Shelby,
Eles me fizeram lembrar de você.

Observando-a atentamente, Myra viu a surpresa, o prazer e algo que não


era pesar ou cautela, mas tinha o aspecto de ambos.
— É alguém que eu conheço? — perguntou friamente ao ver Shelby
calada.
— O quê? — ela ergueu a cabeça com um olhar inexpressivo e então
meneou a cabeça. — Suponho que sim. — Mas tomou a colocar o cartão no
envelope sem revelar o nome do remetente. — Myra. — o nome foi dito num
longo suspiro. — Acho que estou com problemas.
— Ótimo. — a mulher lhe retomou um sorriso complacente e um aceno.
— Já estava mesmo na hora. Quer que eu deixe minha cozinheira maluca e
acrescente outro nome à minha lista de convidados para o jantar de hoje à
noite?
Oh, a idéia era tentadora. Shelby quase concordou antes de se conter.
— Não. Não acho que seria sábio.
— Só os jovens acham que sabem tudo sobre sabedoria. — declarou
Myra torcendo o nariz. — Muito bem, então. Eu a verei às sete. — ela tirou
outro morango da cesta, antes de pegar a bolsa. — Oh, já ia esquecendo...
Embrulhe aquele abajur e o traga junto. Ponha na minha conta.
Precisava telefonar para ele, disse Shelby a si mesma quando ficou
sozinha. Droga, teria que ligar e lhe agradecer. Ela abocanhou um morango. O
sumo e a doçura explodiram no interior da sua boca, um gosto sensual, uma
parte sol, uma parte terra. E aquilo a fez se lembrar do gosto dos lábios de
Alan.
Por que ele não lhe enviara algo mais comum como flores? Flores
poderiam ser ignoradas e esquecidas. Ela olhou para a cesta, cheia de frutos
vermelhos e brilhantes implorando para serem provados. Como lidar com um
homem que lhe enviava uma cesta de morangos em uma manhã de primavera?
Ele devia saber, é claro, decidiu abruptamente. Um homem como o
senador devia ser um juiz de pessoas, rápido e inteligente. Shelby sentiu
pontadas simultâneas de aborrecimento e admiração. Não gostava da idéia de
ser interpretada tão facilmente, mas não podia deixar de respeitar alguém que
tinha essa capacidade.
Deixando a tampa da cesta aberta, alcançou o telefone.

Alan tinha calculado entre quinze a vinte minutos para o Senado ser
chamado de volta ao plenário. Resolveu utilizar esse tempo para revisar os
cortes de orçamento propostos. Um déficit que beirava incomodamente perto
de duzentos bilhões de dólares tinha que ser administrado, mas ele julgava os
cortes propostos na área da educação simplesmente inaceitáveis. O Congresso
já havia rejeitado boa parte dos cortes de gastos do governo e ele sentia que
tinha apoio suficiente para influenciar uma modificação nos cortes da
educação.
Porém, havia algo mais em sua mente, além de déficits e orçamentos.
Como a primavera seguinte era um ano de eleição, Alan fora procurado pelo
líder da maioria no Senado, um perito na arte de não dizer nada, enquanto
tomava fôlego para uma nova retórica. Mas não precisava de mágica para
concluir que estava sendo considerado a esperança do partido para a próxima
década. Será que de fato queria escalar esse degrau até o topo?, perguntou-se.
Alan passara horas pensando sobre isso. Não que não tivesse
capacidade ou ambição, embora acreditasse que se decidisse arrebatar o anel
de metal presidencial, seria apenas dali a quinze, talvez vinte anos. A
possibilidade de isso acontecer mais cedo, por vontade do partido, era algo
que teria que ponderar cuidadosamente.
Não obstante, até onde dizia respeito ao seu pai, não havia dúvidas de
que seu filho primogênito concorreria ao cargo de presidente... E ganharia.
Daniel MacGregor gostava de pensar que ainda segurava os fios que guiavam
as vidas de seus descendentes. Às vezes, eles lhe concediam a dádiva de se
iludir. Ainda se lembrava do anúncio da gravidez da irmã, no último inverno.
A atenção de Daniel se concentrara toda no futuro neto e no casamento do
filho, Caine, de forma que aliviara a pressão sobre Alan. Por enquanto,
pensou, fazendo uma careta. Não demoraria muito a receber um dos famosos
telefonemas do pai.
“Sua mãe sente falta de você. Ela se preocupa com você. Quando vai
tirar um tempo para nos fazer uma visita? Por que ainda não se casou? Sua
irmã não pode continuar nossa linhagem sozinha, você sabe”.
A chamada se resumiria a isso, pensou Alan com um sorriso. Estranho,
sempre fora capaz de ser indiferente ao ponto de vista do pai sobre casamento
e filhos. Mas agora...
Por que uma mulher que ele conhecera apenas alguns dias atrás o fazia
pensar era casamento? As pessoas não se ligam de boa vontade a alguém que
não conhecem. Shelby nem mesmo era o tipo de mulher que o atraía no
passado. Não era refinada e fria. Por certo, era pouco complacente e não daria
uma boa anfitriã para jantares estatais elegantes. Não agiria de modo cortês e
seria qualquer coisa, menos diplomática. E, Alan acrescentou com o vislumbre
de um sorriso, nem mesmo jantaria cora ele.
Um desafio. Aquela mulher seria um desafio, e ele sempre gostara de se
envolver em um. Mas não era só por isso. Um mistério. Ela era um mistério e
ele sempre gostara de resolvê-los, passo a passo. Mas também não era só isso.
Ela tinha o entusiasmo dos jovens, a habilidade de uma artista e o ardor de
uma rebelde. Tinha paixão ardente em vez de placidez complacente e olhos tão
serenos quanto uma noite nebulosa. Tinha a boca de uma criança, o fascínio de
uma mulher e uma mentalidade que jamais se adaptaria à estrutura lógica do
modo de pensar dele. A química entre eles era quase absurdamente errada. E
ainda assim...
Ainda assim, aos 35 anos, de repente, Alan acreditava que o tal
fenômeno do amor à primeira vista era verdadeiro. Logo, investiria toda sua
paciência e tenacidade contra o brilho e a energia dela, para ver quem sairia
ganhando no final. Se é que de fato poderia haver um vencedor entre óleo e
água.
Nesse instante, o telefone tocou ao seu lado. Alan o deixou tocar, até se
lembrar de que sua secretária não estava na ante-sala do escritório.
Ligeiramente aborrecido, apertou o maldito botão e respondeu.
— Senador MacGregor.
— Obrigada.
Os lábios dele se curvaram, enquanto se reclinava para trás na cadeira.
— De nada. São gostosos?
Shelby levou uma baga à boca e a mordiscou.
— Fantásticos. Minha loja está inundada com o cheirinho de morangos.
Droga, Alan. — disse ela com um suspiro exasperado. — Morangos são uma
tática injusta. Você parece o tipo que manda orquídeas ou diamantes. Eu teria
me contentado muito bem com um grande diamante brega ou cinco dúzias de
orquídeas africanas.
Ele bateu a caneta que estava usando sobre a pilha de documentos na
escrivaninha.
— Vou me certificar de nunca lhe mandar nenhuma dessas duas coisas.
Quando a verei, Shelby?
Ela ficou calada por um momento, vacilante, tentada. Ridículo, pensou,
sacudindo a cabeça. Só porque o senador tinha um pouco de imaginação sob o
protocolo político não era razão para deixar de lado sua convicção de toda
uma vida.
— Alan, isso não vai dar certo. Dizendo-lhe não, estou nos salvando de
inúmeros problemas.
— Você não me parece o tipo que evita problemas.
— Talvez não... Estou fazendo uma exceção no seu caso. Daqui a alguns
anos, quando tiver dez netos e sofrer de bursite, vai me agradecer.
— Tenho que esperar tudo isso para jantar cora você? Ela riu e o
amaldiçoou ao mesmo tempo.
— Eu gosto de você. De verdade. Mas droga, Alan, pare de ficar me
jogando charme. Vamos acabar caminhando sobre gelo fino. E não posso
suportar que ele se quebre sob meus pés mais uma vez.
Ele ia começar a falar, quando ouviu o som das cigarras e viu as luzes
que advertiam para a chamada do fórum.
— Shelby, tenho que desligar. Voltaremos a falar sobre isso depois.
— Não. — a voz soou firme como se ela se amaldiçoasse por ter dito
mais do que pretendia. — Odeio ter que ser repetitiva. É cansativo. Apenas
considere um favor o que fiz. Adeus, Alan.
Ela desligou e fechou a tampa da cesta de morangos. Oh, Deus, como
aquele homem conseguira envolvê-la tão depressa?, perguntou-se.
Mais tarde, ao mesmo tempo em que se vestia para o jantar de Myra,
Shelby escutava um velho filme de Humphrey Bogart. Escutava apenas, porque
a televisão apresentara um defeito duas semanas antes. Atualmente ela se
divertia com aquela situação. Era como ter um rádio gigante, bastante
pomposo, que demandava muito mais imaginação do que uma teia colorida de
vinte polegadas.
Enquanto Bogart falava com seu tom enfadonho de sujeito durão, ela
deslizou o colete fino perolado sobre uma blusa de babados e laços.
Deixara o humor incerto daquela tarde de lado. Sempre acreditara que,
se a pessoa simplesmente se recusasse a admitir que estava chateada ou
deprimida, não ficaria chateada, nem deprimida. Em todo caso, agora que
tinha certeza de que se fizera clara como cristal, recusando pela terceira vez o
convite de Alan MacGregor, ele entenderia.
Se lamentava o fato de não receber mais nenhuma cesta de morangos ou
outras surpresas, escondeu de si mesma. Ninguém poderia fazê-la acreditar
que uma mentira que ela dissera era mais verdadeira do que o que ela admitia.
Shelby calçou um par de sapatos de noite que tinham mais saltos do que
couro, enquanto colocava algumas coisas essenciais na bolsa; um molho de
chaves, um batom bem usado e metade de um dropes.
— Vai ficar em casa esta noite, Moshe? — perguntou ao passar pelo
gato que se encontrava deitado sobre a cama. Ao vê-lo abrir o único olho, em
reconhecimento, ela deslizou para fora do quarto. — Certo. Mas não se
demore. — ela pousou a bolsa sobre a caixa que embalava o abajur de Myra e
se preparava para erguer ambas quando ouviu uma batida na porta. — Está
esperando alguém? — perguntou ela a Tia Em. O pássaro apenas tremulou as
asas, desinteressado. Levantando a caixa, ela tratou de ir atender.
Shelby foi obrigada a reconhecer o misto de prazer e aborrecimento que
sentiu ao ver Alan.
— Outra visita social? — perguntou, plantando-se na entrada e
deslizando o olhar pela gravata de seda e o terno escuro que o senador usava.
— Não parece vestido para perambular por aí.
O sarcasmo não o afetou, Alan havia percebido um vislumbre rápido de
prazer nos olhos dela.
— Como funcionário público, sinto-me na obrigação de conservar
nossos recursos naturais e proteger o meio ambiente. — erguendo a mão, ele
prendeu um ramo minúsculo de ervilha-de-cheiro nos cabelos dela. — Vou lhe
dar uma carona até a casa dos Ditmeyers. Diremos que estamos fazendo
lotação.
Shelby inspirou a fragrância suave que a plantinha exalava. De repente,
sentiu desejo de erguer a mão e tocar as pequenas flores. Desde quando era
tão vulnerável ao charme de um homem?, perguntou a si mesma.
— Você vai ao jantar de Myra?
— Sim. Está pronta?
Shelby estreitou os olhos, tentando entender como Myra conseguira
descobrir o nome do remetente da cesta de morangos.
— Quando ela o convidou?
— Hum? — ele estava distraído examinando o rendado da gola da
blusa dela. — Na semana passada... Na casa dos Write.
Algumas das suspeitas de Shelby esmoreceram. Talvez fosse apenas
uma coincidência.
— Bem, aprecio a oferta, senador, mas irei dirigindo meu próprio
carro. Nos veremos lá.
— Então, irei com você. — rebateu Alan num tom amável. — Não
queremos poluir o ar com mais monóxido de carbono do que o necessário.
Deixe-me colocar isso no carro.
Shelby segurou a caixa firmemente, enquanto sua força em outras áreas
do corpo começou a fraquejar. Eram aquele maldito sorriso sério e aqueles
olhos meditativos, decidiu. Faziam qualquer mulher se sentir como se fosse a
única a quem o senador dispensava tal olhar.
— Alan... — começou ela, achando um pouco de graça na persistência
dele -... O que significa isso?
— Isto... — ele se inclinou e capturou-lhe os lábios num beijo
demorado, até que os dedos dela ameaçaram cavar buracos na caixa de
papelão que segurava. — É o que os nossos antepassados chamariam de
fechar o cerco. — concluiu ao se afastar. — E os MacGregors são
notoriamente bem-sucedidos nessa tarefa.
— Você também não é nada mau no combate corpo a corpo. — ele riu e
a teria beijado outra vez se ela não tivesse conseguido recuar um passo. —
Certo. — Shelby entregou-lhe a caixa, considerando aquilo um movimento
estratégico. — Vamos fazer lotação. Não quero ser condenada por poluir o ar.
Você dirige. — decidiu, com um súbito sorriso bem-humorado. — Assim
poderei tomar uma taça de vinho extra no jantar.
— Você deixou a televisão ligada. — avisou Alan enquanto se afastava
para deixá-la passar.
— Não tem problema. Está escangalhada mesmo. — respondeu Shelby
descendo os degraus, sem se importar com os frágeis saltos dos sapatos na
escada íngreme. O sol poente havia pouco mergulhara no horizonte e as
últimas cores do crepúsculo tingiam o céu de vermelho. Shelby sorriu,
voltando-se para Alan quando chegou à estreita ruela. — Desta vez venceu.
Mas isso ainda não é um encontro, senador MacGregor. Vamos chamar de...
Um acordo de trânsito civilizado. Nossa! Isso soa burocrático demais. Gostei
do seu carro. -acrescentou, batendo levemente no capô do Mercedes. — Muito
equilibrado.
Alan abriu o porta-malas e colocou a caixa dentro. Então, virou-se e a
encarou, enquanto o fechava.
— Você tem um modo interessante de insultar as pessoas.
Shelby riu, um riso espontâneo e contagiante, ao mesmo tempo em que
caminhava até ele.
— Droga, Alan, eu gosto de você. — abrindo os braços, ela o enlaçou
pelo pescoço e lhe deu um abraço que o fez sentir ondas de prazer por todo o
corpo. — Gosto de verdade. — acrescentou, inclinando a cabeça para trás
com um sorriso divertido que lhe iluminava a face inteira. — Provavelmente,
poderia ter dito isso a uma dúzia de outros homens que jamais perceberiam
que eu os estava insultando.
— Então... — suas mãos estavam sobre os quadris dela -... Mereço
pontos pela percepção.
— E por muitas outras coisas. — quando o olhar de Shelby deslizou até
a boca de Alan, ela sentiu a força do desejo enfraquecer todas as lembranças e
juramentos. — Vou me odiar por isso... — murmurou. -... Mas quero provar o
sabor de seus lábios mais uma vez. Aqui e agora, sob os últimos raios de luz
do dia. — seus olhos encontraram os dele, ainda sorrindo, mas sombreados
com uma antecipação que ele sabia que nada tinha a ver com rendição. —
Sempre achei que podíamos fazer loucuras ao entardecer sem sofrer qualquer
conseqüência.
Enlaçando-o com mais força pelo pescoço, Shelby pressionou os lábios
de encontrou aos dele.
Alan tomou cuidado para não ceder ante o desejo urgente de puxá-la
para si. Dessa vez, deixaria que ela o conduzisse, e agindo assim, a levaria
aonde ele desejava chegar.
A luz do dia estava morrendo lentamente. Havia uma buzinaria
impaciente que vinha da rua do outro lado da loja. Através da janela de um
dos apartamentos escapava o rico cheiro de molho de espaguete e o som de um
blues de Gershwin. Mantendo-se bem junto àquele corpo másculo e potente,
Shelby podia sentir as batidas aceleradas do coração de Alan de encontro ao
seu.
O gosto daquela boca tinha o mesmo sabor estranhamente debilitante de
que ela se recordava. Quase não podia acreditar que vivera tanto tempo sem
conhecer aquele gosto tão peculiar. Parecia-lhe ainda mais impossível
conseguir viver sem isso agora. Ou sem o contato daqueles braços fortes ao
redor do seu corpo, que lhe transmitia uma sensação de segurança e perigo ao
mesmo tempo.
Alan saberia como protegê-la se algo a ameaçasse. Saberia como
conduzi-la à beira de um abismo que, durante anos, tão habilmente, ela vinha
evitando. E Shelby estava muito consciente de que ele certamente a levaria até
lá.
Mas aquela boca era tão tentadora, o gosto tão excitante. E o crepúsculo
ainda não deixara a escuridão da noite se apossar do céu. Então, permitiu-se
beijá-lo mais tempo do que deveria... Mas não tanto quanto gostaria.
— Alan... — ele sentiu o próprio nome se formando de encontro aos
lábios, antes que ela se afastasse. Seus olhares se prenderam durante alguns
instantes, enquanto permaneciam abraçados. Havia uma energia naquela face,
na qual ela podia confiar. Mas havia muito mais entre eles. — É melhor nos
apressarmos. — murmurou Shelby. — Já está escurecendo.
A casa dos Ditmeyer estava iluminada, embora ainda houvesse
resquícios de luz no céu ocidental.
Shelby apenas pôde ver os arbustos do jardim balançando ao sabor do
vento, quando desceu do carro. Sua mãe já havia chegado, descobriu ao
relancear rapidamente o olhar à placa diplomática do Lincoln estacionado.
— Conhece o embaixador Dilleneau? — perguntou ela, oferecendo a
mão a Alan enquanto caminhavam pelo passeio.
— Superficialmente.
— Ele está apaixonado pela minha mãe. — disse, afastando a franja dos
olhos e virando-se para encará-lo. — Os homens são todos iguais, mas acho
que ela tem uma queda por ele.
— Isso a diverte? — Alan apertou a campainha sem deixar de fitá-la.
— Um pouco. — admitiu Shelby. — É muito doce. Minha mãe se
ruboriza na presença dele. — acrescentou ela com um breve sorriso. — É um
sentimento muito estranho para uma filha ver a mãe se ruborizar ao falar de um
homem.
— Isso nunca aconteceu com você? — perguntou Alan roçando-lhe a
face com o dedo polegar. Shelby esqueceu-se da mãe completamente.
— Aconteceu o quê?
— Ficar ruborizada na presença de um homem. — murmurou,
contornando a linha do queixo dela.
— Apenas uma vez. Eu tinha 12 anos, ele, 32. — Shelby precisava
falar, apenas continuar falando para se lembrar de quem ela foi. — Ele, hã...
Veio consertar o aquecedor de água.
— Como ele conseguiu ruborizá-la?
— Sorriu para mim. Ele tinha um dente lascado que achei um charme.
Alan deixou escapar uma risada e a beijou, justo na hora em que Myra
abriu a porta.
— Ora, ora. — a anfitriã não se preocupou em disfarçar um sorriso de
satisfação. — Boa noite. Vejo que os dois já se conhecem.
— O que a faz pensar assim? — indagou Shelby ao deslizar para dentro
da casa.
Myra olhou para um e depois para o outro.
— Estou cheirando a morangos? — perguntou ela num tom suave.
— Seu abajur. — disse Shelby fitando-a com um olhar insípido e
indicando a caixa que Alan carregava. — Onde quer que o coloque?
— Oh, deixe-o ali, Alan. É tão agradável receber os amigos aqui. —
continuou Myra, segurando-os pelos cotovelos enquanto caminhavam. — As
fofocas ficam mais íntimas dessa maneira. Herbert, sirva mais dois daqueles
maravilhosos aperitivos. Vocês precisam experimentar. Acabei de descobrir
esse divino licor de amoras pretas.
— Herbert. — Shelby caminhou em direção ao magistrado e lhe deu um
beijo na face. — Aposto que esteve fora velejando outra vez. — ela sorriu ao
perceber o nariz queimado de sol do juiz. — Quando vamos combinar de ir à
praia fazer windsurfe?
— A menina quase me faz acreditar que sou capaz de tal feito. —
comentou ele, ao mesmo tempo em que a abraçava. — Alan, que bom vê-lo.
— a fisionomia paternal de Herbert quase fazia as pessoas esquecerem que ele
era uma das figuras judiciárias mais importantes do país. — Acho que vocês
já conhecem o restante dos convidados. Vou buscar as bebidas.
— Oi, mãe. — Shelby se inclinou para beijar a face da mãe, quando
avistou os brincos de esmeralda pendurados nas orelhas de Deborah. — Oh,
ainda não tinha visto estes aqui, senão já os teria pedido emprestados.
— Foram um presente de Anton. — um tom delicado de rosa tingiu as
faces da mulher. — Em... Agradecimento por aquela festa em que fui como sua
acompanhante.
— Ah, entendo... — o olhar de Shelby se dirigiu ao francês que se
encontrava ao lado da mãe. — Tem um excelente gosto, embaixador. — disse
ela, estendendo-lhe a mão.
Os olhos do homem brilharam ao mesmo tempo que lhe ergueu a mão e
a levou aos lábios, uma peculiaridade que, na opinião de Shelby, compensava
as orelhas.
— Está adorável como sempre, minha querida. Senador, é um prazer
encontrá-lo em uma atmosfera tão relaxante.
— Senador MacGregor... — disse Deborah sorrindo. — Não sabia que
você e minha filha se conheciam.
— Estamos nos esforçando para romper uma velha tradição familiar. —
Alan aceitou o copo que o juiz lhe ofereceu.
— Ele se refere à rixa entre famílias. — explicou Shelby ao perceber a
expressão confusa da mãe. Ela tomou um gole do licor, aprovou a bebida e
então se sentou no braço da cadeira de Myra.
— Oh... Oh. — repetiu Deborah recordando-se. — Os Campbells e os
MacGregors eram inimigos de sangue na Escócia, embora não consiga me
lembrar exatamente do por que.
— Eles roubaram nossas terras. — rebateu Alan num tom suave.
— Isso é o que você diz. — Shelby fulminou-o com o olhar, enquanto
sorvia mais um gole do licor. — Adquirimos as propriedades dos MacGregors
por meio de um decreto real. Eles não sabiam perder.
Alan curvou os lábios num sorriso pensativo.
— Gostaria de ouvi-la debater esse assunto com meu pai.
— Que disputa! — exclamou Myra, deliciando-se com o pensamento.
— Herbert, pode imaginar nossa Shelby cara a cara com Daniel? Com toda
essa cabeleira vermelha e teimosia! Alan, você deve de fato organizar esse
encontro.
— Já pensei sobre isso.
— É mesmo? — as sobrancelhas de Shelby se ergueram, desaparecendo
completamente sob os cachos que lhe cobriam a testa.
— Bastante. — disse o senador MacGregor no mesmo tom distante.
— Estive naquele anacronismo maravilhoso que é a loja de Shelby. —
disse Myra, dando um tapinha de leve na coxa da amiga. — Esta moça tem um
gosto, bem... Vamos dizer, peculiar.
— Sim. — Deborah lançou um sorriso terno à filha. — Nunca pude
entender por quê. Entretanto, ambos os meus filhos sempre foram um mistério.
Talvez seja porque são tão brilhantes, inteligentes e inquietos. Estou sempre
esperando que eles se estabeleçam. -nessa hora, ela olhou para Alan e sorriu.
— Também não é casado, é, senador?
— Se preferirem... — disse Shelby estudando a cor do licor através do
cristal. — ... Posso me retirar enquanto vocês discutem as condições do dote.
— Shelby, francamente! — murmurou Deborah, além do som da risada
do juiz.
— É muito difícil para os pais encararem os filhos como adultos. —
comentou o embaixador Dilleneau em seu tom calmo. — Eu, por exemplo,
tenho duas filhas que já me deram netos e ainda me preocupo com elas. Por
falar nisso, como estão seus filhos, Myra? Soube que já tem outro neto, não é?
Não poderia haver estratégia melhor para mudar o assunto. Shelby
enviou um aceno de admiração ao namorado da mãe e observou os olhos do
homem brilharem ao ouvir a descrição entusiasmada de Myra sobre o
nascimento do primeiro dente do neto.
Ele a agradava, decidiu Shelby, contemplando a mãe sob os cílios
pesados. Deborah era o tipo de mulher que jamais se sentiria completa sem um
homem. Fora moldada e polida como esposa de político muitos anos atrás. O
brilho não desaparecera. Tinha a paciência necessária, modos e estilo
elegantes. Ela exalou um pequeno suspiro, quase imperceptível. Como podiam
se parecer tanto e ao mesmo tempo serem tão diferentes? Elegância sempre lhe
parecera uma gaiola forrada de seda. E, a despeito de seu formato, uma gaiola
significava restrições. Ainda se lembrava de muitas delas.
Os guarda-costas discretos, mas sempre lá. As festas cuidadosamente
filmadas, os sistemas de alarme sofisticados, a intrusão da imprensa. A
segurança não salvara seu pai, embora um fotógrafo tivesse conseguido uma
foto premiada dos pistoleiros, segundos depois dos tiros, quando já era tarde
demais.
Shelby sabia o que estava por trás da elegância: jantares públicos,
discursos, festas de gala. Havia centenas de pequenos temores e milhares de
dúvidas. A memória de muitos assassinatos e atentados políticos em pouco
mais de vinte anos.
Sua mãe fora feita para aquela vida. Paciente, com uma camada de aço
sob a pele frágil. Mas ela não escolheria isso para si nem se permitiria ser
escolhida. Não se apaixonaria por ninguém que a deixasse de maneira tão
horrível outra vez.
Deixando a conversa fluir ao seu redor, tomou mais um gole de licor e
seus olhos encontraram os de Alan. Lá estava aquela paciência contemplativa
que prometia durar uma vida inteira. Quase podia senti-lo descascando,
tranqüilamente, camada por camada, pedaço por pedaço que compunham a
personalidade dela para alcançar o núcleo minúsculo que ela mantinha
preservado.
Seu bastardo. Ela quase proferiu aquilo em voz alta. Por certo refletiu
em seus olhos porque Alan devolveu-lhe um sorriso em reconhecimento. O
cerco estava definitivamente se fechando. Shelby só esperava estar bem
preparada para sobreviver a ele.
CAPÍTULO IV

Shelby estava tendo uma semana cheia, dominada pela sobrecarga


criativa que experimentava em algumas ocasiões. Havia três dias Kyle vinha
administrando a loja praticamente sozinho, enquanto ela se fechava na oficina
de trabalho, sentada durante horas em frente à roda de oleiro. Mesmo
começando às sete da manhã, tinha bastante ânimo para bater o barro até tarde
da noite. Conhecia-se o suficiente para entender e aceitar que aquele tipo de
comportamento a acometia sempre que algo a preocupava.
Enquanto trabalhava, focalizava mente e emoção no projeto em suas
mãos, e dessa maneira, conseguia minimizar qualquer problema. Normalmente,
conseguia encontrar um modo de solucioná-los. Mas não dessa vez.
O ímpeto que a dominara a maior parte da semana arrefecera na última
sexta-feira. Alan não lhe saía da mente. Impaciente do jeito que estava, podia
ficar se convencendo durante horas que não devia pensar nele, mas isso não
mudaria o fato de o senador continuar firme em seus pensamentos como da
última vez em que estiveram juntos.
Não importava ter conseguido passar o resto da noite envolvida em
conversas informais na casa dos Ditmeyer. Na volta, Alan lhe dera um
daqueles beijos devastadores ao alcançarem a porta lateral da casa dela. Ele
não insistira em entrar. Poderia ter se sentido grata por isso, se não tivesse
suspeitado de que tal comportamento fazia parte de um assédio muito bem
planejado. Confunda o inimigo, ataque-o com dúvidas, deixe-o com os nervos
formigando. Uma estratégia deveras inteligente.
Alan estava em Boston havia vários dias, Shelby sabia por que ele lhe
telefonara, informando-a de sua partida, embora não o tivesse encorajado para
tal. Ela encarou aquela oportunidade como uma folga. Se o senador
MacGregor ficasse distante alguns quilômetros, não poderia aparecer
inesperadamente nos degraus da porta dela. Quando aparecesse outra vez, se é
que isso aconteceria, manteria a porta bem trancada, disse a si mesma, sem
muita convicção.
Então, no meio da semana, o porco chegou. Um porco de pelúcia lilás,
com um sorriso tolo e orelhas aveludadas. Tentou jogá-lo no armário e
esquecê-lo, mas não conseguiu. Alan parecia saber a opinião dela sobre o
senso de ridículo dele. Que homem era aquele que tinha pontos de vista tão
rígidos sobre leis e que ao mesmo tempo lhe enviava bichinhos de pelúcia?
Quase amoleceu. Era agradável saber que o senador era capaz de tal
gesto, especialmente porque era tão incomum aos políticos. Era agradável
saber que realçava aquele lado nele. Mas não havia chance de abrir mão de
sua resolução por causa de um brinquedo tolo para crianças ou mulheres
românticas.
Batizou-o com o nome de MacGregor e o colocou sobre a cama, uma
piada com ambos, pensou. O porco seria o único MacGregor com quem ela
dormiria.
Mas à noite, em sua grande cama com estrutura de metal, sonhava com
Alan. Não importando o quanto trabalhava durante o dia, com quantos amigos
se encontrava, tudo terminava em Alan. Uma vez sonhou que havia uma dúzia
de senadores MacGregor cercando sua casa. Não podia sair sem ser
capturada. Então, despertou amaldiçoando o assédio do político e sua própria
imaginação fértil.
No final da semana, Shelby prometeu a si mesma que não aceitaria mais
nenhum presente e simplesmente desligaria quando ouvisse a voz dele ao
telefone. Se razão e paciência não adiantavam para mantê-lo afastado, rudeza
por certo funcionaria. Até mesmo um MacGregor devia ter algum bom senso.
Devido ao horário apertado da semana anterior, Shelby dera as chaves a
Kyle com instruções para que abrisse a loja às dez horas da manhã no sábado.
Dormiria até mais tarde. Não havia necessidade de ir para a oficina trabalhar,
mesmo que sentisse algum ataque repentino de criatividade. Nos últimos dias,
acumulara um estoque suficiente para durar semanas. Agora concentraria todos
os pensamentos e toda a energia na ociosidade, da mesma forma que
concentrara no trabalho.
Shelby ouviu uma batida na porta e, remexendo-se sob os lençóis, quase
considerou a possibilidade de ignorá-la. Mas, simplesmente, não era do seu
feitio deixar um telefone tocando ou alguém batendo à porta sem resposta.
Ainda meio adormecida, saiu da cama. Ao tropeçar no roupão que jogara no
chão na noite anterior, lembrou-se de arrastá-lo enquanto caminhava até a sala.
Com os olhos semicerrados para se proteger da luz do sol, abriu a porta.
— Bom dia, senhorita Campbell. Outra entrega para você.
O mensageiro que trouxera a cesta de morangos e o porco de pelúcia
estava de pé, mais uma vez, na soleira da porta.
— Obrigada. — desorientada demais para se lembrar do juramento que
fizera, Shelby saiu e o rapaz lhe entregou duas dúzias de balões rosa e
amarelos. Quando ele se foi, ela voltou para dentro da sala desperta o bastante
para perceber o que havia acontecido.
— Oh, não! — Olhando para cima, contemplou os balões coloridos
tremulando no topo dos fios. Preso por um laço na extremidade, havia um
pequeno cartão branco.
Não o abriria, disse a si mesma. Já sabia quem era o remetente. Quem
mais poderia ser? Não, não o abriria mesmo. Na realidade, pegaria um
alfinete e estouraria os balões um por um. Afinal, não passavam de um pouco
de ar reunido. Era ridículo. Para provar seu ponto de vista, soltou os fios e os
balões flutuaram até o teto. Se Alan pensava que a conquistaria com todos
aqueles presentes tolos e pequenos bilhetinhos estava... Certíssimo. Droga!
Shelby pulou várias vezes tentando alcançar os fios e soltou uma
imprecação ao não conseguir. Puxando uma cadeira, escalou-a e agarrou o
cartão.

O amarelo representa o sol, o rosa a primavera.


Compartilhe-os comigo. Alan.

— Você me deixa louca. — murmurou ela, em pé na cadeira com os


balões em uma mão e o cartão na outra. Como ele sabia, como podia saber o
tipo de coisa que a agradava? Morangos, porquinhos de pelúcia, balões... A
situação estava ficando desesperadora, pensou Shelby, contendo-se para não
rir.
Estava na hora de ser firme. Muito firme, disse a si mesma, enquanto
descia da cadeira. Se o ignorasse, ele lhe enviaria outra coisa qualquer. Então,
lhe telefonaria e exigiria que parasse com aquilo. Diria a ele que a estava
irritando... Não, aborrecendo. Aborrecer era um insulto imperdoável. Shelby
torceu o fio dos balões e o amarrou ao redor do pulso, enquanto alcançava o
telefone. O senador havia lhe dado o número da casa dele, que ela se recusara
a escrever. Mas, é claro, lembrava-se de todos os números. Enquanto apertava
os botões, esforçou-se para adotar uma postura bem arrogante.
— Alô.
A postura arrogante evaporou-se como se tivesse sido picada por um
alfinete.
— Alan.
— Shelby.
Ela lutou para não se deixar envolver por aquele tom sério, que jamais
a atraiu. Gostava de homens com uma nota de divertimento na voz.
— Alan, isso tem que parar.
— É mesmo? Mas ainda nem começou.
— Alan... — ela tentou se lembrar da decisão de ser firme. — O que
quero dizer é que... Tem que parar de ficar me enviando essas coisas. Está
desperdiçando seu tempo.
— Tenho tempo de sobra. — murmurou ele. — Como foi a sua semana?
— Estafante. Ouça, eu...
— Senti a sua falta.
A declaração simples e direta jogou por terra a determinação de Shelby.
— Alan, por favor...
— Todos os dias. — continuou ele. — Todas as noites. Você já esteve
em Boston, Shelby?
— Hum... Sim. — admitiu ela, lutando contra a fraqueza que ameaçava
invadi-la. Impotente, ela encarou os balões. Como podia lutar contra algo tão
insubstancial, que flutuava?
— Gostaria de levá-la a Boston no outono, quando o ar está enevoado e
impregnado com o cheiro das folhas secas.
Shelby tentou se convencer de que seu coração não estava acelerado.
— Alan, não liguei para falar sobre Boston. Agora, para simplificar as
coisas, quero que pare de me procurar. — a voz dela começou a se alterar com
a frustração, enquanto o imaginava escutando-a com aquele sorriso paciente e
o olhar sereno. — Quero que pare de me enviar balões, porcos e tudo mais!
Fui clara?
— Perfeitamente. Passe o dia comigo.
Céus! Aquele homem nunca perdia a paciência? Não suportava homens
tão pacientes.
— Pelo amor de Deus, Alan!
— Chamaremos isso de uma excursão experimental. — sugeriu o
senador no mesmo tom calmo. — Não um encontro.
— Não! — redargüiu ela, sufocando o riso. Não suportava tanta
paciência, tentou se lembrar. Preferia os extravagantes, os ousados. — Não,
não e não!
— Nada de burocracia. — o tom de voz dele era tão tranqüilo, tão...
Senatorial, decidiu Shelby com vontade de gritar. Mas o grito quase se
transformou em outra risada. — Certo, deixe-me pensar... Uma expedição
diurna padrão para promover relações amigáveis entre clãs adversários.
— Está tentando jogar charme novamente. — murmurou ela.
— Estou sendo bem-sucedido?
Ela não respondeu. Algumas perguntas era melhor ignorá-las.
— De fato, não sei como ser mais sucinta, Alan.
Aquilo faria parte da atração?, ele desejou saber. O fato de a cigana
livre poder se transformar em uma duquesa real num piscar de olhos.
Duvidava de que ela tivesse qualquer noção de que estava muito mais para
uma do que para outra.
— Você tem uma voz maravilhosa. A que horas estará pronta?
Shelby fez uma carranca e considerou.
— Se eu concordar em passar algumas horas com você, vai parar de me
enviar coisas?
Alan permaneceu calado por um longo tempo.
— Confia na palavra de um político?
Shelby não se conteve e deu uma gargalhada.
— Certo, você me pegou.
— Está um dia lindo. Há um mês não tenho um sábado livre. Saia
comigo.
Ela entrelaçou o fio do telefone ao redor dos dedos. Uma recusa lhe
parecia tão mesquinho, tão desagradável. Ele realmente estava pedindo muito
pouco e, droga, ela queria vê-lo.
— Certo, Alan, toda regra precisa ser quebrada de vez em quando para
provar que realmente é uma regra.
— Se você está dizendo. Aonde gostaria de ir? Há uma exibição de arte
flamenga na Galeria Nacional.
Os lábios de Shelby se curvaram.
— Que tal o zoológico? — perguntou, esperando pela reação dele.
— Ótimo. — concordou Alan sem hesitar. — Estarei aí em dez minutos.
Com um suspiro, ela decidiu que o senador MacGregor não se abalava
facilmente.
— Alan, eu não estou vestida.
— Então chegarei em cinco minutos.
Deixando escapar uma risada divertida, ela bateu o telefone.
— Gosto das cobras. Elas são um tanto quanto arrogantes.
Enquanto Alan contemplava os animais, Shelby pressionou o corpo de
encontro ao vidro, estudando uma jibóia que aparentava estar mais enfadada
do que desdenhosa. Quando ela sugerira um passeio ao jardim zoológico, ele
não ficara bem certo se ela fizera aquilo porque desejava visitar o zôo ou se
queria testar sua reação. Mas não precisava pensar muito para discernir que
fora uma combinação de ambos.
Uma visita ao Jardim Zoológico Nacional em um sábado de primavera
ensolarado prometia multidões e hordas de crianças. A casa das cobras estava
repleta, ecoando com os gritos infantis. Shelby não parecia prestar atenção às
cotoveladas que levava, enquanto se dirigia a uma gorda píton.
— Parece com o nosso representante de Nebraska. — disse Alan.
Uma risadinha borbulhou na garganta de Shelby ao imaginar o
rechonchudo e estrábico congressista. Feliz com a observação dele, virou a
cabeça para fitá-lo e sorriu. Mais alguns centímetros e seus lábios se uniriam.
Podia ter recuado, embora isso significasse pisar em alguns dedos de pés.
Podia ter simplesmente voltado sua atenção para a píton. Mas em vez disso,
ergueu o queixo de modo que os olhos de ambos ficaram alinhados.
O que havia naquele homem que lhe despertava o desejo de desafiar o
destino?, perguntou-se. Por certo, era isso que aconteceria se permitisse que
aquela tarde fosse além de um passeio cordial. Alan não era um homem do
qual uma mulher podia se desembaraçar com facilidade, após ter dado aquele
último passo. Um homem como ele tinha a capacidade de dominar com certa
tranqüilidade e absorver metodicamente as pessoas a seu redor, antes que elas
tivessem qualquer idéia do que estava acontecendo. Por esse motivo,
mantinha-se cautelosa, tratando-o com mais precaução do que tratara qualquer
outro homem que já conhecera. Mas não podia esquecer quem ele era, um
jovem e promissor senador cujo futuro muito provavelmente seria a Casa
Branca.
Não. Para evitar dor a ambos os lados, não aprofundaria aquele
relacionamento. Não importando quanto o desejava.
— Isto aqui está muito cheio. — murmurou ela com os olhos brilhando.
— Quanto mais tempo ficarmos aqui... — suas coxas esbarraram nas
dela quando uma criança tentou alcançar o vidro —... Mais aficionado ficarei
pelas cobras.
— Sim, elas também me fascinam. Acho que é a aura diabólica que as
rodeia que as tornam tão atraentes. — seus seios roçaram o tórax dele,
enquanto as pessoas se, aglomeravam por todos os lados.
— O pecado original. — murmurou Alan, distinguindo o perfume dela
facilmente dos diversos cheiros que inundavam o recinto. — A serpente tentou
Eva e Eva tentou Adão.
— Sempre achei que Adão cedeu muito depressa. — comentou Shelby.
Seu coração batia rápido e inconstante de encontro ao dele, mas ela não
retrocedeu. Teria que experimentar aquela sensação uma vez mais, para
aprender a se prevenir. — Cobras e mulheres tentam e o homem cai na
armadilha como um espectador inocente.
— Ou como uma criatura que raramente consegue resistir à tentação na
forma de uma mulher.
O tom da voz dele era perigosamente suave. Considerando uma retirada
estratégica, Shelby agarrou-o pela mão e o arrastou.
— Venha, vamos olhar os elefantes.
Ela se movimentou entre as pessoas e ao redor de carrinhos de bebês,
enquanto puxava Alan para fora. Ele sempre caminharia. Ela estaria sempre
correndo. Sob a luz do sol, Shelby colocou um par de óculos escuros sobre o
nariz sem diminuir o passo.
O odor dos animais impregnava todos os lugares, pungente e primitivo.
Podiam-se ouvir rugidos ocasionais, guinchos ou berros. Ela se moveu
rapidamente ao longo dos caminhos, parando em frente a uma jaula. Apoiando-
se contra uma parede de contenção, observou tudo como se fosse a primeira
vez. Ao redor havia casais de idosos, jovens e crianças com gotejantes
casquinhas de sorvete nas mãos. Um murmúrio de idiomas fluía na frente de
ambos e atrás das jaulas.
— Veja, ela me faz lembrar de você. — disse Shelby, apontando para
uma pantera negra estirada ao sol que observava calmamente o rio de pessoas
que passava por ali.
— Assim? — Alan estudou o felino. — Indolente? Subjugado?
Ela deixou escapar uma gargalhada.
— Oh, não, senador. Paciente e contemplativo. E arrogante o suficiente
para acreditar que esta prisão não pode detê-lo. — virando-se, ela se encostou
às grades para estudá-lo como havia feito com a pantera. — Ela avaliou a
situação e decidiu que pode controlá-la. Eu gostaria de saber... — as
sobrancelhas dela se contraíram. —... O que ela faria se de fato ficasse
irritada. Não parece ter um mau temperamento. Gatos normalmente não têm,
até serem desafiados, e então... Tornam-se mortais.
Alan devolveu-lhe um sorriso estranho, antes de tomá-la pela mão e
puxá-la novamente para o caminho.
— Ela deve ter concluído que não deve se aborrecer com freqüência.
Shelby sacudiu a cabeça e o fitou com um olhar inexpressivo.
— Vamos ver os macacos. Sempre me fazem imaginar que estou sentada
na Galeria do Senado.
— Que desagradável! — comentou ele, dando-lhe um puxão de cabelos.
— Eu sei. Mas não consigo evitar. — Ela descansou a cabeça de leve
sobre o ombro dele enquanto caminhavam. — Não costumo ser uma pessoa
agradável. Parece que Grant e eu herdamos uma veia de sarcasmo... Ou talvez
cinismo. Provavelmente do meu avô por parte de pai. Ele é como um daqueles
ursos pardos que vimos há pouco. Predador, impaciente e mal-humorado.
— E você é louca por ele.
— É verdade. Vou comprar pipoca. — com uma mudança rápida de
humor, ela se dirigiu ao vendedor. — Não dá para imaginar um passeio ao
jardim zoológico sem pipoca. Só perde para ir ao cinema e não comer
pipocas. Quero um grande. — pediu ela, enfiando a mão no bolso da parte de
trás das calças jeans para pegar o dinheiro. Shelby equilibrou o balde de
pipocas em um dos braços, enquanto colocava o troco no bolso. — Alan...
— O quê? — Alan caminhou casualmente até ela e pegou um punhado
de pipoca.
— Eu ia lhe fazer uma confissão. Então me lembrei de que não sou
muito boa nisso. Ainda precisamos ir ver os macacos.
— Não acha de fato que vou permitir que uma declaração provocante
como essa passe despercebida, não é?
— Está bem... Pensei que o melhor modo de desencorajá-lo seria
concordar em ir com você a algum lugar que o deixasse enfadado e ser o mais
desagradável possível.
— Está tentando ser desagradável? — tom de voz era moderado e
completamente sério. — Achei que você estava agindo muito naturalmente.
— Ai. — Shelby levou a mão ao coração. — Em todo caso, tenho a
nítida impressão de que não obtive êxito.
— É mesmo? — enfiando a mão no balde para pegar mais pipoca, Alan
se curvou e sussurrou no ouvido dela. — Como chegou a essa conclusão?
— Oh... — ela clareou a garganta. — Trata-se apenas de um
pressentimento.
O senador MacGregor achou aquele pequeno espetáculo de nervosismo
deveras recompensador. Sim. O quebra-cabeça estava começando a se unir,
peça por peça, cuidadosamente. Aquele era o modo como sempre estruturara
sua vida.
— Estranho. Porque nem uma vez, desde que estamos aqui, mencionei
que gostaria de encontrar um pequeno quarto e fazer amor com você repetidas
vezes.
Cautelosa, Shelby o encarou.
— Espero que não mencione isso tão cedo.
— Certo. — Alan deslizou um braço ao redor da cintura dela. — Não
mencionarei enquanto estivermos aqui.
Um sorriso curvou os lábios de Shelby, mas ela meneou a cabeça.
— Nem aqui nem em outro lugar, Alan. É impossível.
— Então, temos um impasse — disse ele, parando em uma ponte de
pedra. Embaixo deles, cisnes orgulhosos flutuavam no lago de águas plácidas.
— Porque no meu modo de pensar isso é mais do que possível.
— Você não entende. — Shelby se virou para observar as aves na água
porque os olhos escuros estavam lhe despertando um desejo louco que ela nem
sabia que existia dentro de si. — Quando tomo uma decisão, não costumo
voltar atrás.
— Temos mais do que nossa ancestralidade em comum. — Alan
contemplou a luz do sol realçando a tonalidade dos cabelos dela. Tocando-os
apenas com as pontas dos dedos, desejou saber como ficariam depois que
tivessem feito amor. Fios selvagens em chamas. — Eu a desejei no minuto em
que a vi, Shelby. E a desejo mais a cada minuto que passa.
Ela virou a cabeça, surpresa e excitada. Aquilo não fora uma frase
vazia ou um clichê. Alan MacGregor dissera precisamente que a desejava.
— E quando desejo algo com tanta intensidade... — continuou ele,
deslizando a ponta dos dedos ao longo do queixo dela não costumo me afastar
do meu objetivo.
Shelby não pôde evitar que seus lábios se afastassem quando o dedo
polegar de Alan os roçou. Tampouco a onda de excitação que a percorreu.
— Então... — esforçando-se para parecer casual, pegou um pouco mais
de pipoca, antes de pousar o balde sobre um banco —... Resolveu concentrar
suas energias em me convencer de que eu o quero.
Um sorriso lento e irresistível brincou nos lábios do senador
MacGregor.
— Não preciso convencê-la disso. — disse, envolvendo-a pelo
pescoço. — Aquilo de que preciso é convencê-la de que... — puxou-a mais
para si —... A postura que está adotando é improdutiva, autodestrutiva e
desesperada.
Shelby se sentiu fragilizada, querendo de fato ser convencida. Os lábios
dele, agora, estavam bem próximos dos seus. Contudo, Alan parecia cauteloso,
focalizado nas próprias vulnerabilidades dela. Ela entendia aquela posição. O
senador sempre se mostrava reservado em público. Ela sempre seria
descuidada. Aquilo a aborreceu e a intrigou ao mesmo tempo.
Os olhos escuros, tão sérios e tão calmos, pareciam derrubar qualquer
defesa lógica que ela pudesse ou quisesse interpor entre ambos. Então, antes
que conseguisse fazer um movimento para se afastar, alguém puxou
impacientemente sua camiseta.
Confusa, Shelby olhou para baixo e viu um menininho oriental,
aparentando uns oito anos de idade, que a encarava. A criança começou a
desfiar uma lenga-lenga rápida com gestos e olhares, deixando claro que
estava frustrado, embora ela não tivesse entendido uma palavra do que ele
dissera.
— Calma. — ordenou ela, sorrindo enquanto se livrava dos braços de
Alan e se abaixava em frente ao menino. Seu primeiro pensamento foi que o
pequeno havia se perdido dos pais. Os olhos escuros e repuxados eram
bonitos, mas estavam aborrecidos e pareciam assustados. Novamente a
criança começou a se expressar num idioma que Shelby suspeitou ser coreano.
Então, com um suspiro de adulto, ele segurou duas moedas, indicando o
recipiente de alimentos do pássaro atrás de si.
Dez centavos, ela percebeu com uma risada. O menino tinha a quantia
certa, mas não entendia o sistema monetário. Antes que ela pudesse alcançar o
bolso das calças, Alan ofereceu uma moeda de dez centavos à criança. A
seguir, fez alguns gestos simples, mostrando que as duas moedas juntas
formavam uma moeda de dez centavos. Ele percebeu o brilho de compreensão
nos olhos do garoto, que rapidamente aceitou a moeda em troca das outras
duas. Sua inclinação inicial de recusar o dinheiro se alterou depressa com um
breve exame da face do menino. Em vez disso, aceitou as moedas do garoto e
curvou-se em uma reverência. O pequeno coreano retribuiu o gesto e correu
em direção ao recipiente.
Outro homem, pensou Shelby enquanto contemplava a criança jogar
alimento aos cisnes, teria insistido em ser magnânimo, se por nenhuma outra
razão, pelo menos para impressionar a mulher que o acompanhava. Mas Alan
sabia que as crianças tinham orgulho. Fizera uma troca de homem para homem,
uma transação comercial, em vez de uma atitude paternalista de um adulto para
uma criança. E tudo sem dizer uma palavra.
Apoiando-se na mureta, ela observou os cisnes correrem atrás do
alimento, curvando seus pescoços esbeltos e gorgolejando ávidos. De vez em
quando, um bicava a outro que ousava invadir seu território. Alan pousou
ambas as mãos no parapeito, mantendo-a presa entre os braços. Esquecendo-
se de tudo ao redor, Shelby inclinou-se para trás, recostando a cabeça
confortavelmente entre o queixo e o ombro do senador.
— A tarde está linda — murmurou ela. Alan cobriu-lhe as mãos com as
suas.
— A última vez que estive no jardim zoológico, tinha por volta de 12
anos. Meu pai resolveu fazer uma de suas raras viagens de negócios a Nova
York e insistiu em levar toda a família. — ele roçou a face nos cabelos de
Shelby, desfrutando a maciez dos fios. — Senti-me obrigado a fingir que era
muito velho para gostar de olhar leões e tigres, embora meu pai tenha sido
quem mais se divertiu. São estranhas essas pequenas brechas pelas quais
passamos para a vida adulta quando ainda somos muito jovens.
— A minha durou seis meses. — recordou Shelby. — Foi o tempo que
chamei minha mãe pelo primeiro nome.
— Quantos anos você tinha?
— Treze. Deborah, eu dizia naquele tom afetado que costumava
empregar: "Acho que já sou adulta o bastante para pintar meus cabelos de
loiro." E ela dizia algo como "discutiremos isso em breve". Então, continuava
dizendo como se sentia orgulhosa por eu me mostrar madura o suficiente para
tomar decisões adultas, como ficava feliz por eu não ser mimada ou frívola
como tantas meninas da minha idade.
— E naturalmente você embarcava naquela conversa e esquecia da
pintura dos cabelos.
— Com certeza. — Shelby riu e envolveu-o pelo braço, recomeçando a
caminhar novamente. — Acho que nunca apreciei o quanto ela era inteligente
até fazer 20 anos. Grant e eu não éramos crianças fáceis.
— Ele é igual a você?
— Grant? Como eu? — ela ponderou por um momento. — Em alguns
aspectos, mas ele é um solitário. Eu nunca fui. Quando Grant está no meio das
pessoas, ele as observa... Absorve, realmente. E as envolve e as descarta
quando bem entende. Pode viver sem elas durante semanas ou meses. Eu não
posso.
— Não, mas mesmo assim procura mantê-las à distância. Acho que
jamais deixou alguém... Algum homem... — corrigiu ele, inclinando a cabeça
para estudar-lhe o perfil. —... Se aproximar demais.
Shelby conjecturou uma réplica brava, mas se decidiu por uma mais
sutil:
— Isso parece seu ego falando. — redargüiu num tom suave. — Apenas
porque o rejeitei.
— Manteve-me afastado por algum tempo. — contestou Alan, levando a
mão dela aos lábios. — Qualquer um pode testemunhar que está aqui e eu
também.
— Mmm... — Shelby olhou para a multidão ao redor. — E trocando
intimidades também.
— Estamos acostumados com o público.
Num impulso travesso, ela parou no meio do caminho, ergueu os braços
e rodeou-lhe pescoço.
— Até certo ponto, senador.
Ela esperava que ele risse e a afastasse ou talvez sacudisse a cabeça
exasperado, antes de se livrar. O que não esperava é que Alan a puxasse para
si e a fitasse com o olhar cheio de promessas. Os olhos escuros nivelados com
os seus deixavam claro aonde aquelas promessas os conduziriam. Havia uma
ameaça de paixão, uma promessa de intimidade. Não. Shelby não esperava
que usasse seu próprio estratagema tão vantajosamente contra ela. Talvez por
um momento tivesse esquecido que ele era um estrategista.
Seu coração começou a bater acelerado de encontro ao tórax de Alan.
Embora o momento tenha sido breve, tocou-a em todos os sentidos, coração,
mente e corpo. Não podia evitar o pesar pelo que sentia que jamais poderia
acontecer, mas não fazia idéia de que seria tão sacrificante. Quando ela se
afastou, aquilo ecoou em sua voz e se refletiu em seus olhos.
— Acho melhor voltarmos.
Ferido e frustrado, o senador quase soltou uma imprecação.
— É muito tarde para isso. — murmurou ele, enquanto a guiava na
direção do estacionamento.
Shelby ergueu uma sobrancelha. Era a primeira vez que o ouvia falar
naquele tom contrariado. Por um segundo, julgou ter captado um brilho nos
olhos dele, mas foi tão rápido que não tinha certeza. Bem, meditou, talvez
aquilo fosse a chave para os seus problemas. Aborrecê-lo bastante até ele
desaparecer de sua vida.
Sua pele ainda estava morna, muito morna e sensível. Do modo como
estava fraquejando, logo se veria envolvida com aquele homem, querendo ela
ou não. Talvez o verdadeiro problema fosse o fato de já estar envolvida. O
fato de não serem amantes não o impedia de instigar-lhe os pensamentos e os
sentimentos. Uma separação iria doer, mas seria menos dolorida se
acontecesse o mais rápido e breve possível.
Então, teria que irritá-lo. Shelby deu um sorriso que parecia mais uma
careta quando entrou no carro. Se havia uma coisa que sabia fazer bem,
quando queria, era irritar alguém.
— Bem, foi divertido... — disse ela num tom casual, enquanto Alan
manobrava o carro no estacionamento. — Estou feliz por ter me persuadido a
sair. Meu dia seria uma página em branco até as sete da noite.
Aquele momento longo e pacífico perdurou na mente de ambos.
O senador se remexeu no assento, esperando aliviar o aperto que sentia
no estômago.
— Fico sempre satisfeito em ajudar alguém a preencher alguns espaços
vazios. — Alan controlou a velocidade do carro com pura força de vontade.
Tê-la abraçado no zôo não o acalmara, apenas servira para lembrá-lo de
quanto tempo havia se passado desde que a tivera nos braços pela última vez.
— De fato você é um homem bem simples para um político, Alan. —
simples?, Shelby repetiu para si mesma, ao mesmo tempo em que apertava o
botão para baixar o vidro da janela. Sua pulsação ainda estava acelerada,
devido àquele encontro de olhares que durara apenas alguns segundos. Se o
senador fosse ainda mais simples, ela estaria de cabeça para baixo,
apaixonada por ele, caminhando para um desastre. — Quero dizer, não é
pretensioso.
Alan a fitou com um olhar demorado e frio, o que aumentou a
autoconfiança dela.
— Não? — murmurou ele, após um breve silêncio.
— De modo algum. — Shelby lhe dirigiu um sorriso. — Sabe? Acho
que eu votaria em você.
Ele parou no sinal de trânsito, estudando-a pensativo, antes de
continuar.
— Seus insultos não estão sendo tão sutis hoje, Shelby.
— Insultos? — perguntou, fitando-o com um olhar inexpressivo. —
Estranho, achei que estava mais para um elogio. Os votos não são a coisa mais
importante para um político? Votos e a necessidade de vencer?
A luz do sinal ficou verde durante cinco segundos, antes de Alan dar
partida no motor novamente.
— Tenha cuidado.
Estava conseguindo aborrecê-lo, pensou ela, odiando-se por isso.
— Você é um pouco sensível. Está certo. — Shelby coçou a coxa sobre
a calça jeans. — Não me importo com um pouco de supersensibilidade.
— A minha sensibilidade não é a questão, mas está se saindo bem
bancando a irritante.
— Meu Deus, já chegamos em Capitol Hill! — deliberadamente ela
olhou para o relógio, ao mesmo tempo que ele contornava uma rua próxima ao
prédio da loja dela. — Isso é o que chamo de cronometragem perfeita!
Poderei tomar um banho e trocar de roupa antes de sair. — Shelby se inclinou,
deu-lhe um beijo na face e deixou o carro. — Obrigada, Alan. Ciao.
Desprezando-se, ela começou a subir a escada lateral que a levava ao
seu apartamento, quando ele a segurou pelo braço. Com uma expressão
ligeiramente surpresa na face, Shelby virou a cabeça para encará-lo.
— Que diabos está acontecendo? — exigiu o senador. A pressão em seu
braço a fez voltar-se totalmente, ficando de costas para a porta.
— Que diabos está acontecendo? — repetiu ela.
— Não faça joguinhos, Shelby.
Ela exalou um suspiro exasperado e destrancou a porta.
— Ouça, foi uma tarde agradável, uma... Mudança na rotina para ambos,
imagino...
Alan apertou-a com mais força para impedir que entrasse. Ele nunca, ou
raramente, perdia a calma. Era um subproduto de sua herança familiar, mas
sempre fora o mais controlado. O mais lúcido. Ele se esforçou para se lembrar
disso.
— E?
— E? — repetiu Shelby, erguendo ambas as sobrancelhas. — Não
existe "e" para nós, Alan. Passamos algumas horas divertidas no jardim
zoológico. O que por certo não significa que devo dormir com você.
Ela percebeu a centelha de raiva volátil e feroz que cruzou os olhos
dele. Um pouco atordoada pela intensidade daquele olhar, recuou um passo,
automaticamente. De imediato sentiu a garganta secar. Será que tais
sentimentos sempre existiram, mas estavam velados?, desejou saber.
— Acha que é só isso que eu quero? — perguntou Alan num tom de voz
mortal, ao mesmo tempo que se apoiava no batente da porta. — Se eu só a
quisesse na cama, você já estaria lá — disse, traçando-lhe desenhos
irregulares na base do pescoço e encarando-a com o rosto transfigurado de
raiva.
— A questão é o que eu quero. — administrou Shelby, surpresa por sua
voz soar frágil e ofegante. Seria medo?, perguntou-se. Ou excitação?
— Para o diabo com o que você quer.
Quando Alan avançou, ela se esquivou e a porta se abriu. Teria caído se
ele não fosse rápido o bastante para segurá-la. E lá estava ela outra vez
naqueles braços fortes, com o corpo pressionado de encontro ao dele, as mãos
em seus ombros e pela primeira vez sem saber que atitude tomar.
Inclinou a cabeça para trás, furiosa por seus joelhos estarem bambos de
medo e seu sangue bombeando loucamente devido ao desejo que a dominava.
— Alan, você não pode...
— Não posso? — a mão dele segurou-lhe os cabelos, inclinando-lhe
ainda mais a cabeça para trás. Ele sentia raiva, ressentimento e paixão,
sensações que nunca experimentara ao mesmo tempo. — Posso. Ambos
sabemos que posso. Agora e antes. — e que devo, disse a si mesmo, dominado
pela raiva e pela frustração. — Você me quer. Está estampado em seus olhos.
Shelby sacudiu a cabeça, mas não conseguiu se desvencilhar daquela
mão poderosa. Como podia ter se esquecido da pantera tão rápido?
— Não, não quero.
— Acha que pode tripudiar sobre o que faço e o que sou impunemente,
Shelby? — o braço ao redor da cintura dela a envolveu como uma faixa de
aço, fazendo-a lutar para não ofegar. — Acha que pode me levar tão longe,
sem pagar nenhum preço?
Ela engoliu, mas a garganta continuou seca.
— Está agindo como se eu o tivesse encorajado, quando fiz exatamente
o contrário. — disse ela num tom aborrecido que costumava funcionar. —
Deixe-me, Alan.
— Agora?
Sem mais uma palavra, ele pressionou os lábios contra os dela. Shelby
ofegou, se de protesto ou de antecipação, não estava bem certa. Mas ele parou.
Fora apenas um pequeno contato e ela já estava tremendo.
Tudo que podia ver naqueles olhos escuros era raiva e o próprio
reflexo. Sim, ela havia se esquecido da pantera e daquele temperamento
perverso e impetuoso dos heróis de Brontë, com quem o havia comparado na
primeira vez que o vira.
— Acha que é o que quero para mim? Que posso, racional e
simplesmente, dizer que a quero? Você é qualquer coisa menos o que me
convém. Despreza tudo que é vital à minha vida.
Aquilo doeu. Embora fosse exatamente o que tinha a intenção de lhe
dizer, doeu ouvi-lo proferir aquelas palavras.
— Sou o que sou. — revidou Shelby. — O que quero ser. Por que não
me deixa em paz e vai procurar uma dessas loiras que parecem tão perfeitas,
usando um Oscar de La Renta? Elas são talhadas para acompanhar um senador.
Eu não quero fazer parte disso.
— Talvez não. — a raiva o estava dominando. Alan jamais sentira algo
crescendo tão depressa. — Talvez não. Mas diga-me... — ele a apertou com
mais força. —... Diga-me que não me quer.
Shelby sentiu a respiração acelerada, embora o ar não lhe chegasse aos
pulmões. Não se dera conta de que havia cravado as mãos nos ombros dele e
que colocara a língua para fora, num movimento rápido e nervoso,
umedecendo os lábios. Sempre soubera que havia hora e lugar para mentiras.
— Eu não o quero.
Mas a negativa acabou em um gemido de excitação quando os lábios de
Alan capturaram os seus. Não foi um beijo paciente e sedutor como ele havia
lhe dado antes, mas a sua antítese. Duro, cruel. Os lábios másculos dominavam
os seus como homem algum ousara fazer. Então, ela se viu girando e
procurando no escuro os sinais de advertência que não estavam mais lá.
Shelby podia sentir o gosto da raiva de Alan aliada a uma paixão
desenfreada que crescia rápido demais para ser controlada. Sua volúpia
aliada a um fogo que ardia alto demais para ser debelado. Não havia lugar
para arrependimentos. Estava onde queria estar. Seus dedos cravados nos
ombros dele o puxavam, exigindo mais e cedendo às exigências daquele
homem.
Alan apertou-a com força contra si, esquecendo-se da delicadeza que
sempre fizera parte do seu modo de tratar uma mulher.
A boca feminina estava quente e sôfrega sob a sua, ávida para ser
possuída. Mas daquela vez ele não se contentaria apenas com um beijo. Num
gesto rápido, enfiou-lhe a mão por baixo da blusa.
O tórax era esbelto e macio, embora o coração de Shelby batesse forte
de encontro à sua mão como se tivesse participado de uma maratona. Ela o
puxou para si, murmurando o que poderia ter sido o nome dele. Seu gosto era
tão selvagem e livre quanto seu cheiro, fazendo-o tremer de desejo. Poderia
possuí-la, no chão ou em pé onde estavam, em segundos ou em uma hora. O
simples pensamento despertou-lhe um calor febril. Aquilo não se tratava de
submissão, mas paixão versus paixão. Fogo versus fogo. Jamais a subjugaria,
mas poderia tê-la se quisesse.
Mas se a possuísse naquele momento, mesmo ela estando disposta, se
arriscaria a não sobrar nada quando terminasse. Iria se arriscar a fazer com
que aquela observação descuidada e afiada de Shelby fosse verdadeira.
Com uma imprecação selvagem e atípica, Alan a afastou. Ao fitá-la,
seus olhos pareciam tão frios e duros quanto estavam antes. O som da
respiração ofegante de ambos era o único ruído que se ouvia no recinto. Sem
mais uma palavra, ele se virou e saiu pela porta.
CAPÍTULO V

Shelby esforçou-se para não pensar nas palavras de Alan. Folheando a


revista do jornal de domingo, com os pés para cima e tomando a segunda
xícara de café, tentou realmente desviar os pensamentos para outras direções.
Moshe espreguiçou-se no encosto do sofá, como se estivesse lendo por sobre
o ombro dela, o nariz do bichano se contraía vez ou outra devido ao aroma
delicioso do café. Ela tomou um gole da bebida fumegante e leu um artigo
sobre arte culinária francesa.
Mas não conseguia parar de pensar no que aconteceu.
A culpa fora toda sua. Não podia negar esse fato. Ser rude e sórdida não
era algo que fazia com freqüência, mas parece que havia feito um bom
trabalho. Normalmente, só feria outra pessoa no calor cego da raiva. Mas não
podia negar que vira mágoa bem como raiva nos olhos de Alan. Embora, seu
propósito tivesse sido autopreservação, Shelby estava encontrando
dificuldades para se perdoar.
“Você acha que é o que quero para mim?”
Não. Shelby reclinou-se para trás, segurando a xícara com ambas as
mãos. Não, ela sabia desde o início que não servia para Alan, para a sua
imagem, assim como ele não era o homem adequado para ela. Embora tenha
sentido que havia uma química especial entre os dois, na noite em que se
conheceram no terraço da casa dos Write. Tinham se visto demais em um
espaço muito curto de tempo. Desde então, algo martelava em sua mente. Ele
pode ser o homem da sua vida. Fantasias tolas para uma mulher que jamais
considerara a possibilidade de encontrar o homem da sua vida, mas não
conseguia se livrar delas.
Desejou saber se seria capaz de se livrar de Alan. Por certo havia
merecido a fúria e o brilho frio que os olhos dele exibiam quando a trouxera
de volta para casa. Tivera o poder de aflorar aqueles sentimentos nele. Fora
assustador e de alguma maneira... Sim, de alguma maneira, sedutor. Mas podia
ficar viciada naquilo. Ainda havia mais essa. O vício que provinha da
autopreservação quando sentisse que o poder daquele homem sobre ela era
muito forte. Então, talvez tivesse merecido, embora estivesse sendo
extremamente difícil conviver com a dor e a saudade que ficaram no lugar
dele.
Umedecendo os lábios com a ponta da língua, num movimento circular,
Shelby lembrou-se. Alan MacGregor tinha dois lados. O tranqüilo e razoável e
o duro e implacável. Que só o tomavam mais atraente. Mais perigoso,
acrescentou severamente.
Deixando a xícara de lado, abriu o jornal em uma determinada página e
tentou se concentrar. Afinal de contas, conseguira repeli-lo, da maneira como
pretendia. Não tinha porque ficar sofrendo por isso. Com esse pensamento,
largou o jornal e ergueu-se quase ao mesmo tempo. Não lhe telefonaria para se
desculpar. Isso só complicaria ainda mais as coisas.
Contudo, pensando bem, seria uma desculpa formal e nada mais... Não,
não seria inteligente, censurou-se meneando a cabeça. Seria tolo e sem
sentido, decidiu. Sempre se orgulhara de conhecer a própria mente e sustentar
os seus princípios.
Nesse instante, seu olhar recaiu sobre os balões misturados à desordem
da mesa da cozinha. Haviam perdido a força para flutuar no ar, e, agora,
repousavam confortavelmente, como uma lembrança de uma celebração feliz.
Shelby deixou escapar um suspiro. Deveria tê-los estourado e os jogado fora
no momento em que os recebeu, pensou. Mas agora era tarde demais, concluiu,
correndo um dedo ao longo da esfera amarela de um deles.
E se ligasse para Alan, recusando-se totalmente a se envolver em uma
conversa, apenas pedindo desculpas e nada mais. Três minutinhos. Ela mordeu
o lábio inferior e desejou saber onde estava seu cronômetro. Proferindo
algumas frases educadas, ficaria com a consciência limpa. O que poderia
acontecer em três minutos pelo telefone? Olhou mais uma vez para os balões.
Muita coisa, lembrou-se. Fora um telefonema que dera início àquela confusão
toda no dia anterior.
Enquanto pensava, sem chegar a uma conclusão, alguém bateu à porta.
Ela ergueu o olhar depressa, num misto de surpresa e antecipação. Antes que a
batida soasse pela segunda vez, saltou e abriu a porta.
— Eu estava apenas... Oh, olá, mamãe.
— Perdoe-me por não ser a pessoa que estava esperando. — Deborah
deu um beijo na face da filha e entrou.
— É melhor mesmo não ter sido. — murmurou Shelby, enquanto
fechava a porta. — Vou fazer um pouco mais de café. — disse, com um breve
sorriso nos lábios. — Não é comum você aparecer por aqui em uma manhã de
domingo.
— Pode me servir apenas metade de uma xícara se estiver esperando
alguém.
— Não estou esperando ninguém. — seu tom foi seco e conclusivo.
Deborah estudou a filha por um momento, especulando. Com um meneio
de cabeça, desejou saber o que a aborrecia. Em mais de dez anos, jamais
conseguira ser mais perspicaz que Shelby.
— Se não está fazendo nada esta tarde, talvez queira me acompanhar
àquela nova exibição de arte flamenga na Galeria Nacional.
Nesse instante, Shelby soltou uma imprecação e pressionou o dedo
polegar nos lábios.
— Oh, você se queimou. Deixe-me...
— Não foi nada. — disse, praguejando novamente. — Desculpe. —
disse num tom mais tranqüilo. — Só derramei um pouco de café sobre a mão,
é tudo. Sente-se, mamãe. — num gesto quase violento, ela varreu os balões da
mesa, jogando-os no chão.
— Bem, nada mudou. — observou Deborah com a voz calma. — Você
ainda tem seu modo peculiar de arrumar as coisas. — ela esperou até que
Shelby se sentasse na cadeira à sua frente. — Há algo errado?
— Errado? — perguntou, levando o dedo polegar à boca mais uma vez.
— Não, por quê?
— É muito raro vê-la nervosa. — mexendo o café, Deborah fitou-a
longa e demoradamente. — Leu o jornal esta manhã?
— Claro. — replicou, cruzando as pernas sobre a cadeira. — Não
perderia a edição de domingo do Grant por nada.
— Não, não me refiro a isso.
Pouco interessada, Shelby ergueu as sobrancelhas.
— Dei uma olhada na primeira página e não vi nada que me chamasse
atenção. Perdi algo?
— Aparentemente. — sem mais palavras, Deborah se ergueu e se
dirigiu ao sofá. Vasculhou as partes do jornal espalhadas, até que achou a
seção que desejava. Um meio-sorriso curvava-lhe os lábios, enquanto
caminhava de volta e exibia o jornal à filha.
Shelby olhou para baixo e não disse nada. Havia uma foto nítida e bem
enquadrada dela e do senador MacGregor na ponte sobre o lago dos cisnes.
Podia lembrar com clareza do momento em que se apoiara naquele tórax largo,
descansando a cabeça entre o ombro e o queixo de Alan. A fotografia havia
capturado aquele instante e um olhar de satisfação em sua face que ela não
tinha certeza se algum dia já exibira.
A coluna abaixo era sucinta. Apenas descrevia seu nome, idade, fazia
uma menção ao seu pai e uma tomada rápida de sua loja. Também mencionava
a campanha de Alan pela construção de abrigos para os sem-teto, antes de
começar a especular sobre o relacionamento dos dois. Não havia nada de
ofensivo no pequeno artigo da coluna de fofocas do Washington. Shelby
surpreendeu-se pela punhalada afiada de ressentimento que sentiu enquanto
esquadrinhava a matéria.
Estava certa, disse a si mesma, deslizando o olhar de volta à fotografia.
Aquele oitavo de página provara que ela tinha razão desde o início. A política,
em todos os seus aspectos, sempre estaria presente entre ambos. Tiveram sua
tarde como duas pessoas comuns, mas que não durara. E nunca duraria.
Deliberadamente, Shelby empurrou o jornal para o lado, antes de pegar
a xícara de café.
— Bem, não ficarei surpresa se tiver uma multidão na segunda-feira
pela manhã na loja, graças a isto. Uma mulher dirigiu de Baltimore até aqui no
inverno passado após ter visto uma foto minha com o sobrinho de Myra. — ela
tomou um gole da bebida quente, ciente de que estava perigosamente perto de
parecer desconexa. — Foi bom eu ter tido um acesso de consumo excessivo
semana passada e renovado o estoque de alimentos na dispensa. Quer uma
rosquinha para tomar com o café? Acho que tenho um pacote em algum lugar.
— Shelby. — Deborah segurou ambas as mãos da filha antes que ela
pudesse se erguer. O meio-sorriso em seus lábios fora substituído por um
olhar de preocupação. — Jamais soube que se aborrecia com esse tipo de
publicidade. Isso é uma fobia do Grant, não sua.
— Por que deveria me aborrecer? — revidou ela, lutando para impedir
que seus dedos se cravassem nos punhos. — Se não servir para mais nada,
pelo menos pode incrementar as minhas vendas. Algum turista empreendedor
por certo reconheceu Alan e vendeu essa foto, isso é tudo. É inofensivo.
— Sim. — com um lento aceno de cabeça, Deborah acalmou as mãos
agitadas da filha. — É.
— Não, não é! — replicou Shelby com uma aflição súbita. — Nada
disso é inofensivo. — ela se ergueu da mesa e começou a circular ao redor da
saia, como Deborah a vira fazer incontáveis vezes antes. — Não posso
competir com isso. Não vou competir com isso. — ela chutou um tênis que
estava no meio do caminho. — Por que diabos ele não podia ser um físico
nuclear ou dono de uma pista de boliche? Por que tinha que olhar para mim
como se me conhecesse durante a vida toda e não se importar com todos os
meus defeitos? Não quero sentir essa atração por ele! — numa explosão final
de raiva, ela começou a juntar as partes do jornal espalhadas sobre o sofá e
pelo chão. — Não importa. — Shelby estacou, deslizou uma das mãos pelos
cabelos e tentou controlar a respiração. — Não importa. — repetiu. — Em
todo caso, já tomei rainha decisão, então... — sacudindo a cabeça, ela
caminhou até o fogão para buscar a cafeteira. — Quer que esquente isto para
você?
Muito acostumada com a filha para se sentir atordoada com aquela
explosão, Deborah assentiu.
— Só um pouco. Que decisão você tomou, Shelby?
— Que não vou me envolver com o senador McGregor. — após ligar a
cafeteira novamente, Shelby voltou a se sentar. — Por que não saímos para
almoçar na lanchonete da galeria?
— Certo. — Deborah tomou mais um gole do café que a filha lhe
serviu. — Divertiram-se no jardim zoológico?
Shelby encolheu os ombros e fixou o olhar em um ponto à sua frente.
— Foi um dia agradável. — ela levou a xícara aos lábios e, em seguida,
colocou-a de lado, sem tocar no conteúdo.
Deborah olhou a fotografia do jornal mais uma vez. Quando fora a
última vez que vira a filha com um olhar tão sereno?, perguntou-se. Algum dia
isso teria acontecido? Oh, sim, talvez, meditou com uma dor aguda e quase
esquecida. Quando ela era menina sentada no colo do pai compartilhando
algum pensamento pessoal. Retendo um suspiro, a mãe fingiu interesse no café.
— Suponho que tenha deixado sua posição bem clara com o senador
MacGregor.
— Disse a Alan desde o início que não me envolveria com ele.
— Mas o acompanhou à casa dos Ditmeyers na semana passada.
— Isso foi diferente. — Shelby brincou distraída com as extremidades
da página do jornal. — E ontem foi apenas um lapso.
— Ele não é o seu pai, minha filha.
Os olhos cinza se ergueram, tão atormentados, que Deborah segurou-lhe
as mãos mais uma vez.
— Alan se parece demais com ele. — sussurrou Shelby. — Chega a ser
assustador. A tranqüilidade, a dedicação, aquele brilho afiado no olhar que
deixa claro que irá alcançar o topo, e provavelmente vai, a menos que... — ela
calou-se e fechou os olhos. A menos que algum maníaco com uma causa
obscura e uma arma na mão o impedisse, pensou. — Oh, Deus, acho que estou
me apaixonando por ele e quero fugir!
Deborah apertou-lhe as mãos.
— Para onde?
— Para qualquer lugar. — Shelby respirou fiando e abriu os olhos. —
Não quero me apaixonar por esse homem por uma dúzia de razões. Não somos
nada parecidos, eu e ele.
Pela primeira vez desde que entregara o jornal à filha, Deborah sorriu.
— E deveriam ser?
— Não me confunda quando estou tentando ser lógica. — um pouco
mais calma, Shelby retribuiu o sorriso. — Mamãe, eu o deixaria louco em uma
semana. Jamais poderia pedir a Alan que se adaptasse ao meu modo de vida.
E jamais me adaptaria ao dele. É só conversar com ele durante alguns minutos
para perceber que o senador tem uma mente ordenada, o tipo que se sai muito
bem diante de um tabuleiro de xadrez. Que está acostumado a fazer as
refeições nas horas certas, que sabe precisamente quantas camisas enviou à
lavanderia.
— Querida, tem noção do quanto isso soa ridículo?
— Isoladamente, talvez. — seu olhar vagueou até os baiões jogados no
chão. — Mas não quando acrescido de outras coisas.
— Outras coisas? Refere-se ao fato de ele ser um político. Shelby... —
Deborah esperou até que os olhos da filha encontrassem os dela. — Você não
pode determinar o tipo de homem pelo qual vai se apaixonar.
— Não vou me apaixonar por ele. — a face de Shelby se fechou numa
carranca teimosa. — Gosto da minha vida da maneira que está. Ninguém vai
me fazer mudar antes de eu estar preparada! Agora, venha. — ela se ergueu e
começou a andar novamente. — Vamos dar uma olhada na sua arte flamenga,
depois a levarei para almoçar.
Deborah contemplou a filha andar ao redor do apartamento à procura
dos sapatos. Não queria vê-la sofrer, pensou mais uma vez, mas sabia que
seria inevitável. Shelby teria que lidar com aquilo.

Alan sentou-se atrás da antiga e enorme escrivaninha em seu estúdio,


com a janela aberta atrás de si. Podia sentir o perfume dos lilases em flor no
pequeno jardim que ladeava o caminho do lado de fora. Lembrou-se de que
sentira o mesmo cheiro na noite em que conhecera Shelby. Mas não pensava
nela naquele momento.
Esparramadas sobre a escrivaninha havia respostas e informações sobre
os abrigos voluntários pelos quais estava fazendo campanha. Teria uma
reunião com o prefeito de Washington no dia seguinte e esperava que fosse tão
proveitosa quanto a conversa que tivera com o prefeito de Boston. Durante
semanas seu pessoal havia compilado as informações de que precisava. Tinha
os fatos. E as fotos à sua frente. Alan ergueu a de dois homens que
compartilhavam farrapos de uma manta sob uma marquise perto da 14th Street
e Belmont. Não era apenas triste, era inaceitável. Abrigo era uma necessidade
básica.
Uma coisa era se concentrar nas causas, desemprego, recessão, falhas
na previdência social e, outra, era assistir às pessoas viverem sem as
necessidades mais elementares, enquanto as rodas da reforma social giravam
lentamente. Sua idéia era prover abrigos, comida e roupas aos necessitados,
em troca de trabalho. Nada de graça, nenhuma caridade.
Mas, para tal, precisava de fundos e, tão importante quanto, precisava
de voluntários. Conseguira dar andamento aos trabalhos em Boston, após uma
longa e, às vezes frustrante, batalha, mas era muito cedo para exibir resultados
significativos. Dependia das informações compiladas por seu pessoal e de seu
próprio poder de persuasão. Se pudesse contar com a influência do prefeito,
pensou, então teria chance de disputar os fundos federais que tanto almejava.
Finalmente.
Empilhando os documentos, Alan os guardou em uma pasta. Não havia
mais nada que pudesse fazer até o dia seguinte. E estava esperando uma visita
que deveria estar chegando dentro de dez minutos. Reclinando-se para trás na
confortável e usada cadeira de couro, permitiu-se esvaziar a mente.
Sempre conseguira relaxar naquela sala. A madeira trabalhada dos
painéis era escura e brilhante e o teto alto. No inverno, costumava manter um
fogo baixo na lareira de mármore rosado. Enfileiradas sobre a escrivaninha
havia fotos da família em antigas e estranhas molduras que ele colecionava.
Desde seus antepassados que nunca puseram o pé fora do solo escocês às
fotografias recentes do irmão e da irmã. Em breve acrescentaria uma da
sobrinha ou sobrinho quando a irmã, Rena, tivesse o bebê.
Alan contemplou a foto de uma mulher elegante com cabelos vastos,
olhos risonhos e uma boca teimosa. Estranho, quantas tonalidades de cabelos
existiam, meditou. Os cabelos de Rena não se pareciam em nada com os de
Shelby. Os cabelos de Shelby eram uma cascata indisciplinada de cachos cor
de fogo.
Indisciplinada. A palavra a descrevia e o atraiu a despeito de seu
melhor julgamento. Controlá-la seria um desafio demorado. Possuí-la, uma
surpresa constante. Estranho, que um homem que sempre preferira a ordem e a
lógica soubesse agora que sua vida não estaria completa sem um pouco de
agitação.
Ele olhou ao redor da sala. A parede de livros meticulosamente
arquivados e empilhados, um tapete cinza-pálido que mostrava sinais de uso,
mas sem nenhuma sujeira, o requintado sofá vitoriano num profundo tom
púrpuro. A sala era organizada e limpa como a sua vida. Ele estava pedindo
um vendaval. Não tinha o menor interesse em mudar seu modo de ser, mas
queria apenas experimentar algo diferente.
Quando a campainha tocou, ele conferiu o relógio. Myra sempre
chegava na hora certa.
— Bom dia, McGee. — a mulher entrou com um sorriso para o robusto
mordomo escocês de Alan.
— Bom dia, Sra. Ditmeyer. — McGee tinha 62 anos e era sólido como
uma parede de tijolos. Servira à família de Alan durante trinta anos, antes de
deixar Hyannis Port e vir para Georgetown por sua própria insistência. O
senador Alan precisaria dele, dizia em seu tom áspero. O que, até onde
McGee sabia, era verdade.
— Não creio que tenha feito algum daqueles seus maravilhosos
bolinhos de aveia?
— Com nata azeda. — disse McGee, quase esboçando um sorriso.
— Ah McGee, eu o adoro! Alan... — Myra ofereceu a mão ao vê-lo se
aproximar pelo corredor. — Que delicadeza de sua parte permitir que eu o
aborreça em um domingo.
— Você nunca me aborrece, Myra. — ele beijou a face da mulher, antes
de conduzi-la à sala de estar.
Aquele cômodo era sereno, decorado com tons masculinos, bege e
creme, com um toque ocasional de verde-escuro. Na mobília predominava o
estilo Chippendale. O tapete, um tipo oriental em grande expressão. Era uma
calma, e confortável sala com a surpresa de uma grande tela a óleo que
descrevia uma paisagem tempestuosa sobre uma cadeia de montanhas. Myra
sempre a considerara uma adição interessante e reveladora.
Com um suspiro, ela se sentou em uma cadeira de espaldar alto,
reclinou-se e se livrou dos sapatos... Sapatos de saltos finos no mesmo tom
cor-de-rosa choque da bolsa.
— Que alívio. — murmurou. — Não consigo simplesmente me
convencer a comprar o tamanho certo para mim. É o preço que pagamos pela
vaidade. — seus dedos dos pés ziguezaguearam confortavelmente. — Recebi
um bilhete de Rena. — continuou ela, esfregando um pé sobre o outro para
restabelecer a circulação, enquanto sorria para Alan. — Ela quer saber
quando o Herbert e eu iremos à Atlantic City para perder dinheiro no cassino
dela.
— Perdi um bocado na última vez que estive lá. — Alan reclinou-se no
assento, sabendo que Myra mencionaria o motivo de sua visita no tempo certo.
— Como está Caine? Que menino malcriado ele sempre foi. — ela
continuou antes que Alan pudesse responder. — Quem diria que se
transformaria em um advogado brilhante?
— A vida é cheia de surpresas. — murmurou o senador. Caine sempre
fora o menino malcriado e ele o disciplinado. Por que pensara naquilo agora?,
perguntou-se.
— Oh, isso é verdade. Ah, lá se vai minha dieta... Graças a Deus! —
exclamou ela quando McGee entrou com uma bandeja nas mãos. — Eu mesma
me sirvo, McGee, Deus o abençoe. — Myra ergueu o bule de chá, enquanto
Alan a contemplava com um ar divertido. Fosse o que fosse que tivesse vindo
fazer, a mulher ia desfrutar primeiro os bolinhos de aveia e o chá. — Como
invejo o seu mordomo! — exclamou ela enquanto se servia de uma xícara de
chá. — Sabe que tentei roubá-lo de seus pais vinte anos atrás?
— Não, não sabia. — Alan sorriu. — McGee é discreto demais para
mencionar tal fato.
— E muito leal para sucumbir aos meus subornos inteligentes. Foi na
primeira vez que provei um destes. — Myra beliscou um bolinho e revirou os
olhos. — Naturalmente, pensei que fora a cozinheira que os fizera e considerei
a possibilidade de roubá-la, mas quando descobri que foi McGee... Ah, bem,
meu único consolo é que se tivesse sido bem sucedida, estaria tão gorda
quanto um elefante. O que me faz lembrar... — ela esfregou os dedos em um
guardanapo. —... Que reparei que você se interessa por elefantes.
Alan ergueu uma sobrancelha enquanto tomava um gole de chá. Então,
era isso.
— Sempre estou interessado no partido adversário. — disse ele num
tom suave.
— Não estou falando sobre símbolos políticos. — replicou Myra
travessa. — Divertiu-se no jardim zoológico?
— Você viu o jornal.
— Claro. E devo dizer que vocês dois formam um belo par. — ela
sorveu mais um gole de chá. — Shelby ficou aborrecida com a foto?
— Não sei. — as sobrancelhas de Alan se contraíram. Era um homem
público. Há muito vivia sob os olhares de todos para dispensar mais do que
um único pensamento ao fato. — Deveria ficar?
— Normalmente não... Porém, Shelby é propensa a fazer o inesperado.
Não estou me intrometendo, Alan... Sim, estou. — corrigiu Myra com um
sorriso irresistível. — Mas é apenas porque eu os conheço desde que eram
crianças. Sou apaixonada pelos dois. — cedendo à tentação, ela pegou outro
bolinho de aveia. — Fiquei muito contente ao ver a foto de ambos esta manhã.
Divertindo-se com o apetite saudável da mulher, bem como sua
irreprimível intromissão, Alan retribuiu o sorriso.
— Por quê?
— De fato... — Myra serviu-se com uma colherada generosa de creme.
— Eu não deveria. Estava planejando juntá-los eu mesma. Realmente, fiquei
aborrecida por você administrar esse assunto sem mim, embora aprove o
resultado final.
Conhecendo o modo como a mente da mulher funcionava, Alan
reclinou-se mais uma vez no encosto do sofá, descansando um braço sobre a
parte de trás.
— Uma tarde no jardim zoológico não significa casamento.
— Falando como um verdadeiro político. — com um suspiro de puro
prazer gastronômico, Myra recostou-se no espaldar da cadeira. — Se pelo
menos eu conseguisse arrancar de McGee a receita destes bolinhos...
Alan lançou-lhe um sorriso mais divertido do que para agradá-la.
— Não creio que consiga.
— Ah, bem. Eu estava na loja de Shelby quando entregaram uma cesta
de morangos. — ela acrescentou num tom casual. — Não sabe nada sobre
isso, sabe, querido?
— Morangos? — um sorriso reservado curvou os lábios do senador. —
Sou totalmente apaixonado por eles.
— Sou muito inteligente para ser passada para trás. — disse Myra,
sacudindo um dedo. — E também o conheço muito bem. Um homem como
você não envia cestas de morangos ou passa tardes no jardim zoológico a
menos que esteja apaixonado.
— Não estou apaixonado por Shelby. — Alan a corrigiu suavemente,
sorvendo mais um gole de chá. — Eu a amo.
A réplica de Myra saiu em meio a um resfôlego.
— Bem então. — administrou. — Aconteceu mais rápido do que eu
esperava.
— Foi instantâneo. — murmurou Alan, agora não mais tão à vontade,
depois que fizera a declaração.
— Maravilha! — Myra se curvou para frente a fim de bater de leve no
joelho dele. — Não posso imaginar ninguém que mereça mais o choque do
amor à primeira vista do que você.
Ele teve que rir, embora seu humor não exibisse mais a mesma leveza.
— Shelby não sente o mesmo por mim.
— O que o faz pensar assim? — exigiu saber Myra, com uma carranca.
— Apenas sei. — ainda doía, descobriu Alan enquanto contemplava o
chá. A lembrança das palavras e o tom descuidado dela, ainda o machucavam.
— Não está nem mesmo interessada em me ver.
— Conversa fiada. — Myra cheirou e pôs de lado um bolinho
parcialmente comido. — Eu estava lá quando a cesta de morangos chegou. E
conheço Shelby quase tanto quanto o conheço. — ela pontuou a declaração
com um rápido aperto no joelho dele. — Foi a primeira vez em minha vida
que a vi com aquele brilho nos olhos.
Por um momento, Alan fixou o olhar no vazio, pensativo.
— Ela é uma mulher muito teimosa. Está determinada a evitar qualquer
tipo de envolvimento pessoal comigo por causa da minha profissão.
— Ah, entendo... — Myra assentiu com a cabeça humildemente ao
mesmo tempo em que começou a raspar uma longa unha vermelha na superfície
do braço da cadeira. — Eu deveria ter imaginado.
— Ela não é indiferente. — murmurou Alan, pensando em voz alta
quando se lembrou do modo como os lábios dela acolheram os seus. —
Apenas um pouco obstinada.
— Obstinada, não. — corrigiu Myra. — Amedrontada. Ela era muito
apegada ao pai.
— Eu percebi e sei que deve ter sido duro, muito duro, perdê-lo
daquele modo, mas não posso entender o que isso tem que ver conosco. — a
impaciência e frustração estavam aumentando. Sem conseguir se manter
sentado por mais tempo, Alan se ergueu e começou a caminhar pela sala. —
Se o pai dela tivesse sido um arquiteto, faria sentido ela evitar sair com
arquitetos? — ele deslizou os dedos por entre os cabelos num gesto raro de
exasperação. — Droga, Myra, é completamente ridículo ela me evitar apenas
porque sou um senador como o pai dela.
— Você é um homem lógico. — replicou a mulher num tom paciente. —
Shelby raramente é, a menos que considere que ela usa sua própria lógica. Ela
adorava Robert Campbell. — Myra fez mais uma pausa, sua compaixão por
ambos aumentava. — E só tinha 11 anos quando o pai foi assassinado a menos
de seis metros de seus pés.
Alan estacou e se virou devagar.
— Shelby estava lá?
— Ambos, ela e Grant. — Myra pôs a xícara de lado, desejando que
sua lembrança não fosse tão nítida. — Foi um milagre que Deborah tenha
conseguido impedir que a imprensa explorasse aquele ângulo. Ela usou todos
os contatos que possuía.
Alan sentiu um flash de compreensão, tão forte que o deixou ofuscado.
— Oh, Deus! Não posso nem imaginar como deve ter sido horrível para
ela.
— Shelby ficou sem dizer uma palavra, durante dias. Passei um bom
período de tempo a seu lado, enquanto Deborah tentava lidar com a própria
aflição, os filhos e a imprensa. — ela sacudiu a cabeça, recordando-se das
tentativas desesperadas de Deborah de tirar a filha do estado em que se
encontrava. — Foi uma época terrível, Alan. Assassinatos políticos
acrescentam intento público à nossa aflição pessoal. — Myra exalou um longo
e cansado suspiro. — Shelby não disse uma palavra até um dia depois do
funeral. Apenas chorava, como um animal, um pranto aflito que durou o tempo
em que ela se manteve em silêncio. Então, de repente, ela superou, talvez até
muito bem.
Alan não estava certo de que queria ouvir mais. Imaginar a criança, que
era a mulher que ele amava, machucada, perdida e tateando no escuro era
dolorido demais. A época do ocorrido, ele estava em seu segundo ano na
Harvard, protegido em seu mundo, dentro de alcance fácil da família. E ainda
agora, aos 35 anos, jamais sofrera uma perda devastadora. Alan tentou
imaginar a perda violenta e súbita do robusto e cheio de vida Daniel
MacGregor, seu pai. Era uma dor muito dura de se sentir. Ele olhou a folhagem
verde e as flores frescas através da janela.
— O que ela fez?
— Viveu, usando todas as gotas daquele excesso de energia que sempre
teve. Certa vez, aos 16 anos... — relembrou Myra. — Shelby me disse que a
vida era um jogo chamado "Quem Sabe?" e ela experimentaria tudo antes de
deixar-se envolver por alguma coisa.
— É bem do feitio dela. — murmurou Alan.
— Sim. Mas, em tudo e por tudo, ela é a criatura mais bem-ajustada que
conheço. Satisfeita com os próprios defeitos, talvez até orgulhosa de alguns
deles. Shelby é um redemoinho de emoções. Quanto mais as despende, mais
ela as tem. Talvez nunca deixe realmente de se afligir.
— Ela não pode impor suas emoções; — disse Alan com uma frustração
renovada na fala enquanto as palavras de Myra o consumiam. — Não importa
o quanto a morte do pai a tenha afetado.
— Não, mas Shelby não pensa assim.
— Ela pensa demais — murmurou ele.
— Não, ela sente demais. Shelby não é uma mulher fácil de amar, ou
conviver.
Alan se esforçou para se sentar novamente.
— Deixei de querer uma mulher fácil quando a conheci. — as coisas
agora pareciam mais claras e, por conseguinte, um pouco mais resolvidas.
Problemas específicos e tangíveis eram a sua especialidade. Ele começou a se
recordar das palavras de Shelby na tarde do dia anterior, a indiferença
corrosiva. Lembrou-se, enquanto se esforçava para se manter tranqüilo, o
breve flash de pesar que vira nos olhos dela. — Ela me deu um bilhete azul
ontem. — disse ele num tom suave.
Myra pousou a xícara de chá de maneira brusca.
— Que tolice! A menina precisa... — ela se interrompeu com outro
acesso de ira. — Se está assim tão desanimado, não sei por que estou me
preocupando. Os jovens querem tudo de mão beijada, suponho. Seu pai... —
continuou ela, instigando-o —... Encontraria um modo de superar qualquer
coisa. E sua mãe, com quem sempre o achei parecido, nunca entregou os
pontos diante de um problema. Que belo presidente você dará! — concluiu
amuada. — Vou reconsiderar meu voto para você.
— Não sou candidato à presidência. — replicou Alan tão sóbrio quanto
seu sorriso permitia.
— Ainda.
— Ainda. — concordou ele. — E vou me casar com Shelby.
— Oh! — Myra reclinou-se para trás novamente. — Talvez eu vote em
você, afinal de contas. Quando?
Encarando o teto, Alan considerou, calculando, invertendo os ângulos.
— Sempre gostei de Hyannis Port no outono. — meditou. Desviando o
olhar, Alan fitou Myra com seu sorriso lento e sério. — Acho que Shelby iria
gostar de se casar em um elegante castelo, o que você acha?
CAPITULO VI

A semana tinha apenas sete dias. Shelby passou quase seis deles
fingindo que não estava enlouquecendo. No meio da tarde de sexta-feira, já
não conseguia arrumar desculpas para o seu péssimo humor e distração.
Não estava dormindo direito. É por isso que estava tão desatenta. Não
conseguia dormir direito porque estava muito ocupada, com a loja e com uma
série de compromissos sociais. Não recusara um convite para sair durante
toda a semana. Por estar desatenta ou exaurida ou fosse o que fosse, esquecia-
se das coisas, como por exemplo, comer. E por desequilibrar seu
metabolismo, estava de mau humor. E por estar de mau-humor, não tinha
apetite.
Há dias Shelby vinha administrando todo aquele círculo vicioso de
justificativas, sem pôr a culpa em Alan uma vez sequer. Várias vezes disse a si
mesma que não pensara nele, nem uma vez. Como não era verdade, começou a
tentar se convencer de que não tinha que pensar nele. Uma vez satisfeita por
não lhe dispensar um simples pensamento, atirou um vaso de plantas azul-
escuro contra a parede da oficina de trabalho.
Aquilo foi tão fora de propósito, que Shelby foi forçada a recorrer
novamente a toda sua rota circular de desculpas.
Trabalhava quando podia. Tarde da noite quando não agüentava ficar
desperta, rolando de um lado para o outro na cama e de manhã cedo pela
mesma razão. Quando saía, mostrava-se tão efusivamente animada e alegre,
que alguns de seus amigos mais íntimos começaram a encará-la com um pouco
de preocupação. Preencher o tempo passou a ser uma tarefa de suma
importância e então, esquecia que havia combinado de sair com um grupo de
amigos para jantar e se enterrava no trabalho.
Podia ser o tempo ruim, meditou, sentando-se atrás do balcão com o
queixo apoiado nas mãos. O rádio lhe proporcionava um barulho bem-vindo
de melodias e anúncios regulares de que a chuva terminaria no domingo. Para
Shelby, o domingo estava a anos-luz de distância.
Muitas pessoas ficavam deprimidas nos dias de chuva e só porque isso
nunca lhe acontecera, não significava que não podia estar acontecendo dessa
vez. Dois dias inteiros de chuva pesada e contínua podiam deixar qualquer um
amuado. Pensativa, Shelby fitou a paisagem úmida e cinzenta através da
vitrine da loja.
Chuva não era bom para os negócios, decidiu. Tivera um movimento
reduzido de clientes naquele dia e no dia anterior. Normalmente, teria fechado
a loja com uma filosófica encolha de ombros e arrumaria outra coisa para
fazer. Mas resolveu permanecer ali com uma carranca tão sombria quanto a
chuva.
Talvez pudesse passar o fim de semana fora, conjeturou. Pegar um
avião, ir até o Maine e fazer uma surpresa a Grant. Oh, ele ficaria furioso,
imaginou Shelby, com o primeiro sorriso que esboçava em dias. Ele a
mandaria para o inferno por chegar de repente e sem avisar. Então, passariam
um bom tempo perturbando um ao outro. Ninguém brigava de jeito tão
divertido quanto Grant.
Mas o irmão era um homem perceptivo, lembrou-se com um suspiro. Na
hora perceberia que algo estava errado e, embora, ficasse furioso por ter sua
privacidade invadida, ainda a pressionaria até que ela lhe contasse tudo.
Podia ter contado à mãe, pelo menos parte dos fatos, mas não a Grant. Talvez
porque ele a conhecesse muito bem.
Então... Shelby exalou outro longo suspiro e considerou suas opções.
Ficar em Georgetown sentindo-se deprimida durante todo o fim de semana ou
partir. Seria divertido colocar algumas coisas na mala do carro e dirigir até
deixar a chuva para trás. Podia ir para Skyline Drive na Virginia ou para a
praia em Nags Head. Uma mudança de cenário, decidiu abruptamente.
Qualquer cenário, afinal.
Num impulso, Shelby ergueu-se e se preparava para inverter a placa
informativa, quando a porta se abriu, permitindo que o ar úmido e frio da
chuva lá fora entrasse. Uma mulher, trajando uma capa amarela e botas,
adentrou a loja, deixando a porta bater com um grande estrondo.
— Tempo miserável. — disse num tom agradável.
— Horrível. — replicou Shelby, tentando conter a impaciência. E
pensar que dez minutos antes considerara a possibilidade de fazer
malabarismos em uma perna só para atrair os clientes. — Está interessada em
algo em particular?
— Estou apenas dando uma olhadinha.
Oh, é claro, pensou Shelby, curvando os lábios num sorriso gentil.
Poderei partir em busca do sol quando ela terminar de olhar. Então,
considerou a hipótese de informá-la de que dispunha apenas de dez minutos
para fuçar os objetos.
— Fique à vontade — disse, em vez disso.
— Fiquei sabendo sobre a sua loja por uma vizinha.
A mulher parou para estudar um pote bojudo adequado para um
pátio ou um terraço.
— Ela comprou um jogo de café aqui de que eu gostei muito.
Num tom muito claro de azul com amores-perfeitos desenhados na superfície.
— Oh, sim, eu me lembro. — Shelby conseguiu manter o sorriso nos
lábios enquanto observava a cliente. — Infelizmente, não costumo fazer peças
repetidas, mas se está interessada em jogos de café, tenho alguns com design
semelhante. — esquadrinhando a loja, ela tentou se lembrar de onde os pusera.
— De fato, não foi especificamente o jogo de café ou o artesanato que
me chamou atenção. Ela me disse que é você quem manufatura todo o seu
estoque.
— Sim, é verdade, — Shelby se esforçou para não perder a paciência e
se concentrar na mulher. Era atraente, na casa dos trinta e agradável. Os
cabelos escuros e brilhantes exibiam uma camada sutil e sofisticada de loiro
trigo. Ela desejou que a mulher voltasse para onde quer que fosse o lugar de
onde viera e de imediato ficou furiosa consigo mesma. — — Tenho uma
oficina nos fundos da loja. — continuou, fazendo mais uma tentativa. — Faço
todo o trabalho, inclusive a queima e a esmaltação.
A cliente se agachou ao lado de um vaso, estudando-o meticulosamente.
— Usa moldes?
— De vez em quando, para algo como... Aquele touro lá, ou o gnomo,
mas prefiro a roda.
— Sabe que possui um talento excepcional e uma boa provisão de
energia. — erguendo-se, a mulher correu a ponta do dedo sobre o bico de uma
chaleira. — Posso imaginar quanto tempo e paciência leva para produzir isto
tudo, além, é claro, da habilidade.
— Obrigada, Acho que quando gostamos de fazer algo, não pensamos
no tempo que nos consome.
— Hummm, eu sei. Sou decoradora. — Caminhando alguns passos, a
cliente entregou-lhe um cartão de visita. Maureen Francis, Decoração de
Interiores. — No momento, estou decorando meu próprio apartamento e
gostaria de comprar aquela panela, aquela chaleira e aquele vaso. — a mulher
apontou para cada uma das peças escolhidas, antes de se voltar mais uma vez
para Shelby. — Posso lhe deixar um sinal e pedir que as guarde para mim até
segunda-feira? Não gostaria de carregá-las com toda essa chuva.
— Claro! Vou embalá-las e as guardarei até que possa vir buscá-las.
— Ótimo! — Maureen arrancou um talão de cheques da bolsa de couro
que carregava. — Sabe, tenho um pressentimento de que vamos fazer muitos
negócios. Cheguei de Washington há mais ou menos um mês, mas já tenho dois
trabalhos interessantes surgindo. — ela ergueu o olhar com outro sorriso, antes
de continuar a escrever o cheque. — Gosto de usar peças artesanais no meu
trabalho. Não há nada pior do que uma sala em que, ao se entrar, se percebe na
hora que teve a mão de um decorador profissional.
A declaração feita por alguém que ganhava dinheiro com aquilo deixou
Shelby intrigada. Ela esqueceu sua inclinação de apressar Maureen a deixar a
loja.
— De onde você é?
— De Chicago. Trabalhei para uma grande empresa lá... Durante dez
anos. — ela destacou o cheque e o deu a Shelby. — Então senti necessidade
de galgar meu próprio caminho.
Acenando com a cabeça, Shelby terminou de escrever o recibo.
— Você é talentosa?
Maureen piscou ante a pergunta direta e sorriu.
— Demais.
Shelby estudou a face da mulher por um momento, olhos sinceros, um
toque de humor. Então, como sempre, num impulso, rabiscou um nome na parte
de trás do recibo.
— Myra Ditmeyer. — disse ela. — Se tiver alguém interessado em
redecorar a casa, ela saberá. Diga-lhe que fui que a indiquei.
Um pouco atordoada, Maureen encarou o recibo. Ficara em Washington
tempo suficiente para conhecer Myra Ditmeyer.
— Obrigada.
— Myra vai preferir ouvir sua história de vida em vez de ganhar uma
porcentagem, mas... — Shelby estacou quando a porta da loja se abriu
novamente. Por um instante, teve a sensação, pela primeira vez na vida, da
angústia da mente em branco.
Alan fechou a porta e calmamente retirou o casaco molhado, antes de se
dirigir a ela. Cumprimentando Maureen com um aceno amigável, inclinou-se
sobre o balcão, ergueu o queixo de Shelby e a beijou.
— Trouxe um presente para você.
— Não! — a súbita nota de pânico que lhe permeou a voz a enfureceu.
Depois de empurrar a mão dele, ela se afastou. — Vá embora.
Alan apoiou-se sobre o balcão e se virou para Maureen.
— É assim que age quando alguém lhe traz um presente?
— Bem, eu... — a mulher olhou para Shelby e depois para Alan, antes
de encolher os ombros num gesto reservado.
— Claro que não. — continuou ele, como se Maureen tivesse
concordado. Em seguida, retirando uma caixa do bolso do casaco, depositou-a
sobre o balcão.
— Não vou abri-la. — disse Shelby olhando para a caixa a fim de
evitar fitá-lo. Tão cedo não se arriscaria a ficar com a mente vazia novamente.
— E devo informar-lhe que estou fechando a loja.
— Não durante os próximos quinze minutos. Shelby é sempre muito
rude. — disse Alan a Maureen. — Gostaria de ver o que eu trouxe para ela?
Indecisa entre o desejo de sumir dali e a curiosidade aguçada, Maureen
hesitou por um longo momento. Alan desembrulhou a caixa e retirou uma
pequena peça de vidro colorido no formato de um arco-íris. A mão de Shelby
já se encontrava a meio caminho do objeto, quando ela conteve a vontade de
tocá-lo.
— Droga! — como aquele homem podia ter imaginado o quanto ela
estava precisando ver um arco-íris?
— Essa e a sua resposta tradicional. — disse ele a Maureen. —
Significa que gostou.
— Já lhe disse para parar de me enviar essas coisas.
— Não enviei. — afirmou Alan, colocando o arco-íris na mão dela. —
Eu o trouxe.
— Não quero os seus presentes. — replicou Shelby num tom
exasperado ao mesmo tempo em que seus dedos se encrespavam ao redor da
pequena peça. — Se não fosse um insensível e estúpido MacGregor, me
deixaria em paz.
— Felizmente para ambos, temos algumas características semelhantes.
— as mãos fortes de Alan seguraram as dela, antes que ela pudesse escapar.
— Seu pulso está acelerado novamente, Shelby.
Maureen clareou a garganta.
— Bem, acho que já vou indo. — a mulher colocou o recibo na bolsa,
enquanto Shelby encarava Alan, completamente sem ação. — Voltarei na
segunda-feira. — acrescentou, embora nenhum dos dois estivesse prestando
atenção às suas palavras. — Se alguém me desse um arco-íris desses em um
dia como hoje... — comentou ao se dirigir à porta —... Eu não resistiria.
Não resistiria, repetiu Shelby em pensamento. Mas mal a porta se
fechou, ela disparou:
— Pare com isso! — Livrando-se das mãos dele, ela desligou o rádio.
A loja mergulhou num silêncio acentuado pelo ritmo constante da chuva. Ela
percebeu que cometera o primeiro erro. Agora ficara muito mais evidente que
sua respiração não estava firme como deveria. — Alan, estou fechando a loja.
— Excelente idéia. — ele se dirigiu à porta, inverteu a pequena placa
informativa e fechou o trinco.
— Ei, espere um minuto! — gritou Shelby furiosa. — Você não pode...
— então, calou-se ao vê-lo caminhar em sua direção. O brilho calmo e
determinado naqueles olhos escuros a fez recuar um passo e engolir em seco.
— Esta loja é minha e você... — suas costas bateram de encontro à parede ao
mesmo tempo em que o senador contornava o balcão.
— E nós... — disse Alan parando em frente a ela. —... Vamos sair para
jantar
— Não vou a lugar nenhum...
— Você vai. — corrigiu ele.
Shelby o encarou confusa e com o coração aos pulos. A voz dele não
soara ameaçadora ou impaciente. Tampouco havia raiva em seus olhos.
Preferia ter visto raiva àquele indiscutível ar de segurança, pensou. Ira versus
ira era mais fácil de se combater. Se ele se mantivesse tranqüilo, ela também
agiria da mesma forma.
— Alan, você não pode me dizer o que devo ou não fazer. Afinal de
contas...
— Vou lhe dizer uma coisa. — rebateu ele com extrema facilidade. —
Cheguei à conclusão que já teve perguntas demais em sua vida e não deu
respostas suficientes.
— Suas conclusões não me interessam. — replicou Shelby. — Quem
pensa que é para tirar conclusões a meu respeito? — em resposta, ele a puxou
para si. — Eu não vou. — afirmou ela, experimentando o que percebeu ser
desespero. — Tenho planos para o fim de semana. Estou... Estou indo para a
costa.
— Onde está o seu casaco?
— Eu já disse...
Pegando a jaqueta pendurada em um gancho atrás do balcão, Alan a
entregou a ela.
— Vai precisar da sua bolsa?
— Dá para colocar na cabeça que não vou sair com você?
Ele a ignorou. Arrancando a bolsa tiracolo de trás do balcão e as
chaves que se encontravam ao lado, agarrou-a pelo braço e a puxou pela saída
dos fundos.
— Droga, já disse que não vou! — De repente, Shelby se viu no meio
da rua, sob a chuva que caía pesada, enquanto o senador fechava a porta da
loja. — Não quero ir a lugar nenhum com você.
- Que pena! — Alan colocou o chaveiro dela no bolso do próprio
casaco, enquanto ela aguardava obstinada sob o aguaceiro.
Shelby afastou os cachos de cabelos gotejantes da frente dos olhos e
fincou os pés no chão.
— Não pode me obrigar.
O senador ergueu uma sobrancelha e a estudou pensativo durante um
longo momento. A face feminina estava lívida, encharcada e bonita à sua
maneira. E, ele percebeu, com satisfação, apenas um pequeno traço de
insegurança se fazia presente. Já era tempo.
— Vamos ter que começar a contar quantas vezes já me disse "não
posso"... — comentou, agarrando-a pelo braço e a arrastando até o carro.
— Se pensa... — Shelby calou-se ao ser jogada no interior do veículo,
sem muita delicadeza. — Se pensa... — começou mais uma vez. —... Que
estou impressionada com o seu comportamento troglodita, não pode estar mais
equivocado. — ela não costumava agir com arrogância, mas quando
concentrava a mente para tal, ninguém a superava. Mesmo molhada da cabeça
aos pés. — Devolva minhas chaves.
Com uma expressão altiva ela estendeu a mão com a palma virada para
cima.
Num gesto galante, Alan a levou aos lábios, pressionou um beijo
prolongado no centro e deu partida no carro.
Shelby fechou a mão como se quisesse manter o calor que começou a se
espalhar para todas as partes do seu corpo.
— Alan, não sei o que está acontecendo com você, mas isso tem que
parar. Agora, quero minhas chaves para poder voltar.
— Depois do jantar. — replicou ele num tom agradável ao mesmo
tempo em que o carro deixava a ruela. — Como foi a sua semana?
Shelby se reclinou para trás no assento e cruzou os braços. Nesse
instante, percebeu que ainda segurava o arco-íris na mão. Colocou-o no bolso
da jaqueta que estava ao seu lado e reclinou-se para trás novamente.
— Não vou jantar com você.
— Achei que um lugar tranqüilo seria melhor. — ele contornou à
direita, mantendo o ritmo do tráfico pesado e lento. — Está aparentando
cansada, amor. Não tem dormido direito?
— Tenho dormido muito bem. — mentiu. — É que eu saí ontem à noite.
— deliberadamente, ela se virou a fim de fitá-lo. — Tive um encontro.
Alan controlou a rápida onda de ciúme. A habilidade de Shelby de
apertar os botões certos para irritá-lo não era mais nenhuma surpresa. Por um
breve instante, ele encarou os provocantes olhos cinzentos.
— Divertiu-se?
— Bastante. David é músico e muito sensível. Muito apaixonado; —
acrescentou com prazer. — Sou louca por ele. — David ficaria surpreso, se a
escutasse, já que era noivo de uma de suas melhores amigas. Mas duvidava
que o assunto surgisse futuramente. — Por falar nisso... — continuou Shelby
com uma súbita inspiração. —... Ele virá me pegar às sete. Logo, apreciaria se
retomasse e me levasse de volta para casa.
Em vez de se mostrar cordato como ela esperava ou enfurecido, como
ela imaginava, Alan apenas conferiu o relógio.
— Que pena! Duvido que possamos chegar a tempo. — Shelby
permaneceu no mais profundo silêncio até ele estacionar o carro sobre o meio-
fio. — É melhor vestir a jaqueta. Temos que caminhar um quarteirão inteiro.
— quando a viu calada e imóvel, Alan se inclinou para abrir a porta do
passageiro. Com a proximidade, sua boca roçou a orelha dela. — A menos que
prefira ficar namorando aqui no carro. — murmurou.
Shelby virou a cabeça, pronta para lhe dar uma réplica furiosa e, de
repente, se viu com os lábios de encontro aos dele, inflamados, devastados.
Num movimento rápido, saiu do carro, atirando a jaqueta com força sobre os
ombros.
O cenário mudara, disse a si mesma, tentando controlar a respiração. E
quando conseguisse suas chaves de volta, ia fazê-lo pagar por todos aqueles
minutos de tortura.
Alan se uniu a ela na calçada, segurou-lhe uma das mãos e limitou-se a
encará-la. Podia sentir a resistência inicial de Shelby diluir-se à medida que o
tempo passava.
— Você estava com um gostinho de chuva. — murmurou, antes de ceder
à tentação de por um fim à promessa daquele sumário encontro de lábios e
corpos roçando. Aquela semana longe dela o deixara maluco.
A chuva os atingia com pingos vigorosos e Shelby lembrou-se de uma
cachoeira. A jaqueta deslizou por seus ombros e ela imaginou um arco-íris.
Todas as carências, todos os anseios, se sucediam rapidamente em seu
cérebro: doces pontadas de desejo, sonhos semiformados. Como podia ter
vivido toda sua vida sem ele, quando já não podia suportar uma semana sem
ser tocada daquela maneira?
Relutante, Alan a afastou. Um minuto mais e esqueceria que estavam em
uma rua pública. A face de Shelby estava pálida como marfim, com adoráveis
gotículas de chuva que lhe escorriam pela testa, umedecendo os cílios que
contornavam aqueles maravilhosos olhos cinzentos. Deveriam estar sozinhos
em alguma floresta em uma noite escura e chuvosa, pensou ele. Então, não
haveria desculpas. Ele acomodou a jaqueta sobre os ombros dela.
— Gosto dos seus cabelos molhados. — num gesto possessivo e lento,
Alan correu os dedos sobre os fios sedosos. Sem mais palavras, envolveu-a
pela cintura e a conduziu rua abaixo.
Shelby conhecia o restaurante. Todos os recantos escuros e a música
esfumaçada. Por volta das dez horas da noite, costumava ficar repleto de
pessoas e o barulho no interior era intenso. Um homem como Alan evitaria um
ambiente daqueles, enquanto ela adoraria. Mas no momento a atmosfera no
salão era tranqüila, piso de madeira pálida, velas chamejando e conversas à
meia-voz.
— Boa noite, senador. — o maitre aproximou-se de Alan, antes de
dirigir o olhar a Shelby. — É um prazer revê-la, Srta. Campbell.
— Boa noite, Mario. — Shelby retribuiu o cumprimento, procurando
manter sua altivez.
— Sua mesa o aguarda. — o homem os guiou até uma mesa de canto na
parte dos fundos, onde uma vela queimava em um candelabro. Mário era latino
o bastante para pressentir romance no ar e apreciá-lo. — Uma garrafa de
vinho? — perguntou, puxando a cadeira para Shelby.
— Bichot Pouilly-Fuisse. — respondeu Alan sem a consultar.
— 1979. — disse o maitre com um aceno de aprovação. — Em breve
será servido, senhor
Shelby afastou os cabelos úmidos dos olhos.
— Talvez eu prefira uma cerveja.
— Da próxima vez — concordou Alan num tom amável. — Não haverá
uma próxima vez. Estou lhe avisando. — disse categórica, enquanto ele
deslizava a ponta dos dedos ao longo das costas dela. —- Não estaria aqui se
você não tivesse me arrancado à força de minha casa. E não me toque desse
modo. — acrescentou em uma meia-voz furiosa.
— Como gostaria que eu a tocasse? Você tem mãos muito sensíveis. —
murmurou ele antes que Shelby pudesse responder Então, roçou seu polegar
sobre as juntas dos dedos dela e sentiu-a estremecer Naquela noite, prometeu
a si mesmo, voltaria a sentir aquele tremor em cada célula pulsante. —
Quantas vezes pensou em mim esta semana?
— Nenhuma. — revidou Shelby, sentido uma pontada de culpa pela
nova mentira. — Está bem. E se tivesse pensado? — ela tentou livrar a mão,
mas Alan entrelaçou os dedos nos dela, impedindo-a. Era um gesto simples,
convencional, que um homem civilizado poderia fazer em público, sem atrair a
atenção dos demais. Embora, reconhecesse e tentasse ignorar, Shelby sentiu
uma onda de prazer arrepiar-lhe os dedos. — Eu me sentia mal por ter sido tão
sórdida. Mas depois do seu comportamento esta noite, acho que deveria ter
sido ainda mais sórdida. E posso ser. — acrescentou ela num tom de ameaça.
Alan apenas sorriu quando Mario trouxe o vinho para mesa. Sem
desviar o olhar de Shelby, provou a bebida e assentiu com a cabeça.
— Excelente. É o tipo de sabor que fica na boca por horas. Mais tarde,
quando eu a beijar, o gosto ainda continuará lá.
O sangue começou a zumbir nas orelhas dela.
— Só estou aqui porque você me arrastou.
A seu favor, Mario não derramou uma gota de vinho enquanto o vertia e
escutava a conversa de ambos.
Os olhos dela flamejaram enquanto Alan continuava sorrindo.
— E se você se recusar a me dar minhas chaves, simplesmente
caminharei até a cabine telefônica mais próxima e chamarei um serralheiro.
Você pagará a conta.
— Após o jantar. — sugeriu Alan. — Como gosta do vinho?
Fazendo uma carranca, Shelby ergueu o copo e bebeu metade do
conteúdo.
— Está bom. — seus olhos insolentes nivelados com os dele. — Isto
não é um encontro, você sabe.
— Está parecendo mais uma batalha, não é? Mais vinho?
A paciência estava de volta. Ela teve vontade de bater com os punhos
na mesa. Aquilo provocaria uma cena e tanto para os demais clientes, pensou
tentada. E seria bem-feito para ele. Então, lembrou-se do pequeno artigo do
jornal e rangeu os dentes em vez disso. Shelby encolheu os ombros enquanto
ele completava o copo dela.
— Vinho e luz de velas não surtirão o efeito que está pensando.
— Não? — Alan decidiu não comentar que ela agora estava apertando a
sua mão tanto quanto ele apertava dela. — Bem, achei que estava na hora de
algo mais tradicional.
— É mesmo? — o comentário a fez sorrir — Então, deveria ter me
trazido uma caixa de chocolates ou um buquê de rosas. Isso é tradicional.
— Eu sabia que você preferiria ganhar um arco-íris.
— Você sabe coisas demais a meu respeito. — ela ergueu o cardápio
que o garçom deixara ao lado do seu cotovelo e enterrou o rosto atrás dele. Já
que o senador a arrastara até ali, ela podia muito bem comer Aliás, se fartar,
corrigiu-se. Seu apetite havia retomado com força total. Bem como a sua
energia, admitiu relutante. No instante em que o viu novamente, a apatia
desaparecera.
— Pronta para fazer o pedido, Srta. Campbell?
Shelby olhou para o garçom e esboçou um sorriso.
— Sim. Vou querer uma salada de frutos do mar com abacate, o
consomê, lombo de cordeiro ao molho bérnaise, uma batata assada e corações
de alcachofra. Depois quero dar uma olhada no carrinho das sobremesas.
O garçom anotou tudo, sem demonstrar espanto com o tamanho do
pedido.
— Senador?
— A salada da casa. — disse ele, sorrindo ante a expressão neutra de
Shelby. — E lagosta ao molho de alho. Vejo que o passeio na chuva lhe abriu
o apetite.
— Já que estou aqui, posso muito bem degustar algumas iguarias. Bem...
— em uma de suas súbitas mudanças de humor, ela descansou os braços sobre
a mesa, curvando-se sobre eles. — Temos que passar o tempo, não é? Então,
sobre o que falaremos, senador? Como vão indo as coisas na Capital?
— Atarefadas.
— Ah, a clássica resposta evasiva. Tem feito serão para bloquear as
conta do Breiderman... O que é muito bem-feito, sou forçada a dizer Também
tem o seu projeto atual... Fez algum progresso para conseguir os fundos
federais de que precisa?
— Demos alguns passos nesse sentido. — os olhos escuros ficaram
pensativos por um momento. Para uma mulher com tamanha aversão à política,
ela estava bem informada. — O prefeito ficou entusiasmado em montar o
mesmo tipo de abrigos que começamos em Boston. Por ora, teremos que
contar mais com as contribuições e, principalmente, com voluntários. Ainda
falta muito, antes de podermos contar com o apoio para montá-los em todo
pais.
— Tem uma longa batalha em suas mãos, com o quadro financeiro atual
e os cortes de orçamento.
— Eu sei. Mas ganharei. — um breve sorriso curvou os lábios do
senador — Posso ser paciente até certo ponto, depois posso ser mesmo
muito... Insistente.
Não confiando totalmente no brilho daqueles olhos, Shelby permaneceu
calada enquanto suas saladas eram servidas.
— Você pisou em alguns calos no caso do Breiderman. Eles revidarão.
— Esse é o nome do jogo. Nada vale à pena sem complicações. Tenho
uma propensão a resolvê-las, à medida que aparecem.
Não se preocupando em fingir que não entendera aquelas palavras,
Shelby levou uma garfada de salada à boca e mastigou pensativa.
— Não pode planejar um romance como se fosse uma campanha,
senador. Particularmente, com alguém que conhece boa parte das regras.
— É um conceito interessante. — havia uma ponta de humor nos seus
olhos e ao redor das extremidades do seu lento e sério sorriso. Shelby achou
que seus dedos estavam começando a formigar de desejo de tocar aquela face
máscula. — Tem que admitir que minhas declarações foram claras. Não fiz
nenhuma promessa que não possa cumprir
— Não sou um de seus eleitores.
— Isso não muda a minha plataforma.
Shelby meneou a cabeça, meio exasperada, meio divertida.
— Não vou discutir com você em seu próprio terreno. — brincando
com os restos da salada, ela o encarou. — Creio que tenha visto a foto no
jornal.
— Sim. — aquilo a aborrecera, percebeu Alan. Embora, ela tivesse
falado num tom casual e com o esboço de um sorriso nos lábios. — Gostei de
relembrar aquele momento particular. Sinto muito se isso a incomodou.
— Não, não me incomodou. — redargüiu apressada. Com um som
lânguido de aborrecimento, ela sacudiu a cabeça. — Não mesmo. — nesse
instante, o garçom removeu a salada e a substituiu pelo consome. Shelby
começou a mexer o conteúdo, distraída. — Só me fez lembrar o quanto você
está sempre em evidência. Isso não o aborrece?
— De vez em quando. Publicidade é uma parte complicada da minha
profissão. Pode ser um meio para se chegar a um fim, ou uma amolação
básica. — ele queria vê-la sorrir — É claro que estou interessado em saber
qual foi a reação do meu pai ao me ver no jardim zoológico com uma
Campbell.
Quando Shelby sorriu, a leve tensão em seus ombros relaxou.
— Teme pela sua herança, Alan?
— Pela minha pele. Mais precisamente, pela minha audição. Pretendo
ligar-lhe qualquer dia desses e ouvir tudo que ele tem a dizer
Ela sorriu enquanto alcançava o copo de vinho.
— Você o deixa pensar que o intimida?
— De vez em quando. Isso o deixa feliz.
Shelby pegou um pãozinho, partiu-o em dois e ofereceu metade a Alan.
— Se fosse inteligente, se manteria afastado de mim. De fato, não
deveria se arriscar a ter um tímpano perfurado. Isso toma mais difícil ouvir o
que a oposição está conspirando na sala ao lado.
— Posso dobrar meu pai quando chegar a hora.
Lambiscando o pão, ela o encarou.
— Isso significa depois que me dobrar?
Alan ergueu o copo num pequeno brinde.
— Exatamente.
Shelby sorriu mais uma vez, mais confiante depois da comida e do
vinho.
— Você não vai me dobrar.
— Bem, temos que pagar para ver, não é? — disse ele sem hesitar. —
Aqui está o seu cordeiro.
CAPÍTULO VII

Shelby desejava não ter se divertido tanto, ou mesmo que Alan não
fosse capaz de fazê-la rir com tanta facilidade. Até mesmo que não a tivesse
induzido, com seu charme irresistível, a se aventurar pela Street, sob uma
cortina de chuva para apreciar vitrines... E tomar a última taça de vinho
naquele café superlotado.
Mas o fato era que não lamentava nada do que acontecera. Pela
primeira vez em uma semana fora capaz de rir, relaxar e se divertir, sem para
isso fazer o menor esforço. Por certo, haveria conseqüências, mas pensaria
sobre elas no dia seguinte.
Mais de uma vez alguém se aproximou da mesa que ocupavam no café,
cumprimentando Shelby e lançando um olhar especulativo a seu acompanhante.
Aquilo só servia para lhe lembrar de que bares enfumaçados eram seu o
ambiente, assim como espetáculos de balé os dele.
— Olá, querida.
Shelby olhou para trás quando duas mãos masculinas pousaram em seus
ombros.
— Olá, David! Oi, Wendy!
— Ficou de nos telefonar esta noite. — lembrou David. O pianista
mudou o ritmo para algo mais animado e pulsante, chamando a atenção do
rapaz. — Fomos ao show no Ford's sem você.
Wendy, que se encontrava logo atrás com seus cabelos revoltos que
chegavam abaixo da cintura, sorriu com suavidade.
— Não perdeu nada.
- Tive... — Shelby fitou Alan de soslaio. — Um contratempo. — e pôs-
se a fazer as apresentações. — Alan, David, Wendy.
— Prazer em conhecê-lo. — Alan sorriu para o homem de barba
comprida. — Quer juntar-se a nós?
— Obrigado, mas estamos de saída. — desculpou-se David,
descabelando Shelby com a mão antes de tomar-lhe a taça de vinho das mãos e
beber todo o conteúdo de um só gole. — Amanhã tenho de tocar em um
casamento.
— Ele ainda está avaliando a possibilidade de tocar no nosso
casamento mês que vem. — informou Wendy, antes de voltar o olhar à amiga.
— Vou ligar para você mais tarde para conversarmos sobre aquele buffet
grego do qual me falou. — antes de se retirar dirigiu a Alan um sorriso
amistoso. — Shelby costuma dizer que não há nada como ouzo para animar
uma festa. — dizendo isso, deu o braço a David e se retirou.
Alan deteve-se a observá-los abrir caminho entre as mesas em direção
à saída.
— Seu amigo trabalha rápido.
— David? — ela lhe lançou um olhar inquisitivo. — É um homem
bastante lento, desde que não esteja com uma guitarra nas mãos.
— É mesmo? — os olhos negros a fitaram por sobre a borda da taça,
enquanto sorvia o vinho e Shelby não compreendeu o divertimento que via
refletido neles.
— Deu-lhe um bolo esta noite ele já está planejando casar com outra.
— Dei um bolo... — Shelby ameaçou soltar uma risada, mas logo
depois estacou dividida entre aborrecida e envergonhada. — Os homens são
criaturas volúveis. — afirmou, passando o dedo pela borda do copo.
— É o que parece. — concordou Alan, esticando a mão para lhe tocar o
queixo. — Está reagindo muito bem.
— Não gosto de demonstrar tão abertamente meus sentimentos. — e
abafando uma risada. — Droga, ele tinha de escolher justo esta noite para
aparecer aqui.
— Tantos bares, em tantas cidades, em todo mundo...
Shelby liberou a gargalhada reprimida há pouco.
— Bem lembrado. Mas essa fala devia ter sido minha. Afinal, ouvi o
filme há pouco tempo.
— Ouviu?
— Sim. Bem... — ela ergueu a taça em um brinde. — Aos corações
partidos?
— Ou às mentiras tolas? — contrapôs Alan. Shelby franziu o nariz,
enquanto brindava.
— Costumo contar algumas bem interessantes. Mas eu de fato namorei
David. Isso foi há três anos. — revelou, sorvendo em seguida todo o conteúdo
da taça. — Talvez quatro. Pode parar de rir com essa expressão masculina
presunçosa, senador?
— Eu estava fazendo isso? — Alan ergueu-se, estendendo-lhe o casaco
úmido. — Que rudeza de minha parte.
— Seria mais educado fingir que não me pegou em uma mentira. —
comentou Shelby, enquanto abriam caminho através do aglomerado de pessoas
que lotavam o café. — O que não teria acontecido se não tivesse me deixado
tão transtornada a ponto de não atinar com um nome mais conveniente.
— Parece-me que sou o culpado. — Alan passou o braço por sobre os
ombros delgados de maneira tão casual que não deixou margem a protestos. —
Suponhamos que eu peça desculpas pelo fato de não lhe ter dado tempo para
pensar em uma mentira. Isso ajudaria?
— Acho que sim. — Shelby ergueu a face, deixando a chuva lhe fustigar
a pele e esquecendo-se de como a amaldiçoara horas atrás. A água era fraca,
fria e agradável. Poderia caminhar por muito tempo debaixo dela. — Mas não
vou agradecer pelo jantar. — acrescentou, com expressão zombeteira. Quando
alcançaram o carro, ela se virou, encostando-se contra a porta do veículo. —
Ou mesmo pelo vinho e a luz de velas.
Ele fitou a face insolente e molhada e desejou-a desesperadamente. Por
certo haveria traços daquela insolência em sua paixão. Enfiou ambas as mãos
nos bolsos da calça para não ceder ao ímpeto de tomá-la nos braços naquele
momento.
— E quanto ao arco-íris?
O esboço de um sorriso curvou os cantos dos lábios femininos.
— Talvez lhe agradeça por isso. Ainda não decidi. — com um
movimento rápido entrou no carro, sentindo os joelhos cederem ante o olhar
penetrante que Alan lhe lançava. Seria mais prudente manter a conversação
superficial como fizera no café... Ao menos até se encontrar sozinha na
segurança de seu apartamento. — Sabe de uma coisa? — continuou quando ele
se acomodou atrás do volante. — Estava planejando viajar até a praia esta
noite. Destruiu meus planos.
— Gosta de praia em dias de chuva?
— Talvez não estivesse chovendo lá. — redargüiu ela, ao mesmo tempo
em que Alan dava partida no motor. — De qualquer forma, gosto de praia em
dias chuvosos.
— Prefiro em dias de temporal. — afirmou ele, manobrando a
Mercedes pela curva fechada. — Ao crepúsculo, quando há luz apenas para se
avistar o céu e o encrespar violento das ondas.
— É mesmo? — intrigada, Shelby observou o perfil irregular do rosto
másculo. — Imaginei que preferisse praias desertas no inverno, onde pudesse
fazer longas caminhadas e meditar
— Cada coisa ao seu tempo. — murmurou o senador. Shelby compôs o
cenário em sua mente. Os trovões, os raios e o soprar excitante do vento. Algo
além do vinho aqueceu-lhe o sangue que coma rápido nas veias. Enigmático.
Percebera propensões ocultas naquele homem desde o primeiro momento em
que o vira, mas agora elas se aproximavam da superfície. Haveria um tempo,
se não fosse cuidadosa, que elas a arrastariam para um terreno perigoso e
movediço.
— Minha irmã mora em Atlantic City. — comentou Alan em tom
casual. — Gosto de ir para lá quando está fora de temporada para ficar na
praia e perder dinheiro em seu cassino.
— Ela possui um cassino? — Shelby o encarou, incrédula.
— Tem sociedade com o marido em dois deles. — divertindo-se com a
expressão surpresa de Shelby, sorriu. — Rena costumava comandar uma mesa
de blackjack. Ainda o faz, ocasionalmente. Considerava que minha família
fosse austera, respeitável e tediosa?
— Não exatamente. — mentiu ela. — Ao menos não foi isso que ouvi
falar de seu pai. Myra me parece ser fã dele.
— Ambos gostam de discutir um com o outro. Meu pai é tão passional
quanto ela.
O senador estacionou ao lado do prédio de Shelby. Em seguida, desceu
do carro com tanta rapidez que ela não teve tempo de negar a gentileza.
— Acho que já esgotou sua cota de bebida por um dia, senador. —
disse Shelby, procurando as chaves na bolsa, enquanto subiam a escada.
— Ainda as tenho. — relembrou Alan, retirando-as do bolso da calça.
— Sem despregar os olhos da face delicada, balançou-as na palma da mão. —
Devem valer uma xícara de café.
Shelby franziu o cenho.
— Acho que isso é chantagem. — afirmou ela.
— Chantagem? — Alan lhe lançou um olhar inocente. — Era apenas
uma sugestão.
Shelby hesitou e, em seguida, suspirou, resignada. Conhecia aquele
homem o suficiente para saber que poderiam discutir sobre tal sugestão
durante uma hora. Dando um passo para o lado, gesticulou para que ele
destrancasse a porta.
— Apenas café. — declarou como que a delimitar as regras.
Após retirar o casaco, ela o jogou sobre o espaldar de uma cadeira na
cozinha. O gato lutou para sair debaixo do agasalho, saltou para o chão e lhe
lançou um olhar insolente.
— Oh, desculpe-me. — disse ela, abrindo uma gaveta e de lá retirando
um envelope de comida para felinos. — A culpa é dele, Moshe. — enquanto o
animal de estimação devorava a comida, Shelby voltou o olhar ao visitante. —
Ele não gosta que eu atrase o jantar. É muito disciplinado.
Alan lançou um olhar curioso ao gordo e voraz bichano.
— Não me parece desnutrido.
— Não. — concordou ela, voltando para pousar a cafeteira na pia. —
Mas Moshe se irrita com facilidade. Se eu... — o toque firme das mãos
masculinas em seus ombros a fez perder a linha de pensamento. — Se
esquecer de alimentá-lo... — a máquina bateu na bancada com um baque
surdo, quando a boca quente e macia lhe roçou o lóbulo da orelha. —... Fica
mal-humorado. — conseguiu concluir, abrindo a tampa da cafeteira com um
movimento brusco. — Animais mal-humorados... — articulou com um fio de
voz, enquanto pegava o pó de café. —... Tornam a convivência difícil.
— Imagino. — murmurou Alan, afastando os cabelos sedosos e
deixando-lhe a curva do pescoço exposta para, em seguida, mordiscar a pele
sensível. As labaredas que a consumiam toda vez que aquele homem a tocava
começaram a incendiá-la, enquanto tentava plugar a cafeteira à tomada na
parede. — Shelby... — as mãos experientes escorregaram pelo contorno do
corpo esguio e descansaram na cintura delgada.
Tentou convencer a si mesma que iria ignorar aquela sensação.
— O que é?
Mas ele apenas gemeu, traçando uma linha de fogo com a língua pela
curva do pescoço exposto. A fragrância excitante era mais intensa naquele
local, descobriu extasiado. Beijou o ponto nevrálgico e escutou Shelby ofegar.
— Não pôs o pó de café na máquina.
Ela estremeceu, e se agarrou com ambas as mãos à beirada da bancada
para evitar que aquela sensação a envolvesse outra vez.
— O quê?
Alan esticou o braço, roçando-o contra o dela para alcançar a tomada.
— Não... — começou ele, voltando o rosto para encará-la -... Colocou
o pó de café dentro do compartimento. — dizendo isso, roçou os lábios no
canto direito da boca de Shelby, repetindo o movimento do outro lado.
Por um instante, ela perdeu as forças, cerrando as pálpebras num gesto
de entrega.
— Onde?
Os lábios masculinos se curvaram num sorriso contra a face delicada.
— Na máquina de café.
— Colocarei em um minuto. — murmurou ela, quando a boca sensual
lhe roçou as pálpebras. Foi então que ouviu o riso suave de Alan e imaginou
por que soava triunfante. Precisou recorrer a todas as suas forças para conter
as labaredas de fogo que se tomavam incontroláveis a cada carícia suave. —
Alan... — beijos ternos pousavam por toda extensão de sua face, alimentando
a combustão. — Está tentando me seduzir.
— Não. — retrucou ele, mordiscando-lhe o lábio inferior e deixando-os
ávidos por mais, quando escorregou a boca quente e provocante pelo pescoço
delicado. Ansiava por sentir a pulsação que se acelerava a seu toque. — Eu a
estou seduzindo.
— Não. — Shelby espalmou as mãos contra o peito largo, na intenção
de afastá-lo, mas elas pareciam ter vida própria e se enroscaram em torno do
pescoço de Alan. — Não vamos fazer amor.
Ele mal podia controlar a torrente de desejo, enquanto enterrava os
dedos na cascata de cabelos macios.
— Não? — indagou num sussurro, provocando-a com apenas um roçar
de lábios. — Por quê?
— Por que... — Shelby sequer sabia quem era ou onde se encontrava.
— Será o caminho da minha perdição.
O riso de Alan ficou abafado contra os lábios macios antes de a língua
quente explorar-lhe a boca num beijo rápido e provocante.
— Tente outra desculpa.
— Por que... — o fogo crescia numa espiral incontrolável que lhe fazia
a mente girar em turbilhão. Não imaginara que o desejo pudesse ser doloroso,
tampouco que a ânsia de se entregar viesse em ondas tão avassaladoras.
Conhecia tal sensação porque a sentira antes. Daquela vez teria de ser
diferente e, no entanto, uma fraqueza inesperada e uma força arrebatadora
ameaçavam destruir tudo que ela pensava saber — Não. — o pânico, abrupto
e real a invadiu. — Não. Desejo-o muito. Não posso deixar que isso aconteça,
não entende?
— Tarde demais. — Ainda depositando beijos suaves em sua face, Alan
a guiou pelo apartamento. Em seguida, deslizou-lhe a blusa pelos ombros e
deixou que a peça caísse ao chão. Daquela vez, a primeira, seria pura
sedução. De tal forma que ambos jamais se esquecessem. — Você é macia
demais... — murmurou ele. —... Para resistir
Com movimentos lentos, deslizou os dedos longos pelo comprimento
dos braços e os ombros esguios de Shelby.
— Sabe quantas vezes imaginei estar assim com você? O quanto
ansiava por tocá-la... — a mão escorregou por sobre o tecido fino da roupa
íntima, roçando-lhe os seios. — Dessa forma... — quando alcançaram a porta
do quarto, a saia foi submetida ao mesmo tratamento da blusa.
— Está ouvindo o som dos pingos da chuva?
Shelby sentia o tecido da colcha roçar-lhe os ombros à medida que ele
a deitava na cama.
— Sim.
— Vou fazer amor com você. — os lábios quentes envolviam-lhe o
lóbulo da orelha, deitando por terra qualquer tentativa de recusa. — E toda
vez que ouvir a chuva, irá se lembrar deste momento.
Não precisaria daquilo para recordar, refletiu ela. Algum dia seu
coração batera tão forte? E sua pele parecera tão quente? Sim, podia ouvir a
chuva batendo contra o telhado e a vidraça. Mas não seria necessário aquele
som melódico para lembrar o modo como a boca tentadora e macia se
encaixava com perfeição à dela. A forma como as curvas de seu corpo se
moldavam aos contornos de Alan. Teria apenas que pensar naquele homem
para se recordar do modo como o frescor úmido da chuva se atinha aos
cabelos bastos e negros e como o som do próprio nome adquiria nova
musicalidade sussurrado pela voz rouca e sensual.
Shelby jamais se entregara a um homem com tal docilidade, embora não
tivesse se dado conta daquilo.
Mas naquele momento, ela se entregava, deixando que Alan a guiasse
para onde estivera tão relutante e temerosa em ir. À insensatez.
Ele parecia querer tocá-la, saboreá-la, mas da forma mais lenta e
provocante possível. Fazê-la flutuar, tão insubstancial quanto a névoa. Apenas
com o toque das pontas dos dedos e o roçar suave dos lábios a levava a um
grau de excitação quase irresistível.
Shelby não conhecia a verdadeira languidez até esticar a mão para
alcançar os botões da blusa que a separavam da solidez do corpo masculino.
Os braços estavam pesados. Os dedos, sempre tão ágeis, tateavam
desajeitados, retardando o processo e parecendo levá-lo ao desespero.
E naquele instante a boca sensual arrebatou-lhe os lábios, enquanto o
corpo de músculos pouco definidos, mas cobria o dela, prendendo as mãos de
Shelby entre ambos. Talvez por inconsciente demonstração de domínio ou
mesmo pela sobrecarga de desejo contido, Shelby lutou para sair do torpor da
entrega e começou a agir
A urgência que sentia encontrava eco no desejo ardente de Alan e
quando a volúpia ameaçou sobrepujá-lo, ele se esforçou para contrabalançá-
la. E então Shelby percebeu os músculos rijos e tensionados do peito largo se
libertarem da camisa, mas seus dedos não mais tateavam desajeitados. A boca
de Alan, provocante, lhe percorria o corpo com velocidade e destreza
inimagináveis, detendo-se nos pontos que mais lhe davam prazer e que
ignorava existir até que ele os descobrisse, explorasse e seguisse adiante
naquela doce tortura. Tomado de fúria incontrolável, ele arrancou a peça de
seda com um movimento nada gentil. Porém, nenhum dos dois se importava
com suavidade. A chama que havia entre ambos se acendera no instante em
que se conheceram e havia sido reprimida por um longo tempo.
Alan a sentia estremecer em todos os lugares que tocava. Onde quer que
sua língua pousasse. Podia perceber que Shelby atirara a prudência pela
janela. Restara apenas a paixão, pura e ardente, que previra receber se
esperasse por ela. O turbilhão de emoções pelo qual aguardara e que só
aquela mulher fazia brotar dentro dele.
Agressiva, fogosa e arrebatada, Shelby se movia com ele, até fazê-lo
perder todo o autocontrole. Respirava a fragrância excitante que exalava
daquela mulher a cada entrada do ar em seus pulmões. Um aroma ao mesmo
tempo selvagem, doce e tentador.
Nenhum dos dois comandava e ambos eram comandados. Shelby o
recebeu com um gemido de prazer abafado contra seus lábios, mas aquilo não
tinha nada a ver com rendição. Primitivos e atrevidos, alimentavam o fogo que
os consumia.
A chuva ainda fustigava o teto e vidraças, produzindo um som alto e
forte. Não tinham noção de quanto tempo permaneceram deitados, um colado
ao outro. Ambos haviam perdido a concepção de tempo, cientes apenas
daquele momento e lugar.
Shelby se enroscou ao corpo másculo, com os olhos fechados, até
conseguir tranqüilizar a respiração. A mente e o corpo plácidos, como se a
tempestade de paixão não tivesse passado de um sonho. Mas fora real e sua
participação nela, a maneira sem reservas como se entregara ao fogo da
paixão, era o combustível da serenidade que sentia e que não sabia que
procurava até aquele instante. Alan era a paz que sonhara, seu coração e
refugio.
Ele mudou de posição, puxando-a para si. Ainda podia sentir a miríade
de emoções que o arrastara para um mundo desconhecido: o excitamento, a
paixão, sentimentos intensos demais para nomear. Aquela mulher continuava a
fluir através dele como um vento tempestuoso e empolgante que soprava em
todas as direções ao mesmo tempo. Vivaz e envolvente, ela era como uma
brisa que arrastava a aspereza que havia no mundo que tão bem conhecia.
Necessitava daquele tipo de mágica que só Shelby sabia produzir, da mesma
forma que estava disposto a lhe dar tudo que ela quisesse extrair dele.
Com um movimento lento e sensual, deslizou a mão por toda a extensão
das costas delgadas.
— Hummmm! — murmurou ela.
Com um riso abafado, Alan continuou a carícia até fazê-la ofegar.
— Shelby...
Ela suspirou extasiada e pressionou o corpo contra o dele.
— Há algo peludo e quente encostado no meu pé.
— Sim...
— Se for seu gato, ele não está respirando.
— MacGregor!
Ele depositou um beijo suave no topo da cabeça de Shelby.
— O quê?
Ela abafou uma risada contra o peito musculoso.
— Meu porco.
Um profundo silêncio se fez sentir, enquanto Alan tentava digerir a
informação inusitada.
— Não entendi.
O tom sério fez com que ela soltasse outra gargalhada. Seria capaz de
passar sequer um dia sem ouvir aquele som tão prazeroso? Tencionando
perscrutar-lhe a fisionomia, ergueu o corpo e, inclinando-se sobre ele,
alcançou a caixa de fósforos que se encontrava no criado mudo. Estremeceu à
fricção contra a pele masculina e acendeu uma das velas do candelabro ao
lado da cama.
— MacGregor. — repetiu, beijando-lhe os lábios com suavidade antes
de gesticular em direção ao pé da cama.
Alan estudou a fisionomia sorridente do porco.
— Batizou um porco lilás com meu nome?
— Isso é jeito de falar de nosso filho?
Os olhos negros a fitaram cora uma expressão tão masculina e irônica
que quase a fez ter um colapso sobre o peito musculoso, soluçando de rir.
— Coloquei-o ali porque ele deveria ser o único MacGregor a me
seduzir para chegar até minha cama.
— É mesmo? — Alan puxou-lhe os cabelos até que ela erguesse a
cabeça, revelando a expressão zombeteira. — Foi isso que eu fiz?
— Sabia que eu não iria resistir muito tempo a balões e arco-íris. — a
luz da vela bruxuleou sobre a face máscula e Shelby traçou-lhe o contorno
luminoso com a ponta dos dedos. — Estava decidida a não sucumbir a seu
charme. Estou falando sério. Eu não pretendia fazer isso.
Ele fechou a mão em tomo do pulso fino, puxando a mão de Shelby de
encontro aos lábios e depositando-lhe um beijo suave na palma.
— Fazer amor comigo?
— Não. — os olhos acinzentados desviaram dos lábios quentes para
fitá-lo. — Apaixonar-me por você.
Ela sentiu os dedos firmes se cravarem em seu pulso para em seguida,
afrouxar o aperto, enquanto o olhar enigmático permanecia fito no dela.
— Está apaixonada?
— Sim. — confessou ela com um sussurro que caiu como um trovão na
mente de Alan.
Ele a puxou para si, aninhando-lhe a cabeça contra o peito e sentindo a
respiração pesada de Shelby, enquanto a envolvia nos braços. Não esperava
tanto em tão pouco tempo.
— Desde quando?
— Quando? — repetiu ela, deleitando-se com a solidez dos músculos
sob sua cabeça. — Em algum momento entre o instante em que estávamos no
terraço dos Write e eu abrir a caixa de morangos.
— Demorou tanto assim? Tudo que tive de fazer foi olhar para você.
Shelby ergueu a cabeça e fitou-o com os olhos dilatados de surpresa.
Alan não era o tipo de homem que exageraria um sentimento. Não era seu
estilo. Extasiada, tomou o rosto masculino nas mãos.
— Se tivesse me dito há uma semana ou mesmo ontem, acharia que
havia enlouquecido. — sorrindo, pressionou os lábios contra os dele. — E
talvez esteja, mas isso não importa mais. — com um suspiro de satisfação
atirou-se nos braços de Alan. — Nem um pouco.
Shelby tinha consciência da ternura que havia dentro dela em relação a
crianças e animais, mas nunca a sentira em relação a um homem. Porém,
quando o beijara há instantes, com as palavras românticas ainda ecoando em
seus ouvidos, sentiu-se invadida por aquele sentimento. As mãos femininas
voltaram a tocar o rosto de traços perfeitos. Os dedos ágeis de artista
moldando-lhe o formato até julgar ser capaz de conjurá-lo do ar se alguém lhe
pedisse para fazê-lo.
E então os deixou deslizar pela curva do pescoço largo, ao longo dos
ombros firmes, que lhe emprestavam uma aura de proteção. Fortes o suficiente
para aparar qualquer problema que ela tivesse. Mas nunca pediria que o
fizesse, bastava tê-los por perto. Com os lábios colados ao dele, continuou o
passeio pelos braços fortes, explorando o corpo viril que no afã da paixão não
tivera como apreciar. Descobriu enquanto roçava a face no pescoço de Alan
que podia sentir a própria fragrância impregnada nele. E aquilo era
maravilhoso. Ele a envolveu nos braços e ambos permaneceram assim por um
longo instante. Despidos, entrelaçados e felizes.
— Posso lhe confessar algo sem que se torne convencido? — indagou
ela, escorregando os dedos pelo peito musculoso até as costelas.
— Acho que não. — a voz de Alan se tomara rouca de excitação. —
Sinto-me lisonjeado com facilidade.
— Em minha oficina... — começou Shelby, pressionando os lábios
contra a barreira sólida do peito másculo e saboreando as batidas aceleradas
do coração de Alan. — Quando sujei sua camisa e a retirou para lavá-la...
Virei-me para observá-lo e tive ímpetos de acariciá-lo desta maneira. —
esfregou as mãos pela pele máscula em brasa. — Quase o fiz.
Alan sentiu o sangue latejar por todo o corpo.
— Eu não iria me opor.
— Se eu tivesse decidido possuí-lo, senador... — murmurou ela em um
tom de voz abafado. — Não teria tido a menor chance.
-— Acha mesmo?
Shelby deslizou a língua pelo tórax avantajado.
— Sim. — respondeu, sentindo-o ofegar — Acho. Um MacGregor
sempre se curvará a um Campbell.
Alan entreabriu os lábios para protestar, mas os dedos ágeis da oleira
se encontravam em seus quadris. Como político sabia o valor de um debate,
mas por vezes eles não requeriam palavras.
Poderia flutuar ao toque macio e firme das mãos de Shelby. O prazer da
antecipação crescia na mesma proporção do desejo. Ela parecia absorta nos
contornos do corpo masculino, na textura da pele quente. A luz avermelhada da
vela refletia nos cílios escuros, enquanto ele se mantinha deitado na posição
que Shelby o colocara. A chuva continuava o ruído monótono, mas Alan
escutava apenas os sussurros e gemidos da parceira.
Ela se movia lentamente pelo corpo viril, detendo-se a mordiscar um
ponto ou beijar o outro, acelerando-lhe a pulsação até que Alan decidiu que
era tempo de reagir. Com um movimento preciso, rolou-a para baixo do
próprio corpo, tomando-a cativa.
A face delicada se encontrava afogueada. A respiração entrecortada
pela excitação. Ele a fitou por um longo instante, desejando fixar na memória
aquele momento.
A massa de cabelos ruivos espalhados contrastando com o vivido verde
da colcha. O reflexo da luz bruxuleante brincando sobre a face delicada o
fazia se lembrar da primeira impressão que tivera dela. Uma cigana. Os olhos
cinza estavam escuros e repletos de desejo.
— Nós, MacGregors... — murmurou Alan —... Temos meios de... Lidar
com os Campbell.
Inclinou os lábios, mas estacou a centímetros dos dela. Percebeu que os
cílios longos haviam baixado, mas não cerrado. Ela o observava através
deles, enquanto a respiração se tomava cada vez mais acelerada. De modo
lento, Alan abaixou a cabeça e mordiscou-lhe a linha o queixo.
Shelby fechou os olhos e deixou escapar um gemido que era ao mesmo
tempo de protesto e deleite. Os lábios entreabertos ansiavam pelos dele, mas o
contato da boca experiente contra sua pele produzia fagulhas elétricas que
faziam vibrar todas as terminações nervosas do corpo feminino. As mãos
firmes pareciam estar por todos os lugares, movendo-se com uma perfeição
com a qual sempre a presentearia.
A boca macia traçava círculos com os lábios e dentes em tomo dos
mamilos intumescidos, mas ele não permitia que Shelby se concentrasse
apenas naquela ousada carícia. Os dedos longos tateavam a pele de seu ventre,
fazendo-a arquear o corpo de encontro a eles, ávida pelo prazer iminente. Mas
Alan parecia não ter pressa, aumentando-lhe o desejo a um ponto quase
insuportável com a paciência e perícia de um amante experiente.
Nenhum dos dois percebeu o momento em que o mundo parou de existir.
Talvez tivesse acontecido numa fração átomo de segundo, ou o tempo tenha
rodopiado lentamente até parar. Não havia nada além de ambos, carne contra
carne, sussurro contra sussurro, desejo contra desejo.
E então a boca sensual arrebatou-lhe os lábios num beijo antes que o
torpor do prazer lhes embotasse a mente. O corpo de Shelby estava trêmulo
quando ele a penetrou. Pretendia satisfazê-la até que a energia se esvaísse de
seus corpos. Alan a possuiu vagarosamente, escutando a cadência apressada
da respiração ofegante que se misturava à dele, enquanto sorvia o sabor quente
e úmido da boca sensual.
O tempo pareceu parar para ambos até que a urgência tomou as rédeas
dos movimentos e os dois mergulharam no esquecimento do prazer.
CAPÍTULO VIII

Manhãs chuvosas faziam Shelby cobrir a cabeça com os lençóis e


cochilar por mais um tempo até que seu alarme biológico despertasse. A
presença do corpo viril e cálido ao seu lado era mais um motivo para se deter
na cama por mais tempo. Mas a mão firme em suas nádegas revelava que Alan
tinha outros planos.
— Está acordada? — murmurou ele em seu ouvido. — Ou devo
despertá-la?
Shelby deixou escapar um gemido em resposta.
— Tomarei isso como indecisão. — afirmou Alan, roçando os lábios
pela curva exposta do pescoço, onde a pulsação era lenta e cadenciada.
Quanto tempo levaria para alterá-la? — Talvez possa estimulá-la a acordar.
Com carícias suaves e beijos breves, Alan pôs a promessa em prática.
Parecia impossível ter possuído aquela mulher pela maior parte da noite e
ainda a desejar com tanta veemência pela manhã. Mas a pele cálida era tão
macia e convidativa ao toque... Bem como a boca sensual e úmida. Os
movimentos do corpo feminino sob o seu eram lentos mas não preguiçosos, e
ele pôde perceber o aumento gradual da pulsação no pescoço que beijava.
Shelby se extasiava com o fato de deixá-lo explorar-lhe o corpo da
maneira que lhe aprouvesse, enquanto ela o excitava apenas com seus gemidos
e suspiros. As horas se passaram... Mas eles tinham a eternidade.
O modo como faziam amor possuía uma aura mágica que perdurava do
momento em que se tocavam de maneira casual até o último e ofegante beijo.
— Acho... — começou ela, enquanto Alan aninhava-se entre os seios
firmes —... Que poderíamos permanecer na cama até que parasse de chover
— Muito cedo. — murmurou o senador. — Devia ter pensado nisso
dias atrás. — com as pálpebras cerradas, Alan podia vê-la sonolenta sob seu
corpo, a pele aquecida contra a dele. — Abrirá a loja hoje?
Shelby bocejou, deslizando as mãos pelos de músculos rígidos das
costas largas.
— Kyle toma conta dela aos sábados. Podemos ficar aqui e dormir
Alan beijou-lhe a curva dos seios e de modo lento, traçou com os lábios
um caminho excitante até o pescoço esguio,
— Tenho um almoço de negócios esta tarde e alguns documentos que
preciso revisar antes de segunda-feira.
Claro, pensou Shelby, contendo um suspiro. Para um homem como ele,
sábados não passavam de dias úteis. Um olhar ao relógio revelou que eram
quase sete horas. Num movimento reflexo, aninhou-se ao corpo másculo. O
tempo parecia voar
— Isso nos dá algumas horas para permanecermos aqui.
— O que me diz de um café da manhã?
Shelby considerou a sugestão por alguns minutos e concluiu que a
preguiça era maior que a fome.
— Sabe cozinhar?
— Não.
Franzindo o cenho, ela lhe puxou a face pelas orelhas, fazendo-o
encará-la.
— Nada? Isso é bastante chauvinista para um homem cuja plataforma
política reflete os anseios femininos.
Alan ergueu uma sobrancelha.
— Não espero que você seja capaz de cozinhar — afirmou em tom
zombeteiro. — Ou é?
Shelby exibiu um sorriso amarelo.
— Mais ou menos.
— É curioso para alguém com seu apetite.
— É verdade. Como demais. E você?
— McGee cuida de minha alimentação.
— McGee?
— É o que se pode chamar de uma relíquia de família. — esclareceu
ele, enrolando os dedos em um cacho dos cabelos ruivos. — Era nosso
mordomo quando eu era garoto. Quando mudei para Washington, McGee
insistiu, de forma obstinada, em me acompanhar. — e lançou-lhe um sorriso
luminoso, o que era raro vindo dele. — Sempre fui seu favorito.
— É mesmo? — de modo preguiçoso, Shelby cruzou as mãos por trás
da cabeça. Podia imaginá-lo criança, pensando à frente dos outros meninos e
armazenando toda a informação que pudesse obter. — Por quê?
— Se não fugisse à modéstia lhe diria que o motivo é que sempre fui
uma criança educada e calma que nunca causou nenhum tipo de problema aos
meus pais.
— Mentiroso. — disparou ela. — Como quebrou o nariz?
O sorriso tomou-se pesaroso.
— Rena deu-me um soco.
— Sua irmã lhe quebrou o nariz? — Shelby soltou uma gargalhada
divertida e pouco indulgente. — A carteadora de blackjack? Oh, adorei isso!
O senador prendeu o nariz de Shelby entre os dedos e o torceu de leve.
— Fique sabendo que foi muito mais doloroso que isso.
— Imagino. — ela continuou sorrindo enquanto Alan se ajeitava a seu
lado. — Sua irmã tinha o hábito de bater em você?
— Rena não me bateu. — corrigiu ele. — Estava tentando acertar
Caine, que a provocara, dizendo-lhe que havia notado os olhares de cobiça
que ela lançara a um amigo dele.
— É uma intimidação típica de irmão.
— Claro. — concordou Alan. — Eu tentei apartá-la de Caine justo no
instante em que ela desferia mais um golpe em sua direção. Um direto de
direita, se bem me lembro. Foi então que decidi... — continuou ele, enquanto
Shelby soltava outra gargalhada. —... Desistir da carreira diplomática. É
sempre a parte neutra que acaba levando a pior.
— Tenho certeza... — começou ela, pousando a cabeça no ombro
acolhedor. —... De que ela se arrependeu do que fez.
— A princípio. Mas se bem me recordo, depois que eu parei de sangrar
e ameaçá-los de morte, a reação de Rena foi similar à sua.
— Oh, que insensível sou! — Shelby depositou beijos suaves sobre a
face máscula. — Pobre criança. Mas vou me penitenciar preparando-lhe um
desjejum. — com um rompante de energia, ela o beijou outra vez nos lábios e
deslizou para fora da cama. — Venha, vamos ver o que tem na cozinha. —
encontrou o robe que deixara pendurado sobre o espaldar da cadeira no dia
anterior e o colocou. Em seguida, esperou até que Alan vestisse a calça. —
Pode fazer o café, enquanto procuro por algo apetitoso na geladeira.
— Parece-me promissor
— Não solte fogos antes do tempo. — aconselhou Shelby. No caminho
para a cozinha passaram pela sala de estar onde Moshe rolava preguiçoso
sobre o sofá, ignorando-os. — Ainda está mal-humorado. — constatou ela,
com um suspiro resignado. — Agora terei de comprar fígado de galinha para
alegrá-lo. — estacou para trocar a água da gaiola de Tia Em. — É uma
criatura rabugenta, não acha? — perguntou à ave. O pássaro emitiu um arrulho
impaciente.
— Parece que ela também acordou mal-humorada.
— Não. Quando arrulha pela manhã é sinal de que está bem-disposta.
Alan a fitou com genuíno interesse.
— Verdade?
Shelby lhe estendeu o pote de água.
— Tome. Encha-o antes de começar a fazer o café. — sem esperar
resposta, adentrou a cozinha e dirigiu-se à porta lateral para pegar o jornal.
Alan fitava o pote como se tivesse um recém-nascido em suas mãos. — Ao
que parece a viagem do presidente ao Oriente Médio ainda é o assunto em
destaque. — informou antes de jogar o periódico na bancada da cozinha. —
Gosta de viajar?
Percebendo a intenção de Shelby, decidiu encher o pote de água antes
de responder.
— Às vezes gosto, em outras é uma questão de necessidade. Nem
sempre é possível escolher o lugar e a data de minhas viagens.
— Suponho que não. — concordou, abrindo o refrigerador para analisar
o interior até que Alan retomasse a sala de visitas. Nem pense nisso,
admoestou a si mesma. Não deve pensar sobre esse assunto hoje.
— Bem. — começou em tom divertido quando ele retomou. — Vejamos
o que temos aqui. Um pouco de leite, sobras de comida chinesa, um pedaço
pequeno de queijo de cabra, metade de um saco de biscoitos recheados com
geléia de figo e um ovo.
Ele se aproximou, espiando por sobre o ombro de Shelby.
— Um ovo?
— Espere um minuto. — disse ela, mordiscando o lábio inferior. —
Temos que considerar as possibilidades...
— De irmos tomar o desjejum no restaurante da esquina?
— Homens não têm imaginação. — resmungou Shelby, enquanto se
concentrava em uma alternativa para a refeição matinal. Afastando-se do
refrigerador, esquadrinhou o armário. — Temos cinco fatias de pão se
contarmos com as cascas. Podemos fazer torradas! — sorriu triunfante. — São
dois pedaços e meio para cada um.
Alan anuiu.
— Está bem. Você fica com as cascas do pão.
— Egoísta. — disparou ela, antes de voltar ao refrigerador em busca do
leite e do ovo.
Por algum tempo trabalharam em silêncio amistoso. Alan media a
quantidade de café e de água para alimentar a cafeteira e Shelby despejava a
quantidade de leite que achava necessária em uma tigela. Ele a observou
esmiuçar o armário e de lá retirar uma jarra vazia, um grande pote plástico
sem tampa e um caderno de notas.
— Então era aqui que estava. — murmurou ela quando encontrou uma
frigideira. Quando se ergueu, deparou com o olhar zombeteiro de Alan.
— Não costumo utilizá-la. — informou, colocando a frigideira sobre o
fogão e acendendo a chama do queimador.
— Eu a lembraria do restaurante da esquina, mas... — o olhar predador
esquadrinhou a abertura do robe que revelava a curva dos seios e se ajustava
com perfeição aos quadris curvilíneos. — Teria de se vestir
Shelby exibiu um sorriso cúmplice, mas quando ele deu um passo em
sua direção, voltou-se para colocar o pão na torradeira.
— Pegue um prato.
Alan vasculhou o armário que ela havia indicado e retirou de lá dois
pratos antes de se aproximar, postando-se às costas de Shelby. Inclinando a
cabeça de modo lento, roçou os lábios no lóbulo da orelha delicada,
deleitando-se com o imediato tremor que perpassou o corpo feminino.
— As que eu deixar queimar. — avisou ela. — Serão suas.
Alan sorriu, colocando os pratos ao lado do fogão.
— Tem açúcar?
— Para quê? — indagou Shelby, provando o pão com a ponta da língua.
— Para as torradas. — ele abriu três gavetas até encontrar os talheres.
Coçando o nariz com as costas da mão, ela volveu o olhar na direção do
senador, enquanto a última fatia de pão começava a tostar na frigideira.
— Não utiliza melado?
— Não.
Dando de ombros, Shelby dispôs a última fatia de pão no prato.
— Pois terá de abrir uma exceção hoje. Devo ter um frasco no
compartimento da esquerda. — sob o olhar atento de Alan, ela partiu
meticulosamente uma torrada em duas. Quando o hóspede retomou com o
frasco de melado, Shelby havia servido o café e disposto os pratos e as
xícaras na mesa.
— Acho que tem apenas uma colher de sopa aqui dentro. — arriscou
ele, inclinando o frasco para o lado.
— O que dá meia colherada para cada um. — dizendo isso, Shelby
sentou-se à mesa e estendeu a mão para o frasco. Depois de verter com
precisão a metade do conteúdo do melado com cuidado, entregou-lhe o frasco.
— Passei um bom tempo no supermercado pensando no que estava precisando.
Alan lutou para extrair as últimas gotas do frasco.
— Deve ter pelo menos seis sacos de ração de gato naquele armário.
— Moshe se irrita se eu não variar sua alimentação.
O desjejum estava melhor do que Alan esperara.
— Não consigo imaginar uma mulher determinada como você ser
intimidada por um gato temperamental.
Shelby deu de ombros e continuou a comer
— Todos nós temos nossas fraquezas. Afinal, como companheiro ele é
perfeito. Não tenta escutar meus telefonemas e tampouco pede para que lhe
empreste roupas.
— Esses são seus pré-requisitos?
— Os principais.
Alan a fitou com olhar intenso, enquanto anuía com um gesto de cabeça.
Ela havia devorado as torradas em tempo recorde.
— Se eu prometesse me privar de fazer essas duas coisas casaria
comigo?
A xícara paralisou a centímetros dos lábios de Shelby. Pela primeira
vez desde que a conhecera, percebeu-a em total atordoamento. Ela pousou a
xícara na mesa, e o fitou por um longo tempo enquanto milhares de
pensamentos lhe assaltavam a mente. Dominando todos encontrava-se o medo.
Simples e genuíno.
— Shelby?
Ela meneou a cabeça como que para dissipá-lo. Em seguida, ergueu-se
e pegou o frasco vazio, colocando-o no próprio prato e levando tudo para a
pia. Não ousava dizer palavra. Um sim ameaçava escapar-lhe dos lábios e
isso a assustava mais que tudo. Sentiu um peso avassalador oprimir-lhe o
peito e só então se lembrou de liberar o ar que estava prendendo nos pulmões.
Enquanto o fazia, recostou-se a pia e fitou a chuva através da janela. Quando
mãos firmes se fecharam em tomo de seus ombros, cerrou as pálpebras.
Por que não se sentia preparada? Sabia que para um homem como Alan
o amor levava ao casamento. E depois a filhos, disse a si mesma enquanto
tentava acalmar os nervos. Se aquele não fosse seu desejo, não se sentiria
tentada a aceitar a proposta de Alan. Mas com ele não seria uma simples união
que produziria frutos. Não podia se esquecer da palavra senador que lhe
precedia o nome. E aquele não era o mais alto título a que aspirava.
— Shelby. — a voz máscula soava gentil, embora pudesse distinguir
traços de impaciência e frustração na forma como os dedos longos deslizavam
por seus ombros. — Eu a amo. É a única mulher com quem desejo passar o
resto da vida. Preciso de manhãs como esta... Acordar a seu lado.
— Eu também.
Ele a girou até que o encarasse. A intensidade estava de volta aos olhos
negros. A seriedade que a atraíra inexoravelmente. Alan examinou-lhe
atentamente a face.
— Então case-se comigo.
— Faz parecer tão simples...
— Não. — interrompeu-a Alan. — Não é simples, mas necessário e
vital.
— Não me pergunte isso agora. — Shelby envolveu-lhe o pescoço com
ambas as mãos, puxando-o para si. — Por favor. Estamos juntos e eu o amo.
Deixe que isso seja suficiente por enquanto.
Alan ficou tentado a pressioná-la. O instinto lhe dizia que bastava
perguntar mais uma vez e obteria a resposta desejada. Mas ainda assim...
Notara uma vulnerabilidade em sua expressão e uma súplica nos olhos cinza
que o impediam de fazê-lo. Duas características raras em Shelby Campbell.
— Vou desejá-la do mesmo modo amanhã. — murmurou ele,
acariciando-lhe os cabelos. — E daqui a um ano. Prometo-lhe que posso
esperar para voltar a lhe propor casamento, mas não posso prometer esperar
até que esteja pronta para aceitar
— Não há necessidade de promessas. — Shelby inclinou a cabeça para
trás e tomou a face de traços irregulares nas mãos. — Vamos viver o que
temos no momento: um ao outro e um final de semana chuvoso. Não
precisamos pensar no futuro quando temos o presente. Deixemos os
questionamentos para depois. — quando pressionou os lábios contra os dele,
uma onda de amor a engolfou de forma tão intensa que a fez estremecer de
medo. — Vamos voltar para a cama. Faça amor comigo outra vez. Quando nos
amamos não há ninguém no mundo além de nós dois.
Alan podia sentir o desespero no tom de voz aveludado, embora não
conseguisse entender o por que. Sem dizer uma palavra, ergueu-a nos braços e
carregou-a para o quarto.
— Ainda posso declinar do convite. — afirmou Alan, enquanto
estacionava o carro em frente à sua casa.
— Eu realmente não me importo em comparecer. — garantiu Shelby,
inclinando-se e beijando-o antes de sair do carro. A chuva havia diminuído,
transformando-se em uma garoa que molhava as ombreiras do curto casaco de
veludo que trajava. — Além disso, jantares dançantes podem ser divertidos,
mesmo quando disfarçados de eventos políticos.
Alan juntou-se a ela na calçada apenas para lhe erguer o queixo e
depositar um beijo suave em seus lábios.
— Suponho que vá a qualquer lugar desde que tenha comida.
— É um grande incentivo. — concordou Shelby, dando o braço ao
senador. — E posso aproveitar a oportunidade para bisbilhotar sua casa
enquanto troca de roupa.
—Talvez a ache um tanto... Entediante para o seu gosto.
Com uma risada abafada, Shelby mordiscou-lhe o lóbulo da orelha.
— Não posso dizer o mesmo do dono.
— Acho... — começou Alan, enquanto abria a porta da frente. —... Que
teríamos uma noite bem mais agradável se ficássemos em casa.
— Posso ser persuadida. — quando adentrou a residência, Shelby se
voltou e envolveu-lhe o pescoço com os braços. — Se quiser se esforçar.
Antes que Alan pudesse condescender, ouviu uma tosse discreta e
avistou McGee parado próximo à porta da sala de visitas, robusto e firme
como uma árvore. O rosto longo encontrava-se impassível. Mesmo àquela
distância, Alan podia sentir a desaprovação que pairava no ar McGee era
capaz de manter a aparência de mordomo perfeito e emitir vibrações como um
tio austero. Desde que completara dezesseis anos, tivera de lidar com aquela
reprovação tácita sempre que retomava a casa tarde ou não muito sóbrio.
— Teve várias ligações, senador
Alan teve de recorrer a toda sua paciência para não fazer um muxoxo.
McGee só o tratava pelo título quando estava acompanhado.
— Algo urgente?
— Não, senhor — respondeu de maneira pomposa, com um sotaque que
divertiu Shelby.
— Então os verificarei mais tarde. Shelby, este é McGee. Trabalha com
minha família desde que eu era garoto.
— Olá! — desinibida, ela largou Alan para se dirigir ao criado,
estendendo-lhe a mão. — O senhor é do campo?
— Sim, madame. De Perthshire.
O sorriso que ela lhe voltou teria encantado o tronco de qualquer
árvore. Mesmo a mais nodosa.
— Meu avô era de Dalmally. Conhece?
— Sim. — Alan observou os olhos frios se iluminarem. — É um local
muito belo. Vale uma segunda visita.
— Também acho, embora não vá lá desde os sete anos. As montanhas
são do que mais me recordo. Vai sempre ao campo?
— Toda primavera, para ver as urzes florescerem. Não há nada como
caminhar entre elas em junho.
Aquela fora a afirmação mais romântica que ouvira o mordomo proferir
na presença de terceiros, refletiu Alan. Mas de alguma forma aquilo não o
surpreendeu.
— Se puder preparar um chá, — disse ele, referindo-se ao criado. —
vou me trocar para o jantar dançante. Talvez possa servir a Srta. Campbell na
sala de visitas.
— Campbell? — a expressão sempre impassível do rosto do mordomo
se transformou em surpresa, enquanto alternava o olhar entre os dois. —
Campbell...
Por um breve instante, Shelby pensou ter visto uma sombra de
satisfação no olhar do criado.
— Isso vai ser complicado — murmurou ele, antes de girar nos
calcanhares e disparar para a cozinha.
— Ninguém obteria tanto dele — comentou Alan, enquanto a guiava até
a sala de visitas.
— Considera isso muito?
— Meu amor, para McGee isso é um discurso inteiro.
— Gostei dele. — afirmou Shelby, enquanto adentrava o aposento. —
Especialmente do modo como ele o repreende, de maneira tácita, por ter
passado a noite fora.
Enfiando as mãos nos bolsos da elegante blusa que trajava, estudou a
paisagem marítima pendurada na parede. A sala era organizada e tranqüila,
com alguns toques de desordem. Parecia com o dono, refletiu. Lembrou-se da
jarra redonda que fizera no dia seguinte em que o conhecera. Teria que lhe dar
para que a colocasse naquela sala. Era estranho que tivesse feito algo que se
encaixasse tão perfeitamente ao ambiente daquele homem.
Forçando-se para trazer o pensamento ao presente, voltou-se, dirigindo-
lhe um sorriso luminoso.
— Gosto da forma como vive.
As palavras o surpreenderam. Afirmações curtas não eram o estilo de
Shelby. Esperara algum comentário mais detalhado. Caminhando em direção a
ela, Alan pousou-lhe as mãos sobre as mangas úmidas da jaqueta.
— Gosto de tê-la aqui.
Shelby desejou agarrar-se àquele homem. Se ao menos Alan pudesse
lhe garantir que o futuro seria igual ao presente momento... Que nada mudaria
ou iria interferir... Em vez disso, tocou-lhe o queixo com a palma da mão,
tentando manter o tom de voz casual.
— É melhor subir e se vestir. — sorriu, maliciosa. — Quanto mais cedo
chegarmos, mais cedo sairemos.
— Gosto de sua unha de raciocínio. Não me demorarei.
Sozinha, fechou os olhos e cedeu ao pânico. O que faria? Como poderia
amar aquele homem sem reservas se sua mente estava repleta de advertências.
Existia no mínimo uma dúzia de razões que provavam que ambos
pertenciam a mundos diferentes. Poderia listá-las... Pelo menos, quando Alan
não estava próximo. Sequer necessitava daquele incômodo temor que habitava
os recônditos de sua mente.
Shelby observou mais atentamente a sala. Havia uma organização
latente ali. Um estilo que admirava. A opulência discreta que ela conhecia. A
riqueza sem ostentação. Mas aquele não era o seu modo de vida. Vivia em um
caos, não por preguiça ou por não dar importância à organização, mas porque
o escolhera.
Havia uma generosidade nata em Alan que ela desconhecia possuir Uma
tolerância que jamais tivera. O senador lidava com fatos e teorias
comprovadas. Ela, com imaginação e possibilidades. Aquilo era loucura,
disse a si mesma, passando as mãos pelos cabelos. Como duas pessoas tão
diferentes poderiam se amar tanto?
Deveria ter fugido, pensou, evitado aquele homem desde o minuto em
que o vira pela primeira vez. Com a sombra de um sorriso lhe curvando os
cantos da boca, dirigiu-se ao extremo oposto da sala. De nada adiantaria.
Poderia ter escapado à velocidade de um papa-léguas. Alan a teria seguido
com a placidez de um monge budista. E quando, ofegante, tivesse um colapso,
aquele homem estaria lá, esperando por ela.
— Seu chá, Srta. Campbell.
Shelby se virou para encontrar McGee entrando com um serviço de chá
em uma porcelana que convidava ao toque.
— Oh, Meissen... Barro vitrificado. — ergueu xícara marmorizada,
delicadamente pintada. — Johann Böttger do início do século dezesseis...
Simplesmente maravilhoso! — analisou a peça como um aluno estuda a arte do
mestre. Sempre pensara que os museus tinham o direito de preservar algumas
raras e insubstituíveis peças de vidro, mas outras deviam ser tocadas,
manuseadas e usadas. — Ele nunca alcançou seu objetivo em vida. —
murmurou. — Atingir a perfeição das cores orientais utilizadas na decoração...
Mas que peças maravilhosas produziu tentando!
Quando seu olhar encontrou o do mordomo, percebeu que estava sendo
avaliada como uma possível ladra. Descontraída, pousou a xícara na bandeja.
— Desculpe, deixei-me levar por minha grande afeição pelo barro.
— Barro?
Shelby bateu com o dedo na xícara.
— Tudo começa com ele. Uma simples massa ou diferentes tipos de
argila.
— Sim, senhorita. — concordou o criado, pensando que seria
indelicado debater o assunto. — Talvez preferisse sentar no sofá?
Shelby concedeu, e observou-o dispor com esmero o serviço na mesa
de centro em frente a ela.
— Alan sempre foi tão excepcional?
— Sim, senhorita. — redargüiu o mordomo sem pensar. A resposta
parecia estar na ponta da língua.
— Era isso que eu temia — murmurou ela.
— Não entendi, madame.
— O quê? — distraída, Shelby ergueu o olhar e meneou a cabeça. —
Nada. Obrigada, McGee.
Ela sorveu o chá, imaginando por que havia formulado a pergunta se já
sabia a resposta. Alan sempre seria um vencedor em qualquer aspecto de sua
vida. Por um momento, fitou o pálido dourado do chá. Aquilo era exatamente o
que mais temia.
— Qual será o valor de um pensamento nestes dias de inflação? —
Alan refletiu em voz alta quando estacou à porta da sala de visitas. Ela parecia
tão bela... E tão distante. E então Shelby ergueu o olhar e exibiu um sorriso
que enfatizou o primeiro adjetivo e apagou o segundo.
— Foi bastante rápido. — elogiou ela. — Acho que minha exacerbada
admiração por seu serviço de chá deixou seu mordomo nervoso. Ele deve
estar imaginando se não vou carregar a xícara na bolsa. — dizendo isso,
ergueu-se, pousando a xícara de chá na bandeja. — Está pronto para exercitar
seu lado charmoso e distinto? Pelo modo como se vestiu, parece-me que sim.
Alan ergueu a sobrancelha.
— Tenho a impressão de que distinto quer dizer tedioso em sua
linguagem.
— Não, está longe disso. — afirmou Shelby, quando alcançaram o hall.
— Fique tranqüilo. Darei um soco em você quando ameaçar se tornar tedioso.
Alan cingiu a cintura delgada, fazendo-a estacar.
— Não faço isso há uma hora. — disse, consultando o relógio de pulso.
— E vinte e três minutos. — sem lhe dar tempo para reação, os lábios macios
e cálidos arrebataram os dela num beijo cheio de promessas. — Eu a amo. —
mordiscou-lhe o lábio inferior e o soltou só para mudar o ângulo e aprofundar
o beijo. Sentiu as batidas aceleradas do coração de Shelby contra o peito e o
relaxamento dos músculos do corpo feminino que aconteciam sempre antes de
ela passar de dócil a ávida. — Esta noite, não importa com quem dance, pense
em mim.
Ofegante, Shelby ergueu o olhar Nos olhos negros viu refletida a
implacável paixão a qual nunca seria capaz de resistir Aquele homem a
dominaria se permitisse. Ele a absorveria por inteiro. Afinal, Alan tinha poder
para isso. Inclinou a cabeça para o lado de modo que seus lábios ficassem a
milímetros dos dele.
— Esta noite, — disse em voz rouca. — não importa com quem você
dance, estará me desejando. — os braços esguios continuavam envolvendo o
pescoço de Alan. — Eu terei certeza disso.
Só então Shelby percebeu o reflexo de ambos no espelho que ocupava
toda extensão da parede lateral do corredor O senador, polido e sofisticado,
estava tão convencional em seu black-tie quanto ela estava inortodoxa na
confortável jaqueta de veludo e saia justa matizada em rosa que havia
encontrado em uma loja especializada em roupas antigas.
— Alan... — ela lhe girou o rosto até que encarasse o espelho. — O
que vê?
Com o braço ainda envolto na cintura fina, Alan analisou o reflexo dos
dois. O topo da cabeça de Shelby chegava na altura da base de sua mandíbula.
Imaginou que outra ruiva se atreveria a usar aquele tom de rosa e parecer tão
estonteante nele. Dava a impressão de ter saído do espelho, vinda do século
no qual aquela roupa estivera na moda. Mas não havia um camafeu lhe
adornando o pescoço delicado. Em vez disso, ela usava uma corrente
retorcida dourada que provavelmente havia adquirido em uma das pequenas
lojas de Georgetown. Os cachos dos cabelos macios caíam de maneira
desordenada em tomo da face pálida e angular. Um reflexo de temor nos olhos
acinzentados a fazia parecer ainda mais com a menina carente com a qual a
comparara antes.
— Duas pessoas apaixonadas. — redargüiu, com os olhos fitos nela. —
Bastante diferentes, mas que combinam com perfeição.
Shelby recostou a cabeça no ombro largo mais uma vez, vacilante entre
alegre ou preocupada pelo fato de aquele homem possuir o dom de lhe
adivinhar o pensamento.
— Ele pareceria perfeito ao lado de uma loira trajada com um vestido
de gala preto.
Alan pareceu considerar as palavras por alguns instantes.
— Sabe de uma coisa? — indagou ele, em tom suave. — Esta é a
primeira vez que a ouço soar como uma tola.
Ela fitou mais uma vez a bela imagem refletida no espelho e observou a
expressão blasé e impassível do rosto masculino. Sem poder se conter soltou
uma gargalhada. Parecia não ter lhe restado nada mais a fazer
— Muito bem. Só por isso, vou me esforçar para ser tão distinta quanto
você.
— Deus me livre. — murmurou o senador antes de arrastá-la com ele
em direção à porta da frente.
Em meio à iluminação elegante, os cristais resplandecentes, as toalhas
de mesa de linho branco e o ofuscar do brilho da prata, Shelby tomou acento
em uma das mais de duas dúzias de mesas amplas e redondas, com Alan de um
lado e o diretor do Comitê de Meios e Arbítrios do outro. Sorveu uma
colherada da sopa de lagosta e deixou a conversação fluir
— Se não fosse tão teimoso, Leo, e tentasse uma raquete de alumínio,
talvez melhorasse seu desempenho no jogo.
— Meu desempenho melhorou muito. O estadista calvo e de ombros
largos agitou a colher em sua direção. — Não jogamos há seis meses. Não me
venceria agora.
Shelby exibiu um sorriso luminoso, sorvendo um gole de água, enquanto
os pratos principais eram postos à mesa.
— Veremos se não arranjarei tempo para ir ao clube.
— Pois faça isso. Seria um prazer derrotá-la.
— Terá de tomar cuidado com seus foot faults. — lembrou ela, com um
brilho maroto no olhar.
Agradecia aos céus o fato de ter sentado próximo a Leo. Com o
estadista era capaz de conversar com naturalidade. Conhecia dúzias de
pessoas no amplo salão de teto elevado e poucas com quem tinha o prazer
genuíno de passar algumas horas.
A ambição parecia flutuar pelo ambiente em sintonia com as fragrâncias
dos perfumes caros. Mas o que mais a incomodava eram as regras austeras e
inflexíveis que caminhavam lado a lado com ela. E com Alan, refletiu, para em
seguida empurrar o pensamento para o fundo da mente. Prometera-lhe que seu
comportamento seria impecável. Deus sabia o quanto estava tentando.
— Sem esquecer-se de seu fraco backhand...
— Pois esqueça meu backhand. — interrompeu o estadista, torcendo o
nariz. Em seguida, inclinando-se para frente, franziu o cenho em direção a
Alan. — Alguma vez jogou tênis com essa intransigente?
— Não. Ainda... — os olhos negros a fitaram com intensidade. — Não.
— Muito bem, deixe-me preveni-lo de que essa garotinha adora vencer.
Sem respeitar sequer os mais velhos. — adicionou, pegando o garfo.
— Mas não costumo acrescentar pontos ao meu escore quando estou
perdendo.
Um sorriso traquina curvou os lábios de Leo.
— Endiabrada. — acusou ele. — Espere até a revanche.
Com uma risada, ela se voltou para Alan.
— Joga tênis, senador?
— De vez em quando. — retrucou ele com a sombra de um sorriso.
Optou por não mencionar que se destacara no esporte em Harvard.
— Imagino que xadrez seria um jogo mais apropriado a você. Traçar
longas e exaustivas estratégias.
O sorriso estampado no rosto masculino permanecia enigmático,
enquanto ele estendia a mão para a taça de vinho.
— Então teremos de jogar
— Acho que já o fizemos.
A mão firme roçou a dela.
— Quer uma revanche?
Shelby lhe lançou um olhar que fez o sangue ferver nas veias do senador
— Não. Não permitirei que me vença uma segunda vez.
Deus! Como desejava que aquele jantar interminável findasse. Ansiava
por ficar a sós com aquela mulher extraordinária. Onde pudesse arrancar-lhe
as vestes peça por peça e se deleitar ao contato da pele quente e macia.
Poderia fitar os sorridentes olhos acinzentados até se certificar de que ela não
pensava em nada além dele. Era a fragrância sensual de Shelby que lhe
embotava os sentidos e não o arranjo de flores postado no centro da mesa ou
mesmo o aroma da comida. Era a voz suave e discretamente rouca da oleira
que ouvia e não os sons dos demais presentes. Podia discutir assuntos de
maneira exaustiva com a congressista à sua direita, fingindo interesse no que
ela dizia, mas tudo em que pensava era tomar Shelby nos braços e escutá-la
murmurar seu nome enquanto o tocava.
Aquele desejo cortante iria abrandar, tentou convencer a si mesmo.
Teria de acalmar Um homem poderia enlouquecer se cobiçasse uma mulher
com tal intensidade. Com o tempo, por certo se tornaria uma sensação suave.
Um toque no meio da noite... Um sorriso ao se cruzarem na sala. Observou o
perfil feminino, enquanto Shelby continuava a provocar Leo. Os traços
graciosos da fisionomia delicada, os cabelos cor de fogo... Aquela mulher
nunca seria branda. O desejo nunca iria amainar. Shelby era seu destino assim
como ele era o dela. Nenhum dos dois podia impedir aquilo.
As conversas refluíam por sobre a suave música ambiente. Uma cortina
de fumaça proveniente dos cigarros, charutos e cachimbos se elevava em
direção ao teto. O assunto predominante era a política, por vezes, irascível,
por outras, prática. Qualquer outro tema que surgisse era invariavelmente
ligado a ela. O senador ouviu Shelby expressar uma opinião concisa e pouco
lisonjeira sobre um controverso projeto de lei que tramitaria no congresso na
semana seguinte. Aquilo pareceu enfurecer seu interlocutor, embora o homem
mantivesse a expressão controlada que ela tentava alterar de maneira
implacável. Embora concordasse com o ponto de vista de Shelby, achava sua
tática... Rebelde, decidiu após um momento de hesitação. Aquela mulher nunca
seria uma diplomata.
Teria noção de quão complexa era?, imaginou Alan. Ali estava ela, em
meio a um grupo de políticos, e linda assim podia argumentar com todos em
seus próprios termos, sem sequer aparentar qualquer desconforto. Não,
concluiu ele. Se havia algum mal-estar, este se limitava a seus interlocutores.
O olhar de Alan deslizou pelas demais pessoas à mesa, sem interromper a
conversação com a congressista. Shelby não possuía o verniz social deles por
escolha própria. Mais que isso, era radicalmente contra adquiri-lo. Aquela
mulher não tentava ser incomparável. Ela o era.
A sofisticada morena sentada à sua frente podia ser bonita, a loira, mais
pomposa... Mas era de Shelby que se lembrariam ao findar a noite. O
representante de Ohio podia ser possuidor de uma sagacidade aguçada, o
assistente do secretário de estado talvez fosse erudito... Mas era com a oleira
que todos queriam conversar Por quê? Não havia uma razão exata. Shelby era
assim.
Percebeu quando ela se virou em sua direção, antes que os lábios
macios lhe roçassem a orelha.
— Dança comigo, senador? É a única forma digna de eu colocar as
mãos em você no momento.
Alan permitiu que a onda irrefreável de desejo o dominasse... Um
redemoinho de emoções que apagou os demais presentes a seus olhos e
ouvidos por um momento. Tentando controlá-lo, ergueu-se e tomou a mão de
Shelby na sua.
— É curioso como nossas mentes estão em sintoma. — após guiá-la até
a pista de dança, puxou-a para si.
— E como... — murmurou-lhe ao ouvido. -— Encaixamo-nos com
perfeição.
Shelby inclinou a cabeça para trás para fitá-lo.
— Não deveríamos. — os olhos cinza encerravam promessas secretas.
Os lábios tentadores se encontravam sedutoramente entreabertos. A mão
feminina se movimentava próximo ao seu pescoço, de forma que os dedos
pequenos podiam lhe tocar a pele. — Tampouco estarmos em sintonia. Não
posso entender como conseguimos isso.
— Você desafia a lógica, minha querida. Além disso, sabemos que não
há resposta razoável para isso.
Shelby riu, extasiada com a unha de pensamento do senador.
— Oh, você é muito sensível para ser contestado.
— O que significa que o fará constantemente.
— Isso mesmo. — ainda sorrindo, ela recostou a cabeça ao peito firme.
— Oh, Alan. Conhece-me tão bem... Estou correndo risco de adorá-lo.
Ele se recordou que Myra utilizara a mesma palavra para definir os
sentimentos de Shelby para com o pai.
— Correrei o risco. E você?
Com as pálpebras cerradas, meneou suavemente a cabeça. Nenhum dos
dois soube se em concordância ou negativa.
No decorrer da noite, voltaram a dançar com outros pares. O
pensamento de um fixado no outro enquanto se moviam ao som da música. De
vez em quando, os olhares de ambos se cruzavam no salão com tamanha
intensidade que não passava despercebida pelas pessoas cujas subsistências
dependiam da observância de olhares e gestos. Tendências ocultas de todos os
tipos eram parte do jogo em Washington. Alguns apoiavam, outros se opunham,
mas todos tinham conhecimento delas.
— Bem, Alan... — começou Leo, passando a mão por sobre seu ombro
enquanto Shelby era guiada à pista de dança. — Vejo que está fazendo
progresso com seus moinhos de vento.
O senador levou a taça que tinha nas mãos aos lábios, sorvendo um gole
do vinho. Não se importava em bancar a Dom Quixote quando se tratava de
proteger seu projeto habitacional. Com o passar do tempo, aquele tipo de
rótulo teria certas vantagens. Era da natureza humana defender os miseráveis,
mesmo não fazendo nada de concreto para ajudá-los.
— Um pouco. Estou começando a obter um retorno positivo de Boston
em relação às melhorias dos abrigos de lá.
— Seria benéfico para você se conseguisse manter a bola rolando
durante esta administração. — o estadista acendeu o isqueiro e aproximou a
chama do longo cigarro aromático. — Poderia lhe dar apoio se lançasse sua
candidatura à presidência.
Alan saboreou o vinho e volveu o olhar a Shelby.
— Ainda é cedo para isso, Leo.
— Você é quem sabe. — redargüiu o estadista, soltando uma baforada
do cigarro. — Nunca desejei aquela... Competição em particular Mas você...
Muitos estão dispostos a passar para o seu lado se lhes der a chance.
Alan voltou o olhar para encarar o colega por um longo instante.
— Assim me disseram. — retrucou cauteloso. — Aprecio seu conselho,
mas esta é uma decisão na qual terei de pensar com cautela.
— Deixe-me enumerar alguns prós, já que de fato não me sinto
entusiasmado com os candidatos que temos no momento. — inclinou-se em
direção a Alan. — Sua ficha é impressionante... Embora com tendências
esquerdistas em algumas opiniões. Tem uma sólida trajetória no congresso e
seu mandato como senador está se aproximando do fim. Não entrarei em
detalhes sobre sua política ou seus projetos de lei... Vamos nos ater à imagem.
— soltou outra baforada de fumaça, enquanto considerava as próprias
palavras. — Sua juventude é uma grande arma. Isso nos dá tempo. A formação
que possui é impressionante... E o fato de ser esportista é um ponto positivo.
As pessoas gostam de pensar que seu líder se garante em campo. O histórico
de sua família é sólido e imaculado. O fato de sua mãe ser uma profissional
bem sucedida conta muito ao seu favor
— Ela ficaria feliz era ouvir isso. — disse Alan em tom seco.
— É suficientemente esperto para saber que isso é verdade. —
lembrou-o Leo, gesticulando com o cigarro em riste. — Mostra que pode se
relacionar e entender as profissionais do sexo feminino... É um grande
eleitorado cora poder de voto. Seu pai goza de excelente reputação por ter
feito seu próprio caminho de modo honesto. Não possui vespeiro para se pôr a
mão.
— Leo... — Alan sorveu o resto do vinho e fitou o colega nos olhos. —
Quem pediu para que falasse comigo?
— É bem perspicaz — redargüiu Leo, sem perder o ritmo. — Digamos
que me pediram para abordá-lo e lhe expor certas generalidades.
— Muito bem. Então, generalizando, devo lhe dizer que não descartei a
possibilidade de concorrer às primárias quando chegar o momento.
— É justo. — concordou o estadista, com um gesto de cabeça em
direção a Shelby. — Gosto muito daquela garota. Mas será ela uma boa
aquisição para você? Nunca os veria como um casal.
— É mesmo? — as palavras soaram casuais, mas os olhos negros se
estreitaram.
— A filha de Campbell... Ela conhece as regras, participando das
campanhas desde criança. — Leo estreitou os lábios, considerando os prós e
contras. — Shelby cresceu dentro da política, portanto não necessitaria ser
assistida em protocolos ou diplomacia. É certo que é um tanto independente.
— bateu as cinzas do cigarro, distraído. — Mais do que deveria em certas
ocasiões. Há anos tem empregado bastante energia em zombar do cenário
político de Washington. Muitos a admiram por isso, eu mesmo posso lhe
garantir, mas outros se ressentem de sua língua afiada.
Leo levou o cigarro á boca e o tragou enquanto Alan permanecia era
silêncio.
— Contudo poderíamos polir suas arestas. É jovem. A resplandecência
pode ser amenizada. Sua formação e histórico familiar são irrepreensíveis e
tem glamour suficiente para atrair, não o bastante para alienar. Dirige o
próprio negócio e sabe como lidar com multidões. Uma escolha excelente, ao
final das contas. — decidiu o estadista. — Se a puder controlar.
Alan pousou a taça para não atirá-la no colega.
— Shelby não é uma aquisição. — afirmou, tentando controlar o tom de
voz. — Não está sendo requisitada a fazer nada além do que escolheu. Nosso
relacionamento não servirá de grão para o moinho da política.
Leo franziu o cenho. Havia tocado em um ponto nevrálgico, concluiu,
satisfeito pela forma como Alan conseguiu controlar a raiva. Não seria
interessante ter um destemperado no controle das forças armadas.
— Compreendo que pense que tem direito a um pouco de privacidade,
mas a partir do momento em que se candidatar, exporá sua namorada também.
Somos uma cultura de casais. Um reflete no outro.
O fato de saber que o colega tinha razão o enfureceu ainda mais. Aquilo
era exatamente o que Shelby repudiava e temia. Como poderia protegê-la
daquilo e continuar sendo o mesmo homem que era?
— O que quer que eu decida fazer, Shelby permanecerá livre para ser o
que é. — dizendo isso, ergueu-se. — Isso é fato, Leo.
CAPÍTULO IX

Com esplendorosa luz do sol e muito bom humor, Shelby abriu as portas
da Calliope na segunda-feira de manhã. Mesmo que estivesse desabando um
temporal, não mudaria seu estado de espírito. Havia passado um longo e
preguiçoso domingo em companhia de Alan, sem sequer se aventurar a sair do
apartamento.
Naquele momento, Shelby sentou-se atrás do balcão e optou por
permitir que um pouco do mundo exterior se insinuasse em sua atmosfera.
Pegando o exemplar do periódico da manhã que se encontrava sobre o balcão,
abriu, como sempre fazia, na seção de histórias em quadrinhos. Que
personagens apareceriam em Macintosh e o quê teriam a dizer uns para os
outros? Com os cotovelos pousados no balcão e as mãos sustentando o queixo,
sorriu divertida com os detalhes cômicos da história em quadrinhos de cunho
político. Esperava que o vice-presidente mantivesse o bom humor após ler a
alusão feita a ele naquela coluna. Ao que sabia, as pessoas notórias raramente
objetavam serem caricaturadas... Até certo ponto. Exposição, satirizada ou
não, era sempre exposição.
Voltou os olhos para a assinatura do autor. O simples G.C. identificava
o cartunista. Talvez o anonimato fosse a melhor opção para quem atacava o
ego de notoriedades com tanta freqüência. O tipo de atividade que não era
talhada para ela. Não era afeita ao anonimato.
Estendendo a mão para a xícara de café que esfriava a seu lado na
bancada, deslizou o olhar pelo resto da página. O humor sempre a ajudava a
enfrentar o dia e confirmava o ponto de vista de que por mais excentricidades
que houvesse no mundo, havia lugar para todas. Sorvendo um gole da bebida
morna, elevou o olhar ao perceber a porta da loja se abrir.
— Olá! — sorrindo para Maureen Francis, colocou o jornal de lado. A
morena não parecia o tipo de mulher que compraria uma capa, quanto mais
vesti-la. Naquela manhã usava um traje primaveril de seda azul-esverdeada.
— Nossa! Como está elegante. — elogiou a oleira, admirando a veste da
mulher, incapaz de se imaginar nela.
— Obrigada. — agradeceu Maureen, pousando uma pasta de couro no
balcão. — Vim buscar minha cerâmica e agradecer-lhe.
— Consegui as caixas. — Shelby desapareceu pela sala dos fundos,
onde instruíra Kyle para deixá-las. — Agradecer-me por quê? — gritou de lá.
— Pelo contato. — incapaz de conter a curiosidade, Maureen contornou
o balcão para espiar a oficina de Shelby. — Isso é maravilhoso! — exclamou,
fitando a roda de oleiro com a perplexidade de um leigo, antes de escrutinar as
prateleiras. — Adoraria vê-la trabalhar algum dia.
— Basta encontrar-me disposta em uma quarta-feira ou sábado e
poderei lhe dar algumas noções de olaria.
— Posso lhe fazer uma pergunta tola?
— Claro. — redargüiu Shelby, volvendo o rosto e a fitando por sobre o
ombro. — Todos têm direito a pelo menos três por semana.
Maureen gesticulou, abrangendo a oficina e a loja.
— Como gerencia isto tudo sozinha? Quero dizer, sei como é difícil e
complicado ter seu próprio negócio, mas unir a administração à criatividade...
Deve levar horas para produzir algo. E logo em seguida, tem de se voltar para
as vendas.
— Não se trata de uma pergunta tola. — declarou Shelby depois de
algum tempo. — Acho que gosto de praticar as duas atividades. Aqui,
geralmente fico isolada. E lá... — gesticulou em direção à loja. — Não. Além
disso, gosto de comandar meu próprio negócio. Suponho que você também
goste, do contrário ainda estaria naquela firma em Chicago.
— Sim, mas há momentos em que anseio em voltar à segurança que
tinha lá. — e fitando as costas de Shelby. — Acho que isso não acontece com
você.
— Há certo prazer na instabilidade, não? — perguntou a oleira. —
Principalmente se acreditar que há uma rede de proteção em algum lugar
esperando para salvá-la se sair da linha.
Com uma risada divertida, Maureen meneou a cabeça.
— É um modo interessante de ver a questão. Divirta-se e deixe o resto
por conta do destino.
— Em poucas palavras. — Shelby entregou a primeira caixa para a
cliente e em seguida ergueu a segunda.
— Quanto ao contato que mencionou, suponho que esteja se referindo a
Myra.
— Sim. Telefonei-lhe sábado à tarde. Tudo que tive de fazer foi
pronunciar seu nome e ela me convidou para almoçar hoje.
— Myra não gosta de perder tempo. — Shelby soprou a franja,
enquanto pousava a caixa no balcão. — Você vai me informar sobre o
progresso das coisas?
— Será a primeira a saber. — prometeu Maureen. — Sabe como é raro
encontrar alguém disposto a ajudar os outros mesmo entre amigos íntimos, o
que dirá entre estranhos. Sou-lhe muito grata.
— Disse que era boa no que fazia, — lembrou Shelby com um sorriso,
enquanto acabava de preencher o recibo. — e achei que devia ser. No entanto,
não deve considerar um grande favor até esta tarde. Myra é uma mulher
exigente.
— Eu também. — declarou Maureen, tirando o talão de cheques da
bolsa. — E bastante curiosa. Pode me mandar cuidar de minha própria vida,
— começou, voltando o olhar para Shelby. — mas não posso deixar de
perguntar como vão as coisas com o senador MacGregor. Não o reconheci da
primeira vez. Achei que era um louco apaixonado qualquer.
Shelby considerou a descrição por alguns segundos e a aprovou.
— É um homem obstinado. — afirmou por fim, destacando a cópia do
recibo do bloco. — Graças a Deus!
— Ótimo. Gosto de homens românticos. Bem, é melhor eu levar estas
caixas para o carro se não quiser me atrasar.
— Eu a ajudarei. — segurando uma das caixas, Shelby abriu a porta
para que Maureen pudesse passar.
— O carro está aqui na frente. — ao alcançá-lo, a mulher abriu o porta-
malas. — Vou passar por aqui qualquer quarta-feira ou sábado para vê-la
trabalhar.
— Está bem. Mas se eu estiver mal-humorada, espere até eu melhorar.
Boa sorte.
— Obrigada. — Maureen fechou o porta-malas e contornou o carro
para se acomodar no banco do motorista. — Dê lembranças ao senador, está
bem?
Com uma gargalhada divertida, Shelby acenou para a cliente, antes de
voltar à loja. Iria encaixotar a jarra redonda verde, decidiu. Desta vez
surpreenderia Alan.
Ele estava para adquirir uma de qualquer forma... Talvez não fosse
surpresa para ele.
Geralmente, Alan não se sentia incomodado, mas naquela manhã fora
uma torrente contínua de reuniões infindáveis. Não se incomodava com o
assédio da imprensa, mas um dos repórteres que rondavam o Senado o
aguardava do lado de fora do prédio e fora, insistente e irritante. Talvez ainda
carregasse consigo o mal-estar que lhe causara a conversa que tivera com Leo
no jantar dançante, ou mesmo estivesse sentindo o peso do excesso de
trabalho, mas quando saiu do elevador no andar que ocupava no prédio, sua
paciência estava chegando ao limite.
— Senador. — a assistente de Alan ergueu-se da cadeira de imediato,
parecendo tão esgotada quanto ele.
— Os telefones não pararam de tocar durante toda a manhã. —
carregava uma agenda de couro nas mãos e a estava folheando. — Um tal de
Brewster; a congressista Platt; comoção no gabinete do prefeito em Boston
sobre o abrigo de Back Bay; Smith, o consultor de mídia; Rita Cardova, uma
assistente social do noroeste que insiste em falar com o senhor pessoalmente
sobre um projeto para um abrigo; e...
— Mais tarde. — Alan adentrou o gabinete apressado, fechando a porta
atrás de si. Dez minutos, prometeu a si mesmo, enquanto jogava a pasta sobre
a mesa. Havia respondido a uma torrente de perguntas desde as oito horas e
trinta minutos da manhã. Para o diabo! Iria se dar ao luxo de ter dez minutos de
descanso antes de voltar ao trabalho.
Não era seu costume precisar deles, pensou com uma sombra de
frustração, enquanto franzia o cenho e observava a paisagem através da janela
de vidro. De lá, avistava o lado leste do prédio do congresso. O domo branco,
simbolizando a democracia, liberdade de pensamento, justiça... Tudo em que
Alan sempre acreditara. Podia visualizar a praça do Capitólio com seus
majestosos vasos, repletos de flores. Foram postados lá depois do
bombardeio... Uma barricada harmoniosa. Se, como dissera Leo, lançasse sua
candidatura, teria de lidar com o Congresso todos os dias.
Não poderia postergar aquela decisão por muito tempo. Pelo lado
profissional seria possível esperar um pouco mais, avaliar os prós e contras,
mas pelo pessoal teria de tomar uma posição o quanto antes. Não poderia
considerar a possibilidade de pedir a mão de Shelby em casamento até
colocá-la a par de suas pretensões. Estaria lhe pedindo para dividir mais que
um nome, casa e família se porventura assumisse a presidência. Isso exigiria
que ela cedesse uma parte de sua vida a ele e ao país. Não poderia considerar
aquela uma decisão individual. Shelby era sua esposa em todos os sentidos,
com exceção do legal... Teria apenas de convencê-la daquilo.
Quando a campainha do telefone tocou, Alan voltou um olhar
contrariado ao aparelho. Haviam apenas se passado cinco dos dez minutos que
prometera a si mesmo. Aborrecido, levou o fone ao ouvido.
— Sim?
— Desculpe incomodá-lo, senador, mas seu pai está na linha.
Alan passou a mão pelos cabelos e sentou-se na cadeira giratória.
— Tudo bem. Vou atendê-lo... E desculpe-me. Tive uma manhã
estafante.
O tom de voz da assistente mudou de pronto.
— Tudo bem. Seu pai parece-me... Exuberante, como sempre.
— Arlene, deveria ter optado pelo corpo diplomático. — ouviu a risada
divertida da jovem, enquanto passava a ligação. — Olá, papai!
— Muito bem, vejo que ainda está vivo. — a voz grave e potente não
escondia o traço de sarcasmo. — Eu e sua mãe pensamos que tivesse sofrido
um acidente fatal.
Alan tentou disfarçar o riso no tom de voz.
— De fato, cortei-me fazendo a barba na semana passada. Como vai o
senhor?
— Ele me pergunta como estou passando! — Daniel deixou escapar um
suspiro exasperado. — Imagino se ainda se lembra sequer de quem sou! Mas,
tudo bem... Não tenho mesmo nenhuma importância. Porém, sua mãe está
ansiosa para que seu primogênito dê notícias.
Alan recostou-se ao espaldar da cadeira. Quantas vezes amaldiçoara o
fato de ser o filho mais velho e dar ao pai a oportunidade de alfinetá-lo com
aquela frase? Não que Daniel não tivesse outras pérolas para provocar Caine
e Rena também... A filha única e o caçula.
— Tenho tido dias agitados. Mamãe está aí?
— Teve de ir atender a uma emergência no hospital. — Daniel jamais
admitiria que a esposa, Anna, teria lhe pregado um sermão se soubesse o que
ele estava pretendendo. Considerava uma boa estratégia não lhe contar até que
estivesse concluído. — Mas ela tem se queixado com freqüência. — mentiu
sem receio. — Resolvi enterrar meu orgulho e lhe telefonar. Já está em tempo
de tirar folga em um fim de semana e vir visitar sua mãe.
Alan ergueu a sobrancelha, percebendo o ardil de Daniel. Conhecia o
pai muito bem.
— Pensei que ela estivesse ocupada com os preparativos para a
chegada de seu primeiro neto. Como está Rena?
— Pode ver com seus próprios olhos este fim de semana. — informou
Daniel. — Eu... Quer dizer, Rena e Justin decidiram passá-lo conosco. Caine e
Diana também virão.
— Esteve ocupado. — murmurou Alan.
— O que disse? Não resmungue, garoto.
— Falei que estará bastante ocupado — emendou o senador, prudente.
— Tudo por sua mãe. Não posso arriscar minha paz de espírito. Sabe
que ela se preocupa com todos vocês... De maneira especial com o filho mais
velho, desde que é o único solteiro. — acrescentou. — Seus dois irmãos são
mais novos e casaram antes de você. Isso porque o primogênito, detentor do
nome de meu pai, anda tão ensimesmado em seus deveres que não lhe sobra
tempo para dar continuidade à linhagem MacGregor.
Alan pensou na manhã enfastiante que tivera e quase riu.
— A continuidade da linhagem MacGregor parece estar garantida.
Talvez Rena tenha gêmeos.
— Ora! — mas por instantes o pai considerou a idéia, recordando-se de
que do lado materno de sua família haviam nascido gêmeos duas gerações
atrás. Teria de estudar a árvore genealógica mais tarde, depois que desligasse.
— Esperamos você sexta-feira à noite. Agora... — Daniel inclinou-se sobre a
ampla mesa e tragou um dos cigarros que lhe haviam sido proibidos pelo
médico. — Que diabos significam essas notícias nos jornais?
— Descreva-as para mim. — sugeriu Alan.
— Suponho que tenha sido um erro de impressão. — considerou Daniel,
franzindo o cenho e fitando a ponta do cigarro antes de apagá-lo no cinzeiro
que mantinha escondido na primeira gaveta de sua mesa.
— Acho que conheço meus filhos o suficiente.
— Explique-se melhor. — pediu Alan, embora já tivesse compreendido
a que o pai se referia.
— Quando li que meu próprio filho... Meu herdeiro... Está perdendo
tempo em um caso de amor com uma Campbell, percebi que só poderia ser um
erro de grafia. Qual o nome correto da moça?
Um misto de afeição e inquietação tomou conta de Alan à simples
referência a Shelby.
— A que moça está se referindo?
— Droga, garoto! A moça extravagante com quem está saindo. Uma
jovem atraente ao que parece. Boa ossatura, aparência saudável.
— Shelby. — informou o filho, aguardando a reação. — Campbell.
— Campbell! — vociferou Daniel. — Os ladrões e assassinos
Campbell!
— Sim. Ela também tem grande afeição pelos MacGregors.
— Nenhum filho meu dedica seu tempo a um descendente do clã
Campbell! — resfolegou o pai. — Vou lhe dar uma surra de correia, Alan
Duncan MacGregor! — a ameaça parecia tão vazia no momento quanto fora
quando Alan tinha oito anos de idade, mas foi pronunciada com o mesmo furor.
— Vou arrancar sua pele!
— Terá a chance este fim de semana, quando conhecer Shelby.
— Uma Campbell em minha casa! Isso é demais!
— Isso mesmo. — afirmou Alan. — E em sua família antes do fim do
ano, se eu conseguir.
— Você... — um turbilhão de sensações tomou conta da mente de
Daniel. Uma Campbell interferindo em seu propósito: ver todos os filhos
casados e lhe dando muitos netos. — Está pensando em se casar como uma
Campbell?
— Já fiz a proposta. Mas ela não aceitou... Ainda. — acrescentou, para
não deixar dúvidas sobre suas intenções.
— Não aceitou! — repetiu Daniel, tomado de orgulho paterno ferido.
— Que espécie de tola é essa mulher? Uma típica Campbell! — resmungou.
— Pagãos estúpidos! — o pai de Alan desconfiava de que existissem
feiticeiros entre eles. — Provavelmente o enfeitiçou. -murmurou, indignado.
— Sempre teve bom senso. Muito bem, traga sua Campbell até mim. —
ordenou em tom áspero. — Vou fundo nisso.
Alan abafou uma risada, esquecendo o mau humor que o assolara
minutos atrás.
— Vou perguntar se ela quer ir.
— Perguntar? Ora! Traga essa descendente dos Campbell aqui! É uma
ordem.
Imaginando Shelby, o senador decidiu que não perderia aquele encontro
nem por dois terços de votos populares.
— Vejo-os na sexta-feira. Dê um beijo em minha mãe por mim.
— Até lá. — murmurou Daniel.
Quando desligou, Alan imaginou o pai esfregando as mãos em
antecipação. Aquele seria um final de semana interessante.
Quando alcançou a passagem estreita que levava à casa de Shelby, o
senador esqueceu a fadiga. Às dez horas exaustivas de trabalho ficaram para
trás junto com as resmas de documentos, fatos e figuras da vida política.
Entretanto, quando Shelby abriu a porta, percebeu os traços de cansaço
e preocupação remanescentes no rosto másculo.
— Dia difícil para a democracia? — com um sorriso luminoso, tomou-
lhe a face nas mãos e depositou-lhe um beijo suave nos lábios,
— Longo. — corrigiu ele, puxando-a para um abraço mais satisfatório.
E então obteve a certeza de que poderia enfrentar milhões deles se a tivesse no
fim do dia. — Desculpe-me pelo atraso,
— O importante é que está aqui agora. Aceita um drinque?
— Não recusaria por nada neste mundo.
— Venha, vou bancar a serviçal por alguns minutos. — Shelby o guiou
até o sofá. Depois de acomodá-lo, afrouxou-lhe a gravata, retirou-a e
desabotoou os primeiros botões da camisa de Alan. Ele a observou com a
sombra de um sorriso nos lábios, enquanto os sapatos lhe eram retirados.
— Poderia me acostumar facilmente a isso.
— Pois não se acostume. — aconselhou Shelby a caminho do bar. —
Não pode prever quando chegará e me encontrará enfartada no sofá, incapaz
de mover um dedo.
— Então cuidarei de você. — retrucou ele, pegando o copo de uísque
que Shelby lhe ofereceu antes de se aninhar a seu lado no sofá. — Estava
precisando disto.
— Da bebida?
— De você. — dizendo isso, Alan lhe tomou os lábios num beijo
apaixonado. — Só de você.
— Quer me contar sobre todos aqueles sórdidos políticos e lobistas ou
quem quer que tenha estragado seu dia?
Alan soltou uma gargalhada e sorveu um gole da bebida, deixando-a
escorrer lentamente pela garganta.
— Tive uma longa e tediosa reunião com a congressista Platt.
— Martha Platt. — Shelby deixou escapar um suspiro exasperado. —
Ela já era uma presunçosa linha dura, avarenta e burocrata quando eu era
menina.
A descrição cabia como uma luva na congressista, concluiu Alan.
— Ainda o é.
— Meu pai sempre dizia que ela daria uma excelente contadora
pública. Só pensa em dinheiro.
Rindo, descontraído, Alan pousou o copo. Quem precisava de uísque
quando podia ter Shelby?
— E você? Como vão as coisas no mundo dos negócios?
— Devagar pela manhã e agitadas à tarde. Tive de enfrentar uma horda
de estudantes. Parece que a olaria está em alta. Por falar nisso, tenho algo para
você. — Shelby ergueu-se e desapareceu no corredor, enquanto ele esticava as
pernas, percebendo o cansaço ceder aos poucos. Sentia-se mais relaxado do
que jamais acreditara que pudesse estar. — Um presente — declarou Shelby,
depositando uma caixa em seu colo. — Pode não ser tão romântico quanto os
seus, mas é exclusivo. — voltou a sentar ao lado dele, enquanto o observava
desembrulhar a caixa.
Em silêncio, Alan ergueu a jarra redonda, segurando-a com ambas as
mãos. De alguma forma, Shelby o havia imaginado segurando-a daquela
maneira. Como um líder romano teria feito. Ver uma peça sua nas mãos fortes
de Alan lhe dava prazer.
Ele a estudou por um longo tempo sem dizer palavra. A peça era pintada
em verde vivaz e lustroso com nuanças mais claras abaixo da superfície. As
linhas eram lisas e simples. Uma obra de arte primorosa em objetividade.
Alan não podia pensar em nada que recebera que tivesse mais importância.
— É linda. Na verdade, extraordinária. — sustentando a peça em uma
das mãos, segurou com a outra a mão de Shelby. — Fascinou-me desde o
momento em que a conheci, o fato de mãos tão pequenas possuírem um talento
imenso. — beijou os dedos finos antes de fitá-la nos olhos. — Obrigado.
Estava confeccionando esta peça quando entrei em sua oficina.
— Não esqueceu detalhe algum? — extasiada, deslizou a ponta do dedo
pelo contorno da jarra. — Estava pensando em você enquanto a elaborava.
Pareceu-me justo que ficasse com ela quando terminasse. Então, quando estive
em sua casa, tive a certeza de que ela combinava com você.
— Combina comigo. — concordou ele, antes de recolocar a jarra na
caixa. Depois de pousá-la com cuidado no chão ao lado do sofá, puxou Shelby
para si. — Assim como você.
Ela deixou a cabeça descansar sobre o ombro protetor. Parecia
verdade, dito por Alan.
— Vamos pedir comida chinesa.
— Pensei que quisesse ver o filme que está passando no cinema no fim
da rua.
— Isso foi pela manhã. Agora tudo que desejo é comer carne de porco
ao molho agridoce no sofá em sua companhia. — declarou, enquanto lhe
mordiscava o pescoço.
Alan voltou o rosto até que seus lábios roçassem os dela.
— Que tal deixarmos a comida para mais tarde?
— Tem uma mente bastante criativa. — comentou
Shelby, recostando-se à pilha de travesseiros e levando-o consigo.
— Agrada-me a forma como ela funciona. Beije-me como fez a
primeira vez que se sentou neste sofá. Levou-me à loucura.
Os olhos acinzentados estavam semicerrados e os lábios apetitosos,
entreabertos. Alan enterrou os dedos na massa de cabelos ruivos e a deitou
sobre os travesseiros. Não possuía a mesma paciência que impôs a si mesmo
da primeira vez. Com Shelby, imaginar como seria não se comparava à
excitação da realidade. Aquela mulher era mais estimulante do que a mais
luxuriosa fantasia. Mais desejável do que o mais ousado sonho. E lá estava
ela, toda sua.
Alan saboreou os lábios macios lentamente, da forma exata como ela
imaginara. A ânsia de devorá-los podia ser contida quando estava certo de que
haveria um momento certo para fazê-lo. Shelby suspirou extasiada enquanto
um leve tremor perpassou-lhe o corpo. A combinação quase o levou à loucura
e só então Alan percebeu que estava próximo à insanidade. Não a havia sequer
tocado, a não ser pelo roçar suave e provocante dos lábios macios.
Desconhecia que a tortura podia ser tão prazerosa, mas tinha plena
ciência do doce encantamento da agonia ao contato com a boca quente e úmida
e à pressão tênue dedos de Shelby desabotoando-lhe a camisa.
Ela se deleitava com o contato da pele quente contra a sua. Cada vez
que o tocava, percebia que nunca se cansaria de fazê-lo. A intimidade com
aquele homem sempre lhe trazia prazer e voracidade. Sempre que via algo que
admirava, ansiava por senti-lo. O peso, a textura. E com Alan não era
diferente. Ainda assim, a cada vez que o tocava sentia como se fosse a
primeira.
A fragrância do sabonete que ele usava... Não, do seu sabonete,
lembrou, remanescia na pele masculina misturada ao aroma almiscarado que o
dia de trabalho lhe tinha impregnado. O coração de Alan batia apressado,
embora a boca ousada e experiente explorasse a sua com movimentos lentos e
enervante calma. Os dedos de Shelby trilharam os ombros largos enquanto lhe
retirava a camisa. Ansiava por explorá-lo com mais liberdade, mas o beijo de
Alan perdeu a morosidade de uma forma que a deixou ofegante.
E em instantes ela rodava em uma espiral devastadora em meio à
tempestade de emoções que aquele homem era capaz de conjurar como um
mágico. Tinha a impressão de estar atravessando nuvens escuras e raios
resplandecentes. Podia jurar que ouvira um trovão, mas eram apenas as
batidas da própria pulsação. As mãos de Alan se tomaram rápidas e ousadas,
despindo-a com velocidade e destreza impressionantes e a modelavam com
toques ousados que a faziam passar de um tremor convulsivo a outro, sem lhe
restar mais nada a não ser se deixar levar pela torrente de prazer.
Alan a ouviu gritar seu nome, mas estava por demais enredado na
própria teia de luxúria para responder. A forma como haviam feito amor terna
e lentamente na noite anterior não provocara o mesmo efeito nele. Havia algo
selvagem dentro de Alan que ele nunca se permitira libertar e que naquele
momento eclodira com a violência de uma pantera escapando da jaula. Tinha
ciência de que a estava devastando, mas se via incapaz de parar O corpo
feminino se encontrava ávido e trêmulo sob o dele. Tudo que sua boca tocava
tinha sabor de paixão e promessa.
Shelby arqueou o corpo, gemendo, ofegante. Com a língua ágil, Alan a
levou ao limite máximo da excitação. O corpo feminino estava em chamas. A
mente vazia de pensamentos era comandada apenas pelas sensações
inebriantes. Não saberia dizer o que Alan lhe pedia, embora percebesse a
urgência da voz máscula e rouca. Não sabia o que responder, a não ser que
nada que ele lhe tivesse pedido seria negado. Em meio à cortina de paixão,
Shelby avistou a face masculina sobre a dela e tudo que pôde divisar foi o
olhar selvagem e escuro de Alan.
— Não posso viver sem você. — declarou ele num sussurro que fazia
eco aos pensamentos de Shelby. — Não permitirei que isso aconteça. — em
seguida os lábios quentes tomaram os dela e tudo mais foi esquecido no
delírio alucinado da paixão.
— Tem certeza de que não quer mais?
Duas horas mais tarde, Shelby se encontrava sentada com as pernas
cruzadas na cama, trajando um exíguo robe com motivos japoneses que lhe
deixava as pernas à mostra. Enfiou o garfo na embalagem de papelão e espetou
um pedaço da carne de porco ao molho agridoce. Atrás dela, a televisão
estava ligada, emitindo um som baixo com a tela apagada. Alan esticou-se
confortavelmente na cama, com a cabeça pousada na pilha de travesseiros.
— Não. — retrucou, observando-a comer os últimos pedaços da carne.
— Por que não conserta o aparelho de TV?
— Mais cedo ou mais tarde o farei. — redargüiu ela em tom vago, antes
de pousar a embalagem de comida no criado-mudo. Em seguida, levou a mão
ao estômago e suspirou. — Estou empanzinada. — exibindo um sorriso
luminoso, deixou o olhar vagar do rosto másculo e depois pelo corpo de
músculos firmes e pouco dilatados. — Imagino quantas pessoas na área
metropolitana de Washington sabem o quão maravilhoso é o senador
MacGregor trajando apenas roupas íntimas.
— Um grupo seleto.
— Deveria explorar mais sua imagem, senador. — sugeriu Shelby,
escorregando um dedo pelo dorso do pé longo e bem moldado. — Deveria
considerar a possibilidade de fazer um daqueles anúncios publicitários, como
os jogadores de futebol...
— Ainda bem que não é uma produtora de comerciais.
— Esse é o problema. — Shelby se deitou sobre o corpo másculo. —
Pense nas possibilidades...
— É o que estou fazendo. — replicou ele, deslizando a mão sob o robe
fino.
— Anúncios colocados com discrição em revistas de circulação
nacional, propaganda de trinta segundos no horário nobre. — Shelby escorou
os cotovelos nos ombros largos. — Eu iria gostar
— Pense no rumo que isso poderia tomar. Os políticos de todos os
cantos do mundo vestidos apenas com seus respectivos shorts.
Ela deu de ombros enquanto a cena se formava em sua mente.
— Deus! Isso poderia precipitar uma calamidade nacional.
— Mundial. — corrigiu ele. — Uma vez que a bola estivesse em jogo,
não haveria como parar.
— Está bem, já me convenceu. — rendeu-se Shelby, depositando um
beijo estalado na face máscula. — É seu dever patriótico manter-se vestido.
Exceto aqui. — acrescentou com um brilho malicioso no olhar, enquanto
brincava com o cós da cueca de Alan.
Rindo divertido, ele lhe tomou os lábios num beijo sensual.
— Shelby... — a língua quente roçou a dele, enquanto Alan envolvia-lhe
a nuca com uma das mãos com mais firmeza. — Shelby. — repetiu instantes
depois. — Há algo que queria lhe falar mais cedo, e estou correndo o risco de
me distrair de novo.
— É mesmo? — ela deslizou os lábios pela curva do pescoço longo.
— Tenho um programa para este final de semana.
— Oh? — Shelby limitou-se a dizer, mordiscando-lhe o lóbulo da
orelha.
Num gesto de defesa, Alan rolou sobre ela, mantendo-a cativa sob o
corpo.
— Recebi um telefonema de meu pai esta tarde.
— Ah! — um brilho maroto iluminou os olhos acinzentados. — O
latifundiário.
— O título combina com ele — concordou Alan, capturando-lhe as
mãos para evitar que Shelby lhe embotasse a mente com o toque macio e
suave. — Parece-me que Daniel MacGregor planejou um de seus famosos fins
de semana familiares. Quero que me acompanhe.
Ela ergueu uma das sobrancelhas.
— Para a fortaleza MacGregor em Hyannis Port? Desarmada?
— Hastearemos a bandeira branca.
Shelby desejava acompanhá-lo e ao mesmo tempo negar-se a ir uma
visita à família de Alan a aproximava do compromisso final que vinha
cuidadosamente evitando. Perguntas, especulações... Não haveria como evitá-
las. Alan desvendou-lhe o pensamento de forma tão precisa como se Shelby
tivesse dado voz a ele. Tentando afastar a frustração que o assolara, decidiu
mudar de tática.
— Recebi ordens para levar aquela garota... — começou ele,
observando os olhos cinza se estreitarem. —... Filha daqueles ladrões e
assassinos Campbell comigo.
— Foram estas as palavras de seu pai?
— Exatamente. — retrucou Alan em tom suave.
Shelby ergueu o queixo.
— Quando partiremos?
CAPÍTULO X

O primeiro pensamento de Shelby quando avistou a casa no rochedo


íngreme foi de satisfação por ter aceitado o convite. A residência era gloriosa.
Tosca e desprovida de ornamentos, destacava-se na colina com torres altas e
baixas sobressaindo na estrutura bruta. Era construída em pedra e se insinuava
para o mar, que se descortinava escuro e misterioso à luz do entardecer Uma
fortaleza, um castelo, um anacronismo... Não conseguia rotulá-la. Apenas
apreciá-la.
Quando voltou o olhar para Alan, viu que ele mantinha o sobrolho
erguido, enquanto esperava por seu veredicto. Shelby reconheceu de pronto o
toque de humor que perpassava os olhos negros. Havia aprendido a
reconhecê-lo bem como a ironia que ia em seu bojo. Com uma risada
divertida, ela inclinou-se sobre o painel do carro para observar a residência
mais uma vez.
— Sabia que eu iria adorá-la.
Por não poder resistir, Alan esticou a mão apenas para tocar com a
ponta dos dedos os cabelos macios.
— Achei que sim... Combina com você.
Shelby riu disfarçadamente ante o tom seco e continuou a observar a
casa, enquanto Alan dirigia o carro de aluguel pela estrada enlameada.
— Se eu tivesse crescido aqui, teria tido fantasmas sem cabeça como
companheiros de recreação e feito da torre mais alta o meu quarto.
Alan manobrava o veículo pelas curvas sinuosas que completavam o
cenário rústico. O mar estava próximo o bastante para que se sentisse a
maresia e se ouvisse o som das ondas que penetrava pelas janelas abertas do
carro.
— Não existem fantasmas, embora meu pai de vez em quando nos
ameaçasse de trazer alguns da Escócia. — com os lábios de linhas suaves
apenas curvados em um meio sorriso, Alan a fitou de soslaio. — Ele fez de
uma das torres o seu escritório.
Shelby volveu o olhar para encará-lo com a sobrancelha erguida e se
inclinou sobre o painel outra vez, estudando as janelas das torres altas. Daniel
MacGregor. Estava ansiosa por conhecê-lo, decidiu. Mesmo em sua fortaleza.
Mas antes, apreciaria a paisagem.
As flores davam um toque delicado à rudeza da residência, refletiu,
encantada. Havia hordas delas margeando a base da casa em uma miscelânea
colorida. Teria MacGregor a última palavra no que se referia ao paisagismo?,
imaginou Shelby. Ou seria uma seara que pertencia apenas à esposa? Talvez a
cirurgia torácica relaxasse plantando petúnias. Uma mente ágil e mãos hábeis
por certo necessitavam daquele tipo de passatempo.
Se a casa tivesse sido projetada por Daniel e os jardins por Anna,
ficava latente que um fora feito para o outro. Os dois aspectos eram ímpares.
Conhecê-los seria de fato interessante.
Tão logo Alan estacionou o carro, ela desceu do veículo e se aproximou
de um leito de flores de onde poderia obter uma visão mais acurada da casa. E
de novo se descobriu rindo, a cabeça pendida para trás e os revoltos cachos
de cabelos ruivos se agitando ao vento. Na penumbra, a estrutura de pedra
parecia ainda mais imponente.
Alan recostou-se ao capo do carro e a observou. Às vezes, a simples
visão daquela mulher era o suficiente para extasiá-lo.
Gostava da imagem de Shelby contrastando com o fundo colorido das
flores-do-campo e a brutalidade das pedras da casa. Ela mantinha as mãos nos
bolsos da calça larga. O tecido fino da blusa se agitava ao vento. As diminutas
tulipas que enfeitavam o decote haviam sido bordadas com esmero mais de
cinqüenta anos antes. Usava um fino relógio digital no pulso.
— Eu, de fato, teria inventado fantasmas. — decidiu ela, oferecendo-lhe
a mão. — Assustadores e estrepitosos e não etéreos ou trapalhões. — os
dedos curtos se entrelaçaram nos dele e por um instante eles fitaram a casa em
silêncio. — Beije-me, MacGregor. — pediu Shelby, soprando dos olhos o
cacho de cabelos que caíram sobre eles com o vento. — Forte. Nunca vi
cenário mais convidativo para isso.
Enquanto falava, pressionou o corpo contra o dele e correu as mãos
pelas cortas largas, puxando-o para si. Com os lábios colados ao dele, pensou
sentir uma tempestade se aproximando pelo mar, ainda que o céu estivesse
límpido. Ao tocá-lo, tinha a sensação da eletricidade dos raios cm dias de
tormenta. Se ele sussurrasse seu nome, poderia ouvir os trovões.
Em segundos ambos estavam comprimidos um contra o outro,
esquecidos do mundo que havia congelado ao redor deles. Talvez as aves
marinhas tivessem se aproximado dos ninhos ao cair da noite e a lua iniciado
sua ascensão ao céu, enquanto o sol se punha. Mas nenhum daqueles
fenômenos tinha importância. O universo de ambos era centrado um no outro.
As mãos pequenas roçaram-lhe a nuca e permaneceram pousadas no
peito de Alan, enquanto se separavam. Uma onda de pesar a atingiu,
inexorável, por tudo que ainda não se sentia capaz de lhe dar. O que talvez
nunca estivesse apta e lhe oferecer Um compromisso que poderia transcender
todo o medo, dúvida e a promessa que fizera a si mesma.
— Eu o amo, Alan. — murmurou. — Acredite em mim.
Ele podia ver claramente o brilho da paixão que emanava dos olhos
acinzentados. Mas também podia perceber a luta que Shelby travava consigo
mesma. Sim, ela o amava, mas... Ainda não, disse a si mesmo. Podia esperar
um pouco mais antes de pressioná-la outra vez.
— Eu acredito. — afirmou ele, segurando-lhe os pulsos. Com um
movimento suave e gentil, beijou-lhe as palmas das mãos antes de segurá-la
pela cintura. — Vamos entrar.
Shelby inclinou a cabeça para o lado o suficiente para descansá-la
sobre o ombro protetor, enquanto caminhavam em direção à porta.
— Estou confiando em sua palavra de que sairei intacta daqui.
Alan apenas sorriu.
— Já lhe falei sobre minha resistência em bancar o mediador.
— Muito obrigada. — disse ela, erguendo o olhar para a maciça porta
de madeira e notando a cimeira do brasão que servia de batente. O leão
MacGregor a fitava com frieza, com sua divisa gaélica sobre a cabeça
coroada.
— Seu pai não é daqueles que escondem seus talentos, é?
— Digamos que ele possui um forte senso de orgulho familiar. —
redargüiu Alan, enquanto erguia o batente e o deixava cair pesadamente sobre
a grossa porta de ladeira. Shelby imaginou se o som não reverberaria por
todos os recantos da casa. — O clã MacGregor, — começou o senador em tom
de voz baixo. — é um dos únicos que têm a permissão de usar a coroa em suas
cimeiras. Linhagem perfeita.
— Ah, sim! — Shelby lhe lançou um olhar desdenhoso, enquanto ele
soltava uma gargalhada. — Qual a graça?
Antes que Alan pudesse responder, a porta maciça se escancarou.
Shelby avistou um homem alto, louro, com cativantes olhos azuis que tendiam
para o violeta. Possuía um rosto fino que lhe emprestava uma aparência
inteligente e sagaz. Recostando-se à porta, sorriu para o senador
— Pode rir. — disse o homem. — Papai está resmungando e
discursando há uma hora. Algo sobre... — o olhar do desconhecido pousou
demoradamente em Shelby. — Traidores e infiéis. Olá, você deve ser a
traiçoeira, segundo Daniel.
A ironia amigável na voz do homem fez os lábios da oleira se curvar
num sorriso.
— Acho que sim.
— Shelby Campbell, meu irmão, Caine.
— A primeira Campbell a pisar em um território MacGregor. Entre, por
sua conta e risco. — o irmão caçula lhe ofereceu a mão, enquanto Shelby
cruzava a soleira da porta. O primeiro pensamento que lhe cruzou a mente foi
que aquela mulher possuía a face de uma sereia... Não tão bela, mas agradável
de apreciar e difícil de esquecer.
Shelby olhou em torno do amplo corredor, aprovando as tapeçarias
desbotadas e a mobília antiga. Sentiu o frescor do aroma das flores da
primavera e percebeu um pouco de poeira sobre os móveis com polimento
antigo. Não poderia ser mais perfeito.
— Bem, o teto não desabou. — comentou, enquanto estudava um escudo
incrustado na parede. — Até aqui, tudo bem.
— Alan! — Serena descia apressada as escadas apesar do abdome
avantajado pela gravidez. Shelby observou a mulher elegante com os olhos da
cor dos de Caine e cabelos de um tom suave de loiro. Viu estampados no rosto
delicado o prazer, o amor e a alegria antes que ela se atirasse nos braços do
irmão mais velho. — Estava com saudades de você.
— Está linda, Rena. — dizendo isso, Alan pousou a mão gentil sobre o
ventre abaulado da irmã, com um misto de deslumbramento e orgulho. Sua
irmã caçula.
— Não consigo me acostumar com isso. — murmurou.
Serena cobriu a mão máscula com a sua.
— Não tem muito tempo para se acostumar. — anunciou, sentindo os
movimentos do bebê sob as mãos unidas e sorrindo encantada quando o irmão
devolveu-lhe o olhar — Ele ou ela está impaciente para nascer. — e
inclinando a cabeça, estudou a fisionomia de Alan. — De uma hora para outra,
papai colocou na cabeça que podem ser gêmeos... Fico imaginando quem pode
ter plantado tal idéia em sua cabeça.
Os olhos negros sorriram, zombeteiros.
— Foi apenas uma manobra defensiva.
— Certo. — girando o corpo, estendeu as duas mãos à visitante. —
Deve ser Shelby. Fico feliz que tenha vindo.
De imediato a oleira sentiu o olhar caloroso, mais despreocupado que o
de Alan e menos curioso que o de Caine.
— Eu também. Estava ansiosa por conhecer a mulher que quebrou o
nariz de Alan.
Rindo disfarçadamente, Serena fez um gesto de cabeça em direção a
Caine.
— Era para ter acertado ele. — estreitou o olhar para o irmão, enquanto
o caçula enfiava as mãos nos bolsos, sorrindo divertido. — Venha, vamos
conhecer o resto da família. — continuou, dando o braço a Shelby. — Deus!
Espero que Alan a tenha preparado.
— Do jeito dele.
— Se começar a se sentir enfadada, dirija-me um olhar Ultimamente
tudo que tenho a fazer é suspirar para monopolizar a atenção de meu pai por
um bom tempo.
Alan observou as duas mulheres que seguiam pelo corredor
— Parece que Rena está assumindo o controle da situação. —
murmurou.
Caine esboçou um sorriso, enquanto passava o braço por sobre o ombro
do irmão.
— A verdade é que todos estávamos curiosos para conhecer sua
Campbell desde que papai fez o... Bem... Anúncio. — não se atreveu a
perguntar a Alan se o relacionamento era sério. Não havia necessidade.
Arriscou outro olhar especulativo a Shelby, enquanto ambos as seguiam pelo
corredor — Espero que a tenha prevenido de que nosso pai ladra, mas não
morde.
— E por que faria isso?
Shelby dispôs de um instante para captar o cenário da sala de visitas
quando estacou a soleira da porta. Sentado em uma cadeira gigante, um homem
moreno fumava tranqüilo. Teve a impressão de que a figura imóvel podia ser
bastante ágil quando necessário. No braço da cadeira estava acomodada uma
mulher da mesma cor, as mãos compridas se encontravam cruzadas sobre a
aba da blusa de cor verde vivo. Um casal notável, refletiu Shelby. Ao que
parecia, os MacGregors eram uma família admirável.
Em frente ao casal havia uma mulher bordando serena em uma
confortável poltrona. Shelby podia notar de onde vieram as feições de Alan,
bem como o sorriso atraente e sisudo. No centro do grupo, em uma cadeira
preta de espaldar alto, encontrava-se um homem que combinava com ela.
Shelby notou que Daniel MacGregor era maciço. Um homem
impressionante com cabelos cor de fogo, ombros largos e face corada.
Reparou, com certo divertimento, que ele usava o xale dos MacGregors por
sobre o casaco.
— Rena deveria estar descansando mais. — afirmava, agitando o dedo
para o homem sentado na cadeira. — Uma mulher em sua condição não deve
permanecer em um cassino até altas horas da noite.
Justin soltou uma baforada do cigarro.
— O cassino é a vida de Serena.
— Quando uma mulher está grávida... — Daniel fez uma pausa para
lançar um olhar inquisitivo a Diana. Shelby observou a mulher morena se
esforçar para sorrir antes de menear a cabeça. O patriarca deixou escapar um
suspiro e voltou-se para Justin. — Quando uma mulher está grávida...
— Pode fazer tudo igual às outras mulheres saudáveis. — completou
Serena.
Antes que o pai pudesse esbravejar qualquer resposta, avistou Shelby.
Os ombros largos se empertigaram e o queixo proeminente se ergueu em um
ângulo obstinado.
— Muito bem. — limitou-se a dizer.
— Shelby Campbell. — apresentou a filha em tom suave, enquanto
adentrava a sala com a visitante. — O resto de nossa família. Meu marido,
Justin Blade. — a oleira se viu fixada em um par de olhos verdes calmos e
acolhedores. Levou tempo para exibir um sorriso, mas quando o fez, valeu à
pena a demora. — Minha cunhada, Diana.
— Vocês são parentes. — Shelby interrompeu-a, observando Justin e
Diana. — Irmãos.
A mulher assentiu, admirando a sinceridade no olhar da visitante.
— Isso mesmo.
— De que tribo?
Justin sorriu e soltou outra baforada de fumaça.
— Comanche.
— Boa raça. — afirmou Daniel com uma batida de mão no braço da
cadeira. Shelby lhe lançou um olhar silencioso.
— Minha mãe. — continuou Serena, abafando uma risada.
— Ficamos felizes que tenha vindo. — a voz de Anna era calma e
suave. A mão, quando tocou a de Shelby, firme e quente.
— Obrigada. Estava admirando seu jardim, Dra. MacGregor. É
espetacular.
O sorriso da mãe de Alan se alargou, e ela apertou-lhe ainda mais a
mão.
— Obrigada. É uma das minhas vaidades. — e quando Daniel clareou a
garganta com grande estrondo, uma expressão divertida se estampou no rosto
da esposa. — Como foi o vôo?
— Ótimo. — de costas para o patriarca, Shelby sorriu. — Bastante
agradável.
— Deixe-me ver a moça! — ordenou Daniel, batendo com mais força
ainda no braço da cadeira.
Shelby ouviu Serena abafar outra risada. Com um movimento lento, a
visitante voltou-se para encarar Daniel, o queixo erguido no mesmo ângulo
arrogante do dele.
— Shelby Campbell. — adiantou-se Alan, desfrutando o momento. —
Meu pai, Daniel MacGregor.
— Campbell. — repetiu o pai, batendo com as duas mãos nos braços da
cadeira.
Shelby caminhou em direção ao homem, oferecendo-lhe a mão.
— Sim. — respondeu, porque o sangue de seus ancestrais parecia
comandá-la. — Campbell.
Daniel curvou os cantos dos lábios e ergueu as sobrancelhas, no que ele
considerava seu melhor semblante. Shelby sequer pestanejou.
— Minha família preferiria ter um texugo em casa a uma Campbell.
Alan observou a mãe entreabrir os lábios e meneou a cabeça para
silenciá-la. Não só sabia que Shelby podia se defender como ansiava para que
ela o fizesse.
— Muitos MacGregors sentem-se confortáveis com texugos na sala de
visitas.
— Bárbaros! — vociferou Daniel. — Os Campbells eram bárbaros,
cada um deles.
Shelby inclinou a cabeça para o lado, estudando-o de outro ângulo.
— E os MacGregors têm a reputação de serem perdedores.
A face do patriarca tomou-se tão rubra quanto os cabelos.
— Perdedores? Ora! Nunca houve um só Campbell que sobrevivesse a
um MacGregor numa luta justa. Os seus gostavam de assassinar pelas costas.
— Escutaremos a biografia de Rob Roy em um minuto — Shelby ouviu
Caine resmungar. — Não bebeu sequer um gole de sua bebida. — arriscou o
caçula, tentando distrair o pai. — E você, Shelby, aceita um drinque?
— Sim. — ela voltou o olhar para o irmão de Alan, percebendo o
esforço do rapaz para manter a serenidade. — Uísque. — disse, piscando o
olho para ele. — Puro, por favor. Se os MacGregors tivessem sido
inteligentes, — continuou ela — não teriam perdido suas terras, seus saiotes, e
seu nome. Reis, — Shelby falava em tom sereno, enquanto Daniel começava a
resfolegar. — têm o hábito de se impacientar quando alguém está tentando
derrotá-los.
— Reis! — explodiu Daniel. — Um rei inglês, por Deus! Nenhum
escocês genuíno precisa de um rei inglês para lhe dizer como deve viver em
sua própria terra.
Os lábios de Shelby se curvaram num sorriso, quando Caine lhe
entregou a bebida.
— Esta é uma verdade à qual posso beber.
— Sim. — Daniel ergueu o copo e bebeu o conteúdo de um só gole,
antes de pousá-lo sobre a mesa com um baque surdo. Erguendo um das
sobrancelhas, Shelby observou a bebida âmbar de seu próprio copo e seguiu o
exemplo do pai de Alan.
Por um instante, o patriarca franziu o sobrolho para o recipiente vazio
ao seu lado. De modo lento e em silêncio, volveu o olhar a Shelby, fitando-a
com insolência. Erguendo-se da cadeira, elevou-se sobre ela. Um homem forte
e grande com cabelos cor de fogo. Shelby levou as mãos à cintura. Uma
mulher esguia e magra com os cabelos da mesma cor. Alan desejou poder
pintar aquela cena.
E então Daniel soltou uma gargalhada, deixando as mãos compridas e
pesadas caírem de ambos os lados do corpanzil.
- Deus! Ela é uma moça e tanto!
No segundo seguinte, Shelby se descobriu suspensa num abraço forte
que significava que era bem-vinda.
Não demorou para que Shelby traçasse um esboço família MacGregor
em sua mente. Daniel era valente, autoritário e dramático... E um doce no que
tangia a seus filhos. Anna possuía o mesmo olhar e temperamento que o filho
mais velho. Podia dominar qualquer um, incluindo seu marido. Concluiu que
teria de se manter firme com Alan. Aquele homem possuía a mesma paciência
e compreensão da mãe. Uma combinação formidável.
Gostava da família que Anna construíra... As similaridades e contrastes.
Individualmente, diria que eram interessantes. Como um grupo, achava-os
fascinantes.
A residência em si era algo ao qual Shelby nunca resistiria. Telhados
abobadados, gárgulas, estranhas armaduras e um sem-número de passagens.
Jantaram em um imenso salão. Lanças se encontravam cruzadas sobre a
enorme lareira agora repleta de plantas verdes no lugar de toros flamejantes.
As janelas eram altas e com treliças de madeira, mas a luz provinha de um
imenso candelabro Waterford. A riqueza, com suas excentricidades e
ostentações combinavam com Daniel MacGregor.
Shelby ocupou o lugar ao lado esquerdo do patriarca e deslizou a ponta
dos dedos pela borda do prato.
— É um belo jogo. — comentou. — Cerâmica Wedgwood do final do
século dezoito. A amarela é muito rara.
— Pertenceu a minha avó. — informou Anna. — Seu único troféu. Não
sabia que a cor era rara.
— Azuis, verdes, cor de alfazema e pretas são mais comumente
produzidas por meio de coloração oxidada. Nunca vi essa cor, com exceção
das peças de museu.
— Nunca entendi toda essa comoção por um simples prato. — interveio
Daniel.
— Porque está mais interessado no que está sobre ele. — aparteou
Serena.
— Shelby é oleira. — esclareceu Alan, antes que o pai respondesse.
— Uma oleira? — repetiu Daniel, franzindo o cenho enquanto a fitava.
— Faz potes de barro?
— Entre outras coisas. — respondeu Shelby, sucinta.
— Nossa mãe fazia cerâmica. — murmurou Diana. — Lembro-me dela
trabalhando na roda de oleiro manual quando eu era criança. É fascinante ver
o que pode ser produzido de uma simples bola de argila. Lembra-se, Justin?
— Sim. Algumas vezes vendia suas peças para uma pequena loja no
centro da cidade. Comercializa seu trabalho? — inquiriu o marido de Serena.
— Ou é apenas um hobby?
— Tenho uma loja em Georgetown. — informou Shelby, percebendo o
laço profundo que unia os dois irmãos.
— Uma lojista. — afirmou Daniel, anuindo em aprovação. O comércio
era algo que apreciava. — Vende seus próprios produtos. É boa nisso?
Shelby ergueu a taça de vinho.
— Gosto de pensar que sou. — soprando a franja dos olhos, voltou o
olhar para Alan. — Acha que sou boa nisso, senador?
— Bastante. — redargüiu ele. — Para alguém desprovida de qualquer
senso de organização, consegue confeccionar sua arte, dirigir a loja e viver
exatamente como escolheu.
— Aprecio elogios extravagantes. — decidiu Shelby, depois de alguns
instantes. — Alan está acostumado a uma rotina mais estruturada. Nunca ficou
sem gasolina no meio da estrada.
— Aprecio insultos extravagantes — murmurou Alan, enquanto sorvia o
vinho.
— Compõem um bom equilíbrio — Daniel gesticulou para o casal com
o garfo. — Sabe o que quer, não, moça?
— Como todo mundo.
— Dará uma excelente primeira-dama, Shelby Campbell.
Os dedos da oleira se apertaram em tomo da taça de vinho num gesto
involuntário, notada apenas por Alan e Anna.
— Talvez. — retrucou Shelby em tom suave. — Se fosse uma das
minhas ambições.
— Ambição ou não, é o destino de quem se relaciona com um homem
como este. — afirmou Daniel, apontando o garfo em direção ao filho.
— Está sendo um tanto prematuro. — respondeu Alan.
— Não decidi se concorrerei à presidência e Shelby ainda não
concordou em se casar comigo.
— Não? Ora! — esbravejou Daniel, sorvendo um grande gole da
bebida púrpura. — Não concordou? — pousou o copo na mesa com um
estrondo. — Não me parece tola, Campbell. Ou não... — continuou. -... Tem
sangue escocês, não importa o clã ao qual pertença. Esta moça com certeza irá
gerar verdadeiros MacGregors.
— Ele queria que eu mudasse meu nome. — interferiu Justin, numa
tentativa clara de desviar a atenção para si.
— Isso já foi feito antes para assegurar o sobrenome. — informou
Daniel. — Mas o bebê de Rena será um MacGregor de qualquer forma. Assim
como o de Caine, quando se lembrar de sua obrigação e providenciar um. —
declarou, lançando um olhar sub-reptício ao filho caçula sem deixar de sorrir.
— Mas Alan, o primogênito, tem o dever de casar, ter filhos e...
Alan virou o rosto, na intenção de colocar um ponto final no assunto,
quando percebeu o sorriso divertido estampado no rosto de Shelby. Ela havia
cruzado os braços sobre a mesa, esquecendo-se do jantar, perdida no
entretenimento que era observar Daniel em seu furor.
— Divertindo-se? — murmurou Alan ao seu ouvido. — Não perderia
isso por nada. Ele é sempre assim?
Alan voltou o olhar para o pai, que gesticulava em seu discurso.
— Sim.
Shelby deixou escapar um suspiro.
— Acho que estou apaixonada. Daniel... — interrompeu a fluência das
palavras do patriarca. — Sem nenhuma ofensa a Alan ou à sua esposa, mas
acho que se tiver de casar com um MacGregor, gostaria que fosse com o
senhor.
Daniel interrompeu a preleção e a fitou com os olhos dilatados de
surpresa. De pronto a expressão do rosto encrespado se abrandou e uma
gargalhada estridente se fez ouvir.
— É uma raposa, Srta. Shelby Campbell. Beba — disse, erguendo a
garrafa de vinho. — Seu copo está vazio.
— Fez muito bem. — afirmou Alan, enquanto a guiava por um tour pela
casa.
— Acha mesmo? — sorrindo, ela entrelaçou os dedos nos dele. — Seu
pai é irresistível. — ergueu-se na ponta dos pés para mordiscar-lhe o lóbulo
da orelha. — Como o primogênito.
— Esse termo é para ser usado com respeito. — avisou-a Alan. —
Pessoalmente, sempre o achei um estorvo...
— Oh, isso é maravilhoso! — exclamou ela, erguendo um vaso de
porcelana de uma mesa alta. — French Chantilly. Oh, esta casa é melhor do
que um galeão afundado repleto de tesouros. Nunca me cansaria de vaguear de
um corredor para outro. — após pousar o vaso, endereçou um sorriso
luminoso a Alan. — Alguma vez já entrou em uma destas velhas armaduras?
— Caine fez isso uma vez... Custou-me uma hora para tirá-lo de dentro
dela.
Shelby sorriu, tomando-lhe o rosto nas mãos.
— Era um bom menino. — em um momento ela estava rindo e no outro
lhe tomou os lábios num beijo explorador, todo fogo e calor.
— Ele só entrou na armadura, — continuou Alan, puxando-lhe os
cabelos para trás para aprofundar o beijo. — porque eu lhe disse que seria
uma experiência interessante.
Ofegante, Shelby ergueu o olhar para fitá-lo. Quando estaria preparada
para aquelas perigosas mudanças em sua natureza?
— Instigador. — conseguiu dizer.
— Um líder objetivo. — corrigiu o senador, antes de soltá-la. — E
consegui tirá-lo de lá... Depois de ele assustar Rena o suficiente.
Por um instante, Shelby se recostou à parede, observando-o, enquanto
tentava acalmar a excitação que o contato lhe provocara.
— Não sabia que era tão travesso. Deve ter merecido esse nariz
quebrado.
— Caine merecia mais.
Shelby soltou outra gargalhada, enquanto ambos atravessavam o
corredor.
— Gosto de sua família.
— Eu também.
— Divertiu-se, assistindo ao meu debate com Daniel?
— Sempre gostei de embates cômicos na sala de visitas.
— Sala de visitas? — repetiu ela. — Parece mais com a sala de
audiência do soberano. — recostou a cabeça no ombro de Alan. — É
maravilhosa... De onde seu pai tirou a idéia de que vamos nos casar?
Alan apertou o interruptor, produzindo uma luz tênue no corredor.
— Disse que lhe havia proposto casamento. — redargüiu ele em tom
casual. — Ele teve muita dificuldade em compreender o fato de alguém haver
recusado seu primogênito. — girou o corpo, prendendo Shelby entre ele e a
parede.
A luz fraca evidenciava os traços irregulares da face máscula,
deixando-lhe os olhos negros na penumbra. Podia sentir a força que emanava
daquele homem. Alan podia ser impetuoso, da mesma forma que gentil.
— Alan...
— Quanto tempo vai me pedir para esperar? — não tivera a intenção de
pressioná-la. Prometera a si mesmo que não o faria. Mas tê-la ali, na casa
onde passara a infância, com sua família e suas lembranças, intensificou a
necessidade de que ela lhe pertencesse. — Eu a amo.
— Eu sei. — os braços esguios o envolveram, a face delicada
comprimida contra a dele. — Eu também o amo. Dê-me apenas mais algum
tempo. Não estou lhe pedindo muito. — permaneceu colada a ele mais um
pouco, antes de inclinar a cabeça para trás para que pudesse encará-lo. — É
mais justo que eu, mais meigo, mais paciente. Deixe-me tirar vantagem disso.
Alan não se sentia como ela acabara de descrever. Queria acossá-la em
um canto e insistir... Ou mesmo implorar. Mas havia muito dos MacGregors
nele para que o fizesse. E a expressão estampada nos olhos cinza lhe dizia que
Shelby não cederia com facilidade.
— Está bem. Mas temos algumas coisas a discutir quando voltarmos
para Washington. Uma vez que eu tome minha decisão, pedirei que tome a sua.
Shelby umedeceu os lábios, temendo saber a que decisão ele se referia.
Não agora, disse a si mesma. Não pensaria naquilo enquanto estivesse naquela
casa. Em Washington, teria de pensar no assunto, mas naquele momento tudo
que desejava era ter Alan só para si, sem o fantasma da política ou promessas
futuras a assombrá-los.
— Conversaremos quando voltarmos. — concordou por fim. —
Prometo-lhe uma resposta.
Anuindo com um gesto de cabeça, ele circundou o diâmetro do pescoço
delgado com a mão.
— Esforce-se para dar o que eu quero. — murmurou Alan, e a beijou
sem nenhum vestígio de paciência. — É tarde. — acrescentou, percebendo-a
vulnerável, enquanto mantinha os lábios colados ao dela. — Acho que todos já
foram dormir.
— Nós deveríamos fazer o mesmo.
Ele sorriu, tomando-lhe o lóbulo da orelha entre os dentes.
— Que tal um nado noturno?
— Nado? — ofegante, Shelby cerrou as pálpebras, deixando a sensação
tomar conta de si. — Não trouxe roupa de banho.
— Ótimo. — retrucou ele, guiando-a pelo corredor em direção à ampla
porta dupla. Ao abri-la, empurrou-a para dentro e a fechou atrás deles.
— Bem. — com as mãos na cintura, Shelby observou o ambiente. Era
amplo, como todos os cômodos da casa. Uma das paredes era totalmente
envidraçada, com grandes plantas ornamentais pendendo de vários níveis. O
chão era feito de ladrilhos que compunham um mosaico num padrão intrincado
de cores verde e azul. No centro da área coberta encontrava-se uma extensa
piscina azul. — Daniel MacGregor não perde tempo, não é? — a voz de
Shelby ecoou no vácuo entre a piscina e o teto. Em seguida, voltou-se,
sorrindo. — Aposto que nadou sua vida inteira. Quando o vi pela primeira
vez, tive a impressão de estar diante de um nadador ou maratonista. É o que
aparenta sua compleição física. — afirmou, apertando-lhe o ombro. — Talvez
tão estivesse de todo enganada.
Alan apenas sorriu e afastou-a da piscina.
— Primeiro faremos uma sauna.
— Oh, sério?
— Exatamente. — replicou ele, enfiando a mão no cós da calça
comprida de Shelby e a puxando para si. — Ajuda a dilatar os poros. — com
um movimento rápido, desabotoou-lhe o zíper e a deslizou pelos quadris
esguios.
— Se insiste... — concordou ela insinuante, afrouxando-lhe a gravata.
— Notou, senador, que na maioria das vezes está trajando muito mais roupas
do que eu?
— De fato... — Alan escorregou as mãos por sob a blusa e tocou a pele
macia e cálida. — Tem razão.
Os dedos pequenos deslizaram pelos botões da blusa social.
— A não ser que queira fazer sauna totalmente vestido, teremos de
parar. — deixando escapar um suspiro profundo, retirou-lhe a camisa. —
Precisaremos de toalhas. — acrescentou Shelby, deslizando as mãos pelo
tórax de músculos pouco definidos até a cintura reta.
Com movimentos lentos e sensuais, Alan escorregou a blusa de tecido
fino pelos ombros delgados, permitindo-se uma longa apreciação antes de
esticar a mão para a prateleira atrás deles e pegar as toalhas. Shelby era
pálida, esguia... Fascinante e desafiadora... E sua. Sem despregar os olhos de
Alan, ela envolveu os quadris com a toalha como um sarongue.
Um arrepio quente percorreu-lhe o corpo quando o senador abriu a
porta do exíguo compartimento. Permaneceu parada por um tempo, absorvendo
o ar quente, antes de se acomodar no banco.
— Não faço isso há meses. — murmurou, fechando os olhos e
recostando-se no assento. — É maravilhoso.
— Disseram-me que meu pai fechou vantajosos negócios aqui. —
informou Alan, sentando-se a seu lado.
Shelby descerrou as pálpebras.
— Imagino que sim. Quando terminava, constatava que havia reduzido
homens de estatura normal a poças de suor. — de maneira distraída, Shelby
deslizou a mão pelo quadril reto. — Alguma vez utilizou a sauna para assuntos
vitais do governo, senador?
— Prefiro pensar em outros assuntos em salas exíguas como esta. —
inclinando-se, roçou os lábios no ombro desnudo de Shelby. Um toque com a
língua e em seguida uma pressão com os dentes. — Vitais, certamente, porém
mais pessoais.
— Humm! — gemeu ela, deixando a cabeça pender para trás, enquanto
os lábios cálidos traçavam uma linha de fogo por toda e extensão de seu
pescoço. — O quanto pessoal?
— Altamente. — Alan suspendeu o corpo esguio, sentando-a em seu
colo, e começou a beijá-la da forma lenta e instigante que sempre a
arrebatava. Os lábios de Shelby se moviam de encontro aos dele,
acompanhando o comando vagaroso. — Seu corpo me fascina. Esguio, macio
e ágil. — cada palavra era pontuada por um beijo ainda mais lascivo que o
anterior. Em seguida, os lábios másculos seguiram uma trilha excitante até se
deparem com o nó frouxo da toalha. — E sua mente... Tão hábil quanto suas
mãos. Ainda não cheguei a uma conclusão sobre qual me atrai mais. Talvez os
dois ao mesmo tempo.
Shelby continuou recostada no assento, deixando que ele fizesse amor
com ela apenas com as palavras e o leve roçar dos lábios. Sentia os músculos
relaxados pelo calor. A pele, macia e úmida. Quando a boca quente e ávida
tomou a sua, descobriu-se sem forças para erguer o braço e puxá-lo para si.
Mas seus lábios podiam se mover, abrindo-se aos dele num convite sensual.
Concentrou todos os esforços naquele beijo, enquanto o corpo se derretia
contra o de Alan.
Ao mesmo tempo em que ele a beijava de forma lenta e provocante, os
dedos compridos alcançavam o nó da toalha e o desfaziam, deixando-a
vulnerável ao toque ousado.
Alan a ouviu gemer contra seus lábios e percebeu o tremor do corpo
feminino. A fragrância de Shelby, sempre estimulante, parecia preencher o
ambiente, embotando-lhe os sentidos. E então ele a tocou. Primeiro com lenta
possessividade, explorando cada curva sinuosa.
Com os braços cruzados em tomo das costas delgadas, ele a puxou de
encontro à própria ereção. A pele, úmida pelo calor, parecia se fundir à palma
de sua mão. Os lábios de ambos, ainda famintos, sugavam um ao outro como
se quisessem se transformar num só. O corpo feminino respondia a cada toque
com maior voracidade à medida que as mãos firmes se tomavam mais
impacientes. Quando Shelby começou a convulsionar em tremores, uma onda
de puro êxtase traspassou-o. Tinha de possuí-la ali e naquele instante.
Ofegante, deixou seu próprio desejo de lado e permitiu-se o prazer de levá-la
ao delírio.
Descobriu-a quente e úmida. Shelby arqueou contra a mão ágil,
sentindo-se explodir em espasmos de prazer. Sem se dar conta, gritou o nome
dele. Aquilo era tudo que Alan deseja ouvir naquele momento. E no instante
seguinte, ela voltou a relaxar, lânguida e macia. Podia passar uma eternidade
abraçado a ela.
— É perigoso ficar aqui por muito tempo. — afirmou Alan, roçando os
lábios nos dela. — Vamos congelar lá fora.
— Impossível. — garantiu Shelby. — Absolutamente impossível. —
ambos saíram da sauna, deixando as toalhas para trás.
— A água está fria... E quase tão macia quanto sua pele.
Com um sorriso nos lábios, Shelby fitou a superfície plácida da piscina.
— Posso suportar se você puder. — afirmou, envolvendo com os
braços o pescoço largo. — Embora ache que não tenho forças para me manter
à tona.
— Lançaremos mão do sistema dois a dois. — sugeriu Alan, erguendo-a
nos braços e pulando na piscina.
Shelby ofegou com o choque do corpo aquecido contra a água. Em
seguida voltou à superfície, lutando por ar e agarrando-se a Alan.
— Está congelante!
— A água está a vinte e quatro graus. O que está sentindo é a brusca
mudança de temperatura.
Ela estreitou o olhar e atirou água no rosto de Alan, antes de mergulhar
até tocar o fiando da piscina. Sentia os músculos relaxados, prontos para
serem flexionados ou esticados. Quando alcançou a outra extremidade, Alan
estava esperando por ela.
— Exibido! — disse, afastando os cabelos molhados da face. Em
seguida, mordendo o lábio inferior, deixou o olhar deslizar por toda a extensão
do corpo másculo. Desde os cabelos que pingavam água até onde a água
ficava depositada logo abaixo da cintura. Não importava quantas vezes o tinha
visto ou tocado, aquele corpo sempre a excitaria. — Está maravilhoso,
senador. Acho que poderia me acostumar a vê-lo nu e molhado. Se algum dia
decidir abandonar a política, poderá fazer uma sólida carreira de sucesso
como guarda-vidas em uma praia de nudismo.
— É sempre bom ter uma ocupação opcional. — Alan a observou por
alguns instantes, o corpo pálido e macio imerso na água escura. O luar
penetrava pela janela e dançava sobre a superfície trêmula da piscina. Com
apenas um movimento, ele postou-se ao lado de Shelby, cingindo-a pela
cintura. Ela se agarrou aos ombros largos para não perder o equilíbrio,
enquanto pendia a cabeça para trás, imergindo os cabelos na água. E então
Alan percebeu a excitação estampada nos olhos cinza. O desejo era mútuo. No
instante seguinte, os lábios macios se apossaram dos seus, deixando-lhe a
mente em branco.
Shelby sabia que daquela vez não haveria paciência ou movimentos
suaves. Ele a beijava com voracidade... Quase desespero. Até aquele
momento, não imaginara que seu desejo pudesse emergir outra vez com
tamanha velocidade, mas o sentiu com maior intensidade, em ondas que se
agigantavam e a faziam submergir nelas. Mais uma vez os corpos excitados se
fundiram com urgência e avidez. Ela enterrou os dedos nos bastos cabelos
negros, murmurando milhares de promessas e pedidos.
A água lhes retardava os movimentos, parecendo provocá-los, quando
ambos tinham pressa. Nenhum dos dois se sentia inclinado a carícias
demoradas quando a fome um do outro era tão aguda e voraz. Shelby sentia a
água envolver-lhe os ombros, fria e sensual, enquanto os lábios quentes
exploravam os seus. Podia sentir o sabor do cloro misturado à fragrância já
familiar de Alan. Apenas aquele detalhe a lembrava de que estavam em uma
piscina e não em uma lagoa cristalina em meio ao Éden.
Mas quando Alan a penetrou num rompante de paixão, não importava
mais o lugar onde se encontravam.
CAPÍTULO XI

— Olá!
Shelby disfarçou um bocejo enquanto descia pela última curvatura da
escada e deparava com Serena.
— Oi!
— Ao que parece, apenas nós duas não estamos envolvidas com alguma
tediosa atividade produtiva esta manhã. Tomou o desjejum?
— Não. — redargüiu Shelby, levando a mão ao estômago. — Estou
faminta.
— Ótimo. Costumamos tomar o café da manhã na sala de desjejum ao
lado da cozinha, já que cada um de nós tem horários diferentes. — informou
Serena, enquanto desciam o último degrau da escada. — Caine costuma
levantar ao amanhecer, um hábito pelo qual sempre tive vontade de esganá-lo
quando criança. Alan e meus pais também acordam cedo. Diana considera oito
horas um horário avançado para qualquer pessoa se levantar e Justin possui
um relógio interno que ainda não consegui compreender. De qualquer forma,
agora tenho uma boa desculpa para me demorar na cama. — afirmou,
acariciando o ventre abaulado. Shelby sorriu, divertida.
— Pois eu não dou nenhuma justificativa.
— Faz muito bem.
Serena entrou na sala ensolarada que teria sido considerada muito
ampla e formal por qualquer pessoa, exceto para os padrões de Daniel
MacGregor. Cortinas finas de um azul intenso pendiam das janelas altas presas
por grossas borlas. O carpete Aubusson possuía tons de azul-claro com
motivos dourados.
— Jamais me cansaria deste lugar. — disse Shelby, vagueando o olhar
de uma travessa Chippendale para uma coleção de vasilhas de estanho da
Nova Inglaterra.
— Nem eu — concordou Serena com uma risada. — Gosta de waffles?
A oleira sorriu por sobre o ombro.
— Adoro.
— Sabia que iria gostar de você. — declarou a irmã de Alan,
assentindo com um gesto de cabeça. — Volto já. — avisou, antes de disparar
pela porta lateral.
Sozinha, Shelby pôs-se a explorar o ambiente suntuoso. Estudou com
atenção uma paisagem francesa em uma das paredes e inspirou o aroma das
flores num vaso de cristal. Levaria todo o final de semana para conhecer os
vários cômodos da residência, decidiu. Ainda assim, sentia-se à vontade
naquele lugar, concluiu, enquanto olhava através de uma das janelas o gramado
que se descortinava ao sul. Sentia-se tão confortável com a família de Alan
como com a sua própria. Deveria ser tão simples para eles amar, casar e ter
filhos... Com um longo suspiro, recostou a cabeça na vidraça.
— Shelby?
Empertigando-se, girou para encontrar Serena observando-a.
— Trouxe café. — disse depois de breve hesitação. Não esperava
encontrar os ternos olhos cinza melancólicos. — Os waffles ficarão prontos
em minutos.
— Obrigada. — agradeceu a oleira, acomodando-se à mesa, enquanto
Serena servia o café. — Alan contou-me que dirige um cassino em Atlantic
City.
— Sim. Justin e eu somos sócios nele, e em vários outros hotéis. O
resto... — acrescentou, erguendo a xícara. —... Ele gerencia sozinho... Por
enquanto.
Shelby exibiu um sorriso largo, apreciando a companhia daquela mulher
decidida e vivaz.
— Pretende convencê-lo de que ele precisa de uma sócia nos demais
negócios.
— Um de cada vez. Aprendi muito bem a lidar com ele no último ano...
Principalmente depois que Justin perdeu uma aposta e teve de casar comigo.
— Terá de me explicar isso melhor.
— Justin é um jogador nato. E eu também. Tiramos a sorte na moeda. —
sorriu, relembrando a aposta. — Cara, eu ganho, coroa, você perde.
Soltando uma gargalhada sonora, Shelby pousou a xícara.
— Suponho que a moeda era sua.
— Pode apostar sua vida. Ele sabia disso, mas nunca o deixei ver
aquela moeda. — com um gesto inconsciente, acariciou o ventre proeminente.
— Tenho de mantê-lo na linha.
— Seu marido é louco por você. — murmurou Shelby. — É fácil notar
pela maneira como ele a olha.
— Passamos por muita coisa juntos. — Serena imergiu no silêncio,
relembrando os meses conturbados que se seguiram ao primeiro encontro dos
dois. O amor que crescera apesar dos problemas e o medo que sentiu antes de
aceitar o compromisso final. — Caine e Diana também. — continuou. — Meu
marido e a irmã tiveram uma infância difícil, o que os tornam resistentes a se
doarem a alguém. Estranho, acho que o amo desde a primeira vez em que o vi,
embora não tivesse me dado conta. O mesmo aconteceu com Caine e Diana. —
fez uma pausa, pousando os olhos cálidos e meigos em Shelby.
— Os MacGregors sabem bem o que querem.
— Imaginava se Alan seria capaz de se apaixonar até que o vi com
você. — esticou a mão por sobre a mesa para tocar a da namorada do irmão.
— Fiquei feliz ao perceber que não é o tipo de mulher que temia que ele
encontrasse.
— E que tipo era esse? — inquiriu Shelby, com um sorriso tênue.
— Uma loura fria e calculista com mãos macias e maneiras impecáveis.
— informou Serena com olhar zombeteiro. — Alguém com quem eu odiasse
tomar café da manhã.
Sorrindo, Shelby sorveu um gole da bebida quente e meneou a cabeça.
— Seria o par ideal para o senador Alan MacGregor.
— Perfeita para o título. — contra argumentou Serena. — Não para o
homem. E o homem em questão é meu irmão. Alan é muito sério algumas
vezes, trabalha duro... Preocupa-se muito. Precisa de alguém que o ajude a
relaxar e sorrir.
— Acho que todos precisamos. — afirmou Shelby.
Percebendo a sombra de melancolia nos olhos cinza mais uma vez,
Serena foi invadida por uma onda de simpatia. Com dificuldade, lutou para
não ceder a ela, sabendo que na maioria das vezes a simpatia podia levar à
interferência.
— Não estou especulando... Bem talvez um pouco. Só queria que
soubesse como me sinto. Amo Alan. Muito.
Shelby fitou a xícara vazia por um longo instante antes de erguer o olhar
para fitá-la.
— Eu também.
Serena recostou-se no assento, vasculhando a mente por algumas
palavras de sabedoria.
— Nunca é fácil, não é?
Shelby meneou a cabeça outra vez.
— Nem um pouco.
— Enfim decidiu acordar. — a voz macia e grave de Alan quebrou o
silêncio, enquanto adentrava a sala de desjejum. Embora notasse o clima de
confidencialidade entre as duas, resolveu ignorá-lo.
— Ainda não são dez horas. — defendeu-se Shelby, inclinando a
cabeça para trás para receber o beijo de Alan. — Você comeu?
— Há horas. Ainda tem café?
— Muito. — informou Serena. — Pegue uma xícara no buffet. Viu
Justin?
— Está lá em cima com papai.
— Ah! Conspirando sobre algum brilhante esquema financeiro.
— Pôquer aberto. — corrigiu Alan, servindo-se de café. — Papai já
está devendo quinhentos.
— E Caine?
— Trezentos.
Serena tentou aparentar desaprovação, mas não teve êxito.
— Não sei como fazer para impedir Justin de continuar depenando
minha família. Quanto você perdeu?
Alan deu de ombros e tomou um gole do café.
— Cento e setenta e cinco. — e voltando o olhar para Shelby, sorriu
divertido. — Só jogo com Justin por razões diplomáticas. — Ante a expressão
curiosa estampada nos olhos cinza, recostou-se ao buffet. — E um dia juro que
o vencerei.
— Não acredito que o jogo seja liberado neste estado. — brincou
Shelby, volvendo o olhar à travessa de waffles que estava sendo trazida. —
Suponho que a multa seja bem pesada.
Ignorando-a, Alan fitou a bandeja.
— Vão comer tudo isso?
— Sim. — retrucou Shelby, derramando uma camada generosa de
melado sobre eles. — Já que clubes exclusivos para homens são arcaicos,
chauvinistas e inconstitucionais, acho que posso participar do jogo.
Alan assistia atônito, enquanto os waffles desapareciam da travessa.
— Nenhum de nós considera que dinheiro possua um gênero. —
replicou, enrolando em um dedo um cacho dos cabelos ruivos. — Está
preparada para perder?
Shelby sorriu, enquanto levava o garfo aos lábios.
— Não tenho esse costume.
— Acho que vou assistir um pouco. — considerou Serena. — Onde
estão mamãe e Diana?
— No jardim. — informou o irmão. — Diana queria colher algumas
sementes para o jardim da casa que ela e Caine acabaram de comprar
— Isso nos daria uma ou duas horas — declarou Serena com um gesto
de cabeça, enquanto se erguia.
— Sua mãe não aprova o jogo?
— Os cigarros do Sr. MacGregor. — corrigiu a irmã de Alan, enquanto
deixavam a sala de desjejum. — Papai os esconde dela... Ou mamãe permite
que ele pense assim.
Recordando os olhos serenos e observadores de Anna, Shelby tomou
por verdadeira a segunda opção. Como o filho, não deveria perder nenhum
detalhe.
Ao se aproximarem da escada que levava à torre, ouviram a voz
retumbante de Daniel:
— Droga, Justin Blade. Tem uma sorte dos diabos! Vejamos se um
Campbell pode fazer melhor.
— Sangue novo. — anunciou Alan da soleira da porta.
Uma nuvem de fumaça e o aroma acentuado do tabaco caro enchiam o
ambiente. Ocupavam a mesa arcaica e ampla de Daniel. Os três homens
ergueram o olhar quando Shelby e Serena adentraram o escritório.
— Não gosto de depenar minha própria esposa. — comentou Justin,
lançando a ela um sorriso maroto com o cigarro preso entre os dentes.
— Não terá sequer a oportunidade de tentar. — retrucou Serena,
acomodando-se no braço da cadeira onde estava o marido e suspirando fundo.
— É Shelby quem vai jogar.
— Uma Campbell! — exclamou Daniel, esfregando as mãos uma na
outra. — Muito bem, veremos para onde soprará o vento. Sente-se, moça.
Aposta mínima de três, limite de dez dólares, de valete para cima, para
começar.
— Se pensa que vai compensar suas perdas em cima de mim, —
começou Shelby, tomando o assento — está muito enganado.
Daniel assoviou em aprovação.
— Distribua as cartas, garoto. — ordenou a Caine. — Ande!
Levou menos de dez minutos para Shelby descobrir que Justin Blade era
o melhor jogador que jamais conhecera. E tinha freqüentando muitas mesas de
jogo... Elegantes ou não. Daniel era um participante desafiador, Caine jogava
com uma combinação de impulso e habilidade, mas o cunhado de Alan era
nato. E ganhava sempre. Por saber que estava diante de um jogador muito
superior a ela, decidiu tentar aquilo em que era melhor: arriscar a sorte, pura e
simplesmente.
Postado de pé atrás dela, Alan a observou descartar duas copas,
optando por fazer uma seqüência de naipes menores. Meneando a cabeça,
contornou a mesa para se servir de mais de um pouco de café.
Gostava de vê-la daquela forma. Os cotovelos próximos dos do pai, as
cabeças cor de fogo, inclinadas para o lado, enquanto estudavam as cartas. Era
estranha a forma como aquela mulher se impregnara em sua vida, sem muito
rumor, porém com uma promessa de eternidade. Shelby se encaixava
perfeitamente no estranho escritório da torre, jogando pôquer envolta em
fumaça e o café esfriando nas xícaras. E também seria perfeita em um baile de
gala em Washington, em um salão iluminado por luz e brilho, sorvendo
champanhe em uma taça de cristal.
Assim como se ajustava com perfeição a seus braços à noite, como
nenhuma outra mulher. Precisava de Shelby em sua vida, assim como de
alimento, água e ar.
— Um par de ases. — anunciou Daniel com um olhar petulante.
Justin pousou as cartas com calma e o enfrentou.
— Dois pares. Valetes e setes. — recostou-se à cadeira, enquanto Caine
resfolegava de desgosto.
— Seu... — frustrado, Daniel estacou, alternando o olhar entre as duas
mulheres presentes. — Que o diabo o carregue, Justin Blade!
— Está lhe dando a vitória prematuramente. — manifestou-se Shelby,
expondo o jogo na mesa. — Uma seqüência de cinco a nove.
Alan fez o caminho de volta e postou-se atrás dela para observar a
mesa.
— E ela descartou o seis e o sete!
— Só uma bruxa infame faria uma jogada dessas. — afirmou Daniel.
— Ou uma infame Campbell. — contrapôs Shelby em tom casual.
O pai de Alan estreitou o olhar.
— Distribua as cartas.
Justin sorriu para Shelby enquanto ela dava as cartas.
— Bem-vinda a bordo. — disse em tom suave, e irrompeu em uma
gargalhada.
Jogaram por uma hora, com Shelby seguindo um sistema ilógico, mas
mantendo a cabeça para fora da água. Em outra situação, não teria considerado
nada impressionante ganhar apenas vinte e cinco dólares. Considerando seu
oponente, no entanto, deu-se por satisfeita. No instante em que Daniel escutou
os passos da esposa na escada, apagou a metade do cigarro de sete dólares e
escondeu o cinzeiro embaixo da mesa.
— Apostarei cinco. — declarou em seguida, recostando-se à cadeira.
— Ainda não abriu. — lembrou-o Shelby, em tom suave. Em seguida,
pegou uma bala de hortelã do pote que se encontrava sobre mesa e a colocou
na boca do pai de Alan. — Tem de apagar todos os vestígios, MacGregor.
Daniel exibiu um sorriso largo e despenteou-lhe os cabelos.
— Boa moça, Campbell ou não.
— Deveríamos ter imaginado que estariam ocupados perdendo dinheiro
para Justin. — disse Anna assim que adentrou o escritório com Diana atrás
dela.
— Perdeu apenas para a trapaça de nossa nova jogadora. — informou
Caine, estendendo a mão para a esposa.
— Já estava em tempo de alguém competir com Justin. — replicou
Diana, envolvendo o pescoço do marido com os braços e descansando o
queixo sobre os cabelos loiros e cheios. — Anna e eu estávamos pensando em
nadar antes do almoço. Alguém está interessado?
— Ótima idéia — manifestou-se Daniel, empurrando o cinzeiro com o
pé para que ficasse mais escondido. — Você nada, moça?
— Sim. — retrucou Shelby, pousando as cartas na mesa. — Mas não
trouxe traje de banho.
— Tem um armário cheio deles no balneário. — interveio Serena. —
Tenho certeza de que vai achar um que lhe sirva.
— É mesmo? — a oleira fitou Alan nos olhos. — Que prático! Um
armário repleto de roupas de banho.
Vinte minutos mais tarde, Alan encontrava-se relaxando na sauna. Dessa
vez, ladeado por seu irmão e Justin. Recostando-se ao assento, permitiu que os
músculos afrouxassem e relembrou a maciez úmida da pele de Shelby quando
a tomou nos braços naquele mesmo lugar.
— Tem bom gosto. — comentou Caine, recostando os ombros na parede
lateral. — Embora tenha me surpreendido.
Alan entreabriu os olhos o suficiente para focar o irmão.
— É mesmo?
— Sua namorada não se parece em nada com a loira clássica com um...
Bem... Corpo interessante com quem estava saindo meses atrás. — e erguendo
um joelho para se acomodar com mais conforto. — Ela não resistiria a cinco
minutos de Daniel MacGregor.
— Shelby é especial.
— Tenho de respeitar alguém que descarta naipes de uma seqüência
num jogo de pôquer. — interveio Justin, espreguiçando-se em um banco acima
do de Alan. — Serena acha-a perfeita para você.
— É sempre bom ter a aprovação da família. — disse Alan em tom
seco.
Justin apenas sorriu, cruzando as mãos atrás da cabeça.
— Os MacGregors têm o hábito de interferir nesse tipo de assunto.
— Ele fala por experiência própria. — afirmou Caine, afastando os
cabelos úmidos da testa. — No momento, estou apreciando a preocupação do
velho com Alan. Isso afasta a mim e a Diana dos holofotes.
— Eu pensei que ele estivesse tão envolvido com a chegada do futuro
neto que não conseguisse despender energia em mais nada. — Alan descansou
o braço no banco superior e deixou o suor escorrer pelo corpo.
— Droga! Não descansará enquanto não estiver envolvido até o
pescoço com um pequeno MacGregor ou Blade. — Caine sorriu. — Tenho
pensado sobre isso.
— Pensar não produzirá outro comanche-escocês. — afirmou Justin em
tom preguiçoso.
— Diana e eu decidimos fazer uma experiência com nosso sobrinho ou
sobrinha primeiro.
— Como é estar às portas da paternidade? — inquiriu Alan.
Justin ergueu o olhar para o teto de madeira, recordando a sensação de
sentir a vida pulsando sob sua mão. Dentro da mulher amada. Eletrizante. A
imagem de Serena nua, esperando um filho dele. Linda. Lembrou como se
sentiu algumas madrugadas, com o cálido corpo da esposa tão próximo.
— Maravilhoso. — murmurou. — E assustador, afinal bebês trazem
consigo uma série de questionamentos para sua vida. Quanto mais o desejo, à
medida que o tempo se aproxima, mais atemorizado fico. — fez um esforço
para dar de ombros na posição em que se encontrava. — E mais curioso me
sinto em ver como aquela parte de mim e Serena se parecerá.
— Linhagem forte. — afirmou Caine. — Sangue bom.
Justin soltou uma risada e fechou os olhos.
— Ao que parece, Daniel decidiu pensar o mesmo sobre os Campbells.
Vai se casar com ela?
— Aqui. No outono.
— Droga! Por que não me disse? — indagou Caine.
— Papai teria uma boa desculpa para abrir aquela safra de champanhe
que mantém escondida em sua reserva.
— Shelby ainda não sabe. — retrucou Alan em tom casual. — Acho
melhor que ela tome conhecimento primeiro.
— Ela não me parece o tipo de mulher que se conforma em ser apenas
participada.
— Bem observado. — Alan concordou com Justin.
— Eu tentei pedi-la em casamento. Mais cedo ou mais tarde terei de
mudar de estratégia.
Caine franziu o cenho.
— Ela recusou?
O senador abriu os olhos outra vez.
— Deus! Há horas em que parece o papai. Ela não negou... Ou
concordou. O pai de Shelby era o senador Robert Campbell.
— Robert Campbell. — repetiu Caine. — Oh, entendo. Ela tem
problemas com sua profissão. O pai dela estava concorrendo às eleições
primárias quando foi assassinado, não foi?
— Sim. — Alan captou a pergunta tácita nos olhos do irmão. — Sim.
Pretendo concorrer quando chegar a hora certa. — era a primeira vez que dava
voz àquela decisão. Oito anos não era muito tempo para se preparar para uma
estrada tão árdua e longa. Deixou escapar um longo suspiro. — É algo que eu
e Shelby precisamos discutir.
— Nasceu para isso, amigo. — afirmou Justin. — Não pode dar as
costas à sua vocação.
— Não. Mas preciso dela. Se eu tiver de fazer uma escolha...
— Optaria por ela. — finalizou Caine, entendendo perfeitamente o que
significava encontrar o verdadeiro amor. A mulher certa. — Mas me pergunto
se os dois poderão conviver com isso.
Alan se quedou silente por um longo instante. Em seguida, voltou a
fechar os olhos.
— Não sei.
A escolha, de uma forma ou de outra, o partiria em dois.

Na quarta-feira seguinte ao final de semana em Hyannis Port, Shelby


recebeu o primeiro telefonema de Daniel MacGregor. Segurando a vasilha de
água de Tia Em uma das mãos, pegou o fone com a outra.
— Shelby Campbell?
— Sim. — os lábios se curvaram num sorriso. Ninguém além do pai de
Alan trovejaria ao telefone daquela forma. — Olá, Daniel!
— Fechou a loja hoje?
— Bato argila às quartas-feiras. — informou ela, prendendo o fone
entre a orelha e o ombro para deixar a mão livre para repor a água da ave. —
Mas, sim. Fechei a loja. Como vai você?
— Bem, moça. Vou fazer uma anotação em minha agenda para visitar
seu estabelecimento comercial da próxima vez que for a Washington.
— Ótimo. — Shelby deixou o braço cair sobre o espaldar da cadeira.
— E comprará uma peça.
Daniel soltou uma gargalhada.
— Talvez, se for tão hábil com as mãos quanto é com a língua. Nossa
família planeja passar o feriado de quatro de julho no Comanche, em Atlantic
City. — disparou Daniel. — Faço questão de estender o convite a você.
Quatro de julho, pensou Shelby animada. Fogos de artifício, cachorros-
quentes e cerveja. Estavam a menos de um mês do feriado... Como o tempo
passara tão rapidamente? Queria formar a imagem dela e Alan na praia,
observando as cores explodirem contra o céu, mas ainda assim... O futuro de
ambos era algo que ainda não conseguia imaginar.
— Agradeço muito, Daniel. Adoraria ir. — afirmou com sinceridade.
Mas se compareceria ou não era outro problema.
— Você é a mulher certa para meu filho. — garantiu Daniel, perspicaz o
suficiente para perceber a hesitação de Shelby. — Nunca pensei que algum dia
fosse dizer isso a uma Campbell, mas acredite em minhas palavras. É forte e
inteligente. E sabe rir. Há um ótimo sangue escocês correndo em suas veias,
que terei o prazer de ver em meus netos.
Shelby teve de rir para não ceder às lágrimas que lhe banhavam os
olhos.
— É um sedutor, Daniel MacGregor. E um manipulador também.
— Sim. Vejo-a em Comanche.
— Até logo, Daniel.
Quando desligou, Shelby pressionou os dedos sobre os olhos. Não se
permitiria cair em prantos por algumas palavras ilusórias. Soubera desde a
primeira manhã que despertara nos braços de Alan que estava apenas adiando
o inevitável. A mulher certa para ele? Era isso que havia dito Daniel, mas
talvez estivesse vendo apenas superficialmente. Ele não sabia o que ia dentro
dela. Nem mesmo Alan conhecia a profundidade do temor que a assombrava.
O quão vivo estivera durante todos aqueles anos.
Se quisesse, podia ouvir as três explosões de balas. O espasmo do
corpo do pai e a forma como ele caíra ao chão, quase a seus pés. As pessoas
gritando, correndo, chorando ao redor. O sangue no corpete do vestido que ela
usava naquela noite. Alguém a empurrara para o lado para chegar até ele.
Shelby sentara-se no chão, sozinha. Não mais do que trinta segundos, mas
pareceu-lhe uma eternidade.
Ninguém precisara lhe dizer que o pai estava morto... Testemunhara a
vida se esvair de seu corpo. E até dela mesma.
Nunca mais, pensou com um soluço. Não iria... Não queria sofrer de
forma tão brutal outra vez.
Escutou uma batida à porta. Devia ser Alan. Esperou um minuto para se
certificar de que as lágrimas haviam secado. Inspirando fiando, tomou
coragem para atendê-lo.
— Muito bem, MacGregor, não tem comida. — informou ela, arqueando
a sobrancelha.
— Acho que devo ser compensado por isso. — disse Alan, estendendo-
lhe uma única rosa, cujas pétalas eram da cor dos cabelos de Shelby. Um
presente tradicional, pensou ela, tentando pegar a flor de maneira casual. Mas
nada que aquele homem lhe desse podia ser recebido de maneira fortuita.
Quando os dedos curtos se fecharam em tomo do talo, percebeu que a flor era
como um símbolo. Um homem tradicional e sério estava lhe ofertando uma
parte de si mesmo.
— Uma rosa é mais romântico do que dúzias delas. — declarou Shelby
com desenvoltura. Mas, em seguida, as lágrimas lhe banharam os olhos. —
Obrigada. — agradeceu, atirando-se ao pescoço de Alan e pressionando os
lábios contra os dele com desespero. Aquilo fez com que ele a abraçasse de
modo gentil. Uma das mãos, acariciando-lhe os cabelos macios, enquanto
abrandava o beijo.
— Eu o amo. — sussurrou Shelby, enterrando a face no pescoço largo
até se certificar de que seus olhos estavam secos.
Alan colocou a mão em concha sob o queixo fino e a estudou por alguns
segundos.
— O que há de errado?
— Nada. — retrucou com rapidez. — Fico sensível quando alguém me
dá um presente. — a intensidade nos olhos negros não se alterou. A emoção
que a agitava por dentro não diminuiu. — Faça amor comigo. — pediu,
pressionando a face contra a dele. — Venha para a cama agora.
Alan a queria mais que qualquer coisa no mundo. Aquela mulher tinha o
poder de fazer o desejo brotar com a força de um vulcão com apenas um olhar,
mas sabia que aquela não era a resposta que ambos precisavam obter no
momento.
— Vamos sentar. É hora de conversarmos.
— Não. Eu...
Alan a segurou pelos ombros.
— Está na hora.
A respiração de Shelby saiu como um espasmo. Ele lhe dera todo o
espaço que podia. Sabia que mais cedo ou mais tarde Alan iria traçar os
limites. Anuindo com um gesto de cabeça, caminhou até o sofá, carregando a
rosa.
— Quer um drinque?
— Não. — ele colocou a mão no ombro de Shelby e com suavidade a
fez sentar-se. Em seguida acomodou-se a seu lado.
— Eu a amo. — declarou de modo direto. — Sabe disso como sabe
também que quero me casar com você. Conhecemo-nos há tempo suficiente. —
continuou, ante o silêncio de Shelby. — Se fosse outro tipo de mulher, eu diria
que precisaria de tempo para se certificar de seus sentimentos por mim. Mas
você não.
— Sabe que o amo. — disse ela. — Está sendo lógico e eu...
— Shelby. — sussurrou ele, interrompendo-lhe o discurso inflamado.
— Sei que tem problemas em relação à minha profissão. Entendo isso, talvez
de forma limitada, mas compreendo. É algo que teremos de trabalhar daqui
para frente. — Alan lhe tomou as mãos e sentiu a tensão que as contraía. —
Lidaremos com isso como pudermos. — ela permanecia em silêncio, porém o
fitou como se já soubesse o que iria dizer. — Acho que devo lhe dizer que fui
abordado por alguns membros-chave do partido e estou considerando
seriamente a possibilidade de concorrer à presidência da república. Sei que
não o serei ainda por quase uma década, mas a preparação para isso já
começou.
Shelby tinha ciência daquilo, mas, ao ouvir a verdade em alto e bom
som, sentiu contraírem-se os músculos do estômago. Percebendo a pressão
aumentar em seus pulmões, deixou escapar um longo suspiro.
— Se está pedindo minha opinião, — conseguiu dizer, em tom de voz
calmo — acho que deve considerar essa possibilidade ou mesmo fazê-la
acontecer. É algo para o qual é talhado ou mesmo predestinado. — as
palavras, embora sinceras, pareciam rasgá-la ao meio. — Sei que no seu caso
não se trata de poder ou ambição. Conhece também as dificuldades, a tensão,
as responsabilidades inerentes ao cargo. — Shelby se ergueu, pois se ficasse
sentada por mais um segundo, tinha a impressão que iria explodir. Com um
gesto rápido, pousou a rosa. O talo quase quebrou entre seus dedos. — É
como se fosse seu destino. — murmurou.
— Talvez. — Alan a observava andar pela sala, enquanto deslizava a
mão pela almofada que retirara do sofá. — Sabe que isso implica muito mais
do que inscrever meu nome na cédula. Quando chegar a hora, será uma longa e
exaustiva campanha. Preciso de você a meu lado.
Shelby estacou de costas para ele, apertando os olhos. Lutando para
recobrar a compostura, girou nos calcanhares.
— Não posso casar com você.
Um brilho enigmático perpassou os olhos negros. Talvez fúria ou dor,
não estava certa... Mas a voz máscula soou calma quando falou.
— Por quê?
Sentindo a garganta seca, não sabia se seria capaz de responder.
— Você é fã da lógica, pois então lance mão dela. Não sou uma
acompanhante de político. Tampouco uma diplomata ou organizadora de
campanha. É disso que precisa.
— Quero uma esposa. — retrucou Alan em tom calmo. — Não uma
assistente.
— Diabos, Alan! Eu seria inútil. Pior. — não podendo conter a
frustração, começou a vaguear pela sala outra vez. — Se tentasse me adaptar a
tal situação, enlouqueceria. Não tenho paciência para salões de beleza,
secretárias ou agir de modo calculado vinte e quatro horas por dia. Como
poderia ser a primeira dama quando sequer sou uma dama por um segundo? —
disparou. — E Deus! Tenho certeza de que vai ganhar. De repente me
descobriria em meio à Casa Branca rodeada de elegância e protocolos.
Alan esperou enquanto a respiração enraivecida enchia a sala.
— Está dizendo que casaria comigo se eu não aceitasse concorrer à
presidência?
Shelby girou para encará-lo. Os olhos cinza brilhavam, atormentados.
— Não faça isso comigo. Iria me odiar... Eu iria me odiar. Não pode
escolher entre mim e aquilo que você é.
— Mas aprova uma escolha entre mim e aquilo que você é. —
contrapôs o senador, dando vazão à raiva que mantinha contida até aquele
instante. — Você pode fazer sua opção. — num impulso, ergueu-se do sofá e a
segurou pelos braços, dominado pela fúria. Sabia que a raiva de Alan seria
implacável. Vira os sinais no modo como ele se erguera, mas não tinha defesa.
— Pode escolher me jogar para fora de sua vida com um simples "não",
esperando que eu o aceite apesar de saber que me ama. De que diabos acha
que sou feito?
— Não é uma escolha. — afirmou ela, em tom passional. — Não tenho
opção. Eu não seria boa para você. Tente enxergar isso.
Ele meneou a cabeça com violência, fazendo-a inclinar a dela para trás.
— Não minta para mim, e não tente arranjar desculpas. Se vai me virar
as costas, pelo menos faça-o de forma sincera.
Shelby sentiu-se desintegrar com tanta rapidez que teria quedado ao
chão se ele não a estivesse segurando.
— Não posso lidar com isso. — grossas lágrimas lhe rolavam pela
face. Rápidas e doloridas. — Não conseguiria passar por tudo aquilo outra
vez. Esperando por alguém que... — com um soluço, cobriu a face com as
mãos. — Oh, Deus, por favor! Não agüento mais. Não deveria amá-lo dessa
forma. Não queria que você tivesse tanta importância a ponto de fazer com que
tudo pudesse me ser tirado de novo. Posso ver o sofrimento se repetindo.
Todas aquelas pessoas se amontoando, os rostos, o barulho. Vi alguém que
amava morrer diante de meus olhos uma vez. Não seria capaz de passar por
isso de novo. Simplesmente não posso.
Alan a puxou para si, desejando abrandar a dor que ela estava sentindo.
Que palavras penetrariam naquele tipo de medo? Não havia lugar para lógica,
calma ou racionalização naquele momento. Se era o amor que a fazia sentir-se
tão mortalmente amedrontada, como poderia lhe pedir que superasse aquilo?
— Shelby, por favor não fique assim. Eu não vou...
— Não! — ela o interrompeu de modo brusco, desvencilhando-se de
seu abraço. — Não diga isso! Por favor, eu não suportaria. Tem que continuar
sendo o que é, e eu também. Se tentássemos mudar, não seriamos as mesmas
pessoas pelas quais cada um de nós se apaixonou.
— Não estou lhe pedindo para mudar. — o tom calmo e paciente voltou
a dominar a voz masculina. — Quero apenas que confie em mim.
— Está pedindo demais! Por favor, deixe-me sozinha. — antes que ele
pudesse responder, Shelby disparou em direção ao quarto, fechando a porta.
CAPÍTULO XII

O Maine era lindo em junho. Verde e selvagem. Shelby dirigia ao longo


da costa, forçando os pensamentos para fora da mente. Através das janelas
abertas do carro, podia escutar o arremessar violento da água contra as
rochas. O som expressava o que sentia naquele momento. Paixão, raiva e
tristeza. Entendia o barulho com perfeição.
A determinadas distâncias, avistava flores do campo margeando a
estrada. Pequenas florações resistentes ao sal, sol e vento. Na maior parte do
tempo, o cenário era composto por rochas desgastadas devido ao eterno
choque com a água, brilhando próximo à faixa litorânea e secas acima do nível
do mar até que a maré subisse e as envolvesse por inteiro.
Se inspirasse fundo, podia voltar a respirar. Aquele fora o motivo que a
fizera correr em busca daquele refúgio, antes que Washington a sufocasse. O ar
naquela região era estimulante e puro. O verão, que substituíra tão
rapidamente a primavera, ainda não alcançara o norte longínquo. Precisava
manter-se na estação que se despedia por mais algum tempo.
Avistou o farol no ponto mais alto da região, erguendo-se arrogante
próximo ao mar e fazendo seus dedos tensos relaxarem no volante. Paz de
espírito... Talvez a encontrasse ali, como o irmão sempre procurou fazer.
Quando o avião de Shelby pousara ainda era noite. Naquele momento,
os primeiros raios da aurora se insinuavam na penumbra celeste. Avistou o
reflexo vermelho do sol tingindo as águas marinhas, enquanto as gaivotas
mergulhavam e levantavam vôo sobre o mar, as rochas e a areia. As aves
emitiam um som agudo e solitário que se erguia sobre o barulho da
arrebentação. Mas não pensaria na solidão e sensação de vazio que o tom das
gaivotas lhe trouxera.
A praia estava deserta e a brisa fria quando Shelby desceu do carro. O
farol era uma ampla esfera branca, solitário e imponente em contraste com os
elementos da natureza. Talvez um tanto gasto pelo tempo em alguns pontos,
mas continha uma força latente que permanecia imutável e real. O local ideal
para se abrigar de qualquer tempestade.
Tirou a bagagem do porta-malas e se aproximou da entrada, na base do
farol. Sabia que estaria trancada. Grant não permitia a visitação aberta. Bateu
com a lateral do punho na madeira maciça, imaginando por quanto tempo o
irmão ignoraria o chamado antes de se dispor a atender. Por certo a escutaria
bater, já que era antenado com tudo que acontecia a seu redor.
Socou a porta mais uma vez e voltou o olhar ao astro de fogo que se
erguia no céu. Passaram-se mais de cinco minutos até que o irmão a atendesse.
Grant tinha a aparência do pai, pensou Shelby. Moreno, traços
marcantes e bonitos. Um tanto bruto nos contornos. Os olhos verdes surpresos
se encontravam enevoados pelo sono. Os cabelos bastos e um tanto
compridos, desgrenhados.
Lançando-lhe um olhar furioso, esfregou o queixo mal escanhoado.
— Que diabos está fazendo aqui?
— Um cumprimento típico de Grant Campbell. — dizendo isso,
colocou-se na ponta dos pés e roçou os lábios na face do irmão.
— Que horas são? — inquiriu ele, atordoado.
— Cedo.
Soltando uma imprecação, Grant passou as mãos pelos cabelos e
afastou-se, dando-lhe passagem. Por um instante, recostou-se ao batente da
porta para recuperar o prumo, o polegar repousando sobre sua única
concessão à modéstia, um par de interruptores. Em seguida, seguiu-a pela
escada em direção a seus aposentos.
Empertigando-se, segurou-a pelos ombros e a estudou por alguns
segundos com uma intensidade no olhar à qual Shelby não estava acostumada.
Ainda assim, esperou paciente com um meio sorriso estampado no rosto e
círculos escuros ao redor dos olhos.
— O que há de errado? — indagou o irmão de modo abrupto.
— Errado? — repetiu ela, dando de ombros e atirando a bagagem sobre
uma cadeira. — Por que tem de haver algum problema para que eu lhe faça
uma visita? — indagou, fitando-o nos olhos. A compleição física de Grant não
havia mudado. Oscilava entre esbelta e magra, porém, como a casa em que
vivia, possuía uma força latente dentro dele. Precisava daquilo no momento.
— Vai fazer café?
— Sim. — Grant caminhou pelo cômodo que servia como sala de estar
até a diminuta e organizada cozinha. — Quer tomar o desjejum?
— Claro.
Dando de ombros, o irmão retirou um pacote de bacon do refrigerador.
— Está magra, menina.
— Você também, meu irmão. — a resposta soou como um grunhido.
— Como está mamãe?
— Bem. Acho que vai se casar com o francês.
— Dilleneau. O homem das orelhas grandes e cérebro meticuloso.
— Ele mesmo. — Shelby deixou-se afundar em uma cadeira próxima à
mesa de carvalho oval, enquanto o bacon começava a fritar.
— Irá imortalizá-lo?
— Depende. — replicou Grant, voltando-lhe um sorriso perverso. —
Acho que nossa mãe não se surpreenderia em ver o noivo no Macintosh.
— Surpresa? Não... Até mesmo satisfeita, eu diria. — e, diminuindo o
tom de voz: — Ela ficaria feliz se lhe fizesse uma visita.
— Talvez eu vá. — Grant colocou o prato com bacon sobre a mesa.
— Não vai fazer ovos? — indagou ela, erguendo-se para apanhar os
pratos e xícaras, enquanto o irmão quebrava meia dúzia de ovos e os colocava
na frigideira. — Mexidos, por favor. — pediu, de costas para Grant. — Tem
recebido muitos turistas?
— Não.
A resposta fora tão concisa e objetiva que Shelby quase soltou uma
gargalhada.
— Podia tentar plantar minas em volta do farol e cercá-lo com arame
farpado. Intriga-me o fato de que alguém tão sintonizado com as pessoas possa
odiá-las.
— Não as odeio. — declarou o irmão, depositando os ovos mexidos em
outro prato. — Apenas não as quero por perto. — sem perder tempo com
cerimônias, sentou-se à mesa e começou a se servir do bacon. Enquanto
saboreava a refeição, Shelby fingia estar fazendo o mesmo.
— Como vão seus animais de estimação?
— Em coexistência pacífica. — informou ela, beliscando um pedaço de
bacon. — Kyle tomará conta deles até eu voltar.
Grant fitou-a nos olhos por sobre a borda da xícara.
— Por quanto tempo ficará?
Shelby deu vazão à risada que sufocara havia pouco.
— Sempre gentil. Poucos dias. — informou. — Não mais que uma
semana e, por favor. — continuou, erguendo uma das mãos. — Não suplique
para que eu fique. Não posso me ausentar por mais que isso. — sabia que o
irmão iria reclamar e ficar emburrado, mas por fim a deixaria desfrutar da
casa pelo tempo que necessitasse.
Grant terminou de comer o último ovo.
— Certo. Pode dirigir até a cidade para comprar mantimentos pelo
tempo que ficar.
— É um prazer servi-lo. — murmurou ela. — Como consegue que
sejam entregues aqui os jornais mais importantes do país?
— Pago por isso. — retrucou conciso. — Acham que sou esquisito.
— Mas você é.
— Um pouco. Agora diga-me... — ele empurrou o prato para o lado. —
Por que veio para cá?
— Queria apenas sumir de circulação por alguns dias. — começou
Shelby, apenas para ser interrompida por uma imprecação. Em vez de
responder com uma piada ou igual rudeza, desviou o olhar para o prato à sua
frente. — Tinha de sair de Washington. — sussurrou. — Minha vida está uma
bagunça.
— E a de quem não está? — replicou o irmão, erguendo-lhe o queixo
com o polegar. — Não faça isso, minha irmã. — murmurou, quando percebeu
os olhos cinza marejados de lágrimas. — Respire fundo e conte-me tudo.
Shelby obedeceu, lutando por controle.
— Estou amando, mas não deveria. Ele quer se casar comigo, mas eu
não posso.
— Bem, isso resume tudo. Alan MacGregor. — e, ante o olhar surpreso
da irmã: — Ninguém me contou. O relacionamento de vocês foi comentado
nos jornais pelo menos uma dúzia de vezes no último mês. Pelo menos, o
senador pertence a um grupo seleto de políticos os quais respeito.
— Ele é um bom homem. — afirmou Shelby, tentando dispersar as
lágrimas. — Talvez o melhor.
— Então qual é o problema?
— Não quero amar um homem extraordinário. — declarou ela. — Não
posso.
Grant se ergueu, pegou a cafeteira e serviu ambas as xícaras. Em
seguida, sentou-se e empurrou o creme na direção da irmã.
— Por quê?
— Porque não posso passar por tudo outra vez.
— A que está se referindo?
Shelby estreitou o olhar. As lágrimas haviam secado.
— Droga, Grant! Não faça isso comigo!
Com expressão calma, ele sorveu um gole do café, satisfeito com o fato
de ela esbravejar em vez de cair em prantos.
— Ouvi rumores de que o senador MacGregor vai concorrer à
presidência mais cedo ou mais tarde. Talvez antes do que esteja esperando.
— É verdade.
Grant deteve-se a fitar a bebida forte e escura.
— Não se imagina trajando um de seus vestidos no Smithsonian?
— Suas piadas sempre foram de mau gosto.
— Obrigado.
Irritada, Shelby empurrou o prato para o lado.
— Não quero me apaixonar por um senador.
— E é pelo político que se apaixonou? — inquiriu o irmão. — Ou pelo
homem?
— É a mesma coisa.
— Não, não é. — Grant pousou a xícara de café e arrancou um pedaço
do bacon intocado da irmã. — Você, mais do que ninguém, sabe disso.
— Não posso arriscar! — explodiu Shelby. — Simplesmente não
posso. Alan vencerá... Se viver tempo suficiente para isso. Não posso lidar
com isso... As possibilidades...
— Você e suas possibilidades. — interrompeu-a Grant. As lembranças
o feriam, mas ele as empurrou para o fundo da mente. — Muito bem, vamos
avaliar algumas. Primeiro: você o ama?
— Claro que sim. Eu o amo muito. Droga! Já lhe disse isso.
— O que esse homem significa para você?
Atordoada, Shelby passou as mãos pelos cabelos.
— Tudo.
— Então, se o senador concorrer à presidência e alguma coisa
acontecer a ele... — estacou de modo abrupto quando notou a cor fugir da face
da irmã. — Vai doer menos se estiver usando uma aliança de casada ou não?
— Não. — redargüiu Shelby, levando a mão à boca. — Não faça isso,
Grant.
— Tem de aprender a viver com isso. — repreendeu-a o irmão de modo
rude. — Nós temos de aprender a lidar com isso. Eu também estava lá e nunca
esqueci o que aconteceu. Vai parar de viver por algo que aconteceu há 15
anos?
— Não foi isso que fez?
Um dedo na ferida, pensou Grant com certa mágoa, mas decidiu ignorá-
la.
— Não sou a pessoa em questão. Continuemos a explorar suas
possibilidades. Suponhamos que ele a ame o suficiente para desistir de seu
objetivo.
— Eu me odiaria pelo resto da vida.
— Exatamente. Agora, a última. Consideremos... — e pela primeira
vez, tomou nas suas as mãos da irmã. — que ele concorra, ganhe e viva até se
tomar um ancião, escrevendo um livro de memórias, jogando gamão e
viajando como embaixador da boa vontade. Vai se sentir arrependida por ter
vivido cinqüenta anos sem ele?
— Sim, mas...
— Já esgotamos o estoque de "mas". — interrompeu-a Grant. — É
óbvio que existe um milhão de possibilidades além das que citei. O senador
poderia ser atropelado ao atravessar uma rua... Ou você. Ele pode também
perder a eleição e se tomar um missionário ou o âncora do jornal das dezoito
horas.
— Está bem. — rendeu-se Shelby, encostando a testa às mãos unidas de
ambos. — Ninguém melhor do que você para me fazer ver a idiota que sou.
— Um de meus muitos talentos. Escute-me, vá passear na praia. Clareie
a mente. Quando retomar, coma alguma coisa, durma durante doze horas, pois
está com uma aparência horrível e então... — aguardou até que ela erguesse a
cabeça e sorrisse. — Vá para casa. Tenho muito trabalho a fazer.
— Eu o amo, seu grosseirão.
— Sei disso. — e voltando-lhe um de seus raros sorrisos. — Eu
também a amo.

A casa parecia vazia e silenciosa, mas não havia lugar para onde Alan
quisesse ir. Forçou-se a dar a Shelby um dia inteiro sozinha, mas quase
enlouqueceu na sexta-feira, ao descobrir que ela não se encontrava em lugar
algum. Vinte e quatro horas mais tarde, ainda tentava chamar à razão a si
mesmo.
Shelby tinha o direito de ir aonde escolhesse quando achasse melhor.
Não havia por que esperar que ela lhe desse qualquer satisfação. O fato de ela
haver decidido sair por alguns dias não lhe dava o direito de ficar aborrecido
ou mesmo preocupado.
Ergueu-se da mesa em seu escritório para vaguear pelo aposento. Onde
diabos se metera aquela mulher? Por quanto tempo ficaria fora? Por que ao
menos não lhe avisara que partiria?
Frustrado, enfiou as mãos nos bolsos. Sempre tivera o talento para
encontrar as soluções de seus problemas. Se não funcionasse de um modo,
tentava de outro, mas sempre havia uma resolução viável. Era apenas uma
questão de tempo e paciência. Porém, havia perdido a última. Sentia-se ferido
como nunca antes... Em todos os sentidos e irremediavelmente.
Quando a encontrasse iria... O quê?, perguntou a si mesmo. Forçá-la,
rogar, suplicar? O que lhe restara? Podia entregar parte de sua vida àquela
mulher e ainda se sentir completo, mas, sem Shelby, nunca passaria de um
espectro de homem. Ela roubara algo precioso dele e em seguida trancara a
porta, refletiu, furioso. Não... Ele lhe ofertara por livre-arbítrio, embora
Shelby relutasse em aceitar seu amor. Não podia tomá-lo de volta, mesmo que
ela desaparecesse de sua vida.
Aquela cabeça-dura era capaz de fazê-lo, concluiu, tomado de uma
repentina onda de pânico. Shelby podia fazer suas malas e desaparecer sem
deixar rastros. Não permitiria! Franziu o cenho, fitando o telefone outra vez.
Primeiro a encontraria e depois lidaria com ela de uma forma ou de outra.
Começaria contatando a mãe de Shelby e depois todos os seus
conhecidos. Sorriu, satisfeito com a própria decisão, e pegou o telefone. Com
os conhecimentos de Shelby, a tarefa poderia durar metade da semana.
Mas antes que pudesse discar qualquer número, a campainha da porta
soou. Alan deixou que tocasse três vezes antes de se recordar de que McGee
estava na Escócia. Deixando escapar uma imprecação, bateu com o fone no
gancho com mais força que o necessário e rumou para a porta de entrada.
O mensageiro lhe sorriu, polido.
— Uma encomenda para o senhor, senador. — declarou em tom cordial,
estendendo-lhe um saco plástico transparente. — Vocês políticos são mesmo
estranhos. — acrescentou, antes de partir. Enquanto observava o saco que
segurava em uma das mãos, Alan fechou a porta. Nadando frenético na água
contida no plástico, havia um peixe dourado.
Com passos lentos, avançou pela sala de visitas, analisando o presente
com olhar circunspeto. Que diabos iria fazer com aquilo?, imaginou.
Impaciente com a interrupção, apressou-se em pegar um globo de vidro
transparente e derramou o conteúdo do plástico nele. Após descartar o
invólucro vazio, abriu o pequeno cartão que se encontrava pregado a ele.

Senador, se é capaz de viver em um aquário de peixes


dourados,
eu também sou.

Após ler o conteúdo três vezes, cerrou as pálpebras. Ela estava de


volta. Deixou o cartão cair sobre a mesa ao virar para se encaminhar à porta.
Enquanto a escancarava, a campainha tocava.
— Olá! — sorriu Shelby, embora o cumprimento entusiasmado não
disfarçasse o nervosismo. — Posso entrar?
Alan desejou puxá-la para dentro e tomá-la nos braços para se certificar
de que ela viera para ficar Mas aquela não era forma de reter uma mulher
como Shelby.
— Claro.
Em vez de dar um passo à frente como era sua vontade, recuou para lhe
dar passagem.
— Esteve fora. — afirmou, sucinto.
— Uma rápida viagem. — informou Shelby, enfiando as mãos nos
bolsos da jaqueta comprida de sarja. Alan parecia cansado, notou, como se
não tivesse dormido. Ansiou por tocar-lhe a face, mas deteve-se, temerosa.
— Entre e sente-se. — convidou ele, gesticulando em direção à sala de
visitas. Ambos caminhavam conscientes da proximidade um do outro. —
McGee viajou. Posso fazer café.
— Não, obrigada. — agradeceu Shelby, vagueando o olhar pelo
cômodo. Como poderia começar? O que diria? Todos os discursos
cuidadosos, apaixonados ou loquazes lhe desapareceram da mente. Alan
colocara a jarra redonda que ela lhe dera de presente próxima à janela, onde
captava a luz solar. Cravou o olhar na peça.
— Suponho que devo começar pedindo desculpas por desmoronar
daquela forma.
— Por quê?
— Por quê? — repetiu ela, volvendo o rosto para encará-lo. — Como
assim?
— Por que deveria se desculpar?
Shelby deu de ombros.
— Detesto chorar. Prefiro xingar ou mesmo chutar alguma coisa. — o
nervosismo a agitava por dentro, algo pelo qual não esperara e que o olhar
calmo e impassível de Alan não ajudava a abrandar. — Está aborrecido
comigo.
— Não.
— Mas estava. — afirmou Shelby, caminhando pela sala. — E tem o
direito de estar... — estacou ao avistar o peixe dourado, nadando em círculos
dentro do globo de vidro. — Bem, ele fez sua estréia no mundo. — disse, com
um riso nervoso. — Acho que não está apreciando isso. — desta vez, voltou-
lhe o olhar com expressão questionadora e vulnerável. — Ainda me quer ou
arruinei tudo?
Alan desejou correr até ela e tomá-la sob quaisquer condições. As suas
ou as dela. Mas queria muito mais do que o momento presente.
— Por que mudou de idéia?
Ela caminhou em direção a Alan, tomando-lhe as mãos nas suas.
— Isso importa?
— Sim. — afirmou ele, desvencilhando-se apenas para segurar-lhe o
rosto com ambas as mãos. Os olhos negros tinham a aparência sombria que
fazia os joelhos de Shelby cederem. — Tenho de saber se será feliz. Se terá o
que quer, o que sabe que poderá suportar. Desejo a eternidade com você.
— Está bem. — concordou ela, cobrindo-lhe os pulsos com as mãos. —
Considerei as possibilidades. — começou, cautelosa. — Pesei todos os "se" e
"talvez". Não gostei de alguns, mas o que mais detestei foi ter de viver sem
você. Não vai jogar gamão em sua velhice sem mim, senador MacGregor.
Alan arqueou as sobrancelhas.
— Não?
— Não. — afirmou ela, soprando a franja da testa com uma risada. —
Case-se comigo, Alan. Não concordo com todas as suas políticas, mas tentarei
ser diplomática na imprensa... De vez em quando. Não liderarei nenhum
comitê e comparecerei de maneira esporádica a almoços se não tiver outro
jeito, mas minha carreira é uma desculpa compreensível para tais recusas. Não
darei festas convencionais, mas planejarei algumas bem interessantes. Se
estiver disposto a correr o risco de deixar-me trafegar livre no mundo da
política, quem sou eu para argumentar?
Alan não imaginou que pudesse amar aquela mulher mais do que já
amava. Mas estava errado.
— Eu poderia voltar a praticar o Direito e abrir um escritório aqui em
Georgetown.
— Não! — Shelby se afastou num impulso. — Diabos! Não voltará
para a advocacia, nem por mim, nem por ninguém! Eu estava errada. Amava
meu pai. Adorava-o acima de tudo, mas não posso permitir que o destino dele
controle minha vida... Ou a sua. — estacou, tentando moderar o tom de voz. —
Não vou mudar por sua causa. Não poderia. Mas posso fazer o que me pediu e
confiar em você. — meneou a cabeça vigorosamente sem lhe dar chance de
resposta. — Não vou fingir que nunca me sentirei temerosa ou que não haverá
partes de nossa vida que odiarei. Mas sempre me orgulharei do que faz. —
sentindo-se mais calma, volveu o olhar a ele. — Tenho orgulho do homem que
você é. Se ainda tenho alguns fantasmas para combater, eu o farei.
Alan aproximou-se, fitando-a diretamente nos olhos antes de puxá-la
para si.
— Comigo?
Shelby deixou escapar um suspiro de alívio.
— Sempre. — quando volveu a cabeça, seus lábios foram arrebatados
num beijo longo e sedento. Sentia como se tivessem se passado anos, e não
dias, sem aquele contato cálido e excitante. Com urgência avassaladora,
puxou-o para baixo, deitando-o no carpete, enquanto murmurava seu nome.
Não havia paciência ou delicadeza em nenhum dos dois, apenas o
desejo cego. Impaciente, Alan soltou uma imprecação, lutando contra as peças
de roupa até que Shelby rolasse rindo sobre o corpo excitado e o montasse,
beijando-lhe o peito desnudo. Mas ele não se contentava em ser tocado. As
mãos ávidas a exploravam sob a sarja, fazendo com que a força de Shelby
cedesse e o cérebro embotasse.
Quando por fim não restavam mais impedimentos, a boca quente e
sensual somou-se à doce agonia que as mãos provocavam, moldando-a e a
devorando. A casa jazia em total silêncio, exceto pela respiração ofegante e
pelos murmúrios de ambos. Mais uma vez, Alan enterrou a face na massa de
cabelos macios, deixando que eles o absorvessem, enquanto ela o guiava para
dentro de si.
E então não havia nada além do prazer desesperado e intenso de
estarem unidos.
A luz tênue do entardecer adentrava a sala, quando Shelby se mexeu,
roçando o corpo contra o dele. Dormiam no sofá, entrelaçados e despidos.
Uma garrafa de vinho havia esquentado sob a mesa ao lado deles.
Quando ela abriu os olhos, encontrou-o adormecido, com a face
relaxada e a respiração cadenciada. E sentiu o mesmo contentamento, sólido e
natural, de que desfrutava toda vez que acordava nos braços daquele homem.
Inclinando a cabeça para trás, pôs-se a observá-lo até que Alan se movesse e
abrisse os olhos. Com um sorriso luminoso, inclinou os lábios para tocar os
dele.
— Não posso me lembrar de ter passado um sábado mais... Agradável.
— Shelby suspirou extasiada e provocou-o traçando com a língua o contorno
dos lábios másculos.
— Já que não pretendo sair daqui nas próximas vinte e quatro horas,
veremos o que achará do domingo.
— Acho que vou amá-lo. — declarou ela, deslizando a mão pelo ombro
largo. — Não quero parecer insistente, mas quando casará comigo, senador?
— Em setembro, em Hyannis Port.
— A fortaleza MacGregor. — Alan percebeu pelo brilho dos olhos
cinza que a idéia a agradava. — Mas faltam dois meses e meio para setembro.
— argumentou Shelby.
— Então casaremos em agosto. — afirmou ele, mordiscando-lhe o
lóbulo da orelha. — Enquanto isso, você e seus animais de estimação podem
se mudar para cá, ou podemos começar a procurar outro lugar para morar.
Gostaria de passar a lua-de-mel na Escócia?
— Sim. — concordou, inclinando a cabeça para trás. — Mas nesse
meio tempo, — começou em tom lânguido, enquanto as mãos pequenas
exploravam os quadris de Alan. —gostaria de lhe dizer que há uma de suas
políticas domésticas da qual sou totalmente a favor, senador.
— É mesmo? — os lábios quentes e macios escorregaram pela curva do
pescoço esguio.
— Você tem... — Shelby mordiscou-lhe o lábio inferior. — Meu total
apoio. Será que podia executar todo o processo mais uma vez para mim?
Alan deslizou uma das mãos pelo contorno do corpo feminino.
— É dever cívico de um senador estar disponível para seus eleitores.
Os dedos de Shelby escorregaram pelo peito firme e estacaram na face
máscula antes de ter os lábios capturados pelos dele.
— Desde que seja só para mim, senador. — dizendo isso, envolveu-lhe
o pescoço com os braços. — Este é um sistema de voto único para um único
homem.

FIM
Digitalização: Silvia

Revisão e Formatação: Amanda F.

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