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Nora Roberts
HARLEQUIN Books 2007
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V,/S.à.r.l.
Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no
todo ou em parte, por quaisquer meios.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou
mortas é mera coincidência.
Copyright © 1985 by Nora Roberts
Originalmente publicado em 1985 por Silhouette Special Edition
Título original: ALL THE POSSIBILITIES
Tradução: Gracinda Vasconcelos
Digitalização: Silvia
Revisão e Formatação: Amanda F.
Versão ePub: AZ
Sangue bom, linhagem forte!
Um dos mais famosos clãs das Terras Altas da Escócia, os MacGregors
honram seu passado de romances e aventuras. E, para garantir a perpetuação
de seu nobre legado, o patriarca Daniel MacGregor faz o possível para que
seus filhos encontrem companheiros à altura de sua família. Afinal, soberana é
a sua raça, e um bom sangue faz uma linhagem forte!
Shelby Campbell é diferente de todas as mulheres que o senador Alan
MacGregor já conheceu, e ele acaba se apaixonando pela beldade espirituosa
apesar dos esforços dela para mantê-lo à distância. Mas, a despeito da rixa
secular entre os Campbells e os MacGregors e da trágica história da família
de Shelby, nada o impedirá de buscar o que deseja: o coração de sua amada.
Com um enredo criativo, arrebatador e nada convencional, Orgulho &
Paixão é o terceiro livro da saga Os MacGregors, série que consagrou Nora
Roberts como a principal voz do romance contemporâneo, e que ano após ano
continua encantando milhões de pessoas com suas histórias poderosas e
apaixonantes.
CAPÍTULO I
Shelby sabia que Washington era uma cidade louca. Por isso a amava.
Se quisesse podia dispor de elegância e história, ou de bares escuros e
espetáculos de variedades. Em uma viagem de um lado ao outro da cidade,
podia circular com graça e estilo pelas ruas principais. Sempre havia uma
opção: monumentos luminosos, nobres edifícios estatais, casas antigas de
tijolos, cabines de aço e vidro, estátuas que tinham oxidado havia tanto tempo
que ninguém mais lembrava o porquê da oxidação, ruas pavimentadas com
pedras redondas ou Watergate.
Mas a cidade não apresentava uma estrutura tão especial por nada. O
capital era o núcleo, e política, o nome do jogo. Washington agitava-se
freneticamente, não com a pressa contínua e descuidada de Nova York, mas
com um tipo cauteloso de frenesi. Para a maioria dos homens e mulheres que
trabalhavam lá, seus empregos ficavam na berlinda a cada eleição. Uma coisa
que Washington não era uma capa de segurança. E por isso Shelby a amava.
Segurança assemelhava-se a complacência, e complacência lembrava enfado.
Uma de suas principais metas era jamais permitir que seus negócios se
tomassem enfadonhos.
A cidade de Georgetown a satisfazia porque era, e ao mesmo tempo não
era, distrito federal. Tinha a energia da juventude: universidade, butiques,
cafés, cervejas pela metade do preço nas noites de quarta-feira. E a dignidade
da idade: ruas residenciais, paredes de tijolos vermelhos cobertas de hera,
venezianas pintadas, mulheres elegantes passeando com cãezinhos asseados.
Porque não podia ser rotulada estritamente como parte de qualquer outra
coisa, sentia-se confortável lá. Sua loja situava-se em uma das estreitas ruas
com piso de pedra e sua residência, propriamente dita, ficava no andar
superior. Dispunha de uma sacada, na qual podia se sentar e ouvir o
burburinho da cidade nas noites mornas de verão. As janelas eram decoradas
com venezianas de bambu, para que pudesse fechá-las, caso quisesse um
pouco de privacidade. O que raramente acontecia.
Shelby Campbell nascera para viver em meio às pessoas, conversas e
multidões. Considerava uma conversa com estranhos tão fascinante quanto
com os velhos conhecidos e o barulho mais atraente do que o silêncio.
Contudo, gostava de viver à sua maneira, de modo que seus companheiros de
quarto não eram da espécie humana: Moshe Dayan, um gato cego de uma vista
e Tia Em, um papagaio fêmea que se recusava a conversar com qualquer um.
Juntos, os três viviam em relativa paz, na desordem que Shelby chamava de
casa.
Era oleira por profissão e comerciante por capricho. A pequena loja
que batizara de Calliope se tomara um sucesso ao longo daqueles três anos,
desde que abrira as portas. Shelby achava que gostava de lidar com os
clientes tanto quanto gostava de se sentar frente ao prato giratório com uma
porção de barro nas mãos e dar asas à imaginação. A parte burocrática, sim,
era um aborrecimento constante. Entretanto, para ela, aborrecimentos davam
certo estímulo à vida. Então, para diversão da família e surpresa de muitos
amigos, ela entrara no ramo do comércio e vinha fazendo um inegável sucesso.
Eram seis horas da tarde quando fechou a loja. Desde o início,
estipulara uma política firme de não trabalhar durante a noite. Podia modelar
barro ou mexer com vernizes até a madrugada ou sair e se misturar à agitação
das ruas, mas nos negócios não admitia serão. Naquela noite, porém, teria de
enfrentar algo que evitava sempre que possível, mas que levava
completamente a sério quando não havia outra escapatória: uma obrigação.
Apagando todas as luzes como de costume, subiu os degraus que a levavam ao
andar superior.
O gato saltou com agilidade de seu poleiro no batente. Espreguiçou-se e
caminhou em sua direção. Quando Shelby entrava, significava que era hora do
jantar. O papagaio aprumou as asas e começou a roer o calcário que possuía
em sua gaiola.
— Como vai? — ela coçou atrás das orelhas de Moshe, onde ele mais
gostava. Com um miado de aprovação, o bichano inclinou a cabeça e a fitou
com seu único olho. A venda que usava emprestava-lhe uma aparência
desordeira e correta ao mesmo tempo. — Sim, já vou lhe dar seu jantar. —
Shelby levou uma mão ao estômago. Estava com fome também, e tudo que
tinha para comer naquela noite era fígado a rolê e bolachas. — Oh, muito bem.
— murmurou enquanto entrava na cozinha para alimentar o gato.
Havia prometido à mãe que iria ao coquetel do congressista Write,
portanto tinha de se apressar. Deborah Campbell, por certo, era a única pessoa
capaz de fazê-la apressar-se.
Sempre fora apaixonada pela mãe. Um amor que ia muito além do amor
básico que os filhos sentem pelos pais. Havia ocasiões em que eram
confundidas como irmãs, apesar da diferença de vinte e cinco anos entre as
duas. Ambas tinham cabelos da mesma cor, ruivos e brilhantes. Mas enquanto
a mãe usava um corte curto e reto, Shelby deixava os cachos caírem-lhe sobre
a testa em uma franja ondulada que sempre lhe parecia um pouco longa.
Herdara a pele de porcelana e os olhos cinzentos da mãe, mas enquanto essa
combinação fazia Deborah parecer elegante e delicada, em Shelby, de uma
estranha maneira, criava a aparência de uma criança abandonada vendendo
flores em alguma esquina. Tinha o rosto fino, com uma ossatura proeminente.
Sempre explorara sua imagem habilmente com uma boa aplicação de
maquiagem e uma predileção por roupas antigas.
Podia ter herdado os traços da mãe, mas no tocante à personalidade
eram bem diferentes. Shelby jamais pensara em se tomar livre ou excêntrica,
simplesmente era. Vivera e se formara em Washington, e as implicações
políticas haviam dominado sua infância. Pressão de anos eleitorais,
campanhas que faziam seu pai ficar afastado de casa durante semanas, lobby,
contas a repassar ou bloquear, tudo aquilo fizera parte do seu passado.
E havia as festas de crianças que, na maioria das vezes, faziam parte do
jogo, tal como uma entrevista coletiva. Os filhos do senador Robert Campbell
eram importantes para sua imagem, uma imagem que fora cuidadosamente
projetada como satisfatória para o salão oval. E muitos aspectos dessa
imagem, como Shelby bem se lembrava, eram verdadeiros. Seu pai fora um
homem bom, justo, afetuoso, dedicado e com um senso agudo de ridículo. Mas
aquilo não o salvara da bala de um louco quinze anos atrás.
Desde então, decidira que a política fora responsável pela morte do pai.
Um dia todo mundo morre. Mesmo contando apenas onze anos à época, Shelby
compreendia muito bem esse fato. Mas a morte viera cedo demais para o
senador Robert Campbell. E se pudera derrubá-lo, uma pessoa que ela julgava
inatingível, poderia derrubar qualquer um, a qualquer hora. Então, decidiu,
com todo o fervor de uma criança, desfrutar e aproveitar ao máximo tudo que a
vida tinha para lhe oferecer. E nada mais mudara essa sua análise. Portanto,
iria ao coquetel dos Write, em sua espaçosa casa às margens do rio, e acharia
algo com o que pudesse se divertir ou pelo que se interessar. Não duvidava de
que teria êxito.
Shelby estava atrasada. Mas isso não era novidade alguma. Não se
tratava de um descuido consciente ou necessidade de aparecer. Sempre se
atrasava porque nunca terminava qualquer coisa tão depressa quanto
imaginava que fosse terminar Além do mais, a casa colonial de tijolos brancos
encontrava-se abarrotada, cheia de pessoas o suficiente para que um
retardatário não fosse notado.
A sala era tão larga quanto o seu apartamento e duas vezes mais
comprida. Exibia tons de branco, marfim e creme, o que lhe conferia um senso
de espaço organizado. Nas paredes havia excelentes paisagens francesas
adornadas com molduras ricamente entalhadas. Shelby aprovava o ambiente,
entretanto não se imaginava morando num lugar daqueles. Gostava do cheiro
que predominava no ar, tabaco, perfumes variados e águas-de-colônia. Não
havia sequer o mínimo rastro de suor, é claro. Aquele era o odor de pessoas e
festas.
As conversas típicas na maioria dos coquetéis versavam sobre outras
festas, jogos de golfe, roupas, mas em meio a esses assuntos também se
ouviam comentários sobre o índice de preços, os discursos atuais da OTAN e
a última entrevista do secretário do Tesouro Nacional no programa Cara a
Cara.
Shelby conhecia a maioria das pessoas presentes, vestidas em suas
sedas finas ou seus ternos escuros. Enquanto caminhava com habilidade em
direção ao buffet, dispensou-lhes alguns sorrisos rápidos e saudações. Comida
era uma coisa que ela levava muito a sério. Ao se deparar com os apetitosos
quiches, decidiu que sua noite não seria uma perda de tempo tão grande.
— Olá, Shelby. Não havia reparado que estava aqui. Que bom vê-la. —
Carol Write, extremamente elegante em seu vestido de Unho lilás, deslizou por
entre a multidão sem derramar uma gota de seu xerez.
— Cheguei atrasada. — disse ela com a boca cheia, retribuindo o breve
abraço. — Tem uma bonita casa, Sra. Write.
— Muito obrigada, querida. Adoraria lhe mostrar o restante dos
cômodos mais tarde, se eu puder dar uma escapulida. — a mulher relanceou
um olhar rápido e satisfeito ao redor da multidão, o estandarte de uma anfitriã
de Washington. — Como vão indo as coisas na loja?
— Bem. Espero que com o parlamentar também.
— Oh, sim. Ele quer vê-la. Não imagina o quanto ele amou aquele vaso
que você fez para o escritório dele. — embora tivesse um sotaque levemente
georgiano, Carol conseguia falar tão depressa quanto um lojista de Nova York
oferecendo uma pechincha. — Write sempre diz que foi o melhor presente de
aniversário que já lhe comprei. Agora venha, precisa se misturar aos outros
convidados. — a mulher a segurou pelo cotovelo, antes que ela pudesse pegar
outro quiche. — Não existe ninguém melhor para fazer uma conversa fluir do
que você, minha querida. Muita conversa sobre negócios pode simplesmente
destruir uma festa. Várias pessoas aqui são suas conhecidas, é claro, mas...
Ah, ali está a Deborah. Vou deixá-la com ela por um momento e bancar a
anfitriã por aí.
Libertada, Shelby voltou ao buffet.
— Olá, mamãe.
— Estava começando a pensar que havia desistido de vir. — Deborah
relanceou um olhar à filha, maravilhando-se ao ver como a saia colorida, a
blusa de estilo camponês e o bolero pareciam tão elegantes nela, quando em
outra pessoa poderiam parecer uma fantasia de carnaval.
— Eu prometi que viria. — Shelby lançou um olhar de especialista ao
buffet, antes de fazer sua próxima escolha. — A comida está melhor do que eu
esperava.
— Shelby, não deixe que o estômago domine a sua mente. — com um
suspiro, Deborah segurou a filha pelo cotovelo. — No caso de não ter
percebido, há vários homens interessantes no salão.
— Ainda tentando me casar? — perguntou, dando-lhe um beijo
carinhoso na face. — Já a tinha quase perdoado pelo pediatra que tentou me
empurrar.
— Ele era um homem muito atraente.
— Hummm... — ela decidiu não mencionar que o homem atraente
parecia ter seis pares de mãos, todas muito ativas.
— Além do mais, não estou tentando casá-la. Só quero que seja feliz.
— Você é feliz? — Shelby redargüiu com um rápido brilho no olhar.
— Sim. — distraidamente, Deborah apertou o brinco de diamantes em
sua orelha esquerda. — Claro que sou.
— Quando vai se casar?
— Já fui casada. — a mãe a lembrou com um pequeno acesso de ira. —
E tive dois filhos e...
— Que a adoram. Tenho dois ingressos para o balé no Kennedy Center
semana que vem. Quer ir comigo?
A frágil carranca de aborrecimento desapareceu do cenho de Deborah.
Quantas mulheres, pensou ela, teriam uma filha capaz de exasperá-la e agradá-
la tão completamente ao mesmo tempo?
— Um modo bem inteligente de mudar de assunto, e, sim, eu adoraria ir
com você.
— Posso jantar, então? — Shelby irradiou um sorriso ao homem à sua
esquerda. — Olá, Steve. — ela examinou o braço musculoso do rapaz. —
Você tem malhado um bocado!
Deborah observou o charme que a filha jogou para o vice-secretário de
imprensa e a seguir para o novo chefe da Agência de Proteção Ambiental. Sem
esforço genuíno, meditou. Ninguém adorava mais, ou encantava mais uma
multidão, do que Shelby. Então, por que evitava tão escrupulosamente
envolvimentos com o sexo oposto? Se fosse apenas o casamento que ela
evitasse, Deborah teria aceitado, mas havia muito suspeitava de que havia
algo mais a bloqueava.
Jamais desejaria o sofrimento para a filha, mas até mesmo um
relacionamento fracassado teria lhe aliviado a mente. Durante quinze anos,
vira Shelby evitar a dor emocional de uma maneira ou de outra. Deborah sabia
que sem dor jamais haveria a verdadeira satisfação. Ainda assim ela suspirou
ao vê-la curvar os lábios naquele sorriso que endereçava a vários membros do
grupo ao qual se havia unido era uma jovem tão cheia de vida, tão iluminada.
Talvez estivesse se preocupando à toa. Felicidade era uma coisa muito
pessoal.
Alan tinha calculado entre quinze a vinte minutos para o Senado ser
chamado de volta ao plenário. Resolveu utilizar esse tempo para revisar os
cortes de orçamento propostos. Um déficit que beirava incomodamente perto
de duzentos bilhões de dólares tinha que ser administrado, mas ele julgava os
cortes propostos na área da educação simplesmente inaceitáveis. O Congresso
já havia rejeitado boa parte dos cortes de gastos do governo e ele sentia que
tinha apoio suficiente para influenciar uma modificação nos cortes da
educação.
Porém, havia algo mais em sua mente, além de déficits e orçamentos.
Como a primavera seguinte era um ano de eleição, Alan fora procurado pelo
líder da maioria no Senado, um perito na arte de não dizer nada, enquanto
tomava fôlego para uma nova retórica. Mas não precisava de mágica para
concluir que estava sendo considerado a esperança do partido para a próxima
década. Será que de fato queria escalar esse degrau até o topo?, perguntou-se.
Alan passara horas pensando sobre isso. Não que não tivesse
capacidade ou ambição, embora acreditasse que se decidisse arrebatar o anel
de metal presidencial, seria apenas dali a quinze, talvez vinte anos. A
possibilidade de isso acontecer mais cedo, por vontade do partido, era algo
que teria que ponderar cuidadosamente.
Não obstante, até onde dizia respeito ao seu pai, não havia dúvidas de
que seu filho primogênito concorreria ao cargo de presidente... E ganharia.
Daniel MacGregor gostava de pensar que ainda segurava os fios que guiavam
as vidas de seus descendentes. Às vezes, eles lhe concediam a dádiva de se
iludir. Ainda se lembrava do anúncio da gravidez da irmã, no último inverno.
A atenção de Daniel se concentrara toda no futuro neto e no casamento do
filho, Caine, de forma que aliviara a pressão sobre Alan. Por enquanto,
pensou, fazendo uma careta. Não demoraria muito a receber um dos famosos
telefonemas do pai.
“Sua mãe sente falta de você. Ela se preocupa com você. Quando vai
tirar um tempo para nos fazer uma visita? Por que ainda não se casou? Sua
irmã não pode continuar nossa linhagem sozinha, você sabe”.
A chamada se resumiria a isso, pensou Alan com um sorriso. Estranho,
sempre fora capaz de ser indiferente ao ponto de vista do pai sobre casamento
e filhos. Mas agora...
Por que uma mulher que ele conhecera apenas alguns dias atrás o fazia
pensar era casamento? As pessoas não se ligam de boa vontade a alguém que
não conhecem. Shelby nem mesmo era o tipo de mulher que o atraía no
passado. Não era refinada e fria. Por certo, era pouco complacente e não daria
uma boa anfitriã para jantares estatais elegantes. Não agiria de modo cortês e
seria qualquer coisa, menos diplomática. E, Alan acrescentou com o vislumbre
de um sorriso, nem mesmo jantaria cora ele.
Um desafio. Aquela mulher seria um desafio, e ele sempre gostara de se
envolver em um. Mas não era só por isso. Um mistério. Ela era um mistério e
ele sempre gostara de resolvê-los, passo a passo. Mas também não era só isso.
Ela tinha o entusiasmo dos jovens, a habilidade de uma artista e o ardor de
uma rebelde. Tinha paixão ardente em vez de placidez complacente e olhos tão
serenos quanto uma noite nebulosa. Tinha a boca de uma criança, o fascínio de
uma mulher e uma mentalidade que jamais se adaptaria à estrutura lógica do
modo de pensar dele. A química entre eles era quase absurdamente errada. E
ainda assim...
Ainda assim, aos 35 anos, de repente, Alan acreditava que o tal
fenômeno do amor à primeira vista era verdadeiro. Logo, investiria toda sua
paciência e tenacidade contra o brilho e a energia dela, para ver quem sairia
ganhando no final. Se é que de fato poderia haver um vencedor entre óleo e
água.
Nesse instante, o telefone tocou ao seu lado. Alan o deixou tocar, até se
lembrar de que sua secretária não estava na ante-sala do escritório.
Ligeiramente aborrecido, apertou o maldito botão e respondeu.
— Senador MacGregor.
— Obrigada.
Os lábios dele se curvaram, enquanto se reclinava para trás na cadeira.
— De nada. São gostosos?
Shelby levou uma baga à boca e a mordiscou.
— Fantásticos. Minha loja está inundada com o cheirinho de morangos.
Droga, Alan. — disse ela com um suspiro exasperado. — Morangos são uma
tática injusta. Você parece o tipo que manda orquídeas ou diamantes. Eu teria
me contentado muito bem com um grande diamante brega ou cinco dúzias de
orquídeas africanas.
Ele bateu a caneta que estava usando sobre a pilha de documentos na
escrivaninha.
— Vou me certificar de nunca lhe mandar nenhuma dessas duas coisas.
Quando a verei, Shelby?
Ela ficou calada por um momento, vacilante, tentada. Ridículo, pensou,
sacudindo a cabeça. Só porque o senador tinha um pouco de imaginação sob o
protocolo político não era razão para deixar de lado sua convicção de toda
uma vida.
— Alan, isso não vai dar certo. Dizendo-lhe não, estou nos salvando de
inúmeros problemas.
— Você não me parece o tipo que evita problemas.
— Talvez não... Estou fazendo uma exceção no seu caso. Daqui a alguns
anos, quando tiver dez netos e sofrer de bursite, vai me agradecer.
— Tenho que esperar tudo isso para jantar cora você? Ela riu e o
amaldiçoou ao mesmo tempo.
— Eu gosto de você. De verdade. Mas droga, Alan, pare de ficar me
jogando charme. Vamos acabar caminhando sobre gelo fino. E não posso
suportar que ele se quebre sob meus pés mais uma vez.
Ele ia começar a falar, quando ouviu o som das cigarras e viu as luzes
que advertiam para a chamada do fórum.
— Shelby, tenho que desligar. Voltaremos a falar sobre isso depois.
— Não. — a voz soou firme como se ela se amaldiçoasse por ter dito
mais do que pretendia. — Odeio ter que ser repetitiva. É cansativo. Apenas
considere um favor o que fiz. Adeus, Alan.
Ela desligou e fechou a tampa da cesta de morangos. Oh, Deus, como
aquele homem conseguira envolvê-la tão depressa?, perguntou-se.
Mais tarde, ao mesmo tempo em que se vestia para o jantar de Myra,
Shelby escutava um velho filme de Humphrey Bogart. Escutava apenas, porque
a televisão apresentara um defeito duas semanas antes. Atualmente ela se
divertia com aquela situação. Era como ter um rádio gigante, bastante
pomposo, que demandava muito mais imaginação do que uma teia colorida de
vinte polegadas.
Enquanto Bogart falava com seu tom enfadonho de sujeito durão, ela
deslizou o colete fino perolado sobre uma blusa de babados e laços.
Deixara o humor incerto daquela tarde de lado. Sempre acreditara que,
se a pessoa simplesmente se recusasse a admitir que estava chateada ou
deprimida, não ficaria chateada, nem deprimida. Em todo caso, agora que
tinha certeza de que se fizera clara como cristal, recusando pela terceira vez o
convite de Alan MacGregor, ele entenderia.
Se lamentava o fato de não receber mais nenhuma cesta de morangos ou
outras surpresas, escondeu de si mesma. Ninguém poderia fazê-la acreditar
que uma mentira que ela dissera era mais verdadeira do que o que ela admitia.
Shelby calçou um par de sapatos de noite que tinham mais saltos do que
couro, enquanto colocava algumas coisas essenciais na bolsa; um molho de
chaves, um batom bem usado e metade de um dropes.
— Vai ficar em casa esta noite, Moshe? — perguntou ao passar pelo
gato que se encontrava deitado sobre a cama. Ao vê-lo abrir o único olho, em
reconhecimento, ela deslizou para fora do quarto. — Certo. Mas não se
demore. — ela pousou a bolsa sobre a caixa que embalava o abajur de Myra e
se preparava para erguer ambas quando ouviu uma batida na porta. — Está
esperando alguém? — perguntou ela a Tia Em. O pássaro apenas tremulou as
asas, desinteressado. Levantando a caixa, ela tratou de ir atender.
Shelby foi obrigada a reconhecer o misto de prazer e aborrecimento que
sentiu ao ver Alan.
— Outra visita social? — perguntou, plantando-se na entrada e
deslizando o olhar pela gravata de seda e o terno escuro que o senador usava.
— Não parece vestido para perambular por aí.
O sarcasmo não o afetou, Alan havia percebido um vislumbre rápido de
prazer nos olhos dela.
— Como funcionário público, sinto-me na obrigação de conservar
nossos recursos naturais e proteger o meio ambiente. — erguendo a mão, ele
prendeu um ramo minúsculo de ervilha-de-cheiro nos cabelos dela. — Vou lhe
dar uma carona até a casa dos Ditmeyers. Diremos que estamos fazendo
lotação.
Shelby inspirou a fragrância suave que a plantinha exalava. De repente,
sentiu desejo de erguer a mão e tocar as pequenas flores. Desde quando era
tão vulnerável ao charme de um homem?, perguntou a si mesma.
— Você vai ao jantar de Myra?
— Sim. Está pronta?
Shelby estreitou os olhos, tentando entender como Myra conseguira
descobrir o nome do remetente da cesta de morangos.
— Quando ela o convidou?
— Hum? — ele estava distraído examinando o rendado da gola da
blusa dela. — Na semana passada... Na casa dos Write.
Algumas das suspeitas de Shelby esmoreceram. Talvez fosse apenas
uma coincidência.
— Bem, aprecio a oferta, senador, mas irei dirigindo meu próprio
carro. Nos veremos lá.
— Então, irei com você. — rebateu Alan num tom amável. — Não
queremos poluir o ar com mais monóxido de carbono do que o necessário.
Deixe-me colocar isso no carro.
Shelby segurou a caixa firmemente, enquanto sua força em outras áreas
do corpo começou a fraquejar. Eram aquele maldito sorriso sério e aqueles
olhos meditativos, decidiu. Faziam qualquer mulher se sentir como se fosse a
única a quem o senador dispensava tal olhar.
— Alan... — começou ela, achando um pouco de graça na persistência
dele -... O que significa isso?
— Isto... — ele se inclinou e capturou-lhe os lábios num beijo
demorado, até que os dedos dela ameaçaram cavar buracos na caixa de
papelão que segurava. — É o que os nossos antepassados chamariam de
fechar o cerco. — concluiu ao se afastar. — E os MacGregors são
notoriamente bem-sucedidos nessa tarefa.
— Você também não é nada mau no combate corpo a corpo. — ele riu e
a teria beijado outra vez se ela não tivesse conseguido recuar um passo. —
Certo. — Shelby entregou-lhe a caixa, considerando aquilo um movimento
estratégico. — Vamos fazer lotação. Não quero ser condenada por poluir o ar.
Você dirige. — decidiu, com um súbito sorriso bem-humorado. — Assim
poderei tomar uma taça de vinho extra no jantar.
— Você deixou a televisão ligada. — avisou Alan enquanto se afastava
para deixá-la passar.
— Não tem problema. Está escangalhada mesmo. — respondeu Shelby
descendo os degraus, sem se importar com os frágeis saltos dos sapatos na
escada íngreme. O sol poente havia pouco mergulhara no horizonte e as
últimas cores do crepúsculo tingiam o céu de vermelho. Shelby sorriu,
voltando-se para Alan quando chegou à estreita ruela. — Desta vez venceu.
Mas isso ainda não é um encontro, senador MacGregor. Vamos chamar de...
Um acordo de trânsito civilizado. Nossa! Isso soa burocrático demais. Gostei
do seu carro. -acrescentou, batendo levemente no capô do Mercedes. — Muito
equilibrado.
Alan abriu o porta-malas e colocou a caixa dentro. Então, virou-se e a
encarou, enquanto o fechava.
— Você tem um modo interessante de insultar as pessoas.
Shelby riu, um riso espontâneo e contagiante, ao mesmo tempo em que
caminhava até ele.
— Droga, Alan, eu gosto de você. — abrindo os braços, ela o enlaçou
pelo pescoço e lhe deu um abraço que o fez sentir ondas de prazer por todo o
corpo. — Gosto de verdade. — acrescentou, inclinando a cabeça para trás
com um sorriso divertido que lhe iluminava a face inteira. — Provavelmente,
poderia ter dito isso a uma dúzia de outros homens que jamais perceberiam
que eu os estava insultando.
— Então... — suas mãos estavam sobre os quadris dela -... Mereço
pontos pela percepção.
— E por muitas outras coisas. — quando o olhar de Shelby deslizou até
a boca de Alan, ela sentiu a força do desejo enfraquecer todas as lembranças e
juramentos. — Vou me odiar por isso... — murmurou. -... Mas quero provar o
sabor de seus lábios mais uma vez. Aqui e agora, sob os últimos raios de luz
do dia. — seus olhos encontraram os dele, ainda sorrindo, mas sombreados
com uma antecipação que ele sabia que nada tinha a ver com rendição. —
Sempre achei que podíamos fazer loucuras ao entardecer sem sofrer qualquer
conseqüência.
Enlaçando-o com mais força pelo pescoço, Shelby pressionou os lábios
de encontrou aos dele.
Alan tomou cuidado para não ceder ante o desejo urgente de puxá-la
para si. Dessa vez, deixaria que ela o conduzisse, e agindo assim, a levaria
aonde ele desejava chegar.
A luz do dia estava morrendo lentamente. Havia uma buzinaria
impaciente que vinha da rua do outro lado da loja. Através da janela de um
dos apartamentos escapava o rico cheiro de molho de espaguete e o som de um
blues de Gershwin. Mantendo-se bem junto àquele corpo másculo e potente,
Shelby podia sentir as batidas aceleradas do coração de Alan de encontro ao
seu.
O gosto daquela boca tinha o mesmo sabor estranhamente debilitante de
que ela se recordava. Quase não podia acreditar que vivera tanto tempo sem
conhecer aquele gosto tão peculiar. Parecia-lhe ainda mais impossível
conseguir viver sem isso agora. Ou sem o contato daqueles braços fortes ao
redor do seu corpo, que lhe transmitia uma sensação de segurança e perigo ao
mesmo tempo.
Alan saberia como protegê-la se algo a ameaçasse. Saberia como
conduzi-la à beira de um abismo que, durante anos, tão habilmente, ela vinha
evitando. E Shelby estava muito consciente de que ele certamente a levaria até
lá.
Mas aquela boca era tão tentadora, o gosto tão excitante. E o crepúsculo
ainda não deixara a escuridão da noite se apossar do céu. Então, permitiu-se
beijá-lo mais tempo do que deveria... Mas não tanto quanto gostaria.
— Alan... — ele sentiu o próprio nome se formando de encontro aos
lábios, antes que ela se afastasse. Seus olhares se prenderam durante alguns
instantes, enquanto permaneciam abraçados. Havia uma energia naquela face,
na qual ela podia confiar. Mas havia muito mais entre eles. — É melhor nos
apressarmos. — murmurou Shelby. — Já está escurecendo.
A casa dos Ditmeyer estava iluminada, embora ainda houvesse
resquícios de luz no céu ocidental.
Shelby apenas pôde ver os arbustos do jardim balançando ao sabor do
vento, quando desceu do carro. Sua mãe já havia chegado, descobriu ao
relancear rapidamente o olhar à placa diplomática do Lincoln estacionado.
— Conhece o embaixador Dilleneau? — perguntou ela, oferecendo a
mão a Alan enquanto caminhavam pelo passeio.
— Superficialmente.
— Ele está apaixonado pela minha mãe. — disse, afastando a franja dos
olhos e virando-se para encará-lo. — Os homens são todos iguais, mas acho
que ela tem uma queda por ele.
— Isso a diverte? — Alan apertou a campainha sem deixar de fitá-la.
— Um pouco. — admitiu Shelby. — É muito doce. Minha mãe se
ruboriza na presença dele. — acrescentou ela com um breve sorriso. — É um
sentimento muito estranho para uma filha ver a mãe se ruborizar ao falar de um
homem.
— Isso nunca aconteceu com você? — perguntou Alan roçando-lhe a
face com o dedo polegar. Shelby esqueceu-se da mãe completamente.
— Aconteceu o quê?
— Ficar ruborizada na presença de um homem. — murmurou,
contornando a linha do queixo dela.
— Apenas uma vez. Eu tinha 12 anos, ele, 32. — Shelby precisava
falar, apenas continuar falando para se lembrar de quem ela foi. — Ele, hã...
Veio consertar o aquecedor de água.
— Como ele conseguiu ruborizá-la?
— Sorriu para mim. Ele tinha um dente lascado que achei um charme.
Alan deixou escapar uma risada e a beijou, justo na hora em que Myra
abriu a porta.
— Ora, ora. — a anfitriã não se preocupou em disfarçar um sorriso de
satisfação. — Boa noite. Vejo que os dois já se conhecem.
— O que a faz pensar assim? — indagou Shelby ao deslizar para dentro
da casa.
Myra olhou para um e depois para o outro.
— Estou cheirando a morangos? — perguntou ela num tom suave.
— Seu abajur. — disse Shelby fitando-a com um olhar insípido e
indicando a caixa que Alan carregava. — Onde quer que o coloque?
— Oh, deixe-o ali, Alan. É tão agradável receber os amigos aqui. —
continuou Myra, segurando-os pelos cotovelos enquanto caminhavam. — As
fofocas ficam mais íntimas dessa maneira. Herbert, sirva mais dois daqueles
maravilhosos aperitivos. Vocês precisam experimentar. Acabei de descobrir
esse divino licor de amoras pretas.
— Herbert. — Shelby caminhou em direção ao magistrado e lhe deu um
beijo na face. — Aposto que esteve fora velejando outra vez. — ela sorriu ao
perceber o nariz queimado de sol do juiz. — Quando vamos combinar de ir à
praia fazer windsurfe?
— A menina quase me faz acreditar que sou capaz de tal feito. —
comentou ele, ao mesmo tempo em que a abraçava. — Alan, que bom vê-lo.
— a fisionomia paternal de Herbert quase fazia as pessoas esquecerem que ele
era uma das figuras judiciárias mais importantes do país. — Acho que vocês
já conhecem o restante dos convidados. Vou buscar as bebidas.
— Oi, mãe. — Shelby se inclinou para beijar a face da mãe, quando
avistou os brincos de esmeralda pendurados nas orelhas de Deborah. — Oh,
ainda não tinha visto estes aqui, senão já os teria pedido emprestados.
— Foram um presente de Anton. — um tom delicado de rosa tingiu as
faces da mulher. — Em... Agradecimento por aquela festa em que fui como sua
acompanhante.
— Ah, entendo... — o olhar de Shelby se dirigiu ao francês que se
encontrava ao lado da mãe. — Tem um excelente gosto, embaixador. — disse
ela, estendendo-lhe a mão.
Os olhos do homem brilharam ao mesmo tempo que lhe ergueu a mão e
a levou aos lábios, uma peculiaridade que, na opinião de Shelby, compensava
as orelhas.
— Está adorável como sempre, minha querida. Senador, é um prazer
encontrá-lo em uma atmosfera tão relaxante.
— Senador MacGregor... — disse Deborah sorrindo. — Não sabia que
você e minha filha se conheciam.
— Estamos nos esforçando para romper uma velha tradição familiar. —
Alan aceitou o copo que o juiz lhe ofereceu.
— Ele se refere à rixa entre famílias. — explicou Shelby ao perceber a
expressão confusa da mãe. Ela tomou um gole do licor, aprovou a bebida e
então se sentou no braço da cadeira de Myra.
— Oh... Oh. — repetiu Deborah recordando-se. — Os Campbells e os
MacGregors eram inimigos de sangue na Escócia, embora não consiga me
lembrar exatamente do por que.
— Eles roubaram nossas terras. — rebateu Alan num tom suave.
— Isso é o que você diz. — Shelby fulminou-o com o olhar, enquanto
sorvia mais um gole do licor. — Adquirimos as propriedades dos MacGregors
por meio de um decreto real. Eles não sabiam perder.
Alan curvou os lábios num sorriso pensativo.
— Gostaria de ouvi-la debater esse assunto com meu pai.
— Que disputa! — exclamou Myra, deliciando-se com o pensamento.
— Herbert, pode imaginar nossa Shelby cara a cara com Daniel? Com toda
essa cabeleira vermelha e teimosia! Alan, você deve de fato organizar esse
encontro.
— Já pensei sobre isso.
— É mesmo? — as sobrancelhas de Shelby se ergueram, desaparecendo
completamente sob os cachos que lhe cobriam a testa.
— Bastante. — disse o senador MacGregor no mesmo tom distante.
— Estive naquele anacronismo maravilhoso que é a loja de Shelby. —
disse Myra, dando um tapinha de leve na coxa da amiga. — Esta moça tem um
gosto, bem... Vamos dizer, peculiar.
— Sim. — Deborah lançou um sorriso terno à filha. — Nunca pude
entender por quê. Entretanto, ambos os meus filhos sempre foram um mistério.
Talvez seja porque são tão brilhantes, inteligentes e inquietos. Estou sempre
esperando que eles se estabeleçam. -nessa hora, ela olhou para Alan e sorriu.
— Também não é casado, é, senador?
— Se preferirem... — disse Shelby estudando a cor do licor através do
cristal. — ... Posso me retirar enquanto vocês discutem as condições do dote.
— Shelby, francamente! — murmurou Deborah, além do som da risada
do juiz.
— É muito difícil para os pais encararem os filhos como adultos. —
comentou o embaixador Dilleneau em seu tom calmo. — Eu, por exemplo,
tenho duas filhas que já me deram netos e ainda me preocupo com elas. Por
falar nisso, como estão seus filhos, Myra? Soube que já tem outro neto, não é?
Não poderia haver estratégia melhor para mudar o assunto. Shelby
enviou um aceno de admiração ao namorado da mãe e observou os olhos do
homem brilharem ao ouvir a descrição entusiasmada de Myra sobre o
nascimento do primeiro dente do neto.
Ele a agradava, decidiu Shelby, contemplando a mãe sob os cílios
pesados. Deborah era o tipo de mulher que jamais se sentiria completa sem um
homem. Fora moldada e polida como esposa de político muitos anos atrás. O
brilho não desaparecera. Tinha a paciência necessária, modos e estilo
elegantes. Ela exalou um pequeno suspiro, quase imperceptível. Como podiam
se parecer tanto e ao mesmo tempo serem tão diferentes? Elegância sempre lhe
parecera uma gaiola forrada de seda. E, a despeito de seu formato, uma gaiola
significava restrições. Ainda se lembrava de muitas delas.
Os guarda-costas discretos, mas sempre lá. As festas cuidadosamente
filmadas, os sistemas de alarme sofisticados, a intrusão da imprensa. A
segurança não salvara seu pai, embora um fotógrafo tivesse conseguido uma
foto premiada dos pistoleiros, segundos depois dos tiros, quando já era tarde
demais.
Shelby sabia o que estava por trás da elegância: jantares públicos,
discursos, festas de gala. Havia centenas de pequenos temores e milhares de
dúvidas. A memória de muitos assassinatos e atentados políticos em pouco
mais de vinte anos.
Sua mãe fora feita para aquela vida. Paciente, com uma camada de aço
sob a pele frágil. Mas ela não escolheria isso para si nem se permitiria ser
escolhida. Não se apaixonaria por ninguém que a deixasse de maneira tão
horrível outra vez.
Deixando a conversa fluir ao seu redor, tomou mais um gole de licor e
seus olhos encontraram os de Alan. Lá estava aquela paciência contemplativa
que prometia durar uma vida inteira. Quase podia senti-lo descascando,
tranqüilamente, camada por camada, pedaço por pedaço que compunham a
personalidade dela para alcançar o núcleo minúsculo que ela mantinha
preservado.
Seu bastardo. Ela quase proferiu aquilo em voz alta. Por certo refletiu
em seus olhos porque Alan devolveu-lhe um sorriso em reconhecimento. O
cerco estava definitivamente se fechando. Shelby só esperava estar bem
preparada para sobreviver a ele.
CAPÍTULO IV
A semana tinha apenas sete dias. Shelby passou quase seis deles
fingindo que não estava enlouquecendo. No meio da tarde de sexta-feira, já
não conseguia arrumar desculpas para o seu péssimo humor e distração.
Não estava dormindo direito. É por isso que estava tão desatenta. Não
conseguia dormir direito porque estava muito ocupada, com a loja e com uma
série de compromissos sociais. Não recusara um convite para sair durante
toda a semana. Por estar desatenta ou exaurida ou fosse o que fosse, esquecia-
se das coisas, como por exemplo, comer. E por desequilibrar seu
metabolismo, estava de mau humor. E por estar de mau-humor, não tinha
apetite.
Há dias Shelby vinha administrando todo aquele círculo vicioso de
justificativas, sem pôr a culpa em Alan uma vez sequer. Várias vezes disse a si
mesma que não pensara nele, nem uma vez. Como não era verdade, começou a
tentar se convencer de que não tinha que pensar nele. Uma vez satisfeita por
não lhe dispensar um simples pensamento, atirou um vaso de plantas azul-
escuro contra a parede da oficina de trabalho.
Aquilo foi tão fora de propósito, que Shelby foi forçada a recorrer
novamente a toda sua rota circular de desculpas.
Trabalhava quando podia. Tarde da noite quando não agüentava ficar
desperta, rolando de um lado para o outro na cama e de manhã cedo pela
mesma razão. Quando saía, mostrava-se tão efusivamente animada e alegre,
que alguns de seus amigos mais íntimos começaram a encará-la com um pouco
de preocupação. Preencher o tempo passou a ser uma tarefa de suma
importância e então, esquecia que havia combinado de sair com um grupo de
amigos para jantar e se enterrava no trabalho.
Podia ser o tempo ruim, meditou, sentando-se atrás do balcão com o
queixo apoiado nas mãos. O rádio lhe proporcionava um barulho bem-vindo
de melodias e anúncios regulares de que a chuva terminaria no domingo. Para
Shelby, o domingo estava a anos-luz de distância.
Muitas pessoas ficavam deprimidas nos dias de chuva e só porque isso
nunca lhe acontecera, não significava que não podia estar acontecendo dessa
vez. Dois dias inteiros de chuva pesada e contínua podiam deixar qualquer um
amuado. Pensativa, Shelby fitou a paisagem úmida e cinzenta através da
vitrine da loja.
Chuva não era bom para os negócios, decidiu. Tivera um movimento
reduzido de clientes naquele dia e no dia anterior. Normalmente, teria fechado
a loja com uma filosófica encolha de ombros e arrumaria outra coisa para
fazer. Mas resolveu permanecer ali com uma carranca tão sombria quanto a
chuva.
Talvez pudesse passar o fim de semana fora, conjeturou. Pegar um
avião, ir até o Maine e fazer uma surpresa a Grant. Oh, ele ficaria furioso,
imaginou Shelby, com o primeiro sorriso que esboçava em dias. Ele a
mandaria para o inferno por chegar de repente e sem avisar. Então, passariam
um bom tempo perturbando um ao outro. Ninguém brigava de jeito tão
divertido quanto Grant.
Mas o irmão era um homem perceptivo, lembrou-se com um suspiro. Na
hora perceberia que algo estava errado e, embora, ficasse furioso por ter sua
privacidade invadida, ainda a pressionaria até que ela lhe contasse tudo.
Podia ter contado à mãe, pelo menos parte dos fatos, mas não a Grant. Talvez
porque ele a conhecesse muito bem.
Então... Shelby exalou outro longo suspiro e considerou suas opções.
Ficar em Georgetown sentindo-se deprimida durante todo o fim de semana ou
partir. Seria divertido colocar algumas coisas na mala do carro e dirigir até
deixar a chuva para trás. Podia ir para Skyline Drive na Virginia ou para a
praia em Nags Head. Uma mudança de cenário, decidiu abruptamente.
Qualquer cenário, afinal.
Num impulso, Shelby ergueu-se e se preparava para inverter a placa
informativa, quando a porta se abriu, permitindo que o ar úmido e frio da
chuva lá fora entrasse. Uma mulher, trajando uma capa amarela e botas,
adentrou a loja, deixando a porta bater com um grande estrondo.
— Tempo miserável. — disse num tom agradável.
— Horrível. — replicou Shelby, tentando conter a impaciência. E
pensar que dez minutos antes considerara a possibilidade de fazer
malabarismos em uma perna só para atrair os clientes. — Está interessada em
algo em particular?
— Estou apenas dando uma olhadinha.
Oh, é claro, pensou Shelby, curvando os lábios num sorriso gentil.
Poderei partir em busca do sol quando ela terminar de olhar. Então,
considerou a hipótese de informá-la de que dispunha apenas de dez minutos
para fuçar os objetos.
— Fique à vontade — disse, em vez disso.
— Fiquei sabendo sobre a sua loja por uma vizinha.
A mulher parou para estudar um pote bojudo adequado para um
pátio ou um terraço.
— Ela comprou um jogo de café aqui de que eu gostei muito.
Num tom muito claro de azul com amores-perfeitos desenhados na superfície.
— Oh, sim, eu me lembro. — Shelby conseguiu manter o sorriso nos
lábios enquanto observava a cliente. — Infelizmente, não costumo fazer peças
repetidas, mas se está interessada em jogos de café, tenho alguns com design
semelhante. — esquadrinhando a loja, ela tentou se lembrar de onde os pusera.
— De fato, não foi especificamente o jogo de café ou o artesanato que
me chamou atenção. Ela me disse que é você quem manufatura todo o seu
estoque.
— Sim, é verdade, — Shelby se esforçou para não perder a paciência e
se concentrar na mulher. Era atraente, na casa dos trinta e agradável. Os
cabelos escuros e brilhantes exibiam uma camada sutil e sofisticada de loiro
trigo. Ela desejou que a mulher voltasse para onde quer que fosse o lugar de
onde viera e de imediato ficou furiosa consigo mesma. — — Tenho uma
oficina nos fundos da loja. — continuou, fazendo mais uma tentativa. — Faço
todo o trabalho, inclusive a queima e a esmaltação.
A cliente se agachou ao lado de um vaso, estudando-o meticulosamente.
— Usa moldes?
— De vez em quando, para algo como... Aquele touro lá, ou o gnomo,
mas prefiro a roda.
— Sabe que possui um talento excepcional e uma boa provisão de
energia. — erguendo-se, a mulher correu a ponta do dedo sobre o bico de uma
chaleira. — Posso imaginar quanto tempo e paciência leva para produzir isto
tudo, além, é claro, da habilidade.
— Obrigada, Acho que quando gostamos de fazer algo, não pensamos
no tempo que nos consome.
— Hummm, eu sei. Sou decoradora. — Caminhando alguns passos, a
cliente entregou-lhe um cartão de visita. Maureen Francis, Decoração de
Interiores. — No momento, estou decorando meu próprio apartamento e
gostaria de comprar aquela panela, aquela chaleira e aquele vaso. — a mulher
apontou para cada uma das peças escolhidas, antes de se voltar mais uma vez
para Shelby. — Posso lhe deixar um sinal e pedir que as guarde para mim até
segunda-feira? Não gostaria de carregá-las com toda essa chuva.
— Claro! Vou embalá-las e as guardarei até que possa vir buscá-las.
— Ótimo! — Maureen arrancou um talão de cheques da bolsa de couro
que carregava. — Sabe, tenho um pressentimento de que vamos fazer muitos
negócios. Cheguei de Washington há mais ou menos um mês, mas já tenho dois
trabalhos interessantes surgindo. — ela ergueu o olhar com outro sorriso, antes
de continuar a escrever o cheque. — Gosto de usar peças artesanais no meu
trabalho. Não há nada pior do que uma sala em que, ao se entrar, se percebe na
hora que teve a mão de um decorador profissional.
A declaração feita por alguém que ganhava dinheiro com aquilo deixou
Shelby intrigada. Ela esqueceu sua inclinação de apressar Maureen a deixar a
loja.
— De onde você é?
— De Chicago. Trabalhei para uma grande empresa lá... Durante dez
anos. — ela destacou o cheque e o deu a Shelby. — Então senti necessidade
de galgar meu próprio caminho.
Acenando com a cabeça, Shelby terminou de escrever o recibo.
— Você é talentosa?
Maureen piscou ante a pergunta direta e sorriu.
— Demais.
Shelby estudou a face da mulher por um momento, olhos sinceros, um
toque de humor. Então, como sempre, num impulso, rabiscou um nome na parte
de trás do recibo.
— Myra Ditmeyer. — disse ela. — Se tiver alguém interessado em
redecorar a casa, ela saberá. Diga-lhe que fui que a indiquei.
Um pouco atordoada, Maureen encarou o recibo. Ficara em Washington
tempo suficiente para conhecer Myra Ditmeyer.
— Obrigada.
— Myra vai preferir ouvir sua história de vida em vez de ganhar uma
porcentagem, mas... — Shelby estacou quando a porta da loja se abriu
novamente. Por um instante, teve a sensação, pela primeira vez na vida, da
angústia da mente em branco.
Alan fechou a porta e calmamente retirou o casaco molhado, antes de se
dirigir a ela. Cumprimentando Maureen com um aceno amigável, inclinou-se
sobre o balcão, ergueu o queixo de Shelby e a beijou.
— Trouxe um presente para você.
— Não! — a súbita nota de pânico que lhe permeou a voz a enfureceu.
Depois de empurrar a mão dele, ela se afastou. — Vá embora.
Alan apoiou-se sobre o balcão e se virou para Maureen.
— É assim que age quando alguém lhe traz um presente?
— Bem, eu... — a mulher olhou para Shelby e depois para Alan, antes
de encolher os ombros num gesto reservado.
— Claro que não. — continuou ele, como se Maureen tivesse
concordado. Em seguida, retirando uma caixa do bolso do casaco, depositou-a
sobre o balcão.
— Não vou abri-la. — disse Shelby olhando para a caixa a fim de
evitar fitá-lo. Tão cedo não se arriscaria a ficar com a mente vazia novamente.
— E devo informar-lhe que estou fechando a loja.
— Não durante os próximos quinze minutos. Shelby é sempre muito
rude. — disse Alan a Maureen. — Gostaria de ver o que eu trouxe para ela?
Indecisa entre o desejo de sumir dali e a curiosidade aguçada, Maureen
hesitou por um longo momento. Alan desembrulhou a caixa e retirou uma
pequena peça de vidro colorido no formato de um arco-íris. A mão de Shelby
já se encontrava a meio caminho do objeto, quando ela conteve a vontade de
tocá-lo.
— Droga! — como aquele homem podia ter imaginado o quanto ela
estava precisando ver um arco-íris?
— Essa e a sua resposta tradicional. — disse ele a Maureen. —
Significa que gostou.
— Já lhe disse para parar de me enviar essas coisas.
— Não enviei. — afirmou Alan, colocando o arco-íris na mão dela. —
Eu o trouxe.
— Não quero os seus presentes. — replicou Shelby num tom
exasperado ao mesmo tempo em que seus dedos se encrespavam ao redor da
pequena peça. — Se não fosse um insensível e estúpido MacGregor, me
deixaria em paz.
— Felizmente para ambos, temos algumas características semelhantes.
— as mãos fortes de Alan seguraram as dela, antes que ela pudesse escapar.
— Seu pulso está acelerado novamente, Shelby.
Maureen clareou a garganta.
— Bem, acho que já vou indo. — a mulher colocou o recibo na bolsa,
enquanto Shelby encarava Alan, completamente sem ação. — Voltarei na
segunda-feira. — acrescentou, embora nenhum dos dois estivesse prestando
atenção às suas palavras. — Se alguém me desse um arco-íris desses em um
dia como hoje... — comentou ao se dirigir à porta —... Eu não resistiria.
Não resistiria, repetiu Shelby em pensamento. Mas mal a porta se
fechou, ela disparou:
— Pare com isso! — Livrando-se das mãos dele, ela desligou o rádio.
A loja mergulhou num silêncio acentuado pelo ritmo constante da chuva. Ela
percebeu que cometera o primeiro erro. Agora ficara muito mais evidente que
sua respiração não estava firme como deveria. — Alan, estou fechando a loja.
— Excelente idéia. — ele se dirigiu à porta, inverteu a pequena placa
informativa e fechou o trinco.
— Ei, espere um minuto! — gritou Shelby furiosa. — Você não pode...
— então, calou-se ao vê-lo caminhar em sua direção. O brilho calmo e
determinado naqueles olhos escuros a fez recuar um passo e engolir em seco.
— Esta loja é minha e você... — suas costas bateram de encontro à parede ao
mesmo tempo em que o senador contornava o balcão.
— E nós... — disse Alan parando em frente a ela. —... Vamos sair para
jantar
— Não vou a lugar nenhum...
— Você vai. — corrigiu ele.
Shelby o encarou confusa e com o coração aos pulos. A voz dele não
soara ameaçadora ou impaciente. Tampouco havia raiva em seus olhos.
Preferia ter visto raiva àquele indiscutível ar de segurança, pensou. Ira versus
ira era mais fácil de se combater. Se ele se mantivesse tranqüilo, ela também
agiria da mesma forma.
— Alan, você não pode me dizer o que devo ou não fazer. Afinal de
contas...
— Vou lhe dizer uma coisa. — rebateu ele com extrema facilidade. —
Cheguei à conclusão que já teve perguntas demais em sua vida e não deu
respostas suficientes.
— Suas conclusões não me interessam. — replicou Shelby. — Quem
pensa que é para tirar conclusões a meu respeito? — em resposta, ele a puxou
para si. — Eu não vou. — afirmou ela, experimentando o que percebeu ser
desespero. — Tenho planos para o fim de semana. Estou... Estou indo para a
costa.
— Onde está o seu casaco?
— Eu já disse...
Pegando a jaqueta pendurada em um gancho atrás do balcão, Alan a
entregou a ela.
— Vai precisar da sua bolsa?
— Dá para colocar na cabeça que não vou sair com você?
Ele a ignorou. Arrancando a bolsa tiracolo de trás do balcão e as
chaves que se encontravam ao lado, agarrou-a pelo braço e a puxou pela saída
dos fundos.
— Droga, já disse que não vou! — De repente, Shelby se viu no meio
da rua, sob a chuva que caía pesada, enquanto o senador fechava a porta da
loja. — Não quero ir a lugar nenhum com você.
- Que pena! — Alan colocou o chaveiro dela no bolso do próprio
casaco, enquanto ela aguardava obstinada sob o aguaceiro.
Shelby afastou os cachos de cabelos gotejantes da frente dos olhos e
fincou os pés no chão.
— Não pode me obrigar.
O senador ergueu uma sobrancelha e a estudou pensativo durante um
longo momento. A face feminina estava lívida, encharcada e bonita à sua
maneira. E, ele percebeu, com satisfação, apenas um pequeno traço de
insegurança se fazia presente. Já era tempo.
— Vamos ter que começar a contar quantas vezes já me disse "não
posso"... — comentou, agarrando-a pelo braço e a arrastando até o carro.
— Se pensa... — Shelby calou-se ao ser jogada no interior do veículo,
sem muita delicadeza. — Se pensa... — começou mais uma vez. —... Que
estou impressionada com o seu comportamento troglodita, não pode estar mais
equivocado. — ela não costumava agir com arrogância, mas quando
concentrava a mente para tal, ninguém a superava. Mesmo molhada da cabeça
aos pés. — Devolva minhas chaves.
Com uma expressão altiva ela estendeu a mão com a palma virada para
cima.
Num gesto galante, Alan a levou aos lábios, pressionou um beijo
prolongado no centro e deu partida no carro.
Shelby fechou a mão como se quisesse manter o calor que começou a se
espalhar para todas as partes do seu corpo.
— Alan, não sei o que está acontecendo com você, mas isso tem que
parar. Agora, quero minhas chaves para poder voltar.
— Depois do jantar. — replicou ele num tom agradável ao mesmo
tempo em que o carro deixava a ruela. — Como foi a sua semana?
Shelby se reclinou para trás no assento e cruzou os braços. Nesse
instante, percebeu que ainda segurava o arco-íris na mão. Colocou-o no bolso
da jaqueta que estava ao seu lado e reclinou-se para trás novamente.
— Não vou jantar com você.
— Achei que um lugar tranqüilo seria melhor. — ele contornou à
direita, mantendo o ritmo do tráfico pesado e lento. — Está aparentando
cansada, amor. Não tem dormido direito?
— Tenho dormido muito bem. — mentiu. — É que eu saí ontem à noite.
— deliberadamente, ela se virou a fim de fitá-lo. — Tive um encontro.
Alan controlou a rápida onda de ciúme. A habilidade de Shelby de
apertar os botões certos para irritá-lo não era mais nenhuma surpresa. Por um
breve instante, ele encarou os provocantes olhos cinzentos.
— Divertiu-se?
— Bastante. David é músico e muito sensível. Muito apaixonado; —
acrescentou com prazer. — Sou louca por ele. — David ficaria surpreso, se a
escutasse, já que era noivo de uma de suas melhores amigas. Mas duvidava
que o assunto surgisse futuramente. — Por falar nisso... — continuou Shelby
com uma súbita inspiração. —... Ele virá me pegar às sete. Logo, apreciaria se
retomasse e me levasse de volta para casa.
Em vez de se mostrar cordato como ela esperava ou enfurecido, como
ela imaginava, Alan apenas conferiu o relógio.
— Que pena! Duvido que possamos chegar a tempo. — Shelby
permaneceu no mais profundo silêncio até ele estacionar o carro sobre o meio-
fio. — É melhor vestir a jaqueta. Temos que caminhar um quarteirão inteiro.
— quando a viu calada e imóvel, Alan se inclinou para abrir a porta do
passageiro. Com a proximidade, sua boca roçou a orelha dela. — A menos que
prefira ficar namorando aqui no carro. — murmurou.
Shelby virou a cabeça, pronta para lhe dar uma réplica furiosa e, de
repente, se viu com os lábios de encontro aos dele, inflamados, devastados.
Num movimento rápido, saiu do carro, atirando a jaqueta com força sobre os
ombros.
O cenário mudara, disse a si mesma, tentando controlar a respiração. E
quando conseguisse suas chaves de volta, ia fazê-lo pagar por todos aqueles
minutos de tortura.
Alan se uniu a ela na calçada, segurou-lhe uma das mãos e limitou-se a
encará-la. Podia sentir a resistência inicial de Shelby diluir-se à medida que o
tempo passava.
— Você estava com um gostinho de chuva. — murmurou, antes de ceder
à tentação de por um fim à promessa daquele sumário encontro de lábios e
corpos roçando. Aquela semana longe dela o deixara maluco.
A chuva os atingia com pingos vigorosos e Shelby lembrou-se de uma
cachoeira. A jaqueta deslizou por seus ombros e ela imaginou um arco-íris.
Todas as carências, todos os anseios, se sucediam rapidamente em seu
cérebro: doces pontadas de desejo, sonhos semiformados. Como podia ter
vivido toda sua vida sem ele, quando já não podia suportar uma semana sem
ser tocada daquela maneira?
Relutante, Alan a afastou. Um minuto mais e esqueceria que estavam em
uma rua pública. A face de Shelby estava pálida como marfim, com adoráveis
gotículas de chuva que lhe escorriam pela testa, umedecendo os cílios que
contornavam aqueles maravilhosos olhos cinzentos. Deveriam estar sozinhos
em alguma floresta em uma noite escura e chuvosa, pensou ele. Então, não
haveria desculpas. Ele acomodou a jaqueta sobre os ombros dela.
— Gosto dos seus cabelos molhados. — num gesto possessivo e lento,
Alan correu os dedos sobre os fios sedosos. Sem mais palavras, envolveu-a
pela cintura e a conduziu rua abaixo.
Shelby conhecia o restaurante. Todos os recantos escuros e a música
esfumaçada. Por volta das dez horas da noite, costumava ficar repleto de
pessoas e o barulho no interior era intenso. Um homem como Alan evitaria um
ambiente daqueles, enquanto ela adoraria. Mas no momento a atmosfera no
salão era tranqüila, piso de madeira pálida, velas chamejando e conversas à
meia-voz.
— Boa noite, senador. — o maitre aproximou-se de Alan, antes de
dirigir o olhar a Shelby. — É um prazer revê-la, Srta. Campbell.
— Boa noite, Mario. — Shelby retribuiu o cumprimento, procurando
manter sua altivez.
— Sua mesa o aguarda. — o homem os guiou até uma mesa de canto na
parte dos fundos, onde uma vela queimava em um candelabro. Mário era latino
o bastante para pressentir romance no ar e apreciá-lo. — Uma garrafa de
vinho? — perguntou, puxando a cadeira para Shelby.
— Bichot Pouilly-Fuisse. — respondeu Alan sem a consultar.
— 1979. — disse o maitre com um aceno de aprovação. — Em breve
será servido, senhor
Shelby afastou os cabelos úmidos dos olhos.
— Talvez eu prefira uma cerveja.
— Da próxima vez — concordou Alan num tom amável. — Não haverá
uma próxima vez. Estou lhe avisando. — disse categórica, enquanto ele
deslizava a ponta dos dedos ao longo das costas dela. —- Não estaria aqui se
você não tivesse me arrancado à força de minha casa. E não me toque desse
modo. — acrescentou em uma meia-voz furiosa.
— Como gostaria que eu a tocasse? Você tem mãos muito sensíveis. —
murmurou ele antes que Shelby pudesse responder Então, roçou seu polegar
sobre as juntas dos dedos dela e sentiu-a estremecer Naquela noite, prometeu
a si mesmo, voltaria a sentir aquele tremor em cada célula pulsante. —
Quantas vezes pensou em mim esta semana?
— Nenhuma. — revidou Shelby, sentido uma pontada de culpa pela
nova mentira. — Está bem. E se tivesse pensado? — ela tentou livrar a mão,
mas Alan entrelaçou os dedos nos dela, impedindo-a. Era um gesto simples,
convencional, que um homem civilizado poderia fazer em público, sem atrair a
atenção dos demais. Embora, reconhecesse e tentasse ignorar, Shelby sentiu
uma onda de prazer arrepiar-lhe os dedos. — Eu me sentia mal por ter sido tão
sórdida. Mas depois do seu comportamento esta noite, acho que deveria ter
sido ainda mais sórdida. E posso ser. — acrescentou ela num tom de ameaça.
Alan apenas sorriu quando Mario trouxe o vinho para mesa. Sem
desviar o olhar de Shelby, provou a bebida e assentiu com a cabeça.
— Excelente. É o tipo de sabor que fica na boca por horas. Mais tarde,
quando eu a beijar, o gosto ainda continuará lá.
O sangue começou a zumbir nas orelhas dela.
— Só estou aqui porque você me arrastou.
A seu favor, Mario não derramou uma gota de vinho enquanto o vertia e
escutava a conversa de ambos.
Os olhos dela flamejaram enquanto Alan continuava sorrindo.
— E se você se recusar a me dar minhas chaves, simplesmente
caminharei até a cabine telefônica mais próxima e chamarei um serralheiro.
Você pagará a conta.
— Após o jantar. — sugeriu Alan. — Como gosta do vinho?
Fazendo uma carranca, Shelby ergueu o copo e bebeu metade do
conteúdo.
— Está bom. — seus olhos insolentes nivelados com os dele. — Isto
não é um encontro, você sabe.
— Está parecendo mais uma batalha, não é? Mais vinho?
A paciência estava de volta. Ela teve vontade de bater com os punhos
na mesa. Aquilo provocaria uma cena e tanto para os demais clientes, pensou
tentada. E seria bem-feito para ele. Então, lembrou-se do pequeno artigo do
jornal e rangeu os dentes em vez disso. Shelby encolheu os ombros enquanto
ele completava o copo dela.
— Vinho e luz de velas não surtirão o efeito que está pensando.
— Não? — Alan decidiu não comentar que ela agora estava apertando a
sua mão tanto quanto ele apertava dela. — Bem, achei que estava na hora de
algo mais tradicional.
— É mesmo? — o comentário a fez sorrir — Então, deveria ter me
trazido uma caixa de chocolates ou um buquê de rosas. Isso é tradicional.
— Eu sabia que você preferiria ganhar um arco-íris.
— Você sabe coisas demais a meu respeito. — ela ergueu o cardápio
que o garçom deixara ao lado do seu cotovelo e enterrou o rosto atrás dele. Já
que o senador a arrastara até ali, ela podia muito bem comer Aliás, se fartar,
corrigiu-se. Seu apetite havia retomado com força total. Bem como a sua
energia, admitiu relutante. No instante em que o viu novamente, a apatia
desaparecera.
— Pronta para fazer o pedido, Srta. Campbell?
Shelby olhou para o garçom e esboçou um sorriso.
— Sim. Vou querer uma salada de frutos do mar com abacate, o
consomê, lombo de cordeiro ao molho bérnaise, uma batata assada e corações
de alcachofra. Depois quero dar uma olhada no carrinho das sobremesas.
O garçom anotou tudo, sem demonstrar espanto com o tamanho do
pedido.
— Senador?
— A salada da casa. — disse ele, sorrindo ante a expressão neutra de
Shelby. — E lagosta ao molho de alho. Vejo que o passeio na chuva lhe abriu
o apetite.
— Já que estou aqui, posso muito bem degustar algumas iguarias. Bem...
— em uma de suas súbitas mudanças de humor, ela descansou os braços sobre
a mesa, curvando-se sobre eles. — Temos que passar o tempo, não é? Então,
sobre o que falaremos, senador? Como vão indo as coisas na Capital?
— Atarefadas.
— Ah, a clássica resposta evasiva. Tem feito serão para bloquear as
conta do Breiderman... O que é muito bem-feito, sou forçada a dizer Também
tem o seu projeto atual... Fez algum progresso para conseguir os fundos
federais de que precisa?
— Demos alguns passos nesse sentido. — os olhos escuros ficaram
pensativos por um momento. Para uma mulher com tamanha aversão à política,
ela estava bem informada. — O prefeito ficou entusiasmado em montar o
mesmo tipo de abrigos que começamos em Boston. Por ora, teremos que
contar mais com as contribuições e, principalmente, com voluntários. Ainda
falta muito, antes de podermos contar com o apoio para montá-los em todo
pais.
— Tem uma longa batalha em suas mãos, com o quadro financeiro atual
e os cortes de orçamento.
— Eu sei. Mas ganharei. — um breve sorriso curvou os lábios do
senador — Posso ser paciente até certo ponto, depois posso ser mesmo
muito... Insistente.
Não confiando totalmente no brilho daqueles olhos, Shelby permaneceu
calada enquanto suas saladas eram servidas.
— Você pisou em alguns calos no caso do Breiderman. Eles revidarão.
— Esse é o nome do jogo. Nada vale à pena sem complicações. Tenho
uma propensão a resolvê-las, à medida que aparecem.
Não se preocupando em fingir que não entendera aquelas palavras,
Shelby levou uma garfada de salada à boca e mastigou pensativa.
— Não pode planejar um romance como se fosse uma campanha,
senador. Particularmente, com alguém que conhece boa parte das regras.
— É um conceito interessante. — havia uma ponta de humor nos seus
olhos e ao redor das extremidades do seu lento e sério sorriso. Shelby achou
que seus dedos estavam começando a formigar de desejo de tocar aquela face
máscula. — Tem que admitir que minhas declarações foram claras. Não fiz
nenhuma promessa que não possa cumprir
— Não sou um de seus eleitores.
— Isso não muda a minha plataforma.
Shelby meneou a cabeça, meio exasperada, meio divertida.
— Não vou discutir com você em seu próprio terreno. — brincando
com os restos da salada, ela o encarou. — Creio que tenha visto a foto no
jornal.
— Sim. — aquilo a aborrecera, percebeu Alan. Embora, ela tivesse
falado num tom casual e com o esboço de um sorriso nos lábios. — Gostei de
relembrar aquele momento particular. Sinto muito se isso a incomodou.
— Não, não me incomodou. — redargüiu apressada. Com um som
lânguido de aborrecimento, ela sacudiu a cabeça. — Não mesmo. — nesse
instante, o garçom removeu a salada e a substituiu pelo consome. Shelby
começou a mexer o conteúdo, distraída. — Só me fez lembrar o quanto você
está sempre em evidência. Isso não o aborrece?
— De vez em quando. Publicidade é uma parte complicada da minha
profissão. Pode ser um meio para se chegar a um fim, ou uma amolação
básica. — ele queria vê-la sorrir — É claro que estou interessado em saber
qual foi a reação do meu pai ao me ver no jardim zoológico com uma
Campbell.
Quando Shelby sorriu, a leve tensão em seus ombros relaxou.
— Teme pela sua herança, Alan?
— Pela minha pele. Mais precisamente, pela minha audição. Pretendo
ligar-lhe qualquer dia desses e ouvir tudo que ele tem a dizer
Ela sorriu enquanto alcançava o copo de vinho.
— Você o deixa pensar que o intimida?
— De vez em quando. Isso o deixa feliz.
Shelby pegou um pãozinho, partiu-o em dois e ofereceu metade a Alan.
— Se fosse inteligente, se manteria afastado de mim. De fato, não
deveria se arriscar a ter um tímpano perfurado. Isso toma mais difícil ouvir o
que a oposição está conspirando na sala ao lado.
— Posso dobrar meu pai quando chegar a hora.
Lambiscando o pão, ela o encarou.
— Isso significa depois que me dobrar?
Alan ergueu o copo num pequeno brinde.
— Exatamente.
Shelby sorriu mais uma vez, mais confiante depois da comida e do
vinho.
— Você não vai me dobrar.
— Bem, temos que pagar para ver, não é? — disse ele sem hesitar. —
Aqui está o seu cordeiro.
CAPÍTULO VII
Shelby desejava não ter se divertido tanto, ou mesmo que Alan não
fosse capaz de fazê-la rir com tanta facilidade. Até mesmo que não a tivesse
induzido, com seu charme irresistível, a se aventurar pela Street, sob uma
cortina de chuva para apreciar vitrines... E tomar a última taça de vinho
naquele café superlotado.
Mas o fato era que não lamentava nada do que acontecera. Pela
primeira vez em uma semana fora capaz de rir, relaxar e se divertir, sem para
isso fazer o menor esforço. Por certo, haveria conseqüências, mas pensaria
sobre elas no dia seguinte.
Mais de uma vez alguém se aproximou da mesa que ocupavam no café,
cumprimentando Shelby e lançando um olhar especulativo a seu acompanhante.
Aquilo só servia para lhe lembrar de que bares enfumaçados eram seu o
ambiente, assim como espetáculos de balé os dele.
— Olá, querida.
Shelby olhou para trás quando duas mãos masculinas pousaram em seus
ombros.
— Olá, David! Oi, Wendy!
— Ficou de nos telefonar esta noite. — lembrou David. O pianista
mudou o ritmo para algo mais animado e pulsante, chamando a atenção do
rapaz. — Fomos ao show no Ford's sem você.
Wendy, que se encontrava logo atrás com seus cabelos revoltos que
chegavam abaixo da cintura, sorriu com suavidade.
— Não perdeu nada.
- Tive... — Shelby fitou Alan de soslaio. — Um contratempo. — e pôs-
se a fazer as apresentações. — Alan, David, Wendy.
— Prazer em conhecê-lo. — Alan sorriu para o homem de barba
comprida. — Quer juntar-se a nós?
— Obrigado, mas estamos de saída. — desculpou-se David,
descabelando Shelby com a mão antes de tomar-lhe a taça de vinho das mãos e
beber todo o conteúdo de um só gole. — Amanhã tenho de tocar em um
casamento.
— Ele ainda está avaliando a possibilidade de tocar no nosso
casamento mês que vem. — informou Wendy, antes de voltar o olhar à amiga.
— Vou ligar para você mais tarde para conversarmos sobre aquele buffet
grego do qual me falou. — antes de se retirar dirigiu a Alan um sorriso
amistoso. — Shelby costuma dizer que não há nada como ouzo para animar
uma festa. — dizendo isso, deu o braço a David e se retirou.
Alan deteve-se a observá-los abrir caminho entre as mesas em direção
à saída.
— Seu amigo trabalha rápido.
— David? — ela lhe lançou um olhar inquisitivo. — É um homem
bastante lento, desde que não esteja com uma guitarra nas mãos.
— É mesmo? — os olhos negros a fitaram por sobre a borda da taça,
enquanto sorvia o vinho e Shelby não compreendeu o divertimento que via
refletido neles.
— Deu-lhe um bolo esta noite ele já está planejando casar com outra.
— Dei um bolo... — Shelby ameaçou soltar uma risada, mas logo
depois estacou dividida entre aborrecida e envergonhada. — Os homens são
criaturas volúveis. — afirmou, passando o dedo pela borda do copo.
— É o que parece. — concordou Alan, esticando a mão para lhe tocar o
queixo. — Está reagindo muito bem.
— Não gosto de demonstrar tão abertamente meus sentimentos. — e
abafando uma risada. — Droga, ele tinha de escolher justo esta noite para
aparecer aqui.
— Tantos bares, em tantas cidades, em todo mundo...
Shelby liberou a gargalhada reprimida há pouco.
— Bem lembrado. Mas essa fala devia ter sido minha. Afinal, ouvi o
filme há pouco tempo.
— Ouviu?
— Sim. Bem... — ela ergueu a taça em um brinde. — Aos corações
partidos?
— Ou às mentiras tolas? — contrapôs Alan. Shelby franziu o nariz,
enquanto brindava.
— Costumo contar algumas bem interessantes. Mas eu de fato namorei
David. Isso foi há três anos. — revelou, sorvendo em seguida todo o conteúdo
da taça. — Talvez quatro. Pode parar de rir com essa expressão masculina
presunçosa, senador?
— Eu estava fazendo isso? — Alan ergueu-se, estendendo-lhe o casaco
úmido. — Que rudeza de minha parte.
— Seria mais educado fingir que não me pegou em uma mentira. —
comentou Shelby, enquanto abriam caminho através do aglomerado de pessoas
que lotavam o café. — O que não teria acontecido se não tivesse me deixado
tão transtornada a ponto de não atinar com um nome mais conveniente.
— Parece-me que sou o culpado. — Alan passou o braço por sobre os
ombros delgados de maneira tão casual que não deixou margem a protestos. —
Suponhamos que eu peça desculpas pelo fato de não lhe ter dado tempo para
pensar em uma mentira. Isso ajudaria?
— Acho que sim. — Shelby ergueu a face, deixando a chuva lhe fustigar
a pele e esquecendo-se de como a amaldiçoara horas atrás. A água era fraca,
fria e agradável. Poderia caminhar por muito tempo debaixo dela. — Mas não
vou agradecer pelo jantar. — acrescentou, com expressão zombeteira. Quando
alcançaram o carro, ela se virou, encostando-se contra a porta do veículo. —
Ou mesmo pelo vinho e a luz de velas.
Ele fitou a face insolente e molhada e desejou-a desesperadamente. Por
certo haveria traços daquela insolência em sua paixão. Enfiou ambas as mãos
nos bolsos da calça para não ceder ao ímpeto de tomá-la nos braços naquele
momento.
— E quanto ao arco-íris?
O esboço de um sorriso curvou os cantos dos lábios femininos.
— Talvez lhe agradeça por isso. Ainda não decidi. — com um
movimento rápido entrou no carro, sentindo os joelhos cederem ante o olhar
penetrante que Alan lhe lançava. Seria mais prudente manter a conversação
superficial como fizera no café... Ao menos até se encontrar sozinha na
segurança de seu apartamento. — Sabe de uma coisa? — continuou quando ele
se acomodou atrás do volante. — Estava planejando viajar até a praia esta
noite. Destruiu meus planos.
— Gosta de praia em dias de chuva?
— Talvez não estivesse chovendo lá. — redargüiu ela, ao mesmo tempo
em que Alan dava partida no motor. — De qualquer forma, gosto de praia em
dias chuvosos.
— Prefiro em dias de temporal. — afirmou ele, manobrando a
Mercedes pela curva fechada. — Ao crepúsculo, quando há luz apenas para se
avistar o céu e o encrespar violento das ondas.
— É mesmo? — intrigada, Shelby observou o perfil irregular do rosto
másculo. — Imaginei que preferisse praias desertas no inverno, onde pudesse
fazer longas caminhadas e meditar
— Cada coisa ao seu tempo. — murmurou o senador. Shelby compôs o
cenário em sua mente. Os trovões, os raios e o soprar excitante do vento. Algo
além do vinho aqueceu-lhe o sangue que coma rápido nas veias. Enigmático.
Percebera propensões ocultas naquele homem desde o primeiro momento em
que o vira, mas agora elas se aproximavam da superfície. Haveria um tempo,
se não fosse cuidadosa, que elas a arrastariam para um terreno perigoso e
movediço.
— Minha irmã mora em Atlantic City. — comentou Alan em tom
casual. — Gosto de ir para lá quando está fora de temporada para ficar na
praia e perder dinheiro em seu cassino.
— Ela possui um cassino? — Shelby o encarou, incrédula.
— Tem sociedade com o marido em dois deles. — divertindo-se com a
expressão surpresa de Shelby, sorriu. — Rena costumava comandar uma mesa
de blackjack. Ainda o faz, ocasionalmente. Considerava que minha família
fosse austera, respeitável e tediosa?
— Não exatamente. — mentiu ela. — Ao menos não foi isso que ouvi
falar de seu pai. Myra me parece ser fã dele.
— Ambos gostam de discutir um com o outro. Meu pai é tão passional
quanto ela.
O senador estacionou ao lado do prédio de Shelby. Em seguida, desceu
do carro com tanta rapidez que ela não teve tempo de negar a gentileza.
— Acho que já esgotou sua cota de bebida por um dia, senador. —
disse Shelby, procurando as chaves na bolsa, enquanto subiam a escada.
— Ainda as tenho. — relembrou Alan, retirando-as do bolso da calça.
— Sem despregar os olhos da face delicada, balançou-as na palma da mão. —
Devem valer uma xícara de café.
Shelby franziu o cenho.
— Acho que isso é chantagem. — afirmou ela.
— Chantagem? — Alan lhe lançou um olhar inocente. — Era apenas
uma sugestão.
Shelby hesitou e, em seguida, suspirou, resignada. Conhecia aquele
homem o suficiente para saber que poderiam discutir sobre tal sugestão
durante uma hora. Dando um passo para o lado, gesticulou para que ele
destrancasse a porta.
— Apenas café. — declarou como que a delimitar as regras.
Após retirar o casaco, ela o jogou sobre o espaldar de uma cadeira na
cozinha. O gato lutou para sair debaixo do agasalho, saltou para o chão e lhe
lançou um olhar insolente.
— Oh, desculpe-me. — disse ela, abrindo uma gaveta e de lá retirando
um envelope de comida para felinos. — A culpa é dele, Moshe. — enquanto o
animal de estimação devorava a comida, Shelby voltou o olhar ao visitante. —
Ele não gosta que eu atrase o jantar. É muito disciplinado.
Alan lançou um olhar curioso ao gordo e voraz bichano.
— Não me parece desnutrido.
— Não. — concordou ela, voltando para pousar a cafeteira na pia. —
Mas Moshe se irrita com facilidade. Se eu... — o toque firme das mãos
masculinas em seus ombros a fez perder a linha de pensamento. — Se
esquecer de alimentá-lo... — a máquina bateu na bancada com um baque
surdo, quando a boca quente e macia lhe roçou o lóbulo da orelha. —... Fica
mal-humorado. — conseguiu concluir, abrindo a tampa da cafeteira com um
movimento brusco. — Animais mal-humorados... — articulou com um fio de
voz, enquanto pegava o pó de café. —... Tornam a convivência difícil.
— Imagino. — murmurou Alan, afastando os cabelos sedosos e
deixando-lhe a curva do pescoço exposta para, em seguida, mordiscar a pele
sensível. As labaredas que a consumiam toda vez que aquele homem a tocava
começaram a incendiá-la, enquanto tentava plugar a cafeteira à tomada na
parede. — Shelby... — as mãos experientes escorregaram pelo contorno do
corpo esguio e descansaram na cintura delgada.
Tentou convencer a si mesma que iria ignorar aquela sensação.
— O que é?
Mas ele apenas gemeu, traçando uma linha de fogo com a língua pela
curva do pescoço exposto. A fragrância excitante era mais intensa naquele
local, descobriu extasiado. Beijou o ponto nevrálgico e escutou Shelby ofegar.
— Não pôs o pó de café na máquina.
Ela estremeceu, e se agarrou com ambas as mãos à beirada da bancada
para evitar que aquela sensação a envolvesse outra vez.
— O quê?
Alan esticou o braço, roçando-o contra o dela para alcançar a tomada.
— Não... — começou ele, voltando o rosto para encará-la -... Colocou
o pó de café dentro do compartimento. — dizendo isso, roçou os lábios no
canto direito da boca de Shelby, repetindo o movimento do outro lado.
Por um instante, ela perdeu as forças, cerrando as pálpebras num gesto
de entrega.
— Onde?
Os lábios masculinos se curvaram num sorriso contra a face delicada.
— Na máquina de café.
— Colocarei em um minuto. — murmurou ela, quando a boca sensual
lhe roçou as pálpebras. Foi então que ouviu o riso suave de Alan e imaginou
por que soava triunfante. Precisou recorrer a todas as suas forças para conter
as labaredas de fogo que se tomavam incontroláveis a cada carícia suave. —
Alan... — beijos ternos pousavam por toda extensão de sua face, alimentando
a combustão. — Está tentando me seduzir.
— Não. — retrucou ele, mordiscando-lhe o lábio inferior e deixando-os
ávidos por mais, quando escorregou a boca quente e provocante pelo pescoço
delicado. Ansiava por sentir a pulsação que se acelerava a seu toque. — Eu a
estou seduzindo.
— Não. — Shelby espalmou as mãos contra o peito largo, na intenção
de afastá-lo, mas elas pareciam ter vida própria e se enroscaram em torno do
pescoço de Alan. — Não vamos fazer amor.
Ele mal podia controlar a torrente de desejo, enquanto enterrava os
dedos na cascata de cabelos macios.
— Não? — indagou num sussurro, provocando-a com apenas um roçar
de lábios. — Por quê?
— Por que... — Shelby sequer sabia quem era ou onde se encontrava.
— Será o caminho da minha perdição.
O riso de Alan ficou abafado contra os lábios macios antes de a língua
quente explorar-lhe a boca num beijo rápido e provocante.
— Tente outra desculpa.
— Por que... — o fogo crescia numa espiral incontrolável que lhe fazia
a mente girar em turbilhão. Não imaginara que o desejo pudesse ser doloroso,
tampouco que a ânsia de se entregar viesse em ondas tão avassaladoras.
Conhecia tal sensação porque a sentira antes. Daquela vez teria de ser
diferente e, no entanto, uma fraqueza inesperada e uma força arrebatadora
ameaçavam destruir tudo que ela pensava saber — Não. — o pânico, abrupto
e real a invadiu. — Não. Desejo-o muito. Não posso deixar que isso aconteça,
não entende?
— Tarde demais. — Ainda depositando beijos suaves em sua face, Alan
a guiou pelo apartamento. Em seguida, deslizou-lhe a blusa pelos ombros e
deixou que a peça caísse ao chão. Daquela vez, a primeira, seria pura
sedução. De tal forma que ambos jamais se esquecessem. — Você é macia
demais... — murmurou ele. —... Para resistir
Com movimentos lentos, deslizou os dedos longos pelo comprimento
dos braços e os ombros esguios de Shelby.
— Sabe quantas vezes imaginei estar assim com você? O quanto
ansiava por tocá-la... — a mão escorregou por sobre o tecido fino da roupa
íntima, roçando-lhe os seios. — Dessa forma... — quando alcançaram a porta
do quarto, a saia foi submetida ao mesmo tratamento da blusa.
— Está ouvindo o som dos pingos da chuva?
Shelby sentia o tecido da colcha roçar-lhe os ombros à medida que ele
a deitava na cama.
— Sim.
— Vou fazer amor com você. — os lábios quentes envolviam-lhe o
lóbulo da orelha, deitando por terra qualquer tentativa de recusa. — E toda
vez que ouvir a chuva, irá se lembrar deste momento.
Não precisaria daquilo para recordar, refletiu ela. Algum dia seu
coração batera tão forte? E sua pele parecera tão quente? Sim, podia ouvir a
chuva batendo contra o telhado e a vidraça. Mas não seria necessário aquele
som melódico para lembrar o modo como a boca tentadora e macia se
encaixava com perfeição à dela. A forma como as curvas de seu corpo se
moldavam aos contornos de Alan. Teria apenas que pensar naquele homem
para se recordar do modo como o frescor úmido da chuva se atinha aos
cabelos bastos e negros e como o som do próprio nome adquiria nova
musicalidade sussurrado pela voz rouca e sensual.
Shelby jamais se entregara a um homem com tal docilidade, embora não
tivesse se dado conta daquilo.
Mas naquele momento, ela se entregava, deixando que Alan a guiasse
para onde estivera tão relutante e temerosa em ir. À insensatez.
Ele parecia querer tocá-la, saboreá-la, mas da forma mais lenta e
provocante possível. Fazê-la flutuar, tão insubstancial quanto a névoa. Apenas
com o toque das pontas dos dedos e o roçar suave dos lábios a levava a um
grau de excitação quase irresistível.
Shelby não conhecia a verdadeira languidez até esticar a mão para
alcançar os botões da blusa que a separavam da solidez do corpo masculino.
Os braços estavam pesados. Os dedos, sempre tão ágeis, tateavam
desajeitados, retardando o processo e parecendo levá-lo ao desespero.
E naquele instante a boca sensual arrebatou-lhe os lábios, enquanto o
corpo de músculos pouco definidos, mas cobria o dela, prendendo as mãos de
Shelby entre ambos. Talvez por inconsciente demonstração de domínio ou
mesmo pela sobrecarga de desejo contido, Shelby lutou para sair do torpor da
entrega e começou a agir
A urgência que sentia encontrava eco no desejo ardente de Alan e
quando a volúpia ameaçou sobrepujá-lo, ele se esforçou para contrabalançá-
la. E então Shelby percebeu os músculos rijos e tensionados do peito largo se
libertarem da camisa, mas seus dedos não mais tateavam desajeitados. A boca
de Alan, provocante, lhe percorria o corpo com velocidade e destreza
inimagináveis, detendo-se nos pontos que mais lhe davam prazer e que
ignorava existir até que ele os descobrisse, explorasse e seguisse adiante
naquela doce tortura. Tomado de fúria incontrolável, ele arrancou a peça de
seda com um movimento nada gentil. Porém, nenhum dos dois se importava
com suavidade. A chama que havia entre ambos se acendera no instante em
que se conheceram e havia sido reprimida por um longo tempo.
Alan a sentia estremecer em todos os lugares que tocava. Onde quer que
sua língua pousasse. Podia perceber que Shelby atirara a prudência pela
janela. Restara apenas a paixão, pura e ardente, que previra receber se
esperasse por ela. O turbilhão de emoções pelo qual aguardara e que só
aquela mulher fazia brotar dentro dele.
Agressiva, fogosa e arrebatada, Shelby se movia com ele, até fazê-lo
perder todo o autocontrole. Respirava a fragrância excitante que exalava
daquela mulher a cada entrada do ar em seus pulmões. Um aroma ao mesmo
tempo selvagem, doce e tentador.
Nenhum dos dois comandava e ambos eram comandados. Shelby o
recebeu com um gemido de prazer abafado contra seus lábios, mas aquilo não
tinha nada a ver com rendição. Primitivos e atrevidos, alimentavam o fogo que
os consumia.
A chuva ainda fustigava o teto e vidraças, produzindo um som alto e
forte. Não tinham noção de quanto tempo permaneceram deitados, um colado
ao outro. Ambos haviam perdido a concepção de tempo, cientes apenas
daquele momento e lugar.
Shelby se enroscou ao corpo másculo, com os olhos fechados, até
conseguir tranqüilizar a respiração. A mente e o corpo plácidos, como se a
tempestade de paixão não tivesse passado de um sonho. Mas fora real e sua
participação nela, a maneira sem reservas como se entregara ao fogo da
paixão, era o combustível da serenidade que sentia e que não sabia que
procurava até aquele instante. Alan era a paz que sonhara, seu coração e
refugio.
Ele mudou de posição, puxando-a para si. Ainda podia sentir a miríade
de emoções que o arrastara para um mundo desconhecido: o excitamento, a
paixão, sentimentos intensos demais para nomear. Aquela mulher continuava a
fluir através dele como um vento tempestuoso e empolgante que soprava em
todas as direções ao mesmo tempo. Vivaz e envolvente, ela era como uma
brisa que arrastava a aspereza que havia no mundo que tão bem conhecia.
Necessitava daquele tipo de mágica que só Shelby sabia produzir, da mesma
forma que estava disposto a lhe dar tudo que ela quisesse extrair dele.
Com um movimento lento e sensual, deslizou a mão por toda a extensão
das costas delgadas.
— Hummmm! — murmurou ela.
Com um riso abafado, Alan continuou a carícia até fazê-la ofegar.
— Shelby...
Ela suspirou extasiada e pressionou o corpo contra o dele.
— Há algo peludo e quente encostado no meu pé.
— Sim...
— Se for seu gato, ele não está respirando.
— MacGregor!
Ele depositou um beijo suave no topo da cabeça de Shelby.
— O quê?
Ela abafou uma risada contra o peito musculoso.
— Meu porco.
Um profundo silêncio se fez sentir, enquanto Alan tentava digerir a
informação inusitada.
— Não entendi.
O tom sério fez com que ela soltasse outra gargalhada. Seria capaz de
passar sequer um dia sem ouvir aquele som tão prazeroso? Tencionando
perscrutar-lhe a fisionomia, ergueu o corpo e, inclinando-se sobre ele,
alcançou a caixa de fósforos que se encontrava no criado mudo. Estremeceu à
fricção contra a pele masculina e acendeu uma das velas do candelabro ao
lado da cama.
— MacGregor. — repetiu, beijando-lhe os lábios com suavidade antes
de gesticular em direção ao pé da cama.
Alan estudou a fisionomia sorridente do porco.
— Batizou um porco lilás com meu nome?
— Isso é jeito de falar de nosso filho?
Os olhos negros a fitaram cora uma expressão tão masculina e irônica
que quase a fez ter um colapso sobre o peito musculoso, soluçando de rir.
— Coloquei-o ali porque ele deveria ser o único MacGregor a me
seduzir para chegar até minha cama.
— É mesmo? — Alan puxou-lhe os cabelos até que ela erguesse a
cabeça, revelando a expressão zombeteira. — Foi isso que eu fiz?
— Sabia que eu não iria resistir muito tempo a balões e arco-íris. — a
luz da vela bruxuleou sobre a face máscula e Shelby traçou-lhe o contorno
luminoso com a ponta dos dedos. — Estava decidida a não sucumbir a seu
charme. Estou falando sério. Eu não pretendia fazer isso.
Ele fechou a mão em tomo do pulso fino, puxando a mão de Shelby de
encontro aos lábios e depositando-lhe um beijo suave na palma.
— Fazer amor comigo?
— Não. — os olhos acinzentados desviaram dos lábios quentes para
fitá-lo. — Apaixonar-me por você.
Ela sentiu os dedos firmes se cravarem em seu pulso para em seguida,
afrouxar o aperto, enquanto o olhar enigmático permanecia fito no dela.
— Está apaixonada?
— Sim. — confessou ela com um sussurro que caiu como um trovão na
mente de Alan.
Ele a puxou para si, aninhando-lhe a cabeça contra o peito e sentindo a
respiração pesada de Shelby, enquanto a envolvia nos braços. Não esperava
tanto em tão pouco tempo.
— Desde quando?
— Quando? — repetiu ela, deleitando-se com a solidez dos músculos
sob sua cabeça. — Em algum momento entre o instante em que estávamos no
terraço dos Write e eu abrir a caixa de morangos.
— Demorou tanto assim? Tudo que tive de fazer foi olhar para você.
Shelby ergueu a cabeça e fitou-o com os olhos dilatados de surpresa.
Alan não era o tipo de homem que exageraria um sentimento. Não era seu
estilo. Extasiada, tomou o rosto masculino nas mãos.
— Se tivesse me dito há uma semana ou mesmo ontem, acharia que
havia enlouquecido. — sorrindo, pressionou os lábios contra os dele. — E
talvez esteja, mas isso não importa mais. — com um suspiro de satisfação
atirou-se nos braços de Alan. — Nem um pouco.
Shelby tinha consciência da ternura que havia dentro dela em relação a
crianças e animais, mas nunca a sentira em relação a um homem. Porém,
quando o beijara há instantes, com as palavras românticas ainda ecoando em
seus ouvidos, sentiu-se invadida por aquele sentimento. As mãos femininas
voltaram a tocar o rosto de traços perfeitos. Os dedos ágeis de artista
moldando-lhe o formato até julgar ser capaz de conjurá-lo do ar se alguém lhe
pedisse para fazê-lo.
E então os deixou deslizar pela curva do pescoço largo, ao longo dos
ombros firmes, que lhe emprestavam uma aura de proteção. Fortes o suficiente
para aparar qualquer problema que ela tivesse. Mas nunca pediria que o
fizesse, bastava tê-los por perto. Com os lábios colados ao dele, continuou o
passeio pelos braços fortes, explorando o corpo viril que no afã da paixão não
tivera como apreciar. Descobriu enquanto roçava a face no pescoço de Alan
que podia sentir a própria fragrância impregnada nele. E aquilo era
maravilhoso. Ele a envolveu nos braços e ambos permaneceram assim por um
longo instante. Despidos, entrelaçados e felizes.
— Posso lhe confessar algo sem que se torne convencido? — indagou
ela, escorregando os dedos pelo peito musculoso até as costelas.
— Acho que não. — a voz de Alan se tomara rouca de excitação. —
Sinto-me lisonjeado com facilidade.
— Em minha oficina... — começou Shelby, pressionando os lábios
contra a barreira sólida do peito másculo e saboreando as batidas aceleradas
do coração de Alan. — Quando sujei sua camisa e a retirou para lavá-la...
Virei-me para observá-lo e tive ímpetos de acariciá-lo desta maneira. —
esfregou as mãos pela pele máscula em brasa. — Quase o fiz.
Alan sentiu o sangue latejar por todo o corpo.
— Eu não iria me opor.
— Se eu tivesse decidido possuí-lo, senador... — murmurou ela em um
tom de voz abafado. — Não teria tido a menor chance.
-— Acha mesmo?
Shelby deslizou a língua pelo tórax avantajado.
— Sim. — respondeu, sentindo-o ofegar — Acho. Um MacGregor
sempre se curvará a um Campbell.
Alan entreabriu os lábios para protestar, mas os dedos ágeis da oleira
se encontravam em seus quadris. Como político sabia o valor de um debate,
mas por vezes eles não requeriam palavras.
Poderia flutuar ao toque macio e firme das mãos de Shelby. O prazer da
antecipação crescia na mesma proporção do desejo. Ela parecia absorta nos
contornos do corpo masculino, na textura da pele quente. A luz avermelhada da
vela refletia nos cílios escuros, enquanto ele se mantinha deitado na posição
que Shelby o colocara. A chuva continuava o ruído monótono, mas Alan
escutava apenas os sussurros e gemidos da parceira.
Ela se movia lentamente pelo corpo viril, detendo-se a mordiscar um
ponto ou beijar o outro, acelerando-lhe a pulsação até que Alan decidiu que
era tempo de reagir. Com um movimento preciso, rolou-a para baixo do
próprio corpo, tomando-a cativa.
A face delicada se encontrava afogueada. A respiração entrecortada
pela excitação. Ele a fitou por um longo instante, desejando fixar na memória
aquele momento.
A massa de cabelos ruivos espalhados contrastando com o vivido verde
da colcha. O reflexo da luz bruxuleante brincando sobre a face delicada o
fazia se lembrar da primeira impressão que tivera dela. Uma cigana. Os olhos
cinza estavam escuros e repletos de desejo.
— Nós, MacGregors... — murmurou Alan —... Temos meios de... Lidar
com os Campbell.
Inclinou os lábios, mas estacou a centímetros dos dela. Percebeu que os
cílios longos haviam baixado, mas não cerrado. Ela o observava através
deles, enquanto a respiração se tomava cada vez mais acelerada. De modo
lento, Alan abaixou a cabeça e mordiscou-lhe a linha o queixo.
Shelby fechou os olhos e deixou escapar um gemido que era ao mesmo
tempo de protesto e deleite. Os lábios entreabertos ansiavam pelos dele, mas o
contato da boca experiente contra sua pele produzia fagulhas elétricas que
faziam vibrar todas as terminações nervosas do corpo feminino. As mãos
firmes pareciam estar por todos os lugares, movendo-se com uma perfeição
com a qual sempre a presentearia.
A boca macia traçava círculos com os lábios e dentes em tomo dos
mamilos intumescidos, mas ele não permitia que Shelby se concentrasse
apenas naquela ousada carícia. Os dedos longos tateavam a pele de seu ventre,
fazendo-a arquear o corpo de encontro a eles, ávida pelo prazer iminente. Mas
Alan parecia não ter pressa, aumentando-lhe o desejo a um ponto quase
insuportável com a paciência e perícia de um amante experiente.
Nenhum dos dois percebeu o momento em que o mundo parou de existir.
Talvez tivesse acontecido numa fração átomo de segundo, ou o tempo tenha
rodopiado lentamente até parar. Não havia nada além de ambos, carne contra
carne, sussurro contra sussurro, desejo contra desejo.
E então a boca sensual arrebatou-lhe os lábios num beijo antes que o
torpor do prazer lhes embotasse a mente. O corpo de Shelby estava trêmulo
quando ele a penetrou. Pretendia satisfazê-la até que a energia se esvaísse de
seus corpos. Alan a possuiu vagarosamente, escutando a cadência apressada
da respiração ofegante que se misturava à dele, enquanto sorvia o sabor quente
e úmido da boca sensual.
O tempo pareceu parar para ambos até que a urgência tomou as rédeas
dos movimentos e os dois mergulharam no esquecimento do prazer.
CAPÍTULO VIII
Com esplendorosa luz do sol e muito bom humor, Shelby abriu as portas
da Calliope na segunda-feira de manhã. Mesmo que estivesse desabando um
temporal, não mudaria seu estado de espírito. Havia passado um longo e
preguiçoso domingo em companhia de Alan, sem sequer se aventurar a sair do
apartamento.
Naquele momento, Shelby sentou-se atrás do balcão e optou por
permitir que um pouco do mundo exterior se insinuasse em sua atmosfera.
Pegando o exemplar do periódico da manhã que se encontrava sobre o balcão,
abriu, como sempre fazia, na seção de histórias em quadrinhos. Que
personagens apareceriam em Macintosh e o quê teriam a dizer uns para os
outros? Com os cotovelos pousados no balcão e as mãos sustentando o queixo,
sorriu divertida com os detalhes cômicos da história em quadrinhos de cunho
político. Esperava que o vice-presidente mantivesse o bom humor após ler a
alusão feita a ele naquela coluna. Ao que sabia, as pessoas notórias raramente
objetavam serem caricaturadas... Até certo ponto. Exposição, satirizada ou
não, era sempre exposição.
Voltou os olhos para a assinatura do autor. O simples G.C. identificava
o cartunista. Talvez o anonimato fosse a melhor opção para quem atacava o
ego de notoriedades com tanta freqüência. O tipo de atividade que não era
talhada para ela. Não era afeita ao anonimato.
Estendendo a mão para a xícara de café que esfriava a seu lado na
bancada, deslizou o olhar pelo resto da página. O humor sempre a ajudava a
enfrentar o dia e confirmava o ponto de vista de que por mais excentricidades
que houvesse no mundo, havia lugar para todas. Sorvendo um gole da bebida
morna, elevou o olhar ao perceber a porta da loja se abrir.
— Olá! — sorrindo para Maureen Francis, colocou o jornal de lado. A
morena não parecia o tipo de mulher que compraria uma capa, quanto mais
vesti-la. Naquela manhã usava um traje primaveril de seda azul-esverdeada.
— Nossa! Como está elegante. — elogiou a oleira, admirando a veste da
mulher, incapaz de se imaginar nela.
— Obrigada. — agradeceu Maureen, pousando uma pasta de couro no
balcão. — Vim buscar minha cerâmica e agradecer-lhe.
— Consegui as caixas. — Shelby desapareceu pela sala dos fundos,
onde instruíra Kyle para deixá-las. — Agradecer-me por quê? — gritou de lá.
— Pelo contato. — incapaz de conter a curiosidade, Maureen contornou
o balcão para espiar a oficina de Shelby. — Isso é maravilhoso! — exclamou,
fitando a roda de oleiro com a perplexidade de um leigo, antes de escrutinar as
prateleiras. — Adoraria vê-la trabalhar algum dia.
— Basta encontrar-me disposta em uma quarta-feira ou sábado e
poderei lhe dar algumas noções de olaria.
— Posso lhe fazer uma pergunta tola?
— Claro. — redargüiu Shelby, volvendo o rosto e a fitando por sobre o
ombro. — Todos têm direito a pelo menos três por semana.
Maureen gesticulou, abrangendo a oficina e a loja.
— Como gerencia isto tudo sozinha? Quero dizer, sei como é difícil e
complicado ter seu próprio negócio, mas unir a administração à criatividade...
Deve levar horas para produzir algo. E logo em seguida, tem de se voltar para
as vendas.
— Não se trata de uma pergunta tola. — declarou Shelby depois de
algum tempo. — Acho que gosto de praticar as duas atividades. Aqui,
geralmente fico isolada. E lá... — gesticulou em direção à loja. — Não. Além
disso, gosto de comandar meu próprio negócio. Suponho que você também
goste, do contrário ainda estaria naquela firma em Chicago.
— Sim, mas há momentos em que anseio em voltar à segurança que
tinha lá. — e fitando as costas de Shelby. — Acho que isso não acontece com
você.
— Há certo prazer na instabilidade, não? — perguntou a oleira. —
Principalmente se acreditar que há uma rede de proteção em algum lugar
esperando para salvá-la se sair da linha.
Com uma risada divertida, Maureen meneou a cabeça.
— É um modo interessante de ver a questão. Divirta-se e deixe o resto
por conta do destino.
— Em poucas palavras. — Shelby entregou a primeira caixa para a
cliente e em seguida ergueu a segunda.
— Quanto ao contato que mencionou, suponho que esteja se referindo a
Myra.
— Sim. Telefonei-lhe sábado à tarde. Tudo que tive de fazer foi
pronunciar seu nome e ela me convidou para almoçar hoje.
— Myra não gosta de perder tempo. — Shelby soprou a franja,
enquanto pousava a caixa no balcão. — Você vai me informar sobre o
progresso das coisas?
— Será a primeira a saber. — prometeu Maureen. — Sabe como é raro
encontrar alguém disposto a ajudar os outros mesmo entre amigos íntimos, o
que dirá entre estranhos. Sou-lhe muito grata.
— Disse que era boa no que fazia, — lembrou Shelby com um sorriso,
enquanto acabava de preencher o recibo. — e achei que devia ser. No entanto,
não deve considerar um grande favor até esta tarde. Myra é uma mulher
exigente.
— Eu também. — declarou Maureen, tirando o talão de cheques da
bolsa. — E bastante curiosa. Pode me mandar cuidar de minha própria vida,
— começou, voltando o olhar para Shelby. — mas não posso deixar de
perguntar como vão as coisas com o senador MacGregor. Não o reconheci da
primeira vez. Achei que era um louco apaixonado qualquer.
Shelby considerou a descrição por alguns segundos e a aprovou.
— É um homem obstinado. — afirmou por fim, destacando a cópia do
recibo do bloco. — Graças a Deus!
— Ótimo. Gosto de homens românticos. Bem, é melhor eu levar estas
caixas para o carro se não quiser me atrasar.
— Eu a ajudarei. — segurando uma das caixas, Shelby abriu a porta
para que Maureen pudesse passar.
— O carro está aqui na frente. — ao alcançá-lo, a mulher abriu o porta-
malas. — Vou passar por aqui qualquer quarta-feira ou sábado para vê-la
trabalhar.
— Está bem. Mas se eu estiver mal-humorada, espere até eu melhorar.
Boa sorte.
— Obrigada. — Maureen fechou o porta-malas e contornou o carro
para se acomodar no banco do motorista. — Dê lembranças ao senador, está
bem?
Com uma gargalhada divertida, Shelby acenou para a cliente, antes de
voltar à loja. Iria encaixotar a jarra redonda verde, decidiu. Desta vez
surpreenderia Alan.
Ele estava para adquirir uma de qualquer forma... Talvez não fosse
surpresa para ele.
Geralmente, Alan não se sentia incomodado, mas naquela manhã fora
uma torrente contínua de reuniões infindáveis. Não se incomodava com o
assédio da imprensa, mas um dos repórteres que rondavam o Senado o
aguardava do lado de fora do prédio e fora, insistente e irritante. Talvez ainda
carregasse consigo o mal-estar que lhe causara a conversa que tivera com Leo
no jantar dançante, ou mesmo estivesse sentindo o peso do excesso de
trabalho, mas quando saiu do elevador no andar que ocupava no prédio, sua
paciência estava chegando ao limite.
— Senador. — a assistente de Alan ergueu-se da cadeira de imediato,
parecendo tão esgotada quanto ele.
— Os telefones não pararam de tocar durante toda a manhã. —
carregava uma agenda de couro nas mãos e a estava folheando. — Um tal de
Brewster; a congressista Platt; comoção no gabinete do prefeito em Boston
sobre o abrigo de Back Bay; Smith, o consultor de mídia; Rita Cardova, uma
assistente social do noroeste que insiste em falar com o senhor pessoalmente
sobre um projeto para um abrigo; e...
— Mais tarde. — Alan adentrou o gabinete apressado, fechando a porta
atrás de si. Dez minutos, prometeu a si mesmo, enquanto jogava a pasta sobre
a mesa. Havia respondido a uma torrente de perguntas desde as oito horas e
trinta minutos da manhã. Para o diabo! Iria se dar ao luxo de ter dez minutos de
descanso antes de voltar ao trabalho.
Não era seu costume precisar deles, pensou com uma sombra de
frustração, enquanto franzia o cenho e observava a paisagem através da janela
de vidro. De lá, avistava o lado leste do prédio do congresso. O domo branco,
simbolizando a democracia, liberdade de pensamento, justiça... Tudo em que
Alan sempre acreditara. Podia visualizar a praça do Capitólio com seus
majestosos vasos, repletos de flores. Foram postados lá depois do
bombardeio... Uma barricada harmoniosa. Se, como dissera Leo, lançasse sua
candidatura, teria de lidar com o Congresso todos os dias.
Não poderia postergar aquela decisão por muito tempo. Pelo lado
profissional seria possível esperar um pouco mais, avaliar os prós e contras,
mas pelo pessoal teria de tomar uma posição o quanto antes. Não poderia
considerar a possibilidade de pedir a mão de Shelby em casamento até
colocá-la a par de suas pretensões. Estaria lhe pedindo para dividir mais que
um nome, casa e família se porventura assumisse a presidência. Isso exigiria
que ela cedesse uma parte de sua vida a ele e ao país. Não poderia considerar
aquela uma decisão individual. Shelby era sua esposa em todos os sentidos,
com exceção do legal... Teria apenas de convencê-la daquilo.
Quando a campainha do telefone tocou, Alan voltou um olhar
contrariado ao aparelho. Haviam apenas se passado cinco dos dez minutos que
prometera a si mesmo. Aborrecido, levou o fone ao ouvido.
— Sim?
— Desculpe incomodá-lo, senador, mas seu pai está na linha.
Alan passou a mão pelos cabelos e sentou-se na cadeira giratória.
— Tudo bem. Vou atendê-lo... E desculpe-me. Tive uma manhã
estafante.
O tom de voz da assistente mudou de pronto.
— Tudo bem. Seu pai parece-me... Exuberante, como sempre.
— Arlene, deveria ter optado pelo corpo diplomático. — ouviu a risada
divertida da jovem, enquanto passava a ligação. — Olá, papai!
— Muito bem, vejo que ainda está vivo. — a voz grave e potente não
escondia o traço de sarcasmo. — Eu e sua mãe pensamos que tivesse sofrido
um acidente fatal.
Alan tentou disfarçar o riso no tom de voz.
— De fato, cortei-me fazendo a barba na semana passada. Como vai o
senhor?
— Ele me pergunta como estou passando! — Daniel deixou escapar um
suspiro exasperado. — Imagino se ainda se lembra sequer de quem sou! Mas,
tudo bem... Não tenho mesmo nenhuma importância. Porém, sua mãe está
ansiosa para que seu primogênito dê notícias.
Alan recostou-se ao espaldar da cadeira. Quantas vezes amaldiçoara o
fato de ser o filho mais velho e dar ao pai a oportunidade de alfinetá-lo com
aquela frase? Não que Daniel não tivesse outras pérolas para provocar Caine
e Rena também... A filha única e o caçula.
— Tenho tido dias agitados. Mamãe está aí?
— Teve de ir atender a uma emergência no hospital. — Daniel jamais
admitiria que a esposa, Anna, teria lhe pregado um sermão se soubesse o que
ele estava pretendendo. Considerava uma boa estratégia não lhe contar até que
estivesse concluído. — Mas ela tem se queixado com freqüência. — mentiu
sem receio. — Resolvi enterrar meu orgulho e lhe telefonar. Já está em tempo
de tirar folga em um fim de semana e vir visitar sua mãe.
Alan ergueu a sobrancelha, percebendo o ardil de Daniel. Conhecia o
pai muito bem.
— Pensei que ela estivesse ocupada com os preparativos para a
chegada de seu primeiro neto. Como está Rena?
— Pode ver com seus próprios olhos este fim de semana. — informou
Daniel. — Eu... Quer dizer, Rena e Justin decidiram passá-lo conosco. Caine e
Diana também virão.
— Esteve ocupado. — murmurou Alan.
— O que disse? Não resmungue, garoto.
— Falei que estará bastante ocupado — emendou o senador, prudente.
— Tudo por sua mãe. Não posso arriscar minha paz de espírito. Sabe
que ela se preocupa com todos vocês... De maneira especial com o filho mais
velho, desde que é o único solteiro. — acrescentou. — Seus dois irmãos são
mais novos e casaram antes de você. Isso porque o primogênito, detentor do
nome de meu pai, anda tão ensimesmado em seus deveres que não lhe sobra
tempo para dar continuidade à linhagem MacGregor.
Alan pensou na manhã enfastiante que tivera e quase riu.
— A continuidade da linhagem MacGregor parece estar garantida.
Talvez Rena tenha gêmeos.
— Ora! — mas por instantes o pai considerou a idéia, recordando-se de
que do lado materno de sua família haviam nascido gêmeos duas gerações
atrás. Teria de estudar a árvore genealógica mais tarde, depois que desligasse.
— Esperamos você sexta-feira à noite. Agora... — Daniel inclinou-se sobre a
ampla mesa e tragou um dos cigarros que lhe haviam sido proibidos pelo
médico. — Que diabos significam essas notícias nos jornais?
— Descreva-as para mim. — sugeriu Alan.
— Suponho que tenha sido um erro de impressão. — considerou Daniel,
franzindo o cenho e fitando a ponta do cigarro antes de apagá-lo no cinzeiro
que mantinha escondido na primeira gaveta de sua mesa.
— Acho que conheço meus filhos o suficiente.
— Explique-se melhor. — pediu Alan, embora já tivesse compreendido
a que o pai se referia.
— Quando li que meu próprio filho... Meu herdeiro... Está perdendo
tempo em um caso de amor com uma Campbell, percebi que só poderia ser um
erro de grafia. Qual o nome correto da moça?
Um misto de afeição e inquietação tomou conta de Alan à simples
referência a Shelby.
— A que moça está se referindo?
— Droga, garoto! A moça extravagante com quem está saindo. Uma
jovem atraente ao que parece. Boa ossatura, aparência saudável.
— Shelby. — informou o filho, aguardando a reação. — Campbell.
— Campbell! — vociferou Daniel. — Os ladrões e assassinos
Campbell!
— Sim. Ela também tem grande afeição pelos MacGregors.
— Nenhum filho meu dedica seu tempo a um descendente do clã
Campbell! — resfolegou o pai. — Vou lhe dar uma surra de correia, Alan
Duncan MacGregor! — a ameaça parecia tão vazia no momento quanto fora
quando Alan tinha oito anos de idade, mas foi pronunciada com o mesmo furor.
— Vou arrancar sua pele!
— Terá a chance este fim de semana, quando conhecer Shelby.
— Uma Campbell em minha casa! Isso é demais!
— Isso mesmo. — afirmou Alan. — E em sua família antes do fim do
ano, se eu conseguir.
— Você... — um turbilhão de sensações tomou conta da mente de
Daniel. Uma Campbell interferindo em seu propósito: ver todos os filhos
casados e lhe dando muitos netos. — Está pensando em se casar como uma
Campbell?
— Já fiz a proposta. Mas ela não aceitou... Ainda. — acrescentou, para
não deixar dúvidas sobre suas intenções.
— Não aceitou! — repetiu Daniel, tomado de orgulho paterno ferido.
— Que espécie de tola é essa mulher? Uma típica Campbell! — resmungou.
— Pagãos estúpidos! — o pai de Alan desconfiava de que existissem
feiticeiros entre eles. — Provavelmente o enfeitiçou. -murmurou, indignado.
— Sempre teve bom senso. Muito bem, traga sua Campbell até mim. —
ordenou em tom áspero. — Vou fundo nisso.
Alan abafou uma risada, esquecendo o mau humor que o assolara
minutos atrás.
— Vou perguntar se ela quer ir.
— Perguntar? Ora! Traga essa descendente dos Campbell aqui! É uma
ordem.
Imaginando Shelby, o senador decidiu que não perderia aquele encontro
nem por dois terços de votos populares.
— Vejo-os na sexta-feira. Dê um beijo em minha mãe por mim.
— Até lá. — murmurou Daniel.
Quando desligou, Alan imaginou o pai esfregando as mãos em
antecipação. Aquele seria um final de semana interessante.
Quando alcançou a passagem estreita que levava à casa de Shelby, o
senador esqueceu a fadiga. Às dez horas exaustivas de trabalho ficaram para
trás junto com as resmas de documentos, fatos e figuras da vida política.
Entretanto, quando Shelby abriu a porta, percebeu os traços de cansaço
e preocupação remanescentes no rosto másculo.
— Dia difícil para a democracia? — com um sorriso luminoso, tomou-
lhe a face nas mãos e depositou-lhe um beijo suave nos lábios,
— Longo. — corrigiu ele, puxando-a para um abraço mais satisfatório.
E então obteve a certeza de que poderia enfrentar milhões deles se a tivesse no
fim do dia. — Desculpe-me pelo atraso,
— O importante é que está aqui agora. Aceita um drinque?
— Não recusaria por nada neste mundo.
— Venha, vou bancar a serviçal por alguns minutos. — Shelby o guiou
até o sofá. Depois de acomodá-lo, afrouxou-lhe a gravata, retirou-a e
desabotoou os primeiros botões da camisa de Alan. Ele a observou com a
sombra de um sorriso nos lábios, enquanto os sapatos lhe eram retirados.
— Poderia me acostumar facilmente a isso.
— Pois não se acostume. — aconselhou Shelby a caminho do bar. —
Não pode prever quando chegará e me encontrará enfartada no sofá, incapaz
de mover um dedo.
— Então cuidarei de você. — retrucou ele, pegando o copo de uísque
que Shelby lhe ofereceu antes de se aninhar a seu lado no sofá. — Estava
precisando disto.
— Da bebida?
— De você. — dizendo isso, Alan lhe tomou os lábios num beijo
apaixonado. — Só de você.
— Quer me contar sobre todos aqueles sórdidos políticos e lobistas ou
quem quer que tenha estragado seu dia?
Alan soltou uma gargalhada e sorveu um gole da bebida, deixando-a
escorrer lentamente pela garganta.
— Tive uma longa e tediosa reunião com a congressista Platt.
— Martha Platt. — Shelby deixou escapar um suspiro exasperado. —
Ela já era uma presunçosa linha dura, avarenta e burocrata quando eu era
menina.
A descrição cabia como uma luva na congressista, concluiu Alan.
— Ainda o é.
— Meu pai sempre dizia que ela daria uma excelente contadora
pública. Só pensa em dinheiro.
Rindo, descontraído, Alan pousou o copo. Quem precisava de uísque
quando podia ter Shelby?
— E você? Como vão as coisas no mundo dos negócios?
— Devagar pela manhã e agitadas à tarde. Tive de enfrentar uma horda
de estudantes. Parece que a olaria está em alta. Por falar nisso, tenho algo para
você. — Shelby ergueu-se e desapareceu no corredor, enquanto ele esticava as
pernas, percebendo o cansaço ceder aos poucos. Sentia-se mais relaxado do
que jamais acreditara que pudesse estar. — Um presente — declarou Shelby,
depositando uma caixa em seu colo. — Pode não ser tão romântico quanto os
seus, mas é exclusivo. — voltou a sentar ao lado dele, enquanto o observava
desembrulhar a caixa.
Em silêncio, Alan ergueu a jarra redonda, segurando-a com ambas as
mãos. De alguma forma, Shelby o havia imaginado segurando-a daquela
maneira. Como um líder romano teria feito. Ver uma peça sua nas mãos fortes
de Alan lhe dava prazer.
Ele a estudou por um longo tempo sem dizer palavra. A peça era pintada
em verde vivaz e lustroso com nuanças mais claras abaixo da superfície. As
linhas eram lisas e simples. Uma obra de arte primorosa em objetividade.
Alan não podia pensar em nada que recebera que tivesse mais importância.
— É linda. Na verdade, extraordinária. — sustentando a peça em uma
das mãos, segurou com a outra a mão de Shelby. — Fascinou-me desde o
momento em que a conheci, o fato de mãos tão pequenas possuírem um talento
imenso. — beijou os dedos finos antes de fitá-la nos olhos. — Obrigado.
Estava confeccionando esta peça quando entrei em sua oficina.
— Não esqueceu detalhe algum? — extasiada, deslizou a ponta do dedo
pelo contorno da jarra. — Estava pensando em você enquanto a elaborava.
Pareceu-me justo que ficasse com ela quando terminasse. Então, quando estive
em sua casa, tive a certeza de que ela combinava com você.
— Combina comigo. — concordou ele, antes de recolocar a jarra na
caixa. Depois de pousá-la com cuidado no chão ao lado do sofá, puxou Shelby
para si. — Assim como você.
Ela deixou a cabeça descansar sobre o ombro protetor. Parecia
verdade, dito por Alan.
— Vamos pedir comida chinesa.
— Pensei que quisesse ver o filme que está passando no cinema no fim
da rua.
— Isso foi pela manhã. Agora tudo que desejo é comer carne de porco
ao molho agridoce no sofá em sua companhia. — declarou, enquanto lhe
mordiscava o pescoço.
Alan voltou o rosto até que seus lábios roçassem os dela.
— Que tal deixarmos a comida para mais tarde?
— Tem uma mente bastante criativa. — comentou
Shelby, recostando-se à pilha de travesseiros e levando-o consigo.
— Agrada-me a forma como ela funciona. Beije-me como fez a
primeira vez que se sentou neste sofá. Levou-me à loucura.
Os olhos acinzentados estavam semicerrados e os lábios apetitosos,
entreabertos. Alan enterrou os dedos na massa de cabelos ruivos e a deitou
sobre os travesseiros. Não possuía a mesma paciência que impôs a si mesmo
da primeira vez. Com Shelby, imaginar como seria não se comparava à
excitação da realidade. Aquela mulher era mais estimulante do que a mais
luxuriosa fantasia. Mais desejável do que o mais ousado sonho. E lá estava
ela, toda sua.
Alan saboreou os lábios macios lentamente, da forma exata como ela
imaginara. A ânsia de devorá-los podia ser contida quando estava certo de que
haveria um momento certo para fazê-lo. Shelby suspirou extasiada enquanto
um leve tremor perpassou-lhe o corpo. A combinação quase o levou à loucura
e só então Alan percebeu que estava próximo à insanidade. Não a havia sequer
tocado, a não ser pelo roçar suave e provocante dos lábios macios.
Desconhecia que a tortura podia ser tão prazerosa, mas tinha plena
ciência do doce encantamento da agonia ao contato com a boca quente e úmida
e à pressão tênue dedos de Shelby desabotoando-lhe a camisa.
Ela se deleitava com o contato da pele quente contra a sua. Cada vez
que o tocava, percebia que nunca se cansaria de fazê-lo. A intimidade com
aquele homem sempre lhe trazia prazer e voracidade. Sempre que via algo que
admirava, ansiava por senti-lo. O peso, a textura. E com Alan não era
diferente. Ainda assim, a cada vez que o tocava sentia como se fosse a
primeira.
A fragrância do sabonete que ele usava... Não, do seu sabonete,
lembrou, remanescia na pele masculina misturada ao aroma almiscarado que o
dia de trabalho lhe tinha impregnado. O coração de Alan batia apressado,
embora a boca ousada e experiente explorasse a sua com movimentos lentos e
enervante calma. Os dedos de Shelby trilharam os ombros largos enquanto lhe
retirava a camisa. Ansiava por explorá-lo com mais liberdade, mas o beijo de
Alan perdeu a morosidade de uma forma que a deixou ofegante.
E em instantes ela rodava em uma espiral devastadora em meio à
tempestade de emoções que aquele homem era capaz de conjurar como um
mágico. Tinha a impressão de estar atravessando nuvens escuras e raios
resplandecentes. Podia jurar que ouvira um trovão, mas eram apenas as
batidas da própria pulsação. As mãos de Alan se tomaram rápidas e ousadas,
despindo-a com velocidade e destreza impressionantes e a modelavam com
toques ousados que a faziam passar de um tremor convulsivo a outro, sem lhe
restar mais nada a não ser se deixar levar pela torrente de prazer.
Alan a ouviu gritar seu nome, mas estava por demais enredado na
própria teia de luxúria para responder. A forma como haviam feito amor terna
e lentamente na noite anterior não provocara o mesmo efeito nele. Havia algo
selvagem dentro de Alan que ele nunca se permitira libertar e que naquele
momento eclodira com a violência de uma pantera escapando da jaula. Tinha
ciência de que a estava devastando, mas se via incapaz de parar O corpo
feminino se encontrava ávido e trêmulo sob o dele. Tudo que sua boca tocava
tinha sabor de paixão e promessa.
Shelby arqueou o corpo, gemendo, ofegante. Com a língua ágil, Alan a
levou ao limite máximo da excitação. O corpo feminino estava em chamas. A
mente vazia de pensamentos era comandada apenas pelas sensações
inebriantes. Não saberia dizer o que Alan lhe pedia, embora percebesse a
urgência da voz máscula e rouca. Não sabia o que responder, a não ser que
nada que ele lhe tivesse pedido seria negado. Em meio à cortina de paixão,
Shelby avistou a face masculina sobre a dela e tudo que pôde divisar foi o
olhar selvagem e escuro de Alan.
— Não posso viver sem você. — declarou ele num sussurro que fazia
eco aos pensamentos de Shelby. — Não permitirei que isso aconteça. — em
seguida os lábios quentes tomaram os dela e tudo mais foi esquecido no
delírio alucinado da paixão.
— Tem certeza de que não quer mais?
Duas horas mais tarde, Shelby se encontrava sentada com as pernas
cruzadas na cama, trajando um exíguo robe com motivos japoneses que lhe
deixava as pernas à mostra. Enfiou o garfo na embalagem de papelão e espetou
um pedaço da carne de porco ao molho agridoce. Atrás dela, a televisão
estava ligada, emitindo um som baixo com a tela apagada. Alan esticou-se
confortavelmente na cama, com a cabeça pousada na pilha de travesseiros.
— Não. — retrucou, observando-a comer os últimos pedaços da carne.
— Por que não conserta o aparelho de TV?
— Mais cedo ou mais tarde o farei. — redargüiu ela em tom vago, antes
de pousar a embalagem de comida no criado-mudo. Em seguida, levou a mão
ao estômago e suspirou. — Estou empanzinada. — exibindo um sorriso
luminoso, deixou o olhar vagar do rosto másculo e depois pelo corpo de
músculos firmes e pouco dilatados. — Imagino quantas pessoas na área
metropolitana de Washington sabem o quão maravilhoso é o senador
MacGregor trajando apenas roupas íntimas.
— Um grupo seleto.
— Deveria explorar mais sua imagem, senador. — sugeriu Shelby,
escorregando um dedo pelo dorso do pé longo e bem moldado. — Deveria
considerar a possibilidade de fazer um daqueles anúncios publicitários, como
os jogadores de futebol...
— Ainda bem que não é uma produtora de comerciais.
— Esse é o problema. — Shelby se deitou sobre o corpo másculo. —
Pense nas possibilidades...
— É o que estou fazendo. — replicou ele, deslizando a mão sob o robe
fino.
— Anúncios colocados com discrição em revistas de circulação
nacional, propaganda de trinta segundos no horário nobre. — Shelby escorou
os cotovelos nos ombros largos. — Eu iria gostar
— Pense no rumo que isso poderia tomar. Os políticos de todos os
cantos do mundo vestidos apenas com seus respectivos shorts.
Ela deu de ombros enquanto a cena se formava em sua mente.
— Deus! Isso poderia precipitar uma calamidade nacional.
— Mundial. — corrigiu ele. — Uma vez que a bola estivesse em jogo,
não haveria como parar.
— Está bem, já me convenceu. — rendeu-se Shelby, depositando um
beijo estalado na face máscula. — É seu dever patriótico manter-se vestido.
Exceto aqui. — acrescentou com um brilho malicioso no olhar, enquanto
brincava com o cós da cueca de Alan.
Rindo divertido, ele lhe tomou os lábios num beijo sensual.
— Shelby... — a língua quente roçou a dele, enquanto Alan envolvia-lhe
a nuca com uma das mãos com mais firmeza. — Shelby. — repetiu instantes
depois. — Há algo que queria lhe falar mais cedo, e estou correndo o risco de
me distrair de novo.
— É mesmo? — ela deslizou os lábios pela curva do pescoço longo.
— Tenho um programa para este final de semana.
— Oh? — Shelby limitou-se a dizer, mordiscando-lhe o lóbulo da
orelha.
Num gesto de defesa, Alan rolou sobre ela, mantendo-a cativa sob o
corpo.
— Recebi um telefonema de meu pai esta tarde.
— Ah! — um brilho maroto iluminou os olhos acinzentados. — O
latifundiário.
— O título combina com ele — concordou Alan, capturando-lhe as
mãos para evitar que Shelby lhe embotasse a mente com o toque macio e
suave. — Parece-me que Daniel MacGregor planejou um de seus famosos fins
de semana familiares. Quero que me acompanhe.
Ela ergueu uma das sobrancelhas.
— Para a fortaleza MacGregor em Hyannis Port? Desarmada?
— Hastearemos a bandeira branca.
Shelby desejava acompanhá-lo e ao mesmo tempo negar-se a ir uma
visita à família de Alan a aproximava do compromisso final que vinha
cuidadosamente evitando. Perguntas, especulações... Não haveria como evitá-
las. Alan desvendou-lhe o pensamento de forma tão precisa como se Shelby
tivesse dado voz a ele. Tentando afastar a frustração que o assolara, decidiu
mudar de tática.
— Recebi ordens para levar aquela garota... — começou ele,
observando os olhos cinza se estreitarem. —... Filha daqueles ladrões e
assassinos Campbell comigo.
— Foram estas as palavras de seu pai?
— Exatamente. — retrucou Alan em tom suave.
Shelby ergueu o queixo.
— Quando partiremos?
CAPÍTULO X
— Olá!
Shelby disfarçou um bocejo enquanto descia pela última curvatura da
escada e deparava com Serena.
— Oi!
— Ao que parece, apenas nós duas não estamos envolvidas com alguma
tediosa atividade produtiva esta manhã. Tomou o desjejum?
— Não. — redargüiu Shelby, levando a mão ao estômago. — Estou
faminta.
— Ótimo. Costumamos tomar o café da manhã na sala de desjejum ao
lado da cozinha, já que cada um de nós tem horários diferentes. — informou
Serena, enquanto desciam o último degrau da escada. — Caine costuma
levantar ao amanhecer, um hábito pelo qual sempre tive vontade de esganá-lo
quando criança. Alan e meus pais também acordam cedo. Diana considera oito
horas um horário avançado para qualquer pessoa se levantar e Justin possui
um relógio interno que ainda não consegui compreender. De qualquer forma,
agora tenho uma boa desculpa para me demorar na cama. — afirmou,
acariciando o ventre abaulado. Shelby sorriu, divertida.
— Pois eu não dou nenhuma justificativa.
— Faz muito bem.
Serena entrou na sala ensolarada que teria sido considerada muito
ampla e formal por qualquer pessoa, exceto para os padrões de Daniel
MacGregor. Cortinas finas de um azul intenso pendiam das janelas altas presas
por grossas borlas. O carpete Aubusson possuía tons de azul-claro com
motivos dourados.
— Jamais me cansaria deste lugar. — disse Shelby, vagueando o olhar
de uma travessa Chippendale para uma coleção de vasilhas de estanho da
Nova Inglaterra.
— Nem eu — concordou Serena com uma risada. — Gosta de waffles?
A oleira sorriu por sobre o ombro.
— Adoro.
— Sabia que iria gostar de você. — declarou a irmã de Alan,
assentindo com um gesto de cabeça. — Volto já. — avisou, antes de disparar
pela porta lateral.
Sozinha, Shelby pôs-se a explorar o ambiente suntuoso. Estudou com
atenção uma paisagem francesa em uma das paredes e inspirou o aroma das
flores num vaso de cristal. Levaria todo o final de semana para conhecer os
vários cômodos da residência, decidiu. Ainda assim, sentia-se à vontade
naquele lugar, concluiu, enquanto olhava através de uma das janelas o gramado
que se descortinava ao sul. Sentia-se tão confortável com a família de Alan
como com a sua própria. Deveria ser tão simples para eles amar, casar e ter
filhos... Com um longo suspiro, recostou a cabeça na vidraça.
— Shelby?
Empertigando-se, girou para encontrar Serena observando-a.
— Trouxe café. — disse depois de breve hesitação. Não esperava
encontrar os ternos olhos cinza melancólicos. — Os waffles ficarão prontos
em minutos.
— Obrigada. — agradeceu a oleira, acomodando-se à mesa, enquanto
Serena servia o café. — Alan contou-me que dirige um cassino em Atlantic
City.
— Sim. Justin e eu somos sócios nele, e em vários outros hotéis. O
resto... — acrescentou, erguendo a xícara. —... Ele gerencia sozinho... Por
enquanto.
Shelby exibiu um sorriso largo, apreciando a companhia daquela mulher
decidida e vivaz.
— Pretende convencê-lo de que ele precisa de uma sócia nos demais
negócios.
— Um de cada vez. Aprendi muito bem a lidar com ele no último ano...
Principalmente depois que Justin perdeu uma aposta e teve de casar comigo.
— Terá de me explicar isso melhor.
— Justin é um jogador nato. E eu também. Tiramos a sorte na moeda. —
sorriu, relembrando a aposta. — Cara, eu ganho, coroa, você perde.
Soltando uma gargalhada sonora, Shelby pousou a xícara.
— Suponho que a moeda era sua.
— Pode apostar sua vida. Ele sabia disso, mas nunca o deixei ver
aquela moeda. — com um gesto inconsciente, acariciou o ventre proeminente.
— Tenho de mantê-lo na linha.
— Seu marido é louco por você. — murmurou Shelby. — É fácil notar
pela maneira como ele a olha.
— Passamos por muita coisa juntos. — Serena imergiu no silêncio,
relembrando os meses conturbados que se seguiram ao primeiro encontro dos
dois. O amor que crescera apesar dos problemas e o medo que sentiu antes de
aceitar o compromisso final. — Caine e Diana também. — continuou. — Meu
marido e a irmã tiveram uma infância difícil, o que os tornam resistentes a se
doarem a alguém. Estranho, acho que o amo desde a primeira vez em que o vi,
embora não tivesse me dado conta. O mesmo aconteceu com Caine e Diana. —
fez uma pausa, pousando os olhos cálidos e meigos em Shelby.
— Os MacGregors sabem bem o que querem.
— Imaginava se Alan seria capaz de se apaixonar até que o vi com
você. — esticou a mão por sobre a mesa para tocar a da namorada do irmão.
— Fiquei feliz ao perceber que não é o tipo de mulher que temia que ele
encontrasse.
— E que tipo era esse? — inquiriu Shelby, com um sorriso tênue.
— Uma loura fria e calculista com mãos macias e maneiras impecáveis.
— informou Serena com olhar zombeteiro. — Alguém com quem eu odiasse
tomar café da manhã.
Sorrindo, Shelby sorveu um gole da bebida quente e meneou a cabeça.
— Seria o par ideal para o senador Alan MacGregor.
— Perfeita para o título. — contra argumentou Serena. — Não para o
homem. E o homem em questão é meu irmão. Alan é muito sério algumas
vezes, trabalha duro... Preocupa-se muito. Precisa de alguém que o ajude a
relaxar e sorrir.
— Acho que todos precisamos. — afirmou Shelby.
Percebendo a sombra de melancolia nos olhos cinza mais uma vez,
Serena foi invadida por uma onda de simpatia. Com dificuldade, lutou para
não ceder a ela, sabendo que na maioria das vezes a simpatia podia levar à
interferência.
— Não estou especulando... Bem talvez um pouco. Só queria que
soubesse como me sinto. Amo Alan. Muito.
Shelby fitou a xícara vazia por um longo instante antes de erguer o olhar
para fitá-la.
— Eu também.
Serena recostou-se no assento, vasculhando a mente por algumas
palavras de sabedoria.
— Nunca é fácil, não é?
Shelby meneou a cabeça outra vez.
— Nem um pouco.
— Enfim decidiu acordar. — a voz macia e grave de Alan quebrou o
silêncio, enquanto adentrava a sala de desjejum. Embora notasse o clima de
confidencialidade entre as duas, resolveu ignorá-lo.
— Ainda não são dez horas. — defendeu-se Shelby, inclinando a
cabeça para trás para receber o beijo de Alan. — Você comeu?
— Há horas. Ainda tem café?
— Muito. — informou Serena. — Pegue uma xícara no buffet. Viu
Justin?
— Está lá em cima com papai.
— Ah! Conspirando sobre algum brilhante esquema financeiro.
— Pôquer aberto. — corrigiu Alan, servindo-se de café. — Papai já
está devendo quinhentos.
— E Caine?
— Trezentos.
Serena tentou aparentar desaprovação, mas não teve êxito.
— Não sei como fazer para impedir Justin de continuar depenando
minha família. Quanto você perdeu?
Alan deu de ombros e tomou um gole do café.
— Cento e setenta e cinco. — e voltando o olhar para Shelby, sorriu
divertido. — Só jogo com Justin por razões diplomáticas. — Ante a expressão
curiosa estampada nos olhos cinza, recostou-se ao buffet. — E um dia juro que
o vencerei.
— Não acredito que o jogo seja liberado neste estado. — brincou
Shelby, volvendo o olhar à travessa de waffles que estava sendo trazida. —
Suponho que a multa seja bem pesada.
Ignorando-a, Alan fitou a bandeja.
— Vão comer tudo isso?
— Sim. — retrucou Shelby, derramando uma camada generosa de
melado sobre eles. — Já que clubes exclusivos para homens são arcaicos,
chauvinistas e inconstitucionais, acho que posso participar do jogo.
Alan assistia atônito, enquanto os waffles desapareciam da travessa.
— Nenhum de nós considera que dinheiro possua um gênero. —
replicou, enrolando em um dedo um cacho dos cabelos ruivos. — Está
preparada para perder?
Shelby sorriu, enquanto levava o garfo aos lábios.
— Não tenho esse costume.
— Acho que vou assistir um pouco. — considerou Serena. — Onde
estão mamãe e Diana?
— No jardim. — informou o irmão. — Diana queria colher algumas
sementes para o jardim da casa que ela e Caine acabaram de comprar
— Isso nos daria uma ou duas horas — declarou Serena com um gesto
de cabeça, enquanto se erguia.
— Sua mãe não aprova o jogo?
— Os cigarros do Sr. MacGregor. — corrigiu a irmã de Alan, enquanto
deixavam a sala de desjejum. — Papai os esconde dela... Ou mamãe permite
que ele pense assim.
Recordando os olhos serenos e observadores de Anna, Shelby tomou
por verdadeira a segunda opção. Como o filho, não deveria perder nenhum
detalhe.
Ao se aproximarem da escada que levava à torre, ouviram a voz
retumbante de Daniel:
— Droga, Justin Blade. Tem uma sorte dos diabos! Vejamos se um
Campbell pode fazer melhor.
— Sangue novo. — anunciou Alan da soleira da porta.
Uma nuvem de fumaça e o aroma acentuado do tabaco caro enchiam o
ambiente. Ocupavam a mesa arcaica e ampla de Daniel. Os três homens
ergueram o olhar quando Shelby e Serena adentraram o escritório.
— Não gosto de depenar minha própria esposa. — comentou Justin,
lançando a ela um sorriso maroto com o cigarro preso entre os dentes.
— Não terá sequer a oportunidade de tentar. — retrucou Serena,
acomodando-se no braço da cadeira onde estava o marido e suspirando fundo.
— É Shelby quem vai jogar.
— Uma Campbell! — exclamou Daniel, esfregando as mãos uma na
outra. — Muito bem, veremos para onde soprará o vento. Sente-se, moça.
Aposta mínima de três, limite de dez dólares, de valete para cima, para
começar.
— Se pensa que vai compensar suas perdas em cima de mim, —
começou Shelby, tomando o assento — está muito enganado.
Daniel assoviou em aprovação.
— Distribua as cartas, garoto. — ordenou a Caine. — Ande!
Levou menos de dez minutos para Shelby descobrir que Justin Blade era
o melhor jogador que jamais conhecera. E tinha freqüentando muitas mesas de
jogo... Elegantes ou não. Daniel era um participante desafiador, Caine jogava
com uma combinação de impulso e habilidade, mas o cunhado de Alan era
nato. E ganhava sempre. Por saber que estava diante de um jogador muito
superior a ela, decidiu tentar aquilo em que era melhor: arriscar a sorte, pura e
simplesmente.
Postado de pé atrás dela, Alan a observou descartar duas copas,
optando por fazer uma seqüência de naipes menores. Meneando a cabeça,
contornou a mesa para se servir de mais de um pouco de café.
Gostava de vê-la daquela forma. Os cotovelos próximos dos do pai, as
cabeças cor de fogo, inclinadas para o lado, enquanto estudavam as cartas. Era
estranha a forma como aquela mulher se impregnara em sua vida, sem muito
rumor, porém com uma promessa de eternidade. Shelby se encaixava
perfeitamente no estranho escritório da torre, jogando pôquer envolta em
fumaça e o café esfriando nas xícaras. E também seria perfeita em um baile de
gala em Washington, em um salão iluminado por luz e brilho, sorvendo
champanhe em uma taça de cristal.
Assim como se ajustava com perfeição a seus braços à noite, como
nenhuma outra mulher. Precisava de Shelby em sua vida, assim como de
alimento, água e ar.
— Um par de ases. — anunciou Daniel com um olhar petulante.
Justin pousou as cartas com calma e o enfrentou.
— Dois pares. Valetes e setes. — recostou-se à cadeira, enquanto Caine
resfolegava de desgosto.
— Seu... — frustrado, Daniel estacou, alternando o olhar entre as duas
mulheres presentes. — Que o diabo o carregue, Justin Blade!
— Está lhe dando a vitória prematuramente. — manifestou-se Shelby,
expondo o jogo na mesa. — Uma seqüência de cinco a nove.
Alan fez o caminho de volta e postou-se atrás dela para observar a
mesa.
— E ela descartou o seis e o sete!
— Só uma bruxa infame faria uma jogada dessas. — afirmou Daniel.
— Ou uma infame Campbell. — contrapôs Shelby em tom casual.
O pai de Alan estreitou o olhar.
— Distribua as cartas.
Justin sorriu para Shelby enquanto ela dava as cartas.
— Bem-vinda a bordo. — disse em tom suave, e irrompeu em uma
gargalhada.
Jogaram por uma hora, com Shelby seguindo um sistema ilógico, mas
mantendo a cabeça para fora da água. Em outra situação, não teria considerado
nada impressionante ganhar apenas vinte e cinco dólares. Considerando seu
oponente, no entanto, deu-se por satisfeita. No instante em que Daniel escutou
os passos da esposa na escada, apagou a metade do cigarro de sete dólares e
escondeu o cinzeiro embaixo da mesa.
— Apostarei cinco. — declarou em seguida, recostando-se à cadeira.
— Ainda não abriu. — lembrou-o Shelby, em tom suave. Em seguida,
pegou uma bala de hortelã do pote que se encontrava sobre mesa e a colocou
na boca do pai de Alan. — Tem de apagar todos os vestígios, MacGregor.
Daniel exibiu um sorriso largo e despenteou-lhe os cabelos.
— Boa moça, Campbell ou não.
— Deveríamos ter imaginado que estariam ocupados perdendo dinheiro
para Justin. — disse Anna assim que adentrou o escritório com Diana atrás
dela.
— Perdeu apenas para a trapaça de nossa nova jogadora. — informou
Caine, estendendo a mão para a esposa.
— Já estava em tempo de alguém competir com Justin. — replicou
Diana, envolvendo o pescoço do marido com os braços e descansando o
queixo sobre os cabelos loiros e cheios. — Anna e eu estávamos pensando em
nadar antes do almoço. Alguém está interessado?
— Ótima idéia — manifestou-se Daniel, empurrando o cinzeiro com o
pé para que ficasse mais escondido. — Você nada, moça?
— Sim. — retrucou Shelby, pousando as cartas na mesa. — Mas não
trouxe traje de banho.
— Tem um armário cheio deles no balneário. — interveio Serena. —
Tenho certeza de que vai achar um que lhe sirva.
— É mesmo? — a oleira fitou Alan nos olhos. — Que prático! Um
armário repleto de roupas de banho.
Vinte minutos mais tarde, Alan encontrava-se relaxando na sauna. Dessa
vez, ladeado por seu irmão e Justin. Recostando-se ao assento, permitiu que os
músculos afrouxassem e relembrou a maciez úmida da pele de Shelby quando
a tomou nos braços naquele mesmo lugar.
— Tem bom gosto. — comentou Caine, recostando os ombros na parede
lateral. — Embora tenha me surpreendido.
Alan entreabriu os olhos o suficiente para focar o irmão.
— É mesmo?
— Sua namorada não se parece em nada com a loira clássica com um...
Bem... Corpo interessante com quem estava saindo meses atrás. — e erguendo
um joelho para se acomodar com mais conforto. — Ela não resistiria a cinco
minutos de Daniel MacGregor.
— Shelby é especial.
— Tenho de respeitar alguém que descarta naipes de uma seqüência
num jogo de pôquer. — interveio Justin, espreguiçando-se em um banco acima
do de Alan. — Serena acha-a perfeita para você.
— É sempre bom ter a aprovação da família. — disse Alan em tom
seco.
Justin apenas sorriu, cruzando as mãos atrás da cabeça.
— Os MacGregors têm o hábito de interferir nesse tipo de assunto.
— Ele fala por experiência própria. — afirmou Caine, afastando os
cabelos úmidos da testa. — No momento, estou apreciando a preocupação do
velho com Alan. Isso afasta a mim e a Diana dos holofotes.
— Eu pensei que ele estivesse tão envolvido com a chegada do futuro
neto que não conseguisse despender energia em mais nada. — Alan descansou
o braço no banco superior e deixou o suor escorrer pelo corpo.
— Droga! Não descansará enquanto não estiver envolvido até o
pescoço com um pequeno MacGregor ou Blade. — Caine sorriu. — Tenho
pensado sobre isso.
— Pensar não produzirá outro comanche-escocês. — afirmou Justin em
tom preguiçoso.
— Diana e eu decidimos fazer uma experiência com nosso sobrinho ou
sobrinha primeiro.
— Como é estar às portas da paternidade? — inquiriu Alan.
Justin ergueu o olhar para o teto de madeira, recordando a sensação de
sentir a vida pulsando sob sua mão. Dentro da mulher amada. Eletrizante. A
imagem de Serena nua, esperando um filho dele. Linda. Lembrou como se
sentiu algumas madrugadas, com o cálido corpo da esposa tão próximo.
— Maravilhoso. — murmurou. — E assustador, afinal bebês trazem
consigo uma série de questionamentos para sua vida. Quanto mais o desejo, à
medida que o tempo se aproxima, mais atemorizado fico. — fez um esforço
para dar de ombros na posição em que se encontrava. — E mais curioso me
sinto em ver como aquela parte de mim e Serena se parecerá.
— Linhagem forte. — afirmou Caine. — Sangue bom.
Justin soltou uma risada e fechou os olhos.
— Ao que parece, Daniel decidiu pensar o mesmo sobre os Campbells.
Vai se casar com ela?
— Aqui. No outono.
— Droga! Por que não me disse? — indagou Caine.
— Papai teria uma boa desculpa para abrir aquela safra de champanhe
que mantém escondida em sua reserva.
— Shelby ainda não sabe. — retrucou Alan em tom casual. — Acho
melhor que ela tome conhecimento primeiro.
— Ela não me parece o tipo de mulher que se conforma em ser apenas
participada.
— Bem observado. — Alan concordou com Justin.
— Eu tentei pedi-la em casamento. Mais cedo ou mais tarde terei de
mudar de estratégia.
Caine franziu o cenho.
— Ela recusou?
O senador abriu os olhos outra vez.
— Deus! Há horas em que parece o papai. Ela não negou... Ou
concordou. O pai de Shelby era o senador Robert Campbell.
— Robert Campbell. — repetiu Caine. — Oh, entendo. Ela tem
problemas com sua profissão. O pai dela estava concorrendo às eleições
primárias quando foi assassinado, não foi?
— Sim. — Alan captou a pergunta tácita nos olhos do irmão. — Sim.
Pretendo concorrer quando chegar a hora certa. — era a primeira vez que dava
voz àquela decisão. Oito anos não era muito tempo para se preparar para uma
estrada tão árdua e longa. Deixou escapar um longo suspiro. — É algo que eu
e Shelby precisamos discutir.
— Nasceu para isso, amigo. — afirmou Justin. — Não pode dar as
costas à sua vocação.
— Não. Mas preciso dela. Se eu tiver de fazer uma escolha...
— Optaria por ela. — finalizou Caine, entendendo perfeitamente o que
significava encontrar o verdadeiro amor. A mulher certa. — Mas me pergunto
se os dois poderão conviver com isso.
Alan se quedou silente por um longo instante. Em seguida, voltou a
fechar os olhos.
— Não sei.
A escolha, de uma forma ou de outra, o partiria em dois.
A casa parecia vazia e silenciosa, mas não havia lugar para onde Alan
quisesse ir. Forçou-se a dar a Shelby um dia inteiro sozinha, mas quase
enlouqueceu na sexta-feira, ao descobrir que ela não se encontrava em lugar
algum. Vinte e quatro horas mais tarde, ainda tentava chamar à razão a si
mesmo.
Shelby tinha o direito de ir aonde escolhesse quando achasse melhor.
Não havia por que esperar que ela lhe desse qualquer satisfação. O fato de ela
haver decidido sair por alguns dias não lhe dava o direito de ficar aborrecido
ou mesmo preocupado.
Ergueu-se da mesa em seu escritório para vaguear pelo aposento. Onde
diabos se metera aquela mulher? Por quanto tempo ficaria fora? Por que ao
menos não lhe avisara que partiria?
Frustrado, enfiou as mãos nos bolsos. Sempre tivera o talento para
encontrar as soluções de seus problemas. Se não funcionasse de um modo,
tentava de outro, mas sempre havia uma resolução viável. Era apenas uma
questão de tempo e paciência. Porém, havia perdido a última. Sentia-se ferido
como nunca antes... Em todos os sentidos e irremediavelmente.
Quando a encontrasse iria... O quê?, perguntou a si mesmo. Forçá-la,
rogar, suplicar? O que lhe restara? Podia entregar parte de sua vida àquela
mulher e ainda se sentir completo, mas, sem Shelby, nunca passaria de um
espectro de homem. Ela roubara algo precioso dele e em seguida trancara a
porta, refletiu, furioso. Não... Ele lhe ofertara por livre-arbítrio, embora
Shelby relutasse em aceitar seu amor. Não podia tomá-lo de volta, mesmo que
ela desaparecesse de sua vida.
Aquela cabeça-dura era capaz de fazê-lo, concluiu, tomado de uma
repentina onda de pânico. Shelby podia fazer suas malas e desaparecer sem
deixar rastros. Não permitiria! Franziu o cenho, fitando o telefone outra vez.
Primeiro a encontraria e depois lidaria com ela de uma forma ou de outra.
Começaria contatando a mãe de Shelby e depois todos os seus
conhecidos. Sorriu, satisfeito com a própria decisão, e pegou o telefone. Com
os conhecimentos de Shelby, a tarefa poderia durar metade da semana.
Mas antes que pudesse discar qualquer número, a campainha da porta
soou. Alan deixou que tocasse três vezes antes de se recordar de que McGee
estava na Escócia. Deixando escapar uma imprecação, bateu com o fone no
gancho com mais força que o necessário e rumou para a porta de entrada.
O mensageiro lhe sorriu, polido.
— Uma encomenda para o senhor, senador. — declarou em tom cordial,
estendendo-lhe um saco plástico transparente. — Vocês políticos são mesmo
estranhos. — acrescentou, antes de partir. Enquanto observava o saco que
segurava em uma das mãos, Alan fechou a porta. Nadando frenético na água
contida no plástico, havia um peixe dourado.
Com passos lentos, avançou pela sala de visitas, analisando o presente
com olhar circunspeto. Que diabos iria fazer com aquilo?, imaginou.
Impaciente com a interrupção, apressou-se em pegar um globo de vidro
transparente e derramou o conteúdo do plástico nele. Após descartar o
invólucro vazio, abriu o pequeno cartão que se encontrava pregado a ele.
FIM
Digitalização: Silvia