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RIO DE JANEIRO
2013
Karina Barbosa Cancella
RIO DE JANEIRO
2013
FICHA CATALOGRÁFICA
________________________________________________________
Prof. Dr. João Manuel Casquinha Malaia Santos
PPGHC – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Orientador
________________________________________________________
Prof. Dr. Victor Andrade de Melo
PPGHC – Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo André Leira Parente
PPGH – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
________________________________________________________
Profa. Dra. Gracilda Alves (suplente)
PPGHC – Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Fortes Soares (suplente)
Lab. Comunicação e História - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha mãe, expressando em algumas linhas minha profunda e
amorosa gratidão, uma vez que superando todos os desafios, dedicou sua vida a me dar bons
exemplos e apoio em todas as minhas decisões, mesmo que por muitas vezes não as
compreendesse de imediato. Foi mãe, pai, amiga, conselheira, tudo o que precisei e muito
mais do que podia entender em diversos momentos. Por tudo isso, pelo que representa na
minha vida e pela pessoa maravilhosa que é, agradeço do fundo do coração.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. João Manuel Casquinha Malaia Santos, orientador deste trabalho, por sua
total dedicação e pelas preciosas contribuições para esta pesquisa e para minha vida
profissional e acadêmica, meu profundo e sincero agradecimento.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
apoio financeiro durante o período de realização deste Mestrado.
Aos Prof. Dr. Victor Andrade de Melo e Prof. Dr. Paulo André Leira Parente por suas
considerações que foram fundamentais para o desenvolvimento qualitativo deste trabalho.
Aos meus companheiros do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer
(UFRJ) por todas as discussões teóricas e contribuições para o aprimoramento da pesquisa.
A todos os professores, funcionários e colegas de Mestrado e Doutorado do Programa
de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro por
toda a atenção ao longo deste curso.
Aos inúmeros mestres que, desde o início de minha caminhada acadêmica, me
auxiliaram na construção dos conhecimentos que serviram como base para este trabalho.
Ao Ministério da Defesa e à Comissão Desportiva Militar do Brasil (CDMB) pela
atuação em prol do desenvolvimento do esporte militar brasileiro e as atenções dispensadas ao
longo da coleta dos materiais para a pesquisa.
À Marinha do Brasil, aos comandantes e subordinados das organizações militares
“Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM)”, “Centro de
Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN)” e “Comissão de Desportos da
Marinha (CDM)” pelo apoio, contribuições e disponibilização de materiais fundamentais para
o desenvolvimento da pesquisa.
Ao Exército Brasileiro, aos comandantes e subordinados das organizações militares
“Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx)”, “Comissão de Desportos do Exército
(CDE)”, “Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército (IPCFEx)” e “Museu do
Desporto do Exército” pelas colaborações e acesso aos materiais disponíveis.
À Força Aérea Brasileira, aos comandantes e subordinados das organizações militares
“Universidade da Força Aérea (UNIFA)” e “Comissão de Desportos da Aeronáutica (CDA)”
pela disponibilidade e atenção ao longo da pesquisa.
Aos funcionários da Biblioteca Nacional pela atenção de sempre.
Dedico agradecimentos especiais a minha família que, de formas diferentes, contribuiu
para meu amadurecimento e equilíbrio, fundamentais a esta caminhada.
Ao Léo (ou Prof. Dr. Mataruna), ao meu amado companheiro, amigo, parceiro de
todas as horas, incentivador incansável, sempre orientador e crítico e muito mais confiante do
que eu em minhas capacidades, agradeço pelo apoio e dedicação em todo esse tempo juntos.
Aos meus amigos pelo carinho de sempre e pela paciência e compreensão das
ausências em tantos momentos.
EPÍGRAFE
MARINHA DO BRASIL
“Para nós officiaes de marinha essa corrente de symphatia pelos exercícios vigorosos é de
inestimável alcance, porque la encontraremos um viveiro abundante de moços fortes,
habituados ao mar, e aos trabalhos, no dia em que a Pátria ameaçada chame a postos seus
filhos para defenderem-na. Nesse dia então essa mocidade toda affeita as lutas, nessa
aprendizagem continua, mais forte, mais rija, tem para secundar o seu enthusiasmo pela pátria
o pulso mais vigoroso e o olhar mais excitado”. (Revista Marítima Brazileira. 2o. Semestre de
1902, p. 381-388).
EXÉRCITO BRASILEIRO
“Como se vê, é, pois, o football, o desporto do soldado, por excellencia! É elle, dentre todos
os desportos, o que melhor unifica todas as vontades; o que melhor disciplina os
temperamentos, modificando os vários instinctos dos que praticam [...] É no revigorar, com
elle, o physico da mocidade brazileira, civil ou militar o seja, cultivemos com amor, as bellas
qualidades moraes que nos inspiram os seus empolgantes torneios: Mens sana in corpore
sano”. (O Imparcial 22 de janeiro de 1920, p. 8)
RESUMO
Figura 3: Imagens publicadas na Careta dando destaque ao gol da vitória feito pelo Tenente
Benjamin Sodré para o Botafogo............................................................................................115
Figura 4: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre
Exército e Marinha no campo do Clube de Regatas Flamengo – Taça Flamengo 1920........142
Figura 5: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre
Exército e Marinha no campo do Clube de Regatas Flamengo – Taça Flamengo 1921........143
Figura 7: Equipe de Tiro nos Jogos Olímpicos da Antuérpia: Fernando Soledade, Tenente
Guilherme Paraense, Afrânio Costa, Tenente Mário Maurity e Dario Barbosa.....................152
Figura 10: Fotografias dos campeões de Tiro, das provas de atletismo e boxe dos Jogos do
Centenário. Em destaque na foto com número 5 o marinheiro Góes Neto, classificado como o
melhor pugilista do Brasil.......................................................................................................169
LISTA DE QUADROS
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO..........................................................................................01
2.2 Para um soldado mais forte e preparado, uma formação melhor: medidas para
reformulação do processo de treinamento dos militares brasileiros.............................43
2.4 Tensões políticas e busca constante por reformas: as Revoltas da década de 1890 e
os projetos de melhorias para as FFAA........................................................................54
2.6 Povo forte e cidade renovada: os projetos do governo Rodrigues Alves e suas
relações com o esporte e as FFAA................................................................................73
4.1 Atuação das Ligas Esportivas Militares: fundação e primeiras ações de promoção
do esporte....................................................................................................................119
4.2 Militares nos Jogos Olímpicos: a primeira representação brasileira nos Jogos da
Antuérpia de 1920 e os Jogos Olímpicos do Centenário............................................150
Fontes.........................................................................................................................180
Leis e Decretos...............................................................................................180
Relatórios Ministeriais....................................................................................180
Periódicos........................................................................................................185
Referências analisadas...............................................................................................191
Obras de Referência.........................................................................................191
Teses e Dissertações........................................................................................196
Sites Institucionais...........................................................................................203
1
1
INTRODUÇÃO
2
1
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1916. Anexo A, p. 1.
2
BRASIL. Diário Oficial da União de 29 de junho de 1915, Seção 1, p. 5.
3
A organização esportiva tendo como base a criação de ligas foi um movimento constante em fins do século
XIX e início do século XX em todo o mundo, não estando o Brasil distante deste processo. As ligas esportivas
podem ser compreendidas como instituições responsáveis pela administração dos interesses dos clubes das
diferentes modalidades, atuando como normatizadoras das práticas através de regras impostas (e aceitas) pelas
equipes integrantes das ligas. O aceite por parte dos clubes das determinações com relação à organização dos
campeonatos, sistemas de promoção e rebaixamento eram partes fundamentais para o efetivo funcionamento
destas instituições. As primeiras ligas esportivas fundadas no mundo foram a Liga Inglesa de Futebol e a Liga
Norte-Americana de Beisebol, ambas no ano de 1871 (MALAIA, 2010). As estruturas específicas das Ligas
Esportivas Militares brasileiras, suas principais áreas de atuação e sua organização interna serão detalhadas e
discutidas na quarta parte desta dissertação.
4
A partir deste momento, a sigla FFAA será utilizada para Forças Armadas.
5
O termo “esporte moderno” foi forjado em contraponto às práticas corporais identificadas desde a Antiguidade.
No caso desta pesquisa, como mecanismo para garantir maior fluidez ao texto, o termo “esporte” estará sempre
se referindo ao conceito de “esporte moderno”. Este conceito, de acordo com Victor Melo (2010), pode ser
definido como um movimento característico da modernidade, organizado em torno de entidades representativas
com regras definidas e calendário de atividades próprio. Estas práticas envolveriam, ainda, diferentes áreas de
atenção como treinadores, gestores, profissionais de saúde. Esta estrutura em torno da atividade é o principal
ponto de diferenciação com as demais práticas corporais.
3
Esportivos.6 O Brasil, em 2011, foi palco de um dos mais consagrados eventos esportivos
militares: os 5º. Jogos Mundiais Militares - Os Jogos da Paz,7 realizados na cidade do Rio de
Janeiro no período de 16 a 24 de julho.
Atualmente, percebe-se o esporte como um fenômeno consagrado e praticado no meio
militar em todo o mundo como ferramenta de preparação do corpo e também na forma
competitiva e de lazer, além de elemento de projeção do poder e força das instituições. Ao
longo de todo o século XX, a prática do esporte e da atividade física nas FFAA ampliou-se de
maneira significativa, tendo participação inclusive no processo de estabelecimento das
primeiras escolas de formação em Educação Física do país e atuação significativa na
organização de megaeventos esportivos no Brasil, caso dos Jogos do Centenário de 1922.
Entretanto, algumas questões sobre este processo suscitam interesses para os pesquisadores do
tema: de que forma o movimento esportivo, ao se estabelecer no Brasil no século XIX,
introduziu-se nas Forças Armadas? Que instrumentos as FFAA utilizaram para introdução e
legitimação deste movimento no interior de suas corporações? Quais foram as semelhanças e
8
diferenças na institucionalização do esporte na Marinha do Brasil (MB) e no Exército
Brasileiro (EB) 9?
Estes questionamentos sugerem a necessidade de uma análise do processo de inserção
da prática de atividade esportiva nas FFAA a fim de compreender os interesses e instrumentos
envolvidos na difusão deste movimento. Para tanto, vislumbra-se a possibilidade de analisar
comparativamente o processo de institucionalização do esporte nas FFAA no Brasil, assim
como de seus principais antecedentes.
6
Roche (2000 apud Dinces, 2005) define os Megaeventos como grandes eventos culturais, sejam comerciais ou
desportivos, com intenso caráter dramático, apelo popular de massa e importância internacional. A preparação de
um megaevento esportivo pode ser compreendida em três etapas: processo de planejamento e organização que o
antecede; a execução real e apresentação do evento; e seus impactos a longo prazo. O autor ainda destaca que os
megaeventos urbanos são normalmente concebidos e produzidos por grupos poderosos das elites locais e
apresentam poucas oportunidades democráticas de entrada de cidadãos no processo de elaboração política dos
projetos. Estas características de megaevento serão debatidas no quarto capítulo desta dissertação ao serem
analisadas as ações de organização dos Jogos Esportivos do Centenário da Independência do Brasil, no ano de
1922.
7
Os Jogos Mundiais, idealizados pelo Conseil International du Sport Militaire (CISM – Conselho Internacional
de Esporte Militar), instituição regulamentadora internacional do esporte militar fundada em 1948, ocorrem a
cada 4 anos, no ano anterior ao dos Jogos Olímpicos de Verão, com primeira edição em 1995 em Roma (ITA),
seguido de Zagreb (CRO) em 1999, Catânia (ITA) em 2003 e Hyderabad (IND), em 2007. Em 2010 foram
realizados os 1º. Jogos Mundias Militares de Inverno no Vale de Aosta (ITA) e os Jogos Mundiais de Cadetes
em Ankara (TUR).
8
A partir deste momento, a sigla MB passará a ser utilizada em referência à Marinha do Brasil.
9
A partir deste momento, a sigla EB passará a ser utilizada em referência ao Exército Brasileiro.
4
10
Sociedades nacionais como a North American Society of Sport History e internacionais como a International
Society for the History of Physical Education and Sport; Periódicos como Internation Journal, Sport History
Review e Journal of Sport History; de eventos científicos como o Congresso Internacional do Comitê Europeu
de História do Esporte (MELO, 2007a, p. 12-13).
5
com as diversas atuações das FFAA britânicas no período compreendido pela pesquisa
(MASON e RIEDI, 2010).
Para o caso francês, foi localizado uma Tese de Doutoramento defendida na
Universidade de Lion em 2010, de autoria de Arnaud Waquet intitulada “Football en guerre:
l’acculturation sportive de la population française pendant La Grande Guerre (1914-1919)”.
No trabalho, Waquet dedica-se a discutir o processo de aculturação esportiva ocorrido durante
a Primeira Guerra, identificando uma significativa redução na prática da ginástica e ampliação
do que chama de “desporto inglês”, com especial atenção para o futebol. Partindo desta
premissa, analisa as relações entre o futebol e a guerra e seus impactos sobre a população
francesa (WAQUET, 2010).
Como é possível perceber com estes breves relatos de estudos, as análises sobre
esporte militar na Europa e nos Estados Unidos abarcam diferentes aspectos do movimento e
suas relações com as FFAA e a sociedade. No caso brasileiro, as pesquisas bibliográficas
sobre a temática desta pesquisa apontaram uma significativa lacuna quanto a estudos
historiográficos sobre esporte militar. Apesar do processo histórico do fenômeno esportivo ter
atraído a atenção de áreas múltiplas, a inserção deste fenômeno no interior das estruturas das
instituições militares brasileiras e seu desenvolvimento ainda mostram-se pouco visitados
pelos pesquisadores. Foram localizados alguns estudos que se configuram como Dissertação
de Mestrado na área da Educação Física (EF), artigos publicados em revistas científicas e
obras de caráter enciclopédico também quase que totalmente produzidas por estudiosos da
área de EF.
Celso Castro, em seu artigo “In corpore sano - os militares e a introdução da educação
física no Brasil” publicado em 1997 na revista Antropolítica, dedica-se a tratar as
iniciativas militares para a introdução da educação física de forma sistematizada e
obrigatória no Brasil, na primeira metade do século XX. É examinada a
institucionalização da educação física tanto no Exército quanto nos estabelecimentos
civis de ensino, sua vinculação a concepções de defesa nacional e a tentativa de se
criar um “Método Nacional”, adaptado ao “temperamento” brasileiro (CASTRO,
1997, p. 61).
11
Fase da busca da Eugenia e de influência na formação de profissionais de Educação Física e de Medicina
Esportiva (1933 a 1941); Fase do uso do esporte na preparação para guerra e influência na administração
esportiva (1942 a 1967); Fase de cientificação do treinamento esportivo (1968 a 1979); Fase de valorização dos
esportes militares (1980 a 1989); Fase de reestruturação no sentido da ciência do esporte (1990 a 2000).
10
fundação em 1941, não se registra na obra qualquer discussão (e até mesmo menção) a
respeito do desenvolvimento deste movimento nas demais FFAA brasileiras.
Duas obras publicadas entre os anos de 2005 e 2007 merecem observações. De
organização de Lamartine Pereira DaCosta, o “Atlas do Esporte no Brasil”, publicado em
2005, tem como estrutura a composição de um catálogo de artigos sobre diferentes aspectos
do movimento esportivo no Brasil ao longo da história.12 Esta obra tem capítulos dedicados às
relações dos militares com o esporte, organizados internamente de forma exclusivamente
cronológica, apresentando as diferentes etapas de desenvolvimento do movimento nas FFAA
e Forças Auxiliares.13 A obra, apesar de não aprofundar discussões sobre as relações e
influências ocorridas durante o processo de estabelecimento do movimento esportivo nas
instituições, aponta informações e caminhos importantes.
A segunda obra de destaque é o “Dicionário Enciclopédico Tubino do Esporte”,
organizado por Manoel Tubino, Fábio Tubino e Fernando Garrido, publicado em 2007, e
estrutura-se, como o título da obra indica, em formato de dicionário. Composto por verbetes
elaborados por diversos pesquisadores, dedica espaços para a apresentação das diferentes
modalidades de esportes militares e as principais instituições ligadas ao movimento. Como as
demais, não realiza discussões mais complexas sobre os diferentes processos de
estabelecimento e institucionalização destas práticas.
Esta breve revisão bibliográfica buscou apresentar um levantamento do que já se
produziu sobre a temática do esporte militar no Brasil, assim como as principais abordagens e
enfoques destas produções. Como foi possível perceber na exposição, o material localizado
apresenta características de enfocar apenas uma temática ou uma instituição e suas relações
com o esporte, não discutindo o panorama mais amplo do movimento esportivo no interior
12
Artigos sobre a relação do esporte com as FFAA e Forças Auxiliares:
BOUCAS, Renato; RABELO, Adalberto; LACERDA, Rogerio. Polícias Militares do Brasil – Atividades físicas
e esportivas. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
CORREIA, Roberto. Comissão Desportiva Militar do Brasil – CDMB. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas
do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
GARRIDO, Fernando; LAGE, Ângela. O Esporte na Marinha do Brasil. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas
do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
MOREIRA, Sergio. Aeronáutica – esporte, Educação Física e aptidão física. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.)
Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
PUBLIO, Nestor Soares; CATALANO, Ivens Martini. Escola de Educação Física da Polícia Militar do estado de
São Paulo. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
SILVA, José da. Corpo de Bombeiros no Brasil – esporte e Educação Física. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.)
Atlas do Esporte do Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
SOEIRO, Renato. Exército Brasileiro – Atividades físicas e esportivas. In: DACOSTA, Lamartine. (Org.) Atlas
do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
SOEIRO, Renato; PINHEIRO, Rafael. Escola de Educação Física do Exército – EsEFEx. . In: DACOSTA,
Lamartine. (Org.) Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
13
Forças Auxiliares é o termo utilizado para designar as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros.
11
das FFAA. Por esta percepção, destaca-se mais uma vez a relevância do desenvolvimento de
uma pesquisa em perspectiva comparada dos processos de inter-relação e de influências que
ocorreram entre Exército e Marinha ao longo do desenvolvimento das práticas esportivas. A
contextualização destes processos com o panorama do esporte no Brasil no período mostra-se
fundamental com vistas a garantir uma compreensão mais aprofundada da complexidade e
dos objetivos no estabelecimento de tais práticas entre os militares.
14
Este período da década de 1910 foi marcado também pelas discussões sobre a criação da primeira entidade
esportiva nacional no Brasil, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD). A fundação das Ligas esportivas
nas FFAA, portanto, estava acompanhando um movimento maior que se desenvolvia no panorama do esporte no
Brasil. Este processo de fundação da CBD e a atuação dos militares neste movimento de criação de entidades
esportivas serão mais aprofundados ao longo deste trabalho.
12
A cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, foi a “porta de entrada” principal das
práticas esportivas, desde meados do século XIX, disseminando entre suas elites o apreço por
tais práticas (MALAIA, 2010). As condições que levaram o Rio de Janeiro a ser uma “cidade
esportiva” 15 foram analisadas por Victor Andrade de Melo, destacando as características que
propiciaram a introdução e disseminação das práticas esportivas na sociedade carioca no
século XIX e ao longo do século XX. Esta cidade, principal canal de entrada das novidades
europeias oitocentistas, passou por processos de mudança desde as primeiras décadas daquele
século que favoreceram a ascensão das ideias de necessidade de “civilizar e modernizar” o
país, iniciando as ações pela capital (MELO, 2001).
O desenvolvimento da industrialização, o crescimento da zona urbana e o surgimento
de outras camadas sociais, como os industriais, alteraram a estrutura sociocultural da cidade,
criando um ambiente propício ao crescimento do movimento esportivo, principalmente a
partir da segunda metade do XIX, com a ampliação das práticas esportivas vinculadas ao
cotidiano das cidades, como o caso do remo (MELO, 2001).16
Ao longo do processo de difusão do movimento esportivo no Brasil, inúmeras
instituições como clubes, escolas e também as FFAA, até então Exército e Marinha17, que
originalmente não apresentavam qualquer ligação com o esporte passaram a inserir tais
atividades entre suas funções.
15
Conceito cunhado por Victor Andrade de Melo em sua tese de Doutoramento, posteriormente publicada como
a obra “Cidade Sportiva: primórdios do esporte no Rio de Janeiro” no ano de 2001.
16
Este processo de intensificação das práticas esportivas nas áreas urbanas do Rio de Janeiro será discutido no
Capítulo 2.
17
A Força Aérea Brasileira foi criada em janeiro de 1941 através do Decreto-Lei N°. 2.961 que estabelecia a
criação do Ministério da Aeronáutica, efetivando a transferência de todos os militares que compunham a Arma
de Aeronáutica do Exército e o Corpo de Aviação Naval para a subordinação daquele Ministério. Como este
trabalho tem por objetivo analisar as ações dos militares brasileiros no campo esportivo no período
compreendido entre 1890 e 1922, a Força Aérea Brasileira não será alvo de observações.
13
O esporte passou, então, a figurar no seio das atividades das FFAA brasileiras, tendo
alguns militares participado do processo de difusão e regulamentação de diferentes
modalidades na sociedade.18 Além de contribuir para a ampliação do movimento esportivo no
Brasil, as FFAA ainda atuaram na introdução no país dos chamados “esportes militares”,
atividades criadas especificamente dentro das corporações militares envolvendo práticas
específicas onde são simuladas partes do treinamento funcional exigido pela atividade
militar.19 (CANCELLA e MATARUNA, 2012b).
A ginástica foi introduzida e passou a fazer parte do cotidiano dos militares brasileiros
e, mesmo após sua implementação em meio civil, ainda guardava muito das características
militarizadas. Como afirma Soares,
a ginástica, portanto, como expressão da cultura e como forma especifica e mais
especializada de uma educação do corpo urbano, guardou, assim, em seu conteúdo,
relações próximas e mesmo de dependência de instituições bastante fortes no
período, como a militar e a médica. Da primeira, cabe repetir, guardou as paradas, as
ordens coletivas, os uniformes, as bandeiras, as vozes de comando, as destrezas
arrojadas como forma de espetáculo coletivo, as ações ligadas ao salvamento de
pessoas, o auxílio a enfermos e proteção dos fracos, o transporte de pessoas e
utensílios em situações de perigo, como inundações, incêndios, desabamentos etc.;
da segunda, apropriou-se do universo de conhecimentos, privilegiando aqueles
consagrados na esfera científica do período e que se localizavam, sobretudo, na
anatomia, fisiologia, mecânica e higiene (2009, p. 145).
18
O remo e o iatismo são exemplos de esportes onde registra-se a participação de militares em seus processos de
institucionalização no Brasil. Estas ações serão detalhadas no Capítulo 2 desta dissertação.
19
Atualmente, o CISM reconhece como integrantes da categoria “esportes militares” de verão as modalidades:
Orientação, Paraquedismo, Pentatlo Aeronáutico, Pentatlo Naval, Pentatlo Militar e Tiro Esportivo. No entanto,
outras modalidades hoje já consagradas em meio civil e até mesmo integrantes do quadro dos Jogos Olímpicos
de Verão foram inicialmente praticadas quase que exclusivamente por militares, sendo posteriormente difundidas
para não-militares. Alguns exemplos são a Esgrima, Hipismo e o Tiro Esportivo. Nos 5º JMM, as competições
ocorreram em 20 modalidades organizadas em 05 categorias: Esportes Individuais (Atletismo, Natação,
Hipismo, Pentatlo Moderno, Vela, Triatlo), Esportes Coletivos (Basquete, Futebol, Vôlei), Esporte de Exibição
(Vôlei de Praia), Esportes Militares (Pentatlo Aeronáutico, Pentatlo Militar, Pentatlo Naval, Paraquedismo, Tiro,
Orientação), Esportes de Combates (Boxe, Esgrima, Judô, Taekwondo). (CISM, 2011; RIO2011, 2011).
14
20
A partir deste ponto a sigla LEM passará a ser utilizada em referência a Ligas Esportivas Militares.
21
Reforma proposta pelo então Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, o General Benjamin
Constant, e aprovada pelo Decreto n°. 981 de 08 de novembro de 1890 que previa uma reestruturação do ensino
público no Brasil. Dentre suas propostas, defendia o espaço das aulas de gymnastica nos dois ciclos da escola
primária, no currículo da Escola Normal e do Gymnasio Nacional. As propostas e os desdobramentos desta
reforma serão detalhados no Capítulo 2.
15
22
BRASIL. Diário Oficial da União de 26 de julho de 1922, seção 1, p. 1-4.
16
Como já apontado, o problema central a ser discutido nas análises reside nas relações
estabelecidas entre as práticas esportivas e seu papel de preparo do corpo, promoção da saúde
e difusão dos preceitos da modernidade com os projetos de reestruturação desenvolvidos por
cada uma das instituições militares em atividade no período. Neste contexto, percebe-se como
importante observar como estas Forças se organizaram no início da República e como
passaram a enxergar suas funções nesta nova sociedade brasileira que se buscava construir,
destacando o papel atribuído ao esporte e à atividade física neste processo de ressignificação
de funções.
23
O grupo alvo da pesquisa (militares) é composto por diferentes camadas hierárquicas: praças (soldados,
marinheiros, cabos e sargentos), suboficiais e oficiais (subalternos, intermediários, superiores e generais). A
inserção do esporte no quadro de atividades das FFAA, no entanto, foi uma iniciativa empreendida basicamente
por oficiais, sendo estes os responsáveis pelas decisões normativas e todas as instâncias de organização. Já no
âmbito da prática, os demais grupos (praças e suboficiais) eram participantes e estarão contemplados na
pesquisa, mas não compreendidos como integrantes desta “elite”.
21
iniciais das atividades esportivas. Portanto, identifica-se como importante a definição dos
conceitos de “disciplina” e “hierarquia” para a melhor elucidação destas relações.
A disciplina é neste trabalho compreendida a partir das proposições de Michel
Foucault (1984), sendo esta uma forma de poder e controle sobre o corpo que visa a sua
“domesticação”. Os corpos domesticados, ou dóceis como o autor refere, são de mais fácil
domínio e manipulação. O autor explora a concepção de poder a partir da disciplina. A
sociedade está submetida à força desta e, ao mesmo tempo, assume papel de disciplinadora,
uma vez que é utilizada para manter a ordem e a produtividade. Todas as instâncias da
sociedade buscam regular umas às outras, como um movimento contínuo e circular, onde a
disciplina e o controle assumem o papel principal de ordenadores da sociedade. No caso do
objeto desta pesquisa, a aplicação da disciplina é base de definição da estrutura das FFAA,
desde determinações comportamentais, passando pelos movimentos do corpo e até mesmo em
normas sobre vestimentas (sejam os uniformes ou as roupas fora das organizações militares).
As relações entre esporte e disciplina, utilizando a teoria de Foucault, já foram
debatidas por alguns autores. Edwards e Skinner (2001), analisando as relações de poder em
uma franquia de esporte profissional da Liga Nacional de Rugby australiana, aplicam as
concepções de Foucault sobre as questões disciplinares internas desta entidade esportiva. Os
autores afirmam que o poder disciplinador, dissolvido nas diferentes relações da sociedade,
emerge com as instituições modernas e utiliza basicamente três mecanismos: o exame, o
julgamento normatizado e a observação hierárquica. Para estes autores, estes mecanismos
poderiam ser compreendidos como uma metáfora da internalização dos mecanismos de
controle, sendo mais importante do que a vigilância dos supervisores a autovigilância aceita
pelos indivíduos e a naturalização deste processo. A atenção às regras, a cobrança por
resultados, não é somente feita pelos grupos superiores na hierarquia, mas sim, através de
tecnologias disciplinadoras (exposição de desempenhos individuais, bônus por produtividade,
exclusão de atividades, substituições), é fomentada a autocobrança e o controle sobre seus
companheiros dentro daquela mesma rede de poder.
Estes aspectos disciplinares específicos da organização esportiva e suas relações com
aqueles oriundos da estrutura militar foram alvo de análise ao longo da pesquisa. Como já
afirmado, as determinações hierárquicas também são características fundamentais tanto no
esporte como nas FFAA. A hierarquia é parte dos sistemas sociais que é utilizada como forma
de classificação e ordenamento, estabelecendo fronteiras e delimitando os espaços sociais
daqueles que determinam e daqueles que cumprem. Pode ser identificada nas mais diferentes
esferas sociais como no Estado, na religião, na família, na escola, no trabalho e também nas
22
aptitudes y el conocimiento requeridos para usar com eficacia amplios conjuntos de material
de archivo en más de una cultura, a no ser que el tema de la investigación esté muy
estrictamente” (GORTÁZAR, 1992, p. 53). A afirmação do autor refere-se às problemáticas
do método comparativo, mas sua observação pode ser também aplicada ao processo de
consulta à documentação. No caso desta pesquisa, o acesso e a preservação de fontes foram os
principais problemas identificados. O conjunto documental analisado para as atividades
desenvolvidas pela Liga de Sports da Marinha (LSM) no período de 1915 a 1923 é composto
por registros de atas das reuniões de diretoria, assembleias de representantes, comunicados de
organização de competições e resultados. Documentações similares não foram localizadas
para as atividades da Liga Militar de Football (1915-1920) e para a Liga de Sports do
Exército (1920-1929). As atividades desenvolvidas pela entidade diretiva de esportes no
Exército foram identificadas e analisadas a partir de registros de correspondências e
resultados de competições integrantes das atas da LSM; menções em relatórios e boletins
ministeriais e Diários Oficiais; e a partir das publicações efetivadas no jornal “O Imparcial”,
declarado como o órgão oficial de divulgação desta entidade esportiva.25 Em contraponto à
ausência de documentações específicas sobre o esporte no EB, identificou-se maior
ocorrência de pesquisas acadêmicas e obras publicadas sobre as atividades desta instituição na
área esportiva e em suas demais atuações ao longo da História do Brasil. No aspecto
bibliográfico, a defasagem foi identificada nas publicações sobre as atividades da Marinha do
Brasil, havendo também um desequilíbrio de material disponível. Considerando este aspecto
como uma problemática reconhecida da abordagem histórica em questão, esta pesquisa
procurou minimizar as possíveis deficiências através de observações e análises qualitativas
cuidadosas sobre os materiais selecionados, levando em conta as diferenças de quantitativo
aqui apresentadas.
O Corpus documental selecionado para esta pesquisa compreende documentos de
diferentes categorias. Segundo a definição de Pinsky (2006), existem pelos menos seis
categorias de fontes: fontes documentais, fontes arqueológicas, fontes impressas, fontes orais,
fontes biográficas e fontes audiovisuais. Para esta proposta, destacamos as categorias
documentais e impressas (englobando as fontes da imprensa na compreensão da autora), pois
foram as que se apresentaram mais profícuas à pesquisa.
25
O Imparcial 01 de outubro de 1915, p. 9.
25
26
Publicação oficial da Marinha do Brasil desde 1851, editada trimestralmente com artigos de autores nacionais
e estrangeiros sobre assuntos históricos, técnicos e estratégicos até os dias atuais. Nesta pesquisa serão utilizadas
publicações do período entre 1890 e 1922.
27
Primeiro periódico científico oficial do Exército, criada em 1882 com o nome de Revista do Exército
Brasileiro com a atribuição de ser o veículo oficial do conhecimento produzido na instituição. Circulou entre
1882-1888, sendo interrompida a publicação e reiniciada em 1899 com o título de Revista Militar entre 1899-
1908. Em 1911 a publicação é retomada com o nome de Boletim Mensal do Estado Maior do Exército,
circulando até 1923.
26
leitores e que linguagens e instrumentos utilizam em sua estrutura interna para informar e
formar opiniões.28
O tratamento das fontes e a metodologia de análise no desenvolvimento de uma
pesquisa podem ter diferentes configurações. Este trabalho, seguindo a caracterização de Silva
e Menezes (2001), do ponto de vista da abordagem do problema, caracteriza-se como
qualitativo, uma vez que se propõe a compreender os fenômenos em seu contexto, de forma
descritiva, levando em conta a complexidade da relação entre objetos e meio, relação esta que
não pode ser caracterizada apenas em dados quantificáveis ou estatísticos.
Para o processo de coleta de dados, foram empreendidas pesquisas bibliográficas com
vistas a contextualizar o período analisado e pesquisas documentais para caracterizar o
processo de introdução e desenvolvimento do movimento esportivo no país e no interior das
FFAA, em suas instâncias organizacionais e normativas, assim como as abordagens adotadas.
Gil (1987) define a pesquisa bibliográfica como aquela desenvolvida a partir de fontes
secundárias, livros ou artigos científicos, publicados sobre a temática. Já a pesquisa
documental seria efetivada a partir do tratamento de fontes primárias inéditas ou revisitadas
sob novos olhares.
Os materiais relacionados anteriormente na categoria de “fontes documentais” foram
analisados a partir do método de “análise crítica de documentos”. Este método foi
empreendido em duas etapas: a crítica externa, a fim de identificar a efetiva relação da
produção com a datação do documento informada; e a crítica interna, onde é observado o
conteúdo informado na fonte, o objetivo de produção do documento, as características do
produtor e as circunstâncias em que foi produzido, além de seu público alvo (CALADO e
FERREIRA, 2005).
A definição e observação deste corpus documental, compreendendo documentos
oficiais e de imprensa, buscou coletar informações sobre o processo de organização interna do
esporte nas FFAA, através dos registros de suas Ligas Esportivas, e como as instituições
repassavam seus ideais sobre esporte e Educação Física aos seus militares, por meio de suas
“revistas institucionais”. Destaca-se também a identificação de como a imprensa da época
retratava e informava a sociedade carioca sobre as atividades destes grupos, tanto em suas
funções institucionais de defesa de território e garantia da lei e da ordem, como em questões
sociais e no campo esportivo.
28
Nas transcrições de trechos dos documentos será preservada a grafia original utilizada à época.
27
2
AS FORÇAS ARMADAS E O CORPO:
A UTILIZAÇÃO DA GYMNASTICA
NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO
MILITAR (1890-1908)
29
da MB possibilita uma interpretação mais ampla do efetivo papel das atividades físicas e do
esporte entre os militares neste período inicial da República brasileira.
Este novo perfil que se configurava no país alcançou também as FFAA com as ideias
republicanas defendidas de maneira recorrente entre alguns grupos destas instituições, sendo a
República vista como a solução para os problemas do país. Associado a este fator, a visão de
que os militares deveriam ser os verdadeiros salvadores da pátria intensificava-se desde a
Guerra do Paraguai e se ampliava nas corporações à medida que estas se institucionalizavam
(COSTA, 2010).
A participação das FFAA na Guerra do Paraguai é apontada por diversos autores como
um marco no processo de reorganização destas instituições. Nascimento (2010) afirma que,
após esta experiência militar, ficou clara a necessidade de instituir o serviço militar
obrigatório e melhorar os procedimentos de formação e preparação técnica dos soldados em
face aos constantes problemas de manuseio de materiais e grande inexperiência dos
voluntários que serviram nos combates. Neves ainda afirma que
a partir da Guerra do Paraguai (1865-70), finalmente, o Exército ganhou outra
dimensão na sociedade brasileira. A guerra contra Solano López, apesar de exitosa,
chamou a atenção para as debilidades da corporação diante de um aparato militar
modernizado como o paraguaio. Surge daí a necessidade de aparelhamento das
forças armadas segundo novos padrões de eficiência e técnicas de combate. […]
Diferentemente de países como Inglaterra e França, que àquela altura enveredavam
por um caminho industrializante, a economia nacional estava ainda inteiramente
voltada para o comércio de exportação de produtos primários e importação de
manufaturas. É nesse contexto que começam os militares a reclamar a ruptura do
modelo agrário exportador e a estabelecer a relação entre indústrias estratégicas e de
armamentos. A conscientização dos militares para o problema do “atraso” brasileiro
29
Para maiores discussões sobre estas diferentes correntes, ver COSTA, 2010.
31
30
“Plácido Antônio Pereira de Abreu - barbeiro de dom João VI, criado de quarto de dom Pedro I, tesoureiro da
imperatriz Leopoldina” (SILVA e MELO, 2011, p. 338).
32
anos de 1906 e 1912 em estágio. Uma das principais defesas deste grupo era o
estabelecimento do sorteio militar, entre todos os grupos sociais, como forma de melhorar a
qualidade dos integrantes da instituição seguindo modelos europeus que já utilizavam esta
ferramenta (CARVALHO, 2006).
O caso da Marinha do Brasil foi um pouco diferente no que se refere ao recrutamento
de oficiais. Apesar de também existirem dados precários, verifica-se um caráter mais
acentuado com relação à nobreza. Durante o Império, a Marinha prosseguiu com parâmetros
de recrutamento muito similares aos estabelecidos no regulamento da Academia Real de
Marinha, de 1782, que determinava que os candidatos a guarda-marinha deveriam ser fidalgos
ou filhos de oficiais da Marinha ou do Exército. Esta realidade se estendeu até a Primeira
República, quando Tobias Barreto, em 1917, afirmou que “as famílias ricas queriam fazer dos
filhos doutores em direito, medicina ou engenharia, e, fora isso, só talvez oficial da Marinha”
(CARVALHO, 2006, p. 19).
Já no caso das camadas mais baixas da hierarquia militar, o caso naval não era muito
diferente do Exército. A composição básica dos marinheiros, como afirmado em Relatório do
Ministério da Marinha de 1911, tanto no Corpo de Marinheiros Nacionais como as escolas de
Aprendizes Marinheiros, era de presos pela Polícia enviados para serem recrutas
(CARVALHO, 2006).
Além da composição das FFAA, outro fator interno foi importante no envolvimento
dos militares no processo de Proclamação da República: a formação destes oficiais. As
preocupações com a intelectualidade no Exército, por exemplo, eram crescentes na década de
1880, sendo esta geração de oficiais, no geral, mais instruída que as anteriores e com carreiras
construídas basicamente em áreas urbanas. Os escalões superiores, no entanto, eram
compostos basicamente por “veteranos da Guerra do Paraguai que se sentiam depreciados
pelo regime e pela sociedade – até os alunos das escolas militares e os oficiais subalternos
ridicularizavam suas medalhas de guerra” (MCCANN, 2009, p. 28-29).
34
Estes clubes se tornaram terreno fértil para as aspirações da oficialidade subalterna que
retornou da Guerra do Paraguai “consciente de sua importância na vida nacional, estava
desolada com a corrupção que permeava a vida pública e com o descaso com que era tratada,
e mostrava disposição para a ação política, sentindo-se incumbida de uma missão salvadora”
(MOURA, 2007, p. 22).
Como foi possível perceber, o perfil e as influências presentes nas FFAA naquele
momento foram decisivos para suas ações no movimento político pela República. Um fator
também significativo para a adesão, especificamente de alguns do grupo de tarimbeiros, foi o
processo de punições impostas a militares que se posicionaram publicamente contra algumas
políticas do governo imperial e o não cumprimento da retirada das acusações por parte do
Ministério da Guerra, mesmo com a ordem do Imperador. Estas tensões internas na instituição
fomentaram grande insatisfação com o ministério e com o governo, gerando um movimento
que visava derrubar o então Gabinete imperial, mas de forma alguma tinha em pauta por fim à
Monarquia. De acordo com McCann,
31
A criação de clubes, associações profissionais, religiosas, foi uma tendência no século XIX. Como mostra
Sevcenko (1998), nos anos iniciais da República brasileira já eram identificados clubes de música, como o Clube
das Violetas, clubes esportivos de futebol e de automóveis. Na virada para o século XX, já se registrava a criação
de associações cientificas, religiosas, culturais, recreativas, desportivas, profissionais, de classe, beneficentes
com diferentes objetivos. Após a fundação das associações, deveriam ser realizadas reuniões para elaboração de
estatutos para reger suas atividades (JESUS, 2007). Seguindo este movimento de criação de associações, os
militares fundaram os clubes Naval e Militar.
32
O Clube Naval foi fundamental no processo de criação da Liga de Sports da Marinha, no ano de 1915, doando
não somente sua sede para a realização de reuniões como fez empréstimos para que a entidade pudesse iniciar
suas atividades. Este processo será debatido no Capítulo 4 desta dissertação.
36
a República nasceu de uma contradição. Como um ato ilegal, de traição, pode criar
uma ordem política legal e segura? O artigo 15 dos artigos de guerra do Exército
determinava o enforcamento como punição por motim ou traição e inclusive por ter
conhecimento de tais atos e não os impedir. Portanto, os oficiais e praças que
participaram dos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 haviam decidido
transgredir a lei que governava suas vidas. Muitos testemunhos indicam que a
intenção inicial, sem dúvida a de Deodoro da Fonseca, era substituir o gabinete
imperial em exercício, mas, antes de encerrar-se o dia, Deodoro foi manipulado para
que proclamasse a República. O relato usual afirma que ele vacilou até o último
instante (2009, p. 36).
Para que o movimento fosse possível, foram conjugadas forças de três grupos
principalmente: parte do Exército, fazendeiros do Oeste Paulista e integrantes das camadas
médias urbanas. Estes grupos, historicamente, demonstravam interesses e visões distintas
sobre questões políticas e econômicas. Uniram-se em torno de um objetivo comum, mas suas
divergências logo se manifestariam no processo de estabelecimento do novo regime político,
marcando os primeiros anos da República com grandes turbulências. Esta República brasileira
foi categorizada como consequência de uma crise do projeto de sociedade baseado “nos
interesses materiais e na visão de mundo das classes ligadas à agricultura escravista e
exportadora e de seus aliados no comércio, finanças e burocracia, e sintetizado no Estado
monárquico centralizado” (LEMOS, 2006, p. 1).
Construído sobre contradições, tentando equilibrar interesses políticos e econômicos
de grupos distintos, o movimento republicano encontrou nas FFAA sua efetiva possibilidade
de concretização. A aspiração por mudanças, mas com permanências estrategicamente
pensadas garantiu entre os militares a transição de regime político sem grandes
transformações econômicas ou sociais. Como afirma Lemos,
37
O aspecto disciplinar no interior dos navios ainda era um tema de atenção e debates
pois, com os processos de modernização das estruturas navais empreendidas após a Guerra do
Paraguai e a introdução de navios a vapor com operação mecânica, passou-se a necessitar de
mão de obra com maior especialidade, algo difícil na Marinha por suas características de
composição já anteriormente discutidas. Discutindo a disciplina militar, Adriana Bellintani
argumenta que
a disciplina é um dos aspectos doutrinários que mantém a força coesa, permitindo
que o poder hierárquico não seja quebrado. Está diretamente relacionada à
obediência e à servidão militar; ela é o élan de sustentação da estrutura militar […]
Não há disciplina sem submissão, independentemente de ser tempo de paz ou de
guerra; em qualquer circunstância, as ordens são acatadas pelos subordinados de
acordo com o grau da cadeia hierárquica (2009, p. 137).
33
O Serviço Militar Obrigatório estabelecido somente em 1916 apesar de este instrumento ser previsto já na
Constituição de 1891 e de a Lei do Serviço Militar Obrigatório datar de 1908 (NASCIMENTO, 2010).
34
Estas disputas serão discutidas ainda neste Capítulo 2.
40
35
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1890, p. 22.
36
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1890, anexo 93-94 (grifo meu).
41
No processo de preparação destes novos indivíduos, não somente o ensino teórico era
priorizado. As preocupações com o corpo forte e preparado eram expressas a partir da
inserção das disciplinas de gymnastica e natação no programa do Colégio.
Este argumento do soldado-cidadão era um importante instrumento de afirmação
militar e seria utilizado ao longo dos primeiros anos da República para a defesa das melhorias
na preparação dos militares. Este novo militar, mais preparado e ativo politicamente era o
desejo principal das FFAA ao assumir o comando da República brasileira sendo uma das
bases de seus projetos para a nova nação.
As reformas nos processos de ensino alcançaram também as Escolas Militares já
existentes no país. A justificativa para esta reformulação dos currículos foi apresentada por
Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant no texto que introduz o regulamento que reorganiza
as escolas do Exército.
O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório dos
Estados Unidos do Brazil, constituído pelo Exercito e pela Armada em nome da
Nação:
Considerando que é de urgente e indeclinavel necessidade aperfeiçoar e completar,
tanto quando possível, o ensino nas escolas destinadas a instrucção e educação
militar, de modo a attender os grandes melhoramentos da arte da Guerra conciliando
as suas exigencias com a missão altamente civilisadora, eminentemente moral e
humanitaria que de futuro está destinada aos Exercitos do continente sul-americano;
Considerando que o soldado, elemento de força, deve ser de hoje em diante o
cidadão armado, corporificação da honra nacional e importante cooperador do
progresso como garantia da ordem e da paz publicas, apoio intelligente e bem
intencionado das instituições republicanas, jamais instrumento servil e maleavel por
uma obediencia passiva e inconsciente que rebaixa o carater, aniquila o estimulo e
abate a moral;
Considerando que, para perfeita comprehensão deste elevado destino no seio da
sociedade, como o mais solido apoio do bem, da moralidade e da felicidade da
patria, o militar precisa de uma succulenta e bem dirigida educação scientifica que, o
preparando para com proveito tirar toda a vantagem e utilidades dos estudos
especiaes de sua profissão, o habilite, pela formação do coração, pelo legitimo
desenvolvimento dos sentimentos affectivos, pela racional expansão de sua
intelligencia, a bem conhecer seus deveres, não só militares como, principalmente
37
sociaes.
Este documento apresenta as principais visões a respeito do papel dos militares nesta
nova sociedade, compreendidos como uma missão civilizadora, moral e humanitária,
expandindo inclusive esta “missão” para os demais Exércitos do continente. Este novo
Exército, com outras funções políticas e sociais buscava imprimir a ideia de que cada cidadão
deveria ser (e se ver) como um soldado honrando a pátria, sendo o processo de capacitação e
preparação fundamental para o fortalecimento das instituições militares. Esse novo ensino
deveria contemplar a mudança deste “soldado força” para o “cidadão armado”, consciente de
seus deveres e direitos e não “instrumento servil e maleável por uma obediência passiva e
37
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1890, anexo, p. 33.
42
38
BRASIL. Decreto n°. 509 de 21 de junho de 1890. Crêa o Codigo Disciplinar para a Armada.
43
2.2 Para um soldado mais forte e preparado, uma formação melhor: medidas para
reformulação do processo de treinamento dos militares brasileiros.
39
BRASIL. Decreto n°. 981 de 08 de novembro de 1890. Approva o Regulamento da Instrucção Primaria e
Secundaria do Districto Federal.
44
teriam em seus ensinos práticos aulas de tiro, equitação militar e “hipiátrica”, natação e
esgrima.40 No mesmo ano, o Decreto n°. 2.163 de 01 de maio reorganizou a Academia de
Marinha tornando-a Escola de Marinha e dentre suas reformulações curriculares, inseriu como
item comum do currículo aos aspirantes de todos os anos a prática de esgrima uma vez por
semana, ginástica uma vez por semana e natação duas vezes por mês e aos domingos antes da
missa.41
Após o ano de 1858, quando se empreendiam
modificações e reestruturações das escolas militares, sempre foi explicitamente
considerada a necessidade de ensino e prática de atividades físicas, o que sem
sombra de dúvida tornou as Forças Armadas pioneiras em tal preocupação. A
valorização dos exercícios físicos, provavelmente pela sua utilidade na manutenção
da boa forma do combatente e pela crença de que era de utilidade na
disciplinarização da tropa, não é somente observável nas Forças Armadas brasileiras
(MELO, 2007c, p. 114).
Percebe-se a aproximação dos militares não somente das atividades ginásticas, mas
também de práticas que possibilitassem o desenvolvimento de habilidades fundamentais para
o exercício militar no período, práticas que posteriormente passariam a ser realizadas também
em caráter esportivo como a natação, a esgrima e a equitação. Este processo acompanhou um
movimento crescente na sociedade brasileira no século XIX com preocupações com a saúde e
a higiene. Como afirmam Silva e Melo
nos primeiros anos do século XIX, as cidades brasileiras - entre elas o Rio de
Janeiro, a capital – apresentavam condições deficientes de saneamento e eram
constantemente agredidas por epidemias. A partir do segundo quartel da centúria,
em meio às crescentes preocupações com a saúde, uma das iniciativas foi o
aperfeiçoamento da formação do médico e a reformulação da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Entre as inovações, implementou-se a exigência de
apresentação de teses para a concessão do título de doutor. Algumas dessas teses se
debruçaram sobre a educação física, que ainda não era concebida como disciplina
escolar, constituindo antes um conjunto de cuidados ligados à higiene, à puericultura
e também, de forma geral, à prática de atividades físicas. Manoel Pereira da Silva
Ubatuba, em 1845, apresentou o trabalho Algumas considerações sobre a educação
física; no ano seguinte, Joaquim Pedro de Mello defendeu a tese Generalidades
acerca da educação física dos meninos; em 1852, Antonio Francisco Gomes
submeteu a julgamento Influência da educação física do homem; e, no decorrer do
século XIX, muitos outros exemplos poderiam ser citados (2011, p. 2).
O aumento das atenções com as questões relacionadas com a educação physica neste
momento do século XIX envolvia conjunto de ações englobando higiene e atividades físicas.
No entanto, a partir de meados do século tais atividades foram gradativamente incorporadas
aos currículos das principais instituições de ensino do país, sendo iniciado este processo pelas
40
BRASIL. Decreto n° 2.116, de 01 de março de 1858. Aprova o Regulamento reformando os da Escola de
aplicação do exercito e do curso de infantaria e cavalaria da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, e os
estatutos da Escola Militar da Corte.
41
BRASIL. Decreto n° 2.163, de 01 de maio de 1858. Reorganiza a Academia de Marinha em virtude da
autorização concedida no parágrafo 3º. do artigo 5º. da Lei n. 862 de 30 de julho de 1856.
45
escolas de formação militar. A defesa pela ampliação desta disciplina no sistema de ensino ao
longo daquele século baseava-se nos benefícios que as atividades físicas sistematizadas
trariam para o corpo e mente dos jovens. No meio militar, esta defesa era reforçada pelas
observações dos cuidados de instituições militares de outros países com os processos de
preparação do corpo dos combatentes, considerando os exercícios físicos como um dos
melhores instrumentos para a manutenção da forma e da disciplina das tropas. Este “olhar”
para o estrangeiro trouxe diversas influências para a estruturação da educação física no Brasil.
A adoção do método alemão de ginástica pelo Exército Brasileiro ainda no século XIX e a
tradução para o português do “Novo guia para o ensino da ginástica nas escolas públicas da
Prússia” no ano de 1870 pode ser citado como um dos exemplos destas influências. Com o
crescimento da prática da ginástica nas instituições militares ao longo do oitocentos, muitos
de seus membros passaram a atuar no meio civil como instrutores de ginástica nas escolas,
uma vez que ainda não existiam escolas de formação em Educação Física no país naquele
momento e os militares eram os principais promotores destas práticas no Brasil (SILVA e
MELO, 2011).
As discussões sobre a necessidade de intensificação na educação física em meio civil
iniciaram-se ainda no Império, com as propostas de Rui Barbosa em 1882 ao apresentar o
projeto nº. 224 “Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da
Instrução Pública”, onde defende a criação de uma escola de formação de professores de
Ginástica. Segundo Rui Barbosa,
a ginástica não é um agente materialista, mas, pelo contrário, uma influência tão
moralizadora quanto higiênica, tão intelectual quanto física, tão imprescindível à
educação do sentimento e do espírito quanto à estabilidade da saúde e ao vigor dos
órgãos. Materialista de fato é, sim a pedagogia falsa, que, descurando o corpo,
escraviza irremissivelmente a alma à tirania odiosa das aberrações de um organismo
solapado pela debilidade e pela doença. Nessas criaturas desequilibradas, sim, é que
a carne governará sempre fatalmente o espírito, ora pelos apetites, ora pelas
enfermidades (BARBOSA, 1946, p. 80).
42
“É a partir da defesa que faz esse político brasileiro, que o discurso sobre a ginástica sueca ganha visibilidade.
Rui Barbosa era defensor do método de Ling também porque nele estavam inseridos a formação moral, higiênica
e disciplinadora, além de ser uma prática científica, já que era constituída de pesquisas nas áreas de fisiologia,
anatomia e biologia. O papel da ginástica tocava em quatro importantíssimos pontos sociais: o higiênico, o
moral, o estético e o econômico. Respeitados como leis, esses pontos deviam estar em equilíbrio numa sessão de
ginástica, pois favoreceriam a harmonia do corpo humano” (MORENO, 2003, p. 57).
43
BRASIL. Diário Oficial da União de 26 de janeiro de 1890, seção 1, p. 9; BRASIL. Diário Oficial da União de
05 de fevereiro de 1890, seção 1, p. 1; BRASIL. Diário Oficial da União de 19 de maio de 1890, seção 1, p. 1-4;
BRASIL. Diário Oficial da União de 21 de maio de 1890, seção 1, p. 1-7; BRASIL. Diário Oficial da União de
21 de maio de 1890, seção 1, p. 8; BRASIL. Diário Oficial da União de 24 de maio de 1890, seção 1, p. 3;
BRASIL. Diário Oficial da União de 31 de maio de 1890, seção 1, p. 1-9; BRASIL. Diário Oficial da União de
12 de agosto de 1890, seção 1, p. 4; BRASIL. Diário Oficial da União de 23 de agosto de 1890, seção 1, p. 8;
BRASIL. Diário Oficial da União de 28 de setembro de 1890, seção 1, p. 8; BRASIL. Diário Oficial da União de
06 de dezembro de 1890, seção 1, p. 1-7.
47
44
PIRES, Enéas P. Combate de cavallaria contra infantaria. Revista Militar, ano VI, 1904, p. 166.
49
esporte para ilustrar situações do cotidiano militar pode ser destacado como um importante
sinal da aproximação que ocorria neste final do século XIX e início do século XX entre os
militares e as práticas esportivas.
A importância da montaria e dos cavalos era significativa no século XIX, o que
explica em parte essa grande aceitação. Este era o principal meio de transporte nas cidades,
seja de pessoas ou produtos. Ao longo do século XIX, especialmente na década final, o
processo industrial fez crescer as modificações nas zonas urbanas introduzindo processos de
urbanização e sanitarização que englobavam em suas propostas a ampliação das ruas,
melhorias nas redes de esgoto e abastecimento de água e introdução de meios de transporte
mais eficientes e confortáveis (ARAUJO, 1995).
A busca por “novos ares” para a cidade, com ruas mais largas, áreas amplas e praças
que favorecessem a circulação de ar e melhoria das condições higiênicas da cidade, foi o
principal objetivo em fins do século XIX. A introdução de linhas de ferrovia que ligavam a
área central da cidade às freguesias mais distantes como Queimados e Sapopemba (atual
Deodoro) favoreceu um fluxo de ocupação dos subúrbios em regiões cortadas por tais
transportes, gerando um afastamento dos grupos mais pobres das áreas centrais, após a
extinção dos cortiços, para estas áreas da cidade. Além do trem, outro meio de transporte que
mudou significativamente a dinâmica da cidade foi o bonde. Este transporte ligava diferentes
regiões da cidade ao centro, principalmente as áreas das zonas central e sul da cidade, já neste
momento ocupadas preferencialmente pelos grupos mais abastados. Este transporte garantiu
um acesso mais rápido e regular, tornando estas regiões pontos bastante procurados para fins
de lazer e divertimento (ABREU, 1987).
Com a introdução destes novos meios, os transportes utilizando animais,
principalmente os cavalos, perderam sua significância nesta nova sociedade. Como aponta
Melo sobre os cavalos,
se no século XIX ele era fundamental como meio de transporte e para carregamento
de produtos, a chegada da eletricidade o substituiu, a ele relegando, na cidade, um
espaço único como forma de diversão. Quando as cidades começam a se modernizar
e desenvolver uma cultura tipicamente urbana, os cavalos passam a ser símbolos
muitas vezes incômodos de um passado rural (2007c, p. 155).
prática ao longo do século XX. Na primeira década deste século, os banhos de mar figuraram
quase que semanalmente nos periódicos de circulação na cidade que tratavam de assuntos
sociais. Em diversas edições da revista Careta45 do ano de 1908 encontramos inúmeras
páginas dedicadas a relatar as atividades das famílias cariocas nas praias da zona sul.
Assim como o turfe, o remo também iniciou seu processo de institucionalização com a
criação de diferentes clubes. No Rio de Janeiro, desde meados do século XIX, surgiram clubs
de regata que promoviam seus “páreos” (utilizando a mesma nomenclatura do turfe para suas
competições), nas regiões litorâneas da cidade.46
Estes dados nos destacam o perfil de organização e ampliação destas práticas
esportivas na cidade do Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do século XX. As
diferentes modalidades, após o estabelecimento, passaram por processos de normatização e
institucionalização que acompanhavam as tendências de ordenação presentes em diferentes
setores da sociedade. Nesse processo de sistematização das atividades físicas e introdução de
atividades esportivas, podemos destacar que o esporte que contou com grande atuação na MB
no processo de difusão na cidade do Rio de Janeiro foi, sem dúvida, o remo.
45
O periódico Careta foi criado por Jorge Schmidt e identificado desde sua primeira edição em 06 de junho de
1908 como uma publicação da “Kosmos”, outra revista circulante à época criada pelo mesmo Jorge Schmidt em
1904 de apresentação requintada e conteúdo erudito e destinada a um público mais restrito por seu alto custo de
2.000 reis. A Careta seria um projeto oposto à Kosmos com trato e diagramação mais simples e temáticas
destinadas a um público mais geral, alcançando a diferentes grupos sociais por seu preço mais acessível de 300
reis (DIMAS, 1983 apud NOGUEIRA, 2010). No ano de 1908 seu preço semanal para a capital era de 300 reis e
demais estados de 400 reis. A assinatura anual custava 15.000 reis e a semestral, 8.000 reis. Como evidência de
seus objetivos de maior alcance na sociedade, o editorial da primeira edição da Careta de 06 de junho de 1908
definia a revista como uma publicação direcionada “ao Público, ao grande e respeitável Público com “P”
grande”. A revista circulou entre 1908 e a década de 1980 com períodos de interrupção nos anos 60 e 70. No
período analisado, a revista era publicada em preto e branco, tinha em torno de 36 páginas e apresentava sempre
em sua capa uma caricatura de personalidade da política ou da sociedade brasileira. Logo após, seguia-se uma
sequência de 04 a 05 páginas de anúncios, muitos com fotogravuras ou ilustrações com grande apelo visual. Essa
sequência de páginas integrais destinadas aos anúncios se repetia ao final das edições, com a reserva de mais
uma média de 05 páginas para este fim. (Anúncios dos mais diferentes artefatos do cotidiano: roupas, chapéus,
sapatos, águas perfumadas, óleo de fígado de bacalhau, xarope contra coqueluche, espartilhos, tecidos, apólices
de seguro, fósforos, líquido para limpeza dos dentes, tônicos, relógios, sabonetes, pianos). Como afirma
Nogueira (2010, p. 63) “a revista ilustrada Careta marcou época não somente por ser representativa de uma
cidade que se queria símbolo de modernidade, mas por ser a própria publicação representante da evolução
técnica que mudaria de certa forma os paradigmas do jornalismo literário do momento em questão”.
46
As primeiras tentativas datam de 1862, quando surgiram o grupo Regata e o British Rowing Club, este
composto basicamente por ingleses residentes na cidade. Entretanto, a primeira associação estruturada ligado ao
remo foi criada em 1867: o Club de Regatas. Deste ano até o final do século, surgiram mais inúmeros clubes
ligados à prática: Club de Regatas Guanabarense (1873); Club Náutico Saldanha da Gama (1876); Paquetaense
(1884); Cajuense (1885); Internacional (1887); Union des Canotiers e Fluminense (1892); Club de Regatas
Botafogo, Grupo de Regatas da Escola Militar, Club de Regatas Luiz Caldas, Sul Americano e Veteranos do
Remo (1894); Gragoatá, Icaraí e Flamengo (1895); Natação e Regatas (1896); Boqueirão do Passeio (1896);
Caju (1897); São Cristóvão e Vasco da Gama (1898); Guanabara (1899); Náutico e Internacional de Regatas
(1900) (MELO, 1999).
51
47
PORTO, Santos. O sport náutico no Brazil. Revista Marítima Brazileira. 2o. Semestre de 1901, p. 6-19.
52
A União de Regatas Fluminense, três anos após sua fundação, passou por uma
reformulação e teve alterada sua nomenclatura para Conselho Superior de Regatas (02 de
março de 1900). Essa mudança ocorreu por uma tentativa de dominar as sociedades de
regatas, controlando a organização do remo. O código do Conselho Superior de Regatas
apontava que seus objetivos eram representar o Sport náutico brasileiro, defendendo seus
interesses e promovendo seu engrandecimento. Propunha a abrangência do código a todos os
clubes de regatas existentes no país, desde que suas propostas fossem integralmente aceitas.
No entanto, com a existência de outras instituições regulamentadoras do esporte em outros
estados, como o Comitê de Regatas do Rio Grande do Sul, criado em 1894, e clubes que não
manifestavam interesse em ter um Conselho regulamentador fora de seus estados, esta
tentativa de unificação do controle do remo não teve o sucesso esperado pelos idealizadores.
No entanto, esta tentativa persistiu com a alteração em 29 de novembro de 1902 de seu nome
para “Federação Brazileira de Sociedades de Remo”, reforçando a perspectiva unificadora do
remo nacional almejado pela instituição carioca (REEBERG, 2007). Este esporte foi apontado
como um dos significativos no processo de criação de entidades regulamentadoras do esporte
no país. De acordo com Victor Melo “se o turfe estabeleceu pioneiramente os parâmetros do
que deveria ser a organização esportiva, o remo reformulou-a e aperfeiçoou-a” (2007c, p.
140).
O então Capitão-Tenente Eduardo Ernesto Midosi dirigiu a entidade de 1897, sua
efetiva fundação, até 1906. Seguiram-se na presidência inúmeros representantes militares,
tanto do Exército como da Marinha, ressaltando a significância destes grupos para o fomento
da organização esportiva no Brasil. Em 1906 ocorreu também a criação do Yacht Club
Brazileiro, com o auxílio da Marinha do Brasil, que fez despontar outro importante esporte
marítimo: o iatismo. Sua influência no desenvolvimento do esporte e do clube foi direta,
sendo inclusive seu primeiro Comodoro48 o então Ministro da Marinha, Almirante
Alexandrino Faria de Alencar, que criou uma competição com seu nome a fim de chamar a
atenção dos jovens praticantes para as “coisas do mar” (ALMEIDA, 1997; GARRIDO, 2007).
Como foi possível destacar até aqui, Marinha do Brasil e Exército Brasileiro
participaram do processo de regulamentação de modalidades esportivas no Rio de Janeiro.
Suas atuações, através de oficiais engajados na causa esportiva, contribuíram para a
divulgação das práticas auxiliando na difusão dos esportes entre o público em geral. Muitas
praças e oficiais das FFAA passaram a se envolver na prática esportiva competitiva,
48
Equivalente a um diretor ou presidente.
53
inicialmente fora de suas organizações militares, já que não existia até meados da década de
1910 nenhuma entidade esportiva no interior das instituições militares.
Neste ponto faz-se necessário o destaque de uma contradição identificada ao longo da
pesquisa. O Exército Brasileiro tem, desde sua formação, como uma das armas mais
tradicionais a Cavalaria. A equitação, portanto, foi prática corriqueira entre seus militares
desde o início da formação da instituição por motivos já pontuados, mas que merecem nova
menção. Os cavalos eram o principal meio de transporte no século XIX e, inclusive em
combates militares, eram ainda largamente utilizados no Brasil. Em meio civil, no entanto, a
equitação e a propriedade de animais de grande porte eram atividades ligadas à aristocracia
rural, principalmente pelos altos custos de manutenção e tratamento dos animais. Como foi
comentado no início desta parte no processo de caracterização das FFAA brasileiras no
período em análise, o EB era composto basicamente por camadas menos abastadas da
sociedade e mais próximas do cotidiano citadino. Os membros da aristocracia, ao buscar o
militarismo, comumente direcionavam-se para a Marinha do Brasil.
O remo, atividade extremamente ligada à cidade e aos critérios “modernos”
defendidos à época, teve maior aproximação e aceitação por parte dos militares da MB,
muitos inclusive envolvidos na organização da modalidade e competidores em clubes no meio
civil desde meados do século XIX. Identifica-se, portanto, uma “inversão” nas aproximações
com as modalidades esportivas: integrantes do Exército, relacionados ao cotidiano da cidade,
ligaram-se ao turfe e à equitação, atividades típicas da aristocracia rural; enquanto isso, os
militares da Marinha, comumente aristocráticos, aproximaram-se do remo, esporte do
ambiente urbano. Esta breve explanação sobre as aproximações com modalidades esportivas
distintas por parte de cada uma das instituições militares demonstra apenas um espectro das
inúmeras contradições que compunham a sociedade brasileira neste momento.
54
2.4 Tensões políticas e busca constante por reformas: as Revoltas da década de 1890 e os
projetos de melhorias para as FFAA.
51
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1894, p. 3.
52
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1901, p. 5.
53
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1902, p. 3-4.
57
54
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1892, p. 40.
55
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1900, p. 4.
56
Revista Militar, Uma viagem do Estado-Maior no Chile, ano II, 1900, p. 48.
58
57
Para este segundo Capítulo, foram analisadas as edições de janeiro a dezembro dos anos de 1899, 1900, 1901,
1902, 1903, 1904, 1905, 1906 e 1907; e as edições de janeiro, fevereiro e março do ano de 1908 já que no acervo
da Biblioteca Nacional não foram localizadas as edições de abril a dezembro deste ano. Como afirma Oliveira
(2011, p. 59) “a ‘Revista Militar’ foi extinta em 1908, quando o EME passava por uma intensa reorganização.
No seu lugar foi criado, em 1911, o Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, que até 1923 ocuparia o lugar
de periódico oficial da corporação”. Não consegui localizar a data de encerramento das publicações. A ausência
das edições de abril a dezembro de 1908 pode ser em decorrência da finalização da revista ou da falta destes
documentos no acervo.
58
Nos relatos da Revista Militar do período entre 1899-1908, foram publicados artigos sobre a estrutura dos
exércitos dos seguintes países: Portugal, Alemanha, Rússia, Grã-Bretanha, Itália, Espanha, França, Suíça, Suécia,
Servia, Dinamarca, Romênia, Hungria, Áustria, Bélgica, Estados Unidos, Chile, Equador, Uruguai, Peru,
Argentina, Colômbia, Bolívia, Guatemala, México, Japão, China, Turquia, Marrocos e Egito.
59
Os artigos ainda exploravam temáticas como as diferentes formas de criptografia de mensagens utilizadas
pelos exércitos nesta virada do século XIX para o XX. Em 1899, o artigo “Sobre sistemas esteganographicos”
afirmava-se que neste sistema eram avaliados a formação de criptografia em hieróglifos egípcios; inscrições
cuneiformes de Persépolis na Babilônia e de Ninive; inscritos de cavernas na Índia; movimentos da Lycia e dos
túmulos da Etruria; os processos de taquigrafia no alfabeto morse; alfabeto beneditino; alfabeto romanini;
alfabeto franc-masson; além de sistemas numéricos e literários. Revista Militar, ano I, 1899.
60
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1894, p. 14.
59
61
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1896, p. 3.
60
Além das instabilidades políticas ocasionadas por este extenso grupo de opositores, o
governo ainda precisou lidar com os incidentes da Guerra de Canudos (1897)62. A intensidade
dos conflitos preocupou os políticos da capital federal, ainda sob as lembranças dos recentes
problemas da Revolta da Armada e da Revolução Federalista. Ao perceber a irredutibilidade
do movimento em Canudos às forças policiais e aos contingentes militares encaminhados à
região, Manuel Vitorino, vice-presidente que substituía Prudente de Morais por motivo de
doença desde novembro de 1896,
concordou em mandar contra Canudos uma terceira expedição, integrada por cerca
de 1.281 soldados do Exército, sob o comando do coronel Antônio Moreira César,
que fora governador militar de Santa Catarina e responsável pelo fuzilamento e
degola dos prisioneiros durante a guerra civil no Sul do país (1893-1895) […] os
militaristas, partidários radicais do marechal Floriano Peixoto, cujo falecimento em
29 de junho de 1895 privara-os de um líder, depositavam suas esperanças e
esperavam, provavelmente, que ele, ao regressar vitorioso de Canudos, aceitasse
liderar um golpe de Estado contra o governo dos “casacas”, o poder civil,
considerado débil na defesa da república. Nem os 1.281 soldados, comandados pelo
coronel Moreira César, a quem os sertanejos deram o apelido de “corta-cabeças”,
com quinze milhões de cartuchos e setenta e três tiros de artilharia, conseguiram,
contudo, esmagar o movimento de Antônio Conselheiro. Completamente
desbaratada, em 3 de março de 1897, a terceira expedição também foi, com o seu
comandante, coronel Moreira César, morto por duas balas, e a notícia desencadeou
no Rio de Janeiro e em São Paulo violenta agitação em que os radicais da república,
os florianistas, não só invadiram e depredaram os jornais monarquistas como
assassinaram um dos seus diretores, o coronel Gentil de Castro […] (BANDEIRA,
2005, p. 7).
A derrota desta terceira expedição e morte do provável líder de uma reação ao governo
intensificou os descontentamentos dos militares vendo neste episódio um “fortíssimo
argumento para questionar a legitimidade dos verdadeiros princípios de um governo que não
conseguia proteger suas instituições contra os defensores da restauração monárquica”
(HERMANN, 1996, p. 3). A referência aos monarquistas é em decorrência da associação que
se fez à época entre os objetivos do movimento que originou os conflitos em Canudos e uma
reação de grupos a favor do retorno à Monarquia.
62
“A eclosão do conflito em Canudos, no interior da Bahia, motivado pela questão do corte da madeira e
liderado por Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, que, pregando uma vida
ascética, havia atraído ao seu redor uma comunidade de quase trinta mil sertanejos. A revolta foi vista como uma
reação monárquica, apesar de seu caráter messiânico e regional. A derrota das tropas baianas levou o presidente
do estado a solicitar o envio de tropas federais. O fracasso de duas expedições e as mortes de seus comandantes
republicanos gerou uma onda de protestos e de violência na cidade do Rio de Janeiro. Os florianistas
organizaram-se em milícias fardadas e assassinaram alguns monarquistas cariocas. Somente com a devastação
do arraial de Canudos, ocorrida em agosto de 1897, por uma expedição militar federal composta por oito mil
homens, e após o atentado sofrido por Prudente de Morais, cometido por um soldado vitorioso em Canudos, deu-
se fim à crise p político-institucional, com o restabelecimento da ordem republicana” (ARQUIVO NACIONAL,
2009, p. 14.)
61
Este evento em Canudos foi expressivo para as FFAA, pois ilustrou as graves
deficiências que ainda persistiam. Apesar de toda a defesa por modernização e maiores
investimentos, a defasagem técnica e material ainda era muito significativa (SODRE, 2010).
Neste mesmo ano de 1897 ocorreu ainda a chamada Revolta da Escola Militar. De
acordo com Sodré (2010) este movimento foi motivado por decisões do governo em enviar
para o Rio Grande do Sul as armas e munições que pertenciam à Escola. No entanto, o próprio
autor destaca que, em essência, essa revolta se fermentava nos grupos florianistas que
almejavam mobilizar uma reação ao governo. O levante não contou com o respaldo das forças
policiais e de outros militares, como se imaginava, e recuou (BANDEIRA, 2005).
Já de volta ao governo desde março de 1897, Prudente de Morais precisou lidar com
toda a instabilidade com os militares pelos efeitos das revoltas e também com problemas
internos em seu próprio partido, o Partido Republicano Federal, que tinha em sua presidência
Francisco Glicério. Neste mesmo ano o partido passou por uma cisão política que ocasionou
uma colisão entre o então Presidente da República e Glicério (FREIRE, 2000).
Mesmo com o panorama de agitação política e conflitos eclodindo no país, o ideal de
modernização era um dos objetivos comuns destes diversos grupos divergentes em tantos
outros pontos. A necessidade de estabelecimento de parâmetros específicos para a melhoria
do preparo do corpo do homem republicano era expressa através da divulgação de textos e
materiais traduzidos de outros países, destacando os benefícios e a necessidade de ampliação
da educação física de forma efetiva no Brasil. Já em 1892, no Diário Oficial da União de 01
de abril, foi traduzido e publicado o texto “A educação physica moderna” que tinha como
objetivo divulgar as ações bem sucedidas dos franceses no processo de inserção da educação
física no cotidiano de sua população.63 As buscas por divulgar os benefícios da prática da
ginástica entre os jovens e efetivamente implantá-la no ensino brasileiro, seguindo os padrões
já existentes em diversos países europeus, prosseguiram ao longo da década de 1890. Em
1894, já no governo civil de Morais, o Dr. Vicente de Souza, professor do Gymnasio
Nacional, apresentou um relatório ao Ministro do Interior sobre comissão no exterior
realizada a fim de permanecer em estágio no ensino secundário da França. Em trecho do
relatório publicado no Diário Oficial da União de 02 de agosto de 1894,64 o médico debate a
aplicação da ginástica no ensino francês e afirma que
63
BRASIL. Diário Oficial da União, 01 de abril de 1892, seção 1, p. 6-7.
64
BRASIL. Diário Oficial da União, 02 de agosto de 1894, seção 1, p. 4-6.
62
Este texto traz à luz uma preocupação ainda não evidenciada nas fontes até este
momento: os riscos da prática esportiva. No entanto, estes riscos não foram destacados por
preocupações imediatas com a saúde ou bem estar dos indivíduos, mas sim os prejuízos que
poderiam ocasionar às engrenagens profissionais e produtivas pelo tempo de ausência em seus
postos de trabalho que os acidentes poderiam gerar.
Ao longo das discussões realizadas até este ponto, foi possível perceber que o estímulo
à prática esportiva através da divulgação de seus benefícios e de suas vantagens no processo
de preparação de um povo mais forte passou por diferentes governos militares e civis desde a
proclamação da República. Os ideais de modernização do Brasil, passando também pelas
questões ligadas à formação física, intelectual e moral dos indivíduos, eram propostas comuns
aos diferentes governos estabelecidos, não sendo encontradas grandes discrepâncias nas
divulgações sobre estas práticas.
65
BRASIL. Diário Oficial da União de 29 de Janeiro de 1898, seção 1, p. 7-8.
64
Ao final do século XIX, ocorreu uma nova mudança no governo federal com a saída
de Prudente de Morais e eleição de Campos Salles no ano de 1898. Com o presidente, iniciou-
se uma nova lógica política onde os partidos nacionais perderiam sua força e as decisões
seriam baseadas nas relações entre os interesses políticos estaduais e o governo federal,
sistema que ficou conhecido como “política dos governadores”, ou “política dos estados”
(VENEU, 1987). Esta nova organização inaugurada por Campos Salles possibilitou um
“período de paz oligárquica, baseado em uma combinação de cooptação e repressão,
interrompido apenas em 1922, quando se deu a primeira revolta tenentista” (CARVALHO,
2002, p. 61).
Este sistema minimizou os conflitos que existiam entre as oligarquias, e também entre
os militares, em busca do poder. No entanto, neste processo ocorreu uma predominância de
grupos de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul no comando do governo federal, fato
que desagradou às outras unidades da federação brasileira. Como afirmam Ferreira e Pinto,
no condomínio oligárquico em que se transformou a política brasileira havia
oligarquias de primeira e segunda grandezas, além dos chamados estados satélites.
Como resultado concreto deste modelo vigente durante grande parte da Primeira
República os conflitos políticos, embora não eliminados, foram minimizados e as
sucessões presidenciais marcadas por disputas controladas, sendo o candidato da
situação aquele que a priori tinha garantida sua eleição salvo alguns momentos
excepcionais, conforme ocorrido na disputa presidencial de 1909/1910 que deu
origem à Campanha Civilista (2006, p. 5).
66
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1899, p. 16-17.
65
67
LIMA, F. Abreu. Bases para a reorganização do Exercito. Revista Militar, ano I, 1899, p. 167.
68
ibidem, p. 167.
69
OLIVEIRA, Dias de. O Exercito Alemão. Revista Militar, ano III, 1901, p. 188-189.
66
Pode-se afirmar que a necessidade de maior preparo físico era um ponto de discussão
para todos os níveis hierárquicos das FFAA. Como destacado nas documentações analisadas
até aqui, seja para os soldados ou marinheiros, seja para os oficiais de Estado-Maior, havia
sempre a defesa de uma maior dedicação às atividades ginásticas e esportivas como um
instrumento de preparação importante para a construção de instituições militares mais fortes.
Acompanhando os ideais de modernização técnica, alguns elementos inicialmente
esportivos passaram a ser vistos como potenciais instrumentos para a atividade militar. A
bicicleta (ou velocípede) foi um deles. O ciclismo era, como referenciado no trecho da
Revista Militar destacado acima, uma prática esportiva vista como contribuinte da preparação
dos militares. Desde os anos iniciais da República estes novos instrumentos para a prática da
ginástica recebiam atenção das publicações oficiais em relação aos seus benefícios. Em 1892,
o Diário Oficial da União publicou no dia 06 de janeiro um texto nomeado “O velocipede”.70
Este artigo tinha como objetivo apontar os grandes benefícios que este instrumento poderia
trazer aos seus praticantes, afirmando ser “o velocipede um dos artefactos mais modernos de
gymnastica ambulatoria e que ha trazido ao homem civilisado uma nova alegria e um novo
instrumento de saude”. Ele deveria ser utilizado por todos, exceto os que tivessem algum
problema no coração ou doenças do aparelho respiratório, sendo não somente uma
“gymnastica salutar, mas é medicina soberana” para os sedentários, os de “vida mole” e
aqueles que tivessem “pulmões fracos”. O trabalho ainda defendia que o velocipedismo
deveria ser praticado ao ar livre, e afirmava que
ao vermos o velocipedista montado em seu cavalo de aço, invejamol-o por ser tão
ligeiro o vehiculo em que elle assenta, que nos parece um homem transformado em
passarro; e quando depois se põe em movimento e deixa ficar atraz, na sua corrida
vertiginosa, os bipedes que transitam a pé ou a carro, então interrogamo-nos
estupefactos, porque o homem demorou até ao seculo XIX a invenção de um meio
71
de transporte tão elegante quanto economico e ligeiro?
Em defesa do velocipedismo ainda era destacado que pernas, troncos e braços eram
tonificados pelos movimentos de pedalar e manter o equilíbrio. As funções respiratórias
também melhorariam, de acordo com uma pesquisa realizada na Alemanha que media a
capacidade respiratória dos velocipedistas antes e após a prática, reforçando que haveria
“augmento singular no volume de ar introduzido no peito”. Como vantagem complementar,
destacou-se o seguinte:
70
BRASIL. Diário Oficial da União, 06 de janeiro de 1892, seção 1, p. 6.
71
BRASIL. Diário Oficial da União, 06 de janeiro de 1892, seção 1, p. 6.
67
72
BRASIL. Diário Oficial da União, 06 de janeiro de 1892, seção 1, p. 6.
73
ALBUQUERQUE, Tenório de. Cyclismo nas tropas. Revista Militar, Ano III, 1901, p. 437-446.
68
74
ALBUQUERQUE, Tenório de. Cyclismo nas tropas. Revista Militar, Ano III, 1901, p. 437-446.
75
Ibidem, p. 440.
69
a bicycletta se não vem formar uma nova arma, nem por isso deixa de participar da
velocidade da cavallaria, sendo em tudo o mais o cyclista, o verdadeiro infante, e
n’essas condições, parece-nos que perfeitamente, e com mais vantagem do que
qualquer uma d’elas, poderá desempenhar certos serviços, embora em número
restricto. É exacto que nem todo terreno se presta as marchas cyclistas, mas de’ahi
não se deve concluir, pensamos nós, que ella nem ao menos mereça ser
experimentada. Os cyclistas marcham em suas machinas e quando o terreno não se
prestar, continuam a pé, com a machina as costas, e em vez de cyclistas, haverá uma
força de infantaria, nada mais simples. É isto que temos lido e temos visto em
gravuras e se o soldado francez, inglez, allemão, ou de qualquer outra nação póde
fazer isso, o soldado brazileiro também póde, a questão é querer.76
76
ALBUQUERQUE, Tenório de. Cyclismo nas tropas. Revista Militar, Ano III, 1901, p. 446.
77
PORTO, Santos. O sport náutico no Brazil. Revista Marítima Brazileira. 2o. Semestre de 1901, p. 11.
70
Ao evidenciar estes aspectos dos esportes náuticos, o artigo não somente buscou
aproximar os seus militares destas atividades, como também a juventude em geral. Estes
argumentos foram elaborados com objetivo de enfatizar a necessidade do "amor das cousas do
mar" na tentativa de atrair esta juventude para as atividades militares, já que as FFAA
enfrentavam sérios problemas quanto ao número de integrantes, estando seus efetivos sempre
78
PORTO, Santos. O sport náutico no Brazil. Revista Marítima Brazileira. 2º. Semestre de 1901, p. 6-19.
79
O artigo ainda prossegue apresentando a situação naquele momento dos clubes de remo do Rio de Janeiro e os
preparativos para o campeonato de 1901 e apontava como uma importante evolução a fundação do Conselho
Superior de Regatas, tendo em sua presidência um representante da Marinha, o Capitão-Tenente Eduardo
Ernesto Midosi.
71
abaixo das necessidades expressas nos planejamentos anuais. Atrair a mocidade para seus
corpos era imperativo e inúmeros argumentos e estratégias eram utilizadas, inclusive por meio
da prática esportiva (CANCELLA, 2012c).
No ano seguinte, 1902, a RMB voltou a publicar um artigo sobre os benefícios e a
necessidade da juventude brasileira se aproximar das práticas náuticas. A matéria sem autoria
“Campeonato de 1902 - Clube de Natação e Regatas” argumentava que
ao historiador contemporâneo, que estudar a evolução da nossa nacionalidade, que
pretender definir as causas do nosso desenvolvimento, não escapará certamente o
influxo poderoso prestado pelo cultivo do sport náutico entre nós.
Accentuar que essa sympathia dos moços actuaes pelos exercícios vigorosos, em que
adquirem não só linhas mais firmes e mais bem lançadas, como hábitos de
resistência as fadigas e contra-tempos tem produzido resultados tão precisos, que os
mais alheiados dessas cousas delles facilmente se apercebem, é fornecer ao
historiador contemporâneo dados para a apreciação do nosso problema de nação
nova, e que tradições antigas sopitavam o desenvolvimento.
Pelas suas condições physicas, pela abundancia de portos e pela sua extensa costa, o
Brazil é uma nação marítima. Marítimos são os mais promptos e rápidos meios de
communicação, marítima é a grande parte da população, pois se acha condensada
n’uma facha de terreno beirando a linha da costa, marítima é a nossa ascendência –
os grandes navegadores portuguezes.
E se durante muitos annos os brazileiros andaram arredios do mar, no dia em que
para elle, para a sua conquista uma corrente se formasse, fatalmente essa corrente
engrossaria, até formar legiões.
Essa epocha se avisinha. Hoje a ninguém passam indifferentes as festas esportivas
marítimas, e desperta mesmo grande enthusiasmo a do campeonato annual, em que
os clubs apparelhados por mais regulares exercícios enviam os seus campeões a
conquista da victoria.
Para nós officiaes de marinha essa corrente de symphatia pelos exercícios vigorosos
é de inestimável alcance, porque la encontraremos um viveiro abundante de moços
fortes, habituados ao mar, e aos trabalhos, no dia em que a Pátria ameaçada chame a
postos seus filhos para defenderem-na. Nesse dia então essa mocidade toda affeita as
lutas, nessa aprendizagem continua, mais forte, mais rija, tem para secundar o seu
enthusiasmo pela pátria o pulso mais vigoroso e o olhar mais excitado.
A Revista Marítima Brazileira exulta com as festas do sport náutico. Como no anno
findo ella desejaria registrar a situação dos clubs de regatas. Na impossibilidade de
fazel-o por não ter obtido as informações que insistentemente solicitou limita-se ao
club vencedor do campeonato de 1902, honrando as suas paginas com o retrato dos
campeões, que triumpharam, e a photo-gravura da embarcação vencedora.80
80
Revista Marítima Brazileira. Campeonato de 1902. 2o. Semestre de 1902, p. 381-388.
72
que a Pátria ameaçada chame a postos seus filhos para defenderem-na”. O esporte, nesta
interpretação, seria um importante instrumento preparatório para as funções militares em
batalhas marítimas.
O autor ainda realiza algumas observações teóricas e metodológicas que atraem a
atenção. Logo nos primeiros parágrafos, destaca que o objetivo do texto era elaborar subsídios
para o historiador daquele tempo sobre os aspectos de desenvolvimento da nacionalidade
brasileira e evidenciar os benefícios da prática do esporte náutico para o povo. Esta
preocupação com o levantamento dos dados e, especialmente, a menção do papel do
historiador com atenções voltadas para o esporte ainda no ano de 1902 merece destaque, uma
vez que este objeto (o esporte) foi apenas recentemente inserido entre as temáticas de análise
da História, como já discutido na introdução deste trabalho.
Ainda tratando de aspectos intrínsecos à pesquisa histórica, no trecho final do texto
analisa a problemática de acesso a fontes e nos evidencia que as dificuldades não são
características exclusivas das atividades dos historiadores da atualidade. Ainda no ano de
1902, apesar das solicitações que afirmou realizar, o autor do artigo destaca que a ausência de
algumas informações sobre os clubes se efetivou pela não disponibilidade dos documentos
solicitados.
A exultação dos esportes náuticos e o forte discurso de estímulo marcaram a postura
de favorecimento e divulgação destas práticas por parte da Marinha do Brasil. Vale lembrar
que neste momento, anos iniciais do século XX, não existia qualquer entidade
especificamente relacionada com o esporte na estrutura das FFAA brasileiras, fato que
somente ocorreu em 1915, em ambas as instituições (EB e MB) com a criação da Liga Militar
de Football e da Liga de Sports da Marinha. Neste período, os militares participavam das
atividades e competições esportivas nos clubes civis das modalidades.
As preocupações com a maior divulgação e melhor estruturação para a prática do
esporte náutico não ficaram restritas à MB. Atenções com o esporte fizeram parte do grande
“pacote” de melhoramentos urbanos empreendidos nos anos iniciais dos novecentos,
principalmente na capital federal, como veremos no próximo item.
73
2.6 Povo forte e cidade renovada: os projetos do governo Rodrigues Alves e suas
relações com o esporte e as FFAA
Em 1902 o Presidente Campos Salles foi substituído por Rodrigues Alves, após vitória
nas eleições daquele ano. Seu governo foi marcado, em grande medida, por suas ações de
modernização da capital federal, objetivos concretizados pelos projetos de reurbanização do
então prefeito e engenheiro Pereira Passos. Como afirma Malaia, a cidade precisava destas
mudanças
para ser inserida na esfera das grandes cidades do mundo. Não só avenidas foram
alargadas, cortiços derrubados, bondes elétricos instalados, novas áreas urbanizadas,
como também os esportes foram dinamizados. Estes também eram símbolos da
civilização, atividades cotidianas das grandes cidades européias e norte-americanas.
Durante a reforma, uma atenção especial foi dada aos esportes, principalmente ao
remo, com a construção do Pavilhão de Regatas, na Lagoa Rodrigo de Freitas
(2008a, p. 2).
Neste novo projeto para a capital, as atividades de lazer públicas garantiram atenção
no processo de reorganização urbana. A construção do Pavilhão de Regatas pode ser
referenciada como uma das ações empreendidas neste campo. Melo destaca que
podemos observar na cidade o desenvolvimento e melhor estruturação de um
mercado de diversões, que incluía espetáculos musicais e teatrais, os primeiros
momentos de nosso cinema e o crescimento das práticas esportivas, onde se destaca
o remo. Ele é fundamentalmente um esporte conduzido e apreciado pelas camadas
médias em formação (profissionais liberais, gente do comércio e primeiros
industriais). Sua identidade se constrói em oposição ao turfe, muito relacionado à
aristocracia de origem rural (2006, p. 5).
O prefeito Pereira Passos, neste novo espectro de ações para promoção de atividades
de lazer, passou a se aproximar do remo a partir de 1903 e inseriu em seus projetos a
construção de um espaço que possibilitasse a melhor alocação dos barcos utilizados na
prática, privilegiando as áreas da zona sul da cidade. A construção da “Avenida Beira-Mar era
uma de suas prioridades, nada como celebrar tal avenida simbólica com um divertimento
moderno e civilizado como o remo” (MELO, 2006, p. 12). O Pavilhão de Regatas foi
construído na praia de Botafogo na altura das ruas D. Carlota e São Clemente, no ano de 1905
(vide Figura 1). O espaço, inicialmente projetado para ser um local fixo de realização de
regatas, por sua privilegiada localização passou a se tornar um centro de divertimentos para as
elites. Com sua estrutura em estilo eclético, espaço para bandas, buffet, bares com orquestra,
passeios de barco pela Baia de Guanabara, casa de chá e luz elétrica, o que garantia seu
funcionamento noturno, o Pavilhão se transformou em importante espaço cultural da cidade,
auxiliando na divulgação da prática esportiva que motivou sua construção (MELO, 2011).
74
81
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1903, p. 5.
75
Esta afirmação do então Ministro e as ações com foco educativo justificavam-se pelo
grande problema de formação dos indivíduos que optavam pelo serviço militar, ponto de
incômodo para o EB desde o século XIX. Como afirma Cunha
a aversão dos civis ao serviço militar, levando a um “voluntariado” saído das fileiras
de desempregados, redundava numa grande dificuldade de preencher os efetivos de
praças que se mantiveram, invariavelmente, abaixo do número autorizado pelo
governo. Quanto ao recrutamento de oficiais, a depreciação social atribuída ao
Exército durante o Império foi atenuada com os governos militares e a profusão de
promoções que os acompanhou, se tornando um atrativo para os filhos das camadas
médias emergentes. Outrossim, a oportunidade de educação gratuita, para os que não
tinham posses, atraía jovens para o corpo de oficiais possibilitando a ascensão social
(2011, p. 4).
82
O projeto de Noronha previa a aquisição de “três couraçados inicialmente inspirados na classe britânica
Triumph, com 13 mil toneladas de deslocamento, além de três cruzadores couraçados” (MARTINS FILHO,
2008, p. 1).
83
Este foi o primeiro dos três períodos em que Alexandrino de Alencar ocupou o Ministério da Marinha: 1906-
1910, 1913-1918 e 1922-1926.
76
84
Vale destacar ainda que “muitos dos voluntários eram de fato coagidos pelas autoridades policiais, sobretudos
a partir das brechas abertas pelo código penal da República de 1890, que punia, em seus artigos 399 e 404, a
‘vagabundagem’, a ‘capoeiragem’ e a ‘mendicância’. Segundo os termos da lei, a pessoa em uma dessas
situações poderia ficar detida por alguns dias e se engajava a encontrar uma ocupação, que podia ser o
enquadramento militar” (ALMEIDA, 2010, p. 12-13).
85
BRASIL. Diário Oficial da União de 24 de março de 1907, Seção 1, p. 7.
77
86
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1906, p. 6.
78
87
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha, 1907, p. 3.
88
BITTENCOURT, Liberato. Princípios geraes de organização dos exércitos. Revista Militar, ano VIII, p. 341-
348.
79
89
BITTENCOURT, Liberato. Princípios geraes de organização dos exércitos. Revista Militar, ano VIII, p. 341-
348.
90
A Fon-Fon, assim como a Careta, era uma revista ilustrada de publicação semanal, inicialmente dirigida por
Lima Campos, Gonzaga Duque e Mário Pederneiras até 1914 e posteriormente por Álvaro Moreyra e Hermes
Fontes e circulou de 1907 a 1945. Trazia no perfil, segundo Nogueira (2010, p. 14), um “certo esnobismo
urbanizante, ansiado pelo seu público leitor mais cativo: a elite burguesa letrada.” Como a Careta, surgiu em
uma fase de mudança na forma de produzir da imprensa brasileira quando o método artesanal foi substituído pelo
industrial aproximando este segmento dos novos padrões e características da sociedade burguesa, seguindo os
modelos dos periódicos europeus. A revista Fon-Fon preocupava-se em registrar a vida sócio-cultural brasileira,
destacando amplos espaços para as atividades dos cavalheiros e damas da sociedade, “assim, da maneira leve,
irônica, cômica ou lírica das crônicas, a Fon-Fon, fazendo o registro da vida mundana carioca, das notas sociais,
da euforia da Belle Époque no Rio, contribuiu para documentar esse período tão instigante da história do Brasil”
(ZANON, 2005, p. 30). No ano de 1908 seu preço semanal para a capital era de 400 reis e demais estados de 500
reis. A assinatura anual custava 18.000 reis e a semestral, 10.000 reis. A revista Fon-Fon trazia em sua capa
principal, no período analisado neste trabalho, diferentes temáticas trabalhadas através de ilustrações
representando personalidades, questões sociais ou políticas. Também apresentava páginas integrais de anúncios
(anúncios de relojoarias, lojas de tecidos, charutos, cervejaria, chapéus, leite maltado, tônicos, sabonetes, chás,
licores, loteria, apólices de seguro, pianos, remédios, Maison de roupas refinadas, Gillete, chocolate e cacau
solúvel, máquina de fazer pão, sucos diversos, cintas abdominais, espartilhos) e muitas fotografias do cotidiano
da cidade.
91
BRASIL. Lei nº 1.860, de 04 de Janeiro de 1908. Regula o alistamento e sorteio militar e reorganiza o
Exercito. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-1860-4-janeiro-1908-580934-
publicacaooriginal-103780-pl.html>. Acesso 20 jul. 2011.
92
As condições de alistamento dos “voluntários especiais” foram regulamentadas por decreto específico sob nº.
6.850 de 20 de Fevereiro de 1908. Este decreto aprovava as instruções que fixavam as forças de terra para o
exercício de 1908 estabelecendo o recrutamento de “voluntários especiais” para a composição e ampliação das
tropas e Tiros do Exército. Poderiam ser admitidos somente brasileiros natos ou naturalizados, até 21 anos
80
Esta “adesão” da mocidade relatada pelo Ministro foi tema de diversas matérias na
imprensa carioca. A primeira página da revista Careta de 06 de junho de 1908 apresentava
uma foto ocupando quase meia página, na vertical, com fotografia de um rapaz fardado e em
posição de continência abaixo do título “Reorganização do Exército” e legenda que
identificava o retratado como Luiz Bergamm indicando que seria o voluntário que teve a
“virtude de vestir a honrosa farda do Exército”, destacando ainda que o jovem era integrante
de uma família ilustre.94
Nas 30 edições da revista Careta e 30 edições da Fon-Fon publicadas no segundo
semestre de 1908, foram localizadas inúmeras referências aos “voluntários especiais”. No dia
06 de junho de 1908, a Fon-Fon publicou uma matéria de 03 páginas chamada “A Vida
Militar” sobre o cotidiano do 1º. Batalhão de Infantaria do Exército mostrando o cotidiano do
quartel (dormitórios, rancho, instrução de recrutas, exercícios de esgrima, viaturas).95 A
(menores dessa idade somente com autorização da família), não podendo se alistar os casados, viúvos com filhos
ou os arrimos de família e indivíduos que tivessem sido condenados por crime previsto no parágrafo único do
art. 46 do Código Penal da Armada. Neste período, o Código Penal da Armada era aplicado também às fileiras
do Exército. O artigo em referência neste decreto, determina que “Art. 46. A pena de degradação se haverá como
pronunciada pela sentença que impuser a pena principal, nos crimes que tornarem o condenado indigno de
pertencer ao serviço militar.Parágrafo único. Para este efeito consideram-se crimes que acarretam indignidade:
os cometidos contra a independência e integridade da Pátria (arts. 74, 75 e 76); os de traição e covardia. (arts. 81,
82 e 84); os de revolta ou motim (arts. 93 e 94 parágrafo único); e roubo (arts. 156, 157, 158 e 159)”. Os
voluntários e engajados também não poderiam se casar enquanto estivessem cumprindo o serviço de 03 anos.
Para a categoria de “voluntários especiais”, o decreto trazia elementos distintivos que os dispensava de pernoitar
nos quartéis ou permanecer tempo além daquele destinado aos exercícios (exceto em casos de manobra onde
ficariam no regime militar comum), determinava abono de faltas para aqueles que fossem alunos de escolas
superiores e estivessem em manobra. Em caso de manobras, estes seriam organizados em unidades especiais.
BRASIL. Decreto nº 6.850, de 20 de Fevereiro de 1908. Approva as instrucções para a execução dos arts. 3º o 4º
da lei n. 1767, de 31 de outubro de 1907, que fixa as forças de terra para o exercicio de 1908. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=6 1292> . Acesso 12 jul. 2011.
93
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra, 1907, p. 3; p. 5.
94
Revista Careta 06 de junho de 1908, p. 9.
95
Revista Fon-Fon 06 de junho de 1908.
81
esgrima, já presente no cotidiano dos militares desde o século anterior, passou a ocupar
espaço de divulgação na imprensa entre as principais atividades dos novos militares. Na
semana seguinte, mais uma matéria com duas páginas inteiras apresentando os jovens
voluntários especiais do Exército com imagens da cerimônia de juramento a bandeira, desfile
do Batalhão de Infantaria e uma foto de topo de página dos sete primeiros voluntários
especiais, alunos das escolas superiores, que se alistaram no Exército.96 A Careta também
publicou algumas fotografias sobre esta temática mostrando os processos de treinamento,
formatura dos voluntários e apresentação dos novos militares antes de serem distribuídos
pelas fileiras do Exército.97
Assim como a reorganização do Exército, o processo de renovação técnica na Marinha
também recebeu atenção da imprensa. As revistas Careta e Fon-Fon dedicaram espaço para
apresentar a “Reorganização da Marinha” com fotografias do novo Cruzador Minas Gerais
em construção no porto de New Castle na Inglaterra, desde suas primeiras estruturas até o
lançamento ao mar.98 O papel do Ministro da Marinha Almirante Alexandrino de Alencar foi
destacado através de notas intituladas “O reorganizador da Armada” onde aparecia posando
ao lado da família e de seus oficiais subordinados.99
As festas em comemoração a Batalha Naval do Riachuelo, celebradas
tradicionalmente pela Marinha em 11 de junho, foram amplamente noticiadas nos dois
periódicos, com fotografias ocupando páginas inteiras com os participantes das festas e os três
vencedores do Concurso de Tiro da Marinha Nacional realizado na comemoração.100 A
disputa de caráter esportivo do Concurso de Tiro foi noticiada como uma das partes mais
importantes das comemorações da data magna da Marinha do Brasil101, evidenciando o já
significativo papel das competições esportivas entre os militares da MB naquele momento.
96
Revista Fon-Fon 13 de junho de 1908.
97
Revista Careta 15 de agosto de 1908; Revista Careta 12 de setembro de 1908; Revista Careta 19 de setembro
de 1908.
98
Revista Careta 25 de julho de 1908; Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Careta 12 de setembro de
1908; Revista Careta 10 de outubro de 1908; Revista Fon-Fon 05 de dezembro de 1908.
99
Revista Careta 17 de outubro de 1908; Revista Careta 26 de dezembro de 1908.
100
Revista Careta 13 de junho de 1908; Revista Careta 20 de junho de 1908; Revista Fon-Fon 20 de junho de
1908.
101
A Batalha Naval do Riachuelo, ocorrida durante a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança, foi
finalizada no dia 11 de junho de 1865 com o Brasil assumindo o controle dos rios da região e a quase destruição
da esquadra paraguaia e foi um momento decisivo para o desfecho do conflito. Esta batalha passou a ser
considerada uma das vitórias mais relevantes da história marítima brasileira e a data de 11 de junho tornou-se a
data magna, a mais importante comemoração da Marinha do Brasil (VIDIGAL, 2009).
82
102
Viagem realizada ao redor do planeta, atracando em portos de diferentes continentes com os alunos do quarto
ano da Escola Naval, último ano de formação que era realizado com atividades práticas a bordo do Navio-
Escola.
103
Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Careta 08 de agosto de 1908; Revista Careta 22 de agosto de
1908; Revista Careta 12 de setembro de 1908; Revista Careta 19 de setembro de 1908; Revista Fon-Fon 08 de
agosto de 1908; Revista Fon-Fon 15 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 22 de agosto de 1908
104
Capitânea é o navio onde o Comandante da Esquadra segue a viagem e de onde as ordens para ação dos
demais navios são emitidas.
105
Revista Careta 12 de dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 05 de dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 12 de
dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 19 de dezembro de 1908.
106
Revista Fon-Fon 11 de julho de 1908; Revista Fon-Fon 18 de julho de 1908; Revista Careta 11 de julho de
1908; Revista Careta 18 de julho de 1908.
83
Cristóvão. Fon-Fon também dedicou espaço nas edições para imagens das competições
realizadas no Pavilhão de Regatas e sobre eventos nos clubes.107
Outras atividades esportivas também receberam destaque dos dois periódicos com a
publicação de fotografias como as Corridas no Jockey Club e no Derby Club108, Concursos de
Tiro realizados em Realengo109, a Corrida de Automóveis realizada em Itapecerica,
identificada pela Fon-Fon como a “Primeira corrida de automóveis no Brasil”110, Corrida de
Touros realizada em Santa Rita do Passa Quatro111, Concurso de Esgrima organizado pelo
Clube Força e Coragem de São Paulo112 e uma partida de Basketball realizada entre as alunas
em inauguração de escola modelo na cidade de Vitória no Espírito Santo.113
Os destaques para as ações dos militares neste ano podem ser identificadas como
desdobramentos das medidas iniciadas ainda nos anos de 1905/1906. A visibilidade dedicada
aos processos de reorganização e reaparelhamento de EB e MB tinham como objetivo a
construção de uma imagem forte e estruturada para estas instituições. É importante destacar a
significativa importância dada ao esporte, em fins da primeira década do século XX, pelos
militares inserindo estas atividades no cotidiano das instituições não somente em seus
treinamentos funcionais e para manutenção do corpo, mas também como elemento
comemorativo e de confraternização tanto entre suas corporações como com militares
estrangeiros. Ao receberem visitas oficiais, tanto Exército como Marinha além dos
tradicionais jantares e bailes, passaram a promover partidas de futebol, regatas e apresentação
de exercícios. O esporte passou de elemento de preparação de “novos soldados” em meio à
população, para um instrumento de “diplomacia” para com nações amigas.
O período analisado neste Capítulo 2, compreendido entre o início da República e os
anos finais da primeira década do século XX foi marcado pela maior aproximação dos
militares das práticas de atividade física e esportiva de forma sistematizada, sendo estas
defendidas principalmente como ferramentas de preparação do corpo dos soldados e dos
cidadãos para uma melhor defesa do território. Neste sentido, o esporte e a gymnastica
passaram, ao longo da primeira década do século XX, a ocupar outros espaços no interior da
estrutura das instituições. A prática esportiva ganhou formas de ferramenta de atração da
107
Revista Careta 12 de setembro de 1908; Revista Careta 03 de outubro de 1908; Revista Careta 14 de
novembro de 1908; Revista Careta 05 de dezembro de 1908; Revista Fon-Fon 20 de junho de 1908.
108
Revista Careta 20 de junho de 1908; Revista Careta 08 de agosto de 1908.
109
Revista Careta 18 de julho de 1908.
110
Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 08 de agosto de 1908.
111
Revista Careta 19 de dezembro de 1908.
112
Revista Fon-Fon 28 de novembro de 1908.
113
Revista Fon-Fon 05 de dezembro de 1908.
84
3
UMA NOVA ESTRUTURA PARA AS
FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS:
OS IMPACTOS DAS INFLUÊNCIAS
ESTRANGEIRAS E O PAPEL DO
ESPORTE ENTRE OS MILITARES
(1908-1915)
86
114
Jornal The Washington Times, 23 de maio de 1905, p. 6.
87
Segundo Luna (2007) foram enviados ao estágio junto aos militares alemães três
turmas de oficiais brasileiros. A primeira realizou os treinamentos entre 1906 e 1908. As duas
turmas seguintes foram enviadas em 1908 e 1910. Vale destacar que no ano de 1908, ano de
conclusão da primeira turma e envio da segunda, ocorreu a primeira visita oficial do Ministro
da Guerra Marechal Hermes da Fonseca à Alemanha. Estes grupos de oficiais que estagiaram
entre 1906 e 1912 no Exército Alemão receberam a alcunha de “jovens turcos”. Ao
retornarem ao país, passaram a defender a implantação da estrutura militar germânica no EB
divulgando as práticas aprendidas durante o estágio e as qualidades técnicas e de
equipamento. O objetivo dos alemães era o envio de uma missão militar ao Brasil, como já
haviam feito na Turquia, para reformar o Exército. Estas aspirações, no entanto, traziam
preocupações ao alto escalão hierárquico que via nas renovações um caminho para a redução
das projeções e destaques pessoais. Como forma de reforçar seus propósitos, o então Ministro
da Guerra Marechal Hermes da Fonseca foi convidado pelo Imperador Guilherme II para
assistir a uma série de exercícios militares no ano de 1908.115 Esta visita recebeu espaço
importante em alguns periódicos em circulação no período, sendo noticiados os eventos de
partida e chegada do Marechal, além de atividades realizadas pelo Ministro e sua comitiva
naquele país em duas revistas ilustradas que circulavam na cidade do Rio de Janeiro. Na
revista Careta, o destaque maior foi dedicado às cerimônias de partida e chegada dos militares
brasileiros, sendo publicadas fotografias destes eventos nos dias 15 de agosto e 07 de
novembro daquele ano. Já a Revista Fon-Fon reservou espaço para apresentar os aspectos da
partida do Marechal; suas atividades na Alemanha observando as paradas e manobras
militares do Exército; visitas a fábricas de armamento e canhões; e as festividades em sua
homenagem no retorno ao Brasil.116 “Nunca um oficial brasileiro recebera tantas
considerações da parte de uma grande potência […] depois desta viagem, Hermes da Fonseca
teria assumido o compromisso de contratar uma missão alemã para instruir o Exército
brasileiro” (DOMINGOS, 2001, p. 199).
As aproximações entre brasileiros e alemães passaram a preocupar também os
militares franceses, uma vez que França e Alemanha eram grandes concorrentes na venda de
materiais bélicos. Como afirma Luna,
115
Mais tarde, sob esta influência, o Marechal Hermes realizou as primeiras grandes manobras militares em
Realengo.
116
Revista Careta 15 de agosto de 1908; Revista Careta 07 de novembro de 1908; Revista Fon-Fon 03 de
outubro de 1908; Revista Fon-Fon 10 de outubro de 1908; Revista Fon-Fon 24 de outubro de 1908; Revista
Fon-Fon 07 de novembro de 1908.
88
Diante deste quadro de clara disputa por influência militar, dois anos depois, em 1910,
já como presidente eleito, mas ainda não empossado Hermes da Fonseca visitou novamente a
Alemanha no mês de setembro. Neste mesmo ano, no mês de agosto, também havia visitado a
França e cumprido extensa agenda de compromissos oficiais. No entanto, ao contrário do que
se esperava e do que os jornais brasileiros, alemães e franceses tentavam defender, após
assumir a presidência nenhum dos países europeus foi privilegiado na disputa, ficando as
decisões sobre a vinda de uma missão militar estrangeira suspensas durante todo o seu
mandato (1910-1914). As discussões sobre o tema, no entanto, prosseguiram com o destaque
pela necessidade de renovação no EB seguindo a estrutura alemã de forma acirrada pelos
“jovens turcos” (LUNA, 2007).
Em paralelo a estas discussões e buscando não ficar fora da disputa, ainda em 1905 os
militares franceses haviam recebido o convite para enviar uma missão para atuar na Força
Pública de São Paulo. Este convite tinha como objetivo o fortalecimento das polícias
estaduais por parte das oligarquias locais na busca por resgatar o prestígio e o controle sobre
estas corporações, progressivamente perdidos desde a Guerra do Paraguai. Apesar de as
negociações terem se desenvolvido de forma rápida, o Exército Francês não apresentou
grande entusiasmo em enviar uma missão para uma Força Policial. Segundo Manuel
Domingos (2001), seus reais objetivos eram a entrada no Exército Brasileiro e
estabelecimento de sua estrutura militar naquela instituição, mas como discutido
anteriormente o EB estava em processos de aproximação com os militares alemães. O
Ministério de Negócios Estrangeiros da França, no entanto, resolveu atender ao pedido do
então Embaixador brasileiro na França, Toledo de Piza (membro da oligarquia paulista), com
vistas a estabelecer uma infiltração em um “Estado muito próspero”, conforme suas
declarações. Sendo assim, foi encaminhada uma missão coordenada pelo Coronel Paul
Balagny para atuar em São Paulo no ano de 1906 (DOMINGOS, 2001).117
117
Neste mesmo período, as preocupações com o processo de formação em Educação Física entraram em pauta
nos debates legislativos. Em 1905, o deputado amazonense Jorge de Morais apresentou projeto ao Congresso
Nacional propondo a criação de duas escolas de Educação Física, sendo uma civil e a outra militar. Previa ainda
o envio de oficiais de terra e mar para a Europa e América do Norte para se especializarem na área. Declarava a
necessidade de se adquirir terrenos para a realização de jogos ao ar livre e a instituição da ginástica sueca e jogos
ao ar livre no Ginásio Nacional, Colégio Militar e Escola de Aprendizes e Marinheiros. Entretanto, apesar de ter
sido aprovado o projeto não foi concretizado (GRUNENNVALDT, 2006).
89
Os franceses iniciaram suas atividades junto a Força Pública de São Paulo e, após sua
chegada, passaram a buscar apoio junto ao General Luiz Mendes de Morais, provável
substituto de Hermes da Fonseca na pasta da Guerra. As ações realizadas em São Paulo foram
utilizadas como propaganda das possibilidades de atuação e das contribuições que uma
missão francesa poderia estabelecer no EB (DOMINGOS, 2001).
Focando na temática de estudo deste trabalho, pode-se destacar esta atuação dos
militares franceses em São Paulo como um marco importante para as relações entre esporte,
educação física e militares no Brasil. Como desdobramentos das renovações implementadas
pela Missão Francesa, foi criada a primeira Escola de Educação Física do país com o objetivo
de formar monitores para divulgar a prática de esporte e atividade física. Publio e Catalano
(2005) transcreveram o documento que oficializou a criação da Escola de Educação Física da
Força Pública de São Paulo que inicialmente foi nomeada de “Curso de Esgrima e Ginástica”
e esteve sob a direção do Capitão do Exército Francês Delphin Balancier. A sede da Escola
foi estabelecida próximo ao rio Tietê, espaço tradicional de concentração dos clubes
esportivos paulistas desde o final do século XIX. O documento de criação, Aviso da 3a. Seção
nº 185 de 03 de março de 1910, foi publicado na Ordem do Dia nº. 52 do Comando do 1°
Batalhão da Força Pública e tinha o seguinte teor
Senhor Comandante Geral da Força Pública. Declaro-vos em referência ao Ofício nº
330 de 14 do mês passado que fica creado um Curso de Esgrima e Gymnastica,
destinado aos officiais da Força Pública do Estado, devendo serem tomadas as
providências para instalação do respectivo apparelho em sala adrede preparada.
Saúde e fraternidade. (Assinado) W.Luiz (PUBLIO e CATALANO, 2005, p. 414).
118
Revista Careta 13 de junho de 1908, p. 8.
90
Estas influências estrangeiras tanto no Exército quanto na Força Pública de São Paulo
auxiliaram na implantação das ações para um maior profissionalismo nestas instituições,
envolvendo além de mudanças nas estruturas internas, reforma de regulamentos e inserção de
novas práticas, a intensificação das preocupações com as atividades físicas. A criação da
Escola de Educação Física em São Paulo é um exemplo deste novo movimento.
No caso da Marinha do Brasil, a aproximação com influências estrangeiras na área da
atividade física ocorreu de uma forma um tanto inusitada. No ano de 1908 o Navio-Escola
Benjamin Constant realizou uma viagem de circunavegação ao redor do globo como parte da
conclusão do curso de oficiais da MB. Ao chegar ao Oriente, no trajeto entre Honolulu e
Yokohama, o navio encontrou e resgatou 22 japoneses que haviam naufragado próximo à Ilha
Wake no Pacífico que foram levados de volta ao país de origem pelo navio brasileiro. Este
evento fez com que a viagem do Benjamin Constant recebesse destaque da imprensa com
publicação de diversas notas acompanhadas de fotografias, tanto na revista Careta como na
Fon-Fon, divulgando as celebrações realizadas pelo Império Japonês aos militares brasileiros.
No entanto, as publicações tiveram enfoques distintos. Enquanto a primeira publicou imagens
em plano geral do navio, com os oficiais brasileiros e os japoneses resgatados posando a
bordo, apenas acompanhada de legendas sem matérias explicativas mais completas, a Fon-
Fon publicou matérias completas sobre partes da viagem, com fotografias dos locais por onde
o navio passou, como o Estreito de Magalhães e Havaí, e a recepção dos militares brasileiros
no Japão inclusive trajando os tradicionais kimonos em cerimônia do chá oferecida aos
oficiais. Pelas ações de resgate dos náufragos japoneses, o comandante do navio Capitão-de-
Fragata Antonio Coutinho Gomes Pereira recebeu a medalha de ouro do mérito naval
japonês.119, 120
Esta visita ao Japão e as aproximações estabelecidas resultaram na vinda de alguns
japoneses a bordo do Benjamin Constant em seu retorno ao Brasil. Os asiáticos aproveitaram
a viagem para introduzir junto à tripulação brasileira a prática do jiu-jitsu, arte marcial de
origem japonesa. O retorno do navio ao país com estes convidados foi noticiada na revista
Careta do dia 19 de dezembro de 1908. Com imagens ocupando página inteira, a publicação
destacava a vinda do professor Sada Miyako, seu ajudante M. Kakihara e Sensuke He, que se
tornou criado de bordo do Benjamin Constant após ter sido resgatado na Ilha Wake. Além das
fotografias dos cavalheiros, a revista ainda publicou duas fotos onde os marinheiros
119
Revista Careta 01 de agosto de 1908; Revista Careta 17 de outubro de 1908; Revista Careta 19 de dezembro
de 1908; Revista Fon-Fon 01 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 29 de agosto de 1908; Revista Fon-Fon 10 de
outubro de 1908
120
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1908, p. 5.
91
brasileiros recebiam lições de jiu-jitsu a bordo do navio com os nomes das técnicas aplicadas:
o koshimago e o kesagatame (vide Figura 1).121
Após sua chegada ao país, o professor Sada Miyako passou a dar lições de jiu-jitsu na
Fortaleza de Villegagnon. Logo no ano seguinte à sua chegada, Miyako protagonizou um
evento interessante para a história do esporte nacional. Em exibição da arte marcial japonesa
no Pavilhão Paschoal Segreto, no Rio de Janeiro, o locutor anunciou que o lutador convocava
um desafiante. O praticante de Capoeira Francisco da Silva Ciríaco, conhecido na cidade
como Macaco Velho, aceitou o convite e, em um movimento muito rápido, golpeou o japonês
sendo declarado vencedor do combate (INOUE, 2009). A realização do curioso combate foi
noticiada na imprensa em diferentes periódicos, como o Jornal do Comércio de 02 de maio de
1909122 e a Revista Careta de 29 de maio de 1909. No jornal foram publicadas duas notas
sobre o evento. A primeira informava que “sportman japonez do tão apreciado jogo jiu-jitsu
foi hontem vencido pelo preto campista Cyriaco da Silva, que subjugou o seu contendor com
um passo de capoeiragem”. No mesmo jornal, em um pequeno box no canto direito da página
em meio aos anúncios de “vende-se” e “preciza-se” foi publicada uma nota divulgando os
serviços prestados por Miyako como treinador de jiu-jitsu.
JIU-JITSU: Mr. Sada Miyako, professor contratado para leccionar jiu-jitsu na
marinha brasileira, encarrega-se de dar licções particulares e a domicílio; cartas para
123
a rua Gonçalves Dias n. 73, ou para a Fortaleza de Willegaignon.
121
Revista Careta 19 de dezembro de 1908, p. 21-22.
122
Jornal do Commercio, 02 de maio de 1909, p. 7; p. 19.
123
Jornal do Commercio, 02 de maio de 1909, p. 19.
92
Figura 1: Fotografias em sequência com as imagens de Sada Miyako e seu ajudante M. Kakihara; Sensuke, o
criado de bordo; e os marinheiros apresentando os golpes koshimago e kesagatame.
Fonte: Revista Careta, 19 de dezembro de 1908, p. 22.
93
O Marechal Hermes da Fonseca foi o primeiro militar a ser eleito presidente de forma
direta, após esta acirrada disputa com Rui Barbosa. Seu governo foi marcado por inúmeras
tensões em diferentes regiões do país. Logo nos primeiros meses no cargo, o Marechal
precisou lidar com um movimento de levante de marinheiros no Rio de Janeiro, além de
conflitos no sul do país e a eclosão da guerra de proporções mundiais na Europa em 1914.
Estes acontecimentos e seus desdobramentos para as FFAA brasileiras serão discutidos no
tópico a seguir.
94
Sobre as origens do movimento, Nelson Werneck Sodré afirma que este foi
desencadeado por conta das condições de trabalho na MB naquele momento, entre elas:
Alimentação deficiente, sobrecarga de trabalho e, principalmente, castigos corporais,
foram as causas próximas do motim. Casos esparsos já haviam ocorrido,
devidamente sonegados ao conhecimento geral; agora o caso era gravíssimo:
poderosas naves de guerra dominadas pelos marinheiros assestavam os seus canhões
para a terra exigiam para a tropa treinamento humano. A rebelião surgiu quando um
marinheiro sofreu o castigo de 250 chibatadas e foram sacrificados, de início, alguns
oficiais e praças. (SODRÉ, 2010, p. 243).
Como aponta o autor, as rebeliões foram desencadeadas pela insatisfação dos grupos
com a punição de 250 chibatadas imposta contra o marinheiro Marcelino Rodrigues, do
Encouraçado Minas Gerais. Liderado pelo também marinheiro João Candido, o movimento
de rebelião iniciou em novembro de 1910 e envolveu diversos navios da Marinha do Brasil
onde os marinheiros assassinaram ou fizeram reféns os oficiais comandantes e tomaram as
embarcações até que suas reivindicações fossem atendidas. Segundo a carta ultimato enviada
ao Presidente da República em 22 de novembro de 1910 pelos revoltosos, as principais
solicitações dos marinheiros eram o fim dos castigos corporais na Marinha, o aumento do
soldo, melhorias na educação dos marinheiros e a efetivação da tabela de serviços diários
(BRAGA, 2010).
Entre os navios tomados pelos marinheiros estavam os Encouraçados Minas Gerais e
São Paulo, frutos do programa de reaparelhamento da Marinha e com alto poder de fogo. José
Murilo de Carvalho (1995), analisando a revolta, afirmou que este poder de destruição dos
navios rebelados causou grande pânico na sociedade carioca, uma vez que alguns tiros e
granadas chegaram a ser disparados contra a cidade.
95
124
José Murilo de Carvalho o descreve como “um crioulão alto e forte e feio, boca enorme, maçãs salientes,
trinta anos de idade em 1910. Filho de ex-escravos, pai alcoólatra, entrara para a Marinha em 1895 com 15 anos.
Em 1910 ainda era semi-analfabeto, lia mas não escrevia. Nos 15 anos de engajamento, fora promovido a cabo,
mas por mau comportamento tinha sido rebaixado a marinheiro de primeira classe. Envolvera-se em lutas
corporais com colegas e espancara outros. Em 1909, dera uma chibatada em um grumete que, em represália, o
esfaqueara nas costas” (CARVALHO, 1995, p. 70).
125
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1910, p. 4-24.
126
Revista Careta 03 de dezembro de 1910, p. 8-9, 13-14, 16-17, 21-22, 25-26.
96
ano publicou em sua capa o novo “almirante” da Marinha, o “almirante negro” a bordo do
navio com dois marinheiros prestando continência em sua passagem. (vide figura 2).
Ao final dos conflitos, foi designado novo comandante para o Minas Gerais que
recebeu o comando das mãos do “Almirante Negro” João Candido (SODRE, 2010). Apesar
da anistia concedida pelo Congresso aos revoltosos do movimento de novembro, os oficiais
de Marinha não se conformavam com esta decisão e a rebelião do Batalhão Naval em 09 de
dezembro foi utilizada como justificativa para a prisão de João Candido e dos demais
marinheiros envolvidos no movimento, “apesar de ter ficado ao lado do governo durante a
última revolta, de ter mesmo ordenado o bombardeio do quartel de fuzileiros, enquanto os
oficiais do Minas Gerais abandonavam covardemente o posto” (CARVALHO, 1995, p. 72).
Estas rebeliões de 1910 tiveram impactos sobre as questões de hierarquia e disciplina
na Marinha do Brasil. A quebra destas determinações, com a revolta do grupo mais baixo na
escala hierárquica contra os oficiais e comandantes, inclusive com a morte de alguns deles, foi
um marco na história da instituição. As reações ao movimento de novembro chegaram a
considerar a destruição dos navios, caso fosse necessário, para debelar os revoltosos:
Desde o primeiro momento uma forte corrente dentro da Marinha e do Governo
defendia uma reação militar contra os revoltosos. Uns chegavam a defendê-la
veementemente, indo até às últimas consequências, com a destruição dos
encouraçados se preciso fosse. Não suportavam a desonra a que estavam
submetendo uma das mais briosas instituições nacionais, a Marinha de Guerra, com
a quebra de seus dois sustentáculos, a “hierarquia e disciplina” (BRAGA, 2010, p.
160).
evidenciaram novas formas de organização militar “irregular” utilizadas por estas lideranças
locais: “os bandos de jagunços, recrutados em regiões em que predominavam absolutas as
relações feudais” (SODRE, 2010, p. 247).
A chamada Guerra do Contestado foi um conflito na região entre os atuais estados de
Paraná e Santa Catarina onde foi necessária a intervenção das FFAA e, segundo Sodré (2010),
o Exército atuou com força e violência para conter o movimento, que teve as seguintes
características:
Em 12 de setembro de 1912, foi deflagrada uma rebelião de caráter messiânico, na
região de litígio entre os atuais estados do Paraná e Santa Catarina, conhecida como
zona do Contestado. As tropas do governo do Paraná iniciaram o primeiro confronto
na cidade de Irani. Entre os 23 sertanejos mortos, estava o beato José Maria, líder do
movimento que pretendia fundar uma “monarquia celestial” na região. Na área sob a
sua influência não era aceita a cobrança de impostos nem permitida a propriedade da
terra. Após vários conflitos armados, nos quais morreram cerca de vinte mil pessoas,
a rebelião foi liquidada em 1915, já no governo de Venceslau Brás. (ARQUIVO
NACIONAL, 2009, p. 36).
Cláudio Calaza (2009) afirma que neste conflito ocorreu o primeiro uso militar da
aviação no continente americano. Importante destacar que a aviação no Brasil, até este
momento, estava ligada às práticas esportivas. Como afirma Moreira (2005), a aviação iniciou
como esporte sendo seus pioneiros conhecidos como sportman, caso de Santos Dumont,
brasileiro que entrou para a história como “pai da aviação”. Seus feitos foram registrados pela
Fédération Aéronautique Internationale atribuindo-lhe o título de sportman e primeiro
aeronauta com recordes certificados no mundo. Santos Dumont chegou a seguir para os
Estados Unidos, em 1904, para participar nos Jogos Olímpicos de Saint Louis em
99
viagem o Tenente realizou a aquisição dos aviões para o Ministério da Guerra brasileiro que
ficaram sob responsabilidade do Aero Clube. A decisão pelo uso dos aviões partiu do General
Setembrino de Carvalho que, quatro dias após assumir o Comando de Operações na região do
Contestado,
enviou uma mensagem ao ministro da Guerra requisitando o emprego de aeroplanos
no conflito. O dia era 16 de setembro de 1914, apenas oito anos decorridos do vôo
do 14 bis de Alberto Santos Dumont no Campo de Bagatelle, na França. Somente
dois dias depois o general constituiria seu Estado-Maior da campanha. Nesse
momento, transcorriam na Europa as frentes iniciais da Primeira Guerra Mundial,
onde os aviões já eram intensamente testados nas batalhas, atestando suas
potencialidades. [...] Sob forte apoio da opinião pública cinco aviões foram
embarcados de trem rumo ao Sul. Durante a viagem, uma falha na alimentação da
locomotiva provocou fagulhas pela chaminé que atingiram o vagão de combustíveis
e provocaram uma explosão que desencadeou um trágico incêndio na composição,
resultando na destruição de duas aeronaves. (CALAZA, 2009, p. 434; p. 438).
Entretanto, o uso bélico da aviação foi empreendido de forma precipitada e não obteve
os resultados esperados. Sem preparações prévias ou atenções a planos estratégicos para a
atuação e manutenção das aeronaves, a única efetiva aplicação deste instrumento foi o de
reconhecimento aéreo da região em conflito em janeiro de 1915. Com o avanço dos combates
em terra, esta missão de reconhecimento foi ordenada e colocou um “ponto final na iniciativa
dos aviões no Contestado”, uma vez que ocorreu o grave acidente aéreo que levou à morte o
piloto da aeronave Tenente Ricardo Kirk (CALAZA, 2009, p. 438).
O uso dos aviões como instrumento de reconhecimento foi aplicado por diferentes
exércitos, como o inglês e o francês, durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918)
aperfeiçoando-se a prática ao longo do conflito com modelos de aeronave com novas funções
como bombardeios com bombas lançadas a mão pelo co-piloto e armamento para alvejar os
inimigos, como a metralhadora. (NAVARRO, 2006).
O processo de inserção da aviação nas FFAA brasileiras se efetivou com a criação da
Escola de Aviação Naval, primeira escola de aviação militar do país, oficializada pelo Decreto
n°. 12.167 de 23 de agosto de 1916127, assinado pelo então presidente Wenceslau Braz. A
divulgação da aviação na Marinha do Brasil se intensificou a partir da criação da Escola,
tendo inclusive como ilustre visitante Santos Dumont, no ano de 1917, conforme noticiado na
revista Careta de 03 de fevereiro daquele ano. As imagens publicadas retratam sua visita à
Escola de Aviação da Marinha, realizando inclusive um sobrevoo sob a ponte Almirante
127
BRASIL. Decreto n° 12.167 de 23 de agosto de 1916. Crêa sem augmento de despeza, as escolas de Aviação
e de Submersíveis.
101
Alexandrino de Alencar128 na Ilha das Cobras (RJ) como passageiro do Tenente Delamare a
bordo do Hydroplano C1. 129
Ao longo das duas décadas seguintes, 1920 e 1930, a aviação militar adquiriu cada vez
mais características de instrumento para combates e proteção do território, deixando um
pouco de seu caráter esportivo inicial, porém sem extinguir esta aplicação ficando ela a cargo
dos Aeroclubes espalhados pelo Brasil. Com o crescimento da prática da aviação tanto na
Marinha como no Exército, passou-se também a ter maior preocupação com a preparação
física dos pilotos a fim de melhorar o poderio aéreo, sendo também discutida a
implementação de exercícios e do esporte para os pilotos com vistas ao preparo do corpo
(MOREIRA, 2005)
A experiência nos conflitos do Contestado mais uma vez evidenciou as dificuldades
enfrentadas pelas FFAA brasileiras naquele momento. Seguia-se discutindo a necessidade de
reestruturação, mas para isso era necessário o apoio do Congresso para liberação das verbas.
De acordo com McCann (2009), a eclosão da Primeira Guerra amedrontou tanto as elites
nacionais que o governo aprovou um orçamento para as FFAA que possibilitava a
implantação dos projetos de reorganização.
O problema do recrutamento seguia preocupando as lideranças militares, como foi
possível perceber nos relatórios ministeriais tanto da Marinha como do Exército publicados
neste período. Pinheiro et al (2006) afirmam que o sistema de recrutamento realizado até 1916
não possibilitava o processo de modernização que tanto se almejava por garantir recursos
humanos de má qualidade. A solução para esta problemática, segundo as percepções da
época, seria o estabelecimento do sorteio universal, mas a resistência a este sistema era grande
em diferentes esferas da sociedade (políticos, imprensa e até operários).
As necessidades de recrutamento mais efetivo e de treinamento especializado
passaram a ser uma discussão ainda mais urgente com a eclosão dos conflitos da Primeira
Grande Guerra na Europa. Inicialmente o Brasil manteve-se em posição de neutralidade no
conflito, conforme o Decreto n°. 11.037 de 04 de agosto de 1914 assinado pelo presidente
128
A ponte pênsil Almirante Alexandrino de Alencar ligava a Ilha das Cobras, onde ficavam o Hospital Central
da Marinha, o Batalhão Naval e outros estabelecimentos da Marinha, ao continente. Foi inaugurada em 1915 e
recebeu o nome do Ministro da Marinha que ordenou sua construção. A ponte era dotada de um transportador
volante que percorria seus 288m de comprimento conduzindo cargas, e até 400 pessoas em pé. Com a
transferência do Arsenal de Marinha para a ilha e a construção de um novo Depósito Naval, a ponte pênsil já não
atendia às necessidades, razão pela qual foi necessário substituí-la pela ponte Arnaldo Luz, no ano de 1930.
Atualmente, a Ilha das Cobras ainda é ligada ao 1º. Distrito Naval, situado no continente, pela ponte Arnaldo
Luz, que já completou mais que 70 anos de uso.
129
Revista Careta 03 de fevereiro de 1917, p. 12.
102
A questão do ensino militar sempre foi um ponto debatido e discutido nos diferentes
meios de divulgação das ações das FFAA brasileiras desde os anos iniciais da República. A
necessidade de reformar os métodos e processos de treinamento, além de melhorias materiais,
era defendida como o caminho para se estabelecerem melhorias efetivas no interior das
instituições militares. O Aviso do Ministério da Guerra de 19 de maio de 1911, publicado no
Relatório do Ministério da Guerra de 1911, reforçava a necessidade de reformas no sistema de
ensino militar, enfatizando a questão das instruções práticas como um fator fundamental a ser
considerado nesta reorganização.130 O Boletim Mensal do Estado Maior do Exército de
novembro deste mesmo ano de 1911 publicou na coluna Notas Editoriais um texto intitulado
“A reforma no Ensino Militar” debatendo novamente as necessidades de reestruturação da
formação dos militares no Brasil. O artigo de autoria do Major João Vespúcio de Abreu e
Silva, relator da Comissão responsável pelo projeto de reforma, afirmava que era fundamental
o desenvolvimento das aptidões físicas paralelamente às habilidades profissionais no processo
de formação dos militares brasileiros e, para justificar sua afirmação, apresentava os modelos
de ensino nas FFAA francesas, alemãs e argentinas.131
Seguindo neste mesmo sentido, o Relatório do Ministério da Marinha de 1913 discutia
as questões de formação dos oficiais indicando que a melhoria da qualidade nesse processo
era fundamental para o crescimento da Marinha. Como afirmou o Ministro Almirante
Alexandrino de Alencar “formar o official é, pois, formar a própria marinha; esta é o seu
reflexo”. Reforçava-se, então, a necessidade de intensificar os processos de treinamento e
aperfeiçoamento dos oficiais. No caso da formação de inferiores e marinheiros, o relatório
130
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1911, Anexo B, p. 49.
131
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. II, n°. 2, novembro de 1911. Ministério da Guerra,
Imprensa Militar: 1911, p. 105.
103
afirmava que para a boa instrução era necessário que se iniciasse o treinamento na “mais tenra
idade”. Sob este argumento, reafirmava o valor das escolas de aprendizes como
indispensáveis ao desenvolvimento de bons marinheiros. O Ministro ainda justificou que não
havia abandono da situação dos marinheiros, como afirmavam algumas análises do
movimento de 1910, e apontou a criação de diversas escolas de aprendizes entre 1906 e 1910
em todo o país, ampliando-se o número já existente, destacando que
[...] Estas escolas de aprendizes, tomando crianças de 12 a 16 annos, preparavam-nas
em noções elementares do navio de guerra, obras do marinheiro, rumos de agulha,
gymnastica, exercícios de toda a sorte, inclusive o jogo do foot-ball, para
desenvolver-lhes o physico e adaptar-lhes a intelligencia ao estudo mais elevado, nas
escolas modelo.[...]132
132
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1913, p. 196.
133
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1910, p. 32.
134
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1912.
104
O documento aponta esses dados como base para afirmar que o contingente de 25 mil
do Exército Brasileiro não era suficiente para atender às necessidades do país, com seus então
21 milhões de habitantes e extenso território. Como proposta para mudar este panorama,
reforçava a urgência em aumentar o contingente a fim de possibilitar para a nação brasileira,
em relação à defesa, “uma era nova, toda feita de calma, tranquilidade e confiança”.135 No
relatório do ano seguinte o Ministério da Guerra seguia apontando as dificuldades de se ter o
contingente mínimo estabelecido pela diminuição progressiva dos voluntários. Neste sentido,
reforçava a necessidade da efetiva realização do sorteio militar em todas as regiões.136
Sobre a legislação relativa ao recrutamento militar no Brasil137, Frank McCann afirma
que “depois de ser aprovada, em 1908, a lei permanecera engavetada porque o Congresso
cortara tão drasticamente o orçamento do Exército que o pequeno efetivo autorizado era
preenchido por voluntários” (MCCANN, 2009, p. 229).
Rogério Rodrigues, ainda sobre as novas determinações de recrutamento militar
brasileiro a partir de 1908, aponta que
Entre 1908 e 1916 muito se debateu, contestou e defendeu a citada lei. O auge dessa
discussão aconteceu no ano de 1914, período que coincidia com a incidência da
Primeira Guerra Mundial na Europa. O momento era estratégico para os discursos
militaristas, pois garantia maior visibilidade às forças armadas e animava os
sentimentos nacionalistas na sociedade. Nesse contexto o exército aparecia como
uma das poucas instituições legítimas capazes de defender a nação das mazelas
políticas e sociais. [...] O que se almejava era instituir o serviço militar obrigatório
no Brasil, reequipar belicamente o exército, melhorar a formação dos oficiais por
meio da contratação de instruções militares estrangeiras, bem como melhorar as
condições físicas das instalações militares no país [...] (RODRIGUES, R., 2011b, p.
77).
135
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1912, p. 6.
136
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1913, p. 4-5.
137
BRASIL. Lei nº 1.860, de 4 de Janeiro de 1908. Regula o alistamento e sorteio militar e reorganiza o
Exército.
105
Uma das ferramentas utilizadas pelas FFAA para aproximar e atrair os jovens para
suas atividades eram as Sociedades de Tiro espalhadas por todo o país. Estas instituições
atuavam não somente com os exercícios de tiro, mas garantiam aos sócios uma instrução
completa de soldado de infantaria138 e eram organizadas e normatizadas pela Confederação de
Tiro Brasileiro. As associações de Tiro foram propostas com o objetivo de possibilitar
aproximações entre os militares e a sociedade civil. A fundação da Confederação de Tiro
Brasileira como entidade para organizar as associações em todo o país e atuar no fomento
destas atividades não teve êxito imediato, mas ao ser reativada por Hermes da Fonseca em
1906 quando ocupava a pasta da Guerra, passou a ampliar gradativamente o número de
associações federadas (PINHEIRO et al, 2006). Em 1910, ano de regulamentação de seus
estatutos, a Confederação contava com 137 sociedades confederadas. O Decreto n°. 8.083 de
25 de junho de 1910 que aprovou seu regulamento e os estatutos das sociedades de tiro
incorporadas, determinou que a entidade nacional estava subordinada ao Ministério da Guerra
e dependente na parte técnica do Departamento da Guerra. Segundo o decreto,
[...] Art. 2º. A Confederação de Tiro Brasileiro é a reunião de todas as sociedades
nacionaes de tiro de guerra que preencherem e acceitarem as condições estabelecidas
neste regulamento.
Art. 3º. O fim da Confederação é methodizar a instrucção militar nas sociedades de
tiro, auxiliar e encorajar os esforços destas sociedades e promover a incorporação de
outras, de modo que cada município tenha, pelo menos, uma [...].139
138
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1917.
139
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1910, Anexo A, p. 37.
140
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1911, p. 13.
141
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1912, p. 36-37.
106
O mesmo relatório referenciado acima ainda discute que somente o aumento dos
contingentes não era o suficiente para a garantia da defesa nacional. Era necessário que se
dispensassem atenções com as questões de armamento, munição, fardamento, viaturas. Os
equipamentos estavam em situação complicada, pois as encomendas feitas a algumas nações
estrangeiras não foram entregues em função da ocorrência dos conflitos na Europa. O
relatório ainda destacou que o processo de instrução e educação das tropas vinha melhorando
significativamente, graças à dedicação de oficiais e aspirantes envolvidos nestas atividades.143
Com o novo panorama mundial marcado pelo conflito armado, o estabelecimento de
diretrizes mais claras para os processos de treinamento passaram a ser uma preocupação ainda
mais importante. A Portaria de 02 de maio de 1914, publicada no Relatório do Ministério da
Guerra de 1914, por exemplo, determinava as instruções para a esgrima de baioneta a ser
utilizada no EB como forma de uniformizar os processos de treinamento e preparação dos
militares.144 Esta necessidade de maior especialização fomentou a criação de manuais de
instrução que eram vendidos para a disseminação das normas físicas. O Aviso n°.1 de 11 de
março de 1916 do Ministério da Guerra, por meio do Departamento Central, normatizava o
processo de venda das publicações do EB. Dentre os inúmeros títulos constavam: “Esgrima de
Espada”, “Instrução de Esgrima de Lança”, “Regulamento de Ginástica para infantaria e
tropas a pé”, “Regulamento de Ginástica para tropa montada”.145 Com estas publicações,
buscava-se estabelecer uma diretriz de preparação física dos integrantes do Exército
Brasileiro. Neste mesmo período foram também normatizadas as novas determinações sobre
142
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1915.
143
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1915.
144
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1914, Anexo B, p. 35-41.
145
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. XI, n°. 1, janeiro de 1916. Ministério da Guerra, Imprensa
Militar: 1916.
107
Com o processo de ampliação das práticas esportivas e da ginástica ao longo dos anos
iniciais do século XX, foi identificada uma crescente necessidade de profissionais para a
função de instrutores em todo o país, principalmente após a introdução da ginástica como item
dos currículos das escolas civis e militares. Neste novo cenário profissional, retomaram-se os
debates sobre a criação de escolas de formação em Educação Física (EF) por todo o país
visando à preparação de profissionais para atuação nestes novos espaços de trabalho
(PUBLIO e CATALANO, 2005).
A partir das observações da experiência de estabelecimento da primeira escola de
formação de monitores de educação física na Força Pública de São Paulo, sob influência da
Missão Francesa que estava instalada, iniciou-se na Marinha do Brasil uma discussão sobre a
criação da Escola de Gymnastica no Corpo de Marinheiros Nacionais. Esta instituição teria
como objetivo a formação de monitores de ginástica com responsabilidade de divulgar os
jogos e a ginástica sueca pelas escolas e navios. Esta proposta foi defendida pelo Tenente
Alfredo Colônia em artigo publicado na Revista Marítima Brasileira no 4º. Trimestre de 1910,
destacando o reforço na preocupação com a condição física dos militares. No entanto, este
projeto não teve aplicação imediata e a efetiva criação da Escola só foi concretizada 15 anos
depois, já sob a coordenação da Liga de Sports da Marinha.147
Neste momento era possível identificar três principais correntes de influências
estrangeiras nos modelos de ginástica e esportes praticados no Brasil: alemão, sueco e francês.
O método alemão de ginástica já era presente no Brasil desde o século XIX quando foi
traduzido o manual “Novo guia para o ensino da ginástica nas escolas públicas da Prússia” no
ano de 1870. Suas propostas ganharam ainda mais força no Exército Brasileiro através da
146
O Aviso do Ministério da Guerra n°. 1.113 de 27 de novembro de 1916 alterou o índice de robustez de 25 cm
para 33 cm e a altura para 154 cm.
147
COLONIA, Alfredo. Introdução das atividades gymnasticas na Marinha do Brasil. Revista Marítima
Brasileira, 4º bimestre de 1910, p. 7-16.
108
defesa de adoção desta metodologia por parte dos grupos de oficiais “jovens turcos” pelas
experiências com estas práticas em território germânico durante os estágios realizados entre
1906 e 1912.
O destaque para as grandes qualidades físicas dos militares alemães e a eficácia do
método aplicado por eles para o preparo e desenvolvimento do corpo eram o argumento
comumente utilizado. Renato Soeiro (2003, p. 29) afirma que “O método Alemão [...] pensava
a prática da ginástica com forte caráter militar, como forma de manter o povo 'forte e
saudável'. Com forte teor de civismo e patriotismo, estava diretamente ligado aos movimentos
nacionalistas alemães”. Corroborando esta definição, Carmen Lucia Soares (2004) comenta
que a Escola Alemã de ginástica surgiu como uma ferramenta de defesa da pátria pautada em
um espírito nacionalista sob o argumento de que para se efetivar a unidade do país seria
necessário que seus homens e mulheres fossem fortes, saudáveis e robustos. Acreditava-se
que este desenvolvimento físico somente seria possível por meio da prática de uma ginástica
com bases científicas (biológicas, fisiológicas e de anatomia). A ginástica deveria ser
organizada pelo governo e ministrada diariamente para homens, mulheres e crianças e seria
um “meio educativo fundamental da nação, disseminando cuidados higiênicos com o corpo e
com o espaço onde se vive” (SOARES, 2004, p. 53).
Além do método alemão ainda era recorrente no Brasil a defesa das vertentes suecas e
francesas. O método sueco de ginástica, criado no início do século XIX, preocupava-se com a
execução correta dos exercícios para o desenvolvimento e robustecimento dos diversos órgãos
do corpo humano, buscando-se o espírito corretivo das formas. Soares afirma que o método
foi criado para
extirpar os vícios da sociedade, entre os quais o alcoolismo, o método sueco de
ginástica se colocava como o instrumento capaz de criar indivíduos fortes, saudáveis
e livres de vícios, porque preocupados com a saúde física e moral. Esses eram os
indivíduos necessários, já que seriam úteis a produção e a pátria. Bons operários,
uma vez que por esta época a Suécia dá início ao seu processo de industrialização, e
bons soldados, uma vez que a ameaça de guerras estava sempre presente. Pehr
Henrick Ling (1776-1839), poeta e escritor, propõe um método de ginástica
impregnado de nacionalismo e destinado a regenerar o povo, formar, enfim, homens
de bom aspecto que pudessem preservar a paz na Suécia. Seu método ou escola de
ginástica se baseia na ciência, deduzindo de uma análise anatômica do corpo uma
serie racional de movimentos de formação. Ling considerava que a sua ginástica
poderia ser dividida em 4 partes, de acordo com os diferentes fins visados. Assim,
ela poderia ser: a) Ginástica pedagógica ou educativa [...]; b) Ginástica militar [...];
c) Ginástica médica e ortopédica [...]; d) Ginástica estética [...] (SOARES, 2004, p.
57-58).
109
148
COLONIA, Alfredo. Introdução das atividades gymnasticas na Marinha do Brasil. Revista Marítima
Brasileira, 4º bimestre de 1910, p. 7; 9.
149
Revista Careta 23 de abril de 1910.
150
COLONIA, Alfredo. Introdução das atividades gymnasticas na Marinha do Brasil. Revista Marítima
Brasileira, 4º bimestre de 1910, p. 12.
151
ibidem, p. 16.
110
defendidas pelo autor do artigo apresentam algumas das discussões que seguiam em pauta
sobre a educação física no Brasil.
A terceira proposta de metodologia de ginástica que garantia espaço no país neste
período era a francesa. Ao observar este método é preciso considerar que
a França é o berço das concepções liberais clássicas de educação, concepções essas
que incluíam também o exercício físico como elemento indispensável a educação do
“Homem universal”. [...] Na França, a ginástica integra a ideia de uma educação
voltada para o desenvolvimento social, para o qual são necessários homens
completos. [...] E nesta perspectiva que a ginástica será organizada não somente para
militares, mas também para toda a população, colocando-se como uma prática capaz
de contribuir para a formação do homem “completa e universal”. [...] Para seu
fundador, D. Francisco de Amoros y Ondeano (1770-1848), a ginástica na França
deveria abranger a prática de todos os exercícios que tornam o homem mais
corajoso, mais intrépido, mais inteligente, mais sensível, mais forte, mais habilidoso,
mais adestrado, mais veloz, mais flexível e mais ágil, predispondo-o a resistir a
todas as intempéries das estações, a todas as variações dos climas, a suportar todas
as privações e contrariedades da vida, a vencer todas as dificuldades, a triunfar de
todos os perigos e de todos os obstáculos que encontre, a prestar, enfim, serviços
assinalados ao Estado e a humanidade. (SOARES, 2004, p. 60-61).
152
Revista Careta 19 de abril de 1913, p. 39-48.
111
Ao longo das edições de 1911, 1912, 1913 e 1914 foram publicados inúmeros
relatórios destes oficiais que estagiaram junto ao Exército Alemão. Com a divulgação destes
relatos, exaltava-se a metodologia de preparação dos militares alemães sendo sempre
enfatizada a necessidade de implementação de melhorias no processo de treinamento dos
brasileiros seguindo estes modelos de sucesso.
O esporte e a ginástica seguiram fazendo parte das celebrações de datas importantes
para as FFAA brasileiras, como nas execuções de exercícios de esgrima no aniversário do
Colégio Militar155; na festa militar com apresentação de manobras e exercícios de ginástica
realizada em São Cristovão com presença do Marechal Presidente156; e na festa realizada pelo
Exército em homenagem a Marinha no campo de São Cristovão com a presença do Presidente
da República e exibições de exercícios militares e ginásticos pelo Colégio Militar e Escola de
Grumetes157. Estas práticas também eram item comum das festividades realizadas em visitas
153
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. IV, n. 1, outubro de 1912. Ministério da Guerra, Imprensa
Militar: 1912, p. 75-78.
154
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. V, n. 5 e 6, maio e junho de 1913. Ministério da Guerra,
Imprensa Militar: 1913, p. 551-552.
155
Revista Careta 14 de maio de 1910, p. 23.
156
Revista Careta 18 de janeiro de 1913, p. 8-9.
157
Revista Careta 21 de junho de 1913, p. 28-29.
112
158
Revista Careta 22 de janeiro de 1910, p. 28-30.
159
Revista Careta 02 de março de 1912, p. 29; 03 de agosto de 1912, p. 17.
160
Revista Careta 16 de março de 1912, p. 35.
161
Revista Careta 16 de agosto de 1913, p. 17.
113
162
Ciência ou estudo sobre cavalos ou suas utilizações (SILVA, 2009).
163
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. IV, n°. 2, fevereiro de 1913. Ministério da Guerra,
Imprensa Militar: 1913.
164
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. II, n°. 1, outubro de 1911. Ministério da Guerra, Imprensa
Militar: 1911, p. 79.
165
Boletim Mensal do Estado Maior do Exército, vol. VII, n°. 6, junho de 1914. Ministério da Guerra, Imprensa
Militar: 1914, p. 469.
166
Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha, Vol. II, Histórico Liga a C.E.M., p. 1.
167
Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha, Vol. II, Histórico Liga a C.E.M., p. 1.
114
Figura 3: Imagens publicadas na Careta dando destaque ao gol da vitória feito pelo Tenente Benjamin Sodré
para o Botafogo.
Fonte: Revista Careta 27 de junho de 1914, p. 16.
168
Revista Careta 27 de junho de 1914, p. 16.
116
4
ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA
MILITAR NO BRASIL: UMA
ANÁLISE COMPARADA DAS AÇÕES
DA LIGA DE SPORTS DA MARINHA
E DA LIGA MILITAR DE FOOTBALL
EM SEUS PRIMEIROS ANOS DE
ATUAÇÃO (1916-1922)
119
4.1 Atuação das Ligas Esportivas Militares: fundação e primeiras ações de promoção do
esporte.
Apesar das diferenças entre os formatos de ligas adotados pelos países, estas
entidades, na estrutura econômica do esporte, seriam aquelas com maior poder. Stephen
Hardy (1986) comentando o poder das ligas sobre as decisões no processo de gestão afirma
que para a efetivação de um produto comercializável no mercado esportivo é necessário que
exista um departamento central (ligas) com poder administrativo para coordenar as atividades
das “empresas individuais” (clubes) dentro de uma rede que possibilite sistemas estáveis de
competição para a geração de um produto (jogo) que atenda ao mercado. Neste sentido, as
ligas, federações e confederações esportivas assumem o papel de normatizadoras e
controladoras das ações dos clubes no processo de gestão e as relações entre eles na geração
do produto a ser apresentado ao mercado.
As ligas esportivas teriam como atribuição organizar as regras de funcionamento,
definindo questões como tamanho dos estádios; quantidade de competições a serem
realizadas; número de jogadores que cada clube poderia contratar e questões relacionadas a
transferências; e atuando como um verdadeiro cartel, excluindo ou inserindo times de acordo
com seus interesses visando à maximização dos lucros e monopólio do mercado (MALAIA,
2008b).
120
Entre 1915 e 1920 o Exército contou com uma liga esportiva criada com o intuito de
atuar na organização do futebol: a Liga Militar de Football (LMF). A criação de uma liga
monoesportiva específica desta modalidade justificava-se por vários militares do EB
participarem de equipes dos principais clubes do Rio de Janeiro, promovendo também
competições amistosas entre os regimentos onde serviam. De acordo com Ribeiro (2009), por
iniciativa do Tenente Francisco Mendes, atleta do Fluminense Football Club foi instalado um
campo ao lado do 1º. Regimento de Artilharia Montada, na Vila Militar para a realização de
partidas.
Já na Marinha do Brasil as ações de organização esportiva se iniciaram com
características distintas. Em 25 de novembro de 1915 um grupo de oficiais efetivou a
fundação da Liga de Sports da Marinha (LSM), primeira entidade de direção do esporte na
MB, e desde suas primeiras determinações focou no desenvolvimento de diferentes
modalidades, garantindo um caráter poliesportivo.
As duas entidades, LMF e LSM, buscaram junto aos seus respectivos Ministérios o
processo de reconhecimento de suas fundações e propostas de atuação junto aos militares de
cada uma das Forças. A LMF foi reconhecida institucionalmente através de Aviso do
Ministério da Guerra nº. 966 de 22 de junho de 1915:
Ministério da Guerra - Nº. 966. - Rio de Janeiro, 22 de junho de 1915.
Sr. chefe do Departamento da Guerra - Declaro-vos que permito o funccionamento
da “Liga Militar de Football”, cujo projecto de estatutos a este acompanha, sendo
facultado ao pessoal dos corpos do Exercito nella se inscrever. Saúde e fraternidade.
José Caetano de Faria.169
169
BRASIL. Diário Oficial da União de 29 de junho de 1915, seção 1, p. 5.
121
170
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1916. Anexo A, p. 01.
171
O Imparcial 01 de outubro de 1915, p. 9.
172
Como define Luca (2006), a categoria de fontes de imprensa “jornal” se caracteriza por ser uma publicação
diária em folhas separadas. O jornal em análise “O Imparcial” foi fundado por José Eduardo de Macedo Soares
após sua saída da Marinha do Brasil com o financiamento feito por seu irmão, José Carlos de Macedo Soares. O
jornal foi criado para apoiar a campanha de Rui Barbosa à presidência da República em 1909. O periódico foi
utilizado largamente para a defesa das propostas de Barbosa e o ataque ao principal adversário político, o
122
Marechal Hermes da Fonseca. Foi ainda instrumento em campanhas contra os governos de Epitácio Pessoa e
Artur Bernardes. (BIBLIOTECA NACIONAL, 2012; SILVA, 1998). A apresentação do periódico Diário
Carioca, outro jornal fundado por Macedo Soares, na Hemeroteca Digital Brasileira organizada pela Biblioteca
Nacional informa que “Preso por ordens do primeiro [Marechal Hermes], Macedo Soares promoveu, em O
Imparcial e ao lado do Correio da Manhã, Época e A Noite (cujos diretores também haviam sido detidos),
intensa campanha em favor da liberdade de imprensa. Em 1922, por ocasião da primeira rebelião tenentista
(episódio conhecido como “Os 18 do Forte”), já no governo de Epitácio Pessoa, José Eduardo voltou a ser preso.
Solto meses depois, seu jornal seria novamente fechado por ordem do novo presidente, Artur Bernardes, a quem
também fazia oposição. José Eduardo então se exilou na Europa com a mulher e filhas para retornar alguns anos
depois, já durante o governo de Washington Luís, e fundar o Diário Carioca (BIBLIOTECA NACIONAL,
2012). Este periódico, como já comentado, era o órgão oficial de publicação de diversas entidades esportivas
cariocas. Além do esporte já garantir seu espaço de divulgação na imprensa nas primeiras décadas do século XX,
esta atuação do jornal se deve, em parte, ao apreço de seu fundador e diretor pelo esporte. José Eduardo de
Macedo Soares foi dirigente esportivo e chegou a presidir a Confederação Brasileira de Desportos entre 1921 e
1922 (CABO e HELAL, 2010).
173
O Imparcial 06 de novembro de 1915, p. 9.
123
174
“1ª. Sessão da Directoria de 16 de dezembro de 1915”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha
- Volume I - Anexo I.
175
“Reunião de officiaes para fundação da Liga de Sports da Marinha”. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.
124
176
Benjamin Sodré, também conhecido como Mimi Sodré, foi jogador de futebol e representou, entre 1910 e
1916, os clubes cariocas do América e do Botafogo.
177
“2ª. Sessão da Directoria de 20 de dezembro de 1915”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha
- Volume I - Anexo I.
178
“1ª. Assembleia de Representantes de 24 de dezembro de 1915”. Livro Histórico Departamento de Esportes
da Marinha - Volume I - Anexo I.
179
“1ª. Assembleia Geral de 20 de novembro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
180
“1ª. Assembleia de Representantes de 24 de dezembro de 1915”. Livro Histórico Departamento de Esportes
da Marinha - Volume I - Anexo I.
181
As relações da hierarquia militar com o processo de organização esportiva tanto na Marinha como no
Exército serão discutidas em tópico específico ainda neste Capítulo 4.
125
182
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1916, anexo A, p. 1.
126
O estatuto definia que o campeonato de futebol seria realizado entre corpos do EB,
sempre iniciando em maio de cada ano, com equipes constituídas por praças tendo como
instrutor um oficial que seria o elemento de contato com a Liga e responsável pela disciplina e
guia para a aprendizagem. Mais uma vez a hierarquia militar foi utilizada como definidora dos
espaços de atuação e atribuições dos militares. Os corpos deveriam inscrever junto à Liga os
militares que fariam parte de suas equipes, assim como os uniformes que seriam utilizados e
as dimensões de seu campo. Era obrigatório que cada corpo que se inscrevesse para participar
do campeonato tivesse um campo oficial em condições de ser utilizado para seus matches.
Previa-se ainda a existência de uma comissão de futebol formada por três oficiais
indicados pela diretoria da Liga entre os instrutores que apresentassem conhecimentos
teóricos e práticos sobre o esporte. A equipe vencedora do campeonato organizado pela
entidade teria direito ao título de campeão do ano, um troféu e medalhas simbólicas cujo valor
dependeria das condições financeiras da Liga. Cada um dos corpos participantes tinha
obrigação de contribuir com uma “média quantia” (valor não definido no estatuto) para os
fundos de reserva da LMF. Ao final do campeonato, de acordo com as determinações, seria
realizada uma partida entre o time campeão e um formado pelos melhores jogadores dos
outros times e o lucro das entradas seria utilizado para a confecção de medalhas do time
campeão. Os estatutos publicados em 19 de março de 1916 em “O Imparcial” datavam,
segundo a publicação, de 18 de dezembro de 1915. Foram assinados pela comissão de futebol
composta pelo 2º. Tenente Francisco Mendes da Silva Sobrinho, 2º. Tenente José de Almeida
Figueiredo, Aspirante Hugo Bezerra e Aspirante Raul Lima. Evidencia-se também, como na
LSM, a composição da direção da LMF somente com integrantes do oficialato do EB.
Na edição de 20 de novembro de 1915, o mesmo jornal publicou uma nota sobre as
festas em comemoração ao dia da bandeira realizadas no EB. Entre as atividades, ocorreu uma
partida de futebol e a entrega da premiação para os campeões militares de 1915. Nesta mesma
edição, foi transcrito o discurso realizado pelo Tenente Castelo Branco na cerimônia, onde o
oficial destacou que
183
O Imparcial 19 de março de 1916, p. 10.
127
A Liga Militar tem grande satisfação de communicar neste momento sublime para
nós todos que amamos o sport, que a mocidade militar tal qual como a civil, sabem
jogar e interpretar com todas as regras o sport predilecto da terra de Jorge V.
Logo no começo da creação da Liga Militar encontramos, como era natural, alguns
obstáculos que foram logo desapparecendo por parte daqueles que não
comprehendiam o grande jogo inglez.
Hoje contamos na mocidade militar com mais de um terço da sua totallidade, quer
no quadro de officiaes, quer no das praças de pret, e o ideal é contar com a
totallidade; precisamos de homens fortes e valentes, destemidos e extraordinários.
Precisamos preparar os nossos jovens militares para as grandes lutas e para a
civilização da nossa pátria.184
184
O Imparcial 20 de novembro de 1915, p. 9.
128
185
O Imparcial 22 de janeiro de 1920, p. 8.
129
A segunda grande febre desportiva do Rio de Janeiro veio com o futebol e logo se
tornou ainda mais intensa do que as regatas. Inicialmente difundido entre as elites,
ele seria adotado com enorme entusiasmo pelos grupos populares que, com base em
suas tradições rítmicas e lúdicas, relacionadas a destreza do uso dos pés e
movimentos do corpo e da cintura, construiriam sua própria versão do esporte
britânico, mais para a diversão e o carnaval que para a agressividade, disciplina
tática e objetiva (1998, p. 581).
Celso Castro (1997, p. 2) comenta que “o sorteio militar foi finalmente iniciado em
1916 e, nas décadas que se seguiram, o serviço militar temporário foi se tornando cada vez
mais obrigatório para a maioria da população jovem, o que levou à modificação do perfil da
tropa”. A Liga Militar de Football foi aprovada pelo Ministério da Guerra como uma das
ferramentas para o auxílio neste processo de melhoria do desenvolvimento físico do pessoal
militar. Em 15 de junho de 1919, “O Imparcial” publicou uma nota narrando as origens desta
entidade esportiva e exaltou as colaborações do Capitão Castelo Branco informando que este
oficial, então Tenente, idealizou em 1915 junto a um grupo de oficiais a criação de um liga
esportiva com objetivo de desenvolvimento físico dos jovens militares. Seus companheiros
186
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1916, p. 6.
130
187
O Imparcial 15 de junho de 1919, p. 9.
188
Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições (1923-1928).
189
“Reunião de officiaes para fundação da Liga de Sports da Marinha”. Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.
131
190
“Sessão de Diretoria de 05 de janeiro de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
191
“Sessão de Diretoria de 03 de fevereiro de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
192
“Sessão de Diretoria de 03 de fevereiro de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
193
“Sessão de Diretoria de 02 de junho de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
194
“Sessão de Diretoria de 26 de dezembro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
132
195
No programa do evento, previa-se a realização de torneio de futebol, cabo de guerra (segundo as regras do
torneio Initium), corridas a pé de 100 metros e 1.000 metros, salto em altura e salto em distância, torneio de
shoots, concurso de retinidas.
196
“4ª. Assembleia de Representantes de 19 de abril de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da
Marinha - Volume I - Anexo I.
197
“Sessão da Diretoria de 02 de junho de 1916” e “Sessão da Diretoria de 27 de junho de 1916”. Livro
Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.
198
“Sessão da Diretoria de 12 de setembro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
133
Seja por falta de verbas para o aluguel de espaços próprios para as atividades ou por
valer-se da posição de Liga Esportiva no interior de um órgão público federal (Marinha do
Brasil), a LSM buscava sempre alternativas para a organização de suas ações que não
envolvessem o pagamento de despesas de aluguel.
Este é um ponto importante de destaque entre as duas Ligas em análise. A LMF, de
acordo com as determinações de seu estatuto, exigia que cada regimento que se inscrevesse
para a participação nas competições organizadas por ela tivesse um campo de futebol em
dimensões oficiais para a realização de suas partidas. No caso da Liga da MB, ficava sob
responsabilidade da entidade a busca de concessão ou aluguel dos espaços para as suas
competições.
A LSM adotou ainda um sistema de premiações para suas competições que envolvia a
doação de taças e medalhas por indivíduos ou instituições e também a cobrança de quantias
aos próprios participantes dos eventos destinadas especificamente à confecção das
premiações. Somente as primeiras taças a serem disputadas em 1916 foram adquiridas pela
Liga em uma estratégia da gestão voltada ao processo de divulgação de suas atividades. Na 3a
Sessão da Diretoria, em 06 de janeiro de 1916 ocorreu a discussão sobre a compra das taças
para os campeonatos estabelecidos para o ano de 1916. Ficou definido que seriam realizados
os campeonatos de vela, remo, water polo, natação e futebol, devendo ser adquiridas 05 taças
de prata e que as taças fossem “expostas em casa commercial e no Arsenal de Marinha para
propaganda da Liga”.199
Em março deste mesmo ano, no processo de organização do torneio de water polo
para oficiais, determinou-se a cunhagem de moedas para os vencedores a ser realizada com os
recursos monetários dos oficiais inscritos na competição.200 No entanto, este processo de
cobrança de valores dos participantes por vezes não era cumprido, gerando a não entrega das
premiações acordadas para as competições. Na reunião de Diretoria de 22 de fevereiro de
1917, foi informado um comunicado do Primeiro-Tenente Attila Monteiro Aché de que não
haviam sido entregues as medalhas ao time vencedor do campeonato de water polo do ano de
1916. Como alternativa, o oficial sugeriu que as medalhas fossem confeccionadas por conta
dos vencedores do torneio. A diretoria aceitou a proposta e justificou que as medalhas não
199
“Sessão da Diretoria de 06 de janeiro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
200
“Sessão da Diretoria de 31 de março de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
134
haviam sido entregues porque os sócios não fizeram as contribuições financeiras que seriam
utilizadas para a cunhagem.201
Como já abordado anteriormente, o processo de premiação na LMF também seguia o
modelo de distribuição de troféus e medalhas. No entanto, a própria Liga do Exército, de
acordo com as determinações de seus estatutos, deveria custear a confecção das premiações.
No entanto, esta entidade também elaborou uma estratégia para arrecadar verbas para este
fim: a realização de partida de futebol entre o time campeão do ano e um formado pelos
melhores jogadores dos outros times com o lucro das entradas sendo revertido para a
confecção de medalhas do time campeão.
Além dos aspectos quanto à organização esportiva na Marinha e no Exército
discutidos até este momento, há um ponto importante para as discussões deste trabalho que
interferiu diretamente nas ações de gestão do esporte entre os militares: as determinações da
hierarquia e da disciplina das FFAA. As aplicações destes critérios nas definições esportivas
no EB e na MB e suas influências na estrutura organizacional das Ligas Esportivas Militares
serão discutidas no tópico a seguir.
201
“Sessão da Diretoria de 22 de fevereiro de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
202
BRASIL. Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880.htm>. Acesso 12 jun. 2011.
203
BRASIL. Decreto nº. 509 de 21 de junho de 1890. Crêa o Codigo Disciplinar para a Armada.
135
204
“2ª. Assembleia de Representantes, de 27 de dezembro de 1915”. Livro Histórico Departamento de Esportes
da Marinha - Volume I - Anexo I.
205
“4ª. Sessão de Directoria de 15 de janeiro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
206
“Sessão de Directoria de 13 de fevereiro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
207
“3ª. Assembleia de Representantes de 19 de fevereiro de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da
Marinha - Volume I - Anexo I.
137
No entanto, ao longo da vida da LSM desde sua fundação, em 1915, até 1940, quando
foi extinta, foram organizadas competições anuais em diversas modalidades sempre com a
determinação de provas distintas para oficiais, suboficiais e praças. Apesar da não proibição
das composições de equipes mistas por parte da Liga, não havia também fomento de tais
práticas como consequência dos conflitos internos com comandantes nas primeiras ações da
LSM ainda no ano de 1916.209
No caso da Liga de Sports do Exército, a primeira normativa localizada sobre a
composição mista de equipes foi identificada em Aviso do Ministério da Guerra n°. 23 de 14
de outubro de 1922, assinado pelo então Ministro João Pandiá Calógeras. Este aviso tratava
sobre uma consulta do Comandante da 9ª. Companhia de Metralhadoras Pesadas se seria lícita
a participação de um oficial junto com praças em uma festa pública náutica de remo. Em
resposta a consulta, determinou-se
208
“Sessão de Directoria de 31 de março de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
209
Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições (1923-1928).
138
210
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1922, Anexo AB, p. 136-137.
211
BRASIL. Diário Oficial da União de 28 de fevereiro de 1926, seção 1, p. 7.
139
212
“Sessão da Diretoria de 27 de junho de 1916”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
140
Com relação ao jogo contra o Exercito, em disputa da taça offerecida pelo C.R.
Flamengo, com consta a acta da sessão de 27 de junho do anno passado, o Director
Secretario communica que fixou com o 1o Secretario da Liga Militar de Football, ao
referendum das respectivas directorias, as seguintes bases para a disputa deste anno:
1o. Os teams serão de praças; 2o. O arbitro será indicado pelo Club do Flamengo e
aceito por ambas as Ligas; 3o. Si o jogo terminar em empate o desempate será feito
em outro dia segundo o modo que se combinará; 4o. A renda liquida dos portões será
dividida assim: 50% do Club offertante; 25% a cada uma das Ligas; 5o. Os
secretários das duas Ligas ficaram com poderes plenos das duas Directorias para
combinarem os detalhes de encontro e as fixarem com o C.R. Flamengo. Foram
unanimente approvadas estas bases. Resolveo-se mais com relação ao mesmo
assumpto: convocar o Conselho Director para o dia 22, as 4 ½ pm, com o fim de
solicitar autorisação de organisar um scratch team para jogar contra o Exercito, visto
que de tal não cogitar os Estatutos; e, apos a autorisação referida, convidar o Cap.
Tenente Soares de Pinna para organisar o scratch team, e dar os mais passos
necessários com relação ao caso.213
Como a LSM adotava o modelo de liga poliesportiva, foi preciso uma adaptação em
seu processo de organização interna. Sua estrutura inicial tinha como objetivo organizar
competições entre os vários navios, corpos e estabelecimentos da Marinha, não sendo
previsto, a princípio, a formação de times para disputas com equipes de fora da instituição.
Para a preparação para esta competição, foi definido que a LSM poderia “formar scratch-
teams com jogadores da Liga nos casos em que ella deva corresponder a convite para jogos
contra outras instituições idôneas, por não estar isto previsto nos estatutos”.214 Scratch teams
seriam equipes formadas por jogadores que normalmente competem em lados diferentes, ou
seja, times combinados compostos por jogadores de times diversos. Com o início desta nova
modalidade de evento, a Liga passou a converter-se também em clube, quando participante de
competições com equipes externas com seus scratch teams.
Conforme apresentado no trecho do documento que definia os termos de organização
da competição, as rendas dos portões seriam divididas em três partes: 50% para o C.R.
Flamengo e 25% para cada uma das Ligas Militares. A primeira disputa da Taça Flamengo foi
realizada em 29 de abril de 1917 e seu resultado, divulgado na sessão da Diretoria da LSM de
02 de maio do mesmo ano.
213
“Sessão da Diretoria de 19 de janeiro de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
214
“Sessão do Conselho Diretor de 22 de janeiro de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da
Marinha - Volume I - Anexo I.
141
Venceo o team da Liga de Sports da Marinha, que bateo o do Exercito por 4x1. No
torneio de cabo de guerra, que se fez no mesmo dia entre teams de Exercito e
Marinha, tomaram parte, pela Marinha, Batalhão Naval, Bahia, Benjamin Constant e
Flotilha de Submersíveis. Nas eliminatórias da Marinha venceo o C. Bahia, que
jogou a final contra o team do 2o. Reg. de Infantaria, vencedor nas finaes, alias,
eliminatórias do Exercito. Foram na mesma occasião executados exercício de
gymnastica sueca, pela C. Minas Geraes e um de esgryma de bayoneta, pelo
Batalhão Naval. Compareceram a festa os Srs. Presidente da Republica, Ministro da
Marinha e varias pessoas de posição official convidadas. Todos as demais pessoas
pagaram entrada.215
Este evento ainda gerou uma discussão intensa entre Exército e Marinha na
organização da segunda edição, no ano de 1918. Nas sessões de Diretoria da LSM dos dias 12
de março, 22 de março e 25 de março de 1918 registraram-se os debates sobre a disputa. Em
12 de março, foi recebida autorização para a realização da Taça Flamengo, contra o Exército,
nos mesmos termos da competição do ano anterior, a ser realizado no campo do Flamengo.
Na ata de 22 de março, foi registrado que a Diretoria, em comunicação telefônica com o
Capitão Castelo Branco, 1o. Secretario da Liga Militar de Football, soubera que a LMF tinha
a intenção de não enviar seu time para o campo do Flamengo no dia combinado para realizar a
disputa da Taça. As justificativas seriam pelas más condições do campo e por não poder
reunir um bom time para a competição, tendo a pretensão de adiar o jogo e publicar notícias
nos jornais informando a não realização da partida. A Diretoria da LSM, na mesma
comunicação, disse ao representante da LMF que seria melhor nada noticiar nos jornais, por
achar a LSM que seria o caso de uma comunicação direta entre as Ligas e porque o jogo
deveria sim ser realizado, já que as combinações e convites oficiais já haviam sido feitos,
inclusive ao Sr. Presidente da República. No entanto, mesmo sendo solicitada a não
comunicação na imprensa do cancelamento do jogo, em 21 de março de 1918 na página 9 do
“O Imparcial” foi divulgada uma nota da LMF informando que não seria mais realizada a
disputa da Taça Flamengo daquele ano.216
Após discussão com os diretores da LSM presentes na reunião, ficou aprovada a
manutenção da realização do jogo e não aceitar o adiamento proposto pela LMF, mandando o
seu time a campo na data combinada. O Diretor-Presidente ainda informou que iria tomar
providências para desfazer os convites oficiais realizados e que, em comunicação com o C.R.
Flamengo, foi confirmada a disponibilidade do campo para a realização do evento no dia 24.
Em 25 de março, registrou-se que os diretores da LSM e seu time compareceram no dia 24 ao
campo do Flamengo para o torneio agendado. O time da Liga Militar de Football não
215
“Sessão da Diretoria de 02 de maio de 1917”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
216
O Imparcial 21 de março de 1918, p. 9.
142
compareceu e foi registrado um atestado pelo C.R. Flamengo sobre o fato. Resolveu-se oficiar
a LMF informando que a LSM mandou a campo seu time no dia 24 e remeter a LMF uma
fatura de sua parte das despesas contraídas em comum pelas duas Ligas para a realização da
disputa da Taça Flamengo.217
Nas atas seguintes não há retorno de debate sobre a competição não realizada, mas os
episódios relatados acima demonstram certa animosidade entre as duas Ligas Militares no
processo de organização da disputa de 1918. No entanto, um aspecto significativo foi a
manutenção do evento, mesmo sabendo da intenção de não comparecimento declarada pela
Liga do EB, em vista dos custos já despendidos para a preparação da competição. Além disso,
mesmo com a não realização, a cobrança, ao menos em tese, da parcela que seria de obrigação
do Exército apresenta-se como uma forma de penalidade financeira pelo não cumprimento de
um compromisso esportivo (CANCELLA e MATARUNA, 2012c).
Como já destacado, a Taça Flamengo foi disputada, segundo os registros localizados,
até 1924 e nas edições seguintes recebeu atenções da imprensa, como na publicação de fotos
na revista Careta das equipes participantes de Marinha e Exército nos anos de 1920 e 1921.
(vide figuras 4 e 5).
Figura 4: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre Exército e Marinha
no campo do Clube de Regatas Flamengo – Taça Flamengo 1920. Fonte: Revista Careta 30 de outubro de 1920,
p. 20.
217
“Sessão da Diretoria de 12 de março de 1918”, “Sessão da Diretoria de 22 de março de 1918”, “Sessão da
Diretoria de 25 de março de 1918”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.
143
Figura 5: Fotografias publicadas na revista Careta da Festa Esportiva Militar realizada entre Exército e Marinha
no campo do Clube de Regatas Flamengo – Taça Flamengo 1921. Fonte: Revista Careta 15 de outubro de 1921,
p. 22.
144
Logo após estes desdobramentos sobre a Taça Flamengo de 1918, a LSM entrou em
um período complicado no processo de gestão do esporte na Marinha. Em ata sem data,
registrou-se a solicitação de desligamento do Capitão-Tenente Lemos Basto da Diretoria da
Liga por ter que se ausentar e partir em comissão na Divisão de Operações de Guerra. A
sessão anterior havia ocorrido em 23 de abril de 1918. A ata seguinte, também sem data,
informava a necessidade de convocar novas eleições de diretoria, seguindo os estatutos, e
previa o agendamento para 17 de fevereiro. No entanto, em 25 de fevereiro de 1919 registra-
se uma ata de reunião onde foi justificada a não realização da eleição por ausência absoluta de
sócios nas duas convocações de Assembleia Geral realizadas. O então Diretor-Secretário
Armando Pinna informou que “os directores presentes resolveram continuar a testa da
administração, de modo a não deixar morrer a Liga, até que se podesse proceder uma nova
eleição”.218
Nos registros, a nova ata de sessão de Diretoria data de 02 de junho de 1919,
informando sobre o retorno da Divisão de Operações de Guerra e apresentando o desejo da
diretoria da LSM de organizar uma “festa sportiva militar” em homenagem a tripulação que
regressava a se realizar no C.R. Flamengo. Após as discussões, ficou definido o programa
com jogo de bola; corrida da serpente; jogo de dado; cabo de guerra para marinheiros, navais
e reserva; corrida de obstáculos; esgrima de baioneta; ginástica sueca; match de futebol entre
marinheiros e navais e a execução do hino nacional.219
Como o planejado, no retorno da Divisão Naval de Guerra a MB realizou uma festa
comemorativa onde foram realizados jogos esportivos organizados pela LSM. A revista
Careta publicou nas edições de 14 de junho, 21 de junho e 28 de junho de 1919 fotografias de
diferentes aspectos da recepção da Divisão Naval. Uma das imagens retratava os militares que
a integraram, fazendo referência na legenda ao Capitão-Tenente Lemos Basto que se afastou
da diretoria da LSM pela convocação para esta comissão; imagens das crianças das escolas
municipais que estiveram presentes no evento; fotografias da festa sportiva promovida pela
LSM aos marinheiros que regressaram da guerra com as partidas de futebol realizadas entre
os marinheiros nacionais e o Batalhão Naval e os diferentes grupos presentes na festa a bordo
do Encouraçado Minas Gerais.220
218
“Sessão da Diretoria de 23 de abril de 1918”, “Sessão da Diretoria de 25 de fevereiro de 1919”. Livro
Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I.
219
“Sessão da Diretoria de 02 de junho de 1919”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo I.
220
Revista Careta 14 de junho de 1919, p. 16; Revista Careta 21 de junho de 1919, p. 23; Revista Careta 28 de
junho de 1919, p. 16.
145
Figura 6: Fotografias publicadas na Revista Careta retratando as competições esportivas realizadas no festival
em homenagem ao retorno da Divisão Naval de Guerra. Fonte: Revista Careta 21 de junho de 1919, p. 23.
146
221
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1917.
147
permanecia estabelecido, apesar das inúmeras tentativas de incutir caráter mais prático nas
atividades de formação ao longo do tempo.222
As preocupações com a melhor estruturação no EB já estavam evidentes nas
publicações do Boletim do Estado-Maior do Exército e dos Relatórios Ministeriais ao longo
dos anos iniciais do século XX. Nestes documentos eram apresentados muitos relatos técnicos
sobre a guerra, maquinários utilizados, táticas militares, estruturas de exércitos. Visando este
processo de especialização do preparo, a partir das observações dos modelos estrangeiros de
instituições militares, foi realizado o estudo para a convocação de uma missão militar
estrangeira para atuar junto ao EB. Como discutido no Capítulo 3, o EB havia enviado
diversos grupos para realização de estágios junto ao Exército Alemão na década de 1910. Ao
serem intensificadas as discussões sobre a contratação da missão militar, os chamados “jovens
turcos” (jovens oficiais que passaram por este processo de formação na Alemanha) defendiam
intensamente as aproximações com o exército germânico. Como afirma Luna (2007), os
debates sobre qual modelo militar deveria ser adotado no Brasil (francês ou alemão)
ganharam força com a eclosão da Primeira Guerra e envolviam governo, órgãos legislativos e
a alta cúpula militar.
A imprensa foi utilizada largamente para que cada um destes grupos defendesse seus
pontos de vista sobre os benefícios de maiores aproximações com França ou Alemanha
naquele momento de conflito armado mundial. Os jovens turcos, como já pontuado, faziam
campanha para que uma missão germânica fosse adotada no Brasil sob os argumentos de que
estes seriam os militares mais bem treinados e aparelhados do mundo naquele momento. No
entanto, com o desenrolar dos conflitos na Europa, a opção alemã começou a perder força
principalmente após o incidente de torpedeamento de navios brasileiros por parte da esquadra
alemã que acabou por obrigar o Brasil a deixar a posição de neutralidade no conflito em 1917
e passou a atuar “ao lado da França, Inglaterra, dos Estados Unidos e de outras nações aliadas.
Assim, após o término da Primeira Guerra, a opção dos jovens turcos se tornou inviável e o
Brasil contratou uma missão militar francesa para modernizar o seu Exército” (LUNA, 2007,
p. 10).
222
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1918, p. 24-31.
148
Football teve a nomenclatura alterada para Liga de Sports do Exército (LSE) e teve seus
estatutos aprovados por Aviso do Ministério da Guerra nº. 534 de 31 de julho de 1920.223
Observando os registros dos resultados das competições da LMF divulgados no “O Imparcial”
entre 1915 e 1919, é possível identificar a atuação dos militares do EB predominantemente na
modalidade futebol, sendo exceção as competições da “Taça Flamengo” contra a Marinha
onde eram realizadas disputas de futebol, cabo de guerra e corrida de estafetas (competição
realizada entre 1917 e 1924). No entanto, no final da década de 1910, de acordo com a análise
dos registros de competições e correspondências da Liga de Sports da Marinha, já foi possível
identificar a participação de equipes do EB no Campeonato Acadêmico de Escolas Superiores
(Escola Naval e Escola Militar) nas modalidades de water polo e natação, sendo registradas
edições deste campeonato entre 1919 e 1924, evidenciando um processo de ampliação das
ações esportivas.224
Com a fundação da Liga de Sports do Exército, o Coronel Estellita Werner225 assumiu
a presidência da entidade e outras modalidades passaram a fazer parte das competições do EB,
mas ainda em pequena diversidade. O jornal “O Imparcial” de 24 de dezembro de 1921, por
exemplo, noticiava ações da LSE em futebol, natação e corridas a pé.226 Os registros de
competições da LSM declaravam a participação de equipes do EB nos seguintes eventos:
disputa da “Taça Muniz Barreto” em torneio de Futebol entre a Escola Naval e a Escola
Militar no ano de 1921; participação em festa atlética organizada pela Confederação
Brasileira de Desportos (competições entre as ligas afiliadas, a Liga de Sports do Exército e a
Liga de Sports da Marinha) no mesmo ano de 1921; em “competições atléticas” em 1922 e
1923 disputadas entre Fluminense Football Club, Escola Naval e Escola Militar (corrida
100m, corrida 200m, corrida 400m, corrida barreira 110m, corrida 1500m, corrida 5000m,
salto com vara, salto em distância, salto em altura, lançamento de peso, lançamento de disco,
lançamento de dardo, 400m relay race227, 1600m relay race); além de torneios de tiro e
esgrima nos anos de 1923 e 1926.228
223
BRASIL. Diário Oficial da União de 06 de agosto de 1915, seção 1, p. 10.
224
Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições (1923-1928).
225
O Coronel Estellita Werner era integrante do grupo de oficiais que passou por treinamentos junto ao Exército
Alemão no início do século XX.
226
O Imparcial de 24 de dezembro de 1921, p. 8.
227
Corrida de revezamento.
228
Cf. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo I (1915-1920); Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II (1920-1922); Livro Histórico Departamento de
Esportes da Marinha - Volume I - Anexo III (1922-1924); Livro Registro de Competições (1923-1928).
150
4.2 Militares nos Jogos Olímpicos: a primeira representação brasileira nos Jogos da
Antuérpia de 1920 e os Jogos Olímpicos do Centenário.
229
Correio da Manhã, 03 de julho de 1920, p. 6.
151
Os brasileiros integrantes da equipe de Tiro passaram por etapas seletivas entre maio e
junho de 1920 no processo de preparação para os Jogos da Antuérpia. O Tenente Guilherme
Paraense e o Dr. Afrânio da Costa foram os primeiros nomes a serem confirmados para a
equipe por terem alcançado nas provas eliminatórias de revólver e de fuzil pontuações
superiores a 520 pontos.230 Em 18 de junho de 1920 foram realizadas as últimas eliminatórias
no stand do Revólver Club no Rio de Janeiro para a formação da equipe que representaria o
Brasil. Foram classificados 11 atiradores, dentre os quais seriam escolhidos os sete
representantes brasileiros, já que este era o número máximo de integrantes por nação que
poderiam ser inscritos por definição do Comitê Olímpico Internacional.231
Ao final das seletivas, a equipe foi assim composta: chefe de equipe e sportmen Dr.
Afrânio da Costa; sportmen: Primeiro-Tenente Guilherme Paraense, Primeiro-Tenente
Demerval Peixoto, Segundo-Tenente Mario Machado Maurity, Sebastião Wolf, Dr. Fernando
Soledade e Dario Barbosa.232
As conquistas das medalhas de prata do Dr. Afrânio da Costa e de ouro do Tenente
Guilherme Paraense foram largamente noticiadas em jornais locais e nacionais, ocupando, por
exemplo, as primeiras páginas do Correio da Manhã entre os dias 04 e 08 de agosto de 1920.
Ao regressarem da Europa, os medalhistas individuais e os demais integrantes da equipe de
Tiro que conquistaram a medalha de bronze (Fernando Soledade, Dario Barbosa e Sebastião
Wolf) foram amplamente homenageados por suas conquistas para o Brasil como uma
recepção e entrega de prêmios realizadas no Fluminense Football Club pela Liga de
Defesa.233 No conjunto de homenagens, o Decreto n°. 15.160 de 07 de dezembro de 1921
abriu créditos para pagamento de premiações aos medalhistas olímpicos e demais integrantes
da equipe de Tiro nos Jogos da Antuérpia 1920.
230
Correio da Manhã, 09 de junho de 1920, p. 5.
231
Correio da Manhã, 18 de junho de 1920, p. 6.
232
Correio da Manhã, 02 de junho de 1920, p. 5; Correio da Manhã, 25 de junho de 1920, p. 2; Correio da
Manhã, 27 de junho de 1920, p. 6; Correio da Manhã, 03 de julho de 1920, p. 6.
233
Revista Careta de 29 de janeiro de 1921, p. 26.
152
Figura 7: Equipe de Tiro nos Jogos Olímpicos da Antuérpia: Fernando Soledade, Tenente Guilherme Paraense,
Afrânio Costa, Tenente Mário Maurity e Dario Barbosa. Fonte: DACOSTA, 2005.
Figura 8: Jogos Recreativos de marinheiros a bordo do São Paulo. Fonte: DACOSTA, 2005.
153
234
Com o fim dos conflitos da Primeira Guerra em 1918, as Forças Armadas envolvidas nos eventos iniciaram o
processo de desmobilização e retorno para seus países. Como forma de celebração da vitória dos Aliados,
Elwood S. Brown, Diretor do Departamento de Atletismo da YMCA, escreveu ao Coronel Bruce Palmer,
membro da equipe do General John Pershing, informando que a entidade poderia organizar em conjunto com as
FFAA competições esportivas entre os aliados como forma de celebração e reforço dos hábitos saudáveis entre
os militares. Após discussões e acordos, os Jogos Interaliados, o primeiro evento esportivo internacional no pós-
guerra10, foram realizados em junho de 1919 em Paris com a participação de 18 nações e 1.500 atletas militares
em 24 diferentes modalidades. A realização deste evento e a participação dos militares norte-americanos no
processo de organização evidenciam a importância do esporte no contexto das atividades destas FFAA ao longo
dos anos iniciais do século XX (TERRET, 1999).
235
O Imparcial 12 de maio de 1920, p. 8.
236
O Imparcial 26 de maio de 1920, p. 7.
154
processos de organização das festas esportivas que seriam realizadas no ano de 1922, dentro
das comemorações do Centenário da Independência do Brasil que incluíam uma Exposição
Internacional e Jogos Esportivos (SARMENTO, 2006).
Com relação à Exposição de 1922, Marly Motta afirma que
Para cumprir o objetivo de “ser a expressão da vida econômica e social do Brasil em
1922”, a Exposição Nacional se comporia de 25 seções representativas das
principais atividades do país: educação e ensino; instrumentos e processos gerais das
letras, das ciências e das artes; material e processos gerais da mecânica; eletricidade;
engenharia civil e meios de transporte; agricultura; horticultura e arboricultura;
florestas e colheitas; indústria alimentar; indústrias extrativas de origem mineral e
metalurgia; decoração e mobiliário dos edifícios públicos e das habitações; fios,
tecidos e vestuários; indústria química; indústrias diversas; economia social; higiene
e assistência; ensino prático, instituições econômicas e trabalho manual da mulher;
comércio; economia geral; estatística; forças de terra e esportes. [...] Na Avenida das
Nações, que se estendia do antigo Arsenal até o Palácio Monroe (onde funcionava o
bureau de informações), alinharam e os palácios de honra das representações
estrangeiras - Argentina, México, Inglaterra, Estados Unidos, França, Itália,
Portugal, Dinamarca, Suécia, Tchecoslováquia, Bélgica, Noruega e Japão - sendo
que alguns desses países ainda construíram “mostradores” para a exposição de seus
produtos industriais na Praça Mauá (Bélgica, Portugal, Estados Unidos, França,
Itália e Tchecoslováquia). (MOTTA, 1992, p. 67-68).
237
BRASIL. Diário Oficial da União de 03 de março de 1921, seção 1, p. 2.
155
238
O Imparcial 06 de abril de 1921, p. 12.
239
O Imparcial 30 de junho de 1921, p. 8.
240
BRASIL. Diário Oficial da União de 03 de março de 1921, seção 1, p. 2.
241
BRASIL. Diário Oficial da União de 06 de março de 1921, seção 1, p. 3.
242
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 30.
156
243
“Sessão da Diretoria de 14 de maio de 1921”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo II.
244
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 79.
245
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 125.
246
BRASIL. Relatório do Ministério da Guerra de 1921, Anexo B, p. 126.
247
“Sessão da Diretoria de 28 de novembro de 1921”. Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo II.
248
O Imparcial 30 de março de 1921, p. 9; O Imparcial 31 de março de 1921, p. 9-11; O Imparcial 06 de abril de
1921, p. 9, 12; O Imparcial 07 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 09 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 12 de
abril de 1921, p. 9; O Imparcial 15 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 20 de abril de 1921, p. 8; O Imparcial 22
de abril de 1921, p. 8; O Imparcial 23 de abril de 1921, p. 11; O Imparcial 24 de abril de 1921, p. 10; O
Imparcial 26 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 27 de abril de 1921, p. 9; O Imparcial 30 de abril de 1921, p. 7;
O Imparcial 01 de maio de 1921, p. 8; O Imparcial 05 de maio de 1921, p. 9; O Imparcial 07 de maio de 1921, p.
11; O Imparcial 14 de maio de 1921, p. 9; O Imparcial 20 de maio de 1921, p. 9; O Imparcial 22 de maio de
1921, p. 11; O Imparcial 02 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 03 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 06 de
junho de 1921, p. 9; O Imparcial 11 de junho de 1921, p. 9; O Imparcial 13 de junho de 1921, p. 10; O Imparcial
157
No início de 1922 uma nova presidência assumiu a o controle da CBD e verificou que
o valor dispensado pelo governo federal a esta instituição para a organização dos Jogos não se
achava mais em seus cofres. As dificuldades financeiras e a instabilidade interna retiraram sua
credibilidade para a organização do evento, fomentando diversas opções para sua realização
ao longo do ano. Algumas alternativas divulgadas foram a transferência da sede dos Jogos
Esportivos para São Paulo ou entregar a organização e controle das verbas para o Fluminense
Football Club. Após meses de conversações, Governo Federal e CBD entraram em acordo e
foi concedido novo empréstimo àquela instituição, devendo ser restituído através das rendas
dos Jogos (MORAES, 2009). Nestas circunstâncias, as Ligas Esportivas Militares foram
acionadas a convite da CBD para auxiliar na organização, passando a Comissão Militar das
Provas Esportivas do Centenário a participar no processo de preparação dos jogos.
Já em janeiro de 1922, as reuniões da Comissão Central Executiva dos Jogos do
Centenário da Confederação Brasileira de Desportos definiram as formas de atuação das
Ligas Militares na organização dos Jogos. Ficou a cargo da LSM a aquisição dos “Materiais
flutuantes” necessários, devendo a compra realizada pelo Ministério da Marinha com a
liberação de 200 contos de réis para as despesas relacionadas à participação da Força nos
Jogos. A partir destas determinações, resolveu-se, conforme a ata da LSM de 08 de janeiro de
1922, buscar informações sobre treinadores de atletismo, natação e esgrima para preparação
dos esportistas para os Jogos e ativar a construção de pistas para a prática de atletismo na Ilha
das Enxadas.249
Com relação aos espaços para a realização do evento, o jornal “O Imparcial” de 18 de
janeiro de 1922 publicou uma matéria reforçando a necessidade de construção do stadium
para os Jogos do Centenário e justificando que sem isto não haveria possibilidade de receber
os primeiros Jogos Athleticos Sul-Americanos, propostos pelo Comitê Olímpico Internacional
(COI). O autor comenta que seria uma situação vexatória para o país caso não conseguisse
finalizar o estádio para receber o evento e ter que declinar da solicitação do COI. Como
argumentos, afirmava-se que o espaço construído seria utilizado não somente nos Jogos de
1922, mas também seriam realizados anualmente jogos atléticos nacionais, demonstrações e
festas escolares e militares; exposições e qualquer outro fim a que fosse designado pelo
250
O Imparcial de 18 de janeiro de 1922, p. 7.
251
O Imparcial 25 de abril de 1922, p. 7; Ilustração Brasileira, maio de 1922, p. 84.
252
Ilustração Brasileira, março de 1922, p. 72-74.
159
253
“Sessão da Diretoria de 03 de fevereiro de 1922”, “Sessão de Diretoria de 13 de fevereiro de 1922” e “Sessão
de Diretoria de 30 de março de 1922” - Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha - Volume I -
Anexo II.
254
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1917.
160
255
BRASIL. Relatório do Ministério da Marinha de 1921, p. 5-13.
256
“Banheiro” como sinônimo de “piscina”.
257
“Sessão da Diretoria de 15 de março de 1922” - Livro Histórico Departamento de Esportes da Marinha -
Volume I - Anexo II.
258
BRASIL. Diário Oficial da União de 02 de maio de 1922, Seção 1, p. 12.
161
Ainda no contexto das relações entre as Ligas Militares e a CBD, destaca-se uma
importante discussão sobre a situação destas em comparação às demais ligas e clubes
existentes no país. Mesmo com representatividade esportiva desde 1915, tanto no meio militar
como no civil, as ligas militares não tinham filiação à CBD, entidade nacional de organização
dos esportes naquele momento. Até 1922, a Liga de Sports da Marinha e a Liga de Sports do
Exército participavam das competições organizadas pela entidade na condição de convidadas.
A partir deste ano, identifica-se uma aproximação maior da CBD das ligas militares pelas
necessidades de apoio na organização dos Jogos do Centenário. Durante os meses de abril e
maio de 1922 registraram-se debates sobre a participação dos esportistas militares nas
competições promovidas pela CBD, sendo-lhes vetado tomar parte em alguns jogos nacionais
por serem estes exclusivamente para entidades federadas. A LSM e LSE resolveram, em
acordo, pleitear junto à CBD a “questão do amadorismo das praças” e apresentar um projeto
ao Conselho da instituição visando um acordo sobre o devido reconhecimento de suas
atividades e esportistas. Após a apreciação da proposta, efetivou-se em 03 de julho de 1922 a
assinatura do acordo de filiação das Ligas Militares (LSM e LSE) à CBD.259
Como já destacado, no processo de preparação para os Jogos do Centenário a LSM e a
LSE organizaram diversas competições atléticas e aquáticas a fim de selecionar elementos
capazes de representar a Marinha e o Exército Brasileiro nos Jogos. Os meios de imprensa
eram utilizados para divulgar as atividades desenvolvidas pelos militares com relação aos
jogos esportivos, como na publicação do jornal “O Imparcial” de 27 e 30 de julho de 1922 de
que as LEM promoveram competições para “avaliar os valores dos homens para as
eliminatórias” para a composição da equipe de atletismo, na Ilha das Enxadas.260, 261
Segundo Moraes (2009), as ações dos militares, além do campo da preparação dos
esportistas e contratação de treinadores especializados, também se efetivaram na concessão de
locais para realização das provas dos Jogos do Centenário. Os espaços para treinamento de
natação no Arsenal de Marinha e atletismo na Ilha das Enxadas e as dependências da Vila
Militar, recebendo competições de tiro e pentatlo moderno, destacaram-se como contribuições
dos militares à organização do evento. Para as demais modalidades, após diversas propostas,
definiu-se que competições de tênis, pólo aquático, esgrima e futebol seriam sediadas no
estádio do Fluminense Football Club. Já basquete, lutas de boxe e algumas competições de
hipismo seriam realizadas na Rua Paissandu, na sede do Clube de Regatas Flamengo. Para a
259
“Sessão da Diretoria de 16 de maio de 1922” e “Sessão da Diretoria de 12 de julho de 1922”. Livro Histórico
Departamento de Esportes da Marinha - Volume I - Anexo II.
260
O Imparcial 27 de julho de 1922, p. 9.
261
O Imparcial 30 de julho de 1922, p. 9.
162
realização das competições de natação dos Jogos, o Governo Federal financiou a construção
de uma piscina na Praia Vermelha (MORAES, 2009; NOLASCO, PAVEL e MOURA, 2005).
Entretanto, segundo o Diário Oficial da União de 05 de setembro de 1922 onde foi
publicado o “Programa Definitivo Geral das Festas Commemorativas”, os programas oficiais
dos Jogos do Centenário publicados na Revista Ilustração Brasileira de setembro de 1922 e no
jornal “O Imparcial” em setembro de 1922, as provas das modalidades e os locais de
realização seguiram de acordo com a tabela a seguir.262
262
Dados para compor a tabela extraídos dos programas publicados no jornal “O Imparcial” de 03 de setembro
de 1922, p. 3; 10 de setembro de 1922, p. 3; 12 de setembro de 1922, p. 3; Revista Ilustração Brasileira de
setembro de 1922; BRASIL. Diário Oficial da União de 05 de setembro de 1922.
163
263
Travessia do Atlântico realizada em um avião Fairey III-D pelos aviadores da Marinha Portuguesa Sacadura
Cabral e Gago Coutinho, com saída em 30 de março e chegada, muito festejada e noticiada, no Rio de Janeiro
em 17 de junho de 1922.
264
Supostas cartas escritas por Artur Bernardes publicadas na imprensa em outubro de 1921, onde o ex-
presidente Marechal Hermes da Fonseca foi chamado de “sargentão sem compostura”, com acusações ao
Exército e ofensas ao militar, então presidente do Clube Militar, gerando grande desconforto no EB.
164
265
Esta foi uma das últimas contribuições do autor para a revista, falecendo em 01 de novembro de 1922.
266
Revista Careta de 30 de setembro de 1922, p. 24.
267
Revista Fon Fon 23 de setembro de 1922; Revista da Semana 23 de setembro de 1922.
165
Figura 9: Fotografias da parada desportiva do Centenário ocupando página inteira da Revista da Semana, com
destaque na primeira fotografia para o Tenente Guilherme Paraense, campeão mundial de revólver ao lado de
Alberto Fontan, campeão mundial de fuzil. Fonte: Revista da Semana 23 de setembro de 1922, p. 28.
166
268
Modalidade até a década de 1950 dominada no país quase exclusivamente por militares consiste na disputa
em cinco provas essencialmente ligadas à rotina militar: tiro, esgrima, natação, hipismo e corrida.
167
269
O Imparcial 10 de agosto de 1922, p. 8.
270
Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha – Histórico Liga a C.E.M., Vol. II, Cap. 1, p. 01.
271
O Imparcial 08 de setembro de 1922, p. 8.
168
Em 09 de setembro de 1922 foi publicada uma nota no mesmo jornal informando que
todos os oficiais, suboficiais e praças das marinhas estrangeiras teriam entrada gratuita em
todos os locais onde estivessem ocorrendo provas da Liga de Sports da Marinha. Já os sócios
da LSM teriam ingressos para si e suas famílias que deveriam ser retirados na sede da Liga.272
Os registros da Marinha do Brasil sobre o evento relatam que:
Em 1922, a Liga de Esportes da Marinha levou a efeito a serie de Jogos
Internacionais Navais do Centenário da Independência, por delegação do Ministério
da Marinha, organizando um vasto programa de sete grandes competições das quais
participaram as Marinhas de Guerra dos seguintes países: Brasil, Estados Unidos,
Inglaterra, Japão, Uruguai, Argentina, Portugal e México. Foram vencedores:
Vela – Brasil
Remo – Brasil
Football – Brasil
Aquática – Brasil
Tiro – Brasil
Cabo de Guerra – Inglaterra
Atlética – Inglaterra
Resultado Final: Inglaterra – 87 pontos
Brasil – 86 pontos.273
Os eventos organizados pela LSE para as delegações militares que presentes tiveram
seus resultados publicados no Diário Oficial da União de 17 de outubro de 1922. Segundo o
relatório, foram realizadas as seguintes provas: corridas rasas de 5.000 metros, 3.000 metros,
1.500 metros, 800 metros e 200 metros; corrida de escalada de 200 metros; corrida de postas
de 400 metros, 1.600 metros; lançamento de granada de mão em alcance; corrida de grupos
em 400 metros seguida de lançamento de granada; lançamento de granada em precisão,
alcance e velocidade; lançamento de granada de mão em precisão; salto em altura com
impulso; salto em distância com impulso; salto em vara; passagem em cabo área.274 O
Tenente Guilherme Paraense, campeão olímpico no Tiro nos Jogos da Antuérpia de 1920
também conquistou o primeiro lugar nos Jogos do Centenário.275
272
O Imparcial 09 de setembro de 1922, p. 8.
273
Livro Histórico do Departamento de Esportes da Marinha, Vol. II, Histórico Liga a C.E.M., p. 1.
274
BRASIL. Diário Oficial da União em 17 de outubro de 1922, seção 1, p. 15-16.
275
O Imparcial 12 de setembro de 1922, p. 3.
169
Figura 10: Fotografias dos campeões de Tiro, de provas de atletismo e boxe dos Jogos do Centenário. Em
destaque na foto com número 5 o marinheiro Góes Neto, classificado como o melhor pugilista do Brasil.
Fonte: Revista da Semana 30 de setembro de 1922, p. 30.
170
Como forma de reconhecimento dos feitos esportivos de seus militares, o EB, através
do Aviso n°. 883 de 04 de novembro de 1922 do Ministério da Guerra autorizou que oficiais e
praças utilizassem nos uniformes as medalhas conquistadas nas provas de Tiro dos Jogos do
Centenário, conforme solicitação do presidente da Liga de Sports do Exército.276 Estas
medalhas foram também viabilizadas pela LSE, conforme a publicação abaixo:
Ao Sr. director da Casa da Moeda - N°. 156 - Communicando que o Sr. ministro
autorizou o preparo dos cunhos e das medalhas a que fizeram jus vencedores das
provas militares do Centenario, fornecidos, porém, o ouro e a prata e pagas as
despezas pela Liga de Sports do Exercito.277
276
Relatório do Ministério da Guerra, Anexo B, p. 143.
277
BRASIL. Diário Oficial da União de 17 de novembro de 1923, seção 1, p. 14.
171
interior da Força e também no meio civil. Este Regulamento de Instrução Física Militar,
direcionado ao Exército e baseado nas diretrizes da Missão Militar Francesa, determinava que
O presente regulamento baseia-se nas leis physiologicas que regulam o crescimento
e o densenvolvimento do homem e nos methodos preconizados em França para a
preparação physica dos soldados. Tal tem sido a excellencia dos resultados obtidos
com esses methodos, que haverá certamente interesse em applicalos no Brasil, quer
para a educação das creanças até 16 annos, quer dos adultos. O methodo seguido por
este regulamento é simples e accessivel a todos, e os processos empregados são
bastante variados e flexiveis para se adaptarem a todas as constituições.
Comprehende diversos grupos de exercicios,correspondendo cada um delles a uma
classe de soldados de um determinado valor physico e physiologico. [...] O fim da
instrucção physica militar é adaptar o soldado a sua funcção de combatente,
desenvolvendo-lhe o valor physico, por um treinamento comedido e racional,
apropriado aos meios disponiveis nos corpos de tropa. O presente regulamento tem
por fim indicar um methodo geral, simples e accessivel a todos, cujos processos
assas variados e flexiveis são adaptaveis a todas as constituições.[...].278
278
BRASIL. Decreto nº 14.784, de 27 de Abril de 1921. Approva o Regulamento de Instrucção Physica Militar,
destinado a todas as armas.
279
Relatório do Ministério da Guerra de 1922, Anexo B, p. 4, 7.
172
280
BRASIL. Aviso do Ministério da Marinha nº 2.757 de 22 de julho de 1925.
173
A partir desta determinação, a prática esportiva passou a ser não somente uma
atividade recreativa, mas um compromisso dos militares tanto nos treinamentos diários como
nas competições internas promovidas entre os navios e corpos da Marinha do Brasil. No ano
de 1928 foi publicada a notícia da formatura da primeira turma de monitores da Escola de
Educação Física da Marinha. A Revista Marítima Brasileira do 5º. Bimestre de 1928 informa
que os alunos foram diplomados após dois anos de atividades. O curso foi tecnicamente
dirigido por dois profissionais contratados que já eram instrutores da Liga de Sports da
Marinha desde 1922. Robert Folwer, professor de natação, atletismo, box e regras do sport; e
Giovanni Abita, professor de esgrima. gymnastica, relacionada à Educação Física, pedagogia
sportiva e elementos de anatomia.281
Este novo momento de preocupações com a formação e o aperfeiçoamento dos
militares envolvidos com a instrução física e esportiva tanto no EB como na MB evidencia o
processo transformação nas percepções sobre as funcionalidades do esporte ao longo do
período em análise nesta dissertação (1890-1922), passando das atividades ginásticas no
interior dos quartéis com a função de melhoria do corpo ao esporte competitivo em nível de
representação internacional e ações de formação e divulgação da prática esportiva a partir das
escolas de Educação Física.
281
Os sports na Marinha de Guerra do Brasil. Revista Marítima Brasileira, 5º. Bimestre de 1928, p. 525-541.
174
5
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
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