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História da ginástica no Brasil:

da concepção e influência militar


aos nossos dias*
Gymnastics history in Brazil: from conception and
military influence to the present day

Marcelo Gomes da Costa


Programa de Doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra. Professor do Curso
de Educação Física da Universidade Estácio de Sá. Mestre em Ciência da Motricidade Humana, UCB –
Mestre em Educação, UNESA

João Marcos Perelli


Programa de Doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra. Professor do Curso de
Educação Física da Universidade Estácio de Sá. Professor da Faculdade Mercúrio – FAMERC. Mestre em
Ciência da Motricidade Humana, UCB – Mestre em Educação, UNESA

Leonardo J. Mataruna-dos-Santos
Coventry University, Centre for Trust, Peace and Social Relation - CTPSR

RESUMO ABSTRACT

A Ginástica escreve um importante capítulo na Gymnastic has marked an important chapter


história da humanidade e, sobretudo, da so- in the humanity history and, overall in the
ciedade brasileira. O objetivo desse estudo foi Brazilian Society The aim of this study is to
compreender a importância do papel das insti- investigate the role of military institutions
tuições militares na sua implantação da ginás- in the establishment of the gymnastic in
tica no Brasil, e identificar as suas tendências Brazil and identify tendencies. In conclusion,
assumidas ao longo do tempo. Concluiu-se que militaries institutions played an important
houve forte influência militar com predomínio role in the development of the sport due to a
dos ideários de eugenia e higiene na implan- predominance of eugenics and hygiene ideals,
tação e desenvolvimento da ginástica no País, unlink the background just in the 20th Century.
somente sendo desvinculados nas últimas dé-
cadas do século XX. KEYWORDS: Gymnastic, Military Institutions,
History of Brazil
PALAVRAS-CHAVE: Ginástica; Instituições
Militares; História do Brasil

* Artigo recebido em 2 de abril de 2016 e aprovado para publicação em 4 de maio de 2016.

Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 12, no 23, p. 63-75 – 2016. 63
Marcelo Gomes da Costa, João Marcos Perelli & Leonardo J. Mataruna dos Santos

INTRODUÇÃO Império, se confundindo com a dos milita-


res (CASTELLANI FILHO, 1988). Antes disso,
Um dos importantes componentes da Cul- no Brasil Colônia, a prática de atividades fí-
tura Corporal em nossos dias, perfilando os sicas se restringia às atividades de origem
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs indígena, como: o arco e flecha; a natação; a
(BRASIL, 1997), a Ginástica, que em seus canoagem; as corridas a pé, marchas e tou-
primórdios foi considerada como o próprio radas e; a equitação entre os índios e os pri-
significado da Educação Física (TUBINO; meiro colonizadores. Ao final desse período,
GARRIDO; TUBINO, 2007), encontra sua ori- em fins do séc. XVIII surgem algumas im-
gem no Brasil intimamente ligada às Insti- portantes publicações que caracterizavam o
tuições Militares. Marinha, Exército e Polícia entendimento da Educação Física à época,
Militar deram o tom inicial da sua sistemati- bem como, a direção para qual apontavam
zação que, fruto das influências culturais, po- (MARINHO, s/a).
líticas, econômicas e científicas, ao longo da Em 1787, o bacharel Luiz Carlos Moniz
sua trajetória história, ampliou o seu acervo Barreto publica, em Lisboa, Tratado de Edu-
de expressões e objetivos sobre a motricidade cação Física e Moral dos meninos de ambos
humana. Atualmente, a Ginástica se faz pre- os sexos, uma tradução do seu original, em
sente em, no mínimo, cinco campos distintos: francês. Neste, que talvez seja o mais antigo
Ginásticas de Condicionamento (e Desenvol- documento escrito em língua portuguesa
vimento Motor, que acrescentamos); Ginásti- dedicado à Educação Física, temas como
cas de Competição; Ginásticas de Conscien- eugenia, hereditariedade, alimentação, hi-
tização Corporal; Ginásticas Fisioterápicas e; giene, puericultura, concepção, gravidez e
Ginásticas de Demonstração (SOUZA, 1992). parto perpassavam os sete capítulos dessa
No presente posicionamento pessoal, ao obra, “que naturalmente vem ter ao Brasil,
revisitar a sua história por intermédio dos re- atendendo à nossa situação de Colônia”. À
gistros e fontes bibliográficas acerca do tema, essa, outras três importantes publicações
pretendemos descortinar as tendências as- se ajuntam: Tratado da Educação Física dos
sumidas pela Ginástica ao longo do tempo, Meninos para o uso da Nação Portuguesa
como também, compreender e registrar quão (Lisboa, 1890), pelo Dr. Francisco de Melo
importante foi a influência militar em sua Franco, escritor de renome, um ilustre mi-
concepção, propagação e desenvolvimento. neiro graduado na Universidade de Coim-
Todavia, não temos a pretensão de assumir bra; Tratado da Educação Física dos Meninos
uma posição de verdade histórica absoluta, para o uso da Nação Portuguesa (Lisboa,
tampouco encerrar discussões em torno de 1891), publicado por ordem da Academia
seus delineamentos, mas sim, compreender Real das Ciências por Francisco José de Al-
as características de sua sistematização “utili- meida, estabelecendo uma distinção entre
tária” (de Condicionamento, Conscientização movimento e exercício para os padrões da
Corporal e Desenvolvimento Motor), desde a época. Neste, sugere como um dos meios
sua acepção pelas Forças Militares, passando de trabalho físico a Ginástica, junto à luta,
por sua introdução e desenvolvimento no am- o jogo das barras, o jogo da bola, as corri-
biente escolar, até a sua penetração nas asso- das, a dança e a equitação, e; no início do
ciações e clubes, com o seu consequente des- séc. XIX, Elementos de Higiene ou Ditames
dobramento, crescimento e desenvolvimento Teoréticos para conservar a saúde e prolon-
para os atuais Centros de Condicionamento gar a vida, do Dr. Francisco de Melo Franco
Físico (academias de ginástica, estúdios de (Lisboa, 1819) por ordem da Academia Real
exercícios físicos e similares). das Ciências, com capítulos dedicados à in-
fluência recíproca entre o moral e o físico
BRASIL IMPÉRIO, GINÁSTICA, E O (MARINHO, s/a, p.p. 18-20).
IDEÁRIO NACIONAL Com a chegada do Príncipe Regente,
D. João VI, no Rio de Janeiro, capital do
A História da Educação Física institucio- Vice-Reino do Brasil, à época, muitas das
nalizada no Brasil se inicia no período do transformações, já em curso, começam

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efetivamente a ocorrer. Assim, em 1808, ele atribuir às Forças Armadas, em particular à


dá início à criação de instituições significa- Marinha do Brasil, o papel precursor do de-
tivas, em número e importância: Secretarias senvolvimento dos esportes no Brasil, sobre-
de Estado, Supremo Conselho Militar, Fábri- tudo quanto ao tiro, à esgrima, ao hipismo
ca de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas, e à vela. Estas práticas esportivas ocorriam
Imprensa Régia, Academia da Marinha, de forma lúdica ou em exibições e encontros
Escola de Medicina, Jardim Botânico, Esco- amistosos” (GARRIDO; LAGE in DACOSTA,
la de Belas Artes, Biblioteca Real, Arquivo 2005, p.131).
Militar, Casa de Suplicação, Academia de De acordo com Cancella; Santos (2012,
Ciências Física, Matemáticas e Naturais, p.3), com o objetivo de atender à demanda
um banco de depósito, desconto e emissão dos serviços militares, a prática de ativida-
que viria se tornar o Banco de Brasil, entre des físicas regulares passou a se fazer pre-
tantas outras (MARINHO, s/a, p.21). Dessas, sente na preparação militar desde o século
duas possuem grande importância para a XIX. Com o Decreto no 2.163, de 1o de maio
Ginástica: a Academia Real da Marinha e a de 1858, a Academia da Marinha se transfor-
Escola de Medicina. Para efeito de registro, mou em Escola da Marinha e, dentre as re-
essas e outras iniciativas deram maturidade formulações curriculares experimentadas,
ao desejo de Independência até que, em 7 estabeleceu novas práticas de preparação:
de setembro de 1822, D. Pedro de Alcântara “esgrima, uma vez por semana; ginástica,
de Bragança, já Príncipe Regente do Brasil uma vez por semana; natação, duas vezes
(nomeado em 1821 por D. João, antes do por mês e aos domingos, antes da missa”
seu retorno a Portugal) proclama a Indepen- (MARINHO, s/a, p.25 – grifo nosso). Um
dência do Brasil, às margens do Riacho Ipi- pouco mais tarde, o Decreto no 4.720, de 22
ranga, tornando-se o primeiro Imperador do de abril de 1871, regulamentou a Escola da
Brasil: D. Pedro I. Marinha, ratificando a Ginástica como prá-
Segundo ARANTES (2008, p.1), os primór- tica obrigatória para aos aspirantes (CAN-
dios da Ginástica no Brasil decorrem da ini- CELLA; SANTOS, 2012). Posteriormente, o
ciativa de D. Maria Leopoldina e Leopoldina, Decreto no 9.611, de 26 de junho de 1885,
Imperatriz-Consorte do Brasil, esposa de D. reuniu a Escola da Marinha e o Colégio Na-
Pedro I. De origem austríaca, ao aportar em val em uma única Instituição, a Escola Na-
nossas terras, “trouxe consigo um grupo val, “mantendo os exercícios de ginásticas, a
pequeno, porém, muito importante forma- natação e a esgrima” (MARINHO, s/a, p.29).
do por cientistas e pela sua guarda pessoal. Decorrente de um processo de moder-
Esta guarda pessoal praticava exercícios nização da Marinha do Brasil, “iniciado em
que foram adotados pelos nossos soldados. 1906 sob as ações do Ministro da Marinha,
A partir deste fato, a prática da gymnástica Almirante Alexandrino Faria de Alencar reto-
foi gradualmente ‘ganhando espaços’”. mando algumas propostas de seu anteces-
A criação da Academia Real dos Guar- sor, Almirante Júlio César de Noronha, foram
das-Marinhas na cidade do Rio de Janeiro, levantadas necessidades fundamentais per-
em 1808 (atual Escola Naval), inaugurou o tinentes ao preparo físico e técnico do pes-
estudo superior no Brasil. A formação dos soal de bordo decorrentes do processo de
oficiais, que contou com a participação de modernização da Marinha e da introdução
alunos estrangeiros (franceses, ingleses da nova tecnologia a vapor. Nesse contexto,
e portugueses), para além das aulas teóri- emergiram discussões sobre a necessidade
cas, incluía aulas práticas das artes do ma- de introdução das atividades ‘gymnasticas’
rinheiro, exercícios militares e embarques, de forma mais regular na instituição, visan-
e ainda, atividades de caráter formativo, do à manipulação dos novos tipos de ma-
direcionadas à guerra que tinham o senti- quinário que compunham os navios. Como
do esportivo, como o manejo de armas, a resultado, Cancella (2011) cita o importante
equitação e as instruções pertinentes à pre- artigo de Alfredo Colonia (COLONIA, 1910)
paração dos equipamentos e pilotagem de “propondo a criação de uma Escola de Gym-
embarcações à vela. “Desse modo, pode-se nastica no Corpo de Marinheiros que teria

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como alunos sargentos e cabos em um cur- posto de contramestre de Ginástica da Es-


so com parte teórica e prática, saindo estes cola Militar (MARINHO, s/a). “No Depósito
diplomados como monitores de ginástica de Aprendizes Artilheiros situado na Fortaleza
com responsabilidade de divulgar os jogos e de São João, ginástica, esgrima e natação se
a ginástica sueca pelas escolas e navios da tornaram obrigatórias” (ALMEIDA, 2010). In-
Marinha do Brasil” (CANCELLA, 2011, p. 6). fluenciado pelo grande número de imigran-
Na esteira desse processo, foram inau- tes alemães, no Brasil, que continuavam
guradas outras instituições militares desti- com o hábito regular da prática de atividades
nadas ao estudo e formação em Educação gímnicas, bem como, pela influência inicial
Física, onde podemos destacar a Escola de dos oficiais e soldados prussianos da Guar-
Educação Física da Força Policial do Estado da Imperial da nossa Imperatriz, o Método
de São Paulo e a Escola de Educação Física Alemão de Ginástica foi introduzido como
do Exército (DACOSTA, 2005; CASTELLANI o primeiro sistema de Ginástica, no Brasil,
FILHO, 1988; RAMOS, 1982). baseado nos exercícios sistematizados de
Em 1809, o D. João VI cria a Divisão Mili- Jahn, oficialmente adotado até 1912 (MELO,
tar da Guarda Real de Polícia da Corte, “com 1996; CASTELLANI FILHO, 1988; MARINHO,
a finalidade de promover a segurança e a tran- 1982, MARINHO, s/a). De nacionalidade ale-
quilidade da população, coibir a desordem e o mã, Meyer muito deve ter contribuído para a
contrabando”. Em 1831, na Assembleia Pro- introdução e desenvolvimento deste.
vincial da Província de São Paulo, seu presi- Na continuidade desse processo de ama-
dente, o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, durecimento do Exército Brasileiro (EB), a
sanciona lei criando o Corpo de Municipais criação do Centro Militar de Educação Físi-
Permanentes, fundando aí, a futura Polícia ca (CMEF), no início do séc. XX, possibilitou
Militar do estado de São Paulo que, poste- a sua posterior transformação para Escola
riormente, “passou a liderar a doutrina e as de Educação Física do Exército (EsEFEx),
práticas das atividades físicas no âmbito das por intermédio do Decreto 23.252, de 19 de
forças policiais” (BOUÇAS; RABELO; LACER- outubro de 1933, “dando-lhe nova organiza-
DA in DACOSTA, 2005, p.136). No início do ção, atualizando seus currículos e amplian-
século XX, mais precisamente em 9 de mar- do os seus objetivos” (SOEIRO; PINHEIRO
ço de 1910, foi formalmente constituída a in DACOSTA, 2005, p.129), instituição essa
Escola de Educação Física da Polícia Militar que muito contribuiu para o desenvolvi-
de São Paulo (EEFPM), a primeira Escola de mento inicial da Educação Física, no Bra-
Educação Física do Brasil (ibid, p.138). sil, ampliando seu escopo como Escola de
Criada em 1810, a Real Academia Militar Formação em Educação Física para além do
formava os oficiais em diversas Armas, bem seu efetivo, incluindo membros das Polícias
como engenheiros, geógrafos e topógrafos, Militares de todo o Brasil e civis (ibid, p.136).
onde eram ministrados os cursos de Cavala- Inúmeras outras corporações militares
ria, Infantaria e Engenharia. Com a Indepen- foram criadas e influenciadas por três essas
dência do Brasil, fundiu-se com a Academia precursoras. Em todas essas Instituições,
Real dos Guardas-Marinhas, formando a por conta de uma política de Estado, os ob-
Academia Militar e de Marinha. Em função jetivos maiores sempre giraram em torno de
de não ter obtido os resultados esperados, um projeto de nação baseado nos ideários
o decreto de 22 de outubro de 1833 separa de eugenia e higiene.
as duas Instituições novamente, regulando A imigração, e consequente miscigena-
provisoriamente a Academia Militar da Cor- ção de raças, suportava o desejo de melho-
te (MOACYR, 1936). Em 1840, viria se deno- ria da raça brasileira. D. Pedro I foi o primei-
minar Escola Militar, sendo transferida para ro a defender essa tese, endossando a ideia
as dependências do Forte da Praia Verme- de sua esposa em trazer grupos de colonos
lha, a partir de 1858 (DACOSTA, 2005). alemães, pois enxergava nisso a possibilida-
A reorganização do ensino militar, em de de promover a eugenia da raça brasileira,
1860, conduziu o Alferes do Estado-Maior como também, uma oportunidade para “im-
da 2a classe, Pedro Guilhermino Meyer, ao portação de gente laboriosa, de hábitos euro-

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peus e cultura mais adiantada que a nossa” multiplicação e propagação de inúmeras


(MARINHO, s/a, p.39). Contudo, o debate ra- Sociedades (civis) de Ginástica criadas pe-
cial da eugenia não se restringia à etnia e ao los alemães e as inúmeras publicações na-
consequente “embranquecimento” da raça cionais e estrangeiras em torno do tema, em
brasileira. Envolvia outras questões, “como especial, a publicação da tradução do Novo
constituição física, força individual e coletiva Guia para o Ensino da Ginástica nas Escolas
de uma nação” (GÓIS JÚNIOR, 2013, p.143), Públicas da Prússia, em 1870, por ordem do
encontrando na imigração de outros povos Ministro do Império, impulsionaram a inclu-
europeus – especialmente de alemães e são da Ginástica nas escolas primárias da
franceses – e na prática da Ginástica, gran- Corte, em meados do século XIX (ARANTES,
des aliados na direção desse projeto. 2008), com a consequente adoção desse
A análise da produção intelectual realiza- método. Dessa forma, para além de sua pre-
da, no Brasil, entre o final do séc. XVIII até o sença no âmbito militar e como prática so-
início do século XX endossa esses ideários cial já estabelecida, a Ginástica alcançava o
(MARINHO, s/a). Procedendo-se à análise dos sistema escolar civil da época.
manuais e livros estrangeiros, importados e Em 1837, “um dos anos mais fecundos
traduzidos, bem como, da produção nacional para as iniciativas educacionais”, o Deputa-
destes e das teses oitocentistas da Faculdade do pela Província da Bahia, Antônio Ferreira
de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), “insti- França, apresenta projeto para criação de
tuição que na visão de José Gondra, formulou uma “sociedade escolar” e, na continuidade,
um projeto de educação escolar para o Brasil, obtém autorização para criação da “escola
onde se pode notar a presença dos exercícios primária superior”, onde introduz a Ginásti-
gymnasticos” (GONDRA, 2000 in CUNHA JU- ca como ‘cadeira’ (disciplina) integrante da
NIOR, 2008, p.61), os conceitos de eugênico e instrução primária (MARINHO, s/a, p.23-24).
higienista estão bem demarcados. Nesse mesmo ano, é fundado o Colégio
Uma das primeiras teses sobre Ginástica D. Pedro II (CPII) (CARDOSO, 2003), com o
no Brasil, intitulada Generalidades acerca da objetivo de servir à elite da capital com uma
Educação Physica dos meninos, de autoria formação diferenciada, que incluía a Ginásti-
do médico mineiro Dr. Joaquim Pedro de ca, junto com a Música e o Desenho, como
Mello, data de 1846. Nessa, Mello destacou disciplinas de seu currículo escolar, que teve
a importância da prática regular de exercí- em Guilherme Luiz Taube, ex-Capitão do Exér-
cios físicos por intermédio da Ginástica, e cito Imperial, como o primeiro professor de
teceu críticas à falta de interesse e interven- Ginástica, em 1841 (GÓIS JUNIOR, 2013).
ção do governo brasileiro sobre a Educação Alguns anos após a saída de Taube, Pedro
Física Escolar. Consta que sua Defesa de Guilhermino Meyer, o mesmo que havia sido
Tese foi presenciada por D. Pedro II, à épo- alçado anteriormente a contramestre de Gi-
ca, Imperador do Brasil. Outras duas impor- nástica da Escola Militar, assumiu a direção
tantes teses reforçam o pensamento ideário das lições de Ginástica do CPII, encaminhan-
predominante: a de Afrânio Peixoto, médico do uma grande demanda de compra de apa-
baiano que fez carreira no Rio de Janeiro, relhos de Ginástica ao Ministro do Império,
membro da Academia Brasileira de Letras, consolidando cada vez mais o formato ginás-
professor de História da Educação e Reitor tico das aulas de Educação Física no colégio
da Universidade do Brasil, um dos que bem (CUNHA JUNIOR, 2008). Coadunamos com a
representava o pensamento em defesa do percepção de Cunha Junior de que os milita-
“embranquecimento” da raça brasileira por res contribuíram para além da direção das li-
intermédio da mestiçagem e; a do médico ções de Ginástica e de Educação Física, mas
mineiro João da Matta Machado, um dos também na organização didática e na elabo-
principais apologistas de uma Ginástica ração dos recursos materiais, aparelhos e
com mentalidade científica, médica e higie- utensílios, utilizados nas aulas.
nista, nas escolas (GÓIS JÚNIOR, 2013). Sancionada em 1854 pelo Ministro do
Associada à oficialização do Sistema Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, a
Alemão de Ginástica na Escola Militar, a Reforma Couto Ferraz, apresentada por

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este, quando ainda Deputado, na Assem- higiênica e pedagógica, sem caráter acro-
bleia Geral Legislativa, em 1851, instituiu bático; e) valorização do professor de Edu-
o Regulamento da instrução primária e cação Física, dando-lhe paridade, em direi-
secundária do Município da Corte, que tor- tos e vencimentos, categoria e autoridade,
nou obrigatória a Educação Física nas es- aos demais professores; f) preferência nas
colas da capital da Corte, estabelecendo a nomeações e acessos, aos professores que
Ginástica como disciplina obrigatória para tivessem habilitação no ensino da ginástica
o ensino primário (LIMA, 2012; MARINHO, escolar, quando em igualdade de condições
s/a). De início, houve resistência popular com os demais ...]” (MARINHO, 1980, p.164)
quanto à prática da Ginástica por parte das Em 1888, Pedro Manuel Borges publica
meninas, muito provavelmente em decor- Manual Teórico-Prático de Ginástica Escolar
rência da associação, dessa, com as insti- (Elementar e Superior), destinado aos pro-
tuições militares (LIMA, 2012), o que, muito fessores das escolas, liceus e colégios,
provavelmente, estimulou a publicação do cujo conteúdo encontrava-se alicerçado no
Decreto no 7.654, de 06 de março de 1880, Método Sueco, que começava a dissemi-
que baixou novo regulamento para a Esco- nar-se nas escolas. Assim, o Método Ale-
la Normal de Municípios da Corte, instituiu mão ficou restrito às instituições militares.
para a 5a série princípios de educação físi- Junto com Rui Barbosa, Manuel Borges
ca, intelectual, moral e cívica e esclareceu firmou importante posição em defesa da
que para a Ginástica haveria um ‘mestre’ e obrigatoriedade da Educação Física nas es-
uma ‘mestra’ (MARINHO, s/a). colas (MARINHO, s/a).
Rui Barbosa um entusiasta e defensor
da prática escolar da Ginástica, é reconhe- BRASIL REPÚBLICA, A PRÁTICA
cido por MARINHO como “O Paladino da SOCIAL DA GINÁSTICA E A FORMAÇÃO
Educação Física no Brasil” (MARINHO, EM EDUCAÇÃO FÍSICA
1980). Advogado e Político de grande ex-
pressão, entre as décadas finais do Impé- As reformas educacionais que incluíram
rio e as décadas iniciais da República, Rui a Ginástica na escola no início do Brasil Re-
emitiu Pareceres fundamentais para as Re- pública (BETTI, 1991), a posterior inclusão
formas do Ensino Primário, Secundário e da Educação Física na Constituição brasilei-
Superior, originários da análise do Decreto ra, tornando-se obrigatória no ensino secun-
nº 7.247, de 19 de abril de 1879, “que refor- dário (RAMOS, 1982) e a adoção dos méto-
mava o ensino primário e secundário no mu- dos ginásticos oriundos das escolas alemã,
nicípio da Corte e o ensino superior em todo francesa e sueca, sob a influência dos mi-
o Império” (MORMUL; MACHADO, 2013, litares (MARINHO, 1982) numa perspectiva
p.280), “influindo decisivamente para que eugenista/higienista (DARIDO; RANGEL,
a Educação Física encontrasse ambiente fa- 2005), contribuíram para a disseminação de
vorável ao seu desenvolvimento no campo uma cultura da Ginástica.
educacional” (MARINHO, s/a, p.27). Com a grande imigração alemã para o
“Em Rui, encontramos o precursor de Rio Grande do Sul (RS) na segunda déca-
ideias fundamentais, que, no âmbito da da do século XIX, em função de um clima
Educação Física, podem ser assim, con- mais favorável para sua adaptação, houve a
substanciadas: (... c) distinção entre os criação de centenas de associações com va-
exercícios físicos para os alunos (ginástica riados propósitos, dentre essas, 47 eram de-
sueca) e para alunas (calistenia), de modo dicadas à prática da Ginástica (Turnverein),
que a mulher praticasse atividades compa- fenômeno este que se reproduziu em ou-
tíveis com as características de seu sexo, a tras regiões do País (TESCHE in DACOSTA,
harmonia das formas feminis e as exigên- 2005). Suas características originais perdu-
cias da maternidade futura; d) prática de raram até o final da quarta década do século
exercícios físicos pelo menos quatro vezes XX quando, por força do Decreto-Lei no 383,
por semana, durante 30 minutos, devendo de 18 de abril de 1838, essas sociedades de
ser professada a ginástica exclusivamente Ginástica foram nacionalizadas.

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Após o domínio inicial do Sistema Ale- Sueco e da Calistenia, bem como, “não se
mão de Ginástica, “a derrota da Alemanha fez sem críticas que partiam da ressalva de
na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a que era necessária a criação de um Método
chegada da Missão Militar Francesa ao Brasil Nacional de Educação Física” (ibid, p.18).
contribuíram para que o método alemão per- Marinho (s/a, p.41) declara que “o pri-
desse, em nosso país, o caráter oficial que até meiro brado a favor da implantação da
então gozava, sendo substituído pelo método ginástica sueca em nosso país” decorreu
francês” (MARINHO, s/a, p.40). dos famosos Pareceres de Rui Barbosa,
A chegada da Missão Militar Francesa de 1882. Nestes, postulou argumentos em
(MMF) ao Brasil foi estimulada por duas defesa do Sistema Sueco para o sexo mas-
principais razões: o despreparo do EB e a culino e da Calistenia para o feminino. Esta
evolução da Primeira Guerra, na qual a Fran- última, posteriormente, seria bastante di-
ça saiu-se vitoriosa. Em sua estada por aqui, fundida pela Associação Cristã de Moços
a MMF muito contribuiu para a mudança (ACM), fundada em 1893, no Rio de Janei-
de paradigma metodológico na Educação ro, a primeira da América Latina. Em 1897,
Física nacional, especialmente nas forças a ACM inicia as suas aulas de Ginástica,
militares, que passaram a adotar o método baseada no Método Calistênico (HIDAKA;
francês. Como consequência, influenciou SEGUI in DACOSTA, 2005).
na criação da primeira Escola de Educação Grande estudioso da Educação Física e
Física do Brasil, a Escola de Educação Físi- da própria Ginástica, Marinho (1982), que
ca da Polícia Militar de São Paulo (EEFPM) fazia parte de um grupo que aspirava a cria-
(RIBEIRO, 2009). O primeiro curso implanta- ção e consolidação de um Método Nacional
do foi o Curso de Esgrima e Ginástica, sob o de Educação Física, apresentou a proposta
comando e direção do Capitão da MMF, Del- de uma Ginástica Nacional baseada nos
phin Balancier. Em 1912, o recém-chegado movimentos da Capoeira, atividade histori-
Capitão Louis Lemaitre, diplomado pela Es- camente tipicamente brasileira e, epistemo-
cola de Joinville-le-Point, assumiu a Direção logicamente, de múltiplo entendimento: um
do Curso de Ginástica (DACOSTA, 2005). misto de exercício físico, arte, luta e dança.
Outra grande influência para a propaga- Aspirava, principalmente, a adoção do seu
ção do Método Francês tem relação com a método nas escolas. Inezil criou e divulgou,
criação do Centro Militar de Educação Físi- mas, apesar dos elogios e reconhecimento
ca (CMEF), destinado a dirigir, coordenar e ao seu trabalho, por motivos diversos, não
difundir o novo método de Educação Física conseguiu a aceitação e consolidação do
militar. Os oficiais da MMF tiveram partici- seu método.
pação significativa, desde a sua concepção, Para além da formação de Instrutores
passando pela seleção e recrutamento até nas escolas militares, “novos instrutores
a direção dos cursos para Instrutores e Mo- eram formados também na antiga Escola
nitores oferecidos aos oficiais e sargentes Normal da Corte”, entre eles, um se desta-
do EB (MARINHO, s/a). Posteriormente, o caria, Arthur Higgins (MAGALHÃES, 2005,
CMEF viria se tornar a Escola de Educação p.91) que, em 1896, publicaria Compêndio
Física do Exército (EsEFEx). de Ginástica e Jogos Escolares, livro adota-
Conforme Faria Junior (2014), no âmbito do pela Escola Normal e pelo Ginásio Na-
civil, a grande reforma experimentada pelo cional, ambos na capital. Este estudo, bem
ensino secundário, com a obrigatoriedade como o manual de Pedro Manuel Borges
da Educação Física para todas as classes, (Manual Teórico-Prático de Ginástica Esco-
aderiu ao Método Francês, adotado pelo Mi- lar), contribuiu para a disseminação da Gi-
nistério de Educação e Saúde por intermé- nástica Sueca nos escolas civis do Brasil
dio da Portaria Ministerial de 1931. (MARINHO, s/a).
Mesmo tendo sido adotado de forma Lima (2012) declara que o ensino da Edu-
oficial no Brasil, o Método Francês sofria a cação Física nesse período baseava-se nos
concorrência de outros sistemas europeus métodos europeus, em especial, o sueco, o
de Ginástica, principalmente, do Método alemão e o francês, que se sustentavam em

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princípios biológicos. “Faziam parte de um trutores que, ao se formarem, juntaram-se


movimento mais amplo, de natureza cultu- a alguns militares, médicos e destaques es-
ral, política e científica, conhecido como Mo- portivos da época para formar o que seria o
vimento Ginástico Europeu, e foi a primeira primeiro corpo docente da Escola Nacional
sistematização científica da Educação Física de Educação Física e Desportos (ENEFD) da
no Ocidente” (ibid, p.152). Universidade do Brasil, criada em 1939 (MA-
Com a expansão da atividade física para GALHÃES, 2005), atual Universidade Federal
a sociedade civil, a necessidade de uma do Rio de Janeiro (UFRJ).
melhor formação em Educação Física ficou Decididamente, a década de 30 foi rica
latente. Conforme Grunennvaldt (2006, p.8), em eventos decisivos para os rumos da Edu-
“na década de 1930, as discussões em torno cação Física. Em decorrência do contexto
da Educação Física eram acaloradas, época político no cenário internacional, com a as-
marcada pelas preocupações que persona- censão das ideologias fascistas e nazistas,
lidades, ligadas a instituições educacionais, essa década presencia o ‘retorno’ do ideá-
destinavam ao trato das questões afetas à rio eugenista, com certa força, visitando
formação, organização e difusão da Educação as instituições militares de todo o mundo,
Física, num país que pretendia se industria- também no Brasil, que por intermédio do
lizar e que apresentava um contingente po- EB experimentou “um movimento em prol
pulacional bastante heterogêneo, precisando do “ideal” da Educação Física que se mescla-
ser organizado à luz do progresso”. va aos objetivos patrióticos e de preparação
Na Revolução de 30, que levou Getúlio pré-militar” (LIMA, 2012, p.152).
Vargas à chefia do Governo Provisório, a Com efeito, em seu trabalho, Corrêa (2013)
Educação Física assume status diferen- relata que esse ideal está presente em todos
ciado no Governo Vargas, fazendo parte de os números da Revista de Educação Física do
ações governamentais sistemáticas, tornan- Exército, entre os anos de 1932 a 1939, deixan-
do-se uma área específica do Ministério da do evidente um princípio básico que orientava
Educação e Saúde (ALMEIDA, 2010). Nessa as suas matérias: “o princípio da cientificidade
direção, em 1933, nos primeiros anos da Era na promoção de uma nacionalidade racional
Vargas, surge a Escola de Educação Física pelo aperfeiçoamento da raça. Por isso, há uma
do Exército (EsEFEx), que pode ser consi- veiculação ideológica de exaltação à suprema-
derada como a célula-mãe na formação de cia da raça calcada em princípios científicos da
profissionais de Educação Física no País ciência moderna” (ibid, p.187).
(MAGALHÃES, 2005, p.93). Em função do contexto bélico dessa dé-
Grunennvaldt (2006) destaca que o VII cada e do êxito das operações militares nor-
Congresso Nacional de Educação realizado te-americanas na Segunda Guerra Mundial
no Rio de Janeiro, em 1935, foi um momento (1939-1945), a proposta de treinamento físico
estratégico, neste sentido. Neste, a Educa- militar dos Estados Unidos da América (EUA)
ção Física recebeu destaque, onde uma Co- ganha evidência, despontando em seu mode-
missão composta por sujeitos da esfera civil lo o seu método de treinamento fundamenta-
e militar foi criada para discutir questões do nas bases da Calistenia (RIBEIRO, 2009).
fundamentais ao destino da formação em Todavia, o discurso eugenista não con-
Educação Física. “As conclusões extraídas seguiu se sustentar durante muito tempo,
das teses sobre a organização de institutos frente aos fortes objetivos higiênicos e de pre-
ou escolas de Educação Física do VII Congres- venção de doenças, obviamente, muito mais
so Brasileiro de Educação apontavam que afins ao contexto educacional (LIMA, 2012).
ficaria a cargo do Governo a criação de uma As escolas de formação em Educação Fí-
Escola Normal de Educação Física, anexada sica e as ofertas públicas e privadas de cur-
à Universidade do Rio de Janeiro, articulada sos especiais de treinamento promoveram a
com a Faculdade de Educação, Ciências e Le- consolidação de alguns métodos já desen-
tras, a ser criada” (ibid, p.09). volvidos no País, bem como, a apresentação
Assim, em 1938, a EsEFEx cria um curso de novas metodologias, produzindo novos
de emergência visando a formação de Ins- conhecimentos e possibilidades de inter-

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venção na área. Na metade do século XX, “a o peso corporal e com sobrecarga), atividade
Calistenia fazia parte do currículo da Escola tipicamente carioca que influenciou o seg-
Nacional de Educação Física, considerado mento de atividades físicas nas Academias de
“currículo padrão” para as demais Escolas de Ginástica de todo o Brasil, até os nossos dias
Educação Física existentes no País” (FARIA (COSTA, 1996; COSTA, 1998).
JUNIOR, 2014, p.19), assim como, o Depar- Na década de 80, a Ginástica Aeróbica
tamento de Educação Física do Estado de invadiu as terras brasileiras, ampliando as
São Paulo empreendeu iniciativa convidan- possibilidades metodológicas da Ginásti-
do palestrantes internacionais, professores ca. Esse movimento decorreu do sucesso
dos países europeus, que trouxeram a Gi- do Método Cooper, criado pelo médico Dr.
nástica Moderna Sueca, a Ginástica Natural Kenneth H. Cooper, na década de 60. Com a
Austríaca e a Ginástica Desportiva Genera- publicação e popularização do seu livro Ae-
lizada (BARROS, 1998). Desde então, a am- robics, em 1968, que versava sobre a sua
pliação do espectro de métodos ginásticos pesquisa desenvolvida com marinheiros
europeus em solo brasileiro cresceu signi- norte-americanos. Buscando proporcionar
ficativamente, alcançando os diferentes es- melhorias físicas nas Forças Armadas nor-
paços destinados à prática da Ginástica. te-americanas, Cooper acabou dando desta-
Praticada nas ACMs e nas Escolas Ame- que às atividades aeróbicas, que acabaram
ricanas, criadas em nosso País, pelos filhos por ganhar a população, que passou a pra-
de diplomatas que serviam à ACM e à Mari- ticar o jogging (corrida) (CEAS e col., 1987).
nha do Brasil (MB), e inserida na estrutura Com o objetivo de potencializar os resul-
curricular dos Cursos de Educação Física tados aeróbicos dos seus alunos, Jack Soren-
das Escolas de Educação Física do Brasil, sen divulga o seu Aerobic Dancing, em 1971,
a Calistenia, em seu novo formato metodo- utilizando passos simples coreografados de
lógico, a Nova Ginástica, ganhou prestígio e dança ao ritmo da música, estimulando a
penetração nas aulas de Ginástica realiza- continuidade dos movimentos com vistas ao
das em escolas e clubes sociais (MARINHO, desenvolvimento do componente aeróbico.
1953; MARINHO, s/a). No final da década de 70, Jane Fonda apre-
Paralelamente, entre as décadas de 30 sentou um programa denominado Workout,
e 40, surgiu um novo modelo de espaço que mesclava saltitamentos (exercícios que
destinado à prática de atividades físicas. simulam marcha e corrida, e suas variações
Inicialmente nominados de ginásios, estú- de movimentos) com exercícios localizados
dios ou escolas, com o passar do tempo, as (NOVAES, 1991). Essas novas metodologias
academias de ginástica, sua denominação de Ginástica foram absorvidas rapidamente
atual, (CAPINUSSÚ in DACOSTA, 2005), ab- e alcançaram grande sucesso nas Acade-
sorveram os diversos Métodos Europeus de mias de Ginástica dos EUA. Na década de
Ginástica, especialmente a Ginástica Sueca 80, chegaram ao Brasil por intermédio dos
e a Calistenia, mais ainda essa última (NO- grandes Congressos de Educação Física que
VAES, 1991). militavam com este novo mercado, denomi-
A Calistenia foi o método que mais influen- nado Fitness. Aqui chegando, rapidamente,
ciou a Ginástica praticada nas Academias de a Ginástica Aeróbica foi adotada pelas Aca-
Ginástica do Rio de Janeiro. Na década de 70, demias de Ginástica do Brasil, que experi-
os exercícios calistênicos tiveram o seu espec- mentavam grande crescimento a partir deste
tro de possibilidades ampliado, na medida em período, e incorporada como última grande
que novos recursos de Ginástica foram adicio- contribuição que representou quebra de pa-
nados às aulas. Com o passar dos anos, as radigma na Ginástica.
aulas de Ginástica foram ganhando um novo Posteriormente, novas possibilidades de
formato. Influenciada pelas metodologias de atividades aeróbicas surgiram, algumas como
treinamento com pesos (atualmente, comu- variações metodológicas da Ginástica Aeróbi-
mente conhecida como Musculação), esse ca, outras, decorrentes da utilização de novos
novo modelo passou à denominação de Gi- recursos materiais, onde destacamos o Step
nástica Localizada (exercícios realizados com Training, o Jump, o Cycling Indoor e o Running.

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Como desenvolvimento dos estudos e cionalizada no Brasil se confunde com a dos


pesquisas na área de Educação Física e militares. Sua introdução, à época do Impé-
afins, “estimulado pelo movimento em favor rio, dá-se a partir da chegada da Corte Portu-
da Educação Física como área acadêmica”, guesa em nossas terras. Em sua permanên-
iniciado em 1964, nos EUA (BARROS, 1998, cia no Brasil, D. João VI, o Príncipe Regente,
p.14), para além das mudanças e contro- implanta diversas Instituições importantes
vérsias que ocorreram dentro da área, no- visando o desenvolvimento da Colônia, em
vos conteúdos e conceitos foram desenvol- sua preparação para o seu processo de In-
vidos e incorporados na Educação Física e, dependência, dentre essas, a Academia da
consequentemente, na prática da Ginásti- Marinha e a Escola de Medicina viriam ser
ca, ampliando os entendimentos iniciais protagonistas no processo de implantação
eugenista e higienista, que carregava, com da Ginástica, inicialmente, apenas no âmbi-
novas propostas que visitaram sua práxis: to militar para, num segundo momento, se
esportista, na década de 70; da aptidão físi- inserir no educacional.
ca, na década de 80 e da cultura corporal, Durante mais de um século e meio, os
na década de 90, até os mais recentes de ideários eugenistas e higienistas predomi-
saúde e bem-estar. naram, contribuindo para a lenta difusão
Exceto o ideário eugenista, fortemente da Ginástica. Apenas a partir da metade do
marcado pelo objetivo de melhorar a raça e século XX, em função do desenvolvimento
colocar em destaque a sua nação em relação científico e tecnológico experimentado, é
aos outros países, estimulado pelos governos que a Ginástica desfrutou de um desenvol-
dos países nos quais foram criados esses vimento mais célere e amplo, ao incorporar
métodos, fato notadamente observado em novos métodos e ampliar o seu acervo, to-
muitos dos métodos do Movimento Ginástico dos aqueles que mereceram posição de des-
Europeu, atualmente, desfrutamos da possi- taque, ainda eram oriundos da esfera militar
bilidade multicultural de concepções, fina- ou médica.
lidades e objetivos presentes na Ginástica Por fim, podemos compreender que
que, a bem da verdade, pela riqueza histórica somente nas décadas finais do século XX,
e sua presença intimamente relacionada à marcadamente pela iniciativa no campo ci-
história da humanidade, deveria ser elevada vil, a Ginástica conseguiu se “desvincular”
à categoria de Patrimônio Cultural Imaterial da produção médica-militar para a produ-
da Humanidade, pela UNESCO. ção endógena, quer seja, dentro da própria
área e realizada por profissionais de Edu-
CONSIDERAÇÕES FINAIS cação Física, para que pudesse atender
às suas próprias expectativas conceituais,
A História da Ginástica e, consequente- como também, às demandas decorrentes
mente, da própria Educação Física institu- do desenvolvimento social.

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