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Leonardo J. Mataruna-dos-Santos
Coventry University, Centre for Trust, Peace and Social Relation - CTPSR
RESUMO ABSTRACT
Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 12, no 23, p. 63-75 – 2016. 63
Marcelo Gomes da Costa, João Marcos Perelli & Leonardo J. Mataruna dos Santos
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este, quando ainda Deputado, na Assem- higiênica e pedagógica, sem caráter acro-
bleia Geral Legislativa, em 1851, instituiu bático; e) valorização do professor de Edu-
o Regulamento da instrução primária e cação Física, dando-lhe paridade, em direi-
secundária do Município da Corte, que tor- tos e vencimentos, categoria e autoridade,
nou obrigatória a Educação Física nas es- aos demais professores; f) preferência nas
colas da capital da Corte, estabelecendo a nomeações e acessos, aos professores que
Ginástica como disciplina obrigatória para tivessem habilitação no ensino da ginástica
o ensino primário (LIMA, 2012; MARINHO, escolar, quando em igualdade de condições
s/a). De início, houve resistência popular com os demais ...]” (MARINHO, 1980, p.164)
quanto à prática da Ginástica por parte das Em 1888, Pedro Manuel Borges publica
meninas, muito provavelmente em decor- Manual Teórico-Prático de Ginástica Escolar
rência da associação, dessa, com as insti- (Elementar e Superior), destinado aos pro-
tuições militares (LIMA, 2012), o que, muito fessores das escolas, liceus e colégios,
provavelmente, estimulou a publicação do cujo conteúdo encontrava-se alicerçado no
Decreto no 7.654, de 06 de março de 1880, Método Sueco, que começava a dissemi-
que baixou novo regulamento para a Esco- nar-se nas escolas. Assim, o Método Ale-
la Normal de Municípios da Corte, instituiu mão ficou restrito às instituições militares.
para a 5a série princípios de educação físi- Junto com Rui Barbosa, Manuel Borges
ca, intelectual, moral e cívica e esclareceu firmou importante posição em defesa da
que para a Ginástica haveria um ‘mestre’ e obrigatoriedade da Educação Física nas es-
uma ‘mestra’ (MARINHO, s/a). colas (MARINHO, s/a).
Rui Barbosa um entusiasta e defensor
da prática escolar da Ginástica, é reconhe- BRASIL REPÚBLICA, A PRÁTICA
cido por MARINHO como “O Paladino da SOCIAL DA GINÁSTICA E A FORMAÇÃO
Educação Física no Brasil” (MARINHO, EM EDUCAÇÃO FÍSICA
1980). Advogado e Político de grande ex-
pressão, entre as décadas finais do Impé- As reformas educacionais que incluíram
rio e as décadas iniciais da República, Rui a Ginástica na escola no início do Brasil Re-
emitiu Pareceres fundamentais para as Re- pública (BETTI, 1991), a posterior inclusão
formas do Ensino Primário, Secundário e da Educação Física na Constituição brasilei-
Superior, originários da análise do Decreto ra, tornando-se obrigatória no ensino secun-
nº 7.247, de 19 de abril de 1879, “que refor- dário (RAMOS, 1982) e a adoção dos méto-
mava o ensino primário e secundário no mu- dos ginásticos oriundos das escolas alemã,
nicípio da Corte e o ensino superior em todo francesa e sueca, sob a influência dos mi-
o Império” (MORMUL; MACHADO, 2013, litares (MARINHO, 1982) numa perspectiva
p.280), “influindo decisivamente para que eugenista/higienista (DARIDO; RANGEL,
a Educação Física encontrasse ambiente fa- 2005), contribuíram para a disseminação de
vorável ao seu desenvolvimento no campo uma cultura da Ginástica.
educacional” (MARINHO, s/a, p.27). Com a grande imigração alemã para o
“Em Rui, encontramos o precursor de Rio Grande do Sul (RS) na segunda déca-
ideias fundamentais, que, no âmbito da da do século XIX, em função de um clima
Educação Física, podem ser assim, con- mais favorável para sua adaptação, houve a
substanciadas: (... c) distinção entre os criação de centenas de associações com va-
exercícios físicos para os alunos (ginástica riados propósitos, dentre essas, 47 eram de-
sueca) e para alunas (calistenia), de modo dicadas à prática da Ginástica (Turnverein),
que a mulher praticasse atividades compa- fenômeno este que se reproduziu em ou-
tíveis com as características de seu sexo, a tras regiões do País (TESCHE in DACOSTA,
harmonia das formas feminis e as exigên- 2005). Suas características originais perdu-
cias da maternidade futura; d) prática de raram até o final da quarta década do século
exercícios físicos pelo menos quatro vezes XX quando, por força do Decreto-Lei no 383,
por semana, durante 30 minutos, devendo de 18 de abril de 1838, essas sociedades de
ser professada a ginástica exclusivamente Ginástica foram nacionalizadas.
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Após o domínio inicial do Sistema Ale- Sueco e da Calistenia, bem como, “não se
mão de Ginástica, “a derrota da Alemanha fez sem críticas que partiam da ressalva de
na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a que era necessária a criação de um Método
chegada da Missão Militar Francesa ao Brasil Nacional de Educação Física” (ibid, p.18).
contribuíram para que o método alemão per- Marinho (s/a, p.41) declara que “o pri-
desse, em nosso país, o caráter oficial que até meiro brado a favor da implantação da
então gozava, sendo substituído pelo método ginástica sueca em nosso país” decorreu
francês” (MARINHO, s/a, p.40). dos famosos Pareceres de Rui Barbosa,
A chegada da Missão Militar Francesa de 1882. Nestes, postulou argumentos em
(MMF) ao Brasil foi estimulada por duas defesa do Sistema Sueco para o sexo mas-
principais razões: o despreparo do EB e a culino e da Calistenia para o feminino. Esta
evolução da Primeira Guerra, na qual a Fran- última, posteriormente, seria bastante di-
ça saiu-se vitoriosa. Em sua estada por aqui, fundida pela Associação Cristã de Moços
a MMF muito contribuiu para a mudança (ACM), fundada em 1893, no Rio de Janei-
de paradigma metodológico na Educação ro, a primeira da América Latina. Em 1897,
Física nacional, especialmente nas forças a ACM inicia as suas aulas de Ginástica,
militares, que passaram a adotar o método baseada no Método Calistênico (HIDAKA;
francês. Como consequência, influenciou SEGUI in DACOSTA, 2005).
na criação da primeira Escola de Educação Grande estudioso da Educação Física e
Física do Brasil, a Escola de Educação Físi- da própria Ginástica, Marinho (1982), que
ca da Polícia Militar de São Paulo (EEFPM) fazia parte de um grupo que aspirava a cria-
(RIBEIRO, 2009). O primeiro curso implanta- ção e consolidação de um Método Nacional
do foi o Curso de Esgrima e Ginástica, sob o de Educação Física, apresentou a proposta
comando e direção do Capitão da MMF, Del- de uma Ginástica Nacional baseada nos
phin Balancier. Em 1912, o recém-chegado movimentos da Capoeira, atividade histori-
Capitão Louis Lemaitre, diplomado pela Es- camente tipicamente brasileira e, epistemo-
cola de Joinville-le-Point, assumiu a Direção logicamente, de múltiplo entendimento: um
do Curso de Ginástica (DACOSTA, 2005). misto de exercício físico, arte, luta e dança.
Outra grande influência para a propaga- Aspirava, principalmente, a adoção do seu
ção do Método Francês tem relação com a método nas escolas. Inezil criou e divulgou,
criação do Centro Militar de Educação Físi- mas, apesar dos elogios e reconhecimento
ca (CMEF), destinado a dirigir, coordenar e ao seu trabalho, por motivos diversos, não
difundir o novo método de Educação Física conseguiu a aceitação e consolidação do
militar. Os oficiais da MMF tiveram partici- seu método.
pação significativa, desde a sua concepção, Para além da formação de Instrutores
passando pela seleção e recrutamento até nas escolas militares, “novos instrutores
a direção dos cursos para Instrutores e Mo- eram formados também na antiga Escola
nitores oferecidos aos oficiais e sargentes Normal da Corte”, entre eles, um se desta-
do EB (MARINHO, s/a). Posteriormente, o caria, Arthur Higgins (MAGALHÃES, 2005,
CMEF viria se tornar a Escola de Educação p.91) que, em 1896, publicaria Compêndio
Física do Exército (EsEFEx). de Ginástica e Jogos Escolares, livro adota-
Conforme Faria Junior (2014), no âmbito do pela Escola Normal e pelo Ginásio Na-
civil, a grande reforma experimentada pelo cional, ambos na capital. Este estudo, bem
ensino secundário, com a obrigatoriedade como o manual de Pedro Manuel Borges
da Educação Física para todas as classes, (Manual Teórico-Prático de Ginástica Esco-
aderiu ao Método Francês, adotado pelo Mi- lar), contribuiu para a disseminação da Gi-
nistério de Educação e Saúde por intermé- nástica Sueca nos escolas civis do Brasil
dio da Portaria Ministerial de 1931. (MARINHO, s/a).
Mesmo tendo sido adotado de forma Lima (2012) declara que o ensino da Edu-
oficial no Brasil, o Método Francês sofria a cação Física nesse período baseava-se nos
concorrência de outros sistemas europeus métodos europeus, em especial, o sueco, o
de Ginástica, principalmente, do Método alemão e o francês, que se sustentavam em
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venção na área. Na metade do século XX, “a o peso corporal e com sobrecarga), atividade
Calistenia fazia parte do currículo da Escola tipicamente carioca que influenciou o seg-
Nacional de Educação Física, considerado mento de atividades físicas nas Academias de
“currículo padrão” para as demais Escolas de Ginástica de todo o Brasil, até os nossos dias
Educação Física existentes no País” (FARIA (COSTA, 1996; COSTA, 1998).
JUNIOR, 2014, p.19), assim como, o Depar- Na década de 80, a Ginástica Aeróbica
tamento de Educação Física do Estado de invadiu as terras brasileiras, ampliando as
São Paulo empreendeu iniciativa convidan- possibilidades metodológicas da Ginásti-
do palestrantes internacionais, professores ca. Esse movimento decorreu do sucesso
dos países europeus, que trouxeram a Gi- do Método Cooper, criado pelo médico Dr.
nástica Moderna Sueca, a Ginástica Natural Kenneth H. Cooper, na década de 60. Com a
Austríaca e a Ginástica Desportiva Genera- publicação e popularização do seu livro Ae-
lizada (BARROS, 1998). Desde então, a am- robics, em 1968, que versava sobre a sua
pliação do espectro de métodos ginásticos pesquisa desenvolvida com marinheiros
europeus em solo brasileiro cresceu signi- norte-americanos. Buscando proporcionar
ficativamente, alcançando os diferentes es- melhorias físicas nas Forças Armadas nor-
paços destinados à prática da Ginástica. te-americanas, Cooper acabou dando desta-
Praticada nas ACMs e nas Escolas Ame- que às atividades aeróbicas, que acabaram
ricanas, criadas em nosso País, pelos filhos por ganhar a população, que passou a pra-
de diplomatas que serviam à ACM e à Mari- ticar o jogging (corrida) (CEAS e col., 1987).
nha do Brasil (MB), e inserida na estrutura Com o objetivo de potencializar os resul-
curricular dos Cursos de Educação Física tados aeróbicos dos seus alunos, Jack Soren-
das Escolas de Educação Física do Brasil, sen divulga o seu Aerobic Dancing, em 1971,
a Calistenia, em seu novo formato metodo- utilizando passos simples coreografados de
lógico, a Nova Ginástica, ganhou prestígio e dança ao ritmo da música, estimulando a
penetração nas aulas de Ginástica realiza- continuidade dos movimentos com vistas ao
das em escolas e clubes sociais (MARINHO, desenvolvimento do componente aeróbico.
1953; MARINHO, s/a). No final da década de 70, Jane Fonda apre-
Paralelamente, entre as décadas de 30 sentou um programa denominado Workout,
e 40, surgiu um novo modelo de espaço que mesclava saltitamentos (exercícios que
destinado à prática de atividades físicas. simulam marcha e corrida, e suas variações
Inicialmente nominados de ginásios, estú- de movimentos) com exercícios localizados
dios ou escolas, com o passar do tempo, as (NOVAES, 1991). Essas novas metodologias
academias de ginástica, sua denominação de Ginástica foram absorvidas rapidamente
atual, (CAPINUSSÚ in DACOSTA, 2005), ab- e alcançaram grande sucesso nas Acade-
sorveram os diversos Métodos Europeus de mias de Ginástica dos EUA. Na década de
Ginástica, especialmente a Ginástica Sueca 80, chegaram ao Brasil por intermédio dos
e a Calistenia, mais ainda essa última (NO- grandes Congressos de Educação Física que
VAES, 1991). militavam com este novo mercado, denomi-
A Calistenia foi o método que mais influen- nado Fitness. Aqui chegando, rapidamente,
ciou a Ginástica praticada nas Academias de a Ginástica Aeróbica foi adotada pelas Aca-
Ginástica do Rio de Janeiro. Na década de 70, demias de Ginástica do Brasil, que experi-
os exercícios calistênicos tiveram o seu espec- mentavam grande crescimento a partir deste
tro de possibilidades ampliado, na medida em período, e incorporada como última grande
que novos recursos de Ginástica foram adicio- contribuição que representou quebra de pa-
nados às aulas. Com o passar dos anos, as radigma na Ginástica.
aulas de Ginástica foram ganhando um novo Posteriormente, novas possibilidades de
formato. Influenciada pelas metodologias de atividades aeróbicas surgiram, algumas como
treinamento com pesos (atualmente, comu- variações metodológicas da Ginástica Aeróbi-
mente conhecida como Musculação), esse ca, outras, decorrentes da utilização de novos
novo modelo passou à denominação de Gi- recursos materiais, onde destacamos o Step
nástica Localizada (exercícios realizados com Training, o Jump, o Cycling Indoor e o Running.
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