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sociedade contemporânea
* Doutora em Sociologia pela Westfälische Wilhems-Universität (Münster-Alemanha), professora do Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: veraherweg@yahoo.com.br e/ou vhw@cse.ufsc.br.
individualização nesse contexto. Abordar-se- sistemas técnicos. Para esse autor, o processo
ão, ainda, os critérios gerais para a análise da de transição para uma sociedade de riscos é ob-
modernização reexiva e da individualização e servável a partir dos anos 1970. A sociedade de
a pertinência do tema para no contexto social risco não está completamente consolidada, mas
brasileiro. quando o processo de transição tiver acabado,
ocorrerá realmente um processo de mudança
da sociedade, que conduzirá para a saída das
atuais categorias e trilhas do pensar e da ação.
2 O processo de modernização reexiva (Ibidem, p. 27).2 Os riscos da modernização são
produto inconteste da maquinaria do avanço in-
Ulrich Beck (1986; 1993) analisa a individu- dustrial e são agravados com o desenvolvimento
alização no contexto da modernização reexiva. sistemático desse último. No centro da análise
Essa signica a reexividade da modernidade dos riscos está a arquitetura social e a dinâmica
sobre si mesma: processos constituintes da mo- política dos potenciais autorriscos civilizatórios.
dernidade atuam sobre ela mesma, tornando-se,
Acerca da disposição de riscos o autor ex-
portanto, reexivos. O processo de moderniza-
põe cinco teses (Ibidem, p. 29-31):
ção passa a ser reexivo, torna-se a si mesmo
tema e problema. (1986, p. 26). 1. Riscos, da forma como eles são gerados
no degrau do desenvolvimento produtivo
A modernização para Beck abrange os im-
avançado, se distinguem essencialmente
pulsos de racionalização tecnológica; as mudan-
de riquezas. Eles comumente liberam da-
ças organizacionais do trabalho; a alteração do
nos irreversíveis, permanecem nuclear-
caráter social e da biograa normal e previsível;
mente invisíveis, baseiam sobre interpre-
a mudança dos estilos e formas de vida, das es-
tações causais, circulam em torno de seu
truturas de poder e de inuência, das formas de
próprio conhecimento, sendo que este, de
dominação política e de participação, da concep-
outro lado, pode diminuí-los, aumentá-los,
ção da realidade, das normas de conhecimento
dramatizá-los ou minimizá-los.
e produção cientícas.
2. Com a distribuição e o crescimento de
Esse autor expõe as suas primeiras teses
riscos emergem novas situações de riscos
sobre a individualização no seu livro Risikoge-
sociais.
sellschaft (1986). Nessa obra, Beck (1986, p.
25) ainda escreve sobre a modernidade pro- 3. Riscos elevam a lógica de desenvolvimen-
gressiva, na qual a produção social da riqueza to capitalista para um patamar superior.
[caminha] em unidade com a produção social 4. Riquezas podem ser possuídas, aos ris-
de riscos (grifos no original). O autor entende cos se está sujeito.
que a distribuição dos riscos na modernidade
desenvolvida está associada a duas condições: 5. Riscos sociais contêm um conteúdo polí-
a) a necessidade material real pode ser objeti- tico incendiário. Na luta pública pelos riscos
vamente minimizada e socialmente excluída e trata-se de suas consequências sociais, eco-
b) os riscos e ameaças potenciais são liberados nômicas e políticas, e ainda, da reorganiza-
pelo processo de modernização até extensões ção de poder, da determinação de responsa-
antes desconhecidas. bilidades e da gestão de catástrofes.
Beck (Ibidem, p. 28) diferencia entre ris- Para enfrentar a situação crescente de
cos e perigos. No que se refere à relação com riscos, as saídas podem ser construídas pelo
inseguranças, o autor analisa que na realidade
é possível diferenciar: a) riscos ainda são, ou 2
É necessário ressaltar o contexto social da análise de Beck, ou
seja, tem um caráter de continuidade e perma- seja, a realidade socioeconômica e política da Alemanha em nal
nência, e b) perigos não são mais relacionados dos anos 1970 e início dos anos 1980. Justamente pela análise tem-
poral que esse autor faz, seus escritos são por alguns críticos deno-
com as instituições consolidadas e consequên- minados de diagnóstico social e não teoria social. As prospecções
cias gerais controláveis da produção industrial e realizadas por Beck não se efetivaram conforme havia suposto.
conhecimento cientíco. Todavia, Beck (1986, Beck (1986, p. 117) arma: que a dinâmica
p. 79) esclarece que a história da tomada de do mercado de trabalho assegurado pelo
consciência e do reconhecimento social de ris- Estado anou e dissolveu as classes so-
cos desmorona conjuntamente com a história ciais no capitalismo. Deparamo-nos pen-
da desmisticação da ciência. O problema está sando em categorias marxistas [...], mas
em que, enquanto os riscos não forem reconhe- com o fenômeno de um capitalismo sem
cidos pela ciência, eles inexistem e com isso, classes, em contraposição às estruturas
não são pesquisados. Assim, sendo, inexistem e problemas de desigualdade social a ele
juridicamente, medicinalmente, tecnologicamen- vinculados.
te, socialmente e, por isso, não são prevenidos, 3. A tendência da situação sem-classe
tratados, indenizados. (Ibidem, p. 95). das desigualdades sociais evidencia-se
Outra dimensão da modernização reexiva de maneira exemplar na distribuição do
é o surgimento de riscos e inseguranças sociais, desemprego em massa, na medida em
biográcas e culturais, já que na modernidade que de um lado estão os desempregados
avançada, as estruturas internas da sociedade de longa duração ou os que nunca foram
industrial (classes, arranjos familiares, casa- inseridos no mercado formal de trabalho,
mento, prossão, papéis sexuais e de gênero) e de outro lado, a constância do número
e as daí decorrentes bases naturais de conduta de desempregados não implica nos ca-
foram dissolvidas. sos registrados das pessoas atingidas
(entre 1973 e 1983 cada terceira pessoa
A mudança social no interior da modernida-
assalariada já havia estado uma ou mais
de liberta as pessoas das formas sociais tradicio-
vezes desempregada). Ao mesmo tempo,
nais da sociedade industrial, ou seja, os indivídu-
crescem desempregados não registrados
os são postos libertos em relação à classe, grupo
ocialmente (no caso de donas de casa,
social, família, situações de gênero. Sobre isso
jovens, aposentadoria antecipada), bem
Beck (Ibidem, p. 116-7) formula sete teses:
como de ocupados subocupados (aqueles
1. Nos ricos países industriais do ociden- com jornada de trabalho e de formas de
te, com o desenvolvimento do Estado de ocupação exíveis). Com isso, desigual-
Bem-Estar Social após a Segunda Guerra dade social é agravada e individualizada,
Mundial se consolidou um avanço de indi- surgindo uma nova imediaticidade entre
vidualização na sociedade, de dinâmica indivíduo e sociedade (Ibidem, p. 117-118
e abrangência desconhecidas até então. grifo no original). As crises sociais apa-
Os indivíduos foram libertados de suas recem como fracasso pessoal.
condições de classe e da proteção fami- 4. A libertação relativa à inserção de clas-
liar, bem como foram fortemente expostos se social é sobreposta a uma libertação da
aos seus próprios destinos individuais, es- condição de gênero (Ibidem, p. 118 grifo
pecialmente na inserção no mercado de no original), essencialmente pela mudança
trabalho, com todos seus riscos, chances do papel da mulher. A espiral de individu-
e contradições. Na Alemanha Ocidental as alização também se manifesta no interior
condições gerais do Estado e da socieda- da família de maneira acelerada, pois seus
de conduziram à libertação do indivíduo membros são inuenciados pela inserção
de suas vinculações de classe e de seus no mercado de trabalho, formação e mo-
papéis sexuais. bilidade social. É um equilibrar-se entre
2. Em relação à interpretação acerca da exigências prossionais, necessidades de
desigualdade social emerge uma situação qualicação prossional continuada, obriga-
ambivalente: a suspensão das bases secu- ções com crianças e vida doméstica. Surge
lares do pensar em categorias tradicionais o tipo negociação familiar temporal.
para além da sociedade de grandes grupos 5) As contradições fundamentais da socie-
(classes, estamentos ou camadas sociais). dade industrial se manifestam como moder-
nidade fragmentada, pois essa dividiu seus identidade social nas vidas destradiciona-
princípios (liberdade individual e igualda- lizadas e individualizadas.
de), determinando os papéis dos gêneros
Em relação às três primeiras teses, Beck
pelo nascimento, tornando-os situações
(Ibidem) tece a seguinte conclusão: na Alemanha
relacionais (BECK, 1986, p. 118). A socie-
pós-guerra desenvolveu-se uma dinâmica socio-
dade industrial é também sempre classista,
estrutural, a qual não é explicável pela teoria de
estamental, sendo esses seus fundamento
classes na tradição de Marx,3 nem na tradição da
e produto. Sua consolidação pressupõe a
formação grupal-estamental de classes sociais
suspensão da moral familiar, da unidade
perpassada pelo mercado como em Weber.4 Para
entre casa e trabalho assalariado.
Beck (1986), a análise social a partir de grandes
5. A particularidade do avanço da individu- grupos tradicionais (classes, estamentos, cama-
alização contemporânea está na libertação das) passa a ser questionável, porque as duas
de classe e do núcleo familiar dos indivídu- grandes barreiras na formação desses, quais
os. Cada um individualmente passa a ser sejam, a formação de classes ou por empobre-
a unidade de reprodução vital do social [...] cimento crescente ou por formação comunitária
os indivíduos são, tanto no interior como no estamental, quebram com o desenvolvimento
exterior da família, atores de suas próprias do bem-estar. Esse autor entende que uma so-
garantias de existência via mercado, bem ciedade, que não age mais segundo categorias
como ao planejamento e organização de de classe ou estamento observáveis, encontra-
suas biograas (Ibidem grifo no original). se na procura de outra estrutura social, estando
A individualização caminha concomitante- esses conceitos em estado de despedida e em
mente com a tendência da institucionaliza- transição, sendo substituídos pela aplicação do
ção e padronização de condições de vida. conceito de classicação. (Ibidem, p. 139-140).
Os indivíduos livres passam a ser depen-
Em relação à quarta tese, sobre os papéis
dentes do mercado de trabalho e, com isso,
de homens e mulheres na segunda moderni-
dependentes da formação/qualicação, do
dade, Beck (Ibidem) aponta para mudanças e
abastecimento para o consumo, das regras
continuidades existentes na situação de gênero
sociojurídicas, do planejamento viário, da
de homens e mulheres na modernidade reexi-
oferta de bens de consumo, das possibili-
va. Ele assinala para a relação entre discurso e
dades e tendências na ciência, principal-
realidades, indicando as incongruências dessas
mente Medicina, Psicologia e Pedagogia.
Em resumo, libertação de classe e esta-
mento signicam novas dependências, que 3
Para Marx e Engels, classe é denida pelo seu lugar num deter-
são institucionalizadas e padronizadas. minado sistema histórico de produção social, pela sua relação com
os meios de produção, pelo seu papel na organização social do
6. Em consequência, a individualização é trabalho e, em consequência, pela forma de obtenção e a magnitu-
de da participação na riqueza social, sobre os quais elas dispõem.
compreendida como um processo de for- Uma classe apropria-se o trabalho de outra devido à diferença
mação social* histórico e contraditório (Ibi- de seu lugar num determinado sistema econômico. O critério de
agregação constitui-se no fato da propriedade privada ou não dos
dem grifo no original). A conscientização meios de produção. Além disso, na sociedade de classes há um
da contraditoriedade desse processo pode crescente processo de pauperização dos trabalhadores, sendo que
conduzir a novas coletividades sociocultu- esta é entendida como chance para o desenvolvimento da consci-
ência de classe (da classe em si para a classe para si).
rais, no qual podem emergir novos movi- 4
Weber faz nuclearmente a tentativa de desmisticação das re-
mentos sociais, que agem na formação de lações de produção enquanto fator determinante primeiro das
desigualdades sociais. Esse autor diferencia classes, estamentos
e partidos entre si: classes se formam na relação aos meios de
produção e para a aquisição de bens; estamentos pelo princípio
* N. da autora: No original em alemão, o termo empregado é Ver- de seu consumo de bens na constituição de diferentes maneiras de
gesellschaftung, mas para o qual não há uma tradução exata e conduzir a vida; partidos estão orientados pelo e para o exercí-
equivalente, já que tal expressão é usada para designar o pro- cio do poder. Weber qualica classes como: a) a totalidade dos tra-
cesso de tornar ideias e ações em processo de constituição de balhadores; b) a pequena burguesia; c) a inteligência sem posses
uma sociedade. Com isso, então, uma tradução mais adequada e escolarizados e das classes dos proprietários e privilegiados pela
seria o vir a ser em/de uma sociedade. É necessário mencionar formação. O conceito de classe em Weber inspirou as pesquisas
a centralidade desse termo na análise sociológica alemã. sobre desigualdades no contexto de mudanças sociais.
com a força não manifesta das consequências sempre mais com o domínio de problemas au-
no que se refere às relações de insegurança e tocriados, a reexividade signica a ocupação
segurança, político e não político, dentro/fora (luta com problemas, fronteiras e consequências do
por novas fronteiras). Para Beck (Ibidem, p. 30) processo de modernização.
modernização reexiva signica [ ] uma moder-
nização potencializada com alcance socialmente Reexão e reexividade são conceitos comu-
modi!cável (grifos no original). É uma dialética de mente confundidos na sociologia, o que gerou mal-
modernização não concluída, não denitiva. entendidos no âmbito das línguas anglo-saxônicas.
Nessas, reexão é igualmente descrito como co-
Enm, a questão central das análises de nhecimento. Todavia, a análise de Beck acerca da
Beck pousa, em ultima instância, sobre as mu- modernização reexiva sustenta-se no termo ree-
danças ocorridas no mundo do trabalho e na
xividade, o qual aborda e implica na diferenciação
política, quando se constata a consolidação da
de formas de autorreferência. O processo de mo-
sociedade de riscos, da modernidade reexiva.
dernização é reexivo no sentido de que ele está
Nos últimos anos, em suas obras publicadas en-
crescentemente executado, efetivado, espelhado
tre 2007 e 2010,5 esse autor tem ampliado suas
análises para o contexto internacional, quando sobre si mesmo. As consequências da modernidade
passa a analisar o mundo do trabalho e a desi- reexiva se reproduzem sobre ela mesma.
gualdade a nível global, o descentramento e o A segunda modernidade sucede quando
lugar do capital e da política no contexto transa- reexividade triunfa sobre reexão, quando, en-
cional. Nessas obras analisa que as ambiguida- tão, o tornar-se reexivo do processo de moder-
des e as contradições decorrentes dos processos nização deixa as auto-descrições clássicas da
de modernização reexiva se expressam e ma- modernidade se tornarem obsoletas. (Ibidem,
nifestam no contexto internacional, mais ainda, p. 170 grifo no original). Ou seja, na segunda
a nível transnacional, aprofundando os riscos, as modernidade, reexivo signica que os princípios
desigualdades, as incertezas, as inseguranças.
da modernidade são aplicados para problemas
de ordem secundária ou racionalização de ordem
secundária, procurando por soluções adequadas
3 Sobre a Reexividade para problemas autocriados.
abertas ao ilimitado contínuo: família e trabalho situações objetivas de vida quanto à consciência
assalariado, qualicação e ocupação, adminis- subjetiva. Os indivíduos são libertos de laços e
tração e locomoção, consumo, medicina, etc. identidades.
Com isso, a biograa é a soma das racionalida-
Individualização signica, de um lado, a dis-
des sistêmicas parciais (Ibidem, p. 219 grifo
solução de formas de vida prévias, por exem-
no original). plo, a fragilização de categorias como classe,
No contexto da individualização se efetiva estamentos, papel sexual, família, vizinhança,
a despadronização do trabalho assalariado, da etc.; ou signica ainda, [...] a implosão de bio-
graas normais nos limites de um país, condi-
formação e da ocupação. O modelo de ocupação
ções gerais de orientação e modelos estabe-
integral estandardizado é substituído por formas lecidos. (Ibidem, p. 11).
plurais e exíveis de subocupação. As três colu-
nas do mundo do trabalho tradicional são des-
No lugar de religião, tradição e Estado so-
construídas, quais sejam, o direito do trabalho,
brevêm novas exigências, controles e obrigações
o local de trabalho e o tempo de trabalho. Nesse
aos indivíduos na sociedade moderna. O indi-
processo, os riscos psíquicos e de saúde são pri-
víduo deve autodirigir-se, controlar-se e decidir
vatizados, no sentido de serem responsabilidade
sobre sua vida, inclusive nos aspectos relativos
individual. Também as categorias fundamentais
à proteção social e às condições de trabalho. Se
empresa, prossão e salário não correspon-
na sociedade tradicional o indivíduo adentrava
dem mais à realidade do mundo do trabalho. O
nessa por nascença, na sociedade atual a inclu-
processo de racionalização caminha contra as
são demanda esforço ativo individual. Consoli-
formas industriais e trilhas do trabalho assalaria-
da-se a biograa da escolha, da construção, do
do, pois as formas sociais e princípios organiza-
malabarismo, da ruptura, do risco. Apesar das
cionais são refundados, impactando no sistema
novas liberdades, há muito esforço e desgaste.
de proteção social. Mas Beck (1986, p. 236) cha-
A individualização se constitui numa dinâmica
ma a atenção de que sem a construção de um
social, não repousada sobre as decisões livres
sistema de seguridade social há a ameaça de um
dos indivíduos, mas é uma obrigação, aos quais
futuro com pobreza. Com a criação de uma renda
as pessoas estão destinadas.
mínima juridicamente assegurada para todos, o
desenvolvimento poderia garantir uma fatia de Na análise de Beck e Beck-Gernsheim
liberdade para todos (grifos no original). (1994, p. 21) há duas novidades e particularida-
des no processo de individualização na segunda
Outro aspecto a ser considerado no pro-
metade do século XX. A primeira se refere a que
cesso de individualização se refere à realidade
a exigência de um crescente número de indiví-
vivida pelos jovens. Esses permanecem cada
duos, no limite de todos, viver uma vida própria,
vez mais tempo em formação/qualicação, para
individual, sendo o novo a democratização da
escapar de um futuro hesitante de desemprego.
individualização. A segunda particularidade está
A seleção interna na escola ganha um signicado
no fato das condições sociais exigirem individu-
central, pois o pulo para o ensino secundário ou
alização, essa vinculada à situação do mercado
para o ginásio torna-se o pulo para a margem
de trabalho, exigências de formação e mobilida-
salvacionista de um futuro possível com empre-
de, direito social e do trabalho, poupança para
go. A situação nas universidades e escolas téc-
a aposentadoria, etc. É a individualização insti-
nicas superiores modicou-se de maneira sutil.
tucionalizada.6
Beck (Ibidem, p. 248) considera que a expan-
são da formação prossional e acadêmica está Esse ambivalente e contraditório processo
avançando em direção a uma refeudalização da social do século XX (SCHROER, 2001, p. 389)
distribuição de chances e riscos. leva ao questionamento acerca de seu conteúdo
No processo de mudança social, Beck e
Beck-Gernsheim (1994) analisam a individuali-
6
Esses autores desenvolvem essas particularidades relacio-
zação como libertação contínua de laços e for- nando-as com a história social da família. Como essa não se
mas sociais. A individualização refere-se tanto a constitui em tema desse artigo, não o desenvolveremos aqui.
e consequências, no sentido de gerar mais au- 5 Critérios gerais para a análise do processo
tonomia ou anomia, integração ou desintegração de modernização
social. A resposta para essa questão aponta para
as liberdades de risco. Para Beck e Beck-Gern- Beck (1996, p. 69) tem a intenção de apre-
sheim (Ibidem, p. 32-34) emancipação e anomia sentar a teoria da modernização reexiva como
formam uma mistura químico-política explosiva, um paradigma de pesquisa. Nesse sentido,
pois as três formas de integração em sociedades aponta para três questões de pesquisa, quais
altamente individualizadas (família, trabalho, sis- sejam, a democracia reexiva, a politização da
racionalização organizacional e ainda, a fragili-
tema de proteção social) tornam-se mais insegu-
zação das biograas e situações de vida.
ras e frágeis, sendo suas funções questionáveis,
principalmente a integração por valores, a parti- Retomando o exposto até o momento, o
cipação no bem-estar e a consciência nacional. processo de mudança da primeira para a se-
Eles entendem que há uma relação direta entre gunda modernidade é qualicado como sendo
integração social e capacidade de revisão atual contraditório, não linear, descontínuo, com rup-
bem como planejamento para o futuro, mas o turas, deslocamentos e inseguranças. Enquanto
alcance disso permanece questionável. que as premissas da primeira modernidade sub-
sistem no Estado-Nação, na individualização, na
A individualização crescente leva ao des- sociedade salarial, na exploração da natureza,
moronamento de valores, normas, modelos de em concepções denidas de racionalidade cien-
orientação e ação coletivos repartidos. O resul- tíca e no desenvolvimento pelo princípio da di-
tado é que relações e obrigações sociais e co- ferenciação funcional, na segunda modernidade
letivas são estabelecidas somente se resultam é possível reconhecer outros processos, como a
em vantagens individuais (BECK; SOPP, 1997, globalização industrial, política e cultural, a ero-
p. 9). Mas, de outro lado, pode surgir outra soli- são de modelos de vida estamentais-coletivos-
dariedade social, com características mais mul- monocromáticos, a revolução nos papéis sexuais
tifacetada e voluntária e podendo se apresentar e de gênero, a subocupação exível, a existên-
como condição para a integração de sociedades cia de uma crise ecológica. Vale destacar ainda
modernas diferenciadas. que na primeira modernidade a homogeneidade
nacional-estatal, era pautada nas dimensões de
Os autores Beck e Sopp (1997) con-
espaço e tempo, de espaço e população e de
cluem que o processo de individualização não
passado e futuro, todavia, depreciadas pela es-
se constitui em um problema em si, mas sim, o
perada diferencialidade do futuro. Daí, sucedem
surgimento de problemas no processo de indi- riscos e incertezas. Na segunda modernidade
vidualização, já que nesse último antigas situ- os conceitos de espaço e tempo ganham novo
ações de conito não são dissolvidos e novos signicado. (BECK; BONß; LAU, 2001).
problemas vão surgindo. Da mesma forma, a
individualização coloca condições necessárias Para Beck; Bonß e Lau (Ibidem), é compe-
para a integração de sociedades modernas e tência das ciências sociais analisar o processo de
complexas. (Ibidem, p. 17). mudança da primeira para a segunda moderni-
dade, conceituando-o e pesquisando-o empirica-
Em síntese, baseado em Junge (2002), mente, para que possa ser entendido por pessoas
vale enfatizar quanto aos componentes socio- e instituições de forma geral e, daí, colocar possi-
estruturais da individualização, quais sejam, as bilidades de ação para as mesmas. Eles carac-
dimensões da estrutura (classes sociais, desi- terizam os limites e diferenças da modernidade
gualdades sociais), da trajetória de vida e iden- reexiva para a pós-modernidade, pois apesar de
tidade (despadronização progressiva, perda de intercruzamentos, há diferenças e contraposições.
referências, biograa de construção), da po- Enquanto a pós-modernidade trata da desestrutu-
lítica (participação eleitoral), da solidariedade ração e desconstrução das ciências sociais, a te-
(formas de solidariedade modicadas). Assim, oria da modernidade reexiva aborda-a enquanto
a individualização se constitui no ambivalente reestruturação e reconceitualização, com a ne-
processo de autorreferência do indivíduo. cessidade de ser nova e forte (Ibidem, p.13-14).
Beck; Bonß e Lau (Ibidem) desenvolveram quais sejam, os critérios gerais e as consequên-
critérios de teste para a pesquisa e análise da cias para a subjetividade,7 conforme apresentado
modernização reexiva, divididos em dois grupos, pelos próprios autores na tabela abaixo:
7
Beck; Bonß e Lau (Ibidem, p. 38) observam que esses critérios foram recentemente propostos e, por isso, necessitam ainda de mais
apropriação no campo empírico, bem como não foram ainda incorporados nos artigos apresentados neste livro, Die Modernisierung der
Moderne.
Beck; Bonß e Lau (2001) enfatizam ser o brasileira. Nessa, as instituições de socialização
objetivo da diferenciação entre primeira e se- primária (família, escola) e secundária (empre-
gunda modernidade não a introdução de uma go, associações civis), além dos determinan-
periodização nova, problemática ou evolucio- tes estruturais, interferem de forma diferente
nária, mas o metodológico-pragmático, ou seja, na constituição da subjetividade e na formação
a necessidade de se colocar urgentemente em das instituições do sistema de proteção social.
pauta as perguntas por novas categorias e es- Destaca-se aqui o aspecto do papel central da
truturas de referência teórica. Essa necessida- família e da informalidade e precariedade pre-
de se refere, também, a m de que a sociologia sentes no mundo do trabalho.
nacional-estatal possa enfrentar a crítica de ser
Ademais, Souza (2000), ao caracterizar o
Sociologia-Zumbi.*7(BECK; BONß; LAU, 2001,
processo de modernização da sociedade bra-
p. 47). O desao e possibilidade da análise so-
sileira como sendo periférico e seletivo, aponta
ciológica consistem em analisar a segunda mo-
para as particularidades nacionais. Para esse
dernidade criticamente, e, com isso, assegurar a
autor, o Brasil não é um país moderno e Oci-
sua importância na sociedade. (BECK, 2000).
dental no aspecto comparativo da a!uência
A perspectiva da sociedade atual Beck material e desenvolvimento das instituições
denomina como Brasilianização da Europa8 democráticas, mas é moderno na medida em
(BECK, 1997a, p. 266). O autor parte da compre- que os valores modernos e ocidentais são acei-
ensão de que o neoliberalismo triunfou; o Estado tos como legítimos. Já a seletividade está na
nacional enfraqueceu; múltiplas e discordantes permanência da desigualdade e essa aparece
associações de poder paraestatais que compe- como um resultado natural. (SOUZA, 2000, p.
tem e lutam entre si surgiram; e ainda de que 57; p. 267 - grifos do autor).
existem contextos jurídicos e normativos como
E o que essas análises apontam para o
terra de ninguém. Desigualdades tornam-se
Serviço Social? Resguardadas as devidas di-
piores e contrastes econômicos acirram-se. Essa
ferenças no desenvolvimento do processo de
realidade é tema da política e da esfera pública,
modernização re!exiva na Europa Ocidental,
com vistas a impedir um declínio geral.
analisada por Beck (1986), e, no Brasil, analisa-
Vale destacar que a crítica da sociedade da por Souza (2000), pretende-se aqui destacar
contemporânea a partir dos critérios de análi- dois aspectos. Primeiramente, para a dimensão
se de Beck acima colocados, pode dar indícios analítica da contemporaneidade, ou seja, o as-
cruciais para compreender os processos em an- pecto da investigação da realidade vivida no
damento. Todavia, eles certamente não são su- presente, a partir da formação socioestrutural
cientes ou completamente transponíveis para e cultural da sociedade, ou seja, investigar e
abarcar a modernização em curso na sociedade analisar as manifestações do processo de mo-
dernização re!exiva no contexto da prossão.
Esse é um aspecto que o Serviço Social pode
* N. da autora.: No original Zombie-Sozologie como referên- vir a ter permanentemente em vista, conside-
cia a Zumbi, que é um personagem central de lmes de terror,
apresentado como um instrumento indolente daquele que lhe
rando a sua dimensão interventiva. A realidade
chamou à vida, é propriamente um morto. empírica e cotidiana fornece permanente mate-
8
Beck (1997) utiliza essa expressão Brasilianisierung Europas, rial a ser desvelado. Nesse contexto, podemos
mas não esclarece seu signicado com precisão. Ao empregar indicar um retorno aos velhos princípios do
o termo não se tem clareza se considera o agravamento da po-
breza, a concentração de renda, o desemprego sem seguridade
ver, julgar e agir.
social, !exibilização no mundo do trabalho com perda de direitos
trabalhistas, etc. Num artigo posterior com o título Modell Bürge-
Em segundo lugar, como um desdobra-
rarbeit (1999, p. 7-189), emprega o termo Brasilianisierung des mento desse primeiro, a investigação cuidadosa
Westens (Brasilianização do Ocidente), no qual analisa as con- e acurada das manifestações do processo de in-
sequências das inseguranças decorrentes das metamorfoses no
mundo trabalho. Nossa intenção aqui é apenas chamar a atenção dividualização nas relações familiares e interpes-
ao fato de que, Beck, ao empregar o conceito Brasilianização, soais. Em sendo as relações familiares no Brasil
evidentemente não referencia dados empíricos acerca da reali-
dade social brasileira, o que nos leva a problematizar acerca da
ainda marcadas pela solidariedade pré-moderna
adequabilidade do uso do termo em forma comparativa. (HERWEG, 2005), o estudo e a pesquisa sobre
empírica e teórica, principalmente para as pro- ______. Weltrisikogesellschaft: auf der suche nach
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