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A Individualização em Ulrich Beck: análise da

sociedade contemporânea

Individualization in Ulrich Beck: an analysis of


contemporary society

Vera Herweg WESTPHAL*

Resumo: A individualização é tema da análise sociológica contemporânea e Ulrich


Beck analisa esse processo no contexto de mudanças da primeira para a segunda
modernidade. Na modernização reexiva, marcada por riscos, há transformações re-
lacionadas ao mundo do trabalho, à família, à política e ao lugar e papel do indivíduo
na sociedade, ocorrendo a reexividade da modernidade sobre ela mesma. Nesse
processo, o indivíduo passou a ser a unidade referencial do social. A individualização
é ambivalente, pois, ao libertar o indivíduo de padrões e referências tradicionais,
implica novas liberdades, marcada por riscos. Para a análise da sociedade, Beck
propõe alguns critérios que serão abordados neste artigo.
Palavras-Chave: Modernização reexiva. Individualização. Sociedade de riscos.
Indivíduo. Ambivalência.

Abstract: Individualization is one of the issues discussed in the contemporary


sociological analysis. Ulrich Beck is one of the authors who analyze this process
in the context of the changing from the rst to the second modernity. The second
modernity, which is marked by risks, experiences a reexive modernization, in
which signicant changes took place in the work sphere, in the family, in politics
and in the placing and role of individuals. Therefore, what occurs is the reexivity of
modernity upon itself. In this process, the individuals became the referential unit of
society. Individualization is ambivalent, in the sense that while it sets the individuals
free from traditional standards and references, it also entails new types of freedom,
characterized by impending risks. Beck proposes some criteria for the analysis of
society, which will be examined in this article.
Keywords: Reexive modernization. Individualization. Risk society. Individuals.
Ambivalence.

Recebido em: 03/08/2010. Aceito em: 01/09/2010.

* Doutora em Sociologia pela Westfälische Wilhems-Universität (Münster-Alemanha), professora do Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: veraherweg@yahoo.com.br e/ou vhw@cse.ufsc.br.

Emancipação, Ponta Grossa, 10(2): 419-433, 2010. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao> 419


Vera Herweg WESTPHAL

1 Introdução Bolte (apud POFERL; SZNAIDER, 2004, p. 07),


para o qual Beck se esforçou em desenvolver e
Este texto aborda a tese da individualiza- ampliar as perspectivas da pesquisa sociológica
ção de Ulrich Beck.1 Para apresentar a concep- de forma inovadora e criativa, como, por exem-
ção de Beck, partimos das seguintes questões: plo, com suas teses sobre a sociedade de ris-
o que significa a individualização em Ulrich cos, a modernidade reexiva e a globalização, e
Beck? Quais conceitos, categorias e concep- contemporaneamente, com a ideia de uma so-
ções sustentam a análise da individualização ciologia cosmopolita, isto é, de uma sociologia
e modernidade reexiva? Qual a relação entre que atravessa os limites e o pensar nacionais.
individualização, individualidade e identidade?
Como chances e riscos estão colocados um para Não obstante, é preciso enfatizar que Ulrich
o outro na análise da individualização de Beck? Beck inuenciou sobremaneira a pesquisa e as
Em que consiste a particularidade da análise de discussões teóricas da sociologia, principalmente
Beck? Os prognósticos expostos na obra Risi- na Alemanha e Inglaterra, com sua perspectiva
kogesellschaft (Sociedade de Riscos) sobre o crítica acerca da sociedade de risco, da
mundo do trabalho, família, ciência e política se modernização reexiva e da individualização. A
consolidaram no tempo presente? Para Beck, análise sociológica de Beck não é a constituição
quais os potenciais colocados ao indivíduo com de uma teoria social, como em Habermas e
a individualização ambivalente como uma con- Luhmann, todavia esse autor debateu, precisou,
dição positiva ? (SCHROER, 2000). As análises ampliou e atualizou o diagnóstico temporal-
de Beck se constituem em diagnóstico temporal social.
ou em teoria? A tendência de individualização A individualização já havia sido tema em
conduz a formas de existência solitárias e/ou Marx, Simmel, Durkheim e Weber. Esse conceito
dissolução da integração social? Há uma consti- necessariamente deve ser entendido e associa-
tuição de novas formas sistemáticas de relações do ao processo de modernização, constituindo-
sociais fundamentadas na individualização? Se -se em dois conceitos inter-relacionados. Junge
a modernidade reexiva conduz à estandardiza- (2002, p.7) esclarece ser a individualização um
ção e institucionalização de situações de vida, processo no qual “o indivíduo passa a ser o ponto
então uma “sociedade pós-classe” é vericável? de referência central para si mesmo e para a so-
A análise de Ulrich Beck acerca da individu- ciedade”. Já o autor aqui em pauta, Ulrich Beck,
alização na modernidade reexiva é controversa a dene como um processo no qual “cada um
e polêmica. O próprio autor escreve acerca de mesmo se torna a unidade de reprodução vital
sua concepção, armando ser “um fragmento do Social” (BECK, 1986, p. 209). Isso signica
de orientação empírica, teoria social projetiva”. que os indivíduos, enquanto agentes de ação,
(BECK, 1986, p. 13).* Alguns consideram que sua estabelecem suas formas de vida individual e
concepção é apenas uma diagnose temporal e coletiva e são a expressão de suas escolhas.
apontam para as fraquezas de sua construção A individualização é entendida, no proces-
teórica, como Luhmann (1991), Dubiel (1990) e so de formação e constituição social, no qual o
Münch (2004). Outros enfatizam sua contribui- indivíduo é a referência central das ações no
ção teórica para a sociologia, como Joas (1988), mundo social. Enquanto processo, é caracteri-
Ebers (1995), Berger (1996) e Schroer (2000; zado por ambivalências e contradições: amplia
2001). Podem-se destacar as considerações de e limita as possibilidades de ação dos indivídu-
os, sendo compreendido e experimentado como
fardo e como chance concomitantemente.
1
Nascido em 1944 na cidade de Stolp (Alemanha), foi professor
titular de Sociologia na Ludwig-Maximilian-Universität em Muni-
No desenvolvimento deste artigo serão
que até julho de 2009 e é professor visitante da London School of apresentadas primeiramente as análises de
Economics and Political Science. Ulrich Beck sobre a sociedade de riscos e
* N. da autora: Um signicativo esclarecimento se faz necessário,
qual seja: na elaboração deste texto utilizamos somente textos a modernização reflexiva. Na sequência, as
originais em alemão, sendo as citações entre aspas traduções características e ambivalências positivas da
realizadas pela autora do presente artigo.

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A Individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea

individualização nesse contexto. Abordar-se- sistemas técnicos. Para esse autor, o processo
ão, ainda, os critérios gerais para a análise da de transição para uma sociedade de riscos é ob-
modernização reexiva e da individualização e servável a partir dos anos 1970. A sociedade de
a pertinência do tema para no contexto social risco não está completamente consolidada, mas
brasileiro. quando o processo de transição tiver acabado,
ocorrerá realmente um processo de mudança
da sociedade, “que conduzirá para a saída das
atuais categorias e trilhas do pensar e da ação”.
2 O processo de modernização reexiva (Ibidem, p. 27).2 Os riscos da modernização são
produto inconteste da maquinaria do avanço in-
Ulrich Beck (1986; 1993) analisa a individu- dustrial e são agravados com o desenvolvimento
alização no contexto da modernização reexiva. sistemático desse último. No centro da análise
Essa signica a reexividade da modernidade dos riscos está a arquitetura social e a dinâmica
sobre si mesma: processos constituintes da mo- política dos potenciais autorriscos civilizatórios.
dernidade atuam sobre ela mesma, tornando-se,
Acerca da disposição de riscos o autor ex-
portanto, reexivos. “O processo de moderniza-
põe cinco teses (Ibidem, p. 29-31):
ção passa a ser ‘reexivo’, torna-se a si mesmo
tema e problema.” (1986, p. 26). 1. Riscos, da forma como eles são gerados
no degrau do desenvolvimento produtivo
A modernização para Beck abrange os im-
avançado, se distinguem essencialmente
pulsos de racionalização tecnológica; as mudan-
de riquezas. Eles comumente liberam da-
ças organizacionais do trabalho; a alteração do
nos irreversíveis, permanecem nuclear-
caráter social e da biograa normal e previsível;
mente invisíveis, baseiam sobre interpre-
a mudança dos estilos e formas de vida, das es-
tações causais, circulam em torno de seu
truturas de poder e de inuência, das formas de
próprio conhecimento, sendo que este, de
dominação política e de participação, da concep-
outro lado, pode diminuí-los, aumentá-los,
ção da realidade, das normas de conhecimento
dramatizá-los ou minimizá-los.
e produção cientícas.
2. Com a distribuição e o crescimento de
Esse autor expõe as suas primeiras teses
riscos emergem novas situações de riscos
sobre a individualização no seu livro Risikoge-
sociais.
sellschaft (1986). Nessa obra, Beck (1986, p.
25) ainda escreve sobre a modernidade pro- 3. Riscos elevam a lógica de desenvolvimen-
gressiva, na qual “a produção social da riqueza to capitalista para um patamar superior.
[caminha] em unidade com a produção social 4. Riquezas podem ser possuídas, aos ris-
de riscos” (grifos no original). O autor entende cos se está sujeito.
que a distribuição dos riscos na modernidade
desenvolvida está associada a duas condições: 5. Riscos sociais contêm um conteúdo polí-
a) a necessidade material real pode ser objeti- tico incendiário. Na luta pública pelos riscos
vamente minimizada e socialmente excluída e trata-se de suas consequências sociais, eco-
b) os riscos e ameaças potenciais são liberados nômicas e políticas, e ainda, da reorganiza-
pelo processo de modernização até extensões ção de poder, da determinação de responsa-
antes desconhecidas. bilidades e da gestão de catástrofes.

Beck (Ibidem, p. 28) diferencia entre ris- Para enfrentar a situação crescente de
cos e perigos. No que se refere à relação com riscos, as saídas podem ser construídas pelo
inseguranças, o autor analisa que na realidade
é possível diferenciar: a) riscos ainda são, ou 2
É necessário ressaltar o contexto social da análise de Beck, ou
seja, tem um caráter de continuidade e perma- seja, a realidade socioeconômica e política da Alemanha em nal
nência, e b) perigos não são mais relacionados dos anos 1970 e início dos anos 1980. Justamente pela análise tem-
poral que esse autor faz, seus escritos são por alguns críticos deno-
com as instituições consolidadas e consequên- minados de diagnóstico social e não teoria social. As prospecções
cias gerais controláveis da produção industrial e realizadas por Beck não se efetivaram conforme havia suposto.

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conhecimento cientíco. Todavia, Beck (1986, Beck (1986, p. 117) arma: que “a dinâmica
p. 79) esclarece que “a história da tomada de do mercado de trabalho assegurado pelo
consciência e do reconhecimento social de ris- Estado anou e dissolveu as classes so-
cos desmorona conjuntamente com a história ciais no capitalismo. Deparamo-nos pen-
da desmisticação da ciência”. O problema está sando em categorias marxistas [...], mas
em que, enquanto os riscos não forem reconhe- com o fenômeno de um capitalismo sem
cidos pela ciência, eles inexistem e com isso, classes, em contraposição às estruturas
não são pesquisados. Assim, sendo, inexistem e problemas de desigualdade social a ele
juridicamente, medicinalmente, tecnologicamen- vinculados”.
te, socialmente e, por isso, não são prevenidos, 3. A tendência da situação “sem-classe”
tratados, indenizados. (Ibidem, p. 95). das desigualdades sociais evidencia-se
Outra dimensão da modernização reexiva de maneira exemplar na distribuição do
é o surgimento de riscos e inseguranças sociais, desemprego em massa, na medida em
biográcas e culturais, já que na modernidade que de um lado estão os desempregados
avançada, as estruturas internas da sociedade de longa duração ou os que nunca foram
industrial (classes, arranjos familiares, casa- inseridos no mercado formal de trabalho,
mento, prossão, papéis sexuais e de gênero) e de outro lado, a constância do número
e as daí decorrentes bases naturais de conduta de desempregados não implica nos ca-
foram dissolvidas. sos registrados das pessoas atingidas
(entre 1973 e 1983 cada terceira pessoa
A mudança social no interior da modernida-
assalariada já havia estado uma ou mais
de liberta as pessoas das formas sociais tradicio-
vezes desempregada). Ao mesmo tempo,
nais da sociedade industrial, ou seja, os indivídu-
crescem desempregados não registrados
os são postos libertos em relação à classe, grupo
ocialmente (no caso de donas de casa,
social, família, situações de gênero. Sobre isso
jovens, aposentadoria antecipada), bem
Beck (Ibidem, p. 116-7) formula sete teses:
como de ocupados subocupados (aqueles
1. Nos ricos países industriais do ociden- com jornada de trabalho e de formas de
te, com o desenvolvimento do Estado de ocupação exíveis). Com isso, desigual-
Bem-Estar Social após a Segunda Guerra dade social é agravada e individualizada,
Mundial se consolidou um avanço de indi- surgindo uma “nova imediaticidade entre
vidualização na sociedade, de dinâmica indivíduo e sociedade” (Ibidem, p. 117-118
e abrangência desconhecidas até então. – grifo no original). As crises sociais apa-
Os indivíduos foram libertados de suas recem como fracasso pessoal.
condições de classe e da proteção fami- 4. A libertação relativa à inserção de clas-
liar, bem como foram fortemente expostos se social é sobreposta a uma libertação da
aos seus próprios destinos individuais, es- condição de gênero (Ibidem, p. 118 – grifo
pecialmente na inserção no mercado de no original), essencialmente pela mudança
trabalho, com todos seus riscos, chances do papel da mulher. A espiral de individu-
e contradições. Na Alemanha Ocidental as alização também se manifesta no interior
condições gerais do Estado e da socieda- da família de maneira acelerada, pois seus
de conduziram à libertação do indivíduo membros são inuenciados pela inserção
de suas vinculações de classe e de seus no mercado de trabalho, formação e mo-
papéis sexuais. bilidade social. É um equilibrar-se entre
2. Em relação à interpretação acerca da exigências prossionais, necessidades de
desigualdade social emerge uma situação qualicação prossional continuada, obriga-
ambivalente: a suspensão das bases secu- ções com crianças e vida doméstica. Surge
lares do pensar em categorias tradicionais o tipo “negociação familiar temporal”.
para além da sociedade de grandes grupos 5) As contradições fundamentais da socie-
(classes, estamentos ou camadas sociais). dade industrial se manifestam como moder-

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nidade fragmentada, pois essa dividiu seus identidade social nas vidas destradiciona-
princípios (liberdade individual e igualda- lizadas e individualizadas.
de), determinando os papéis dos gêneros
Em relação às três primeiras teses, Beck
pelo nascimento, tornando-os situações
(Ibidem) tece a seguinte conclusão: na Alemanha
relacionais (BECK, 1986, p. 118). A socie-
pós-guerra desenvolveu-se uma dinâmica socio-
dade industrial é também sempre classista,
estrutural, a qual não é explicável pela teoria de
estamental, sendo esses seus fundamento
classes na tradição de Marx,3 nem na tradição da
e produto. Sua consolidação pressupõe a
formação grupal-estamental de classes sociais
suspensão da moral familiar, da unidade
perpassada pelo mercado como em Weber.4 Para
entre casa e trabalho assalariado.
Beck (1986), a análise social a partir de grandes
5. A particularidade do avanço da individu- grupos tradicionais (classes, estamentos, cama-
alização contemporânea está na libertação das) passa a ser questionável, porque as duas
de classe e do núcleo familiar dos indivídu- grandes barreiras na formação desses, quais
os. “Cada um individualmente passa a ser sejam, a formação de classes ou por empobre-
a unidade de reprodução vital do social [...] cimento crescente ou por formação comunitária
os indivíduos são, tanto no interior como no estamental, quebram com o desenvolvimento
exterior da família, atores de suas próprias do bem-estar. Esse autor entende que uma so-
garantias de existência via mercado, bem ciedade, que não age mais segundo categorias
como ao planejamento e organização de de classe ou estamento observáveis, encontra-
suas biograas” (Ibidem – grifo no original). se na procura de outra estrutura social, estando
A individualização caminha concomitante- esses conceitos em estado de despedida e em
mente com a tendência da institucionaliza- transição, sendo substituídos pela aplicação do
ção e padronização de condições de vida. conceito de classicação. (Ibidem, p. 139-140).
Os indivíduos livres passam a ser depen-
Em relação à quarta tese, sobre os papéis
dentes do mercado de trabalho e, com isso,
de homens e mulheres na segunda moderni-
dependentes da formação/qualicação, do
dade, Beck (Ibidem) aponta para mudanças e
abastecimento para o consumo, das regras
continuidades existentes na situação de gênero
sociojurídicas, do planejamento viário, da
de homens e mulheres na modernidade reexi-
oferta de bens de consumo, das possibili-
va. Ele assinala para a relação entre discurso e
dades e tendências na ciência, principal-
realidades, indicando as incongruências dessas
mente Medicina, Psicologia e Pedagogia.
Em resumo, libertação de classe e esta-
mento signicam novas dependências, que 3
Para Marx e Engels, classe é denida pelo seu lugar num deter-
são institucionalizadas e padronizadas. minado sistema histórico de produção social, pela sua relação com
os meios de produção, pelo seu papel na organização social do
6. “Em consequência, a individualização é trabalho e, em consequência, pela forma de obtenção e a magnitu-
de da participação na riqueza social, sobre os quais elas dispõem.
compreendida como um processo de for- Uma classe apropria-se o trabalho de outra devido à diferença
mação social* histórico e contraditório” (Ibi- de seu lugar num determinado sistema econômico. O critério de
agregação constitui-se no fato da propriedade privada ou não dos
dem – grifo no original). A conscientização meios de produção. Além disso, na sociedade de classes há um
da contraditoriedade desse processo pode crescente processo de pauperização dos trabalhadores, sendo que
conduzir a novas coletividades sociocultu- esta é entendida como chance para o desenvolvimento da consci-
ência de classe (da classe “em si” para a classe “para si”).
rais, no qual podem emergir novos movi- 4
Weber faz nuclearmente a tentativa de desmisticação das re-
mentos sociais, que agem na formação de lações de produção “enquanto fator determinante primeiro das
desigualdades sociais”. Esse autor diferencia classes, estamentos
e partidos entre si: “classes” se formam na relação aos meios de
produção e para a aquisição de bens; “estamentos” pelo princípio
* N. da autora: No original em alemão, o termo empregado é Ver- de seu consumo de bens na constituição de diferentes maneiras de
gesellschaftung, mas para o qual não há uma tradução exata e “conduzir a vida”; “partidos” estão orientados pelo e para o exercí-
equivalente, já que tal expressão é usada para designar o pro- cio do poder. Weber qualica classes como: a) a totalidade dos tra-
cesso de tornar ideias e ações em processo de constituição de balhadores; b) a pequena burguesia; c) a inteligência sem posses
uma sociedade. Com isso, então, uma tradução mais adequada e escolarizados e das classes dos proprietários e privilegiados pela
seria o “vir a ser em/de uma sociedade”. É necessário mencionar formação. O conceito de classe em Weber inspirou as pesquisas
a centralidade desse termo na análise sociológica alemã. sobre desigualdades no contexto de mudanças sociais.

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duas dimensões, na medida em que avanços e 3. Para o domínio de situações problemas,


mudanças são observáveis. Todavia, constatam- os indivíduos são forçados a coalizões
se continuidades no desempenho de papéis tra- sociais e políticos exacerbados pela mí-
dicionalmente masculinos ou femininos. dia. Com isso, a estrutura social passa a
ser susceptível aos temas e conitos em
Acerca da sexta tese, padronização e ins-
moda coagidos pelos meios de comuni-
titucionalização de situações de vida e modelos
cação de massa.
biográcos, Beck (Ibidem, p. 125) a entende como
sendo o início de um novo modo de formação so- 4. Com base nas características naturais,
cial, podendo ser analisada como uma espécie de ou seja, as de destino (raça, cor da pele,
“mudança de forma” ou “mudança categorial” na sexo, grupo étnico, idade) surgem con!i-
relação entre indivíduo e sociedade. tos permanentes, decorrendo daí também
chances de politização e de organização.
A individualização redimensionou as de-
sigualdades sociais e o seu caráter de classe. Na modernização re!exiva houve uma ge-
A mobilidade dos indivíduos pode se modicar neralização da ciência e da política, ambas per-
autonomamente, constituindo-se num “efeito passando todas as esferas da vida social. Dian-
elevador” (Fahrstuhleffekt), movimentando-se te dessa armação, nosso autor coloca quatro
tanto para cima como para baixo (BECK, 1986, teses fundamentais:
p. 142). Esse processo atinge o indivíduo vítima
1. A cientização se consolida, todavia,
de desemprego de massas, pois esse pode des-
no que se refere ao trabalho cientíco, as
cer na mobilidade social a qualquer momento,
relações internas e externas estão total-
no sentido de piorar seu poder aquisitivo e com
mente modicadas. A ciência não é apenas
isso suas condições de vida. A característica
fonte para a solução de problemas, mas
particular da “nova” pobreza, não integrada ao
causadora de novos problemas. (BECK,
mercado de trabalho, é a visão dessa situação
1986, p. 255).
como destino pessoal e circunstancial numa de-
terminada fase de sua vida. No entanto, o nú- 2. As pretensões do conhecimento cien-
mero de desempregados subiu continuamente, tíco são desmonopolizados, ou seja, a
concentrando-se em grupos vulneráveis (mu- ciência é simultaneamente cada vez mais
lheres, estrangeiros, jovens, pessoas com baixa necessária e cada vez menos suciente
qualicação) e nem todos são atingidos igual- para a denição de verdades socialmente
mente pelo desemprego. aceitas como válidas. (Ibidem, p. 256).
Beck (Ibidem, p. 158-9), ao analisar a tran- 3. Da ciência são esperados conhecimentos
sição da sociedade industrial para a pós-indus- e opções para a ação. Ela desconstrói ve-
trial, a “sociedade pós-classes” destradicionali- lhos e constrói novos tabus, inspiradores de
zada e individualizada, constata a permanência ações dos indivíduos. (Ibidem, p. 257).
ou exacerbação de diferentes elementos de de- 4. As bases da racionalidade cientíca per-
sigualdades, pelos seguintes aspectos: manecem intactas. Porém, o construído
1. Instituições sociais como partidos po- pela humanidade pode também ser por
líticos, sindicatos, governos, repartições ela destruído. (Ibidem, p. 258).
públicas, tornam-se conservadores de Diante disso, uma das teses centrais da teo-
uma realidade social cada vez menos ria da modernidade re!exiva pode ser resumida na
existente. seguinte armação: “na medida em que a moder-
2. As diferenças sociais de classe perdem nidade se torna reexiva, cai em contradição com
sua identidade referencial e, com isso, as suas fórmulas de auto-descrição” (BECK, 2004,
empalidece a ideia de mobilidade social. p. 191 – grifo no original), ocasionando a desvalo-
Desigualdades são redenidas como indi- rização de processos re!exivos. Isso signica que
vidualização de riscos sociais, sendo legi- a ciência da primeira modernidade perde seu po-
timada por intermédio do êxito. der de explicação na segunda modernidade. Na

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ciência e na política a separação entre reexão e rença em relação às mudanças ocorridas


reexividade não é tema trivial. O autor enfatiza na sociedade.
que em sendo a ciência pesquisa cienticamente
Ainda, para o nosso autor, um tema central
ou a política politizada “subpoliticamente”, as au-
é o processo de mudanças ocorridas no mundo
todescrições clássicas desses sistemas parciais
do trabalho na modernização reexiva. Ele ana-
perdem em plausibilidade, tornando necessário
lisa a efetivação da despadronização do traba-
examinar essas tendências também para outros
lho assalariado, bem como da formação e da
sistemas parciais.
ocupação, pois o modelo de ocupação integral
Outro tema central na análise da mo- estandardizado é substituído por formas plurais
dernidade reexiva é a política. Beck (1986) e exíveis de subocupação. Para ele, as três
aponta para a perda de fronteiras da política e colunas do mundo do trabalho tradicional são
constata: desconstruídas: o direito ao trabalho, o local de
trabalho e o tempo de trabalho. Nesse proces-
1. A modernidade separou por completo as
so, os riscos psíquicos e de saúde são privati-
instâncias da política e esfera pública das
zados, no sentido de serem de responsabilidade
instâncias da economia e esfera privada.
individual. Também as categorias fundamentais
Todavia, essa contraposição é colocada
– empresa, prossão e salário – não correspon-
em dúvida na modernidade reexiva. (Ibi-
dem mais à realidade referencial do mundo do
dem, p. 301).
trabalho. O processo de racionalização caminha
2. Na modernidade a fronteira entre políti- tanto contra as formas industriais como quanto
ca e não política pousava sobre duas pré- nas vias do trabalho assalariado, ou seja, formas
condições: as desigualdades sociais e de sociais e princípios organizacionais do trabalho
classe impeliram ao Estado Social e, ainda, são refundados.
o desenvolvimento das forças produtivas e
Na análise de Beck (2000, p. 24) a socie-
do conhecimento cientíco estavam intima-
dade do pleno emprego ruiu. As consequências
mente relacionados. O mal-estar consiste
do desemprego repousam sobre o trabalhador,
na capacidade de ação da política nesse
que corre o risco de ter que submeter-se a su-
contexto. (BECK, 1986, p. 303).
bocupação com salários precários, ocorrendo
3. Esse último fato deixa espaço para o com isso um processo de empobrecimento dos
surgimento de participação política na ex- trabalhadores. O autor aponta para a necessi-
terioridade do sistema político e surge uma dade de se tematizar a questão do trabalho e da
nova cultura política (iniciativas cidadãs, ocupação na sociedade de forma geral, pois em
movimentos sociais). (Ibidem, p. 304). sendo o trabalho atividade vital para a constitui-
4. “O político torna-se não o político e o ção da subjetividade, outras formas alternativas
não-político o político.” (Ibidem, p. 305 – poderiam vir a ser desenvolvidas, como o traba-
grifo no original). Beck (Ibidem, p. 307) lho cidadão ou formas cooperativas e solidárias
entende que no contexto da “estabilidade de organização do trabalho. (BECK, 2004).
institucional e de responsabilidades inal- Em seu livro Reexive Modernisierung (Mo-
teradas, o poder de realização caminha dernidade reexiva) Beck (1996, p. 27) esclarece
do campo da política para o da subpolíti- e aprofunda alguns de seus conceitos. Ele defen-
ca” (grifo no original). Com isso, o poder de que a individualização caminha concomitante-
da política de conceber e efetivar não se mente com o processo de globalização. Constata
realiza. Daí, três variantes poderiam vir a que há uma perda de fronteiras em todos os cam-
suceder: o retorno à sociedade industrial, pos, o que demanda novas formas de pensar. A
a democratização das mudanças tecnoló- modernidade reexiva signica contramoderniza-
gicas e a “política diferencial”, essa última ção, autotransformação da sociedade industrial,
signicando a política como ilimitada. Com e ainda, dissolução da primeira para a segunda
a generalização da política, a economia e modernidade. Todavia, esse processo ocorre de
a ciência não podem portar-se com indife- maneira irreetida, indesejada, precisamente

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com a força não manifesta das “consequências” sempre mais com o domínio de problemas au-
no que se refere às relações de insegurança e tocriados, a reexividade signica a ocupação
segurança, político e não político, dentro/fora (luta com problemas, fronteiras e consequências do
por novas fronteiras). Para Beck (Ibidem, p. 30) processo de modernização.
“modernização reexiva signica [ ] uma moder-
nização potencializada com alcance socialmente Reexão e reexividade são conceitos comu-
modi!cável” (grifos no original). É uma dialética de mente confundidos na sociologia, o que gerou mal-
modernização não concluída, não denitiva. entendidos no âmbito das línguas anglo-saxônicas.
Nessas, reexão é igualmente descrito como co-
Enm, a questão central das análises de nhecimento. Todavia, a análise de Beck acerca da
Beck pousa, em ultima instância, sobre as mu- modernização reexiva sustenta-se no termo ree-
danças ocorridas no mundo do trabalho e na
xividade, o qual aborda e implica na diferenciação
política, quando se constata a consolidação da
de formas de autorreferência. O processo de mo-
sociedade de riscos, da modernidade reexiva.
dernização é reexivo no sentido de que ele está
Nos últimos anos, em suas obras publicadas en-
crescentemente executado, efetivado, espelhado
tre 2007 e 2010,5 esse autor tem ampliado suas
análises para o contexto internacional, quando sobre si mesmo. As consequências da modernidade
passa a analisar o mundo do trabalho e a desi- reexiva se reproduzem sobre ela mesma.
gualdade a nível global, o descentramento e o “A segunda modernidade sucede quando
lugar do capital e da política no contexto transa- reexividade triunfa sobre reexão, quando, en-
cional. Nessas obras analisa que as ambiguida- tão, o tornar-se reexivo do processo de moder-
des e as contradições decorrentes dos processos nização deixa as auto-descrições clássicas da
de modernização reexiva se expressam e ma- modernidade se tornarem obsoletas.” (Ibidem,
nifestam no contexto internacional, mais ainda, p. 170 – grifo no original). Ou seja, na segunda
a nível transnacional, aprofundando os riscos, as modernidade, reexivo signica que os princípios
desigualdades, as incertezas, as inseguranças.
da modernidade são aplicados para problemas
de ordem secundária ou racionalização de ordem
secundária, procurando por soluções adequadas
3 Sobre a Reexividade para problemas autocriados.

Reexividade é um conceito central nas


análises de Beck. Esclarecendo esse conceito,
Beck e Holzer (2004) explicam “reexividade não 4 O processo de individualização na moder-
pode ser confundida com mais reexão*; mas nidade reexiva
reexividade esconde as bases de autodescri-
ção moderna. Ela mesma torna-se problema de Nas análises de Beck (1986), a individuali-
reexão”. (apud BECK; BONß; LAU, 2004, p. zação é um processo social que assume feições
165). Como a modernização reexiva se ocupa muito particularizadas na modernidade reexiva.
Ele esclarece que a modernização conduziu a
diversas formações, quais sejam, domínio do Es-
5
As obras aqui referenciadas são: Was ist Globalisierung?:Irrtümer
des Globalismus – Antworten auf Globalisierung (O que é globali-
tado, a concentração de capital, o entrelaçamen-
zação: equívocos do globalismo – respostas à globalização) , ori- to de divisão do trabalho e relações de mercado
ginalmente publicada em 2007; Weltrisikogesellschaft: Auf der Su- cada vez mais sosticados, a mobilidade social
che nach der verlorene Sicherheit (Sociedade de risco mundial: à
procura da segurança perdida), originalmente publicada em 2008; e o consumo de massa, e, ainda, a individuali-
Macht und Gegenmacht im globalen Zeitalter: Neue weltpolitische zação composta de três dimensões:
Ökonomie (Poder e contra-poder: nova economia política mun-
dial), originalmente publicada em 2009; Grosse Armut, grosser
Reichtum:Zur Transationalisierung sozialer Ungleichheiten (Imensa ! Dissolução de elos e formas sociais his-
pobreza, imensa riqueza: para a transnacionalização de desigual- toricamente prescritas de autoridade e
dades sociais), publicado com Angelika Poferl, em 2010.
dominação e de relações de satisfação
* N. da autora.: do verbo reetir, com o sentido de espelhar, repro-
duzir, não de pensar. tradicionais (“dimensão da libertação”);

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A Individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea

! Perda de seguranças tradicionais em vis- ! A particularidade do avanço da individua-


ta do conhecimento, fé e normas dirigen- lização na Alemanha Ocidental está nas
tes (“dimensão da desmisticação”); suas consequências. “Cada um singular-
mente torna-se unidade de reprodução
! Novas formas de inserção social (“dimen- vital do social” (Ibidem, p. 209 – grifo no
são da reintegração e do controle”). Essa original). Indivíduos se tornam no contex-
última se constitui em contraposição às to interior e exterior da família, em atores
duas primeiras. que asseguram sua existência e são or-
ganizadores e planejadores de sua pró-
Beck (1986, p. 207) considera que ao lado pria biograa.
dessas três, é preciso diferenciar conceitualmen-
te duas outras dimensões, quais sejam, as situa- ! A diferenciação do individual caminha
ções de vida objetivas e a consciência subjetiva concomitantemente com a padronização
(identidade, devir pessoal). Daí resulta um quadro elevada, altamente inuenciada pela mí-
analítico com seis campos, no qual numa linha dia, principalmente em âmbitos como o
horizontal se colocam duas categorias: a) situa- mercado de trabalho, o consumo, as -
ção de vida objetiva e b) consciência/identidade nanças, a legislação, etc.
subjetiva. E, numa primeira coluna se colocam: as
categorias a) libertação, b) perda de estabilidade ! Surge um recorte novo entre o privado
e c) forma de controle. Estas categorias podem e as diferentes esferas do público. Situ-
ser entrecruzadas possibilitando seis diferentes ações individuais tornam-se progressi-
dimensões de análise da individualização. vamente dependentes e controlados por
Por vezes a individualização é associada, instituições sociais públicas e privadas. “A
em forma de equivalência, com individuação, individualização passa a ser a forma mais
devir pessoal, singularidade e emancipação. avançada de formação social dependente
Mas isso nem sempre é verdadeiro, pois pode do mercado, da legislação, da formação,
também signicar o contrário. Acerca da coluna etc.” (Ibidem, p. 210 – grifo no original).
direita do quadro, identidades subjetivas, poucas
análises foram desenvolvidas até o momento. No processo de libertação das instituições
Até o presente, individualização foi compreendi- tradicionais (família, empresa, etc.), surgem si-
da como conceito social, não individual-pessoal. multaneamente novas dependências. “Estas
Contudo, há um tema de relevância a ser abor- apontam às contradições imanentes ao proces-
dado no processo de individualização, qual seja so de individualização” (Ibidem, p. 211 – grifo
a mudança das situações de vida e padrões e no original). Para a libertação da classe e da
modelos biográcos. família surgem outras instâncias e organizações
que atravessam a vida dos indivíduos particula-
A dissolução de características de classes res (escola, instituições de assistência à saúde,
sociais na Alemanha Ocidental está relacionada local de trabalho, etc.).
tanto com as vinculações sociais e culturais de
Pela dependência institucional cresce a
classe no âmbito da reprodução (formação es-
susceptibilidade a crises situacionais individuais
colar ou acadêmica, papéis sexuais, renda, mo-
(Ibidem, p. 214). A individualização de processos
radia, lazer, etc.), quanto com as mudanças no
de vida signica que as biograas se tornam “au-
âmbito da produção (exibilização no mundo do
torreexivas” (Ibidem, p. 216). Decisões acerca
trabalho: lugar, condição jurídica, tempo).
de formação, prossão, casamento, número de
A individualização é, na modernidade ree- lhos precisam ser tomadas, não lhes é possível
xiva, caracterizada por novas formas de inserção desviar. As biograas naturais tornam-se biograas
social, sendo essa denominada por Beck (1986) de escolha, de construção. “Há a exigência de um
como sendo de reintegração e controle, formu- modelo da ação ativo do cotidiano” (Ibidem, p. 217
lando sobre a mesma três considerações: – grifo no original). Biograas individualizadas são

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Vera Herweg WESTPHAL

abertas ao ilimitado contínuo: família e trabalho situações objetivas de vida quanto à consciência
assalariado, qualicação e ocupação, adminis- subjetiva. Os indivíduos são libertos de laços e
tração e locomoção, consumo, medicina, etc. identidades.
Com isso, a “biograa é a soma das racionalida-
Individualização signica, de um lado, a dis-
des sistêmicas parciais” (Ibidem, p. 219 – grifo
solução de formas de vida prévias, por exem-
no original). plo, a fragilização de categorias como classe,
No contexto da individualização se efetiva estamentos, papel sexual, família, vizinhança,
a despadronização do trabalho assalariado, da etc.; ou signica ainda, [...] a implosão de bio-
graas normais nos limites de um país, condi-
formação e da ocupação. O modelo de ocupação
ções gerais de orientação e modelos estabe-
integral estandardizado é substituído por formas lecidos. (Ibidem, p. 11).
plurais e exíveis de subocupação. As três colu-
nas do mundo do trabalho tradicional são des-
No lugar de religião, tradição e Estado so-
construídas, quais sejam, o direito do trabalho,
brevêm novas exigências, controles e obrigações
o local de trabalho e o tempo de trabalho. Nesse
aos indivíduos na sociedade moderna. O indi-
processo, os riscos psíquicos e de saúde são pri-
víduo deve autodirigir-se, controlar-se e decidir
vatizados, no sentido de serem responsabilidade
sobre sua vida, inclusive nos aspectos relativos
individual. Também as categorias fundamentais
à proteção social e às condições de trabalho. Se
– empresa, prossão e salário – não correspon-
na sociedade tradicional o indivíduo adentrava
dem mais à realidade do mundo do trabalho. O
nessa por nascença, na sociedade atual a inclu-
processo de racionalização caminha contra as
são demanda esforço ativo individual. Consoli-
formas industriais e trilhas do trabalho assalaria-
da-se a biograa da escolha, da construção, do
do, pois as formas sociais e princípios organiza-
malabarismo, da ruptura, do risco. Apesar das
cionais são refundados, impactando no sistema
novas liberdades, há muito esforço e desgaste.
de proteção social. Mas Beck (1986, p. 236) cha-
A individualização se constitui numa dinâmica
ma a atenção de que “sem a construção de um
social, não repousada sobre as decisões livres
sistema de seguridade social há a ameaça de um
dos indivíduos, mas é uma obrigação, aos quais
futuro com pobreza. Com a criação de uma renda
as pessoas estão destinadas.
mínima juridicamente assegurada para todos, o
desenvolvimento poderia garantir uma fatia de Na análise de Beck e Beck-Gernsheim
liberdade para todos” (grifos no original). (1994, p. 21) há duas novidades e particularida-
des no processo de individualização na segunda
Outro aspecto a ser considerado no pro-
metade do século XX. A primeira se refere a que
cesso de individualização se refere à realidade
a exigência de um crescente número de indiví-
vivida pelos jovens. Esses permanecem cada
duos, no limite de todos, viver uma vida própria,
vez mais tempo em formação/qualicação, para
individual, sendo o novo a democratização da
escapar de um futuro hesitante de desemprego.
individualização. A segunda particularidade está
A seleção interna na escola ganha um signicado
no fato das condições sociais exigirem individu-
central, pois o pulo para o ensino secundário ou
alização, essa vinculada à situação do mercado
para o ginásio torna-se o pulo para a “margem
de trabalho, exigências de formação e mobilida-
salvacionista” de um futuro possível com empre-
de, direito social e do trabalho, poupança para
go. A situação nas universidades e escolas téc-
a aposentadoria, etc. É a individualização insti-
nicas superiores modicou-se de maneira sutil.
tucionalizada.6
Beck (Ibidem, p. 248) considera que a expan-
são da formação prossional e acadêmica está Esse ambivalente e contraditório processo
avançando em direção a uma refeudalização da social do século XX (SCHROER, 2001, p. 389)
distribuição de chances e riscos. leva ao questionamento acerca de seu conteúdo
No processo de mudança social, Beck e
Beck-Gernsheim (1994) analisam a individuali-
6
Esses autores desenvolvem essas particularidades relacio-
zação como libertação contínua de laços e for- nando-as com a história social da família. Como essa não se
mas sociais. A individualização refere-se tanto a constitui em tema desse artigo, não o desenvolveremos aqui.

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A Individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea

e consequências, no sentido de gerar mais au- 5 Critérios gerais para a análise do processo
tonomia ou anomia, integração ou desintegração de modernização
social. A resposta para essa questão aponta para
as liberdades de risco. Para Beck e Beck-Gern- Beck (1996, p. 69) tem a intenção de apre-
sheim (Ibidem, p. 32-34) emancipação e anomia sentar a teoria da modernização reexiva como
formam uma mistura químico-política explosiva, um paradigma de pesquisa. Nesse sentido,
pois as três formas de integração em sociedades aponta para três questões de pesquisa, quais
altamente individualizadas (família, trabalho, sis- sejam, a democracia reexiva, a politização da
racionalização organizacional e ainda, a fragili-
tema de proteção social) tornam-se mais insegu-
zação das biograas e situações de vida.
ras e frágeis, sendo suas funções questionáveis,
principalmente a integração por valores, a parti- Retomando o exposto até o momento, o
cipação no bem-estar e a consciência nacional. processo de mudança da primeira para a se-
Eles entendem que há uma relação direta entre gunda modernidade é qualicado como sendo
integração social e capacidade de revisão atual contraditório, não linear, descontínuo, com rup-
bem como planejamento para o futuro, mas o turas, deslocamentos e inseguranças. Enquanto
alcance disso permanece questionável. que as premissas da primeira modernidade sub-
sistem no Estado-Nação, na individualização, na
A individualização crescente leva ao des- sociedade salarial, na exploração da natureza,
moronamento de valores, normas, modelos de em concepções denidas de racionalidade cien-
orientação e ação coletivos repartidos. O resul- tíca e no desenvolvimento pelo princípio da di-
tado é que relações e obrigações sociais e co- ferenciação funcional, na segunda modernidade
letivas são estabelecidas somente se resultam é possível reconhecer outros processos, como a
em vantagens individuais (BECK; SOPP, 1997, globalização industrial, política e cultural, a ero-
p. 9). Mas, de outro lado, pode surgir outra soli- são de modelos de vida estamentais-coletivos-
dariedade social, com características mais mul- monocromáticos, a revolução nos papéis sexuais
tifacetada e voluntária e podendo se apresentar e de gênero, a subocupação exível, a existên-
como condição para a integração de sociedades cia de uma crise ecológica. Vale destacar ainda
modernas diferenciadas. que na primeira modernidade a homogeneidade
nacional-estatal, era pautada nas dimensões de
Os autores Beck e Sopp (1997) con-
espaço e tempo, de espaço e população e de
cluem que o processo de individualização não
passado e futuro, todavia, depreciadas pela es-
se constitui em um problema em si, mas sim, o
perada diferencialidade do futuro. Daí, sucedem
surgimento de problemas no processo de indi- riscos e incertezas. Na segunda modernidade
vidualização, já que nesse último antigas situ- os conceitos de espaço e tempo ganham novo
ações de conito não são dissolvidos e novos signicado. (BECK; BONß; LAU, 2001).
problemas vão surgindo. Da mesma forma, a
individualização coloca condições necessárias Para Beck; Bonß e Lau (Ibidem), é compe-
para a integração de sociedades modernas e tência das ciências sociais analisar o processo de
complexas. (Ibidem, p. 17). mudança da primeira para a segunda moderni-
dade, conceituando-o e pesquisando-o empirica-
Em síntese, baseado em Junge (2002), mente, para que possa ser entendido por pessoas
vale enfatizar quanto aos componentes socio- e instituições de forma geral e, daí, colocar possi-
estruturais da individualização, quais sejam, as bilidades de ação para as mesmas. Eles carac-
dimensões da estrutura (classes sociais, desi- terizam os limites e diferenças da modernidade
gualdades sociais), da trajetória de vida e iden- reexiva para a pós-modernidade, pois apesar de
tidade (despadronização progressiva, perda de intercruzamentos, há diferenças e contraposições.
referências, biograa de “construção”), da po- Enquanto a pós-modernidade trata da desestrutu-
lítica (participação eleitoral), da solidariedade ração e desconstrução das ciências sociais, a te-
(formas de solidariedade modicadas). Assim, oria da modernidade reexiva aborda-a enquanto
a individualização se constitui no ambivalente reestruturação e reconceitualização, com a ne-
processo de autorreferência do indivíduo. cessidade de ser nova e forte (Ibidem, p.13-14).

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Beck; Bonß e Lau (Ibidem) desenvolveram quais sejam, os critérios gerais e as consequên-
critérios de teste para a pesquisa e análise da cias para a subjetividade,7 conforme apresentado
modernização reexiva, divididos em dois grupos, pelos próprios autores na tabela abaixo:

Tabela 1 – Critérios para análise do processo de modernização reexiva


I. Critérios gerais
Primeira Modernidade Modernidade reexiva Pós-modernidade
• Pluralização de fronteiras e diferenças de
base
• Fronteiras inequívocas, • Reconhecimento positivo da pluralização
• Pluralização, ou seja, dis-
institucionalmente asse- de fronteiras
solução de fronteiras
Fronteiras guradas (esferas sociais, • Necessidade do estabelecimento de fron-
• Reconhecimento positivo
natureza-sociedade, teiras como cção institucional
da pluralização de fronteiras
ciência-senso comum) • Problemas de decisão institucionais
novos (conitos de responsabilidades e
fronteiriços)

• Crescimento de recursos de fundamenta-


• Encerramento de dis-
ção cientíca contraditório
cursos por fundamenta-
Bases • Reconhecimento do não conhecimento • Pouca necessidade de
ção cientíca consensual
do conhe- e formas de fundamentação alternativos e fundamentação, ou seja,
• Opacidade de efeitos
cimento e não cientícos
colaterais e incertezas estabelecimento de limites
racionali- • Incorporação de efeitos colaterais inespe-
irremediáveis plurais quaisquer
dade rados (riscos)
• Monopólio de funda-
• Cercamento dos discursos por institui-
mentação da ciência
ções ad hoc das decisões conformadas

II. Consequências para a Subjetividade


Primeira Modernidade Modernidade reexiva Pós-modernidade

• Fronteiras subjetivas • Pluralização de fronteiras subjetivas pos-


• Pluralização de fronteiras
atribuídas, não contradi- síveis
subjetivas possíveis
tórias e inequívocas, nos • Reconhecimento da pluralidade de fron-
Fronteiras • Necessidade do estabele-
âmbitos sociocultural, teiras subjetivas possíveis
institucio- cimento de fronteiras subje-
institucional e técnico • Necessidade do estabelecimento de fron-
nais e sub- tivas não é reconhecida
• Direção da trajetória teiras subjetivas como cção positiva
jetivas • “Mentalidade de artíce”;
de vida no contexto de • Diculdades institucionais, coletivas e in-
subjetividade múltipla difun-
fronteiras subjetivas pré- dividuais de coordenação de redes plurais
dida
determinadas e fronteiras subjetivas

• Individualização e pluralização dos funda-


mentos acerca das fronteiras do sujeito
• Orientação em modelos de identidade
Bases do novos e plurais
• Estabelecimento das
conheci- • Reconhecimento de inseguranças, in- • Deslocamento experimen-
fronteiras em bases ins-
mento e da certezas e consequências inesperadas de tal, estético ou situacional
titucionais, culturais, téc-
racionali- decisões individuais e institucionais. das fronteiras do sujeito
nicas, morais inequívocas
dade • Tomada de decisões cooperativas por
intermédio de negociações ad hoc (subpo-
lítica)
• Reconhecimento da ccionalidade das
decisões e da biograa

Fonte: Beck; Bonß e Lau (2001, p. 41-46)

7
Beck; Bonß e Lau (Ibidem, p. 38) observam que esses critérios foram recentemente propostos e, por isso, necessitam ainda de mais
apropriação no campo empírico, bem como não foram ainda incorporados nos artigos apresentados neste livro, Die Modernisierung der
Moderne.

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A Individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea

Beck; Bonß e Lau (2001) enfatizam ser o brasileira. Nessa, as instituições de socialização
objetivo da diferenciação entre primeira e se- primária (família, escola) e secundária (empre-
gunda modernidade não a introdução de uma go, associações civis), além dos determinan-
periodização nova, problemática ou evolucio- tes estruturais, interferem de forma diferente
nária, mas o metodológico-pragmático, ou seja, na constituição da subjetividade e na formação
a necessidade de se colocar urgentemente em das instituições do sistema de proteção social.
pauta as perguntas por novas categorias e es- Destaca-se aqui o aspecto do papel central da
truturas de referência teórica. Essa necessida- família e da informalidade e precariedade pre-
de se refere, também, a m de que a sociologia sentes no mundo do trabalho.
nacional-estatal possa enfrentar a crítica de ser
Ademais, Souza (2000), ao caracterizar o
“Sociologia-Zumbi”.*7(BECK; BONß; LAU, 2001,
processo de modernização da sociedade bra-
p. 47). O desao e possibilidade da análise so-
sileira como sendo periférico e seletivo, aponta
ciológica consistem em analisar a segunda mo-
para as particularidades nacionais. Para esse
dernidade criticamente, e, com isso, assegurar a
autor, o Brasil não é um país moderno e Oci-
sua importância na sociedade. (BECK, 2000).
dental no aspecto comparativo da a!uência
A perspectiva da sociedade atual Beck material e desenvolvimento das instituições
denomina como “Brasilianização da Europa”8 democráticas, mas é moderno na medida em
(BECK, 1997a, p. 266). O autor parte da compre- que os valores modernos e ocidentais são acei-
ensão de que o neoliberalismo triunfou; o Estado tos como legítimos. Já a seletividade está na
nacional enfraqueceu; múltiplas e discordantes permanência da desigualdade e essa aparece
associações de poder paraestatais – que compe- como um resultado natural. (SOUZA, 2000, p.
tem e lutam entre si – surgiram; e ainda de que 57; p. 267 - grifos do autor).
existem contextos jurídicos e normativos como
E o que essas análises apontam para o
“terra de ninguém”. Desigualdades tornam-se
Serviço Social? Resguardadas as devidas di-
piores e contrastes econômicos acirram-se. Essa
ferenças no desenvolvimento do processo de
realidade é tema da política e da esfera pública,
modernização re!exiva na Europa Ocidental,
com vistas a impedir um declínio geral.
analisada por Beck (1986), e, no Brasil, analisa-
Vale destacar que a crítica da sociedade da por Souza (2000), pretende-se aqui destacar
contemporânea a partir dos critérios de análi- dois aspectos. Primeiramente, para a dimensão
se de Beck acima colocados, pode dar indícios analítica da contemporaneidade, ou seja, o as-
cruciais para compreender os processos em an- pecto da investigação da realidade vivida no
damento. Todavia, eles certamente não são su- presente, a partir da formação socioestrutural
cientes ou completamente transponíveis para e cultural da sociedade, ou seja, investigar e
abarcar a modernização em curso na sociedade analisar as manifestações do processo de mo-
dernização re!exiva no contexto da prossão.
Esse é um aspecto que o Serviço Social pode
* N. da autora.: No original “Zombie-Sozologie” como referên- vir a ter permanentemente em vista, conside-
cia a Zumbi, que é um personagem central de lmes de terror,
apresentado como um instrumento indolente daquele que lhe
rando a sua dimensão interventiva. A realidade
chamou à vida, é propriamente um morto. empírica e cotidiana fornece permanente mate-
8
Beck (1997) utiliza essa expressão Brasilianisierung Europas, rial a ser desvelado. Nesse contexto, podemos
mas não esclarece seu signicado com precisão. Ao empregar indicar um retorno aos “velhos” princípios do
o termo não se tem clareza se considera o agravamento da po-
breza, a concentração de renda, o desemprego sem seguridade
“ver, julgar e agir”.
social, !exibilização no mundo do trabalho com perda de direitos
trabalhistas, etc. Num artigo posterior com o título “Modell Bürge-
Em segundo lugar, como um desdobra-
rarbeit” (1999, p. 7-189), emprega o termo Brasilianisierung des mento desse primeiro, a investigação cuidadosa
Westens (Brasilianização do Ocidente), no qual analisa as con- e acurada das manifestações do processo de in-
sequências das inseguranças decorrentes das metamorfoses no
mundo trabalho. Nossa intenção aqui é apenas chamar a atenção dividualização nas relações familiares e interpes-
ao fato de que, Beck, ao empregar o conceito Brasilianização, soais. Em sendo as relações familiares no Brasil
evidentemente não referencia dados empíricos acerca da reali-
dade social brasileira, o que nos leva a problematizar acerca da
ainda marcadas pela solidariedade pré-moderna
adequabilidade do uso do termo em forma comparativa. (HERWEG, 2005), o estudo e a pesquisa sobre

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as consequências da modernização reexiva e Beck, há uma ênfase na análise da sociedade de


seletiva na constituição dos indivíduos e a cons- riscos, da individualização e suas consequências
trução de vínculos afetivo-relacionais e políticos, na família, casamento, classes e estamentos,
torna-se tema de relevância para a prossão, desigualdades sociais; já o acento das análises
ou seja, pesquisar e analisar quais os padrões, posteriores está nas metamorfoses do mundo
valores e normas sociais em vigor e vividos nas do trabalho, da democracia, das mudanças do
famílias e nas instituições no contexto da parti- Estado e da segunda modernidade.
cularidade da modernização no país. Ademais, sobre as críticas feitas à Beck,
entendemos que a sua contribuição para a aná-
lise na sociedade contemporânea é criativa e
trouxe nova vitalidade cientíca no interior da
6 Considerações nais
sociologia, evocando novos debates e dinami-
Na passagem da primeira para a segunda zando as Ciências Sociais de forma geral. Ape-
modernidade, a reexiva, o papel do indivíduo sar de esse autor não traçar uma nova teoria
e sua experiência de individualidade na socie- social, sua contribuição não pode ser vista ape-
dade são modicados, o que Beck explica pela nas como diagnóstico temporal, mas se constitui
individualização e denomina sociedade individu- como concepção metodológica para a análise da
alizada. Além disso, os riscos, não calculáveis e sociedade. Além disso, pensamos que a ênfase
tampouco planejáveis, não são mais limitados ao principal do autor na análise das liberdades e
interior de um Estado-Nação, mas estendem-se possibilidades do processo de modernização,
não apenas das obrigações dele decorrentes,
sobremaneira para além das fronteiras desse,
constitui-se em ponto forte de sua obra, apesar
surgindo como riscos e perigos universalizados
de, contemporaneamente, as obrigações serem
sobre todo o globo.
as limitadoras das opções de ação dos indivídu-
A individualização vivida na modernidade os na sociedade. Beck analisa as obrigações a
reexiva dissolve as referências da sociedade in- que os indivíduos estão sujeitos na sociedade
dustrial, na medida em que velhas fórmulas de con- moderna e aponta para as tendências sociais a
vivência são desagregadas e tradicionais grandes que essas conduzem.
grupos são dispersos. Entretanto, não surge uma
Há que se enfatizar que a análise de Beck
sociedade livre de conitos, humanamente digna,
diz respeito a sociedades modernas e altamente
virtuosa e racional, mas uma mistura altamente
diferenciadas e individualizadas. Apesar disso,
arriscada composta de novas inseguranças e no-
em sociedades como a brasileira, que não reali-
vas possibilidades, novos riscos e novas chances,
zaram a experiência de um Estado de Bem-Estar
novas exigências e novas liberdades, nalmente,
Social, pode-se observar sinais da modernidade
a sociedade de riscos, caracterizada por ambiva-
reexiva, como, por exemplo, a multiplicidade de
lências, contradições e conitos.
inseguranças e incertezas, que seguem aprofun-
É possível constatar uma mudança de dando-se e intensicando-se. Para a análise da
rumo das análises de Beck ao longo dos anos sociedade brasileira, as considerações de Sou-
1990, principalmente no que se refere ao detalha- za (2000) são assertivas, principalmente no que
mento de seus conceitos, tornando-os mais exa- se refere à sua denição da sociedade brasileira
tos e qualicados. Da análise da sociedade de como sendo atravessada por um processo de
riscos, ele avança para a apreciação da segunda modernização periférica e seletiva.
modernidade, e, nesse contexto, a manifestação
Para a análise da realidade social brasilei-
das desigualdades sociais, econômicas, culturais
ra, as análises de Beck e de Souza trazem di-
e ecológicas numa globalização que avança con-
mensões inovadoras, principalmente no que diz
tinuamente e a expressão da individualização,
respeito às manifestações do processo de mo-
principalmente com as suas reações no âmbito dernização reexiva na construção das relações
do mundo do trabalho, das relações familiares entre os indivíduos sociais. A contribuição desses
e de amor, e da política. Nas primeiras obras de autores pode residir no olhar, na investigação

432 Emancipação, Ponta Grossa, 10(2): 419-433, 2010. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao>


A Individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea

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