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MARIA

Mãe de Jesus
O retrato de María

O retrato de Maria, que exibimos na capa, foi

ditado pelo Espírito Emmanuel ao fotógrafo

Vicente Avela, através do médium Francisco

Cândido Xavier. Este trabalho foi realizado aos

poucos, em mais de 20 encontros, desde meados

de 1983, com retoques sucessivos, objetivando

homenagear o Dia das Mães de 1984.

O retrato revela o semblante de Maria tal como

ela se apresenta quando de suas visitas às

regiões perturbadas do mundo espiritual, como,

por exemplo, ao vale dos suicidas.

MARIA

Mãe de Jesus

Francisco Cândido Xavier


Yvonne A. Pereira
Edison Carneiro (Organizador)

Aliança

C o p y r i g h t O 2 0 0 7 Todos os direitos reservados à Editora Aliança.

1 - e d i ç ã o , 103 r e i m p r e s s ã o , N o v e m b r o / 2 0 1 6 , d o 5 6 a o 6
0milheiro9

TÍTULO

M a r i a , M ã e d e Jesus
AUTOR
Francisco C â n d i d o Xavier

Y v o n n e A. Pereira

Edison C a r n e i r o ( O r g a n i z a d o r )

REVISÃO

MariaAparecidaAmaral

DlAGRAMAÇÃO

Cintia A o k i
CAPA
ManueldeLuquesArruda

( R e t r a t o d a c a p a : r e t r a t o f a l a d o d e M a r i a , M ã e d e Jesus, d
itadopeloEspíritoEmmanuelatravésdomédium
Francisco C â n d i d o Xavier a o f o t ó g r a f o V i c e n t e A v e l a ) I L U
STRAÇÃO

Rosas d e s e n h a d a s p o r P i e r r e J o s e p h R e d o u t é

IMPRESSÃO

Assahi G r á f i c a e Editora Ltda.

FICHACATALOGRÁFICA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

— Câmara Brasileira do Livro / SP / Brasil —

Xavier, Francisco C â n d i d o , 1 9 1 0 - 2 0 0 2 .

M a r i a , m ã e de Jesus / Francisco C. Xavier

Y v o n n e A. Pereira ; Edison C a r n e i r o

(organizador).2.ed.

São P a u l o : E d i t o r a A l i a n ç a , 2 0 1 1 .

ISBN: 9 7 8 - 8 5 - 8 8 4 8 3 - 1 4 - 9 / 1 9 2 p á g i n a s

I . E s p i r i t i s m o 2 . M a r i a , V i r g e m , Santa - C u l t o 3 . M a r i a ,
V i r g e m , Santa - I n t e r p r e t a ç õ e s e s p í r i t a s 4. Psicografia I. P e
r e i r a , Y v o n n e A.
II. C a r n e i r o , E d i s o n . III. T í t u l o .

11-06029CDD-133.93

ÍNDICEPARACATÁLOGOSISTEMÁTICO:

1 . M a r i a , M ã e d e Jesus : M e n s a g e n s m e d i ú n i c a s p s i c o g r a
fadas:Espiritismo133.9

EDITORAALIANÇA

Rua M a j o r D i o g o , 5 1 1 - Bela Vista - São Paulo - SP

CEP 0 1 3 2 4 - 0 0 1 I T e l . : ( l l ) 2 1 0 5 - 2 6 0 0 | Fax: (11) 2 1 0 5 - 2 6 2


6

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ca.com.br
SUMÁRIO
MÃE DAS MÃES 137

Às filhas da Terra 137


Prece à Mãe Santíssima 138

Mãe 140

Oração de Mãe 141

Mãe das Mães 142

Lembrando Maria, Nossa Mãe 145

Em louvor das Mães 146

AS MÃOS DE MARIA 149

Mãos Celestes 149

Refugium Peccatorum 150

Prece 151

O OLHAR DE MARIA 153

Mater 153

Maria 154

Soneto V 155

Regyna Martirium 156

O MANTO DE MARIA 157

Súplica à Mãe Santíssima 158

Oração / 59

A Virgem 161

SOBRE HUMBERTO DE CAMPOS 165


RESUMO DA DOUTRINA ESPÍRITA 177

BIBLIOGRAFIA 185
ste é um livro

t ramalhete. Pre-

ces, depoimentos es-

critos por encarnados

e desencarnados, flo-

res brotando em cora-

ções, alegres alguns,

angustiados a maioria.

Mas ainda flores cheias

de perfume e fé, que a

você, leitor amigo, ofe-


recemos com todo o ca-

rinho. Não pertencem a

nós, damos do que não

temos, mas somos irmãos

rosa gallica regalis

e tudo a Deus pertence.

INTRODUÇÃO

Inúmeros autores ao longo da história imaginaram

a vida da Mãe de Jesus apoiados nos seus ideais religio-

sos, esperanças e visões de mundo.

Nesta antologia procuramos silenciar a voz da ima-

ginação, reunindo textos que consideramos fiéis à reali-

dade, tentando montar com eles parte do mosaico que nos

permita ter uma visão real de Maria.

Dentro desse critério, nos valemos das seguintes

fontes:

• Os evangelhos, principalmente o de Lucas, pois os

Espíritos nos afirmam que, embora as inúmeras traduções

e transcrições, esses textos chegaram ao nosso tempo com

parcela mínima de erros e distorções.


•Mensagens transmitidas por Francisco Cândido

Xavier, médium de extrema precisão e muito confiável

por sua alta moralidade.

• Informações contidas no livro Memórias de um Sui-

cida de Yvonne A. Pereira, por nos mostrarem a ação dos

servidores de Maria, que, naturalmente, não se circuns-

crevem a países de tradição cristã, e nos ajudam a ter uma

visão das atividades de Maria, no seu cunho universal,

abstraindo características peculiares da nossa mentalidade

e de nosso tempo; essas informações também contribuem


11

para compreendermos melhor o amor maternal de Maria

que alia carinho e energia, consolação e disciplina.

A ideia de retrato permeia esta pequena e despre-

tensiosa antologia: retrato é a capa recebida pelo mé-

dium Francisco Cândido Xavier; quadros verbais são as

descrições da vida de Maria, feitas principalmente por

Humberto de Campos; o texto recebido mediunicamen-

te por Yvonne nos auxilia a ver Maria retratada nas suas

instituições, nascidas de seu coração e conduzidas por sua

inteligência; os poemas coletados fornecem "closes" de

aspectos de Maria: o olhar, as mãos, o semblante que se

assemelha a uma rosa; o manto, a postura maternal, o rei-

nado de Maria; um capítulo é dado à prece da Ave Maria.

Uma multidão de pedidos sobe aos céus a cada dia

buscando o coração de Maria. Essas solicitações são de

todo tipo: angustiadas, alegres, sensatas, insensatas...


Porém, o que a mãe de Jesus tem a nos dar?

Cremos que Maria tem coisas importantes a nos

oferecer:

• O exemplo do acatamento da vontade de Deus, sin-

tetizada na sua afirmação "cumpra-se em mim a vontade

do Senhor".

• O exemplo de "ter Jesus no coração", significa es-

tabelecer uma forte ligação sentimental com o governa-

dor espiritual do planeta, baseada no amor e que orienta

toda a nossa vida na direção do bem; esse exemplo é mar-

cado em duas cenas opostas: Maria plena de alegria, com

12

o menino nos braços na estrebaria de Belém e aos pés da

cruz na dolorosa cena do Calvário.

• O alimento do amor espiritual e materno que nos

trará as forças necessárias para o enfrentamento das pro-

vas e lutas que aprouver a Deus nos enviar.

• A oportunidade de trabalho junto a inúmeras orga-

nizações espirituais baseadas na compaixão e ligadas aos

que sofrem, seja na carne ou no mundo dos Espíritos; ins-


tituições essas que, por vezes, têm postos avançados no

mundo material.

Maria é um dos Espíritos mais puros, que foram

dados à humanidade conhecer; fiel a Deus, Maria não

quer ser idolatrada, ou seja, não deseja que a vejamos

como um ídolo, que o tempo logo destrói; solicita que a

consideremos como criatura de Deus, cooperadora de Je-

sus na edificação do Seu Reino, que está sendo construído

no coração humano, e que trabalhemos com ela na tarefa

de amor que é a nossa redenção e a dos nossos irmãos de

humanidade; trabalho a ser feito palavra a palavra, pensa-

mento a pensamento, emoção a emoção, principalmente

prece a prece.

13

TESTEMUNHO DE

GRATIDÃO

A nossa mais profunda gratidão aos Espíritos que

redigiram os textos que compõe esta antologia, entre

os quais mencionamos com especial carinho o amigo


Humberto de Campos, brasileiro e maranhense pelo co-

ração, que com sua sensibilidade, tantos momentos de

delicadeza e emoção proporcionou aos nossos corações

e Camilo Castelo Branco que nos ofereceu a flor das

realidades espirituais e da reconstrução moral, retiradas

do solo dos próprios sofrimentos.

Beijamos também, em espírito e agradecidos, as

mãos dos médiuns Francisco Cândido Xavier e Yvonne

Amaral Pereira que, em meio a grandes renúncias pesso-

ais, trouxeram até nós estes mesmos textos.

O nosso abraço carinhoso ao pintor e botânico fran-

cês Pierre Joseph Redouté1, de cuja obra foram retiradas

as rosas que ilustram este livro, e que, como Espírito, nos

auxiliou na sua apresentação gráfica.

Pierre Joseph Redouté (1759 +1840). Desprovido de fortuna e de educação

formal, começou a ganhar a vida aos 13 anos, como pintor itinerante pintan-

do de tudo, decoração de paredes, retratos, temas religiosos. Um de seus

primeiros trabalhos em botânica foi a pintura do jardim de Maria Antonieta,

rainha da França. Anos após, sua carreira floresceu retratando plantas de


todo o mundo, em especial rosas; é mundialmente reconhecido como um

mestre do desenho.

15

DEDICATORIA

A MuOier,

às Muflieres

rosa gallica veriscolor

Sou filho de uma mulher, Mariana, é seu nome;

No seu útero de mulher fui gerado,


Nos seus seios de mulher amamentado,

Nos seus braços de mulher aconchegado.

Sofro, quem não sofre

De tempestades interiores?

Trovões confusos,

Eu obtuso,

Correndo em vão.

Ah! que lindo clarão

Quando em prece clamo: mamãe!

Sou filho de muitas mulheres...

Maternalmente amado

por babás, professoras, tias...

Ah, que alegria,

Quando lembro,

Os banhos de Ida,

17

O colo de minha tia Lica,

O mingau de minha avó Dalila,

Os doces de Dona Isabel.

Falam da valorização da mulher


Com o gosto de sangue da revolta;

Quanto a mim, velho e desgastado,

Só posso falar das mulheres

que me geraram e criaram,

que me educaram e protegeram,

enfim, que me amaram,

Pensando flores, dizendo mel, sonhando auroras,

Cantando fé e esperança.

Há mulheres da terra, que hoje estão no céu;

Há muitas mulheres, que são o céu na terra;

Símbolos alçados por Deus

Às celestiais esferas

Como bandeiras, não de pano tecidas,

Mas entretecidas

De ideais e fibras de alma.

Como são belas as mulheres de fibra!

Tintas de esperança,

Banhadas de imortalidade;

Tais são essas mulheres bandeiras,

Que meus olhos frequentemente


Veem desfraldadas no céu.

Maria Santíssima, Senhora Nossa, Mãe de Jesus,

Em lágrimas na Cruz,

Rogai por nós

18

Para que veneremos a Mulher.

Maria Madalena, pecadora,

Depois arrependida e santificada,

Rogai por nós

Para que tenhamos a coragem do recomeço.

Mulher pobre, a quem só restou a mendicância,

No sustento dos filhos,

Rogai por nós

Para que sejamos dignos.

Mulher operária, que caleja as mãos na

metalúrgica,

No corte da cana, no cabo da enxada,

Rogai por nós

Para que sejamos responsáveis.

Mulher funcionária, que com paciência,


Em meio a intrigas e burocracia,

Organizas o relacionamento social,

Rogai por nós

Para que organizemos nossas vidas.

Mulher mestra, que ensinas na escola rural

Ou que fazes descobertas no instituto de pesquisa,

Rogai por nós

Para que nos esforcemos na nossa autoeducação.

Mulher médica, enfermeira,

Que cura doenças, que alivia dores,

Rogai por nós

19

Para que valorizemos a saúde.

Mulher irmã, que fraterna, compreensiva,

E nossa amiga,

Rogai por nós

Para que sejamos solidários.

Mulher filha, que é alegria na infância,

Que é arrimo na velhice,

Rogai por nós


Para que sejamos gratos.

Mulher esposa, que rasga a monotonia da noite

Dando-nos amor e prazer,

Que floresces o deserto social

Com a bênção do lar,

Rogai por nós

Para que sejamos honrados.

Mulher Cristã, que canta hinos,

No circo romano, antes do martírio,

Rogai por nós

Para que sejamos fiéis.

Maria Santíssima, Senhora Nossa, Mãe de Jesus,

Em lágrimas na cruz,

Rogai pelas mulheres

A quem Deus confiou o mistério da vida

Para que sejam sempre dignas

De toda honra, de toda glória, de todo amor.

20
la PARTE
MARIA, Mãe de Jesus

María tornase

esposa e mãe

A família de Maria

Não há informações a respeito dos pais de Maria,

ou de como foi a sua infância e adolescência.

O que se sabe é que era judia, provavelmente filha

de pais judeus, e que seu futuro marido, José, era tam-


bém judeu.

Quanto aos seus familiares, o Evangelho menciona

os seguintes:

Prima: Isabel, filha de Aarão, casada com Zacarias,

teve um único filho: João.

Esposo: José.

Irmã: mencionada por João na cena do calvário:

23

Edison Carneiro

"Junto à cruz estava sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria

de Cleófas e Maria Madalena".2

Filho: Jesus.

A questão se Maria teve outros filhos, ou não, é

examinada no correr desta obra.

O Evangelho de Lucas, logo no início, apresenta o

casal Zacarias e Isabel.

Isabel

Existiu no tempo de Herodes, rei da Judéia um sa-

cerdote chamado Zacarias, da ordem de Abdias e cuja mu-


lher era uma das filhas de Aarão e seu nome era Isabel;

não tinham filhos porque Isabel era estéril e ambos eram

de idade avançada.

Exercendo Zacarias o seu sacerdócio diante de

Deus, na ordem de sua turma, foi sorteado para entrar no

templo e oferecer o incenso.

Havia uma multidão, do lado de fora, orando, nesta

hora; um anjo do Senhor (Espírito) apareceu a Zacarias,

de pé, à direita do altar. Zacarias, vendo-o, perturbou-se e

ficou atemorizado, mas o anjo lhe disse:

— Zacarias, não tema, porque a sua oração foi ou-

vida, e Isabel sua mulher, dará à luz um filho e você lhe

porá o nome de João. Você terá prazer e alegria e muitos

se alegrarão no seu nascimento, porque ele será grande

diante do Senhor, e não beberá vinho, nem bebida forte,

Evangelho segundo João, cap. 19.

24

MARIA, Mãe de Jesus


e será cheio do Espírito Santo3, já desde o ventre de sua

mãe. Converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu

Deus; irá adiante dele no espírito e virtude de Elias4, para

converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à

prudência dos justos, com o fim de preparar para o Senhor

um povo com disposição.

Disse então Zacarias ao anjo:

— Como vou saber? Já sou velho e minha mulher

é de idade avançada.

Respondeu-lhe o anjo:

— Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e

fui enviado a falar a você e dar-lhe essas alegres notícias.

Você ficará mudo e não poderá falar até o dia em que estas

coisas acontecerem, porque você não acreditou nas mi-

nhas palavras, que a seu tempo se cumprirão.

O povo estava esperando do lado de fora e admi-

rava-se do tanto que Zacarias estava demorando dentro

do templo.

Quando saiu, não podia falar, porém, eles enten-

deram que tinha tido alguma visão dentro do templo, e


comunicava-se com gestos, tendo permanecido mudo.

Terminados os dias de seu ministério voltou para casa.

Depois daqueles dias Isabel ficou grávida e por cin-

co meses se ocultou, dizendo:

— Assim me fez o Senhor, nos dias em que atentou

em mim para destruir minha vergonha5 entre os homens.

Estar cheio do Espírito Santo é ser intermediário (ou médium) dos Espí-

ritos santificados.

João é Elias reencarnado.

Na cultura judaica, naquela época, era vergonhoso para uma mulher ser

estéril; assim como Deus de forma oculta preparava o fim de sua discrimi-

nação social, ela também resolveu ocultar a sua gravidez.

25

Edison Carneiro

O anjo Gabriel visita Maria

No sexto mês da gravidez de Isabel, foi o anjo


Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galileia, cha-

mada Nazaré, a uma virgem, prima de Isabel, desposada

com um varão chamado José, da casa de Davi; o nome da

virgem era Maria.

Entrando o anjo onde ela estava, disse:

— Ave Maria, cheia de graça, o senhor é contigo,

bendita és tu entre as mulheres.

Vendo o anjo, Maria turbou-se muito com aquelas

palavras, e considerava que saudação seria esta.

Disse-lhe então o anjo: Maria, não tema porque

você achou-se agraciada diante de Deus; em seu ventre

conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Je-

sus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo e o

Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai, e reinará

eternamente na casa de Jacó e o seu reino não terá fim.

Disse Maria ao anjo:

— Como se fará isto, se não conheço nenhum

varão?6

O anjo respondeu:

— Descerá sobre você o Espírito Santo, e a vir-


tude do altíssimo a cobrirá com a sua sombra, pelo que

também o Santo que de você há de nascer será chamado

Filho de Deus.

Ou seja, nunca se relacionou com um homem.

26

MARIA, Mãe de Jesus

Também Isabel, sua prima, concebeu um filho na

velhice, e este é o sexto mês para aquela que era chamada

estéril, porque para Deus nada é impossível.

Disse então Maria:

— Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim

segundo a sua palavra.

E o anjo retirou-se da sua presença.7

José

Estando Maria, sua mãe, desposada com José, an-

tes de coabitarem, achou-se concebida do Espírito Santo.

Então José, seu marido, como era justo, e não querendo

difamá-la, teve a intenção de deixá-la secretamente.


Tendo feito este projeto, apareceu-lhe, em sonho,

um anjo do Senhor e disse:

— José, filho de Davi, não temas receber Maria

como tua esposa, porque o que nela foi concebido o foi

por obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a

quem chamarás "Jesus"8, porque ele salvará o seu povo

de seus pecados.

Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que

foi dito pelo Senhor através do profeta Isaías: "Eis que a

virgem conceberá e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão de

"Emanuel", que quer dizer: Deus Conosco".

José, após despertar do sono, fez como o anjo do Se-

nhor lhe havia ordenado e recebeu Maria como sua esposa.

Evangelho segundo Lucas, cap. 1.

Jesus significa Salvador.

27

Edison Carneiro
E não a teve como mulher, até que Maria desse à

luz o filho primogênito, que se chamou Jesus.9

Maria visita Isabel

Naqueles dias, levantando-se, Maria foi apressada

às montanhas, a uma cidade de Judá, entrou na casa de

Zacarias e saudou sua prima Isabel.

Aconteceu que, ao ouvir Isabel a saudação de Ma-

ria, a criancinha saltou no seu ventre e Isabel foi envol-

vida por um Espírito santo e exclamou com grande voz:

— Bendita és tu entre as mulheres, bendito é o fru-

to do teu ventre! Donde provém a mim que me venha vi-

sitar a mãe do meu Senhor?

Pois eis que ao chegar aos meus ouvidos a voz da

tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre.

Bem-aventurada a que acreditou, pois hão de cum-

prir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas.10

O cântico de Maria

Maria compôs então a seguinte canção:

A minha alma engrandece ao Senhor,

Exulta meu espírito em Deus,


Em meu Salvador.

Evangelho segundo Mateus, cap. 1.

Evangelho segundo Lucas, cap. 1.

10

28

MARIA, Mãe de Jesus

Pôs os olhos na humildade de sua serva;

Doravante todas as gerações

Me chamarão bem-aventurada.

O Onipotente me fez grandes coisas,

Santo é o seu nome.

Sua misericórdia perdura.

De geração em geração

Sobre aqueles que O obedecem.

Seu poder fez obras de valor,

Dispersou os pensamentos de orgulho

Nos corações.

Rebaixou os poderosos de seus tronos,


Elevou os humildes.

Cumulou de bens os famintos

Despediu vazios os saciados.

Auxiliou a Israel, seu servo,

Recordando sua misericórdia,

Conforme Sua Eterna Promessa

A Abraão e seus descendentes.

Maria permaneceu com Isabel mais ou menos três

meses e voltou para a sua casa.11

Evangelho segundo Lucas, cap. 1.

11

29

Edison Carneiro

Nascimento de Jesus

Aconteceu naqueles dias que saiu um decreto da

parte de César Augusto, para que todos se alistassem. Este

primeiro recenseamento foi feito sendo Cirênio governa-

dor da Assíria.

Todos deviam se alistar, cada um na sua própria


cidade.

José subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, a Be-

lém da Judéia, chamada cidade de Davi, pois era da casa

e família de Davi, para também alistar-se com Maria, sua

mulher, que estava grávida.

Aconteceu que, estando ali, cumpriram-se os dias

em que ela havia de dar à luz. E ela deu à luz seu fi-

lho primogênito, envolveu-o em alguns panos e deitou-o

numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na

estalagem.12

Os pastores

Na mesma região havia pastores que guardavam

seus rebanhos durante as vigílias da noite. Eis que o anjo

do Senhor veio sobre eles e a glória do Senhor os cercou

de uma grande luz, e eles tiveram medo.

O anjo lhes disse:

— Não tenham medo, porque eu trago a vocês notí-

cias de grande alegria para todo o povo. Na cidade de Davi

Evangelho segundo Lucas, cap. 1.

12
30

MARIA, Mãe de Jesus

nasceu, para vocês, hoje, o Salvador, que é Cristo, o Se-

nhor. Isto servirá de sinal para encontrá-lo, vocês acharão

um menino envolto em panos, deitado numa manjedoura.

No mesmo instante apareceu com o anjo uma mul-

tidão de exércitos celestiais, que louvava a Deus, e dizia:

— Glória a Deus nas alturas e paz e boa vontade

para com os homens.

Quando os anjos partiram em direção ao céu, os

pastores disseram:

— Vamos já a Belém e vejamos o que aconteceu, o

que o Senhor nos deu a conhecer.

Foram então às pressas e encontraram Maria, José

e o recém-nascido deitado na manjedoura.

Vendo-o, divulgaram as palavras que lhes foram

ditas a respeito do menino. Todos que as ouviam se mara-

vilhavam do que os pastores diziam.

Maria guardava todas estas coisas cuidadosamente


no seu coração.

E os pastores voltaram aos seus rebanhos, glorifi-

cando a Deus por tudo o que viram e ouviram.13

Evangelho segundo Lucas, cap. 2.

13

31

Edison Carneiro

O filho de Maria

traz atearias

e Lágrimas
Jesus no Templo de Jerusalém

Quando os oito dias foram cumpridos para circun-

cidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo

anjo lhe fora posto antes de ser concebido. Cumprindo-

se os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, o leva-

ram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor, segun-

do o que está escrito na lei do Senhor: "Todo o macho

primogênito será consagrado ao Senhor", e para darem

a oferta que está disposta na lei do Senhor: "um par de

rolas ou dois pombinhos".

32

MARIA, Mãe de Jesus

Havia em Jerusalém um homem, cujo nome era

Simeão; esse homem era justo e temente a Deus, esperan-

do a consolação de Israel e o Espírito Santo estava sobre

ele. Fora-lhe revelado, por um Espírito santificado, que

ele não morreria antes de ter visto o Cristo do Senhor. E

neste dia foi conduzido por um Espírito ao templo.

Quando os pais trouxeram o menino Jesus, para


com ele procederem conforme os usos da lei, Simeão o

tomou em seus braços, louvou a Deus, dizendo:

— Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, se-

gundo a tua palavra, pois meus olhos já viram a salvação,

que tu preparastes perante a face de todos os povos, luz

para iluminar as nações e para glória de teu povo Israel.

José e Maria se maravilhavam das coisas que se

diziam do menino.

Simeão os abençoou, e disse a Maria, sua mãe:

— Eis que este menino é posto para queda e eleva-

ção de muitos em Israel, e como um sinal de contradição.

E uma espada trespassará a tua alma, Maria, para que se

manifestem os pensamentos de muitos corações.

Estava ali a profetiza Ana, filha de Fanuel, da tribo

de Aser. Ana era idosa, fora casada por sete anos, agora

era viúva, tinha oitenta e quatro anos e não se afastava

do templo, servindo a Deus, dia e noite em jejuns e ora-

ções.Como chegasse na mesma hora, agradecia a Deus e

falava do menino a todos que esperavam a redenção de

Jerusalém.14
Evangelho segundo Lucas, cap. 2.

14

33

Edison Carneiro

Os magos do Oriente

Jesus nasceu em Belém da Judéia quando reinava

o Rei Herodes.

Alguns magos vieram do Oriente a Jerusalém, e

diziam:

— Onde está o rei dos judeus que nasceu? Vimos

sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.

Tendo isso chegado aos ouvidos do rei Herodes,

ele e toda a Jerusalém se perturbaram. Reunindo os prín-

cipes, sacerdotes e escribas, perguntou-lhes onde haveria

de nascer o Cristo. Eles responderam:

— Em Belém da Judéia, porque assim está escrito

pelo profeta Miquéias: "Tu Belém, terra de Judá, de modo

nenhum és a menor entre as capitais de Judá, porque de ti

sairá o guia que apascentará o meu povo de Israel".

Herodes, então, chamou secretamente os magos e


inquiriu-os, exatamente, quando a estrela lhes aparecera.

A seguir enviou-os a Belém, dizendo-lhes:

— Vão e perguntem diligentemente pelo menino,

e quando o acharem, participem-me para que eu vá até

lá e o adore.

Após ouvirem o rei, partiram.

A estrela que tinham visto no Oriente, ia na frente

deles, até que chegando, deteve-se sobre o lugar onde

estava o menino. Vendo a estrela, ficaram muito, imensa-

mente, alegres.

Entrando no lugar, encontraram o menino com

Maria sua mãe. Prostrando-se o adoraram, após o que,

34

MARIA, Mãe de Jesus

abrindo os seus tesouros lhe ofertaram as dádivas de ouro,

incenso e mirra.

Tendo sido avisados em sonhos para que não se

aproximassem de Herodes, partiram para sua terra por

outro caminho.15
A fuga para o Egito

Após a partida dos magos, o anjo do Senhor apare-

ceu a José em sonhos e disse:

— Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge

para o Egito, e fica lá até que eu te diga, porque Herodes

procurará o menino para matá-lo.

José levantou-se, tomou o menino e sua mãe, e à

noite partiu para o Egito. Ficou lá até a morte de Herodes.

E cumpriu-se o que foi dito pelo Senhor pela boca do pro-

feta Oséias: "Do Egito chamei meu Filho".

Porém, Herodes vendo que havia sido enganado

pelos magos, irritou-se muito, e mandou matar todos os

meninos de Belém e suas redondezas que tivessem dois

anos ou menos, tomando como base o tempo que obtivera

dos magos.

Cumpriu-se então o que foi predito pelo profeta

Jeremias: "em Ramá se ouviu vozes, lamentos, choro,

grande pranto. Raquel chora os seus filhos, não quer ser

consolada, porque já não existem".16

Evangelho segundo Lucas, cap. 2.


15

Evangelho segundo Lucas, cap. 2.

16

35

Edison Carneiro

A volta do Egito

Morto Herodes, o anjo do Senhor apareceu num

sonho a José no Egito, dizendo:

— Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e vai para

a terra de Israel, pois já estão mortos os que procuravam

matar o menino.

José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi

para a terra de Israel. Ouvindo, porém, que Arquelau rei-

nava na Judéia, receou ir para lá. Avisado em sonhos por

divinas revelações foi para a Galileia.

Lá chegando, foi habitar numa cidade chamada

Nazaré, para que se cumprisse o que foi predito pelo pro-

feta Isaías: "Ele será chamado Nazareno".17

Jesus e os doutores
Seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa

da Páscoa. Quando o menino completou 12 anos, segundo

o costume, subiram para a festa. Terminados os dias eles

voltaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem

que os seus pais o notassem.

Pensando que ele estivesse na caravana, andaram

o caminho de um dia, e puseram-se a procurá-lo entre os

parentes e conhecidos. Não o encontrando voltaram a Je-

rusalém à sua procura.

Evangelho segundo Lucas, cap. 2.

17

36

MARIA, Mãe de Jesus

Três dias depois o encontraram no Templo, senta-

do no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os,

e todos os que o ouviam ficavam extasiados com a sua

inteligência e com as suas respostas.

Ao vê-lo, seus pais ficaram surpresos, e sua mãe

lhe disse:
— Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha

teu pai e eu, aflitos, te procurávamos.

Ele respondeu:

— Por que me procuravam? Não sabiam que devo

estar na casa do meu Pai?

Eles, porém, não compreenderam a palavra que

lhes dissera.

Desceu então com eles para Nazaré e era-lhes

submisso.

Sua mãe, porém, conservava a lembrança de todos

esses fatos em seu coração.

Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça diante

de Deus e dos homens.18

Evangelho segundo Lucas, cap. 2.

18

37
Edison Carneiro

Isabel visita Maria

rosa gallica maheka

flore subsimplici

Após a famosa apresentação de Jesus aos doutores-

do Templo de Jerusalém, Maria recebeu a visita de Isabel

e de seu filho, em sua casinha pobre de Nazaré.

Depois das saudações habituais, do desdobramento

dos assuntos familiares, as duas primas entraram a falar

de ambas as crianças, cujo nascimento fora antecipado

por acontecimentos singulares e cercado de estranhas cir-


cunstâncias. Enquanto o patriarca José atendia às últimas

necessidades diárias de sua oficina humilde, entretinham-

se as duas em curiosa palestra, trocando carinhosamente

as mais ternas confidências maternais.

— O que me espanta - dizia Isabel com caricioso

sorriso - é o temperamento de João, dado às mais fundas

meditações, apesar da sua pouca idade. Não raro, procu-

ro-o inutilmente em casa, para encontrá-lo, quase sem-

pre, entre as figueiras bravas, ou caminhando ao longo

das estradas adustas, como se a pequena fronte estivesse

dominada por graves pensamentos.

— Essas crianças, a meu ver - respondeu-lhe Ma-

ria, intensificando o brilho suave de seus olhos -, trazem

38

MARIA, Mãe de Jesus

para a Humanidade a luz divina de um caminho novo.

Meu filho também é assim, envolvendo-me o coração

numa atmosfera de incessantes cuidados. Por vezes, vou

encontrálo a sós, junto das águas, e, de outras, em con-

versação profunda com os viajantes que demandam a


Samaria ou as aldeias mais distantes, nas adjacências do

lago. Quase sempre, surpreendo-lhe a palavra caridosa

que dirige às lavadeiras, aos transeuntes, aos mendigos

sofredores... Fala de sua comunhão com Deus com uma

eloquência que nunca encontrei nas observações dos nos-

sos doutores e, constantemente, ando a cismar, em relação

ao seu destino.

Apesar de todos os valores da crença - murmurou

Isabel, convicta -, nós, as mães, temos sempre o Espírito

abalado por injustificáveis receios.

Como se deixasse empolgar por amorosos temores,

Maria continuou:

Ainda há alguns dias, estivemos em Jerusalém, nas

comemorações costumeiras, e a facilidade de argumenta-

ção com que Jesus elucidava os problemas, que lhe eram

apresentados pelos orientadores do templo, nos deixou a

todos receosos e perplexos. Sua ciência não pode ser des-

te mundo, vem de Deus, que certamente se manifesta por

seus lábios amigos da pureza. Notando-lhe as respostas,

Eleazar chamou José, em particular, e o advertiu de que


o menino parece haver nascido para a perdição de muitos

poderosos em Israel.

Com a prima a lhe escutar atentamente a palavra,

Maria prosseguiu, de olhos úmidos, após ligeira pausa:

Ciente desse aviso, procurei Eleazar, a fim de inter-

ceder por Jesus, junto de suas valiosas relações com as au-

toridades do templo. Pensei na sua infância desprotegida

39

Edison Carneiro

e receio pelo seu futuro. Eleazar prometeu interessar-se

pela sua sorte, todavia, de regresso a Nazaré, experimen-

tei singular multiplicação dos meus temores. Conversei

com José, mais detidamente, acerca do pequeno, preocu-

pada com o seu preparo conveniente para a vida!... En-

tretanto, no dia que se seguiu às nossas íntimas confa-

bulações, Jesus se aproximou de mim, pela manhã, e me

interpelou: — "Mãe, que queres tu de mim? Acaso não te-

nho testemunhado a minha comunhão com o Pai que está

no Céu?!". Altamente surpreendida com a sua pergunta,

respondi-lhe, hesitante: Tenho cuidado por ti, meu filho!


Reconheço que necessitas de um preparo melhor para a

vida... Mas, como se estivesse em pleno conhecimento do

que se passava em meu íntimo, ponderou ele: — "Mãe,

toda a preparação útil e generosa no mundo é preciosa,

entretanto, eu já estou com Deus. Meu Pai, porém, deseja

de nós toda a exemplificação que seja boa e eu escolherei,

desse modo, a escola melhor". No mesmo dia, embora

soubesse das belas promessas que os doutores do templo

fizeram na sua presença a seu respeito, Jesus aproximou-

se de José e lhe pediu, com humildade, que o admitisse em

seus trabalhos. Desde então, como se nos quisesse ensinar

que a melhor escola para Deus é a do Lar e a do esforço

próprio - concluiu a palavra materna com singeleza -, ele

aperfeiçoa as madeiras da oficina, empunha o martelo e a

enxó, enchendo a casa de ânimo, com a sua doce alegria!

Isabel lhe escutava atenta à narrativa e, depois de

outras pequenas considerações materiais, ambas observa-

ram que as primeiras sombras da noite desciam na paisa-

gem, acinzentando o céu sem nuvens.

A carpintaria já estava fechada e José buscava a


serenidade do interior doméstico para o repouso.

40

MARIA, Mãe de Jesus

As duas mães se entreolharam, inquietas, e pergun-

tavam a si próprias para onde teriam ido as duas crianças.

Nazaré, com a sua paisagem, das mais belas de toda

a Galileia, é talvez o mais formoso recanto da Palestina.

Suas ruas humildes e pedregosas, suas casas pequeninas,

suas lojas singulares se agrupam numa ampla concavida-

de em cima das montanhas, ao norte do Esdrelon. Seus

horizontes são estreitos e sem interesse, contudo, os que

sobem um pouco além, até onde se localizam as casinho-

las mais elevadas, encontrarão para o olhar assombrado

as mais formosas perspectivas. O céu parece alongar-se,

cobrindo o conjunto maravilhoso, numa dilatação infinita.

Maria e Isabel avistaram seus filhos, lado a lado,

sobre uma eminência banhada pelos derradeiros raios

vespertinos. De longe, afigurou-se-lhes que os cabelos de

Jesus esvoaçavam ao sopro caricioso das brisas do alto.

Seu pequeno indicador mostrava a João as paisagens que


se multiplicavam a distância, como um grande general

que desse a conhecer as minudências dos seus planos

a um soldado de confiança. Ante seus olhos surgiam as

montanhas da Samaria, o cume de Magedo, as eminências

de Gelboé, a figura esbelta do Tabor, onde, mais tarde,

ficaria inesquecível o instante da Transfiguração, o vale

do rio sagrado do Cristianismo, os cumes de Safed, o gol-

fo de Khalfa, o elevado cenário do Pereu, num soberbo

conjunto de montes e vales, ao lado das águas cristalinas.

Quem poderia saber qual a conversação solitária

que se travara entre ambos? Distanciados no tempo, deve-

mos presumir que fosse, na Terra, a primeira combinação

entre o amor e a verdade, para a conquista do mundo. Sa-

bemos, porém, que na manhã imediata, partindo o pre-

41

Edison Carneiro

cursor na carinhosa companhia de sua mãe, perguntou

Isabel a Jesus, com gracioso interesse: — Não queres

vir conosco? - ao que o pequeno carpinteiro de Naza-


ré respondeu, profeticamente, com inflexão de profunda

bondade: — "João partirá primeiro".

Humberto de Campos19

Boa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb

19

42

MARIA, Mãe de Jesus

18 anos

O Novo Testamento não nos dá notícias do período

de 18 anos, que medeia entre os 12 anos de Jesus e o iní-


cio de sua vida pública aos 30 de idade.

Alguns acham que a hipótese de, durante este pe-

ríodo, Jesus ter se dedicado ao trabalho na carpintaria em

auxílio aos pais, seria um exemplo menor. No entanto,

reflitamos: para aquele que disse "Meu Pai trabalha até

agora e eu trabalho também", esse exemplo não seria har-

monioso com o resto de sua vida de humildade e dedica-

ção absoluta ao bem?

E nesse intervalo o que teria acontecido com Maria?

Teria tido outros filhos carnais?

O Novo Testamento é vago sobre este ponto. Mateus

menciona referências a irmãos de Jesus, quando pregava na

sua terra:

"Chegando Jesus à sua pátria, ensinava nas sinago-

gas, de maneira que se admiravam e diziam:

43

Edison Carneiro

— Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama


Maria, a sua Mãe? Seus irmãos não são: Tiago, José, Si-

meão e Judas? Não estão entre nós suas irmãs?".

Três explicações são possíveis:

1- Na língua de então a mesma palavra designa-

va tanto o que chamamos hoje de primos, quanto o que

chamamos de irmãos. Neste caso os "irmãos" de Jesus

seriam seus primos.

2- José, o esposo de Maria, seria casado em segun-

das núpcias, neste caso os "irmãos" de Jesus seriam ape-

nas por parte de pai.

3- Maria teria tido outros filhos depois de Jesus.

O organizador deste pequeno trabalho, escolhe, em

caráter pessoal, a explicação número 1, embora o fato de

ter mais filhos em nada desmerecesse a Mãe de Jesus; a

prole extensa só engrandece a mulher.

Mais importante é que Maria, pelos laços do cora-

ção, é mãe de toda a humanidade.

No Novo Testamento, após o início da vida públi-

ca de Jesus, há uma única e breve menção a José, feita

em Mateus, o que levaria a crer que ele partira para a


pátria espiritual no intervalo que medeia entre os 12 e os

30 anos de Jesus.

No início do Evangelho de João, Maria está junto

a Jesus, no primeiro prodígio registrado no Novo Tes-

tamento, que é a transformação da água em vinho, nas

bodas de Caná.

44

MARIA, Mãe de Jesus

E três dias depois deu-se um banquete

De noivado em Caná da Galileia;


E era a mãe de Jesus ali presente.

Convidado também com seus discípulos

As bodas foi Jesus. E como houvesse

Faltado vinho no correr da festa,

Maria, sua mãe, assim lhe disse:

— "Eles vinho não têm".

— "Mulher", de pronto

Respondeu-lhe Jesus por esses termos:

— "O que existe entre nós?... Inda chegada

Não é a minha hora."

Aos que serviam

Disse à mãe de Jesus:

— "Fazei vós outros

O que ele vos disser."

45

Edison Carneiro

Ora, de pedras

Existiam ali umas seis talhas,

Que às purificações se destinavam,


Conforme a usança entre os judeus, medindo

Cada uma de dois a três almudes.20

Jesus aos servos disse:

— "Enchei-as d'água".

E todas elas foram cheias logo

Pelos servos da casa até as bordas.

Então disse Jesus:

— "Tirai desta água,

E levai-a ao senhor, que dela beba".

E eles a levaram. Já provando-a

E sentindo-a mudada em puro vinho,

Mas não sabendo donde tal viera,

Se bem que os servos, que puseram a água,

O soubessem, chamou ao esposo e disse

Assim o Arquitriclino21:

— "Todo homem

põe primeiro o bom vinho em sua mesa,

E quando os convidados têm bebido

Quanto baste a fartar, então lhes serve

Do pior; tu, porém, pelo contrário,


O vinho bom para o final guardaste."

Foi este dos milagres o primeiro

Que Jesus praticou; e a sua glória

1 Almude = 24 litros.

20

Arquitriclino = Mordomo.

21

46

MARIA, Mãe de Jesus

Fez assim conhecida: e os seus discípulos

Creram nele.

Depois, então, desceram

Jesus e sua mãe - indo com ele

Também os seus irmãos e os seus discípulos,

Para Cafarnaum; mas, pouco tempo

Ali se demoraram, que era próxima

A páscoa dos Judeus. Logo partindo,

Para Jerusalém foram-se todos.22

Palavras de Mãe
"Sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto

ele vos disser. "(João 2,5)

O Evangelho é roteiro iluminado do qual Jesus é

o centro divino. Nessa Carta de Redenção, rodeando-lhe

a figura celeste, existem palavras, lembranças, dádivas e

indicações muito amadas dos que lhe foram legítimos co-

laboradores no mundo.

Recebemos aí recordações amigas de Paulo, de

João, de Pedro, de companheiros outros do Senhor, e que

não poderemos esquecer.

Temos igualmente no Documento Sagrado, remi-

niscências de Maria. Examinemos suas preciosas palavras

em Caná, cheias de sabedoria e amor materno.

Evangelho segundo João, cap. 2IA Divina Epopéia - Bittencourt Sampaio

22

- Feb.

47

Edison Carneiro

Geralmente, quando os filhos procuram a carinhosa


intervenção de mãe é que se sentem órfãos de ânimo ou

necessitados de alegria. Por isso mesmo, em todos os lu-

gares do mundo, é comum observarmos filhos discutindo

com os pais e chorando ante corações maternos.

Interpretada com justiça por anjo tutelar do Cris-

tianismo, às vezes é com imensas aflições que recorre-

mos a Maria.

Em verdade, o versículo do apóstolo João não se

refere a paisagens dolorosas. O episódio ocorre numa fes-

ta de bodas, mas podemos aproveitar-lhe a sublime ex-

pressão simbólica.

Também nós estamos na festa de noivado do

Evangelho com a Terra. Apesar dos quase vinte séculos

decorridos, o júbilo ainda é de noivado, porquanto não

se verificou até agora a perfeita união... nesse grande

concerto da ideia renovadora, somos serventes humildes.

Em muitas ocasiões, esgota-se o vinho da esperança.

Sentimo-nos extenuados, desiludidos... Imploramos ter-

nura maternal e eis que Maria nos responde: Fazei tudo

quanto ele vos disser.


O conselho é sábio e profundo e foi colocado no

princípio dos trabalhos de salvação.

Escutando semelhante advertência de Mãe, me-

ditemos se realmente estaremos fazendo tudo quanto o

Mestre nos disse.

Emmanuel23

Caminho, Verdade e Vida - Emmanuel/Francisco Cândido Xavier - Feb

23

48
MARIA, Mãe de Jesus

A prisão de Jesus

Quando João, o discípulo amado veio ter com

Maria, anunciando-lhe a detenção do Mestre, o coração

materno, consternado, recolheu-se ao santuário da prece

e rogou ao Senhor Supremo que poupasse o filho queri-

do. Não era Jesus o Embaixador Divino? Não recebera a

notificação dos anjos, quanto à sua condição celeste?...

Seu filho amado nascera para a salvação dos oprimidos...

Ilustraria o nome de Israel, seria o rei diferente, cheio de

amoroso poder. Curava leprosos, levantava paralíticos

sem esperança. A ressurreição de Lázaro, já sepultado,


não bastaria para elevá-lo ao cume da glorificação?

E Maria confiou ao Deus de Misericórdia suas

preocupações e súplicas, esperando-lhe a providência,

entretanto, João voltou em horas breves, para dizer-lhe

que o Messias fora encarcerado.

49

Edison Carneiro

A Mãe Santíssima regressou à oração em silên-

cio. Em pranto, implorou o favor do Pai Celestial. Con-

fiaria Nele.

Desejava enfrentar a situação, desassombradamen-

te, procurando as autoridades de Jerusalém. Mas, humilde

e pobre, que conseguiria dos poderosos da Terra? E, aca-

so, não contava com a proteção do Céu? Certamente, o

Deus de Bondade Infinita, que seu filho revelara ao mun-

do, salvá-lo-ia da prisão, restituí-lo-ia à liberdade.

Maria manteve-se vigilante. Afastando-se da casa

modesta a que se recolhera, ganhou a rua e intentou pe-

netrar o cárcere, todavia, não conseguiu comover o cora-


ção dos guardas.

Noite alta, velava, súplice, entre a angústia e a con-

fiança. Mais tarde, João voltou, comunicando-lhe as novas

dificuldades surgidas. O Mestre fora acusado pelos sacer-

dotes. Estava sozinho. E Pilatos, o administrador romano,

hesitando entre os dispositivos da lei e as exigências do

povo, enviara o Mestre à consideração de Herodes24.

Maria não pôde conter-se. Segui-lo-ia de perto.

Resoluta, abrigou-se num manto discreto e tor-

nou à via pública, multiplicando as rogativas ao Céu,

em sua maternal aflição. Naturalmente, Deus modifica-

ria os acontecimentos, tocando a alma de Antipas. Não

duvidaria um instante. Que fizera seu filho para receber

afrontas? Não reverenciava a lei? Não espalhava sublimes

consolações? Amparada pela convertida de Magdala, al-

O Herodes aqui referenciado é o Rei Herodes Antipas, Tetrarca da

24

Galileia e da Pereia. Quem participou dos acontecimentos envolvendo o

nascimento de Jesus foi seu pai, Herodes o Grande.


50
MARIA, Mãe de Jesus

cançou as vizinhanças do palácio do Tetrarca. Oh! infinita

amargura! Jesus fora vestido com uma túnica de ironia e

ostentava, nas mãos, uma cana suja à maneira de cetro

e, como se isso não bastasse, fora também coroado de

espinhos!... Ela quis aproximar-se a fim de libertar-lhe a

fronte sangrenta e arrebatá-lo da situação dolorosa, mas

o filho, sereno e resignado, endereçou-lhe o olhar mais

significativo de toda a existência. Compreendeu que ele

a induzia à oração e, em silêncio, lhe pedia confiança no

Pai. Conteve-se, mas o seguiu em pranto, rogando a inter-

venção divina. Impossível que o Pai não se manifestasse.

Não era seu filho o escolhido para a salvação? Não era ele

a luz de Israel, o sublime revelador? Lembrou-lhe a in-

fância, amparada pelos anjos... Guardava a impressão de

que a Estrela Brilhante, que lhe anunciara o nascimento

ainda resplandecia no alto!...

A multidão estacou, de súbito. Interrompera-se a


marcha para que o governador romano se pronunciasse

em definitivo.

Maria confiava. Quem sabe chegara o instante da

ordem de Deus? O Supremo Senhor poderia inspirar di-

retamente o juiz da causa.

Após ansiedades longas, Pôncio Pilatos, num es-

forço extremo para salvar o acusado, convidou a turba

farisaica a escolher entre Jesus, o Divino Benfeitor, e

Barrabás, o bandido. O coração materno asilou esperan-

ças mais fortes. O povo ia falar e o povo devia muitas

bênçãos ao seu filho querido. Como equiparar o Men-

sageiro do Pai ao malfeitor cruel que todos conheciam?

A multidão, porém, manifestou-se, pedindo a liberdade

para Barrabás e a crucificação para Jesus. Oh! - pensou a

mãe atormentada - onde está o Eterno que não me ouve

51

Edison Carneiro

as orações? Onde permanecem os anjos que me falavam

em luminosas promessas?
Em copioso pranto, viu seu filho vergado ao peso da

cruz. Ele caminhava com dificuldade, corpo trêmulo pelas

vergastadas recebidas e, obedecendo ao instinto natural,

Maria avançou para oferecer-lhe auxílio. Contiveram-na,

todavia, os soldados que rodeavam o Condenado Divino.

Angustiada, recordou-se repentinamente de

Abraão. O generoso patriarca, noutro tempo, movido

pela voz de Deus, conduzira o filho amado ao sacrifício.

Seguira Isaac inocente, dilacerado de dor, atendendo a

recomendação de Jeová, mas, eis que no instante derra-

deiro, o Senhor determinou o contrário, e o pai de Israel

regressara ao santuário doméstico em soberano triunfo.

Certamente, o Deus Compassivo escutava-lhe as súplicas

e reservava-lhe júbilo igual. Jesus desceria do Calvário,

vitorioso, para o seu amor, continuando no apostolado da

redenção; no entanto, dolorosamente surpreendida, viu-o

içado no madeiro, entre ladrões.

Oh! a terrível angústia daquela hora!... Por que não

a ouvira o Poderoso Pai? Que fizera para não lhe merecer

a bênção?
Humberto de Campos25

No Calvário

Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produ-

zia dolorosa e indelével impressão. Com o pensamento

Lázara Redivivo - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb

25

52

MARIA, Mãe de Jesus

ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das perfí-

dias humanas, a ternura materna regredia ao passado em

amarguradas recordações. Ali estava, na hora extrema, o

filho bem-amado.

Maria deixava-se ir na corrente infinda das lem-

branças. Eram as circunstâncias maravilhosas em que o

nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de

Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a

assistência de Deus se tornara incontestável nos menores

detalhes de sua vida. Naquele instante supremo, revia a

manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natu-

reza parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de


glória daquela noite inolvidável. Através do véu espesso

das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infân-

cia do filho estremecido, observando o alarma interior das

mais doces reminiscências.

Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da

Providência celestial, entretanto, naquela hora, seu pen-

samento vagava também pelo vasto mar das mais afliti-

vas interrogações.

Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas?

Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o ca-

lor de seu coração? Desde os mais tenros anos, quando o

conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o cari-

nho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Frequen-

temente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde a sua pa-

lavra carinhosa consolava os transeuntes desamparados e

tristes. Viandantes misérrimos vinham à sua casa modesta

louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos

do Céu. Com que enlevo recebia os hóspedes inespera-

dos que suas mãos minúsculas conduziam à carpintaria de

53
Edison Carneiro

José!... Lembrava se bem de que, um dia, a divina criança

guiara à casa dois malfeitores publicamente reconhecidos

como ladrões do vale de Mizhep. E era de ver-se a amo-

rosa solicitude com que seu vulto pequenino cuidava dos

desconhecidos, como se fossem seus irmãos. Muitas ve-

zes, comentara a excelência daquela virtude santificada,

receando pelo futuro de seu adorável filhinho.

Depois do caricioso ambiente doméstico, era a

missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos mara-

vilhosos. Eram paralíticos que retomavam os movimentos

da vida, cegos que se reintegravam nos sagrados dons da

vista, criaturas famintas de luz e de amor que se saciavam

na sua lição de infinita bondade.

Que profundos desígnios haviam conduzido seu fi-

lho adorado à cruz do suplício?

Uma voz amiga lhe falava ao Espírito, dizendo das

determinações insondáveis e justas de Deus, que preci-

sam ser aceitas para a redenção divina das criaturas. Seu

coração rebentava em tempestades de lágrimas irreprimí-


veis, contudo, no santuário da consciência, repetia a sua

afirmação de sincera humildade: — "Faça-se na escrava a

vontade do Senhor!"

De alma angustiada, notou que Jesus atingira o úl-

timo limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos

populares mais exaltados multiplicavam as pancadas,

enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audacio-

sas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a esmo,

dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.

Em meio de algumas mulheres compadecidas, que

lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou

que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os ombros.

54

MARIA, Mãe de Jesus

Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a

pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado

os demais companheiros, lhe estendia os braços amoro-

sos e reconhecidos. Silenciosamente, o filho de Zebedeu

abraçou-se àquele triturado coração maternal. Maria dei-

xou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do


madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz

daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormen-

tos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu

vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas

duas almas em extremo desalento.

— "Meu filho! Meu amado filho!..." - exclamou a

mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de

melancolia intraduzível.

O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores,

mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradei-

ro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão

com Deus, replicou com significativo movimento dos

olhos vigilantes:

— "Mãe, eis aí teu filho!...". - E dirigindo-se, de

modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: —

"Filho, eis aí tua mãe!".

Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso,

mas o grande evangelista compreendeu que o Mestre, na

sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o

sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futu-


ro, a claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a

necessidade da cessação de todo egoísmo e que, no san-

tuário de cada coração, deveria existir a mais abundante

cota de amor, não só para o círculo familiar, senão também

para todos os necessitados do mundo, e que no templo de

55

Edison Carneiro

cada habitação permaneceria a fraternidade real, para que

a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem

precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma soli-

dariedade claudicante.

Desalentada, ferida, Maria ouvia a voz do filho, re-

comendando-a aos cuidados de João, o companheiro fiel.

Registrou-lhe, humilhada, as palavras derradeiras. Mas,

quando a sublime cabeça pendeu inerte, Maria recordou

a visita do anjo, antes do Natal Divino. Em retrospecto

maravilhoso, escutou-lhe a saudação celestial. Misteriosa

força assenhoreava-se-lhe do espirito.

Sim... Jesus era seu filho, todavia, antes de tudo,

era o Mensageiro de Deus. Ela possuía desejos humanos,


mas o Supremo Senhor guardava eternos e insondáveis

desígnios. O carinho materno poderia sofrer, contudo, a

Vontade Celeste regozijava-se. Poderia haver lágrimas

em seus olhos, mas brilhariam festas de vitória no Rei-

no de Deus. Suplicara aparentemente em vão, porquanto,

certo, o Todo-Poderoso atendera-lhe os rogos, não segun-

do os seus anseios de mãe e sim de acordo com os seus

planos divinos!...

Foi então que Maria, compreendendo a perfeição,

a misericórdia e justiça da Vontade do Pai, ajoelhou-se

aos pés da cruz e, contemplando o filho morto, repetiu as

inesquecíveis afirmações: — "Senhor, eis aqui a tua ser-

va! Cumpra-se em mim, segundo a tua palavra!"

Por muito tempo, conservaram-se ainda ali, em

preces silenciosas, até que o Mestre, exânime, fosse ar-

56

MARIA, Mãe de Jesus


rançado à cruz, antes que a tempestade mergulhasse a pai-

sagem castigada de Jerusalém num dilúvio de sombras.

Humberto de Campos26

Deus guardou-te a semente, solitário,

E aos vivos disse: — é a árvore de Maria;

Deus te plantou na hora da agonia,

E aos mortos disse: — é o cedro do calvário;

Deus teus ramos encheu de fruto vário,

E de folhas a copa alta e sombria;

Deus cobriu-te a raiz que estremecia

De suor e sangue, e o tronco de um sudário;

E deu-te bênçãos no sorrir primeiro,

E esponja e cravo e espinhos pendurou

Aos galhos no suspiro derradeiro...

Tu não podes morrer... ele expirou!

Teu tronco é um fragmento do madeiro;

Filha do Céu - Jesus ressuscitou!!

José Bonifácio (O Moço)27

Soa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb; Lázaro

26
Redivivo - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb.

Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.

27

57

Edison Carneiro

Ressurreição

Quando Jesus ressurgiu do túmulo, a negação e a

dúvida imperavam no círculo dos companheiros.

Voltaria Ele? Perguntavam perplexos. Quase im-

possível. Seria Senhor da Vida Eterna quem se entregara

na cruz, expirando entre malfeitores?

Maria Madalena, porém, a renovada, vai ao sepul-

cro de manhãzinha. E, maravilhosamente surpreendida,

vê o Mestre, ajoelhando-se-lhe aos pés. Ouve-lhe a voz

repassada de ternura, fixa-lhe o olhar sereno e magnâni-

mo. Entretanto, para que a visão se lhe fizesse mais nítida,

foi necessário organizar o quadro exterior. O jardim re-

cendia perfumes para a sua sensibilidade feminina, a se-

pultura estava aberta, compelindo-a a raciocinar. Para que


a gravação das imagens se tornasse bem clara, lavando-

lhe todas as dúvidas da imaginação, Maria julgou a prin-

cípio que via o jardineiro. Antes da certeza, a perquirição

da mente precedendo a consolidação da fé. Embriagada

de júbilo, a convertida de Magdala transmite a boa nova

aos discípulos confundidos. Os olhos sombrios de quase

todos se enchem de novo brilho.

Pedro e João acorrem, pressurosos, e ainda veem

a pedra removida, o sepulcro vazio, e apalpam os lençóis

abandonados.

No colégio dos seguidores travam-se polêmicas

discretas. Seria? Não seria?

58

MARIA, Mãe de Jesus

O Mestre lançou-lhes em rosto a incredulidade e a


dureza de coração. Exorta-os a que o vejam, o apalpem.

Tomé chega a consultar-lhe as chagas para adquirir a cer-

teza do que observa.

Em seguida, para que os velhos amigos se certifi-

quem da ressurreição, materializa-se num monte, apare-

cendo a quinhentas pessoas na Galileia. No Pentecostes, a

fim de que os homens lhe recebam o Evangelho do Reino,

organiza fenômenos luminosos e linguísticos, valendo-se

da colaboração dos companheiros, ante judeus e roma-

nos, partos e medas, gregos e elamitas, cretenses e árabes.

Maravilha-se o povo. Habitantes da Panfilia e da Líbia,

do Egito e da Capadócia ouvem a Boa Nova no idioma

que lhes é familiar.

Todos os companheiros, aprendizes, seguidores e

beneficiários solicitaram a cooperação dos sentidos físi-

cos para sentir a presença do Divino Ressuscitado. Utili-

zaram-se dos olhos mortais, manejaram o tato, aguçaram

os ouvidos...

Houve, contudo, alguém que dispensou todos os to-

ques e associações mentais, vozes e visões. Foi Maria, sua


Divina Mãe. O Filho Bem-Amado vivia eternamente, no

infinito mundo de seu coração. Seu olhar contemplava-o,

59

Edison Carneiro

através de todas as estrelas do Céu e encontrava-lhe o há-

lito perfumado em todas as flores da Terra. A voz dEle vi-

brava em sua alma e para compreender-lhe a sobrevivên-

cia bastava penetrar o iluminado santuário de si mesma.

Seu Filho - seu amor e sua vida - poderia, acaso, morrer?

E embora a saudade angustiosa, consagrou-se à fé no re-

encontro espiritual, no plano divino, sem lágrimas, sem

sombras e sem morte...

Homens e mulheres do mundo, que haveis de afron-

tar, um dia, a esfinge do sepulcro, é possível que estejais

esquecidos plenamente, no dia imediato de vossa partida,

a caminho do Mais Além. Familiares e amigos, chamados

ao imediatismo da luta humana, passarão a desconhecer-

vos, talvez, por completo. Mas, se tiverdes um coração de


mãe pulsando na Terra, regozijar-vos-eis, além da escura

fronteira de cinzas, porque aí vivereis amados e felizes

para sempre!

Humberto de Campos28

Lázaro Redivivo - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb.

28

60
MARIA, Mãe de Jesus

Na Batanéia

Após a separação dos discípulos, que se dispersa-

ram por lugares diferentes, para a difusão da Boa Nova,

Maria retirou-se para a Batanéia, onde alguns parentes

mais próximos a esperavam com especial carinho.

Os anos começaram a rolar, silenciosos e tristes,

para a angustiada saudade de seu coração.

Tocada por grandes dissabores, observou que, em

tempo rápido, as lembranças do filho amado se conver-

tiam em elementos de ásperas discussões, entre os seus


seguidores. Na Batanéia, pretendia-se manter uma certa

aristocracia espiritual, por efeito dos laços consanguíneos

que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a

José. Em Jerusalém, digladiavam-se os cristãos e os ju-

61

Edison Carneiro

deus, com veemência e acrimônia. Na Galileia, os antigos

cenáculos simples e amoráveis da Natureza estavam tris-

tes e desertos.

Para aquela mãe amorosa, cuja alma digna obser-

vava que o vinho generoso de Caná se transformara no

vinagre do martírio, o tempo assinalava sempre uma sau-

dade maior no mundo e uma esperança cada vez mais

elevada no céu.

Sua vida era uma devoção incessante ao rosário

imenso da saudade, as lembranças mais queridas. Tudo

que o passado feliz edificara em seu mundo interior re-

vivia na tela de suas lembranças, com minúcias somente

conhecidas do amor, e lhe alimentavam a seiva da vida.

Relembrava o seu Jesus pequenino, como naquela


noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços

maternais, iluminado pelo mais doce mistério. Figura-

vase-lhe escutar ainda o balido das ovelhas que vinham,

apressadas, acercar-se do berço que se formara de impro-

viso. E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz?

As reminiscências envolviam a realidade longínqua de

singulares belezas para o seu coração sensível e generoso.

Em seguida, era o rio das recordações desaguando, sem

cessar, na sua alma rica de sentimentalidade e ternura.

Nazaré lhe voltava à imaginação, com as suas paisagens

de felicidade e de luz. A casa singela, a fonte amiga, a

sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de

todos os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando,

no erguimento da mais elevada concepção de Deus, entre

os homens da Terra. De vez em quando, parecia vê-lo em

62

MARIA, Mãe de Jesus

seus sonhos repletos de esperança. Jesus lhe prometia o

júbilo encantador de sua presença e participava da carícia


de suas recordações.

Humberto de Campos29
r
Em Efeso
A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes

as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na

Batanéia, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o

refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o ofereci-

mento, com satisfação imensa.

E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se de-

finitivamente em Efeso30, onde as ideias cristãs ganhavam

terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvida-

ra as recomendações do Senhor e, no íntimo, guardava

aquele título de filiação como das mais altas expressões

de amor universal para com aquela que recebera o Mestre

nos braços veneráveis e carinhosos.

Maria escutava-lhe as confidências, num misto de

reconhecimento e de ventura.

João continuava a expor-lhe os seus planos mais

insignificantes. Levá-la-ia consigo, andariam ambos na


mesma associação de interesses espirituais. Seria seu fi-

Boa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb.

29

Cidade da Lídia, na costa ocidental da Ásia Menor.

30

63

Edison Carneiro

lho desvelado, enquanto receberia de sua alma generosa a

ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho. Demorara-

se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava

uma choupana, onde se pudessem abrigar, entretanto, um

dos membros da família real de Adiabene, convertido ao

amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul de

Efeso, distando três léguas aproximadamente da cidade.

A habitação simples e pobre demorava num promontório,

de onde se avistava o mar. No alto da pequena colina,

distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se

reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente

de Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desam-

parados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os


Espíritos de boa vontade e, como mãe e filho, iniciariam

uma nova era de amor, na comunidade universal.

Maria aceitou alegremente.

Dentro de breve tempo, instalaram-se no seio ami-

go da Natureza, em frente do oceano. Efeso ficava pouco

distante, porém, todas as adjacências se povoavam de no-

vos núcleos de habitações alegres e modestas. A casa de

João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num

ponto de assembleias adoráveis, onde as recordações do

Messias eram cultuadas por Espíritos humildes e sinceros.

Maria externava as suas lembranças. Falava dele

com maternal enternecimento, enquanto o apóstolo co-

mentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos

recebidos. Vezes inúmeras, a reunião somente terminava

noite alta, quando as estrelas tinham maior brilho. E não

foi só. Decorridos alguns meses, grandes fileiras de ne-

cessitados acorriam ao sítio singelo e generoso. A notí-

64

MARIA, Mãe de Jesus


cia de que Maria descansava, agora, entre eles, espalhara

um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao pas-

so que João pregava na cidade as verdades de Deus, ela

atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procura-

vam exibindo-lhe suas úlceras e necessidades.

Humberto de Campos31

Mãe Santíssima

Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de

"Casa da Santíssima".

O fato tivera origem em certa ocasião, quando um

miserável leproso, depois de aliviado em suas chagas, lhe

osculou as mãos, reconhecidamente murmurando:

— "Senhora, sois a mãe de nosso Mestre e nossa

Mãe Santíssima!"

A tradição criou raízes em todos os Espíritos.

Quem não lhe devia o favor de uma palavra maternal nos

momentos mais duros? E João consolidava o conceito,

acentuando que o mundo lhe seria eternamente grato,

pois fora pela sua grandeza espiritual que o Emissário de

Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do


mundo para balsamizar os sofrimentos da criatura. Na sua

humildade sincera, Maria se esquivava às homenagens

afetuosas dos discípulos de Jesus, mas aquela confiança

filial com que lhe reclamavam a presença era para sua

alma um brando e delicioso tesouro do coração. O título

Boa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier - Feb.

31

65

Edison Carneiro

de maternidade fazia vibrar em seu Espírito os cânticos

mais doces. Diariamente, acorriam os desamparados, su-

plicando a sua assistência espiritual. Eram velhos trôpe-

gos e desenganados do mundo, que lhe vinham ouvir as

palavras confortadoras e afetuosas, enfermos que invo-

cavam a sua proteção, mães infortunadas que pediam a

bênção de seu carinho.

— "Minha mãe - dizia um dos mais aflitos - como

poderei vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abando-

nado na estrada escura da vida..."


Maria lhe enviava o olhar amoroso da sua bondade,

deixando nele transparecer toda a dedicação enternecida

de seu espírito maternal.

— "Isso também passa! - dizia ela, carinhosamente

- só o Reino de Deus é bastante forte para nunca passar de

nossas almas, como eterna realização do amor celestial."

Seus conceitos abrandavam a dor dos mais deses-

perados, desanuviavam o pensamento obscuro dos mais

acabrunhados.

Humberto de Campos32

O Evangelho de Maria

Com delicadeza extrema, Paulo visitou a Mãe de

Jesus na sua casinha singela, que dava para o mar. Impres-

sionou-se fortemente com a humildade daquela criatura

Soa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier.

32

66

MARIA, Mãe de Jesus

simples e amorosa, que mais se assemelhava a um anjo


vestido de mulher. Paulo de Tarso interessou-se pelas suas

narrativas cariciosas, a respeito da noite do nascimento do

Mestre, gravou no íntimo suas divinas impressões e pro-

meteu voltar na primeira oportunidade, a fim de recolher

os dados indispensáveis ao Evangelho que pretendia es-

crever para os cristãos do futuro. Maria colocou-se à sua

disposição, com grande alegria.

O projeto deste Evangelho continuou a ser alimen-

tado, mas dificultado pelas viagens constantes do apóstolo.

Estando preso na Cesaréia, Paulo resolveu encarre-

gar Lucas da redação.

A esse tempo, o ex-doutor de Jerusalém chamou

a atenção de Lucas para o velho projeto de escrever

uma biografia de Jesus, valendo-se das informações

de Maria; lamentou não poder ir a Efeso, incumbindo-

-o desse trabalho, que reputava de capital importância

para os adeptos do Cristianismo. O médico amigo sa-

tisfez-lhe integralmente o desejo, legando à posterida-

de o precioso relato da vida do Mestre, rico de luzes e

esperanças divinas.
Emmanuel33

Por isso o Evangelho de Lucas é também conheci-

do como o Evangelho de Maria.

Paulo e Estêvão - Emmanuel/Francisco Cândido Xavier.

33
67
Edison Carneiro

Despedidas de Paulo

Paulo dirige-se a Jerusalém, onde será preso, segun-

do predições de vozes amigas, porém o corajoso apóstolo,

segue resoluto para o testemunho.

Resolve, entretanto, fazer a viagem em etapas, des-

pedindo-se das igrejas que tanto amava.

Em todas as praias eram gestos comovedores,

adeuses amargurosos. Em Efeso, porém, a cena foi

muito mais triste, porque o Apóstolo solicitara o com-

parecimento dos anciãos e dos amigos, para falar-lhes

particularmente ao coração. Não desejava desembar-

car, no intuito de prevenir novos conflitos que lhe re-

tardassem a marcha, mas, em testemunho de amor e

reconhecimento, a comunidade em peso lhe foi ao en-

contro, sensibilizando-lhe a alma afetuosa.

A própria Maria, avançada em anos, acorrera de

longe em companhia de João e outros discípulos, para le-


var uma palavra de amor ao paladino intimorato do Evan-

gelho de seu Filho. Os anciãos receberam-no com ardoro-

sas demonstrações de amizade, as crianças ofereciam-lhe

merendas e flores.

Extremamente comovido, Paulo de Tarso prelecio-

nou em despedida e, quando afirmou o pressentimento de

que não mais ali voltaria em corpo mortal, houve grandes

explosões de amargura entre os efésios.

Como que tocados pela grandeza espiritual daquele

momento, quase todos se ajoelharam no tapete branco da

68

MARIA, Mãe de Jesus

praia e pediram a Deus que protegesse o devotado bata-

lhador do Cristo. Recebendo tão belas manifestações de

carinho, o ex-rabino abraçou, um por um, de olhos molha-

dos. A maioria atirava-se-lhe nos braços amorosos, solu-

çando, beijando-lhe as mãos calosas e rudes. Abraçando,

por último à Mãe Santíssima, Paulo tomou-lhe a destra e

nela depôs um beijo de ternura filial.


Emmanuel34

Paulo e Estêvão - Emmanuel/Francisco Cândido Xavier.

34

69

Edison Carneiro

Indo ao Céu

A igreja de Efeso exigia de João a mais alta ex-

pressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do

tempo, quase sempre Maria estava só, quando a legião hu-

milde dos necessitados descia o promontório desataviado,

rumo aos lares mais confortados e felizes. Os dias e as


semanas, os meses e os anos passaram incessantes, trazen-

do-lhe as lembranças mais ternas. Quando sereno e azula-

do, o mar lhe fazia voltar à memória o Tiberíades distante.

Surpreendia no ar aqueles perfumes vagos que enchiam a

alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante

se esquecia, reunindo os discípulos amados, transmitia ao

coração do povo as louçanias da Boa Nova. A velhice não

lhe acarretara nem cansaços nem amarguras. A certeza da

proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo.

Como quem transpõe o dia em labores honestos e provei-

tosos, seu coração experimentava grato repouso, ilumina-

do pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da

crença imorredoura. Suas meditações eram suaves coló-

quios com as reminiscências do filho muito amado.

70

MARIA, Mãe de Jesus

Súbito recebeu notícias de que um período de dolo-

rosas perseguições se havia aberto para todos os que fos-

sem fiéis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos

banidos de Roma traziam a Efeso as tristes informações.


Em obediência aos éditos mais injustos, escravizavam-

se os seguidores do Cristo, destruíam-se-lhes os lares,

metiam-nos a ferros nas prisões. Falava-se de festas pú-

blicas, em que seus corpos eram dados como alimento a

feras insaciáveis, em horrendos espetáculos.

Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-

se às orações, como de costume, pedindo a Deus por to-

dos aqueles que se encontrassem em angústias do cora-

ção, por amor de seu filho.

Embora a soledade do ambiente, não se sentia só:

uma força singular lhe banhava a alma toda. Aragens su-

aves sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite

que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos

minutos, a lua plena participava, igualmente, desse con-

certo de harmonia e de luz.

Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproxi-

marse o vulto de um pedinte.

— Minha mãe - exclamou o recém-chegado, como

tantos outros que recorriam ao seu carinho -, venho fazer-

te companhia e receber a tua bênção.


Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressio-

nada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia.

O peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamen-

te. Comentou as bem-aventuranças divinas que aguardam

a todos os devotados e sinceros filhos de Deus, dando a

71

Edison Carneiro

entender que lhe compreendia as mais ternas saudades do

coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpre-

sa. Que mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores

secretas da alma saudosa, com bálsamos tão dulçorosos?

Nenhum lhe surgira até então para dar, era sempre para

pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desco-

nhecido lhe derramava no íntimo as mais santas conso-

lações. Onde ouvira noutros tempos aquela voz meiga e

carinhosa?! Que emoções eram aquelas que lhe faziam

pulsar o coração de tanta carícia? Seus olhos se umedece-

ram de ventura, sem que conseguisse explicar a razão de

sua terna emotividade.

Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as


mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor:

— "Minha mãe, vem aos meus braços!".

Nesse instante, fitou as mãos nobres que se lhe ofe-

reciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de co-

moção profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu

filho revelava na cruz e, instintivamente, dirigindo o olhar

ansioso para os pés do peregrino amigo, divisou também

aí as úlceras causadas pelos cravos do suplício. Não pôde

mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe en-

viava ao coração, bradou com infinita alegria:

—"Meu filho! meu filho! as úlceras que te fizeram!..."

E precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e

desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora

produzida pelo último lançaço, perto do coração. Suas

mão ternas e solícitas o abraçaram na sombra visitada

72

MARIA, Mãe de Jesus

pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que tantas

lágrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga la-


teral também lá estava, sob a carícia de suas mãos. Não

conseguiu dominar o seu intenso júbilo. Num ímpeto de

amor, fez um movimento para se ajoelhar. Queria abra-

çar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele,

porém, levantando-a, cercado de um halo de luz celestial,

se lhe ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos, disse em

carinhoso transporte:

— "Sim, minha mãe, sou eu!... Venho buscar-te,

pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos

Anjos...".

Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura.

Queria dizer da sua felicidade, manifestar seu agradeci-

mento a Deus; mas o corpo como que se lhe paralisara,

enquanto aos seus ouvidos chegavam os ecos suaves da

saudação do Anjo, qual se a entoassem mil vozes caricio-

sas, por entre as harmonias do céu.

No outro dia, dois portadores humildes desciam a

Efeso, de onde regressaram com João, para assistir aos

últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe

Santíssima.
Maria já não falava. Numa inolvidável expressão

de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura

dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.

Humberto de Campos35

Boa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier.

35

73

Edison Carneiro

Rainha dos Anjos

A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz

quando aquela alma eleita se elevou da Terra, onde tantas

vezes chorara de júbilo, de saudade e de esperança. Não

mais via seu filho bem-amado, que certamente a espe-

raria, com as boas-vindas, no seu reino de amor; mas,

extensas multidões de entidades angélicas a cercavam

cantando hinos de glorificação.

Experimentando a sensação de se estar afastando

do mundo, desejou rever a Galileia com os seus sítios pre-

feridos. Bastou a manifestação de sua vontade para que a

conduzissem à região do lago de Genesaré, de maravilho-


sa beleza. Reviu todos os quadros do apostolado de seu

filho e, só agora, observando do alto a paisagem, notava

que o Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava

a forma quase perfeita de um alaúde. Lembrou-se, então,

de que naquele instrumento da Natureza Jesus cantara o

mais belo poema de vida e amor, em homenagem a Deus

e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do Jordão

marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do

cântico evangélico.

Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já

a caravana espiritual se dispunha a partir, quando Maria

se lembrou dos discípulos perseguidos pela crueldade do

mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das som-

bras, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus.

Emitindo esse pensamento, imprimiu novo impulso às

multidões espirituais que a seguiam de perto. Em poucos

instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e maravi-

lhosa, espalhada sobre colinas enfeitadas de carros e monu-

74

MARIA, Mãe de Jesus


mentos que lhe provocavam assombro. Os mármores mais

ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as

liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias

e peles, sustentadas por misérrimos escravos. Mais alguns

momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada

a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cár-

ceres do Esquilino, onde centenas de rostos amargurados

retratavam padecimentos atrozes. Os condenados experi-

mentaram no coração um consolo desconhecido.

Maria se aproximou de um a um, participou de

suas angústias e orou com suas preces, cheias de sofri-

mento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembleia de

torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a claridade

misericordiosa de seu Espírito entre aquelas fisionomias

pálidas e tristes.

Eram anciãos que confiavam no Cristo, mulheres

que por ele haviam desprezado o conforto do lar, jovens

que depunham no Evangelho do Reino toda a sua espe-

rança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sin-

ceramente desejou deixar-lhes nos Espíritos abatidos uma


lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria su-

plicar a Deus para eles a liberdade?! Mas, Jesus ensinara

que com Ele todo jugo é suave e todo fardo seria leve, pa-

recendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa

liberdade nos desvões do mundo. Recordou que seu filho

deixara a força da oração como um poder incontrastável

entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe

desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimi-

dos a força da alegria. Foi quando, aproximando-se de

uma jovem encarcerada, de rosto descarnado e macilento,

lhe disse ao ouvido:

75

Edison Carneiro

— "Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!...

Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o

Céu!..."

A triste prisioneira nunca saberia compreender o

porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o


coração. De olhos estáticos, contemplando o firmamento

luminoso, através das grades poderosas, ignorando a ra-

zão de sua alegria, cantou um hino de profundo e enter-

necido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas

dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas

amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança.

Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado

pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere,

aguardando o glorioso testemunho.

Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do

Mestre a bendita entre as mulheres e, desde esse dia, nos

tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm cantado

na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria,

guardando a suave herança de Nossa Mãe Santíssima.

Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o

cântico nos templos das diversas famílias religiosas do

Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um

brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espa-

lhe aí o seu perfume!

Humberto de Campos36
Boa Nova - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier.

36

76
2a PARTE
MARIA, M ã e de Jesus

rosa lucida

Depois de muito tempo,

Sobre os quadros sombrios do calvário,

Judas, cego no além, errava solitário...

Era triste a paisagem,

O céu era nevoento...

Cansado de remorso e sofrimento,


Sentara-se a chorar...

Nisso, nobre mulher de planos superiores,

Nimbada de celestes esplendores,

Que ele não conseguia divisar,

Chega e afaga a cabeça do infeliz.

Em seguida, num tom de carinho profundo,

Quase que, em oração, ela lhe diz:

— Meu filho, por que choras?

Acaso, não sabeis? - replica o interpelado,

Claramente agressivo,

79

Edison Carneiro

Sou um morto e estou vivo.

Matei-me e novamente estou de pé,

Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé...

Não ouvistes falar em Judas, o traidor?

Sou eu que aniquilei a vida do Senhor...

A princípio, julguei

Poder fazê-lo rei,

Mas apenas lhe impus


Sacrifício, martírio, sangue e cruz.

E em flagelo e aflição

Eis a que a minha vida agora se reduz...

Afastai-vos de mim,

Deixai-me padecer neste inferno sem fim...

Nada me pergunteis, retirai-vos senhora,

Nada sabeis da mágoa que me agita,

Nunca penetrareis minha dor infinita...

O assunto que lastimo é unicamente meu...

No entanto, a dama calma respondeu:

— Meu filho, sei que sofres, sei que lutas,

Sei a dor que te causa o remorso que escutas,

Venho apenas falar-te

Que Deus é sempre amor em toda parte...

E acrescentou serena:

— A Bondade do Céu jamais condena;

Venho por mãe a ti, buscando um filho amado.

Sofre com paciência a dor e a prova;

Terás, em breve, uma existência nova...

Não te sintas sozinho ou desprezado.


80

MARIA, Mãe de Jesus

Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:

— Mãe? Não me venhais aqui com mentira

e sarcasmo.

Depois de me enforcar num galho de figueira,

Para acordar na dor,

Sem mais poder fugir à vida verdadeira,

Fui procurar consolo e força de viver

Ao pé da pobre mãe que me forjara o ser!

Ela me viu chorando e escutou meus lamentos,

Mas teve medo de meus sofrimentos.

Expulsou-me a esconjuros,

Chamou-me monstro, por sinal,

Disse que eu era

Unicamente o Espírito do mal;

Intimou-me a terrível retrocesso,

Mandando que apressasse o meu regresso

Para a zona infernal, de onde, por certo, eu vinha...

Ah! detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha...


Não me faleis de mães, não me faleis de amor,

Sou apenas um monstro sofredor...

— Inda assim - disse a dama docemente -

Por mais que me recuses, não me altero;

Amo-te, filho meu, amo-te e quero

Ver-te, de novo, a vida

Maravilhosamente revestida

De paz e luz, de fé e elevação...

Virás comigo à Terra,

Perderás, pouco a pouco, o ânimo violento,

Terás o coração

Nas águas de bendito esquecimento.


81

Edison Carneiro

Numa nova existência de esperança,

Levar-te-ei comigo

A remansoso abrigo,

Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!...

E Judas, nesse instante,

Como quem olvidasse a própria dor gigante

Ou como quem se desagarra de pesadelo atroz

Perguntou: — Quem sois vós?

Que me falais assim, sabendo-me traidor?

Sois divina mulher, irradiando amor

Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!...

No entanto, ela a fitá-lo, frente a frente,

Respondeu simplesmente:

— Meu filho, eu sou Maria, sou a mãe de Jesus.

Maria Dolores

Momentos de Ouro - Francisco Cândido Xavier/Espíritos Diversos -


37

Geem.

82

MARIA, Mãe de Jesus

Maria mantém no plano espiritual inúmeras orga-


nizações; uma delas é Legião dos Servos de Maria; Cami-

lo Castelo Branco destacado escritor português do século

XIX tendo cometido suicídio foi socorrido amorosamente

pela Legião dos Servos de Maria e posteriormente trans-

mitiu através da médium Yvonne A. Pereira notícias dessa

obra benemérita da Mãe de Jesus.38

Nessas instituições podemos reconhecer o amor

maternal da Mãe de Jesus que é, a medida que mais se ob-

serva, mais abrangente; uma imagem dessa abrangência é

a dos braços maternais que abraçam o bebê de encontro

ao seio, envolvendo-o por completo.

É um amor materno que acrescenta energia ao cari-

nho; ao zelo com a habitação confortável, vestuário limpo,

Todos os textos citados neste capítulo são extraídos do livro Memórias de

38

um Suicida, Yvonne A. Pereira - Feb.

83

Edison Carneiro

alimentação saborosa e saudável a Mãe Santíssima soma

a disciplina indispensável; à corrigenda educativa, tão ne-


cessária a quem se habitua ao mal, Maria adiciona a espe-

rança e a certeza do triunfo final do bem.

Não a encontraremos em corpo espiritual com

frequência nesses lugares, mesmo porque sua presença

portentosa distrairia os obreiros de suas obrigações roti-

neiras, mas a cada passo, em cada processo, nos meno-

res detalhes, a sua influência e as suas orientações estão

presentes.

Acompanhemos através do olhar de Camilo, Espí-

rito em sofrimento na época, flashes dos personagens e do

cenário do plano espiritual onde se desenvolvem os traba-

lhos caritativos desses trabalhadores do bem, cujo ideal

é servirem a Maria, pois dessa forma estarão servindo a

Jesus e servindo a Deus.

O Vale dos Suicidas

Depois do suicídio, enfrentando atrozes sofrimen-

tos, Camilo foi conduzido ao Vale dos Suicidas, região de

muitas dores do plano espiritual que abriga aqueles que

tentaram pôr fim à própria vida.

Vejamos os personagens desse vale de sofrimen-


tos: Sim! Imaginai uma assembleia numerosa de criatu-

ras disformes - homens e mulheres - caracterizada pela

alucinação de cada uma, correspondente a casos íntimos,

trajando, todos, vestes como que empastadas do lodo das

sepulturas, com feições alteradas e doloridas estampan-

84

MARIA, Mãe de Jesus

do os estigmas de sofrimentos cruciantes! Imaginai uma

localidade, uma povoação envolvida em densos véus de

penumbras,gélida e asfixiante, onde se aglomerassem

habitantes de além-túmulo abatidos pelo suicídio, osten-

tando, cada um, o ferrete infame do gênero de morte es-

colhido no intento de ludibriar a Lei Divina - que lhes

concedera a vida corporal terrena como precioso ensejo

de progresso, inavaliável instrumento para a remissão de

faltas gravosas no pretérito.

O cenário:

De outras vezes, tateando nas sombras, lá íamos,

por entre gargantas, vielas e becos, sem lograrmos indício

de saída... Cavernas, sempre cavernas - todas numeradas


-; ou longos espaços pantanosos quais lagos lodosos cir-

culados de muralhas abruptas, que nos afiguravam levan-

tadas em pedra e ferro, como se fôramos sepultados vivos

nas profundas tenebrosidades de algum vulcão! Era um

labirinto onde nos perdíamos sem podermos jamais al-

cançar o fim!

1 Porém, mesmo em lugar tão terrível, a misericórdia

de Deus se manifesta:

Periodicamente, singular caravana visitava esse

antro de sombras:

Era como a inspeção de alguma associação carido-

sa, assistência protetora de instituição humanitária, cujos

abnegados fins não se poderiam pôr em dúvida.

Vinha à procura daqueles dentre nós cujos fluidos

vitais arrefecidos pela desintegração completa da matéria,

85

Edison Carneiro

permitissem locomoção para as camadas do Invisível in-

termediário, ou de transição.

Supúnhamos tratar-se, a caravana, de um grupo de


homens. Mas na realidade eram Espíritos que estendiam

a fraternidade...

Senhoras faziam parte dessa caravana. Precedia,

porém, a coluna, pequeno pelotão de lanceiros, qual bate-

dor de caminhos, ao passo que vários outros milicianos da

mesma arma rodeavam os visitadores, como tecendo um

cordão de isolamento, o que esclarecia serem estes muito

bem guardados contra quaisquer hostilidades que pudes-

sem surgir do exterior. Com a destra o oficial comandante

erguia alvinitente flâmula, na qual se lia, em caracteres

também azul-celeste, esta extraordinária legenda, que ti-

nha o dom de infundir insopitável e singular temor:

Legião dos servos de Maria.

Entravam aqui e ali, pelo interior das cavernas habi-

tadas, examinando seus ocupantes. Curvavam-se, cheios

de piedade, junto das sarjetas, levantando aqui e acolá al-

gum desgraçado tombado sob o excesso de sofrimento;

retiravam os que apresentassem condições de poderem

ser socorridos e colocavam-nos em macas conduzidas por

varões que se diriam serviçais ou aprendizes.


O Hospital Maria de Nazaré

Passaram-se os anos e finalmente Camilo tem con-

dições de ser socorrido e é transferido para o hospital

Maria de Nazaré.

86

MARIA, Mãe de Jesus

Um dia, profundo alquebramento sucedeu em meu

ser a prolongada excitação. Fraqueza insólita conservou-

me aquietado, como desfalecido...

O conhecido rumor aproximava-se cada vez mais...

Saímos de um salto para a rua... Vielas e praças encheram-

se de réprobos como das passadas vezes, ao mesmo tempo

que os mesmos angustiosos brados de socorro ecoavam

pelas quebradas sombrias, no intuito de despertarem a

atenção dos que vinham para a costumeira vistoria...

Até que, dentro da atmosfera densa e penumbro-

sa, surgiram os carros brancos, rompendo as trevas com

poderosos holofotes.

De súbito ressoou na atmosfera dramática daquele


inferno onde tanto padeci, repercutindo estrondosamen-

te pelos mais profundos recôncavos do meu ser, o meu

nome, chamado para a libertação! ...

— Abrigo número 36 da rua número 48 - Aten-

ção!... Abrigo número 36 - Ingressar no comboio de so-

corro - atenção!... - Camilo Cândido Botelho - Belarmino

de Queiroz e Souza - Jerônimo de Araújo Silveira - João

d'Azevedo - Mario Sobral - Ingressarem no comboio...39

Entrei... nas portas de entrada lia-se a legenda en-

trevista antes, na flâmula empunhada pelo comandante do

pelotão de guardas:

Legião dos Servos de Maria.

Perdoar-me-á o leitor o não transcrever na íntegra os nomes destes per-

39

sonagens, tal como foram revelados pelo autor destas páginas. (Nota da

médium Yvonne A. Pereira)

87

Edison Carneiro

Depois de algum tempo de marcha, durante o qual

tínhamos a impressão de estar vencendo grandes distân-


cias, vimos que foram descerradas as persianas, facul-

tando-nos possibilidade de distinguir, no horizonte ainda

afastado, severo conjunto de muralhas fortificadas, en-

quanto pesada fortaleza se elevava impondo respeitabili-

dade e temor na solidão de que se cercava.

Muralhas ameaçadoras, a fortaleza grandiosa,

padrão das velhas fortificações medievais, tendo por

detalhe primordial meia dúzia de torres, cujas linhas

grandemente sugestivas despertariam a atenção de quem

por ali transitasse.

Vista, a distância, a edificação apavorava, suge-

rindo rigores e disciplinas austeras...Assaltou-nos tal im-

pressão de poder, grandeza e majestade que nos sentimos

ínfimos, acovardados só no avistá-la.

Aproximando-se cada vez mais, o comboio final-

mente estacou fronteiro a um grande portão, que seria a

entrada principal.

Para além da cornija, caprichosamente trabalhada,

e urdida em letras artísticas e graúdas, lia-se em idio-

ma português esta inscrição já nossa conhecida, a qual,


como por encanto, serenou nossa agitação logo que a

descobrimos:

Legião dos Servos de Maria.

Seguindo-se esta indicação que, emocionante,

compeliu-nos a novas apreensões:

Colônia Correcional.

88

MARIA, Mãe de Jesus

Não faltava à fortaleza nem mesmo a defesa exte-

rior de um fosso. Uma ponte desceu sobre ele e o com-

boio venceu o empecilho fazendo-nos ingressar definiti-

vamente nessa Colônia, não isentados, porém, de sérias

preocupações quanto ao futuro que nos aguardava. De

entrada, notamos pelas imediações numerosos militares,

qual se ali se aquartelasse um regimento. Entretanto, es-

tes muito se assemelhavam aos antigos soldados egípcios

e hindus, o que muito nos admirou. Sobre o pórtico da

torre principal lia-se esta outra inscrição, parecendo-nos

tudo muito interessante, como um sonho que nos cumu-

lasse de incertezas:
Torre de Vigia.
Passamos sem estacionar por essa grande praça mi-

litar, certo de que se trataria de uma fortificação guerreira

idêntica às da Terra, conquanto revestida de indefinível

nobreza, inexistente nas congêneres que conhecêramos

através da Europa, pois não poderíamos então, avaliar a

verdadeira finalidade da sua existência naquelas regiões

desoladas do Invisível inferior, cercada de perigos bem

mais sérios do que os que poderíamos presumir.

Com surpresa verificamos que entrávamos em ci-

dade movimentadíssima, conquanto recoberta por exten-

sos véus de neve, ou cerração pesada. Não fazia, porém,

frio intenso, o que nos surpreendeu, e o sol, mostrando-se

a medo entre a cerração, deixava ocasião não só para nos

aquecermos, mas também para distinguirmos o que hou-

vesse em derredor.

89

Edison Carneiro

Edifícios soberbos impunham-se à apreciação,


apresentando o formoso estilo português clássico, que

tanto nos falava à alma. Indivíduos atarefados, neles en-

travam e deles saíam em afanosa movimentação, todos

uniformizados com longos aventais brancos, ostentando

ao peito a cruz azul-celeste ladeada pelas iniciais: LSM.

Dir-se-iam edifícios, ministérios públicos ou

departamentos. Casas residenciais alinhavam-se, gra-

ciosas e evocativas na sua estilização nobre e superior,

traçando ruas artísticas que se estendiam laqueadas de

branco, como que asfaltadas de neve. A frente de um

daqueles edifícios parou o comboio e fomos convidados

a descer. Sobre o pórtico definia-se sua finalidade em

letras visíveis:

Departamento de Vigilância.

Tratava-se da sede do Departamento onde seríamos

reconhecidos e matriculados pela direção, como internos

da Colônia. Daquele momento em diante estaríamos sob

a tutela direta de uma das mais importantes agremiações

pertencentes à Legião chefiada pelo grande Espírito Maria

de Nazaré, ser angélico e sublime que na Terra mereceu


a missão honrosa de seguir, com solicitudes maternais,

Aquele que foi o redentor dos homens!

Conduzidos a um pátio extenso e nobre, que lem-

braria antigos claustros de Portugal, fomos em seguida

transportados em pequenos grupos de 10 individualida-

des, para determinado gabinete onde vários funcionários

colaboravam nos trabalhos de registro. Ali deixaríamos a

identidade terrena, bem assim as razões que nos induzi-

ram ao suicídio, o gênero do mesmo como o local em que

jazeram os despojos.

90

MARIA, Mãe de Jesus

Dentro em pouco, entregues a novos servidores,

cujas operosidades se desenrolavam aquém dos muros

da instituição, fomos compelidos ao ingresso em novos

meios de transporte, que tudo indicava serem para uso dos

perímetros internos, porquanto nos cumpria continuar a

marcha, iniciada desde o Vale.

Nossas viaturas agora eram leves e graciosas, quais

trenós ligeiros e confortáveis, puxados pelas mesmas ad-


miráveis parelhas de cavalos normandos, e com capacida-

de para dez passageiros cada um. Ao cabo de uma hora de

corrida moderada, durante a qual deixávamos para trás o

bairro da Vigilância, penetrando, por assim dizer, o cam-

po, porque avançando para região despovoada, conquanto

as estradas se apresentassem caprichosamente projetadas,

orladas de arbustos níveos quais flores dos Alpes, avista-

mos grandes marcos, como arcos de triunfo, assinalando

o ingresso em novo Departamento, nova província dessa

Colônia Correcional localizada nas fronteiras invisíveis

da Terra com a Espiritualidade propriamente dita.

Com efeito. Lá estava a indicação necessária entes-

tando a arcada principal, norteando o recém-chegado por

auxiliá-lo no esclarecimento de possíveis dúvidas:

D e p a r t a m e n t o Hospitalar.

A um e outro lado destacavam-se outras em que

setas indicavam o início de novos trajetos, enquanto no-

vas inscrições satisfaziam a curiosidade ou necessidade

do viajante:

A direita - Manicômio.
A esquerda - Isolamento.

91

Edison Carneiro

Nossos condutores fizeram-nos ingressar pela do

centro, onde também se lia, em sub-título:

Hospital Maria de Nazaré.

Imenso parque ajardinado surpreendeu-nos para

além dos marcos, enquanto amplos edifícios se elevavam

em locais aprazíveis da situação. Padronizando sempre

o estilo português clássico, esses edifícios apresentavam

muita beleza e amplas sugestões com suas arcadas, co-

lunas, torres, terraços, onde flores trepadeiras se enros-

cavam acentuando agradável estética. Para quem, como

nós, angustiados e miseráveis, procedia das atrasadas

regiões, semelhante localidade, não obstante insulsa,

graças à inalterável brancura, aparecia como suprema

esperança de redenção! E nem faltavam, aformoseando

o parque, tanques com repuxos artísticos a esguicharem

água límpida e cristalina, a qual tombava em silêncio,

cascateando mimosas gotas como pérolas, enquanto aves


mansas, bando de pombos graciosos esvoaçavam ligeiros

entre açucenas.

Ao contrário das demais dependências hospitala-

res, como o Isolamento e o Manicômio, o Hospital Ma-

ria de Nazaré, ou "Hospital Matriz", não se rodeava de

qualquer barreira. Apenas árvores frondosas, tabuleiros

de açucenas e rosas teciam-lhe graciosas muralhas. Mui-

tas vezes pensei, quando dos meus dias de convalescença,

como seria arrebatadora a paisagem se a policromia na-

tural rompesse o sudário níveo que tudo aquilo envolvia

entristecendo o ambiente de incorrigível monotonia!

Fatigados, sonolentos e tristes, subimos a esca-

daria. Grupos de enfermeiros atenciosos, todos homens,

92

MARIA, Mãe de Jesus

chefiados por dois jovens trajados à indiana, assistentes

do diretor do departamento, os quais mais tarde soubemos

chamarem-se Romeu e Alceste, receberam-nos das mãos

dos funcionários da Vigilância incumbidos, até então, da

nossa guarda, e, amparando-nos, bondosamente, conduzi-


ram-nos ao interior.

Penetramos galerias magníficas, ao longo das quais

portas largas e envidraçadas, com caixilhos levemente

azuis, deixavam ver o interior das enfermarias, o que vi-

nha esclarecer que o enfermo jamais se reconheceria a sós.

Nossos grupos separaram-se à indicação dos enfermeiros:

dez à direita... dez à esquerda... Cada dormitório continha

dez leitos alvíssimos e confortáveis, amplos salões com

balcões para o parque. Forneceram-nos, caridosamente,

banho, vestuário hospitalar, o que nos proporcionou lágri-

mas de reconhecimento e satisfação. A cada um de nós foi

servido delicioso caldo, tépido, reconfortante, em pratos

tão alvos quanto os lençóis e cada um sentiu o sabor da-

quilo que lhe apetecia. Fato singular: enquanto fazíamos

a refeição frugal, era o lar paterno que acudia às nossas

lembranças, as reuniões em família, a mesa da ceia, o

doce vulto de nossas mães servindo-nos, a figura austera

do pai à cabeceira... E lágrimas indefiníveis se mistura-

ram ao alimento reconfortador...

Num ângulo favorável aos dez leitos uma lareira


aquecia o recinto, proporcionando-nos reconforto. E aci-

ma, suspensa ao alto da parede, que se diria estruturada

em porcelana, fascinante tela em cores, luminosa e como

que animada de vida e inteligência, despertou nossa aten-

ção tão logo transpusemosos acolhedores umbrais. Era um

93

Edison Carneiro

quadro da Virgem de Nazaré, algo semelhante ao célebre

painel de Murilo, que eu tão bem conhecia, mas sublima-

do por virtuosidades inexistentes entre os gênios da Terra!

Ao terminarmos a refeição, eis que dois varões

hindus entraram em nosso compartimento, apresentan-

do particularidades que os deixavam reconhecer como

médicos. Faziam-se acompanhar de dois outros varões,

os quais deveriam acompanhar-nos durante toda a nossa

hospitalização, pois eram responsáveis pela enfermaria

que ocupávamos. Chamavam-se estes Carlos e Roberto

de Canalejas, eram pai e filho respectivamente, e, quan-

do encarnados, haviam sido médicos espanhóis na Ter-

ra. Era, no entanto, imperfeitamente que a todos eles


percebíamos, dado o estado de debilidade em que nos

encontrávamos. Dir-se-ia que sonhávamos, e o que vi-

mos narrando ao leitor só podia ser-nos entrevisto como

durante as oscilações do sonho...

Não obstante, os hindus aproximaram-se de cada

um dos leitos, falaram docemente a cada um de nós, apu-

seram sobre nossas cabeças atormentadas as mãos delica-

das e tão níveas que se diriam translúcidas, acomodaram

nossas almofadas, obrigando-nos ao repouso; cobriram-

nos paternalmente, aconchegando cobertores aos nossos

corpos enregelados, enquanto murmuravam em tonali-

dades tão carinhosas e sugestivas, que pesada sonolência

nos venceu imediatamente:

"—Necessitais de repouso... Repousai sem receio,

meus amigos... Sois todos hóspedes de Maria de Nazaré,

a doce Mãe de Jesus...Esta casa é dela..."

E se conosco assim procederam, outros assistentes,

certamente, o mesmo fizeram em torno dos demais com-

ponentes da trágica falange recolhida pelo Amor de Deus!

94
MARIA, Mãe de Jesus

No dia seguinte...

"— Meus amigos, chamam-me Joel Steel, sou-

ou fui, como queiram - português nato, mas de origem

inglesa. Em verdade o velho Portugal foi sempre muito

querido ao meu coração... Jamais pude esquecer os dias

venturosos que em seu seio generoso passei... Fui feliz

em Portugal... mas depois... os fados me arrastaram para

o País de Gales, berço natal de minha querida mãe, Dóris

Mary Steel da Costa, e então... Bem, é como compatriota

e amigo que vos convido ao gabinete cirúrgico a fim de

serdes submetidos aos necessários exames, pois que se

iniciaram neste momento os trabalhos de cirurgia..."

Prontificamo-nos, esperançados. Não desejávamos

outra coisa desde muito tempo! As dores que sentíamos,

nossa indisposição geral, refletindo penosamente o que

ocorrera com o corpo físico-material, havia muito que nos

fazia ansiar pela presença de um facultativo.

Mário e João, cujo estado era melindroso, foram

transportados em macas, enquanto os demais seguiam am-


parados pelos braços fraternos dos enfermeiros bondosos.

Pude então distinguir algo dessa casa magnâni-

ma assistida pela carinhosa proteção da excelsa Mãe do

Nazareno.

Não somente o excelente conjunto arquitetônico

seria digno de admiração. Também a montagem, o gran-

dioso aparelhamento, conjunto de peças extraordinárias,

apropriadas à necessidade de clínica no astral, demons-

trando o elevado grau que atingira a Medicina entre nos-

sos tutelares, muito embora se não tratasse, o local onde

nos encontrávamos, de zona adiantada da Espiritualidade.

95

Edison Carneiro

Médicos dedicados e diligentes atendiam com fra-

ternas solicitudes aos míseros necessitados dos seus servi-

ços e proteção. Estampavam-se em suas fisionomias bon-

dosas o compassivo interesse do ser superior pelo mais

frágil, da inteligência esclarecida pelo irmão infeliz ain-

da mergulhado nas trevas da ignorância. Entretanto, nem

todos trajavam uniformes à indiana. Muitos envergavam


longos aventais vaporosos e alvíssimos, quais túnicas sin-

gulares, de tecido fosforescente...

Não assisti ao que foi passado com meus compa-

nheiros de desdita. Mas, quanto a mim, em chegando ao

pavilhão reservado aos labores assistenciais, fui trans-

ferido dos cuidados de Joel Steel para o jovem doutor

Roberto de Canalejas, o qual me encaminhou para de-

terminada dependência, onde minha organização físico-

espiritual - o perispírito - foi submetida a minuciosos

e importantes exames. Carlos de Canalejas, pai do pre-

cedente, ancião venerável, antigo facultativo espanhol

que fizera da Medicina um sacerdócio, página heróica de

abnegação e caridade digna do beneplácito do Médico

Celeste, e mais um dos psiquistas hindus que nos socor-

reram à chegada - Rosendo -, foram os meus assistentes.

Roberto passou então a assistir ao importante labor qual

doutorando às lições dos mestres nos santuários da Ci-

ência, o que vinha esclarecer encontrar-se ele ainda em

aprendizado na Medicina local.

A minha organização astral prestaram socorros


físicos-astrais justamente nas regiões correspondentes às

que, no envoltório físico-terreno, foram dilaceradas pelo

projétil de arma de fogo de que utilizara para o suicídio,

ou seja, os aparelhos faríngico, auditivo, visual e cerebral,

96

MARIA, Mãe de Jesus

pois o ferimento atingira toda essa melindrosa região do

meu infeliz envoltório carnal.

Era como se eu, quando homem encarnado (e real-

mente assim fora, assim é com todas as criaturas) possuís-

se um segundo corpo, molde, modelo do que fora destruí-

do pelo ato brutal do suicídio; como se eu fora "duplo" e o

segundo corpo, possuindo a faculdade de ser indestrutível,

se ressentisse, no entanto, do quanto sucedesse ao primiti-

vo, qual se estranhas propriedades acústicas sustentassem

repercussões vibratórias capazes de se prolongarem por

indeterminado prazo, fazendo enfermar aquele.

Sei que os tecidos semimateriais das regiões já ci-

tadas do meu perispírito, profundamente afetadas, rece-

beram sondagens de luz, banhos de propriedades mag-


néticas, bálsamos quintessenciados, intervenções de

substâncias luminosas extraídas dos raios solares, que

deles extraíram fotografias e mapas movediços, sonoros,

para análise especiais, que tais fotografias e mapas mais

tarde seriam encaminhadas à "Seção de Planejamento

de Corpos Físicos" do Departamento de Reencarnação,

para estudos concernentes à preparação da nova vestidu-

ra carnal que me caberia para o retorno aos testemunhos

e expiações na terra, aos quais julgara poder furtar-me

com o tresloucado gesto que tivera. Sei que, submetido

ao estranho tratamento, envolvido em aparelhos sutis,

luminosos, transcendentes, permaneci uma hora, du-

rante a qual o velho doutor de Canalejas e o cirurgião

hindu desvelaram-se carinhosamente, reanimando-me

com palavras encoraj adoras, exortando-me à confiança

no futuro, à esperança no Supremo Amor de Deus! E

sei também que causei trabalhos árduos, mesmo fadigas

97

Edison Carneiro

àqueles abnegados servos do Bem; que exigi preocupa-


ções, obrigando-os a devotamentos profundos até que em

meu físico-astral se extinguissem as correntes magnéticas

afins com o físico terreno, as quais mantinham o clamo-

roso desequilíbrio que nenhuma expressão humana será

bastante veraz para descrever!

E que o "corpo astral", isto é, o perispírito - ou

ainda o "físico-espiritual" - não é uma abstração, figura

incorpórea, etérea, como supuseram. Ele é, ao contrário

disso, organização viva, real, sede das sensações, na qual

se imprimem e repercutem todos os acontecimentos que

impressionem a mente e afetem o sistema nervoso, do

qual é dirigente.

E que, nesse envoltório admirável da Alma - da

Essência Divina que em cada um de nós existe, assina-

lando a origem de que provimos —, persiste também uma

substância material, conquanto quintessenciada, o que a

ele faculta a possibilidade de adoecer, ressentir-se, pois

que semelhante estado de matéria é assaz impressionável

e sensível, de natureza delicada, indestrutível, progressí-

vel, sublime, não podendo, por isso mesmo, padecer, sem


grandes distúrbios, a violência de um ato brutal como o

suicídio, para o seu invólucro terreno.

Entretanto, sob tantos cuidados médicos mais se

avantajavam minhas dúvidas quanto à situação própria.

Muitas vezes, durante a desesperadora permanência no

Vale Sinistro, eu chegara a acreditar que morrera, oh,

sim! E que minh'alma condenada expiava nos infernos os

tremendos desatinos praticados em vida. Agora, porém,

mais sereno, vendo-me internado em bom hospital, sub-

metido a intervenções cirúrgicas, conquanto muito diver-

98

MARIA, Mãe de Jesus

sos fossem os métodos locais dos que me eram habituais,

novas camadas de incertezas inquietavam-me o espírito:

Não! Não era possível que eu tivesse morrido!

Isto seria morte?... Seria vida?...

Foi, portanto, que derramando aflitivo pranto que,

em dado momento, naquele primeiro dia, sob as desvela-

das atenções de Carlos e Rosendo, bradei excitado, febril,

incapaz de por mais tempo me conter:


"— Mas, afinal, onde me encontro eu?... Que acon-

teceu?... Estarei sonhando?... Eu morri ou não morri?...

Estarei vivo?... Estarei morto?..."

Atendeu-me o cirurgião hindu, sem se deter na me-

lindrosa atuação. Fitando-me com brandura, talvez para

demonstrar que minha situação lhe causava lástima ou

compaixão, escolheu o tono mais persuasivo da expres-

são, e respondeu, sem deixar margem à segunda interpre-

tação: " — N ã o meu amigo! Não morreste! Não morrerás

jamais!... porque a morte não existe na Lei que rege o

Universo! O que se passou foi, simplesmente, um lamen-

tável desastre com teu corpo físico-terreno, aniquilado

antes da ocasião oportuna por um ato mal orientado do teu

raciocínio... A vida, porém, não residia naquele teu corpo

físico-terreno e sim neste que vês e contigo sentes no mo-

mento, o qual é o que realmente sofre, o que realmente

vive e pensa e que traz a qualidade sublime de ser imor-

tal, enquanto o outro, o de carne, que rejeitaste, aquele,

apropriado somente para o uso durante a permanência nos

proscênios da terra, já desapareceu sob a sombria pedra


de um túmulo, como vestimenta passageira que é deste

outro que aqui está... Acalma-te, porém... Melhor com-

preenderás à proporção que te fores restabelecendo..."

99

Edison Carneiro

Trouxeram-me em maca rumo da enfermaria. Meu

estado requeria repouso. Serviram-me reconfortante cal-

do, pois eu tinha fome. Deram-me a beber água cristalina

e balsamizante, pois eu tinha sede. Em redor, o silêncio

e a quietação, envolvidos em ondas de reconforto e be-

neficência, convidavam ao recolhimento. Obedecendo à

caridosa sugestão de Rosendo, procurei adormecer, en-

quanto o desapontamento, trazido pela inapelável realida-

de, fazia ecoar suas decisivas expressões em minha mente

atormentada:

"— A vida não residia no corpo físico-terreno, que

destruíste, mas sim neste que vês e sentes no momento, o

qual traz a qualidade sublime de ser imortal!"

A Mansão da Esperança

A Legião dos Servos de Maria, mantém também no


plano espiritual, outras instituições, em clima vibratório

mais ameno.

Uma dessas instituições é a Mansão da Esperança.

Ainda guiados pelo olhar de Camilo, vejamos

algumas das primeiras impressões que essa cidade lhe

causa, quando após alguns anos de tratamento e aprendi-

zado ele deixa o Hospital Maria de Nazaré e se dirige à

Mansão da Esperança.

...E ao entardecer do dia seguinte deixamos o De-

partamento Hospitalar...

Veículo modesto, que reconhecemos do tipo usual

no interior da Colónia, veio buscar-nos. Silenciosamente,

comovidos, tomamos lugar e, confortados pela presença

100

MARIA, Mãe de Jesus

de Romeu e Alceste, que nos deveriam acompanhar ao

novo domicílio, observávamos que, enquanto desliza-

va suavemente, as neves melancólicas se adelgaçavam,

a paisagem se coloria de formosos tons de madrepérola,

flores surgiam em festividades policrômicas à beira das


estradas caprichosamente cuidadas... enquanto os primei-

ros casarios de magnificente metrópole hindu apareciam

aos nossos olhos surpreendidos, que julgavam sonhar!

Louvado seja Deus! Era, pois, verdade, que havía-

mos progredido!

A primeira noite foi passada em ansiosa expec-

tação. Nossos aposentos deitavam para o jardim e das

ogivas que os rodeavam descortinávamos o vasto hori-

zonte da metrópole, marchetado de pavilhões graciosos

como construídos em madrepérola, e de cujos caraman-

chões, que os enfeitavam pitorescamente, evolavam-se

fragrâncias delicadas de miríades de arbustos e flores

viçosas, não mais insípidas, níveas, como no Departa-

mento Hospitalar.

Tudo indicava que gravitáramos, segundo as nos-

sas afinidades, para uma Cidade Universitária, onde ci-

clos novos de estudo e aprendizagem se franqueariam

para nós, segundo nosso desejo.

Enquanto passeávamos, aos nossos olhos interes-

sados estendia-se paisagem amena e sedutora, onde edifí-


cios soberbos, finamente trabalhados em estilo ideal, que

lembraria o padrão de uma civilização que nunca chegaria

a se concretizar nas camadas terrestres, nos levaram a me-

ditar sobre a possibilidade de neblinas ignotas, irisadas sob

palores também desconhecidos, servirem a artistas para

aquelas cúpulas sedutoras, os rendilhados sugestivos, o

101

Edison Carneiro

pitoresco encantamento dos balcões convidando a mente

do poeta a devaneios profusos, caminho do Ideal! Ave-

nidas imensas rasgavam-se entre arvoredos majestosos e

lagos docemente encrespados, orlados de tufos floridos

e perfumosos. E, alinhadas, como em visão inesquecível

de uma cidade de fadas, as academias onde o infeliz que

atentara contra o sacrossanto ensejo da existência terrena

deveria habilitar-se para as decisivas reformas pessoais

que lhe seriam indispensáveis para, mais tarde, depois de

nova encarnação terrena, onde testemunhasse os valores

adquiridos durante os preparatórios, ser admitido na ver-

dadeira Iniciação.
Não me permitirei a tentativa de descrever o encan-

to que se irradiava desse bairro onde as cúpulas e torres

dos edifícios dir-se-iam filigranas lucilando discretamen-

te, como que orvalhadas, e sobre as quais os raios do As-

tro Rei, projetados em conjunto com evaporações de ga-

ses sublimados, emprestavam tonalidades de efeitos, cuja

beleza nada sei a que possa comparar!

Em tudo, porém, desenhava-se augusta superiori-

dade, desprendendo sugestões grandiosas, inconcebíveis

ao homem encarnado.

E, no entanto, não era residência privilegiada! Ape-

nas um grau a mais acima do triste asilo hospitalar!...

Emocionados, detivemo-nos diante das Escolas

que deveríamos cursar. Lá estavam, entestando-as, os le-

treiros descritivos dos ensinamentos que receberíamos:

— Moral, Filosofia, Ciência, Psicologia, Pedago-

gia, Cosmogonia, e até um idioma novo, que não seria ape-

nas uma língua a mais, a ser usada na Terra como atavio

de abastados, ornamento frívolo de quem tivesse recursos

102
MARIA, Mãe de Jesus

monetários suficientes para comprar o privilégio de apren-

dê-la. Não! O idioma cuja indicação ali nos surpreendia

seria o idioma definitivo, que havia de futuramente estrei-

tar as relações entre os homens e os Espíritos, por lhes fa-

cilitar o entendimento, removendo igualmente as barreiras

da incompreensão entre os humanos e contribuindo para a

confraternização ideada por Jesus de Nazaré:

O benfazejo frescor matinal trazia-nos ao olfato

perfume dulcíssimo, que afirmaríamos ser dos craveiros

sanguíneos que as damas portuguesas tanto gostam de

cultivar em seus canteiros, das glicínias mimosas, excita-

das pelo orvalho saudável da alvorada. E pássaros, como

se cantassem ao longe, assobiavam ternas melodias, com-

pletando a doçura do painel.

Irmão Sóstenes era o diretor da Cidade Esperança.

Falou-nos grave, discreto, bondoso, sem que nos animás-

semos a fitá-lo:

"— Sede bem-vindos, meus caros filhos! Que Je-

sus, o único Mestre que, em verdade, aqui encontrareis,


vos inspire a conduta a seguir na etapa nova que hoje se

delineia para vós. Confiai! Aprendei! Trabalhai! - a fim de

que possais vencer! Esta mansão vos pertence. Habitais,

portanto, um lar que é vosso, e onde encontrareis irmãos,

como vós, filhos do Eterno! Maria, sob o beneplácito de

seu augusto Filho, ordenou sua criação para que vos fos-

se proporcionada ocasião de preparativos honrosos para a

reabilitação indispensável. Encontrareis no seu amor de

mãe sustentáculo sublime para vencerdes o negror dos er-

ros que vos afastaram das pegadas do Grande Mestre a

103

Edison Carneiro

quem deveis antes amor e obediência! Cumpre, portanto,

apressar a marcha, recuperar o tempo perdido! Espero que

sabereis compreender com inteligência as vossas próprias

necessidades..."

Aqui e ali, pelos parques que bordavam a cidade,

deparávamos turmas de alunos ouvindo seus mestres sob

a poesia dulcíssima de arvoredos frondosos, atentos e ine-

briados como outrora teriam sido, na Terra, os discípulos


de Sócrates ou de Platão, sob o farfalhar dos plátanos de

Atenas; os iniciados do grande Pitágoras e os desgraça-

dos da Galileia e da Judéia, os sofredores de Cafarnaum

ou Genesaré, embevecidos ante a intraduzível magia da

palavra messiânica!

Senhoras transitavam pelas alamedas, acompanha-

das de vigilantes severas como Marie Nimiers, a quem

mais tarde conheceríamos mui de perto; ou impenetráveis

como Vicência de Guzman, jovem religiosa da antiga

Ordem de S. Francisco, irmã do nosso antigo benfeitor,

Conde Ramiro de Guzman, à qual igualmente passamos a

bemquerer tão logo soubemos dos elos imarcescíveis que

a ligavam àquele dedicado servidor da Seção das Rela-

ções com a Terra.

Um servidor de Maria

Embora nas descrições anteriores tenham sido

mostrados diversos servidores de Maria, é apresentada a

seguir, a biografia de um, entre os milhões de Espíritos

elevados, que servem a Nossa Mãe Santíssima.

104
MARIA, Mãe de Jesus

Esse benfeitor é Aníbal, um dos professores de Ca-

milo na Mansão da Esperança; o relato é de Sóstenes, Di-

retor da Cidade Esperança:

...E Aníbal, meus caros filhos! Este jovem que co-

nheceu pessoalmente Jesus de Nazaré, durante suas pre-

gações inesquecíveis através da sofredora Judéia! Aníbal

de Silas, um daqueles meninos presentes no grupo que

Jesus acariciou quando exclamou, demonstrando a incon-

fundível ternura que mais uma vez expandia entre as ove-

lhas ainda vacilantes.

"Deixai vir a mim as criancinhas, que delas é o

reino dos Céus..."

Aníbal, que vos ministrará ensinamentos cristãos

exatamente como os ouviu do próprio Rabi, a quem ama

com arrebatamentos de idealista entusiasta e ardoroso,

desde a infância longínqua, passada, então, no Oriente!

Assevera ele que, quando o Senhor pregava sua

formosa Doutrina de Amor, quadros explicativos, de ma-

ravilhosa precisão e encanto inexprimível, surgiam ines-


peradamente à visão do ouvinte de boa vontade, elucidan-

doo de forma inconfundível, por imprimirem nos arcanos

do ser de cada um a exemplificação que nunca mais seria

olvidada! Que era por isso que, falando, conseguia o gran-

de Enviado conter, em serenidade inalterável, multidões

famintas, por longas horas, dominar turbas rebeldes, arre-

batar ouvintes, convencer corações que, ou se prostravam

à sua passagem, receosos e aturdidos, ou à Sua Doutrina

para sempre se prendiam, encantados e fiéis. Os ímpios,

porém, cujas mentes viciadas permaneciam desafinadas

com as vibrações divinas, nada percebiam, ouvindo ape-

nas relatos cuja excelsitude não eram capazes de alcançar,

105

Edison Carneiro

uma vez que traziam as almas impregnadas do vírus letal

da má vontade! Um desses quadros, certamente o mais

belo de quantos o Mestre Amado criou para instruir suas

ovelhas desgarradas, porque aquele mesmo que o retrata-

va em sua glória de Unigénito do Altíssimo, bastou para


que Saulo de Tarso se transformasse em esteio ardente da

Doutrina Redentora com que honrara o mundo!

Aníbal cresceu e fez-se homem, sentindo-se sem-

pre envolvido pelas radiações imarcescíveis do Divino

Pegureiro40, e que nunca mais se apagaram das suas re-

cordações. Trabalhou pela Causa, repetiu aqui como além

o que ouvira do Senhor ou de seus Apóstolos, preferin-

do, porém, instruir crianças e jovens, lembrando-se da

doçura inexcedível com que Jesus se dirigia à infância.

Viajou e sofreu perseguições, ultrajes, injúrias, injustiças,

ainda porque era de bom-gosto social criticar os adeptos

do Nazareno, ofendê-los, persegui-los, matá-los! E, uma

vez chegado a Roma, viu-se glorificado pelo martírio, por

amor do Enviado Celeste: teve o fardo carnal incinerado

num daqueles postes de iluminação festiva, na célebre or-

namentação dos jardins de Nero, aos 37 anos de idade!

Mas, entre a tortura do fogo resinoso, porventura ainda

mais atroz, e o espanto por se ver colhido nas redes do

sublime testemunho, ele, que se considerava humilde, in-

capaz de merecer tão elevada honra, reviu novamente às


margens do Tiberíades, o lago formoso de Genesaré, as

aldeias simples e pitorescas da Galileia e Jesus pregando

docemente a Boa Nova celestial com aqueles arrebatado-

res quadros que, na hora suprema, se mostravam ainda

Pegureiro = Pastor.

40

106

MARIA, Mãe de Jesus

mais belos e fascinantes à sua alma de adepto humilde

e fervoroso, enquanto Sua Voz dulçorosa repetia, como

o ósculo da extrema-unção que lhe abençoasse a alma,

fadando-a à glória da Imortalidade:

"Vinde a mim, benditos de Meu Pai, passai à minha

direita..."

Enamorado sincero da Boa Nova do Cordeiro Ima-

culado, será a Boa Nova o ensino que vos ministrará,

pois, para ele, sois meninos que tudo ignorais em torno

dela...E o fará como aprendeu do Mestre Inesquecível em

quadros demonstrativos que vos apresentem, o mais fiel-

mente possível, o encanto que para sempre o arrebatou e


prendeu Jesus!

A fim de se especializar em tão sublime gênero de

confabulação mental hão sido necessárias ao devotado

Aníbal vidas sucessivas de renúncias, trabalhos, sacrifí-

cios, experimentações múltiplas e dolorosas no carreiro

do progresso, pois somente assim seria possível desen-

volver nas faculdades da alma tão precioso dom. Ele o

conseguiu, porém, porque jamais em seu coração escas-

seou a vontade de vencer, jamais esqueceu os dias glorio-

sos das pregações messiânicas, o momento, sempiterno

em seu Espírito, em que sentiu a destra do Celeste Men-

sageiro pousando sobre sua frágil cabeça de menino, para

o convite inesquecível:

"Deixai vir a mim os pequeninos..."

E que Aníbal vinha sendo, para isso, preparado

desde eras afastadas!

Viveu nos tempos de Elias, respeitando o nome do

verdadeiro Deus! Foi, mais tarde, iniciado nos mistérios

augustos das Ciências, pela antiga escola dos egípcios.

107
Edison Carneiro

O respeito e o devotamento ao Deus Verdadeiro, e a es-

perança inquebrantável no advento libertador do Messias

Divino, iluminavam sua mente desde então, por entre fa-

chos de virtudes que não mais se esmaeceriam!

Não obstante, após o sacrifício em Roma, trabalha-

dor e infatigável, renasceu ainda sobre a crosta do plane-

ta. Seduzia-o a vontade poderosa e insopitável de seguir

nas pegadas do Mestre, anuindo aos seus divinos apelos.

Sofreu, por isso, novas perseguições ao tempo de Adria-

no, e exultou com a vitória de Constantino!

Desde então, dedicou-se particularmente ao am-

paro e à educação da infância e da juventude. Sacerdote

católico na Idade Média, por mais de uma vez se fez anjo

tutelar de pobres crianças abandonadas, esquecidas pela

prepotência dos senhores de então, convertendo-as em

homens úteis e aproveitáveis para a sociedade, em mulhe-

res honestas, voltadas para o culto do Dever e da Família!

E tanto Aníbal se preocupou com a infância e a juventude,

tanto fixou energias mentais naqueles rostinhos formosos


e meigos, que sua mente imprimiu em si próprio uma

eterna feição de adolescente gentil, pois, como vedes, dir-

seia ainda ser o menino acariciado pelo Mestre Nazareno,

na Judeia, há quase dois mil anos!...

...Até que um dia, glorioso para o seu Espírito de

servo fiel e amoroso, ordem direta desceu das altas esfe-

ras de luz, como graça concedida por tantos séculos de

abnegação e amor:

"— Vai, Aníbal... e dá dos teus labores à Legião

de Minha Mãe! Socorre com Meus ensinamentos, que

tanto prezas, os que mais destituídos de luzes e de for-

ças encontrares, confiados aos teus cuidados... Pensa, de

108

MARIA, Mãe de Jesus

preferência, naqueles cujas mentes hão desfalecido sob

as penalidades do suicídio... Entreguei-os, de há muito, à

direção de Minha Mãe, porque só a inspiração maternal

será bastante caridosa para erguê-los para Deus! Ensina-

lhes a Minha palavra! Desperta-os, recordando-lhes os

exemplos que deixei! Através de Minhas lições, ensina-os


a amar, a servir, a dominar as paixões, apondo sobre elas

as forças do Conhecimento, a encontrar as estradas da re-

denção no cumprimento do Dever, que para os homens

tracei, a sofrer com paciência, porque o sofrimento é pre-

núncio de glória, alavanca poderosa do progresso... Abre-

lhes o livro das tuas recordações! Lembra-te de quando

me ouvias, na Judéia... e ilumina-os com as claridades do

Meu Evangelho, pois é só isso o que lhes falta!..."

A hora da Ave-Maria

Na Terra quando o Sol se põe, muitos elevam suas

preces à Mãe de Jesus. No plano espiritual também assim

acontece.

A suavidade do crepúsculo, as estrelas que princi-

piam a surgir, a natureza que silencia, tudo convida ao

recolhimento...

Acreditamos que isso que acontece na Terra é re-

flexo de uma atitude muito maior e mais profunda que

ocorre no Mundo dos Espíritos.

Eis como a sensibilidade de Camilo registrou a

hora da Ave Maria na Cidade Esperança:


As solenidades do Angelus encontravam-nos, fre-

quentemente, ainda no parque. Acentuava-se a penumbra

109

Edison Carneiro

em nossa Cidade e nostalgia dominante envolvia nossos

sentimentos. Do Templo, situado na Mansão da Harmonia,

região onde se demoravam com frequência os diretores e

educadores da Colônia, partia o convite às homenagens

que, naquele momento, seria de bom aviso prestarmos à

Protetora da Legião a que pertencíamos todos - Maria de

Nazaré. Pelos recantos mais sombrios da Colônia resso-

avam então doces acordes, melodias suavíssimas, ento-

adas pelos vigilantes. Era o momento em que a direção

geral rendia graças ao Eterno pelos favores concedidos a

quantos viviam sob o abrigo generoso daquele reduto de

corrigendas, bendizendo a solicitude incansável do Bom

Pastor em torno das ovelhinhas rebeldes, tuteladas da Le-

gião de sua Mãe amorável e piedosa. E era ainda quando

ordens desciam de Mais Alto, orientando os intensos ser-

viços que se movimentavam sob a responsabilidade dos


dedicados servos da mesma Legião. Todavia, não éramos

obrigados a orar. Fálo-ía-mos se o quiséssemos. Em Ci-

dade Esperança, porém, jamais tivéramos conhecimento

de que algum aprendiz ou interno recusasse agradecer ao

Nazareno Mestre ou à sua Mãe boníssima, por entre lá-

grimas de sincera gratidão, às mercês recebidas do seu

inapreciável amparo!

A blandícia daquela oração, cuja simplicidade só

igualava à sua própria excelsitude, despertava em nossas

mentes as mais ternas recordações da existência: revía-

mos, levados pelo império de gratas sugestões, os doces,

saudosos dias da infância, os vultos carinhosos de nossas

mães - ensinando-nos a mimosa saudação do Arcanjo

à Virgem de Nazaré, e as palavras inolvidáveis de Ga-

briel, ungidas de veneração e respeito, repercutiam nas

110

MARIA, Mãe de Jesus

profundidades do nosso "eu" tocadas do saudoso sabor

do desvelo materno que, na vida planetária, jamais sou-

bemos devidamente considerar. Chorávamos! E saudades


mui pungentes da Família e do berço natal, do lar que

havíamos menosprezado e enlutado, dos entes queridos

e amigos que feríramos com a deserção da vida, entorna-

vam-se pelo nosso ser, predispondo-nos a grandes pesares

sentimentais, como novas fases de remorsos dolorosos.

Então orávamos, ali mesmo na quietude envolvente do

parque ou recolhidos a local determinado, orávamos sen-

tindo em cada dia o ósculo de benéfico reconforto vivifi-

cando nossas almas, tal se misericordiosos bálsamos re-

frescassem nossas consciências das excessivas ardências

que se haviam rasgado em nosso ser pelas garras infames

do suicídio que nos deprimira e desgraçara à frente de nós

mesmos! E, de envolta com o refrigério, eis que se avo-

lumava a necessidade imperiosa de nos tornarmos dignos

dessa misericórdia que nos amparava tanto a necessidade

dos testemunhos que a Deus provassem nosso imenso pe-

sar por nos reconhecermos graves infratores de suas Mag-

níficas Leis!

111
Edison Carneiro

Maio

rosa gallica

purpuro-violacea magna

As comemorações terrestres muitas vezes têm no

espaço o seu eco suave e doce. Os mortos frequentemente

se reúnem aos vivos, nas suas lágrimas ou nas suas glo-

rificações. Quando as luzes e os perfumes de Maio ba-

nham os dois hemisférios, onde se agita a cristandade,

com suas várias famílias evangélicas, as preces da Terra

misturamse com as vibrações do Céu, em homenagem à

Mãe do Salvador, no trono de sua virtude e de sua glória.


Se o planeta da lágrima se povoa de orações e de flores,

há roseiras estranhas florindo nas estradas prodigiosas

do Paraíso, nos altares iluminados de outra natureza, e

Maria, sob o dossel de suas graças divinas, sorri piedo-

samente para os deserdados do mundo e para os infelizes

dos espaços, derramando sobre os seus corações as flores

preciosas de sua consolação.

Na Terra, as suas bênçãos desabotoam a palma da

esperança, no ânimo dos tristes e dos abatidos; no Além,

as vibrações do seu amor confortam o coração dos deses-

perados, entornando sobre eles o cântaro de mel de sua

infinita misericórdia.

112

MARIA, Mãe de Jesus

Foi assim que a voz de Jeziel, anjo mensageiro da

sua piedade, nos acordou:

— "Hoje - disse-nos com a sua palavra tocada de

suave magnetismo -, o Paraíso abre suas portas douradas

para receber todas as súplicas, vindas da Terra longín-

qua... Dos altares terrestres e dos corações que se desfa-


zem nas ânsias cristãs, no planeta das sombras, eleva-se

uma onda de amor, em volutas divinas e a Rosa de Naza-

ré estende aos sofredores o seu manto divino, constelado

de todas as virtudes... Celina já partiu para as vastidões

escuras do planeta das lágrimas, a fim de repartir as bên-

çãos carinhosas da Mãe de Jesus com todos aqueles que

têm pago ao Céu os mais largos tributos, em prantos e

rogativas, nos caminhos espinhosos das penas terrestres.

Mas a Senhora dos Anjos não vos poderia esquecer e

mandou-me anotar as solicitações dos vossos Espíritos, a

fim de que as vossas esperanças alcançassem guarida no

seu coração maternal."

E cada entidade expôs ao anjo piedoso de Maria

as suas expectativas angustiosas. Antigos afortunados

do mundo pediam para os seus descendentes na Terra o

necessário esclarecimento espiritual; outros imploravam

um bálsamo que lhes aliviasse o coração amargurado, fe-

rido nos espinhos dos enganos terrestres. Não foram pou-

cos os que lembraram seus antigos sonhos e suas paixões

nefastas, sepultadas no planeta como negros resíduos de


florestas incendiadas, suplicando da Rainha dos Anjos a

esmola do conforto do seu amor. Posições convencionais,

erros deploráveis e malignas ilusões foram amargamente

recordados e, esperando a vez de enunciar o meu dese-

jo, pusme a analisar as aspirações mais sagradas do meu

113

Edison Carneiro

Espírito, depois de sutilmente arrebatado, pela morte, às

suas atividades do mundo.

Assim como um estudioso de matemática pode dis-

secar todas as coisas físicas, compreendendo que a linha

é uma reunião de pontos acumulados e que a superfície é

a multiplicação dessas mesmas linhas, o Espírito desen-

carnado, na sua acuidade perceptiva, pode ser o geómetra

de suas próprias emoções, operando a análise de si mes-

mo, autopsiando os fatos dos tempos idos, fazendo-os

ressurgir, um a um, na sua milagrosa imaginação.

Lembrei, assim, a paisagem pobre e triste da mi-

nha aldeia natal. E vi novamente Miritiba41, com suas


ruas arenosas e semidestruídas, guardando no litoral ma-

ranhense as antigas tradições dos guerrilheiros balaios42,

o lar humilde e farto da minha primeira infância, o gênio

festivo de meu pai e a figura bondosa e severa de minha

mãe... Em seguida, revi os quadros de amargura e de or-

fandade, vividos na Parnaíba43 distante. E depois... era o

meu veleiro, rudemente jogado no oceano largo, onde,

com os remos de minha coragem, procurava enfrentar,

inutilmente, a maré alta das lágrimas, até que um dia,

desesperado na ilha de meus sofrimentos, e cansado de

afrontar, como Ajax44, a cólera dos deuses, submergi-me,

involuntariamente, na grande noite, para despertar no ou-

tro lado da vida.

Cidade do Maranhão, estado brasileiro, hoje denominada Humberto de

41

Campos em sua homenagem.

A Revolta dos Balaios, rebelião que eclodiu no Maranhão, província bra-

42

sileira em 1838.

Cidade do Piauí, estado brasileiro, onde Humberto de Campos passou


43

sua adolescência.

4 4 Ajax, heró i greg o d a guerr a d e Tróia , filho d e Orfeu , rei d a Lócrida


, qu e desafiou os deuses e naufragou ao voltar a Tróia.

114

MARIA, Mãe de Jesus

No Espírito humano, existem abismos insondáveis

de sombra e luz, de misérias obscuras e sublimes glo-

rificações. Num minuto, pode o pensamento rememorar

muitos séculos, com o seu cortejo maravilhoso de trevas

miseráveis e de luminosas purificações.

Chegada a minha vez, supliquei ao anjo solícito:

"Jeziel, sobre a superfície da Terra longínqua e es-

cura, onde quase todos os corações se perdem nos desfila-

deiros do ateísmo, da impenitência e da impiedade, tenho

os filhos bem-amados da minha carne e do meu Espírito;

mas esses têm, diante do porvir, o banquete risonho da

esperança e da mocidade; ensinei-os a buscar no mun-

do o contentamento sadio do trabalho, em afirmações de

estudo e de perseverança, dentro das leis da consciência

retilínea. Porém, numa nesga pequenina da Terra há um


coração dilacerado, como o da Mãe de todas as mães ter-

restres, trespassado de divinas angústias, desde a Manje-

doura até o Calvário... E para minha mãe que peço todas

as tuas graças... A mão nobre e forte, que me conduziu à

lição proveitosa da vida humana, acena-me do mundo,

enregelada de saudade, ansiosa do beijo do filho que ela

criou, com todos os sacrifícios do seu corpo e com todos

os martírios do seu coração... E para ela, Jeziel, que de-

sejo leves a bênção maternal da Rainha dos Céus, numa

profusão de lírios de esperança santificadora... Dá ao seu

Espírito valoroso, que nunca teve as suas ânsias de ven-

tura realizadas no orbe do exílio, a vibração da paz de

que gozam os redimidos nas dores austeras e ignoradas...

Todas as bênçãos de Maria sejam depostas na sua fron-

te, que os cabelos brancos aureolaram, numa epopéia de

sacrifícios desconhecidos e de heroísmos santificantes...

115

Edison Carneiro

Despetala sobre o seu coração fervoroso e agradecido


todas as flores que hoje desabrocham no Paraíso, e que,

no obscuro recanto da Terra onde o seu Espírito aguarda

o alvará da liberdade suprema, possa minha mãe sentir,

nos seus olhos nublados de lágrimas, o orvalho das lá-

grimas do seu filho, redivivo e reconfortado na alegria e

na esperança."

E foi assim que a alma piedosa de minha mãe, nas

dores com que vai penetrando a antecâmara da imortali-

dade, recebeu, neste mês de Maio, o coração saudoso e

amigo do seu filho.

Humberto de Campos45

Novas Mensagens - Humberto de Campos/Francisco Cândido Xavier Feb.

45

116
3a PARTE
MARIA, Mãe de Jesus

A prece da Ave Maria baseia-se em duas saudações

feitas a Maria:

A primeira saudação é do Anjo Gabriel, quando

foi anunciar a Maria que fora escolhida para ser a mãe

de Jesus:

— Ave Maria, cheia de graça; o Senhor é contigo,

bendita és tu entre as mulheres.

A segunda saudação ocorreu quando Maria foi vi-

sitar sua prima Isabel que foi envolvida por um Espírito

do Senhor e respondeu assim ao cumprimento de Maria:


— Bendita és tu entre as mulheres, bendito é o fru-

to do teu ventre.

A tradição preservou uma forma reduzida, conten-

do as duas saudações:

"Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo,

bendita és tu entre as mulheres, bendito é o fruto do teu

ventre, Jesus".

Esta prece, embora curtíssima, sintetiza, todo um

sentimento de fé, voltado a semear alegria e salvação nos

caminhos da dor.

119

Edison Carneiro

Sua extrema popularidade, em nada desmerece seu

valor, ao contrário, demonstra que muitas vezes a mente

popular pressente as fontes da verdadeira vida.

Ave Maria

Ave Maria! Senhora

Do amor que ampara e redime,

Ai do mundo se não fora

A vossa missão sublime!


Cheia de graça e bondade,

E por vós que conhecemos

A eterna revelação

Da vida em seus dons supremos.

O Senhor sempre é convosco,

Mensageira da ternura,

Providência dos que choram

Nas sombras da desventura.

Bendita sois vós, Rainha!

Estrela da humanidade,

Rosa mística da fé,

Lírio puro da humildade!

Entre as mulheres sois vós

A mãe das mães desvalidas,

Nossa porta de esperança,

E anjo de nossas vidas!

120

MARIA, Mãe de Jesus

Bendito o fruto imortal


De vossa missão de luz,

Desde a paz da manjedoura,

As dores, além da cruz.

Assim seja para sempre,

Oh! Divina Soberana,

Refúgio dos que padecem

Nas dores da luta humana.

Ave Maria! Senhora

Do amor que ampara e redime,

Ai do mundo se não fora

A vossa missão sublime!

Amaral Ornellas46

A Ave Maria

Ave-Maria! Enquanto nas campinas

As "boas-noites" abrem, misteriosas

Bocas exalam no ar frases divinas,

Como suave emanação das rosas...

O noivas do infortúnio lacrimosas,

Crianças loiras, mórbidas meninas,

Órfãs de lar e beijos, que, piedosas,


Ergueis ao céu as magras mãos franzinas!

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

46

-Feb.

121

Edison Carneiro

Quando rezais, as horas do sol posto,

A Ave-Maria assim, no azul parece

Sorrir-se a Virgem-Mae dos desvalidos;

Nossa Senhora inclina um pouco o rosto

Para Escutar melhor tão meiga prece,

Hino tão doce e grato aos seus ouvidos.

Raymundo Correa47

Maria

Toda a expressão de ternura

Do mundo de provação,

Nos céus ditosos procura

A sua excelsa afeição.

Consolo das mães piedosas,


Cheias de mágoa e de pranto,

Sobre quem atira as rosas

Do seu Amor sacrossanto.

Ninguém diz, ninguém traduz

Essa visão de Harmonia,

Visão de paz e de luz,

Paz dos Céus! Ave-Maria!

Auta de Souza48

Poesias - Raymundo Correa.

47

Parnaso de Além-Tûmulo - Francisco Cândido Xavier/Espiritos diversos

48

-Feb.

122
MARIA, Mãe de Jesus

rosa malmundarienses

O nome "Maria" vem do hebraico Myrian, que tem

duas significações mais aceitas:

"Sublime";

"Escolhida por Deus".

Em português "Maria" tem um som suave e melo-

dioso. Este fato somado à devoção que as mães têm a Ma-

ria, Mãe das Mães, explica o porquê de muitas mulheres


terem o nome de "Maria".

Jesus! Maria!

A Clotilde Santiago

Meu coração guarda escritos

E canta em doce harmonia

123

Edison Carneiro

Estes dois nomes benditos:

Jesus! Maria!

Se o dia nasce e, na altura,

O Sol formoso irradia,

MimValma acorda e murmura:

Jesus! Maria!

Se a noite desce e, tão brando,

O Sonho azul me inebria,

Sempre adormeço cantando:

Jesus! Maria!

Da Ilusão se o sopro lindo

Todo o meu ser extasia,


Alegre digo, sorrindo:

Jesus! Maria!

Meu coração, quando pulsa,

Louco de dor e agonia,

Ainda grito convulsa:

Jesus! Maria!

Jesus! Maria! Invocando

Em vós o sol que alumia,

Quero morrer soluçando:

Jesus! Maria!

Auta de Souza - 27/7/189849

Horto - Auta de Souza - Fundação José Augusto.

49

124

MARIA, Mãe de Jesus

Revelação

Quem é maior do que os Anjos

Mais radiante que a luz?

Quem amar a Deus nos ensina


Na doutrina mais divina?

Jesus!

Tecem coroas de glórias

As alvoradas do dia,

Enaltecem-na os Arcanjos

Em divina melodia?

Maria!

Quem soube honrar o trabalho,

A paciência, a humildade,

Ensinando à humanidade,

Em Deus depositar fé?

José!

Seja pois esta Trindade,

Vosso guia e vosso norte.

Não receeis os horrores,

Que se vos pintam da morte,

Se invocardes com fé

Jesus, Maria, José!

Gonçalves Dias50

Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.


50

125

Edison Carneiro

Dos vários conteúdos simbólicos que a rosa tem

tido ao longo dos milênios, nas diversas civilizações,

destacamos três:

"A Perfeição";
"O Amor";

"A Regeneração".

A flor delicada, bela, perfumada, florindo entre os

espinhos, é bem o emblema desse Sorriso do Céu, que é

Maria, desabrochando no meio das dores humanas.

A Virgem

Do teu trono de róseas alvoradas,

Estende, mãe bendita, as mãos radiosas

Sobre a angústia das sendas escabrosas

Onde choram as mães atormentadas.

126

MARIA, Mãe de Jesus

Mãe de todas as mães infortunadas,

Com tua alma de lírios e de rosas,

Mitiga a dor das almas desditosas

Entre as sombras de míseras estradas.

Anjo consolador dos desterrados,

Conforta os corações encarcerados

Nas algemas do mundo amargo e aflito.


Ao teu olhar, as lágrimas da guerra

E os quadros de amargor, que andam na Terra,

São caminhos de luz para o Infinito.

Bittencourt Sampaio51

A Maria

Eis-nos Senhora, a pobre caravana

Em fervorosas súplicas, reunida,

Implorando a piedade, a paz e a vida,

De vossa caridade soberana.

Fortalecei-nos a alma dolorida

Na redenção da iniquidade humana,

Com o bálsamo da crença que promana

Das luzes da bondade esclarecida.

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

51

- Feb.

127

Edison Carneiro

Providência de todos os aflitos,


Ouvi dos céus, ditosos e infinitos,

Nossa sinceras preces ao Senhor...

Que a nossa caravana da Verdade

Colabore no Bem da Humanidade,

Neste banquete místico do amor.

Bittencourt Sampaio52

Rosa Branca

Doce consolação dos infelizes

Primeiro e último amparo de quem chora,

Oh! dá-me alívio, dá-me cicatrizes

Para estas chagas que te mostro agora.

Dá-me dias de luz, horas felizes,

Toda inocência das manhãs de outrora:

As colunas de nuvens em que pises

Transformam-se em clarões de fim de aurora.

Tu que és a Rosa Branca entre os espinhos

Estrela do alto-mar e torre forte,

Vem mostrar-me, Senhora, os bons caminhos.

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

52
- Feb.

128

MARIA, Mãe de Jesus

Que ao meditar as tuas Sete Dores,

Eu sinta na minha alma a dor de morte

Dos meus pecados e dos meus terrores...

Alphonsus de Guimaraens53

A Maria

Rosa Mystica54

Stella Matutina

Casto lírio do céu, imaculado e santo,

Estrela senhoril das manhãs radiosas,

Alma feita de luz, alma feita de rosas,

Que perfumas a dor, que iluminas o pranto.

Que fazes de uma prece - o excelso aroma - enquanto

Brilha a lágrima - a gema entre as mais preciosas;

Alma feita de luz, alma feita de rosas,

Doce emblema do amor aclarando o futuro...

Mil gerações te vêm abençoando o vulto,


Num carinhoso ardor, num fervoroso culto

A sacrossanta Mãe, que conforta amarguras.

Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.

53

Rosa Mística, Estrela Matutina.

54

129

Edison Carneiro

Os séculos virão, na asa do tempo ignoto

E teu nome será - formosa flor de loto,

A mais formosa flor das gerações futuras!

Godofredo Vianna55

Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.

55

130
MARIA, Mãe de Jesus

rosa rubrifolia

Raramente os poderes da Terra socorrem o des-

graçado.

Rejeitados pelo auxílio humano, os pobrezinhos

voltam-se para os poderes do Céu, e buscam Maria, Rai-

nha dos Anjos, espírito sublimado e poderoso por sua pu-

reza e fidelidade a Deus.

Do "Faça-se em mim a vontade do Senhor", surge

a vontade firme refletindo a vontade de Deus.


Rainha do Céu

Excelsa e sereníssima Senhora,

Que sois toda Bondade e Complacência,

Que espalhais os eflúvios da Clemência

Em caminhos liriais feitos de aurora!...

Amparai o que anseia, luta e chora,

No labirinto amargo da existência.

131

Edison Carneiro

Sede a nossa divina providência

E a nossa proteção de cada hora.

Oh! Anjo Tutelar da Humanidade;

Que espargis alegria e claridade

Sobre o mundo de trevas e gemidos;

Vosso amor, que enche os céus ilimitados,

E a luz dos tristes e dos desterrados,

Esperança dos pobres desvalidos!...

Antero de Quental56

Sancta Virgo Virginum


Oh Santa estremecida,

Formosa e imaculada!

Estrela abençoada

Do Céu de minha vida!

Rainha casta e santa

Das virgens do Senhor,

Eterno resplendor

Que o mundo inteiro encanta.

Tu és minha alegria,

Meu único sorriso,

Parnaso de Além-Tûmulo - Francisco Cândido Xavier/Espiritos diversos

56

- Feb.

Santa Virgem das Virgens.

57

132

MARIA, Mãe de Jesus

Oh flor do Paraíso,

Angélica Maria!
Ai! quantas vezes, quantas!

A minha fronte inclina

Orando a ti, divina,

Oh Santa entre as mais santas!

Oh Virgem tão serena!

Tu és meu sonho doce,

Perfume que evolou-se

De um seio de açucena!

Amada criatura,

Lança-me estremecido

O teu olhar ungido

De imácula doçura!

Oh Arco da Aliança,

Celeste e branco lírio,

Salva-me do martírio,

Senhora da bonança!

Envolve no teu véu

A minha triste sorte,

E mostra-me na morte

A porta do teu Céu!


Auta de Souza

Nova Cruz, novembro de 189758

Horto - Auta de Souza - Fundação José Augusto.

58

133

Edison Carneiro

Invocando o amparo da

Virgem Santíssima

Tu, por Deus entre todas escolhida,

Virgem das virgens, tu, que do assanhado,

Tartáreo59 monstro com teu pé sagrado

Esmagaste a cabeça entumecida;

Doce abrigo, santíssima guarida

De quem te busca em lágrimas banhado,

Corrente com que as nódoas do pecado

Lava uma alma, que geme arrependida;

Virgem, de estrelas nítidas coroada,

Do Espírito, do Pai, do Filho eterno

Mãe, filha, esposa e mais que tudo amada,


Valha-me o teu poder e amor materno;

Guia este cego, arranca-me da estrada,

Que vai parar ao tenebroso Inferno!

Bocage60 (no leito de morte)

Senhora Santa Maria

Mãe de nosso salvador

Tártareo = infernal.

59

Sonetos - Bocage - Livraria Bertrand.

60

134

MARIA, Mãe de Jesus

Existe tanta alegria

Por causa do teu amor

Senhora Santa Maria

Senhora, diz, por favor

Diz que eu também sou teu filho

Sou filho do teu amor

Senhora Santa Maria


Senhora, mãe do Senhor

A tua luz me alumia

Na via que ele ensinou

Senhora Santa Maria

Senhora feita de luz

Es uma estrela-guia

Pra nos levar a Jesus

Alberto J. C. Carvalho61

Sanda Virgo Virginum

Sobe da Terra, em ondas luminosas,

Um turbilhão de vozes e de lírios,

Buscando-vos nas Luzes Harmoniosas,

Oh! Virgem da Pureza e dos Martírios!

Poema composto especialmente para esta antologia.

61

135

Edison Carneiro

Imagens de turíbulos62 e rosas

Aromatizam todos os empíreos...63


Há na Terra canções maravilhosas

Entre as luzes e as lágrimas dos cirios.64

Senhora, o mundo inteiro vos festeja,

Em magnificência ampla e radiosa,

Nos altares simbólicos da Igreja!

Eis, porém, que vos vejo nos caminhos,

Onde a vossa virtude carinhosa

Consola e ampara os fracos pobrezinhos...

Alphonsus de Guimaraens65

Turíbulo = vaso para queimar incenso.

62

Empíreos = céus.

63

Círio = vela grande conduzida em procissões.

64

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

65

-Feb.

136
MARIA, Mãe de Jesus

Mãe das Mães

A todos Maria atende, mas seu carinho se debruça

com mais doçura sobre as mães aflitas.

O amor materno é, por ora, a coluna mestra da sus-

tentação do sentimento na Terra.

Mulheres da Terra, quando o peso for demasiado

para seus ombros, recorram à Mãe das Mães, que ela ali-

viará seus fardos.

Mulheres da Terra, quando a amargura transbor-


dardo seu coração, procurem Maria, que ela fará com que

o mal se decante, e poderão continuar a sustentar o mundo

com seus doces sentimentos.

Às filhas da Terra

Do Seu trono de luzes e de rosas,

A Rainha dos Anjos, meiga e pura,

Estende os braços para a desventura,

Que campeia nas sendas espinhosas.

137

Edison Carneiro

Ela conhece as lágrimas penosas

E recebe a oração da alma insegura,

Inundando de amor e de ternura

As feridas cruéis e dolorosas.

Filhas da Terra, mães, irmãs, esposas,

No turbilhão dos homens e das coisas,

Imitai-A na dor do vosso trilho!...

Não conserveis do mundo o brilho e as palmas,

E encontrareis, em vossas próprias almas,


A alegria do reino do Seu Filho!

Bittencourt Sampaio66

Prece à Mãe Santíssima

Mãe Santíssima!...

Enquanto as mães do mundo são reverenciadas,

deixa te recordemos a pureza incomparável e o exemplo

sublime...

Soberana, que recebeste na palha singela o Reden-

tor da Humanidade, sem te rebelares contra as mães feli-

zes, que afagavam Espíritos criminosos em palácios de

ouro, ensina-nos a entesourar as bênçãos da humildade.

Lâmpada de ternura, que apagaste o próprio bri-

lho para que a luz do Cristo fulgurasse entre os homens,

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

66

- Feb.

138

MARIA, Mãe de Jesus

ajuda-nos a buscar, na construção do bem para os outros,


o apoio de nossa própria felicidade.

Benfeitora, que te desvelaste incessantemente, pelo

Mensageiro da Eterna Sabedoria, sofrendo-lhe as dores e

compartilhando-lhe as dificuldades, sem qualquer preten-

são de furtá-lo aos propósitos de Deus, auxilia-nos a ex-

tirpar do sentimento as raízes do egoísmo e da crueldade

com que tantas vezes tentamos reter na inconformação e

no desespero os corações que mais amamos.

Senhora, que viste na Cruz da morte o Filho Divi-

no, acompanhando-lhe a agonia com as lágrimas silencio-

sas de tua dor, sem qualquer sinal de reclamação contra

as criaturas da Terra, conduze-nos para a fé que redime e

para a renúncia que eleva.

Missionária, salva-nos do erro.

Anjo, estende sobre nós as níveas asas!...

Estrela, clareia-nos a estrada com teu lume...

Mãe querida, agasalha-nos a existência em teu

manto constelado de amor!...

E que todas nós, mulheres desencarnadas e encar-

nadas em serviço na Terra, possamos repetir, diante de


Deus, cada dia, a tua oração de suprema fidelidade:

— "Senhor, eis aqui tua serva, cumpra-se em mim

segundo a tua palavra".

Anália Franco67

Referenciado em Mãe - Chico Xavier/Espíritos Diversos - Geem.

67

139

Edison Carneiro

Mãe

O minha santa mãe! era bem certo

Que entre as preces maternas estendias

As tuas mãos sobre os meus tristes dias,

Quando na Terra - que era o meu deserto.

Nos instantes de dor, bem que eu sentia

As tuas asas de Anjo da Ternura,

Pairando sobre a minha desventura

Feita de prantos e melancolia.

Flor ressequida eu era, e tu o orvalho

Que me nutria, pobre e empalecida;

Era a tua alma a luz da minha vida,


Meu tesouro, meu dúlcido agasalho!...

Ai de mim sem a tua alma bondosa,

Que me dava a promessa da esperança,

Raio de luz, de amor e de bonança,

Na escuridão da vida dolorosa.

E que felicidade doce e pura,

A que senti após a treva de morte,

Findo o terror da minha negra sorte,

Quando vi teu sorriso de ventura!

Então, senti que as Mães são mensageiras

De Maria, Mãe de anjos e de flores,

140

MARIA, Mãe de Jesus

E Mãe das nossas Mães cheias de amores,

Nossas meigas e eternas companheiras!...

Auta de Souza68

Oração de Mãe

Deus de Infinita Bondade!

Puseste astros no céu e colocaste flores na haste


agressiva... A mim deste os filhos e, com os filhos, me

deste o amor diferente, que me rasga as entranhas, como

se eu fosse roseira espinhosa, que mandasses carregar

uma estrela...

Aceitaste minha fragilidade a teu serviço, determi-

nando que eu sustente com a maternidade o mandato da

vida; entretanto não me deixes transportar, sozinha, um

tesouro assim tão grande! Dá-me forças para que te com-

preenda os desígnios; guia-me o entendimento para que

a minha dedicação não se faça egoísmo; guarda-me em

teus braços eternos, para que o meu sentimento não se

transforme em cegueira.

Ensina-me a abraçar os filhos das outras mães com

o carinho que me insuflas no trato daqueles de que enri-

queceste minha alma!

Faze-me reconhecer que os rebentos de minha ter-

nura são depósitos de tua bondade, consciências livres

que devo encaminhar para a tua vontade e não para os

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

68
-Feb.

141

Edison Carneiro

meus caprichos. Inspira-me humildade para que não se

tresmalhem-no orgulho por minha causa. Concede-me a

honra do trabalho constante, a fim de que eu não venha a

precipitá-los na indolência. Auxilia-me a querê-los sem

paixão e a servi-los sem apego.

Esclarece-me para que eu ame a todos eles com de-

votamente igual.

No entanto, Senhor, permite-me inclinar o coração,

em teu nome, por sentinela de tua bênção, junto daqueles

que se mostrarem menos felizes!... Que eu me veja con-

tente e grata se me puderem oferecer mínima parcela de

ventura e que me sinta igualmente reconhecida se, para

afagá-los, for impelida a seguir nos caminhos do tempo,

sobre longos calvários de aflição!...

E, no dia em que me caiba entregá-los aos compro-

missos que lhes reservastes, ou a restituí-los às tuas mãos,


dá que, ainda mesmo por entre lágrimas, possa eu dizerte,

em oração, com a obediência da excelsa Mãe de Jesus:

"Senhor, eis aqui a tua serva! Cumpra-se em mim,

segundo a tua palavra..."

Meimei69

Mãe das Mães

Maria

E a mãe piedosa

De todas as mães resignadas e sofredoras.

Referenciado em Mãe - Chico Xavier/Espíritos Diversos - Geem.

69

142

MARIA, Mãe de Jesus

E a consolação

Que se derrama puríssima

Sobre os prantos maternos,

Vertidos na corola imensa das dores;

É o manto resplandecente

Que agasalha os corações das mães piedosas,

Amarguradas e infelizes,
Que orvalham com lágrimas benditas

As flores de seu amor desvelado,

Espezinhadas pelo sofrimento,

Fustigadas pelo furacão da desgraça,

Atropeladas pelo mal,

Perseguidas pelo infortúnio

No sombrio orbe das lágrimas e das provações.

Todas as preces maternas

Ascendem aos Espaços

Como um doloroso brado de angústia a Maria;

E a rosa sublime de Nazaré

Escuta-as piedosamente,

Estendendo os seus braços tutelares

As mães carinhosas e desprotegidas;

E bastam os eflúvios do seu amor sacrossanto

Para que as consolações se derramem

Cicatrizando as feridas,

Balsamizando os pesares,

Lenindo os padeceres

Das mães desoladas, que encontram nela


143

Edison Carneiro

O símbolo maravilhoso de todas as virtudes!...

Ao seu olhar compassivo,

Pulverizam-se os rochedos do mal

Do oceano da vida de desterro e de exílio,

Para que o Brigue70 da Esperança,

Com suas velas alvas e pandas,71

Veleje tranquilamente,

Buscando o porto esperado com ânsia,

Da salvação das almas que sofreram

Nos torvelinhos do mundo,

Como náufragos de uma tormenta gigantesca,

Que não se perderam no abismo das águas

tenebrosas

Do mar da iniquidade,

Porque se apegaram

A âncora da Fé.

Maria é o anjo, pois,


Que nos ampara e guia em nossa cruz;

Levando-nos ao Céu, cheia de piedade e

comiseração

Pelas nossas fraquezas.

Ela é a personificação do amor divino

No vale das sombras e das amarguras,

E sendo o arrimo de todas as criaturas,

E, sobretudo,

Brigue = veleiro.

70

Pandas = enfunadas, cheias de vento.

71

144

MARIA, Mãe de Jesus

A Virgem da Pureza

— Mãe das mães.

Marta72

Lembrando Maria, Nossa Mãe

Minha filha:
Deus nos guie para diante.

Atendamos aos Desígnios do Senhor que nos redi-

me pelo sofrimento, como o oleiro consegue purificar a

argila do vaso pela bênção do fogo.

Não tenhamos em mente senão a soberana e com-

passiva determinação do Alto para que possamos real-

mente triunfar.

Não sabemos a hora da grande renovação, mas não

ignoramos que a renovação virá, fatalmente, em favor de

cada um de nós.

Assim sendo, não nos preocupemos quanto à estra-

da que nos cabe palmilhar, mas, sim, busquemos, em nós

e fora de nós, a precisa força para vencê-la dignamente.

Sigo-te ou, aliás, seguimos-te o calvário silencioso.

Não te desanimes, nem te inquietes. Caminha

simplesmente.

Existe para nós o divino modelo daquela Mulher

venerável e sublime que, depois de escalar o monte, tudo

perdeu na Terra, sabendo, porém, conservar-se ligada ao

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos 72


-Feb.

145

Edison Carneiro

Pai de Infinita Misericórdia, convertendo em trabalho e

conformação, em prece e esperança, as chagas da pró-

pria dor.

Maria, nossa Mãe Santíssima, não é mãe ausente

do coração que a Ela recorre.

Inspiremo-nos em seu martirológio de angústia e

saibamos fazer de nossos padecimentos, um celeiro de

graças. A aflição que se submete a Deus, procurando-lhe

as diretrizes, é uma âncora de sustentação, mas aquela

que se perde em desespero infrutífero é um espinheiro

de fel. Soframos com calma, com resignação invariável,

de mãos no arado de nossos deveres e de olhos voltados

para o Céu.

E preciso coragem para não esmorecer, porquanto,

para as mães, a renúncia como que se converte em ali-

mento de cada dia. Recordemos, porém, nossa Mãe do


Céu e sigamos com destemor.

Não te faltará o arrimo das amizades celestiais que

te cercam e, pedindo-te confiar em minha velha dedica-

ção, sou a amiga de sempre, que se considera a tua mãe

espiritual.

Zizinha73

Em louvor das Mães

O lar é a célula ativa do organismo social e a mulher,

dentro dele, é a força essencial que rege a própria vida.

Referenciado em Mãe - Francisco Cândido Xavier/Espíritos Diversos - O

73

Clarim.

146

MARIA, Mãe de Jesus

Se a criança é o futuro, no coração das mães repousa

a sementeira de todos os bens e de todos os males do porvir.

O homem é o pensamento.

A mulher é o ideal.

O homem é a oficina.

A mulher é o santuário.
O homem realiza.

A mulher inspira.

Compreender a gloriosa missão da alma feminina,

no soerguimento da Terra, é apostolado fundamental do

Cristianismo renascente em nossa Doutrina Consoladora.

Auxiliar, assim, o espírito materno, no desempe-

nho de sua tarefa sublime, constitui obrigação primária

de todos nós que abraçamos nos Centros Espíritas novos

lares de idealismo superior e que buscamos na Boa Nova

do Divino Mestre a orientação maternal para a renovação

de nossos destinos.

Nesse sentido, se nos cabe reconhecer no homem

o condutor da civilização e o mordomo dos patrimónios

materiais na gleba planetária, não podemos esquecer que

na mulher devemos identificar o anjo da esperança, ter-

nura e amor, a descer para ajudar, erguer e salvar nos

despenhadeiros da sombra, oferecendo-nos, no campo

abençoado da luta regenerativa, novos tabernáculos de

serviço e purificação.

Glorifiquemos, desse modo, o ministério santifi-


cante da maternidade na Terra, recordando que o Todo-

-Misericordioso, quando se dignou enviar ao mundo o

seu mais sublime legado para o aperfeiçoamento e a ele-

vação dos homens, chamou um coração de mulher, em

147

Edison Carneiro

Maria Santíssima, e, através das suas mãos devotadas à

humildade e ao bem, à renunciação e ao sacrifício, mate-

rializou para nós o coração divino de Nosso Senhor Jesus

Cristo, a luz de todos os séculos e o alvo de redenção da

Humanidade inteira.

Emmanuel74

Referenciado em Mãe - Francisco Cândido Xavier/Espíritos Diversos -

74

Geem.

148
MARIA, Mãe de Jesus

Quantas vezes, pelos caminhos da vida, suspira-

mos por alguém que nos dê a mão, seja no auxílio a nós

mesmos, seja no auxílio que procuramos prestar aos ir-

mãos do caminho.

Mão que auxilie, mão que levante, mão que indi-

que, mão que sustente, mão que aperte a nossa mão, ali-

mentando-nos com as energias da amizade.

Nessas horas, lembremo-nos das Mãos do Céu, que


estarão sempre estendidas a quem as busque com sinceri-

dade no bem: as mãos de Maria.

Mãos Celestes

Mãos postas para a prece eternamente

Escudo contra o mal, do bem tutela;

Mãos, a um tempo, de mãe e de donzela;

Meigas, e armadas de poder ingente;

149

Edison Carneiro

Mãos, de afagos e bênçãos ninho ardente,

Mãos, de clemência milagrosa umbela,75

Capazes de aplacar qualquer procela,76

E de salvar a mais perdida gente;

Mãos que Jesus beijou, e, pois, divinas;

Mãos delicadas, brandas, femininas,

Mãos de Maria, dai-me proteção!

Não recuseis curar-me esta ferida;

Tomai-me, erguei-me, consertai-me a vida:

Eu deponho entre vós meu coração.


Afonso Celso77

Refugium Peccatorum78

O coração que chora resignado,

Tendo perdido as ilusões da vida,

Como pássaro em busca de guarida

Acolhe-se ao teu seio imaculado.

És como um rio azul, rio sagrado,

Em cuja transparência adormecida,

Umbela = guarda-chuva, figurado "proteção".

75

Procela = tempestade.

76

Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.

77

Refúgio dos pecadores.

78

150

MARIA, Mãe de Jesus

Transforma-se a vida pervertida


E se lavam as manchas do pecado.

Bendita sejas tu, cuja bondade

Tem sorrisos de paz e redenção

Para os tristes, que choram na orfandade,

Para a dor que não tem consolação,

Bendita sejas tu, que és a Piedade

Conduzindo a miséria pela mão.

Diogo Antonio Feijó79

Prece

Estendei vossa mão bondosa e pura,

Mãe querida dos fracos pecadores,

Aos corações dos pobres sofredores

Mergulhados nos prantos da amargura.

Derramai vossa luz, toda esplendores,

Da imensidade, da radiosa altura,

Da região ditosa da ventura,

Sobre a sombra dos cárceres das dores!

O Mãe! excelsa Mãe de anjos celestes,

Mais amor, desse amor que já nos destes,

Queremos nós em cada novo dia;


Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.

79

151

Edison Carneiro

Vós que mudais em flores os espinhos,

Transformai toda a treva dos caminhos

Em clarões refulgentes da alegria.

Auta de Souza80

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

80

-Feb.

152
MARIA, Mãe de Jesus

rosa clinophylla

O olhar de Maria Santíssima é toda uma fonte ge-

nerosa de luz e consolação.

Seu olhar é semelhante à luz da aurora; traz ener-

gias renovadoras, traz alegria, traz esperança, traz con-

fiança no futuro, trazendo todas estas bênçãos envoltas

em muita pureza e doçura.

Nos caminhos da vida, quando desânimo e amar-

gura envolverem nosso coração, mentalizemos o olhar de

Maria, e ao nos alimentarmos com seu olhar, veremos que


novo alento percorre nosso espírito e conseguiremos, por

nossa vez, olhar com fé as vicissitudes da vida.

Mater81

Tu, grande Mãe!...do amor de teus filhos escrava,

Para teus filhos és, no caminho da vida,

Mãe.

81

153

Edison Carneiro

Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava

A longe Terra Prometida.

Jorra de teu olhar um rio luminoso.

Pois, para batizar essas almas em flor,

Deixas cascatear desse olhar carinhoso

Todo o Jordão do teu amor.

E espalham tanto brilho as asas infinitas

Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,

Que o seu grande clarão sobe, quando as agitas,

E vai perder-se entre as estrelas.


E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,

Fogem da humana dor, fogem do humano pó,

E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,

Que é como a escada de Jacó.82

Olavo Billac83

Maria

Refúgio dos pecadores,

Consolação dos aflitos.

Quantas mágoas, quantas dores

Tendes vós aliviado,

Escada de Jacó, Jacó, patriarca hebreu, estando de viagem teve um

82

sonho e viu uma escada por onde os anjos subiam e desciam.

Referenciado em Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas.

83

154

MARIA, Mãe de Jesus

Oh Mãe do Crucificado,

Refúgio dos pecadores!


Quem ouve os nossos clamores,

Quem acode a nossos gritos,

Se não vós, olhos benditos,

Senhora da piedade!

Vós chamada com verdade

Consolação dos aflitos!

João de Deus84

Soneto V

Doce Mãe, Sereníssima Senhora,

Dos teus olhos velados de Doçura

Nasce fresca a alvorada, que fulgura

Na infortunada sombra de quem chora!

Quando o meu ser vagava em noite escura,

Nas angústias do abismo que apavora,

Estendeste-me os braços, vendo, embora,

Minhas chagas de treva e de loucura...

Ante o Regaço Fúlgido consente

Que minha fé se exalte embevecida,

Prosternada, ditosa, reverente.

Campo de Flores - João de Deus - Livraria Bertrand.


84

155

Edison Carneiro

Recebe no dossel85 de Graça e Vida

O louvor de teu filho penitente,

No clarão de minh'alma convertida.

Bocage86

Regyna Martirium87

Lírio do Céu, sagrada criatura,

Mãe das crianças e dos pecadores,

Alma divina como a luz e as flores

Das virgens castas a mais casta e pura;

Do Azul imenso, dessa imensa altura

Para onde voam nossas grandes dores,

Desce os teus olhos cheios de fulgores

Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada

Vou caminhando, a sós, desatinada,

— Ai! pobre cega sem amparo ou guia! -


Sê tu a mão que me conduza ao porto.

Oh doce mãe da luz e do conforto,

Ilumina o terror desta agonia!

Auta de Souza88

Dossel = cobertura de tecido ou flores que se punham sobre o trono.

85

Volta Bocage - Francisco Cândido Xavier/Bocage - Feb.

86

Rainha dos Mártires.

87

Horto - Auta de Souza - Fundação José Augusto.

88

156
MARIA, Mãe de Jesus

Basta consultar a história da humanidade para veri-

ficar quão grandes crimes têm sido cometidos, individual

e coletivamente pelos homens contra si mesmos.

A história da humanidade é a nossa própria histó-

ria; temos, portanto, ao longo das encarnações sucessivas,

nós, os espíritos em sofrimento que habitamos a Terra,

acumulado através de nossas faltas, tempestades de dores

sobre as próprias cabeças e corações.


Essa tempestade de dores pode ser chamada de Car-

ma, ou Reação das Leis, ou Justiça Divina, ou Dívidas.

Se Deus fosse apenas justiça, e essas dívidas fos-

sem cobradas de imediato, nos aniquilariam. Mas Deus é

também misericórdia, atendendo às criaturas imperfeitas,

através de suas criaturas aperfeiçoadas.

Tal é a função misericordiosa de Maria: suavizar

o pagamento de nossas dívidas, dando-nos a bênção do

tempo, e carinho maternal, para que através do perdão aos

157

Edison Carneiro

nossos devedores, do trabalho no bem e principalmente

do amor, possamos ter condições de resolver os nossos

problemas conscienciais, pagando até o último ceitil, con-

quistando dignamente a felicidade. Este trabalho Maria o

faz, coletivamente, envolvendo a Terra com os Eflúvios

de Sua Alma, como se expressam alguns, Seu Manto de

Virtudes, ou Sua Aura Luminosa, como se expressam ou-

tros, protegendo-nos de nós mesmos.

Nestes dias de transição, isto é particularmente


importante, pois chegada é a hora de separar o joio do

trigo, as boas árvores das más árvores e de restabelecer

a verdade.

A alma em oração, ligada ao Manto de Maria que

cobre a Terra, é como um espelho voltado ao Céu, refle-

tindo um raio de luz no abismo.

Aquele que ora, por alguns momentos que seja, se-

gundo fórmulas preestabelecidas, ou colhendo as palavras

na espontaneidade do coração, traz grande benefício a si

mesmo e aos que o cercam, atravessando com mais segu-

rança esta época difícil.

Que mais e mais espíritos se abriguem no Manto

Constelado de Maria, suavizando dores, é a nossa prece.

Súplica à Mãe Santíssima

Anjo dos bons e Mãe dos pecadores,

Enquanto ruge o mal, Senhora, enquanto

Reina a sombra da angústia, abre o teu manto,

Que agasalha e consola as nossas dores.

158
MARIA, Mãe de Jesus

Nos caminhos do mundo, há treva e pranto.

No infortúnio dos homens sofredores,

Volve à Terra ferida de amargores

O teu olhar imaculado e santo!

Oh Rainha dos Anjos, meiga e pura,

Estende tuas mãos à desventura

E ajuda-nos, ainda, Mãe piedosa!

Conduze-nos às bênçãos de teu porto

E salva o mundo em guerra e desconforto,

Clareando-lhe a noite tormentosa...

Bittencourt Sampaio89

Oração

Vós que sois a Mãe bondosa

De todos os desvalidos

Deste vale de gemidos.

Mãe piedosa!...

Sublime estrela que brilha

No céu da paz, da bonança,

Do céu de toda a esperança -


Maravilha!

• Referenciado em Mãe - Francisco Cândido Xavier/Espíritos Diversos - O

Clarim.

159

Edison Carneiro

Maria! - consolação

Dos pobres, dos desgraçados,

Dos corações desolados

Na aflição,

Compadecei-vos, Senhora,

De tão grandes sofrimentos,

Deste mundo de tormentos,

Que apavora.

Livrai-nos do abismo tredo90

Dos males, dos amargores,

Protegei os pecadores

No degredo.

Estendei o vosso manto

De bondade e de ternura,
Sobre tanta desventura,

Tanto pranto! Concedei-nos vosso amor,

A vossa misericórdia,

Dai paz a toda discórdia,

Trégua à dor!...

Vós que sois Mãe carinhosa

Dos fracos, dos oprimidos

Deste vale de gemidos,

Mãe bondosa!

João de Deus91

Tredo = traiçoeiro

90

Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

91

-Feb.

160

MARIA, Mãe de Jesus

A Virgem

Vós sois do mundo a estrela da esperança,


A salvação dos náufragos da vida;

A custódia das almas sofredoras,

Consolação e paz dos desterrados

Do venturoso aprisco das ovelhas

De Jesus Cristo, o Filho muito amado!

Fanal92 radioso aos pobres degredados,

Anjo guiador dos homens desgarrados

Do Evangelho de luz do filho vosso.

Virgem formosa e pura da bondade,

Providência dos fracos pecadores,

Astro de amor na noite dos abismos,

Clarão que sobre as trevas da cegueira

Expulsa a escuridão das consciências!

Virgem da piedade e da pureza,

Estendei vossos braços tutelares

À Humanidade inteira, que padece,

Espíritos na treva das angústias,

No tenebroso báratro93 das dores,

Mergulhados nas tredas94 tempestades

Do mal, que lhes ensombra a mente e a vista;


Cegos desventurados, caminhando

Em busca de outras noites mais escuras.

Fanal = farol, grande lâmpada que os barcos levavam para sinalização.

92

Báratro = caos, confusão.

93

Tredas = traiçoeiras.

94

161

Edison Carneiro

Legião de penitentes voluntários,

Afastados do amor e da verdade,

Fugitivos da luz que os esclarece!

Anjo da caridade e da virtude,

Estendei vossas asas luminosas

Sobre tanta miséria e tantos prantos.

Dai fortaleza àqueles que fraquejam,

Apiedai-vos dos frágeis caminhantes,

Iluminai os cérebros descrentes,


Fortalecei a fé dos vacilantes,

Clareai as sendas obscurecidas

Dos que se vão nos pântanos dos vícios

Existem almas míseras que choram

Amarradas ao potro das torturas,

E corações farpeados de amarguras...

Enxugai-lhes as lágrimas penosas!

Virgem imaculada de ternura,

Abençoai os mansos e os humildes

Que acima de ouropéis95 enganadores

Põe o amor de Jesus, eterno e puro!

Dulcificai as mágoas que laceram

Pobres almas aflitas na voragem

Das provações mais rudes e amargosas.

Estendei, Virgem pura, o vosso manto

Constelado de todas as virtudes,

Sobre a nudez de tantos sofrimentos

Ouropéis = lâminas de latão imitando ouro; ouro falso.

95

162
MARIA, Mãe de Jesus

Que despedaçam almas exiladas

No orbe da expiação que regenera...

Ele será a luz resplandecente

Sobre a miséria dos padecimentos,

Afastando amarguras, concedendo

Claridades a estradas pedregosas...

Conforto às almas tristes deste mundo,

Porto de segurança aos viajantes,

Clarão de sol nas trevas mais espessas,

Farol brilhante iluminando os trilhos

De todos os viajores que caminham

Pela mão de Jesus, doce e bondosa;

O pão miraculoso, repartido

Entre os esfomeados e os sedentos

De paz, que os acalente e os conforte!

Virgem, mãe de Jesus, anjo de amor,

Vinde a nós que na luta fraquejamos,

Ajudai-nos a fim de que a vençamos...


Vinde, piedosa virgem de bondade,

Cremos em vós, na vossa alma divina!

Vinde! ... dai-nos mais força e mais coragem,

Derramai sobre nós o eflúvio santo

Do vosso amor, que ampara e que redime...

Vinde a nós! nossas almas vos esperam,

Almas de filhos míseros que sofrem,

Atendei nossas súplicas, Senhora,

Providência da pobre Humanidade.

Bittencourt Sampaio96

* Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/Espíritos diversos

- Feb.

163

SOBRE HUMBERTO DE CAMPOS

A biografia de Maria aqui apresentada, que conside-

ramos real, pois apoiada na mediunidade de Chico Xavier,

deve-se em noventa por cento ao Espírito Humberto de

Campos. Cabe, portanto, alguns traços biográficos sobre

o biógrafo.

Estas páginas não fogem ao foco da obra porque


Humberto é um Servidor de Maria. Mais que rótulos, que

de nada valem, e que ele dispensa, serviu Nossa Senhora,

espalhando a compaixão traduzida em páginas de consolo

e esperança, que espalhou em meio às suas expiações e

provas aqui na Terra e no Plano Espiritual. Há servidores

de Maria que são espíritos superiores e também há os pe-

queninos, lutando contra suas más tendências, tropeçando

e caindo como crianças espirituais. Maria ama a todos e

dá oportunidades a todos de trabalho como mãe extremo-

sa e imparcial.

Sempre dei preferência às autobiografias face a

biografias, pois ninguém conhece melhor a sua vida do

que aquele que a viveu. Para que me atrever a dizer que

Humberto foi isso ou aquilo se ele próprio se conta e

define em centenas de páginas, nas suas memórias, diá-

rios, crônicas, cartas, etc, tanto no plano físico quanto no

espiritual?

Dada a feição de "álbum de fotografias" neste li-

vro, listo a seguir flashes da vida do Humberto, registra-

dos pelo próprio Humberto nos seus textos.


165

Origem

"Sou, física e moral e intelectualmente, o produto

de quatro ou cinco famílias portuguesas que o tempo e o

meio vem debilitando, e que aclimatou, sem se integrar,

no ambiente americano... Isso explica, talvez, as tendên-

cias disciplinadas e disciplinadoras do meu espírito, a

minha paixão pela ordem clássica, e a feição puramente

europeia do meu gosto. Tenho horror a insubmissão, e a

desordem... Vibram automaticamente, no meu sangue e

nos meus nervos, oito séculos de civilização."


O pai
"Era um homem de estatura acima de mediana,

ágil, airoso e elegante. Claro e corado, olhos azuis, cabe-

leira farta e ondulada, de ouro queimado, quase vermelha;

bigode da mesma cor; e uma suíças baixas que lhe chega-

vam até o meio da face... Guapo, alegre, sempre disposto

e em movimento, era o que se chama hoje, um tipo espor-

tivo... Vejo-o pulando o balcão de (sua) loja, num salto

rápido e firme."

A mãe

"Morena, longos cabelos negros, olhos castanho

escuros, havia tido varíola, quando menina, possuindo por

isso a pele marcada, mas muito fina... Minha mãe enfren-

tou a vida com heroísmo sereno e silencioso, e com tran-

quilo espírito de decisão... Mentalmente era, talvez, entre

as irmãs, o espírito culminante da família.

O dia das mães... Este é... o meu dia de glória. Du-

rante todo o ano, os outros homens me causam inveja. Eles

têm o seu palácio, o seu lar, os seus automóveis, as suas


roupas, as suas mulheres, a sua robustez, o seu prestígio

166

mundano ou político, a luz do seu espírito ou a luz dos

seus olhos. Mas eu tenho tanto como eles, e mais do que

muitos deles, porque ainda tenho na terra, pensando em

mim, velando por mim, rezando por mim, a minha mãe."


Nascimento
"Nasci a 25 de outubro de 1886... Não tenho certe-

za da hora; parece-me, todavia, ter ouvido dizer à minha

mãe que foi a três ou quatro da manhã. Eu sempre fui,

aliás, excelente madrugador... Sempre fui proclamado,

embora sem irritação consciente de minha parte, o meni-

no mais feio da família. Nasci feio, e tenho sido, na vida,

nesse ponto, de uma coerência acima de todo elogio...

Faltam-me elementos históricos e geográficos para

escrever sobre a pequena vila (Miritiba) em que nasci...

Situada à algumas léguas da foz do Piriá, repousa por trás

de uma série de dunas... Dependendo do oceano a maré

leva-lhe todos os dias, a água do mar e seus peixes... A

vila possui, correndo paralelamente a rua da frente, mais

duas ou três, em que os pés dos transeuntes se afundam

na areia solta..."

A irmã

"Minha irmã pequenina possuía, entretanto, índole

precisamente diversa... A maior parte das minhas traves-


suras tinham-na como vítima... Ao ver-me, porém, sub-

metido a castigo violento, precipitava-se em meu auxílio,

abraçava-se comigo, e, não raro, apanhávamos juntos,

quando me puniam por sua causa... Era uma criança linda

e boa... Foi uma filha carinhosa e meiga, e esposa pura e

modelar. Por isso, morreu. E eu fiquei."

167

A infância

"Eu tenho a impressão que não fui, jamais, um me-

nino alegre e querido, por mais que recue no tempo em

busca de mim mesmo, só me encontro impulsivo e rebelde,

mas dominado, intimamente por uma profunda tristeza,

com imprevistas explosões de esquisita sensibilidade...

Nasci, pois, com todos os atributos para ser um triste, um

rústico, um insubmisso, um revoltado. E obedeci na in-

fância e na adolescência essa predestinação... A Vida é

que, com suas esporas de aço, rasgando-me as carnes,

subjugando-me os ímpetos, domesticou, pouco a pouco,

este potro selvagem."


Órfão

"(Meu pai) havia saído a passeio em um cavalo ár-

dego97 que exigia espora de fidalgo e pulso de cavaleiro...

Minha irmã, que tinha apenas dois anos, sai na carreira e

cai, na rua, sob as patas do animal... O quadrúpede res-

folega impaciente, mordendo o freio... Um movimento

qualquer, e, sentando-lhe uma das patas na espinha frágil,

pode matar a menina... Vem a meu pai uma ideia súbita

e desesperada: crava de repente, e com violência, as es-

poras no ventre do animal, que dá um arranco, saltando

longe. A filha estava salva, mas ele estava morto... A da-

tar, porém, desse dia, não teve mais saúde... Ano e meio

depois estava morto... Quando meu pai morreu, eu tinha

seis anos e vinte e dois dias.

Minha mãe, de pé agita seu lenço, que bate como

uma asa de pássaro branco estonteado na noite. Outros

lenços se agitam na praia, na mão das sombras. Abraça-

dos a minha mãe que chora, eu e minha irmã pequena..."

Fogoso.

97
168

A pobreza

"A nossa mudança de Miritiba, onde meu pai era

tudo e não nos faltava nada, para Paranaíba, onde éramos

nada e nos faltava tudo, começou a influir muito cedo no

meu caráter... Eu fui um menino que não possuiu, parece,

jamais um brinquedo delicado... No meu aniversário, ou de

minha irmã, seu brinde consistia em servir o nosso almo-

ço fora da mesa, improvisando um "banquete" sobre um

caixão de querosene, coberto com uma toalha de rosto..."

O trabalho - Lavador de garrafas

"Emília, filha de uma simpática mulata de Barreiri-

nhas com um primo de meu pai, nascera também mulata,

mas de cabelo liso. Viera para São Luiz, onde, depois do

nascimento de uma filha, se ligou ao comerciante portu-

guês José Dias Matos, proprietário da casa Transmontana.

Meu pai não ia ao Maranhão sem ir visitá-la. Tio Emídio

não desdenhava o mesmo prazer. Pequena e elegante, os

seus dotes maiores eram da alma e coração. Era boa. Era


caridosa. Era alegre. E era, sobretudo, dedicadíssima ao

homem que lhe dera o pão...

A excelente criatura foi me despertar no sótão com

a notícia que esperava há muito tempo: o sr. José Dias de

Matos, o português com quem vivia e que foi mais tar-

de, seu marido, havia resolvido a minha admissão como

caixeiro98...

— Hoje você vai para o tanque lavar garrafas.

Amanhã é dia de engarrafar vinho.

Não esperei nova ordem. Vesti uma calça velha,

arregacei as mangas da camisa, substituí os sapatos por

* 98 Equivalente a balconista e ajudante geral de loja.

169

uns tamancos e sentei-me num caixote vazio, ao lado

do tanque cheio dágua, e em que as garrafas jaziam

mergulhadas... Se alguém bebeu vinho da casa Trans-

montana de setembro de 1900 a agosto de 1901 pode

ficar seguro de que as garrafas estavam limpas. Quem

as lavava era eu...

A noite a mercearia fechava as portas. Corria a to-


mar o meu banho. Vestia-me. Atravessava a rua. Entrava

na Biblioteca Pública.

E ia viajar com Julio Verne."

O trabalho - Escritor

"Ao tomar posse, a 8 de maio de 1920, da cadeira

que ocupo na Academia Brasileira de Letras, eu pronun-

ciei estas palavras... nada me patenteia tanto a fragilidade

humana como a presença dolorosa de um cego"...

A crítica não me conhece. Os homens de letras não

me lêem. As classes ilustradas ignoram a minha passa-

gem pela Terra... mas como me sinto pago de todos os

tormentos da vida quando recebo essas cartas que dia-

riamente me chegam... mas me dão a certeza de que eu

penetrei em uma casa pobre, na intimidade de um cora-

ção dolorido, e alegrei um triste e confortei um deses-

perado... As palavras de gratidão desses mártires são as

moedas do meu cofre...

É esse, igualmente, o dever de um escritor pobre,

em um país pobre: manter-se no seu posto até a morte,

sem ser pesado a ninguém, e comer, se preciso, o seu bra-


ço esquerdo, para que a mão direita permaneça livre e tra-

balhe infatigável,condenando o erro, espalhando o bem,

semeando a Verdade."

170

O trabalho - Político

"Domingo, 21 de outubro (de 1928) - (Em Salva-

dor na Bahia) o tenente-coronel Faria, ajudante de ordens

do governador Vital Soares, o qual vem para me comuni-

car que este me espera para jantar, e põe a minha disposi-

ção um automóvel, para visitar a cidade...

Sábado, 27 de outubro (de 1928) - (No navio Pedro

I) As duas horas avista-se o farol de São Marcos. As três a

cidade. Como é bizarra a minha São Luiz... Do navio vê-

-se a rampa embandeirada, e o povo aglomerado ao sol...

os correligionários adiantam-se abraçando o filho pródi-

go... O dr. Clarindo Santiago sobe a uma tribuna arma-

da no cais, e lê um discurso de saudação... Respondo-lhe

com emoção... conduzindo-me ao palácio, que é franque-


ado ao povo e onde me espera o Presidente Magalhães

de Almeida... A noite jantar político...com a presença ofi-

cial... A mesa estão Alfredo de Assis, meu companheiro

de boêmia e fome no Pará...

(Novembro de 1928) O coronel João Castelo Bran-

co (de Caxias no Maranhão) quer saber a que horas che-

garei ali (de trem). Explico que só estarei a uma hora da

madrugada.

— Não faz mal; nós esperamos...

Peço-lhe desculpas...passarei sem parar... regressa-

rei na tarde seguinte para visitar Caxias...

— Não... o senhor passa amanhã e passa hoje

também...

Uma hora da manhã. A noite está escura... O trem

apita. Uma banda de música responde com toda a força

dos metais. A estação está cheia. Políticos. Operários...

Na época o governador tinha o título de presidente do estado.

99

171
Abraço-os a todos. E o trem se põe em marcha, de novo,

debaixo da musica e das ovações daquela gente boa e

amiga, entre a qual vou deixando, de passagem, em for-

mas íntimas de reconhecimento, pedaços do meu coração.

Sábado, 26 de maio de 1929 - como não houves-

se sessão na Câmara (Federal), sentamo-nos a um canto,

Manuel Vilaboin, Afrânio Peixoto, Elói de Souza, e eu, a

conversar sobre os homens e os fatos da política nacional...

Era pensamento meu, há muito tempo, falar em ar-

tigo, desse homem (Magalhães de Almeida)... Eu me en-

contrava porém em estado de suspeição. Deputado eleito

pelo partido que lhe obedece à orientação, o meu gesto

poderia ser tomado como um ato de lisonja... O Governo

Provisório, na sua sabedoria e na sua prudência, tirou-me,

porém esse constrangimento, cassando-me os direitos

políticos. Durante cinco anos, não poderei no, meu país,

votar nem ser votado... O Sr. Magalhães de Almeida se

acha armado, em suma, para a solução de todos os pro-

blemas brasileiros. Não tem ideologias. Não tem teorias.

Não vive de abstrações. Mas conhece sua terra, conhece a


alma e as necessidade do seu povo, e dispões de um senso

prático e de um espírito de moderação..."

Educação

(Registrando a visita que recebeu de Armando Sa-

les de Oliveira100 ) "A Universidade de São Paulo é a

primeira semente do Brasil Novo... a Universidade cria

as elites. E a crise brasileira não é popular, mas das clas-

ses superiores; não é das massas, mas dos que devem

Interventor do Estado de São Paulo na década de 1930, cargo equiva-

100

lente ao governador de hoje.

172

dirigi-las... São Paulo compreendeu isso e vai iniciar a

grande marcha. A Universidade que estamos fundando...

vai formar e disciplinar para a vida pública, para as ne-

cessidades de sua política e da sua ciência, a primeira

geração homogênea...

O gramático não deve tentar, como atualmente

acontece, elevar a criança a uma condição de adulto, para

ensinar-lhe o idioma; o seu dever é descer à condição da


criança, para entender-se com ela e subirem juntos, gra-

dualmente, a escada do conhecimento... Eu jamais me

meti, na minha vida em uma conspiração. No dia, porém,

em que as crianças do Brasil se reunirem secretamente

para linchar um gramático ou um professor de português,

podem contar comigo... A primeira paulada é minha."

A Doença

"Vivi as horas mais terríveis que pode viver um

homem, quando em janeiro de 1928, recebi a sentença

condenatória da ciência, com o diagnóstico da hipertrofia

da hipófise, que se caracterizava de modo alarmante. Em

meados de 1930 os efeitos dessa enfermidade se alastra-

vam... o olho esquerdo ficou perdido, sem nenhuma lesão

aparente. As mãos se tornaram volumosas, acompanhadas

de dormência, que aumentava durante o trabalho e duran-

te o sono. A parte inferior do braço tomada de dores, pela

falta de circulação, fazia-me levantar de hora em hora...

hipertrofia prostática... intoxicação... sonhos maus... pe-

sadelos... sentia a cabeça enorme e a língua pesada... sur-

dez... suores frios... respiração curta e difícil...


A enfermidade implacável que me assaltou conti-

nua no seu curso... Deixei de ler... As dores nas minhas

pernas são mais fortes... mas trabalho contente...

173

Não obstante trabalhei sempre, e não deixei de

prover, com os recursos da minha pena, as necessidades

da minha casa... retirei meu filhos do colégio... atirando-

os ao trabalho... Sinto que a minha alma se purifica no

sofrimento, e que o meu coração, trabalhado pelas dores

próprias, se preparou melhor para compreender as dores

alheias...

Perdi, com minha casa hipotecada, tudo o que pos-

suía como fortuna terrena... mas o trabalho não me falta,

e, com o produto do meu trabalho, tenho tudo o que dese-

jo, porque hoje desejo pouco..."


Inimigos
"Nasci no Maranhão, em uma vila que, arrepen-

dida de me haver dado ao mundo, se está suicidando aos

poucos, e ao mesmo tempo se sepultando sobre monta-

nhas de areia. E eu quero bem a minha terra... Quando

em 1928, eleito seu representante na Câmara, fui visitá-la,

um dos jornais da capital dedicou-me um grande artigo

na primeira página onde terminava com esta frase textual:

"Em suma, é esta pústula que vem aí"...

Mais tarde correndo por lá a notícia da enfermida-

de que ainda hoje me atormenta, o mesmo diário afixou

a sua porta um cartaz, e publicou um editorial de para-

béns ao Brasil com essa passagem que é um primor pelos

sentimentos que revela: "O castigo chegou: Humberto

de Campos vai ficar cego!"... mesmo assim continuo a

estimar, fraternalmente a todos os meus coestaduanos...

E eu, abençoando o solo em que nasci como erva má,

perdoo os que me injuriam, e não peço a Deus senão luz

para os olhos daqueles que festejaram a morte prematura


dos meus.

174

Amorte101

"A morte não veio buscar a minha alma, quando

esta se comprazia nas redes douradas da ilusão. A sua te-

soura não me cortou fios de mocidade e de sonho, porque

eu não possuía senão neves brancas e rígidas à espera do

sol para se desfazerem...

A minha excessiva vigilância trouxe-me a insónia,

que arruinou a tranquilidade dos meus últimos dias. Per-

seguido pela surdez, já os meus olhos se apagavam como

as derradeiras luzes de um navio soçobrando em mar en-

capelado no silêncio da noite...

Sem esmorecimento atirei-me ao combate, não

para repelir mouros na costa, mas para erguer muito

alto o coração, retalhado nas pedras do caminho como

um livro de experiências para os que vinham depois dos

meu passos...

Quando me encontrava nessa faina de semear a re-


signação, a primeira e a última flor dos que atravessam

o deserto das incertezas da vida, a morte abeirou-se do

meu leito... Adormeci nos seus braços como um ébrio nas

mãos de uma deusa...

— Humberto!... Humberto!... - exclamou uma voz

longínqua - recebe o que te enviam da Terra!

Arregalei os olhos com horror e com enfado:

— Não! Não quero saber de panegíricos e agora

não me interessam as seções necrológicas dos jornais.

— Enganas-te - repetiu - as homenagens da con-

venção não se equilibram até aqui. A hipocrisia é como

certos micróbios de vida muito efêmera. Toma as preces

que se elevaram por ti a Deus, dos peitos sufocados, onde

Palavras do Infinito - Francisco C. Xavier - LAKE.

101

175

penetraste com tuas exortações e conselhos. O sofrimento

entornou sobre o teu coração um cântaro de mel.

Vi descer, de um ponto indeterminado do espaço,

braçadas de flores inebriantes como se fossem feitas de


neblina resplandescente, e escutei, envolvendo meu nome

pobre, orações tecidas com suavidade e doçura...

Nossa Senhora deveria ouvi-las no seu trono de

jasmins bordados de ouro, contornado pelos anjos que

eternizam a sua glória...

Encontrei alguns amigos a quem apertei frater-

nalmente as mãos... E voltei cá. Voltei para falar com os

humildes e os infortunados, confundidos na poeira da

estrada das suas existências, como frangalhos de papel,

rodopiando ao vento...

E posso acrescentar como o neto de Marco Aurélio,

no tocante a morte que me arrebatou da prisão nevoenta

da Terra:

— É minha carta de alforria... Agora posso ir

onde quero.

Os amargores do mundo eram pesados demais para

o meu coração..."

176

RESUMO DA
DOUTRINA ESPÍRITA102

Os seres que se manifestam designaram-se a si

mesmos, como dissemos, pelo nome de Espíritos ou Gê-

nios, e dizem ter pertencido, alguns pelo menos, a ho-

mens que viveram na Terra. Constituem eles o mundo

espiritual, como nós constituímos, durante a nossa vida,

o mundo corporal.

Resumimos aqui, em poucas palavras, os pontos

principais da Doutrina que nos transmitiram, a fim de

mais facilmente respondermos a certas objeções.

Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-

poderoso, soberanamente justo e bom.

Criou o Universo, que compreende todos os seres

animados e inanimados, materiais e imateriais.

Os seres materiais constituem o mundo visível ou

corporal, e os seres imateriais o mundo invisível ou espí-

rita, ou seja, dos Espíritos.

O mundo espírita é o mundo normal, primitivo,

eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.

O mundo corporal não é mais do que secundário,


poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem alte-

rar a essência do mundo espírita.

Os Espíritos revestem, temporariamente, um invó-

lucro material perecível, cuja destruição, pela morte, os

devolve à liberdade.

'° Resumo feito por Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita, em O

Livro dos Espíritos, item VI da Introdução.

177

Entre as diferentes espécies de seres corporais,

Deus escolheu a espécie humana para encarnação dos Es-

píritos que chegaram a um certo grau de desenvolvimen-

to, sendo isso que lhe dá superioridade moral e intelectual

perante as demais.

A alma é um Espírito encarnado, do qual o corpo

não é mais que um invólucro.

Há no homem três coisas:

1) 0 corpo ou ser material, semelhante aos animais

e animado pelo mesmo princípio vital.

2) A alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no


corpo.

3) O laço que une a alma ao corpo, princípio inter-

mediário entre a matéria e o Espírito.

O homem tem assim duas naturezas: pelo seu corpo,

participa da natureza dos animais, dos quais possui os ins-

tintos; pela sua alma, participa da natureza dos Espíritos.

O laço ou perispírito, que une o corpo e o Espírito,

é uma espécie de invólucro semi-material. A morte é a

destruição do invólucro mais grosseiro, a carne. O Espí-

rito conserva o segundo, que constitui para ele um corpo

etéreo, invisível para nós no seu estado normal, mas que

ele pode tornar com permissão, visível e mesmo tangível,

como se verifica nos fenômenos de aparição.

O Espírito não é, portanto, um ser abstrato, indefi-

nido, que só o pensamento pode conceber. É um ser real,

circunscrito, que, em certos casos, pode ser apreciado pe-

los nossos sentidos da vista, da audição e do tato.

Os Espíritos pertencem a diferentes classes, não

sendo iguais nem em poder, nem em inteligência, nem em

saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem são os


Espíritos superiores, que se distinguem dos demais pela

178

perfeição, pelos conhecimentos e pela proximidade de

Deus, a pureza dos sentimentos e o amor genuíno: são

esses os anjos ou Espíritos puros. As demais classes se

distanciam mais e mais desta perfeição. Os das classes in-

feriores são inclinados às nossas paixões: o ódio, a inveja,

o ciúme, o orgulho, e t c , e se comprazem no mal. No seu

número, há os que não são nem muito bons, nem muito

maus; antes, perturbadores e intrigantes já que a malícia e

a inconsequência parecem ser as suas características; são

eles os Espíritos estouvados ou levianos.

Os Espíritos não pertencem eternamente à mesma

ordem. Todos se melhoram, passando pelos diferentes

graus da hierarquia espírita. Esse melhoramento se verifi-

ca pela encarnação, que a uns é imposta como uma expia-

ção e a outros como missão. A vida material é uma prova

a que devem submeter-se repetidas vezes, até atingirem a

perfeição; é uma espécie de peneira ou depurador, de que

eles saem mais ou menos purificados.


Deixando o corpo, a alma volta ao mundo dos

Espíritos, de onde havia saído para reiniciar uma nova

existência material, após um lapso de tempo mais ou

menos longo, durante o qual permanece no estado de

Espírito errante.

Devendo o Espírito passar por muitas encarnações,

conclui-se que todos nós tivemos muitas existências, e

que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas,

seja na Terra, seja em outros mundos.

A encarnação dos Espíritos verifica-se sempre na

espécie humana. Seria um erro acreditar-se que a alma ou

Espírito pudesse encarnar no corpo de um animal.

As diferentes existências corporais do Espírito

são sempre progressivas, jamais retroagem, e a rapidez

179

do progresso depende dos esforços que fazemos para

chegar à perfeição.

As qualidades da alma são as do Espírito que encar-

namos. Assim o homem de bem é a encarnação de um bom

Espírito, e o homem perverso, a de um Espirito impuro.


A alma tinha a sua individualidade antes da encar-

nação, e a conserva após a separação do corpo.

No seu regresso ao mundo dos Espíritos, a alma

reencontra todos os que conheceu na Terra, e todas as suas

existências anteriores se delineiam na sua memoria, com

a recordação de todo o bem e todo o mal que tenha feito.

O Espírito encarnado está sob a influência da maté-

ria. O homem que supera essa influência, pela elevação e

purificação de sua alma, aproxima-se dos bons Espíritos,

com os quais estará um dia. Aquele que se deixa dominar

pelas más paixões, como a inveja, o orgulho, a avareza,

etc., e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apeti-

tes grosseiros, aproxima-se dos Espíritos impuros, dando

preponderância à natureza animal.

Os Espíritos encarnados habitam os diferentes glo-

bos do Universo.

Os Espíritos não encarnados, ou errantes, não ocu-

pam nenhuma região determinada ou circunscrita; estão

por toda parte, no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e

acotovelando-nos sem cessar. É toda uma população invi-


sível que se agita ao nosso redor.

Os Espíritos exercem sobre o mundo moral e mes-

mo sobre o mundo físico uma ação incessante. Eles agem

sobre a matéria e sobre o pensamento, e constituem uma

das forças da natureza, causa de uma multidão de fenôme-

nos até agora inexplicados ou mal explicados, e que não

encontram uma solução racional.

180

As relações dos Espíritos com os homens são cons-

tantes. Os bons Espíritos nos convidam ao bem, nos sus-

tentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com

coragem e resignação; os maus nos convidam à queda: é

para eles um prazer ver-nos sucumbir e nos assemelhar-

mos ao seu estado.

As comunicações ocultas, verificam-se pela influ-

ência boa ou má que eles exercem sobre nós, sem o sa-

bermos, cabendo ao nosso julgamento discernir as más e

boas inspirações. As comunicações ostensivas realizam-

se por meio da escrita, da palavra ou outras manifestações

materiais, na maioria das vezes, através de médiuns que


lhes servem de instrumento.

Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou

pela evocação. Podemos evocar todos os Espíritos: os que

animaram homens obscuros e os dos personagens mais

ilustres, qualquer que seja a época em que tenham vivido;

os de nossos parentes, de nossos amigos ou inimigos, e

deles obter, por comunicações escritas ou verbais, con-

selhos, informações sobre a situação que se acham no es-

paço, seus pensamentos a nosso respeito, assim como as

revelações que lhes seja permitido fazer-nos.

Os Espíritos são atraídos na razão de sua simpatia

pela natureza moral do meio que os evoca. Os Espíritos

superiores gostam das reuniões sérias, em que predo-

minam o amor ao bem e o desejo sincero de instrução e

melhoria. Sua presença afasta os Espíritos inferiores, que

encontram, ao contrário, um livre acesso, e podem agir

com inteira liberdade, entre as pessoas frívolas ou guiadas

apenas pela curiosidade, e por toda parte onde encontram

maus instintos. Longe de obtermos deles bons conselhos

e informações úteis, nada mais devemos esperar do que


181

futilidades, mentiras, brincadeiras de mau gosto ou misti-

ficações, pois frequentemente se servem de nomes vene-

ráveis para melhor nos induzirem ao erro.

Distinguir os bons e os maus Espíritos é extrema-

mente fácil. A linguagem dos Espíritos superiores é cons-

tantemente digna, nobre, cheia da mais alta moralidade,

livre de qualquer paixão inferior; suas comunicações re-

velam a mais pura sabedoria, e têm sempre por alvo o

nosso progresso e o bem da humanidade. A dos Espíri-

tos inferiores, ao contrário, é inconsequente, quase sem-

pre banal e mesmo grosseira; se dizem às vezes coisas

boas e verdadeiras, dizem com mais frequência falsidades

e absurdos, por malícia ou por ignorância; zombam da

credulidade e divertem-se à custa dos que os interrogam,

lisonjeando-lhes a vaidade e embalando-lhes os desejos

com falsas esperanças. Em resumo, as comunicações sé-

rias, na perfeita acepção do termo, não se verificam senão

nos centros sérios, cujos membros estão unidos por uma

íntima comunhão de pensamentos dirigidos ao bem.


A moral dos Espíritos superiores se resume, como

a do Cristo, na máxima evangélica: "Fazer aos outros o

que quereríamos que os outros nos fizessem", ou seja, fa-

zer o bem e não fazer o mal. O homem encontra nesse

princípio a regra universal de boa conduta, mesmo para

as menores ações.

Eles nos ensinam que o egoísmo, o orgulho, a

sensualidade são paixões que nos aproximam da nature-

za animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que,

neste mundo, se liberta da matéria, pelo desprezo das fu-

tilidades mundanas e o cultivo do amor ao próximo, se

aproxima da natureza espiritual; que cada um de nós deve

tornar-se útil, segundo as faculdades e os meios que Deus

182

nos colocou nas mãos para nos provar; que o forte e o po-

deroso devem apoio ao fraco, porque aquele que abusa da

sua força e de seu poder, para oprimir o seu semelhante,

viola a lei de Deus. Eles ensinam, enfim, que, no mundo

dos Espíritos, nada pode permanecer escondido, o hipócri-

ta será desmascarado e todas as suas torpezas reveladas;


que a presença inevitável e em todos os instantes daqueles

que prejudicamos é um dos castigos que nos estão reser-

vados; que aos estados de inferioridade e de superioridade

dos Espíritos correspondem penas e alegrias que são des-

conhecidas na Terra.

Mas eles ensinam também, que não há faltas irre-

missíveis que não possam ser resgatadas pela expiação. O

homem encontra o meio necessário, nas diferentes exis-

tências que lhe permitem vivenciar e avançar, segundo o

seu desejo e os seus esforços, na via do progresso, rumo à

perfeição, que é o seu objetivo final.

183

BIBLIOGRAFIA

A maioria dos textos que constitui esta pequena antologia vieram

de publicações da Federação Espírita Brasileira (www.febnet.org.br),

as quais recomendamos ao leitor:

• Boa Nova - Francisco Cândido Xavier/Humberto de


Campos.
No dizer dos próprios editores:

Esta obra, tão apreciada pelos espíritas, focaliza passagens

evangélicas de expressiva beleza, onde Jesus com seus discípulos

e outros conhecidos personagens do cristianismo nascente, como

Maria Madalena, Joana de Cusa, Nicodemos, trazem lições de sa-

bedoria ao homem atuai.

Reúne 30 episódios, onde o leitor será envolvido pela ter-

nura e encanto de personagens e situações relacionados com a

presença do Cristo de Deus, entre nós, que falam sobretudo ao

coração dos que trabalham pela implantação do Reino de Deus

no mundo.

Neste livro, o Espírito de Humberto de Campos nos lembra

que "todas as expressões evangélicas têm, entre nós, a sua história

viva. Nenhuma delas é símbolo superficial. Inumeráveis observa-

ções sobre o Mestre e seus continuadores palpitam nos corações

estudiosos e sinceros".

• Memórias de um Suicida - Yvonne A. Pereira.

Nesta obra redigida pelo escritor português Camilo Castelo


Branco, revisada por Leon Denis e recebida mediunicamente por

Yvonne são apresentados os sofrimentos advindos do suicídio e

seu processo de recuperação; sobre seu conteúdo comenta Leon

Denis no prefácio:

Que medites sobre estas páginas, leitor, ainda que duro se

torne para o teu orgulho pessoal o aceitá-las! E se as lágrimas al-

guma vez rociarem tuas pálpebras, a passagem de um lance mais

185

dramático, não recalcitres contra o impulso generoso de exaltar teu coração


em prece piedosa, por aqueles que se estorcem nas trá-

gicas convulsões da inconsequência de infrações às leis de Deus!

• Parnaso de Alem-Túmulo - Francisco Cândido Xavier/

Espíritos Diversos.

Contém 259 poesias ditadas por 56 poetas brasileiros e por-

tugueses, testemunhando que a vida continua após a morte. Nele

encontraremos a mesma pureza diamantina de Guerra Junqueiro,

a vibração forte e candente de Castro Alves, a visão crua das vai-

dades humanas de Augusto dos Anjos, e tantos outros vultos que

enriqueceram a língua portuguesa, mas tudo isso acrescido da am-

plidão que a visão após a morte proporciona.

• Paulo e Estevão - Francisco Cândido Xavier/Emmanuel.


No dizer dos próprios editores:

Emmanuel neste romance resgata a imagem de Paulo de

Tarso, visto por alguns como um fariseu fanático, perseguidor de

cristãos, e da então nascente doutrina cristã, apresentando-o como

um ser corajoso e sincero que se arrependeu de sua postura radi-

cal, empreendeu acelerada revisão de conceitos e atendeu ao cha-

mado de Jesus na estrada de Damasco, transformando sua vida

num exemplo de trabalho, por dezenas de anos dedicados a abrir

igrejas cristãs e dar-lhes assistência.

Paulo e Estevão fará você compreender como o amor apa-

ga a multidão de faltas cometidas.

• A Divina Epopéia - Bittencourt Sampaio.

Versão em versos brancos do Evangelho segundo João por

esse destacado poeta brasileiro do século XIX.

• Volta Bocage - Francisco Cândido Xavier/Bocage.

Neste pequeno livro, o grande poeta português volta do

além para transmitir-nos doze belos poemas.

• Lazaro Redivivo - Francisco Cândido Xavier/Irmão X.

Este livro contém 50 mensagens de Humberto de Campos

que se vale do pseudônimo de Irmão X, trazendo-nos novos ângu-


los do Evangelho de Jesus com sua refinada sensibilidade. Contos,

186

crônicas, cartas abordando os mais variados temas, mas sempre

sob as luzes da espiritualidade cristã.

• Novas mensagens - Francisco Cândido Xavier/Humberto


de Campos.
Doze interessantíssimos textos de Humberto de Campos

nos primeiros tempos de sua vida no plano espiritual onde sua fina

sensibilidade nos descerra novos ângulos da vida.

• Caminho, Verdade e Vida - Francisco Cândido Xavier/


Emmanuel.
Livro que faz parte da coleção: "Vinha de Luz", "Pai Nos-

so", "Fonte Viva", onde o espírito Emmanuel nos apresenta um

estudo sobre o novo testamento, onde são examinados em cada

mensagem apenas um versículo (ou parte dele) nos revelando o

sentido profundo dos ensinamentos de Jesus. Nas palavras do

mesmo Emmanuel:

Muitos amigos estranhar-nos-ão talvez a atitude, isolando

versículos e conferindo-lhes cor independentementedo capítulo

evangélico a que pertencem. Em certas passagens, extraímos daí

somente frases pequeninas, proporcionando-lhes fisionomia espe-

cial e, em determinadas circunstâncias, as nossas considerações

desvaliosas parecem contrariar as disposições do capítulo em que

se inspiram.

Assim procedemos, porém, ponderando que, num colar de

pérolas, cada qual tem valor específico e que, no imenso conjunto

de ensinamentos da Boa Nova, cada conceito do Cristo ou de seus

colaboradores diretos adapta-se à determinada situação do Espíri-

to, nas estradas da vida.


Obras citadas de outras Editoras:

• Horto - Auta de Souza - Fundação José Augusto, Natal

(RN).

A destacada poetisa do Rio Grande do Norte produziu ape-

nas este livro na sua curta e atormentada vida. Porém, é sem dú-

vida uma das mais belas coleções de poemas que um coração de

mulher já produziu; mulher que alia nos seus escritos a dor bal-

samizada pela fé, erros solucionados pelo perdão, e todos esses

aspectos solucionados no amor puro.

187

• Momentos de Ouro - Francisco Cândido Xavier/Espíri-

tos Diversos - Geem, São Bernardo do Campo.

Vejamos um trecho do prefácio formulado por Bezerra de

Menezes:

É por isso, leitor amigo, que te entregamos este volume sem

mais preâmbulos.

Ele foi feito nos momentos dourados de amigos queridos

que nos proporcionam os mais altos instantes de meditação e

aprendizado, emotividade e alegria, porquanto, nestes registros da


Espiritualidade Superior, transfigurados em letras do mundo, senti-

mo-nos envoltos em vibrações de paz - a paz indescritível que nos

guia o sentimento para o encontro íntimo com Deus.

• Mãe - Francisco Cândido Xavier/Espíritos Diversos -

Casa Editora O Clarim, Matão.

Ouçamos os comentários a respeito dessa antologia atra-

vés da palavra de Wallace Leal Rodrigues, seu coordenador:

Agora este livro espírita está pronto. Ele se move no ful-

cro mesmo dos anseios, angústias, esperanças e reinvidicações de

Anna Jarvis.103

Eu creio que ele encheu o seu coração vazio!

Entre cravos-brancos de preces, louvor, ternura e devoção,

aqui se encontra algo que não pode ser comprado, nem vendido,

que não se expõe em vitrines e nem se embrulha em papel doirado,

com laços coloridos: LUZ ESPIRITUAL.

• Rosa Mystica - Sebastiana Botelho Egas - Edição da


Autora.
Livro raro e esgotado, onde a autora colecionou 72 poemas

escritos por grandes vultos da literatura brasileira e portuguesa.

Anna Jarvis foi a criadora do "Dia das Mães". Natural de Filadélfia, Esta-1 0
3

dos Unidos, com a morte da mãe iniciou uma campanha em 1905, pelo "Dia

das Mães". Graças à sua eloquência e perseverança, em 1914 o congresso

americano aprovava e Woodrow Wilson, presidente, sancionava uma pro-

clamação na qual recomendava que o segundo domingo de maio (aniver-

sário da morte da mãe de Anna), fosse observado no país inteiro como o

Dia das Mães.

188
HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO ESPIRITUAL

DA HUMANIDADE - TRILOGIA
Os Exilados da Capela
Edgard Armond
16x23 cm I 192 Pág.

A formação e evolução das

raças no planeta Terra. Obra ex-

traordinária que cuida das gran-

des indagações dos homens

acerca do início da humanidade.

Na Cortina do Tempo Almas Afins

Edgard Armond Edgard Armond

14x21 c m | 128 P á g . 14x21 c m | 160 P á g .

SobreviventessalvosdaAtrajetóriadeEspíritosAtlâ
ntidapreservamseusco-afinsdesdeasubmersaLemú
-

n h e c i m e n t o s d e s t i n a d o s à ria a t é o s d i a s a t u a i s , p o s t e r i
dade.
R O M A N C E S DE SAARA NOUSIAINEN
Mundo Espiritual
Nós e o Mundo

Um Forró no Umbral

Perguntas & Respostas

Espiritual
E Outros Contos
Saara Nousiainen
Saara Nousiainen

Saara Nousiainen

14x21 cm I 256 Pág.

12x15 cm I 208 Pág.

14x21 cm I 160 Pág.

C o m estilo leve e agradável,

Obrasimples,diretae

T u d o s o b r e o m u n d o espiritual

por v e z e s divertido, a autora

elucidativa,abordando

eseuinterrelacionamento

põenatramadesses

diversostemasrelaciona-

conosco,nosmilenares

enredos v e r d a d e s profundas

dosàDoutrinaEspírita,
p r o c e s s o s e v o l u t i v o s d o ser

quenemsempresão

utilizandoométodode

humanoedavida.Os

percebidasnocotidiano.

perguntaserespostas.

ensinamentosdeJesussob

nova ótica e m u i t a s o u t r a s

C o m 2 4 contos e m q u e s e

questões.

c o m b i n a m lições de vida e

emoções.

R O M A N C E S DE NELSON MORAES

Um Roqueiro no Além
Para Onde Iremos
Perdão

Nelson Moraes/Zílio

Após a Morte?

O Caminho da Felicidade!

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Nelson Moraes

Nelson Moraes/Aulus

14x21 cm | 128 Pág.

14x21 cm | 128 Pág.


IR IMOS
Roqueirofamoso,surpreendi-

Paraondevãoascrianças?De

Operdãoéoverdadeiro

dopelamorteprematura

queformasomosprotegidos

caminhodafelicidade.A

causadapelousoabusivode

das"balasperdidas",dos

obranarraepisódiosonde

álcoolededrogas,sevê

acidentes,dasenfermidades...?

incompreensãoemágoa

diantedeumarealidadeque

OEspíritoAulusatravésdo

funcionamcomocárceres

jamaisimaginara.

médiumNelsonMoraes,

mentais,atravancandoo
respondeàinteressantes

progressomoraldo
R O M A N C E S MEDIÚNICOS

Amor ao Cair da Tarde

Chagas de Luz
Uma Janela Aberta
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Edison Carneiro e

Nadir Paes Viana/

14x21 cm I 224 Pág.

Manuel dos Santos Soares

Jair Amorim

16x23 cm | 320 Pág.

14x21 cm | 288 Pág.

O d r a m a de L a u r a e n c o n t r a

Aprendaoladoespiritualda

O a m o r sincero e n t r e J u d i t h , a

explicaçãoemexperiências

Infância,adolescênciae

j o v e m filha d e u m f a z e n d e i r o ,

vivenciadasemsuaencarnação

mocidade,acompanhando

eBenzinho,humildeservidor

anterior, m o s t r a n d o q u e , g r a ç a s
Manuelqueviveessas

de s e u p a i , m o s t r a q u e a

à lei da r e e n c a r n a ç ã o , t o d o s

idadesnumleprosário.São

discriminaçãosocialnão

somosherdeirosdenossas

durasfasesdeprovase

consegueimpedirocursodos

próprias a ç õ e s .

expiações,planejadasantes

nobressentimentos.

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Esperanças Renovadas

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Paulo Sergio Texeira Diniz

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16x23 cm I 2 2 4 P á g .

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