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ANÁLISE DA FREQUÊNCIA ALIMENTAR DO HIDRÓIDE Thyroscyphus

ramosus (ALLMAN, 1877) EM LABORATÓRIO


1a 1b
Correia , J. R. M. B.; Carvalho , P. S. M.
1
UFPE, Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901, Centro de Ciências
Biológicas, Laboratório de Ecotoxicologia, Fone: (81) 21267808, e-mails: majin_renato@yahoo.com.bra,
pcarvalho@ufpe.brb

RESUMO
Atualmente, os hidróides são considerados organismos importantes na transferência de
energia do plâncton ao bentos. Cada hidrante de uma colônia se alimenta de um número
grande de presas, respondendo positivamente ao aumento de plâncton no ambiente. Colônias
do hidróide Thyroscyphus ramosus foram coletadas na praia do Pilar, na Ilha de Itamaracá
(Brasil, PE). Em laboratório foi viabilizada metodologia para manutenção das colônias
alimentando-as com náuplios de Artemia salina, e também para se avaliar o potencial de
ingestão de presas por hidrante. Foi quantificada uma ingestão média de 5,25 presas.
-1 -1
dia .hidrante . Foi também verificado que nas colônias com menos de 30 hidrantes o número
-1 -1
de presas ingeridas foi maior, chegando a 11 presas.dia .hidrante , possivelmente devido à
maior disponibilidade de presas por hidrante. As taxas quantificadas de ingestão potencial de
alimento são parâmetros fundamentais da bioenergética da espécie, informações que permitem
que se compreenda melhor o potencial da espécie em capturar energia proveniente do
plâncton em situações controladas de laboratório, que podem ser comparadas com dados de
campo.
Palavras chave: Alimentação, Hydrozoa, Artemia

INTRODUÇÃO
Hidrozoários compõem uma boa parte da fauna bentônica costeira de diversas partes do
mundo. Muitos deles quando estão na forma polipóide são consumidores suspensívoros, se
alimentando de uma enorme gama de organismos, desde microalgas a pequenas larvas de
peixes, e ainda detritos suspensos na coluna d’água.
O estudo da alimentação de hidróides, bem como outros suspensívoros marinhos e
dulcícolas, tem ganhado força graças a pesquisas quantitativas que demonstraram a
importante função desses animais no fluxo de energia do plâncton ao bentos (COMA et al.,
1995; GILI et al., 1998a; GILI et al., 1998b). Estudos verificaram que hidróides como
Nemalecium lighti e Obelia geniculata, podem se alimentar de mais de 100% de sua biomassa
por dia (GILI et al., 1998a), confirmando as hipóteses sobre o importante papel de hidrozoários
na cadeira alimentar, tanto assimilando quanto transferindo grande quantidade de carbono
orgânico do ambiente marinho (COMA et al., 1995).
As colônias de Thyroscyphus ramosus, em Itamaracá, facilmente alcançam 60 cm de
comprimento, seus hidrantes possuem médias de comprimento e diâmetro, de hidroteca, de
935,53 e 367,11 µm, respectivamente (SHIMABUKURO et al., 2006), sendo bastante presente
no local na estação seca (SANTOS et al., 2007).
O presente estudo objetivou a quantificação de taxas de alimentação em laboratório de
espécimes de T. ramosus com a finalidade de se avaliar o potencial de ingestão de presas dos
mesmos, parâmetro importante para a bioenergética da espécie.

MATERIAL E MÉTODOS
As colônias do hidrozoário T. ramosus foram coletadas em mergulho livre, na zona de
infralitoral, nos prados de capim-agulha, Halodule wrightii, no mês de setembro de 2007. Elas
foram mantidas vivas em laboratório em aquário com filtração biológica e alimentadas
diariamente com náuplios de Artemia salina, em técnica semelhante à utilizada em um outro
estudo etológico (MIGLETTA et al., 2000).
Temperatura e salinidade foram mantidas entre 27-28°C e 33 a 35%, sendo essa variação
de salinidade considerada não influente no experimento visto que em ambientes estuarinos,
principalmente onde o hidróide foi coletado, essas flutuações são normais.
Para os experimentos de taxa de captura de presas, foram separados pequenos ramos das
colônias, mantidos individualmente em béqueres plásticos flutuantes de 100 mL, com aberturas
laterais cobertas com rede de zooplâncton, a fim de permitir a circulação de água, mas impedir
a saída das presas e entrada de outros organismos. Os ramos eram formados pelos ápices das
mesmas, seccionados no hidrocaule principal, sendo cada ramo composto de 15 a 100
hidrantes e mantidos eretos nos béqueres por uma haste plástica fixada numa base de vidro.
Os experimentos de captura foram realizados utilizando 1 béquer controle (sem hidróide) e
17 béqueres com 1 ramo de hidróide cada. Diariamente foi adicionada uma quantidade
conhecida de náuplios de Artemia salina, estimada por amostragem, nos 18 béqueres. Após 24
horas, foi contado o número de náuplios restantes em cada béquer. O número de náuplios
ingeridos foi dividido pelo número de pólipos e obteve-se a quantidade de presas ingeridas por
hidrante por dia de cada hidróide. Foram calculadas as médias de presas ingeridas de todas as
colônias testadas a cada dia (médiadia) e as médias de cada colônia individual durante todos os
dias testados (médiacol). Foi feita análise das taxas de captura por ANOVA de uma via entre os
diferentes dias testados, e entre as colônias testadas individualmente ao longo dos dias.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
A média geral de presas capturadas por pólipo (médiatot) foi igual a 5,25
-1 -1
presas.dia .hidrante , para um total de 73 experimentos. As médias para cada dia (médiadia),
-1 -1
incluindo de 3 a 12 colônias distintas, variaram entre 4,7 e 6,0 presas.dia .hidrante , sendo
estatisticamente iguais (ANOVA, F2,1541 = 0,4363, p>0,05) (Tab. 1). Taxas semelhantes de
alimentação foram encontradas em estudos de conteúdos estomacais de espécimes de
hidróides coletadas no Mediterrâneo (BARANGÉ et al., 1988; GILI et al., 1996). Com relação às
taxas de captura entre as 17 colônias testadas, foi detectada uma diferença significativa
(ANOVA, F1,8489 = 4,5735, p<0,01), sendo que as médias das colônias 1, 2 e 3 foram
estatisticamente diferentes das demais (Teste de comparação múltipla de Holm-Sidak, p<0,05)
(Tab. 1).

Captura por ciclos de 24h


Pólipos -1 -1
Colônia (presas.dia .hidrante ) Médiacol D.P.col Ncol
(n)
1 2 3 4 5 6 7 8
a
1 15 8,9 0,0 15,1 8,0 7,6 3
a
2 16 6,3 7,1 12,8 8,7 3,6 3
a
3 22 7,2 11,1 11,6 14,3 10,6 11,0 2,5 5
b
4 39 5,5 6,0 6,7 6,0 0,6 3
b
5 41 4,3 6,6 5,0 5,4 5,3 1,0 4
b
6 42 5,8 6,5 6,4 6,2 0,4 3
b
7 44 3,2 3,9 3,9 3,7 0,4 3
b
8 45 5,0 5,3 5,5 5,5 4,5 5,1 0,4 5
b
9 45 4,4 5,0 5,3 4,9 0,5 3
b
10 46 4,7 5,0 4,8 5,2 4,0 5,1 6,2 7,6 5,3 1,1 8
b
11 51 4,4 5,1 3,8 4,0 0,1 0,1 2,9 2,2 6
b
12 54 4,6 4,8 3,6 4,3 0,7 3
b
13 55 3,7 3,3 3,9 3,0 4,3 5,4 5,6 4,2 1,0 7
b
14 56 2,8 3,2 2,4 6,7 7,6 8,9 5,3 2,8 6
b
15 61 6,5 4,7 4,7 5,3 1,0 3
b
16 67 2,5 2,5 2,9 2,2 5,3 1,8 2,0 2,7 1,2 7
b
17 100 3,7 3,7 - 1
a a a a a a a a
Médiadia 5,6 5,5 5,5 5,2 6,0 5,1 4,7 5,1
D.P.dia 1,4 3,3 2,8 3,7 4,5 1,2 2,2 2,5
Ndia 3 5 10 10 11 12 11 11

Tabela 1 – Taxas médias de ingestão diária (24 horas) de presas por hidrantes de T. ramosus,
-1 -1
(presas.dia .hidrante ), relativos a 17 colônias diferentes, testadas por até 8 ciclos de 24
horas. Letras diferentes indicam taxas de captura estatisticamente diferentes (ANOVA seguido
de teste de comparação múltipla)

As taxas de alimentação natural de hidróides zooplanctívoros, observadas em trabalhos de


-1 -1
campo no Mediterrâneo, variam de 4,7 presas.dia .hidrante em Eudendrium racemosum
-1 -1
(BARANGÉ et al., 1988) a 36 presas.dia .hidrante em Tubularia larynx (GILI et al., 1996). Os
dados experimentais obtidos para T. ramosus neste trabalho se enquadram nesta faixa, e o
grande tamanho dos hidrantes desta espécie, sugerem que, em ambientes naturais, o
organismo contribua significativamente com o total de biomassa retirado do plâncton e inserida
na fauna bentônica.
Alguns estudos observaram que o tamanho do pólipo também influenciou tanto a
quantidade quanto o tamanho das presas ingeridas. Os pólipos menores (0,85 - 1,2 mm) de T.
larynx, ingeriram em sua maioria náuplios de organismos a uma taxa de menos de 2
-1 -1
presas.dia .hidrante (GILI et al., 1996). Os pólipos de T. ramosus são semelhantes em
tamanho aos menores pólipos de T. larynx, mas neste estudo T. ramosus apresentou uma taxa
-1 -1
média de captura de presas 2,5 vezes superior (5,25 presas.dia .hidrante ) a de T. larynx do
mesmo tamanho. Este dado sugere que hidróides de mares tropicais como T. ramosus
apresentem taxas de alimentação maiores devido a um aumento de metabolismo causado
pelas temperaturas maiores desses corpos d’água.
A maior taxa de captura de presas encontrada nas colônias com menos de 30 hidrantes,
números 1, 2 e 3 (Tab. 1), indicam que cada hidrante tem o potencial de capturar mais do que a
-1 -1
média geral de 5,25 presas.dia .hidrante . Tendo em vista que foram adicionados números
semelhantes de presas em cada béquer, independente do número de hidrantes em cada
colônia, a maior taxa de captura nas colônias menores citadas acima pode indicar uma
diminuição na competição intra-específica dentro da colônia, ou deve ser somente em
decorrência da maior probabilidade de encontro das presas por cada hidrante.
Mais estudos com esta metodologia devem ser feitos para demonstrar as influências da
quantidade de hidrantes de cada colônia em conjunto com a abundância zooplanctônica
(densidade de náuplios de Artemia) na taxa alimentar do hidrozoário. Estes dados permitirão
que se verifique se a espécie responde positivamente ao aumento de zooplâncton no ambiente,
como foi encontrado em T. larynx (GILI et al., 1996).
Os estudos mostrando o alto consumo de biomassa planctônica por análise de conteúdo
estomacal de hidróides coletados no campo são importantes, porém trabalhosos, enquanto o
presente estudo propicia uma abordagem simplificada do processo de captura de presas por T.
ramosus, tornando a contagem e análise de dados mais rápida e passível de ser replicada com
um número maior de amostras.
A padronização desta metodologia em laboratório para o hidróide Thyroscyphus ramosus
abre espaço para o desenvolvimento de estudos ecotoxicológicos que possam verificar a
possibilidade de alteração nestas taxas de alimentação causada por contaminantes químicos,
que podem comprometer a viabilidade das colônias. .

REFERÊNCIAS
BARANGÉ, M.; GILI, J.M., 1988. Feeding cycles and prey capture in Eudendrium racemosum
(Cavolini, 1785). Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 115. 281±293.
COMA, R.; GILI, J. M.; ZABALA, M., 1995. Trophic ecology of a benthic marine hydroid,
Campanularia everta. Marine Ecology Progress Series, 119, 211-220.
GILI, J.M.; ALVÀ, V.; COMA, R.; OREJAS, C.; PAGÈS, F.; RIBES, M.; ZABALA, M.; ARNTZ,
W.; BOUILLON, J.; BOERO, F.; HUGHES, R.G., 1998a. The impact of small benthic passive
suspension feeders in shallow marine ecosystems: the hydroids as an example. Zoologische
Verhandelingen. Rijksmuseum van Natuurlijke Historie Leiden, 323. 99±105.
GILI, J.M.; COMA, R., 1998b. Benthic suspension feeders: their paramount role in littoral marine
food webs. Trends in Ecology and Evolution, 13. 316±321.
GILI, J.M.; HUGHES, R.G.; ALVÀ, V., 1996. Feeding cycles and prey capture of Tubularia
larynx Ellis and Solander, 1786. Scientia Marina, 60. 43±54.
MIGLIETTA, M.P.; DELLA TOMMASA, L.; DENITTO, F.; GRAVILI, C.; PAGLIARA, P.;
BOUILLON, J.; BOERO, F. 2000. Approaches to the ethology of hydroids and medusae
(Cnidaria, Hydrozoa). Scientia Marina, 64 (1). 63-71.
SHIMABUKURO, V.; MARQUES, A. C., 2006. Morphometrical analysis, histology, and
taxonomy of Thyroscyphus ramosus (Cnidaria, Hydrozoa) from the coast of Brazil. Zootaxa
1184. 29–42.
SANTOS, R. M. M.; WANDERLEI, E. B.; GOMES, P. B. 2007. Crescimento, reprodução e
variação sazonal de hidróides (Cnidaria, Hydrozoa) associados ao capim-agulha (Halodule
wrightii) em Itamaracá, Pernambuco. In: Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão, 12, 2007.
Resumos (CD Rom)... Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco. 3 p.

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