Você está na página 1de 329

1

2
3

Nicholas Andrich havia acabado de chegar em Nova


Iorque. O jovem Galês, no entanto, mal podia prever o
caos que sua chegada na Bernard High School, traria
para sempre em sua vida; de todas as formas e do pior
jeito. Lidar com seres humanos com autoestima elevada
e pessoas vulgares logo tornou-se um ritual, mas era de
longe o pesadelo menor comparado à presença
insignificante Austin Moore.
Austin Moore era o típico descolado. O popular. O
aluno que todos gostariam de namorar, mas apenas
Amber Johnson, possuía-o preso a si. De bela e mega
inteligente, se rebaixa a fútil vontade de expor garotos e
garotas no School News, o jornal-web da escola. Mas
4

quando uma das notícias carrega a reputação de


Nicholas, uma série de acontecimentos os envolve
numa história inexplicável e cheia de reviravoltas.
Porém, quando o coração frágil de Nicholas desperta-se
na intenção de amar o playboy, as coisas complicam-se
ainda mais com a chegada de um aluno misterioso que
mudará o rumo de todos próximos a Nicholas de uma
forma assustadora.
5

A passos calmos, Nicholas analisava o quarto da casa


que passaria a ocupar. Era amplo, bem arrumado, como
ele sempre apreciava. Livros devidamente organizados
de acordo com o gênero, utilidade, e alguns que foram
presentes antes de mudar-se para Nova Iorque, ainda
mantinham-se encaixados próximo a estante. O closet
espesso, com variedades de roupas, tênis, sandálias e
agasalhos, já que em Gales o frio era comum durante o
ano e na cidade que nunca dorme, não era diferente.
As paredes recém pintadas de cinza-opaco,
transbordavam leveza. Aparelhos eletrônicos novos
ornavam delicadamente sobre uma mesa de vidro
próxima a janela. A cama King-size, repousava mais
6

adiante, revestida com lençóis cinzentos e travesseiros


negros. Uma tevê mais acima dava a impressão da
riqueza conquistada pelo pai; uma porta mais ao fundo
dava a noção do cômodo onde funcionava o banheiro.
Mas deixou ele para vislumbrar mais tarde.
Analisou os detalhes dos quadros, fotos e esculturas
pequenas, enfileiradas de acordo com seu valor. Seu pai
não o decepcionou. Esperava não decepcioná-lo
também.
Três batidas na porta de carvalho foram o bastante
para tirá-lo da sintonia com o ambiente. Suspirou
levemente e caminhou até ela, abrindo-a em seguida,
revelando Robert, seu pai, encostado com os braços
fortes no caixilho da mesma.
— Posso entrar? — ele perguntou.
Nicholas deu passagem. O homem quarentão
entrou, analisando os pequenos detalhes, mas sem
deixar escapar o olhar do único filho.
— O que achou do quarto? Gostou?
7

— Está muito bonito. O arquiteto soube dar um jeito,


fora que os móveis e meus amados livros estão
devidamente nos lugares. — disse ele.
Robert abriu um sorriso e concordou manejando a
cabeça aleatoriamente.
— Que bom, meu filho — prosseguiu o homem,
repousando suas mãos nos ombros de Nicholas. — Fico
contente que está bem a ponto de ter superado deixar
seus amigos para trás. Mas isso é muito importante para
mim e para você.
— Sei disso — Nicholas asseverou, após— Só mais essa
metade de ano, depois eu volto para Gales, afinal, vou
fazer dezoito em breve. Se é importante para ti, pai,
faço questão de me esforçar em deixá-lo feliz.
Robert o abraçou abruptamente. Deixou um beijo no
rosto de Nicholas e o fitou.
— Que bom, Nick, que bom. Ó, o almoço está pronto.
Sua aula começou já. Amanhã cedo o motorista irá
levá-lo à sua escola — anunciou feliz. — Escolhi a
melhor.
— Não precisava disso, pai.
8

— Ah, mas precisava sim. Seu material está aí. Hã, e seu
fardamento também. Por favor, não demore filho, senão
o almoço esfria.
— Vou descer daqui a pouco. Mas pode ir almoçar. Este
fuso horário ainda é novo para mim. Estou sem fome.
Robert, então, despediu-se de Nicholas, já que após
o almoço ele teria um encontro inadiável com seu sócio.
Dois minutos depois, Nich desarrumou uma maleta que
trouxe consigo, cheia de porta-retratos de sua mãe, uma
pessoa com quem tinha poucas virtudes e nenhum
momento conseguinte sucedente ao seu
desaparecimento, informação esta que obteve com
Melinda, sua fiel empregada, a pessoa que cuidou dele
como filho e por quem supria grandes sentimentos.
Robert nunca tocou no assunto, embora também não
reclamasse do fato das fotografias de sua ex-esposa
continuarem adornando o quarto de Nicholas, afinal de
contas, ele tinha esse direito desde que não colocasse
em nenhuma outra parte da mansão. Tanto daquela
quanto a de Gales.
9

O nome Beatrice era uma injúria. Robert odiava


quando perguntavam por ela, mas sempre arranjava uma
desculpa esfarrapada para não responder a ninguém,
principalmente a Nich, quem a tese sem exceção era
recluso.
Nicholas arrumou delicadamente as fotografias e
quando a fome o abateu, algumas horas mais tarde,
desceu para comer algo. Seu pai, como previu, havia ido
embora e a mesa encontrava-se sem a refeição. Foi à
cozinha e viu Melinda lavando algumas louças e chegou
mais perto dela.
— Tem como esquentar a comida para mim? — a voz,
ainda que suave, fez a mulher dar um pulo para trás e
colocar as mãos sobre o seio. — Te assustei?
— Um pouquinho — disse ela, secando-se no
guardanapo— Pode ir na frente que logo irei levar sua
comida, Andrich.
— Não gosto quando me chamam pelo segundo nome,
Mel. Sinto-me… digamos… um pouco fora do comum.
Mas eu espero você terminar. Não quero dar mais
10

trabalho — salientou o jovem— Se não se incomodar,


claro!
Melinda sorriu.
— Não incomoda. Sente-se e conte-me como foram as
coisas nestas últimas semanas lá em Gales!
Nicholas puxou uma cadeira e sentou. Pôs um tanto
de água no copo e bebeu devagar.
— Complicado, Mel. Não queria deixar meus amigos,
nem decepcionar meu pai.
Melinda ligou o fogão e esquentou a panela e
colocou um pouco de azeite.
— Sei mais ou menos como está se sentindo. Também
não foi fácil deixar Cardiff para trás. Mas é necessário
já que não conseguiria viver sem você.
Nicholas abriu um amplo sorriso. Também seria
difícil conviver sem ela por perto. Observou
atentamente a mulher picando as verduras, legumes e
esquentando o Laverbread, um tradicional prato
degustado em Cardiff, conhecido como “Caviar Galês”.
Entre segundos e mais segundos, ele resolveu
questioná-la.
11

— Como os meus novos colegas de classe irão reagir ao


ver um Galês de perto?
A pergunta soou imatura, Nicholas percebeu isso na
resposta de Melinda.
— Irão, bom, querer ser você. Não é à toa que era
charmoso na sua antiga escola.
— Não quis perguntar isso, na verdade. Mas será que
hão de me aceitar?
Melinda desligou o fogo e o encarou.
— Sim, vão. Porém, não será fácil. Nada é eficaz de
imediato.
Ela o serviu.
— Isso está com uma cara agradável — se referiu a
comida.
— Se tivesse descido no horário, estaria melhor.
— Ah, sim, esse fuso está me matando no primeiro dia.
Porém, irei me acostumar com o tempo.
Melinda assentiu.
— Estarei no escritório do seu pai caso queira alguma
coisa. Tchau.
— Tchau, Mel!
12

A mulher se retirou, deixando Nicholas sozinho na


sala-de-estar. O local bastante amplo lembrava o
casarão de Cardiff, mas com uma arquitetura mais
moderna, nos padrões da América. As paredes pintadas
de branco refletiam a luz do enorme lustre pendurado
no teto forrado do casarão, de forma inigualável. Nas
taipas, quadros belíssimos impressionam a visão
gloriosa de quem entra por ela. No amplo, móveis de
madeiras nobres e esculturas pequenas, no entanto,
tomavam espaço, embora a mais magnífica localiza-se
mais ao fundo: a lareira. E, quatro metros depois, uma
grande escada a qual levava aos demais aposentos. Sim,
a vida de Nicholas era nobre, mesmo que o dinheiro
não fosse tudo, ou que não comprasse tudo, em sua
visão.
Depois do almoço, Nicholas resolveu sentar no sofá
e aguardar a noite cair, mas antes que isso fosse
cumprido, o som da campainha soou no cômodo. O
garoto levantou preguiçoso, caminhou até a porta e a
abriu, revelando um rapaz alto e de olhar esverdeado,
cabelos negros e um pircing no nariz. Usava roupas
13

escuras, estilo gótico, mas assim que o jovem sorriu,


notou um diferencial. Ele estendeu a mão.
— Prazer, Alec, seu vizinho.
Nicholas hesitou por três segundos, mas o
cumprimentou.
— Satisfação! Me chamo Nicholas. Na verdade é
Nicholas Andrich, mas prefiro só o primeiro nome ou
apenas Nich.
Alec pareceu confuso, mas relaxou.
— Legal. Então, vai me convidar para entrar?
Hesitou novamente, mas a leveza de Alec o
consumiu. Deu passagem ao rapaz e este entrou na sala
com total cuidado.
— Sente-se — ele indicou o sofá.
Alec sentou. Nicholas, entretanto, preferiu ficar de
pé no momento.
— Então… como entrou na propriedade?
— Pulei o muro! — afirmou.
— O quê?
— To brincando, cara. Seu pai e meu pai trabalham
juntos. Desde que o Robert chegou aqui em Nova
14

Iorque, me aproximei dele que me contou sobre você —


Nicholas estarreceu. — Fica tranquilo… não foi nada
demais. Ah, e respondendo sua pergunta anterior, seu
segurança abriu o portão pra mim.
Mais aliviado, Nicholas prosseguiu com suas
indagações.
— Hã… mora onde mesmo?
— Na casa frente a sua. Quando quiser ir lá, será muito
bem vindo, Nich.
Nicholas assentiu, mesmo tendo certeza absoluta que
não iria, todavia pela falta de tempo e, o mais óbvio,
preguiça.
— Vou sim — mentiu.
— Que bom. Ah, fui eu quem indicou sua nova escola
para ele — Nich arregalou os olhos. — É, pois é, eu
estudo lá.
Seria quase impossível se livrar dele. Pensou
Nicholas.
— Tem dezessete anos?
— Dezoito, na verdade. Fiz há pouco tempo.
— Hum… legal.
15

Alec insistiu.
— E você?
— Eu o que?
— Tem que idade?
— Ah, sim, tenho dezessete. Brevemente farei dezoito.
— Vai ter festinha?
— Hum… não.
— Não vai ter festinha, cara? — Alec parecia pasmo—
Nem um bolinho? Nada?
— Não. Na verdade, sei muito pouco sobre esta cidade.
Fora que não tenho amigos.
Alec mordeu os lábios.
— Ah, mas você é um cara bacana… acho que fará
amigos rápidos. Posso te ajudar com isso. Sou um dos
mais populares na Bernard High School, conheço
bastante gente. Além do mais, eles moram aqui por
perto. Ficaria mais fácil.
— Não vai ser necessário, Alec. — enfatizou o jovem.
— Mas obrigado pela gentileza de vim até aqui. Muito
educado da sua parte.
Alec, no entanto, fez uma proposta.
16

— Que tal ir comigo amanhã para a escola?


Nicholas pensou e tomou uma decisão.
— Outro dia. Meu pai vai me levar amanhã à escola.
— Entendi — Alec levantou desapontado. — Bom,
espero que vá um dia lá em casa. Meu irmão mais velho
faz uma pipoca doce de comer rezando e lamber os
dedos.
Nicholas sorriu. Ele observou o garoto caminhar até
ele e depois encurtar o caminho até a porta.
— Vejo você na escola, certo?
— Certo! Nos vemos lá.
Ele abriu a porta e Alec saiu por ela, indo em direção
ao portão. Nicholas fechou-a, e caminhou se jogando
no sofá.
— Ah, que garoto chato. Chato, porém, bonito.
Nicholas não comentava com ninguém sobre sua
orientação sexual, porém o receio de ser julgado
quando fosse revelado não existia. Ser bissexual não era
um bicho de sete cabeças, não até se apaixonar.
17

Na manhã seguinte era uma terça-feira. Seis e meia


no horário local. Acordou com o despertador ressoando
no quarto a dentro. Ficou sentado sobre a cama e
esperou o corpo revitalizar as forças. Feito isso,
levantou-se caminhando em direção ao banheiro.
Minutos depois, de banho tomado, voltou ao quarto.
Escolheu uma cueca entre suas tantas opções e a vestiu.
O fardamento da Bernard High School havia sido
separado na noite anterior. Consistia numa calça
moletom escura, sem detalhes, com a camisa laranja
adornada de um brasão negro, simbolizando um dragão,
entre os peitos. O casaco — também obrigatório —,
unia as duas cores de maneira harmônica. O tênis, com
exceção, era branco, cano alto, o qual fazia seu estilo.
Vinte minutos depois, já vestido, o rapaz encarou-se
no espelho pendurado na parede do quarto. Nicholas
Andrich era alto; dono de um olhar azul profundo
fazendo jus aos fios loiros e sobrancelhas negras. O
rosto anguloso e quase quadrado destacava a beleza
britânica de seus pais. A pele branca denunciava que o
rapaz nunca pegou um bronze na vida.
18

O fardamento caiu perfeitamente em seu corpo. Não


era nem apertado e nem frouxo, mas adequado.
Arrumou o cabelo num topete alto, apanhando a bolsa
escolar e saindo em direção à porta, com destino a
sala-de-estar.
Ao chegar no local, o lugar de seu pai encontrava-se
vazio, o que resultou no primeiro questionamento do
dia.
— Cadê meu pai?
— Bom dia, Andrich. O Dr. Robert saiu há pouco, mas
deixou avisado para ir sem ele à escola, pois deixou
tudo acertado com a diretora Blanche.
Nicholas assentiu com veemência.
— Beleza! Eu vou indo então.
— Ei? Não vai comer nem uma fruta?
— Não, obrigado. Preciso me apressar, não quero
chegar atrasado no meu primeiro dia. Seria um erro
gravíssimo.
— Uma maçã, pelo menos. Leva uma maçã, Nich.
Ele cedeu. Tomou duas das três maçãs que Melinda
estendia a ele e deixou um beijo no rosto dela.
19

— Até mais tarde, Mel!


— Cuidado, filho.
— Não precisa se preocupar. Sou bastante responsável.
Sim, e não havia dúvidas. O receio de Melinda, no
entanto, restringia-se somente a violência da cidade
grande, pois diferente de Cardiff, a capital de País de
Gales, Nova Iorque era vinte vezes maior; o que fez
disparar o coração da mulher ao ver seu
filho-de-criação saindo pela porta.
— Oh, meu Deus, cuide dele.

O carro estacionou no amplo estacionamento da


Bernard High School. O prédio era num formato de
castelo, lembrava muito Buckingham, na Inglaterra, só
que menor um pouco. As torres um pouco menos
cumpridas; a pintura cinza-opaca, com diversas janelas.
O jardim incrivelmente cuidado, chegou a parar ali e
permitir-se a fotografar as rosas brancas, vermelhas e
azuis, ressaltando a bandeira estadunidense. Haviam
poucos alunos nos pátios menores, e Nicholas saiu do
carro rumo a inspeção de materiais e objetos. A passos
20

calmos, aproximou-se de um homem mediano com os


cabelos grisalhos sentado em uma cadeira à espera de
alguém. Talvez fosse ele e incontáveis estudantes que
ali estudavam.
— Bom dia — argumentou o senhor, ao vê-lo. — É
aluno novo?
— Bom dia — respondeu Nich com um sorriso de
orelha a orelha. — Sim, aluno novo. Preciso ter acesso a
sala da diretora Blanche, seria possível?
O velho assentiu.
— Qual seu nome? Nome e sobrenome, além da série e
turma!
Ele abriu a bolsa e retirou um recorte de papel com
número da sala que não havia gravado.
— Nicholas Andrich Harrison Ramsey. Terceiro ano do
ensino médio; turma 12, sala 62, segundo andar.
O homem deu um sorriso.
— É daqui mesmo de Nova Iorque?
— Não, sou de Cardiff, a capital de Gales.
Ele arqueou uma sobrancelha. Suas mãos correram
dentro de uma caixa a procura de algo. Dois minutos
21

depois, o homem chamado por Pietro, estendeu um


cartão com seus dados.
— É sua passagem para o progresso. É só passar nas
catracas e ir a qualquer lugar desta escola. Bem-vindo a
Bernard High School; o lugar de grandes campeões. Boa
sorte, jovem!
Com o impulso daquelas palavras, Nicholas se
moveu em direção a área escolar restrita a sala da
diretora a qual ficava ali mesmo no térreo. Sua procura
não demorou tanto, logo encontrou. Pressionou a
campainha e aguardou o retorno, antes de trinta
segundos uma mulher negra de cabelos cacheados e
sorriso perfeito e alinhado, apareceu diante dele.
— É um dos novatos, estou certa?
— Sim, sou o Nicholas Andrich, filho de Robert
Ramsey.
A mulher contentou-se.
— Entre, por favor. Irei lhe dar algumas informações e
brevemente levarei você a sua sala.
Nicholas entrou. A diretora Blanche indicou uma
cadeira ao rapaz que parou um instante para analisar a
22

organizada sala dela. Tudo bem limpinho, branquinho e


em seu devido lugar. Na parede, um cartaz exibia onze
garotos. Cinco perfilados e outros cinco agachados,
pareciam ter tirado a fotografia durante uma espécie de
campeonato. Sim, sua suposição estava correta,
certificou-se disso quando viu um troféu na estante
ostentando o poderio olímpico da Bernard.
— Quando foi isso? — ele perguntou.
A diretora Blanche olhou-o por cima dos óculos e
parou de escrever no computador.
— Ano passado. Final do CIF, o campeonato
interescolar de futebol, aqui o famoso soccer.
— Ganharam?
— Não, infelizmente. Os meninos perderam de virada.
— E este troféu?
— Ganhamos há muitos anos. Nosso único em cinco
finais disputadas.
A resposta pareceu contentar o rapaz que voltou a
olhá-la.
23

— Seu pai deixou livre a sua escolha de uma das


disciplinas complementares. Qual deseja incluir no seu
período semanal?
Ela entregou uma pequena ficha. Todas as atividades
complementares restringiam-se aos esportes.
— Pode ser o futebol. Ops, Soccer!
Blanche anotou toda feliz. Após terminar a consulta
escolar, a diretora levantou-se.
— Vamos, irei apresentá-lo aos seus novos colegas.
As mãos de Nicholas denunciavam a ansiedade, era
visível pois estavam suadas.
Blanche o conduziu por uma série de corredores até
o segundo andar do prédio, onde começava a sequência
de sala enumeradas de sessenta em diante. A dele era
sessenta e dois. A porta encontrava-se encostada e por
eximia educação, Blanche pediu que entrasse primeiro
para anunciar. Ela abriu e entrou. Todos os alunos que
encontravam-se em silêncio, paralisaram. Não era
costume de Blanche ficar zanzando pelas salas, mas
aquela tinha uma exceção.
— Bom dia, professora Rosana. Bom dia alunos.
24

Todos saudaram com um bom dia, suave.


— Alguma novidade sobre nossa participação no
campeonato neste ano, diretora? — perguntou Austin
Moore, o selecionado capitão daquele ano.
— Minha rápida visita é sobre outra coisa, Austin,
querido. A sala de vocês, como bem sabemos pela ficha
de frequência, ganhou dois novos alunos — ela
prosseguiu. — Anne, que veio ontem, no primeiro dia, o
rapazinho que irei lhes apresentar agora. Pode entrar,
querido.
Nicholas esfregou as mãos uma na outra e entrou.
Quando pôs os pés naquela sala, recebeu diversos
olhares; alguns suspiros profundos e excitantes, outros
com muita contestação, afinal ele era bonito.
— Uau, que gato! — Milena deixou escapar o
pensamento erótico e a fanfic que formulou depressa
na cabeça, mas reverteu em seguida. — Quero dizer,
uau, bem-vindo.
— Obrigado! — foi evasivo na resposta.
Blanche tomou a frente.
25

— Este é Nicholas Andrich Harrison Ramsey; é natural


de Cardiff, em Gales.
— Apenas Nicholas, por favor — pediu o rapaz,
atencioso. — Espero me dar super bem aqui.
Todos mantiveram uma certa cautela no começo,
mas Nicholas já sabia que isso haveria.
— Bom, por favor, ajudem ele e nossa querida Anne
com tudo que precisarem — asseverou a diretora,
revirando para encarar a professora Rosana. — Ele é seu
a partir de agora.
Rosana assentiu. Blanche deixou a sala, mas
Nicholas prosseguia frente a classe. Assustou-se
quando as mãos da professora tocaram os ombros
singelamente.
— Bem-vindo, querido. Sente-se junto de Anne, para
que possam se conhecer.
Anne levantou a mão, em indicação. Nicholas
caminhou até ela, porém os olhares continuaram, não
sabia até quando, pois os sussurros e seu nome foram
praticamente ditos e escritos em papéis a aula inteira.
26

Uma semana. Foi o tempo que Nicholas passou sem


trocar uma palavra com nenhum dos colegas; às vezes
ouvia seu nome sendo pronunciado em sussurro, outra
pessoas comentando sobre bobagens, fazendo teorias
da conspiração, mas nada igualava a extrema
necessidade em ocupar sua mente lendo um bom livro.
Era segunda-feira, e chegou cedo naquele dia. Havia
comprado um livro recém lançado e buscou um lugar
entre as sombras das árvores para iniciar sua leitura,
sempre evitando contato visual com os demais
estudantes; principalmente os de sua turma, pois
achava-os vulgares, mesquinhos e mesmo tendo pouco
27

ou mais dinheiro que eles, pisar nas pessoas nunca


esteve em seus planos.
Ele colocou os fones nos ouvidos e conectou via
bluetooth, mas não pôs nada para tocar. Abriu o livro e
começou a ler, antes de concluir a terceira lauda, sentiu
o toque em seus ombros e erguendo o olhar, observou
seu vizinho, Alec, de pé. Nicholas marcou a página e
fechou o livro. Retirou os fones e fez um sinal, como se
para Alec perguntar o que gostaria de saber.
— Hã… posso me sentar? — ele perguntou.
— Pode sim, Alec.
Alec sentou no banco de mármore e repousou a
mochila sobre suas pernas.
— Eu fiquei triste por você ter me evitado.
Nicholas corou.
— Ah, me perdoa. Eu… sou inexperiente com colegas
novos.
— De boa — ele sorriu e que sorriso. Pensou Nicholas.
— Vi seu nome na equipe de soccer, vai mesmo tentar
ser um selecionado?
28

— Talvez! Gosto de futebol, mas não sei se competir é


meu forte. É mais para… me manter saudável. Entende?
— Entendo sim. Caso queira uma ajuda com os deveres
de casa, estou convencido em ajudá-lo!
— Obrigado, Alec. Mas não preciso por enquanto.
Alec correu com os dedos pelos fios de seu cabelo e,
depois, de forma programática, mordeu os lábios
inferiores.
— Meus amigos comentam sobre você, principalmente
as meninas. Que tal sentar conosco hoje no intervalo e
trocar uma ideia?
— Outro dia. Não quero me intrometer nos assuntos
restritos a vocês. Mas, posso passar na sua casa
qualquer hora dessa pra provar a… pipoca doce de
comer rezando e lamber os dedos.
A lembrança de sua fala anterior alegrou Alec. Dois
minutos depois, no entanto, uma menina ruiva com o
mesmo piercing no nariz, aproximou-se deles e deixou
um beijo nos lábios rosados de Alec, o ato desconfortou
Nicholas que encarou as rosas do jardim.
— Bom dia amor. Bom dia, Andrich, estou certa?
29

— Sim, mas é Nicholas. Andrich é meu segundo nome.


A garota sentou entre os dois e a pergunta soou com
tons de ciúmes.
— Se conhece da onde?
Alec foi quem respondeu.
— Ah, ele é meu vizinho. O pai dele é o Robert, sócio
do meu pai e do seu também.
— Legal. Eu sou a Maíra, mas pode me chamar de Mia,
namorada do Alec.
Não era nenhuma surpresa para Nicholas depois do
beijo; além do mais Mia parecia ser uma boa pessoa,
mesmo se deixando ser influenciada de cabo a rabo por
Amber Johnson, a popular.
— Felicidades pro casal — Nicholas se levantou do
banco e olhou os dois. — Foi um prazer. Nos falamos
mais tarde, Alec. Boa aula.
Alec estudava na sala sessenta e um, antes da classe
de Nicholas, não eram muito chegados e a presença de
Mia pareceu incomodá-lo de uma maneira surreal.
— Mas já? — o garoto protestou. — Sério mesmo que
precisa ir agora?
30

— Não me incomodo que fique, Andrich — asseverou


Mia, massageando os cabelos ruivos — Se quiser
podemos nos sentar juntos no refeitório mais tarde.
Será que havia escapatória? Ele pensou.
— Pode ser, então.
Dito isso, Nicholas deixou o casal de pombinhos
namorando e foi em direção a sua sala. Faltava
aproximadamente quinze minutos para o início das
aulas, e ao estar caminhando nos corredores
aglomerados do segundo andar, percebeu as pessoas
menos improváveis acenando em direção a ele. Não se
tratava de ninguém menos que Austin Moore e sua
corja de garotos bonitos, fortes e podres de coração e
alma; todos vestindo um casaco em especial, o do time
de soccer. No meio deles, Amber Johnson, a popular e
namorada de Austin. Bonita por fora, vazia por dentro.
O grupinho dos ricaços. Os temidos, os indomáveis,
como os menos privilegiados conheciam na Bernard
High School.
Como lutar contra eles? Nicholas perguntou ao
cumprimentá-los um por um. O sorriso mais esnobe e
31

de pura falsidade foi visto de perto, mas não negava que


Amber Johnson tinha bom gosto. Austin Moore era
ainda mais belo de perto; os cabelos castanhos
impávidos só não eram mais belos porque os olhos azuis
deslumbrantes ao toque da luz.
— Como está? — Austin perguntou por extrema
curiosidade.
— Bem, e vocês?
Todos assentiram veementemente.
— Vai na festinha do Túlio final de semana? — o loiro
desejou saber.
— Não, não fui convidado.
Túlio, um rapaz negro e dono de dentes brancos,
prontificou-se em convidá-lo pessoalmente.
— Está convidado. Passarei o endereço mais tarde.
— Ah, mas ele reside no mesmo condomínio que a
gente, cara — avisou Austin, dando um tapinha nos
ombros de Túlio— Alec leva ele, já que são vizinhos de
rua.
O grupo gargalhou um pouco alto, mas Nicholas não
entendeu os motivos, então foi enfático na pergunta.
32

— Qual a razão dos sorrisos de deboche? — a pergunta


encerrou o sarcasmo.
Amber que estava até o momento centrada no
celular assistindo tutoriais de como suportar babacas o
dia inteiro, respondeu:
— Você não sabia?
— Sabia o que?
Amber era programada para destruir casamentos e
namoros longínquos em um único clique, logo não seria
diferente ao expor Liam, o irmão mais velho de Alec.
— O cara é puro narcisismo, mas é gay.
— Gay?
— Sim, gay. Quando o homem se apaixona por…
— Eu sei o que é homossexualismo, garoto — Nicholas
cortou Erik, amigo de Austin— E por que riram quando
disseram sobre eu residir perto dele?
Todos engoliram em seco, mas Erik foi quem
respondeu agora mais cauteloso.
— Sei lá, algo sobre: tome cuidado com ele. O cara é
bonito, mas é lobo em pele de cordeiro.
A resposta bastou.
33

— Certo! Se eu tiver com vontade de ir a festa do seu


amigo, eu vou, beleza? — exclamou Nicholas,
afastando-se meio metro do grupo— Boa conversa.
Ele adentrou a sala de aula, composta por
pouquíssimos alunos até aquele instante.

Em cinco minutos, o professor Washington, de


Biologia, entrou pela porta trazendo todos que estavam
ainda fora. Repousou seus materiais em cima da mesa e
esperou se acomodarem, quando observou os
adolescentes com hormônios aflorados nos devidos
lugares, entrelaçou os braços acima dos peitos e
encostou o quadril na mesa.
— Bom dia, gente da testosterona e progesterona
elevada.
O coro respondeu em uníssono.
— Bom dia, professor Washington.
Washington Hall era um dos educadores mais
adorados do ensino médio, tudo porque facilitava a vida
do aluno fazendo-o entreter em assuntos importantes
34

como o clima, saúde e futuro. Naquela manhã, em


especial, trazia três boas notícias.
— Pessoas do hormônio elevado, a diretora Blanche
pediu para noticiar algumas novidades deste semestre.
A primeira é que haverá o famoso Baile que vocês
amam… usem camisinha e nada de transar bêbados.
A classe caiu em gargalhadas.
— Segunda notícia — ele prosseguiu — Nossa escola
vai tentar o bicampeonato dos Jogos Interclasses. E a
terceira e mais favorável, dias de terça e quinta, as aulas
passarão a ser… — todos suspiraram profundamente,
menos Nich — integral, para poderem treinar e ficarem
mais preparados na disputa. Nada de azarões, por favor,
garotos dos hormônios eletrizantes.
Todos comentaram as notícias durante três minutos,
quando Washington resolveu se intrometer.
— Outra notícia que havia me esquecido, mas não eram
as três mais importantes: amanhã antes do início das
aulas, todos agrupados no ginásio. O professor Elliot, vai
dar continuidade nas atividades extraclasse.
35

O burburinho prosseguiu. Nicholas estava sentado no


meio da turma, ao seu lado direito estava Brian, um
garoto extremamente bonito, com um corte de cabelo
baixo; à esquerda, Vanessa, uma das amigas de Amber; à
frente, Austin, atrás Dylan. Seria quase impossível
Washington avistá-lo em meio a pessoas tão populares.
Mas os olhos castanhos-escuros do professor o
encontraram no momento oportuno, quando os
"hormônios exaltados” como referia-se a Austin e seu
grupinho, falavam asneiras sem sentido.
— Silêncio — ele pediu, se levantando. — Cadê os dois
novatos? — Washington procurou pela frequência e a
encontrou. Colocou os óculos e buscou os referentes —
Anne Maya e Nicholas Andrich! É isso?
As mãos no ar foram o bastante para o professor
chamá-los à frente. Sem hesitar, cumpriram as ordens.
Washington permaneceu entre ambos.
— Sejam bem vindos a Bernard High School. É uma
satisfação tê-los aqui. São de onde? Começando por
você,... Anne!
36

Anne era uma garota bonita de cabelos cacheados e


tom de pele parecido com canela. Corpo moldado,
nádegas que denunciavam a não pertencer àquele país.
— Sou Anne Maya, brasileira. Tenho dezessete anos,
sou filha de advogados e me mudei recentemente para
os Estados Unidos. Espero fazer grandes amizades.
Sem sotaque. O inglês de Anne era impecável,
ninguém jamais suspeitaria que fosse brasileira.
— O Brasil é lindo. Qual seu estado?
— Pará. É o segundo maior do Brasil, depois do
Amazonas e o mais populoso da região Norte.
Aquilo bastou para Washington.
— Sua vez, rapazinho!
Nicholas parecia mais relaxado depois da primeira
semana. Aquele tivera sido seu primeiro contato com o
professor Washington, mas já o adorava.
— Sou Nicholas Andrich. Galês, tenho dezessete anos,
cheguei há uma semana em Nova Iorque.
— É de Cardiff?
— Sim, Cardiff!
37

Professor Washington pediu para que ambos


voltassem aos seus lugares.
Passou os exercícios devido e ao soar o horário do
intervalo, liberou todos para lanchar no refeitório.
O refeitório normalmente era dividido em duas
partes: a primeira coberta, com diversas mesas onde
grupos sentavam; ventilado pelos arcondicionados e
onde os próprios alunos serviam-se. A segunda divisão
ficava ao ar livre, debaixo de árvores, também muito
frequentadas. A turminha de Austin sentava ali, todos
com seus pares românticos, a decisão de acompanhá-los
foi pura nostalgia, afinal Nicholas não namorava. Se
entreter com aquele povo seria difícil. Mas todos foram
bastante receptivos com ele.
— Então esse é o carinha novato? — Guilherme
questionou Alec.
— O nome dele é Nicholas Andrich. Estuda comigo —
disse Austin, dando um tapinha no ombro esquerdo do
rapaz— Convidei ele para a festa do Túlio. Espero que
ele vá!
Nicholas nada disse.
38

— É verdade que irão inaugurar uma boate no centro?


— Dylan perguntou ao grupo.
— Meu pai conhece o dono — assegurou Philip, após
um gole no milkshake— Ele consegue umas entradas
pra gente.
Austin esfregou uma mão na outra.
— Tenta e avisa a mim. São apenas dois menores de
idade: o novato e a namorada do Alec. Cê está dentro,
né?
Nicholas tomou um pouco de suco.
— Ah, não, meu pai me mata se descobrir. Mas meu
aniversário é noutro mês… consigo esperar.
— Hum… vai ter festinha?
— Não, ainda não.
— Como assim, não? Se desejar eu e Maíra somos
ótimas em decorações e montagens de festa… —
intrometeu-se Amber, deixando, finalmente, o celular
de lado. — Estamos aqui caso precise.
Nicholas agradeceu de bom grado, mas ainda não
tinha conversado com o pai a respeito. Jamais tomaria
uma decisão sem antes consultá-lo.
39

Ele levantou e todos encararam um semblante


curioso.
— Bem, obrigado pela recepção. Até mais.
— Como assim você já vai? — Austin quis saber.
— Passarei na biblioteca da escola. Ouvi dizer que
estão precisando de voluntários, então decidi me
candidatar a vaga.
Os olhares suspeitos o abateram, mas não ligou.
— Até mais, então. Boa sorte lá, cara.
— Obrigado, pessoal!
A educação de Nicholas parecia coisa de outro
mundo, tanto Austin quanto o restante do grupo
perceberam isso, mas Nicholas era inocente demais, e
não prestou atenção devida no que aquelas pessoas
tramavam por debaixo dos sorrisos.
40

Com ajuda de alguns funcionários, Nicholas


encontrou facilmente a biblioteca da Bernard High
School. O salão era enorme, com prateleiras de
aço-inox, tomadas de livros de variados anos, diversos
autores e incontáveis países; o próprio conhecimento
humano forjado por mãos sábias e mentes
incrivelmente brilhantes, jaziam ali. Seria um infortúnio
afirmar que os estudantes mal pegavam nele; eles
realmente liam, não na vontade que Nicholas gostaria,
mas emprestavam dois ou três ao longo de um ciclo de
quatro meses.
A sala gigantesca era refrigerada. Algumas mesas
estavam ocupadas no momento, então o garoto se
41

encaminhou ao atendente, um rapaz na casa dos vinte


anos que usava óculos e mastigava chiclete
silenciosamente, fazendo bolas que espocavam e
chamavam a atenção dos presentes.
Atrás de uma escrivaninha, Jeremy, o bibliotecário,
observou o garoto, mudando sua estratégia
bruscamente.
— Sua lista! — Jeremy estendeu a mão.
— Ah, não quero livro, não no momento. Vi no mural
que estavam precisando de voluntário… decidi me
candidatar a vaga.
Jeremy mordeu os lábios e analisou a postura de
Nicholas, erguendo uma sobrancelha em seguida.
— Quer mesmo ser voluntário? Você tem cara de quem
não gosta dessas coisas!
Nicholas foi extremamente eficiente na resposta,
sem ser mal-educado.
— Já ouviu o famoso ditado que diz: Quem vê cara não vê
coração?
Jeremy revirou os olhos.
— A vaga é sua. Quando pode vir?
42

— Nas quartas e quintas-feiras. Amanhã estarei


disponível se quiser.
— Amanhã a biblioteca passará por uma pequena
limpeza, então pode vir na quinta, beleza?
— Certo, sem problema.
Jeremy puxou por uma ficha e uma caneta.
— Qual seu nome completo?
— Nicholas Andrich Harrison Ramsey. Dezessete anos;
terceiro ano, sala número sessenta e dois, segundo
andar.
Jeremy concluiu a anotação de dados, escrevendo
logo embaixo a importância de passar os mesmos para o
notebook.
— Tudo certo! Hum, eu sou o Jeremy.
— Prazer, Jeremy. Espero que possamos nos dar bem de
hoje em diante.
O rapaz maneou a cabeça em concordância.
Nicholas, após uma breve troca de experiências com
o bibliotecário, voltou à aula. Seria o primeiro dia junto
da professora Carmen, a musa da escola segundo boatos
que ouvira durante a semana antecedente.
43

Ao entrar na sala, a professora já estava dando os


últimos retoques dos assuntos mais importantes e que
Washington já tinha ressaltado. Ao vê-la, travou.
— Quem é você?
— Nicholas, o novato.
Carmen usava um vestido preto até abaixo dos
joelhos; calçava salto alto da mesma cor, combinando
com os olhos, os tufos escuros contrastavam
perfeitamente com a pele branca e os lábios pintados
de um batom vermelho. Graciosa e elegante, a mulher
abriu um sorriso.
— Ah, bem-vindo. Por favor, sente-se, Nicholas.
Nicholas voltou ao seu lugar, sempre recebendo
aqueles olhares devassos e contraditórios da turma.
— Como ía ressaltando — voltou ao assunto… —,
teremos alguns trabalhos em dupla onde eu mesma iria
escolher os dois participantes, com exceção do Austin,
o presidente da turma, que poderá escolher o seu ou
sua parceira na atividade extraclasse.
44

Todos os companheiros de Austin pareciam querer


sua parceria, mas todos sabiam que sua escolha haveria
de ser Amber, a namorada.
— Quem você escolheu, Austin?
Austin Moore correu com os olhos pela sala,
parando-os em cima de Nicholas que desviou o olhar.
— O novato, professora!
O susto de Amber foi tanto que ela deixou o celular
cair de sua mão, mas Austin não importou-se nenhum
pouco com o repentino ataque de ciúme de sua
namorada.
— Com ele, Austin? — Indagou.
— Minha querida, assuntos escolares não tem nada
haver com os pessoais — martelou a professora Carmen
a Amber— Se ele escolheu o rapaz, aceita de bom
grado. Na verdade, esta é uma das funções de um
presidente de turma: trazer os novatos para perto.
A mão de Nicholas foi avistada pela professora.
— Sim, o que deseja Nicholas?
— Posso fazer o trabalho extraclasse com a Anne? Não
quero causar transtorno a ninguém.
45

A professora analisou as circunstâncias e deu seu


veredito final.
— Ok, Nicholas! Anne, está tudo bem para você tendo
o Nicholas como seu companheiro de trabalho?
A garota assentiu veementemente.
— Certo. Você vai fazer com a Amber, Austin?
— Lógico que vai — intrometeu-se a menina,
seriamente irritada. — Não é, meu amor?
Austin encarou Nicholas mais uma vez antes de
confirmar a intimação de Amber.
A Professora Carmen escolheu por ordem aleatória as
demais duplas; e quando as vinte haviam sido
escolhidas, levantou-se elegantemente da cadeira e
escreveu algumas linhas no quadro branco da forma
como gostaria que fosse o trabalho.
— Alguma dúvida? — Perguntou a professora de
Filosofia.
Nada alarmante, apenas Anne ergueu a mão
timidamente ao fundo, onde passou a sentar.
— O trabalho pode ser feito aqui, na escola, professora?
46

— Não, minha querida. Aqui não pode, mas se quiser


uma dica, o melhor ambiente seria uma biblioteca da
cidade ou na casa de vocês — esclareceu Carmen—
Nicholas não me parece ser um garoto mal, não é
mesmo, querido?
O questionamento fez o rapazinho corar.
— Não, professora. Meu pai me criou rigidamente para
respeitar uma mulher e só tocá-la caso a mesma deseje.
A maturidade de Nicholas desconcertou os demais
colegas, principalmente Austin e Amber que o
encararam com semblante curioso.
— Tu nunca namorou, Andrich? — a loira perguntou,
arrancando risadas da turma.
Nicholas sabia ser afrontoso, se fosse para todos
odiá-los, deveria continuar o mais explícito possível.
— Sim, já namorei — disse Nicholas.
— O assunto não vem ao caso, Amber — repreendeu a
professora, erguendo-se— Anne, querida? Nicholas
poderá ir a sua casa ou vice-versa, ou em qualquer lugar,
desde que me entreguem o trabalho no dia o qual
marquei.
47

Anne contentou-se.
Depois de selecionada todas as duplas, Carmen se
dirigiu ao quadro e escreveu uma data: 18/06/2023;
todos atentos a fala dela após voltar a atenção à turma.
— Nesse dia será o baile de formatura de vocês, certo?
Será semanas após a final do Campeonato Interescolar,
beleza? Mais adiante teremos reuniões e etc. Bom,
queridos, podem ir. Estão dispensados.
Não houve perguntas e que bom, os estudantes
deixaram a sala em silêncio total, entrando nos
corredores. Nicholas caminhava mais atrás e viu quando
Austin e seu grupinho pararam próximo a escada que
levava ao terceiro andar e a que descia ao térreo,
sentindo seu sangue esfriar por haver escolhido Anne
ao invés dele. A passos calmos, observou Amber e
Maíra tomando o caminho oposto, em direção aos
banheiros, e os demais indo encontrar outros amigos,
restando ele, o pecado em pessoa. Bem ali, a sua frente
e por mais mesquinho que pudesse transparecer,
Nicholas desviou o olhar e quando tentava alcançar a
escada para o primeiro piso, as mãos de Austin roçaram
48

seu braço de maneira voraz tendo-o que encará-lo. Lhe


faltou palavras, mas a caça a elas seguiu sem obstáculos.
— Me perdoa pelo ciúme bobo da Amber — disse ele,
sorrindo tímido— Eu… tô… malzão por isso, cara.
Nicholas arranjou uma forma de se desvencilhar dele.
— Tranquilo, Austin. Cê me dá licença?
Austin estarreceu, principalmente quando aquelas
safiras brilhantes o imploraram invisivelmente por mais
toque, por mais sentimento. Nicholas não deixava nada
explícito, mas os olhos azuis, estes sim denunciavam a
quentura que tal ato gerou.
— Claro — ele deu uma curta distância— Até amanhã,
Andrich!
Nicholas apenas suspirou fundo e precisou descer
depressa antes que suas pernas falhassem naquela hora.
Perturbado pela presença de Austin, o loiro avistou
Alec no estacionamento, e perto dele, um rapaz alto,
forte, usando uma calça jeans social, all-stars escuro,
uma camisa quadriculada envolta da cintura. Mas não
deixou de notar a camiseta regata dos Beatles a qual
destacava os músculos e uma tatuagem, nem mesmo as
49

pulseiras deixaram escapar perante sua visão. Ao vê-lo


travado, Alec acenou. Nicholas fechou os olhos e
lutou… lutou e perdeu a luta. Caminhou até ambos.
Ao ver Nicholas, foi como se o tempo lhe trouxesse
um passado de volta e junto dele mais que promessas,
mas sintonia. Sintonia entre o que tinha sido roubado e
o presente que o futuro parecia estar entregando em
suas mãos. Liam sentiu-se preso aos passos do garoto e
que bom, precisou manter a formalidade até os braços
de Alec contornarem o pescoço de Nicholas e ele
desviá-los para o irmão.
— Ah, Nich, esse é Liam… o cara da…
— Pipoca doce de comer rezando e lamber os dedos de
tão gostosa?
Não era preciso perguntar. A semelhança entre ambos
era enorme, apenas tirando o fato de que Liam era mais
másculo e viril.
— Sim, ele mesmo.
Surpreso, Liam estendeu a mão e ela foi tocada
suavemente por aquele rapaz que o deixou hipnotizado
há menos de dois minutos.
50

— Liam — disse o mais velho, após uns cinco segundos


de cumprimento quente— Você deve ser o filho do
Robert, nosso vizinho!?
O garoto assentiu.
— Sou o Nicholas. É um prazer finalmente conhecê-lo.
A formalidade não era, até o momento, o carro chefe
de Liam, porém Nicholas transmitia uma paz diferente.
— Todo meu, Nich. Me chamo Lee.
Vendo que havia sido deixado para vela, Alec
intrometeu-se.
— Quer ir de carona com a gente, Nicholas?
— Ah, não, obrigado — disse ele, logo após — Meu
motorista deve está chegando. Na verdade deveria ter
chego já!
— Ah, que pena, fica pra próxima então — asseverou
Liam, olhando-o profundamente. — Mas caso queira
sair com a gente hoje a noite, vamos adorar. Não é
mesmo, Alec?
Alec assentiu.
— É, quem sabe! — Nicholas ouviu sons de
notificações e desbloqueou o celular, deparando-se com
51

uma mensagem de Melinda, o que lhe gerou um bufo—


A proposta da carona ainda está de pé? — Perguntou.
— Sim, sim. Mas o que houve?
— Ah, a governanta da minha casa disse que o
motorista acabou ficando preso no trânsito vindo para
cá e, completando o caos, furou o pneu. Moral da
história, está no mecânico.
Liam abriu um sorriso de canto a canto.
— Vamos, pô, entra aí. Vai comigo na frente, meu
irmãozinho não é ciumento dos amigos dele, eu acho!
— Tá se achando o gostosão do pedaço — disse Alec
com tons de sarcasmo.
“Não está se achando o gostoso, era de verdade um dos
caras mais bonitos que já vi na vida. Pensou Nicholas.”
— Ha-ha. Entra você também! — Liam pediu.
Após todos tivessem sentados, o mais velho ligou o
carro, mas nem um deles notou que a uma curta
distância, Austin encarava aquela cena com certo pavor
no olhar. Temor, talvez!
52

Ao dobrarem a primeira esquina, uma enxurrada de


perguntas foi iniciada.
— Como é Gales? — perguntou Liam, naquela altura.
— Bonito, tirando a parte que somos pouco mais de 4
milhões, ou seja, bem vazio por quilômetros quadrados.
Uma olhada no trânsito e outra nos olhos de
Nicholas.
— Então deve ter pego todos a sua volta?
— Liam! — Exclamou Austin, ao ver que o rumo da
conversa estaria indo para outro rumo. — Deixa o cara.
Nicholas, ainda assim, respondeu:
— Já namorei, mas nunca cheguei a arrasar corações.
— Ah, poxa! — pigarreou o mais velho, abrindo a mata
a procura de um caminho— Mas e aí, pretende ficar
quanto tempo nos Estados Unidos?
Nicholas demorou um pouco para responder, mas foi
fiel à sua decisão antes tomada.
— Até o fechamento do ensino médio. Depois volto
para Cardiff.
— Cardiff?
— A capital de Gales!
53

— Hum, legal! Parece que a cidade que nunca dorme,


faz você cair no sono mais cedo.
O rapaz sorriu, gostou da piada, por mais suave que
soou.
— É por aí.
Liam entrou na rua que levava ao bairro do Queens,
onde localizava o Condomínio King-Palace, e tentou
aproveitar o diálogo construído com Nicholas para
convidá-lo ao passeio de mais tarde.
— Aceita sair com a gente hoje a noite?
Ele pensou por um momento.
— Não sei, mas vou aceitar mesmo sabendo que meu
pai não permitirá.
O sorriso de Liam desfaleceu, porém perder as
esperanças nunca fez parte de sua vida.
— Tenho absoluta certeza que o Robert, irá deixar.
Dois minutos depois passaram pela inspeção e
entraram no condomínio onde moravam e subiram uma
rua até duas enormes casas, uma frente a outra, serem
avistadas. Eram grandes, pintadas de branco, com
54

muros altos, portão de ferro, calçada e outros detalhes.


Liam parou o carro.
— Chegamos! — avisou ele.
— Obrigado pela carona, moços.
— De nada.
Nicholas tentou destravar a porta mas foi vencido
por ela de forma assustadora
— Como que abre isso aqui?
Liam abriu o cinto de segurança e jogou seu corpo
por cima do de Nicholas. O perfume amadeirado
irrompeu as narinas do rapaz e a sensação de paz e
aconchego daquele toque masculino o conduziu ao
êxtase. Os rostos quase se tocando, os lábios
implorando um pelo outro, porém Nicholas lutou e
quando por fim Liam destravou a porta, foi como se
milhares de toneladas tivesse saído de suas costas.
Liam retornou ao seu lugar. Nicholas pode assim
respirar adequadamente. Ele abriu a porta e encarou o
moço ao seu lado.
— Obrigado mais uma vez pela carona, Liam.
55

— De nada, Nicholas! Hã e caso queira vir mais vezes, é


só despachar seu motorista que te levarei e trarei em
segurança.
— Ah, não será necessário. Alec? Valeu, até… — Liam o
encarou com um olhar de decepção à vista — Mais
tarde. Passo na casa de vocês, beleza?
O sorriso lindo e tecnicamente infalível, voltou a
surgir.
— Até! — disse Alec.
Dessa forma, Nicholas seguiu seu caminho e os dois
irmãos, um deles. Porém, algo havia mudado. Mudado
de forma violenta, mas saudável. Nicholas pode sentir
isso pela primeira vez, quiçá pela autonomia de Liam,
outra quem sabe, ligada a extrema beleza que fez o
corpo do jovem garoto estremecer sob cada olhar. Mas
apenas o tempo conseguiria, de fato, liquidar as
verdades. Nicholas gostaria que fosse urgente.
Talvez morar em Nova Iorque tivesse lá seus bons
momentos. Pensou o jovem, sorridente.
56

Ao vê-lo adentrar pela porta, Melinda sentiu-se mais


aliviada.
— Ah, graças a Deus você chegou, Nich! —
transparência e suavidade passaram a ser vistas
milimetricamente na face de Melinda — Liguei tanto
para você e apenas caixa postal! Veio de táxi?
Ele ajeitou a mochila no ombro direito e sorriu.
— Não.
E caminhou para o quarto, sendo seguido pela mulher.
— Como assim, não? Veio com quem?
Nicholas abriu a porta e foi rumo à cama, debruçando
sobre ela.
— Qual o motivo de tanta pergunta, Mel?
57

— É o meu trabalho, guri. Se algo vier acontecer


contigo, a culpada sou eu.
— Chega de drama, Melinda. Senta aqui!
Indicou a beirada da cama. Melinda não hesitou, já
que estava curiosa em saber com quem o rapaz veio..
— Me diga, com quem veio?
Nicholas revirou os olhos, mas sorriu.
— Ora, com nossos vizinhos de rua. O Alec e o irmão
dele, o… — Nicholas fingiu ter esquecido o nome do
jovem — Liam, me parece.
Melinda suspirou fundo.
— Que bom que está fazendo amizades. Os meninos
parecem ser pessoas gentis.
— Ah, e são mesmo. Principalmente o Liam. Ele é
gente boa.
Melinda fitou-o por um breve tempo. Nicholas
sentou-se no meio da cama e abraçou um travesseiro. A
fisionomia triste abalou a mulher, mas esta sabia os
motivos e as razões, no entanto, queria ouvir dele.
— Gostou dele?
Nicholas encarou um semblante curioso à sua frente.
58

— Como assim, gostei dele?


— Ah, Nich — ela ergueu da cama e foi até o espelho
— Essas coisas são tão normais hoje em dia, bom,
pensei que…
— Pensou precipitada, Melinda.
— Não engane seu coração, pequeno. Tente não se
retrair. Vou colocar o almoço na mesa!
Ela deixou o quarto com um vazio ainda maior, cheio
de confusões a prolongar-se por mais dias. Nicholas,
contanto, mandou as indagações e objeções para o mar
do esquecimento e mudou de roupa.
Vinte minutos depois, resolveu descer para almoçar.
De fato, Melinda já havia posto a mesa, mas o cardápio
não o agradou pois ainda preferia a culinária de Gales e
por mais saborosa que lasanha fosse, sentia o estômago
revirar só de vê-la. Porém, um pedaço médio o satisfaz
de imediato e alguns minutos mais tarde, locomove-se a
sala ampla da mansão e conseguinte, deitado no sofá,
acabou sendo abatido pelo cansaço e adormeceu ali
mesmo.
59

O cansaço parecia ter finalmente conseguido


arruinar o dia de Austin Moore, o descolado. Quiçá pela
presença apavorante de Amber e Maíra que estavam há
mais de duas horas fazendo stories, tirando fotos,
falando sobre maquiagem, roupas de modas e etc.
O trio banhavam-se na piscina de borda infinita no
quintal florido e de grama sintética na casa de Amber,
mas Austin estava a quatro metros na espreguiçadeira
tentando recompor as energias para a nova seleção de
jogadores que iriam competir pela Bernard High
School, nos jogos interclasses. No entanto, os
cochichos das duas irritavam seus tímpanos que o
60

fizeram tomar uma decisão. Ergueu-se à procura de sua


camisa e bufou, antes de se dirigir a elas.
— Tô indo… amanhã nos vemos, beleza?
— Mas já, amor? — ela indagou. — Ei? Cadê meu
beijo?
Austin virou o corpo e deixou um selinho nos lábios
de Amber e, logo após, as deixou sozinhas, como
estavam há pouco tempo. Vestiu a camisa no trajeto até
o carro estacionado em frente a calçada da casa e assim
que entrou nele, descansou a cabeça no volante e pegou
a pensar.
— Que droga!
Se praguejou duas ou mais vezes antes de ligar o
veículo e sair em disparada em direção a sua casa a qual
ficava naquele mesmo condomínio pela proximidade
com o Centro de Manhattan, a escola, parques e
shoppings centers.
Alguns minutos depois, chegou à mansão onde
morava com seus pais e mais dois irmãos, sendo um
mais velho e outro caçula. Ao entrar pela porta, Julian,
seu patriarca, lia um livro com as pernas trançadas e
61

uma xícara com café, degustando tanto as palavras


quanto aquele o qual passou a ser seu vício preferido.
— Cheguei, pai!
— Estou vendo — Austin ia subindo as escadas quando
foi interrompido— Ei, ei, ei, vem cá!
A ordem foi cumprida assim que terminou de revirar
os olhos.
— Qual é, pai?
— Qual é o que, garoto? Eu que te pergunto quem o
deixou assim?
— Assim como?
Julian Moore fechou o livro e levantou, circundando
o sofá e caminhando até o filho.
— É a Amber, não é mesmo?
— Como sabe?
— Não preciso ser telepata, filho. Ela publica um status
a cada dois minutos e poucos deles tem você. Acho que
já deu, né? Por que investe tanto em algo que só te faz
mal?
Não havia resposta para aquela pergunta, só mais
um amontoado de indagações que surgiram depois.
62

— Eu… preciso tirar o cloro do meu corpo…


— Austin? — Julian o encarou nos olhos — O assunto
ainda te perturba, não é mesmo?
— Não quero falar sobre isso. Vou pro quarto.
Ele voltou as escadas, mas ouviu a voz do pai ecoar
seus ouvidos.
— Sua mãe deixou o almoço na geladeira.
Ao entrar no quarto, deixou as chaves sobre o
criado-mudo, retirando a camisa e sentando na beirada
da cama, voltando a refletir se o romance casual com
Amber tinha o levado a algum lugar além do sofrimento
e da própria escuridão. E quando percebeu o caos
formado em sua vida, deitou lentamente e manteve
aquela mesma posição até cair no sono.

Ao acordar, deparou-se com Christian, seu irmão


caçula, de pé rente a cama fazendo tomar um susto pela
máscara horripilante e tão real do assassino do filme
Sexta-Feira 13.
— Droga, Chris! Que porra é essa?
63

— Olha a boca — repreendeu o garoto — Sou seu


maior pesadelo.
— Ah, é mesmo. Cai fora!
Mas o garoto pulou na cama e repousou sua cabeça
nos braços de Austin que sorriu pela raridade, já que
Chris preferia Matt, ao invés dele, o que levou a
suspeitar da criança.
— Que você quer, em?
Chris abriu um sorriso banguela. Chris tinha
acabado de fazer sete anos. Era incontrolável, o famoso
pestinha da família, aquele que vivia aprontando com
todos.
— Matt tem faculdade hoje à noite e…
— E?
— E queria ir ao parque… brincar.
— Agora eu entendi, seu aproveitador. Você quer que
eu o leve, certo? — Christian assentiu sorrindo. —
Infelizmente não poderei. Vou… sair com a Amber e os
meninos.
64

Chris protagonizou o episódio da criança tristonha,


tentando convencer Austin de fazer seus desejos e não
os dele. Enfim, a encenação não surtiu efeito.
— Por favor, Austinzinho, me leva no parque.
Austin bufou.
— Hoje não. Amanhã, que tal?
— Amanhã não… amanhã tem aquele jantar na casa dos
pais do Alec.
Austin lambeu os lábios e levantou.
— Certo, eu levo você — Chris bateu palmas eufórico
— Mas com uma condição.
— Qual? Qual?
— Que… você… não apronte nenhuma pra mim.
Estamos certo? Caso me envergonhe, irei me irritar e
quando eu ficar irritado…
— Não vou aprontar.
— Que bom, que bom. Agora cai fora que vou chamar a
Amber pra ir com a gente.
Christian revirou os olhinhos azulados e deixou o
quarto.
65

Ele digitou o número da namorada e esperou que


ela atendesse, mas nada. Tentou outras cinco vezes e
deixou por isso mesmo, suavizando sua raiva.

— Filho? Filho? Acorde, Nich! — Robert balançou o


corpo do garoto, fazendo-o acordar. — Vamos para o
quarto?
Nicholas revirou-se no sofá.
— Ah, pai, depois.
— Depois nada. Vamos agora. Tome pelo menos um
banho para conversarmos um pouco.
— Ah, droga.
— Olha o palavreado, Nich. Levante e vamos.
66

Meio sonolento, Robert acompanhou seu filho pelas


escadas até o quarto dele. Repousou sobre a cama e
analisou a fisionomia cansada do garoto.
— É o fuso horário ainda?
— Escola, professores, fuso-horário, tudo. Tudo me
deixa exausto, pai.
Robert sentou próximo dele e acariciou os cabelos
loiros do rapaz, encostando a cabeça dele em seus
ombros.
— Perdão por fazê-lo vir para cá. Eu… me odeio por
isso.
Nicholas se sentiu mal, óbvio, mas nada disse durante
alguns segundos.
— Será que posso sair hoje com uns amigos que fiz?
Se fosse em Cardiff, Robert não o repreendia,
tampouco perguntaria sobre a árvore genealógica da
família desses amigos.
— São confiáveis?
— Não sei, eles dizem que são canibais e assassinos.
Gostam de matar policiais e se infiltrar em guerras.
— Nich?! Estou falando sério.
67

— Eu também. Pelo menos eles dizem que fazem isso


nos jogos.
Robert suspirou um pouco mais aliviado.
— Quero nomes? Identidade e sobrenomes?
Nicholas sorriu.
— É o Alec e o Liam, pai. Filhos do seu sócio.
Robert arregalou os olhos pela surpresa. Afastou a
cabeça do filho e ergueu da cama.
— Eles são pessoas adoráveis.
— São tão adoráveis que nem comentou sobre eles.
— É verdade, filho. Mas amanhã teremos um jantar na
casa dos pais do Alec e do Liam, poderão se conhecer
melhor.
Nicholas revirou os olhos.
— Por que será que não estou surpreso?
— E era para estar?
— Não. Acho que não. Mas e aí coroa, vai deixar eu sair
com os meninos?
Robert não demorou a tomar uma decisão.
— Pode ir, mas antes da meia-noite, quero você em
casa, me ouviu?
68

Nicholas comemorou.
— Irei vir no horário marcado.
— Que bom, filho. Mas e aí, já pensou na festa de
aniversário?
Não, era óbvio que não.
— Pensei — ele mentiu, e mentiu péssimo. — Tem
uma garota, chamada Amber, da minha escola que se
ofereceu para organizar tudo.
— Amber Johnson? A filha dos Jonhson de Manhattan?
— Deve ser. Ela namora o Austin Moore, filho do seu
sócio.
— Ah, sei quem são os dois. Ela é uma graça, mas ele
não, não gostei do garoto.
Nicholas ergueu uma sobrancelha, curioso.
— Por que? Ele me pareceu ser uma ótima pessoa.
— Engano seu, filho. Austin é irrelevante, o irmão dele,
o mais velho, este sim é confiável. Acho que estará no
jantar amanhã.
— Humm. Vou tomar banho. Tem problema se eu
pedir para sair, pai?
69

— Nenhum. Tome cuidado, filho. Sem bebida, sem


drogas e sexo apenas com camisinha.
Nicholas concordou.
— Pai? — ele o chamou. — Será que…
— Que o que, filho?
Nicholas pensou se valia apenas, chegou a abrir os
lábios mas a coragem em proferir as palavras não veio
na mesma intensidade.
— Nada, pai.
— Ok. Vou descer e sair um momento.
— Vai onde?
— Na… sorveteria do outro bairro. Quer uma casquinha?
— Não, de boa. Tem um pote na geladeira.
Robert, então, retirou-se do quarto de Nicholas e ele
pode, finalmente, tomar banho.

Dez minutos foi o tempo suficiente para terminar sua


higiene corporal. Deixou o banheiro em seguida,
caminhando até o closet e procurando entre suas tantas
opções algo não muito chamativo. Na seção de
conjuntos e um, em especial, chamou sua atenção. Era
70

todo preto, tanto a camisa quanto o calção, ambos de


cetim, com um desenho em tom prateado no peito
direito e acima dos joelhos. Escolheu um boné da
mesma tonalidade; um cordão de ouro dezoito quilates
e pulseiras, as quais raramente usava. No repartimento
de calçados, optou por usar um tênis branco, com
poucos detalhes preto e, finalizando o look, Nicholas
pegou uma de suas jaquetas.
Após a finalização do vestuário, passou perfume, pôs
um brinco pequeno com o pingente do infinito no
lóbulo da orelha esquerda e penteou os cabelos. Estava
pronto. Dessa forma, encarou seu reflexo no espelho.
Nicholas possuía um rosto harmônico, com os músculos
que fazia-o parecer mais velho, tudo porque a herança
da face angulosa destaca sua beleza de forma natural,
herdada principalmente de seu pai. Os olhos, bom,
estes vieram de sua mãe, assim como a cor da pele,
porém os fios dourados da cabeleira proviam de Robert.
Depois de um último retoque de perfume, deixou o
quarto e a casa, cruzando a rua a passos calmos e
71

tocando a campainha da mansão de Liam e Alec,


aguardando alguém vir atendê-lo.
72

Michele e Bruce, mãe e pai de Liam, Alec e


Kimberly, estavam sentados no sofá assistindo o jornal
local quando ouviram o som da campainha ecoar o
imóvel, fazendo ambos seguirem o olhar em direção a
Kim, a filha do meio, concentrada nos estudos para a
Universidade Federal de Nova York.
— Filha? Veja quem é?
Kimberly Clark até revirou os olhos, mas não havia
outra saída e cedeu seu precioso tempo indo até o
interfone o qual ficava próximo a tevê.
— Quem é o que deseja? — perguntou a garota.
Nicholas estarreceu sob tal humor, porém não se
importou.
73

— Sou colega do Alec. Ele está?


Kimberly revirou os olhos.
— Claro, devia ter suspeitado — ela encarou os pais e
estes estavam concentrados nas últimas informações. —
Vou abrir o portão para você, aí é só entrar e se dirigir a
porta, jovem!
Nicholas agradeceu prontamente. Kimberly
pressionou um botão e voltou a sentar em frente a tela
do notebook, numa mesa de vidro ornada com um vaso
de rosas colhidas pela manhã.
— Quem era, filha? — Michele perguntou, curiosa.
A garota ligou o headphone.
— Amigo do Alec e do Liam, segundo o garoto.
— Ah, sim, deve ser um desses mesquinhos do bairro.
— É, deve ser. Abra a porta, mãe. Quero me concentrar
aqui, por favor!
Michele assentiu.
Menos de dois minutos, Michele ouviu três batidas
na madeira de cedro e o som agudo ecoou a sala e
rapidamente a mulher se ergueu e caminhou até a
74

porta, abrindo-a em seguida e deparando-se com aquele


rapaz a qual a fez arregalar os olhos.
— Boa noite, Sra. Clark. Tudo bem?
Sim, era completamente diferente dos demais
amigos de Liam e Alec, e também das parcerias de Kim,
sua filha.
— Boa noite. Estou bem — ela respondeu com
gentileza— Esse rosto me é familiar.
Nicholas abriu um sorriso.
— Ah, que bom, Sra. Clark — ele espiou por cima do
ombro dela e enxergou Kimberly e o esposo da mulher.
— Sou o Nicholas, filho do Robert Ramsey.
— Uau — disse impressionada, talvez pela beleza, ora
pela educação— Entre, jovem, entre. Me acompanhe.
Nicholas acompanhou a mulher que não permitiu a
presença dele passar despercebida por ambos.
— Bruce, meu amor, temos visita. Desligue a tevê, por
favor — pediu a Sra. Michele.
Bruce levantou apressado e desligou o aparelho e o
silêncio habitual dos Clark, retornou à sala.
— Oh, e quem é esse rapaz?
75

— O nome dele é Nicholas, amor.


— O filho do Robert?
— Esse mesmo, Sr. Clark. Perdão pela invasão de
privacidade.
Bruce Clark, no entanto, não se importou, pois ficou
contente em apreciar a educação, beleza e aspereza de
Nicholas de perto, sem ter intermédio de Robert, seu
amigo e sócio. Caminhou até o jovem e o
cumprimentou com um longo aperto de mãos.
Kimberly, que havia voltado aos assuntos da faculdade,
teve o momento de reflexão violado outra vez.
— Que droga, mãe! — disse indignada.
Ao ver a visita de pé e tentando esconder o sorriso,
Kimberly mudou de branca para vermelha. Talvez pela
vergonha ou ingenuidade, mas levantou-se depressa e
atenta a aqueles olhos penetrantes os quais a encaravam
à distância.
— Filha? — Michele a chamou, com um sorrisinho nos
lábios. — Este é o filho do Robert?
— Do Robert, mãe? Sério? — Perguntou toda sem
graça.
76

Bruce e Michele assentiram.


A vontade de Kimberly naquele instante era que
abrisse um buraco debaixo de seus pés e a levasse ao
quarto no reverso apenas para dar um retoque na
maquiagem e mudasse de roupas.
— Sou o Nicholas — ele disse se apresentando a ela,
caminhando com a mão direita estendida para o
cumprimento. — Qual seu nome, moça?
Kimberly acatou o contato e pode sentir o coração
pulsando em reação quando o toque das mãos dele a
possuiu.
— Kimberly!
— Prazer em conhecê-la, Kimberly. Você era a moça do
interfone, certo?
— Fui grossa?
— Imagina, não foi. Eu é quem deveria ter avisado os
meninos sobre minha chegada. Fora que está no dever
de ficar irritada com visitas — falou olhando a pilha de
livros e o notebook aberto em cima da mesa — Já que
parecia tão focada nos estudos.
77

Ele era compreensivo e isso era notório pelo sorriso


de Michele e Bruce.
— Até que enfim conhecemos você, Nicholas. Seu pai
comentava o quão belo era, mas nunca cheguei a
imaginar a proporção dessa pulcritude — elogiou
Michele, dando a mão ao marido. — Mas sente-se e
espere pelos meninos.
— Obrigado pelos elogios, Sra. Clark. E pela recepção
também.
Ele sentou no lugar indicado, mas os olhos ainda
prosseguiam de vez em quando em Kimberly.
Kimberly puxara o pai. Era loira dos olhos azuis e
pele clara, com um corpo de mulher já formado e
Nicholas podia jurar ter uns dezoito anos apenas.
Contudo, Kimberly havia acabado de completar vinte e
dois, e era mais nova dois anos que Liam.
Sentados no sofá, a família Clark observava o garoto,
indagando sobre assuntos relevantes e os quais
Nicholas prontamente respondia ou com uma longa
veracidade ou detalhadamente curto, algo que
impressionou os três.
78

— Estuda com Alec, certo? — perguntou Michele.


— Não, na verdade. Alec e eu cursamos a mesma série,
mas em salas separadas.
— Ah, entendi — disse a mulher. — E como conheceu
o meu outro filho?
Nicholas, então, contou-lhes os eventos de mais cedo
no estacionamento e no final todos sorriam.
— Meus filhos são de ouro. Mas minha filha é diamante
raro — exaltou Bruce, entrando no assunto— Seu pai
também tem muito orgulho de você, rapaz. Parece ser
um ótimo prole.
Nicholas agradeceu outra vez.
— Tem quantos anos? — perguntou a curiosa Kimberly.
— Dezessete, por enquanto. Mês que vem farei dezoito
e serão convidados ou intimados a ir na minha festa.
O sorriso de Kimberly se desfez, porém continuava
com grandes esperanças voltadas ao amor.
— Legal. Iremos com certeza — Bruce prontificou-se.
Michele, vendo que tinha sido mal-educada,
ofereceu-lhe algo.
— Quer um suco, querido?
79

Nicholas, porém, dispensou o refresco.


— Obrigado, Sra. Clark…
— Apenas Michele, querido..
— Obrigado, Sra. Michele. Mas aceito um copo com
água.
— Com ou sem gás?
— Sem gás, por favor.
A mulher erigiu do sofá e caminhou até a cozinha.
Pouco tempo depois voltou trazendo o pedido do jovem
e prosseguiram a conversa aleatória. Ao ouvirem passos
e vozes em direção a sala, vindo pela escada, o papo deu
por encerrado e os filhos do casal, vestidos
adequadamente, apareceram sufocando o ar da
atmosfera com a vastidão de seus charmes.
Alec optou por uma bermuda jeans de tonalidade
azul-opaca na altura dos joelhos, uma camisa por
debaixo do moletom branco e um par de tênis preto.
Diferente dele, Liam pareceu caprichar mais, quiçá
porque queria encontrar alguém e ao contrário do
irmão, exibia bem mais que o costumeiro, sem deixar de
ser casual.
80

Os sapatos brancos e a meia da mesma cor iam até as


panturrilhas musculosas. A bermuda preta era folgada,
assim como a camisa rose-gold a qual caiu perfeitamente
em seu corpo de veias salientes e músculos tesos e
sensuais, principalmente na região do peitoral
destacados no pano suave e nos braços e antebraços.
Ele abriu um sorriso largo ao notar Nicholas, e
Kimberly percebeu o interesse estampado no rosto do
irmão, sobre o rapaz.
— Eu vou para o quarto. Bom passeio para vocês!
E sem se despedir de Nicholas, ela deixou a sala e
caminhou para o quarto onde passaria a ocupar a mente
com os assuntos da faculdade.
— Que bom que veio, cara — Alec se prontificou em
abraçá-lo— Nossa, meu, você está cheiroso e
irresistível.
O ato fez Michele e Bruce sorrirem, porém
desintegrou o de Liam por infames dois segundos.
— Que tal irmos? — Ele olhou o relógio e tomou um
susto— São sete e quarenta e dois da noite, e nosso tour
pela cidade de Nova York começará no Luna Park.
81

— Mas isso fica no finzinho do Brooklyn — disse Alec,


assustado. — Pensei que iríamos naquela praça de
alimentação onde marquei com o restante da turma?
Liam, no entanto, se contrapôs.
— Também achei legal ir com seus amigos, mas acho
que só eu, sua namorada, você e o Nicholas, está de
bom tamanho, não acha?
— Tem razão, mas tipo: é do outro lado de Manhattan,
Brooklyn para ser mais específico.
Liam cedeu.
— Então vamos ao Central Park, garanto que não irão
achar ruim. Ele é fechado à noite, mas existem outras
diversões ao redor.
Alec concordou e passou um telegrama para todos e
o local onde iriam se encontrar.
— Até mais pai e mãe — assegurou Liam, beijando o
rosto de cada um.
— Até, e se comportem. Nada de deixar o Nicholas
sozinho, ele não conhece nada da cidade — Bruce
pediu. — Cuidem bem desse rapaz.
Liam tomou a frente.
82

— Eu mesmo irei encarregar-me de ficar sempre por


perto.
Mas era óbvio! Aquele encontro tinha exatamente
essa funcionalidade e nada poderia dar errado. Jogaria
todo seu charme e sabia que nos fins da conta, sagraria
vencedor e seu prêmio pelo mérito seria Nicholas em
seus braços.

Entre os arranha-céus da cidade de Nova York e


localizado no Distrito de Manhattan, o Central Park
possui uma extensão de um pouco mais de três
quilômetros quadrados. Considerado por muitos
nova-iorquinos como um Oásis, dentro da floresta de
concreto — Nova Iorque —, é um lugar de bastante
movimentação e onde os habitantes tentavam diminuir
o ritmo frenético da cidade. Embora pareça natural, ele
é, na verdade, ajardinado quase inteiramente e abriga
diversos lagos artificiais, trilhas para caminhadas e duas
pistas de patinação no gelo, além de um Santuário vivo
e campos diversos. Porém, como era fechado à noite
devido a alta incidência de criminalidade, o carro de
83

Liam apenas passou por ele e estacionou dois


quarteirões à frente, numa praça de alimentação ao ar
livre onde haviam diversas pessoas conversando,
andando de Skate e bike, ou aproveitando para namorar
na agitação.
Nada comparado a um passeio indelével, mas podia
ficar melhor e Liam estava ansioso em fazê-lo
memorável em todos os aspectos.
Saíram do carro e seguiram caminho até o grupo.
Estavam ali: Túlio e Vanessa, sua namorada. O casal
Erik e Priscila, os namorados Elle e William e Amber
com Austin e mais o irmão de Austin, o Christian.
Quando avistaram o trio, uma sequência de cochichos
começou e se rompeu, principalmente ao perceberem
que o novato estava entre eles. Mas foi Austin quem
tremeu sob a possibilidade inevitável de conversar e
conhecer mais profundamente o rapaz.
Alec cumprimentou a todos, assim como Liam;
Nicholas apenas acenou a cada um.
— Cadê a Maíra? — ele quis saber.
84

— Hã… foi ao banheiro retocar a maquiagem —


respondeu Amber, colada a Austin. — Mas sentem, por
favor! — Ela pediu delicadamente.
Tal ato gerou olhares tortos, mas os três passaram a
ocupar respectivas cadeiras. Ao notar o silêncio, Túlio
iniciou uma conversa.
— E sua banda, Liam, como vai?
— Bem, mas estamos nos apresentando pouco devido à
faculdade — alegou o rapaz, olhando para Nicholas,
centrado e tímido no assunto. — Por que?
Túlio tomou um pouco do suco natural antes que
respondesse.
— É que a banda a qual iria cantar no meu aniversário,
despachou — anunciou Túlio— Então queria saber se,
por acaso, topam tocar pra gente.
Liam abriu um sorriso largo, arrancando um olhar
selvagem de Amber, sentada sobre as pernas de Austin.
Nicholas notou o gesto e desviou os olhos em direção a
Liam, todo sorridente.
— Ah, mas é claro. Pode contar com a gente.
— Que bom, parceiro. Espero por vocês lá.
85

Dois minutos depois, Maíra retornou do banheiro e


deixou um beijo no rosto de Liam e outro nos lábios do
namorado, que a fez sentar junto de si. Entre conversas
e assuntos, Amber não deixou apenas sorrisos, ela
gostava de fogo no parquinho e havia preparado uma
pergunta a qual silenciou a todos de forma surreal.
— Vocês estão juntos? — perguntou referindo-se a
Nicholas e Liam.
A pergunta não foi respondida, não depressa como a
garota e todos os curiosos gostariam.
— Não, por que? — Nicholas tomou coragem de
confrontá-la— Tem algo contra ou é apenas ciúmes do
Liam? Porque notei seu olhar sobre ele desde o
momento que chegamos e é algo fora do comum…
muito fora do comum. Bom, pra mim chega. Boa noite!
E daquela forma, Nicholas deixou o grupo com um
suspense no ar e voltou para casa, sem ver Liam ou
ouvir seu nome ser pronunciado e que bom, preferia
assim mesmo. Amber colheu apenas o que havia
plantado: discórdia.
86

O burburinho no ginásio de Bernard High School era


gritante. Todos queriam saber como seriam os treinos e
quem haveria de ser um dos vinte e seis selecionados.
Bernard High School possuía a melhor equipe de
soccer do estado de Nova York, chegando a disputar há
seis anos a Cup High School, onde foram superado nos
pênaltis pela Florida High School, na final e é até hoje
seu grande triunfo fora da cidade. Mas em relação aos
jogos escolares, o colégio possuía um tricampeonato e o
mais recente foi há dois anos, quando venceram a
equipe Black Eagles, na prorrogação.
No campeonato anterior, passaram sufoco na fase
de grupos e foram em segundo lugar e caíram diante
87

dos Blackhawks, numa derrota humilhante nas oitavas


de final por três a zero e onde a equipe da Florence
High School, tornou-se tricampeã do Torneio,
igualando o mesmo número de títulos que a Bernard.
Austin era apenas um dos jogadores e sequer foi
selecionado para a competição, mas esse ano algo
mudara. Seu nome estava no topo da lista e seu
professor e técnico, apostava nele na tentativa de trazer
o tetra para a Bernard. No entanto, também estava sob
seu comando duas equipes: Serpents Backs — sua por
direito de votação —, e a Bernard 's Lions, que ocupou
após a saída de Jacob. Talvez o professor fosse escolher
no momento propício um substituto à altura dos Lions.
Elliot Ambrose estava atrasado e assim que chegou,
pediu desculpas a todos, afinal o trânsito de Nova York
o deixava ansioso, nervoso e depressivo, uma mistura
muito louca retratada nos cabelos carmesim
atrapalhados e vestimentas amassadas ou até mesmo
nos cadarços desmanchados e na calça esportiva duas
vezes maior que o de costume. Porém, apesar disso
tudo, Elliot era amado por todos. Ele pediu silêncio
88

duas vezes e, sem ter acatado sua ordem, ousou a


quebrar as instâncias da educação e apanhar o
alto-falante.
— Silêncio, bando de arruaceiros — o silêncio reinou.
Todos sentaram e que bom, assim pode prosseguir—
Notícias urgentes sobre o Torneio Interclasses.
Austin ergueu a mão em permissão para falar. Elliot
assentiu.
— Quando serão formados os grupos da competição,
professor?
— Ótima pergunta, querido Austin — disse Elliot, em
seguida. — Eu também não sei. A diretora é quem deve
respondê-la, mas adianto que será muito breve.
Uma sequência de palmas foi ouvida. A oblção
chegou ao ápice quando Erik, parceiro de Austin
levantou a mão. Elliot, mais uma vez, permitiu a
pergunta.
— A equipe Bernard 's Lions, está sem capitão. Quem
vai assumir o posto de Jacob?
Erik Mecena era o mais interessado, é claro, mas a
disputa pela vaga seria decidido por Elliot e tudo que o
89

professor e técnico queria era exatamente a união de


Austin e Erik. Desejava que os Lions continuassem com
liderança independente, embora ultimamente o cargo
estivesse friamente nas mãos de Austin. Porém, não
havia competições, afinal Moore recebeu o título duas
semanas antes das férias escolares e a devolução
deveria ser urgente. Elliot, todavia, buscava um aluno
dedicado que assim como Jacob, soube liderar sem
medo os Lions nas conquistas.
— Ainda não achei ninguém competente para o cargo,
Erik — asseverou Elliot. — Mas assim que encontrá-lo,
irei comunicar aos estudantes e alistados dos Lions.
Alguém tem algum outro questionamento a fazer?
Túlio erigiu a mão e Elliot permitiu.
— Quais as cidades que receberão o Torneio?
— Boa pergunta, Túlio. Serão quatro, somente. Nova
Iorque, Buffalo e Abany, irão receber a fase de grupos, e
as oitavas de final; e Rochester as demais porque foi o
último campeão.
A resposta foi satisfatória.
90

— Porém, meus queridos, existe um problema — Elliot


deixou um ar de suspense na fala. — Por havermos
caído nas oitavas do ano passado, teremos que passar
por uma repescagem para talvez avançar à fase de
grupos.
Sim, havia isso e Austin Moore tinha uma certa
ansiedade quando levantou no meio da arquibancada.
— Quem serão nossos adversários? — ele quis saber.
Elliot o encarou a semblante tenso, porque apesar do
atual adversário ser conhecido deles, tinha algo a mais
em jogo: a reputação de Moore e do treinador.
— Os Red Tiger.
O silêncio voltou a assombrá-los de imediato.
Enquanto isso, Nicholas e Alec, sentados lado a lado,
mantinham-se atentos na conversa.
— Por que esse medo todo dos Red Tiger? — Nich
perguntou curioso.
Alec o encarou e cantou em detalhes mínimos o
ocorrido ano passado.
— Os Tigres Vermelhos foram nossos algozes na fase
de grupos do Torneio passado — iniciou o garoto,
91

sombrio— Estávamos vencendo por dois a zero quando


fomos ao intervalo. Vencer eles daria vaga à fase
seguinte sem esperar pelo terceiro jogo e combinações
de resultados. Ao voltarmos para o segundo tempo,
fomos surpreendidos de forma avassaladora. Além de
levarmos uma virada histórica, a derrota foi amarga. Os
Red Tiger não avançaram, porém pegamos o caminho
mais difícil e caímos. Eles não eram bons, mas depois
disso, jogamos três vezes contra eles e fomos vencidos
de goleada. Bernard 's Lions, liderada por Jacob,
conseguiu vencê-los historicamente por dois a um,
antes do recesso escolar. Mas hoje não temos Jacob e,
os Lions, precisamente, não estão em ótima fase. Essa
repescagem é única: perdeu, acabou. O sonho de ir à
final vai por água abaixo.
Nicholas percebeu uma certa aflição no tom de voz
do colega, e desviou o olhar dele para o professor Elliot.
— Mas eles não são invencíveis. Ninguém é invencível.
— Austin sempre diz que ele é insuperável — Nicholas
arqueou uma sobrancelha— Falando nele, o cara ficou
92

irritado com a suposição sobre a Amber está olhando


para meu irmão ontem. Ele é gay!
Nicholas apertou os lábios.
— E você acha isso normal?
— Ser gay?
— É, ser gay. Tipo: existem pessoas próximas a elas que
não suportam ficar perto. Entende?
Alec abriu um sorriso.
— Eu amo o meu irmão, Nich. Pra mim é normal e… —
ele pausou a voz — Acho que ele está afim de você!
— De mim? — Indagou surpreso.
— É, de você, e não minta, é feio. Eu vi como você
olhou pra ele ontem. Era uma mistura de ciúmes, amor
e tesão.
Nicholas ruborizou.
— Eu não sou gay.
— É claro que não é gay. Mas cem por cento hétero
também não é — disse Alec, sorrindo. — Eu sou um
bom amigo, Nich — passou o braço envolta do pescoço
do colega e prosseguiu — Eu super apóio os dois.
Nicholas, porém, contrapôs.
93

— Eu quero apenas a amizade do seu irmão, Alec.


— Você é quem diz!
Dito isso, Elliot prosseguiu:
— Meus caros, podemos vencer esse jogo se jogarmos
com raça. Nossos treinamentos começam na próxima
semana e vou querer todos vocês aqui — disse Elliot,
bastante convicto de que ganharia o Torneio— Vamos
voltar a honrar o laranja e preto na nossa escola. Agora
estão liberados. Podem ir para as vossas salas. Quero
apenas o Austin e o Pietro, aqui comigo.
Um por um os alunos foram abandonando o ginásio
da escola. Já no corredor, andando um pouco mais atrás
de Alec, Nicholas ouviu seu nome ser pronunciado.
Não era preciso se virar, ele sabia a quem pertencia
aquela voz. Revirou os olhos e aguardou Amber Johnson
e sua corja de loiras oxigenadas aproximando a passos
de Miss Puritana e soberbas até a ponta do cabelo.
— Meninas? Podem ir — ela as dispensou.
Nicholas percebeu a beleza da garota, uma pena que
esse era apenas mais um detalhe entre o mau caráter e a
forma excêntrica de se portar.
94

— O que você quer? — ele perguntou com um misto de


curiosidade. — Se for sobre ontem…
— É sobre ontem e você vai me ouvir. Ok?
Nicholas assentiu.
— Fala porque eu não irei retirar uma única palavra que
disse.
Amber o contornou analisando a postura do rapaz.
— Eu… estou decepcionada contigo, Andrich. É tão
belo, porém, sem conceito algum — reverberou dando
uma risada esquisita— Austin ficou chateado comigo
pela suspeita que deixou no ar ontem. Então pensei
muito e tomei uma sentença a respeito.
Ele ergueu uma sobrancelha. Tamanha era a
curiosidade em saber mais sobre tal equívoco tomado
depressa.
— Qual seu veredito? Vai me expôr para a escola inteira
como sempre faz?
— Não… na verdade, não é uma má ideia — pigarreou
Amber, sorrindo sarcástica. — Mas seja paciente, bela
criatura. A raiva de ontem será minha alegria amanhã.
Eu vou acabar contigo.
95

— É uma ameaça?
— Um aviso. Até mais, baby.
Amber Johnson o deixou sozinho naquele corredor
um tanto pensativo, afinal de contas, ela era imatura,
porém perigosa.
Tentando recompor as forças, viu quando a silhueta
de Austin Moore se fez presente e como uma linha
tênue, os olhos se encontraram sob o ar da atmosfera de
forma inevitável. Austin não conteve-se em vê-lo ali,
logo apressou o andar.
— Que bom que está aqui, Nicholas…
— Olha, se for sobre o que eu disse ontem…
— Nada haver, cara. O professor Elliot quer que você se
inscreva na seletiva. Quer?
Mas antes que pudesse responder, o sinal tocou. Era
o início definitivo das aulas.
— Posso te responder mais tarde?
Austin assentiu, mas não sem antes interromper seus
passos.
— Vai jantar na casa dos pais do Alec? Soube que seu
pai é sócio dele e do meu na empresa.
96

Nicholas assentiu.
— Vou sim, e você?
— Também. Te vejo lá então e assim conversamos
melhor, certo?
— Certo, Austin. Que tal entrarmos agora?
O garoto concordou.
Ao entrarem na sala de aula, a professora Clarice, de
História, havia iniciado a explicação do assunto.
Forçada a interromper a elucidação, não deixou barato.
— Onde estava o Sr. Ramsey e Sr. Moore?
— No ginásio, professora — respondeu Austin.
Ela deu por contente.
— Ligue o tablet de vocês e vão nos documentos
referentes a minha matéria e escolham o PDF sobre a
Fundação dos Estados Unidos, 1776, por favor.
Os dois fizeram o que a professora Clarice pediu e
assim a exposição devida da disciplina começou.
Embora a história fosse uma das raras matérias pela
qual Nicholas não sentia tanta atração, prestou atenção
na explicação. Clarice deixava ao máximo a proeza de
sua voz atingir os neurônios congelados da maioria dos
97

meninos e descongelá-los e assim uma seção de


perguntas ser iniciada. Após todas as dúvidas terem
sido cessadas de maneira explicativa, o horário da
professora extinguiu junto. Ela arrumou seus materiais
e abandonou a sala com aceno de mão.
As dez da manhã costumava ser a pausa para a
merenda, mas Clarice havia adiantado anteriormente
que, dessa vez, a merenda haveria de ser substituída
pelo almoço, o que levou os estudantes a abrirem suas
lancheiras e iniciar um longo tempo de comilança.
Com dois sanduíches prontos e uma garrafa com
suco natural, Nicholas começou a comer. Dois minutos
depois sentiu um toque sutil em seu ombro e, ao
virar-se, deparou-se com Anne, a menina com quem
faria o trabalho de Filosofia.
— Posso me sentar aqui? — ela quis saber.
Nicholas assentiu. Engoliu o pedaço de sanduíche e
tomou um gole de suco.
— Nossa, obrigado pela presença — diz ele, secando os
lábios— Estava querendo conversar contigo para
98

trocarmos de números e iniciar aquele trabalho em


duplas.
Anne, sempre sorridente, maneou a cabeça em
veemência. A brasilidade era algo restrito dela naquela
turma. A feição latina, o sorriso de dentes brancos e
alinhados, combinava perfeitamente a tonalidade
bronzeada de sua pele. As curvas pareciam ter sido
desenhadas a mão e o desenhista não permitiu deixar
um único defeito.
— Eu vou passar meu contato.
Anne apanhou uma caneta do garoto e rabiscou seu
número de telefone numa folha à parte e entregou a ele.
— Obrigado! — Nich agradeceu— Quer um
sanduíche?
— Ah, não, obrigada. Estou sem fome. Nós, brasileiros,
somos rígidos no assunto: alimentação.
— Sério? — a tese o interessou. — Por que são críticos
quanto a isso?
Anne abriu um sorriso e pusera uma de suas mechas
para trás da orelha.
99

— Porque sempre preferimos o almoço à merenda —


ela respondeu— Claro, muitas pessoas passam
necessidade então, a maioria, opta pela merenda
escolar. Porém, isso não é algo restrito a todos. Muitos
preferem o almoço como alimentação indispensável. É
como a janta dos estadunidenses, entendeu?
Nicholas aquiesceu.
— Penso em ir ao Brasil, um dia — ele revelou. — É um
povo hospitaleiro. Tem ótimas culturas; belas cidades.
Uma floresta imensa; rios que parecem mares e uma
vida normal, mesmo com o descaso das autoridades. Sou
fã de futebol!
Anne atentou-se à riqueza de detalhes.
— Conhece algum time do Brasil? — Nich assentiu. —
Quais?
A memória o ajudou no momento.
— Flamengo, Corinthians… São Paulo, Palmeiras e
Fluminense… — respondeu pausadamente — São os
mais famosos.
— Eu sou flamenguista — Nich arregalou os olhos.
— Nossa, que legal. A atmosfera da torcida é louca.
100

Anne teve que concordar.


— Olha, eu o vejo depois. Preciso… sentar porque se
ainda não percebeu — sussurrou ela, próximo do
ouvido dele — Estão de olhos fixos em nós.
O entretenimento entre eles deixou a turma
pensativa. Nicholas olhou em volta e percebeu que
entre os olhares, os que mais se destacavam proviam de
Austin Moore e sua namorada sentados lado a lado na
primeira fileira da esquerda. Quando percebeu Anne se
erguer, ele a segurou no pulso e a beijou no rosto, ato o
qual gerou cochichos e algumas suposições indecentes.
Contudo, Nicholas não retribuiu as concepções de seus
colegas, somente abriu o caderno e procurou estudar
para o próximo período de aula.
101

O turno matutino encerrou com o almoço. Os alunos


vespertinos já haviam começado a chegar e a entrar nas
salas de aula. O refeitório estava cada vez mais vazio,
porém, diferente do dia anterior, Nicholas preferiu
sentar sozinho. Ele escolheu uma mesa próximo a copa,
já que os demais sempre elegem as do meio para comer
e conversar, pois eram as com mais assentos.
Depois de satisfeito, Nicholas apressou-se em
deixar o refeitório e quando pegava os corredores os
quais ligavam a saída, pegou o celular da bolsa e acabou
esbarrando em alguém. O aparelho do rapaz caiu no
chão e com o impacto, quebrou a tela que ficou branca.
— Viu o que você fez, cara? — exaltou o outro rapaz.
102

Nicholas tentou se defender.


— Perdão, cara, não vi você… se quiser eu compro
outro.
O rapaz abriu um sorrisinho antes de segurar o
colarinho de Nicholas e o encostar brutalmente na
parede do corredor.
— Sim e é claro que vai comprar outro — o tom de voz
ameaçador prevaleceu — Ou eu quebro essa sua cara
bonita.
Rapidamente um grupo de estudantes se reuniram
para filmar a discursão e poucos deles, os quais
andavam com o garoto, incentivarem uma briga idiota.
Nicholas continuou refém do desconhecido. Os
olhos verdes e vazios prosseguiram atentos ao seus.
— Que eu vou fazer contigo, veadinho?
— Não foi minha intenção, cara…
— Cala a boca — o rapaz pediu.
— Jacob? Para com isso, meu. Vamos pra sala —
asseverou um garoto, que estava mais atrás— Se ainda
quiser ser o capitão do time, não faça merda.
103

Jacob, como se chamava, fechou os olhos, mas antes


de largar Nicholas definitivamente, socou seu estômago
com tamanha força e o garoto viu sua vista falhar e com
ela as pujanças ir junto. O corpo desceu suavemente
pela parede e Jacob sorriu.
— Isso é para aprender a olhar direito!
Nesse momento, a turma de Austin e Alec
apareceram no corredor e ao observarem a
movimentação, apressaram os passos e abriram
caminho por entre o pequeno aglomerado e avistaram
Nicholas sentado e tentando conter as lágrimas.
Possuído pela raiva, Alec tomou a frente.
— Quem fez isso com o Nich? — ele questionou,
enquanto Túlio e Maíra, agachavam-se para ajudar o
garoto. — Quem foi o covarde?
Jacob, que estava de pé observando Nicholas no
chão, virou o corpo e encarou o desafiante a valentão.
— Esse veadinho é o que para você?
— Esse “veadinho” — Austin fez aspas no ar —, é
amigo nosso.
104

E sem pensar duas vezes, socou o rosto de Jacob que


o virou com o impacto da robustez associada à raiva
precoce a qual emanava pavorosamente do olhar
prudente de Austin Moore.
Jacob voltou-se para encarar Austin e Alec nos
olhos, mas ao querer dar mais um passo, as mãos firmes
de Erik o fizeram parar.
— Vai ter retorno, Moore. Eu juro que vai! — garantiu
Jacob.
Ele deixou o corredor junto de sua plebe sem
educação. Amber acompanhou com os olhos os passos
do rapaz e preocupou-se de imediato com o bem-estar
no namorado, mas sorria ao perceber Nicholas daquela
forma. Menos arrogante.
Com ajuda de Alec e Austin, Túlio conseguiu
levantar Nicholas. Maíra que havia voltado ao
bebedouro para pegar água, voltou e colocou a garrafa
na boca de Nicholas e ele tomou um gole.
A dor havia passado uns sete minutos depois. Já
estavam sozinhos no corredor à espera de uma
recuperação mais progressiva de Nicholas. Alec,
105

atencioso, continuava com as mãos nas costas do amigo


e, então, resolveu perguntar.
— Por que ele te bateu?
Nicholas suspirou fundo.
— Estava andando no corredor quando meu celular
vibrou e ao pegar da bolsa, acabei esbarrando naquele
cara e o celular dele acabou quebrando. Disse que ia
comprar outro, mas…
— Mas ele resolveu te bater — Austin completou.
Nicholas assentiu, olhando diretamente para a
expressão facial do rapaz.
— Sim. Queria agradecer vocês por me defenderem —
começou ele, se erguendo — Demonstraram carisma
enorme para comigo.
Alec voltou a amparar o amigo.
— Não precisa agradecer. Somos amigos — lembrou
ele, todo sorridente— Ó, faremos assim: Você vai com o
Austin e a Amber hoje.
Nicholas, porém, o cortou.
— Não… meu motorista deve estar me esperando e acho
melhor irmos agora antes da bronca.
106

Nesse ponto, Amber teve que concordar.


— É melhor irmos mesmo. Preciso passar no salão e no
shopping ainda.
O grupo, então, saiu dos corredores e com muito
cuidado, chegaram ao estacionamento. Austin ia mais
atrás com Amber, porém nem por esse motivo, deixava
de atentar-se a Nicholas e algo dentro de si mudava
toda vez que o observava mais de perto e lutava para
manter qualquer indício amostra.
George, o motorista particular de Nich, estava
sentado no capô do carro quando viu o garoto se
aproximando. Ele, então, colocou a boina na cabeça e
foi ao encontro do rapaz.
— Roeddwn i'n poeni, ddyn ifanc! — disse o homem, em
galês. — A ddigwyddodd rhywbeth i'm dyn ifanc?
A turma se entreolharam curiosos.
— Rwy'n iawn, George. Fi jyst angen mynd yn ôl i fy nhŷ—
Disse Nicholas, olhando em volta.
Prontamente o motorista abriu a porta do carro e
aguardou o posicionamento do patrãozinho.
107

Nicholas encarou a todos. Queria poder abraçá-los,


mas este gesto foi restrito apenas a Alec e um aceno
suave em direção a Austin. Aos demais deixou suas
calorosas saudações e, após, entrou no automóvel.

Amber Johnson entrou em sua casa com um olhar


furioso e largou a mochila da escola sobre o sofá.
Austin, seu namorado, trancou a porta e vasculhou os
olhos em torno.
— Qual é, Amber?
A garota deu um longo suspiro.
— Por que? Por que ele?
108

— Mas do que está falando, Amber?


— Do Nicholas — ela sentiu o estômago embrulhar. —
Vi como olha para ele. Você nunca me olhou daquela
forma.
Nicholas abriu um sorriso e entrelaçou os braços.
— Não faço a mínima ideia da onde forjou essas
suspeitas! — afirmou erguendo uma sobrancelha —
Faremos assim: você esquece o que viu e eu esqueço do
que ele suspeitou ontem à noite. Isso aqui é apenas
aparência, Amber. Eu não te amo. Não somos
namorados. Sabe disso!
Ela assentiu.
— Mas eu te amo. Estou gostando de você, Austin —
ela se aproximou dele, ajeitando o colarinho da camisa.
— Deixa as coisas fluírem. Nunca te neguei nada, acho
que tu deve me recompensar pelas inúmeras coisas…
que fiz.
Austin, porém, se livrou do contato dela.
— Eu juro pensar na possibilidade. Porém…
109

— Porém, é complicado. Você já me disse isso, Austin


— expressou suavemente, tocando na pele do rosto
dele. — Eu não vou suportar te perder.
— E por isso… preciso… que as coisas entre nós não
passe de uma amizade colorida, Amber — tentou ser o
mais cordial e transparente possível — As coisas não
estão boas para o meu lado. Deve manter segredo.
Quando chegar a hora eu conto!
— E quando será esse momento, Austin?
Ele não sabia, mas devia preparar sua família para o
impacto da notícia.
— Você irá saber.
Amber Johnson deu por contente. Deixou um
selinho nos lábios de Austin e afastou-se dele uns trinta
centímetros.
— Vai me ajudar com aquela pessoa? — ela quis saber.
Austin deu um longo suspiro.
— No momento, não. Mas quando terminarmos esse
papo de namoro colorido, te ajudo — suavizou a
provável questionação — E vai ser muito breve, eu
prometo!
110

Amber outorgou.
— Vou pro meu quarto. Quer ir comigo?
— Não — ele disse analisando o relógio no pulso —,
preciso voltar pra casa e me arrumar para o jantar na
casa do Alec!
E, dessa forma, despediram-se ali mesmo.

De banho tomado e usando somente um calção


moletom cinza acima dos joelhos, Nicholas sentou na
cadeira e observou a mesa recém posta. Melinda, a
cozinheira, o encarava a uma distância propícia e
111

analisava a feição do rapaz que mal tocava na comida.


Diante disso, resolveu sentar próximo dele.
— O que está acontecendo com você, meu garoto? —
Melinda quis saber— Esse rostinho não é muito
habitual seu!
Ele sorriu suavemente antes de sacudir a cabeça.
— Apenas pensativo, Mel. Coisas da vida adulta a qual
se aproxima — mentiu para ela —, porém são fagulhas
passageiras e logo melhoram.
Melinda ficou mais aliviada.
— E a comida, como está?
— Muito boa. Mas havia almoçado na escola. Não
queria fazer uma desfeita a você. E papai?
— O senhor Robert disse que chegaria mais cedo por
conta do jantar na casa dos Clark.
— Ah, é verdade. Tenho que ir com ele.
Melinda notou certa frustração no tom de voz.
— Você não quer ir, estou certa?
Nicholas concordou.
— Mas eu vou. Não pelo jantar em si, mas pelo meu pai.
112

Eles conversaram durante um bom tempo, contudo,


Nicholas retornou ao quarto.
O silêncio parecia fazer parte de sua vida e nada
como o conforto e a solidão do quarto para tentar
dissolver os pensamentos e tudo aquilo que o envolvia.
Embora não cultuasse com intrujice, ao longo daquela
semana disseminou várias delas. A vontade de chorar
era enorme, mas conteve as lágrimas, principalmente ao
ouvir três batidas na porta da alcova e ele se apressar
em enxugá-las.
Ele ergueu-se da cama e caminhou até ela,
abrindo-a em seguida e revelando, para seu espanto,
Melinda acompanhada de Liam, seu vizinho e irmão de
Alec. O susto foi tão intenso que ele ruborizou.
— Liam! — disse Nicholas surpreso. — Entre, por
favor!
Melinda deixou ambos sozinhos e retornou aos
afazeres.
— Desculpa ter vindo sem avisar — falou todo
sorridente, com uma caixa em mãos. — Vim… trazer
isso aqui e ver como está!
113

Nicholas procurou uma camiseta e vestiu.


— Presente para mim?
Liam confirmou.
— Mandei fazer ontem quando — comentou o rapaz,
com a caixa estendida —, fiz também porque sei que
não irá recusar.
Nicholas ergueu uma sobrancelha, curioso. Ele
desempacotou a caixa e a abriu. Em cima do presente
que continuava embrulhado, havia um cartão, escrito:
“Para a melhor pessoa do mundo e que ela continue
sorrindo mesmo quando encontrar a escuridão e na solidão
da noite pensar naquilo tudo que a faz chorar. E nesse
momento, desejo que ela abra esta caixa e saiba também
que existem outras dores maiores e insuportáveis, as quais
são apagadas com poesias relevantes de um escritor
desconhecido.” Nicholas o olhou e percebeu o quão belo
Liam ficava ao sorrir.
— Abra! — ele assegurou.
Ele abriu o presente e notou um livro. Um especial
com a foto de Liam na capa e com o título: Poesias de
um poeta, para um leitor!
114

O nome dele foi gravado em fontes douradas.


— É seu? — Nicholas indagou. — Você quem o
escreveu?
O rapaz assentiu.
— Só existe um único volume neste mundo e ele não
está comigo.
Nicholas abriu o livro e leu a dedicatória.
— Você é incrível, Liam — o rapaz o exaltou. —
Obrigado, cara. O melhor presente que recebi até hoje.
— Não precisa agradecer — ele continuou de pé à
espera de um convite para sentá-lo. Observando o
entretenimento de Nich com o presente, perguntou: —
Posso?
— Claro! E perdão por ser mal-educado.
Liam sentou e sorriu.
— Que nada. Nossa, seu quarto é bonito, muito bonito.
— Obrigado, Liam. E, sim, eu quem pedi assim.
— Tem um bom gosto. Seu aposento tem uma aura tão
leve — disse a Nicholas, em seguida —, carrega um ar
único.
115

Nicholas conteve-se. O olhar de Liam transmitia


mais que felicidade, irradiava algo maior. Uma
promessa mais selvagem e por mais que quisesse se
afastar, alguma coisa o levava para ele com maior
intensidade.
Foi isso que fez Nicholas se aproximar dele e o
beijar. Foi um beijo o qual começou calmo, sereno, uma
expectativa de dar certo e por um momento, percebeu o
quão infinito pequenas memórias podem se tornar. Um
sentimento mútuo iniciado pela vontade do destino e
quando aquele ato teve reciprocidade, Liam se ergueu
da poltrona e suas mãos ficaram na cintura dele,
enquanto as línguas travavam uma batalha bilateral e a
qual marcava suas almas de forma primordial e enraizou
ternura sob os ossos.
Nem quando seus pulmões imploravam por ar,
pararam de encarar-se. Os narizes ainda se tocavam, os
corpos ainda mantinham-se tocando e Liam, apesar de
não demonstrar, estava irradiante. O sorriso vistoso
propagava a imensidão de seu afeto.
— Por que fez isso? — Ele perguntou.
116

— Porque desde o instante em que o vi, era exatamente


o que eu buscava.
E Liam voltou a beijá-lo. Dessa vez mais calmo, mais
sentimental. E ao se afastarem, deram um pequeno
espaço.
— Preciso ir — disse Liam, provocativo. — Vejo você
mais tarde?
Nicholas assentiu.
— Claro.
E assim se despediram com um beijo caloroso, com
tamanha riqueza por detrás.
117

Enquanto tomava banho, os dedos corriam livremente


pela extensão corporal e iam dos lábios às partes
íntimas ou vice-versa. Os olhos fechados deixavam a
água levar a sensação angustiante de fazê-lo recordar
de certos episódios, mas foram justamente aquelas
gotas indefensáveis as quais o conduziram a um
caminho curto e pavoroso.
— Preciso me controlar — disse a si mesmo. — Preciso
ser forte! Não posso decepcionar meu pai agora, não
quando o vejo mais feliz!
O chuveiro foi desligado. Secou o rosto com uma
toalha e apanhou outra limpa e cheirosa de sabão em
pó, envolvendo-a na cintura e assim deixou o box, indo
118

de encontro ao apoucado espelho redondo de arestas


douradas e pequenos detalhes cravejado em prata. Com
as mãos apoiadas na pia de mármore e apreciando a
torneira de aço inox, percebeu o curto tempo de vida
vivido. Dezessete anos. Era um pouco lento comparado
ao limite estimado pelas organizações. Nicholas, no
entanto, não tinha medo da morte, porém de
decepcionar quem suprisse qualquer tipo de
sentimento por ele, sim.
As mãos anteriormente seguras na barra da pia,
foram de encontro ao peitoral esquerdo e, dessa forma,
pôde sentir o pulsar eletrizante do coração.
— Eu sou forte — voltou a dizer — Muito forte!
Nicholas suspirou fundo e enxagou o rosto, volvendo
o olhar no reflexo desenhado naquele objeto.
Ouviu batidas na porta do quarto e seguiu o caminho
até ela, abrindo e deparando-se com um Robert
galanteador.
— Pensei que já estivesse pronto — conjecturou o
homem, entrando no quarto. — Está tudo bem com
você, filho? Parece pálido!
119

Nicholas encostou a porta e cruzou os braços acima


dos peitos.
— Sim, pai, estou bem. Só não encontrei a roupa
perfeita para usar no jantar…
— Não seja por isso — interrompeu Robert,
aproximando-se do closet do filho — Eu ajudo a
procurar.
— E seria as roupas de pinguim?
— Roupas de pinguim?
— Terno e gravata.
Robert sorriu e balançou a cabeça.
— E por que não usaria? Fica ainda mais bonito nelas!
— ele fez uma breve pausa — Além disso, os filhos de
Bruce sempre se vestem assim… nas ocasiões formais.
Nicholas voltou a suspirar.
— Azul, cinza ou preto? — Robert indagou.
— Preto, por favor e gravata vermelha.
— Hão de pensar que é um republicano.
O garoto ergueu uma sobrancelha e caminhou até o
pai e apanhou a vestimenta usada nas razões
protocolares.
120

— Todo mundo sabe a minha opinião sobre política.


— É mesmo?
— Sim, eu sou neutro. Não defendo políticos, mas a
política.
— Isso deve-se ao fato de que está com a maturidade
em bom estado. Eu vou esperar você na sala — Robert
avisou. — Qual vinho levo dessa vez?
— Qualquer um… todos são ótimos, pai.
— Obrigado por me ajudar.
— De nada!
Robert deixou o quarto rapidamente. Nicholas
procurou uma sunga e a vestiu, passando um pouco de
loção francesa na pele e na face, voltando-se para
colocar a calça compacta no corpo, a camisa, e pondo,
em seguida, o terno. A gravata vermelha estava sob a
cama e lutou em diferentes pontos estratégicos na
tentativa de envergá-la com êxito, porém falhou
gravemente. Caberia a Melinda pô-la. Penteou os
cabelos, passou perfume e escovou os dentes,
voltando-se para o recinto.
121

Pegou a gravata de cima do berço e desceu para a


sala.
Melinda terminava seus serviços enquanto Robert
digitava algo no celular, mas ao ouvir os passos do filho,
prontamente desligou o aparelho e guardou no bolso,
estranhando a gravata estar em sua mão.
— Mel, me ajuda! — Exclamou o garoto. — Ainda não
aprendi a dar o ajuste adequado neste troço.
Robert inalou o ar e sacudiu a cabeça.
Melinda socorreu o rapaz e ao terminar o serviço,
buscou um pequeno espelho e ao certificar-se de que
estava apresentável, abraçou a mulher.
— Estou pronto! — afirmou Nicholas, abrindo os lábios
em um sorriso transluzente. — Que tal irmos?
— Sim, sim, mas estou esperando algo.
— O que?
O som da campainha envolveu os três.
— Chegou!
Robert caminhou até a porta e a abriu, falando com
um desconhecido e quando fechou-a, Nicholas e
122

Melinda encontraram um buquê de rosas vermelhas nas


mãos dele, e pareciam confusos.
— Quem é a felizarda? — Nich perguntou.
— A sra. Clark. Você irá presenteá-la.
Ele entregou o ramalhete de flores ao filho, no
momento em que apanhou duas garrafas médias de
vinho belga.
— Vamos, Nich.
Os dois, então, deixaram a casa e cruzaram a rua,
indo para dentro dos jardins da mansão dos Clarks,
onde os vergeis eram coloridos e iluminados por luzes
policromadas. Os seguranças faziam a vigília do portão
e indicaram o caminho para os Ramsey.
Ao chegarem na limiar, Nicholas apertou a sineta e
segundos depois, a ombreira foi aberta por Alex, que
sorriu ao ver o amigo e Robert.
— Entrem, por favor! — disse ele.
— Obrigado, Aleczinho!
— Aleczinho? — Nicholas perguntou, incrédulo—
Nunca me deu um apelido em diminutivo, pai.
— Isso não combina contigo, Nicholas.
123

E passou por ambos, entrando no hall da mansão.


— Estou feliz que veio.
— Eu também, Aleczinho!
Alec conduziu Nicholas até a sala. Os sofás estavam
ocupados pelos convidados, e Nicholas foi devidamente
apresentado a todos. Ainda não tinha conhecido os pais
e irmãos de Amber, assim como os Moore, familiares do
Austin.
— Seu pai comenta bastante sobre você, Nicholas —
asseverou Julian Moore, pai de Austin. — É um prazer
finalmente conhecê-lo.
— Espero que sejam comentários a respeito de coisas
boas.
— Ah, sim. São coisas boas — enfatizou Bruce,
acompanhando o raciocínio do amigo. — Você é meigo
e simpático…
— E bonito! — Anna, mãe de Austin, não esqueceu
desse sórdido detalhe. — Pensei que fosse mais velho,
menino..
124

— Quase dezoito, já — assegurou Robert, todo


sorridente — Meu filho é um homem formado e não
espero pelo dia em que a de dar .
Sorridentes, o grupo continuou os assuntos banais,
mas os olhos de Nicholas procuravam algumas pessoas:
Liam, Austin, Alec e Amber. Notando o vagueio do rapaz,
a Sra. Clark gesticulou para ele e o garoto ergueu-se do
sofá e a acompanhou até o pé da escada.
— Eles estão lá em cima — sorriu ao falar — Os
assuntos são chatos, também penso da mesma forma
que você. É só seguir as escadas e entrar no corredor. O
quarto é o terceiro da direita.
— Obrigado, Sra. Clark.
— De nada, querido.
Nicholas subiu o lance de escadas e seguiu o
corredor, parando próximo ao limiar, assim que
começou a ouvir burburinhos e risadas do outro lado da
porta.
Bateu três vezes na madeira e esperou. Cinco
segundos depois, Alec a abriu e sorriu ao perceber
quem ali estava.
125

— Entre, por favor! — disse ele, olhando para o interior


do recinto. — É o Andrich.
Austin engoliu em seco, posicionando-se
adequadamente na poltrona, enquanto Amber revirava
os olhos, Maíra piscava, Chris folheava livros, Matt
prosseguia confuso e Liam, bom, Liam continuava
sendo Liam. O jeito egocêntrico, o sorriso em
evidência, e o corpo moldado naquele terno e gravata.
Parecia até um outro rapaz. Um homem de negócios,
mas não enganava Nicholas, não quando seu maior
sonho era se tornar um Pop-Star.
Ele veio ao encontro e sem hesitar, o abraçou.
— Estou contente que veio — afirmou o rapaz,
delicadamente— A conversa na sala está chata, eu
suponho?!
— Sempre foram — Matt pulou na dianteira, se
aproximando dos dois — Prazer, Matthew Moore,
irmão do Austin e do Chris.
Nicholas o cumprimentou e acenou com as pontas do
dedo a Christian, que ergueu uma sobrancelha,
voltando-se para os livros.
126

— Sou o Nicholas — disse em seguida, fortalecendo


seu sobrenome — Nicholas Andrich Ramsey.
— É sempre um prazer.
— Vamos, sente-se! — mandou Alec, indicando uma
cadeira. — Conte-nos como estão as coisas?
O desconforto de Austin e Amber era visível, os dois
se abraçaram na força do ódio e assim permaneceram
sem trocar uma única palavra com Nicholas.
— Os estudos estão indo bem. Em casa a mesma coisa
— respondeu o rapaz a Alec.
— Tem quantos anos, Ramsey? — Matt indagou.
— Dezessete, quase dezoito.
— Legal. Vai ficar quanto tempo em Nova York? —
Maíra quis saber, era a primeira vez que perguntou algo
a ele. — Não estou sendo…
— Tudo bem, Maíra — ele sorriu e Liam escondeu
ainda mais o apreço — Ficarei até a formatura, depois
volto para Cardiff.
Ela olhou de relance a Amber.
— É uma pena. Vocês, europeus, parecem fissurados na
terra natal…
127

— É só amor, Maíra. Um amor, digamos, colossal!


A conversa seguiu elétrica, rompendo as muralhas
que separavam aquele grupo e antes das nove, uma
ideia saiu da mente nada brilhante de Alec Clark.
— Topam um verdade ou desafio?
Receosos, a turma resolveu assenti-lo.
Alec, Liam, Matt, Amber, Maíra e Nicholas,
formaram um círculo no amplo quarto do rapaz e o
objeto a servir para a brincadeira a qual costumavam
praticar nos intervalos da escola e faculdade, foi um
vidro vazio de perfume. E a prenda a pagar, seria tomar
água, já que era o único líquido mais perto. Se fosse
verdade, a pessoa na qual o vidro parasse e a pergunta
feita fosse verídica, deveria tomar um gole, se não, nada
teria de fazer. Este estava no meio do aro. Alec, por ser
dois meses mais novo que Nicholas, foi o primeiro a
iniciar.
Ele girou a embalagem que rodopiou no piso de
azulejos brancos com detalhes florais em preto, até
parar em Liam.
— Verdade ou desafio? — Alec indagou.
128

Liam, inocente, foi pego desprevenido.


— Verdade! — respondeu ele.
— É verdade que sua primeira vez foi com uma mulher
mais velha?
Todos o encaravam curiosos. Ele pegou o copo com
água e tomou um gole, para a gargalhada dos demais.
— Foi só uma vez — ele garantiu. — Estava bêbado e
ela me deu carona.
— Oculte o restante, por favor! — Alec pediu. —
Continuando — disse ele —, você é o próximo, Liam.
Liam volveu a embalagem e ela parou a Matt.
— Verdade ou desafio? — Inquiriu o rapaz.
Matthew não demorou a responder:
— Desafio!
— Desafio você a… dar um… abraço no seu irmão.
Não foi impossível já que Austin estava ao seu lado.
Depois do desafio estar cumprido, Matt remoinhou o
objeto e ele continuou girando. Amber Johnson foi a
escolhida da vez.
— Verdade ou desafio? — Matt perguntou.
— Verdade!
129

— É verdade que você e Austin ainda não chegaram a


transar?
Amber Johnson suspirou fundo, mas tomou um gole
de água, para o silêncio de todos e para a vergonha de
Austin.
Amber rotou o vidro e ele parou em Nicholas, para o
desespero do rapaz, pois sabia que de Amber Johnson,
tudo poderia vir.
— Verdade ou desafio?
Ele preferiu desafio. Amber sorriu antes de
escolhê-lo.
— Eu desafio você a dar um selinho no Matt!
Amber Johnson não deixaria ser vista como hipócrita
por muito tempo, o desafio era válido, caberia aos dois
cumpri-los. A brincadeira parecia tomar um outro rumo
e Amber estava começando a gostar disso.
130

Matt estava estarrecido, mas tomou coragem e


ergueu-se do piso. Nicholas sentia as pernas bambas
quando começou a caminhar até o rapaz, mas no meio
do caminho, Alice, serviçal dos Clark, entrou no quarto,
interrompendo com a brincadeira e o desafio.
— A Sra. Clark pede para que vão imediatamente à
sala-de-estar — asseverou a mulher. — O jantar está na
mesa.
Quando pensavam em levantar-se, Amber tomou à
frente.
— Só mais três minutinhos, Alice. Iremos terminar a
brincadeira e já descemos.
Liam, pulou em seguida.
131

— Não tem necessidade, Amber…


— Óbvio que tem — disse ela, o cortando. — Nicholas
precisa cumprir o desafio.
— Tudo bem, Liam. É só um selinho e está suave pra
mim, cara — Matt assegurou. — Vem, Nicholas!
E tão rápido, o selinho foi dado. Para Amber havia
sido uma pequena vingança, quanto a Liam, um
desgosto imensurável, já que tivera descido bem antes,
seguido por Christian, Alec, Maíra e Amber. Matt
baixou logo após e Nicholas, bom, este resolveu esfriar
um pouco a cabeça antes de encarar as consequências
do desafio.
Ao chegar na sala-de-estar, observou as cadeiras
quase todas ocupadas, exceto uma próxima de Amber
que tentou esconder o sorriso de vitória, porém não
conseguiu, principalmente ao ver o loirinho
aproximando-se dela. Ele puxou a cadeira, mas não sem
antes suspirar bem fundo.
— Demorou porque, Nich? — Quis saber seu pai.
— Estava no banheiro.
Robert contentou-se com a resposta.
132

A Sra. Clark gesticulou para o vinho ser servido. Aos


mais velhos, uma dose maior, aos mais novos, menos da
metade de uma taça. Como anfitriã do jantar, ergueu o
objeto no ar e todos a acompanharam sorridentes,
exceto Liam e Nicholas.
— Um brinde às nossas famílias!
— Um brinde! — responderam em uníssono.
Os assuntos eram os mesmos de mais cedo, agora, no
entanto, tentavam manter a Elite na conversa, algo nada
promissor quando existem diferentes sonhos num único
espaço, reverberando o ar e contaminando a atmosfera,
carregando-a com exímias partículas de átomos
transformado-os em ódio, raiva e repulsa.
Ali estava Matt, um rapaz deveras bonito. Loiro, alto,
magro, dos olhos azuis e com duas tatuagens florais no
dorso das mãos, vinte e três anos, estudante de
medicina, sonhador e batalhador, mesmo com a
simplicidade do caráter, já possuía sua própria clínica e
esta estava com setenta por cento das obras em fase de
conclusão. Não muito diferente dele, Liam, o
primogênito dos Clarks, tentava seguir os passos do pai.
133

Ser um empresário de sucesso era tão propínquo de


suas mãos que a única coisa a fazer era pegá-lo e
pronto. Porém, existia um sonho e este, quiçá, o mais
inapropriado de se conversar e debater-se na mesa de
jantar naquele momento. Ter sua própria banda e ser o
vocalista dela parecia estar disponível noutra dimensão,
pois naquela, papéis e reuniões eram as mais certas.
Kimberly Clark já havia sido contratada por Matt
Moore para auxiliá-lo no futuro hospital e estes dois,
bom, pareciam amar a profissão a qual foram capazes de
escolher por vontade própria.
Alec já tivera tentado ser jogador, mas no momento,
desfilou para algumas marcas de Nova York, porém seu
sonho, via distante cada vez que o tempo passava e a
idade chegava, então seguiria os passos do irmão,
formaria-se em algo bom, então Direito era a profissão
mais certa, mesmo contragosto seu.
Maíra sonhava em ser estilista, seguindo assim, os
passos da mãe, enquanto Amber, sua melhor amiga,
construiria sua própria marca de sucesso e investiria
pesado em se tornar uma CEO respeitada. O sonho
134

preciso em comandar sua empresa de eventos, parecia


mais perto.
Austin Moore tentara de tudo. Foi jogador de base;
passou a ser modelo e agora, com ajuda de Julian,
ingressaria na Oxford e seja o que Deus quiser, pensava
ele.
Nicholas seguiria a carreira do pai e isso, era de
longe, a pior das coisas. Sonhava com um futuro
promissor e sem embargos e herdar algo construído se
tornava horripilante, mas Nicholas não era de pensar
muito adiante, dizia que trazia azar e há três meses,
descartou toda e qualquer possibilidade de imaginar-se
sentado na cadeira de Robert, lendo e despachando
papéis.
Quando os discursos futuristas acabaram, os pais
procuraram outros assuntos.
— Vai jogar este ano, Moore? — Bruce indagou,
curioso.
— Sim, senhor. Talvez tenhamos a ajuda crucial de um
galês.
135

Bruce encarou Nicholas e ergueu uma sobrancelha,


como se ainda não acreditasse na capacidade do rapaz.
— Joga soccer?
— Em Gales é futebol — disse ele. — Mas, sim, jogo
soccer e era um dos melhores, não querendo me gabar.
Bruce sorria de canto após um breve gole no vinho.
— Na nossa época, nós éramos os melhores e ainda
assim, nunca conseguimos muita coisa — comentou
Julian Moore. — Talvez o destino esteja com vocês,
garotos.
O assunto encerrou-se depressa. Julian percebeu que
além da beleza invejável de Nicholas Andrich, havia
algo maior o qual o jovem rapaz tentava camuflar.
Porém, seus olhos conseguiam penetrar em almas
escuras e vazias e deixar evidências das mentiras,
todavia, aquele moço, em exceção, possuía barreiras
mais frias que qualquer outra já vislumbrada.
Após o jantar, a conversa prosseguiu na mesa, mas
apenas com os adultos de negócios. De Liam para baixo,
resolveram testar outras emoções. Eles foram aos
jardins da mansão Clark.
136

Era amplo, com grama verdinha e recém aparada;


uma enorme piscina próstata no meio dele, dava a
grandeza incomensurável do magnífico gosto peculiar
da família pelos apreço da riqueza. Coqueiros ditavam
um charme maior, os quais balançavam ao vento.
Pequenos bancos de mármore encontravam-se na
extensão do terreno; sem contar as luzes as quais
mudavam de cor.
Cada rapaz pegou seu par e sentou. Matt e Kimberly
compartilhavam as conversas sobre medicina, enquanto
Christian sentava na grama e ouvia atentamente.
Austin e Amber foram os únicos a não se sentar.
Eles optaram por andar nos jardins; enquanto Alec e
Maíra, agarravam-se no escuro.
Nicholas observava Liam. Ele estava com os braços
entrelaçados acima dos peitos largos e fartos, no
momento em que analisava as flores exóticas do jardim
de sua mãe; em pé, o rapaz parecia concentrado nas
memórias e o acontecimento de mais cedo, mexeu
bastante com sigo. Nicholas prosseguia sentado à
espera de uma palavra ou sermão, mesmo que esse
137

nunca tivesse vindo. Então tomou a frente da conversa


porque o silêncio começava a ficar chato.
— Eu fui um idiota, né? — ele se mutilou.
Liam olhou-o por cima do ombro, balançando a
cabeça e sorrindo.
— Não estou assim pelo beijo que você me deu na sua
casa ou o selinho entre tu e o Matt — afirmou o rapaz,
sentando. — Talvez seja só insegurança, ou…
— Ou?
— Ou ciúme! Sei lá, Andrich, é complicado ser assim.
— Quer dizer gay, certo?
Liam balançou a cabeça em confirmação.
— Eu sei! É mais fácil dizer a um cavalo que ele é um
cavalo, a ter que explicar a um homem sobre sua falta de
caráter.
— Por que diz isso? — O mais velho perguntou,
intrigado.
Nicholas suspirou fundo, olhou para Amber e Austin
e voltou com os lumes em direção a Liam.
— Porque o cavalo obedece e o homem relincha, nega,
sapateia, enfim, é mais fácil dialogar com animais a
138

tentar um argumento coeso com certos seres humanos.


Eles não entendem que orientação sexual não é escolha,
só… nascemos assim.
Liam Clark afrouxou o nó da gravata.
— Você é inteligente demais. E especial também.
As mãos dele encontraram as de Nicholas e o frio
de seus corpos expeliu com o calor lascivo de suas
mentes.
— Sou especial ou é apenas um joguinho?
— Um jogo? E qual o prêmio? O coração do belo
Andrich? — o sarcasmo de Liam rendeu sorrisos, e
continuou: — Eu não nego que sou… na verdade, era um
galinha. Mas depois que o vi, muitas coisas mudaram e
eu mudei. Talvez não acredite… ou acredite, sei lá,
porém estou me sentindo cada dia mais apaixonado por
ti.
A forma como Liam expressava-se, bastava-se.
Nicholas nunca se imaginou amando alguém alguns
anos mais velho que ele, porém Liam, possuía caráter
de poucos e a beleza excitante, era quase impossível de
resistir, embora nunca tivesse feito isso antes.
139

— Foram palavras delicadas — assegurou o loiro, calmo


e suave — Não sei se fico contente ou não, ou só bobo
mesmo. Você também é especial, é diferente para mim
e… estou disposto a encarar qualquer coisa em nome
desse sentimento.
A vontade de Liam em beijá-lo aumentou. E sob o
claro das estrelas e a imensidão clara da lua desenhada
nos céus, ele o beijou. Foi um ósculo o qual iniciou
paciente, afetivo, e logo tornou-se mais indomável,
impudico, com toques selvagens, com as mãos e dedos
explorando cada região de seus corpos, até se
afastarem. E sem ninguém observando-os, Liam
prosseguiu, levando as mãos de Nicholas rumo ao seu
tesouro pessoal e quando o loiro sentiu a dureza
daquele órgão, afastou-se no mesmo momento.
— Não estou pronto — disse ele, nervoso. — Preciso ir
para casa.
Liam o interceptou segurando-o no pulso.
— Vamos tentar. Vai gostar!
— Não, é não, Liam. Fica ai com seu tesão e suas
palavras mentirosas… me enganei contigo.
140

E, então, Nicholas se retirou.

Nicholas estava bastante cismático a respeito da


última noite. O garoto situava-se sentado em um banco
solitário nos imensos jardins da Bernard High School.
Cabisbaixo e com as mãos unidas tocando suavemente
as coxas cobertas, não pressentiu a silhueta
aproximando-se dele. Notou quando a voz lucilante
irrompeu seus ouvidos e ergueu a cabeça, encontrando
um Austin, digamos, sombrio.
— Você está bem?
— E isso te interessa?
141

Austin coçou a nuca e revirou os olhos.


— Você tá cada dia mais irritante.
— É esse lugar… são pessoas como você, Austin Moore,
que me deixam insuportável.
— Não nos culpe pelos seus problemas — preveniu o
rapaz. — Cada um aqui lida com suas vidas de
diferentes maneiras, tá na hora de começar a fazer o
mesmo.
Nicholas abriu um sorriso e levantou-se.
— Tá vendendo lição de moral?
— Não e caso fosse vendedor, descartaria a
possibilidade de ser o meu cliente — aproximaram-se
mais. — Talvez a Amber tenha razão. Provavelmente
perder tempo com quem pouco importa, seja um erro.
— Cai fora, Moore!
— Não precisava, o ar já estava começando a pesar aqui.
Austin lhe deu as costas, indo em direção ao grupo
tacanho que incluía pessoas esnobe e de alta posição.
Quando imaginava, finalmente ter paz, Amber Johnson
caminhava em sua direção, com aquele mesmo sorriso
142

vitorioso que costumava exibir a todos dentro e


distante da escola.
— Oi, amiguinho? — gozou ela.
— Que você quer, garota?
— Apenas conversar!
— Conversar? Conta outra, Amber.
— É sério, Andrich. Desejo fazer as pazes contigo.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Você mente tão mal… — ele olhou para o grupo de
Austin. — Qual é a chantagem?
Sim, Nicholas era esperto e Amber custou a notar
isso, só que ela possuía mais que esperteza, tinha
crueldade.
Amber tirou o celular da mochila e desenhou a senha
padrão, indo à galeria e, depois, mostrando a tela ao
rapaz.
Ao observar a foto, ele travou; sentiu frios e calafrios,
uma junção de raiva, ódio e temor.
— Liam é… digamos, selvagem e oportunista.
— Que você quer em troca de apagar esta imagem?
143

Ele colocou o dedo indicador nos lábios enquanto


sorria e pensava em alguma coisa mais cretina a se
fazer.
— Vejamos? Eu odeio você, você me odeia...
— Não te odeio — ele foi preciso — Só não compactuo
com certas decisões suas…
— Fecha a boca e me ouça — ela o cortou. — Deixa o
Austin em paz, ou todo mundo vai ficar sabendo da
fruta que você gosta. Seu pai, bom, ele ficará arrasado
e…
— Eu aceito. Eu me afasto do Nicholas…
— Não é apenas dele que quero sua distância, Ramsey.
Cai fora do nosso grupo, cai fora da nossa escola e das
nossas vidas ou…
— Ou?
— Ou vai se arrepender drasticamente do dia em que
nasceu.
— É uma ameaça?
— Não, querido. É um aviso! Porém, se quiser saber se
tenho coragem, quebre o acordo e verá!
144

Nicholas estava no grande pátio onde havia um


faustoso cenário com diversos anúncios. Os braços
cruzados e a postura analítica, verificava as últimas
notícias postas ali pela secretária.
Fixo com os olhos no mural não percebeu quando,
sem pressa, uma silhueta se fazia presente. A pessoa em
si, vagamente presa numa agenda onde tentava
identificar algumas anotações, era alta. Cabelos
castanhos, olhos dourados, pele branquinha, com uma
piercing no nariz, prefigurava perfeito. Ao invés da
calça escolar, o garoto optou por usar a bermuda a qual
também servia como fardamento, mas apenas alguns
145

preferiam tal uniforme. Porém, a camisa era a mesma.


Nicholas também identificou os olhares vexados do
garoto e, suavemente, correu com os dedos sobre os
avisos e suspirou fundo.
— Será que pode me ajudar? — perguntou o rapaz.
Nicholas ergueu uma sobrancelha e aproximou-se
dele.
— Em que poderia ajudá-lo?
— É que esse é o meu primeiro dia de aula…
— Seu primeiro dia? É sério? — Indagou, estupefato.
— Sim, é verdade — ele abriu um rápido sorriso —
Minha mãe conseguiu essa vaga para mim, na real, cara,
tudo nessa escola gira em torno do dinheiro, então, se
tiver faltando um dia para o término do ano letivo e
alguém com bastante grana quiser uma vaga, ela garante
sem nenhum esforço.
Nicholas teve que concordar.
— Tem razão, cara — ele pressionou o nariz ligeiro,
voltando à pergunta feita anteriormente. — Em que
posso lhe ajudar?
146

O jovem começou abrindo a agenda e mostrando a


Nicholas.
— Essa aqui é minha turma. Sabe onde é?
Curioso ao saber que seriam colegas da mesma sala,
Nicholas não se conteve.
— Conheço onde fica. É a mesma sala em que estudo, e
a diretoria fica do outro lado, caso queira saber.
— Ah, muito obrigado, cara — disse ele, simpático. —
Qual seu nome?
— Nicholas — ele estendeu a mão. — Nicholas Ramsey
e o seu?
Ele certamente deixaria em ansiedade, mas não. A
resposta veio após.
— Gustavo. Gustavo Mackenzie — apertou suavemente
as mãos do garoto Andrich. — Eu preciso ir, muito
obrigado pela ajuda, cara. Nos vemos mais tarde?
— Mais é claro! Vamos estudar juntos, lembra?
Gustavo assentiu e deixou Nicholas solitário rente ao
mural, com um sorrisinho discreto nos lábios.
Após o pequeno atrito com Liam noite anterior, o
loiro tentava processar severamente o episódio. Ainda
147

não tinha chego ao àpice com alguém do mesmo sexo;


pois tudo restringiu-se a beijos e sexo oral, contudo,
jamais carnalmente. Enfrentar seus medos internos e a
beleza estonteante de Liam, parecia uma cruzada.
Porém, nada que já estivesse pior, pudesse piorar, mas
Nicholas Ramsey, digamos, amaldiçoado pelo destino,
sentia cada dia uma aura escura apossar-se de seu corpo
e como recompensa, mais dores. Ele pressentiu naquela
manhã, só não sabia que seria cedo.
Ele caminhava em meio aos diversos alunos da
burguesia limitada de Nova Iorque. Mexia no celular
quando, rapidamente, avistou Túlio vindo ao seu
encontro. Túlio era ainda mais bonito quando sorria.
Sua altura elevada e dentre brancos ofuscava qualquer
escuridão à sua volta. A tonalidade negra irradiava
precisão.
— E aí, Ramsey? Tudo certo para sexta à noite? — ele
perguntou.
A resposta seria necessariamente não, mas o
rapazinho estava tentado a ir, mesmo sob ameaças de
148

Amber Johnson em expor alguns segredos para a escola


toda.
— Mas é claro que sim — ele garantiu. — Ah, Túlio, eu
posso passar o meu contato ai você manda o endereço
certinho, beleza?
— Oras, é claro. Mas pensei que ia com o Liam, Alec e
a Kimberly…
— É, pois é, mas não vou. Não mais.
— Aconteceu alguma coisa?
— Nada demais, só não quero atrapalhá-los.
— Entendi — Túlio copiava algo num pedaço de papel
e entregou a Nicholas — Aqui está. E, por favor, não
falte.
— Não vou. Ei, Tulio?
— Sim!
— Sabe algo sobre o novato da nossa turma?
— O Gustavo Mackenzie?
— Esse mesmo.
— Olha, Nich, fica longe dele, cara. O rosto do anjo não
condiz com a mente psicopata dele.
— Como assim?
149

Túlio suspirou fundo, olhando o entorno.


— Ele é primo de primeiro grau do Austin Moore —
disse ele, quase num sussurro. — Sei apenas que ambos
não se dão bem e de vez em quando se metem a porrada
nos jantares de “família”.
— Sei. E por que ele veio só agora?
— É uma longa história. Quer tomar um sorvete comigo
depois da aula? Posso te contar tudo sobre o
mencionado.
Nicholas pensou.
— Claro, pode ser! Onde?
— Quando as aulas terminarem hoje, eu vou até você e
levo a sorveteria. Vai gostar do lugar.
— Sei que vou.
Túlio abriu um sorriso e guardou as mãos no bolso
da calça moletom. Pela primeira vez Nicholas notou o
quão perfeito o fardamento escolar ficava nas pessoas,
mas principalmente em Túlio, Alec, Erik e Austin. O
laranja contrastando no preto, e o preto no laranja,
tornava-se único.
— Quer ir comigo até os meninos? — Túlio perguntou.
150

— Ah, não. Outro momento.


— Precisa se enturmar, Andrich. Meus amigos parecem
ser rancorosos, mas é apenas uma máscara, entende?
A vontade abateu seu corpo, mas ao notar Amber
junto do grupo, preferiu ficar sozinho.
— Sei. Porém, preciso falar com a Anne sobre o
trabalho extraclasse.
— Certo, vai lá e boa sorte.
— Obrigado.
Nicholas caminhou para o segundo andar onde
ficava sua sala. As portas das alas eram envernizadas, os
corredores sempre limpos, as paredes branquinha ainda
mantinham-se intocáveis, sem rabisco. Estudantes
zanzavam de um lado para outro, conversando, trocando
ideias, lendo livros nos degraus das escadas ou sentadas
em um dos diversos bancos ao longo do passadiço. E
num desses assentos, Anne estava concentrada na
leitura, pela capa do livro notou a ilustração de Harry
Potter, o subtítulo, indecifrável e numa língua
despercebida por ele.
— Gosta desse livro?
151

— Sim, amo. Amo demais — ela levantou os olhos e


encontrou o rapazinho. — Ah, sente-se.
Anne fechou o livro imediatamente.
— Bom, não queria atrapalhar sua leitura.
— Não atrapalhou — ela avisou, em seguida — Só abrir
esse livro porque não tinha ninguém para conversar.
Aqui os grupos são todos divididos, bem diferente do
Brasil onde a convivência é marcante.
— Às vezes eu me esqueço que você é do Brasil —
afirmou sorrindo — Harry Potter e o que?
— A Pedra Filosofal.
— É um ótimo livro.
— Sim.
— Está em português?
— Sim, amo ler na minha língua materna, me faz
lembrar dos meus amigos e isso me mantém forte.
— Ah, também sinto falta dos meus. As vezes sonho
com eles ou imagino que ainda estou em Gales e que a
qualquer momento, irei receber a visita deles.
— Sei. Porém, fez amigos mais rápido que eu.
152

— De fato, mas você tem a mim — ela ficou sem graça


— Ah, tomou a decisão sobre o trabalho?
— Oh, sim, tomei. Podemos fazer na minha casa?
— Sem nenhum problema.
— Pode ser no domingo? Sempre rola um pagode,
churrasco e conversas. Vai adorar minha família.
Nicholas pensou a respeito.
— Mas é claro. Tem meu número e iremos manter
contato esses dias. Cê me passa o endereço e vou,
certo?
— Certo!
— Até mais tarde, Anne.
— Até!
Nicholas entrou na sala e buscou uma cadeira mais
afastada da frente e do centro, onde a turma de Austin e
Amber, sempre sentavam.
Sete minutos depois, Elliot, professor de educação
física para os alunos do terceiro ano, entrou na sala e
com ele o grupo de estudantes que ainda estavam fora.
Ele pôs os cadernos sobre a pequena mesa e veio para a
frente dela, encostando as nádegas e apoiando as mãos
153

de veias salientes. Elliot tinha vinte e sete anos, era um


homem muito branco, corpo modelado, usava sempre
calças folgadas e camisas ainda maiores, fazendo-o
parecer ser mais baixo e feio. Os cabelos louros mal
penteados expulsavam qualquer pretendente, sem
sombra de dúvidas. Porém, a alegria de Elliot era
descomunal. Não era um homem sem beleza, ela apenas
mantinha-se escondida debaixo daquelas vestes
amassadas. Ele cruzou os braços e deixou todos
aquietar-se para iniciar a aula. Quando o barulho
morreu e o silêncio ganhou vida, ele começou.
— Estava com saudades de vocês, criaturas — disse o
professor, fazendo todos rirem. — Mas, terão que me
aturar porque irei fazer da vida de vocês um…
— Inferno? — Erik se intrometeu.
— Olha a boca, Weah. E, não, não farei da vida de vocês
essa palavra de baixo calão que o jovem Erik Weah,
disse. Porém, não hei de aliviar também,
principalmente para os rapazes — Elliot continuou —
Temos três novos alunos. Nicholas Ramsey, Anne e
Gustavo Mackenzie.
154

Gustavo Mackenzie estava mais a frente atento às


palavras de Elliot, fissurado na forma como o professor
se expressava. Ali de trás, Nicholas tinha uma vista
privilegiada.
— Falando em Nicholas — Elliott apanhou o tablet e
moveu o indicador no digital — Estive lhe espiando,
rapaz. Tem um grande potencial para assumir o
comando da equipe. Onde está você?
Elliot vasculhou com os olhos até encontrar a mão de
Nicholas no ar.
— Você joga assim ou é apenas efeito?
— Jogo assim mesmo, professor. Meu amigo Dante, que
é brasileiro, me ensinou.
— Uau! É, os brasileiros nascem com este dom. Topa
participar da peneira, como dizem lá no Brasil?
— Sim, professor.
Estava indo contra seus conceitos, mas talvez um
pouco de esporte que envolvia agilidade e precisão,
ajudasse na recuperação.
— Que bom, Nicholas — afirmou o professor, em
seguida — Na próxima semana começamos, certo?
155

— Certo, professor!
Dali em diante, Elliot foi mais categórico e falou
muito pouco sobre o campeonato, estava mesmo era
compenetrado em outros assuntos. Passou uma rápida
atividade valendo nota e sentou.
Quando tocou o sinal da merenda, todos se
direcionaram ao refeitório. No caminho, Mackenzie o
parou.
— Aqui é legal, né?
E ao olhar em volta, Nicholas viu Túlio virar o corpo
e encará-lo rapidamente como se estivesse avisando-o
de algo que apenas ambos sabiam.
— Sim. Eu preciso ir.
— Posso acompanhá-lo?
Nicholas sempre foi gentil com todos, mas o aviso de
Túlio sobre ficar longe de Mackenzie, foi pro ralo.
— Sim… mas é claro que pode!
Eles foram conversando até o grande salão
envidraçado e serviram-se de hambúrguer e milkshake.
E, após, dirigiram-se a uma das mesas desocupadas no
centro, bem próximas da turma de Austin, Alec e Túlio,
156

onde conversavam sorridentes até puserem os olhos na


dupla. Túlio balançou a cabeça em negação, como se
não acreditassem no que seus olhos capturaram.
— Será que ele ficou maluco? — Erik indagou ao
grupo.
— Não sei, mas não vou permitir que seu primo faça o
meu amigo de besta, Austin — e Alec ergueu-se, indo
até a mesa onde Nicholas e Gustavo conversavam e
comiam. Ao vê-lo aproximando-se, Mackenzie apertou
os lábios e direcionou os lumes ao rapaz sentado
consigo, prevendo a troca de farpas que sucederia a
chegada de Alec Clark, ali — Por que não sentou
conosco, Andrich?
— Não quis atrapalhar, Alec!
— Sabe muito bem que não atrapalha, vamos lá!
— Mas se ainda não percebeu, Clark, ele está comigo
— Gustavo disse, sorrindo sem abrir os lábios. — Volte
pra lá e deixe o garoto comigo, não vou tirar nenhum
pedaço dele. Pode certificar-se mais tarde.
Nicholas estava deveras perdido no assunto, não
sabia onde situar-se, então olhou diretamente a Austin
157

e recebeu um desvio de olhar como respostas, mas


quem achava-se ali era Alec, portanto, levantou-se e foi
ao encontro do trio e segurou os braços do amigo.
— Deixa, Alec. Não vale sujar suas mãos nele.
Gustavo, assim, gargalhou.
— Oh, se não é Austin Moore, o defensor. Cai fora!
Sim, ele iria obedecer, mas não sem antes avisar uma
última vez Nicholas.
— Se não quer se meter em problema, Ramsey, se afasta
dele. É para seu próprio bem!
E, dessa forma, Austin puxou Alec de volta à mesa
onde estavam conversando.
Gustavo não se importou com ameaças a ele feitas,
somente voltou a comer seu hambúrguer e olhou
Nicholas seriamente.
— Não vai dá ouvidos para as merdas ditas por ele, vai?
— Perguntou.
Nicholas, no entanto, levantou-se.
— Não, mas preciso ir a um lugar. Outra hora nós
falamos.
158

Gustavo tinha um rosto perfeito. Tudo nele era bem


harmônico, belo e angelical, mas escondia segredos
escuros com poucos anos de vida e não era uma pessoa
altamente confiável. Austin, Alec e o próprio Túlio,
sabiam disso e precaviam-se de deixar claro a todos que
aproximavam-se do rapaz para manter certa cautela,
pois quem vê cara não enxerga o coração. Se podia
mudar? Talvez!
159

Após a aula, Nicholas andava pelos corredores


cheios da Bernard High School; os passos calmos eram
controlados pela atenção dada ao aparelho em mãos.
Ele aproximou-se do grande pátio e notou o grupinho
de Austin Moore sentados e em pé do outro lado,
próximo aos jardins suspensos e a fonte do desejo,
posta ali há dez anos pela extrema iniciativa dos
estudantes do Grêmio.
O Grêmio Estudantil era uma associação de alunos
quase perfeitos, naquele ano sob governança suprema
de Amber Johnson e Maíra Robisson, afortunadas
desde a nascença e vistas por uma parte do colégio
160

como garotas brilhantes, o que não era nenhuma


mentira.
A beleza e a inteligência das duas eram apenas um
detalhe superado pela falta de noção e caráter. O
sorriso debochado se abriu e ao acenar para ele com as
pontas dos dedos, Nicholas sentiu nojo. Não da pessoa
em si, mas da arrogância daquela pobre coitada. Ele
tentava entender as qualidades que levaram Austin
Moore a apaixonar-se por ela.
Oh, Austin Moore, considerado o garanhão do
colégio preso a uma menina imatura e corruptivel,
completa idiota e cheia de recalques. Maíra Robisson
caminhava para o mesmo buraco, e Nicholas temia, uma
vez mais, ver o sofrimento estampado na face do amigo.
Ele não soube dizer quanto tempo passou ali,
encarando o estereótipo padrão de Bernard High
School, porém foi o bastante para sentir nojo. Nicholas
seguiu em direção ao bebedouro a fim de encher sua
garrafinha, mas enquanto aproximava-se, percebeu no
antro, uma imagem perfeita, bela e extremamente e
famosa. Connor Stark, o capitão do time de natação,
161

junto de seus companheiros. Lembrava dele porque


tinha visto um folder dado a ele por uma garota do
Grêmio, semana passada.
Ele estarreceu, embora sentisse o suor descer frio e
encharcar o colarinho. Connor Stark não era o tipo de
garoto correto e mostrava isso sem esforço, tanto que
usava somente o material esportivo. Touca na cabeça, a
sunga e os óculos, acima. Uma quantidade pequena de
garotas entre treze e quinze anos, tentava alcançar o
feito de ter uma foto junto ao ídolo, algo nada difícil
para uma escola na essência da Bernard.
Nicholas arrumou um jeito de penetrar a "multidão"
e ligou a torneira, enchendo a garrafa, mas ao virar-se
para ir embora, notou os cinco rapazes atentos a si e,
naquele instante, buscou a proteção de Alec, porém,
não o avistou por perto.
— Podem me dar licença?
Connor esboçou um sorriso.
— Por que pensa que deixaria você passar? — Connor
perguntou, sorrindo.
162

Nicholas não iria contrapor com ignorância, era


sábio demais para enfrentar os cinco sozinho.
— Porque além de belos são educados? — Nicholas
retrucou.
Eles entreolharam-se.
— Obrigado e pode passar, alteza. A escola é pública
para quem sempre paga mais por ela.
— A Elite — disse Nicholas, fazendo uma careta. —
Obrigado… vou continuar estampando o meu quarto
com os posts sobre vocês.
— É nosso fã? — Ricky quis saber.
— Mas é claro. Agora se me der licença.
Não foi preciso dizer nenhuma palavra a mais. Os
rapazes abriram caminho para Nicholas passar e
quando este estava a uns três metros deles parou,
virou-se e lançou uma piscadela em direção a Connor,
ato que arrancou gargalhadas dos outros quatros.
— Te mando um inbox, idiota! — Connor mostrou o
dedo do meio e sorriu.
De volta aos corredores, Nicholas ainda sorria
quando observava Túlio e Austin parados no meio do
163

estacionamento e Alec atracado com Maíra do lado de


fora da escola. Tentou evitar fazer contato visual, mas
falhou.
— Ramsey? — Túlio o chamou pelo sobrenome —
Chega aí, véi!
Nicholas suspirou fundo e caminhou até os rapazes.
— Que manda? — Perguntou.
— Queremos conversar sobre o assunto, sabe?
— Com ele? — Nicholas se referiu a Austin.
— Tem algo contra mim, Ramsey? — Moore indagou,
inquieto. — Se tiver, posso ir embora e te deixo cair de
cara no chão.
— Não, cê fica, Austin — Túlio pediu — Afinal de
contas, poderá contar detalhes sobre seu primo.
Nicholas cedeu.
— Tudo bem — disse Austin, cruzando os braços —
Tem como cê despachar o motorista?
Nicholas assentiu, jogando sua mochila contra o
colo de Moore e indo ao carro onde seu condutor
estava.
164

— Eu vou ficar mais um tempinho. Cê pode voltar pra


casa, não irei precisar dos seus serviços por hoje —
asseverou ao homem, que ainda sacudia a cabeça — E
não se preocupa, estou com meus colegas de escola.
— Se o senhor quiser, assim farei.
— Obrigado.
Nicholas andou até Túlio e Austin.
— Pronto! Aonde vamos?
— Você é muito metido, né Ramsey?!
— Depende da pessoa. Mas não quis ser mal educado.
Fiz uma pergunta.
Túlio ficou entre eles.
— Rapazes, controlem-se. Não se exaltem e
comporte-se Austin… Ramsey é provocador e sabe
disso.
Nicholas ergueu uma sobrancelha enquanto Austin
debuxava um sorriso forçado.
— Isso aí — o ato falso contentou Túlio. — Vamos lá!
Tulio seguia no meio, separando ambos para não
acabarem brigando, porém nenhum outro assunto
discutido aquela hora do dia deixava os dois mais
165

impacientes, em resumo, eram blindados pela


jocosidade emanada pela alma gentil de Túlio. Ao
abeirar-se a charmosa Max 's Ice Cream Parlor,
envidraçada e aconchegante, uma moça de cabelos
tingidos de pink e piercing nos lábios, sorriu ao
observá-los.
— O que desejam, moços?
— Uma mesa para quatro, senhorita — afirmou Túlio.
— Mas estão em três…
— Nosso amigo ainda vai chegar. Alec é o nome dele. Já
ele chega — argumentou Austin, todo afável —
direcione ele à nossa mesa.
Ela assentiu.
— Me acompanhem, por favor! — pediu.
Com as mãos para trás e o andar retilíneo, a
recepcionista os levou a uma tábula localizada no meio
do hall e sentaram.
— Aguardem um pouco — ela pediu, ainda sorrindo —
Um de nossos garçons virá atendê-los. Bom lanche.
— Obrigado — Túlio parecia o mais interessado na
moça, tanto que continuou a olhando enquanto fazia o
166

caminho de volta — O maxilar dela deve doer de tanto


manter este sorriso nos lábios.
Austin conteve o riso ao mesmo tempo que
Nicholas revirava os olhos.
— Tem como serem um pouquinho educados?
— Ah, ora, Ramsey — Austin pulou na frente — Vai
mentir que é certinho?
— Não, mas respeito as pessoas.
A fisionomia dele mudou drasticamente.
— Você é chato, em!
— Sou mesmo e daí?
— E daí? Cê ainda pergunta e daí? — dizia ele, irritado,
mas num tom de voz calmo, sem parecer raivoso —
Olha, cara, eu quero demais que as coisas entre nós
possam fluir normais. Não desejo mal, compreende?
Por um momento Nicholas sentiu-se inútil. As
palavras vindas da boca de Austin soaram tão profundas
que acabou preso noutra dimensão. Oh, céus, como ele
podia ser ainda mais lindo sendo gentil na sua forma?
Pensava o rapazinho enquanto processava a fala.
167

— Certo, Austin! — disse ele, balançando a cabeça —


Eu também desejo que as coisas sejam verdadeiras
entre nós, okay? Então, da minha parte, qualquer
muralha erguida se desaba agora.
Seria uma aproximação, digamos, letal?
Austin estendeu sua mão num cumprimento aceito
sem objeções pelo rapaz. Ato este que também
contentou Túlio Davis, que sustentava um sorriso nos
lábios levemente cetrinos.
— Até que enfim meu casal preferido resolveu se
acertar — brincou Túlio, esfregando as mãos, e olhando
entorno. — Mas onde estar o idiota do Clark?
Sem respostas, observou ambos com as mãos dadas e
fitando-se como se aquela simples compostura fosse o
bastante para quebrar e dividir opiniões. Sorrindo,
Túlio consertou a garganta dilapidando a concentração
e causando olhares confusos, no entanto, cheio de
sentimentos implícitos ainda a serem desvendados.
— Quando eu disse que eram meu casal preferido —
demonstrou ele, rindo — Tava brincando.
Austin e Nicholas estavam sem graça.
168

— A gente só perdeu a noção do tempo — revelou,


olhando Túlio — E você é muito careta, véio.
— Eu, careta? Não, não sou — provocou os dois, outra
vez — Só percebi algo incomum e…
— Eu namoro, Túlio.
— Só estou a brincar, Austin.
Nicholas desviou o olhar para a rua e agradeceu
quando avistou Alec cruzando-a e chegando na entrada,
recepcionado pela mesma garota de mais cedo que lhe
indicou a mesa e sorriu, assim que pôs os olhos galantes
em cima dos amigos. Chegou pondo a mão nos ombros
de Nicholas e sorriu.
— Estou muito atrasado? — perguntou.
— Não, Alec. Ainda não começamos a discutir sobre o
assunto — disse Austin. — Sente-se e vamos pedir um
sorvete.
Alec fez um gesto e um dos garçons veio até eles. O
rapaz sentou e olhou para os companheiros.
— Que mandam, gente?
— Quero um sorvete de baunilha — falou Túlio.
— Eu, um de chocolate — pediu Austin.
169

— Creme e morango, por favor — Alec foi solícito —


Vai querer o que, amigo?
— Um de flocos, por gentileza!
O copeiro anotou os pedidos delicadamente e
depois, seguiu em direção a cozinha.
— Então, o que o Mackenzie fez de tão mal para
interceptar qualquer contato dele comigo? — Nicholas
perguntou.
A história era um pouco cabeluda e difícil de ser
contada assim, do nada. Porém, os três estavam mais
que dispostos a contar a verdade, embora todo aquele
enredo fosse extremamente dificultoso. Austin quem
começou.
— Meses atrás — começou ele, pausadamente —
Gustavo mudou drasticamente. Ele era um rapaz
exemplar, de boas notas, mas quando trocou de escola e
ingressou na Partenon High School, as coisas
seriamente saíram do controle. Ele conheceu uma
menina, chamada Eleanor. Eleanor era namorada de
Crispim, um aluno do terceiro ano do turno da noite.
Resumindo, eles se envolveram num relacionamento.
170

Sendo mais específico, um trisal. Transavam, beijavam,


dormiam e saíam juntos e foi numa dessas saídas, que
ele conheceu a escuridão a qual rege a vida dele até
hoje.
Nicholas estava curioso e a fim de conhecer ainda
mais o caos e o fim da história.
— O quê ele experimentou, Austin?
Túlio foi quem continuou os relatos.
— Crispim e Eleanor, o levaram para o subúrbio e lá
iniciaram o definhamento da imagem bela e angelical
de um coração nobre — Túlio fechou os olhos —
Começou com uma simples prostituição…
— Mas ele não é rico? — Nicholas indagou.
— É, mas o envolvimento com Eleanor e Crispim, foi o
suficiente para o meu tio, Michel, acabar cortando a
mesada dele — Austin respondeu — Ainda não
entendo o que levou meu primo… ele a fazer isso.
Sempre tivemos nossas desavenças, porém jamais
sequer imaginei vê-lo naquele estado deplorável!
Austin suspirou fundo e baixou a cabeça.
171

— Continuando — Túlio prosseguiu — Gustavo se


afastou da família, dos amigos e passou a viver aos
dezesseis para os dezessete numa união desvantajosa de
Eleanor e Crispim. Porém, tudo piorou. Ele encabeçou
a viver nas ruas e, isso resultou, primeiramente, em
assaltar pessoas para comprar… — Túlio suspirou fundo
e olhou para os lados — drogas.
O susto passou a ser perceptível no rosto de
Nicholas.
— Ele se tornou dependente químico, certo?
— Mais que isso — Alec, finalmente, completou —
Gustavo é soropositivo. Devido, talvez, às pessoas com
quem se relacionou. É claro que ele tem o vírus, mas
leva uma vida normal à base de remédios.
Houve um longo silêncio. O suficiente para o
garçom trazer os pedidos e voltar aos serviços. Minutos
depois, Nicholas olhava atento para o sorvete.
— É por isso que querem me afastar dele? Por ser
soropositivo?
Eles trocaram olhares e suspiros.
172

— Não, amigo — disse Alec. — Esse é o menor dos


problemas, Gustavo ainda mantém o uso das drogas e
vicia as pessoas. Usa a beleza como atração. E o
dinheiro, como influência.
Nicholas saboreou um pouco do sorvete.
— Ele precisa de ajuda.
— Já tentamos e não resultou em nada. Acha que é fácil
pra nós, cara? Conheço o Gustavo desde criança e
quando oferecemos uma solução digna, ele nos cortou
da vida dele — Austin lembrou — Ele culpa a gente
sem provas, sabe? Porém, o culpado é ele. Só ele!
Nicholas estava realmente sentido. Não entendia o
que levou Gustavo a encarar a escuridão, mas tentaria
tirá-lo dali com muito esforço, mesmo que lhe custasse
tudo.
— Vocês desistem muito fácil das pessoas — ele
relembrou o diagnóstico que tivera meses atrás —
Creio que também desistirão de mim.
Ele ergueu-se apanhando a mochila e tirou uma
cédula de cinquenta dólares do bolso e deixou sobre a
mesa.
173

— Onde vai, Nich? — Alec perguntou.


— Pra casa. Tenho alguns trabalhos pendentes.
— Ainda vai na minha festa, né? — Túlio quis saber.
— Sim, eu vou!
Nicholas deixou a sorveteria e seguiu andando até
apanhar um táxi, mas a frente. No estabelecimento, os
olhares trocados eram confidenciais.
— Ele se mordeu, foi isso? — Austin perguntou.
— Acho que ele ficou ofendido — declarou Alec,
tomando um pouco do sorvete. — E o cara não me
parece bem.
Austin teve que concordar.
— Ele esconde um segredo gravíssimo só pra ele. Mas o
que será? — Túlio quis saber.
— Não sei o que é, mas tenho uma ideia do que possa
ser — Austin opinou.
— E o que seria, Moore? — Alec perguntou, curioso.
Austin suspirou fundo, não queria tirar conclusões
precipitadas, mas foi firme na suposição.
— O Ramsey deve ser soropositivo também! É uma
prognose.
174

Nicholas abriu e fechou à porta e logo seus olhos


repousaram sobre seu pai sentado no sofá e mexendo
no notebook.
— A essa hora porque, Andrich? — o tom de voz mais
preocupado fez os pelos enrijecer — Estava com quem,
posso saber?
Nicholas contornou o móvel e beijou o rosto de seu
pai, deixando a mochila do canto e sorrindo.
— Por aí — respondeu evasivo.
175

— Eu sei que era por aí, filhão — disse Robert,


fechando o aparelho— Perguntei com quem!
— Chato…
— Nicholas, sou seu pai e mereço saber com que anda.
— Está bem, Lord Robert, da Casa Ramsey, quebrador de
correntes, pai maravilhoso, o cruzador do mar, o não
queimável, o inteligente — Robert ria — Estava com o
Lord Austin, da Casa Moore, e com a gente, o Senhor
Túlio, da Casa Marvin.
Robert ergueu uma sobrancelha.
— São ótimos rapazes, não?
Nicholas apertou os lábios enquanto processava
aquela pergunta. Não uma pergunta, estreitamente,
estava mais para uma afirmação.
— São, porém possuem uma chatice e superioridade
elevada.
Robert esboçou um sorriso.
— Vamos almoçar? Só estava à sua espera!
— Oh, mais é claro. Posso ir lá no meu quarto só trocar
de roupa e lavar as mãos?
— Fique à vontade. Irei aguardá-lo na sala-de-estar!
176

— Ta.
Nicholas apanhou a mochila e subiu as escadas indo
em direção ao seu aposento. Tirou a chave da bolsa e a
pôs na fechadura, girando-a lentamente. Abriu a porta e
a encostou. Deixou a bolsa sobre uma mesinha de vidro
e desamarrou o tênis. Se livrou do blazer escolar, da
camiseta, da calça e ficou apenas de sunga.
Seguiu até o closet e pegou um calção vestindo-o
em seguida e uma camiseta branca, combinando com o
moletom preto, sem detalhes. Correu ao banheiro
fazendo sua higiene diária e lavou as mãos, retornando
tempo depois para a sala-de-estar.
Para o almoço havia Frango Kiev, um prato famoso
da Ucrânia e que encantou Robert e Nicholas em sua
primeira viagem juntos para fora de Gales. O passadio
consistia no peito de polhastro desossado que é
recheado, tradicionalmente, com manteiga e ervas, mas
ficando a escolha em adicionar outros ingredientes.
Robert escolheu a versão assada, pois dizia-se ser a
mais saborosa e a qual era muito difícil comer apenas
uma vez.
177

Para acompanhar o cardápio do almoço, Robert fez


questão de abrir um Domaine de la Romanée-Conti
Romanée-Conti Grand Cru. Ao observar a garrafa e o nome
estampado nela, Nicholas centrou os olhos no pai.
— Alguma ocasião especial? — Perguntou o garoto,
curioso.
Robert sacudiu a cabeça em veemência.
— Nós dois aqui, degustando um Frango Kiev, é sempre
um átimo especial, filho.
Nicholas rascunhou um sorriso, mas as lágrimas
despertaram primeiro.
— Seria ainda mais extraordinário si… si…
— Si?
— Ah, pai, deixa pra lá. É coisa minha!
— Não, filho, pode falar!
Nicholas sabia que se abrisse a boca, o almoço
terminaria num instante e o resto daquela tarde, a qual
planejou ser maravilhosa, seria estragada por um desejo
pessoal.
— Seria mais especial pra mim se…
— Se ela tivesse aqui, correto? Se sua mãe estivesse
conosco, nesta mesa? — Robert supôs e supôs
certamente.
178

Nicholas largou o garfo e a faca de lado, uniu as mãos


e tentou, por um milésimo de segundo, não fazer
contato visual.
Robert Ramsey nunca havia estado pronto para
quando aquele momento chegasse, na verdade, jamais
esteve.
— Sua mãe foi uma grande mulher, Nicholas! Talvez a
mais fabulosa por quem já suprir qualquer tipo de afeto
— era a primeira vez que falava sobre as qualidades de
Beatrice. — Nos conhecemos na escola, na Escócia e
quando mudamos para Cardiff, em Gales, as coisas
mudaram drasticamente. A verdade é que nós não
estávamos preparados para sermos pais. Eu estava e ela
não. A gravidez que resultou em você, Nicholas, foi
totalmente acidental.
Ao ouvir aquilo, Nicholas sentiu uma forte dor no
coração, não como das outras vezes, não especialmente
por causa da história, mas sim pelas circunstâncias as
quais vinha passando ultimamente. Ele respirou fundo,
controlando a respiração e avistou os lumes de seu pai
fixo naquela rápida fraqueza.
— Estou bem — Nicholas garantiu — Me fale mais sobre
ela. Sobre Beatrice!
Robert inalou o ar e assentiu.
179

— Na gestação, sua mãe adquiriu alguns transtornos e,


por conta disso, depois do seu nascimento, ela não
conseguia ouvir seu choro. Não suportava vê-lo ali,
naquele berço e… — Robert fez uma pausa enquanto
processava — Saiu… saiu da nossa casa, da sua vida e da
minha sem sequer deixar explicações óbvias, Nicholas.
Lembrar desse episódio causa tanta raiva que… é bom a
gente encerrar ele!
Robert se ergueu da cadeira e limpou os lábios num
papel toalha antes de tomar meia taça de vinho e
encarar a realidade dos fatos.
— Ela ainda está viva, pai? — Nicholas quis saber —
Beatrice ainda vive?
Robert tentou não responder a pergunta de
Nicholas, mas estava na hora da verdade ser dita, pois
ele merecia saber os motivos e onde sua mãe residia no
momento.
— Não… — Robert descansou o olhar na lareira e secou
o rosto — Ao menos pra mim, não. Talvez eu não tenha
sido um pai maravilhoso para você e… queira agora o
conforto e o amor dela.
Ele sentou novamente. Olhou a refeição ainda
intacta sobre a mesa e sorriu medroso.
180

— O senhor é o pai que sempre quis ter. Nunca deixou


me faltar nada. Nem dinheiro, nem roupa, nem comida,
nem amor. Principalmente amor — Nicholas se levantou
e foi até ele, agachando-se e segurando as mãos dele,
prosseguiu. — É… desnecessário. Beatrice nunca desejou
saber de mim, nunca me procurou e sequer escreveu
uma mísera carta. O senhor é meu pai e minha mãe.
Robert entristeceu.
— Talvez, filho ela…
— Não quero ouvir mais nada — Nicholas levantou,
beijando os cabelos do pai e sorriu — Está desocupado o
restante da tarde?
— Por que? — Robert secou as lágrimas e pôde respirar
melhor.
— Ah, talvez queira ir ao shopping comigo e comprar
umas coisinhas — Robert estreitou o olhar — Só se
quiser, não é obrigado.
Ele não gostava de dizer negar um pedido tão
convincente daquele, mas arrumar uma maneira de
escapar do trabalho era árduo demais.
— Oh, céus, não vai dar certo! Tenho reunião com o
Bruce, Julian, e os demais acionistas. Você me perdoa,
filho? — Nicholas balançou a cabeça, em afirmação. —
Tem dinheiro? O cartão de crédito, leva?
181

— Levo sim, pai — asseverou o rapaz, rindo. — O


problema é que despachei o meu motorista, ou seja,
estou sem transporte.
— Hum… posso chamá-lo, então…
— Não, não, pai. Tranquilo. Você por acaso tem o
contato da residência dos Moore? — Nicholas
perguntou.
Robert apanhou o celular e digitou alguma coisa.
— Enviei para você. Cuidado, filhão. Vou sair, e não me
espere para o jantar, beleza?! — Robert já dizia saindo
pela porta e o deixando, mais uma vez, sozinho. Um
minuto se passou— Melinda? Venha cá, por favor?
Melinda não custou a vir. Estava descabelada e o
avental sujo.
— Me chamou, Nich?
— Aham! Pode tirar o almoço.
Ela olhou os pratos intactos sobre a tabula e contraiu
a pele do rosto numa fisionomia interrogativa.
— Não estava ao seu gosto, Nicholas?
— Ah, sim, estava. Guarde que quando voltar, esquento
e como, certo?
E sem esperar qualquer outra indagação, ele deixou a
sala e retornou ao quarto a procura do aparelho celular.
Avistou a notificação com o número da família Moore e
182

abriu um sorriso. Salvou o contato e, imediatamente,


ligou. Aguardou um pouco até alguém atendê-lo.
— Quem é?
Ele reconheceu a voz rapidamente, era de Christian.
— Nicholas Ramsey, sou colega do Austin. Ele está?
— Sim… vou passar pra ele.
Nicholas ansiou em ouvir a voz do rapaz.
— Oi, Ramsey… o que deseja? Meus pais não estão em casa
e…
— Quero falar com você mesmo!
Houve um momento de silêncio, uma pequena pausa
que mais pareceu ser uma eternidade.
— Olha, Andrich, se foi sobre o que disse mais cedo…
— Não é! — Nicholas ouviu o suspiro de alívio vindo dos
pulmões de Austin. — Queria saber se, por acaso, tem como
me levar a um lugar?
Do outro lado da linha, Austin esbanjou um sorriso
de orelha a orelha.
— Qual lugar, cara? — Perguntou animado.
— No shopping! Creio eu que conheça algum?
Austin analisou a proposta com carinho.
— Só se rolar um cineminha, aceita? E eu pago!
183

Não havia escapatória, a não ser ceder ao programa


extra arrumado em cima da hora pelo loiro de boa
pinta.
— Tudo bem! Que horas você passa aqui para me buscar?
— Anota meu número. Te mando um telegrama depois, pode
ser?
– Pode!
Nicholas anotou o contato de Austin numa folha
separada.
— Anotei seu número. Sabe onde moro, né?
— Sim, sim. Chego aí no horário a combinar,
— Não demora, cara…
— Não seja apressado, Ramsey. Vou tomar banho.
Após o aviso, Austin desligou o telefone, mas pela
primeira vez, terminara uma conversa satisfatória e
mega útil, pois seu único desejo agora compreendia em
ter a amizade de Nicholas, e um passo importante havia
sido dado. Faltava outro, todavia, este já estava bastante
encaminhado.
184

Estava escurecendo. Nicholas podia notar pelo


crepúsculo se formando nos céus de Nova Iorque e tons
de cores contrastando uns com os outros na abóbada
celeste.
Já vestido, ele encontrava-se de pé fitando seu
reflexo desenhado no espelho. Ele usava algo não muito
chamativo: uma camisa de mangas longas, branca e com
apenas alguns detalhes na lateral do braço esquerdo,
onde uma frase em negro e traduzida do inglês queria
dizer: sou mais eu!, estava. Calça skinny preta e tênis
brancos. Também deixava explícito algumas pulseiras
185

escuras e uma corrente dourada, assim como um cordão


prateado de pingente em formato de coração feito
confeccionado a esmeralda bruta. Era seu amuleto,
nunca tirava, dizia dá sorte.
Ele virou de costas, percebeu o caimento perfeito da
calça no bumbum e sorriu. Antes de descer, passou uma
fragrância ganha em seu último aniversário, amadeirado
com uma pitada de pimenta vermelha. Por fim, não
esqueceu de pôr o boné branco no estilo golfe, só que
para trás, pois delineava bastante seu rosto bonito, com
ângulos perfeitos, além de combinar com seu estilo
bem juvenil.
Nicholas pegou a carteira de dentro da gaveta e
desceu para a sala, onde ao chegar no meio das escadas,
observou adiante, em pé, seu convidado. Não negava o
quão Austin Moore era bonito e interessante,
principalmente quando vestia-se galante e para o
momento certo. E, daquela vez, não errou em abusar da
elegância.
Nicholas começou pelos pés. O tênis branco como
seu, da mesma marca, parecia ter sido combinado com
186

antecedência, mas não. Subiu um pouco mais. Analisou


a calça jeans preta apertada nas pernas dando a incrível
visão das coxas grossas e torneadas. Aflorou não muito,
vislumbrando a camisa escolhida. Consistia numa cor
escura, de pano brilhante a luz, de mangas curtas e que
definiam os músculos em crescimento dos braços. E,
enfim, visualizou a jaqueta de cor caqui segura entre as
mãos.
Sem percebê-lo ali parado, Austin continuou
conversando com Melinda que sorria com a
espontaneidade do rapaz.
— Ah, você chegou — Nicholas anunciou sua presença
— Pensei que tivesse desistido.
— Jamais — afirmou Austin, engolindo em seco ao
perceber o garoto tão bonito a sua frente — Estava
comentando com Melinda sobre você e como nos
conhecemos.
Nicholas ergueu uma sobrancelha e fitou Melinda,
que desviava o olhar para todos os cantos da mansão.
187

— Melinda é uma ótima ouvinte, sem dúvidas —


Nicholas garantiu, chegando mais perto de Austin —
Você se arrumou bem dessa vez!
Austin sorriu perante o elogio.
— Pensava que eu viria de terno?
Nicholas sacudiu a cabeça.
— Não sei. Não é um encontro e mesmo que fosse,
roupas de pinguins são para ocasiões formais.
Melinda consertou a garganta, querendo dizer: ainda
estou aqui!
— Pode voltar aos serviços, Mel — Nicholas garantiu
— Volto antes das onze.
Melinda retornou para a cozinha e, com isso, Austin
pôde ver melhor a caracterização do Ramsey. Era
impecável com ou sem óculos, algo que poucos
conseguiam nesta vida.
— Você… está… bem arrumado.
— Nunca elogiou uma pessoa do mesmo sexo na vida,
certo?
— Pior que é verdade, então não venha com cinco
pedras nas mãos.
188

— Não vou. Pode ficar tranquilo.


— Com você? Ainda te acho um psicopata!
— Azar seu. Mal tenho coragem de matar um mosquito
— Nicholas fez Austin gargalhar— Está com
habilitação em dias, né?
Austin Moore apertou os lábios enquanto fingia
pensar na pergunta.
— Talvez, não sei dizer! Se formos parados numa blitz e
a gente ir preso, irei pôr a culpa em você.
— Céus, que mal caráter.
— Cê acha? — Austin se aproximou dele. Se chegou o
bastante para sentir o aroma de madeira e pimenta
exalando de seu corpo. — Queria te pedir uma coisa?
Austin levou os lábios nos ouvidos de Ramsey , que
sequer fez questão de afastá-lo, pois estava adorando
toda aquela encenação.
— Que você quer? — Nicholas sussurrou.
— Uma coca e um sanduba. Isso vai ficar por sua conta!
— Ah!
Foi o que saiu de sua boca antes de Austin Moore se
afastar e deixar a alma de Nicholas preso numa redoma.
189

Nunca estivemos tão próximos. Pensava Nicholas


Ramsey ao encarar de vez ou outra Austin Moore, com
os olhos fixos no volante em direção ao shopping mais
avizinhado ao Condomínio onde morava.
— Sabe para onde estamos indo, por acaso? —
Perguntou ele, minutos depois.
Um rápido sorriso pôde ser visto amadurecendo
entre os lábios rosados de Austin.
— É óbvio, moro aqui desde sempre.
A resposta foi um alívio gratuito ao rapazinho.
Seguiram mais alguns metros em silêncio, até o
próximo questionamento vir.
— Por que é sempre assim, Moore?
190

— Assim como?
Nicholas teve que escolher as palavras certas dali em
diante. Não gostava cem por cento do rapaz, mas
deixá-lo de coração partido por sua autenticidade
elevada, seria imprudente.
— Sei lá, tão popular e narcisista.
— Eu, narcisista? Já olhou para você hoje, Ramsey?
A pergunta veio depressa, como se uma tonelada de
ferro atingisse seu corpo.
— Que tem eu?
— Oh, céus, Ramsey — Austin voltou a ser franco. —
Você fica tão preso nessa redoma boazinha que mal
consegue olhar em volta, principalmente na escola. Nas
pessoas… nas pessoas que te olham!
Nicholas pareceu confuso.
— O que tem as pessoas da escola, Austin?
— Francamente — disse ainda sem acreditar — As
pessoas ali são apaixonadas por você. Parece que nem
da terra é… que vem de outro planeta, é meio
incontestável a seriedade do olhar delas sobre você.
191

Não é carinho, talvez seja, só que tá mais para o desejo,


entende?
Uma sequência de pensamentos debutou sua cabeça
e um esboço perfeito de um sorriso sem graça
desenhou-se naqueles lábios. Ah, malditos lábios!
— Eu… nunca ia perceber.
— É, tem razão. Mas deve separar desejo de
sentimento.
Ouvi Austin dizer aquelas palavras que quebravam o
ser raro e anti-romântico que fantasiou na memória,
complicou demais a situação. Seria bom pedir
desculpas, mas levantar uma autoestima elevada deveria
ser um peso a menos, e foi o que fez. Não apelou por
justificativas.
— E quem tem desejo e quem tem sentimento por
mim? — Austin quis saber.
O questionamento fez a garganta secar e os olhos se
manterem pregados nas ruas aglomeradas de Nova
Iorque.
— Acho que isso deve-se ser descoberto sozinho,
Andrich. Todavia, não dê seu coração a qualquer pessoa
192

— aludiu, encarando Nicholas por não mais que dois


segundos — Às vezes, são dos sentimentalistas que a
desgraça vem.
Esse novo posicionamento gótico desfez,
definitivamente, o grosseirão e irracional Austin
Moore, aquela caricatura que criou e passou a odiar
sempre que lembrava. Afinal, a pessoa ao seu lado tinha
sentimentos, no entanto inviáveis e guardados apenas a
si.
— Posso te confessar uma coisa, Austin?
— Pode sim!
— Eu me enganei com você — iniciou o garoto, todo
envergonhado— As coisas entre nós começaram
abruptamente, confesso. Também reconheço meus
erros, não devia ter fantasiado um rapaz hétero top na
minha cabeça e desviar a atenção de coisas necessárias,
como a sua constante evolução e amor pelos amigos que
tem.
— Obrigado, Ramsey. Reconhecer os erros é sinal de
bondade.
193

— Tem mais — continuou Nicholas, mesmo já


visualizando a construção gigantesca no bairro
Rockefeller Center — Só me afastei de vocês porque a
Amber me ameaçou.
— A Amber te ameaçou? Como assim?
Era uma história bastante complicada e seria ainda
mais inevitável lidar com os olhares tortos e frases sem
nexo e preconceituosas que viriam sem trégua de
Austin Moore. Mal sabia se contava ou não.
— É que… bom, não sou como você ou Túlio, Alec,
Guilherme, Eric, Vicent, ou qualquer outro garoto do
seu vínculo de amizade.
O carro estava estacionado no amplo parqueamento.
Ambos com os lumes fincados nas pessoas que
passavam e adentravam pelos portões do shopping.
Eram sete e quinze da noite, e o aglomerado de sujeitos
intensificava cada vez mais. Ninguém soube
exatamente quanto tempo passaram ali observando a
vida alheia feliz e se divertindo, porém quando voltaram
para a realidade, estavam ociosos, como se tivessem
perdido a língua. Austin processou e recuperou a fala.
194

— Você… é gay?
— Não, mas também não sou hétero. E deixa eu
adivinhar: Esse é o momento em que vai rir de mim e
mandar eu cair fora do seu carro?
Austin fitou o banner de anúncio na fachada do
shopping e permaneceu atento.
— Uau! — foi o que disse.
Nicholas fechou os olhos e sentiu a onda de
murmúrios e cochichos na escola no dia seguinte.
Estava pronto.
— Está sem palavras, né? Não sabe o que dizer ou
fazer…
— Não é isso, cara. Não sou esse monstro que fantasiou
na sua cabeça — Austin revelou, suavemente — Tenho
amigos gays, lésbicas, bissexuais, sapiosessuais e
assexuais. Lido muito bem com eles. Amo eles. A
orientação de nenhum define o caráter. O ser humano
não vem com um menu onde os pais irão escolher a cor
dos olhos, o tom de pele, a voz, a altura, o peso e o
tamanho da beleza. A gente vem ao mundo de acordo
com o que o Criador ordena, Andrich. Como te disse,
195

não sou o monstro da sua fantasia… eu sou seu amigo,


ao menos, me considero.
Ele o encarou. Havia verdades nas palavras de
Austin. Mais verdades do que em qualquer outra pessoa
a qual já conhecera.
— Eu não sei o que dizer…
— Não diga nada e fique tranquilo, seu segredo está
bem guardado — as mãos de Austin apanharam as de
Nicholas. — Confie em mim.
Era difícil, mas não impossível.
— Vou confiar.
— É, mais um amigo bissexual na lista.
— Quem são os outros?
— Não importa, não no momento — Austin sorriu e
voltou a ficar sério. — Mas me diga, por que a Amber te
intimidou?
Como contar? Na verdade, por onde começar?
— Sabe o jantar na casa dos pais do Alec? — Austin
assentiu — Amber me viu com o Liam e registrou um
beijo entre eu e ele, e disse que se não me afastasse dos
196

amigos dela, e principalmente de você, ela publicaria


no School News.
Austin estava petrificado.
— Céus, a Amber precisa de uma lição!
— Não faça nada a respeito, Austin. Deixa que com a
Amber, eu me entendo.
Austin assentiu. Também não gostaria de bater boca
com a garota às vésperas da festa do Túlio e o início dos
treinamentos para o Campeonato. Queria continuar de
alma leve e sem constrangimento o cercando. Quanto
menos problemas, melhor seria.
— Cuidado com ela, Nicholas. Amber é muito
possessiva.
— Ela te ama, é isso. Quem ama, cuida. Mas o zelo dela
me causa medo, às vezes! — ele olhou em direção ao
rapaz e por um instante queria estar no lugar de Amber.
Austin tinha a forma impiedosa, mas tratava-se de um
blindado contra dores maiores. Mas a utopia se desfez.
— Porém — continuou ao arrostar a realidade —, não
viemos até aqui para ficarmos conversando dentro do
carro.
197

Austin teve que concordar.


— É verdade — asseverou o garoto — E o que viemos
fazer mesmo?
A confusão de sentimentos dobrou sua cabeça do
avesso.
— Ah, sim, comprar um presente para o Túlio. Tive a
ideia porque você é próximo dele e tem mais afinidade.
Ou seja, sabe do que ele gosta e odeia!
Austin sacudia a cabeça enquanto abria a porta do
seu Cadillac Escalade 2022.
Já do lado de fora, ambos estavam apoiados no capô
do carro quando uma pergunta feita por Austin pegou
Nicholas de surpresa.
— Sabia que o Túlio é bissexual?
O espanto estava estampado na face angulosa do
Ramsey.
— Está brincando, né?
— É, estou. Agora vamos lá que terei orgulho de lhe
mostrar uma loja bacana onde o Túlio compra roupas —
anunciou iniciando a caminhada até a entrada do
shopping. — Vai adorar o local. Depois podemos passar
198

na praça de alimentação e deixamos o filme para outro


momento, pode ser?
— Claro, como quiser — disse Nicholas, caminhando
ao seu lado.
Eles entraram no shopping e seguiram andando um
acostado ao outro.
— Já pensou em dar de presente ao Túlio?
Nicholas ficou pensativo a respeito.
— Não. Cê acha que ele vai gostar das roupas?
— Ah, mas é lógico. Também pode presenteá-lo com
um par de chuteiras — Austin deu a ideia — Ou dê os
dois, cê é rico mesmo!
Nicholas esboçou um sorriso e foi puxado pelo
braço por Austin até a escada rolante.
— Ficou doido, foi?
— Ainda não me viu doido, Andrich.
— Ah, é? E quando você endoida, faz o quê?
Austin sorriu provocativo. Chegaram ao segundo
andar e, ali, diante de incontáveis pessoas, voltou a
aproximar seus lábios aos ouvidos de Nicholas.
— Quando eu tiver doido, vai saber.
199

E sem dizer mais nada, continuou a andar. Nicholas


percebia um Austin mais dinâmico e menos carrancudo
e a cada segundo, despertava algo dentro de seu
coração. Uma coisa que não fazia ideia, mas era bom,
podia sentir.
Carregava sim ternura, como também via-se envolto
de mais problema e tudo que Nicholas Andrich
Harrison Ramsey queria, era distância de eventuais
estorvos que envolvesse sua imagem atrelada a de
Austin, principalmente sofrendo ameaças toscas, mais
fundáveis, vindas de Amber Johnson, a namorada de
Austin Moore. Ele olhou para trás e notou o rapazinho
em pé, melancólico.
— Vamos, Ramsey!
Trazido de volta a realidade, observava o garoto à sua
frente, sorrindo, como se fosse a única coisa a qual
soubesse fazer de melhor naquele momento e na pior
das circunstâncias, sim. Sorri era sempre um ato de
resistir a dor, de lutar contra nossos demônios e
derrotá-los. A smile nos lábios de Austin Moore era uma
200

passagem direta e certeira em direção à infelicidade,


sabia disso.
Continuar blindando seu coração desde a decepção
com Liam, tornou-se um ato de sobrevivência, porém
tinha a veracidade de que lutar uma guerra injusta seria
seu maior desafio. Por fim, quando chegou a encarar
Austin mais de perto, centrando seus lumes naquelas
safiras enlouquecedoras, percebeu que, talvez, não fosse
ódio programado, todavia, um amor a despertar a cada
minutos juntos. Só de imaginar se apaixonando por um
bobão, a garganta secava.
— Está tudo bem? — Austin desejou saber.
— Sim, estou bem. Só estava pensando.
Ele ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços,
tentando conter o sorriso.
— Vamos, não vou te deixar aqui sozinho. E, outra, está
ficando cada hora mais tarde, se não nos apressarmos, o
shopping fecha!
Austin tinha razão. As pernas de Nicholas
instantâneamente moveram-se para a loja de roupas e
calçados mais próximo.
201

A Club Monaco da Broadway era uma das lojas que


Austin, Túlio, Alec, Liam e os demais componentes do
grupo, compravam suas peças vestuárias. O
atendimento de excelência e o material de primeira
encantava os rapazes que sempre retornavam ao
empório quando podiam. Ao chegarem na entrada,
foram recepcionados por um sorriso ternuroso partido
de um rosto jovial da recepcionista do Club Monaco.
— Vão experimentar nossa nova coleção de outono?
— Oh, sim, vamos. Este é meu amigo, trouxe ele para
comprar algumas coisas — Austin começou,
apresentando o rapaz. — Este é Nicholas Ramsey, das
empresas RBJG.
202

A morena ergueu uma sobrancelha, curiosa.


— Entre, por favor! — pediu a mulher chamada
Daphne. — Pensei que estivesse viajando, Austin!
— Não, não. Escola, cursinhos e o esporte.
— Ah, sim, sempre o esporte. Fiquem à vontade. Podem
escolher o que desejar.
Daphne voltou para a entrada da loja enquanto uma
das vendedoras aproximava-se sorridente e com os
braços voltados para trás, sempre numa postura ereta e
discreta.
— Qual a seção a qual preferem, moços?
— Ah, pode ser a de jeans!
— Venham comigo, por favor!
Eles acompanharam a mulher até a exposição de
roupas, a qual compreende uma extensa variação de
calças, camisa, bermuda e jaquetas jeans, além de bolsas
e mochilas de costas.
— Aqui está. Cada repartição tem o número, material
usado e o preço — disse a mulher. — Ali está o
provatório, fiquem à vontade. Qualquer coisa estaremos
a sua inteira disposição.
203

A moça se retirou. Austin sentou sobre um


banquinho estofado e aveludado de cor preta, enquanto
assistia Nicholas procurando atentamente um look nada
muito extravagante e o qual pudesse presentear Túlio.
— Qual tamanho ele veste?
— Quarenta, médio.
— Quarenta médio — repetiu mais uma vez —
Quarenta médios — Ah, essa aqui!
Ele retirou uma calça denin inteiramente preta com
um corte na horizontal e mostrou a Austin.
— É bonita, ele vai adorar.
— Também acho. Me ajuda a escolher o tênis?
Austin ergueu-se.
— Ajudo sim. Vou no outro setor ver se encontro um
legalzinho. Volto já.
Austin deixou aquela seção. Nicholas prosseguiu
atento às vestimentas e, com a calça já selecionada,
caminhou ao local onde haviam camisas e escolheu uma
da mesma cor e, só após, selecionou um blazer e
encontrou com Austin na sapataria.
204

— Ah, você está aí — disse o mais velho, sorrindo. —


Achei um, só não sei se combina com os demais
acessórios.
— Qual?
Austin mostrou o calçado e ergueu uma sobrancelha.
— Tem bom gosto. Vai ficar top com as outras
vestimentas — Nicholas verificou o horário no seu Tag
Heuer. — Se nos apressarmos, talvez possamos comer
algo na praça de alimentação.
Ao concluir a possibilidade, a vendedora tornou a se
aproximar deles.
— Escolheram?
— Sim. Aqui está! Pode embalar para presente?
— Posso. Me acompanhem, por favor!
Eles seguiram a mulher até o balcão da loja onde
outra garota atendia discretamente os clientes.
— Deu dois mil e setenta e cinco dólares, meu jovem —
disse a moça do caixa. — Vai pagar no débito ou
crédito?
— No débito, por favor.
205

Nicholas passou seu principal cartão e depois do


presente ser embalado e posto numa sacola especial, a
vendedora entregou em suas mãos.
— Obrigado! — ele fez questão de agradecer.
— Obrigada a vocês. Serão muito bem vindos outra vez.
— Agradecemos — disse Austin — Boas vendas!
Ele conduziu Nicholas para fora da loja enquanto
abria um largo sorriso. Pararam mais adiante.
— Posso carregar pra você?
— Ah, não, de boas. Já me serviu demais por hoje e não
quero abusar da sua generosidade.
— Generosidade? — Austin franziu o cenho. — Está
mesmo achando que eu ter saído da minha casa e ter
vindo com você sairia de graça?
Nicholas mordeu os lábios e tirou a carteira do
bolso.
— Quanto?
— Quanto o quê?
— Quanto é o seu trabalho?
— Ah, deixa eu ver — Austin se aproximou dele. — Um
convite para um lanche, pode ser? Mas eu pago!
206

Nicholas abriu um sorriso.


— Você é um idiota.
— Ah, eu sou. Sou um idiota, mas um idiota com
qualidades.
— E qual a sua maior qualidade?
Austin sorriu.
— Prefiro deixar em off. Mas e aí, aceita o meu convite
como forma de pagamento?
— É claro.
— Ué, então vamos lá!
207

— Então a sua mãe te abandonou, foi? — Austin quis


saber.
Tivera arrancando algumas curiosidades sobre
Nicholas sem muito esforço.
— Na verdade — disse ele, comendo um pouco do
sorvete — Meu pai não fala muito dela, entende? Ele
apenas me falou que ela tinha ido embora e,
consequentemente, me deixado com ele.
Austin o olhou. Desejou abraçá-lo naquele momento,
mas resistiu.
— Sente a falta dela?
— Não. Não sinto a ausência daquilo que nunca foi
meu por inteiro.
— Mas, tipo: ela é sua mãe.
— Eu sei. Porém, reatar laços com alguém que me
abandonou é complicado. Não tem perdão,
compreende?
Austin suspirou fundo e levou sua mão sobre o pulso
de Nicholas, massageando-o suavemente, despertando
um medo incalculável de qualquer afeto.
208

— Compreendo e consigo sentir sua dor — ele retirou


a mão e olhou para os lados como se pensasse nas
palavras certas, sem parecer depressivo — Às vezes o
nosso coração é tão frio que custa eras até alguém
chegar e mudar o clima, sabe? A solidão invade a alma e
desintegra o espírito. Acorrenta a felicidade e liberta o
medo, enfim — ele voltou-se para o garoto, sorrindo —
O tempo encarrega-se das feridas enquanto nós
aprendemos a conviver com elas. Sei que… as palavras as
quais disse não tem nada haver com… sua mãe e a
ausência que faz, todavia é sobre…
— Se manter firme e continuar lutando? Ah, entendo
— Nicholas encarou o sorvete derretendo aos poucos
— Tive que reaprender a viver com a premissa de
encontrá-la e com receio de ser, novamente, descartado.
Ocasionalmente, me sinto preso… imaturo e sem forças,
me vejo fraco por investir nela, entende? Isso mesmo
depois de tudo.
Austin queria abraçá-lo, estava disposto a fazer o
que imaginava, mas estarreceu. Se acovardou.
209

— Acho melhor voltarmos. Preciso te deixar em casa,


amanhã é sexta-feira e será um longo dia — anunciou
erguendo-se, puxando uma cédula de cinquenta dólares
e pondo-a debaixo do menu. — Vamos?

O caminho de volta pareceu ser mais curto, todavia


porque a conversa e assuntos mudaram bruscamente e
ambos ansiavam em continuar ligados por toda aquela
noite, porém sabiam que as coisas não eram fáceis.
Austin estacionou o carro frente a mansão dos
Ramsey e destravou a porta.
— Nem sei como te agradecer?
— Ah, não precisa. Nesse passeio pude conhecer você
melhor. Obrigado pela experiência, Nich — Austin o
agradeceu.
Nicholas abriu a porta e o olhou por alguns minutos.
— Nos falamos na escola?
— Hum… mas é claro.
— Não é muito tarde para você se arriscar na rua, não?
210

— Nova Iorque é a cidade que nunca dorme e minha


casa fica a uns sete quarteirões daqui. Porém, obrigado
pela preocupação. Boa noite.
Eles deram as mãos num rápido cumprimento e,
após, Nicholas desceu do carro e ficou parado
observando Austin Moore tomar caminho em direção a
sua casa. Meio minuto depois, entrou na residência e
cruzou os jardins, apanhando a chave de seu bolso e
destrancando a limiar e, em seguida, entrou. Ligou as
luzes e, para sua surpresa, Robert o esperava sentado no
sofá, com um olhar preocupado e deveras tenso.
— Demorou.
— É, eu percebi. Não precisava me esperar, pai.
— Ah, quando você tiver filhos, vai entender minha
preocupação — disse Robert, erguendo-se do sofá e
piscando os olhos para acostumar-se com o clarão. —
Vou deitar e, você, pirralho, faça o mesmo.
— Me espere, vou subir com o senhor.
E, assim, subiram o lance de escadas e chegaram ao
andar de seus quartos, finalmente, repousando-os, ou
ao menos era o que Nicholas queria.
211

A dor insuportável no peito esquerdo e as ferradas


agonizantes ao longo do corpo, o fizeram dormir pouco
e o medo de morrer ali, solitário, o aprisionou desde as
onze e meia da noite até a madrugada, quando o sono o
consumiu e, somente assim, conseguiu descansar. Mas
não demorou até o despertador convidá-lo para sair da
cama e iniciar um novo dia, mesmo contra a vontade.
212

Era sexta-feira de uma manhã fria de setembro.


Nicholas caminhava cabisbaixo com as mãos guardadas
no bolso do blazer escolar enquanto seguia para a
cantina. O refeitório escolar logo fez-se presente e
escolheu sentar numa mesa mais afastada do centro,
chegando bem mais cedo que o de costume. O
movimento estava brando, apenas os empregados da
copa passeavam arrumando as coisas.
Ele ouviu, minutos depois, passos vindo em sua
direção e antes mesmo de virar-se para saber de quem
se tratava, assustou-se com as mãos no cangote.
213

— E aí, cara, tudo bem? — era Jeremy, o bibliotecário.


— Está pronto para atender na biblioteca? — ele
perguntou.
A verdade é que Nicholas havia esquecido
completamente da voluntarização na biblioteca, o
suspiro tenso e o sorriso envergonhado denunciou o
garoto de imediato.
— Você esqueceu, não foi? — Nicholas sacudiu a
cabeça em veemência. — Tudo bem, acontece. Seguro
hoje lá, mas a partir da próxima semana, infelizmente,
terá que cumprir seu currículo escolar.
— Certo, eu vou a partir de segunda. Só precisa me
passar o horário.
— Eles já foram repassados — disse Jeremy, abrindo
um sorriso — A diretora Blanche pediu para enviar no
seu email. Verificou o email escolar?
Nicholas sacolejou o cocuruto.
— Estou tendo uma semana agitada, Jeremy, mas
prometo recompensá-lo — ele alegou— Vou me atentar
aos emails e nos próximos dias, começarei a voluntariar
na biblioteca, certo?
214

Jeremy ergueu-se da cadeira.


— Sei como é a vida de adolescente. Pode ficar
tranquilo, eu confio em você!
— Obrigado, Jeremy.
— De nada. Nos vemos por aí, Ramsey.
Jeremy encaminhou-se para o balcão da cantina
enquanto assimilava toda a densidade criada em sua
volta.
Os alunos começavam a chegar em grupos,
ocupando os assentos vazios. A turma de Austin custou
para chegar. Primeiro observou Guilherme e Erik
conversando, passaram por ele cumprimentando-o e
sentaram ao redor da mesma mesa de sempre. Minutos
depois, avistou Coli, Vincent, Maíra, Amber e Austin.
O coração esfriou, sentiu isso. Enquanto os demais
ocupavam as cadeiras, Austin voltou-se para Nicholas
que estava sozinho. Puxou um tamborete e sentou. O
sorriso continuava ali, singelo e gentil.
— Como está, Ramsey?
— Um pouquinho nervoso!
215

— Ah, se for sobre o segredo de ontem, fica tranquilo,


pô — asseverou, logo depois. — Ele vai morrer comigo.
Prometo!
Um suspiro de alívio pôde ser ouvido.
— Valeu, cara. Cê não existe.
Austin sorriu.
— Quer sentar com a gente?
— Não, obrigado. Não quero sentar junto da Amber.
— Ela é só possessiva, cara. Mas é uma boa pessoa.
Nicholas sentiu uma ferrada no peito esquerdo e
levou as mãos para cima da camisa, fazendo uma careta
péssima.
— Está tudo bem, Ramsey?
Nicholas assentiu.
— Estou sim, só um desconforto.
— Sei! Sabe que pode confiar em mim, certo? Que
pode contar… se quiser… suas dores e dificuldades?
Nicholas evitou dizer no momento. Não sentia-se
preparado, na verdade, desde que descobriu, nunca
esteve. Nem mesmo para contar ou pedir ajuda de
Robert, sabendo que o machucaria.
216

— Não é nada. Foi apenas um desconforto mesmo.


— Beleza, então, mas se quiser se abrir, sabe onde me
encontrar.
Austin levantou da cadeira e voltou para seu grupo,
enquanto Alec deixava um beijo no topo de sua cabeça
e ocupava o assento.
— E aí, garanhão?
— Garanhão?
— Lógico — ele sorriu — É o novo destruidor de
corações da Bernard High School.
— Oh, céus, Alec. Não quero esse título.
— Querer não é poder, irmão. Olha em volta? — Alec
pediu. — Está vendo todos esses olhares? Não são para
mim, e sim destinados a você.
Nicholas sorriu e encarou o rapaz. Nunca percebeu o
quão branco Alec e como a tonalidade de pele
combinava com a pigmentação vermelha de seus lábios.
— Se eu fosse eles, iria preferir você.
— Não seja sensato, amigo.
Alec tirou um envelope pequeno da bolsa e entregou
a ele.
217

— Do que se trata?
— É meu presente de boas vindas — fez uma breve
pausa. — Te inscrevi na Gold Book Biblioteca. E você
ganhou uma coleção de livros… mas precisa escolher…
na verdade eu comprei. Fica nesse endereço aí.
— Hã… e porque não trouxe com você?
— Ah, é… é porque te inscrevi online. Mas é só
apresentar esse envelope à dona ou ao gerente que irão
computar e saber da inscrição. Porém, tem que ser
antes das quatorze horas… eles fecham cedo e esta
promoção de livros é até o horário marcado. Cê vai,
não?
— Não — Alec pulou — Maíra quer dar o próximo
passo na relação, sabe?
Ele esfregou as mãos, ansioso.
— Safado!
— Eu, não? Sou carinhoso. Preciso ir até ela amigo. Cê
viu o Túlio?
— Ainda não chegou, me parece. Ao menos, não aqui.
— Valeu, então. E não esquece, em?!
218

Nicholas assentiu, olhando para aquele envelope em


mãos, imaginando qual seria a próxima baboseira que
Alec havia preparado.

As aulas na sexta-feira eram com tempo reduzido e


todos os alunos, de todas as turmas, já estavam
liberados antes das doze horas. Nicholas caminhava
pelos corredores quando ouviu seu nome ser chamado.
Era Anne, sua colega. Ele parou e esperou por ela, que
sorria como sempre.
219

— Falei de você pro meu pai — dizia ela, recuperando


o fôlego. — Agora ele quer te conhecer. Vai na minha
casa, domingo?
Nicholas analisou todas as possibilidades.
— Vou, mas o almoço ficará para outro dia. Vou me
ausentar amanhã e não sei que horas chego. Passarei na
sua casa à tarde, pode ser?
— É claro, Nicholas. Meu pai vai ficar contente em
vê-lo. Agora preciso ir.
Ela despediu-se com um beijo no rosto de Nicholas
e desapareceu em meio ao aglomerado de alunos. Ele
continuou ali, em pé, até retomar seu caminho.
Já no estacionamento, Nicholas seguiu o trajeto até o
carro, onde seu motorista estava em pé, apenas o
aguardando. Ele se dirigiu a porta do automóvel e abriu
delicadamente.
Nicholas entrou e acomodou-se.
— Direto para sua casa, moço? — perguntou o
motorista.
Nicholas apanhou a sobrecarta da bolsa e analisou
uma outra vez.
220

— Sabe onde fica esse endereço?


Ele entregou o envelope com as coordenadas.
— Ah, sei sim. Fica indo em direção a sua casa, moço.
— Oh, melhor ainda. Preciso buscar uns livros lá.
— Certo.
O motorista ligou a ignição e deu partida, saindo por
aquelas ruas aglomeradas e quase intransponíveis onde
o ser humano coloca milhares de máquinas para rodar
ao mesmo tempo. Foi no sofrimento, mas o motorista
conseguiu pegar um atalho útil e alcançou o endereço
em pouco mais de trinta minutos.
O local tratava-se de uma livraria. Não qualquer
biblioteca. Era enorme, com duas entradas e as paredes,
embora fossem de vidro, pareciam resistentes. Dois
seguranças de fardas pretas estavam parados ao lado
das portas, enquanto crianças e jovens entravam sem
pressa no ambiente. Nicholas desprendeu o cinto da
cintura e destravou a porta, saindo em seguida.
— Pode continuar a viagem. Pego um Uber depois.
Zac, o motorista, cumpriu as ordens.
221

O rapazinho suspirou fundo, caminhando até a porta


e entrou na espaçosa e galante livraria. Tratava-se da
Good Book, uma das mais finíssimas de Nova Iorque,
sempre lotada, servia como um instrumento ritualístico
de diversos jovens dispostos a ganhar o mundo. Era um
local turístico, embora apenas alguns dinamarqueses e
noruegueses passassem por ali.
Dirigiu-se ao balcão de atendimento onde uma moça
loura de sorriso amigável digitava algo no notebook.
— Boa tarde! Tudo bem? Deseja alguma coisa? — ela
perguntou.
Nicholas estendeu o pedaço de papel ao atendente.
— O que é isso, moço? — ela abriu e localizou algo já
descrito, erguendo uma sobrancelha. — Só pode ser
brincadeira, moço? Não existe promoção…
infelizmente, é golpe. E não foi o único?
— Como assim, golpe? Meu amigo me presenteou com
isso.
— Sinto muito, rapaz. Mas não fizemos este tipo de
promoção aqui. E o cartão da nossa biblioteca é
diferente — ela suspirou tensa. — Ali — ela apontou
222

para um corredor de livros — tem um rapaz como você,


ele também veio buscar, mas não havia nada.
Nicholas a olhou seriamente pensando em ligar para
Alec e repassar o calhado, mas fez o que a mulher lhe
pediu. Ele caminhou em direção ao local indicado,
avistando o tal garoto olhando fixamente para uma
pintura pendurada na parede. Usava um blazer preto o
qual terminava abaixo dos joelhos, e com os braços para
trás de seu corpo analisava a arte gigantesca pintada a
óleo. Nicholas semicerrou os olhos. O corpo esguio,
trabalhado, mesmo com toda aquela massa de roupa o
cobrindo, era evidente. Os cabelos recém cortados no
estilo militar e a forma como portava-se lembrava
alguém.
Nicholas estava a dois passos dele quando sentiu o
cheiro familiar pairando sob o ar da atmosfera. Ele
tocou o ombro do rapaz que lentamente virou-se para
sua surpresa ou nem tanto assim, já que suas suposições
ganharam autenticidade.
223

— Liam? O que faz aqui? — Perguntou desconfiado,


enquanto o mais velho espreitava o olhar — Responde:
o que veio fazer aqui?
Liam Clark suspirou fundo. Mostrou o envelope
entre os dedos e Nicholas pegou, abrindo-o e
analisando as diferenças. Havia uma: o nome de ambos.
— Quem lhe deu isso?
Questionou curioso, cruzando os braços a espera de
uma resposta.
— Isso importa?
— Pra mim? É óbvio!
Liam percorreu com a língua por cima dos lábios e
tomou o envelope para si.
— Alec!
— Ah, sim e por que não desconfiei?
— Ora e porque iria desconfiar do seu melhor amigo?
— Amigos não fazem isso. Não tentam colar cacos de
um vaso quebrado, mesmo sabendo que tal tática não
funciona.
224

Liam tentou retrucar a falar do rapaz mas,


obviamente, pensou nas consequências. Então resolveu
ser o mais brando possível no posicionamento.
— Ele tentou… nos ajudar. Não fique zangado com ele.
— Não vou. Apenas irei fingir que nada aconteceu e
pronto. Foda-se!
— Eu errei. As pessoas eram com frequência. Fui
imaturo.
— Foi covarde — Nicholas consertou — Tentou me
seduzir como faz com outras pessoas. Intentou-me com
suas palavras mentirosas de um rapaz bonito somente
para me levar pra cama. No dia seguinte, esqueceria
meu nome. Mal lembraria de como nos conhecemos. Eu
sei tua história Liam.
Era verdade. O rosto de anjo possuía uma alma
sedutora e infernal; seduzia, transava e largava as
pessoas com quem dormia, fora. Sempre foi assim. Mas
com Nicholas, seria diferente. Pretendia ser díspar. Sem
promessas. Sem juras. Apenas dissemelhante. Projetava
mudar. Não do dia para a noite, porém suavemente, sem
forçar nada.
225

Por isso apanhou a mão daquele rapaz e a beijou.


Olhou para o mais profundo daquelas safiras e tentou
controlar o ar e o movimento envolta.
— Eu… quero… pedir seu perdão, Nicholas! Eu errei
tentando acertar. Talvez não sinta verdade em mim, mas
eu o amei desde o dia que o vi. Sou capaz de dar a
minha vida pela sua e isso não é da boca pra fora.
Nicholas se livrou do contato.
— Achou mesmo que iria transar com você naquela
noite?
Liam apertou os olhos.
— Eu… ansiava. Porém, depois me senti imundo. Você
ainda é um adolescente e eu, bem mais velho.
Nicholas ajeitou a mochila nos ombros.
— Eu preciso voltar para casa. A gente conversa outra
hora e…
— Eu vou embora!
— Que?
— Isso mesmo que você ouviu. Vou cair na estrada e dar
um rumo na minha vida. Daqui a um mês.
— Pra onde?
226

— Canadá! Vou estudar música na Universidade de


Québec.
Nicholas estava paralisado.
— Poxa! Que bom. Fico feliz por você!
— Só isso? Não vai sentir a minha falta?
— Liam… por favor.
— Tudo bem, Ramsey. Mas se me pedir para ficar, eu
fico.
— Não vou fazer isso. É a sua vida. É o seu sonho. Sinto
muito. Boa tarde!
Nicholas o deixou ali, pegando o caminho de volta
para a sua casa.
227

A sexta-feira havia finalmente terminado.


Sábado pela manhã, bem cedo, Nicholas desceu as
escadas da casa e seguiu caminho até a sala-de-estar
onde seu pai já estava tomando café. Beijou os tufos do
patriarca e assentou-se numa cadeira, servindo-se.
— Acordou cedo, filhão! Algum encontro em especial?
— Robert perguntou, curioso.
Nicholas fatiou o bolo de cenoura e pôs um pedaço
médio no prato. Garfou uma lasca e saboreou e, após,
respondeu o questionamento.
— Só o aniversário do Túlio, lembra?
Robert ergueu uma sobrancelha e confirmou.
228

— Havia esquecido completamente. Já comprou o


presente?
Nicholas assentiu.
— Sim, comprei. Espero que ele goste.
— Vai gostar sim, filho. E as coisas na escola, como
estão?
— Bem, nada alarmante a confessar. Estou começando
a gostar daqui — a confissão agradou Robert. — Vou
treinar na próxima semana. O Campeonato vai começar
e o professor Elliot quer ver o meu desempenho.
— Oh, isso é bom. Muito bom mesmo. Não voltou a
sentir cansaço, certo?
Nicholas paralisou.
— Não. Estou bem, pai, não precisa se preocupar.
— Eu me preocupo, Nicholas. Sua saúde em primeiro
lugar — ele avisou, em seguida. — Irei levá-lo ao
médico, antes disso, quero ter certeza da sua melhora.
Nicholas sentiu o suor descendo o pescoço, tão frio
quanto a alma a qual pulsava em seu corpo.
229

— Eu vou sozinho e o médico encaminha o resultado


no seu email — tentou camuflar o assunto. — E o
senhor?
Robert esboçou um sorriso.
— O quê tem eu?
— Céus, pai! Não se faça de bobo. A vida amorosa,
como anda?
— Estou apaixonado pelo escritório, amando os papéis
e desejando aumentar nossos lucros.
— Eu não perguntei sobre isso.
Robert suspirou fundo. Nicholas sabia o quão o pai
era bonito para continuar sendo gandula naquela vida
onde tudo jogava ao seu favor. Tivera se tornado um
atleta disciplinado, honrado e verdadeiro, qualquer
mulher de alma nobre e disposta a ser amada, não
arriscaria-se em deixá-lo para trás.
— Estou conhecendo uma pessoa… — começou ele,
envergonhado. — Você vai gostar dela quando a
conhecer, tenho certeza.
Nicholas apertou os lábios e franziu o cenho.
— Qual o nome da sortuda?
230

— Emilly! — respondeu esboçando um sorriso galante.


— Emilly Petrova! É a mulher mais linda do mundo.
— Mais bonita que minha mãe? — Nicholas perguntou.
Robert levou a provocação de Nicholas na
brincadeira.
— Sua mãe é única, assim como a Emilly.
— Okay! Preciso tomar um banho.
— Também precisa cortar esse cabelo. Faz o seguinte:
vamos na área externa, eu mesmo corto!
— Eu amo o seu cabelo assim!
— Você fica lindo com ou sem o cabelo, meu filho.
Deixa de drama e pronto, eu corto!

Nicholas possuía um glosa “divido”, o qual era


caracterizado por um corte, próximo da orelha e um
repicado que deixa o cabelo com um certo movimento.
Robert, porém, queria deixar o filho mais moderno, sem
parecer adulto, como sempre dizia.
231

Com a máquina em mãos, Robert começou pelos


lados, utilizando o pente no um. Quase uma hora
depois, o homem encontrava-se fazendo o acabamento.
Optou por um corte “undercut”, o qual destacou o rosto
anguloso de Nicholas, realçando ainda mais a beleza
facial do rapaz.
— Pronto, trabalho realizado com sucesso! — Robert
lhe deu o espelho nas mãos e Nicholas encarou o
reflexo. Ele parecia um outro cara — Gostou?
— Céus, pai, eu amei! Ficou… perfeito! — Disse
Nicholas, bastante contente.
Robert ainda exibia um sorriso quando,
rapidamente, viu o portão sendo aberto e Alec, vizinho
e filho do seu amigo, aproximou-se analítico.
O garoto olhava Nicholas como se não o
conhecesse, ou pronto para jogar uma enxurrada de
elogios.
— Bom dia, Sr. Ramsey! Tudo bem? — Perguntou o
rapaz. — Abriu uma barbearia, foi?
Robert ergueu uma sobrancelha.
232

— Ah, quem me deras. Fiz um trabalho de cortar o


cabelo do Nicholas. Estava grande.
— Realmente — disse o garoto, fitando o amigo. —
Aquele corte Shaggy deixava ele muito gato e odiava ver
a minha irmã o encarando.
Robert repousou as mãos nos ombros do filho e
sorriu.
— Bom, vou deixá-los sozinho. E, não se preocupe,
filhão, mando a Mel limpar aqui.
— Tranquilo, pai. Eu mesmo limpo. Não precisa levar
mais trabalho para ela.
— Se estiver tudo bem pra você, então…
— Está suave, pai.
Robert deixou o local.
Alec não sabia por onde começar a pedir desculpas
pela infantilidade cometida no dia anterior. Tentar unir
o melhor amigo e o irmão, parecia ser uma tarefa fácil
se tivesse pensado direito, afinal de contas, convivia há
menos de um mês com Nicholas e não cabia a ele tomar
as decisões. Embora o encontro armado tenha sido um
verdadeiro caos dramático, Alec abriu um sorriso e
233

agachou-se perante o loiro, fitando aquelas esmeraldas


lapidadas, as quais brilhavam intensamente.
— Eu sei que me odeia.
— E eu te odeio, por que, exatamente?
— Por ontem. Fui infantil, Nicholas. Fui um péssimo
amigo.
— Foi um ótimo amigo. Se eu descobrisse que meu
irmão iria embora, também faria a mesma coisa ou pior,
apenas para tê-lo junto a mim.
— Mas você não tem irmão.
— Eu tenho você e o compreendo. Mas o Liam quis me
usar, Alec.
— É, ele confessou pra mim. Porém, está arrependido.
— Ele te mandou, não foi?
— Não. Não. Eu vim porque quero que as coisas entre
nós não mude pela besteira de ontem.
Alec se expressava com tanta sinceridade que era
difícil não emocionar-se. As lágrimas que desciam dos
olhos dele, foram essenciais para aquele sorriso de
dentes brancos e perfeitos, surgir nos lábios de
Nicholas.
234

— Às vezes eu queria ser a Maíra, sabe?


— Não ía gostar muito não. Isso eu garanto — o sorriso
malicioso apareceu. — Porém… você já tem o meu amor.
Alec retirou o pano envolta do pescoço de Nicholas
e o deixou sobre um assento.
— Eu sei… é recíproco. E pensar que eu odiei um
padrãozinho interrompendo meu momento quando cê
bateu aqui na porta?
— Céus! Isso é sério?
— Não te enganaria. Mas…
— Mais?
— Mas aí você se mostrou o oposto e comecei a gostar
de verdade da sua pessoa. É incrível como o destino
age, não é? É capaz de unir dois seres num laço tão…
forte.
— É verdade. Porém, nossas almas talvez nem sejam
assim, unidas pelo destino. São apenas as ações. Isso é
fundamental. Você tem caráter, Ramsey e meu irmão
não notou isso, infelizmente.
Nicholas levantou-se, percorrendo a língua por cima
dos lábios, umedecendo-os.
235

— Liam também é uma boa pessoa — Dizia Nicholas.


Ele andou um pouco mais, parando em frente ao rapaz
de beleza surreal encarando-o com os braços cruzados
acima dos peitos — E mega bonito.
— Isso eu não nego. Ele sempre estava descolado, bem
vestido. O popular. Arrasador de corações, mas no
fundo, uma excelente pessoa. Um bom irmão.
Nicholas sorriu. A forma como Alec se referia ao
irmão dava a entender que Liam era um diamante raro
que se perdesse, iria à falência. Bom, na verdade, Alec
pensava dessa forma.
— É, eu percebi — Nicholas guardou as mãos enquanto
pensava. Chutou o ar e olhou para os edifícios
envidraçados que erguiam-se distante. — Sabe, Alec?
Eu queria ter irmãos. Dividir conversas. Jogar videogame;
futebol, essas coisas, compreende?
Alec tocou-lhe o rosto e vislumbrou um resquício de
dor voltando. As íris brilhavam pelas lágrimas que lutou
para não cair, mas a tentativa falhou. Nicholas Ramsey
foi derrotado. Um combate no qual foi golpeado sem
pena. Um golpe fatal.
236

— Já tentou buscar sua mãe por conta própria?


— E trair meu pai? Não! Prefiro a solidão a vê-lo sofrer.
— Mais?
— Como assim, mais? Não compreendo!
— Sei que está doente!
— Doente? Quem te falou?
A voz um tanto alterada fez Alec assustar-se. Ele
erigiu as mãos em rendição, afastando-se dois passos
atrás.
— Não devia me intrometer. Perdão. Eu… preciso ir.
Disse gaguejando.
Nicholas engoliu em seco. Nunca falou sobre a
doença com ninguém mais além do médico ou da
psicóloga e os dois profissionais, em nem um momento,
passaria as conversas e a terceiros. Todavia, o menino
louro de lábios a embranquecer, esboçou uma tímida
cortesia.
— Sem problemas, Alec. Mas eu não estou doente. De
onde tirou isso?
Alec estarreceu.
237

— Ninguém! É que, após falarmos que o Gustavo


Mackenzie era soropositivo. Cê agiu… mal, aí desconfiei.
Nicholas gargalhou tão alto que podia jurar que a
maioria dos vizinhos tinha escutado.
— Não sou! Nem vida sexual ativa eu tenho.
— Cê nunca…?
Alec perguntou, fazendo um gesto obsceno que
levou Nicholas a uma nova crise de risos.
— Não, eu ainda não transei se quer saber. Porém, pra
mim é normal, sabe? Também não tenho pressa! Quero
que seja especial.
— Especial? Ora, será… quando encontrar a pessoa
certa.
— E se a pessoa certa não existir?
— Existe! Pode crer. Logo chegaremos à marca de oito
bilhões de seres humanos vivos. Não creio que no meio
de tanta gente, não tenha alguém lhe esperando — ele
voltou a se aproximar do amigo. — Talvez ainda não
consiga enxergá-lo, mas… ele deve estar mais perto do
que imagina.
238

A forma suave como Alec se pronunciava fez um


aperto gigantesco rondar o coração debilitado de
Nicholas que apenas abaixou a cabeça e encarou o chão
enquanto voltava para conferir as palavras ditas pelo
garoto.
— Está falando do Liam?
— Não! Talvez, quem sabe?! Mas ele te ama.
— Mas não soube esperar. Me beijou na tarde e a noite
já queria transar comigo.
— Ele errou. Será que não pode desbloqueá-lo? Voltar a
conversar com ele, pelo menos?
Nicholas repousou as mãos na altura da cintura e
expirou.
— Consigo, mas ele vai ter que esperar.
— Já é um sinal! — asseverou, sorrindo. — Não vai me
chamar para entrar, moço?
— Céus! Vamos.
Nicholas deu um espaço e Alec adentrou, sorridente.
239

— Seu quarto é sofisticado — Elogiou Alec, analítico.


Foi até a estante e ergueu uma sobrancelha, virando-se
para encarar o amigo enxugando os cabelos recém
cortados. — Quantos livros você tem?
Nicholas abriu um sorriso.
— Trezentos e dois.
— Tudo isso?
— É… tudo isso!
Alec puxou a poltrona e sentou, aguardando o amigo
terminar de se arrumar.
— Tem playstation?
— Não, mas tenho Netflix, HBO, Star Play. Topa?
240

— Só se assistirmos The Rain. É uma série legal, apesar


do final.
— É uma maratona de quantas temporadas?
— Três. Topa?
Nicholas vestiu uma camiseta e se jogou sobre a
cama, sorrindo.
— Estou pronto! Espero que a série não seja chata.
Porém, não vamos maratonar. Teremos de ir com calma,
certo?
— Só… três episódios… tenho que ir em casa almoçar.
— Que isso!? Chega aí… você almoça conosco.
— Seu pai não vai se importar?
— Meu pai gosta de você. É filho do amigo dele. Jamais
ficaria irritado. Vou lá embaixo dizer a Melinda para
colocar mais prato na mesa. Quanto a você, escolhe a
série. Volto já!
Nicholas ergueu-se da cama e caminhou para fora do
quarto, indo em direção à sala-de-estar e, após, à
cozinha.
Melinda encontrava-se cortando os legumes quando
percebeu o rapazinho chegando. Ela apertou os olhos
241

na intenção de vislumbrá-lo melhor, o corte de cabelo


valorizou bastante a beleza de Nicholas que, o garoto,
parecia ter ganho mais dois anos.
— Está diferente! — Disse ela, suavemente — Meu
garoto cresceu.
— Dois centímetros este ano. Mas ainda assim, sou o
mais baixo da minha turma.
— Só que o mais lindo.
— Não sei!
Sorriu.
— Deseja alguma coisa, querido?
— Ah, sim! O Alec vai almoçar conosco. Pode pôr mais
um prato na mesa?
— É claro!
— Obrigado, Mel. Vou subir. Vamos maratonar The
Rain. Segundo ele, é uma boa série.
Ele voltou ao aposento e quando abriu a porta,
percebeu Alec deitado, sem camisa, com as mãos
apoiando a cabeça enquanto esperava o amigo chegar.
Notou os músculos dos braços; não eram enormes e
selvagens como Liam, mas palpáveis a qualquer
242

situação. O shape em dia lhe tirou da realidade e só


voltou a ela quando um travesseiro lhe foi atirado e
apesar de suave, fingiu dor. Aproximou-se da cama e
sentou na beirada.
— Estava em qual planeta?
— Que?
— Em qual planeta você estava, garoto? Entrou e ficou
parado, me olhando?
— Não! Não estava te… olhando.
— Hã, sei. Pensei que estivesse. Todavia — encerrou o
assunto — Deite-se aqui… vamos começar a nossa…
maratona.
Nicholas foi deitando calmamente sobre o colchão,
mas o cheiro de Alec penetrava suas narinas de forma
avassaladora que era difícil focar no que ele dizia.
Por fim, a série iniciou. De antemão, foi mistério e
suspense com uma grande carga de drama. Quanto o
primeiro episódio chegou ao final, Alec continuava com
os olhos compenetrados na televisão enquanto
aguardava o próximo capítulo.
— O que achou?
243

— Triste!
— Por que?
— Porque eles perderam a mãe e o pai saiu e não voltou
mais?
— Sinto muito… eu deveria ter escolhido outra.
— Tudo bem! Não fez por mal. Pelo menos o Rasmus
tem a Simone.
Alec encarou a solidão estampada na face do garoto
e não hesitou em desligar a tevê. Incrédulo, Nicholas o
olhou, desviando o olhar para a janela a qual sacudia
com o toque sutil do vento, quase como uma dança.
— Por que desligou?
— A série mexe com o teu emocional.
— Mas você parecia contente em revê-la.
— É, tem razão — Alec deixou a cama, ficando de pé
rente ao amigo. — Mas prefiro assistir você. Não quero
deixá-lo triste. Sua mãe, apesar de ter lhe deixado, é
muito importante, eu sei… então, vamos apenas
conversar.
Nicholas sentou-se sobre o móvel e sorriu.
— Você não existe, cara. Mas nem assunto eu tenho!
244

— Que tal o safado me contar o que foi fazer noite


passada com o Austin? — Ele perguntou, voltando a
cruzar os braços — Não negue. Eu estava acordando
quando vi o carro dele parar aqui, frente a sua casa.
Nicholas estava enquadrado.
— Tá com ciúmes do seu amigo?
— Hum… não. Estou tranquilo em relação a isso.
— Por que?
— Austin é meu amigo. Ele é uma boa pessoa, apesar
de parecer incrivelmente babaca.
— Mas ele é um idiota!
— Eu sei! Porém, é um idiota bonito…
— E cisgênero!
— Será que ele se identifica mesmo?
Foi uma pergunta pacóvia.
— Sobre isso, nada a declarar.
Nicholas deixou a cama e foi até o espelho.
— O Austin é bem na dele, sabe? Todavia, beijar a
Amber em público e publicar stories com ela, é raro.
— Talvez queiram assim…
245

— Não… não — foi contraditório ao opinar — Amber


Johnson é esperta demais. Faria qualquer coisa só para
tê-lo. Isso é visível! E quando eu digo “qualquer coisa”, é
qualquer coisa mesmo! Tanto de bondade, quanto de
ruindade.
Nicholas respirou fundo, voltando a processar as
suspeitas infindáveis por parte de Alec.
— Acha que ele está sendo manipulado?
— Não. Austin é esperto demais para ser manipulado.
É… algo além — Nicholas o viu aproximando — É algo
sobre você!
— Eu?
— Sim, você! Talvez ele queira esconder algum
sentimento.
— Não, Alec, pare.
Ele se virou, encarando o rapaz.
— É sério, Nicholas. Amber pode ter descoberto a
verdadeira sexualidade de Austin e usado isso para
benefício próprio.
— Mas acabou de dizer que ele é imanipulável!
246

— Sim, falei. Mas manipulação é uma coisa e pressão,


chantagem, é o oposto.
Nicholas suspirou fundo.
— É coisa da sua cabeça. É melhor a gente descer e
almoçar. Tá bom?
Alec assentiu descontente.

Os dois rapazes voltaram para a sala-de-estar onde


Robert, pai de Nicholas, aguardava por eles para
começar a se servir. Seria uma conversa bastante
especial, ele prometeu, então por isso não deixava de
ser notável a inusitada e estranha tensão que pairava na
atmosfera. O próprio empresário, dono do pesadelo que
atormentara a quase tarde de Nicholas, se servia à sua
esquerda, ao som do ruído e tilintar da louça.
Robert esboçou um sorriso ao vê-los. Alec possuía
uma beleza tão magnífica que era impossível não parar
para observar. Não que aquele corte de cabelo baixo nas
laterais e alto em cima não desse ao garoto um ar
247

galante, talvez fosse que o rosto que, que embora


perfeitamente delineado, com ângulos quase quadrado,
não combinasse bem com a solitude esbravejante que o
rapaz detinha. Robert, embora tenha se retido, parou
ali. Deu um longo suspiro que nem mesmo o ranger da
cadeira ao ser arrastada por Nicholas foi o bastante a
fim de dissipá-lo. Alec, no entanto, manteve-se firme.
Um moreno despretensioso, pareciam tolos os esforços
que o empresário emitiu em vão para causar retidão no
rapaz, em vão. Robert Ramsey o conhecia desde muito
pequeno, da época crucial para seu desenvolvimento
como um homem de sucesso; e ver Alec Clark já
crescido o deixava contente, pois parecia ser um bom
rapaz, como seu pai e seu avô foram e continuam sendo.
Todavia, assuntos desnecessários não faziam parte da
rotina estressante do Sr. Ramsey. Pôr um sorriso no
rosto e seguir em frente costumou-se ser um rito e, que
bom, conseguia muito bem lidar com as invertidas do
destino. Ele, no entanto, sabia que estava se tornando
uma pessoa doente, chegando a ser possessivo em
relação a seu único filho. Cada dia mais. A dor que
248

antes reinava em sua alma desde o sumiço de sua


esposa, agora se encontrava sobre sua cabeça, como
uma tenebrosa nuvem, procurando desprazer sempre
que o via. A mãe de Nicholas era esse vetusto cada vez
mais próximo. Uma ferra obsessiva em busca de uma
presa. Robert logo enlouqueceria. Perder o filho seria
um desprazer.
— Irão juntos à festa? — resolveu perguntar. Queria
entreter no assunto de adolescentes e jovens cheios de
vitalidade, como era nos tempos de escola. — Quero
dizer: na mesma companhia?
Os moços trocaram olhares de cumplicidade.
— Não, Robert! — quem respondeu foi Alec. — Vou
com meu irmão, pois o Nich decidiu ir sozinho ao
aniversário.
— Sozinho?
— O motorista vai me levar, pai. Não se preocupe.
— Já estou preocupado.
— Mas não fique. Sei me virar.
— Disso eu sei, filho. Alec? Você fica de olho nele por
mim?
249

Alec ergueu o queixo e assentiu.


— Posso ficar com os dois olhos nele sem problema
algum — garantiu o garoto — Porém, Sr. Ramsey, sei
que o Nicholas sabe se defender. Esta é a melhor
qualidade nele.
As palavras ditas por Alec foram um santo remédio
para a ansiedade de Robert Ramsey.
— Que bom! Então vamos comer.
De comida havia frango a milanesa.
Eles conversaram durante o almoço e para brindar o
próximo capítulo de suas vidas, Robert abriu um bom
vinho italiano e serviu-o em uma taça para os meninos,
que ficaram felizes em provar o famoso gosto de Robert
Ramsey pelas alegrias da vida. Até que um tema
inusitado, baseado na imaginação fértil de Alec,
envolveu os terrenos da mansão com um ar impuro e
verdadeiramente mortal.
— Sr. Robert?
— Diga, Alec!
— Posso lhe fazer uma pergunta um tanto proposital?
250

Nicholas mais ou menos sabia do que se tratava, mas


qualquer gesto em direção ao amigo seria visto pelo pai
como um assunto já discutido entre ambos e tudo que
Nicholas Ramsey não desejava no momento, era ter uma
nova briga com seu pai. Deixou a questão e os dilemas
como o amigo e onde tinha que se envolver, se
envolveria.
— Na sua época tinha muitos gays na escola?
A garganta de Nicholas ficou seca. Robert
conseguiu dar um sorriso tímido enquanto vasculhava
sua memória. Quando ele era estudante, as pessoas não
eram tão determinadas quanto hoje, então encontrar
casais do mesmo sexo era uma tarefa difícil.
— Se sim, disfarçaram muito bem! Os tempos eram
outros, Alec, e desde então, apesar do progresso, das
leis e da liberdade, muitos são e não o demonstram.
Sexualidade é um assunto complicado, rapaz.
Ainda com a resposta, o garoto continuou e desta
vez foi mais profundo nos questionamentos.
— E se por um acaso, Nicholas fosse gay, como o
senhor como pai e ele sendo seu único filho, iria reagir?
251

Robert paralisou. Olhou para Nicholas e abriu um


sorriso.
— Ele é meu filho. Eu não chutaria ele para fora de casa
por causa de sua sexualidade, Alec. Eu ainda o amaria,
assim como Bruce ama o Liam. Filhos são como pedras
preciosas e o Nicholas é uma jóia valiosa para mim do
que qualquer tesouro.
O coração pareceu bater mais calmo. Nicholas
adorava aquele homem, pois o colocava sempre em
primeiro lugar, antes mesmo da orientação sexual ou
qualquer problema da fase conturbada que era a
adolescência.
— Nesse caso, lidaria bem com a sexualidade dele?
— Sem nenhum problema — os olhos agora estavam
repousados sobre Nicholas — Tem algo a me falar,
filho?
Por mais que a posição de Robert fosse confortável
em relação ao assunto, Nicholas não desejava ver o pai
chorando pelos cantos.
— Nada, pai. Alec deve ter me usado como referência,
no momento, não é mesmo, Alec?
252

— Sim, sim.
— Bom, dessa forma, vou me recolher. Tenho um
encontro mais tarde. Até mais, Alec.
— Até, Sr. Ramsey.
Ao deixar a sala-de-estar, Robert seguiu para o quarto
enquanto Nicholas encarava o amigo com desconfiança
no olhar.
— Que foi?
— Nada, só pensei que fosse me entregar.
— Eu dei a oportunidade de você contar a ele,
Nicholas.
— Eu sei. Só quero que as coisas sejam no meu tempo,
certo?
— Tudo bem, não vou me envolver mais.
253

Finalmente a noite chegou. Nicholas já estava no


quarto se arrumando. Desta vez optou por algo mais
luxuoso, ainda que gótico. Sua cor preferida era o preto,
que usava estampado em uma camisa de malha com
mangas e uma jaqueta de couro que terminava nos
ombros. Para cobrir as pernas, escolheu uma calça jeans
escura com rasgo na altura dos joelhos, bem rente ao
corpo. E, por último, ele puxou um boné de beisebol
cinza sobre a cabeça e sorriu.
Dentes brancos alinhados. O cabelo curto estava em
estoque e a pele branca fumegante bem cuidada.
Ele ouviu a porta abrir e o reflexo de Robert Ramsey
se desenhar no espelho, então ele olhou para o chão de
254

ladrilhos brancos, pois sabia que os sermões viriam


implacavelmente e a enxurrada de precauções
barulhentas à tona.
— Você cresceu — disse Robert, emocionado, tentando
conter as lágrimas. — Não é mais aquele garoto
assustado e tímido que chorava pelos cantos. Agora é
um homem completo, educado e sábio. Sua sabedoria é
extrema, mas a bondade, bom, esta é seriamente a mais
grandiosa de todas. Não deixe ninguém abusar dela,
filho.
Nicholas ergueu o queixo e sorriu sem mostrar os
dentes antes de voltar a fitar-se no espelho e observar o
pai a alguns passos dele, ainda com as mãos guardadas
nos bolsos da camisa moletom.
— Você queria me ver sendo criança, adolescente, para
sempre?
— Uma geração, talvez! É o meu único filho, Nicholas.
A minha primazia é você, dependendo da idade vai
continuar sendo prioridade.
Nicholas estalou a língua e suspirou fundo, sorrindo
em seguida.
255

— Que bom ! Parece que temos coisas em comum.


— O quê?
— Prioridade.
Robert buscou conforto na poltrona estofada perto
da janela do quarto, apoiou a perna direita na esquerda
e deixou o silêncio reinar.
— Eu a encontrei.
— Quem?
— Sua mãe!
Nicholas sentiu ainda mais desconforto no peito.
Uma dor que atravessou sua alma e penetrou
violentamente em suas entranhas. Um filme passou pela
sua cabeça. Uma cena incrivelmente imperfeita aliada
ao fato de que ela voltara. Queria que as coisas
continuassem como estavam, quietas e no devido lugar.
Gostaria que aquela confissão jamais tivesse saído da
boca de seu pai. Desejava que fosse apenas uma
inverdade. Porém, não era.
— Onde e quando?
Robert ergueu-se.
— Há quatro dias. Ela me procurou na empresa.
256

Lágrimas rolaram pelo rosto de Nicholas, perdido


em memórias e saudades. Mas ele não deixou que isso o
derrubasse. Ele rapidamente secou-as sem que seu pai
percebesse.
— Ela perguntou sobre mim?
Robert negou com a cabeça.
— Não!
Ele olhou atordoado como se estivesse procurando
algo.
— Que bom então, né?
— Nicholas?
— Chega, pai. Não vou deixar uma mulher que não
conheço estragar minha noite, minha vida.
— Nicholas?
— Chega! Eu cansei disso. Prefiro ela à distância, sem
contato comigo.
Ele arrumou rapidamente o cabelo antes de pôr o
boné novamente. Encarou o homem à sua frente e
sorriu.
— Obrigado por ter me contado.
257

— Não precisa agradecer, filhão — ele disse


massageando as mãos. — Vai voltar para casa?
— Não sei — sussurrou. — Ligo para avisar. Eu preciso
ir.
Nicholas foi até a porta, mas antes de sair ouviu a
voz de seu pai.
— Filho?
— Sim, Pai!
— O presente de seu amigo.
— Oh sim. Eu esqueci completamente.
Ele pegou a sacola e conseguiu dar um sorriso triste.
— Eu amo você pai.
— Eu mais meu príncipe. Avise-me quando chegar.
— Aviso sim.
Nicholas abraçou Robert com toda a força de seu
corpo antes de sair do quarto, da mansão e seguir em
direção a casa de Túlio que não era tão longe assim. Ele
seguiu a pé tentando raciocinar e tentar derramar todas
as lágrimas, afinal ele tinha uma mãe que mal conhecia
o rosto se não fossem as fotos as quais ainda mantinha
guardadas.
258

O café esfriou horas atrás. Unhas batiam na mesa de


vidro e o silêncio usurpador, incomum nessa família,
aumentava a cada minuto.
Scott Manson estava digitando documentos
importantes em seu laptop enquanto Damon se
arrumava em seu quarto. Quando voltou para a sala
percebeu que sua mãe estava cansada com lágrimas
rolando de seus olhos e tocando o vitral.
— A senhora está bem, mãe? — Ele perguntou,
abotoando a camisa — Está há dias com uma cara
horrível.
A mulher abriu um sorriso e assentiu.
— Sim, estou! Só uma cólica, filho. E você vai aonde?
Damon suspirou fundo e olhou ao redor.
— Vou numa festinha. Sabe o Théo?
— Sei sim. O que tem ele?
— O irmão dele, o Túlio, vai comemorar o aniversário
hoje e me convidou para a festa!
259

— Cuidado, Damon, por favor.


— Eu vou, mamãe, e por favor, tome um banho, se
arrume e saia um pouco com o papai, ou as coisas vão
piorar aqui dentro.
— Por que você diz isso?
— Porque eu sei, mãe. Seu filho não virá do além para
te libertar dessa prisão que você mesma criou e
aprisionou. Andrich está morto, seu... amante já
confirmou isso.
Beatrice engoliu em seco.
— Meu coração de mãe diz o contrário. Ele não
acredita nessa história.
— Então ele crê no que, dona Beatrice?
— Que meu filho está vivo e mais cedo ou mais tarde
vou encontrá-lo. Nicholas era saudável, Damon. Ele era
um bebê forte, lindo... Posso até imaginar como ele está
agora. Ele deve se parecer muito com você, meu amor.
Um loiro de olhos azuis de causar inveja aos céus.
Damon conseguiu dar um sorriso.
— Eu gostaria de ter um irmão. Não que a Maisa não
seja uma ótima com os conselhos dela, mas eu queria
260

alguém pra dividir minhas coisas de homem, sabe? —


Ele analisou o relógio de pulso e mordeu o lábio — Vou
indo, mãe. Mas pense no que disse a você, certo?
Tchau!
— Tchau meu amor.
Ele foi até a sala, beijou o pai na bochecha e
tirando-o da realidade a qual se apegou.
— Você já vai sair, Damon?
— Sim. Mas estarei em casa antes do amanhecer. Cuide
dela para mim se não quiser fazer isso por você.
Scott concordou com a cabeça. Damon deixou o
apartamento do inwood, deixando seus pais para trás
com incerteza em seus olhos. Observando atentamente
os movimentos de Beatrice, suspirou profundamente e
aproximou-se dela, ainda analisando os traços pálidos
de sua esposa, com quem já não compartilhava noites,
problemas, muito menos desejos.
Eles estavam presos numa redoma, à mercê de suas
ilusões, trabalho e lutas. O casamento desmoronava a
cada dia e o filho cada vez mais solitário, mesmo que
não demonstrasse.
261

Scott sentou-se à sua frente e soltou um suspiro


profundo, dissipando indesejado silêncio estagnado no
ar da atmosfera, este por sua vez poluído.
— Você espera encontrar seu filho com vida, não é?
Ela simplesmente ergueu o queixo e confirmou.
— Me arrependo de tê-lo deixado. Nicholas, se ainda
estiver vivo, me odeia.
— E se ele não tiver…
— Ele está. Eu consigo sentir, Scott. Errei com você,
com o Damon e, principalmente, com a Maisa. Errei em
tê-la trazido e deixado o Nicholas com o Robert —
disse ela, ao se levantar — Não vou descansar direito
enquanto a dúvida e minha razão estiver me fazendo ter
pesadelos horríveis toda a noite. Amanhã à tarde vou
procurar o Robert e se encontrar meu filho, trago-o
comigo. Juro.
Ela foi até a pia e ele a seguiu.
— E se Robert estiver realmente dizendo a verdade que
seu filho está morto?
262

Beatrice olhou para ele e não sabia o que responder.


Havia inúmeras maneiras de se decepcionar e essa era a
pior de todas.

A casa da família de Túlio logo foi avistada. Havia


uma concentração gigantesca de carros do lado de fora
e uma movimentação muito agitada de estudantes e
universitários no entorno, afinal Túlio e seus três
irmãos conheciam muita gente e seus amigos mais
ainda. Havia um segurança de plantão no portão de
entrada e a pulseira neon teve que ser mostrada, pois
era um convite para entrar na festa pós-aniversário.
A música eletrônica penetrou seus ouvidos irreais.
O som não era muito alto porque eles moravam em um
condomínio e havia certas regras sobre morar junto. Por
tudo isso, muitos vizinhos compareceram. Junto com
Robert Ramsey, o pai de Túlio foi sócio fundador da
RBJG Engenharia e também dono do segundo maior
banco privado dos Estados Unidos, o BANK SEATTLE,
263

que gerava bilhões em receita anual. Ele era acionista


de um escritório de advocacia de propriedade de seu
filho mais velho, Zaki, e de sua segunda filha, Jayde. Por
fim, Paul Trabelsi, como sempre quis ser, manteve-se
entre os homens mais poderosos do mundo e no topo
da lista dos trilionários em breve. O plano para isso
seria estabelecer uma sociedade que explorasse o
espaço, ou uma sociedade capaz de restaurar a natureza
humana por meio da ciência, um plano ambicioso que
lhe custaria caro.
Não demorou muito para encontrar o homem ao lado
do palco cumprimentando os convidados e sorrindo de
orelha a orelha. Paul Trabelsi era negro-puro, baixo, não
muito gordo, com cabelos crespos cortados curtos. Ele
estava vestindo um terno escuro e segurando os braços
de Ellie, sua esposa, uma mulher adorável com uma
sabedoria extravagante que assim como Paul, era
descendente de africanos e orgulhosa de suas raízes
onde quer que fosse. Uma mulher negra camaronesa
com sua própria cultura e identidade. Ao seu junco
estavam seus três filhos: Zaki, o mais velho, que está
264

chegando aos vinte e nove anos, e Jayde, com vinte e


quatro. Túlio não se afastou muito da família,
conversava com Austin e sorria com as piadas de Liam,
ali próximo deles.
Nicholas Harrison Ramsey, perdido em meio a tanta
gente, mal sabia por onde começar, então decidiu ir
pelo lado mais prático em sua opinião, que era ir até a
família do aniversariante bater um papo e elogiar a
decoração da festa e a música que nem combinava com
seu estilo, mas estava perfeita lá fora, principalmente
unindo aquela enorme piscina de borda infinita no
meio do jardim. Nicholas suspirou profundamente e
continuou seu caminho. Quando ele chegou na frente
de Trabelsi, ele engoliu em seco e se endireitou,
pigarreou, e Ellie Trabelsi, a elegância em pessoa,
sorriu para ele. Grandes dentes brancos eram visíveis
que qualquer nova-iorquino invejaria. Liam, Austin e
Túlio mal perceberam a aproximação do menino, talvez
não o tenham reconhecido por causa do corte de cabelo
adaptado há menos de um dia. Ainda assim, ele preferiu
seguir primeiro o seu instinto.
265

— Qual sua graça? — Ellie Trabelsi perguntou. Usava


um vestido branco com detalhes africanos, além de
tranças no cabelo e colares charmosos no pescoço,
advindo de sua cultura.
Nicholas estendeu a mão.
— Nicholas Andrich. Sou o filho de Robert Ramsey.
Ao ouvir o sobrenome do amigo, Paul Trabelsi
esticou o pescoço e observou o garoto
— Meu pai não pôde comparecer, porém estou a
representá-lo.
Paul Trabelsi endireitou-se e pôs os óculos para
poder enxergar melhor e quando sua visão aguçada por
aquele objeto lhe deu o reflexo do rapaz, um sorriso
costurou-se em seus lábios carnudos.
— Então é você o famoso Nicholas? Filho do Robert?
— Sou filho do Robert, mas não sou famoso.
Paul Trabelsi abriu um sorriso, cumprimentando o
garoto.
— Finalmente nos conhecemos — ele chamou seus
dois filhos. Quando compareceram diante dos pais, Paul
os apresentou. — Nicholas, estes são Zaki e Jayde, meus
266

filhos. Zaki e Jayde, este é Nicholas Ramsey, filho do


Robert Ramsey, meu sócio.
Ellie estava muito feliz, pois Nicholas é exatamente
como na foto, só que mais bonito pessoalmente, com
uma sensação de leveza única, sem postura mecânica,
tudo natural. Sem mais nem menos, ele abraçou Zaki e
deu dois beijos na bochecha de Jayde Trabelsi.
— É um prazer. Sua casa e sua família são belíssimas,
Sr. Trabelsi.
— Oh, apenas Paul, por favor, meu garoto. E obrigado
pelo elogio.
— Nada, sou eu quem agradeço o convite por parte de
seu filho. Foi muito gentil.
Paul Trabelsi cumprimentou-o uma última vez,
depois disse que tinha um assunto urgente a tratar com
Aegon Berardelli, figura importante que dominava a
bolsa, e desde então será útil pensar nele. Ellie o
seguiu, assim como Zaki e Jayde, e logo Nicholas se viu
sozinho entre tantas pessoas novamente, e dessa vez,
era inevitável escapar de duas pessoas que ele queria
manter distância naquela noite: Austin e Liam. Não
267

havia como fugir, porém Tullio o viu e o chamou para


seu lado.
Contando os passos, Nicholas chegou até os
rapazes. Ele sorriu e cumprimentou os meninos que o
olharam analiticamente, como se o quisessem. Os
olhares curiosos tornaram-se maliciosos, Túlio Trabelsi
notou o desconforto nos movimentos de Nicholas, e
quebrou em um segundo a fria parede erguida pelos
amigos.
— Isso é para mim?
Túlio perguntou, apontando para a sacola de
presente na mão de Nicholas.
— Oh sim. Espero que você goste. Austin me ajudou a
fazer a escolha — Liam torceu o nariz para o lado,
tentando controlar o ciúme — Eu quero que você use
também.
— Ah, mas com certeza! — garantiu o menino —
Austin? Você me segue até o quarto?
— Sim, eu te acompanho!
Nicholas amaldiçoou a ambos. Isso só o deixou mais
certo de que Liam estava à espreita, e ele tinha certeza
268

de que não sabia se manteria a pose ou pousaria nos


lábios do jovem para sempre. Enquanto Túlio e Austin
desapareciam na multidão, Liam se aproximava dele
como se não quisesse nada e esboçou um sorriso
perfeito emoldurando aqueles lábios avermelhados.
— Precisamos conversar agora!
Não parecia uma pergunta, ou um simples desejo de
resolver os problemas de forma civilizada, mas sim uma
ordem que deveria ser acatada imediatamente e sem
objeções. Nicholas viu-o dobrar o corpo e caminhar até
os fundos da mansão e, com o coração fraco batendo de
ansiedade, percebeu que era um bom momento para
acabar com tudo de uma vez.
Nicholas o seguia à distância, sem despertar
interesse em ninguém, nem curiosidade nos amigos
mais próximos, pois não fazia ideia de que a partir dali
sua vida começaria a ser destruída da noite para o dia.
269

Era uma velha garagem. Vários itens sem uso, além de


bicicletas, skates e roupas em caixas prontas para
doação, se acumulavam em diferentes partes. Mas nas
paredes carcomidas, duas pinturas africanas retratando
a vida sofrida da África, guerreiros e uma cultura
imposta à força pela elite branca, estavam penduradas
ao lado de uma única janela trancada por dentro.
Nicholas tentou controlar a respiração, mas podia
jurar que Liam podia ouvir a irregularidade dos
choques elétricos mesmo à distância e acima do
barulho lá fora, especialmente quando o garoto
incrivelmente bonito tirou o boné da cabeça e olhou em
volta como se procurasse por alguém. Alguma coisa
270

valiosa, e quando encontrou os objetos de valor


inestimável, encarando-o de frente, foi como se o sol
tivesse sumido, e entre tantas loucuras e desprazeres
que já havia experimentado, vislumbrou uma vida entre
a morte e a extrema solidão que teimava em fazer-se
presente.
Liam aproximou-se dele. Sorria lentamente
enquanto um mar de terror e ventos furiosos
fantasiados em suas mentes ousavam a atrapalhar o
momento formado entre eles. O rapaz segurou as
delicadas mãos e tentou ser o mais cordial possível.
Seria uma luta da qual sempre quis manter distância,
porém o ímã de Nicholas o trazia para mais perto, para
o pecado e que bom, gostava daquele prazer.
— Você me odeia e evita e com toda razão — disse
Liam, lamentando — Quando o vi pela primeira vez
naquele estacionamento da escola do Alec eu percebi
que as coisas seriam diferentes, entende? Eu
compreendi que se me aproximasse de você, eu o teria
por uma noite.
271

Nicholas se livrou do contato dele. Seu coração não


aguentava ouvir tantas verdades de uma só vez. Suspirou
fundo e balançou a cabeça encarando o chão.
— Um objeto? Eu seria uma merda de um brinquedo
por uma noite, Liam?
A verdade doía. Nicholas a sentia queimando sua
pele e era a pior sensação já sentida, embora sua mãe
ainda ocupasse a primeira posição de pior decepção já
sofrida.
— Sim. Eu o queria por uma noite. Desejava estar com
você por um momento, até eu perceber que meu
coração começava a contrariar minha cabeça e te
escolher. Não de forma passageira, mas para a vida.
— Eu não acredito nisso!
— Nem eu — ele retorquiu, rindo de nervoso — As
piores batalhas são aquelas criadas por nós e derrotadas
por nós. Não existe um inimigo escondido à espreita,
apenas… nós, entende? Eu fui o vilão e mereço seu
desprezo, ódio e quem sabe, a morte como pagamento.
Nicholas era humano demais para querer isso..
272

— Não desejo o seu mal, porque nas piores


circunstâncias, Liam, eu gosto de você. E parar de
desgostar será impossível, pois apesar de ser
extremamente idiota, é uma boa pessoa tirando a
obsessividade e o caráter mucho pelas ações.
Ele conseguiu sorrir.
— Então você me perdoa por tudo?
Nicholas suspirou fundo e o olhou mais uma vez.
Liam não era um cara ruim, tinha suas particularidades,
mas era do bem. Falhou algumas vezes e ainda assim, se
retratou com todos.
— Eu o perdoo. Mas se voltar a falhar comigo, nunca
mais olho na sua cara.
— Obrigado, Nich. Você é… único.
Houve um silêncio. A música lá fora parou e tudo
caiu noutra dimensão. Então Liam se aproximou dele,
roubando-lhe o ar e deixando-o mais pesado.
— Eu não quero agora.
— Tudo bem. Não vou insistir, Nicholas. Sua amizade é
importante para mim, ainda que meu corpo queira você
completamente.
273

Nicholas correu com a língua por cima dos lábios


enquanto pensava à distância.
— Talvez… — ele pausou a voz — Talvez a gente… sei
lá… só se beije.
Era o que Liam mais desejava no momento. Apoiar
seus lábios naqueles sensíveis e saborosos e tê -los
presos aos seus enquanto o dia fosse dia e a noite,
noite. Sem forçar, sem restringir. Queria a liberdade
sobre tudo. Então o beijou. Foi um beijo calmo e
surreal, unido à essência e ao prazer; um beijo cheio de
promessas e resquícios de amabilidade. Havia sutileza,
devassidão, uma união perfeita de pecado e
arrependimento, embora ambos não demonstrassem.
— Acho melhor pararmos por aqui — disse Nicholas,
se afastando dos lábios de Liam. — Espero que me
compreenda!
E compreendia. Liam sabiam que ninguém estava
preparado, principalmente Nicholas. O garoto
disfarçava muito bem o tesão e embora gostasse de
sentir toda a energia viçosa escalada do corpo do mais
274

velho, preferia deixar invisível o desejo de tê-lo por


agora.
— Então, podemos voltar para a festa?
Liam revirou os olhos, pois gostaria de ficar um
pouco mais, todavia, acatou a ideia. Ele foi na frente e,
só então, Nicholas saiu. Lá no quintal a festa rolava à
solta, com músicas agitadas e fotógrafos de várias partes
de Nova Iorque que haviam sido convidados para a
ocasião, afinal a família Trabelsi era famosa e
conhecida e ainda que não muita aceita, acumulava uma
receita líquida de causar inveja em muitas pessoas.
A mesa reservada à família Ramsey ficava perto do
palco, Nicholas foi levado até ela e os garçons
contratados para a festa trouxeram ao menino suas
primeiras refeições. Ao lado dele estavam os Moores,
os Mackenzies, os Villarreals, os Johnsons e os
Biancardi. Sozinho e tentando se concentrar na festa,
Nicholas percebeu os olhares de Austin direcionado a
ele, mas principalmente de Liam Clark que estava do
outro lado do jardim sorrindo sem parar. O garoto viu
275

quando Alec ergueu-se da cadeira com seu prato e


cruzou os jardins e sentou ao seu lado.
— Está solitário. Você tá legal, pô? — inquiriu o rapaz.
Nicholas assentiu. Olhou para os lados e abriu um
rápido sorriso.
— Estava pensando, sabe?
— Em que?
— Ah, sei lá. Em como a vida é uma grande surpresa,
talvez?
— A vida é uma surpresa, Nicholas. Às vezes é uma
surpresa boa… outra, bom… nem tanto. Porém, amigo,
pensar demais cansa e quando estamos fadigados de
certo cometemos loucuras.
— Como assim? — o loiro perguntou, curioso.
— É melhor deixarmos o assunto como está. Hoje
viemos nos divertir e ainda não vi sequer um gole de
champanhe. Os Trabelsi odeiam uma desfeita. ]
Nicholas engessou. A curiosidade em saber o que
Alec queria transmitir com o enunciado, o deixou
intrigado, mas percebeu que mexer em conversas
paralelas não seria bom.
276

— Quem é ele? — resolveu perguntar, indicando um


rapaz negro próximo de Túlio.
— Ah sim, esse é Théo, irmão do Túlio. E o rapaz ao
lado do Théo, é Damon. Eles estudam juntos.
Nicholas fixou o olhar naquele rapaz. O rosto dele
lhe era familiar, assim como o sorriso galante o qual
saía sem muito esforço. Ele suspirou inquieto.
— O Gustavo está aqui.
— É, eu percebi. Está te olhando desde que você
chegou. A afeição dele por ti só cresce.
— Ele não é exatamente o tipo de cara que eu
namoraria.
— Ah, não? E qual é o seu tipo de cara? — Alec
brincou.
Após um gole no champanhe, Nicholas respondeu.
— Ainda não sei.
— Como seu amigo, irmão do Liam e melhor best do
Austin, eu preciso te alertar: não se fira e nem
machuque eles.
— O que tá querendo dizer, Alec?
277

— Que seu coração esteja duplamente apaixonado.


Você odeia o Austin, mas não na intensidade que
gostaria e ama o Liam menos ainda. Você precisa
escolher entre um deles, cara, não deve empurrar nada
com a barriga.
— Não estou levando nada a brincadeira…
— Mas parece. E é muito… muito visível. Vou voltar
para junto de meus pais. Pensa nisso, Andrich. Não se
corrompa.
Ele viu Alec deixá-lo sozinho. Foi assim durante
mais de meia hora até tomar coragem e erguer-se da
cadeira, indo até um banco mais ao fundo da piscina
onde Túlio estava sentado com Erik e Cody. Ao avistar
o rapazinho, Túlio retirou o boné da cabeça e sorriu.
— Não vai me dizer que está indo embora, cara?
— Não, não é isso. É que eu preciso ir ao banheiro, mas
sequer conheço a casa.
— Isso não é um problema — Túlio apalpou os bolsos
até encontrar as chaveta do aposento. — Toma aqui.
Meu quarto é o quinto no segundo lugar… o quinto do
lado direito. Pode ficar à vontade.
278

— Obrigado, Túlio, mas será que não é bom você vir


comigo?
— Minha casa é sua casa, loirinho. Vai tranquilo, mano.
Pode usar o que quiser. Ah, e pode dormir aqui se
quiser. Tem vários quartos de hóspede a sua inteira
disposição.
— Ou pode dormir comigo — Erik se intrometeu, como
sempre fazia — Tô brincando, cara, mas se quiser
companhia… te levo ao quarto do Túlio.
— Não, obrigado. Prefiro ir sozinho.
Nicholas ainda viu quando Erik ergueu as mãos em
rendição e Cody aproveitou a ocasião para manear a
cabeça e se levantar.
Nicholas entrou na mansão Trabelsi. Um lindo
prédio caiado com móveis de mogno que se erguia
diante de uma maravilhosa paisagem azul que só ficava
mais bonita com o passar da noite. Em um ritmo
vagaroso, ele subiu as altas escadas de aço inoxidável e
finalmente chegou ao segundo andar. Ali, um corredor
com cerca de três metros e meio de largura separava os
cômodos, uma diferença marcante de tamanho dada a
279

distância entre as portas. Ele parou quando viu o quinto


limiar de cipreste polido contrastando com os azulejos
quadriculados. Ele colocou a chave na fechadura, girou
um pouco até ouvir um clique e abriu a porta com
cuidado. Ele se viu em uma sala devidamente arrumada,
cheia de pôsteres de atletas internacionais, uma estante
de troféus colecionados com suor, livros e uma cômoda
vitoriana perfeita. Cama king size devidamente
equipada. O quarto de Túlio era bem maior que o dele,
mas menos bagunçado.
Ele encostou a porta e caminhou até o banheiro.
Terminado de lavar o rosto, voltou para a sala, e viu
Austin Moore encostado na parede, segurando uma
garrafa de cerveja na mão, com olhar provocador, sem
dúvida quebrando todas as suas defesas, e levou um
susto. Insistiu em mover-se… mas a paralisia tomou
conta de seu próprio corpo, e ele apenas vislumbrou
aquele rapaz vindo em sua direção, tão surreal quanto
nas histórias que ele mesmo havia criado e guardado.
Seu coração batia cada vez mais rápido até que o
descompasso entre eles desapareceu e sua garganta
280

secou, ​um ato indolor, mas mortal. A luta acabou


quando Austin estava a centímetros dele. Ele se
organizou cuidadosamente por dias, e um novo ponto
de virada apareceu na batalha a qual achava
estrategicamente eficaz. O inimigo, hum... o inimigo
não perdeu um único momento e aproveitou a brecha
na retaguarda para avançar.
— Você está bêbado, Austin.
As mãos impediram o avanço e mal conseguia
discernir como arranjou voz para dizer aquilo, ainda
que num sussurro o qual Austin Moore fez questão de
não ligar.
— Eu estou sã, Nicholas — Dizia ele, sorrindo— Acho
que é essa atmosfera, é você e tudo que liga a ti que me
faz ficar bobo, parecendo estar realmente porre. Mas
não estou.
— Isso não me interessa.
— É óbvio que me interessa, cara. Eu estou gostando de
você.
Ainda que fosse da boca para fora pelo efeito do
álcool, Austin desejou por demais que no meio
281

daquelas palavras sem sentido houvesse um respingo de


verdade, mas não havia. Tudo que existia na sua frente
era um garoto assustado à procura de diversão e
Nicholas jamais poderia diverti-lo, não da forma como
desejava.
— É melhor a gente sair daqui…
— Quer ir para algum lugar mais reservado?
— Não. Só não quero está aqui, agora e, por cima, com
você. Desculpe Austin, mas não vai rolar. Somos
pessoas muito diferentes e opostos não se atraem. Eu
gosto de outra pessoa.
A infelicidade no rosto de Austin podia ser palpável.
— Posso saber quem é? Na verdade… — ele pensou um
pouco — É melhor ficar não sabendo. Porém, boa sorte,
cara. Eu juro que tentei… tentei muito melhorar, mas…
juro que não consegui.
— Austin?
— Foda-se, Nicholas. Foda-se! Não quero mais olhar na
sua cara. Estava a sua disposição e… tchau.
Ele viu Austin deixar o aposento de Túlio e o ar
suavizar aos poucos, ficando mais acessível à respiração.
282

A madrugada havia chego e com ela jovens exaltados


a beijar nos cantos mais escuros da mansão ou nos
quartos do casarão. Às duas da manhã, Paul Trabelsi
subiu no palco junto de sua família e discursou para
uma pequena plateia. Foi um misto de agradecimento
pela festa e a formação de uma coalizão significativa
que incluía a expansão dos negócios. Ato repreendido
por sua esposa e filhos, principalmente Túlio, que
pegou cuidadosamente o microfone e deu um sorriso.
Caminhou dois passos a frente e olhou para Nicholas,
como se apenas aquele breve e lúdico contato fosse o
bastante para acalentar seu coração.
283

— Quero agradecer a todos que estiveram presentes, a


todos que deram vida a essa festa — começou ele,
agradecendo — nada disso teria sido possível sem
vocês. Muito obrigado. Obrigado às meninas da cozinha
e aos heróicos bartenders que arrancam suspiros
casuais e olhares nervosos enquanto caminham —,
brincou, fazendo a platéia sorrir. — Tenho dezenove
anos — ele suspirou fundo, pausando a fala — É uma
idade linda e legal, digamos. Em breve estarei
terminando o ensino médio e começando a faculdade…
sim… a vida é assim… vou correr atrás dos meus sonhos
mesmo que a jornada seja difícil. Obrigado novamente
por estarem aqui, significa muito para mim. Amo vocês!
Uma salva de palmas pôde ser ouvida.
Meia hora depois, apenas os mais próximos e
ligados à família Trabelsi ainda aproveitavam o final da
festa. Nicholas continuou ao longe, curtindo música e
comendo doces, tudo com moderação, assim como uma
taça de vinho, champanhe e uma Coca-Cola. Os
Moores são os mais engraçados, e ele vê Liam sorrindo
para ele várias vezes enquanto Austin tenta se
284

concentrar em Amber. O sono o dominou e, quando se


levantou, dirigiu-se à mesa dos Trabelsi, onde toda a
família estava reunida. Ao vê-lo, Paul Trabelsi
levantou-se, abotoou o paletó e sorriu de orelha a
orelha.
— Sente-se, querido –- pediu Paul, apontando-lhe um
lugar. — Gostaria de uma taça de champanhe?
Mas, infelizmente, Nicholas recusou educadamente,
como sempre.
— Obrigado, Sr. Trabelsi. Mas está ficando tarde e
preciso dormir. No entanto, gostaria de agradecer o
convite. A festa estava maravilhosa.
Paul Trabelsi, no entanto, era um exímio
articulador e Nicholas era filho de seu melhor amigo e
sócio nos negócios e não deixaria, de forma alguma, ir
para a casa naquela altura da manhã.
— Fique conosco, rapaz! Tem um quarto vazio, onde
pode dormir.
— Não quero atrapalhar.
— Você não atrapalha, meu amor — disse Ellie,
tocando-lhe os braços e sorrindo. — Pode dormir no
285

quarto do Túlio ou com o Damon, querido. Damon é


super simpático e tem duas camas no quarto de
hóspede onde ele vai passar essas horas. Amanhã você
toma café conosco e o Túlio te leva na sua casa, pode
ser?
Não tinha como lutar contra aquela educação,
apenas assentiu. Ele sentou e Paul Trabelsi pôs um
pouco de vinho numa taça e lhe estendeu.
— É a última — Nicholas garantiu.
— Qual seu nome, garoto? — foi Theo quem
perguntou.
— É meu amigo, da escola — respondeu Túlio —
Nicholas. Nicholas Harrison.
— Harrison? — Damon reconforta-se na cadeira e olha
para o rapaz — Por acaso você é Nicholas Andrich
Harrison Ramsey? Filho de Robert Ramsey?
Nicholas engoliu em seco, após assenti-lo.
— Uau! — Damon tentou conter-se.
— Qual o porquê da curiosidade? — ele quis saber.
— Nada. Apenas admiro o trabalho dele.
— Entendi.
286

— Pois é, Nicholas. Você mora aqui por perto?


— Moro — mas não deu mais informações, lembrou de
Anne, com quem faria um exercício escolar — Eu
realmente não poderei ficar. Lembra do trabalho de
Filosofia, Túlio?
— Nossa… sim.
— Terei de fazer com a Anne — ele levantou-se,
cumprimentando a todos, as mãos suadas pelo nervoso.
— Feliz Aniversário, Túlio. A gente se vê na escola,... na
segunda.
Ele girou o corpo e caminhou para longe da família
do amigo, passando rente aos Moore e Clark, e ambas o
chamaram, mas nem deu tanta importância, fingindo
não ter ouvido.
A caminhada até sua casa foi rápida. Nunca prestou
atenção em como seus passos eram largos e a agilidade
mudava tanto as batidas de seu coração. Entrou pelo
portão e se dirigiu à porta, abrindo-a e observando as
luzes apagadas e o interior do casarão na completa
escuridão. Ligou a lanterna do aparelho celular e subiu
287

para o quarto, se livrando apenas dos tênis e se jogando


sobre a cama, apagando minutos depois.

— Eu tenho um irmão, cara.


— A Maísa é cis, mano. Sei porque já fui lá.
— Safado. Se fizer minha irmã sofrer.
— Não fiz e não vou, afinal, agora ela namora alguém da
idade dela.
— Fico feliz em saber.
Théo suspirou e descansou as costas na cama.
— Mas se não era da Maísa que estava falando, é de
quem?
Damon Manson ergueu-se do móvel e foi até a porta,
onde encostou-se.
— É uma longa e dramática história. E eu nunca
perdoei minha mãe cem por cento por isso.
288

Ao perceber aquilo, Théo Trabelsi voltou a sentar.


Apanhou um travesseiro, apertando desfavoravelmente
contra seu corpo e observando o amigo à distância, com
uma fisionomia destruída e o mal tomando cada vez
mais espaço.
— Foi algo tão terrível assim?
— Um ato irresponsável, mas… hoje eu entendo ela.
— Compreende? O que ela fez, Damon?
Damon voltou a suspirar. Olhou para os pés
descalços e depois para Théo, que aguardava por uma
resposta.
— Se envolveu com um cara na época da faculdade.
Tinha me tido e passou dois anos na Escócia,
estudando… pelo menos meu pai pensava assim. Só
depois ele ficou sabendo da verdade, que minha mãe o
traía e morava com o amante em Cardiff.
— Nossa, cara. É uma história…
— Eu sei. É inacreditável. Mas o pior vem agora.
— Ainda tem algo para piorar?
— É, tem. Ela engravidou e deu à luz a gêmeos.
289

— Uau! Então você não tem apenas a Maísa de irmãos,


mas outros dois?
— Na verdade — Damon voltou à cama e prosseguiu —
Maísa é um dos gêmeos. O outro, o amante dela ficou.
— Cara, isso é… história de ficção.
— É bem real e sombria, para falar a verdade. E… hoje
eu vi meu irmão, aqui.
— Como assim? Você bebeu mas não tanto.
— O Ramsey é meu meio-irmão.
— Ramsey? Nicholas Ramsey? O filho do Robert
Ramsey?
Para o espanto de Théo, Damon assentiu.
— Como eu te falei, é um drama. Ele não sabe. Minha
mãe soube que ele estava morto. Mas agora sei que ele
está vivo… e aqui.
— Por isso o interesse repentino nele, ainda há pouco?
— Eu sempre odiei o fato da minha mãe ter traído meu
pai e fiz de tudo para deixar claro isso. Mas hoje vendo
aquele rapaz, o meu irmão, me deu vontade de
conhecê-lo e ao mesmo tempo, raiva por ele existir.
Théo chegou mais próximo dele, abraçando-o.
290

— É um fardo. Porém, o Nicholas me pareceu ser um


cara real e daora. Acho que precisa conhecê-lo.
Damon estava numa luta e isso era visível.
— É melhor não. É mais certo vê minha mãe sofrendo
pensando que ele continua morto a ter que, sei lá,
assistir ela batalhar com o Ramsey pelos dois filhos. E
Nicholas, dependendo da verdade a ele contada, irá
reagir mal. Não, é melhor não. Ambos irão sofrer. Eu
vou sofrer.
Théo foi gentil.
— Você é adulto e sabe o que faz. Bom, eu vou pro meu
quarto e você, vê se dorme e tenta lidar com tudo isso.
— Théo? — Damon o chamou— Esse é um segredo
apenas entre nós.
— Não contarei a ninguém, prometo. Juro, na verdade.
— De mindinho?
— De mindinho e tudo que quiser. Tchau.
Theo deixou o quarto e Damon permaneceu
pensativo a respeito de toda aquela história e procurava
minuciosamente uma rota de fuga.
291

Robert Ramsey nunca imaginou viver no inferno.


Ele foi criado como católico e foi batizado na água aos
doze anos. Ele cometeu muitos erros em sua vida, mas o
único pecado do qual se arrependeu foi seu caso de
amor com Beatrice Harrison. Ela era tão bonita quanto
uma maçã do Éden, mas tão mortal quanto uma víbora à
espreita. Ela preencheu o vazio em seu coração
enquanto ele a compartilhava com outro, e a lembrança
daquele episódio horrível o deixou infeliz. Nesse ato de
"amor", nasceu o menino, o qual seus olhos azuis ainda
o encaravam deitado na cama, lindo como um anjo em
uma catedral. Robert era sabedor de que mais cedo ou
mais tarde toda a verdade sobre o nascimento de
Nicholas viria à tona e com ela uma enxurrada de
problemas que não tinha a mínima vontade de lidar
com tal horizonte.
292

Eram quase dez horas da manhã. Robert parou no


quarto de Nicholas para se certificar de que ele estava
dormindo em casa. Então ele parou em frente à cama,
puxou uma cadeira e sentou-se, imaginando todo o
tumulto que a verdade dos fatos traria para a vida deles. O
medo tornou-se uma barreira que desmoronava todos os
dias e, quando Beatrice chegou a Nova York, ele se sentiu
inquieto. O medo bateu à sua porta, e uma repulsa travou
a leve força do seu corpo.
De volta à sala, Robert ligou para Melinda. Não
demorou muito para Melinda chegar, e quando ela
chegou, encontrou seu patrão aos prantos, e o medo de
que o castelo estivesse prestes a desabar era ainda mais
palpável.
— Ele descobriu? — Ela desejou saber.
— Não, mas…
— Mas?
— Falta pouco, Mel. Eu temo pela reação do meu filho.
— Ele vai nos odiar, mas não para sempre.
293

Robert forçou um sorriso.


— Eu amo o meu filho, Melinda. Faria tudo de novo se
pudesse.
— Sei disso, Robert. Nós dois sabemos. É uma realidade
inevitável. É mais fácil contar a ele sobre a mãe ou o
Nicholas vai ficar sabendo da pior forma.
— Ele odeia a mãe, Melinda.
— Porém, nós dois sabemos que a história não é bem
assim, Robert. O senhor não deixou ela se explicar.]
— Não tem explicação, Melinda. Ela dormia comigo e
com o marido dela. Usava nós dois, mas eu era o troféu.
Somente um brinquedo. Eu era a merda de uma
marionete. Eu sou advogado e sei dos meus direitos. Eu
fiz tudo o que fiz pensando no bem-estar do Nich.
— Não. Fez o que fez para se vingar da Beatrice.
— Se não for para me ajudar, retire-se, por favor.
Melinda pôs a mão no ombro dele.
— Conte ao Nicholas, Robert. Ele saberá lidar com a
verdade.
— Que verdade? — perguntou o rapaz, próximo a porta
da cozinha — Qual o assunto que saberei lidar, pai, Mel?
O sufoco passou a ser visível.
294

— Então, pai? — Nicholas entrou na cozinha e deixou a


bolsa de costas sobre a mesa. — Qual a verdade?
Robert olhou para Melinda e depois repousou o olhar
duvidoso em cima da fruteira.
— Eu… eu… estava falando com a Mel, a respeito do seu
aniversário.
— Sim, e?
— Ah, filho, é uma surpresa.
— Se é surpresa, qual o motivo da Melinda e o senhor
estarem compartilhando da mesma palidez, hum? E mais:
se é uma surpresa, porque achariam mais previsível me
contar?
Robert engoliu em seco.
295

— É exatamente isso, filhão. Mas já que está desconfiado,


a surpresa era trazer seus amigos de Cardiff para o seu
aniversário. Está contente agora, Mel?
Melinda assentiu, contra seu gosto.
— Eu já tinha conversado sobre a possibilidade com eles,
pai. Porém, obrigado. Te amo, tá?!
— Amo mais. Vai sair, por acaso?
— É, vou. Tenho um trabalho para realizar na casa de uma
amiga.
— É só uma amiga mesmo?
— É, pai. Bom, vou almoçar na casa dela e não sei que
horas eu chego.
Nicholas pegou uma maçã da fruteira e deu um beijo
no rosto da Melinda e um abraço forte no seu pai. Quando
ia saindo, lembrou do episódio de mais cedo, na casa dos
Trabelsi.
— Pai? — ele o chamou — Tinha um cara na festa do
Túlio que perguntou por você. Na verdade, ficou intrigado
por eu ser o seu filho.
Melinda e Robert voltaram a se encarar, nervosos.
— Conheço pouca gente aqui.
— Ele só disse que era um admirador do seu trabalho.
296

— Qual o nome dele?


— Hum. Damon. Damon Manson. A propósito, tenho que
ir. Amo vocês!
Depois de ver o filho sair da cozinha, Robert sentiu a
garganta secar de novo e de novo. Melinda ficou ainda
mais em pânico, embora seu corpo respondesse por um
terço da ansiedade do patrão.
— O cerco está se fechando, Mel.
— O estado de sítio se deu quando tomou o garoto. Os
Manson não irão descansar até saber da verdade. E eu
temo esta verdade mais que tudo. De hoje não passa.
Conte a ele ou eu mesma contarei.
Intimidado, Robert saiu da presença da governanta e
foi para o quarto tentar controlar os neurônios.
297

A casa de Anne, sua colega de aula, ficava bem distante


da sua, num bairro tranquilo nos fins de Nova Iorque
onde as construções eram erguidas de madeiras no
estilo americano, com as ruas sempre vazias e ao
contato com a natureza. As residências não possuíam
portões e eram próximas uma da outra. O motorista
estacionou em frente a casa da moça. Ela já aguardava
por ele. Usava uma mini-saia jeans, tênis nos pés e um
cropped de couro. Ela caminhou até ele e esboçou um
sorriso gentil nos lábios.
— Pensei que não viria — disse ela, ainda sustentando
uma linha gentil nos lábios. — Por favor, entre.
— Obrigado!
Anne o acompanhou até o portão e depois dele.
Nicholas avistou uma linda piscina, não tão grande
quanto a da mansão, mas magnífica perante seus olhos.
O jardim da casa dela era totalmente artificial. A grama
sintética mais parecia um tapete verde o qual se
estendia até a varanda. A construção era mais concreto
que madeira, possuindo dois andares de altura. A
família de Anne já estava toda reunida nos jardins, e
298

uma fumaça cheirosa escapava da churrasqueira. Ao


vê-los se aproximando, Gabriel, irmão de Anne, acenou
para os dois, chamando a atenção dos demais. Nicholas,
sobrecarregado pela timidez, esperou o aval da amiga
para cumprimentar todos à sua volta.
— Não me disse que seu colega era tão… formoso, filha?
— Cloe, a matriarca, parecia estar bastante
decepcionada, em questão. — Sente-se, querido.
Chloe tinha um sotaque pesado, bem diferente de Anne
e Gabriel, que ainda continuava em pé próximo a
churrasqueira.
— É um prazer enfim conhecê-lo, rapaz. Meu nome é
Everaldo, sou o pai da Anne e do Gabriel.
Eles se cumprimentaram rapidamente. O som ambiente
tocava músicas brasileiras e o pai de Anne, o Sr.
Everaldo, fazia gestos esquisitos que arrancavam
sorrisos dos presentes. Ao abandonar a churrasqueira,
Gabriel puxou uma cadeira e sentou.
— Então você é o famoso Nicholas Andrich?
— Gabi, por favor. Agora não, tá?
299

— Está acontecendo alguma coisa? — ele perguntou,


curioso.
— Não, não. Meu irmão que é um babaca, apenas isso.
Gabriel revirou os olhos enquanto balançava a cabeça.
Gabriel era um rapaz formoso. Tinha a pele bronzeada
com algumas tatuagens nos bíceps e no dorso de ambas
as mãos e um piercing no lábio inferior. Os olhos cor de
âmbar eram um convite formidável para o inferno, ao
mesmo tempo que o rosto harmonizado artificialmente
se movia mostrando o músculo que contornava o
queixal deixando Nicholas impactado com tamanha
realeza.
— Eu vou voltar para o meu trabalho de ótimo
churrasqueiro, aproveitem!
Gabriel, então, tomou o seu rumo. Minutos depois,
Everaldo trouxe consigo um vinho delicioso sem muito
teor de álcool e posicionou sobre a mesa e a Dona Cloe,
toda sorridente, as taças.
— Podem beber, mas com um porém — ele sinalizou
—, com moderação. Vamos deixá-los sozinhos, depois
300

temos o almoço e deverá provar da mais fabulosa


culinária mundial… a brasileira. ]
Nicholas esfregou as mãos. Após, abriu o lacre do vinho
e pôs uma pequena quantidade na taça da colega e um
pouco na sua e brindaram, mas Nicholas notou uma
tensão repentina e cochichos entre os familiares de
Anne que lhes lançavam um olhar estranho vez e outra.
— Anne, eu estou incomodando, por acaso? Posso
voltar outro dia, quem sabe?
Ele levantou, mas ela o impediu. Seguro firme nos
pulsos e o fez sentar.
— Eles viram algo que não deveria, só isso. E claro,
pode arruinar sua vida, amigo.
— Você está me deixando nervoso, Anne. O que eles
viram?
Como contar a ele? Ela pensou. Anne suspirou fundo
lutando contra o regime e a roda e puxou Nicholas para
dentro de casa e depois, para o quarto.
— Sente-se, por favor!
Ele buscou pela beirada da cama, impressionado com a
simplicidade e organização do aposento da moça.
301

— Então, o que tem a me dizer? Sua família parece não


ter gostado muito de mim.
Ela abriu um sorriso e negou.
— Eles amaram você, por confiar. Apenas…
— Apenas?
Anne voltou a suspirar.
— Entrou no School News hoje? — ele negou —
Amber postou uma foto sua… sua beijando um carinha
da festa do Túlio, me parece que é o irmão daquele seu
amigo… o… Alec!
A fisionomia de Nicholas mudou drasticamente. A
palidez reinou a pele de seu rosto e uma batalha foi
travada no antro de seu coração.
— Uma notícia?
— Eu sinto muito, mas agora toda a escola já deve ter
visualizado a imagem. Você é gay?
A confusão de pensamentos fez o coração disparar. Os
lábios tomaram uma tonalidade arroxeada ao mesmo
instante em que a visão falhava, mas não caiu. Lutou e
venceu uma vez mais. Anne rapidamente lhe deu um
copo com água e a sensação de impotência esvaiu-se.
302

Passado alguns minutos, ele a encarou.


— Quero vê a notícia, será que pode me emprestar o
seu tablet? Não quero entrar no meu celular e perceber
uma quantidade absurda de mensagens homofóbicas.
Receosa, Anne estendeu o aparelho ao colega. Ele
entrou no website da escola e vislumbrou a notícia
descabida a qual levava toda a sua inocência pelo ralo
do esgoto. Ele recitou-a em voz média:
— DO TOPO À BASE: NICHOLAS ANDRICH, E
SEU SEGREDO MACABRO: Poderia ser uma outra
manchete, mas esta caiu perfeitamente para a ocasião.
Nicholas Andrich Harrison Ramsey é mais um nascido em
berço de ouro que banca o hetero top da escola. O famoso
Galês que mais parece um anjo esculpido por Michelangelo,
porém que todos acabam de ficar cientes que não é
exatamente assim. O macho alfa não existe. Apenas um
garoto em busca de prazer que rosna como cão, tem a
inteligência de um deus, mas que mal sabe usá-la. Ele não
apenas aproveitou a festa de Túlio Trabelsi para ostentar
seu look caro, como para sair beijando boca por boca,
incluindo o belo e extansiante Liam Clark, o formoso irmão
303

de Alec Clark, como parou para tentar algo mais profundo


com Austin Moore, mas que não deu muito certo. Abaixo
seguem cenas fortes!
Nicholas deparou-se com diversas fotos, incluindo uma
sua com Austin quando estavam no quarto de Túlio. Ele
suspirou fundo. Arrumou a postura e esboçou um
sorriso.
— Tá rindo?
— É melhor que chorar, não?
— Tem razão! Mas o que vai fazer?
Muitas opções vieram em mente, mas só uma
funcionaria e seria na mesma intensidade.
— Breve saberá. Como ela se rebaixa tanto, em?
— Amber Johnson nasceu com este dom, se prevalecer
empurrando as pessoas para o poço. Como vai lidar com
tudo isso? Semana que vem começa os treinos e você é
o grande favorito para ser o capitão dos Lions.
— Não me importo com nada disso, Anne. Título de
capitão, prêmios e etc não me comove, preciso apenas
me concentrar e arrumar uma forma de colocar essa
garota no lugar dela.
304

— E fará como? Seduzindo ela?


— Exatamente. Vou devolver na mesma moeda, custe o
que custar. Eu sinto muito, Anne, mas não vou poder
fazer o trabalho hoje…
— Eu fiz o trabalho. Vou te mandar uma cópia… queria
apenas ter mais tempo com você.
Nicholas se aproximou dela, segurou em suas mãos
delicadas e as beijou.
— Obrigado por tudo, mas eu preciso ir agora. A gente
se vê na escola na segunda-feira, beleza?
Ela assentiu, a contragosto. Ele a abraçou e desceu, se
despedindo da família e voltando para casa e a mais um
antro de problemas.
305

A distância parecia interminável e no caminho de volta


para casa, Nicholas foi tomado por muitos pensamentos
e uma série de problemas lhe atingiram em cheio,
deixando marcas escuras em sua alma e mesmo que ele
tentasse controlar sua ansiedade, ela se debatia entre a
escuridão e as flechas de luz entranhadas entre seus
ossos e a pele de seu corpo. Quieto, no fundo do peito a
batalha estava sendo travada e gladiadores sem glória
tentavam sem êxito ganhá-la. Em meio a seus
tormentos, a desgraça e o medo o frustraram. Com parte
da cabeça voltada para as movimentadas ruas de Nova
York, ele ainda conseguia respirar, mas não tinha a
noção de até quando iria suportar.
306

— Você pode me levar para algum lugar onde eu possa


pensar livremente? — Perguntou ao motorista.
— Em Nova York? É meio difícil encontrar, mas sei de
um. Posso ir?
— Pode, estou precisando meditar.
— Aconteceu alguma coisa, patrãozinho?
— É, aconteceu, meu caro amigo. Minha vida
ultimamente está uma droga, sabe?
Pelo pequeno espelho mais acima o motorista analisou
a feição abatida do rapaz.
— A vida tem seus altos e baixos, porém mais altos do
que baixos é óbvio, mas permitir que isso interfira no
seguimento dela não é opção, é fracasso e eu o conheço
desde o berço, patrãozinho e o senhor nunca foi de se
deixar ser vencido pelas dificuldades. Sempre arrumou
uma forma de sair por cima.
Nicholas pensou.
— É, tem razão. Porém, tem coisas que é melhor deixar
por opção às escuras a ter que encará-las de frente com
uma revoada.
O motorista sorriu.
307

— Você herdou as palavras da sua mãe, patrãozinho.


Dona Beatrice possuía uma nobreza só dela.
— Você chegou a vê-la?
— Ah, mas é claro. Ela ajudou a mim a minha família
quando mais precisamos e sou grato a ela. Pena que a
dona Beatrice se foi. Era uma mulher formosa e tinha
uma vida toda pela frente.
Nicholas sacudiu a cabeça.
— Por favor, não se afeiçoa tanto à mentira. Eu sei que
a Beatrice está viva. Meu pai me contou e você já deve
está sabendo.
Houve um silêncio demorado.
— Me desculpe. Eu me sinto mal por não ter contato
antes a você, patrãozinho.
— Tudo bem! Só dirija.
O motorista recebeu de bom grado às ordens de
Nicholas e seguiu o trajeto para o qual sempre ia
quando precisava refletir.
O carro ocupou uma das poucas vagas em um
estacionamento na Quinta Avenida e o motorista
desceu do carro e abriu a porta para que o garoto
308

pudesse sair. Ao avistar o casarão de três andares no


estilo europeu várias perguntas refutaram sua mente,
mas deixou as coisas seguirem naturalmente. Mesmo se
tratando de um sábado onde o frio fazia os habitantes
se aquecerem em cardigans, luvas e gorros.
— O que tem aqui? — Nicholas indagou, o semblante
destacava a curiosidade.
— É um antro, patrãozinho. Aqui todos compartilham
seus problemas, suas mágoas e dores com outras
pessoas. Essa é a mais incrível das meditações. Saber e
compreender as feridas dos outros ajuda na cicatrização
das nossas.
— É algum tipo de grupo?
— Sim, é um grupo muito bom. Quando saio dos
trabalhos venho aqui e conto as novidades e o desleixo
do dia-a-dia. Agora vamos entrar, pois a segunda sessão
está prestes a começar.
O motorista e amigo da família Ramsey o acompanhou
até o salão. A luz era fraca. As cadeiras de ferro e postas
em círculo. Algumas senhoras, senhores e jovens
aguardavam o início da reunião. Klaus, o motorista de
309

Nicholas, o levou até uma jovem de cabelos tingidos de


luzes e olhos grandes e cílios maiores ainda, aquela era
Evie Dexter, a presidente do grupo de apoio. Ao vê-lo
chegando, abriu um sorriso e o abraçou.
— Que bom que veio. Estou contente com a sua
presença, Klaus.
— Obrigado, Evie. Eu trouxe um amigo comigo. O
nome dele é Nicholas.
— Oi, Nicholas! Tudo bem?
— Tentando me manter livre mesmo com estas
correntes me prendendo.
Evie sorriu.
— Para as correntes sempre existe uma maneira de
desprendê-las de si. Vai encontrar algo capaz de fazê-lo
voar e quebrar essas amarras. A liberdade é um dom,
Nicholas.
— E a morte?
— A morte? A morte nada mais é que nossa última
batalha como seres humanos em carne e ossos. Ela é
inevitável e devemos estar prontos para quando vier nos
buscar.
310

Nicholas baixou a cabeça e depois encarou Klaus, como


se estivesse desconfortável com a presença dele.
Pressentindo isso, ele se afastou e foi rumo aos velhos e
conhecidos amigos.
— Como sabe tanto da vida? Tem vinte? Vinte e dois
anos?
— Dezenove.
— Dezenove? Uau!
— Eu aprendi com as pessoas o valor da vida e aprendi
com a vida a lidar com as pessoas.
— Então isso quer dizer que pode me ajudar?
— Tecnicamente, não. Você vai aprender ouvindo as
histórias de vida deles, querido e comparar os
problemas e enfrentá-los à sua maneira. Só abrimos as
portas. Vamos, sente-se ali, perto de mim.
Ela indicou o caminho e Nicholas. Ele sentou e esperou
pelo início da reunião. Eram em torno de doze pessoas,
a maioria jovens com espinhas no rosto e roupas largas
e cabelos desalinhados. Ao começar os discursos de
boas vindas, Evie pediu para que o mais novo membro
311

da família se levantasse e pudesse se apresentar


formalmente.
— Boa tarde a todos. Eu sou o Nicholas, tenho
dezessete anos, sou filho único, herdeiro de um
império, porém, gay. E esse é apenas um dos meus
incontáveis problemas. Eu não conheço minha mãe
porque ela me abandonou quando eu ainda era um
bebê. Tenho um pai maravilhoso que me ama e que
também esconde verdades sobre mim. Sou um aluno
dedicado, com notas altas e que está apaixonado por um
cara extraordinário e mesmo assim sinto atração por
outro. Agora minha vida reservada se tornou pública.
Uma foto minha beijando um homem estampa o
principal site de fofoca da escola e na segunda,
certamente, muitos irão me encarar com ódio e rir de
mim. Embora mantenha estável a ansiedade, ela logo
virá.
Todos prestavam atenção nas palavras de Nicholas.
— Alguém tem algo a dizer para este rapaz? Alguém
deseja dividir a dor dele? — Perguntou Evie.
312

Uma mão se manifestou. Era uma mulher de cabelos


cacheados e fisionomia atraente. A pele parda brilhava
na intensidade perfeita da luz.
— Eu sou a Carola — ela se levantou, — Meu filho, Ben
— ela não segurou as lágrimas — se suicidou há dois
meses. Os amigos dele viraram as costas no momento
em que ele mais precisava. Benjamin era o nome dele.
Tinha vinte e sete anos. Estava no oitavo período de
Medicina quando a sexualidade dele veio à tona da
forma mais desumana possível. Fizeram um perfil fake
nas redes sociais e começaram a mandar mensagens
ameaçando e tal… e meu menino… meu Benjamin não
teve forças para suportar… ele se jogou na frente de um
caminhão e teve múltiplas fraturas dos órgãos e morreu.
Meu único filho, arrancado dos meus braços.
— Um minuto de silêncio em memória do Benjamin —
Evie pediu. Quando o tempo passou, ela prosseguiu. —
Quer dizer algo para confortar o coração dessa mãe,
Nicholas?
Ele a olhou. Beliscou as pontas das mãos e engoliu em
seco.
313

— Eu sinto muito pelo Benjamin. Ele deveria ser um


filho que lhe dava muito orgulho, dona Carola. Eu posso
sentir a sua dor e pego uma parte dela para dividir
comigo.
Carola enxugou as lágrimas. Lembrar de seu caro
Benjamin a deixava em prantos.
—- Alguém mais deseja a palavra?
Um jovem se levantou.
— Boa tarde! Aqui todos já me conhecem, com exceção
do Nicholas. Então, meu amigo, meu nome é Brandon.
Fiz vinte anos há pouco tempo e na comemoração do
meu aniversário — ele pausou a voz e torceu o nariz —
Estava voltando de uma festinha e sofri um acidente —
Brandou ergueu a calça e mostrou a prótese — Perdi a
minha perna direita e o movimento da esquerda. Foi a
pior sensação da minha vida, chegando a tentar suícido,
mas cá estou eu, ouvindo as histórias de vida das
pessoas e só tenho algo a dizer a você: vença eles.
Derrote os estorvos enquanto há tempo.
Brandon virou cadeirante e mesmo sob os impactos da
nova realidade de vida conseguiu se manter firme. Ele
314

dizia que era necessário aprender com os erros e


instruir novas pessoas a beber e comemorar com
moderação e que trânsito e volante eram inimigos e que
nunca deveriam andar de mãos dadas. Que a cadeira de
rodas foi a oportunidade dele viver novamente, algo que
seus dois irmãos: Clint e Carter, não tiveram.
Nicholas percebeu ali que seus problemas eram mais
fácies de se resolver e embora o deixasse traumatizado
depois, poderia ir a algum terapeuta e contar a ele o
que se passava, diferente de Benjamin que morreu, de
Brandon que perdeu os movimentos, de Carola que não
tinha mais sossego e, óbvio, de Emmett que nascera
cego. A profusão da vida era algo inovador e lutar pela
felicidade havia se tornado uma permanência na terra.
Nossos problemas nos moldam e nos transformam.
Nicholas tinha em mãos tudo que precisava e usaria da
forma mais correta possível.

No caminho de volta para casa, bem mais aliviado e


com os pensamentos em ordem, Nicholas dizimou o
silêncio.
315

— Obrigado, Klaus.
— Pelo que, patrãozinho?
— Ora, pelo quê? Eu refleti bastante e tomei algumas
decisões ouvindo o relato daquelas pessoas. Foi
extraordinário.
— Eu sabia que ia se sentir acolhido. Agora, quem mais
sabe sobre a sua sexualidade?
Nicholas suspirou fundo e reconforta-se no banco de
trás.
— Você, o Alec, o Liam, e agora todos na minha escola.
— E pretende contar ao seu pai?
— É claro, hoje mesmo. Sei que vai ser uma barra para
ele, porém…
— Porém?
— Porém ele vai entender, Klaus.
O caminho de volta foi mais curto.
Klaus estacionou o carro em frente a mansão dos
Ramsey e Nicholas desceu do automóvel e seguiu para
dentro da casa. Tirou as chaves do bolso e pôs-a na
fechadura, abrindo a porta e entrando, encontrando seu
pai, Robert Ramsey e Trent Trevor, seu médico do País
316

de Gales no sofá, tomando um drink e conversando


seriamente. Eles não avistaram Nicholas de imediato,
mas foi só encostar o umbral que Robert ergueu-se
quase que no mesmo instante do canapé e fita-lo com
desaprovação no olhar.
— Pai? O Sr. Trevor! Tudo bem? — ele encurtou a
distância — O que o traz aos Estados Unidos da
América, senhor?
— Eu estou bem Nicholas, razoavelmente na verdade. E
minha vinda até aqui é para conferir se está seguindo o
seu tratamento, como me prometeu em Gales.
— Vamos conversar no escritório do meu pai…
— Não, filho. Vamos conversar aqui e agora como
sempre fizemos. Ao menos eu pensava assim… até
receber isto — ele estendeu o papel ao garoto —
Quando ia me contar que está doente, Nicholas? Que
mentiu para mim, filho?
Nicholas baixou a cabeça.
— Não queria trazer mais preocupação, pai.
— Você vai iniciar o tratamento e o Dr. Trent assume
seu caso de hoje em diante no hospital da Companhia.
317

Insuficiência cardíaca, ó meu Deus! Vá para o quarto,


Nich e depois conversamos em particular.
Ele cumpriu as ordens lhe dada e arrumou a mochila
nas costas e subiu rumo ao aposento na tentativa de
arranjar uma maneira de começar a tomar coragem e
enfrentar seus medos.
318

À noite finalmente chegou. Nicholas ocupou o


castigo arrumando o quarto, quando Robert abriu a
porta do aposento, observou o rapaz em frente ao
computador.
— Podemos conversar agora?
Ele assentiu. Robert chegou um pouco mais para
perto do pequeno escritório e ao receber a atenção do
garoto, tentou compreender as razões pelas quais
escondera o diagnóstico.
— Eu ia contar pro senhor, pai.
— Ia, é? Poxa, Nicholas, eu confiei em você e mais uma
vez você quebra a minha confiança — ele puxou a
cadeira e sentou — Se Trent não tivesse vindo de
319

Cardiff eu continuaria sem saber a verdade. Isso dói e


não entendo. Eu juro, eu não entendo.
Nicholas podia tocar a decepção de seu pai.
Suspirou fundo e engoliu em seco.
— Foi complicado para mim no começo, pai. Eu estava
sozinho… sem ninguém e o senhor ostentava uma
felicidade nunca vista, sabe? Não queria ser o algoz
dela, por isso mantive esse diagnóstico apenas comigo.
Robert revirou os olhos.
— Eu entendo. Porém, as chances de cura são altas e
isso me traz alívio. Você vai fazer o tratamento e terá
sua vida de volta.
— Está decepcionado? — Nicholas perguntou.
Robert suspirou e olhou para o garoto.
— Estou. Estou muito chateado com você, filho, mas
sei que pensou em mim. Mesmo assim, poderia ter
confiado um pouco mais, não acha?
Nicholas ergueu o queixo. A sensação de ter
desapontado o pai consumiu seu corpo e uma
enxurrada de pensamentos uniu-se à ansiedade que
predominava o ser. Ele levantou depressa e caminhou
320

até a varanda do quarto e apoiou as mãos na grade de


proteção. Baixou a cabeça e ficou ali encarando o
movimento dos pedestres na rua enquanto ouvia os
passos de seu pai mais atrás. Robert chegou. Inalou o ar
em volta ao mesmo instante que repousava as mãos nos
ombros de Nicholas.
— Pai? Eu também… tenho… algo… na verdade,... uma
coisa bem séria… para te contar e… bom, talvez isso o
decepcione mais.
— É sobre sua sexualidade?
Nicholas fechou os olhos.
— Como sabe que é sobre isso?
— Um passarinho verde me contou.
Nicholas riu.
— Jura que não foi um gavião?
— É, digamos que sim. Talvez tenha sido um gavião.
Nicholas virou-se para conversar olho no olho.
— Eu… juro…
— Tudo bem, meu amor. Você é mais importante para
mim do que pensa. Antes de ser gay, bissexual, é meu
filho, Nicholas.
321

Nicholas o abraçou. Sentiu conforto entre os


músculos de seu pai e que bom, permaneceram assim
durante um tempinho. As lágrimas deslizavam de
ambos os olhos e caíam no chão. A esperança entre a
fagulha e o amanhecer. A tristeza enraizada na alma e o
amor que os rodeavam como o vento e o próprio ar.
Robert afagou aqueles tufos dourados e ao mesmo
tempo que ria, chorava, era uma mistura fácil e difícil e
que apenas o passar dos dias resolveria. Um minuto
depois, se afastaram.
— Promete para mim, Nicholas, que independente do
que vier acontecer entre nós, irá sempre colocar nosso
amor em primeiro lugar?
— Por que está falando isso, pai?
— Não faça perguntas, filho, apenas prometa.
— De mindinho e tudo. Eu o amo, pai. Amo na
intensidade do coração. E haja o que houver, colocarei
este sentimento em primeiro plano, eu juro!
E selaram a promessa com um longo abraço. Robert
olhou pela varanda e o afastou devagarinho de seu
corpo.
322

— Eu não sei muito bem lidar com isso, sabe? É difícil,


porém eu vou tentar ser um pai mais presente. Tanto na
sua vida escolar, quanto na particular.
Robert secou as lágrimas. Soprou o ar e quando
estava mais tranquilo, resolveu dialogar.
— Ele é um bom rapaz!
— Quem?
— O Liam! É com ele que você está, certo? — A
pergunta o pegara desprevenido. — Eu falei besteira…
esqueça…
— É! É com ele.
Robert sacudia a cabeça sem direção.
— Uau! Nem sei o que dizer. Meus parabéns?
— Obrigado pelas felicitações, mas eu ainda sou muito
discreto em relação a este sentimento, sabe? O Liam é
um cara gente boa, com personalidade, inteligente,...
— Bonito…
— Sim, bonito. Muito bonito, por sinal. Porém…
— Porém? — Robert parecia afoito. — Se quiser
partilhar dos seus sentimentos, eu estou aqui. Não
323

tenho experiências no amor, mas para ajudar meu filho,


posso opinar.
Nicholas retornou para o interior do recinto e
Robert o seguiu. Sentou na beirada da cama e olhou em
direção ao espelho.
— Eu adoro o Liam, pai. Ele é incrível, porém eu não
sinto amor por ele. O amor profundo, entende? É mais…
— Desejo?
— Não. Não, é outra coisa. O que eu sinto pelo Liam é
gratidão, bondade, mas não amor. Ele é demais,
incrível…
— Você já disse isso.
— Pois é, eu já disse.
— Então você não o ama?
— Não. É por outro cara que eu sinto amor e ele só me
vê como amigo.
— Meu Deus! Não vai me dizer que é o Alec?
— Não, pai. Longe de mim. O Alec é como um irmão.
É… pelo Austin. Austin Moore.
Robert quase engasgou.
— Pelo hétero top da sua escola, filho?
324

— A gente não manda no coração.


— Tem razão. Mas ele teve que justamente escolher o
Austin?
— O Austin não é tão ruim assim, pai…
— Não. É somente o hétero top mais disputado da sua
escola, do bairro e do Clube. Ele vai te machucar,
Nicholas.
— Eu já estou machucado e sem saída, pai. Eu preciso
ter certeza que ele sente a mesma coisa por mim.
— Nicholas? Qual foi a parte do “hétero top” você não
escutou?
Nicholas parou, pensou e levantou.
— Eu o amo.
— Eu também amava a sua mãe e nem por isso estamos
juntos.
— Não é a mesma coisa, pai.
— É a mesma coisa, filho. O diferencial é que você é
jovem. Eu apóio o seu namoro com o Liam. Ele é um
jovem digno.
Nicholas esboçou um sorriso.
325

— Eu vou me doar ao máximo, mesmo sabendo que


meu coração escolheu outra pessoa para amar.
— É muito errado. Não magoe a si mesmo no final.
Bom, eu tenho um jantar importante e descanse um
pouco. Pedirei a Melinda que fique com os dois olhos
voltados para você…
— Pai?
— Sem essa de pai! A decisão está tomada. Beijos e até
mais, filhão. Papai ama muito você.
— Eu amo mais.
— Não, eu quem amo mais.
— Mentira, amo mais.
— Tá bem, chato, é você. Agora tchau!
— Tchau, pai.
Robert encostou a porta e Nicholas debruçou sobre a
cama e mil e um pensamentos. Fechou os olhos e
desejou estar em Gales junto de seus melhores amigos e
foi pensando neles que o rapaz ergueu-se e caminhou
até o escritório improvisado dentro do quarto e ligou o
notebook e entrou em chamada de vídeo com Eleanor,
326

Matteo e Davide. Quando todos estavam conectados,


Eleanor foi a primeira a arregalar os olhos.
— É sério que é você, Nicholas Ramsey?
— Me desculpem, por favor. O fuso horário é estranho
ainda.
— Três semanas, cara. Tipo, são três semanas, vinte e
um dias e algumas horas. Pensei que fosse manter sua
palavra.
— Davide, vai com calma — Pediu Matteo — Deixa o
nosso amigo se explicar. Aposto que o Nicholas tenha
um bom motivo e uma explicação para este tempo sem
falar conosco. Estou certo, Andrich?
Nicholas concordou.
— A adaptação aqui não está sendo uma das melhores e
os problemas chegaram com mais força, entendem? —
Ele explicou. — Soube há poucos dias que a minha mãe
está viva, que sou apaixonado pelo hétero mais lindo e
mais tedioso da minha escola e, por cima, que estou
namorando o vizinho que além de gato é super
atencioso. E, para completar, o Dr. Trent está
327

hospedado na minha casa, ou seja: meu pai sabe do meu


diagnóstico.
Era muita coisa para se absorver. Matteo tentava
processar o enunciado enquanto Eleanor MacLan
obstruía as unhas nos dentes e Davide Calabria piscava
sem parar.
— Então você é a nova sensação da escola e do bairro?
— Eleanor perguntou, curiosa— Cara, estou feliz por ti.
— Você deu sorte, Andrich. — Comentou Davide.
— Calma, deixa eu ver se entendi aqui: você está
namorando e sente atração por um cara hétero? Isto
não é meio errado na comunidade gay? Nossa, Andrich,
tu é uma bomba nuclear para os LGBTs, me desculpe.
Fora isso, ainda tem a sua mãe. Porém, ela não tinha te
abandonado e morrido em um acidente?
— Meu pai ocultou esta parte da história, talvez com
raiva dela. Mesmo ela me procurando, não estou
tentado a vê-la. E quanto ao meu namoro, as coisas
começaram recentemente e o Austin, bom, é
excepcional. Não sei quando comecei a gostar dele.
Ainda assim, meu pai me apoia junto do Liam.
328

— É, meu amigo, sua vida está uma cruzada —


exclamou Matteo— Mas não se preocupe, tio Robert
está agilizando para irmos morar aí em Nova Iorque e
na sua casa e contigo. Ele já sondou nós três.
— Isso é sério?
— Muito sério! — Eleanor confirmou — Vamos nos
mudar brevemente para à sua cidade e estudaremos na
faculdade mais disputada daí. Tio Robert é um anjo.
— Eu já estou arrumando minhas malas — disse
Davide— E quebrando a surpresa, chegaremos no
sábado para ajudarmos no seu aniversário. Gostou?
— Eu amei, pessoal! Vou aguardá-los aqui, para
comemorarmos. Estou morrendo de saudade. Venham
logo, meus amigos, pois já não suporto esta distância.
Eles conversaram mais. Nicholas conhecia aqueles
seres desde a infância quando iniciaram a vida escolar.
Matteo tinha dezoito anos completos. Era ruivo da pele
branca, olhos azuis e beleza exuberante e o mais alto do
grupo. Eleanor herdara a beleza russa, e isso era visível
nos traços de formosura e nos cabelos loiros que
chegavam a ser platinados. Davide Calabria era um
329

italiano radicado em Gales e era o mais sensível da


turma. Quando teve que se afastar deles dias atrás foi a
pior dor já sentida. Agora, sabendo que viriam para
perto dele, o coração faltava chorar. Seriam de grande
importância para enfrentar os momentos conturbados
que passariam dali em diante, pois uma nova maré
chegaria aos portos de Nicholas a seu auxílio e águas
modestas tocariam o corpo de forma surreal. Ele sabia
que dali em diante tudo seria posto à prova e não
somente sua vida, como seus amigos, seu futuro e a
família a qual já se encaixava. Nicholas fechou o
aparelho, caminhou de volta à cama e encolheu-se em
posição fetal abrindo um sorriso confortante e aos
poucos foi pegando no sono, pois viveu Na Intensidade
do Coração, e o limite seria a última parada. E ele
estava disposto a encarar o fardo.

Continua no próximo livro…

Você também pode gostar