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Design de produtos de moda

Arte Moda e Cultura


Breve história da gênese da moda: do século XIV ao final do XVIII
1. Vestuário não é moda

Carolina Cassarin

Você saberia responder às perguntas: o que é indumentária? O que é vestuário? O que é

moda? De acordo com o Dicionário Aulete Digital, vestuário tem dois significados:

1. Roupa usada por uma determinada pessoa ou grupo social;

2. O conjunto de objetos necessário para uma pessoa se vestir; Indumentária; Traje.

Já a palavra moda apresenta dez definições diferentes, mas somente alguns desses

significados nos interessem agora:

1. Maneira, estilo de viver, vestir, comportar-se, escrever etc, predominante numa determinada

época ou lugar; Voga;

2. Arte e técnica do vestuário;

3. A indústria e/ou o comércio dessa arte;

4. Modo, maneira;

5. Gosto, maneira ou modo distinto e peculiar, geralmente habitual, de cada um;

6. Uso ou prática corrente, generalizada; Fixação; Mania;

7. O centro das atenções numa determinada época ou lugar.

Perceba como o conceito de vestuário, adotado por nós como sinônimo de indumentária,

traje e roupa, e o conceito de moda se diferenciam. O vestuário implica toda prática de arte

decorativa corporal; a moda está circunscrita a uma época, ela é um tipo de vestuário.

Observe a imagem abaixo:


Figura 1 – Pintura corporal com urucum
Fonte: © istockphoto / rsfatt

Na imagem, podemos ver diferentes tipos de vestuário, que provocam diferentes maneiras

de lidar com o corpo.

Na fotografia, o índio se pinta de vermelho do urucum que, além da função estética e

expressiva, também protege o corpo dos insetos e das alterações de temperatura.

Frequentemente, de modo generalista, tomamos a moda por vestuário pura e

simplesmente, desprezando toda a cadeia social que a alimenta, e que, ao mesmo tempo, dela se

alimenta. Estamos falando da indústria e seus empregados, dos designers e criadores em geral,

também dos lojistas, modelistas etc., sem deixar de falar dos consumidores. A moda é um sistema

comercial complexo de que o vestuário participa como um dos termos constituintes.

Vestir-se é um modo de se produzir no mundo, ou seja, é um modo de se oferecer à visão,

de querer ser visto, notado. Estética, do grego aesthésis – termo que designa “o modo como as

coisas do mundo me afetam”, e política, modo de ser do homem na polis, no mundo público, são,

nesse caso, indissociáveis. Participar da polis, existir no mundo público, na vida social, pressupõe

uma apresentação que é necessariamente estética, pois o homem público afeta e se deixa afetar
o tempo inteiro. Assim, estética e política se referem à maneira como o sujeito se expõe no mundo

público, ao modo como algo ou alguém se faz visto e, também, vê.

Observe a imagem a seguir:

Figura 2 – Estátua grega com idumentária drapeada


Fonte: © istockphoto / anek_s

No mundo grego, por exemplo, ao contrário do mundo contemporâneo, a indumentária

era basicamente drapeada, diferente da nossa roupa, pautada no vestuário da moda, que é

essencialmente costurada e ajustada ao corpo. Veja o que nos diz François Boucher, famoso

historiador da indumentária, sobre o vestuário clássico:

O vestuário antigo grego e romano apresenta uma estabilidade enraizada na


tradição; embora aceitando determinadas modas ao longo dos séculos, nem por
isso veio a sofrer transformações. Léon Heuzy, pioneiro dos estudos sobre o
vestuário na Antiguidade, expôs perfeitamente seus dois princípios básicos: o
primeiro é que o traje antigo não tem forma por si mesmo, não passando de uma
peça de pano retangular tecida em dimensões variáveis dependendo do uso e do
tamanho do destinatário, sem diferença entre os sexos; o segundo é que esse
tecido é sempre drapejado, nunca trabalhado na forma nem cortado nem
modelado, e usado em torno do corpo segundo regras determinadas. Portanto, é
sempre móvel e vivo. (Boucher, 2010, p. 85)

SAIBA MAIS!

Drapear, ou drapejar, significa dispor harmoniosamente as dobras ou pregas de um tecido ou

vestimenta. A indumentária drapeada, portanto, é aquela que se dispõe em ondulações.

Nem sempre que falamos em vestuário, falamos necessariamente em moda. Analise a

citação do livro História do vestuário no Ocidente e veja como os valores que fundamentam o

vestuário greco-romano – a estabilidade enraizada na tradição, a ausência de forma e, portanto,

de diferenciação entre os sexos, e o modo drapeado de dispor o tecido no corpo – estão distantes

dos valores que caracterizam o vestuário da moda – o enraizamento na mudança, a forma ajustada

ao corpo, a diferenciação entre os sexos e a maneira modelada, costurada e ajustada de dispor o

tecido no corpo.

De maneira simplificada, podemos considerar que a moda, como o processo que

conhecemos atualmente, surgiu no fim da Idade Média, como uma forma de a nobreza

diferenciar-se da burguesia emergente que adquiria então recursos que a permitiam vestir-se

como os nobres. Tão logo os burgueses copiavam as roupas dos nobres, esses mudavam seu

modo de se vestir, procurando distinguir-se dos primeiros, refletindo, dessa maneira, as principais

estruturas de poder social.

Na gênese da moda, a burguesia – uma nova classe social − manifestou seu desejo de ser

identificada visualmente com a camada mais elevada da sociedade, utilizando os modos de vestir

para esse fim. Do outro lado, a nobreza procurava a diferença, justamente porque não era

burguesia. Inaugura-se, então, o novo sistema que valoriza socialmente a inovação em detrimento
da tradição, no que diz respeito ao modo de vestir. É esse mecanismo de constante mudança que

caracteriza a moda, e que se choca de modo flagrante com aquele que norteia o vestuário

tradicional. Os modos de vestir sempre marcaram, junto a outros atributos, a posição social do

indivíduo. Antes de o sistema da moda se estabelecer como um processo social, na era moderna,

as regras para vestimenta, as chamadas leis suntuárias, existiam desde a Antiguidade.

SAIBA MAIS!

As leis suntuárias foram regras que visavam assegurar o uso correto por parte de cada grupo

social, embora a bibliografia aponte maior valorização da identificação com o grupo do que uma

diferenciação do indivíduo.

Logo no início de seu livro O império do efêmero, Gilles Lipovetsky localiza a moda como

um traço cultural da modernidade:

A moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações. Contra a ideia
de que a moda é um fenômeno consubstancial à vida humano-social, afirmamo-
la como um processo excepcional, inseparável do nascimento e do
desenvolvimento do mundo moderno ocidental. Durante dezenas de milênios, a
vida coletivsem a instabi a se desenvolveu sem culto das fantasias e das novidades,
lidade e a temporalidade efêmera da moda, o que certamente não quer dizer sem
mudança nem curiosidade ou gosto pelas realidades do exterior. Só a partir do
final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda
como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos,
suas extravagâncias. A renovação das formas se torna um valor mundano, a
fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em
matéria de formas e ornamentações já não é exceção mas regra permanente: a
moda nasceu. (Lipovetsky, 2006, p. 23)

A essa altura, deve estar claro que quando falamos de moda, tratamos do conceito que

se aplica às variações no modo de vestir da sociedade ocidental cuja origem coincide com os

primeiros acordes da modernidade. O estudo da moda, como sistema, deve considerar suas

formas de difusão, analisar o que as pessoas vestem, como escolhem o que vestem e quem as
influencia nessa escolha. Acima do belo, do apreço estético ou da elegância, o ciclo da moda

privilegia a novidade, a ruptura constante com o estabelecido.

O conceito de moda também está relacionado ao surgimento de uma nova

temporalidade – a temporalidade efêmera da modernidade – e, consequentemente, um novo elo

social constituído por valores que exaltavam a novidade, a mudança e o presente. “A

radicalidade histórica da moda”, diz Gilles Lipovetsky, “sustenta-se no fato de que ela institui um

sistema social de essência moderna, emancipado do domínio do passado” (Lipovetsky, 2006, p.

33).

Embora simplista, porque a gênese do fenômeno da moda é mais complexa, uma vez

que está relacionada a alterações significativas na sociedade da época, elencamos abaixo as

principais características da essência da moda:

• a dinâmica que privilegia o novo; 


• a dicotomia identificação-diferenciação; 


• a distinção que as formas de vestir permitem.

Retomando aquilo que nos diz o filósofo francês, a Era do Costume está atrelada a um

tipo de cultura tradicional, em que a vida coletiva se desenvolveu sem culto das fantasias e das

novidades, de forma estável, o que certamente não quer dizer sem mudança nem curiosidade ou

gosto pelas realidades do exterior. Enquanto a Era da Moda se firma na instabilidade e na

temporalidade efêmera. A renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe

seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e

ornamentações já não é exceção, mas regra permanente.

Querer diferenciar-se e perceber-se como subjetividade são condições fundamentais

para a instituição da lógica de sucessões próprias à realidade da moda, tal como a substituição

da noção de permanência da tradição como valor, pela valorização da novidade.


Quadro comparativo

Era do Costume Era da Moda

Cultura tradicional Cultura da moda

Na Europa ocidental, da pré-história ao


Do Renascimento ao contemporâneo
final da Idade Média

A vida coletiva se firma na instabilidade e


A vida coletiva se desenvolve sem culto
na temporalidade efêmera, pois a
das fantasias e das novidades, de forma
renovação das formas se torna um valor
estável
mundano

Dignificação do presente e anseio pelo


Prestígio do passado
futuro

Imitação dos ancestrais Imitação dos modelos presentes

Permanência Mudança

Glória a Deus Glória ao homem

Tradição Novidade

1.1 A formação da Era da Moda

Uma vez que compreendemos que o vestuário não está ligado a uma temporalidade

específica, mas à longa duração de toda a história da humanidade, podemos partir do

surgimento da ordem própria da moda, já no final da Idade Média, por volta do século XIV, e

fixar algumas fortes alterações que ocorreram na história do vestuário da moda, mas é

importante dizer que essas metamorfoses têm sempre em comum o fascínio pelo novo e o

anseio pela ascensão social. O que movimenta a moda é, essencialmente, o desejo, não a

necessidade.

Leia o que afirma Elizabeth Wilson, no livro Enfeitada de sonhos: moda e modernidade:
As formas mais antigas de “vestuário” parecem ter sido os adornos, tais como as
pinturas corporais, os enfeites, as escarificações (cicatrizes), as tatuagens, as
máscaras e fitas que apertavam o pescoço ou a cintura. As roupas, de uma maneira
geral, parecem preencher um certo número de funções sociais, estéticas e
psicológicas; elas juntam-nas e expressam-nas todas simultaneamente. Isto
verifica-se tanto no que diz respeito ao vestuário antigo como ao moderno. O que
acrescenta ao vestuário, tal como nós o conhecemos no Ocidente, é a moda. O
crescimento da cidade na Europa, na primeira fase do chamado capitalismo de
mercado, no final da Idade Média, assistiu ao nascimento do vestuário da moda,
ou seja, de qualquer coisa de qualitativamente diferente e novo. A moda é o traje,
no qual a característica fundamental é a mudança rápida e constante de estilos.
(Wilson, 1989, p. 14)

CURIOSIDADES

Importante teórica do vestuário e da moda, Elizabeth Wilson publicou o hoje clássico Adorned in

Dreams – Fashion and Modernity (Enfeitada de sonhos: moda e modernidade) em 1985. Nesta

obra, além de abordar a moda como aspecto da cultura popular, Elizabeth Wilson mostra que a

moda desempenha um importante papel na cultura pós-moderna, sendo, inclusive, um veículo

estético das ideias. Ainda não há tradução para português brasileiro do livro Adorned in Dreams.

Adotamos a tradução portuguesa, citada nas referências bibliográficas.

A gênese do vestuário da moda, como ressalta a autora, está relacionada ao

reaparecimento da vida urbana que se dá na Europa a partir do final da Idade Média, e também

às expedições militares de cunho religioso conhecidas como Cruzadas. O inglês James Laver,

historiador do vestuário, autor do clássico livro A roupa e a moda, ressalta a importância das

Cruzadas para a indumentária ocidental: “Ao retornarem para a Europa, os cruzados trouxeram

não só os tecidos orientais, mas as próprias roupas ou a técnica de corte” (Laver, 2010, p. 56). É
em meados do século XIV que a moda começa a aparecer, quando surge o gibão, “espécie de

jaqueta curta e estreita”, traje exclusivamente masculino, que marca “um tipo de vestuário

radicalmente novo, nitidamente diferenciado segundo os sexos: curto e ajustado para o homem,
longo e justo para a mulher” (Lipovetsky, 2006, p. 29).
SAIBA MAIS!

As Cruzadas foram expedições militares empreendidas do século XI ao XIII pelos cristãos do

Ocidente, por instigação do papado, que lhes fixava por alvo a libertação dos lugares santos

ocupados pelos muçulmanos.

Essa mudança no vestuário, que traz, em primeiro lugar, o uso de uma roupa mais ajustada,

além da diferença entre os gêneros agora representada na forma da roupa, participa das

alterações profundas que ocorrem na sociedade. Para que fique clara a importância do

aparecimento do gibão, reflita sobre o que nos diz Gilles Lipovetsky:

A grande novidade é, certamente, o abandono da longa e flutuante sobrecota em


forma de blusão em proveito de um traje masculino curto, apertado na cintura,
fechado por botões e descobrindo as penas, modeladas em calções.
Transformação que institui uma diferença muito marcada, excepcional, entre os
trajes masculinos e femininos, e isso para toda a evolução das modas futuras até
o século XX. (Lipovetsky, 2006, p. 30).

A partir do Renascimento, as relações estéticas entre arte e moda se tornam mais estreitas,

e os trânsitos entre arte e moda passam a ser cada vez mais relevantes para os dois campos de

atuação. Como afirma François Boucher, “de universal, uniforme e impessoal, a roupa se tornará

particular, pessoal e nacional” (Boucher, 2010, p. 154).

Observe a imagem a seguir, nela é possível ver a reprodução da iluminura do século XV de

Jean Froissart que mostra o rei e a rainha da França, Carlos VI e Isabel da Baviera, entre cavaleiros

na assinatura do Tratado de Troyes. Repare no traje curto dos cavaleiros que reverenciam o rei.
Figura 3 – Traje curto dos cavalheiros
Fonte: wikipedia

SAIBA MAIS!

O Renascimento foi um movimento cultural, artístico e econômico que ocorreu na Europa por

volta dos séculos XV e XVI. Renascimento: Período que se inicia no século XIV e termina no

século XVI, sendo marcado por transformações na cultura, na sociedade, na economia, na

política e na religião. Caracteriza a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa.

Nas Artes, o aparecimento da perspectiva registra uma nova forma de representar, e,

portanto, de olhar os acontecimentos e suas relações com o passado, constituído pelas

civilizações greco-romanas, que compõem o legado cultural ocidental. Além do surgimento da

perspectiva no campo da arte, o Renascimento guarda ainda outras características que se

relacionam fortemente com o vestuário e a dinâmica da moda. A forte presença do Humanismo

engendrou o surgimento de novas construções urbanísticas, como o reconhecimento do espaço

da cidade; além disso, alterou a percepção do corpo; promoveu a ascensão da burguesia e,

como indicamos, a disseminação da cultura da moda.

A definição de vestuário da Enciclopédia Einaudi ressalta a importante relação dos

artistas do Renascimento com a roupa e a moda:


A partir do Renascimento, a tradição ocidental levou a individuação do trajo às
suas últimas consequências. Até então o trajo masculino consistia essencialmente
numa espécie de blusa comprida e larga. Ora, no século XIV, após uma série de
modificações verificadas ao longo de uma geração, este trajo transforma-se
radicalmente a ponto de se tornar uma espécie de casaco muito curto e aderente,
o gibão, enquanto a parte inferior do corpo se cobre com uns calções justos. A
figura feminina sofre uma evolução análoga através da afirmação de uma linha
que adere ao corpo, respeitando embora a forma tradicional do trajo feminino.
Assim, o trajo ocidental funda-se doravante numa concepção anatômica do corpo,
semelhante à que se manifesta na pintura do Renascimento: a elaboração do trajo
parte sempre de uma precisa atenção à anatomia, mesmo quando tende a
remodelá-la completamente, como no período maneirista. Contrariamente ao que
dantes acontecia, o novo trajo baseia-se inteiramente na confecção e no corte: é
um trajo feito para um certo corpo e que dificilmente se pode adaptar a outro;
exige a arte do alfaiate que, a partir desta época, ocupa um lugar de primeiro
plano no real e no imaginário (comparecendo nos contos populares como uma
espécie de mediador diabólico). Às diferenças devidas à anatomia vêm depois
juntar-se as que dependem da forma, da cor, da ornamentação, que fazem desta
época, e em particular do Renascimento italiano, um período em que o trajo
exprime ao mais alto grau a fantasia individual. (Burgelin, 1995, p. 353)

O traje passa a ter como função a expressão de todos os valores desta sociedade, uma

sociedade preocupada, acima de tudo, com a aparência. Nos salões da nobreza, surgiam as novas

modas, que eram, imediatamente, copiadas pela burguesia, ávida por manifestar também os sinais

de poder e prestígio. Às sociedades de corte do século XVI ao XVIII atribui-se a autoria das criações

de todas as novidades surgidas nesse período no campo da moda. Todos queriam manifestar sua

importância, poder e influência por meio de uma moda que reproduzia o culto ao ócio e às

aparências.

A ilustração a seguir reproduz o vestido à la française de meados do século XVIII.


Figura 4 – Vestido à la française
Fonte: @PixelWorks

Data do século XVI o aparecimento de uma peça fundamental do vestuário da nobreza

que atestava o privilégio aristocrático: o rufo. Como afirma James Laver, desde o início do século

XVI ...

O decote dos trajes masculinos e femininos “era cortado quadrado e baixo, e,


acima dele, via-se a parte superior da chemise. Os homens também, nos primeiros
anos do século, usavam decotes, com a parte superior da camisa aparecendo.
Passava-se um cordão na extremidade, e este, quando apertado, nos dá uma ideia
do que seria o rufo da segunda metade do século. Quando, a partir de 1570, ele
surgiu acima da gola alta do gibão, mantinha a cabeça em atitude de desdém.
Não é necessário dizer que o rufo era um sinal de privilégio aristocrático. É um
exemplo extremo da tendência de as roupas masculinas mostrarem que aqueles
que as usavam não precisavam trabalhar, ou mesmo realizar qualquer tarefa que
exigisse esforço, e, à medida que o século avançava, os rufos foram ficando cada
vez maiores, a tal ponto que é difícil imaginar como as pessoas conseguiam levar
os alimentos à boca. (Laver, 2010, p. 81, 91)

No século XVII, surge o Barroco, um novo estilo comprometido com a representação da

expressão e da emoção genuína do homem. A intensidade e o jogo de luz e sombra se destacam

nas obras de Caravaggio, Rembrandt e Velázquez. O modelo absolutista, bem como as formas de

ostentação de seu poder, permanece.

Na moda, França e Holanda exercem na Europa uma hegemonia quase absoluta no que se

refere à maneira de se vestir. Percebe-se um processo de desconstrução do traje feminino e


masculino, mais especificamente a partir da segunda metade do século XVII. A moda masculina é

particularmente sofisticada. “Havia uma mania de usar amontoados de fitas”, narra James Laver,

“não só nos calções como também nos ombros e em outras partes. O efeito geral das roupas

masculinas dessa época era o de uma fantástica negligência” (Laver, 2010, p. 112). O rufo foi,
gradativamente, sendo substituído por uma gola ampla e caída. As roupas femininas, igualmente

largas e aparentemente desleixadas, ganham mais volume; os vestidos possuem mangas bufantes.

Entre os principais personagens deste período está Luís XIV, o Rei Sol, que fez de Versalhes,

na França, na segunda metade do século XVII, a corte mais prestigiada e copiada no mundo inteiro.

Observe a imagem a seguir, é o retrato de Luís XIV, rei da França, década de 1670.

Miniatura, pintura sobre esmalte, feita por Jean Petito. Victoria and Albert Museum.

Figura 5 – Retrato miniatura de Luís XIV, pintado sobre esmalte


Fonte: vam.ac.uk

Sobre ele, James Laver afirma: Luís XIV “estava empenhado, obtendo sucesso considerável,
em tornar a França o árbitro da Europa, não só politicamente como também em questões de

gosto” (Laver, 2010, p. 116). Da França saíam as novidades em regras de etiqueta, comportamento

e, principalmente, moda.

O Renascimento Cultural e a Revolução Científica, concretizada pelas experiências de

Newton, Descartes, Galileu-Galilei, entre outros, culminaram no surgimento do Iluminismo no

século XVIII. A era da razão, do conhecimento, da liberdade e também do exagero nos modos de

vestir marcam esse período.

O século XVIII é a última parada nesta corrida pela ostentação dos valores da nobreza. A

etiqueta social e a lógica do prestígio se destacam, promovendo ainda mais os sentidos e os novos

valores da corte. Neste período, acontecimentos importantes ocorrem, como a Revolução

Industrial, a independência americana e a Revolução Francesa. Mas, até o final do século, a nobreza

permanece lançando moda – uma moda cada vez mais luxuosa e exagerada.

Amparada pelo Rococó e suas formas rebuscadas, mas ao mesmo tempo leves e delicadas,

a moda apresenta-se por meio da riqueza dos adornos e dos bordados nas roupas, além de fitas,

babados, laços e até artigos de decoração.

A moda apresenta-se por meio da riqueza dos adornos e dos bordados nas roupas, além

de fitas, babados, laços e até artigos de decoração. Observe a seguir desenhos franceses do final

do século XVII, que fazem parte da coletânea do Metropolitan Museum of Art.


Figura 6 – Desenhos franceses do final do século XVII
Fonte: The Metropolitan Museum of Art

As perucas masculinas ganham proporções monumentais, e os penteados femininos

podiam chegar a 80 centímetros de altura. Sobre eles eram colocados enfeites de toda ordem,

como flores, pássaros e até barcos em miniatura. As armações das saias tornaram-se ainda maiores

e os decotes, mais ousados. A moda ainda era dada como referência da corte, sobretudo a de

Versalhes.

Para os homens, a moda era usar um casaco comprido aberto e ornamentado na frente e

com rendas e botões nos punhos; colete bordado, feito em tecido diferente do casaco; calção até

abaixo dos joelhos; sapatos com salto e fivelas de ouro e chapéu tricórnio. Por baixo do casaco,

vestia-se uma camisa enfeitada com rendas no punho, no peito e na gola.

Com a Revolução Francesa, em 1789, o clima de luxo e ostentação é substituído pelo culto

à simplicidade e à vida no campo, bem ao estilo inglês. Passam a ser valorizados, então, os trajes

mais simples.

Observe as imagens a seguir:


Figura 7 – Trajes masculinos, ambos do final do século XVIII
Fonte: Fashion Institute of Technology

Para os homens, a moda era usar um redingote, casaco comprido aberto e ornamentado

na frente e com rendas e botões nos punhos. Repare na diferença entre os dois trajes

masculinos, ambos do final do século XVIII, abrigados na coleção do Fashion Institute of

Technology.

O primeiro, mais escuro, é francês e data de 1785. É feito de veludo listrado verde e bege,

com bordado de seda. A roupa masculina decorada era símbolo de masculinidade e poder.

Entretanto, mesmo que o segundo traje, o verde-oliva, ainda esteja atrelado ao padrão

aristocrático da vestimenta masculina do Antigo Regime, o clima de luxo e ostentação é

substituído por uma certa simplicidade. O traje não tem mais de uma cor, o volume do jabô

diminui, o colete é mais curto e termina na altura da cintura.

A ordem agora era tirar a corte de cena e implementar um Estado burguês cujo regime

político não seria mais o Antigo, aristocrático, mas a República, pautada nos ideais democráticos

e modernos da liberdade, da igualdade e da fraternidade.


O desenvolvimento dessa história, porém, nos mostrou que os ideais da Revolução

Francesa foram, gradativamente, sendo submetidos ao poder econômico, ao peso do dinheiro e

do capital, e a moda terá um papel fundamental na implementação da sociedade burguesa – e

reorganização da aristocracia – que se dá ao longo do século XIX. É nos Oitocentos que se

instala, definitivamente, e se consolida o sistema da moda como o conhecemos e

experimentamos hoje, deixando de ser uma prerrogativa de classe para se tornar, aos poucos,

um fenômeno da democracia.

Referências bibliográficas

BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente: das origens aos nossos dias. Tradução
André Telles. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

BURGELIN, Olivier. Vestuário. Tradução Maria Bragança. Enciclopédia Einaudi v. 32 (Soma/psique


– Corpo). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995, p. 337-363.

Dicionário enciclopédico ilustrado Larousse. São Paulo: Larousse do Brasil, 2007.

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. Tradução Glória Maria de Mello Carvalho.
12a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
Tradução Maria Lucia Machado. 9a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Tradução Maria João Freire.
Lisboa: Edições 70, 1989.

Sites

FASHION INSTITUTE OF TECHNOLOGY

Disponível em: <http://fashionmuseum.fitnyc.edu/view/objects/asitem/759/21/dynasty-


desc?t:state:flow=68d9f723-85de-47da-b9f9-2718e989b949> Acesso em: 24 abr 2017

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART

Disponível em: <http://www.metmuseum.org/art/collection/search/414980> Acesso em: 24 abr


2017
VICTORIA AND ALBERT MUSEUM

Disponível em: <http://collections.vam.ac.uk/item/O82090/portrait-of-louis-xiv-1638-enamel-


miniature-petitot-jean-sr/> Acesso em: 24 abr 2017

WIKIMEDIA

Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Isabeau_of_Bavaria_and_Charles_VI_at_the_Treaty_of_Troy
es.jpg> Acesso em: 24 abr 2017
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