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Palhoça
2010
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Palhoça
2010
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Prof.(ª) e Orientadora Karla Leonora Dahse Nunes Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Antônio Manoel Elíbio Júnior Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
3
À Flávia.
4
AGRADECIMENTOS
“As combinações em que nenhuma das partes interessadas perde, e, mais ainda, aquelas em
que todas ganham, serão sempre as melhores”. (Barão do Rio Branco)
6
RESUMO
ABSTRACT
This paper refers to a research of unconventional warfare and diplomatic efforts that Plácido
de Castro and Rio Branco have done inside the disputes for the Acre territory, taken place on
the beginning of the Twentieth Century. The literature survey was essentially pure, theoreti-
cal, explanatory and qualitative. Its general purpose was to understand a supposed connection
between "the book and the sword" in that particular passage of the Brazilian Military History,
in order to make the role of irregular warfare associated with the systematic use of diplomacy
visible to the historical-scientific world. The unconventional warfare was a major trend of the
last century, but it would achieve its most value throughout and after the World War II. In
Brazil, Plácido de Castro inaugurates this kind of doing business, not anymore with a goal of
expelling invaders colonialists, but to ensure a real right over territories whose ownership was
not fully or precisely defined. Recruiting tappers, obtaining supplies, political and financial
support by rubber growers, structuring a real insurrection, Plácido fought alongside other Bra-
zilians and reaffirmed by arms and blood the Brazilian possession of the region. Complicating
factors as the presence of exogamous interests from out of South America, the interference of
the Bolivian Syndicate; previous national guidance in accepting the Bolivian possession of the
disputed territory, the Peruvian interference on the issue, finally, a range of specificities
turned the diplomatic arbitration into an impossible solution and forced Paranhos Júnior to
show up his virtues of a statesman, allied to others related to a lawyer, an historian and a geo-
grapher. After months of fighting and negotiations to sign the Treaty of Petrópolis, Brazil has
gained an area of nearly 200,000 square kilometers in exchange for small territorial, cash and
business compensations. The survey did show, in its conclusion, it is possible to interpret the
actions undertaken by Plácido and Rio Branco, as the combination, even with imperfect con-
tours, of the concepts proposed by Joseph Nye of hard and soft power (smart power). Geopo-
litically speaking, Brazil would deserve Acre because its location, configuration of its main
rivers and tributaries and its population, whose presence in the region facilitated the employ-
ment of the principle of uti possedetis already solidified at that time.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9
1.1 TEMA ................................................................................................................................. 10
1.2 PROBLEMA ...................................................................................................................... 10
1.2.1 Formulação do problema .............................................................................................. 11
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 12
1.4 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 13
1.4.1 Objetivo Geral .............................................................................................................. 13
1.4.2 Objetivos Específicos .................................................................................................... 13
1.5 METODOLOGIA............................................................................................................... 14
1.6 FONTES UTILIZADAS ................................................................................................... 15
2 GENERALIDADES ........................................................................................................... 18
2.1 FUNDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A GUERRA IRREGULAR ............. 19
2.2 BREVE RESUMO DO CONFLITO ................................................................................ 23
2.3 DO ARGUMENTO DIPLOMÁTICO DO UTI POSSEDETIS ........................................ 25
3 PLÁCIDO DE CASTRO: O ESFORÇO GUERRILHEIRO ........................................ 27
4 BARÃO DO RIO BRANCO: O ESFORÇO DIPLOMÁTICO ..................................... 33
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 38
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 44
9
1 INTRODUÇÃO
O estudo da História Militar do Brasil ganha importância cada vez maior no campo
das pesquisas acadêmicas nacionais. Escrever sobre uma passagem histórica em que sacrifí-
cios reais e esforços intelectuais de compatriotas remodelaram as fronteiras brasileiras tem um
significado relevante para este pesquisador.
É que existe um interesse pessoal do autor pelo estudo da guerra irregular, particu-
larmente, dos combates ocorridos no Brasil e conduzidos por brasileiros contra tropas/grupos
estrangeiros. Outro objeto de pesquisa pessoal do autor da monografia repousa sobre o traba-
lho de inestimável valor da diplomacia nacional, no seio da qual se destaca o nome do patrono
das Relações Exteriores Brasileiras, José Maria da Silva Paranhos Júnior. Não havia, pois, em
sintonia com essa visão, passagem mais representativa na história castrense desse país – na
visão do autor – do que a que foi tratada na presente pesquisa.
O assunto em tela – a interação entre Plácido de Castro e Paranhos Júnior nesse pro-
cesso relativamente curto, mas de extremo valor para a História Militar e Diplomática do Bra-
sil – será, nesse trabalho, introduzido no capítulo 1, que versa sobre matérias relativas ao te-
ma, ao problema, à justificativa, aos objetivos e à metodologia empregada na monografia, de
modo a ambientar o leitor acerca da estrutura formal em que se baseou o autor para a elabora-
ção dos raciocínios ora apresentados.
No capítulo 2, são expostas generalidades, que se compõem basicamente por breve
resumo da Questão do Acre e por alguns comentários acerca de fundamentos doutrinários da
guerra irregular, terminando com uma exposição de um argumento muito utilizado pelo Brasil
ao longo das discussões para a solução de temas ligados à delimitação de suas fronteiras: o uti
possedetis.
São esmiuçados, no capítulo 3, aspectos concernentes ao esforço guerrilheiro, orien-
tado e dirigido por Plácido de Castro no Acre. A idéia é começar, desde aquele momento, a
caracterizar a importância do que foi realizado por esse gaúcho, em consonância com os ar-
gumentos utilizados pelo Barão do Rio Branco nas tratativas e negociações com a Bolívia e
outros atores internacionais a respeito da contenda.
Aliás, as ações do Barão são o tema do capítulo 4, e, nessa parte do trabalho, será
ressaltada a visão estratégica e pacificadora, porém firme, de Paranhos Júnior, ao enfrentar
aquele que seria definido por historiadores e juristas desde então, como o maior desafio que
10
Rio Branco teve de resolver, situação na qual se viu obrigado a utilizar de suas qualidades de
estadista e não somente de seus conhecimentos em História, Geografia e Direito.
Finalmente, no capítulo 5, apresentam-se as considerações finais obtidas ao longo da
pesquisa e ressaltam-se os principais aspectos da conjugação dos movimentos militares irre-
gulares e diplomáticos oficiais em torno da solução de um problema comum, qual seja, a de-
limitação de uma fronteira longínqua e “naturalmente” brasileira, mas ainda não formalmente
reconhecida como tal.
1.1 TEMA
1.2 PROBLEMA
Nesse sentido, esse trabalho procura responder à seguinte pergunta: de que forma se
estabeleceu uma interação entre os combates irregulares conduzidos por Plácido de Castro e
as ações diplomáticas do Barão do Rio Branco que, conjugados, culminaram com a conquista
do Acre?
11
A saga da conquista do Acre é um assunto que merece enorme atenção por parte da-
queles que se entregam ao estudo da História Militar Brasileira. Ainda que os esforços empre-
endidos pelos combatentes de Plácido de Castro – ex-militar, major da reserva do Exército,
com carreira polêmica e conturbada, que trabalhava na região como agrimensor – não tenham
sido oficialmente patrocinados pelo Estado Brasileiro à época, não fazendo tais “soldados”
parte do Exército Brasileiro, a defesa de seus interesses pelo uso da força foi ao encontro do
interesse estatal e contribuiu para que aquela porção de território amazônico se agregasse efe-
tivamente ao patrimônio espacial do Brasil.
Por outro lado, a serviço explícito e oficial do Estado Brasileiro, o Barão do Rio
Branco – advogado, jornalista e diplomata de carreira, chefe do Serviço Estrangeiro do Brasil
à época – empreende uma verdadeira guerra diplomática. As disputas não se resumiam a inte-
resses de países amazônicos, notadamente Brasil e Bolívia, mas envolviam também vontades
e capital exógenos ao subcontinente sul-americano, como os do Bolivian Syndicate, um con-
glomerado de empresas anglo-americanas que pretendia explorar a borracha no local e se
constituía em grande empecilho para que os brasileiros se apossassem efetivamente da área
em litígio. Ainda, Rio Branco teve de conduzir verdadeira campanha interna para convencer
as elites brasileiras contemporâneas de que a luta diplomática era necessária, mesmo que se
admitisse, inicialmente, ser boliviano o território disputado e, posteriormente, pagar conside-
rável soma em dinheiro por ela, além de doar uma pequena porção de terra, como forma de
indenização pela perda de superfície “imposta” à Bolívia.
Como se percebe apenas pela leitura do resumo impreciso e superficial acima apre-
sentado, a ação de um e de outro, de Plácido e de Rio Branco, da guerra irregular e da diplo-
macia, enfim, os esforços conjugados, inicialmente não coordenados e alegadamente não pro-
positados, foram de vital importância para que o fim da questão fosse favorável ao Brasil e
não-prejudicial à Bolívia.
O problema formulado está justamente na interação acidental entre os esforços irre-
gulares e os diplomáticos na Questão do Acre. Se atualmente se entende imprescindível tal
ação coordenada, à época, não se vislumbrava, no Brasil, a importância da citada interação. E
mais, nesse caso particular, não parece ter havido um planejamento prévio, mas um aprovei-
tamento por parte do Barão de uma situação militar de fato criada/conquistada pelos soldados
de Plácido de Castro.
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Assim, foi pesquisado o desenrolar dessa relação, verificando-se de que forma a inte-
ração entre tais esforços contribuiu para uma solução pacífica e definitiva para uma questão
fronteiriça que poderia abalar as relações exteriores do Brasil, não só no âmbito da América
do Sul, mas também com os Estados Unidos da América (EUA) e interesses europeus.
No tempo, a pesquisa se limitou à assinatura do Tratado de Aycacucho1, a saber, fins
do século XIX e início do século passado (aproximadamente, entre os anos de 1867 e 1903).
Há possibilidade de se extrapolarem os limites impostos esporádica e episodicamente, ao lon-
go da pesquisa, apenas para se ter uma melhor compreensão da origem das motivações pesso-
ais de Plácido de Castro e de Rio Branco.
No espaço, percorreram-se os acontecimentos e as relações históricas ocorridos na
região amazônica (nacional e estrangeira) e na, então capital federal, Rio de Janeiro. O foco
será nessas regiões, porém, alguns fatos ocorridos além desses limites poderão ser investiga-
dos en passant, com o fim de compreender os reflexos de tais acontecimentos exteriores na
questão interna vivida pelo Estado e pela porção da população brasileira diretamente envolvi-
da na resolução da crise em tela.
1.3 JUSTIFICATIVA
A definição das fronteiras para um Estado se constitui em algo muito sensível. Limi-
tes mal-definidos entre Estados podem abalar relações entre países por décadas, prejudicar
uma das partes economicamente e influenciar na construção da identidade coletiva das nações
envolvidas na questão. Esse seria um primeiro argumento para que se entenda altamente ne-
cessária a realização da presente pesquisa, uma vez que se está lidando justamente com esse
assunto: a delimitação de uma porção dos limites brasileiros, numa das partes do território
nacional priorizadas pela atual Estratégia Nacional de Defesa: a Amazônia.
_________________
1
O referido tratado fora assinado num momento (27 de março de 1867) em que as bacias do Alto Purus e do
Alto Juruá, embora exploradas e conhecidas como brasileiras, ainda não estavam povoadas. Devido ao caráter
propositalmente precário de suas disposições acerca dos limites entre Brasil e Bolívia, havia a necessidade de,
em algum momento posterior – e mais propício, tendo em vista o Brasil encontrar-se em guerra contra o Para-
guai quando de sua adoção – à sua assinatura, se conduzirem novas negociações para que tais limites se tornas-
sem definitivos (LINS, 1945, p. 402 - 403). Maiores comentários acerca do assunto serão desenvolvidos nas
páginas que se seguem.
13
Ainda, o presente estudo tem relevância operativa, pois adentra novas abordagens li-
gadas ao campo da ciência pura, ao mesmo tempo em que é relevante cientificamente, pois
contribui para o desenvolvimento científico do estudo da História Militar Brasileira.
No mais, a interdisciplinaridade implícita ao estudo em tela reforçou a importância
de se levar a cabo tal pesquisa. A História Militar e a História da Diplomacia brasileiras foram
conectadas e estudadas em conjunto, a fim de que o problema proposto pudesse ser devida-
mente solucionado.
Em resumo, a pesquisa em tela se justificou por buscar ressaltar o relacionamento
frutífero para o Estado Brasileiro entre soldados e diplomatas para a consecução de tudo aqui-
lo que lhes parece mais caro: a consolidação de suas fronteiras, a independência de seu povo,
a integridade de seu território e o domínio de suas riquezas.
1.4 OBJETIVOS
O presente estudo visa empreender uma revisão bibliográfica acerca de uma suposta
relação existente entre militares (ainda que irregulares) e diplomatas que atuaram na conquista
do Acre no início do século passado, à luz da História Militar, procurando dar visibilidade no
mundo histórico-científico ao papel relevante da guerra irregular associada ao uso sistemático
da diplomacia.
1.5 METODOLOGIA
No decurso dessa pesquisa, as fontes utilizadas pelo autor podem ser agrupadas, para
uma melhor compreensão de como os dados foram obtidos, em três grupos bem definidos:
fontes técnicas, fontes históricas e contos com matizes inventados por seus autores.
No primeiro grupo, tem-se:
- Visacro (2009), uma obra dedicada ao estudo da guerra irregular ao longo da Histó-
ria, com grande foco nos movimentos eclodidos no século passado. O autor dessa monografia
se valeu dos conceitos definidos por Visacro para integrá-los às ações realizadas por Plácido
de Castro ao deflagrar o Acre contra a dominação boliviana.
- Bevin (1999), livro que realiza uma avaliação do tipo de guerra para o qual os Esta-
dos Unidos deveriam estar preparados a partir do nascimento do século XXI, a fim de se man-
terem como única superpotência mundial. Suas idéias foram úteis para a elaboração de com-
parações entre as ações de guerrilheiros no passado e no futuro, contra e a favor das ações e
dos interesses do Estado.
- Ferreira (2005), artigo que trata de alguns conceitos ligados ao estudo das relações
internacionais (soft, hard e smart power) atuais, propostos por Joseph Nye Jr., e que possibili-
tou ao autor dessa monografia a melhor caracterização da interação entre as ações de Plácido
de Castro e de Rio Branco na solução da Questão do Acre a favor do Brasil e em detrimento
da extensão territorial boliviana, mas não de sua dignidade.
- Ramos (2008), tratado jurídico-doutrinário sobre Direito Empresarial, do qual o
presente pesquisador importou alguns conceitos – como os de aviamento e de direito de ine-
16
rência – que auxiliaram na montagem de um raciocínio mais preciso acerca da interação entre
os militares irregulares e os diplomatas na Questão do Acre.
- Marquis (1997), obra realizada por uma funcionária do Departamento de Defesa
dos Estados Unidos acerca dos esforços militares, políticos e legislativos para que as forças de
operações especiais daquele país (tropas encarregadas de, dentre outras tarefas, desenvolver
movimentos guerrilheiros nos Estados contra os quais os norte-americanos estejam em guerra)
pudessem se reerguer depois de um intenso período de cortes orçamentários, a partir do tér-
mino da Guerra do Vietnã. O presente pesquisador utilizou de informações dessa obra para
bem caracterizar o tipo de guerra desenvolvida por Plácido de Castro, quando do desenvolvi-
mento do seu Exército Acreano.
Das fontes históricas (de maior importância para a presente pesquisa), pode-se citar:
- Bandeira (1975), obra de grande valor pela imensa pesquisa realizada pelo autor,
com o intuito de desvanecer as relações de poder entre o Brasil e os Estados Unidos ao longo
da história desses países. No que tange ao Acre, dois capítulos do livro abordam diretamente a
problemática e foram utilizados para o fornecimento de dados que possibilitassem a solução
do problema proposto, particularmente quanto ao esforço diplomático.
- Barbosa (1906), obra polêmica publicada por Rui Barbosa para contrapor a outro
jurista sobre opiniões e citações expressas por Rui no processo em que o baiano representava
o Estado do Amazonas no Supremo Tribunal Federal em sede de ação em que tal Estado-
membro pretendia a anexação do Acre ao seu território. O autor da monografia em tela se
utilizou desse raro exemplar para melhor enxergar o caráter jurídico-comercial da transação
realizada pelo Brasil e pela Bolívia para a solução do conflito.
- Brasil (2002), obra publicada pelo Itamaraty para comemorar o centenário da as-
sunção do Ministério das Relações Exteriores pelo Barão do Rio Branco, que conta a história
fotográfica desse ícone da diplomacia brasileira. No que se refere especialmente ao Acre, tece
importantes comentários a respeito da atuação de Paranhos Jr nesse incidente histórico, tendo
se constituído em primordial fonte de dados para a elaboração da presente pesquisa.
- Castro (2002), republicação de um livro escrito pelo irmão de Plácido de Castro,
cuja utilização foi de extremo valor nesse trabalho. As transcrições e opiniões inseridas na
obra por Genesco auxiliaram o autor a compreenderem mais o esforço guerrilheiro empreen-
dido pelos acreanos e dirigido por Plácido.
- Filhos (1999), livro escrito por experiente e eminente diplomata, historiador e pes-
quisador interessado pela definição dos limites brasileiros com os demais Estados sul-
17
americanos, cuja leitura e análise tornaram mais claro o esforço diplomático do Barão e o
guerrilheiro dos acreanos.
- Lima (1960), biografia do gaúcho Plácido que muito contribuiu para uma mais am-
pla compreensão do papel de Castro no desenvolvimento da insurreição empreendida por ele
no Acre, na alvorada do século XX.
- Lins (1945), biografia do Barão que permitiu uma análise mais profunda da partici-
pação de Rio Branco na Questão do Acre.
- Mattos (1980), obra focada nas questões geopolíticas da Amazônia, em que o gene-
ral comenta aspectos que muito elucidaram tal viés da questão, particularmente, o caráter
classificado pelo estudioso como inevitável de caracterização da região contestada como bra-
sileira.
- Moura (2010), utilizada como base inicial para o estudo do tema, a obra serviu co-
mo fornecedora de dados direcionadores da realização da pesquisa em tela.
Por fim, as obras com nuances fictícias:
- Gomes (2005) e Meira (1964), livros em que os autores, apesar de se utilizarem de
imensa fonte de dados históricos sobre assunto, inserem elementos fictícios ao enredo vivido
por Plácido de Castro e seus seguidores, de modo a preencher determinadas lacunas e a dar
vida a personagens criados, no intuito de enriquecer a trama da conquista do Acre. Tendo em
vista a pesquisa realizada por Gomes e por Meira, a despeito da precária credibilidade históri-
ca como fonte de que suas obras gozam dado ao acréscimo de dados inventados, alguns as-
pectos por ele inseridos foram, ao menos, comentados nessa monografia, e apresentados como
mais uma possibilidade de aquisição de conhecimentos acerca da Revolução Acreana.
18
2 GENERALIDADES
Passar-se-á, neste momento, à apresentação daquilo que foi pesquisado sobre o tema da
monografia em tela. Esta primeira seção tratará de aspectos gerais acerca da Revolução Acre-
ana, de modo a permitir uma permeabilidade maior nas seções que, em seguida, se apresenta-
rão, compondo, conjuntamente, a revisão bibliográfica realizada.
A epígrafe em destaque nesta seção tem por finalidade introduzir o estudo da guerra ir-
regular, e a escolha do autor citado não foi ao acaso. Em seu livro A guerra do futuro, Bevin
procura mostrar a importância crescente dos combates irregulares no mundo, particularmente
nos países em desenvolvimento. Na citação em destaque, podem-se identificar algumas técni-
cas empregadas empiricamente por Plácido e seus soldados. É o que se passará a perceber nas
linhas que se seguem.
Antes, porém, far-se-á uma discussão introdutória. É bastante comum encontrar-se na li-
teratura afim a esse contexto a menção à expressão Revolução Acreana. Mas terá mesmo sido
o movimento armado conduzido por Plácido de Castro uma revolução? Visacro (2009, p. 224)
define guerra revolucionária como sendo
uma forma peculiar de luta armada que compreende ações no campo militar de fe-
nômeno político-social bem mais amplo, de cunho extremista, destinado à conquista
do poder, à transformação da ordem vigente e à implantação de um novo sistema
calcado em preceitos ideológicos. (grifos nossos)
Desprovido de fundo ideológico, o movimento liderado por Plácido seria mais bem ca-
racterizado como insurrecional, conceito identificado por Visacro (2009, p. 224) com uma
sublevação popular “fundamentada, apenas, em reivindicações políticas, sociais e/ou econô-
micas específicas e limitadas, como a concessão de direitos ou a restituição de prerrogativas”.
Tratar-se-á, neste trabalho, o movimento em tela como revolução ou como insurreição, indife-
rentemente, em respeito a uma expressão de certa forma consolidada na literatura, ainda que o
segundo conceito seja mais preciso.
19
A guerra irregular foi definida por Visacro (2009, p. 13) como “todo conflito armado
conduzido por uma força que não dispõe de organização militar formal e, sobretudo, de legi-
timidade jurídica institucional”.
Por organização militar formal pode-se entender como sendo a existência de uma
força armada bem caracterizada, com postos e graduações bem definidos, regulamento de
honras e disciplinar, doutrina de emprego e visão de futuro como instituição. Os seringueiros
de Plácido de Castro decididamente não possuíam tais características.
Já a legitimidade jurídica institucional estaria ligada ao fato de haver, dando suporte
a essa força, um Estado legitimamente constituído sob leis aceitas, no mínimo, pela maioria
da população, definindo-lhe funções, papéis e missões. O Estado Independente do Acre, cria-
do pela Junta Revolucionária, tendo à frente Plácido de Castro, não poderia dar ao seu movi-
mento, num primeiro momento pelo menos, o tipo de legitimidade a que Visacro se refere.
Diante da definição apresentada pelo autor em comento, não seria difícil verificar a
subsunção do tipo de combate realizado por Plácido de Castro ao que Visacro (2009) aponta
como sendo a guerra irregular propriamente dita. Daí a importância do estudo de tais concei-
tos nesse momento: facilitará o entendimento mais preciso do que foi executado por Plácido
para a anexação indireta do Acre ao Brasil, em detrimento da Bolívia.
Em sua obra, Visacro (2009) analisa diversos conflitos em que a guerra irregular foi
utilizada, particularmente, no século passado, dentre as quais podem ser citadas a Revolta
Árabe (1916-1918) e a Revolução Islâmica (1979). Entretanto, a parte de sua obra que será
foco de estudo no presente trabalho diz respeito a um conjunto de características comuns aos
diversos combates irregulares, o que foi apresentado pelo autor ao longo das 49 páginas de
uma seção de seu livro chamada “Pressupostos Teóricos da Guerra Irregular”.
Visacro (2009, p. 221-269) definiu um ambiente favorável à eclosão de uma guerra
irregular a situação em que reunidos, ainda que parcialmente, alguns fatores. Dentre os apre-
sentados pelo autor, alguns são destacados quando se contextualiza com o fato histórico em
comento:
- Incremento demográfico superior à capacidade de ingerência do Estado: as secas
no Nordeste brasileiro do fim do século XIX, particularmente, a de 1878, fizeram com que
mais de quinhentos mil nordestinos – cearenses em maior número – migrassem para a Região
20
Amazônica em busca da borracha (FILHO, 1999, p. 284). Esse aumento demográfico na regi-
ão agravou a impotência estatal em cuidar de seus cidadãos, em ambos os lados da fronteira.
- Ausência do Estado e Inexistência de sólida tradição institucional: diretamente co-
nectado com o fator acima referenciado, nem a Bolívia nem o Brasil eram presentes na região
institucionalmente falando;
- Existência de interesses externos antagônicos: quando Visacro (2009, p. 232) faz
menção a esse fator, expõe a idéia de que seria pouco provável o desenvolvimento de forças
irregulares (normalmente compostas por: força de sustentação, responsável por prover supri-
mentos e, eventualmente, informações ao movimento; força subterrânea, encarregada de reali-
zar ações de sabotagem, subversão e outras clandestinas de caráter diverso; e a força de guer-
rilha, composta pelo braço ostensivamente armado do movimento, responsável pelas ações de
maior envergadura do movimento), sem que houvesse apoio (financeiro, material, doutrinário,
etc) vindo de um Estado com interesse na resolução da contenda que o lado apoiado viesse a
aproveitar.
No caso em estudo, não há relatos, ao menos nos documentos e publicações consul-
tados, de que Plácido de Castro tenha obtido algum apoio externo, mas o auxílio prestado pelo
Governo do Amazonas ao movimento pode ser assim caracterizado nesse contexto, tendo em
vista que os revolucionários não tinham ligação formal com nenhum Estado, nem mesmo com
o Brasil, que ganharia com a anexação forçada do Acre ao seu território. Havia, sim, in casu,
o interesse externo, mormente o dos Estados Unidos, quanto à preservação dos lucros prome-
tidos a seus investidores comprometidos com o “Bolivian Syndicate”, o que será mais bem
estudado quando da análise da ação de Rio Branco, pois não houve grandes conseqüências
militares, mas sim de caráter diplomático-financeiro.
- Aspirações nacionalistas: ao se contextualizar esse aspecto apresentado por Visacro
(2009, p. 233), é preciso se fazer uma ressalva: os combatentes de Plácido não queriam criar
definitivamente outra Nação ou outro Estado. Suas aspirações estavam direcionadas à con-
quista do território pleiteado para o Brasil por uma via oblíqua, diferente de se empregar dire-
tamente o Exército Brasileiro numa guerra de conquistas ou de usar o Itamarati para impor
algum tipo de perda oficial de território à Bolívia. Todas as ações de Plácido, porém, confor-
me análise de ofícios por ele expedidos quando no exercício da função de Comandante em
Chefe do Exército do Estado Independente do Acre, tinham alto cunho patriótico, mas se
mantendo fiel aos interesses brasileiros, ainda que inconfessáveis diplomaticamente à época.
- Atuação da intelligentsia nativa: uma liderança intelectual que consiga se fazer en-
tender aos populares, ao mesmo tempo em que estabelece compatibilidade entre seus objeti-
21
- Não-linearidade: não havia uma frente única de combate. A idéia era a conquista
das localidades, sem que fosse instituída uma linha de contato ou linha de partida, de onde
seria previsível sair um ataque ou onde seria ideal se montar uma posição defensiva.
- Difícil detectabilidade: devido ao relativamente pequeno efetivo empregado nas
ações de Plácido sobre as localidades bolivianas, era de extrema dificuldade ao inimigo saber
22
exatamente onde se encontravam os acreanos ou de onde eles sairiam para um próximo ata-
que.
- Ausência de padrões rígidos de planejamento e execução: não havia tempo, nem
treinamento militar formal aos revolucionários que lhes proporcionassem condições de desen-
volvimento de planejamentos ou padronizações para a execução das manobras militares leva-
das a cabo, o que se constituía numa vantagem, pois quanto mais imprevisíveis as manobras
do inimigo, mais difícil a preparação para uma reação contra suas ações.
- Insubordinação a restrições legais: atuando à margem dos Estados e respondendo
individual e privadamente por suas condutas, a tropa de Plácido não estaria engessada pelas
imposições legais como, certamente, as tropas regulares do Exército Brasileiro estariam, se
lhes fosse ordenada a conquista do Acre em caráter oficial, por meio da guerra formal e con-
vencional. Mais uma vantagem para os combatentes irregulares em detrimento dos conven-
cionais.
O estudo desses pressupostos conduz o raciocínio dos mais atentos à conclusão par-
cial de que Plácido de Castro liderou brasileiros num combate irregular com nuances próprias,
mas bastante enquadrado nas definições apresentadas pelo Visacro (2009). É com esse enfo-
que que se estudará a interação entre tais combates e a ação da diplomacia brasileira.
Uma reflexão final sobre a guerra irregular deve ser feita antes de se concluir a sub-
seção em tela. Bevin (1999) faz grandes conjecturas acerca do tipo de guerras para as quais os
Estados Unidos, última superpotência sobrevivente ao término da Guerra Fria, deveria se pre-
parar. Seu raciocínio, depois de larga revisão histórica de campanhas irregulares do século
XX, como a Guerra dos Bôeres, os combates de Giap, Lawrence da Arábia, Mao, dentre ou-
tros, conduzia o leitor a achar que os EUA deveriam se preparar para combater nações mais
fracas militar e economicamente, que se preparariam para uma guerra distinta, em que a dis-
paridade de meios não viesse a influir tanto. Ou seja, as vantagens de se combater irregular-
mente repousariam sobre os mais fracos.
A guerra irregular a que essa pesquisa se direciona está mais identificada com a des-
crita por Marquis (1997). Em seu estudo sobre a guerra irregular e a reconstrução das forças
de operações especiais norte-americanas, particularmente, após o fracasso da ação no Irã, em
1980, a autora tece comentários acerca de como os EUA tinham usado e continuariam a usar
ações indiretas contra inimigos mais fracos. Aqui, as ferramentas da guerra irregular seriam
usadas contra nações mais fracas militar e economicamente, pois não existe nenhuma outra
nação no mundo atual capaz de comparar-se aos estadunidenses nesses quesitos.
23
Mattos (1980, p. 58) aborda a Questão do Acre sob um ângulo geopolítico. As índole
econômica e geográfica da região, ambas “incontornáveis”, faziam com que o pêndulo da
vitória tendesse para o lado brasileiro. Com o surgimento da exploração da borracha naquelas
terras, a população boliviana, basicamente instalada nos altiplanos andinos, não tinha fácil
acesso à região. Ao contrário, os brasileiros, favorecidos pela alta permeabilidade dos rios
amazônicos, conseguiam extrair o látex sem maiores dificuldades para se estabelecerem no
local.
Somando a esses fatores, o fim do século XIX foi marcado por extensas secas no
Nordeste brasileiro, destacando-se a de 1877-78, que teria “empurrado” centenas de milhares
de cearenses para a Amazônia, na esperança de terem sorte melhor ao perseguirem a riqueza
que a borracha prometia lhes oferecer. Durante vinte anos, a população nordestina permanece-
ra no Acre sem maiores questionamentos, até que surge repentinamente um poder político
estranho ao local, impondo restrições fiscais, sem ter legitimidade real reconhecida para tal
(MATTOS, 1980, p. 58).
Em realidade, o Brasil, a Bolívia e o Peru – sucedendo, na verdade, a Portugal e Es-
panha – possuíam, havia algumas décadas, interesses na região acreana e disputavam diplo-
maticamente a propriedade daquela fronteira longínqua (a Bolívia não tinha condições de dis-
putar a posse, já que a área contestada era, com os recursos da época, praticamente inacessível
para sua população).
24
Mattos (1980, p. 52-56) apresenta um resumo dos acontecimentos políticos mais im-
portantes ligados à região, nos últimos dez anos antes da solução, entre 1894 e a assinatura do
Tratado de Petrópolis, os quais se apresentarão em curtas palavras abaixo:
- instalação de posto alfandegário boliviano em Porto Alonso, executado por José Pi-
ravicini, embaixador boliviano no Brasil, em 03 de janeiro de 1899;
- expulsão das autoridades bolivianas de Porto Alonso pelos seringalistas (liderados
por José Carvalho), em 03 de maio de 1899;
- tratativas secretas entre Piravicini e autoridades diplomáticas norte-americanas, em
Belém, oportunidade em que o boliviano oferece vantagens financeiras ligadas ao comércio
da borracha, além de franquear a livre navegação ao longo dos rios da região (coincidem com
o incidente provocado pelo comandante da canhoneira estadunidense Wilmington e as autori-
dades de Belém e de Manaus);
- veladamente apoiado por Ramalho Junior, Governador do Estado do Amazonas (u-
nidade da Federação mais afetada com as medidas bolivianas na região: perda de parte da
produção de borracha), Luiz Galvez instala, em Porto Alonso, a República do Acre, em 14 de
julho de 1899;
- a Marinha do Brasil expulsa Luiz Galvez e restabelece a autoridade boliviana na
região em Porto Alonso, 23 de março de 1900;
- ressurgimento da revolução acreana, na seqüência, composta por combatentes mo-
bilizados por Joaquim Victor da Silva, pelo grupo do engenheiro Gentil Norberto e pela expe-
dição conhecida como “revolução dos poetas”;
- derrota dos “poetas” e aprovação por parte dos bolivianos do contrato de arrenda-
mento do Acre ao Bolivian Syndicate, definido por Mattos (1980, p. 54), como consórcio an-
glo-americano com sede em Nova Iorque, a quem caberia exercer direitos de administração
sobre o território arrendado, cobrar impostos e direitos alfandegários, usufruir das terras, e-
xercer autoridade e assegurar, pela força, caso necessária, a garantia desses direitos e garanti-
as;
- chegada da notícia do contrato anteriormente citado aos jornais de Manaus, junho
de 1902;
- entrada no conflito de Plácido de Castro, particularmente motivado contra a instala-
ção do Bolivian Syndicate na região, iniciando os combates em 06 de agosto de 1902;
- mobilização, recrutamento, expansão, concentração, cadastramento militar de se-
ringueiros do baixo e do alto Acre feito pelo próprio Plácido de Castro;
25
das ex-colônias recém libertadas e, diante da falta de um argumento distinto do emprego das
armas, ter a posse real do território era considerado um grande trunfo (FILHO, 1999, p.209).
Em realidade, na visão de historiadores e juristas hispano-americanos, quando se uti-
liza a expressão uti possedetis, está-se diante de um gênero, cujas espécies são: o uti possede-
tis juris e o uti possedetis de facto. O primeiro resultaria dos títulos coloniais, de propriedade,
que cada Estado surgido de seus respectivos processos de independência seria capaz de pro-
duzir, onde a ocupação era irrelevante: discutia-se a validade, a autenticidade, o valor do do-
cumento constitutivo da propriedade. O Brasil se valia, realmente, da segunda espécie, sendo
utilizado justamente na situação em que não havia documento válido – ou pacificamente acei-
to pelos contendores – que acabasse com a dúvida e a posse era a única maneira viável de se
definir algo quanto à propriedade (FILHO, 1999, p. 210).
É de todo interessante notar que, no caso em tela, a idéia de se utilizar desse princí-
pio para a definição das fronteiras brasileiras com a Bolívia foi primeiro aventada por aqueles
que tinham interesses contrapostos aos do Império:
Isso ocorreu em 1837, durante as discussões que manteve em La Paz com o Mare-
chal Santa Cruz, para negociar um tratado de amizade e limites. Curiosamente foi o
Governo do então Presidente da Confederação Peruano-Boliviana que, alegando a
não-vigência do Tratado de Santo Idelfonso para seu país, sugeriu o princípio. Do
Brasil, ao contrário, recebeu Ponte Ribeiro instruções para se cingir às fronteiras
descritas em Santo Idelfonso. O diplomata ponderou ao Rio de Janeiro que a Confe-
deração não reconhecia como obrigatório para ela os tratados entre a Espanha e Por-
tugal, propondo que “em lugar de fazê-los valer pela força, convém ao Brasil apro-
veitar-se daquela declaração e argumentar sobre o uti possedetis” (FILHO, 1999, p.
207).
A independência dessa feraz região é, no meu ver, uma fatalidade que se impõe à
Bolívia, como a morte aos seres vivos. A Bolívia julgou, bem como o Peru e os de-
mais povos de origem espanhola neste continente, que seu povo não era o mesmo da
Espanha, que tinha outras aspirações, outro destino histórico, etc., daí a luta que sus-
tentou por sua independência, dando lugar à formação da Confederação Peru-
Boliviana, de efêmera existência, pela mesma causa. E entre o Acre e a Bolívia essa
razão por ela invocada em sua época gloriosa não será a mesma? (PLÁCIDO DE
CASTRO, grifo nosso)
[...] mostram que Plácido sabia bem quais os direitos que cada um dos interessados
na posse daquela região podia invocar para defender sua posição. Esse conhecimen-
to justifica plenamente o plano que traçou para anexar o Acre ao Brasil, sem que sua
pátria pudesse tornar-se passível da acusação de haver feito uma conquista territorial
de um país mais fraco. [...] Assim, também, ao comunicar-me a decisão que tomara,
Plácido disse que pretendia desligar da Bolívia toda a região habitada por brasileiros,
proclamando-a independente, e mais tarde anexá-la ao Brasil (CASTRO, 2002, p. 46
- 47).
As palavras acima foram ditas pelo autor do livro, irmão de sangue de Plácido. A
transcrição a seguir é de uma carta escrita por Rodrigo de Carvalho, então membro da “Junta
Revolucionária”, solicitando recursos ao Sr. José Galdino Marinho:
[...] Reunida a Junta Revolucionária [...] ficou por ela deliberado com unânime a-
provação de todos, o seguinte: nomear o nosso concidadão José Plácido de Castro,
para dirigir as operações militares, como Comandante em Chefe das mesmas, para o
qual concorremos com todo o nosso apoio moral e material; [...] Notificará a forma-
ção do Governo às nações americanas e pedirá ao Governo Brasileiro a anexação à
Pátria Brasileira [...] apelo para o vosso nunca desmentido patriotismo e digna ener-
gia, para concorrerdes com os recursos ao vosso alcance. (CASTRO, 2002, p. 47 -
48).
Quais os verdadeiros recursos materiais e bélicos com que poderá contar, numa regi-
ão esquecida, onde um boi custa um conto de réis, como este também é o preço de
um rifle ou de um muar? E o material humano a ser adestrado para uma campanha
militar que exige preparação técnica especial, ajustada às singularíssimas condições
locais a serem utilizadas como teatro da guerra?
A transcrição abaixo realizada tem relação com aspectos logísticos e apoio da popu-
lação local e governo estadual próximo interessado numa solução favorável aos revolucioná-
rios. Nas palavras de Plácido de Castro:
Depois de entender-me com o Coronel Joaquim Victor, que foi sem dúvida o acrea-
no que maiores sacrifícios pecuniários fez pela revolução, ficou acordado descermos
até “Caquetá”, onde se achava o Diretor da Mesa de Rendas do Estado do Amazo-
nas, que proclamava lhe haver remetido o Governador deste Estado grande cópia de
armamentos com destino à revolução. (CASTRO, 2002, p. 54).
[...] Em 23 de junho chegaram-me às mãos alguns jornais que noticiavam como de-
finitivo o arrendamento do território acreano e estampavam o teor do contrato, então
firmado entre a Bolívia e o ‘Bolivian Syndicate’. Era uma completa espoliação feita
aos Acreanos. Veio-me a idéia cruel de que a Pátria Brasileira se ia desmembrar;
pois, a meu ver, aquilo não era mais do que o caminho que os Estados Unidos abri-
am para futuros planos, forçando-nos desde então a lhes franquear à navegação os
nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte do Brasil ensejaria aos
30
Da análise da citação acima, extraída dessas notas inéditas que teriam sido feitas a
pedido de Euclides da Cunha (CASTRO, 2002, p. 53), fica claro que Plácido de Castro tivera
a visão de se expor para que o Brasil não o fizesse. Foi uma ação deliberada e bem planejada.
Um cidadão desvinculado do Estado poderia se insuflar contra o governo boliviano sem que o
Brasil estivesse necessária e ostensivamente envolvido na questão.
Por outro lado, o que se objetiva com o trecho acima destacado é ter em mente que o
fator catalisador, acelerador da participação de Plácido de Castro na revolução em tela foi a
possibilidade de os Estados Unidos da América intervirem de alguma forma na questão, sob o
pretexto de proteger os interesses do Bolivian Syndicate e, com isso, abrir de uma vez o Ama-
zonas à navegação estrangeira.
Aliás, como bem ressalta Lima (1973, p. XIX-XX), as “insidiosas forças do mal” de-
sejavam se aproveitar da situação, colocando em lados opostos países irmãos. Não importan-
do qual dos lados perdesse em caso de guerra, os vencedores reais seriam Estados estrangeiros
fora do subcontinente sul-americano:
do o Coronel Galdino no comando da guarnição de Xapury, agora com algo em torno de 150
homens, partira para novas conquistas territoriais e de efetivos para a Revolução.
Depois da emboscada boliviana na “Volta da Empreza”, oportunidade em que se
perderam vários homens, víveres e suprimentos em geral (tendo sido uma derrota grande para
a Revolução), Plácido decide reorganizar-se em “Bagaço”, onde determinou medidas ligadas
ao uniforme, de modo a dificultar a identificação por parte do inimigo dos combatentes em
função de comando, mas ainda manteve o “azulão” como uniforme principal revolucionário.
Plácido se reorganiza e, contando com novas adesões, forma quatro unidades de va-
lor batalhão: uma em Novo Destino, com 150 homens; uma em Pelotas, com 100 homens;
uma em Acreano, com 300 homens e outra em Xapury, com 300 homens. O armamento utili-
zado era o Winchester 44. Já os bolivianos contavam com uma vanguarda de 340 homens e
uma unidade de 500 homens em Abunã. Seu armamento era o Mauser argentino (MOURA,
2010, p. 145-146).
Gomes (2005, p. 131) traz números distintos quanto à tropa de Plácido: sete bata-
lhões, estando quatro (Acreano, com 260 homens; Independência, com 400; Liberdade, com
560, e Franco Atirador, com 350) diretamente sob suas ordens e outros três espalhados (Pelo-
tas, 300 homens; Xapuri, 300, e Novo Destino, 300). Cita, ainda, a existência de “outros es-
parsos em vários pontos”.
Interessante notar que Gomes (2005, p. 131), apesar da precariedade de sua avaliação
como fonte histórica precisa, dá a entender que, após a reorganização citada, o Exército Acre-
ano teria deixado de ser uma tropa irregular, tendo-se já configurada a existência de um pe-
queno exército regular. Segundo essa tese, haveria terminado a fase de desenvolvimento do
movimento chamado organização e expansão, citada por Visacro (2009, p. 265), passando-se
mais efetivamente à fase seguinte de emprego em combate.
A despeito da classificação que se dê ao estado de organização em que o Exército
Acreano estava nesse momento, pode-se imaginar o fluxo logístico que Plácido teve de orga-
nizar, de maneira irregular, para manter esse efetivo em combate: munição e comida para
quase novecentos homens durante 171 dias de guerra (logicamente, esse efetivo deve ter flu-
tuado, para mais e para menos, facilitando ou dificultando ainda mais a cadeia de suprimentos
de Plácido).
Sua força de sustentação deveria ser bastante eficiente, mas a capacidade de resistir
dos nordestinos, agora acreanos, foi essencial para a amenização desse problema. O soldado
boliviano, vindo dos altiplanos, sofria demasiadamente com a selva, ao contrário do acreano
que, acostumado com as vicissitudes do nordeste, combatia em melhores condições.
32
[...] a primeira indicação, visando de fato uma conquista disfarçada, nos levaria a ter
procedimento em contraste com a lealdade com que o Governo Brasileiro nunca
deixou de guardar no seu trato com outras nações. Entraríamos em aventura perigo-
sa, sem precedentes em nossa história diplomática... E a conquista disfarçada que,
violando a Constituição da República, iríamos assim tentar se estenderia, não só so-
bre o território a que nos julgávamos com direito, mas também sobre o que lhe fica
ao sul, incontestavelmente boliviano em virtude do Tratado de 1867... porque, – é
preciso não esquecer, – o problema só se podia resolver ficando brasileiros todos os
territórios ocupados pelos nossos nacionais. (BARÃO DO RIO BRANCO)
A epígrafe introdutória a essa seção pretende ressaltar a visão do Barão acerca da so-
lução dada à Questão do Acre. O caráter inicial dessa passagem permite antecipar, em parte,
os argumentos que serão descritos a seguir, mostrando uma preocupação do Itamarati de, no
caso em tela, respeitar a Constituição vigente, prestigiar as tradições de lealdade da diploma-
cia nacional no trato com as demais nações e limitar mesmo possíveis conquistas mais preju-
diciais à Bolívia, caso se viesse a resolver o assunto por meio de uma conquista disfarçada.
Nesse sentido, a primeira missão do Barão, ao assumir o Ministério das Relações Ex-
teriores do Brasil, foi a de resolver a Questão do Acre. Os arbitramentos anteriores – Wa-
shington e Berna – lhe renderam fama e gratidão da população brasileira, mas o desafio agora
era mais complexo e perigoso: três adversários (a Bolívia, o Peru e o Bolivian Syndicate) e a
existência de um posicionamento da diplomacia nacional – de quase quarenta anos – admitin-
do o Acre ser boliviano. Diante desses fatores complicadores, recorrer à saída salvadora de
outrora, o arbitramento internacional, era muito arriscado (BRASIL, 2002, p. 74).
Aliás, refutando sugestão de Villazon, que advogava pela submissão da questão ao
Tribunal de Haia, Paranhos Júnior argumenta
Diga arbitragem é recurso bastante demorado e para ser empregado depois se for in-
dispensável. O interesse dos dois países é que cheguemos quanto antes ao arranjo
amigável das dificuldades presentes, o que, havendo boa-vontade, é perfeitamente
possível. Convém, portanto, entremos com urgência na negociação apenas iniciada e
interrompida de um acordo direto (LINS, 1945, p. 421).
Sua estratégia, inicialmente, era separar os oponentes, com intuito de negociar com e-
les na base do “one-on-one”, bilateralmente. Segundo Lins (1945, p. 423), a idéia de Rio
Branco era negociar primeiro com a Bolívia, que se negou a tal, confiando que o Bolivian
Syndicate (obliquamente, os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, que tinham investido
34
nessa sociedade empresária) lhe serviria de apoio para sustentação dos seus argumentos frente
ao Brasil.
O protocolo de 1899, assinado pela Bolívia com os norte-americanos, garantia-lhe a-
poio na defesa dos seus direitos sobre o Acre, Purus e Iaco, diplomática, financeira ou mili-
tarmente, no caso de guerra com o Brasil. Os EUA ainda se comprometiam a pressionar o
Brasil a nomear comissão demarcadora de fronteiras definitivas entre o Purus e o Javari e para
que concedesse livre trânsito para produtos bolivianos nas alfândegas de Belém e de Manaus.
A Bolívia, em troca, abatia pela metade os direitos de importação a todas as mercadorias esta-
dunidenses e um quarto sobre a borracha com destino aos portos norte-americanos, por dez
anos. Em caso de guerra com o Brasil, os bolivianos denunciariam o Tratado de Ayacucho,
passando a defender a linha de fronteira que passaria pela boca do Acre e os EUA tomariam
posse do território restante. Ainda, os ianques seriam os financiadores da guerra para a Bolí-
via, ficando com as rendas alfandegárias da Bolívia como hipoteca (BANDEIRA, 1973, p.
154).
Em 2001, a Bolívia assinaria, em Londres, outro protocolo, pelo qual o Bolivian Syn-
dicate assumiria a administração do Acre, tendo o direito de instituir polícia e equipar força
armada ou barcos de guerra, para a defesa de territórios ou manutenção da ordem interna
(BANDEIRA, 1973, p. 157).
Da análise das informações contida nos parágrafos anteriores ou mesmo de sua sim-
ples leitura, percebe-se o quão delicada deveria ser a forma de se lidar com o envolvimento do
Bolivian Syndicate na contenda, pois, a despeito do absurdo do que esse contrato trazia acerca
do arrendamento de terras, com perda de poderes de soberania para uma sociedade empresária
estrangeira (óbvio, com personalidade jurídica de direito privado), o Brasil poderia atrair para
a guerra um país que já se pronunciava como futura grande potência mundial, estando tal na-
ção lutando ou apoiando o lado contrário.
Essa espécie de chartered company viria a encontrar dificuldades para começar sua
empresa na região desde a assinatura do contrato com o governo boliviano, pois o presidente
brasileiro à época, Campos Sales, apesar de não demonstrar oposição clara ao que se firmava
entre um Estado e um ente com personalidade jurídica de direito privado, negou a livre nave-
gação no Amazonas, o que, na prática, inviabilizou o acesso dos estrangeiros ao Acre (BRA-
SIL, 2002, 74).
No extrato de carta, de Assis Brasil (Ministro do Brasil nos Estados Unidos) ao Barão,
a seguir transcrito, torna-se evidente as tratativas brasileiras junto aos estadunidenses para que
aceitassem a indenização proposta
35
Rio Branco ratifica essa posição e começa as negociações com a companhia. Ao fim,
estabeleceu-se uma indenização de 110 mil libras esterlinas para o Syndicate e alguns adicio-
nais para agentes mantidos pelo Barão na própria companhia e advogado, resultando em mais
5 mil libras em gastos, pagos em 10 de março de 1903 (BANDEIRA, 1973, p. 164). O gover-
no dos Estados Unidos só tinha um interesse na questão: resguardar o investimento feito por
seus cidadãos. Assim, paga a indenização que caberia à Bolívia, nada tinham a opor ao intento
brasileiro (FILHO, 1999, p. 292).
As negociações com o Peru, que havia sugerido uma negociação trilateral, foram adia-
das para depois de resolvido o tema com a Bolívia (o que fora proposto pelo Barão). Resta-
vam, agora, as discussões com os bolivianos. O maior problema é que Olinto de Magalhães,
antecessor de Paranhos Júnior na pasta dos negócios exteriores, havia tornado pública sua
opinião de que o Acre não era brasileiro, o que tornara ainda mais difícil reverter tal situação.
Acontece que o Barão já acompanhava e pensava nessa questão desde os tempos em que era
Ministro em Berlim, conforme se vê na transcrição abaixo de uma carta sua a Hilário de Gou-
veia
[...] há esta questão do Acre que, bem manejada, e rompendo-se com a má interpre-
tação dada em 1868 ao Tratado de 1867, poderia afirmar, por esse lado, o nosso di-
reito sobre um território imenso. Não haveria inconveniente em dizermos que tí-
nhamos dado aquela inteligência ao tratado somente para favorecer a Bolívia, mas
que estamos resolvidos a sustentar agora a verdadeira inteligência, isto é, a defender
a linha do paralelo de 10º 20’, que já foi grande concessão feita àquela República,
porque, nulo o Tratado de 1777, tínhamos direito de ir muito mais ao sul, até as nas-
centes dos tributários do Amazonas que ocupávamos na foz e curso inferior [...] Mas
o Olinto (a Secretaria) continua a defender a absurda linha oblíqua do Madeira à
nascente do Javari, em vez do paralelo de 10º 20’, e a dizer que o que fica ao sul da
oblíqua (o Acre) é boliviano ou peruano e não brasileiro. [...] Se não é brasileiro com
que direito havemos de impedir as operações do sindicato americano? (BRASIL,
2002, p. 75).
O cerne do problema residia no fato de que o Tratado de Ayacucho, de 1867, foi im-
preciso na delimitação daquela região. Da foz do rio Beni, dever-se-ia tirar uma paralela, na
latitude 10º 20’, até a nascente do Rio Javari, que não se sabia onde era exatamente. Admitiu-
se ser um paralelo, porque se imaginava que a nascente estaria na mesma latitude, mas, caso
não estivesse, havia duas interpretações possíveis, para o caso de o Javari nascer nalguma
posição ao norte do esperado (o que veio efetivamente a se confirmar pelos cálculos do coro-
36
No momento oportuno (Luís Viana Filho frisa em Rio Branco a característica de es-
perar para agir na hora exata), muda radicalmente a posição tradicional da Chancela-
ria brasileira sobre o tratado de 1867: em janeiro de 1903 instrui o Ministro do Brasil
em La Paz a comunicar ao Governo local que a interpretação brasileira do acordo de
1867 passava a ser a que a “linha leste-oeste” era a “paralela”. Cortou-se o nó gór-
dio: “de um momento para o outro, o território até então reconhecido como bolivia-
no torna-se litigioso” (FILHO, 1999, p. 292).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
bastante apropriado ao campo temático estudado nessa disputa, destacando-se entre elas o seu
caráter internacionalista, tendo em vista ter sido criado para facilitar as trocas comerciais entre
sociedades empresárias de países distintos. Por outro lado, na Revolução Acreana, o que aca-
bou ocorrendo, na prática, foi uma solução envolvendo recursos financeiros a nível interna-
cional, ou seja, o Tratado de Petrópolis tinha uma essência de contrato comercial, tendo em
vista a consensualidade, a onerosidade e a bilateralidade, presentes em suas cláusulas.
Aliás, Troplong citado por Barbosa (1906, p.8), resume bem o caráter jurídico do tra-
tado
Deixada de lado a questão jurídica acima levantada apenas como discussão acessória,
alguns questionamentos se apresentam cujo debate nessa seção final do trabalho, tendo em
vista o caráter geral que possuem e a possibilidade de se extraírem conclusões pertinentes
acerca da interação entre as ações de Plácido e de Paranhos, é bastante valioso.
Começa-se por esse: seria possível estabelecer uma relação entre a forma como a
Questão do Acre foi conduzida – e resolvida – e os conceitos de smart power (equilíbrio entre
os poderes duro, hard power, e brando, soft power; entre a força e o consenso, ou seja, o po-
der inteligente), proposto para os Estados Unidos por Nye Joseph Jr, em 1980? É preciso, de
plano, ressaltar que não há indícios de que o Estado Brasileiro (leia-se o Governo Federal)
tenha oficialmente apoiado o movimento dos seringueiros e seringalistas, com armas, supri-
mentos ou mesmo, numa fase anterior, estimulando o crescimento populacional especifica-
mente na área contestada com fins de, num futuro próximo, protestar pela anexação da região
ao território nacional.
Em sentido contrário, houve certa tolerância, aceitação tácita do movimento por parte
de sucessivos governos federais brasileiros. Verifica-se isso, mesmo se levando em conta a
iminência ou os riscos, cada vez mais caracterizados, de uma guerra contra a Bolívia, esta
provavelmente apoiada pelos Estados Unidos, e a despeito do envio de forças navais brasilei-
ras para a região com a finalidade de restabelecer a autoridade boliviana em duas oportunida-
des.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1891, em seu artigo primeiro rezava:
solução, de forma a que o Brasil não pudesse vir a ser acusado num futuro próximo de ter
anexado o Acre por via indireta.
Tais ofertas de Rio Branco foram, à época, incompreendidas e bastante criticadas por
muitos intelectuais e políticos. Rui Barbosa, inicialmente compondo a equipe de negociação
do Tratado de Petrópolis, ao saber das intenções de Paranhos de ceder inclusive parte do terri-
tório brasileiro não-contestado, prefere deixar o grupo, por entender que o Brasil não precisa-
ria e não deveria fazer tamanhas concessões (BRASIL, 2002, p. 77). Talvez não tenha tido a
mesma visão de estadista de que dispunha o Barão.
Esses questionamentos são relevantes porque o Estado Brasileiro – à época, os Esta-
dos Unidos do Brasil, esse sim, pessoa jurídica de direito público externo, capaz de assumir
deveres perante os demais Estados e de defender direitos em face deles – não estaria direta-
mente envolvido e poderia, caso confirmado o envolvimento oficial do Amazonas, ser pres-
sionado para conter a ação de um membro da Federação, mas jamais acusado de intencional-
mente agir contra um país mais fraco e forçar-lhe a venda de parte de seu território.
Nesse sentido, trazendo o acontecido para os dias atuais, verifica-se que a idéia de se
conduzir uma guerra irregular com objetivos dessa magnitude ou com conseqüências dessa
grandeza, possivelmente, não surgiria no seio de particulares e, caso surgisse, certamente seria
apoiada indireta, sigilosa e clandestinamente pelo Estado que aproveitaria o resultado da revo-
lução.
Poderia ser considerada, então, adequada a idéia de que as ações de Plácido de Cas-
tro e de Rio Branco, conjugadas, ainda que sem planejamento e de forma não-intencional,
teriam caracterizado de alguma forma o uso do smart power por parte do Brasil em face da
Bolívia?
Na visão de Ferreira (2005, p. 2), as idéias de Nye – ou seu entendimento – sobre o
poder duro podem ser assim definidas
Já o poder brando, de cujo uso proporcional, ótimo e coordenado com o soft power
surgiria o smart power, foi assim explicado em citação de Nye constante na obra de Ferreira
(2005, p. 3),
42
Na política mundial, é possível que um país obtenha os resultados que quer porque
os outros desejam acompanhá-lo, admirando os seus valores, imitando-lhe o exem-
plo, aspirando ao seu nível de prosperidade e liberdade. Neste sentido é igualmente
tão importante estabelecer a agenda na política mundial e atrair os outros quanto for-
çá-los a mudar mediante a ameaça ou o uso das armas militares ou econômicas. A
este aspecto do poder – levar os outros a querer o que você quer –, dou o nome de
poder brando. Ele coopta as pessoas, ao invés de coagi-las.
Internacional e com a tradição da política exterior do Brasil. Por isso colocou o pro-
blema na base de aquisição do Acre mediante compensações territoriais e pecuniá-
rias. Um acordo em que não houvesse vencido nem vencedor. (LINS, 1945, p. 429).
[...] No primeiro informa-me V. Ex. do desejo manifesto por esse governo de que as
forças bolivianas subjuguem de vez os Acreanos. Responda terminantemente que
nisso não podemos concordar. [...] não há utilidade alguma em que o Governo Boli-
viano se empenhe em previamente subjugar os nossos compatriotas que queremos
proteger, livrando-os de vinganças e violências e evitando conflitos entre eles e as
tropas bolivianas. A idéia de desforra e castigo é inconveniente e impolítica nesse
caso. Se as tropas bolivianas conseguissem vencer e esmagar os Acreanos, haveria
em todo o Brasil um movimento irresistível de opinião que nos arrastaria à guerra.
[...] Não podemos fazer desarmar os nossos compatriotas atenta a proximidade das
tropas bolivianas. Não podemos concordar em que estas penetrem no Acre Meridio-
nal durante as negociações, sobretudo depois de sabermos que o que se quer é exer-
cer ali vinganças. (LINS, 1945, p. 425-426).
Não contasse o Brasil com a brilhante atuação de dois líderes em campos distintos e
a aquele trecho de fronteira teria sido motivo para o surgimento de maiores problemas ao lon-
go do século passado. Sem a sinergia resultante das ações de Plácido e de Rio Branco, não se
poderia, talvez, vivenciar o relacionamento fraterno e harmonioso que os dois países mais
envolvidos na questão possuem hoje.
É com esse espírito de reconhecimento que se termina essa monografia, pedindo-se
vênia para, nestes últimos parágrafos, mesmo em detrimento do rigor acadêmico, relativizar a
imparcialidade requerida pela Ciência e adentrar o patriotismo estimulado pela Memória.
44
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