Você está na página 1de 46

0

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

VÍTOR HUGO DE ARAÚJO ALMEIDA

PLÁCIDO DE CASTRO E RIO BRANCO: A GUERRA IRREGULAR E A DIPLO-


MACIA NA DEFINIÇÃO DA FRONTEIRA NORTE DO BRASIL

Palhoça
2010
1

VÍTOR HUGO DE ARAÚJO ALMEIDA

PLÁCIDO DE CASTRO E RIO BRANCO: A GUERRA IRREGULAR E A DIPLO-


MACIA NA DEFINIÇÃO DA FRONTEIRA NORTE DO BRASIL

Monografia apresentada ao curso de pós- graduação lato sensu


em História Militar, da Universidade do Sul de Santa Catarina - Cam-
pus Unisul Virtual, como requisito parcial à obtenção do grau de Es-
pecialista em História Militar.

Orientadora: Prof. (ª) Karla Leonora Dahse Nunes Dra.

Palhoça
2010
2

VÍTOR HUGO DE ARAÚJO ALMEIDA

PLÁCIDO DE CASTRO E RIO BRANCO: A GUERRA IRREGULAR E A DIPLO-


MACIA NA DEFINIÇÃO DA FRONTEIRA NORTE DO BRASIL

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Es-


pecialista em História Militar e aprovado em sua forma final pelo
curso de pós- graduação lato sensu em História Militar, da Univer-
sidade do Sul de Santa Catarina - Campus Unisul Virtual.

Aprovada em, 19 de agosto de 2010.

______________________________________________________
Prof.(ª) e Orientadora Karla Leonora Dahse Nunes Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Prof. Antônio Manoel Elíbio Júnior Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
3

À Flávia.
4

AGRADECIMENTOS

Aos professores do Curso de Especialização em História Militar da Unisul, em parti-


cular, ao Sr. Cel Carneiro, pelo estímulo e orientação constantes ao longo da especialização.
À professora Karla, pela orientação precisa e atenta em todos os trabalhos realizados
no decorrer da pós-graduação e, de modo especial, na elaboração dessa monografia.
Aos meus pais, pelo que tudo fizeram e fazem.
À Flávia, pela presença estimulante e compreensiva.
A Deus, pela coragem, pela força e pela fé.
5

“As combinações em que nenhuma das partes interessadas perde, e, mais ainda, aquelas em
que todas ganham, serão sempre as melhores”. (Barão do Rio Branco)
6

RESUMO

O presente trabalho se refere ao estudo da conjugação de esforços militares (irregulares) e


diplomáticos empreendidos por Plácido de Castro – junto a seus seguidores – e o Barão do
Rio Branco na conquista do Acre, no início do século XX. A pesquisa realizada foi essenci-
almente bibliográfica, pura, teórica, explicativa e qualitativa. Seu objetivo geral era compre-
ender uma suposta relação existente entre “o livro e o sabre” nessa passagem particular da
História Militar do Brasil, com o intuito de dar visibilidade no mundo histórico-científico ao
papel relevante da guerra irregular associada ao uso sistemático da diplomacia. O combate
não-convencional foi uma grande tendência militar do século passado, mas teria seu uso mais
disseminado ao longo e após a 2ª Guerra Mundial. No Brasil, Plácido de Castro inaugura essa
espécie de condução de guerra não mais com o objetivo de expulsar invasores colonialistas,
mas de garantir um direito real sobre territórios cuja propriedade não estava completa ou pre-
cisamente definida. Recrutando seringueiros, obtendo suprimentos, apoio político e financeiro
de seringalistas, estruturando um verdadeiro movimento insurrecional, Plácido combateu ao
lado de brasileiros que reafirmaram, pelas armas e pelo sangue, a posse brasileira da região.
Complicadores como a presença de interesses exógenos à América do Sul, representados na
região pelo Bolivian Syndicate; a orientação anterior nacional em aceitar boliviana a porção
de território naquele momento contestada; a interferência peruana sobre a questão, enfim, toda
uma gama de especificidades fez com que o arbitramento se tornasse uma solução inviável e
forçou que Paranhos Júnior utilizasse de virtudes de estadista, aliadas às de jurista, historiador
e geógrafo. Após meses de combates e negociações, assina-se o Tratado de Petrópolis, tendo o
Brasil incorporado um território de quase 200.000 km², em troca de pequenas compensações
territoriais, pecuniárias e empresariais. A pesquisa buscou mostrar, em suas considerações
finais, que é possível interpretar as ações empreendidas por Plácido e por Rio Branco, como a
combinação, ainda que com contornos imperfeitos, dos conceitos propostos por Joseph Nye
de hard e soft power (smart power). Geopoliticamente falando, o Acre já seria brasileiro pela
sua localização, configuração dos principais rios e afluentes e pela população, cuja presença
na região facilitou o emprego do já solidificado à época princípio do uti possedetis.

Palavras-chave: Revolução Acreana. Guerra irregular. Diplomacia. Geopolítica.


7

ABSTRACT

This paper refers to a research of unconventional warfare and diplomatic efforts that Plácido
de Castro and Rio Branco have done inside the disputes for the Acre territory, taken place on
the beginning of the Twentieth Century. The literature survey was essentially pure, theoreti-
cal, explanatory and qualitative. Its general purpose was to understand a supposed connection
between "the book and the sword" in that particular passage of the Brazilian Military History,
in order to make the role of irregular warfare associated with the systematic use of diplomacy
visible to the historical-scientific world. The unconventional warfare was a major trend of the
last century, but it would achieve its most value throughout and after the World War II. In
Brazil, Plácido de Castro inaugurates this kind of doing business, not anymore with a goal of
expelling invaders colonialists, but to ensure a real right over territories whose ownership was
not fully or precisely defined. Recruiting tappers, obtaining supplies, political and financial
support by rubber growers, structuring a real insurrection, Plácido fought alongside other Bra-
zilians and reaffirmed by arms and blood the Brazilian possession of the region. Complicating
factors as the presence of exogamous interests from out of South America, the interference of
the Bolivian Syndicate; previous national guidance in accepting the Bolivian possession of the
disputed territory, the Peruvian interference on the issue, finally, a range of specificities
turned the diplomatic arbitration into an impossible solution and forced Paranhos Júnior to
show up his virtues of a statesman, allied to others related to a lawyer, an historian and a geo-
grapher. After months of fighting and negotiations to sign the Treaty of Petrópolis, Brazil has
gained an area of nearly 200,000 square kilometers in exchange for small territorial, cash and
business compensations. The survey did show, in its conclusion, it is possible to interpret the
actions undertaken by Plácido and Rio Branco, as the combination, even with imperfect con-
tours, of the concepts proposed by Joseph Nye of hard and soft power (smart power). Geopo-
litically speaking, Brazil would deserve Acre because its location, configuration of its main
rivers and tributaries and its population, whose presence in the region facilitated the employ-
ment of the principle of uti possedetis already solidified at that time.

Keywords: Acre Revolution. Unconventional warfare. Diplomacy. Geopolitics.


8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9
1.1 TEMA ................................................................................................................................. 10
1.2 PROBLEMA ...................................................................................................................... 10
1.2.1 Formulação do problema .............................................................................................. 11
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 12
1.4 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 13
1.4.1 Objetivo Geral .............................................................................................................. 13
1.4.2 Objetivos Específicos .................................................................................................... 13
1.5 METODOLOGIA............................................................................................................... 14
1.6 FONTES UTILIZADAS ................................................................................................... 15
2 GENERALIDADES ........................................................................................................... 18
2.1 FUNDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A GUERRA IRREGULAR ............. 19
2.2 BREVE RESUMO DO CONFLITO ................................................................................ 23
2.3 DO ARGUMENTO DIPLOMÁTICO DO UTI POSSEDETIS ........................................ 25
3 PLÁCIDO DE CASTRO: O ESFORÇO GUERRILHEIRO ........................................ 27
4 BARÃO DO RIO BRANCO: O ESFORÇO DIPLOMÁTICO ..................................... 33
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 38
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 44
9

1 INTRODUÇÃO

O estudo da História Militar do Brasil ganha importância cada vez maior no campo
das pesquisas acadêmicas nacionais. Escrever sobre uma passagem histórica em que sacrifí-
cios reais e esforços intelectuais de compatriotas remodelaram as fronteiras brasileiras tem um
significado relevante para este pesquisador.
É que existe um interesse pessoal do autor pelo estudo da guerra irregular, particu-
larmente, dos combates ocorridos no Brasil e conduzidos por brasileiros contra tropas/grupos
estrangeiros. Outro objeto de pesquisa pessoal do autor da monografia repousa sobre o traba-
lho de inestimável valor da diplomacia nacional, no seio da qual se destaca o nome do patrono
das Relações Exteriores Brasileiras, José Maria da Silva Paranhos Júnior. Não havia, pois, em
sintonia com essa visão, passagem mais representativa na história castrense desse país – na
visão do autor – do que a que foi tratada na presente pesquisa.
O assunto em tela – a interação entre Plácido de Castro e Paranhos Júnior nesse pro-
cesso relativamente curto, mas de extremo valor para a História Militar e Diplomática do Bra-
sil – será, nesse trabalho, introduzido no capítulo 1, que versa sobre matérias relativas ao te-
ma, ao problema, à justificativa, aos objetivos e à metodologia empregada na monografia, de
modo a ambientar o leitor acerca da estrutura formal em que se baseou o autor para a elabora-
ção dos raciocínios ora apresentados.
No capítulo 2, são expostas generalidades, que se compõem basicamente por breve
resumo da Questão do Acre e por alguns comentários acerca de fundamentos doutrinários da
guerra irregular, terminando com uma exposição de um argumento muito utilizado pelo Brasil
ao longo das discussões para a solução de temas ligados à delimitação de suas fronteiras: o uti
possedetis.
São esmiuçados, no capítulo 3, aspectos concernentes ao esforço guerrilheiro, orien-
tado e dirigido por Plácido de Castro no Acre. A idéia é começar, desde aquele momento, a
caracterizar a importância do que foi realizado por esse gaúcho, em consonância com os ar-
gumentos utilizados pelo Barão do Rio Branco nas tratativas e negociações com a Bolívia e
outros atores internacionais a respeito da contenda.
Aliás, as ações do Barão são o tema do capítulo 4, e, nessa parte do trabalho, será
ressaltada a visão estratégica e pacificadora, porém firme, de Paranhos Júnior, ao enfrentar
aquele que seria definido por historiadores e juristas desde então, como o maior desafio que
10

Rio Branco teve de resolver, situação na qual se viu obrigado a utilizar de suas qualidades de
estadista e não somente de seus conhecimentos em História, Geografia e Direito.
Finalmente, no capítulo 5, apresentam-se as considerações finais obtidas ao longo da
pesquisa e ressaltam-se os principais aspectos da conjugação dos movimentos militares irre-
gulares e diplomáticos oficiais em torno da solução de um problema comum, qual seja, a de-
limitação de uma fronteira longínqua e “naturalmente” brasileira, mas ainda não formalmente
reconhecida como tal.

1.1 TEMA

O Brasil, no auge do uso da diplomacia como instrumento de poder do Estado – no


início do século passado, quando Rio Branco era o Chanceler – soube tirar proveito da relação
intrínseca – propositalmente em certa medida – entre as operações militares e a condução das
relações exteriores. Naquele período, isso ocorreu em diversas passagens, mas a Questão do
Acre foi laboratório interessante para a certificação dessa prática, ainda que, inicialmente, o
Brasil tivesse reconhecido o Acre como possessão boliviana.
Por outro lado, os soldados-garimpeiros recrutados por Plácido de Castro, por meio
de intervenções típicas de guerra irregular – cuja importância para a Doutrina e História Mili-
tar brasileiras ainda está por se sedimentar cientificamente –, garantiram a posse real da área
disputada, acrescendo ao território nacional algumas dezenas de milhares de quilômetros qua-
drados. O presente trabalho se ocupará dessa interação/relação entre resultados militares obti-
dos por meio da guerra irregular e o uso sistemático, inteligente e pragmático da diplomacia.

1.2 PROBLEMA

Nesse sentido, esse trabalho procura responder à seguinte pergunta: de que forma se
estabeleceu uma interação entre os combates irregulares conduzidos por Plácido de Castro e
as ações diplomáticas do Barão do Rio Branco que, conjugados, culminaram com a conquista
do Acre?
11

1.2.1 Formulação do problema

A saga da conquista do Acre é um assunto que merece enorme atenção por parte da-
queles que se entregam ao estudo da História Militar Brasileira. Ainda que os esforços empre-
endidos pelos combatentes de Plácido de Castro – ex-militar, major da reserva do Exército,
com carreira polêmica e conturbada, que trabalhava na região como agrimensor – não tenham
sido oficialmente patrocinados pelo Estado Brasileiro à época, não fazendo tais “soldados”
parte do Exército Brasileiro, a defesa de seus interesses pelo uso da força foi ao encontro do
interesse estatal e contribuiu para que aquela porção de território amazônico se agregasse efe-
tivamente ao patrimônio espacial do Brasil.
Por outro lado, a serviço explícito e oficial do Estado Brasileiro, o Barão do Rio
Branco – advogado, jornalista e diplomata de carreira, chefe do Serviço Estrangeiro do Brasil
à época – empreende uma verdadeira guerra diplomática. As disputas não se resumiam a inte-
resses de países amazônicos, notadamente Brasil e Bolívia, mas envolviam também vontades
e capital exógenos ao subcontinente sul-americano, como os do Bolivian Syndicate, um con-
glomerado de empresas anglo-americanas que pretendia explorar a borracha no local e se
constituía em grande empecilho para que os brasileiros se apossassem efetivamente da área
em litígio. Ainda, Rio Branco teve de conduzir verdadeira campanha interna para convencer
as elites brasileiras contemporâneas de que a luta diplomática era necessária, mesmo que se
admitisse, inicialmente, ser boliviano o território disputado e, posteriormente, pagar conside-
rável soma em dinheiro por ela, além de doar uma pequena porção de terra, como forma de
indenização pela perda de superfície “imposta” à Bolívia.
Como se percebe apenas pela leitura do resumo impreciso e superficial acima apre-
sentado, a ação de um e de outro, de Plácido e de Rio Branco, da guerra irregular e da diplo-
macia, enfim, os esforços conjugados, inicialmente não coordenados e alegadamente não pro-
positados, foram de vital importância para que o fim da questão fosse favorável ao Brasil e
não-prejudicial à Bolívia.
O problema formulado está justamente na interação acidental entre os esforços irre-
gulares e os diplomáticos na Questão do Acre. Se atualmente se entende imprescindível tal
ação coordenada, à época, não se vislumbrava, no Brasil, a importância da citada interação. E
mais, nesse caso particular, não parece ter havido um planejamento prévio, mas um aprovei-
tamento por parte do Barão de uma situação militar de fato criada/conquistada pelos soldados
de Plácido de Castro.
12

Assim, foi pesquisado o desenrolar dessa relação, verificando-se de que forma a inte-
ração entre tais esforços contribuiu para uma solução pacífica e definitiva para uma questão
fronteiriça que poderia abalar as relações exteriores do Brasil, não só no âmbito da América
do Sul, mas também com os Estados Unidos da América (EUA) e interesses europeus.
No tempo, a pesquisa se limitou à assinatura do Tratado de Aycacucho1, a saber, fins
do século XIX e início do século passado (aproximadamente, entre os anos de 1867 e 1903).
Há possibilidade de se extrapolarem os limites impostos esporádica e episodicamente, ao lon-
go da pesquisa, apenas para se ter uma melhor compreensão da origem das motivações pesso-
ais de Plácido de Castro e de Rio Branco.
No espaço, percorreram-se os acontecimentos e as relações históricas ocorridos na
região amazônica (nacional e estrangeira) e na, então capital federal, Rio de Janeiro. O foco
será nessas regiões, porém, alguns fatos ocorridos além desses limites poderão ser investiga-
dos en passant, com o fim de compreender os reflexos de tais acontecimentos exteriores na
questão interna vivida pelo Estado e pela porção da população brasileira diretamente envolvi-
da na resolução da crise em tela.

1.3 JUSTIFICATIVA

A definição das fronteiras para um Estado se constitui em algo muito sensível. Limi-
tes mal-definidos entre Estados podem abalar relações entre países por décadas, prejudicar
uma das partes economicamente e influenciar na construção da identidade coletiva das nações
envolvidas na questão. Esse seria um primeiro argumento para que se entenda altamente ne-
cessária a realização da presente pesquisa, uma vez que se está lidando justamente com esse
assunto: a delimitação de uma porção dos limites brasileiros, numa das partes do território
nacional priorizadas pela atual Estratégia Nacional de Defesa: a Amazônia.

_________________
1
O referido tratado fora assinado num momento (27 de março de 1867) em que as bacias do Alto Purus e do
Alto Juruá, embora exploradas e conhecidas como brasileiras, ainda não estavam povoadas. Devido ao caráter
propositalmente precário de suas disposições acerca dos limites entre Brasil e Bolívia, havia a necessidade de,
em algum momento posterior – e mais propício, tendo em vista o Brasil encontrar-se em guerra contra o Para-
guai quando de sua adoção – à sua assinatura, se conduzirem novas negociações para que tais limites se tornas-
sem definitivos (LINS, 1945, p. 402 - 403). Maiores comentários acerca do assunto serão desenvolvidos nas
páginas que se seguem.
13

Ainda, o presente estudo tem relevância operativa, pois adentra novas abordagens li-
gadas ao campo da ciência pura, ao mesmo tempo em que é relevante cientificamente, pois
contribui para o desenvolvimento científico do estudo da História Militar Brasileira.
No mais, a interdisciplinaridade implícita ao estudo em tela reforçou a importância
de se levar a cabo tal pesquisa. A História Militar e a História da Diplomacia brasileiras foram
conectadas e estudadas em conjunto, a fim de que o problema proposto pudesse ser devida-
mente solucionado.
Em resumo, a pesquisa em tela se justificou por buscar ressaltar o relacionamento
frutífero para o Estado Brasileiro entre soldados e diplomatas para a consecução de tudo aqui-
lo que lhes parece mais caro: a consolidação de suas fronteiras, a independência de seu povo,
a integridade de seu território e o domínio de suas riquezas.

1.4 OBJETIVOS

A fim de melhor direcionar o delineamento da pesquisa, foram traçados um objetivo


geral e alguns específicos. A seguir, apresenta-se a descrição de cada um deles.

1.4.1 Objetivo Geral

O presente estudo visa empreender uma revisão bibliográfica acerca de uma suposta
relação existente entre militares (ainda que irregulares) e diplomatas que atuaram na conquista
do Acre no início do século passado, à luz da História Militar, procurando dar visibilidade no
mundo histórico-científico ao papel relevante da guerra irregular associada ao uso sistemático
da diplomacia.

1.4.2 Objetivos Específicos

Nesse sentido, foram traçados aos seguintes objetivos específicos:


14

a. Apresentar como se deu o envolvimento de Plácido de Castro com a Questão do


Acre.
b. Resumir a sucessão de embates guerrilheiros nas florestas amazônicas acreanas
que redundaram na conquista do território pelos “soldados-garimpeiros-seringueiros” de Plá-
cido de Castro.
c. Identificar a linha de persuasão utilizada por Rio Branco para respaldar a decisão
política de se incorporar o Acre ao Brasil, nas vertentes externa e interna.
d. Explicar a interação entre esses esforços que, em última análise e por métodos di-
ferentes, parecem ter tido objetivos bem semelhantes e culminaram com a anexação do Acre
ao Território Nacional.

1.5 METODOLOGIA

A pesquisa realizada pode ser classificada como:


- pura: na medida em que objetivou a compreensão da interação entre guerrilheiros e
diplomatas nessa passagem da história nacional;
- teórica: tendo em vista que foi revisada a produção literária e científica acerca do te-
ma, questionando-se o “arcabouço teórico-conceitual” vigente acerca da Questão do Acre;
- explicativa: pois analisou e buscou correlações entre fatos distintos (ação de Plácido
de Castro e a de Rio Branco), ultrapassando os limites de uma simples pesquisa exploratória
(que foi levada a cabo para a elaboração desse projeto) e determinando as razões para que
certos acontecimentos tenham ocorrido;
- qualitativa: tendo em vista o fato de que não foram utilizadas fontes da análise das
quais resultassem estatísticas ou comprovações numérico-matemáticas, importando ao pesqui-
sador apenas a compreensão e a interpretação dos textos escolhidos para estudo; e
- bibliográfica: porque foram utilizadas diversas fontes impressas e em mídia (inter-
net) com a finalidade de melhor elucidar os fatos alvos do trabalho.
O modelo teórico escolhido para a relação entre o sujeito-pesquisador e o objeto-
pesquisado foi o dialético. Isso significa dizer que a intervenção humana na realidade foi con-
siderada como mais um aspecto na relação entre o objeto de estudo e o pesquisador, em que,
no contexto vivido no presente trabalho, este buscou explicações acerca dos fenômenos histó-
ricos ocorridos durante a resolução da Questão do Acre.
15

O instrumento principal de pesquisa foi a consulta a bibliografias, em consonância


com o tipo de pesquisa conduzida, o que já foi abordado em parágrafos anteriores.
Os dados foram coletados, então, por meio da leitura e análise de literaturas afins ao
tema, de forma que se pudessem definir claramente os caminhos a serem percorridos para a
resolução do problema proposto, inicialmente, cumprindo-se os objetivos específicos elenca-
dos e, numa segunda e derradeira etapa, o objetivo geral. Em resumo, a idéia foi fazer uma
revisão bibliográfica acerca do tema e, em seguida, realizar uma discussão sobre os aspectos
levantados, de modo a melhor responder ao problema proposto.

1.6 FONTES UTILIZADAS

No decurso dessa pesquisa, as fontes utilizadas pelo autor podem ser agrupadas, para
uma melhor compreensão de como os dados foram obtidos, em três grupos bem definidos:
fontes técnicas, fontes históricas e contos com matizes inventados por seus autores.
No primeiro grupo, tem-se:
- Visacro (2009), uma obra dedicada ao estudo da guerra irregular ao longo da Histó-
ria, com grande foco nos movimentos eclodidos no século passado. O autor dessa monografia
se valeu dos conceitos definidos por Visacro para integrá-los às ações realizadas por Plácido
de Castro ao deflagrar o Acre contra a dominação boliviana.
- Bevin (1999), livro que realiza uma avaliação do tipo de guerra para o qual os Esta-
dos Unidos deveriam estar preparados a partir do nascimento do século XXI, a fim de se man-
terem como única superpotência mundial. Suas idéias foram úteis para a elaboração de com-
parações entre as ações de guerrilheiros no passado e no futuro, contra e a favor das ações e
dos interesses do Estado.
- Ferreira (2005), artigo que trata de alguns conceitos ligados ao estudo das relações
internacionais (soft, hard e smart power) atuais, propostos por Joseph Nye Jr., e que possibili-
tou ao autor dessa monografia a melhor caracterização da interação entre as ações de Plácido
de Castro e de Rio Branco na solução da Questão do Acre a favor do Brasil e em detrimento
da extensão territorial boliviana, mas não de sua dignidade.
- Ramos (2008), tratado jurídico-doutrinário sobre Direito Empresarial, do qual o
presente pesquisador importou alguns conceitos – como os de aviamento e de direito de ine-
16

rência – que auxiliaram na montagem de um raciocínio mais preciso acerca da interação entre
os militares irregulares e os diplomatas na Questão do Acre.
- Marquis (1997), obra realizada por uma funcionária do Departamento de Defesa
dos Estados Unidos acerca dos esforços militares, políticos e legislativos para que as forças de
operações especiais daquele país (tropas encarregadas de, dentre outras tarefas, desenvolver
movimentos guerrilheiros nos Estados contra os quais os norte-americanos estejam em guerra)
pudessem se reerguer depois de um intenso período de cortes orçamentários, a partir do tér-
mino da Guerra do Vietnã. O presente pesquisador utilizou de informações dessa obra para
bem caracterizar o tipo de guerra desenvolvida por Plácido de Castro, quando do desenvolvi-
mento do seu Exército Acreano.
Das fontes históricas (de maior importância para a presente pesquisa), pode-se citar:
- Bandeira (1975), obra de grande valor pela imensa pesquisa realizada pelo autor,
com o intuito de desvanecer as relações de poder entre o Brasil e os Estados Unidos ao longo
da história desses países. No que tange ao Acre, dois capítulos do livro abordam diretamente a
problemática e foram utilizados para o fornecimento de dados que possibilitassem a solução
do problema proposto, particularmente quanto ao esforço diplomático.
- Barbosa (1906), obra polêmica publicada por Rui Barbosa para contrapor a outro
jurista sobre opiniões e citações expressas por Rui no processo em que o baiano representava
o Estado do Amazonas no Supremo Tribunal Federal em sede de ação em que tal Estado-
membro pretendia a anexação do Acre ao seu território. O autor da monografia em tela se
utilizou desse raro exemplar para melhor enxergar o caráter jurídico-comercial da transação
realizada pelo Brasil e pela Bolívia para a solução do conflito.
- Brasil (2002), obra publicada pelo Itamaraty para comemorar o centenário da as-
sunção do Ministério das Relações Exteriores pelo Barão do Rio Branco, que conta a história
fotográfica desse ícone da diplomacia brasileira. No que se refere especialmente ao Acre, tece
importantes comentários a respeito da atuação de Paranhos Jr nesse incidente histórico, tendo
se constituído em primordial fonte de dados para a elaboração da presente pesquisa.
- Castro (2002), republicação de um livro escrito pelo irmão de Plácido de Castro,
cuja utilização foi de extremo valor nesse trabalho. As transcrições e opiniões inseridas na
obra por Genesco auxiliaram o autor a compreenderem mais o esforço guerrilheiro empreen-
dido pelos acreanos e dirigido por Plácido.
- Filhos (1999), livro escrito por experiente e eminente diplomata, historiador e pes-
quisador interessado pela definição dos limites brasileiros com os demais Estados sul-
17

americanos, cuja leitura e análise tornaram mais claro o esforço diplomático do Barão e o
guerrilheiro dos acreanos.
- Lima (1960), biografia do gaúcho Plácido que muito contribuiu para uma mais am-
pla compreensão do papel de Castro no desenvolvimento da insurreição empreendida por ele
no Acre, na alvorada do século XX.
- Lins (1945), biografia do Barão que permitiu uma análise mais profunda da partici-
pação de Rio Branco na Questão do Acre.
- Mattos (1980), obra focada nas questões geopolíticas da Amazônia, em que o gene-
ral comenta aspectos que muito elucidaram tal viés da questão, particularmente, o caráter
classificado pelo estudioso como inevitável de caracterização da região contestada como bra-
sileira.
- Moura (2010), utilizada como base inicial para o estudo do tema, a obra serviu co-
mo fornecedora de dados direcionadores da realização da pesquisa em tela.
Por fim, as obras com nuances fictícias:
- Gomes (2005) e Meira (1964), livros em que os autores, apesar de se utilizarem de
imensa fonte de dados históricos sobre assunto, inserem elementos fictícios ao enredo vivido
por Plácido de Castro e seus seguidores, de modo a preencher determinadas lacunas e a dar
vida a personagens criados, no intuito de enriquecer a trama da conquista do Acre. Tendo em
vista a pesquisa realizada por Gomes e por Meira, a despeito da precária credibilidade históri-
ca como fonte de que suas obras gozam dado ao acréscimo de dados inventados, alguns as-
pectos por ele inseridos foram, ao menos, comentados nessa monografia, e apresentados como
mais uma possibilidade de aquisição de conhecimentos acerca da Revolução Acreana.
18

Melhor informados, os guerrilheiros podem agir de acordo com as condições de sua


própria escolha. [...] Quando atacarem, devem envidar todos os esforços para obte-
rem a máxima surpresa e a maior superioridade numérica. Eles devem atacar onde e
quando forem menos esperados, em emboscadas ou em aproximação coberta, se
possível à noite. Os ataques devem ser repentinos, incisivos, vigorosos e de curta du-
ração. (BEVIN ALEXANDER)

2 GENERALIDADES

Passar-se-á, neste momento, à apresentação daquilo que foi pesquisado sobre o tema da
monografia em tela. Esta primeira seção tratará de aspectos gerais acerca da Revolução Acre-
ana, de modo a permitir uma permeabilidade maior nas seções que, em seguida, se apresenta-
rão, compondo, conjuntamente, a revisão bibliográfica realizada.
A epígrafe em destaque nesta seção tem por finalidade introduzir o estudo da guerra ir-
regular, e a escolha do autor citado não foi ao acaso. Em seu livro A guerra do futuro, Bevin
procura mostrar a importância crescente dos combates irregulares no mundo, particularmente
nos países em desenvolvimento. Na citação em destaque, podem-se identificar algumas técni-
cas empregadas empiricamente por Plácido e seus soldados. É o que se passará a perceber nas
linhas que se seguem.
Antes, porém, far-se-á uma discussão introdutória. É bastante comum encontrar-se na li-
teratura afim a esse contexto a menção à expressão Revolução Acreana. Mas terá mesmo sido
o movimento armado conduzido por Plácido de Castro uma revolução? Visacro (2009, p. 224)
define guerra revolucionária como sendo

uma forma peculiar de luta armada que compreende ações no campo militar de fe-
nômeno político-social bem mais amplo, de cunho extremista, destinado à conquista
do poder, à transformação da ordem vigente e à implantação de um novo sistema
calcado em preceitos ideológicos. (grifos nossos)

Desprovido de fundo ideológico, o movimento liderado por Plácido seria mais bem ca-
racterizado como insurrecional, conceito identificado por Visacro (2009, p. 224) com uma
sublevação popular “fundamentada, apenas, em reivindicações políticas, sociais e/ou econô-
micas específicas e limitadas, como a concessão de direitos ou a restituição de prerrogativas”.
Tratar-se-á, neste trabalho, o movimento em tela como revolução ou como insurreição, indife-
rentemente, em respeito a uma expressão de certa forma consolidada na literatura, ainda que o
segundo conceito seja mais preciso.
19

2.1 FUNDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A GUERRA IRREGULAR

A guerra irregular foi definida por Visacro (2009, p. 13) como “todo conflito armado
conduzido por uma força que não dispõe de organização militar formal e, sobretudo, de legi-
timidade jurídica institucional”.
Por organização militar formal pode-se entender como sendo a existência de uma
força armada bem caracterizada, com postos e graduações bem definidos, regulamento de
honras e disciplinar, doutrina de emprego e visão de futuro como instituição. Os seringueiros
de Plácido de Castro decididamente não possuíam tais características.
Já a legitimidade jurídica institucional estaria ligada ao fato de haver, dando suporte
a essa força, um Estado legitimamente constituído sob leis aceitas, no mínimo, pela maioria
da população, definindo-lhe funções, papéis e missões. O Estado Independente do Acre, cria-
do pela Junta Revolucionária, tendo à frente Plácido de Castro, não poderia dar ao seu movi-
mento, num primeiro momento pelo menos, o tipo de legitimidade a que Visacro se refere.
Diante da definição apresentada pelo autor em comento, não seria difícil verificar a
subsunção do tipo de combate realizado por Plácido de Castro ao que Visacro (2009) aponta
como sendo a guerra irregular propriamente dita. Daí a importância do estudo de tais concei-
tos nesse momento: facilitará o entendimento mais preciso do que foi executado por Plácido
para a anexação indireta do Acre ao Brasil, em detrimento da Bolívia.
Em sua obra, Visacro (2009) analisa diversos conflitos em que a guerra irregular foi
utilizada, particularmente, no século passado, dentre as quais podem ser citadas a Revolta
Árabe (1916-1918) e a Revolução Islâmica (1979). Entretanto, a parte de sua obra que será
foco de estudo no presente trabalho diz respeito a um conjunto de características comuns aos
diversos combates irregulares, o que foi apresentado pelo autor ao longo das 49 páginas de
uma seção de seu livro chamada “Pressupostos Teóricos da Guerra Irregular”.
Visacro (2009, p. 221-269) definiu um ambiente favorável à eclosão de uma guerra
irregular a situação em que reunidos, ainda que parcialmente, alguns fatores. Dentre os apre-
sentados pelo autor, alguns são destacados quando se contextualiza com o fato histórico em
comento:
- Incremento demográfico superior à capacidade de ingerência do Estado: as secas
no Nordeste brasileiro do fim do século XIX, particularmente, a de 1878, fizeram com que
mais de quinhentos mil nordestinos – cearenses em maior número – migrassem para a Região
20

Amazônica em busca da borracha (FILHO, 1999, p. 284). Esse aumento demográfico na regi-
ão agravou a impotência estatal em cuidar de seus cidadãos, em ambos os lados da fronteira.
- Ausência do Estado e Inexistência de sólida tradição institucional: diretamente co-
nectado com o fator acima referenciado, nem a Bolívia nem o Brasil eram presentes na região
institucionalmente falando;
- Existência de interesses externos antagônicos: quando Visacro (2009, p. 232) faz
menção a esse fator, expõe a idéia de que seria pouco provável o desenvolvimento de forças
irregulares (normalmente compostas por: força de sustentação, responsável por prover supri-
mentos e, eventualmente, informações ao movimento; força subterrânea, encarregada de reali-
zar ações de sabotagem, subversão e outras clandestinas de caráter diverso; e a força de guer-
rilha, composta pelo braço ostensivamente armado do movimento, responsável pelas ações de
maior envergadura do movimento), sem que houvesse apoio (financeiro, material, doutrinário,
etc) vindo de um Estado com interesse na resolução da contenda que o lado apoiado viesse a
aproveitar.
No caso em estudo, não há relatos, ao menos nos documentos e publicações consul-
tados, de que Plácido de Castro tenha obtido algum apoio externo, mas o auxílio prestado pelo
Governo do Amazonas ao movimento pode ser assim caracterizado nesse contexto, tendo em
vista que os revolucionários não tinham ligação formal com nenhum Estado, nem mesmo com
o Brasil, que ganharia com a anexação forçada do Acre ao seu território. Havia, sim, in casu,
o interesse externo, mormente o dos Estados Unidos, quanto à preservação dos lucros prome-
tidos a seus investidores comprometidos com o “Bolivian Syndicate”, o que será mais bem
estudado quando da análise da ação de Rio Branco, pois não houve grandes conseqüências
militares, mas sim de caráter diplomático-financeiro.
- Aspirações nacionalistas: ao se contextualizar esse aspecto apresentado por Visacro
(2009, p. 233), é preciso se fazer uma ressalva: os combatentes de Plácido não queriam criar
definitivamente outra Nação ou outro Estado. Suas aspirações estavam direcionadas à con-
quista do território pleiteado para o Brasil por uma via oblíqua, diferente de se empregar dire-
tamente o Exército Brasileiro numa guerra de conquistas ou de usar o Itamarati para impor
algum tipo de perda oficial de território à Bolívia. Todas as ações de Plácido, porém, confor-
me análise de ofícios por ele expedidos quando no exercício da função de Comandante em
Chefe do Exército do Estado Independente do Acre, tinham alto cunho patriótico, mas se
mantendo fiel aos interesses brasileiros, ainda que inconfessáveis diplomaticamente à época.
- Atuação da intelligentsia nativa: uma liderança intelectual que consiga se fazer en-
tender aos populares, ao mesmo tempo em que estabelece compatibilidade entre seus objeti-
21

vos/discursos e os interesses da massa que guiará é o conceito de intelligentsia apresentado


por Visacro (2009, p. 235). Plácido de Castro não seria propriamente dito um grande intelec-
tual e nem a sua revolução poderia ser assim classificada, porque desprovida de motivações
ideológicas, mas ele soube bem aliar os interesses nativos ao que ele julgou ser de suma im-
portância para a preservação da soberania do Estado brasileiro na região.
Ainda estudando aspectos doutrinários acerca da guerra irregular, cabe ressaltar al-
gumas características desse tipo de combate, apresentadas por Visacro (2009, p. 237-256), no
contexto da Revolução em tela:
- Apoio da população: os seringalistas, cedendo suprimentos e numerários, e os se-
ringueiros, constituindo a massa de soldados, garantiram ao movimento o apoio necessário à
sua eclosão, manutenção e expansão.
- Necessidade de um ambiente político e econômico favorável: politicamente, havia
incertezas quanto ao real posicionamento da fronteira e uma já comentada ausência da influ-
ência das autoridades eleitas na região, ao mesmo tempo em que economicamente era muito
atrativa a posse e a exploração da borracha, o “ouro-negro” da época.
- Preponderância dos processos indiretos: por julgar que o Brasil, apesar de afetado
pelos acontecimentos ligados ao Bolivian Syndicate, não poderia se envolver diretamente na
solução da questão, Plácido, por uma via oblíqua, decide entrar para a contenda, liderando as
forças irregulares incipientes para a conquista de fato do território contestado.
- Ações táticas efêmeras: como se verá brevemente em linhas posteriores, não houve
combates prolongados nessa campanha, até mesmo porque ambos os lados, bolivianos e brasi-
leiros revoltosos, não possuíam condições logísticas de se manterem em combates muito ex-
tensos no tempo e no espaço. Como exemplo, a citação

A 4, empreendemos marcha sobre Costa-Rica, que ataquei a 7, às 10 da manhã. A-


pesar do (sic) combate haver durado apenas 30 minutos apenas o inimigo deixou no
campo atestado de perdas notáveis, sendo a posição tomada por carga de infantaria.
Este combate decidido em tão curto tempo veio fortalecer-me a convicção de que me
acho à frente de homens que não só abraçaram a revolução com ardor como a defen-
dem com abnegação pouco vulgar (LIMA, 1973, p. 154).

- Não-linearidade: não havia uma frente única de combate. A idéia era a conquista
das localidades, sem que fosse instituída uma linha de contato ou linha de partida, de onde
seria previsível sair um ataque ou onde seria ideal se montar uma posição defensiva.
- Difícil detectabilidade: devido ao relativamente pequeno efetivo empregado nas
ações de Plácido sobre as localidades bolivianas, era de extrema dificuldade ao inimigo saber
22

exatamente onde se encontravam os acreanos ou de onde eles sairiam para um próximo ata-
que.
- Ausência de padrões rígidos de planejamento e execução: não havia tempo, nem
treinamento militar formal aos revolucionários que lhes proporcionassem condições de desen-
volvimento de planejamentos ou padronizações para a execução das manobras militares leva-
das a cabo, o que se constituía numa vantagem, pois quanto mais imprevisíveis as manobras
do inimigo, mais difícil a preparação para uma reação contra suas ações.
- Insubordinação a restrições legais: atuando à margem dos Estados e respondendo
individual e privadamente por suas condutas, a tropa de Plácido não estaria engessada pelas
imposições legais como, certamente, as tropas regulares do Exército Brasileiro estariam, se
lhes fosse ordenada a conquista do Acre em caráter oficial, por meio da guerra formal e con-
vencional. Mais uma vantagem para os combatentes irregulares em detrimento dos conven-
cionais.
O estudo desses pressupostos conduz o raciocínio dos mais atentos à conclusão par-
cial de que Plácido de Castro liderou brasileiros num combate irregular com nuances próprias,
mas bastante enquadrado nas definições apresentadas pelo Visacro (2009). É com esse enfo-
que que se estudará a interação entre tais combates e a ação da diplomacia brasileira.
Uma reflexão final sobre a guerra irregular deve ser feita antes de se concluir a sub-
seção em tela. Bevin (1999) faz grandes conjecturas acerca do tipo de guerras para as quais os
Estados Unidos, última superpotência sobrevivente ao término da Guerra Fria, deveria se pre-
parar. Seu raciocínio, depois de larga revisão histórica de campanhas irregulares do século
XX, como a Guerra dos Bôeres, os combates de Giap, Lawrence da Arábia, Mao, dentre ou-
tros, conduzia o leitor a achar que os EUA deveriam se preparar para combater nações mais
fracas militar e economicamente, que se preparariam para uma guerra distinta, em que a dis-
paridade de meios não viesse a influir tanto. Ou seja, as vantagens de se combater irregular-
mente repousariam sobre os mais fracos.
A guerra irregular a que essa pesquisa se direciona está mais identificada com a des-
crita por Marquis (1997). Em seu estudo sobre a guerra irregular e a reconstrução das forças
de operações especiais norte-americanas, particularmente, após o fracasso da ação no Irã, em
1980, a autora tece comentários acerca de como os EUA tinham usado e continuariam a usar
ações indiretas contra inimigos mais fracos. Aqui, as ferramentas da guerra irregular seriam
usadas contra nações mais fracas militar e economicamente, pois não existe nenhuma outra
nação no mundo atual capaz de comparar-se aos estadunidenses nesses quesitos.
23

A guerra irregular que brasileiros travaram contra bolivianos durante a Revolução do


Acre se identifica, então, com o que Marquis (1997) descreveu. Isto porque a Bolívia não reu-
nia condições de vencer os revolucionários e, muito menos, de enfrentar as forças regulares
brasileiras, ao mesmo tempo em que o Brasil não poderia – porque sua Constituição lhe proi-
bia, tendo em vista sua tradição de respeito estrito ao Direito Internacional, e porque poderia
deflagrar, não adotadas as devidas precauções, uma guerra hemisférica – intervir aberta e mi-
litarmente na região, tomando-a pela força. Em outras palavras, as vantagens e ferramentas
do combate nas sombras, da guerra irregular, estavam do lado do mais forte, felizmente nesse
caso, o Brasil.

2.2 BREVE RESUMO DO CONFLITO

Mattos (1980, p. 58) aborda a Questão do Acre sob um ângulo geopolítico. As índole
econômica e geográfica da região, ambas “incontornáveis”, faziam com que o pêndulo da
vitória tendesse para o lado brasileiro. Com o surgimento da exploração da borracha naquelas
terras, a população boliviana, basicamente instalada nos altiplanos andinos, não tinha fácil
acesso à região. Ao contrário, os brasileiros, favorecidos pela alta permeabilidade dos rios
amazônicos, conseguiam extrair o látex sem maiores dificuldades para se estabelecerem no
local.
Somando a esses fatores, o fim do século XIX foi marcado por extensas secas no
Nordeste brasileiro, destacando-se a de 1877-78, que teria “empurrado” centenas de milhares
de cearenses para a Amazônia, na esperança de terem sorte melhor ao perseguirem a riqueza
que a borracha prometia lhes oferecer. Durante vinte anos, a população nordestina permanece-
ra no Acre sem maiores questionamentos, até que surge repentinamente um poder político
estranho ao local, impondo restrições fiscais, sem ter legitimidade real reconhecida para tal
(MATTOS, 1980, p. 58).
Em realidade, o Brasil, a Bolívia e o Peru – sucedendo, na verdade, a Portugal e Es-
panha – possuíam, havia algumas décadas, interesses na região acreana e disputavam diplo-
maticamente a propriedade daquela fronteira longínqua (a Bolívia não tinha condições de dis-
putar a posse, já que a área contestada era, com os recursos da época, praticamente inacessível
para sua população).
24

Mattos (1980, p. 52-56) apresenta um resumo dos acontecimentos políticos mais im-
portantes ligados à região, nos últimos dez anos antes da solução, entre 1894 e a assinatura do
Tratado de Petrópolis, os quais se apresentarão em curtas palavras abaixo:
- instalação de posto alfandegário boliviano em Porto Alonso, executado por José Pi-
ravicini, embaixador boliviano no Brasil, em 03 de janeiro de 1899;
- expulsão das autoridades bolivianas de Porto Alonso pelos seringalistas (liderados
por José Carvalho), em 03 de maio de 1899;
- tratativas secretas entre Piravicini e autoridades diplomáticas norte-americanas, em
Belém, oportunidade em que o boliviano oferece vantagens financeiras ligadas ao comércio
da borracha, além de franquear a livre navegação ao longo dos rios da região (coincidem com
o incidente provocado pelo comandante da canhoneira estadunidense Wilmington e as autori-
dades de Belém e de Manaus);
- veladamente apoiado por Ramalho Junior, Governador do Estado do Amazonas (u-
nidade da Federação mais afetada com as medidas bolivianas na região: perda de parte da
produção de borracha), Luiz Galvez instala, em Porto Alonso, a República do Acre, em 14 de
julho de 1899;
- a Marinha do Brasil expulsa Luiz Galvez e restabelece a autoridade boliviana na
região em Porto Alonso, 23 de março de 1900;
- ressurgimento da revolução acreana, na seqüência, composta por combatentes mo-
bilizados por Joaquim Victor da Silva, pelo grupo do engenheiro Gentil Norberto e pela expe-
dição conhecida como “revolução dos poetas”;
- derrota dos “poetas” e aprovação por parte dos bolivianos do contrato de arrenda-
mento do Acre ao Bolivian Syndicate, definido por Mattos (1980, p. 54), como consórcio an-
glo-americano com sede em Nova Iorque, a quem caberia exercer direitos de administração
sobre o território arrendado, cobrar impostos e direitos alfandegários, usufruir das terras, e-
xercer autoridade e assegurar, pela força, caso necessária, a garantia desses direitos e garanti-
as;
- chegada da notícia do contrato anteriormente citado aos jornais de Manaus, junho
de 1902;
- entrada no conflito de Plácido de Castro, particularmente motivado contra a instala-
ção do Bolivian Syndicate na região, iniciando os combates em 06 de agosto de 1902;
- mobilização, recrutamento, expansão, concentração, cadastramento militar de se-
ringueiros do baixo e do alto Acre feito pelo próprio Plácido de Castro;
25

- recrudescimento dos combates, vitória das tropas de Plácido e reinstalação da sede


do governo do Estado Independente do Acre em Porto Alonso;
- o governo federal brasileiro destaca o general Olímpio da Silveira, à frente de tro-
pas militares, para ocupar parte do território contestado;
- Plácido de Castro colabora com as autoridades brasileiras e se retira da região a ser
ocupada pelo Exército Brasileiro;
- Plácido de Castro, tendo recebido ofício do general Olímpio da Silveira acerca do
modus vivendi assinado entre Brasil e Bolívia, a 21 de março de 1903, interrompe o ataque às
tropas do general Pando, Presidente da Bolívia, que chegara à região com a intenção de resol-
ver em definitivo a situação;
- desentendimentos entre Plácido de Castro e o general Olímpio da Silveira fazem
com que o comandante revolucionário dissolva o exército acreano, sendo, mais tarde, o gene-
ral afastado do comando em que se encontrava.
- dissolve-se o Bolivian Syndicate.

2.3 DO ARGUMENTO DIPLOMÁTICO DO UTI POSSEDETIS

Abordar tão enraizado princípio na diplomacia nacional, responsável-mor pelas defi-


nições de fronteiras ao longo dos numerosos tratados que se firmaram com esse feito, é de
suma importância para esse estudo. É que o uti possedetis se caracteriza como o link, a liga-
ção entre os esforços para se manter a posse da terra pleiteada – executado por Plácido de
Castro – e os esforços diplomáticos do Barão do Rio Branco para obter sucesso nas negocia-
ções do Tratado de Petrópolis. Entendendo-se o sentido do princípio, compreender-se-á, no
contexto vivido, a interação necessária e despropositada (no sentido de não planejada) entre
essas duas vertentes de ação do Estado no plano exterior: a militar (ainda que indireta e, a
princípio, não-apoiada) e a diplomática.
Uti possedetis, ita possideatur (como possuis, assim possuas) é um brocado herdado
do Direito Privado romano (o juiz, na dúvida sobre a propriedade de certo bem, decidia favo-
ravelmente àquele que detinha sua posse) que foi de grande uso para a fixação das fronteiras
brasileiras com os outros dez Estados com os quais o Brasil se delimita. É que muitos tratados
firmados entre os ex-colonizadores, majoritariamente, entre Espanha e Portugal, tiveram suas
validades amplamente discutidas – e, por vezes, não aceitas – pelos governantes sucessores
26

das ex-colônias recém libertadas e, diante da falta de um argumento distinto do emprego das
armas, ter a posse real do território era considerado um grande trunfo (FILHO, 1999, p.209).
Em realidade, na visão de historiadores e juristas hispano-americanos, quando se uti-
liza a expressão uti possedetis, está-se diante de um gênero, cujas espécies são: o uti possede-
tis juris e o uti possedetis de facto. O primeiro resultaria dos títulos coloniais, de propriedade,
que cada Estado surgido de seus respectivos processos de independência seria capaz de pro-
duzir, onde a ocupação era irrelevante: discutia-se a validade, a autenticidade, o valor do do-
cumento constitutivo da propriedade. O Brasil se valia, realmente, da segunda espécie, sendo
utilizado justamente na situação em que não havia documento válido – ou pacificamente acei-
to pelos contendores – que acabasse com a dúvida e a posse era a única maneira viável de se
definir algo quanto à propriedade (FILHO, 1999, p. 210).
É de todo interessante notar que, no caso em tela, a idéia de se utilizar desse princí-
pio para a definição das fronteiras brasileiras com a Bolívia foi primeiro aventada por aqueles
que tinham interesses contrapostos aos do Império:

Isso ocorreu em 1837, durante as discussões que manteve em La Paz com o Mare-
chal Santa Cruz, para negociar um tratado de amizade e limites. Curiosamente foi o
Governo do então Presidente da Confederação Peruano-Boliviana que, alegando a
não-vigência do Tratado de Santo Idelfonso para seu país, sugeriu o princípio. Do
Brasil, ao contrário, recebeu Ponte Ribeiro instruções para se cingir às fronteiras
descritas em Santo Idelfonso. O diplomata ponderou ao Rio de Janeiro que a Confe-
deração não reconhecia como obrigatório para ela os tratados entre a Espanha e Por-
tugal, propondo que “em lugar de fazê-los valer pela força, convém ao Brasil apro-
veitar-se daquela declaração e argumentar sobre o uti possedetis” (FILHO, 1999, p.
207).

Tal princípio permeou os argumentos de Rio Branco ao longo de todo o tempo em


que esteve envolvido com tal disputa. Uma de suas referências ao brocardo foi dita à Legação
em La Paz num despacho: “Já declarei que se desejamos adquirir o Acre mediante compensa-
ção é unicamente por ser brasileira sua população” (BRASIL, 2002, p. 76).
27

A independência dessa feraz região é, no meu ver, uma fatalidade que se impõe à
Bolívia, como a morte aos seres vivos. A Bolívia julgou, bem como o Peru e os de-
mais povos de origem espanhola neste continente, que seu povo não era o mesmo da
Espanha, que tinha outras aspirações, outro destino histórico, etc., daí a luta que sus-
tentou por sua independência, dando lugar à formação da Confederação Peru-
Boliviana, de efêmera existência, pela mesma causa. E entre o Acre e a Bolívia essa
razão por ela invocada em sua época gloriosa não será a mesma? (PLÁCIDO DE
CASTRO, grifo nosso)

3 PLÁCIDO DE CASTRO: O ESFORÇO GUERRILHEIRO

Plácido de Castro se envolveu nas questões revolucionárias acreanas propositalmen-


te. A epígrafe que inicia esta seção diz respeito a esse assunto. Plácido já entendia brasileira
aquela região, ainda antes de iniciados os combates, mas decidira assumir posturas indepen-
dentes do Brasil, com o fim de não envolvê-lo, possibilitando a adoção da solução favorável
que o Barão acabou por homologar com o advento do Tratado de Petrópolis. Focadas nas a-
ções de Plácido, as linhas seguintes levarão o raciocínio até a entrada de Paranhos no proble-
ma, assunto da seção imediatamente posterior a essa.
Para breve compreensão sobre o brasileiro de quem essa seção secundária trata, uma
leitura atenta do livro escrito por seu irmão, Genesco de Castro, é de todo interessante. Apesar
do tom compreensivelmente apaixonado (pela data da primeira edição do livro, 1930, e pelo
parentesco sanguíneo na linha colateral entre o autor e o “homenageado”), O Estado Indepen-
dente do Acre e J. Plácido de Castro: Excerptos Históricos é uma obra de extremo valor para
a consecução dos objetivos propostos para esse capítulo.
Plácido de Castro descendia de uma família de tradição militar iniciada com o avô,
um major do Exército de mesmo nome que o neto, e seguida pelo pai, o capitão Prudente da
Fonseca Castro. Gaúcho de São Gabriel, Plácido de Castro (neto) nascera em 1873, tendo
assentado praça em 1889, no 1º Regimento de Artilharia de Campanha, como 2º Cadete. Qua-
tro anos mais tarde, após algum tempo como sargento, ingressara na Escola Militar de Porto
Alegre, de onde saiu para combater juntos aos revolucionários da Revolução de 1893.
Ao término dos combates, com o Rio Grande do Sul pacificado, já no posto de ma-
jor, abandona o Exército e migra para o Rio de Janeiro, vindo a empregar-se no Colégio Mili-
tar, como inspetor de alunos. Em 1899, seu destino começa a levá-lo em direção ao Acre, ten-
do Plácido seguido para o Amazonas exercendo a função de agrimensor. Em 1902, junta-se
aos seringueiros revolucionários e funda o Estado Independente do Acre, tendo sofrido exa-
28

cerbadamente com a malária contraída ao longo de sua permanência na região (CASTRO,


2002, p. 27-32). Esse foi um breve resumo da vida do homem que recebeu a alcunha de o
“Libertador do Acre” até seu envolvimento com a Revolução Acreana.
A ação de Plácido de Castro em promover a independência do Acre foi muito bem
planejada e não envolver o Estado Brasileiro oficialmente e de forma direta nessa questão foi
crucial e deliberadamente arquitetado por ele. Algumas citações da obra em comento, ora fei-
tas diretamente pelo autor, testemunha ocular de vários acontecimentos e pessoa de grande
proximidade e intimidade com Plácido, ora feitas pelo próprio Plácido, comprovam tal hipóte-
se e serão abaixo transcritas:

[...] mostram que Plácido sabia bem quais os direitos que cada um dos interessados
na posse daquela região podia invocar para defender sua posição. Esse conhecimen-
to justifica plenamente o plano que traçou para anexar o Acre ao Brasil, sem que sua
pátria pudesse tornar-se passível da acusação de haver feito uma conquista territorial
de um país mais fraco. [...] Assim, também, ao comunicar-me a decisão que tomara,
Plácido disse que pretendia desligar da Bolívia toda a região habitada por brasileiros,
proclamando-a independente, e mais tarde anexá-la ao Brasil (CASTRO, 2002, p. 46
- 47).

As palavras acima foram ditas pelo autor do livro, irmão de sangue de Plácido. A
transcrição a seguir é de uma carta escrita por Rodrigo de Carvalho, então membro da “Junta
Revolucionária”, solicitando recursos ao Sr. José Galdino Marinho:

[...] Reunida a Junta Revolucionária [...] ficou por ela deliberado com unânime a-
provação de todos, o seguinte: nomear o nosso concidadão José Plácido de Castro,
para dirigir as operações militares, como Comandante em Chefe das mesmas, para o
qual concorremos com todo o nosso apoio moral e material; [...] Notificará a forma-
ção do Governo às nações americanas e pedirá ao Governo Brasileiro a anexação à
Pátria Brasileira [...] apelo para o vosso nunca desmentido patriotismo e digna ener-
gia, para concorrerdes com os recursos ao vosso alcance. (CASTRO, 2002, p. 47 -
48).

A passagem acima destacada é de um valor inestimável para o presente trabalho,


porque (1) evidencia a visão estratégica de Plácido e seus seguidores em não envolver o Brasil
na questão inicialmente (até mesmo porque a acusação de possível agressão do Estado Brasi-
leiro contra a Bolívia poderia ensejar uma reação de potências estrangeiras, particularmente,
dos Estados Unidos e de alguns países europeus, tendo em vista seus interesses econômicos
na região amazônica) e (2) mostra um aspecto crucial para todo e qualquer planejamento em
guerra irregular, qual seja, as dificuldades logísticas (estavam enviando cartas a todos os que
tinham recursos na região, a fim de se constituírem apoios em suprimentos para as tropas re-
volucionárias).
29

Aliás, sobre as dificuldades logísticas e operacionais do movimento, Lima (1973, p.


80) elabora perguntas que, possivelmente, teriam permeado a mente de Plácido de Castro,
mas que foram por ele, de uma forma ou de outra, respondidas com a execução sua campanha
vitoriosa:

Quais os verdadeiros recursos materiais e bélicos com que poderá contar, numa regi-
ão esquecida, onde um boi custa um conto de réis, como este também é o preço de
um rifle ou de um muar? E o material humano a ser adestrado para uma campanha
militar que exige preparação técnica especial, ajustada às singularíssimas condições
locais a serem utilizadas como teatro da guerra?

A transcrição abaixo realizada tem relação com aspectos logísticos e apoio da popu-
lação local e governo estadual próximo interessado numa solução favorável aos revolucioná-
rios. Nas palavras de Plácido de Castro:

Depois de entender-me com o Coronel Joaquim Victor, que foi sem dúvida o acrea-
no que maiores sacrifícios pecuniários fez pela revolução, ficou acordado descermos
até “Caquetá”, onde se achava o Diretor da Mesa de Rendas do Estado do Amazo-
nas, que proclamava lhe haver remetido o Governador deste Estado grande cópia de
armamentos com destino à revolução. (CASTRO, 2002, p. 54).

Pode-se perguntar: qual o interesse do Estado do Amazonas em apoiar Plácido de


Castro em sua empreitada irregular? Bandeira (1973, p. 156) responderia a essa questão afir-
mando que a situação de fato criada pelo Brasil num primeiro momento, ao negar a proprie-
dade da região em favor da Bolívia, e por esta, ao instalar postos alfandegários (com taxas
muito mais baixas que as impostas pelo Brasil) tornou impossível a imparcialidade amazo-
nense. É que toneladas de hévea deste Estado eram contrabandeadas para os EUA, pela adua-
na de Puerto Alonso, prejudicando diretamente o Estado do Amazonas, tendo, inclusive, um
de seus governadores, Silvério Neri, rompido com o governo federal brasileiro pela sua con-
denável – no seu ponto de vista – inação no caso.
Outra passagem marcante nesse mesmo sentido diz respeito a algumas “notas inédi-
tas” que teriam sido publicadas por seu irmão nessa mesma obra. Algumas transcrições são
expostas a seguir:

[...] Em 23 de junho chegaram-me às mãos alguns jornais que noticiavam como de-
finitivo o arrendamento do território acreano e estampavam o teor do contrato, então
firmado entre a Bolívia e o ‘Bolivian Syndicate’. Era uma completa espoliação feita
aos Acreanos. Veio-me a idéia cruel de que a Pátria Brasileira se ia desmembrar;
pois, a meu ver, aquilo não era mais do que o caminho que os Estados Unidos abri-
am para futuros planos, forçando-nos desde então a lhes franquear à navegação os
nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte do Brasil ensejaria aos
30

poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça em breve estaria


consumada. (CASTRO, 2002, p. 53 - 54).

Da análise da citação acima, extraída dessas notas inéditas que teriam sido feitas a
pedido de Euclides da Cunha (CASTRO, 2002, p. 53), fica claro que Plácido de Castro tivera
a visão de se expor para que o Brasil não o fizesse. Foi uma ação deliberada e bem planejada.
Um cidadão desvinculado do Estado poderia se insuflar contra o governo boliviano sem que o
Brasil estivesse necessária e ostensivamente envolvido na questão.
Por outro lado, o que se objetiva com o trecho acima destacado é ter em mente que o
fator catalisador, acelerador da participação de Plácido de Castro na revolução em tela foi a
possibilidade de os Estados Unidos da América intervirem de alguma forma na questão, sob o
pretexto de proteger os interesses do Bolivian Syndicate e, com isso, abrir de uma vez o Ama-
zonas à navegação estrangeira.
Aliás, como bem ressalta Lima (1973, p. XIX-XX), as “insidiosas forças do mal” de-
sejavam se aproveitar da situação, colocando em lados opostos países irmãos. Não importan-
do qual dos lados perdesse em caso de guerra, os vencedores reais seriam Estados estrangeiros
fora do subcontinente sul-americano:

Não houvessem os legionários da Inconfidência Acreana esmagado, militarmente,


os seus bravos adversários, e a Bolívia teria soçobrado na voragem que a própria vi-
tória lhe acarretaria. Pois, o sindicato de capitalistas internacionais – homens sem
pátria e sem alma, embora quisessem assaltar o Acre em nome de suas pátrias pode-
rosas e da civilização – teria anulado, em pouco, a independência da nacionalidade
boliviana, tão cedo quanto a balança da peleja lhes houvesse concedido a palma do
triunfo.

Esse estudo seguirá a tendência atual da historiografia militar de evitar as descrições


pormenorizadas das batalhas, sem, no entanto, invadir áreas destinadas a outros ramos da His-
tória, deixando os aspectos militares em segundo plano. Assim, sem maiores detalhes, apre-
sentar-se-ão alguns dados e algumas características dos combates irregulares
O primeiro movimento da Revolução Acreana, tendo o Comandante em Chefe acla-
mado pela Junta Revolucionária à frente, foi em Xapury, em 06 de agosto de 1902, quando se
comemorava o Dia da Independência da Bolívia, fato este ignorado por Plácido de Castro
(CASTRO, 2002, p. 56). O Intendente boliviano fora surpreendido e pensava serem os movi-
mentos iniciais revolucionários algo ligado às comemorações do Dia Nacional.
No dia seguinte, estava proclamada a criação do Estado Independente do Acre. Os
prisioneiros bolivianos foram conduzidos para fora do território contestado e Plácido, deixan-
31

do o Coronel Galdino no comando da guarnição de Xapury, agora com algo em torno de 150
homens, partira para novas conquistas territoriais e de efetivos para a Revolução.
Depois da emboscada boliviana na “Volta da Empreza”, oportunidade em que se
perderam vários homens, víveres e suprimentos em geral (tendo sido uma derrota grande para
a Revolução), Plácido decide reorganizar-se em “Bagaço”, onde determinou medidas ligadas
ao uniforme, de modo a dificultar a identificação por parte do inimigo dos combatentes em
função de comando, mas ainda manteve o “azulão” como uniforme principal revolucionário.
Plácido se reorganiza e, contando com novas adesões, forma quatro unidades de va-
lor batalhão: uma em Novo Destino, com 150 homens; uma em Pelotas, com 100 homens;
uma em Acreano, com 300 homens e outra em Xapury, com 300 homens. O armamento utili-
zado era o Winchester 44. Já os bolivianos contavam com uma vanguarda de 340 homens e
uma unidade de 500 homens em Abunã. Seu armamento era o Mauser argentino (MOURA,
2010, p. 145-146).
Gomes (2005, p. 131) traz números distintos quanto à tropa de Plácido: sete bata-
lhões, estando quatro (Acreano, com 260 homens; Independência, com 400; Liberdade, com
560, e Franco Atirador, com 350) diretamente sob suas ordens e outros três espalhados (Pelo-
tas, 300 homens; Xapuri, 300, e Novo Destino, 300). Cita, ainda, a existência de “outros es-
parsos em vários pontos”.
Interessante notar que Gomes (2005, p. 131), apesar da precariedade de sua avaliação
como fonte histórica precisa, dá a entender que, após a reorganização citada, o Exército Acre-
ano teria deixado de ser uma tropa irregular, tendo-se já configurada a existência de um pe-
queno exército regular. Segundo essa tese, haveria terminado a fase de desenvolvimento do
movimento chamado organização e expansão, citada por Visacro (2009, p. 265), passando-se
mais efetivamente à fase seguinte de emprego em combate.
A despeito da classificação que se dê ao estado de organização em que o Exército
Acreano estava nesse momento, pode-se imaginar o fluxo logístico que Plácido teve de orga-
nizar, de maneira irregular, para manter esse efetivo em combate: munição e comida para
quase novecentos homens durante 171 dias de guerra (logicamente, esse efetivo deve ter flu-
tuado, para mais e para menos, facilitando ou dificultando ainda mais a cadeia de suprimentos
de Plácido).
Sua força de sustentação deveria ser bastante eficiente, mas a capacidade de resistir
dos nordestinos, agora acreanos, foi essencial para a amenização desse problema. O soldado
boliviano, vindo dos altiplanos, sofria demasiadamente com a selva, ao contrário do acreano
que, acostumado com as vicissitudes do nordeste, combatia em melhores condições.
32

Em 05 de agosto, regressam à “Volta da Empreza”, atacando-a por duas direções. Os


combates terminaram com a rendição do comandante boliviano, após onze dias intensos de
lutas. A solução para se eliminar o impasse causado pelas trincheiras cavadas pelo inimigo
defensor foi a “abertura de valas em curvas reversas contra os aramados” de modo a possibili-
tar a aproximação dos revolucionários (CASTRO, 2002, p. 66).
No dia 18 de novembro, combateram em “Santa Rosa”, tendo vencido os bolivianos
com certa facilidade, depois de algumas horas de lutas. A 10 de dezembro, em “Costa Rica”,
depois de 35 minutos de combate, Plácido de Castro derrota o inimigo; tendo destruído trin-
cheiras e casas, retorna para “Xapury”.
Após algum tempo de reorganizações e “combates internos” ao desânimo, em fins de
janeiro de 1903, Plácido enfrenta grande efetivo de bolivianos em “Porto Acre”, local em que,
a 26 de janeiro, é aclamado Governador do Estado Independente do Acre, tendo imediatamen-
te baixado decreto adotando a língua portuguesa como a oficial e reconhecendo as proprieda-
des e as posses das terras ocupadas. (CASTRO, 2002, p. 78).
Seguem, então, contatos com militares brasileiros, à testa de quem se encontrava o
general Olímpio da Silveira. Plácido descreve as tropas do Exército Brasileiro com grande
ressentimento pelo fato de não reconhecerem o grande trabalho que sua revolução estivera
fazendo para o Brasil e criticou bastante a falta de adestramento e de procedimentos mínimos
de segurança e de vigilância (CASTRO, 2002, p. 80).
Estando o combate em “Porto Rico” bastante encarniçado, depois de dias de enfren-
tamentos, Plácido recebe um ofício do general Olímpio, lhe dizendo da assinatura de um mo-
dus vivendi entre o Brasil e a Bolívia. Plácido, mesmo estando o inimigo começando a dar
sinais de enfraquecimento, manda suspender as hostilidades.
Depois de grandes desentendimentos entre Plácido e o general Olímpio, o Exército
Acreano é dissolvido por Plácido a 13 de maio de 1903, a fim de evitar um confronto aberto e
armado entre brasileiros.
33

[...] a primeira indicação, visando de fato uma conquista disfarçada, nos levaria a ter
procedimento em contraste com a lealdade com que o Governo Brasileiro nunca
deixou de guardar no seu trato com outras nações. Entraríamos em aventura perigo-
sa, sem precedentes em nossa história diplomática... E a conquista disfarçada que,
violando a Constituição da República, iríamos assim tentar se estenderia, não só so-
bre o território a que nos julgávamos com direito, mas também sobre o que lhe fica
ao sul, incontestavelmente boliviano em virtude do Tratado de 1867... porque, – é
preciso não esquecer, – o problema só se podia resolver ficando brasileiros todos os
territórios ocupados pelos nossos nacionais. (BARÃO DO RIO BRANCO)

4 BARÃO DO RIO BRANCO: O ESFORÇO DIPLOMÁTICO

A epígrafe introdutória a essa seção pretende ressaltar a visão do Barão acerca da so-
lução dada à Questão do Acre. O caráter inicial dessa passagem permite antecipar, em parte,
os argumentos que serão descritos a seguir, mostrando uma preocupação do Itamarati de, no
caso em tela, respeitar a Constituição vigente, prestigiar as tradições de lealdade da diploma-
cia nacional no trato com as demais nações e limitar mesmo possíveis conquistas mais preju-
diciais à Bolívia, caso se viesse a resolver o assunto por meio de uma conquista disfarçada.
Nesse sentido, a primeira missão do Barão, ao assumir o Ministério das Relações Ex-
teriores do Brasil, foi a de resolver a Questão do Acre. Os arbitramentos anteriores – Wa-
shington e Berna – lhe renderam fama e gratidão da população brasileira, mas o desafio agora
era mais complexo e perigoso: três adversários (a Bolívia, o Peru e o Bolivian Syndicate) e a
existência de um posicionamento da diplomacia nacional – de quase quarenta anos – admitin-
do o Acre ser boliviano. Diante desses fatores complicadores, recorrer à saída salvadora de
outrora, o arbitramento internacional, era muito arriscado (BRASIL, 2002, p. 74).
Aliás, refutando sugestão de Villazon, que advogava pela submissão da questão ao
Tribunal de Haia, Paranhos Júnior argumenta

Diga arbitragem é recurso bastante demorado e para ser empregado depois se for in-
dispensável. O interesse dos dois países é que cheguemos quanto antes ao arranjo
amigável das dificuldades presentes, o que, havendo boa-vontade, é perfeitamente
possível. Convém, portanto, entremos com urgência na negociação apenas iniciada e
interrompida de um acordo direto (LINS, 1945, p. 421).

Sua estratégia, inicialmente, era separar os oponentes, com intuito de negociar com e-
les na base do “one-on-one”, bilateralmente. Segundo Lins (1945, p. 423), a idéia de Rio
Branco era negociar primeiro com a Bolívia, que se negou a tal, confiando que o Bolivian
Syndicate (obliquamente, os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, que tinham investido
34

nessa sociedade empresária) lhe serviria de apoio para sustentação dos seus argumentos frente
ao Brasil.
O protocolo de 1899, assinado pela Bolívia com os norte-americanos, garantia-lhe a-
poio na defesa dos seus direitos sobre o Acre, Purus e Iaco, diplomática, financeira ou mili-
tarmente, no caso de guerra com o Brasil. Os EUA ainda se comprometiam a pressionar o
Brasil a nomear comissão demarcadora de fronteiras definitivas entre o Purus e o Javari e para
que concedesse livre trânsito para produtos bolivianos nas alfândegas de Belém e de Manaus.
A Bolívia, em troca, abatia pela metade os direitos de importação a todas as mercadorias esta-
dunidenses e um quarto sobre a borracha com destino aos portos norte-americanos, por dez
anos. Em caso de guerra com o Brasil, os bolivianos denunciariam o Tratado de Ayacucho,
passando a defender a linha de fronteira que passaria pela boca do Acre e os EUA tomariam
posse do território restante. Ainda, os ianques seriam os financiadores da guerra para a Bolí-
via, ficando com as rendas alfandegárias da Bolívia como hipoteca (BANDEIRA, 1973, p.
154).
Em 2001, a Bolívia assinaria, em Londres, outro protocolo, pelo qual o Bolivian Syn-
dicate assumiria a administração do Acre, tendo o direito de instituir polícia e equipar força
armada ou barcos de guerra, para a defesa de territórios ou manutenção da ordem interna
(BANDEIRA, 1973, p. 157).
Da análise das informações contida nos parágrafos anteriores ou mesmo de sua sim-
ples leitura, percebe-se o quão delicada deveria ser a forma de se lidar com o envolvimento do
Bolivian Syndicate na contenda, pois, a despeito do absurdo do que esse contrato trazia acerca
do arrendamento de terras, com perda de poderes de soberania para uma sociedade empresária
estrangeira (óbvio, com personalidade jurídica de direito privado), o Brasil poderia atrair para
a guerra um país que já se pronunciava como futura grande potência mundial, estando tal na-
ção lutando ou apoiando o lado contrário.
Essa espécie de chartered company viria a encontrar dificuldades para começar sua
empresa na região desde a assinatura do contrato com o governo boliviano, pois o presidente
brasileiro à época, Campos Sales, apesar de não demonstrar oposição clara ao que se firmava
entre um Estado e um ente com personalidade jurídica de direito privado, negou a livre nave-
gação no Amazonas, o que, na prática, inviabilizou o acesso dos estrangeiros ao Acre (BRA-
SIL, 2002, 74).
No extrato de carta, de Assis Brasil (Ministro do Brasil nos Estados Unidos) ao Barão,
a seguir transcrito, torna-se evidente as tratativas brasileiras junto aos estadunidenses para que
aceitassem a indenização proposta
35

Ao sr. Hay dei um hint a respeito da possibilidade de solver a questão indenizando a


Bolívia ao Sindicato. À sua resposta de que a Bolívia não tinha meios respondi que
talvez o Brasil fosse em auxílio da Bolívia, no interesse de liquidar este assunto a
contento de todos. O Sr. Hay me respondeu com um olhar que me pareceu de bom
agouro. (LINS, 1945, p. 424).

Rio Branco ratifica essa posição e começa as negociações com a companhia. Ao fim,
estabeleceu-se uma indenização de 110 mil libras esterlinas para o Syndicate e alguns adicio-
nais para agentes mantidos pelo Barão na própria companhia e advogado, resultando em mais
5 mil libras em gastos, pagos em 10 de março de 1903 (BANDEIRA, 1973, p. 164). O gover-
no dos Estados Unidos só tinha um interesse na questão: resguardar o investimento feito por
seus cidadãos. Assim, paga a indenização que caberia à Bolívia, nada tinham a opor ao intento
brasileiro (FILHO, 1999, p. 292).
As negociações com o Peru, que havia sugerido uma negociação trilateral, foram adia-
das para depois de resolvido o tema com a Bolívia (o que fora proposto pelo Barão). Resta-
vam, agora, as discussões com os bolivianos. O maior problema é que Olinto de Magalhães,
antecessor de Paranhos Júnior na pasta dos negócios exteriores, havia tornado pública sua
opinião de que o Acre não era brasileiro, o que tornara ainda mais difícil reverter tal situação.
Acontece que o Barão já acompanhava e pensava nessa questão desde os tempos em que era
Ministro em Berlim, conforme se vê na transcrição abaixo de uma carta sua a Hilário de Gou-
veia

[...] há esta questão do Acre que, bem manejada, e rompendo-se com a má interpre-
tação dada em 1868 ao Tratado de 1867, poderia afirmar, por esse lado, o nosso di-
reito sobre um território imenso. Não haveria inconveniente em dizermos que tí-
nhamos dado aquela inteligência ao tratado somente para favorecer a Bolívia, mas
que estamos resolvidos a sustentar agora a verdadeira inteligência, isto é, a defender
a linha do paralelo de 10º 20’, que já foi grande concessão feita àquela República,
porque, nulo o Tratado de 1777, tínhamos direito de ir muito mais ao sul, até as nas-
centes dos tributários do Amazonas que ocupávamos na foz e curso inferior [...] Mas
o Olinto (a Secretaria) continua a defender a absurda linha oblíqua do Madeira à
nascente do Javari, em vez do paralelo de 10º 20’, e a dizer que o que fica ao sul da
oblíqua (o Acre) é boliviano ou peruano e não brasileiro. [...] Se não é brasileiro com
que direito havemos de impedir as operações do sindicato americano? (BRASIL,
2002, p. 75).

O cerne do problema residia no fato de que o Tratado de Ayacucho, de 1867, foi im-
preciso na delimitação daquela região. Da foz do rio Beni, dever-se-ia tirar uma paralela, na
latitude 10º 20’, até a nascente do Rio Javari, que não se sabia onde era exatamente. Admitiu-
se ser um paralelo, porque se imaginava que a nascente estaria na mesma latitude, mas, caso
não estivesse, havia duas interpretações possíveis, para o caso de o Javari nascer nalguma
posição ao norte do esperado (o que veio efetivamente a se confirmar pelos cálculos do coro-
36

nel Thaumaturgo de Azevedo e, posteriormente, pelos do capitão-tenente Cunha Gomes): (1)


partir do mesmo paralelo da foz do Beni até a longitude da nascente do Javari e depois seguir
ao norte até encontrar a tal nascente, solução que renderia ao Brasil a maior área possível,
tendo em vista seguir pelos catetos desse triângulo retângulo imaginário ou (2) admitir que a
linha devesse sair da foz do Beni direta e obliquamente até a nascente do Javari, sendo esta a
pior situação para o Brasil, pois, ao seguir a hipotenusa, deixaria estrangeira boa parte do ter-
ritório contestado (FILHO, 1999, p. 285-286). Até Rio Branco, o Brasil esposou a segunda
opção; com Paranhos no Itamaraty, a primeira passou, repentinamente, a ser defendida:

No momento oportuno (Luís Viana Filho frisa em Rio Branco a característica de es-
perar para agir na hora exata), muda radicalmente a posição tradicional da Chancela-
ria brasileira sobre o tratado de 1867: em janeiro de 1903 instrui o Ministro do Brasil
em La Paz a comunicar ao Governo local que a interpretação brasileira do acordo de
1867 passava a ser a que a “linha leste-oeste” era a “paralela”. Cortou-se o nó gór-
dio: “de um momento para o outro, o território até então reconhecido como bolivia-
no torna-se litigioso” (FILHO, 1999, p. 292).

Da leitura dos parágrafos imediatamente anteriores, poder-se-ia concluir, apressada-


mente, que o Tratado de 1867 fora mal pensado pelos brasileiros. Não foi bem assim e Lins
(1945, p. 402-403) o prova. Ocorre que, quando de sua assinatura, o Brasil estava em plena
Guerra da Tríplice Aliança e a opinião pública boliviana tinha posição contrária aos interesses
do Império. Daí, considerar-se esse tratado um dos mais generosos, senão o mais, assinado
pelo Brasil ao longo de todo o período imperial. Lins (1945) acredita que os estadistas brasi-
leiros sabiam que o despovoamento aliado ao escasso conhecimento geográfico e astronômico
acerca da região daria ao tratado um caráter precário. Algumas condições para a validade do
tratado haviam sido propositadamente inseridas em suas cláusulas, como: (1) necessidade de
demarcação dos limites nele estabelecidos, (2) previsão de futura retificação de fronteiras e
(3) previsão de trocas territoriais. As condições do futuro estavam decididas.
Depois de intensas negociações, tendo Rio Branco conseguido impedir um confronto
formal entre as tropas do Exército Brasileiro e as do general Pando, finalmente se consegue
um acordo. É importante ressaltar que, antes de se assinar o Tratado de Petrópolis, a Bolívia já
havia concordado em que as tropas federais brasileiras ocupassem o território ao norte do pa-
ralelo 10º 20’, o que, na prática, demonstrava total impossibilidade de reversão da situação,
até porque a porção extremo-leste do território já havia sido conquistada e estava sendo man-
tida por Plácido de Castro e seus seringueiros-soldados (FILHO, 1999, p. 293).
Em 17 de novembro de 1903, foi assinado o Tratado de Petrópolis, por meio do qual a
Bolívia cede ao Brasil 191.000 km², em troca de algumas pequenas compensações territoriais
37

ao longo da fronteira do Mato-Grosso; de uma área de 3.200 km² majoritariamente habitada


por bolivianos (entre os rios Beni e Madeira); da construção da estrada de ferro entre Porto
Velho e Guajará-Mirim e de uma indenização de dois milhões de libras esterlinas (FILHO,
1999, p. 293). Diga-se, de passagem, tal estrada de ferro já havia sido prometida desde Aya-
cucho, em 1867, e recomendada por grandes estadistas brasileiros, como Tavares Bastos e o
Visconde de Rio Branco (LINS, 1945, p. 434).
38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito do Direito Empresarial, ramo autônomo do Direito Privado ao lado do Di-


reito Civil, há um conceito chamado aviamento, definido por Ramos (2008) como o montante
a maior no seu valor real de venda que excede a soma de todos os bens da sociedade empresa-
rial (corpóreos e incorpóreos), num contrato de trespasse (alienação de uma sociedade empre-
sarial).
Utilizando esse conceito no contexto estudado nessa monografia, pode-se afirmar
que o que se buscou intensamente nesse trabalho foi o aviamento resultante de uma singular
sinergia surgida entre as ações de Plácido e de Rio Branco no episódio da História do Brasil
em que seus feitos se cruzaram. Mais do que a simples soma de esforços, houve uma conjun-
ção de pensamento e de objetivos que aumentou o valor da “operação matemática” de adição
entre os aspectos militares e diplomáticos. Tal interação foi o aviamento, o algo a mais, que
possibilitou uma solução plausível e relativamente rápida para ambos os lados envolvidos, o
que veio a evitar que o Brasil comprometesse oficialmente tropas, recursos e vidas para a a-
nexação de um território que já era seu, senão de direito, pelo menos, de fato.
Já foram abordadas questões geopolíticas nas seções que precederam essa conclusão,
questões tais que tratavam da invariabilidade da decisão final da contenda com um resultado
favorável ao Brasil, tendo em vista razões econômicas e geográficas. Nesse mesmo sentido,
há, ainda, outro conceito que pode ser importado do Direito Empresarial, cuja exposição nesse
trabalho pode trazer alguma nuance diferente para a compreensão do tema. Trata-se de um
instituto jurídico chamado direito de inerência. Ramos (2008), citando Fábio Ulhôa, quem
primeiro propôs esse nome para o instituto, define-o como o direito que um locatário teria em
face do locador no que diz respeito à posse de determinado imóvel, alvo de um contrato de
locação. O que se quer ressaltar aqui é que a propriedade, bem jurídico garantido constitucio-
nalmente, pode ser relativizada, em certos casos, em desfavor do proprietário.
O Acre não estava alugado para os brasileiros, mas a relativização de sua proprieda-
de, em favor dos acreanos e em detrimento dos bolivianos, poderia ser, com algum esforço de
analogia, entendido como conseqüência da existência de um direito de inerência dos brasilei-
ros sobre um território para cuja valorização econômica efetivamente contribuíram com seu
trabalho.
Não deve parecer estranha a recorrência a alguns institutos do Direito Empresarial no
caso tem tela. É que tal ramo do Direito Privado tem algumas características que lhe fazem
39

bastante apropriado ao campo temático estudado nessa disputa, destacando-se entre elas o seu
caráter internacionalista, tendo em vista ter sido criado para facilitar as trocas comerciais entre
sociedades empresárias de países distintos. Por outro lado, na Revolução Acreana, o que aca-
bou ocorrendo, na prática, foi uma solução envolvendo recursos financeiros a nível interna-
cional, ou seja, o Tratado de Petrópolis tinha uma essência de contrato comercial, tendo em
vista a consensualidade, a onerosidade e a bilateralidade, presentes em suas cláusulas.
Aliás, Troplong citado por Barbosa (1906, p.8), resume bem o caráter jurídico do tra-
tado

[...] celebrando o Tratado de Petrópolis, que firmou o domínio, a posse e soberania


da Ré União Federal, não só sobre a linha disputada do Acre, como de outras ptonos
(sic) da fronteira, com abandono de pontos de retificação de outras partes e mediante
pesadas compensações que deram ao Tratado de Petrópolis antes o caráter e a feição
de contrato translativo oneroso que de simples transação declaratória.

Deixada de lado a questão jurídica acima levantada apenas como discussão acessória,
alguns questionamentos se apresentam cujo debate nessa seção final do trabalho, tendo em
vista o caráter geral que possuem e a possibilidade de se extraírem conclusões pertinentes
acerca da interação entre as ações de Plácido e de Paranhos, é bastante valioso.
Começa-se por esse: seria possível estabelecer uma relação entre a forma como a
Questão do Acre foi conduzida – e resolvida – e os conceitos de smart power (equilíbrio entre
os poderes duro, hard power, e brando, soft power; entre a força e o consenso, ou seja, o po-
der inteligente), proposto para os Estados Unidos por Nye Joseph Jr, em 1980? É preciso, de
plano, ressaltar que não há indícios de que o Estado Brasileiro (leia-se o Governo Federal)
tenha oficialmente apoiado o movimento dos seringueiros e seringalistas, com armas, supri-
mentos ou mesmo, numa fase anterior, estimulando o crescimento populacional especifica-
mente na área contestada com fins de, num futuro próximo, protestar pela anexação da região
ao território nacional.

Como se baseiam quase exclusivamente nesse episódio as acusações de imperialis-


mo dirigidas contra o Brasil em geral e Rio Branco em particular, é útil lembrar que
na origem do problema se encontra um movimento de caráter obviamente espontâ-
neo e causado por motivos econômicos (a valorização da borracha) que provocaram
o mesmo tipo de “corrida do ouro” nas terras brasileiras contíguas ao Acre e nas pe-
ruanas próximas. Imaginar que essa expansão demográfica pudesse, de alguma
forma, haver sido oficialmente estimulada seria já enveredar pelo domínio do
fantástico. Mesmo assim, seria preciso explicar porque, em tal caso, os governos
brasileiros da fase de expansão continuaram invariavelmente a admitir a soberania
boliviana sobre o território. (BRASIL, 2002, p. 76-77, grifo nosso).
40

Em sentido contrário, houve certa tolerância, aceitação tácita do movimento por parte
de sucessivos governos federais brasileiros. Verifica-se isso, mesmo se levando em conta a
iminência ou os riscos, cada vez mais caracterizados, de uma guerra contra a Bolívia, esta
provavelmente apoiada pelos Estados Unidos, e a despeito do envio de forças navais brasilei-
ras para a região com a finalidade de restabelecer a autoridade boliviana em duas oportunida-
des.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1891, em seu artigo primeiro rezava:

A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a


República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por
união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do
Brasil. (grifo nosso).

Os Estados-membros, apesar de autônomos, fazem e faziam parte da Federação.


Tendo o Estado do Amazonas apoiado com armas, suprimentos e efetivos, pelo fato de serem
os maiores prejudicados com a redução da produção de borracha no Acre, poder-se-ia afirmar
que o Estado Brasileiro, lato sensu, apoiou a revolução, ainda que indiretamente e à margem
da atuação do Governo Federal? Talvez essa questão seja mais jurídica – ou ligada às Ciên-
cias Políticas – do que histórica, mas a reflexão sobre ela é de todo útil quando se analisa essa
interação entre os seringalistas e os diplomatas.
Mattos (1980, p. 58) sintetiza a participação de autoridades do Amazonas e do Pará
na questão: “Quando essa população sentiu que não contava com o apoio do governo federal
brasileiro, porém apoiada sub-repticiamente pelas autoridades regionais de Manaus e Belém,
revoltou-se, proclamou no Acre um Estado Independente e partiu para a luta armada”.
O envolvimento de um Estado-membro, pessoa jurídica de direito público interno,
ou seja, sem capacidade de figurar no plano internacional como sujeito de deveres e de direi-
tos, seria uma forma de o Estado Brasileiro influir na Questão de modo indireto, possibi-
litando que se cumprisse parcialmente o mandamento constitucional do artigo 88: “Os Esta-
dos Unidos do Brasil, em caso algum, se empenharão em guerra de conquista, direta ou indi-
retamente, por si ou em aliança com outra nação”, ao mesmo tempo em que se garantia a
posse efetiva do território litigioso? Se for admitida a ação indireta do Estado Brasileiro, por
meio de um de seus Estados-membros, teria o Brasil descumprido sua própria Constituição,
ao permitir tal apoio, ainda que tacitamente?
Talvez a possibilidade de se formularem tais perguntas – e de suas respostas serem
desfavoráveis ao Brasil – tenha contribuído para que Rio Branco propusesse tão “generosa”
41

solução, de forma a que o Brasil não pudesse vir a ser acusado num futuro próximo de ter
anexado o Acre por via indireta.
Tais ofertas de Rio Branco foram, à época, incompreendidas e bastante criticadas por
muitos intelectuais e políticos. Rui Barbosa, inicialmente compondo a equipe de negociação
do Tratado de Petrópolis, ao saber das intenções de Paranhos de ceder inclusive parte do terri-
tório brasileiro não-contestado, prefere deixar o grupo, por entender que o Brasil não precisa-
ria e não deveria fazer tamanhas concessões (BRASIL, 2002, p. 77). Talvez não tenha tido a
mesma visão de estadista de que dispunha o Barão.
Esses questionamentos são relevantes porque o Estado Brasileiro – à época, os Esta-
dos Unidos do Brasil, esse sim, pessoa jurídica de direito público externo, capaz de assumir
deveres perante os demais Estados e de defender direitos em face deles – não estaria direta-
mente envolvido e poderia, caso confirmado o envolvimento oficial do Amazonas, ser pres-
sionado para conter a ação de um membro da Federação, mas jamais acusado de intencional-
mente agir contra um país mais fraco e forçar-lhe a venda de parte de seu território.
Nesse sentido, trazendo o acontecido para os dias atuais, verifica-se que a idéia de se
conduzir uma guerra irregular com objetivos dessa magnitude ou com conseqüências dessa
grandeza, possivelmente, não surgiria no seio de particulares e, caso surgisse, certamente seria
apoiada indireta, sigilosa e clandestinamente pelo Estado que aproveitaria o resultado da revo-
lução.
Poderia ser considerada, então, adequada a idéia de que as ações de Plácido de Cas-
tro e de Rio Branco, conjugadas, ainda que sem planejamento e de forma não-intencional,
teriam caracterizado de alguma forma o uso do smart power por parte do Brasil em face da
Bolívia?
Na visão de Ferreira (2005, p. 2), as idéias de Nye – ou seu entendimento – sobre o
poder duro podem ser assim definidas

As duas modalidades que compreendem o poder duro, militar e econômica, proce-


dem através de ferramentas como a coerção, a indução, a intimidação e a proteção.
Ambas são aplicadas por meio de sanções, ameaças e punições. Por sua vez, a força
bruta é empregada através de diferentes políticas governamentais, muitas delas bas-
tante conhecidas por todos nós ao longo da história, como as guerras, diplomacia co-
ercitiva e alianças estratégicas com fins bélicos.

Já o poder brando, de cujo uso proporcional, ótimo e coordenado com o soft power
surgiria o smart power, foi assim explicado em citação de Nye constante na obra de Ferreira
(2005, p. 3),
42

Na política mundial, é possível que um país obtenha os resultados que quer porque
os outros desejam acompanhá-lo, admirando os seus valores, imitando-lhe o exem-
plo, aspirando ao seu nível de prosperidade e liberdade. Neste sentido é igualmente
tão importante estabelecer a agenda na política mundial e atrair os outros quanto for-
çá-los a mudar mediante a ameaça ou o uso das armas militares ou econômicas. A
este aspecto do poder – levar os outros a querer o que você quer –, dou o nome de
poder brando. Ele coopta as pessoas, ao invés de coagi-las.

Então, de tudo o que foi apresentado, tenta-se agora, caracterizar, na Questão do A-


cre, o emprego das duas componentes de poder inteligente apresentados:
- partindo-se dos princípios de que (1) o Estado Brasileiro se envolveu indiretamente
na aceitação tácita dos diversos movimentos insurrecionais no Acre, particularmente, quanto
ao vitorioso de Plácido; de que (2), tendo o Amazonas apoiado tal movimento, o Estado Bra-
sileiro, a Federação, por via oblíqua, estaria da mesma forma apoiando e de que (3) o Exército
Brasileiro foi empregado, quando dos últimos passos do movimento, para dissuadir o general
Pando de tentar, pela força, encerrar com a insurreição, tem-se bem caracterizado o emprego
da vertente militar do poder duro;
- a “imposição” da transação encerrada no Tratado de Petrópolis, em que a Bolívia
cede parte de seu território, e as negociações em torno dos contornos fiscais da exploração da
borracha na região podem ser entendidas como o uso do viés econômico do hard power;
- a cessão de parte do território brasileiro, não solicitado e nem contestado, aos boli-
vianos, em atenção ao mesmo princípio discutido anteriormente do uti possedetis, ita posse-
deatur e a ratificação da promessa de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, dos
quais o Barão se valeu para conquistar corações e mentes do outro lado da fronteira, caracteri-
zam o emprego do soft power.
Assim, sabendo-se aproveitar das vitórias em campo obtidas por Plácido de Castro,
Paranhos Júnior, com uma visão de futuro irrepreensível, antecipou a utilização do poder inte-
ligente. Com essa atitude, resolveu seu maior desafio em termos diplomático-territoriais e,
dessa maneira, garantiu à posteridade brasileira mais um trecho de fronteira sem disputas nas
décadas seguintes.
A caracterização do uso do poder inteligente, sintetizando em parte o que foi apre-
sentado nos parágrafos imediatamente anteriores, pode ser retirada dessa transcrição

Ele teve a coragem de ultrapassar os convênios existentes para atingir o problema na


sua zona mais difícil e perigosa: o povo que habita o norte e o sul do paralelo 10º
20’ não quer submeter-se à soberania da Bolívia e o Brasil não pode ficar indiferente
a esse pronunciamento de uma população brasileira. Mas, por outro lado, ele vê o di-
reito da Bolívia e não deseja solução nenhuma que não se harmonize com o Direito
43

Internacional e com a tradição da política exterior do Brasil. Por isso colocou o pro-
blema na base de aquisição do Acre mediante compensações territoriais e pecuniá-
rias. Um acordo em que não houvesse vencido nem vencedor. (LINS, 1945, p. 429).

Na passagem abaixo, deixada propositalmente, por último, pode-se perceber a intera-


ção de que tanto se escreveu ao longo desse trabalho e cuja compreensão resolve o problema
proposto, cumprindo o objetivo geral estabelecido. Rio Branco, pressionado pelos bolivianos
para que desarmasse os acreanos revoltosos, durante as negociações do Tratado de Petrópolis,
assim instrui o Ministro brasileiro em La Paz

[...] No primeiro informa-me V. Ex. do desejo manifesto por esse governo de que as
forças bolivianas subjuguem de vez os Acreanos. Responda terminantemente que
nisso não podemos concordar. [...] não há utilidade alguma em que o Governo Boli-
viano se empenhe em previamente subjugar os nossos compatriotas que queremos
proteger, livrando-os de vinganças e violências e evitando conflitos entre eles e as
tropas bolivianas. A idéia de desforra e castigo é inconveniente e impolítica nesse
caso. Se as tropas bolivianas conseguissem vencer e esmagar os Acreanos, haveria
em todo o Brasil um movimento irresistível de opinião que nos arrastaria à guerra.
[...] Não podemos fazer desarmar os nossos compatriotas atenta a proximidade das
tropas bolivianas. Não podemos concordar em que estas penetrem no Acre Meridio-
nal durante as negociações, sobretudo depois de sabermos que o que se quer é exer-
cer ali vinganças. (LINS, 1945, p. 425-426).

Não contasse o Brasil com a brilhante atuação de dois líderes em campos distintos e
a aquele trecho de fronteira teria sido motivo para o surgimento de maiores problemas ao lon-
go do século passado. Sem a sinergia resultante das ações de Plácido e de Rio Branco, não se
poderia, talvez, vivenciar o relacionamento fraterno e harmonioso que os dois países mais
envolvidos na questão possuem hoje.
É com esse espírito de reconhecimento que se termina essa monografia, pedindo-se
vênia para, nestes últimos parágrafos, mesmo em detrimento do rigor acadêmico, relativizar a
imparcialidade requerida pela Ciência e adentrar o patriotismo estimulado pela Memória.
44

REFERÊNCIAS

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Presença dos EUA no Brasil. São Paulo: Record, 1975.

BARBOSA, Ruy. A transação do Acre no Tratado de Petrópolis: polêmica de Ruy Barbo-


sa. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1906.

BEVIN, Alexander. A guerra do futuro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999.

BRASIL. MRE. Fundação Alexandre de Gusmão. Barão do Rio Branco: uma biografia foto-
gráfica. Brasília: Centro de História e Documentação Diplomática, 2002.

CASTRO, Genesco de. O Estado Independente do Acre e J. Plácido de Castro: Excerptos


Históricos. Brasília: Senado Federal, 2002.

FERREIRA, Marcos Alan Fagner dos Santos. Definições conceituais para o entendimento
da política externa dos Estados Unidos: as noções de poder duro (hard power) e poder
brando (soft power). abr. 2005. Disponível em: <http://www.santiagodantassp.locaweb.
com.br/br/arquivos/nucleos/artigos/Marcos.pdf>. Acesso em: 14 julho 2010.

FILHO, Synésio Sampaio Goés. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a


formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GOMES, Raymundo Pimentel. A conquista do Acre. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora,


2005.

LIMA, Cláudio Araújo. Plácido de Castro: um caudilho contra o imperialismo. São Paulo:
Brumar, 1960.

LINS, Álvaro. Rio-Branco. Rio de Janeiro: José Oynpio, 1945.

MARQUIS, Susan Lynn. Unconventional warfare: rebuilding U.S. special operations forces.
Washington: Brookings, 1997.

MATTOS. Carlos de Meira. Uma geopolítica pan-amazônica. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980.
45

MEIRA, Sílvio de Bastos. A Epopéia do Acre: batalhas do ouro-negro. Rio de Janeiro: Re-
cord, 1964.

MOURA, Aureliano Pinto [et al]. História Militar Brasileira II. Palhoça: Unisul Virtual,
2010.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial: o novo regime jurídico-
empresarial brasileiro. São Paulo: Podium, 2008.

VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência


ao longo da história. São Paulo: Contexto, 2009.

Você também pode gostar