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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA

ISMAR DA SILVA COSTA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA:


RELIGIÃO E POLÍTICA EM ITAPURANGA--GO
1950/2000.

Goiânia
2012
ISMAR DA SILVA COSTA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA:


RELIGIÃO E POLÍTICA EM ITAPURANGA-GO
1950/2000.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História, da Faculdade
de História da Universidade Federal de Goiás,
para à obtenção do título de Doutor em
História.

Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e


Identidades.

Linha de Pesquisa: História, Memória E


Imaginários Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Sergio Duarte da


Silva

Goiânia
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Costa, Ismar da Silva


C837g Guerra simbólica na fronteira [manuscrito] : religião e
politica em Itapuranga - GO -1950/2000. / Ismar da Silva
Costa. – 2012.
215 f.: il., figs.

Orientador: Profº Dr. Dr. Luiz Sergio Duarte da Silva.


Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de História, 2012.
Bibliografia.
Inclui lista de figuras, abreviaturas e siglas.
Anexos.

1. Teologia – libertação, 2. Renovação – carismática. 3.


Política. 4. Religião. 5. Fronteira.

CDU: 279.127 : 32
ISMAR DA SILVA COSTA

GUERRA SIMBOLICA NA FRONTEIRA:


RELIGIÃO E POLÍTICA EM ITAPURANGA-GO
1950/2000.
Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade
de História da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do grau de Doutor,
aprovada em 29 de junho de 2012, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes
professores:

__________________________________
Prof. Dr. Luiz Sergio Duarte da Silva – UFG
Presidente da Banca

___________________________________
Prof. Dr. Antônio de Almeida – UFU
Membro Titular

____________________________________
Prof. Dr. Jadir de Morais Pessoa – UFG
Membro Titular

____________________________________
Profa. Drª Terezinha Maria Duarte – UFG/CAC
Membro Titular

____________________________________
Prof. Dr. Valtuir Moreira da Silva – UEG/Itapuranga
Membro Titular

___________________________________
Profa. Drª. Maria da Conceição Silva - UFG
Membro Suplente

___________________________________
Profª. Regma Maria dos Santos UFG/CAC
Membro Suplente
Para Regma, Cláudio, Valdeci e Luiz Carlos, Amigos.
Para Luiz Sergio, com Respeito.
Para Néris, com Carinho.
AGRADECIMENTOS

À Pro-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação-UFG pela concessão de


licença de seis meses para a finalização desse trabalho.
À Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História da UFG,
Professora Drª Fabiana de Souza Fredrigo.
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em História da UFG.
Ao Professor Dr. Luiz Sérgio Duarte da Silva, pela postura digna, por ter
acreditado nesse trabalho, sem a sua colaboração não teria sido possível concluí-lo.
Aos Professores Dr. Jadir de Morais Pessoa e Drª. Maria da Conceição Silva
pela avaliação e contribuições no processo de qualificação desse trabalho.
Ao Professor Dr. David Maciel pela leitura e sugestões da suplência de
qualificação.
Aos Professores do Depto de História e Ciências Sociais do Campus Catalão
pelo incentivo e liberação para a qualificação.
A: Cláudio, Regma, Valdeci, Luiz Carlos, Getúlio, Márcia, Terezinha, Paulo
Inácio, Luzia Márcia, Juçara, Solange, Florisvaldo, Antonio, Tânia, Crispim, Solazzi,
Rubens, Fernanda, Rogério, Soares, pelo apoio, carinho, pelas leituras e por serem
amigos.
À Sirlene e Dona Olivia (in memorian) há de haver mais felicidade no Céu
com essas duas mulheres que se foram nesse trajeto de minha vida.
A Norma, Igreja Cristo Redentor, ao Edson Viânez, Câmara Municipal de
Itapuranga, a Elizangela, Sindicato Patronal Rural de Itapuranga, ao Divino Martins,
Prefeitura de Itapuranga, ao Leuzimar pela disponibilidade para com a pesquisa.
A Lidiane, e a Priscila que no calor da hora se dispuseram a revisar e
formatar o texto.
À minha mãe (in memorian) Dona Ana, mulher forte que sabia o valor e a
importância da educação, tinha os pés bem pequenos, mas firmes no chão para criar
seus dez filhos, ao meu pai Senhor João, sabedor das coisas dele, educado pela força e
pela vida, um dos homens que buscou fazer a vida nas ‘terras do norte’ de Goiás, mas
ficou na barranca e foi viver outras histórias mais.
Aos meus irmãos, em especial ao Osmar, Alta, João Batista, Ana Maria,
Walter, pelo auxílio na pesquisa, aos meus cunhados, cunhadas, sobrinhos e sobrinhas.
A todos meus amigos de Catalão que formam a minha família daqui.
Aos homens e mulheres de Itapuranga que concederam entrevistas sobre
suas experiências de vida para que eu pudesse pensar e escrever esta pesquisa.
Ao Paulo Henrique e a Rafaela amigos queridos.
A Néris Maria, Obrigado pelas Orações, pela Paciência, pelo Carinho e por
dividirmos Sonhos e Lutas.
Não creio que exista no mundo um
silêncio mais profundo que o silêncio da
água. (José Saramago)
RESUMO

Esta pesquisa, realizada junto à Linha de Pesquisa História, Memória e Imaginários


Sociais do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás,
objetivou apreender e analisar os processos de formação e transformação pelos quais
passaram os campos político-religiosos em Itapuranga-GO, nos anos compreendidos de
1950 a 2000, no que denominamos de Guerra Simbólica na Fronteira. Tal recorte
temporal se justifica tendo como primeiro momento o processo de ocupação da região,
passando pelas mudanças propostas por Dom Tomás Balduino, assentadas nas
premissas da Teologia da Libertação e, culminando na rearticulação desses campos com
a inserção da Renovação Carismática Católica naquela localidade. A pesquisa contou
com uma elaboração teórica da teoria dos campos, luta simbólica, em Bourdieu, e
imaginário social com Baczko, Balandier, bem como lugares de memória de Nora.
Entre alguns autores brasileiros discutimos com Pesavento, Freire, para entender a
cidade como espaços de memória, Duarte e Maia para compreensão da fronteira.
Utilizamos de documentos paroquiais, memorialísticos, documentos diocesanos,
processos crimes, fotografias, placas inaugurais, documentos pessoais, documentos da
administração pública de Itapuranga, acervo do Colégio Estadual Deputado Jose Alves
Assis, assim como também de entrevistas com os vários sujeitos envolvidos com a
história não só da Igreja da Diocese de Goiás, mas de todo um período da História do
Brasil, em Itapuranga. A realização da pesquisa permitiu afirmar que o processo de
mediação da Igreja, no Brasil, junto aos movimentos sociais tinham limites postos pela
conjuntura estrutural da Igreja, o declínio da politização do catolicismo via Teologia da
Libertação e a ascensão da Renovação Carismática Católica, em Itapuranga, são
expressivos desse processo de rearticulação das alianças e propostas da Igreja Católica.

Palavras-chave: Teologia da Libertação. Renovação Carismática. Política. Religião.


Fronteira.
RESUMEM

Esta investigación, realizada junto a la Línea de Investigación Historia, Memoria e


Imaginarios Sociales del Programa de Posgrado en Historia de la Universidad Federal
de Goiás, objetivó apreender y analizar los procesos de formación y transformacíon por
los cuales pasaron los campos politico-religiosos en Itapuranga-GO, en los años
comprendidos de 1950 a 2000, en lo que denominamos de Guerra Simbólica en la
Frontera. Tal recorte temporal se justifica teniendo como primero momento el proceso
de ocupación de la región, pasando por los cambios propuestos por Dom Tomás
Balduino, asentadas en las premisas de la Teología de la Liberación y, culminando en la
rearticulación de esos campos con la inserción de la Renovación Carismática Católica
en aquella localidad. La investigación contó con una elaboración teórica de la teoria de
los campos, lucha simbólica, en Bourdieu, e imaginario social como Baczko, Balandier,
bien como lugares de memoria de Nora. Entre algunos autores brasileños discutimos
con Pesavento, Freire, para entender la ciudad como espacios de memoria, Duarte e
Maia para comprensión de la frontera. Utilizamos de documentos de la parroquia,
memorialísticos, documentos diocesanos, procesos crimenes, fotografías, placas
inaugurales, documentos personales, documentos de la administración publica de
Itapuranga, acervo del Col. Est. Dep. Jose A. Assis, así como también de encuestas con
los vários sujetos envolucrados con la historia no solo de la Iglesia de la Diócesis de
Goias, pero de todo un período de la Historia de Brasil, en Itapuranga. La realización de
la investigación permitió afirmar que el proceso de mediación de la Iglesia, en Brasil,
junto a los movimientos sociales tenían límites puestos por la coyuntura estructural de la
Iglesia, la decadencia de la politización del catolicismo vía Teología de la Liberación y
la ascensión de la Renovación Carismática Católica, en Itapuranga, son expresivos de
ese proceso de rearticulación de las alianzas y propuestas de la Iglesia Católica.

Palabras clave: Teología de la Liberación. Renovación Carismática. Política. Religión.


Frontera.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Placa da Praça das Mães -2008. ............................................................................... 86


Figura 2 - Busto do Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco – 2008. ................................ 89
Figura 3 - Croqui da Praça Humberto de Alencar Castello Branco ......................................... 91
Figura 4 – Concha acústica da Pç. Castello Branco. ................................................................ 97
Figura 5- Fonte luminosa da Pç. Castello Branco. ................................................................... 98
Figura 6 – Placa inaugural da Torre de Retransmissão .......................................................... 100
Figura 7 - Placa Estação Rodoviária de Itapuranga ................................................................ 101
Figura 8 - Placa da Pç. Do Lavrador Rua 49 C/Rua 10 Vila Marilda .................................... 103
Figura 9 - Placa Colégio Estadual de Itapuranga ................................................................... 108
Figura 10 – Prédio do Antigo Colégio Estadual de Itapuranga, na Av. Farnésio Rabelo ...... 109
Figura 11 - Monselhor Lincohn, diretor do Col. Est. de Itapuranga, durante as
comemorações do 18º aniversário de Itapuranga ................................................................... 109
Figura 12 – Inauguração do Colégio Estadual de Itapuranga ................................................ .110
Figura 13 – Corte da fita inaugural do Col. Est. de Itapuranga .............................................. 110
Figura 14 – Palanque das autoridades no pátio do Colégio Est. de Itapuranga..................... .113
Figura 15 – Concentração de estudantes e populares para ouvir as autoridades .................... 113
Figura 16 – Entrega de medalhas aos atletas que participaram dos jogos estudantis ............. 114
Figura 17 – Passeata pelo reconhecimento da APSI como de utilidade pública .................... 128
Figura 18 – Visão frontal da Igreja Cristo Redentor. (demolida) ........................................... 131
Figura 19 - Vista lateral da nova Igreja Cristo Redentor, inaugurada em 2006 .................... .132
Figura 20- Reunião de líderes dos Grupos de Evangelho no pátio da Igreja ........................ .133
Figura 21 - Panfleto distribuído pela Igreja Católica de Itapuranga ...................................... 144
Figura 22 – Usos dos espaços da Igreja .................................................................................. 146
Figura 23 – Vista frontal da igreja “velha”............................................................................. 147
Figura 24- Ao fundo, salão onde Margarida M. Alves e Zumbi dos Palmares eram
homenageados ........................................................................................................................ 148
Figura 25 - Espaço externo da Igreja Cristo Redentor. ......................................................... 148
Figura 26- Celebração de Dom Tomás Balduino em uma comunidade de Itapuranga. ......... 150
Figura 27 - Chegada dos foliões à Igreja Cristo Redentor ..................................................... 153
Figura 28- Padre Isaac Spinelli, carregando a Bandeira da Folia pelos corredores da
Igreja Cristo Redentor ........................................................................................................... 155
Figura 29- Foliões no altar da Igreja Cristo Redentor ........................................................... 155
Figura 30 – Celebração na Comunidade da Represa. ............................................................. 156
Figura 31- Maquete da Nova Igreja Cristo Redentor ............................................................. 169
Figura 32 – Foto da preparação do terreno para a construção da nova igreja ........................ 177
Figura 33- Capa dos carnês distribuídos entre os católicos que se dispusessem a contribuir com
a construção da nova igreja .................................................................................................... 179
Figura 34- Canhoto do carnê de contribuição para a construção da nova igreja .................... 179
Figura 35- Recibo da contribuição para a construção da nova igreja. .................................... 180
Figura 36 – Foto dos senhores Gilberto de Brito Lemes (à direita, de calça branca),
esposo da senhora Dulcinéia – RCC; e Lindoir (ao centro), católico da RCC, ex-
vereador eleito com o apoio desta organização religiosa ....................................................... 182
Figura 37- Foto do padre Severino na torre da nova igreja ................................................ ....185
Figura 38- Frente da entrada da Igreja Cristo Redentor ......................................................... 185
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Localização do município de Itapuranga (GO) – 2003 ...................................................39


Mapa 2 – Municípios da Diocese de Goiás. ............................................................................. 72
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGM Associação Goiana dos Municípios


ALCA Área de livre comércio das Américas
APSI Associação Popular de Saúde de Itapuranga
ARENA Aliança Renovadora Nacional
ASPA Associação dos Pequenos Agricultores de Itapuranga
CANG Colônia Agrícola Nacional de Goiás
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMARIA Associação Coração de Maria
COMIL Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Itapuranga e Região LTDA
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
FETAEG Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Goiás
FUNRURAL Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural
IBRADES Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
LTPNSF Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga (GO)
PNDICR Documento “Porque Não Destruir a Igreja Cristo Redentor”
PT Partido dos Trabalhadores
RCC Renovação Carismática Católica
STRI Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga (GO)
TFP Tradição, Família e Propriedade
UEG Universidade Estadual de Goiás
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

1 FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO RELIGIOSO CATÓLICO


EM ITAPURANGA................................................................................................................ 35
1.1 O Cotidiano religioso de Itapuranga pelas Crônicas do Livro do Tombo da
Paróquia Nossa Senhora de Fátima ...................................................................................... 49

2 COMBATES PELA CIDADE: a disputa pelo campo político em Itapuranga ............. 82


2.1 Praças&Placas. ................................................................................................................. 89
2.2 1972: ‘Itapuranga é também Brasil Grande’: comemorações do Sesquicentenário
da Independência do Brasil em Itapuranga............................................................................. 103

3 A REARTICULAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO CATÓLICO EM


ITAPURANGA: O retorno ao altar. ..................................................................................... 130
3.1 A construção da Igreja Cristo Redentor pelo Livro do Tombo da Paróquia
Nossa Senhora de Fátima ..................................................................................................... 135
3.2 A visibilidade das escolhas da Igreja do Evangelho em Itapuranga.......................... 144
3.2.1 O popular ocupa o Altar ................................................................................................ 149
3.3 A Renovação Carismática Católica e sua inserção em Itapuranga ........................... 156

3.4 “PRECISAMOS DE SEU DÍZIMO”: a construção da ‘Nova Igreja’ Cristo


Redentor . ............................................................................................................................... 169

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 186

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 189


OUTROS DOCUMENTOS DO PERÍODO ...................................................................... 202
LISTA DE ENTREVISTADOS .......................................................................................... 203
ANEXOS .............................................................................................................................. 205
ANEXO A - Planta urbana de Itapuranga .............................................................................. 206
ANEXO B – Relação dos bairros com suas respectivas datas de registro ............................. 207
ANEXO C- Fotos e figuras do capitulo 2............................................................................... 208
12

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem sua origem no projeto de pesquisa de final de curso que
apresentei, no ano de 1993, ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de
Goiás, intitulado: “O PT do Sindicato da Igreja – O processo de construção da
identidade social dada pela relação entre religião e política numa Igreja Pós-Conciliar
em Itapuranga-Goiás”, sob a orientação do professor Dr. Jadir de Morais Pessoa.
Concluída a graduação, novos questionamentos somaram- se às velhas proposições que
ganharam a forma de um novo projeto apresentado ao Programa de Pós-graduação em
História, da Universidade Federal de Uberlândia, na linha de pesquisa Política e
Imaginário, no ano de 2001; onde defendi a dissertação “A Caminhada do Povo de
Deus”: Religião e Política na “Igreja do Evangelho em Itapuranga-GO nas décadas de
1970 a 1980”, sob a orientação do professor Dr. Antônio de Almeida.
Naqueles dois momentos, buscamos compreender como os sujeitos católicos
vivenciaram as novidades contidas nas “Boas Novas” pregadas por D.Tomás Balduino,
então Bispo da Diocese de Goiás1; que implantou uma evangelização no território
diocesano pautada nas decisões do Concílio Vaticano II. Com o atual trabalho, intento
compreender elementos do embate, notadamente do plano político-religioso travado
entre os vários grupos de sujeitos, seus projetos, seus alinhamentos diversos na cidade
de Itapuranga-GO, nos anos compreendidos de 1950 a 2000. Importa-nos compreender

1
- O número XII da Revista da Arqui Diocese que registra a posse de Dom Tomás Balduino, nos dá as
seguintes informações sobre a formação e o território da Diocese de Goiás: Em 1576, foi criada a Prelazia
do Rio de Janeiro, à qual fica subordinado o território goiano. Em 06 de dezembro de 1745,
desmembram-se da Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro as Dioceses de São Paulo e Mariana e as
Prelazias de GOIÁS e Mato Grosso. (...) Vila Boa, surgiu como freguesia de Santana, em outubro de
1729. Até então, os sacerdotes eram apenas passageiros, visitantes pastorais. A 15 de julho de 1826, o
Papa Leão XII elevou a Prelazia de Goiás à categoria de Diocese de Goiás. em 1932, a 18 de novembro,
Pio XI fez da Diocese a Arqui Diocese de Goiás. A 26 de março de 1956, pela Bula “Sanctissima Christi
Voluntas”, do Papa XII, foi supressa a Arqui Diocese de Goiás e ereta a Arqui Diocese de Goiânia. Na
mesma data Goiás volta a condição de Diocese, com território pertencente à supressa Arqui Diocese e a
Prelazia do Bananal, igualmente supressa.
A Diocese de Goiás, após a divisão eclesiástica verificada em 1966, ficou formada pelos municípios de
Britânia, Jussara, Itapirapuã, Novo Brasil, Fazenda Nova, Sanclerlândia, Mossâmedes, Itaberaí, Goiás,
Taquaral. Itaguarí, Heitoraí, Itapuranga, Uruana, Carmo do Rio Verde e Ceres. Atualmente a
configuração diocesana é outra, ver mapa da Diocese no primeiro capítulo desse trabalho.
13

elementos das diversas ações desses indivíduos analisadas historicamente, suas relações,
sua forma de agir, dentre outros aspectos que estão postos nos mais variados pontos de
ação tanto da perspectiva da Teologia da Libertação quanto àqueles da Renovação
Carismática Católica. O que impulsiona a pesquisa é a tentativa de compreender
aspectos do que intitulamos como uma Guerra Simbólica pela disputa pela hegemonia
dos espaços de poder representados, sejam pelo comando do executivo local, pelas
participações no legislativo, assim como outros espaços de construção de novas
sensibilidades políticas representadas pelas ações coletivas via movimentos sociais de
base. Sobre a inserção de homens e mulheres na arena do fazer-se político no cotidiano,
buscamos compreender os parâmetros de valorizações dos acontecimentos da época e
do passado em Itapuranga, passando pelos acontecimentos da região, do Estado e do
país.
Procuramos ver o poder por todas as partes da cidade, atentando para
localizá-lo nos mais variados pontos de concorrências desses agentes, tantos os
tradicionais quanto os neófitos do jogo do poder. Assim o procuramos, não apenas nos
lugares habituais onde seu exercício é uma constante. Tencionando compreender como
o poder está em toda parte, Bourdieu (1989) aponta para as formas como esse poder se
firma nas lutas simbólicas. Para ele, o lugar onde se trava todas essas lutas é no campo
político. Assim, o autor define o conceito de campo político:

é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele


se acham envolvidos, produtos, problemas, programas, análises,
comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos
comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devem escolher, com
probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados
estão do lugar de produção. (BOURDIEU, 1989, p. 164).

O autor afirma que o campo político tende a se organizar em oposições:

O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvios de


níveis diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem
nos actos ou nos discursos que eles produzem, tem sentido senão
relacionalmente, por meio de jogos das oposições e das distinções.
(BOURDIEU, 1989, p.179).

Entendido o que o autor nos apresenta como campo político se faz


necessário avançar e perceber como esse campo se coloca para a nossa compreensão.
14

O que se coloca em jogo é, então, o campo do poder, como se pode


configurá-lo e garanti-lo. No que ele afirma:

[...] entendendo por tal as relações de forças entre as oposições sociais


que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força
social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de
entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais possuem uma
dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma
legitima do poder. (BOURDIEU, 1989, p.29)

Aqui, nos encontramos entre os desafios de compreender aquilo que


Bourdieu afirma ser o campo de produção simbólica traduzido como um microcosmo da
luta simbólica entre as classes, o que nos leva a pensar a respeito de sua definição sobre
este poder simbólico. Para ele:

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação,


de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do
mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo;
poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é
obtido pela força ( física ou econômica), graças ao efeito especifico
de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário. [...] O que faz o poder das palavras e das palavras de
ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na
legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja
produção não é da competência das palavras. (BOURDIEU, 1989,
p.14-15)

Compreender como esse poder foi imaginado e exercido, naquela localidade


se justifica a partir de um quadro maior de observação que pode ser apontado pelas
particularidades políticas vivenciadas no cotidiano da região em questão. O que
problematizamos é essa transformação da visão de mundo, tanto aquela mediada pelas
ações estruturais propostas pelos agentes pastorais quanto aquelas produzidas no calor
da hora dos embates e combates nas várias lutas travadas entre os movimentos sociais
de base e as instâncias de poder pelos direitos básicos de reconhecimento e
representação.
Partindo da premissa de que os sistemas simbólicos são produzidos nas lutas
simbólicas travadas entre os vários agentes ocupantes dos mais variados campos no
espaço social, é que acreditamos na leitura de Bourdieu como um dos condutores da
15

análise desse processo histórico em Itapuranga. As variadas facetas dessas disputas


pensadas como luta simbólica pela cidade.
Durante os anos de 1970 a 1990, os sujeitos católicos do município de
Itapuranga, no interior do Estado de Goiás, vivenciaram algumas ações e
transformações propostas pelo projeto diocesano, capitaneadas por Dom Tomás
Balduino, Bispo da Diocese de Goiás, assentadas nas premissas de uma Igreja Católica
Progressista que, dentre outras questões, encorajava uma parcela significativa dos
sujeitos católicos a pensar sua fé a partir de uma inserção político-social. Era a Opção
Preferencial pelos Pobres, da Teologia da Libertação.
Esse projeto político-religioso, numa dimensão macro, foi pesquisado em
todo o Brasil. Desde as lutas pelo Custo de Vida, aos Movimentos de Moradia, desde a
inserção nas comissões de fábrica até as lutas sindicais rurais, passando pelo papel da
Igreja na consolidação de um projeto político de transição da ditadura militar à
democracia, enfim é um período que foi muito bem mapeado pela Academia nas suas
mais variadas áreas de pesquisa. Assim também o foi na Diocese de Goiás como um
todo e, em Itapuranga em específico, por sociólogos, antropólogos, economistas,
geógrafos e historiadores.
A maioria desses pesquisadores buscou centrar suas análises a partir das
experiências dos sujeitos católicos com a dimensão do cotidiano das práticas político-
religiosa, presentes principalmente nas Comunidades Eclesiais de Base, (que na região
em questão aproxima-se do que ficou conhecido como os Grupos de Evangelhos). Nas
lutas pela formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, nas cidades onde não existia
e onde existia sindicato, buscou-se ocupar sua direção pela gestão popular, na formação
do Partido dos Trabalhadores, bem como nas várias lutas pelo direito à saúde publica2.
Num sentido mais amplo, podemos afirmar que o foco de interesse se centrava no

2
- Dentre esses trabalhos destacamos: PESSOA, Jadir de Moraes. A Igreja da Denúncia e o Silêncio do
Fiel, Campinas-SP. Ed. Alínea, 1999, COELHO, Marilene Aparecida. O Processo de Organização do
Movimento Popular de Saúde No Vale do São Patrício, 1974-1992. Goiânia: UFG,1997, Dissertação de
Mestrado, MOURA, Ivanilde Gonçalves de. A Igreja do Evangelho: A Construção de um Sonho - A
Diocese de Goiás nos Anos Setenta. PUC/SP, Dissertação de Mestrado, 1989, SILVA, Valtuir Moreira
da. Trabalhadores rurais de Itapuranga: Experiências da resistência e organização 1970-1980, Dissertação
( Mestrado em História) Depto de História,UFG,2001, SILVA, Valtuir Moreira da. Trabalhadores(as)
rurais em Itapuranga (re)invenção no cotidiano de suas experiências de luta -1956-1990, Tese (
Doutorado em História) Depto de História, UnB, Brasilia, 2007, REVER, Isidoro. Oposição sindical dos
trabalhadores rurais de Goiás 1973-1993: Concepção e prática sindical a partir da ação pastoral da Igreja,
UFG, 1999, Dissertação de Mestrado, COSTA. Ismar da S. A caminhada do povo de Deus: religião e
política na “Igreja do Evangelho em Itapuranga-Go nas décadas de 1970 a 1980. 2004 Dissertação (
Mestrado em História Social), Depto de História, UFU, Uberlândia, 2004, LUNARDI, Vera Lúcia. As
Organizações dos Trabalhadores Rurais (Sindicato, Associações, Cooperativa) e a Agricultura Familiar -
Uma Reflexão Sobre Goiás, RJ. UFRRJ. Dissertação de Mestrado,1999.
16

processo de mediação3 da Igreja Católica progressista com a aprendizagem político-


social desses sujeitos católicos.
Esse processo de mediação produziu um enfrentamento direto entre esses
sujeitos e o poder político local em Itapuranga-GO. Enfrentamentos presentes nas
reivindicações por melhoria na estrutura urbana, nas condições de atendimento à saúde
pública, principalmente na luta pelo reconhecimento da Associação Popular de Saúde de
Itapuranga (APSI), nos direitos à propriedade da terra, como ficou bem demarcado o
caso dos Posseiros do Córrego da Onça, e outras tantas pequenas e médias ações
coletivas. Assim como várias outras questões relacionadas às mudanças por que passava
o município, como por exemplo, o processo de mudança campo/cidade.
Acreditamos que esse período guarda algumas questões pertinentes para
compreender como se produziram os embates e consentimentos políticos naquela
localidade. Ao voltarmos à cidade de Itapuranga, como locus de pesquisa em nosso
doutoramento, procuramos apreender como o período da ditadura militar foi vivenciado
no interior do Brasil. Como essa localidade, que teve, como muitas outras no Brasil,
uma militância de base político-religiosa, enfrentou os discursos e ações do poder
público municipal, que para nós se afirma numa dimensão político-ideológico afinada
com elementos (utilizados com a propriedade que lhe é característica) da propaganda do
desenvolvimentismo militarista do período.
Pela dimensão dos movimentos populares, pela luta e organização dos
trabalhadores rurais, bem como novas práticas e vivências do catolicismo tradicional a
partir de uma nova forma de se ser Igreja, esse período de luta e resistência já está,
podemos afirmar, mapeado pelos pesquisadores, que em sua grande maioria, como
demonstramos acima, o fizeram tomando como ponto de vista as questões propostas
pela militância desses e nesses projetos, que foram mediados pela Igreja Católica.
Por outro lado, para nós, faz se necessário compreender como nesse período
a administração pública municipal, principalmente as gestões do prefeito Dr. Warner
Carlos Prestes, produziram um discurso da ordem e do progresso, assentados na
ideologia desenvolvimentista do “Brasil Grande” do regime militar.
Ao pensarmos algumas ações das administrações do prefeito conhecido
como Dr. Warner Carlos Prestes, o fazemos a partir de uma concepção presente no dia a

3
- O historiador Valtuir Moreira da Silva questiona, em sua tese de doutoramento (SILVA 2007), a
validade da ideia da Igreja ter sido mediadora nesse processo de aprendizagem política. Para ele já havia
uma memória e uma história de luta desses e nesses trabalhadores de Itapuranga anterior à chamada Igreja
popular.
17

dia da cidade, que podemos traduzir como sendo os aspectos de um grande imaginário
político de Itapuranga de que “foi o Dr. Warner quem fez Itapuranga”. A partir de
fragmentos desta memória, dessa afirmativa, que crescemos ouvindo na escola,
reforçada nas várias atividades cívicas, nos grupos de amigos de família “arenistas” e,
por outro lado, no ambiente familiar, extremamente “Manda Brasa”, como era
conhecido os partidários do MDB, aprendemos a duvidar dela.
Buscamos ler os vários sinais produzidos e espalhados pela cidade, por esse
administrador, que reafirmam uma representação fértil sobre si e sobre sua
administração. No entanto, reafirmamos que essa leitura do período da história de
Itapuranga sob a administração do Senhor Warner C. Prestes adquire sentido no
confrontamento proposto por Bourdieu (1989), pois esse administrador põe em
circulação, não só no nível local, mas também regional toda uma parcela de seu capital
político para o enfrentamento direto com as ações postas pelos movimentos sociais
locais.
Nessa perspectiva, as ações das administrações do prefeito Dr. Warner
Carlos Prestes4 nos remetem para um processo de transformação da cidade, procurando
construir ruas, asfalto, saneamento, aplicar códigos de postura, enfim, medidas
educativas que visavam construir uma imagem de cidade símbolo do Vale do São
Patrício goiano, com um povo ordeiro, trabalhador. Ao mesmo tempo em que esse
administrador produz um imaginário político da cidade assentado nas comemorações do
sesquicentenário da independência do Brasil, em 1972. Ao inserir a municipalidade de
Itapuranga no contexto nacional das comemorações pelo aniversário da independência,
o que se confirma é a máxima de que o lugar não está isolado da nação, pois, como
afirma uma dessas placas: Itapuranga é também Brasil Grande.
No entanto, o caráter de nossa pesquisa, fez com que compreendêssemos
que Itapuranga são duas cidades. A localidade do passado, o Xixazão, que escorrega
desde a porta da Igreja Nossa Senhora de Fátima até a beira do Córrego, subindo até a
Av. Farnésio Rabelo. Lugar do onde “já teve”: já teve uma agência bancária, hospitais,
farmácias, armazéns enfim, o comércio, a cidade. Esse lado do município é preterido
pelo outro lado, o Xixazinho, a cidade do presente, onde o terreno é menos acidentado,

4
O senhor Warner Carlos Prestes foi prefeito por dois mandatos: em 1969 e 1976. Em 1972 foi eleito
João Alberto Rabelo Costa, vice prefeito do senhor Warner no mandato anterior.
18

propiciando, nos anos de 1970, ao poder público, pensar um planejamento urbano mais
moderno.
Assim, o Xixazinho passa a ser identificado como o novo lugar onde serão
construídos todos os prédios públicos municipais. O “outro lado” ou Xixazão, como as
pessoas denominam a parte mais velha da cidade, passou a ser bairro residencial,
enquanto o Xixazinho é a parte da cidade que concentra o comércio mais significativo,
bem como as agências bancárias, hospitais, enfim, demonstrando que houve a inversão
dos usos dos espaços urbanos.
Esse caminhar pelas ruas da cidade, que propomos, implica reconhecer que
existem marcas profundas, um palimpsesto de memórias a ser pensado, reelaborado,
imaginado, e que foi configurando esse lugar que, aos poucos, se mostra aos
pesquisadores para além de suas histórias de luta mediadas pela Igreja. Para Sandra
Jatahy Pesavento (2004):

Recuperar a cidade do passado implica, de uma certa forma, não


apenas registrar lembranças, relatar fatos, celebrar personagens,
reconstruir, reabilitar ou restaurar prédios, preservar materialmente
espaços significativos do contexto urbano. [...] Ao salvaguardar a
cidade do passado, importa, sobretudo, fixar imagens e discursos que
possam conferir uma certa identidade urbana, um conjunto de sentidos
e de formas de reconhecimentos que a individualizem na história.
O presente das cidades é também aquele tempo em que se pensa o
futuro, articulam-se planos e projetos de renovação do espaço, em
antecipação, por vezes utópica, de um outro tempo ainda a realizar-se.
Uma cidade, pois, inventa seu passado e cria o seu futuro para explicar
o seu presente. (PESAVENTO, 2004, p.1597-1601).

Tal qual um transeunte, um flâneur, que constrói um mapa do lugar, a partir


de suas elaborações, de suas apreensões não só dos lugares, mas das experiências
contidas no imaginário, nas memórias e nas histórias que fazem de seus percursos,
lugares de memória dessa cidade, buscamos interrogar esses momentos de efervescência
político-religiosos pelos usos e apropriações que esses sujeitos fizeram da cidade no
mesmo período. Tentando encontrar as ‘raízes profundas’ das experiências do urbano,
opondo ao observador recluso, que distancia da cidade para pensá-la, assim, Lucrécia
D’Aléssio Ferrara (1997) nos apresenta ao instigante jeito de pensar que o andarilho tem
sobre a cidade. Para ela:

O flâneur, o andarilho que se expõe e percorre a cidade a esmo e a pé


e usa a lentidão do passear como desencadeadora de associações. O
19

flâneur e a flânerie conferem a cidade, comparam a experiência


urbana de hoje com a de ontem à procura do seu avesso ou sua raiz
profunda. [...] O flanar urbano supõe um estranhamento pouco à
vontade, em tudo oposto ao hábito coletivo da imagem. Esse
estranhamento solitário e anônimo é o responsável pela dinâmica
narrativa do imaginário que fixa e relaciona contextos, situações e,
sobretudo, figuras, os tipos característicos das cidades de todos os
tempos e lugares do planeta. (FERRARA, 1997, p.197-198).

A cena urbana está cada vez mais aberta às manifestações políticas, afirma
Balandier (1982). Seguindo esse pensamento é que imaginamos como nesse processo de
estruturação da cidade foram produzidas representações do poder que se materializaram,
principalmente, nas construções de praças públicas e, nos dizeres das placas
comemorativas, assim como, também pela ocupação das praças e ruas, pela militância
dos sujeitos católicos em busca de seus direitos.
Na busca de compreender as questões propostas, pensamos a partir dessas
praças e placas, não só como lugares de memória, como proposto por Nora (1993), mas
também, principalmente como enunciados de poder, algo fundamental para
compreender como se projetou um campo simbólico de disputa pela hegemonia política
do lugar.
Recorremos a Balandier (1982) para compreendermos como os atores
políticos podem traçar suas estratégias de ação e de manutenção do poder. Assim o
autor nos diz:

Nas sociedades em que a técnica, a economia e a organização


prevalecem ou estão em vias disso, eles devem parecer capazes de
comandá-los. Eles estão submetidos à racionalidade da competência; é
em nome desta que eles fixam o limite do possível e do razoável, que
eles determinam os objetivos, que eles escolhem e tomam decisões.
Entretanto, eles só podem dar a impressão de poder recorrendo ao
imaginário, ao irracional, ao simbólico, às armadilhas das esperanças
dos governados. (BALANDIER, 1982, p. 66).

É a partir de Balandier (1982) que nos pautamos para pensar esses


enunciados de poder que foram apresentados ao povo de Itapuranga nas praças públicas,
pois para ele:

O poder estabelecido unicamente sobre a força ou sobre a violência


não controlada teria uma existência constantemente ameaçada; o
poder exposto debaixo da iluminação exclusiva da razão teria pouca
credibilidade. Ele não consegue manter-se nem pelo domínio brutal e
20

nem pela justificação racional. Ele só se realiza e se conserva pela


transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de
símbolos e sua organização em um quadro cerimonial
(BALANDIER, 1982, p 07).

O autor nos instiga a pensar os espaços da cidade como um palco aberto de


disputas e consagração de poder, para ele “[...] no decorrer de sua história toda cidade se
enriquece de lugares aos quais pode ser atribuída uma função simbólica, recebida por
destinação ou em virtude de algum acontecimento” (BALANDIER, 1982, p.11).
O conceito de imaginário social, proposto por Baczko (1985) como
integrante da vida real, também nos é relevante para a análise das praças e placas como
uma documentação produzida pelos sujeitos que detiveram o poder de mando local e
construíram uma memória política de seu tempo. Para o autor:

Os antropólogos e os sociólogos, os historiadores e os psicólogos


começaram a reconhecer, senão a descobrir, as funções múltiplas e
complexas que competem ao imaginário na vida colectiva e, em
especial, no exercício do poder. As ciências humanas punham em
destaque o facto de qualquer poder, designadamente o poder político,
se rodear de representações colectivas. Para tal poder, o domínio do
imaginário e do simbólico é um lugar estratégico.
Os bens simbólicos, que qualquer sociedade fabrica, nada têm de
irrisório e não existem, efectivamente, em quantidade ilimitada.
Alguns deles são particularmente raros e preciosos. A prova disso é
que constituem o objecto de lutas e conflitos encarniçados e que
qualquer poder impõem uma hierarquia entre eles, procurando
monopolizar certas categorias de símbolos e controlar as outras.
(BACZKO, 1985, p. 297-299).

Baczko (1985) nos leva a pensar no imaginário social como controlador da


vida social, possibilitando o exercício da autoridade e do poder, bem como o lugar e o
objeto dos conflitos sociais.

Por fim, não esqueçamos que estes imaginários empregam facilmente


as linguagens mais diversas: religiosa e filosófica, política e
arquitetônica, etc. apenas um último exemplo: todas as cidades são,
entre outras coisas, uma projeção dos imaginários sociais no espaço. A
sua organização espacial atribui um lugar privilegiado ao poder,
explorando a carga simbólica das formas (o centro opõe-se à periferia,
o “acima” opõe-se ao “abaixo”, etc). (BACZKO,1985, p.312- 313).

Nessa direção de compreender o poder não apenas como força em ação e


sim também como lutas de representação é que buscamos apreender o imaginário
21

político posto em movimento tanto pelos sujeitos afinados com o discurso progressista
da Igreja do Evangelho quanto aquele proposto pelos sujeitos que orquestraram o
enfrentamento do poder municipal representado pelo prefeito e seus enunciados de
poder. Assim Lynn Hunt (2007), analisando a Revolução Francesa, nos aponta
possibilidades de interpretação do poder, pois para ela: “ [...] os símbolos e rituais
políticos não eram metáforas do poder, eram seus próprios meios e fins”. (HUNT, 2007,
p.78).
Para Hunt (2007):

O exercício do poder sempre requer práticas simbólicas. Não há


governo sem rituais e sem símbolos, por mais que possa parecer
isento de mística ou mágica. Não é possível governar sem histórias,
sinais e símbolos que, de inúmeros modos tácitos, transmitem e
reafirmem a legitimidade de governar. Em certo sentido, legitimidade
é a concordância geral sobre sinais e símbolos. (HUNT, 2007, p.78).

No primeiro momento, tínhamos como interesse de pesquisa compreender


as experiências sociais, políticas contidas nas discussões religiosas, e como esses
sujeitos construíram um aprendizado político. Nesse momento, conjuntamente com o
interesse de perceber como o poder constituído, no caso o municipal, produziu, em
vários níveis do cotidiano, um discurso assentado no imaginário de um progresso e de
uma ordem social, dentro de uma perspectiva política contida no ideário de um “Brasil
Grande”, buscamos compreender essa disputa simbólica pelo local. Todo processo de
enfrentamentos desses sujeitos via movimentos sociais de caráter bem localizado,
tiveram repercussão na Diocese de Goiás como um todo assim como também
extrapolou as divisas diocesanas. Em decorrência dessa aproximação com o universo da
política, temos sujeitos de Itapuranga participando de várias ações nacionais tais como a
discussão da educação popular, dos movimentos de saúde popular, da sindicalização
rural, dos direitos indígenas, da fundação e consolidação do Partido do Trabalhadores
nas várias instâncias.
O fluxo de pessoas, com maior visibilidade para os médicos engajados na
proposta de saúde popular que chegavam à Diocese de Goiás, teve também em
Itapuranga uma repercussão na transformação não apenas do cotidiano religioso desses
sujeitos, mas também uma redefinição de práticas e de visão de mundo.
Os enfrentamentos, postos em evidências pelos sujeitos católicos daquela
localidade, estavam em consonâncias com as ordens de enfrentamento das várias frentes
22

de combate ao regime militar, no Brasil, assim como nos vários países em estado de
exceção na América Latina, capitaneado por uma parcela significativa dessa instituição
que assumira, não sem muita resistência, a tarefa tanto de combater, junto aos povos de
suas bases, quanto de produzir discursos e ações de apoio aos militares. Pensar essa
experiência dos católicos de Itapuranga com a Igreja particular de Goiás é localizá-los
em um mapa de lutas e resistências produzido pelo panorama mais amplo pelo qual
passava a Igreja Católica no Brasil.
Nessa perspectiva, a década de 1960 foi marcada por uma demonstração da
forma heterogênea de atuação da instituição Igreja Católica no Brasil. Por um lado,
havia a participação de setores progressistas da Igreja junto aos movimentos de base,
buscando construir uma consciência de luta a partir do mundo do cotidiano dos sujeitos,
por outro lado, os conservadores apoiavam movimentos como a TFP (Tradição, Família
e Propriedade), de cunho autoritário e conservador e participavam, junto com a classe
média católica das Marchas da Família com Deus pela Liberdade5, sem nos
esquecermos também da constante discussão da dimensão da justiça social que iria
culminar na busca do consenso via Bipartite.
O que se pode perceber, na década de 1960 é a heterogeneidade da
instituição Igreja Católica no Brasil. Ao mesmo tempo em que setores dela se
manifestam favoráveis ao golpe militar6, outros setores se organizam para combater as
ações dos militares. Para Scott Mainwaring (1989):

Após ter dado seu apoio ao reformismo de João Goulart, a CNBB


acabou juntando forças à oposição e apoiou o golpe. Nesse sentido, a
CNBB agiu de uma maneira similar aos setores moderados da
sociedade que, temendo a desordem social ou uma insurreição
comunista, inicialmente deram apoio ao regime, mas que,
posteriormente, opuseram-se ao militares. (MAINWARING, 1989,
p.103).

5
- Para PIERUCCI, Antônio Flávio de O et alíi: as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”,
foram um “Significativo momento da divisão ideológica dos católicos nos estertores do governo Goulart
(foram) manifestações de massa substancialmente lideradas pela “Cruzada do Rosário em Família. O
movimento foi apoiado pelo Cardeal D. Jaime de Barros Câmara, do Rio de Janeiro, bem como
numerosos outros representantes de alas conservadoras da Igreja, mas não contou com o apoio de outros
bispos, entre os quais D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, cardeal de São Paulo, e D. João Resende
Costa, arcebispo de Belo Horizonte, onde as “Marchas da Família” foram numericamente expressivas.
6
- BRUNEAU, Thomás no livro, “O Catolicismo Brasileiro em Época de Transição”, diz nos que a
primeira declaração pública sobre a mudança de abril, feita pela hierarquia, foi uma declaração conjunta,
em maio, assinada por 26 bispos mais importantes ( incluindo cardeais e arcebispos) de todas as partes do
Brasil. Para Bruneau os bispos saudaram a intervenção de maneira clara.
23

Nesse momento, a Igreja tenta articular-se ao Estado militar e garantir sua


atuação política na defesa da justiça social.7
A Igreja, como instituição, só se posicionou frente ao terror militar após a
promulgação do Ato Institucional nº 05, em 13 de dezembro de 1968. Para Barros
(1991) “O ato Institucional nº 05 foi a implantação acabada do totalitarismo estatal, o
comando de todos os brasileiros por uma única vontade, a ditadura sem qualquer
disfarce.”8
Para alguns analistas, essa tomada de posição frente ao terror do Estado
inicia-se com a intensificação da ação contra os comunistas, sendo nesta vertente, os
padres considerados mais progressistas alvos preferenciais. A invasão do Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades), nos meses de setembro e outubro de 1970,
resultando em prisão e tortura de padres e militantes, inclusive do reitor da PUC-RJ e de
dom Aloísio Lorscheider, então secretário da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB),9 contribuiu para provocar uma ruptura entre a instituição Igreja Católica
e os militares no Brasil. “A tendência contra a Igreja Institucional, no entanto, era agora
inquestionável. Ofendidos, os bispos tornaram-se cada vez mais desconfiados em
relação às motivações do regime”(SERBIN, 2001, p. 25).
Durante a década de 1970, a Igreja Católica sofreu vários ataques por
parte do regime militar. Jadir de Morais Pessoa (1999) diz que “Até 1979, 122
religiosos e 273 leigos católicos já haviam sido atingidos, contando o assassinato de Pe.
Henrique Pereira Neto em Recife, em 1969, o seqüestro de Dom Adriano Hipólito, em
1976, e outros” . (PESSOA, 1999, p. 99).
Nesse processo de luta da Igreja contra o regime militar, as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ocuparam lugar de destaque, foram
fundamentais nesse processo de emergência de uma consciência política dos católicos,
na década de 1960. Em sua origem, as CEBs propunham ser um espaço de socialização
comunitária. As primeiras CEBs apresentavam um caráter de reconstrução da identidade

7
- Para uma discussão sobre o papel da Igreja e dos militares no projeto de desenvolvimentista e justiça
social ver o livro de DUARTE ,Teresinha. Se as Paredes da Catedral Falassem - A Arqui Diocese de
Goiânia e o Regime Militar (1968-1985), Goiânia: Ed. Da UCG, 2003.
8
- BARROS, Edgar Luiz de, Os Governos Militares, SP: Contexto, 1991 (Col. Repesando a História).
Ver também: VENTURA, Zuenir, 1968 - O Ano Que Não Terminou, SP, Circulo do Livro,1988,
ALVES, Maria Helena Moreira, Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes,1984,
GASPARI, Elio, A Ditadura Envergonhada - As Ilusões Armadas, SP: Cia das Letras, 2002.
9
- A CNBB foi fundada em outubro de 1952, por Monsenhor Helder Câmara. Segundo Thomás C.
Bruneau os motivos que o levaram a fundar a organização eram dois: nunca houvera uma coordenação
nacional da Igreja, e que esta poderia tomar interesse ativo na mudança social.
24

católica fragmentada no processo de migração e urbanização nos grandes centros. Eder


Sader (1988) diz que :

Entre os motivos de seu êxito, podemos pensar o caráter flexível de


sua forma organizativa, na revivescência das relações primárias como
espaço de reconhecimento pessoal para seus membros, no
acolhimento das formas da religiosidade popular. (SADER,1988, p.
156).

A gênese de uma CEB pode estar ligada a uma luta popular ou na


dinamização de uma Paróquia, podendo ter início a partir de uma novena, organização
de reivindicações, ou simplesmente de uma reunião para reflexão do Evangelho. A
presença de agentes pastorais era fundamental para a formação de uma CEB.
Novamente, Mainwaring (1989) nos diz:

Uma CEB é um grupo pequeno (com uma média de 15 a 25


participantes) que geralmente se reúne uma vez por semana,
usualmente para discutir a Bíblia e sua relevância face às questões
contemporâneas. Seus membros são responsáveis pelas cerimônias
religiosas do grupo, assim como por muitas decisões. No Brasil, ao
contrário do que ocorreu na América Central, as CEBs foram, quase
em sua maioria, criação de sacerdotes ou freiras. Desde o início, as
CEBs brasileiras estavam intimamente ligadas à Igreja institucional.
Através de publicações religiosas e de uma ocasional, mas importante,
participação do clero nos encontros das CEBs, manteve-se uma
ligação estreita entre o clero e as CEBs. (MAINWARING,1989,
p.103).

Sendo a Igreja Católica Apostólica Romana uma instituição universal, ela


também está sujeita às mudanças ocorridas nesse universal. Nesse sentido, o Concílio
Vaticano II (1962-1965) veio dar respaldo às ações que Bispos isolados vinham
praticando no Brasil e em outros países latinos, nos anos de 1960. O Concílio enfatizava
a necessidade da missão social da Igreja dando uma maior ênfase na relação entre Igreja
e Leigo. Porém, é preciso ter claro o fato de que o Concílio Vaticano II não foi
produzido para a realidade da América Latina, e sim para a Europa conflitiva com o
desenvolvimento do capitalismo, a falta de padres e o descrédito da instituição. No caso
do Brasil, com o crescimento da violência do regime militar, a parcela progressista da
Igreja Católica, pautada pelas propostas de transformações do Concílio, pôde atuar com
mais autonomia na sociedade, baseando-se nas resoluções da Segunda Conferência dos
Bispos da América Latina, ocorrido em Medellín (Colômbia), em 1968. A importância
25

dessa Conferência foi a de adaptar as Resoluções do Concílio Vaticano II à realidade da


América Latina. Para Ralph Della Cava, Medellín (1986)

[...] foi a ‘graça redentora’ para a Igreja brasileira e, por isso mesmo,
para o catolicismo em toda e qualquer outra nação latino-americana
onde o escândalo de governos militares deveria impiedosamente fixar
raízes nos anos vindouros”10.

A Teologia da Libertação, a partir das adaptações propostas para a América


Latina do Concílio Vaticano II, passa a ser a base teológica da Igreja Popular e enfatiza
a necessidade da superação dos problemas estruturais da sociedade capitalista, que
impedem o homem de se realizar plenamente. Nesse sentido, o capitalismo era visto
como o entrave à realização dos homens. Era necessário “salvar o homem todo e todos
os homens”.
François Houtart (2002), analisando as várias influências da Teologia da
Libertação, dentre elas a discussão da teoria da dependência, afirma que:

Na medida em que o capitalismo quer impor suas leis, tanto à


produção e aos intercâmbios econômicos quanto às sociedades e aos
espaços de vida não mercantis, desperta a resistência dos povos,
principalmente na periferia do sistema-mundo. Essa resistência é em si
mesma multidimensional: deve se mobilizar tudo contra um sistema
que mata a humanidade, saqueia a natureza, coloniza o futuro e
contamina as representações culturais. A teologia da libertação não
arreda pé da ideia de que no combate contra o niilismo e a concepção
profudamente materialista do mundo da modernidade capitalista é
preciso reabilitar as esferas ideiais e metafísicas do ser humano,
pensar e viver a tensão criadora entre consciência espiritual e agir
político, entre identidade religiosa e compromisso social.
(HOUTART, 2002, p.49).

Para Michael Löwy (2000), a Teologia da Libertação é um dos movimentos


sociais de inspiração romântico-revolucionária surgido nos anos de1960 do século XX.
Para ele:

Para a teologia da libertação não existem nenhuma contradição entre


essa exigência de democracia secular moderna e o envolvimento
cristão no campo político. Existem dois níveis diferentes de

10
- DELLA CAVA, Ralph, A igreja e a abertura, 1974-1985, In: KRISCHKE, Paulo J. ;
MAINWARING, Scott (Orgs). A igreja nas bases em tempo de transição (1974-1985). Porto
Alegre:L&PM:CEDEC,1986.
26

abordagem ao relacionamento entre o religioso e o político: no nível


institucional, a separação e a autonomia devem prevalecer; mas no
nível ético/político é o envolvimento que se torna o imperativo
essencial. (LOWY, 2000, p. 99).

Antes mesmo do Concílio Vaticano II decidir por uma aproximação entre


Igreja e Sociedade, no Brasil, desde a década de 1940, setores moderados da Igreja
haviam se aproximado de alguns segmentos da sociedade.
Embora com um caráter eminentemente conservador em um primeiro
momento (formação de sindicatos rurais, política estudantil, programas de educação de
base e outros como meio de conter o avanço do Comunismo), essa aproximação
permitiu a uma parcela da instituição Igreja repensar a realidade da sociedade brasileira
e sua inserção nessa realidade, possibilitando então um engajamento destes agentes às
lutas populares no Brasil do pós-Golpe de Estado de 1964.
Nessa perspectiva, este trabalho tem como proposta central procurar
compreender como esse modelo de Igreja popular foi experienciado pelos sujeitos
católicos que militaram na Diocese de Goiás, particularmente na Igreja do Evangelho
em Itapuranga-GO no período compreendido de 1950 a 2000.
Em especial, intentamos compreender como os católicos daquele município
diocesano vivenciaram e ao mesmo tempo produziram as transformações da Igreja
católica local - a “Igreja do Evangelho” - durante as décadas de 1950 a 2000. Os anos
que antecedem a instauração do projeto diocesano da Igreja do Evangelho em
Itapuranga, principalmente os de 1950 e de 1960 são fundamentais para
compreendermos que sujeito católico essa proposta de evangelização encontrou naquela
localidade, quais eram suas experiências sociais, políticas, que ambiente cultural esses
padres e agentes renovados encontraram como base de apoio para suas atuações. Por
outro lado, quais eram as expectativas e experiências políticas e sociais daqueles
sujeitos que comandavam o poder político local.
De modo mais detido, intrigou- nos pensar como diferentes formas de poder
foram elaboradas, praticadas e vivenciadas pelos atores sociais, tanto àqueles ligados
diretamente com as esferas administrativas municipais como prefeitos e vereadores, do
referido período, quanto pelos sujeitos católicos, individualmente e, ou em grupos que
se aliaram, cada um a seu tempo, tecendo novas maneiras de aproximação e de uso do
convencimento de sua atuação que resultou em desdobramentos diversos. Mas,
27

enfatizaremos os elementos que marcam uma proposta especifica de vivência que passa
pelo religioso no município.
Pensar esse período particular de um município diocesano no interior
de Goiás pressupõe um quadro de localização dessas disputas como centradas numa
dimensão maior que é o embate sobre as lutas pelas ocupações efetivas da fronteira.
Nessa direção, o próprio deslocamento de D. Tomas Balduino; entre o processo de sua
formação até a chegada à Diocese de Goiás, foram deslocamentos pela e por fronteiras
Para Luiz Sergio Duarte Silva (2005) Fronteiras são construções. São
processos social e historicamente - vale dizer, simbolicamente - produzidos. Devem ser
concebidas mais como abertura e atualidade do que como dado ou acabamento. São
locais de mutação e subversão: regidos por princípios como os de relatividade,
multiplicidade, reciprocidade e reversibilidade. Nessa direção, os embates propostos
pela nova forma de evangelização diocesana, buscaram subverter a ordem estabelecida
pelo catolicismo popular existente nessa região.
As possibilidades apresentadas dentro desse projeto político-
religioso, acreditamos, só se efetivaram, nos seus anos iniciais, porque se tratavam de
projetos que traziam com clareza a dimensão processual em aberto. Dimensão essa que
se extrapola com o avançar da proposta mais politizante do cotidiano religioso.
Novamente é Duarte (2005) que nos afirma fronteiras são lugares de
deslizamento. Alianças, bifurcações e substituições que preparam o reconhecimento e a
necessidade de limites. Desde o processo de ocupação daquela localidade, conforme
apresentaremos no primeiro capítulo, são as alianças e as bifurcações que vão
preparando os embates entre esses sujeitos sociais em Itapuranga.
Podemos nos aproximar da proposta apresentada por Cláudio Lopes
Maia, sobre a fronteira para pensar o movimento de Trombas e Formoso, ao afirmar
que “A análise realizada neste estudo é desenvolvida na perspectiva do encontro entre
os diferentes entre si que carregam temporalidades históricas próprias relacionadas ao
seu modo de vida” (MAIA, 2008, p.13). O que se coloca em evidência no processo de
estruturação dos primeiros anos da Igreja de Goiás são os vários enfrentamentos entre
padres e leigos, leigos externos à Diocese e leigos da Diocese, enfim os diferentes entre
si proposto por Maia.
Investimos na compreensão da ação daqueles que se filiaram à Igreja do
Evangelho, a Igreja Progressista da Diocese de Goiás e, aqueles que se alinharam à
proposta religiosa por meio da Renovação Carismática Católica, no intuito de pensar a
28

cidade como um lugar de lutas pela tomada e consolidação de um poder político, que
passa pela anuência do que se convencionou chamar de imaginário do poder.
Para a reflexão desse trabalho, levantamos os documentos junto à Prefeitura
Municipal de Itapuranga, quando constatamos que não existe uma preocupação com a
memória administrativa do município. Por mínimo que fosse, materializado em um
arquivo das gestões passadas, o que encontramos, como sendo a documentação
administrativa da Prefeitura, foram tão somente os “papéis velhos”: algumas caixas de
balancetes em caixas de arquivo de papelão, pastas tipo A/Z com ofícios enviados e
recebidos; mas a maioria da papelada ali depositada se constituía de documentos
financeiros e de pessoal11.
Nos arquivos da Câmara Municipal de Itapuranga, tivemos acesso aos livros
de Atas de reunião da Câmara dos anos 1950 até os anos de 2000, com exceção dos
anos iniciais da década 1970 que, segundo o secretário da Casa, desapareceram do
acervo. Esses livros, se ali estivessem, poderiam nos dar outra dimensão da percepção
dos sujeitos envolvidos com a política partidária local sobre as lutas e reivindicações
sociais dos sujeitos militantes da Igreja do Evangelho em Itapuranga.
Acessamos as atas do Sindicato Rural Patronal de Itapuranga e qual nossa
surpresa ao não encontrarmos sequer uma menção aos movimentos sociais, às reuniões
da Igreja, tampouco uma menção ao sindicato dos trabalhadores rurais.
Na Igreja Cristo Redentor, tivemos acesso ao Livro do Tombo da Paróquia,
às Atas do Conselho Paroquial, da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, bem como a
algumas fotografias que não estavam catalogadas, não portando nenhuma informação de
data, ou a eventos a que se referia.
Trabalhamos, também, com um acervo documental que temos
referente às décadas de 1970 e 1980: Boletins da Paróquia, bem como da Diocese,
informativos paroquiais, entrevistas com os sujeitos católicos de Itapuranga e
fotografias, tanto produzidas por nós, quanto aquelas cedidas pelo senhor José Guedes,
um fotógrafo profissional, militante dessa Igreja em Itapuranga. Enfim, estes foram os
documentos com os quais tivemos ao longo de nossa trajetória de pesquisador da
referida temática. Ademais, ao longo do processo de pesquisa em Itapuranga, fomos

11
Na sua grande maioria os papéis estavam jogados pelo chão em dois cômodos, bem como nos
corredores do Ginásio de Esporte ‘Anísio de Borba’. Compreendemos que o descaso com a memória
política de Itapuranga não é uma exceção à regra de como, nos municípios do interior do Brasil é tratado
a documentação histórica.
29

presenteados com o carnê e o cartão com a maquete da nova igreja, a que analisamos no
terceiro capítulo, bem como tivemos acesso ao documento sobre a demolição da Igreja:
“Por que não destruir a Igreja Cristo Redentor”, localizado na Biblioteca da UEG-
Unidade de Itapuranga. Materiais esses utilizados no segundo e terceiro capítulos.
Os documentos referentes à inauguração do Colégio Estadual de Itapuranga,
como as fotografias, os recortes de jornais, que utilizamos para analisar como 1972 foi
comemorado naquela cidade, foram encontrados no acervo documental do atual Colégio
Estadual Deputado José Alves de Assis, numa pasta intitulada ‘Dossiê Colégio de
Itapuranga’, possivelmente organizada por Monsenhor Lincohn.
Acreditamos, como pondera Burke (2004), em seu texto “Além da
Iconografia” que, ao tratar da possibilidade da pesquisa com imagens, é mais
interessante usar a ideia de “enfoque” e não de “métodos”, porque conforme o autor
“eles representam não tanto procedimentos novos de pesquisa quanto novos interesses e
perspectivas” (BURKE, 2004, p. 24).
Nas acepções do autor, também se esclarece que não existem “receitas” para
decodificar imagens como se fossem peças de um quebra-cabeça. O autor prefere pensar
nas múltiplas possibilidades e na variedade de leituras que a imagem permite levando
em consideração aos diferentes historiadores com diferentes preocupações, como
“historiadores da ciência, de gênero, de guerra, de pensamento político, assim por
diante” (BURKE, 2004, p. 234).
Outra importante formulação de Burke (2004) refere-se a pensar as imagens
não apenas como um reflexo da realidade social, nem como um sistema de signos que
não esteja localizado socialmente. Conforme o autor, tais imagens figuram como
“testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais
indivíduos ou grupos vêm o mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação”
(BURKE, 2004, p. 232).
Burke (2004) apresenta então aspectos gerais que, para ele, não são
princípios universais, mas, problemas que o uso da imagem evidencia, e passa a
enumerá-los. O primeiro deles seria o fato de que as imagens não dão acesso ao mundo
social, mas a visões contemporâneas daquele mundo. Em segundo lugar o autor pondera
que o testemunho das imagens necessita ser colocado em uma série de “contextos” no
plural (cultural, social, político, dentre outros). Um terceiro ponto refere-se ao uso serial
de imagens que oferecem um testemunho mais confiável do que imagens individuais.
Por fim, o estudioso pondera que, assim como na análise de textos, o autor, ao ler as
30

imagens, necessita ler nas entrelinhas, observando pequenos detalhes, aparentemente


insignificantes.
Outra importante dimensão ao fazer uso da fotografia como documento é
pensar na intencionalidade de sua produção, na finalidade para a qual foi criada,
elaborada, montada. Conforme Kossoy (2007) “ [...] a fotografia é, pois, um duplo
testemunho: por aquilo que ela nos mostra da cena passada, irreversível, ali congelada
fragmentariamente,e por aquilo que ela nos informa acerca do seu autor”. (KOSSOY,
2007, p. 50).
Pensar a fotografia como imagem, como documento e testemunho, em seus
diversos contextos, é fundamental para a nossa pesquisa, porém, é a dimensão da
fotografia como memória a vertente que mais nos atrai. Na esteira de Kossoy (2007),
acreditamos que:

Fotografia é memória enquanto registro da aparência dos cenários,


personagens, objetos, fatos; documentando vivos ou mortos, é sempre
memória daquele preciso tema, num dado instante de sua existência
[...] Vestígios de um passado, admiráveis realidades em suspensão,
caracterizados por tempos muito bem demarcados: o de sua gênese e o
de sua duração. (KOSSOY, 2007, p. 131)

Utilizamos ainda, nessa pesquisa, do método “história de vida” para a coleta


de dados, buscando compreender como os sujeitos compõem a sua trajetória dentro
desse projeto de evangelização. Nesse sentido, Howard Becker (1994) nos afirma que:

Cada peça acrescentada num mosaico contribui um pouco para nossa


compreensão do quadro como um todo. Quando muitas peças já foram
colocadas, podemos ver, mais ou menos claramente, os objetos e as
pessoas que estão no quadro, e sua relação uns com os outros.
Diferentes fragmentos contribuem diferentemente para nossa
compreensão: alguns são úteis por sua cor, outros porque realçam os
contornos de um objeto. Nenhuma das peças tem uma função maior a
cumprir; se não tivermos sua contribuição, há ainda outras maneiras
para chegarmos a uma compreensão do todo. ( BECKER,1994, p.
104-105)

Guita G. Debert (1986) nos aponta algumas questões sobre o uso da história
de vida. A primeira diz respeito a uma tendência que teve seu apogeu nos primeiros
estudos sobre a participação das classes populares na história política recente do Brasil.
Assim, os historiadores, sociólogos, antropólogos buscaram estudar a participação
política, social, religiosa, enfim, as mais variadas possibilidades desses sujeitos a partir
31

de categorias externas às suas realidades. Aqui, o que prevaleceu foi a ideia de se


preencher um vazio que poderia ser composto a partir de um número determinado de
informantes; escolhas de informantes que se posicionaram de tal ou qual postura frente
a um acontecimento, o uso de contraposição de informação, enfim, na busca do que a
autora nos diz como sendo um quadro, o mais completo e verdadeiro possível, de um
determinado período ou acontecimento histórico.
Por outra lado, Debert (1986) aponta para a possibilidade de se estabelecer,
através desse método, uma conversação, um diálogo entre informante e analista. Aqui
são pensadas as categorias de compreensão desses sujeitos, sua linguagem, seus
recursos narrativos na composição de sua história. O que pode nos levar a pensar de
maneira mais criativa a problemática que, através deles, nos propomos a analisar.
A respeito do percurso feito pelo uso das fontes orais, pode se apontar que
os primeiros trabalhos e esforços de documentação da sociedade, com o uso das fontes
orais, foram feitos por volta dos anos 1950 pela Universidade de Columbia, em que se
decidiu registrar entrevistas com políticos e economistas norte-americanos. A partir dos
anos seguintes, surgiu a busca de distinguir-se dessa preocupação com os discursos e
análises das elites, voltando-se para as narrativas de vida de pessoas comuns,
encontrando na “história dos vencidos” uma razão de ser para seus esforços, além de
registrar a trajetória do cotidiano dos grupos sociais desfavorecidos. Nos anos de 1970,
surgem inspirações para a captação, documentação e tratamento de entrevistas,
adensados com reflexões teóricas provenientes principalmente da Europa, que ressoam
anos depois no Brasil.
Ainda considerando a noção de interlocução de subjetividades, é a análise
do historiador que determinará a maneira como deverá prosseguir a interpretação da
entrevista acerca dos envolvimentos e disposições dos interlocutores. Este profissional
entenderá tudo – como linguagem – que permite ler a história de vida a partir de sua
lógica interna, atenuando a importância do vivido e priorizando o acontecimento: o
evento. É isso o que Marc Bloch (2001)12 e seus companheiros da revista dos Annales já
propuseram, revolucionariamente.
Pode se apontar que a contribuição da fonte oral é inestimável. Não somente
por seu valor histórico, mas pela possibilidade de contraposição ao corpo documental,
normalmente disposto aos pesquisadores, pelos detentores do processo de seleção,

12
BLOCH, M. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. [1949] Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2001.
32

arquivo, guarda e disponibilização do que a futura geração terá acesso. E ainda, por
intermédio desse proceder, a fonte oral destaca-se, para além de sua igual condição de
mais um texto histórico disponível aos ouvidos mais sensíveis.
Estamos imbuídos da compreensão de que, nesse contexto, aceitamos supor
que a fonte oral e as informações do conjunto de homens e mulheres deste pequeno
município do interior do Estado de Goiás é detentor de uma espécie de literalidade,
assim como quaisquer outras fontes presente nas discussões propostas.
Assumimos o caráter local de nossa pesquisa partindo do pressuposto de que
a história cultural é a ponta fina da história social e política (Vovelle, 1991) buscamos
compreender as questões postas dentro da configuração mais ampla. A dimensão
localista da pesquisa aponta para possibilidades de compreendermos as tramas da
história em níveis gerais a partir de experiências locais. Os eventos entendidos a partir
das histórias de vidas, memórias, fragmentos que, ao serem cotejados com as dimensões
mais gerais apontam para uma história cultural da fronteira.
São esses os riscos que corremos ao afirmarmos nosso fazer de historiador
ao olharmos para Itapuranga e querermos compreender, densamente, quais foram as
propostas, mudanças, embates, debates, postos por aqueles sujeitos da Igreja do
Evangelho e de seus opositores e, ao fazermos isso é com a atenção voltada para as
pertinências locais de uma experiência com ramificações, tramas para além das
fronteiras do município tomado como lócus da pesquisa, numa conjuntura de lutas e
transformações pelas quais passava o Brasil.
Na busca de ordenamento das disposições da tese: no primeiro capítulo
discutiremos a formação e a transformação do campo religioso católico de Itapuranga.
Por meio da análise das crônicas do livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de
Fátima, compreenderemos como se configurara a formação do sujeito católico de
Itapuranga. Acompanharemos desde as constatações primárias de que o lugar é de
difícil evangelização, dada a falta de educação formal, bem como a ausência de uma
experiência com a rotina religiosa. Acompanhamos a trajetória do padre Nello Bononi,
nesse momento de implantação da nova forma de se ser igreja em Goiás, a partir de sua
escrita sobre Itapuranga, bem como do processo de adesão e convencimento dos novos
sujeitos da Igreja de Goiás, que protagonizarão a história da Igreja do Evangelho em
Itapuranga.
No segundo capítulo, a partir da experiência de um andar pela cidade,
somos levados, em um exercício de imaginar a cidade como um palimpsesto de
33

memórias, a problematizar que cidade é essa que os monumentos e os lugares de


memória nos apresentam. Esse olhar para a cidade busca compreender o processo de
embates e lutas pela construção de um imaginário político da cidade. No plano da
política local, esse imaginário se fixa nas comemorações do Sesquicentenário da
Independência do Brasil, em 1972. Do outro lado do embate, temos os sujeitos católicos
envolvidos nos movimentos sociais de base buscando, no confronto, expor suas
demandas e necessidades frente às variadas situações que vão desde o sindicalismo até a
luta por saúde pública. Assim, encontraremos esses novos católicos envolvidos nas
demandas postas pelas discussões dos Grupos de Evangelhos em se articular aos seus
modos de vida essa nova perspectiva religiosa. O que os levaria aos enfrentamentos
com o poder local pelo reconhecimento da APSI como de utilidade pública, o que
culminaria com a ocupação do prédio da Prefeitura Municipal e consequente processo
criminal contra esses sujeitos.
No terceiro capítulo, discutiremos a partir da demolição do prédio da Igreja
Católica Cristo Redentor, e a consequente construção de um novo prédio para a Igreja,
como esse acontecimento figura como uma luta pela destruição da memória dos sujeitos
católicos, identificados com a Igreja do Evangelho, a Igreja de Goiás e a afirmação de
um novo grupo religioso representado pela Renovação Carismática Católica. Esse
evento se apresenta, em nossa análise, como o fechamento de um ciclo da história dos
movimentos sociais em Goiás, como um todo, e na Diocese de Goiás em particular,
mediados pela Igreja Católica, na sua vertente progressista.
Lembre-se que este evento determina o que estamos nomeando como
uma guerra simbólica na fronteira e que, ao construirmos esse trabalho, atentamo-nos
nas acepções de Febvre (2003), ao afirmar que:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes


existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos,
quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe
permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais.
[...] Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende
do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença,
a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. (FEBVRE apud
LE GOFF, 2003, p.530)
34

E assim, com essa diversidade documental, procuramos nos aproximar


das dimensões políticas e religiosas da cidade de Itapuranga nos anos compreendidos de
1950 a 2000.
35

1 FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES DO CAMPO RELIGIOSO CATÓLICO


EM ITAPURANGA.

Para compreensão dos elementos que se somam e dão a base da


problemática histórica da formação e transformação do campo religioso católico em
Itapuranga, advindas com as mudanças propostas pela Igreja do Evangelho, sob o
pastoreio de Dom Tomás Balduino, faz-se necessário que se compreenda, ao menos em
parte, alguns elementos que marcam as margens da região em que os diversos
personagens que delimitam a formação e as transformações do campo. A cidade de
Itapuranga, cerne da presente investigação, se localiza na mesorregião do centro goiano,
microrregião de Ceres, distante 165 km de Goiânia. O município ocupa uma área de
1.616 km, divididos entre a sede urbana e quatro distritos: Diolândia, Lages, Vila São
José e Cibele, contando também com o povoado Cruzeiro Dourado.
A economia do município baseia-se nas atividades agropecuárias de
pequeno porte. Segundo David Caume (1997), “a situação fundiária de Itapuranga é [...]
caracterizada por um elevado grau de concentração da propriedade da terra e por uma
estrutura marcadamente minifundiária”. (CAUME, 1997, p. 28). O autor apresenta os
seguintes dados sobre os estabelecimentos rurais:

Os estabelecimentos de até 10 hectares perfazem 1.232 (45,3% do


total de estabelecimentos agropecuários do município) ocupando
somente uma área de 7.830 hectares (5,9%). Os 2.407
estabelecimentos de até 100 ha (88,6% do total de estabelecimentos
agropecuários do município) ocupam somente 46.247 hectares
(34,7%) da área total agricultável. Em contrapartida, apenas dez
estabelecimentos maiores que 1.000 hectares (0,4%) ocupam a enorme
área de 15.313 hectares (11,5%). (CAUME, 1997, p.28)

Essa estrutura agrária de pequeno porte teve sua configuração,


principalmente, no processo de ocupação de terras através da política do Estado Novo,
no programa da Marcha para o Oeste, e com a Colônia Agrícola Nacional de Goiás -
CANG, situada no município de Ceres, próximo à Itapuranga. Dentre outros aspectos, o
autor Barsanufo Gomides Borges (2000), ao discutir sobre a economia goiana na
divisão regional do trabalho, no período de 1930 a 1960, nos diz que pós 1940 houve
uma reestruturação do espaço agrário em Goiás. De acordo com suas análises:

A fronteira agrícola abriu novas frentes de expansão e avançou para o


sudoeste e para o Mato Grosso Goiano. Assim, estas regiões
36

assumiram rapidamente a liderança no processo de produção e


especialização agrícola. Segundo dados do Censo Agrícola de 1960, o
Mato Grosso Goiano produziu, em 1950, cerca de 26% do arroz, 34%
do milho, 48% do feijão e 68% do café produzidos em Goiás. O
rápido esgotamento do solo das áreas pioneiras levou ao abandono
progressivo da zona da Estrada de Ferro e à ocupação de novas áreas
nas fronteiras oeste e central do Estado. Os anos 40 e 50 marcaram,
então, o recuo na ocupação das terras do Vale do Corumbá, em busca
dos solos de mata dos vales do São Patrício e do Paranaíba.
(BORGES, 2000, p. 258)

A Marcha para o Oeste construiu uma nova fronteira no território nacional.


Novos municípios foram criados, patrimônios são elevados à categoria de município.
Assim, à história de Goiás incorpora-se o programa de deslocamento do território
brasileiro e constrói-se o tempo das rupturas. Rompe-se com o isolamento geográfico,
estradas são abertas, cidades são edificadas e, enfim, tem-se um Estado moderno
representado na construção da cidade de Goiânia como um dos símbolos da “Conquista
do Oeste”. O processo de ocupação do Centro-Oeste, dentro do projeto da “Marcha para
o Oeste”13, especialmente da região do Vale do São Patrício, no Mato-Grosso Goiano,
tinha, na Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), o eixo distribuidor da
reordenação do espaço para o capital.
A Colônia (CANG), a que referimos, foi um deslocador de fronteiras,
localizada no Mato Grosso de Goiás, no vale do São Patrício. Núcleo de colonização
implantado e desenvolvido sob o patrocínio do Governo Federal representou juntamente
com a Fundação Brasil Central o segundo Ciclo de expansão rumo ao Oeste, sendo o
primeiro, a construção de Goiânia.
Para Sérgio Paulo Moreyra (1989):

A criação da Colônia Agrícola Nacional, em Ceres, foi possível


porque os trilhos da Estrada de Ferro Goiás se aproximaram de
Anápolis e tornaram econômicas as terras do Vale do Uru, do Rio das
Almas e do São Patrício. Esse conjunto de condições permitiu a
abertura de novas terras à agricultura empresarial, fazendo surgir
cidades como Itapuranga, Uruana, Carmo do Rio Verde, Rubiataba e
Goianésia, além de outras que são recriadas como Uruaçu, São
Francisco, Jaraguá. (MOREYRA, 1989, p.17).

13
Sobre a Marcha para o Oeste numa visão mais tradicional que discute a ideologia do Estado Novo ver,
dentre outros, LENHARO (1986).
37

Os sujeitos compreendidos sob a alcunha de “novo goianos” vinham


principalmente do oeste e do sul de Minas Gerais14. Se por um lado havia as notícias
oficiais de doação de terras pelo governo na Colônia Agrícola, outra forma de
propaganda das virtudes das terras goianas, quase tudo ainda mata por derrubar, se deu
principalmente por meio de cartas que aqueles que chegavam à região de Itapuranga e
adjacências enviavam aos parentes, estimulando e, na maioria das vezes, financiando, a
vinda para Goiás.
Essa interdependência entre os grupos de origem pode ser compreendida se
levarmos em consideração o processo de divisão da terra, devido a diversos
desdobramentos, mas destacando-se especialmente aquele dado por via herança. Esse
processo de divisão de propriedade, por meio de herança, acabou por configurar a
região de Itapuranga como marcada por uma estrutura agrária de pequenas e médias
propriedades, em que um lote inicial acabaria resultando de quatro a seis lotes
secundários. Essa mesma realidade, a de divisão por herança, também determinou o
surgimento de grandes propriedades. Segundo Brandão (1986), isso pode ser explicado
pela venda das terras recebidas em herança a irmãos ou outros da família, na intenção de
se mudarem do campo em busca de uma “melhoria” de vida para a família, entendendo
como melhoria ter condições de acesso aos recursos presentes nos centros urbanos,
como educação e saúde.
O primeiro movimento de ocupação da região de Itapuranga pode ser
atribuído, como vimos descrevendo, ao processo de busca pela terra com aqueles que
não a conseguiram na Colônia Agrícola. Ao chegarem à região, esses mineiros, bem
como os goianos vindos principalmente acompanhando os trilhos da estrada de ferro, ao
chegarem a Anápolis eram apresentados à dificuldade que era para entrar na ‘Colônia’,
a partir dali mesmo buscavam novos rumos.
Esses novos sujeitos, na região, perceberam o quanto a terra era fértil.
Aqueles que vinham com algum recurso financeiro deslocavam seus parentes para
ocuparem essas glebas, engendrando um processo que se repete na história de vida
dessa primeira geração dos que vieram ‘tirar terra no norte15’: Xixá era a terra de bacuri,
terra de fartura.

14
NEIVA Apud PESSOA, (1999, p. 40). Sobre a migração de mineiros para a região do Vale do São
Patrício, nas décadas de 1940 e 1950, ver o instigante trabalho de Valter Ferreira da SILVA JÚNIOR
(2002).
15
Expressão comum junto aos primeiros migrantes que diz do processo de se conseguir terra para
trabalhar.
38

Na análise de Gomes e Neto (1993), as ponderações feitas afirmam que a


formação do município de Itapuranga resultou de uma colonização espontânea, sendo
que os autores não discutem de que aspecto este processo de ocupação é resultante. É
sabido que, na sua maioria, como afirmamos alhures, redunda de famílias excluídas do
projeto da CANG em Ceres, restando a essas a busca por outras localidades próximas
àquela região. Para estas:

A colonização espontânea, sob múltiplos aspectos, foi o mais


importante fator de urbanização. Seu melhor exemplo encontra-se na
região de Mato Grosso de Goiás, no Centro-Sul de Goiás.
principalmente nas décadas de 30 a 50. Nessa região situam-se
importantes cidades fundadas por migrantes oriundos de diversos
pontos do Brasil, especialmente de Minas Gerais (GOMES E NETO,
1993, p.74).
39

Mapa 1 – Localização do município de Itapuranga (GO) – 2003.


Org. e Dig.: LABGEO/UFG/CAC.
Fonte: Mapa Político e Rodoviário do Estado de Goiás, 2000.
40

A revista Oeste (1944, p.31) nos informa sobre a

Divisão Territorial e Administrativa de Goiaz, assegurando que, em


19 de março do corrente ano, o futuroso distrito de Xixá é incorporado
ao mapa territorial do Estado de Goiaz, como unidade administrativa
do município de Goiaz (Revista Oeste 1944, p.31).

No desenrolar dos acontecimentos, como muitos outros, Itapuranga é


elevada à categoria de cidade através da lei estadual de número 954, de 13 de novembro
de 1953, emancipando-se da Cidade de Goiás. Foi antes, elevada à condição de Vila
pelo Decreto número 8305, de 31 de dezembro de 1943(NOGUEIRA, 1984). Thomáz
F. Lemos (1990), apresenta outra data para o evento: “Em 09 de julho de 1953, foi
publicado no diário Oficial do Estado de Goiás, a Lei nº 748 de 3 de julho de 1953, que
“Cria o Município de Itapuranga e dá outras providências” (LEMOS, 1990). Há,
portanto, esse pequeno desencontro entre as datas que não conseguimos sanar na
pesquisa.
Uma característica apontada por Gomes e Neto (1993) faz-se presente na
formação do município de Itapuranga, que é a formação dos Patrimônios em terras de
fazendeiros que, ao “agradar” um santo padroeiro, acaba por possibilitar o
desenvolvimento de núcleos urbanos em torno da Capela, ou do Santuário.
Registro a seguir, em um trecho longo, porém necessário à exposição, os
apontamentos do Monselhor Lincohn Monteiro (1961), ao registrar, nas Crônicas do
Livro do Tombo da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima16 de Itapuranga, a história da
formação do núcleo de onde originaria a cidade. Assim nos relata a localização e o
processo de aquisição do terreno:

A atual cidade de Itapuranga, município e Comarca omonimas


(sic), está situada na zona do Mato Grosso de Goiás, numa altitude de
600 metros; clima tropical úmido cuja média compensada é de 25º C.
Edificada à margem esquerda do Rio Canastra.
Em 1912, alguns fazendeiros residentes na zona (então Distrito
de Ouro Fino, Município da Capital de Goiás) conceberam a idéia de
formar um povoado na região.
Entre outros destacaram-se os seguintes: Henriques Rodrigues
Coelho, Félix Francisco dos Reis, Félix de Morais Vi, Antonio
Sebastião Ferreira, Manuel Ferreira dos Santos, Serafim Cardoso,
Manuel Adrião Cardoso e Umbelino Camilo do Nascimento.

16
- Quando nos referirmos ao Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga-Go,
usaremos LTPNSF.
41

Os sobreditos cidadãos, antes de concretizarem seu ideal


comum, procuraram o Vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar
de Ouro Fino, então o Revmo. Sr. Pe. Frei Manuel Maria O.P., e
pediram sua aprovação. O Vigário não só aprovou o projeto, mas
concedeu-lhes a licença de angariarem donativos para a aquisição do
terreno onde se fixaria o patrimônio. Saíram então duas folias com a
bandeira de São Sebastião. Naquele mesmo ano, a importância
recolhida foi entregue ao Vigário.
Em 1914, o Vigário requereu e adquiriu do Estado de Goiás
para a Igreja uma gleba de 105 Ha. de campo e mato, à margem
esquerda do Ribeirão Canastra. (LTPNSF, 1962, s/p).

Lemos (1990), por sua vez, recria a origem do município de Itapuranga


selecionando dois importantes pontos demonstrados por Gomes e Neto (1993), quais
sejam: a doação de terra, por parte de um fazendeiro para a construção do patrimônio e
a construção da Capela como marco inicial do povoado. Nesse caso, a Capela foi
dedicada a São Sebastião. Lemos diz-nos que: “Em 20 de Janeiro de 1932, o Sr. Braz
Camilo marcava o local da futura Capela de São Sebastião, fixando uma cruz que
levava gravada a data do evento” (LEMOS, 1990, p. 01). Entre a data da edificação da
Capela apresentada pelo autor supracitado e os registros do Livro do Tombo, há uma
diferença de quatro anos. No registro da Igreja Católica [1961] está posto que:

Em 1936, com a devida licença do Vigário, alguns cidadãos


resolveram iniciar a edificação de uma capela. Entre outros,
identificamos: Antônio Camilo do Nascimento, Manuel Elias Ferreira
e Júlio Camilo do Nascimento. Para isto, convidaram os habitantes da
região. No dia fixado, 16 de julho de 1937, - presente grande
multidão, escolheu-se o lugar para o templo de Deus. Unidos,
limparam o local naquela mesma tarde. (LTPNSF, 1962, s/p).

Durante seu tempo de clandestinidade, dentre outros, a figura de Gregório


Bezerra militou por várias cidades de Goiás, inicialmente por Goiânia, onde procurou
rearticular o seu partido. Ao que consta, Gregório Bezerra chega a Goiás em setembro
de 1949, vindo de Belo Horizonte até Araguari e de Araguari a Anápolis, viajando de
trem.
Em Goiânia, dentre outras atividades, destaca-se a preocupação de Gregório
Bezerra (1979), em função da situação de desarticulação em que se encontrava as
organizações no interior, a que o fez procurar congregar e articular um encontro para,
dentre outros elementos, reerguer os núcleos do partido em Goiás. Nas suas memórias,
figuram as seguintes palavras:
42

Em Goiânia, fui fraternalmente recebido pelos camaradas, que me


colocaram a par do que estava acontecendo com o partido lá em
Goiás. O partido tinha chegado a ser um bom partido de massas, mas
sofrera os efeitos do golpe da reação que o pusera na ilegalidade. As
dificuldades do trabalho clandestino foram enfrentadas com o espírito
sectário e aos poucos foi se generalizando na direção uma atitude
rotineira, passiva, resignada: não se fazia mais nenhum esforço
consequente para movimentar o partido. As organizações do interior
do Estado iam desaparecendo por falta de assistência. (BEZERRA,
1979, p. 85).

Na mesma linha dos apontamentos anteriores, aparentemente, após várias


articulações o grupo, coordenado por Gregório Bezerra, consegue reunir 42 comunistas,
de dez municípios goianos, numa chácara em Goiânia, sendo que, nesse encontro,
ocorrido em 05 de janeiro de 1950, é apresentado o senhor “Estevão Fonseca” a todos
os presentes.

Os trabalhos foram abertos por um excelente camarada, o


companheiro Abrão. Fui apresentado aos demais com o nome de
Estevão, que passei a usar dali por diante. Falarem, em seguida, o
camarada José, o camarada Roberto e vários outros. As intervenções
me impressionaram pelo esforço autocrítico, pela preocupação dos
companheiros de analisar corajosamente as causas das deficiências
que vinham sendo notadas no trabalho do partido. O ativo começou
frio como uma pedra de gelo; mas pouco a pouco foi esquentando e
terminou quente como brasa! (BEZERRA, 1979, p. 85).

Importa salientar que, desse encontro, foram tirados quatro pontos a


serem cumpridos pelos militantes. Com base nesses pontos é que Gregório Bezerra
começa a viajar pelo interior de Goiás, vivenciando uma verdadeira odisseia no sertão.
As resoluções tomadas pelo ativo foram:

1) reorganizar o partido em todos os municípios onde tivesse havido


um comitê municipal ou distrital, onde tivesse uma organização de
base ou onde existisse um grupo de militantes ( até mesmo um único
militante); 2) conseguir no mínimo 100 assinaturas pela paz e contra a
guerra, contra a bomba atômica (campanha de atendimento ao Apelo
de Varsóvia), onde houvesse cinco militantes, 75 assinaturas onde
houvesse três, 50 onde houvesse dois e 25 assinaturas onde houvesse
apenas um militante; 3) pagar as dívidas de dinheiro que Goiás tinha
em relação ao partido, saldas os débitos referentes às publicações
Novos Rumos e Estado de Goiás, aumentando além disso em 20% as
nossas cotas de contribuição e evitando a todo custo novos atrasos; 4)
recuperar todos os militantes flutuantes e recrutar novos militantes
para o partido, à base de lutas em defesa dos interesses populares de
43

cada região, de cada município, de cada localidade onde vivesse


algum militante nosso. ( BEZERRA, 1979, p. 85-86).

Das resoluções apontadas pelo grupo, as que nos importam mais de


perto são a primeira e a quarta. Gregório Bezerra inicia suas andanças pelo município
goiano de Rio Verde, fazendo emergir, nessa localidade, algo que irá se repetir em
quase todas as cidades por onde ele passou: ser bem recebido por sujeitos espíritas e
protestantes. Descreve que, na sua segunda viagem a Rio Verde, consegue levantar
cerca de 200 (duzentas) assinaturas de apoio ao Apelo de Varsóvia.

Em Rio Verde, já dispúnhamos de um eficiente ponto de apoio. A


comunidade espírita, que via em Prestes um enviado de Deus, nos
ajudava na coleta de assinaturas pela paz. A comunidade protestante
não ficou atrás. Resultado dessa emulação: foram colhidas mais de
200 assinaturas de apoio ao Apelo de Varsóvia. Em Rio Verde, no dia
03 de Janeiro de 1951, o partido comprou fogos e organizou a Festa
dos 3 LLL ( Luís Carlos Prestes, Liebknecht e Rosa Luxemburgo). O
foguetório começou às 8 h da manhã; os pecuaristas da região, que
esperavam a assinatura de Vargas de um projeto de lei sobre a
pecuária, pensaram que o projeto tinha sido assinado e, para
comemorá-lo também soltaram todos os fogos que tinham. Com isso,
sem querer, nos ajudaram a festejar os 3 LLL [...] ( BEZERRA, 1979,
p. 87).

De maneira informal, encontramos elementos de algo que parece configurar


aspectos dessa mesma narrativa sobre um foguetório envolvendo a presença de um
“Alemão comunista”17, denominado senhor Estevão, quando de sua passagem em
Itapuranga. Estas e outras informações foram relatadas pelo senhor João G. da Costa18,
ao narrar que esse “comunista” estava em Itapuranga querendo levar gente para a
guerra, e que era um homem ruim demais19. Ainda sobre o foguetório, as diversas
conversas, os diversos apontamentos de homens e mulheres em Itapuranga recordam-se
de que se tratava de uma reunião para discutir “coisa de política”, que a cidade inteira
ficou em polvorosa. As narrativas convergem e delineiam por fim, que não se
envolveram nas coisas dele (do Alemão) e que ele era um homem procurado pelo
exército.

17
- Expressão utilizada pelo narrador.
18
- Essa conversa não foi gravada, não houve a intencionalidade de provocar a memória desse senhor
para nos relatar sobre sua experiência de vida, no momento dispúnhamos de um caderno onde tomamos
nota de algumas passagens.
19
KHOURY, Y. A. “Narrativas orais na investigação da História Social”. Projeto História, PUC-SP, São
Paulo, junho de 2001, nº 22, p. 84.
44

De volta ao texto do próprio Gregório Bezerra (1979), tem se que, em


seguida, ele visita Morrinhos, onde obtém bons resultados de reorganização do partido
local. Já em Goiatuba e Buriti não adquire resultado. Em Itumbiara, descreve que
obtivera sucesso com os companheiros, inclusive culminando numa arregimentação de
camponeses trabalhadores de uma fazenda denominada Fazenda Brasil. Em nossa
pesquisa, porém, não obtivemos sucesso ao mapear o grau de relevância desse
estabelecimento à época para a região de Itumbiara.
O segundo ciclo de viagens por Goiás reinicia por Trindade, Nazário,
Anicuns, Palmeiras de Goiás e Firminópolis. Em Nazário, Bezerra apresenta sua
primeira capacidade de argumentação sobre os seus companheiros de partido,
questionando, pois, seus correligionários sobre a realidade política do local, qual a
aceitação que há em relação ao partido na região, concluindo com pessimismo, pois
alegam que a reação no local é muito dura. No que responde ao questionamento de
Bezerra sobre as autoridades do lugar, se essas são muito reacionárias, é informado que,
pelo contrário, elas se mostram simpatizantes do partido. Aqui nasce, nos relatos
memorialísticos de sua passagem por Goiás, o homem talhado para o convencimento
político. Eis a declaração que Bezerra apresenta a seus pares:

- Companheiros, diante do que acabo de ouvir, só posso chegar à


conclusão de que a reação, aqui, só existe mesmo é na cabeça de
vocês! Fiz-lhes, então, uma preleção sobre o sentido da nossa luta e a
importância do trabalho de massas que poderiam realizar, se tivessem
disposição e coragem, se correspondessem à responsabilidade que lhes
cabia, como comunistas. (BEZERRA, 1979, p.87).

Ao que parece, em Santa Helena acontece o primeiro confronto com as


autoridades. Depois de organizar uma assembleia, onde discorreu sobre reforma agrária,
ao chegar à cidade, fora interpelado por um cabo de Polícia que o interroga sobre quem
ele é e o que ele faz na região. Ao ser solicitado que apresentasse seus documentos,
Bezerra afirma que não os portava, pois havia esquecido em Goiânia, no que é
convidado a se dirigir até a delegacia para conversar com o delegado. Após bate-boca,
envolvendo grande massa de curiosos, Bezerra é convencido, pelos vereadores do lugar,
de que nada iria lhe acontecer. Aparentemente, Bezerra é levado detido para o Corpo da
Guarda da cidade de Rio Verde, onde, novamente, se debate com o delegado sobre as
proibições de se propagandear sobre o comunismo, do que ele se defendia dizendo que
estava agindo em favor da paz mundial. Novamente, deparamo-nos com a narrativa
45

triunfalista, em que as massas populares vêm em apoio ao “senhor Estevão” e ele é


posto em liberdade. Nessa localidade, acontece novamente a intervenção de espíritas e
também surge a figura da mediação feminina no conflito, o que irá se repetir em outros
eventos dessa natureza ao longo da narrativa das memórias de Gregório Bezerra.
Alongamo-nos nessas passagens para demonstrar como existe um padrão
narrativo dos acontecimentos nas memórias de Bezerra. Essa mesma estrutura será
ponto importante de compreensão da ação dos sujeitos na construção, na luta pela
transformação e permanência em Itapuranga.
Retornando à Goiânia, os apontamentos sobre a trajetória de Gregório
Bezerra dão conta de que ele fora enviado para a região da Colônia Agrícola Nacional
de Goiás. Segundo seu relato:

Fui, então, enviado ao setor de Anápolis, Jaraguá, Barranca, Ceres,


Itapaci, Nortelândia, Uruaçu, Amaro Leite e Porangatu, aonde já tinha
chegado a picada da estrada que liga Goiás a Belém do Pará. Os
camaradas deram-me duas calças e duas camisas cáqui, tipo
campanha. Parti muito animado, pois era o setor das minhas ambições,
desde que chegara a Goiás. Cheguei à Colônia Agrícola Nacional de
Goiás (CANG) e dei início à minha atividade, apoiado na colaboração
que me davam um camarada que era farmacêutico, mais o camarada
Patrício e o camarada Geraldo Tibúrcio. Organizado o partido por lá,
fui para Goiás Velho. (BEZERRA, 1979, p. 96).

Gregório Bezerra (1979), quase nada relata de sua passagem pela região da
Colônia Agrícola de Ceres, colônia que ocupa espaço irrisório em seu livro de
memórias diante da importância política do lugar no cenário nacional. Ao contrário de
Itapuranga, a ocupar quatro páginas de suas narrativas marcadas pela repetição do
padrão que denominamos de “enfrentamento do sertão”, aqui, o relator irá, novamente,
enfrentar a ordem de ir à delegacia prestar esclarecimento ao delegado. Neste trajeto,
terá a intervenção de uma mulher, como ocorrera em outras localidades, conclamará o
povo a lutar pelos seus direitos, e depois de muito debater com o delegado, será posto
em liberdade e sairá às pressas da cidade. Conhecida e decodificada a estrutura, vamos à
narrativa sobre sua passagem por Itapuranga:

Em Xixá, com a ajuda do jovem dentista Cláudio, filho de um


admirador de Prestes, colhi numerosas assinaturas de camponeses
pobres, mas fui mal acolhido pelos fazendeiros e pelos comerciantes.
Consegui ajudar a fazer com que uma antiga associação mista de
operários e camponeses se reorganizasse, mas pouco depois o novo
46

presidente da associação, pressionado pelos ricos e poderosos, me


comunicou que ia renunciar:
- Não quero me prejudicar por causa dos outros não. Não sou besta,
não.
A associação era um instrumento importante na luta dos trabalhadores
contra a exploração de que eram vitimas. Critiquei a fraqueza do
presidente demissionário e fui logo procurar o secretário para
convocar uma assembléia. (BEZERRA, 1979, p.96-97).

Em entrevista sobre sua participação na organização do Sindicato dos


Trabalhadores Rurais de Itapuranga, o senhor Dorvalino José Campos se referiu a um
movimento sindical em Itapuranga, nos anos de 1950. Além desta referência, não
localizamos nenhum registro nos arquivos pesquisados em Itapuranga, sobre a referida
Associação dos Trabalhadores de Xixá. Bezerra, ao ser interpelado por um cabo da
polícia local, solicitando sua documentação e o que faz na região, novamente,
argumenta tê-la esquecido em Goiânia e afirma estar apenas colhendo assinaturas pela
paz mundial, bem como ajudando a reorganizar a associação dos trabalhadores de Xixá.
Adiante, é então convidado a acompanhá-lo até a delegacia local, onde o delegado o
aguardava.
Após argumentar que não iria, pois não havia o que tratar com o delegado
eis que o referido aparece. Na disputa com o delegado, Gregório Bezerra faz a seguinte
afirmação que nos instigou a pensar sobre a que ele poderia estar se referindo:

Não pratiquei desordens. Não matei. Não roubei. Não faltei com o
devido respeito às famílias. Estou cumprindo um dever cívico e
patriótico e apelo para o povo para ele testemunhar a minha conduta
aqui, desde que cheguei. Que outra coisa não tenho feito, senão
esclarecer o povo na luta pela paz, contra o roubo dos lotes e na luta
pela Reforma Agrária e tentar dar vida à Associação dos
Trabalhadores de Xixá. (BEZERRA, 1979, p.98; grifo nosso).

Novamente, se repete a disputa retórica entre Bezerra e o delegado, sendo


que o primeiro é apoiado em aplausos pela massa presente. Ao delegado coube solicitar
intervenção do pai do dentista Cláudio (Cláudio Mendes), do juiz de paz, bem como de
uma professora. Com o respaldo dessas pessoas, foi conduzido à delegacia, onde o
delegado já havia solicitado reforço do batalhão de Goiás. Ademais, após negar
informar qual era sua filiação, afirma ter discursado para o povo ali presente:

Fiz, então, um discurso, concitando o povo a defender os seus direitos.


Os comerciantes locais, liderados pelo padre, queriam cobrar 40
47

contos de réis de cada morador do povoado pelos lotes onde os pobres


tinham construído suas casas; denunciei esse assalto. Afirmei que, se o
delegado fosse mesmo uma autoridade, em lugar de pretender prender
quem defendia a população, deveria prender era os ladrões que
assaltavam o povo. Uma comissão, organizada pelo partido, com o
apoio de simpatizantes e pessoas do povo, veio me oferecer
solidariedade. Comecei a discutir com meus amigos a possibilidade de
sairmos todos dali, assaltarmos as casas comerciais dos tubarões e
distribuirmos as mercadorias ao povo. O delegado, ouvindo isso, não
aguentou mais: colocou-me em liberdade. E desapareceu.
(BEZERRA, 1979, p.98-99; grifo nosso).

Após esse episódio, Gregório Bezerra, acompanhado de um camarada, foge


para as matas do Rio Uru, permanecendo os dois escondidos até terem notícias de que a
patrulha policial havia tomado outras direções em sua procura. Com isso, ele regressa a
Itapuranga, indo para a cidade de Goiás.
Desde que tomamos conhecimento das memórias de Gregório Bezerra, esse
episódio sobre sua passagem por Itapuranga nos intriga. Como apontamos alhures, duas
decisões tomadas pelo ativo nos interessavam de perto. Ao longo de nossas pesquisas
em Itapuranga, não tínhamos, ainda, nenhum sinal ou indício da presença de militantes
comunistas no período descrito por Gregório Bezerra em suas memórias.
A pesquisa junto aos espaços, supostamente comuns e democráticos de
organização da memória popular, nos reservou surpresas. A maior parte da própria
memória da Associação dos Trabalhadores de Xixá, suas ações, realizações, pleitos
diversos, ao que tudo indica fora apagada dos registros, não podendo ser encontrada nas
Atas da Câmara dos Vereadores, nas Atas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Itapuranga e, tampouco, nas Atas do Sindicato Patronal de Itapuranga. Como
apontamos acima, somente um militante sindical reportou, em sua entrevista, uma
experiência anterior à formação do sindicato rural dos trabalhadores de Itapuranga, o
que, mesmo assim, se configura apenas como indícios, não confirmações. Nas análises
de Silva (2007), em sua tese de doutoramento, a partir de dois entrevistados, sendo que
um desses sujeitos é irmão do simpatizante citado por Bezerra, essa é a origem de toda a
experiência posterior de luta pela terra bem como as lutas de base. A Associação dos
Lavradores do Xixá assume, por esta perspectiva, a função de ser o mito fundador da
consciência de classe dos trabalhadores rurais de Itapuranga. Tese a qual não
compartilhamos.
Por outro lado, conseguimos informações sobre os lotes que o padre e
os comerciantes queriam vender, conforme Bezerra, a preço exorbitante, no Livro de
48

Tombo da Paróquia. Em prosseguimento aos dados anteriores, ratificamos que, no dia


02 de janeiro de 1962, ao traçar um plano de ação para ser executado ao longo do ano,
dentre outras decisões a serem tomadas, o padre José Ferreira elenca, no item 18, “ver o
caso dos terrenos da Igreja”. Assim, em 28 de junho de 1962, ao apresentar o balanço
semestral, o padre José Ferreira nos informa como está a questão dos lotes da Igreja:

Caso dos terrenos da igreja em andamento legal e com nomeação de


administrador, o atual vice-prefeito, Sr, João Pinheiro Rosa, e o
agrimensor Expedito Sena que já mediu e loteou toda a Ponta Grossa e
o administrador agora está vendendo com a procuração recebida do
Exmo. Sr. Bispo, D. Abel Ribeiro Camelo. (LTPNSF, 1962, f. 24-25).

No mesmo balanço, no item 23 sobre a chácara paroquial, o padre José


Ferreira aponta outra possibilidade para a área em questão posta por Gregório Bezerra.
Trata-se de uma ocupação consentida por Monsenhor Lincohn, do terreno da chácara,
mas os seus ocupantes estavam reivindicando direitos de posse. Nesse sentido,
inferimos que:

Chacara Paroquial já toda medida e em organização, com caseiro


nomeado Jose Fortunato vulgo Zezinho e sua esposa Da. Ana, o que
está atrapalhando são uns ditos pobres, os quais o Mons. Lincohn
cedeu o terreno ad tempus, sem contrato, sem nada e agora não
querem sair de um alqueire de terra que ocupam, desordenadamente,
aliás, no meu modesto parecer, todo este problema de patrimônio de
Igreja de Xixá tem sua raiz na desorganização e desinteresse dos
padres que aqui estiveram. Queira Deus que esteja errado neste
parecer! Interessante, que ainda há poucos dias, o Mons. Lincohn
conversando com amigos tenha afirmado sobre o patrimônio: Deixei
uma bomba nas mãos do Pe. José. Bomba ou não, vamos cuidar do
patrimônio! (LTPNSF, 1962, f. 24)

Em 28 de outubro de 1962, registra-se a informação sobre os terrenos


envolvidos nessa questão:

Finalmente, depois de tantos avanços e recuos, tratos e destratos, foi


vendida a gleba da Ponta Grossa para os respectivos posseiros. Em
tempo oportuno, quando o procurador João Carrinho prestar constas
detalhadas ao Sr. Bispo, apresentaremos aqui, o balanço. É objetivo
nosso vender o que está invadido e conservar os terrenos vagos e
procurar arrenda-los para lucro e evitar invasão. ( LTPNSF, 1962,
f.32).
49

A passagem de Gregório Bezerra por Itapuranga é lembrada em trabalhos


acadêmicos, e em algumas poucas memórias de homens e mulheres septuagenários,
vacilantes pelo cansaço dos anos, mas com momentos de lucidez que contagiam até
onde conseguimos mapear, pela tentativa de reorganização da Associação dos
Trabalhadores de Xixá. No que pese a distância de cinco anos entre a narrativa posta por
Bezerra e as anotações do Livro Tombo, acreditamos que os registros tratam do mesmo
evento, o que aponta para uma ocupação da cidade permeada por tensões e conflitos.
Essa área20, conhecida, ainda hoje, por “Ponta Grossa”, até pouco tempo, no imaginário
espacial da cidade, era tida como lugar onde moravam pessoas pobres. Não existem
vestígios da chácara paroquial. Hoje, dada à visão panorâmica que se tem da cidade,
uma parte desse terreno é ocupada por uma classe média alta da cidade.

1.1 O Cotidiano religioso de Itapuranga pelas Crônicas do Livro do Tombo da


Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

O Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima é aberto por


Monsenhor Lincohn Monteiro Barbosa, então Vigário Geral de Goiás na data de 02 de
julho de 1961. Em seguida, o responsável pela Igreja Católica apresenta panorama geral
do processo de formação do lugar, até sua emancipação política. No histórico ‘oficial’
da formação de Itapuranga, percebe-se que a fonte é esse texto introdutório do Livro do
Tombo.
Segundo esse texto, Itapuranga:

É uma cidade formada por mineiros e nordestinos. Sendo a área total


do município de 1.200 km². O município de Itapuranga está todo
habitado. É interessante verificar que quase não há latifundiários. No
município encontram-se os seguintes povoados:
1º) –Diolândia, no nordeste; já é distrito e desenvolve-se com grandes
esperanças;
2º) Lages, no sul; era uma fazenda antiga. Vai desenvolvendo
morosamente.
3º) Cibele, no norte; foi iniciado em pleno cerrado aos 6 de fevereiro
do corrente ano. Vai florescendo rapidamente.
4º) Betel, no centro; é uma fundação protestante. Não tem nenhuma
esperança.
O município está dividido em pequenas propriedades e fazenda. [...]
Embora seja muito difamada por causa dos assassinatos e tiroteios
aqui havidos, contudo o que constatei até o momento e que os

20
- Ver na Planta Urbana, em anexo, a área em branco entre as áreas de número: 01, 13, 14.
50

cangaceiros. Com excessão (sic) de dois ou três, vêm de fora. O povo


de Itapuranga é hospitaleiro, é ordeiro, trabalhador e bom. Tenho
notado que este povo é vítima de injustiças dada a falta de cultura do
meio. A maioria dos habitantes é católica. Como a igreja está
abandonada e a visita mensal do padre, de um dia para o outro, nada
mais consegue realizar do que batizar, assistir a casamentos, etc,
enquanto o ambiente está batida pelas pregações pentecostais, por uma
amplificadora que domina toda a cidade, muitos católicos passaram a
integrar aquela seita enquanto outros caíram no indiferentismo
religioso. (LTPNSF, 1961, f. 3).

Essa primeira impressão de Itapuranga dominará sobremaneira a escrita das


Crônicas da Paróquia. Destacamos que a explanação descreve um lugar onde falta a
“cultura do meio”, os católicos, em sua maioria, sujeitos moradores da zona rural, não
tendo hábito de frequentar igreja; também, a referência às mensais incursões do pároco
não mudam o quadro de que as idas à Igreja eram raras e os moradores quando o faziam
eram “desrespeitosos”, pois não sabiam se portar nessas ocasiões, sendo a missa, para
estes, mais uma ocasião festiva do que propriamente religiosa. Outro ponto importante
apontado é a presença significativa de uma população não católica, denominados aqui
de pentecostal nos desperta atenção o fato de Monsenhor Lincohn registrar a fama que
Itapuranga tinha de ser lugar de “gente brava”, povo matador. Imaginário recorrente
esse, a dominar boa parte do processo de ocupação do mato grosso goiano, devido,
talvez, a região ter recebido gente de várias partes do Brasil, mas sobretudo, pelo
aspecto de medo e desconhecimento de pessoas de outras regiões que não vinham,
embora tecessem suas imagens sobre a região, reforçando o estigma da fronteira como
lugar da desordem e da ausência da regulação do Estado.
Na seqüência, em 02 de abril de 1961, Dom Abel Ribeiro Camelo, Bispo de
Goiás, transfere a sede da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Fino para
Itapuranga, passando a se chamar Paróquia de Nossa Senhora de Fátima. Monsenhor
Lincohn foi, então, o encarregado de prepará-la para a instalação canônica. De posse de
sua atribuição, chega à Itapuranga no dia 01 de maio de 1961. Ironicamente, assim
escreve sobre as novidades de sua chegada:

Nos primeiros dias, tudo era novidade! E que novidade! A residência


paroquial era a casa sem nada, nem uma cadeira. A Matriz numa
pobreza sem par! Não possuía alfaias. Uns velhos bancos, alguns já
sem pernas! Talvês (sic) nem para museu serviriam mais.
A frequência à missa era mínima. Às vezes, o santo sacrifico foi
celebrado com a assistência unicamente do ajudante. (LTPNSF, 1961,
f. 4).
51

Lançando mão de incessantes estratégias de convencimento, é lícito dizer


que a aproximação dos católicos das celebrações semanais aumentou a partir da
instalação de um alto-falante que iniciou o processo de conversão desses sujeitos
arredios e desconhecedores dos rituais da missa. Esse sistema, batizado de “Voz da
Matriz Nossa Senhora de Fátima”, possibilitou criar as condições julgadas adequadas
naquelas paragens. Assim reportou Monsenhor Lincohn:

Instruindo na doutrina, orientando na disciplina eclesiástica,


estigmatizando o a herezia pela exposição clara da verdade,
condenando o erro e chamando os errados, o Vigário conseguiu atrair
os bons e aproximar da igreja também os indiferentes. Os hereges
silenciaram os ataques constantes à Igreja e sua organização. Muitos
voltaram ao redil. Houve um enfraquecimento particularmente entre
os pentecostais. Os católicos, vendo-se agora protegidos por um
pastor, avivaram sua fé e procuraram corresponder ao convite da
Igreja. (LTPNSF, 1961, f. 4).

Das palavras de triunfo, em 1961, do convencimento pela suposta postura


firme e convincente, a instalação da Paróquia, ocorrida em dois de julho de 1961, teve a
presença de todas as autoridades locais, desde o juiz da Comarca, passando pelo prefeito
Farnésio Rabelo, pelo representante dos fazendeiros e lavradores senhor José Pereira de
Faria, até a representação das crianças do município. O evento concorrido foi narrado
por Monsenhor Lincohn, com grandes expectativas de que o futuro permanecesse em
rota de crescimento incessante.
Em seguida, começa a segunda parte do Livro de Crônicas da Paróquia
Nossa Senhora de Fátima, referente aos lançamentos dos acontecimentos da vida
pastoral, bem como da vida política e social daquele lugar. Inicia-se, para nós, a
construção de uma percepção do cotidiano da cidade, que é extremamente rico, para
compreendermos as relações entre o universo religioso e o político da cidade; além
disso, são apresentadas as bases culturais desse catolicismo de vivência rural que
marcariam as atuações dessa igreja em Itapuranga.
O traço marcante da escrita é o desejo maior de aliar uma evangelização
com um projeto de civilizar, criando uma cultura religiosa católica entre esses sujeitos,
algo que viria a ser comparado com as formas de compreensão da vida religiosa, como
já afirmamos acima, mais como momentos festivos.
52

Um dos primeiros apontamentos, no dia 13 de julho, é sobre a novena para a


festa do Divino. Essa celebração era uma das maiores festas da cidade até meados dos
anos de 1970. Com ocorrência de barracas, procissões, circo. Para o pároco, “os
movimentos foram ótimos. O Vigário sempre triste por causa da mentalidade do povo
que não quer festa sem o maldito baile. Paciência! Será para pouco tempo!” (LTPNSF,
1961, f.09). Esse é o primeiro de uma série de descontentamento dos representantes da
Igreja para com a prática religiosa/festiva do povo. Embora Mons. Lincohn não nos
apresente maiores detalhes, encontraremos, nas crônicas de seu substituto, o Padre José
Ferreira, mais eloquência narrativa sobre a festa do Divino no ano seguinte, 1962:

Começamos hoje com muita frequência na Igreja a Novena em honra


do Divino Espirito Santo que a dizer de um caipira, abaixo de Deus é
o Santo que dá mais devoção em Goiás! No programa de pregação
sobre o catecismo falo e explico sobre os dez mandamentos, apoiado
de vez em quando por um ouvinte entusiasmado. Depois da reza um
animado leilão. Festeiro veio, todo enrolado nas cobertas, em casa,
tremendo de maleita. O vigário também com febre ouvindo as
confissões, mas tudo isto é festa e das boas. (LTPNSF, 1962, f. 26).

Das lidas diárias deste acontecimento, ao apresentar contas da festa do


Divino ao povo, Mons. Lincohn, se apoiando nos valores gastos com o “tal “rancho”,
apresenta a disposição de não mais haver ranchos nas festas futura, principalmente com
leilões e concursos. O motivo dessa decisão fora financeiro, pois houve uma renda de
CR$503.000,00 e uma despesa de CR$ 235.878,00, toda relacionada ao rancho. O que
nos leva a concluir que a parte festiva consumiu quase toda a renda da festa, isso em um
momento em que a Paróquia esta se estruturando, com gastos básicos em construção,
pintura, bancos, a própria manutenção do padre e da casa paroquial. Tudo isso somado a
quase intolerância do pároco sobre a presença do ranchão nas comemorações, produz-se
um movimento no afã de tentar conter a presença dos bailes nas comemorações da
igreja, algo que não surtirá efeito.
Nos dias 06 e 27 de agosto, Monsenhor Lincohn apresenta suas primeiras
reclamações sobre a pouca participação de fiéis à missa. No dia 06 escreve: “Dia 06 –
Domingo. A frequência às missas foi mínima. Pensei que assim a presença de um padre
em Itapuranga, nos domingos e dias santos, é ocasião para maior número de pecados”
(LTPNSF, 1961, f. 09). No dia 27, além de registrar a pouca frequência às missas, o
padre nos relata sobre a situação política brasileira com a renúncia do presidente Jânio
53

Quadros e a tentativa de impedimento de João Goulart tomar posse. Assim, procede


expressando o seu ponto de vista sobre o momento:

A situação política do Brasil continua melindrosa. A nação se divide:


uma parte pela posse do Vice-Presidente (comunista), a outra, contra.
01º de setembro – João Goulart chega a Porto Alegre. Situação
tensíssima! Dizem que tomará posse da Presidência ali mesmo.
Como?
Dia 07 – Toma posse na Presidência da República o Vice-Presidente
João Goulart, mas, fora antes mudado o regime de governo do Brasil
de presidencialista para parlamentarista. No discurso de posse,
afirmou o novo Presidente: Agradeço ... à Igreja Católica, que é a de
minha confissão, que desde o primeiro momento se colocou ao lado da
legalidade por seus mais lídimos representantes (LTPNSF, 1961, f. 9-
10).

Em linhas com os argumentos que pretendiam confirmar a fama de que a


cidade de Itapuranga era habitada por homens violentos, no dia 27 de novembro de
1961, a população expulsa o juiz de direito a tiros sob o pretexto de que tal evento
ocorrera devido ao referido juiz estar envolvido com injustiças e muambas. Não há
maiores informações de que tipo de furtos e atos contrários a justiças foram cometidos,
além de não conseguirmos cruzar essa informação com os registros da Câmara dos
Vereadores, pois o Livro daquele ano não fora encontrado no acervo da Câmara
Municipal.
O Monsenhor Lincohn, em 28 de novembro de 1961, traz para Itapuranga,
vindo de Governador Valadares, Minas Gerais, o seu substituto, o padre José Guzmán.
No entanto, já em 01º de dezembro de 1961, vaticina que o recém- chegado não é padre
para aquelas paragens. Afirmou que “infelizmente o Vigário Geral percebe que o seu
substituto não é o padre de que Itapuranga precisa. É para um meio mais culto”
(LTPNSF, 1961, f.12). Já no dia 07, é apresentada ao padre a resolução de que ele não
iria permanecer na Paróquia, e que deveria se apresentar em Itaberaí, o que o alegrou
imensamente. Ainda no mês de dezembro, o Monsenhor Lincohn assume a paróquia de
Rubiataba, mas como veremos, acompanhará bem de perto toda a vida da paróquia e da
cidade de Itapuranga. Seu substituto, padre José Ferreira, chega à cidade no dia 12 de
dezembro. Ao encerrar suas crônicas, Monsenhor Lincohn apresenta um balanço geral
sobre os seus dias à frente da Paróquia, apontando certo pessimismo, apesar de frisar os
avanços obtidos com a evangelização do povo de Itapuranga:
54

Aproveitando o momento em que a população estava recolhida por


causa do tempo, partiu para Uruana, rumo à sua nova Paróquia.
Assim, Mons. Lincohn Monteiro Barbosa encerrou a página de seus
trabalhos como Vigário Encarregado da Paróquia de Nossa Senhora e
Fátima de Itapuranga. Saiu para servir a Diocese. Durante os meses
que trabalhou neste campo, foi muito feliz. As autoridades, sem
distinção, deram-lhe todo apôio e cooperação efetiva para o melhor
desenvolvimento da sua missão neste mêio. Do povo em geral recebeu
todo o acatamento. O povo é bom, mas, sem doutrina: católicos,
mas, de convicções falhas quando não abaladas pelas constantes
investidas e objeções do ambiente infiltrado de protestantismo. As
capelas rurais corresponderam muita mais à pregação evangélica
e tornaram-se quase o consôlo do seu coração sacerdotal. Duas
coisas, na cidade, muito o contristaram: a divisão política que
separa a cidade e impossibilidade a realização do ideal de Paróquia-
Familia de Deus, e a idéia fixa de algumas famílias de que festa
religiosa é ocasião de as famílias se divertir e essa diversão é o baile, o
rancho alegre.
Quanto ao mais creio que o remédio é a instrução em tôdas as
suas modalidades, pois, há muita boa vontade. O povo é bom, mas,
a falta de instrução estraga vários setores da estrutura social da
cidade (LTPNSF, 1961, f.12; grifo nosso).

Ao apontar sua maior satisfação com os resultados obtidos com os católicos


rurais em detrimento dos urbanos, o Monsenhor Lincohn, novamente, consegue
antecipar alguns rumos que a Paróquia tomaria num futuro bem próximo, sendo a partir
dos católicos rurais de Itapuranga que a Igreja do Evangelho, principalmente através dos
Grupos de Evangelho, se estruturará em sua Opção Preferencial pelos Pobres.21
Outra questão fundamental perseguida pelo nosso cronista é sobre o papel
da educação na formação dos sujeitos de Itapuranga. Durante sua permanência na
cidade, Monsenhor Lincohn assumiu o posto de Inspetor de Ensino, onde atuou com
severidade para combater, principalmente, os evangélicos. Retornará a Itapuranga,
efetivamente, para ser diretor, em 1971, do Colégio, fundado em março de 1964 e,
posteriormente, do Colégio Estadual de Itapuranga, em 1972.22 Mas, durante o período
em que esteve em Rubiataba, o Monsenhor Lincohn se mantinha a par de todos os
movimentos da Igreja de Itapuranga, assumindo posições abertamente contrárias à nova
forma de evangelização proposta por Dom Tomás Balduino, quando assumiu a Diocese
de Goiás em 1968. Era à cidade de Rubiataba23 que uma parte dos católicos de
Itapuranga se dirigia, no inicio dos anos de 1970, para assistirem missas.

21
- Para maiores detalhes ver COSTA (2004).
22
- Conforme dossiê ‘A Criação do Col. Est. de Itapuranga’, acervo do Col. Estadual Dep. José Alves de
Assis.
23
- Rubiataba fica a 70 Km, aproximadamente, ao norte de Itapuranga.
55

A chegada de Padre José Ferreira marca um novo estilo de escrita das


crônicas da Paróquia. Sua escrita assume mais leveza, apresenta detalhes de
acontecimentos do cotidiano da cidade; tendo o cronista perdido a rigidez narrativa de
seu antecessor, ganham os leitores das Crônicas.
Já em sua crônica inaugural, o novo padre demonstra um bom humor com
as dificuldades da vida de padre do interior, se denominando um “bandeirante de
Cristo” e, como veremos, durante sua permanência em Itapuranga, travara verdadeiras
‘expedições civilizatórias’ por aquelas bandas do sertão goiano:

Completamente enlameado e sob o apupo do temporal chega, às


19,40, o novo vigário, Pe. Jose Elverth Ferreira. Enquanto janto à luz
das velas, Mons. Lincohn complementa as instruções que deixou tôdas
por escrito. Mais uns minutos e já despedimos fraternalmente, ambos
emocionados pela solenidade do momento marcando mais uma etapa
de nossa vida bandeirantes de Cristo nas terras goianas. Por
coincidência, somos os dois únicos padres goianos da Diocese. Do
telhado pingam enormes goteiras! Que Deus ajude e sustente este
marinheiro de primeira viagem nestas plagas vermelhas de Itapuranga!
(LTPNSF, 1961, f.13).

Nas novenas e na celebração da missa de Natal toma contato com a aspereza


de ser padre, numa localidade onde ainda não havia costume de se frequentar as
celebrações, de se acompanhar a rotina do calendário proposto pela Igreja e, novamente,
da tão reclamada ausência de civilidade. Vejamos:

A novena do Natal está sendo muito pouco frequentada, o presépio


todo estragado e sem 80% das figuras roubadas que foram pelos
meninos. Há uns moleques na cidade piores que ratos.
Movimento colosso de pessoal da roça que procura o padre nos
momentos mais inoportunos e com pedidos impossíveis e como
conversam, comem, cospem na Igreja.
Atendo confissão todo o dia e à noite até às 23 horas quando as
interrompo para tomar folego e ligar a amplificadora. Depois de uma
semana de luta, conseguimos consertar a amplificadora cheia de
válvula queimada. Ao passar do segundo disco – pronto – lá se vai a
força elétrica e para complementar estoura um medonho temporal e
uma mulher desmaia no meio da Igreja! O povo da roça é muito bom
e tudo mas em questão de compostura na Igreja é uma lastima.
Imagine-se, agora, a caipirama toda comprimida no escuro,
molhados, berreiro das crianças, berreiro das mães, berreiro dos
meninos perdidos, berreiro dos que acodem a mulher desmaiada,
berreiros dos que pedem silencio. Ponho todo mundo a cantar, rezar
terço e ainda assim – agora – é uma mulher que na porta da Igreja
desce a lanterna na cara de um moço mão boba. No Glória, antes que
entoassem Noite Feliz uma velha mui beatamente puxa o Pecador
56

agora é tempo. No Evangelho ameaço não dar comunhão se não


acabassem com o barulho e na passagem de ano se repetissem aquela
triste cena de feira, eu nem celebraria! (LTPNSF, 1961, f.14; grifo
nosso).

Desolado com a celebração natalina, Padre José Ferreira lamenta não haver
na cidade uma pessoa com instrução mínima que fosse que pudesse auxiliá-lo nas
celebrações da missa. Interroga-se sobre a falta que faz a intervenção de uma pessoa
instruída na cidade, pois assim, os demais aprenderiam mais rapidamente a se portar nas
celebrações. No entanto, na missa de final de ano, é surpreendido com a participação do
povo de forma ordeira: “A missa de passagem de ano foi uma beleza. Religioso
silencio, cânticos bem entoados, grande numero de comunhão. Ufa! Ainda há
esperanças!” (LTPNSF,1961, f. 15).
A crônica de 01 de janeiro de 1962 apresenta um padre meio desanimado
com sua paróquia, ao contrário da esperança com que encerrava os apontamentos de 31
de dezembro de 1961, uma vez que o novo ano é recepcionado com balanço de vida e
algumas poucas perspectivas de transformação na atuação da Igreja daquela localidade.
Vejamos:

Começo meio apalarmado este novo ano! Não tenho sensação de


vitorioso e nem de fracassado. Afinal, a batalha apenas começou.
Muitos de meus professores contavam, nas aulas suas espetaculares
experiências e realizações, de como levantaram templos esplendidos,
de como deslumbravam as massas. Mas eu?’ Copio estas confissões
de um vigário da roça como eu. Faço-as minhas pois não me sinto
fracassado e nem com complexo de povão. Afinal, o realismo cristão
se constrói na dimensão espiritual. E a fé faz com que o ideal, o sonho
do sacerdócio se cônjuge com a realidade, a realidade áspera e
monótona da vida de um padre de roça, iluminando-a. No mais, fé em
Deus e pé na tábua (LTPNSF, 1961, f. 15).

Apesar de todo esse desânimo de início de ano, Padre José Ferreira traça
vinte e quatro metas a serem cumpridas ao longo do ano de 1962. Alguma mais singela
como compra de material para a missa, ministrar curso bíblico, outras mais complexas
como construir uma escola normal regional, construir uma nova igreja, resolver a
pendência dos terrenos da Igreja (assunto que discutimos no item anterior), construção
da chácara paroquial. Ao término de sua lista, registra que algumas dessas metas serão
impossíveis de serem postas em prática dadas as condições do meio, outras darão
resultados mínimos, mas afirma a necessidade de ter essas metas traçadas para dar força
e direção aos esforços.
57

No final do mês de junho, o padre apresenta balanço semestral, dando conta


do que foi executado e quais as previsões futuras. Seu texto é significativo de como ele
aprendeu a lidar com a cultura dos sujeitos do lugar, demonstrando como a religiosidade
desses católicos vai conformando a ação pastoral. Assim, nos apresenta seu balanço:

Na folha 15 deste livro de Tombo, transcrevi um modesto plano de


ação. E no final do semestre é bom confrontar o plano com os
resultados para ver a quantas andamos. Como prevíamos, os
resultados foram vários: fracassos, vitorias, humildes resultados, mas
o interessante é anotar tudo para nortear e centralizar os esforços. [...]
Aqui, portanto um modesto prestar de conta, não por auto-glorificação
mas como um Balanço do semestre, a ver a quantas andamos. Em todo
este tempo, tenho notado grandes progressos na parte material e
espiritual; só ver a colaboração nas campanhas empreendidas e a volta
comovente de tantos filhos pródigos à casa paterna, bem como as
legitimações de casamentos e os batizados de adultos e o apreço que
se tem ao vigário. Vamos pedir a Deus que nos ajude no trabalho, nos
dê força nas horas de desanimo e não nos deixe cair em tentação
(LTPNSF, 1962, fs. 24-25).

Na celebração de 21 de janeiro, repete a ladainha sobre o comportamento do


povo da roça, quando vem assistir missa na cidade: “Quando vem o povo da roça é certo
o barulhão na Igreja e exemplos tristes e hilariantes da ignorância. E com o povo é
paciência, ensinar pouco de cada vez e repetir sempre” (LTPNSF, 1962, f. 16).
Em visita ao distrito de Lages, considerado como o melhor da Paróquia, mas
que falta além de instrução, noções de higiene, o padre José Ferreira questiona a
ausência de ações do Estado para mudar essa situação: “Onde o apoio do Governo dos
planos M.B e Cia? Só nos discursos políticos!24” (LTPNSF,1962, f.16).
No dia 02 de março, o religioso vai à fazenda de Altamiro de Barros, na
época, um dos grandes fazendeiros da região, para oficializar matrimônios e realizar
batizados. Nesta ocasião, tece uma crônica bem humorada sobre os costumes do povo
do lugar, assim como revela o processo de adaptação do Padre Jose Ferreira à Paróquia.

Depois de muitos preparativos ficou tudo pronto para as legitimações


e batizados na Fazenda do Sr. Altamiro de Barros. A Fazenda é um
colosso, de clássico feitio colonial, água em abundancia e perto o
imponente Morro do Chapeu (qualquer dia vou dar uma subida) e três
quilômetros, o rio Uru. Com muita paciência, voz fazendo os papeis,
atendendo as confissões dos noivos ( um já é avô) e assim termino 09
casamentos e 10 batizados. Às 19 hs, missa vespertina, para o povão
que se ajuntara para lucrar missa Como sempre, povo bom e

24
- Acreditamos que M.B seja abreviatura para Mauro Borges então governador de Goiás.
58

igualmente ignorante! ( dia 03) Cedo apareceu os noivos que ontem


haviam roído a corda. Despacho-os também e viramos para trás. Por
questão de minutos quase tenho a tristeza de me desencontrar com D.
Abel que passando rapidamente por Xixá, seguia então para Goiás.
[...] É, Zé, até que valeu, 10 legitimações, 10 batizados! Encontro com
o Sr. Bispo. É de se passar o dia, rindo a toa! (LTPNSF, 1962, f. 18).

Em abril, padre José Ferreira é nomeado Inspetor Estadual de Ensino, e


aceita o cargo, de prontidão, pois assim como fora para o Monsenhor Lincohn, a falta de
educação do povo, compreendida aqui como educação formal, é, como temos
demonstrado, ao longo de nossa leitura do Livro do Tombo, o fator que destacavam
como fundamental a contribuir para a pouca vivência religiosa das pessoas do lugar:

Outra coisa bem interessante é que me nomearam Inspetor Estadual a


bem do povo e felicidade geral do Município Há vantagens e
desvantagens e como meu antecessor deixou fama, tenho agora que
carregar o fardo, com classe. O ensino por estas bandas da pátria é
uma calamidade, calamidade é eufemismo! (LTPNSF, 1962, fs. 19-
20).

Por ocasião da festa de Nossa Senhora da Guia, padre José Ferreira vai à
Diolândia25; um distrito onde as famílias Chaves e Barbosa apresentavam aquela época,
ascendência política sobre o local. Na década de 1970, dois de seus representantes se
tornaram vereadores: Osmar Barbosa de Oliveira, (1972), pela ARENA e Leônidas
Chaves Lopes (1976), pelo MDB. Neste tempo, Diolândia era um distrito com fama de
homens valentes e, ao que consta, esta localidade teve um foco de resistência aos
trabalhos da Igreja do Evangelho, haja vista ser um lugar marcado pela pouca
penetração da Igreja do Evangelho, formando-se, ali, poucos Grupos de Evangelho e,
principalmente, dali saindo várias caravanas de católicos para frequentar missas em
Rubiataba, presididas por Monsenhor Lincohn, conforme apontamos alhures. Assim, em
24 de maio de 1962, padre José Ferreira se refere à sua visita ao local:

Vou a Diolândia, na festa em honra de N. Sra. Da Guia, vou de


ônibus, trem velho, caindo aos pedaços. No meio do caminho foi
preciso ‘conserta’ o feixe de mola com um galho de arvore.
Movimento colosso no Distrito. Bandos de cavaleiros dão ao lugar um
arzinho do velho oeste: a noite, reza concorridíssima, com uma
multidão para se confessar. À noite, meia-noite, tiros a valer
relembrando mais uma vez o oeste bravio. Faço 66 batizados, 6

25
- O distrito de Diolandia fica a 18 Km, ao leste de Itapuranga.
59

casamentos e uma concorrida procissão. Poeira tanta que nos recobri


totalmente. (LTPNSF, 1962, fs.22-23)

Em tom irônico, padre José registra a chegada, no dia 06 de julho de 1962,


de um harmônium (sic), doado à Igreja por alguns fazendeiros capitaneados pelos
senhor Altamiro José de Barros. Segundo o padre, a presença desse instrumento
propiciará um verdadeiro progresso para os católicos.

Depois de tanta espera, chega o bendito harmonium oferecido a Igreja


por um grupo de fazendeiros liderados pelo Sr. Altamiro Jose de
Barros. Móvel bonito, som agradável agrada a todos. Não dou mais
detalhes técnicos por ser mesmo grosso em musica. A senhora do Dr.
Francisco Linhares fica nomeada organista oficial e dirigente da
Schola Cantorum. Hum, hum, Xixá progrode (LTPNSF, 1962, f.26).

Nessa mesma data, ao registrar o aniversário do prefeito Farnésio Rabelo, o


religioso o faz em um tom de indignação em relação a um grupo opositor ao prefeito
que, segundo o padre, criam maledicências sobre a administração daquele. Em seu
primeiro mandato como prefeito, o senhor Farnésio Rabelo, eleito pela UDN, em 10 de
maio de 1955, chega a apresentar sua carta de renúncia à Câmara Municipal, mas os
vereadores não aceitam. O motivo alegado era que não estava encontrando apoio nem
entre seus correligionários além de estar sendo quase impossível administrar o
município:

Aniversário do prefeito Sr. Farneze Rabelo, celebro em sua intenção a


missa vespertina, servindo-lhe depois e a família um coquetel, numa
homenagem a sua autoridade e a nossa amizade. O coitado estava
gago de emoção. Faço o possível para prestigiar as autoridades do
lugar, pois o povo, capitaneado por uns maus elementos, ex coronéis
de roça, fazem tudo para desobedecer e desconhecer a autoridade .
Deus que me perdoe, mas há uns elementos, vindos de fora, muitos
quase fugidos ou banidos de Minas que tudo fazem para rebaixar o já
baixo nível social e religioso da Cidade. Basta ver que expulsaram, no
ano passado, a tiro de revolver (uns mil tiros, como dizem) o juiz de
Direito. Neste ano, as professoras despuzeram a Diretora com o
apadrinhamento do Diretorio do P.S.D forçando assim a saída do
ótimo promotor Dr. Mario Monteiro, marido da Diretora deposta.
Como Inspetor Escolar, protestei contra, a Secretaria da Educação
ameaçou até processo contra as professoras mas no fim deu tudo na
mesma. Assim, a cidade conseguiu ficar sem Juiz, sem Promotor e
sem Diretora que se retiraram, por falta de garantia. De vez em
quando ameaçam algo contra o coitado do Prefeito e esta minha
homenagem a ele foi um desagravo a todos os insultos feitos a
autoridade local. (FTPNSF, 1962, f. 26).
60

Ao discorrer sobre a festa do Divino do ano de 1962, padre José Ferreira


registra que, naquele ano, não houve apedrejamento de católicos por protestantes
durante a procissão como ocorrera no ano de 1961. Procuramos por esse registro no
Livro do Tombo e não o encontramos. Esse evento despertou nossa atenção pela
animosidade contida, levando-nos a procurar, pois, entre alguns católicos mais velhos,
que poderiam ter presenciado/participado dessa procissão, maiores informações sobre
essa disputa religiosa, mas não deparamos com alguém que soubesse desse ocorrido.
Nas crônicas dos dias 23 e 30 de agosto de 1962, padre José Ferreira, após
apresentar um balanço geral das obras que mandara fazer, tanto na Igreja quanto na
Casa paroquial, registra desolado que:

Infelizmente, não faltam as más línguas que perseguem o vigário e


como foi acontecer sempre acabam arrumando uma mocinha que está
doidinha pelo padre. O que mais doi é que toda esta conversinha parte
de gente de casa, muitas vezes, gente que tanto nos deve. Enfim, isto
também está na lista do que deve sofrer o vigário da roça, mesmo que
a cara não lhe ajude como a minha. (LTPNSF, 1962, f.29)

No dia 30 de agosto, sua escrita demonstra um senso acurado do valor do


que é registrado no Livro do Tombo. Ao voltar a comentar como as pessoas criam
notícias sobre a vida do padre, diz que esse livro está mais parecendo um diário pessoal
do padre. Vejamos:

Mês de agosto. Mês de cachorro louco dizem, o que ficou provado,


pelo menos, por aqui, com tanta língua danada a solta e como os
domésticos do homem são os piores inimigos dele, aqui também resta
comprovado. Tudo passa. E mais tarde será bom recordar e quiçá com
saudades! Não sei porque mas com tanta amolação dá vontade de dar
risada. Cada uma! Este livro de TOMBO tá parecendo diário pessoal,
né? Pode ser que me condenarão no futuro tanta baboseira, pode ser
também que no meio de tanto carrapicho, mais tarde poderão rever
aqui, principalmente nas entrelinhas, a vida de um pobre pároco de
aldeia com suas lutazinhas e desilusõezinhas a colher o trigo magro da
vitória. (LTPNSF, 1962, f.29)

Apesar de ser um defensor da educação, padre José Ferreira entrega seu


posto de Inspetor do Ensino Primário do município. Novamente, o que o motiva são as
intervenções políticas dos mandatários da cidade. Mesmo com súplicas do presidente do
diretório local, prefeito e demais amigos, o padre não volta atrás. Apresenta uma análise
muito contundente da forma de se fazer política no local.
61

Ando alarmado com as divisões de força e interesses do pessoal, todos


animados pela vaidade ou egoísmo. Todos querem lucrar, mandar,
brilhar e derrubar iniciativas de todos. Para não ficar brigando (?) pra
lá e pra cá, como palhaço, nunca me deixei fisgar, embora colaborasse
para o bem da cidade. Agora deixo a Cesar o que de Cesar na direção
das atividades profissionais, culturais, familiares, econômicas, sociais,
políticas, ainda mais (riscado no original) neste ambiente de pouca
descoberta do outro e do bem da cidade.
Nas eleições consegui manter-me totalmente fora do movimento
viajando pelas capelas de Fazendas e aos interessados mostrava a lista
apoiado pela Liga Eleitoral pela Familia (LTPNSF, 1962, f. 31).

Talvez, podemos interpretar que, tomado por alguma desilusão, ou outro


acontecimento qualquer, não fizera relatos no Livro, passando o ano de 1963 ao largo de
registro de crônicas que apontem para o cotidiano da paróquia. Com exceção sublinha-
se uma observação, no mês de junho, sobre o distrito de Cibele, dando conta de que
ninguém fora receber o padre por ocasião de sua visita para celebrar missa, fato que o
obrigou a voltar para Itapuranga. O episódio mencionado atribui-se ao fato de o
fundador do lugar, grande fazendeiro naquelas paragens, ser espírita-pentecostal e os
poucos católicos do lugar não se entenderem por questões de divisão políticas. Por outro
lado, em várias passagens, Padre José indica a vontade de sair de Itapuranga, o que
acaba se concretizando com sua ida para Rubiataba, ficando responsável pela visita
mensal à Paróquia de Itapuranga.
No ano de 1964, não há uma só crônica referente à vida religiosa da
Paróquia, visto que o escrevente apenas se limitou a informar quais os dias que havia
visita de padre para realizar as atividades de forma bem sucinta. No final da folha 47,
somos informados de que nos anos de 1965 e 1966 não houve registros paroquiais
devido ao fato da Paróquia ter sido entregue aos padres de Itaberaí26.
Em 16 de Janeiro de 1967, começa uma nova etapa na história da Igreja
Católica em Itapuranga com a chegada do Padre Nello Bononi. Padre Nello foi quem
implantou, em Itapuranga, algumas das iniciais propostas de mudanças, transformações
propostas por D. Tomás Balduino, na forma de se vivenciar o catolicismo na Diocese de
Goiás. O novo padre é recebido na estação rodoviária com a presença de várias
autoridades da cidade.

26
- Itaberaí fica a 60 km ao sul de Itapuranga, sentido Goiânia.
62

Depois de intensa preparação do povo da cidade feita pelo revmo. Pe.


Graziano Botti de Itaberai, até então Encarregado de Itapuranga e pela
dedicada Srtª Anna Maria Zambolin, houve hoje às 10 h solene
recepção do novo Pároco, na pessoa do Revmo. Pe. Nello Bononi
proveniente de Morada Nova de Minas Gerais. Acompanhavam o
novo Pároco, Mons. Angelino, Vigario Geral da Diocese e Pd. Dante
Della Casa DD. Vigario de Itaberai. As irmandades, as crianças, o
povo em geral recepcionaram o Padre na altura da Estação
Rodoviaria, sendo o Dr. Warner Prestes o orador oficial do encontro.
Entre as autoridades: o sr. Prefeito, Agoncilio, o Dr. Sebastião, o sr.
Delegado de Polícia, as Diretoras dos Grupos Escolares, os Gerentes
do Banco do Brasil e do Bradesco. À porta da Igreja, discurso de
Mons. Angelino, leitura da nomeação feita por Pe. Dante, Stª Missa
Solene com discurso do novo Pároco, agradecendo tanta honra e
traçando suas linhas de ação. Agradeceu aos Padres de Itaberai que
tanto contribuíram nestes três anos em melhorar a situação religiosa da
cidade e pedindo colaboração no futuro (LTPNSF, 1967, f. 48).

Até a data de 20 de agosto de 1967, as crônicas de Padre Nello obedecem a


mesma estrutura narrativa de seus precedentes. Visita às capelas, constatação de quem
são os mandantes em cada lugar, reclamação de que não há respeito pela celebração,
enfim, segue o mesmo formato. No entanto, em 20 de agosto, ele faz a seguinte
anotação no Livro Tombo:

Mistérios dolorosos... que fazem parte das leis da redenção e da vida.


O soldado de Cristo os despreza e segue a frente com firmeza
inabalável. A luta me exalta e descobre a mim mesmo uma força que
nunca supunha estar encerrada dentro de minha alma e sobretudo uma
fieldade ________(ininteligível) à minha mãe a Santa Igreja. O amor
para ti, ó Santa mãe, e tua honra, me obrigam a não revelar o que Deus
está sabendo... (LTPNSF, 1967, f.48-49)

Em 15 de outubro aparecem, pela primeira vez, no Livro do Tombo, os


nomes de José Guedes, Dona Maria Pires, Dona Zuza e Maria Ferreira, católicos que
participaram, juntamente com outros, ativamente da implantação e consolidação da
Igreja do Evangelho em Itapuranga, tomando parte no Grupão. Esse grupo, composto
por leigos, tinha como meta ser orientadores dos demais Grupos de Evangelho e
tornariam-se, ao longo, principalmente dos anos de 1970, coordenadores de grupos de
leigos na Paróquia27.
Em 26 de novembro de 1967, padre Nello, acompanhado de uma pequena
comitiva, participa, em Goiânia, da sagração de Dom Tomás Balduino, como o novo
bispo de Goiás. Em 17 de dezembro, segue para a cidade de Goiás para participar da

27
- Para mais informações sobre a formação do Grupão em Itapuranga ver COSTA (2004).
63

tomada de posse de Dom Tomás, da Diocese de Goiás. Os apontamentos desse final de


ano não apresentam nenhuma novidade em relação à estrutura das celebrações. A
presença nas missas de Natal e Ano Novo com boa participação, sem reclamação de
‘incivilidade’.
A primeira anotação do ano de 1968 diz respeito à reunião dos padres da
Diocese de Goiás na cidade de Itaberaí com Dom Tomás Balduino, ocorrida no dia 03
de janeiro. Nessa reunião, serão lançadas as bases futuras daquilo que se constituiria na
Igreja do Evangelho naquela Diocese. Inaugura-se, nesse momento, a nova metodologia
de evangelização. A partir dessa reunião, haverá um processo de reorientação na
metodologia de evangelização diocesana. Nesse sentido, Pessoa (1999) afirma que:

O que não se pode dizer, no entanto, segundo os documentos


disponíveis, é que D. Tomás tenha chegado a Goiás com a Igreja do
Evangelho já pronta dentro de alguma valise. Mas parece que ele
levou pelo menos a convicção da importância metodológica de se
fazer assembleias. Logo no primeiro mês como bispo, em uma reunião
dos padres na cidade de Itaberaí, nos dias 02, 3 e 4 de janeiro de 1968,
já noticiara a intenção de convocar todos os padres, religiosos e
representantes leigos para uma assembléia diocesana.
As assembléias diocesanas se tornaram, então, a instância superior de
decisões em termos pastorais (PESSOA, 1999, p.104-105).

Nesse mês houve, além dessa informação da reunião em Itaberaí, apenas


duas crônicas. A última do dia 31 aponta para uma indisposição de padre Nello com
Monsenhor Lincohn. Os elementos desta indisposição se somam e culminam num ponto
que se agravará ao longo do ano de 1968, chegando ao ápice em 1969, conforme
veremos. Nessa crônica, padre Nello nos apresenta a nova configuração das capelas da
região, passando Caiçara28 a ser território diocesano de Rubiataba e Diolândia para a
responsabilidade de Monsenhor Lincohn. Vejamos:

A cura espiritual da Capela de Diolândia ficou com Mons. Lincohn


Monteiro; a Capela de Caiçara passou à Diocese de Rubiataba.
HISTÓRICO: Em Diolândia encontrei desordem administrativa:
nunca quiseram dar as contas, nem pagar as percentagens devidas.
Fiquei duro visando uma correção em prazo razoável. Nada de mais
lastimável que o apoio disfarçado que Monsenhor Lyncoh lhes deu.
Apesar faram carta ao Sr. Bispo pedindo que a Capela fosse entregue
ao Monsenhor sobrecito. E foi obrigado a cedê-la por disposição do
Sr. Bispo. Estou agora observando a investida de dito Padre sobre
Itapuranga com visitas, reuniões de caráter político aqui em Xixá,

28
Caiçara está a 32 Km, ao norte de Itapuranga.
64

insatisfeito ainda ao que parece, depois de ter recebido a melhor


Capela (20% da povoação) da Paróquia de Itapuranga. Mas Deus
sempre humilhou os soberbos!...(LTPNSF, 1968, f.50)

No dia 01º de maio de 1968, acontece a primeira reunião paroquial para


definição de que quem iria representar Itapuranga na primeira Assembleia Diocesana
em Ceres.

Sob a presidência do Pe. Luiz Cordolla (?) (_____) (ilegível) foi


realizada uma espécie de Assembléia Paroquial que escolheu para a
Assembléia diocesana de Ceres os delegados paroquiais. São eles:
Sidnei Mota, Maria Ferreira, Josenilda Guimarães. O Pe. Luiz ficou
entusiasta!(LTPNSF, 1968, f. 51)

Das pessoas citadas, Maria Ferreira se tornaria uma das mais motivadas a
trabalhar pelas mudanças pastorais. Sua trajetória de militância será marcada pela
participação em todas as esferas pastorais, bem como das instâncias políticas, como
sindicalismo de base, formação do Partido dos Trabalhadores, movimento pela saúde
popular, criação da Associação Popular de Saúde de Itapuranga- APSI. Constituir-se-á
numa militante total da Igreja do Evangelho em Itapuranga, em particular, e na Diocese
de Goiás, como um todo.
Novamente, Pessoa (1999) aponta para a importância das assembleias
diocesanas. Assim, nos apresenta a importância dessas na reconfiguração pastoral da
Diocese:

Uma análise das oito primeiras assembléias, até o ano de 1975, mostra
que é em torno das assembléias e a partir delas que vão surgindo as
novas formas de poder interno, as definições ideológicas, as
contradições do modelo e os enfrentamentos internos e externos. O
texto A Igreja do Evangelho divide o período em quatro etapas,
chamadas de: Modernização, transição, Renovação e A Igreja do
Evangelho.
Da etapa Modernização fazem parte as duas primeiras assembléias
(1968 e 1969). Nelas havia uma marca clara da instituição com seu
sistema de poder ainda totalmente vertical. A convocação para ambas
foi feita pelo bispo, invocando seu poder para tal; os temas discutidos,
todos retratando uma preocupação da Igreja com o especificamente
religioso e com a auto-reprodução, escolhidos previamente pelo
Conselho de Presbíteros. O resultado final foi publicado como Decreto
Diocesano. (PESSOA, 1999, p. 105; grifos do autor)

Em julho, de 01 a 07, aconteceu em Ceres, a 1ª assembleia Diocesana. De


Itapuranga foram, como representantes da Paróquia: O Padre Nello, a senhora Joana
65

Moreira do Nascimento, Maria Ferreira, José Guedes, sendo esses três leigos,
‘delegados da comunidade católica da Paróquia’. Não há posterior a assembleia,
nenhuma observação até a data de 15 de janeiro de 1969, um semestre, sobre o que foi
discutido na Assembleia Diocesana. Nesse período, as crônicas são dirigidas para a
continuidade da rotina da vida religiosa: rezas de terço, celebrações de casamentos,
missas.
Em janeiro de 1969, é registrado, nas crônicas da Igreja de Itapuranga, que
ocorre, todas as quintas-feiras, reunião com a juventude. Essas reuniões são
coordenadas por: Maria Ferreira, José Guedes, Lázaro Borges, Pérpetua Camargo,
Sebastião Gontijo e outros. Instigante que os primeiros sinais das discussões paroquiais
aparecem juntos à informação sobre as reuniões da Legião de Maria.

Estão se realizando semanalmente as reuniões da Legião de Maria que


já conta com mais de 20 membros. Também as reuniões da Juventude
nas Vª feiras exclusivamente de formação, são frequentadas por 40/60
rapazes e moças. Começamos no ano passado e estão sendo muito
interessantes. Em cada reunião é debatido um assunto diferente e os
coordenadores que estão surgindo são: Maria Ferreira, José Guedes,
Lázaro Borges, Perpetua Camargo, Sebastião Gontijo e outros.
(LTPNSF, 1969, f. 52)

Em março, de 26 a 30, acontece a 1ª Assembleia Paroquial, com grande


participação dos católicos. Dom Tomás se faz presente, o ecumenismo é incentivado
com a presença de pastores de outras denominações. O motivo central dessa assembleia
foi divulgar as decisões da Assembleia Diocesana.

Foi realizada a 1ª Assembléia Paroquial com a presença de 60 entre


homens, rapazes, senhoras e moças. Participou no inicio D. Tomás e
no fim Pe. Pereira de Maria como coordenadores. Foram tratados
assuntos da Assembléia Diocesana e os participantes ficaram
verdadeiramente impressionados e eletrizados. Esperamos agora
formar as diversas equipes de trabalho. Foi convidado também no dia
dedicado ao Ecumenismo o pastor presbiteriano Jerson de Oliveira e o
pastor pentecostal Getulio Ferrão da Silva. (LTPNSF, 1960, fs. 52-
53).

Em julho, (14 a 20) participam da 2ª Assembleia Diocesana: Padre Nello,


Sebastião Gontijo, Perpétua Camargo, José Guedes e Maria Ferreira. Nesse mês, foi
realizada a festa do Divino com a presença de Mons. Lincohn, marcada, novamente pela
66

reclamação de que o baile atrapalha a festividade religiosa. Não há posterior avaliação


das discussões propostas pela assembleia.
Em agosto de 1969, a pretexto de elogiar a atuação de Maria Ferreira frente
à Cruzada Eucarística, Padre Nello lança novas pistas do que logo se concretizaria. São
crônicas que nos dão indícios diversos, mas que também apontam para o início dos
conflitos entre aqueles que passam a não aceitar a nova proposta de evangelização da
Igreja do Evangelho. Padre Nello preconiza que já se inicia um processo de “depuração”
dos católicos da Paróquia e esse movimento irá se agravar. No entanto, aponta como
será estabelecida as novas alianças dessa Igreja particular em Goiás: Qualidade ao invés
de quantidade de fiéis.

A Cruzada Eucarística continua firme embora em números menor nas


mãos da Profª Maria Ferreira. Somente Deus sabe quanto devo a esta
jovem votada alma e corpo a Igreja, que progredindo a passos de
gigante. Em quase três anos foi ao meu lado com uma dedicação e
uma fidelidade inabalável nos sucessos e nos reveses, defendendo a
Igreja e o Padre com uma coragem extraordinária. Deus tem um plano
com esta criatura privilegiada, sedenta de santidade e de levar todos ao
Cristo! Fique nestas páginas minha estima e meu imoredouro
agradecimento! A Legião de Maria sofreu com minha ausência e está
um pouco em crise de adaptamento as novas realidades surgidas
com as Assembléias: irá diminuir no numero mas quero que fique
uma elite de jovens fervorosos e apostólicos. Os Congregados
Marianos com seu Presidente João Miguel estão em notável progresso
não em números mas em atividades e conscientização. O Apostolado
da Oração com sua presidente D. Maria Pires está sempre firme e há
umas vinte verdadeiramente generosas. São as senhoras que tem a
tarefa pesada de arrecadar mensalmente o Dízimo na cidade. Entre os
primeiros colaboradores que caíram ao longo do caminho notamos Dª
Edith que não soube renunciar ao espiritismo e se afastar
completamente. Vânia Freitas abandonou os “Lobinhos”, a Legião e
foi na onda da juventude sem rumo. Lázara Freitas também foi
esfriando e parece estar se afastando sempre mais. Mas o barco de
Cristo vai a frente e bem aventurado quem tiver perseverado até o fim.
(LTPNSF, 1969, f. 52-53; grifos nossos)

O ano de 1969 é marcado pelas novidades pastorais propostas nas


Assembleias, como a nova forma de celebração do ritual da missa, apresentada aos
padres e leigos em outubro, na sede diocesana. As crônicas desse período discorrem
sobre a convivência lado a lado das tradições religiosas presentes na reza do terço,
festas de santo bem como as atividades religiosas desenvolvidas na cidade. E, em
dezembro, por ocasião da formatura dos alunos do Ginásio Xixá, Padre Nello assinala
que “não vale a pena baratear a religião com essas missas tradicionais”. Essa será uma
67

das rupturas que a Igreja local fará, não mais participando dessas atividades que não
produzem sentido de conversão à realidade.
Em 31 de dezembro, Padre Nello apresenta uma leitura da situação
paroquial de extrema sensibilidade ao analisar que há uma transformação acontecendo
na Paróquia. Ao apontar algumas situações de vivências religiosas na cidade tais como
o espiritismo, a macumba e o pentecostalismo, na realidade está constatando a
existência de uma disputa se dando pelo campo religioso local. Nesse quadro apontado
das transformações por que passa a Paróquia, dentro do contexto diocesano, ‘quem cede
fiéis para as demais é a Igreja Católica?’, conforme ele mesmo questiona ao final.

Agora as Santas Missas com a renovação litúrgica, a preparação


cuidadosa, os cantos, a orientação, o coordenador de liturgia, Maria
Ferreira que põe fogo e entusiasma em tudo, são participadas com
uma atenção, um silêncio, uma devoção, que dá prazer. Oxalá
continue assim. A Santa Missa da noite de Natal teve uma
participação estrondosa mas ... eram só católicos? O espiritismo de
macumba, ligado a Itapirapuã e fomentado aqui por Orlando Campos,
Lourival e José Campos mais Sebastião Preto está preocupando
bastante e levando muita gente. O Padre preto saiu, (Igreja Católica
Brasileira) mas seus sustentadores não voltaram à Igreja Católica.
Parece que Xixá está esperando um Salvador, o povo está sem rumo e
tudo pode acontecer. Sairá a Igreja Católica vitoriosa nessa luta? Deus
o queira. (LTPNSF, 1969, f. 54; grifo do autor).

De 21 a 24 de julho de 1970, acontece a 3ª Assembleia Diocesana em Goiás,


tendo como representantes de Itapuranga: Sebastião Gontijo, Maria Ferreira e Padre
Nello, não havendo maiores informações de como transcorreu a Assembleia.
Na seqüência, no final do mês de dezembro, padre Nello registra a presença
de D. Tomás, em Itapuranga, para celebrar missa de formatura, além de nos informar de
uma reunião em sua casa com os colaboradores, alegando “estar condenado em toda a
linha pelo bispo”. “Sinto-me arrasado como padre!”, diz ele. Por ocasião da celebração
natalina, deixará registrado: “Natal, Natal triste com minha comunidade abalada pela
atitude do senhor Bispo”. Não conseguimos descobrir, nos trâmites de nossa pesquisa, o
que fora essa decisão do bispo.
Em fevereiro de 1971, novamente a presença incômoda de Monsenhor
Lincohn na Paróquia de Itapuranga, corroborada no trecho seguinte:

Ao receber a noticia da vinda em Xixá de Mons. Lyncohn Monteiro


Barbosa que planeja há muito ser vigário de Itapuranga, acho seu
comportamento indigno e rasteiro e corro imediatamente a D. Tomás
68

para renunciar ao meu cargo de Vigário. É uma vergonha na Igreja


este comportamento de Lincohn. Porque que a seara alheia? Porque
não fica sossegado em Uruana? Que Itapuranga: Pois venha e eu me
afastarei D. Tomás aceita minha renúncia e pede para eu dar
assistência à Paróquia até ele providenciar novo padre. (LTPNSF,
1971, f. 56).

No início de março do mesmo ano, Padre Nello faz valer o amor anunciado
nas crônicas e se casa com a professora Maria Ferreira. Seu último registro no Livro
Tombo é um balanço da sua dedicação à Paróquia e à Diocese, a indicar sinais para
outras possibilidades de leitura dos anos iniciais da Igreja do Evangelho na Diocese.
Assim, nos apresenta sua leitura:

Ao estourar a ‘bomba1 que o Padre casou, uma comissão foi ao bispo


e D. Tomás pediu-me para me afastar da Paróquia, dando aos padres
de Itaberaí o encargo de velar por estas almas até a chegada de novos
vigários que virão da Itália. Aqui despede-se o pe. Nello desta
comunidade que lhe custou suor e sangue, quase chutado mas não tem
importância. Deus sabe que eu trabalhei aqui e me entreguei
completamente à tarefa da Igreja de Itapuranga. Não teve outros
objetivos a não ser o reino de Deus. Posso ter errado mas tentei acertar
e me dediquei sem reserva ao trabalho eclesial. Nunca irei
compreender porque tanta desconfiança e golpes por parte do Sr.
Bispo que acabaram por destruir completamente meu sacerdócio!
Quem fia na vidinha mole é bem quisto pelo Bispo e quem debasta o
mato é marginalizado só porque não diz Amém mas tem uma cabeça.
Cai minha cabeça aqui como caiu a de Paulo em outra praça e como
Savonarola e Joana D’Arc sou queimado vivo mas a verdade
aparecerá e o futuro desta paróquia dirá se o pe. Nello errou ou tinha
razão. Deus, meu Deus somente em vós eu confio! (LTPNSF, 1971, f.
56).

Padre Antonio Cappi assume a Paróquia de Itapuranga em 10 de abril de


1971 até a chegada do padre definitivo, Ivo Poletto. Nesse período, é criado o Conselho
Paroquial. Até as últimas crônicas, lançadas em 24 de dezembro de 1971, Padre Cappi
registra a integração de Nello à comunidade como um dos principais entusiastas da nova
Igreja de Goiás.
Essa é a realidade encontrada pela Equipe Diocesana29 em Itapuranga. O
que, de forma geral, não foge à regra da forma como os sujeitos católicos no interior do

29
- PESSOA diz nos que o “ bispo convidou vários agentes de pastoral de fora, especialmente uma equipe
de Caxias do Sul-RS, composta de uma dezena de pessoas entre padres, religiosos e leigos, com passagem
pelo COM - Centro de Orientação Missionária, de Caxias do Sul. Desses, “três padres e uma jovem
leiga”,(...), foram convidados para comporem com o bispo a Equipe Diocesana, um organismo situado
entre o bispo e o restante do conjunto da Dioceses, praticamente acoplado ao poder do bispo (
“...participando de sua autoridade”, conforme Igreja do Evangelho, p.51) (1999, p.106).
69

Brasil foram socializados nas práticas e rituais do universo religioso. Acostumados com
a presença da Igreja apenas nos momentos de desobrigas, tendo uma identidade
marcada, muito mais pelo catolicismo devocional popular, de devoções, festas e folias
do que propriamente do catolicismo oficial de missas e padres. Assim, distantes do
cotidiano paroquial, o que se destaca é, conforme descrito no Livro do Tombo, a
‘incivilidade’ do povo católico de Itapuranga.
Ao chegar à Diocese de Goiás, D. Tomás Balduíno se defronta com uma
Igreja comprometida, até então, com o jogo de manutenção de poder de uma elite
agrária local. Carlos Rodrigues Brandão (1992), procurando delinear as mudanças
ocorridas na Diocese de Goiás, com a presença de D. Tomás, assim diz dos anos
anteriores à chegada deste a Goiás:

Até o ano de 1970, quando D. Tomás assume a chefia da igreja local,


os seus antecessores, bispos, padres e leigos das irmandades
senhoriais, reproduziram entre eles o pequeno jogo usual de alianças e
prestações mútuas de serviços através dos quais os interesses, poderes
e símbolos de legitimidade da Igreja Católica, da elite governante e
dos grandes senhores de terras perpetuam-se, reforçam-se e
mutuamente se auxiliam, quando aqui e ali índios, negros e escravos e,
mais tarde, lavradores pobres e submetidos, ameaçavam pequenas
rebeliões. ( BRANDÃO, 1992, p.12).

Para Jadir M. Pessoa (1999), a vinda de D. Tomás para a Diocese de Goiás,


em si, já é “fato marcante [...] no novo modo de se produzir o sagrado” na Diocese de
Goiás. Ainda, vê a formação religiosa e a experiência de trabalho de D. Tomás como
fatores importantes que viriam contribuir para a consolidação da Diocese de Goiás nos
rumos de uma nova forma de evangelização, pautada pelos princípios presentes na
“Teologia da Libertação”. Dom Tomás chega à Igreja de Goiás com uma nova
concepção teológica que tem como base um envolvimento direto com questões políticas
e sociais. Contudo, não afirmamos que D. Tomás já tinha pronta a ideia de se implantar
a “Igreja do Evangelho”, na Diocese de Goiás.
A novidade apresentada pelo bispo, no momento seguinte à sua chegada, foi
a convocação de uma assembleia diocesana para se discutir questões relativas à Igreja
de Goiás, tendo, além da presença do clero, leigos representantes das várias regiões
diocesanas (inclusive Itapuranga como apresentamos acima). Essa nova metodologia,
introduzida por D. Tomás, seria a primeira instância no processo mudancista que se
faria concretizar na Diocese de Goiás. Partiriam das discussões desenvolvidas nas
70

assembleias diocesanas os novos planos e projetos que iriam transformar a maneira de


ser e de viver o catolicismo na Igreja de Goiás.
Sobre a decisão de convocar leigos e clero para discutirem em assembleia,
Dom Tomás Balduino (2003) assim nos diz:

O primeiro ato assim, eclesiástico que se definiu foi a assembléia. Já


tinha experiência em Conceição do Araguaia, na Prelazia de
Conceição, de convocação das forças vivas da Diocese, na linha de
buscar caminhos, objetivos evangélicos de acordo com as diversas
propostas do Concílio Vaticano II, cujo apelo ultrapassava um pouco
o universo clerical. As assembléias foram, então, convocadas, assim,
tendo em vista, o povo de Deus. Não tanto a assembléia, como as
tradicionais em que o bispo se reúne com o clero; mais assim...30

Na primeira reunião entre bispos e padres, em janeiro de 1968, na cidade


diocesana de Itaberaí, foi anunciada a intenção de se convocar a comunidade religiosa e
os leigos para as assembleias diocesanas. O que se pode observar, tendo em
consideração a resolução de convocá-las, é que a Igreja de Goiás inverteu o processo
apresentado, na mesma época, por outras Dioceses consideradas como
populares/progressistas. Em Goiás, a Igreja fez-se presente na figura do bispo ao
convocar assembleias e apontar seus participantes, num primeiro momento,
pressionando a forma anterior do modo de ser Igreja na Diocese.
Dentre outros aspectos, Ana Maria Doimo (1995) nos instiga a pensar o
papel das assembleias e suas formas de uso nos movimentos populares. Assim:

Em que bases dar-se-ia, então, o resgate da presença do povo na


constituição de uma sociedade civil efetivamente autônoma e capaz de
caminhar com suas próprias pernas? Resgatando-se uma concepção
rousseuniana de soberania popular, pela via assembleística, e
imprimindo-se o controle popular sobre a coisa pública. [...] A
Assembléia permite discutir melhor o encaminhamento da luta, leva à
participação ativa do povo, viabiliza a reflexão conjunta, fortalece a
luta e permite, enfim, a participação popular nas decisões. (DOIMO,
1995, p. 126-127).

Ainda, a este respeito, para Jadir de M. Pessoa (1999):

As assembléias diocesanas [...] se tornaram,[...] , a instância superior


de decisões em termos pastorais.[...] Uma análise das oito primeiras
assembléias, até o ano de1975, mostra que é em torno das assembléias

30
- Entrevista com Dom Tomás Balduino Ortiz, realizada em 12 de fevereiro de 2003, em Goiânia.
71

e a partir delas que vão surgindo as novas formas de poder interno, as


definições ideológicas, as contradições do modelo e os enfrentamentos
internos e externos. (PESSOA, 1999, p. 124).

É de dentro de si que a Igreja de Goiás passa a olhar para a realidade


diocesana, para, num momento posterior, pautada nos resultados apresentados pela
pesquisa desenvolvida pela Equipe Diocesana, definir as metas prioritárias de ação.
72

Mapa 2 – Municípios da Diocese de Goiás.


Org. e Dig.: LABGEO/UFG/CAC.
Fonte: IBGE; Mapa Político e Rodoviário do Estado de Goiás – 2000.
73

A proposta de mudança foi trabalhada aos poucos, sendo necessárias oito


assembleias diocesanas para que se consolidassem as propostas iniciais da Igreja de
Goiás, nos rumos da “Caminhada”. Entre as oito assembleias que deram impulso a esta
nova forma de ser da Igreja de Goiás, é dada, por parte dos agentes e leigos da Diocese,
uma grande importância à quarta assembleia, ocorrida em 1971.
Essa importância atribuída à quarta assembleia justifica-se na medida em
que, a partir dela, houve uma redefinição por parte da Igreja em seu papel
sócio/político/religioso. É a partir desse momento que surge a presença da Equipe
Diocesana (apontada acima), constituída, em sua maioria, por agentes vindos de fora da
Diocese .
Essa equipe era formada por: Dario Nunes, padre e pedagogo, Terezinha
Coelho Vaz, assistente social, Ivo Poletto, padre e sociólogo, tendo, inclusive,
experiência com a pastoral operária no Rio Grande do Sul, figura central no processo de
coordenação e implantação da “Igreja do Evangelho”, em Itapuranga e, por último, Frei
Elizeu. Esse grupo de pessoas viria a desenvolver a pesquisa “Para Conhecimento da
Realidade” diocesana sob a coordenação de Carlos Rodrigues Brandão, o pessoal da
UNICAMP, segundo D. Tomás. São resoluções da quarta assembleia, também, a criação
das CEBs, o Projeto de Educação da Comunidade e a criação da Escola Pastoral.
De 1968 a 1975, foram realizadas oito assembleias diocesanas. Estas foram
responsáveis por profundas transformações na Igreja de Goiás e no modo como ser
católico na Diocese, tendo sempre como ponto básico as resoluções tomadas nas
assembléias.
Dom Tomás nos relata que havia uma renovação no quadro do clero na
Diocese com a chegada dos padres italianos. Nessa perspectiva de renovação, aponta o
interesse por parte de leigos, principalmente médicos que viam na nova proposta de
Goiás possibilidades de efetuar trabalhos nas áreas de saúde, aliados a uma dimensão
mais politizada.
Quando pensamos nas mudanças ocorridas nesse período, na Diocese de
Goiás, tendemos a procurar apenas os seus reflexos na esfera sociopolítica e nos
esquecemos de que a base principal desta proposta é a transformação da forma de se
viver a religião. Compreender como esta opção diocesana viria a transformar a relação
dos sujeitos católicos, com o seu mundo estruturado, não só apenas procurando
modificar suas “visões de mundo”, mas a maneira de se relacionar com o sagrado, é
procurar adentrar no universo destes “novos eleitos”, percebendo, assim, como essa
74

opção de evangelização da Diocese de Goiás refletiu em suas vidas, fazendo com que
uma parcela destes “novos eleitos” se tornassem “militantes totais”31 da Igreja de Goiás
por mais de duas décadas.
Nesse período de implantação da Igreja do Evangelho, ocorreram, também,
várias manifestações contrárias à nova forma de ser católico, conforme as resoluções
diocesanas. Aos poucos, se a Diocese foi produzindo seu novo quadro de alianças, por
outro lado, esse mesmo movimento acabou por produzir, também, seus opositores de
dentro. Ou melhor, uma parcela significativa dos católicos de Itapuranga resistiu à nova
proposta de evangelização.
O recurso pedagógico utilizado pela Equipe Diocesana, no processo
de implantação da Igreja do Evangelho, foi o de se apropriar dos elementos
componentes da realidade vivida pelos católicos em cada paróquia, conforme os
resultados apontados pela pesquisa desenvolvida em alguns municípios que compõem a
Diocese de Goiás. A realidade que é apurada nessa amostra do território diocesano não
foge ao padrão socioeconômico, político e religioso, do interior do país, com certeza. É
o quadro marcante (que leva à definição de uma “Igreja pobre para os pobres”) de uma
população pobre que vive basicamente da agricultura, como pequenos sitiantes, e em
sua maioria não proprietários[...] (MOURA, 1989, p. 59). Diante desses dados
específicos que já haviam sido apontados pela pesquisa “Para Conhecer a Realidade”
realizada pela Equipe Diocesana, dando conta de um maior contingente de católicos na
zona rural, a “Igreja do Evangelho” instaura-se em Itapuranga. Como base de apoio e
fonte de produção de seus primeiros leigo-militantes figuraram os trabalhadores e os
pequenos proprietários rurais católicos.
Ivo Poletto, numa citação longa e importante, assim descreve a sua atuação
nos primeiros anos de implantação da Igreja do Evangelho, junto às comunidades
católicas de Itapuranga:

Cheguei em Itapuranga no dia 02 de fevereiro de 1972. Assumi a


missão de animar as comunidades cristãs de Itapuranga e, ao mesmo
tempo, a responsabilidade de participar de uma equipe diocesana de
educação popular. Em Itapuranga fui parte de uma equipe junto com

31
- O conceito de Militante Total foi desenvolvido por Nelson Rosário de Souza em sua dissertação de
mestrado “A Igreja Católica Progressista e a Produção Do Militante - Cartografia de uma Afinidade
Eletiva Político-Religiosa”, USP-SP,1993. Por Militante Total compreende-se o militante que apresenta
um caráter absoluto de engajamento, tanto no caso apresentado por Souza como no nosso estudo, os
militantes apresentam uma ampla capacidade de mobilização em todos os sentidos de atuação de base:
sindicatos, grupos de bairros, partidos, pastorais, CEBs.
75

cinco leigos, todos gaúchos. Na Diocese, fiz parte de uma equipe


constituída a pedido da Assembléia Diocesana. Permaneci em
Itapuranga até o final de 1974. [ ...]
Mais do que introduzir (grifo no original) a Teologia da Libertação, o
trabalho teve como objetivo concretizar as orientações da Conferência
do CELAM realizada em Medellin (1969) e as decisões das
assembléias diocesanas da Igreja de Goiás. A Teologia da Libertação
estava, na verdade, dando os seus primeiros passos. O desafio maior
era avançar na prática de uma evangelização libertadora ( grifo no
original). Ela, uma vez dinamizada, tornar-se-ia fonte para a Teologia
da Libertação.
Esta evangelização tinha como base e fonte inspiradora a prática de
Jesus, e como desafio concreto a necessidade que a população tinha de
construir sua libertação em todos os campos da vida. Sem passos de
libertação social - em que abarcava o pessoal, o grupal, o econômico,
o político, e o cultural -, entendia-se que não se realizava verdadeira
evangelização. A vivência da mensagem de Jesus devia ter uma
dimensão histórica. Marcando mudanças e transformações nas pessoas
e nas relações sociais.
Em vista disto, creio ser importante destacar dois elementos da prática
de evangelização libertadora que vivenciei junto às comunidades
cristãs de Itapuranga.
1) a prática de ir ao encontro das pessoas nas roças e nas periferias da
cidade, convidando-as a participarem de encontros que tinham como
objetivo abrir a igreja local aos marginalizados pela sociedade e pela
igreja, criando oportunidade para que fossem os principais
responsáveis da renovação que se procurava realizar;
2) para que esta evangelização atingisse a vida de fé e a vida toda,
junto com a equipe diocesana foi inaugurado um caminho de refletir
sobre a vida toda com a luz da Palavra de Deus; concretamente, os
primeiros encontros de cada grupo de pessoas que aceitavam o convite
foram todos animados a partir da parábola do ARROZ E DO
TIMBETE; esse título indicava a tradução da palavra para a cultura
regional e, ao mesmo tempo, a vivência da força evangelizadora das
parábolas de Jesus em cada tempo e lugar, sem repetir mecanicamente
o que Ele criou para o seu tempo.32

Os primeiros encontros foram marcados pela presença expressiva dos


homens, mas nem todos faziam uso da palavra nas reuniões. Estas pessoas eram
convidadas a participarem dos encontros para falarem de seus modos de vida e de seus
trabalhos. A pequena participação feminina, neste momento inicial, deu-se mais em
função da forma como fora feito o chamamento, uma vez que importava “descobrir”
como se estrutura o mundo do trabalho, portanto, apenas o universo masculino. Com o

32
- Texto “Teologia da Libertação em Itapuranga”, escrito por Ivo Poletto em forma de depoimento a
pedido dos então estudantes do curso de História da UEG- Unidade de Itapuranga, s/d (grifo no original).
76

desenvolvimento da “Caminhada”, as mulheres assumem a organização e coordenação


dos Grupos de Evangelhos33.
O senhor José Lemes, assim descreve as primeiras reuniões que participou
junto à Equipe Diocesana:

Quando surgiu essa renovação da Igreja, que a gente chama de


Renovação, o padre começa a conversar com o povo, a chamar
atenção do povo, celebrar de frente do povo, dar atividade pro povo.
Eu me apaixonei por aquilo, tinha vontade de participar. E aí, surgiu
de fazer qualquer coisa. E aí, surgiu aqui não foi bem, assim, um
grupo original ( grifo meu) da Igreja, mas foi um grupo que apareceu
aqui. Darci Accorsi mais o Daniel que era professor do Colégio, aí
através do Ivo, que era Padre, nós ficamos sendo amigos. E aí, vamos
fazer um encontro no dia de domingo, pra conversar, a gente tem
muita coisa pra conversar. Convidei meus vizinhos, meus irmãos que
moravam aqui perto, parentes, sentamos aqui nesta sala e começamos
a conversar.34

Este sujeito apresenta uma questão importante para a implantação da Igreja


do Evangelho em Itapuranga, e que se apresenta em todas as entrevistas que fizemos
junto aos católicos envolvidos neste projeto de Igreja da Diocese de Goiás, em
Itapuranga: a presença dos leigos. Para esses leigos, o que importava era conhecer os
modos de vida desses católicos, suas histórias sobre o plantar, o colher, o vender.
Histórias de como “ajeitar roçado na meia”; de como podem juntos resolver seus
problemas. Dessa forma bem simples, bem “chão”, estava sendo dado os primeiros
passos rumo a uma nova metodologia de trabalho baseada nos ensinamentos de Paulo
Freire, principalmente relacionada com a educação como prática de libertação.
Ao método dialético, presente nos textos de Paulo Freire, juntava-se à
metodologia belga do Ver-Ouvir-Julgar. Para Sader (1988): “Com ele se pretende
efetuar uma reflexão crítica e voltada para a prática, de modo que as privações vividas
deixem de ser consideradas como fatalidades” (SADER,1988, p.159). Nesse sentido,
Ivo Poletto assim se refere às práticas de ensinamento/discussão:

Ao mesmo tempo, porém, não se deixou de ter cuidado e criatividade


em relação aos meios que possibilitavam a participação e o
crescimento nesta prática democrática. Houve muita atividade de
dinâmica de grupos (grifo no original), estimulando os participantes

33
- Christopher Hill, (2003) em apêndice do livro “A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII”,
sobre o papel político da Teologia da Libertação enfatiza a importância do livro de Êxodos como chave
para se compreender o valor da presença da mulher na libertação e na criação de um povo livre.
34
- Senhor José Lemes, pequeno proprietário de terra, entrevista realizada em julho de 1994.
77

a assumirem a sua palavra como a arma principal de sua libertação.


Foi isso que tornou possível o nascimento de novas formas de
organização popular, algumas delas a partir da superação das
contradições das velhas organizações.35

O autor Eder Sader (1982), ao problematizar o cristianismo das


comunidades de base, assim se refere ao estilo de pensar destas:

O estilo de pensar é referido à Teologia da Libertação e,


resumidamente, consistia em tomar como ponto de partida exposições
que testemunham as condições de vida da população, apresentadas
pelas próprias pessoas implicadas; efetuar uma reflexão teológica
sobre esses fatos, confrontando essa realidade vívida com as sagradas
escrituras; e concluir com a definição de pistas para a continuidade do
trabalho coletivo de evangelização. O diferente modo de ser Igreja é
referido ao aprendizado que fazem seus membros da vivência junto ao
povo, pensado não como gentio a ser convertido, mas também (ou
sobretudo) como encarnação do Espírito, cuja religiosidade
espontânea é valorizada como premissa para a atividade pastoral.
(SADER, 1982, p.163)

A forma de atuação apontada por Sader (1982) é a mesma que encontramos


em Itapuranga: convidam-se esses sujeitos a uma reflexão sobre sua realidade, e, a partir
dela, procura-se “transformar a sociedade”. Essa é a base de formação dos Grupos de
Evangelho36, que não podemos tomar como equivalentes às CEBs, fonte de origem e
sustentação da “Igreja do Evangelho”.
Uma definição das diferenças entre as CEBs e os Grupos de Evangelho nos
é apontada por Maria Pires, militante da Igreja de Goiás:

Com o tempo que foi se criando esses grupos foi deslanchando, hoje
já se fala em comunidade. Porque eu acho, que nem hoje mesmo a
gente não é uma comunidade, eu até gosto mais da idéia de ser grupo,
por que uma comunidade ela tem que viver mais, tensa, mais
envolvida, mais unida, eu acho que ainda não é, assim unidos para
chamar comunidade, mais a gente tá caminhando prá isso37.

Em Itapuranga, é priorizado redefinir os usos do mutirão, como práticas de


trabalho coletivo, direcionando-o para a ‘Evangelização Libertadora’: Os trabalhadores

35
- POLETTO, Ivo, s/d.
36
- Para PESSOA ( 1999) entre os G.Es e as CEBs existe um ponto de convergência e um ponto de
divergência básicos: ambos propõem uma prática religiosa voltada para a mudança das estruturas sociais.
Mas as CEBs buscam uma reestruturação eclesial - visam a criação de uma nova forma de se organizar a
Igreja. Já os Grupos de Evangelhos se parecem mais a propor mudanças pedagógicas do que
eclesiológicas. Criam uma nova metodologia de evangelização e não uma nova igreja.
37
- Entrevista realizada em 09 de julho de 1992.
78

eram estimulados para que se juntassem em mutirões para resolverem, juntos, as


dificuldades presentes no cotidiano. Através dessa prática, os pequenos proprietários de
terra, os lavradores, os diaristas, meeiros, enfim, uma parcela significativa dos católicos
de Itapuranga começaram a fazer parte da “Caminhada” juntos com a Igreja de Goiás.
Para Carmem Cinira Macedo, a noção de “Caminhada” pressupõe que:

O acontecimento nem está dado nem é plenamente arbitrário;


constrói-se nesse movimento coletivo em que os homens vão se
apropriando de significados e construindo - através deles - a dimensão
da sua existência. Essa é a chave para se compreender a ênfase na
noção de caminhada[...] ( MACEDO, 1986, p. 258).

Nesse período (1972 a 1975), temos a criação dos “Grupos de Evangelho”,


considerados, pelos católicos envolvidos com a nova proposta diocesana em Goiás,
como a instância maior de preparação e transformação dos católicos em “agentes
transformadores” da sociedade. É desse período também a luta pela conquista do
sindicato como “ferramenta” importante no processo de consolidação da “Caminhada da
Libertação” da Igreja de Goiás - a “Igreja do Evangelho”.
Em Itapuranga o mutirão foi usado como uma dessas ferramentas pela
equipe diocesana, como recurso pedagógico no processo de discussão e implantação da
“Igreja do Evangelho”, principalmente no que se refere à formação dos “Grupos de
Evangelho” e a “produção” dos primeiros “leigos” militantes da “Igreja do Evangelho”.
Essa metodologia do trabalho com o mutirão não é exclusivo à Diocese de
Goiás. Sader (1982) diz nos que: “[...] através das (iniciativas coletivas) as CEBs
atuaram no seu meio: um mutirão para levantar um salão paroquial, a organização de
uma creche comunitária, a mobilização para reclamar da falta de ônibus [...]”. (SADER,
1982, p.162).
Em decorrência dessa participação, os católicos de Itapuranga envolvidos
com o projeto diocesano acabaram por perceber que faziam parte de um projeto maior,
ou melhor, que havia “mais companheiros entrando na Caminhada da Igreja de Goiás”.
Conforme a fala abaixo citada, podemos perceber a importância dada às trocas de
experiências entre os católicos de Itapuranga com outras paróquias. O senhor José
Lemes, sobre esta questão nos diz em entrevista que:

[...] a gente trabalhava junto e cada um tinha sua lavoura, através de


mutirão começou até lastrar, fomos em mutirão lá prá Goiás, prá
Itaguaru, e ficou um mutirão muito grande, e era bom, cada dia
79

daquele a gente voltava com muito mais gás pra casa. Começava a
conhecer mais gente, mais companheiros que também tava
organizando um grupo, aí surgiu a diferença dos grupos, a experiência
de um servia para o outro.

Aos poucos, a Equipe Diocesana foi produzindo seu quadro de lideranças


locais, que passariam a responsabilizar-se pela produção do novo católico em
Itapuranga. Através do desempenho apresentado na organização dos mutirões locais,
bem como do poder de aglutinar pessoas e, obviamente, do carisma pessoal, eram feitos
convites às pessoas para participarem dos grupos de discussões do Evangelho à luz da
realidade. Estavam dados os primeiros passos rumo à formação dos Grupos de
Evangelhos em Itapuranga.
Durante os encontros com a Equipe Diocesana, iam sendo discutidos
problemas referentes à forma de se trabalharem a terra, questões referentes aos baixos
preços pagos pela produção rural, questões referentes à necessidade dos trabalhadores
rurais se juntarem em sindicatos. Posteriormente, irromperam as discussões sobre a
necessidade de se formarem os Grupos de Evangelhos em cada região de Itapuranga. E,
de dentro das discussões feitas nos Grupos de Evangelhos, surgiu a necessidade de
formação do sindicato dos trabalhadores rurais.
O uso que se fez dos mutirões como recurso pedagógico, em Itapuranga,
ultrapassou, em muito, as questões levantadas pelas experiências realizadas com roças
comunitárias em algumas Dioceses progressistas.
Nesse sentido, a experiência com o Mutirão em Itapuranga cumpriu seus
objetivos, visto que partia justamente das bases que faltaram para a experiência descrita
por Moura: a reciprocidade e a solidariedade dadas pelo pertencimento ao grupo.
Ressalta-se que a relação era mediada, primeiramente, por um certo grau de parentesco
que se estendia aos demais, via compadrio.
Ao que tudo indica, antes de se tornarem católicos que compartilhavam
experiências coletivas mediadas por agentes diocesanos, em Itapuranga, a realidade da
proposta mudancista apontava para elementos da vivência imediata desses sujeitos
católicos. O que se procurava discutir eram formas de organização dos trabalhadores
rurais para lutarem por seus direitos básicos, sendo que a experiência coletivista via
mutirão, por ser um elemento da tradição do mundo do trabalho rural goiano, não se
apresentou aos católicos envolvidos com esse projeto em Itapuranga como uma
construção revolucionária.
80

Nesta cidade pequena do interior do Estado de Goiás, a Igreja do Evangelho


teve como alicerces a experiência do cotidiano do mundo do trabalho rural presente no
saber fazer dos pequenos proprietários e trabalhadores rurais que mediavam/medeiam
suas relações pautadas pelo princípio presente na lógica do parentesco e dos laços de
reciprocidade.
Por outro lado, a formação de Itapuranga aponta elementos políticos e
culturais fundamentais para problematizarmos como se organizou as lutas sociais e seus
desdobramentos a partir da inserção da Igreja progressista na região. Não é apenas uma
rearticulação de discurso, mas sim, aspectos de uma nova metodologia de
evangelização, uma nova perspectiva de compreensão sobre a relação entre as diversas
compreensões das etapas da vida que, acreditamos já estavam posta para os sujeitos
mineiros que vivenciaram o processo da busca pela terra e que acompanharam, seja pela
narrativa, seja pela ação, os sucessos, as surpresas, os inúmeros emparedamentos, os
fracassos e as desilusões geradas com a realidade encontrada no lugar.
O que impulsiona grande parte desses sujeitos à ação é, dentre outros
elementos, sua disposição política que conta com fundamentos de sua memória de
migrante em busca de uma posição social, econômica melhor em outras localidades.
Obviamente, não podemos nos esquecer da memória da luta pela terra que ronda aquela
região de Ceres até Trombas e Formoso, no período em questão.
No entanto, toda essa experiência foi permeada por avanços e retrocessos,
por tensões e conflitos próprios das vivências de homens e mulheres lidando com as
condições de seu tempo, construindo possibilidades. Nesse desenrolar, verificam-se
elementos externos e internos ao grupo, marcando contornos de perspectivas, de
compreensão da realidade, de fundamento de projetos de vida, que se espraiam, e
marcam espaços, tais como os quadros das questões religiosas. Reordenar o universo
católico assentado em práticas de politização do cotidiano religioso gerou tensões que
provocaram esses sujeitos para ocuparem a cena urbana de Itapuranga.
Da “incivilidade” do passado às ações políticas, numa reorientação da ação,
do sentido de pertencimento, os católicos de Itapuranga, identificados com a nova forma
de “ser católicos” da e na Diocese , partiram para o enfrentamento das questões postas
pelo poder local nos anos de 1970 e 1980, numa perspectiva de transformação da
sociedade. Poder esse que, mirando o horizonte da política regional, articula um
discurso local centrado na perspectiva de empreender em Itapuranga uma política
81

articulada com o desenvolvimentismo nacionalista, acreditando como pertencentes ao


ideário do “Brasil Grande”. Desse projeto de administração pública, resultará um
enfrentamento com os militantes da Igreja do Evangelho, que produzira um combate
pela cidade, tanto nos anos de 1970 quanto nos de 1980.
82

2 COMBATES PELA CIDADE: a disputa pelo campo político em Itapuranga

Nos dias atuais, se nos dispuséssemos a andar, pelas ruas de Itapuranga,


depararíamos com uma cidade com características próprias que a diferenciaria das
demais cidades da região, nascidas no processo de expansão da fronteira no território do
Mato Grosso Goiano. Seguindo o enunciado proposto por Sandra Jatahy Pesavento
(2004), veríamos que “a cidade se apresenta como um palimpsesto”, tal qual um
flâneur, a perambular pelas ruas e praças da cidade procurando compreender que “A
cidade é, sobretudo, exibição de marcas do homem num universo mutável, e as
sociabilidades antigas seguem lugar às novas.” (PESAVENTO, 2004, p. 27).
Partiríamos em nossas andanças, no sobe e desce da topografia da cidade, buscando
compreender essas marcas distintivas da cidade.
Dividida entre a cidade do passado, representada pelo “Outro Lado”, o
Xixazão e a cidade do presente, o Xixazinho, verificamos, então, a existência de duas
cidades. Ademais, somos capazes de visualizar elementos se sobrepondo aos outros na
dimensão das construções das camadas da memória, sobre as transformações das formas
de construção e ocupação dos espaços da cidade. Essa divisão extrapola entre outros
elementos, os ressentimentos dos antigos moradores do Xixazão, se mostrando nas
configurações que a cidade toma, principalmente, ao longo dos anos de 1970 e 1980.
Constatamos mais do que uma paisagem marcada e demarcada, não somente pela
geografia do local, haja vista que o limite demarcatório das “duas cidades”, pela planta
urbana, é a Av. Farnésio Rabelo, avenida que homenageia o primeiro prefeito de
Itapuranga, do período de 1955 a 1959, pela UDN. Esse seria o ponto inicial de nossa
jornada pela cidade.
Mais do que dispor de um mapa da cidade e seguir pelas ruas, quadras,
bairros, orientando-se pelas demarcações da cartografia convencional, o que guiaria
nossas perambulações seria um mapa narrativo do lugar. A carta visual que demarcaria
extraterritórios. Freire (1997) nos diz que essa possibilidade de compreender as cidades
pelos mapas narrativos é uma proposta apresentada pelos Situacionistas Internacionais,
denominado de Naked City. Nesta perspectiva, “seus traçados, assim como a indicação
de seus pontos mais significativos, mostram o caminho que une diferentes setores,
realçam ruas e revelam monumentos da cidade investidos simbolicamente, ao passo que
apaga outros”. (FREIRE, 1997, p. 71).
83

O que se propõe é a possibilidade de busca das distintas narrativas sobre o


lugar através do andar a deriva, buscando entender essa cidade como esse teatro de
operações através de suas memórias e imaginárias. Desse ponto de partida, seguindo as
análises propostas por Freire (1997), o que se ressaltará será a busca pelas memórias da
e na cidade, isto é, as memórias dos embates pela cidade. Nessa perspectiva, os lugares
importam à medida que podem ser recipientes de lembranças.
Nas Crônicas do Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima,
Monsenhor Lincohn (1961) se referiu à divisão topográfica da cidade:

A cidade de Itapuranga está em franco desenvolvimento. Está dividida


por uma baixada que naturalmente separa-os em dois bairros: Xixá e
Xixázinho. Infelizmente esta divisão influenciou os ânimos dos
habitantes e determinou uma acentuada divisão política. O bairro do
Xixazinho, dada a melhor situação topográfica, vai progredindo mais.
(LTPNSF, 1961, p.3).

Essas duas questões apontadas no registro da paróquia são pertinentes para a


compreensão do processo de sobreposição de um lado da cidade sobre o outro: o rápido
desenvolvimento de Xixazinho em detrimento do ostracismo que dominou o Xixazão,
aqui apontado como resultante de uma melhor topografia. No entanto, o próprio cronista
já apresenta uma resposta plausível: O que está em jogo nesse processo de expansão são
as batalhas políticas, apresentadas como as divisões políticas.
Deslocar os locais de tomadas de decisões políticas do Xixazão para o
Xixazinho foi um ato de distanciar do poder os sujeitos tidos, no passado, como os
senhores da política local, pois era desse lado da cidade que moravam os grandes
fazendeiros da região, sujeitos que, por sua vez, comandavam as decisões políticas do
lugar.
Chegando ao Xixazão, nos dias atuais, por certo, não veríamos alguns
elementos da cidade do passado: o lugar do comércio, das vendas, o antigo armazém de
secos & molhados do “Bastião Preto”, descrito no Livro do Tombo da Paróquia de
Nossa Senhora de Fátima, ao lado de Orlando Campos, Lourival e José de Campos,
como praticante do “espiritismo de macumba”.
O responsável por registrar as Crônicas da Igreja questiona, na crônica do
dia 31 de dezembro de 1969, se os católicos de Itapuranga são mesmo todos católicos,
pois, para o referido monsenhor, há um número significativo de católicos se
relacionando com o ‘espiritismo de macumba’, que tem suas origens na cidade de
84

Itapirapuã. Reafirma que essa prática preocupa muito por estar levando muita gente
(LTPNSF, 1969).
Seguindo nosso trajeto imaginário, encontraríamos o bar do Napoleão, mas,
no entanto, sem a importância política que outrora ocupara no cenário local,
principalmente, entre os homens do Xixazão. Napoleão Lima de Moraes foi presidente
da Câmara dos Vereadores de Itapuranga de setembro a dezembro de 1958, eleito pelo
PSD. Esse era um dos pontos onde os homens se reuniam para discutir a política da
cidade e tomar suas decisões.
Continuando o trajeto pelas ruas da atual Itapuranga, passaríamos pelo
antigo prédio do Banco do Brasil, na Avenida Anhanguera, pela Escola Coronel
Virgílio José de Barros, na Rua 36 e subindo a Rua 51, voltaríamos à sede do CRI –
Clube Recreativo de Itapuranga. Do Clube, pela Rua 34 retornaríamos ao prédio do
antigo Cine-Continental, lugar onde funcionou, num anexo, a Câmara Municipal dos
Vereadores nos seus primeiros tempos, localizado ao redor da Praça Dr. Cunha Lima.
(Rua 34 C/ Av. Dr. Olavo Bilac Marinho) (Ver Anexo C, Figura 3).
Como na maioria das praças espalhadas pelas cidades brasileiras, a Praça
Dr. Cunha Lima (Ver Anexo C, Figura 4) era o lugar de encontros das moças e rapazes,
principalmente, depois das missas na Igreja de Nossa Senhora de Fátima e nas ocasiões
das festas religiosas dos santos do lugar, sobretudo a de São Sebastião. O espaço se
transformava no lugar mais expressivo para as sociabilidades, momentos de travar
conhecimentos, arranjar namoro, mas também momentos de acertar empreitas e afazeres
nas roças e fazendas. Essa Igreja localiza-se, como já dissemos, na saída para a cidade
de Goiás, num dos pontos mais altos do município. De sua porta pode se ter uma vista
panorâmica de boa parte do Xixazinho. (Ver Anexo C, Figura 5).
Um pouco antes do prédio da Igreja, passaríamos pelo também abandonado
prédio do Hospital São Sebastião, que era administrado pelo Dr. Sebastião, esposo de
Magali Olinta de Oliveira, primeira mulher eleita vereadora em Itapuranga. Segundo
Vianês (2000, p.65), a senhora Magali recebera 522 votos (12,21%), num total de 4.276
votos, ficando em quarta posição dos mais votados naquela eleição. A primeira posição
ficou com o senhor Adélio de Morais Pessoa, com 690 votos (16,14%), ambos eleitos
pela ARENA, em 1976.
Retornando de nossa caminhada, desceríamos a Avenida Anhanguera,
passando pelo prédio abandonado da pensão da Dona Maria Camilo, local marcado, no
passado, pela frequência dos homens da política local. (Ver Anexo C, Figura 6).
85

Logo um pouco abaixo, veríamos o prédio onde funcionou, por muito


tempo, a estação rodoviária, que instigantemente se localizava na margem direita do
córrego, conforme Marc Augé (1994) como que configurando um não-lugar. Aqui, num
região fronteiriça da cidade, o não-lugar fugidio, efêmero, da estação rodoviária,
convive lado a lado com o lugar simbólico da passagem. Espaço de transição entre dois
pontos. Marc Augé (1994) assim define a ideia de lugar:

O lugar, como definimos aqui, [...] é o lugar do sentido inscrito e


simbolizado, o lugar antropológico. Naturalmente, é preciso que esse
sentido seja posto em ação, que o lugar se anime e que os percursos se
efetuem, e nada proíba falar de espaço para descrever esse
movimento. [...] incluímos na noção de lugar antropológico a
possibilidade dos percursos que nele se efetuam, dos discursos que
nele se pronunciam e da linguagem que o caracteriza. (AUGÉ, 1994,
p.76-77).

Desse ponto, retornaríamos à cidade do presente: o Xixazinho. Não sem


antes pararmos por alguns instantes nos bancos da Praça das Mães, inaugurada em
1971, na administração do prefeito Warner Carlos Prestes, situada na Rua 43 A, esquina
com a Rua 40, já no início da subida (Ver Anexo C, Figura 7)
Novamente, temos aqui um marco divisório da cidade. A 40, como era
conhecida, se configura no mapa imaginário da cidade também como um lugar de
fronteira: Aqui, duplamente fronteira: era o lugar do bataclan, o cabaré, lugar limite da
cidade. No passado, estas eram ruas de acesso difíceis, esburacadas, mal iluminadas.
Em 03 de maio de 1974, o presidente da Câmara Municipal de Itapuranga,
senhor Osmar Barbosa de Oliveira, vereador pela Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), enviou oficio de número 07/74 para o senhor Prefeito João Alberto Rabelo
Costa, solicitando deslocamento da “Zona Boemia” em caráter de urgência. O
presidente destaca que tal requerimento teve aprovação unânime; o instigante do
documento é que se propõe a construir no local um hospital (Ver Anexo C. Figura 9).
Destaca-se que o discurso central da administração municipal, naquele momento, era a
modernização da cidade.
Conhecedores do espaço urbano, procuraríamos compreender a mensagem
contida na placa inaugural dessa praça tributada às mães de Itapuranga, não apenas em
relação ao tempo de sua construção, mas também como uma busca de legitimação do
poder administrativo.
86

Figura 1 - Placa da Praça das Mães -2008.


Autor: COSTA, I. C. (2008).

Os dizeres da placa remetem a uma busca de imposição de uma moralidade,


uma intencionalidade de construir louvores à figura materna. Mais uma vez, a
reafirmação da responsabilidade materna sobre a construção do caráter dos filhos, não
para o engrandecimento do indivíduo, mas da sua cidade, do seu país. O que interessa e
o que se pode subentender é que esses filhos sejam capazes de responder ao chamado
cívico de se construir um Brasil Grande.
Prosseguindo, subiríamos pela Rua 45, deixando para trás a “cidade do
passado” e entraríamos na Itapuranga dos anos setenta e oitenta do século XX, tempo
em que a cidade se apresenta com um traçado urbano moderno, ruas arborizadas,
algumas avenidas de canteiros centrais arborizados, como a Avenida Agoncílio da Silva
Moreira e a Avenida Tancredo Neves, ambas na saída para Goiânia, além da Avenida
Anhanguera, que corta parte da cidade desde a Praça Castello Branco até a saída para a
cidade de Goiás.
Voltando a caminhar por esse lado da cidade, depararíamos com várias
outras pequenas praças espalhadas pelo local, dentre elas: a Praça do Lavrador; situada a
Rua 49 – Prof. José Nunes de Lima; a Praça 13 de Novembro, situada na Rua 40 A
87

esquina com a Rua 47; a Praça Castello Branco uma praça ampla, com fonte luminosa,
coreto, com projeto paisagístico moderno.
A partir da afirmativa de Maria Izilda Santos de Matos (1990) de que

A paisagem urbana vai-se impondo como um documento a ser


lido, como um texto a ser decifrado. Cabe ao investigador
entender esse emaranhado de tempos-espaços e memórias,
recuperar as camadas e as suas relações, decifrar seus enigmas,
numa arqueologia social. (MATOS,1990, p.10).

Concluiríamos que Itapuranga é uma cidade-documento. Nessa perspectiva,


a paisagem urbana de Itapuranga conta várias histórias. Não apenas uma história do
lugar, uma memória da cidade, centrada na dimensão do poder como um discurso que
carece de visibilidade, de ritualização, que necessita ser, cotidianamente, encenado,
levado a público, mas a história de um período de enfrentamentos entre o poder público
e os sujeitos dos movimentos sociais mediados pela Igreja Popular naquela localidade.
Itapuranga comporta duas cidades, a saber. Uma é visível, presente nos
lugares produzidos para serem lugares de memória, nos monumentos que, construídos
para fazer lembrar e festejar, perduram enquanto produzirem sentidos: na Praça Castelo
Branco, no Prédio da Prefeitura, do Fórum, do Colégio Estadual. Pensando nessa
perspectiva da cidade como cenário para a efetivação de uma dada memória
administrativa, é Le Goff (1990) que nos informa:

A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-européia men,


que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a
memória (memini). O verbo monere significa ‘fazer recordar’, de onde
‘avisar’, ‘iluminar’, ‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado.
Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que
pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos
escritos. [...] Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a
especializar-se em dois sentidos: 1) uma obra comemorativa de
arquitetura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico,
etc; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a recordação de
uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente
valorizada: a morte. ( LE GOFF, 1990, p.535).

A outra emerge como uma cidade invisível, a cidade onde nos anos de 1970
e de 1980, os homens e mulheres da Igreja de Goiás em Itapuranga lutaram por
sindicalismo rural, saúde pública, educação, direito à propriedade da terra, enfim, por
88

direitos políticos, numa época marcada pelo regime de exceção. Dessa cidade nos foi
legado memórias, experiências que nos são apresentadas se nós as provocarmos. Nesse
sentido, a provocação é parte de um processo de compreensão e reconhecimento dessas
lutas como capítulos dos combates e embates travados entre sujeitos que se opunham na
arena simbólica e real na disputa pela cidade.
Tendo por base a ideia de uma cartografia afetiva proposta por Freire,
podemos construir uma interpretação desses lugares de memórias percebidos a partir do
efeito produzido pelo deslocamento no espaço urbano. Na medida em que esse andar é
direcionado pela articulação de ler a cidade, leitura pautada pela busca dos
enfrentamentos políticos inscritos num determinado momento, podemos concordar com
Freire (1997), quando ela declara que:

O andar pela cidade é princípio indispensável para que se estabeleça


com os monumentos uma relação. É preciso, inicialmente, observá-los
com atenção para vê-los, e esse encontro pode ter muitas nuanças. Se
não passarem totalmente despercebidos, se a velocidade do
deslocamento não for muito acelerada, podem até despertar
lembranças, reavivar emoções e desencadear narrativas. (FREIRE,
1997, p.124; grifo do autor).

As praças de Itapuranga, construídas ao longo das duas administrações do


então prefeito Warner Carlos Prestes, foram arquitetadas para serem monumentos em
uma época, caracterizada, nos discursos oficiais; pelo desenvolvimento e pelo
progresso, tanto no Brasil como um todo, quanto em Itapuranga no particular. Em todas
as praças desse período que olharmos, veremos cristalizada uma dada memória política
de Itapuranga que abarca principalmente os anos de 1970.
Ora, o que de história do regime militar pode ter a ver com uma cidade no
interior de Goiás pode configurar o questionamento de alguns. Muitas histórias, muitas
memórias, possivelmente respondemos. Algumas, já pesquisadas, desveladas tanto por
nós quanto por outros historiadores já apontados por nós, além de outras tantas ainda
por serem pesquisadas, como temos apontado em consonância com o itinerário que
traçamos ao caminhar pela cidade de Itapuranga.
89

2.1 Praças&Placas.

Figura 2 - Busto do Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco – 2008.


Local: Pç ‘Castello Branco’. Ao fundo fachada da IURD.
Autor: COSTA, I. S. (2008).

Segundo Murillo Marx (1980), as praças surgiram no Brasil ao redor de


igrejas, capelas, conventos, cumprindo papel de serem espaços de reunião de gente e
para o exercício de um sem número de atividades diferentes. As praças continuam a
exercer, nos dias atuais, as mais variadas funções desde as de estética até as comerciais.
O mesmo autor preconiza que, no entanto, as praças cívicas, diante de edifícios públicos
importantes, são raras entre nós. Pode-se dizer, em suma, que se tratam de exceções.
Não é incomum pelo interior de Goiás encontrarmos os prédios públicos ao
lado de praças. É o caso, por exemplo, de Itapuranga (GO).O Palácio da Promissão,
90

construído no ano de 1981 pelo prefeito Dr. Warner Carlos Prestes, se localiza na Rua
48, em frente à Praça Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Murillo Marx
(1980), assim nos diz na origem das praças no Brasil:

Logradouro público por excelência, a praça deve sua existência,


sobretudo, aos adros das nossas igrejas. Se tradicionalmente essa
dívida é válida, mais recentemente a praça tem sido confundida com
jardim. A praça como tal, para reunião de gente e para exercício de um
sem-número de atividades diferentes, surgiu entre nós, de maneira
marcante e típica, diante de capelas ou igrejas, de conventos ou
irmandades religiosas. Destacava-se, aqui e ali, na paisagem urbana
estes estabelecimentos de prestígio social. Realçava-lhes os edifícios;
acolhia os frequentadores. (MARX,1980, p.50).

A praça como lugar não apenas de descontração, como oposição da


dimensão privada da casa, ou como espaço diferenciado dos jardins, assume, desse
modo, funções de regulação da vida urbana. Para Nelson Saldanha (1993):

A praça é pensada como um espaço amplo, que se abre na estrutura


interna das cidades, como uma confluência de ruas, ou de qualquer
sorte uma interrupção nos blocos edificados. Um espaço onde em
geral se encontram árvores, bancos, eventualmente monumentos, em
alguns casos pequenos lagos artificiais. (SALDANHA, 1993, p.14).

No croqui abaixo observarmos que a Praça ‘Castello Branco’ é um espaço


que referenda o poder público em Itapuranga. Ao redor dela estão todos os lugares
oficiais de poder, de tomada de decisões da cidade. Assim, a prefeitura está postada de
frente para ela, o fórum até o ano de 2010 também se situava próximo, na Av.
Anhanguera. Nos dias atuais, esse espaço é ocupado por várias secretarias da Prefeitura;
do outro lado pela Rua 47, estão a Câmara dos Vereadores, o posto de saúde do
município, a Agenfa Estadual, a agência do IPASGO e a Cadeia Pública, o que o
configura como um quarteirão administrativo.
Dois prédios importantes na história de Itapuranga também se localizam
próximos à Praça: A sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, na
Rua47 esquina com a Rua 50 A e a Igreja Cristo Redentor, situada na Rua 47 A, esquina
com a Rua 46. Esses foram espaços de grande referência política, principalmente nos
anos de 1970.
91

Figura 3 - Croqui da Praça Humberto de Alencar Castello Branco. Ao seu redor os prédios
públicos, a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga e bem próximo, a Igreja
Católica Cristo Redentor.
Autor: Costa, W. S.

É lícito dizer que a praça assume a dimensão de ser pública, em oposição


aos jardins que são eminentemente privados. Continuando o jogo de oposições,
Saldanha (1993) nos apresenta a seguinte conclusão:

O jardim encerra a biografia, a praça a história; um é introvertido, a


outra extrovertida. Dois momentos, duas dimensões do humano e de
92

sua projeção nas ( ou sobre as ) coisas. Dir-se-ia também que no jardim


o espaço se põe em função das plantas, enquanto que na praça o espaço
é o principal. Em função do espaço se colocam árvores e monumentos.
(SALDANHA,1993, p.38).

Regina Dalcastagné (1996), analisando o regime militar em alguns


romances brasileiros, aponta como a praça pública é o lugar central das manifestações
tanto da arbitrariedade do regime, quanto das formas que os cidadãos criam para
combater a opressão. A praça assume uma função de criar possibilidades de
associações. É o espaço onde o indivíduo pode se expressar sem o grande risco de
identificações, uma vez que pressupõe uma maior invisibilidade individual, o que
prepondera é a massa coletiva, a multidão. Para a autora:

A praça, ao contrário dos salões, é um espaço público, território da


manifestação popular. Nela se fazem discursos, celebram-se vitórias,
encontram-se velhos amigos. Nas cidades pequenas ela costuma ficar
entre a igreja, a escola e o comércio, no centro da vida da comunidade.
Por ali passam crianças, namorados, pais de família e, sobretudo,
senhores aposentados, que lêem jornais e se espantam com o curso dos
tempos. Nela se protesta, reclama-se do aumento do pão e do
comprimento da saia da filha da vizinha, fala-se mal do prefeito, do
sapateiro e do presidente. (DALCASTAGNÉ, 1996, p.77).

No romance Os Tambores Silenciosos, de Josué Guimarães, publicado em


1976, a narrativa gira em torno do boicote que a população faz às comemorações da
Semana da Pátria, promovida pela Prefeitura. No romance, o esvaziamento do evento
provoca, em efeito cascata, uma crise ao poder estabelecido, resultando nas deposições
dos corruptos e a tentativa da busca pela ordem.
Ao contrário de Lagoa Branca, cidade fictícia onde se passa a trama
do romance, em Itapuranga o ‘07 de Setembro de 1972’ levou uma multidão às ruas,
para participarem das grandes inaugurações, o que redundou em um dia marcado por
grandes comemorações.
Ler os sinais produzidos ao longo dos anos de 1970 pelo poder público
municipal em Itapuranga é buscar compreender os processos de construção de uma
memória da cidade apta a enfrentar os discursos e ações dos movimentos sociais de
base. Nessa direção, os atos comemorativos do Sesquicentenário da Independência do
Brasil em Itapuranga são fundamentais para delinearmos as posições as quais esses
sujeitos ocuparam na disputa pela supremacia no campo político daquele município.
93

A praça que maior visibilidade deu às comemorações do Sesquicentenário


da Independência é a que homenageia o Marechal Humberto de Alencar Castello
Branco, a popular “Castello Branco”. A idealização da obra, ainda no ano de 197038,
demonstra um planejamento para se realizar a homenagem a Castello Branco e, pela
quantidade de obras inauguradas no ano de 1972, acreditamos que esse evento
comemorativo foi organizado com bastante antecedência.
A placa inaugurativa da Praça “Castello Branco” possibilita pensar que
houve o intento de fazer desse presidente o herói da “revolução de 64” para aquela
localidade. Vejamos:

NO SESQUICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA O POVO DE


ITAPURANGA, NO MESMO SENTIMENTO DE ORGULHO
NACIONAL PELA PÁTRIA COMUM, COM CARINHO
ESPECIAL, QUER HOMENAGEAR O MARECHAL HUMBERTO
DE ALENCAR CASTELO BRANCO, O PRIMEIRO
PRESIDENTE DA REVOLUÇÃO, QUE ABRIU CAMINHOS
PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PÁTRIA,
ESTABELECENDO A MORALIDADE PÚBLICA,
FORTALECENDO OS MUNÍCIPIOS E INTEGRANDO O
HOMEM BRASILEIRO À JORNADA COMUM PELO
DESENVOLVIMENTO. COM ESTA OBRA, A PREFEITURA
MUNICIPAL MOSTRA QUE ITAPURANGA É TAMBÉM
BRASIL GRANDE.
ITAPURANGA, 12 DE? DE 1972. ( o mês foi raspado)
WARNER CARLOS PRESTES – PREFEITO MUNICIPAL
JOÃO ALBERTO R. COSTA – VICE-PREFEITO’

(PLACA INAUGURATIVA DA PRAÇA CASTELLO


BRANCO, 1972, s/p; grifos nossos)

José Murilo de Carvalho (1990), em seu estudo sobre Tiradentes, tido como
um herói no imaginário da República no Brasil permite pensarmos que a administração
pública de Itapuranga também via em Castello Branco o herói que toma para si a
condução dos rumos da nação. O herói é o homem incomum, forte, valente o suficiente
para se impor frente aos demais. É o que elucida a seguir:

38
- Projetada pelo engenheiro civil Ildes Vieira de Moura, CREA 3998/D 4º R, da AVM, com sede, à
época, na cidade de Uberlândia-MG, à Av. João Pinheiro, 512 Sala13. Tinha o número de registro de
projeto 071001, datado de 19 de janeiro de 1970. (Documentação da Pref. Mun. De Itapuranga - Ginásio
Anísio Martins)
94

Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações,


pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso,
instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a
serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regimes que
promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em
alguns, os heróis surgiram quase espontaneamente das lutas que
precederam a nova ordem das coisas. Em outros, de menor
profundidade popular, foi necessário maior esforço na escolha e na
promoção da figura do herói. É exatamente nesses últimos casos que o
herói é mais importante. A falta de envolvimento real do povo na
implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da
mobilização simbólica. Mas, como a criação de símbolos não é
arbitrária, não se faz no vazio social, é ai também que se colocam as
maiores dificuldades na construção do panteão cívico. Herói que se
preze tem que ter a cara da nação. Tem que responder a alguma
necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de personalidade
ou de comportamento que corresponda a um modelo coletivamente
valorizado. ( CARVALHO, 1990, p. 55).

Não fora isso que Castello Branco fizera? Para os rincões de Itapuranga não
importava, naquele contexto comemorativo da memória de Castello Branco, as
promulgações dos Atos Institucionais, as divergências e incoerências que esse “herói”
promoveu, para consolidar a ditadura no Brasil. O preço que a nação pagou não
importava na contabilidade final, porquanto o que contava era que a Pátria, agora uma
nova Pátria, havia sido reconduzida à Ordem. Ocorreu que, a morte trágica de Castello
Branco em acidente aéreo, no dia 18 de julho de 1967, produziu o efeito final para sua
transmutação na figura do herói.
No dia 02 de agosto de 1967, fora apresentado à Câmara Municipal de
Itapuranga, pelos vereadores: Otacílio Rodrigues Gouveia, Tubertino Bernardo de
Souza, Ovídio de Moraes Preto e Raimundo Ribeiro, todos da ARENA, um
requerimento com o seguinte teor:

Itapuranga, 2 de agosto de mil novecentos e sessenta e sete, “1967”,


Exmº Sr. Sebastião Santana dos Reis.
DD. Presidente da Camara Municipal de Itapuranga.
Nesta:
Nós vereadores abaixo assinado vem perante V.Exa., requerer seja
constado em ata um voto de pesar pelo desaparecimento tragicamente
do grande líder Revolucionário Mal. Humberto de Alencar Castelo
Branco, fato este acontecido no dia 18 de julho p.p, que sem duvida
alguma veio enlutar todo território nacional.
Sala das sessões da Camara Municipal de Itapuranga, aos 2 dias do
mez (sic) de julho de mil novecentos e sessenta e sete.
95

O segundo grifo, que fizemos no texto da placa da Praça Castello Branco –


“Fortalecendo Os Municípios”, remete à participação que o prefeito Dr. Warner Carlos
Prestes teve no grupo dos municipalistas goianos. Segundo Paula Coutinho (2005), do
Jornal da Imprensa39:

Em meados dos anos 60 surgia uma consciência política


diferenciadora para a época. Era o grupo dos municipalistas goianos
formado por lideranças de várias matizes ideológicas e atividades
políticas e profissionais. Políticos e prefeitos que queriam dar à
sociedade dos municípios goianos maior autonomia. (COUTINHO,
2005, p.1).

Essa organização reestruturou a AGM – Associação Goiana dos Municípios.


Itapuranga sediou a primeira reunião regional de municípios. Em 1972, por ocasião das
comemorações do Sesquicentenário da Independência, essa entidade lançou o slogan:
“É no município que se constrói o Brasil”. Consolidando-se assim, o ideário do fazer
parte, do integrar-se a um projeto maior de Nação. O que se firmaria na afirmativa da
placa de que: ‘Itapuranga É Também Brasil Grande ’.
Lynn Hunt (2007, p. 37) afirma, analisando as transformações políticas
culturais advindas da Revolução Francesa, que “Investir ações simbólicas de significado
político deu às diretrizes, aos indivíduos e às organizações especificas um impacto
maior do que teriam em tempos não revolucionários”. Os dizeres da placa da Praça
Castello Branco são ações simbólicas que buscaram construir uma leitura particular do
lugar para as mudanças estruturais pelas quais a Nação passava. Ao afirmar que
‘Itapuranga é também Brasil Grande’, expõe-se toda uma lógica da política do lugar
para suplantar as dimensões das dificuldades de se fazer política no interior do Brasil.
Isso se configura, acreditamos, num jogo de produção de um imaginário do
pertencimento ao projeto de desenvolvimentismo presente no ideário do “Brasil
Grande” propagandeado pelo “milagre econômico” brasileiro . Mais do que firmar-se
como cidade referência no Vale do São Patrício, Itapuranga almejava, mesmo que
simbolicamente, transpor os limites impostos pelas dificuldades administrativas
municipais e ser uma cidade grandiosa, bem urbanizada, com uma administração apta a
compreender o que estava ocorrendo no plano nacional. Prado e Earp (2003), analisando
a economia brasileira nesse período, afirmam que:

39
- COUTINHO, Paula, “É no município que se constrói o Brasil”, Jornal da Imprensa, 29/01/2005,
acessado em : www.jornaldaimprensa.com.br, em 20 de março de 2011.
96

A expressão milagre econômico foi usada pela primeira vez em


relação à Alemanha Ocidental. A rapidez da recuperação desse país na
década de 1950 foi tão inesperada que muitos analistas passaram a
chamar o fenômeno de milagre alemão a expressão foi posteriormente
repetida para o crescimento japonês na década de 1960. Finalmente,
na década de 1970, a expressão milagre brasileiro passou a ser usada
como sinônimo do boom econômico observado desde 1968 – e
também como instrumento de propaganda do governo. (PRADO e
EARP, 2003, p.219).

Para Carlos Fico (1997), a demanda por um país grande, desenvolvido, não
é exclusivo dos governos militares, principalmente no período do “milagre econômico”.
Também, em vários momentos na história do Brasil, vivenciou-se um otimismo
exacerbado, expresso, por exemplo, na construção de Brasília, na integração do
território no programa da Marcha para o Oeste, enfim, em vários momentos que
apontaram para a positividade do progresso e do desenvolvimento. Para Fico (1997):

Tais perspectivas positivas sempre retornam em fases de alguma


estabilidade econômica e/ou política – justamente porque não são
simples instrumentalizações ideológicas, e sim porque se fundam num
imaginário secular que não é de todo imotivado nem desconectado do
poder efetivo. Assim, não surpreende que o contexto do chamado
milagre econômico tenha sido propício ao desenvolvimento da
retórica sobre a grandeza viável e tangível do Brasil. [...] Nesse
sentido o Golpe de 64 deveria ser entendido por todos como o marco
de um novo patamar temporal, qualificado e legitimado pelas
conquistas que ia obtendo. (FICO, 1997, p.77).

Como se estivéssemos diante de um enredo de um romance de José J.


Veiga, um dos autores estudado por Dalcastagné (1996), surpreendemos-nos ao
depararmos com a escritura de venda e compra do terreno onde seria construída a Praça
Castello Branco. O vendedor é a Paróquia Nossa Senhora De Fátima, e quem assina a
escritura de venda pela Paróquia é Dom Tomás Balduino. A Escritura é datada de 19 de
abril de 1971, número de Transcrição 11.864, folhas 156, do Livro 3-; na escritura, já
constava a destinação a que seria dado ao terreno. Na área que era da Igreja, o poder
público municipal erige o grande monumento ao primeiro ‘presidente da Revolução’.
Novamente, nos remetemos à Dalcastagné (1996, p.77) que nos diz: “Mais
do que um espaço físico, a praça é uma imagem incrustada na memória coletiva”.
Compreender esse período da história local de Itapuranga, caminhando pela Praça
Castello Branco em busca de sinais da memória da cidade, é um exercício de ver o
97

poder nas pequenas fissuras do cotidiano. Perseguir os rastros dessa memória da praça
como lugar de vivências de aprendizado do fazer político é também perseguir os
caminhos por onde essa história particular procurou trilhar nos rumos da história
nacional. Mesmo no período pós-abertura política a praça se mostra como o lugar das
manifestações públicas e, mais do que isso, não é qualquer grupo que pode usufruir
desse espaço.

Figura 4 – Concha acústica da Pç. Castello Branco. Observe ao fundo à esquerda a sede do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga.
Autor: COSTA, I. S. (2010).

O grande exemplo da dificuldade de diálogo entre o poder público


municipal e os movimentos sociais em Itapuranga pode ser expresso na forma como a
prefeitura, por intermédio de seus representantes, dificultava o uso da praça para
eventos de caráter político oposicionista.
Na verdade, era bem mais fácil conseguir autorização da Prefeitura para
realização de cultos evangélicos, do que para comícios. Conforme oficio 135/86, de 07
de novembro de 1986, assinado pelo Prefeito João Batista da Trindade, dirigido a
Baltazivar dos Reis Silva, Presidente do Diretório do Partido dos Trabalhadores de
Itapuranga, que transcrevemos abaixo (Ver Anexo C, Figura 10).

Sr. Presidente,
98

Acusamos o recebimento do Ofício nº 12/86 de o6 de novembro de


1.986, onde nos solicita a concessão do coreto da Praça Castelo
Branco para realização de comício do Partido dos Trabalhadores.
Lamentamos ter que lhe informar que esse dia já está designado para
realização de Culto Ecumênico das Igrejas Evangélicas naquele local,
em comemoração ao 33º aniversário da nossa cidade, conforme
programa já elaborado e do conhecimento público. Em outra data
qualquer, dito local está a disposição para qualquer evento. Sem mais
para a oportunidade, reiteramos a V.Sa. os nossos protestos de estima
e consideração.
João Batista da Trindade
Prefeito Municipal

Figura 5- Fonte luminosa da Pç. Castello Branco.


Autor: COSTA, I. S. (2010).

Quando as solicitações de uso da Praça eram liberadas pela Prefeitura, estas


eram acompanhadas de tantas recomendações que fugiam as possibilidades de controle
do espaço público em situações de aglomeração, concentração política, como indica o
Ofício 057/82, (Anexo C, fig. 11) transcrito abaixo, emitido pela Secretária da
Administração e endereçado ao Presidente do Diretório do Partido dos Trabalhadores de
Itapuranga, Sr. Dorvalino José de Campos. Vejamos:

Of. 057/82 Itapuranga, 15 de Outubro de 1982.


Ilmo. Sr.
Dorvalino José de Campos
99

DD. Presidente do Diretório Municipal do PT


NESTA
Prezado Senhor,
Comunicamos, que o Prefeito Municipal,
prazeirosamente liberou a Praça Castelo Branco, para que o Partido do
(sic) Trabalhadores (PT) realize seu comício politico.
Na oportunidade solicitamos que seja preservada a
referida Praça, evitando que plantas e o coreto sejam estragados.
(grifo nosso)
Certos de sua colaboração, desejamos sucessos nos seus
trabalhos e renovamos nossos protestos de estima e elevado apreço.
Atenciosamente

Maria Helena de Souza


Secretária da Administração

Nos dias atuais, do lado esquerdo da Praça, na Rua 50 A, funciona a Igreja


Universal do Reino de Deus. A praça era e ainda continua sendo caminho de passagem
para os ‘crentes’ da Igreja Batista, que se localiza na Rua 47, da Igreja Presbiteriana e
da Assembleia de Deus, ambas na Rua 52-A.
Ainda do lado esquerdo da Praça, mais precisamente na esquina da Rua 50
A com a Rua 47 A, encontramos a placa inaugurativa do sistema de retransmissão do
Canal 02 da Televisão Anhanguera. Se atentarmos para o fato de que essa empresa
iniciou as operações em Goiás no final de 196340 e que, em junho de 1970, Itapuranga
inaugurava o sistema receptor, portanto, um intervalo de sete anos, que nos permite
concluir que os dizeres da placa são portadores de desejo de integração com o mundo.
Esther Hamburger (1998), estudando o papel das novelas no cotidiano
brasileiro, remete ao processo de expansão da televisão no Brasil:

Em 1950, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados,


inaugurou a primeira emissora de televisão no Brasil, a Tupi de São
Paulo. [...] a Tupi logo expande seu raio de alcance criando as
Emissoras Associadas com afiliadas em outras capitais. Em 1955 a
rede já possuía estações no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba,
Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém,
Goiânia e Belo Horizonte. [...] Mas apesar da proliferação inicial de
emissoras na região sudeste, é somente a partir dos anos 70 que a
indústria de comunicação eletrônica se consolida [...]
(HAMBURGER, 1998, p.444).

40
- Conforme site da Tv Anhanguera: http://www.tvanhanguera.com.br/historia.htm, acessado em 17 de
março de 2011.
100

Sobre o processo de expansão dos aparelhos de televisão nos lares


brasileiros, Hamburger (1998) afirma que, na década de 1970, houve um crescimento
maior de aparelhos na região centro-oeste em detrimento do nordeste, por exemplo.

Em 1970, vinte anos depois da inauguração da TV Tupi, somente


24,11% dos domicílios brasileiros contavam com ao menos um
aparelho de televisão. Esses domicílios se concentravam no litoral e
nas regiões sul e sudeste [...]. Mas mesmo no Sudeste, onde se
encontrava a maior porcentagem de domicílios com TV, esse numero
não chegava à metade, ficando nos 40,64%. No Nordeste, onde se
achava a menor proporção de domicílios com TV, tal porcentagem
não passava de 6,28%. É interessante notar, acompanhando-se as
modificações econômicas do período, que o número de domicílios
com televisão na região centro-oeste cresceu rapidamente,
ultrapassando a região nordeste. (HAMBURGER, 1998, p.447-448).

Figura 6 – Placa inaugural da Torre de Retransmissão.


Autor: COSTA, I. S. (2010).

No entanto, o que nos chama a atenção no trabalho de Hamburger (1998) é


sua afirmativa de que, a partir de 1964, com o militares no poder, há uma expressiva
expansão e mudança na qualidade da televisão brasileira. Pois para esses, a televisão era
um forte aliado no processo de divulgação das políticas de desenvolvimento.
101

As telecomunicações foram consideradas estratégias na política de


desenvolvimento e integração nacional do regime. Os militares
investiram na infraestrutura necessária
ria à ampliação da abrangência da
televisão e aumentaram seu poder de ingerência na programação por
meio de novas regulamentações, forte censura e políticas culturais
normativas. (HAMBURGER, 1998, p.454)

Inaugurar uma torre retransmissora no início dos anos


anos de 1970, em
Itapuranga, era um projeto de transformação sociocultural do lugar sem precedentes.
“Somos agora definitivamente parte do universo”, o elo que faltava nessa conexão com
o mundo exterior, representado pela televisão estava definitivamente sanado.
san

Figura 7 - Placa Estação Rodoviária de Itapuranga.


Autor: COSTA, I. S. (2008).
102

Somos levados a pensar que Dr. Warner Carlos Prestes tinha um projeto de
transformação de Itapuranga, que faria do lugar um modelo a ser seguido por todos os
municípios do Vale do São Patrício. Um dos ideários do desenvolvimentismo do
período, que era a grandeza, reaparece nos dizeres da placa inaugurativa da Estação
Rodoviária, em 1978, já fora do projeto ufanista proposto pelo presidente Médici (1969-
1974), reafirmando de que se construía a ‘Grande Itapuranga’.
Os dizeres da placa da Estação Rodoviária demonstram qual era o papel
reservado à Itapuranga nos planos de desenvolvimento para a região do ‘Pleno e Rico
Vale do São Patrício’, pois a cidade passava por uma ‘grande arrancada histórica’ na
época. Por outro lado, não podemos nos esquecer de que ele foi um dos rearticuladores
do movimento municipalista em Goiás nos anos de 1970 e, que, portanto, almejava
como de fato se concretizara ampliar seu campo de atuação política na região41.
A Praça do Lavrador, anexa à Estação Rodoviária de Itapuranga, é mais
uma das obras construídas por Dr. Warner para se projetar nos espaços da cidade.
Inaugurada em novembro de 1971, data em que se comemorava o aniversário da cidade,
seus dizeres apontam para a polaridade cidade/campo, simbolicamente buscando
aplainar as contradições que se esboçavam entre fazendeiros e trabalhadores rurais no
município. Tais contradições se acirram, por exemplo, na demanda entre os posseiros da
Fazenda Córrego da Onça e Aureliano Jose Caiado ( Fiote Caiado)42.
A participação no processo de fundação e consolidação do Sindicato, numa
ferramenta de luta do povo, é pensada, pelos sujeitos que vivenciaram o período, como
uma grande luta por direitos numa conjuntura totalmente adversa - em plena ditadura
militar, num município administrado pela ARENA e, com uma constante vigília por
parte dos órgãos de repressão. Mesmo com todas as dificuldades, esses sujeitos contam
suas experiências como resultante, principalmente, das discussões promovidas nos
Grupos de Evangelho via mediação da Igreja Progressista. É esse o elemento que está
em debate entre o anunciado da placa e a realidade social de Itapuranga no início dos

41
- No site da Assembléia Legislativa de Goiás constam as seguintes informações sobre ele: Prefeito
Municipal de Itapuranga, 1971-1974. Diretor do Consórcio Rodoviário Intermunicipal –CRISA, Gov. Íris
Rezende. Deputado Estadual, PMDB, 12.ª Legislatura, 1991-1995. Diretor do Instituto Goiano de
Administração Municipal, IGAM. Promotor Público. www.assembleia.go.gov.br, acessado em
25.03.2011.
42
- Esse embate foi pesquisado por Valtuir Moreira da Silva, em sua tese de doutoramento ( SILVA,
2007). Ironicamente o advogado dos posseiros era Dr. Warner Carlos Prestes que, a revelia de seus
representados firmou acordo com o fazendeiro, que resultaria apenas em indenização aos posseiros,
acordo esse que, depois de muita luta e enfrentamento foi revisto, com a vitória final dos posseiros.
103

anos de 1970. Os dizeres denunciam uma visão romântica do lavrador: “Com o suor do
rosto honrado”.
Compreender a importância, para os sujeitos de Itapuranga, de sua inserção
na transformação do sindicato local, considerado pelego, o papel desempenhado pelo
sindicato nas lutas e reivindicações populares por direito trabalhista, saúde, dentre
outras, é compreender como se travou uma luta em Goiás, que culminaria na formação
da Oposição Sindical. Nessa direção, a Praça Dos Lavradores em Itapuranga, cumpre a
função de pacificar uma memória do embate entre o poder público e os sujeitos que
estavam se organizando pelos seus direitos.

Figura 8 - Placa da Pç. Do Lavrador Rua 49 C/Rua 10 Vila Marilda.


Autor: COSTA, I. S. (2008).

2.2 1972: “Itapuranga é também Brasil Grande”: comemorações do


sesquicentenário da independência do Brasil em Itapuranga.

Em 1972, o Brasil vivenciou o ano das comemorações das grandes


conquistas, não só do regime militar, mas de todo o povo brasileiro. Assentado nos
resultados apontados pelos índices econômicos de desenvolvimento, o governo do
General Emilio Garrastazu Médici (1969-1974) promoveu a comemoração do
104

sesquicentenário da Independência do Brasil de norte a sul do país numa verdadeira


cruzada cívica.
As comemorações iniciaram em 21 de abril, data em que se comemora
Tiradentes e foram concluídas no dia 07 de setembro. Entre essas duas datas, os
brasileiros foram motivados a comemorar a grande pátria conquistada pela Revolução
de 64. Pátria essa que remonta ao seu passado imperial e repatria os restos mortais de D.
Pedro I. O retorno triunfal dos restos mortais de D. Pedro I percorre todo o país numa
espécie de promoção da adoração ao passado. Lucia Lippi de Oliveira (1989) assim nos
diz sobre o uso do passado:

As revoluções têm que lidar ao mesmo tempo com a organização de


uma nova vida social e política e com a construção de um imaginário
capaz de recuperar um equilíbrio perdido ao longo do tempo. Assim,
ao se iniciar um momento novo, precisa-se evocar um tempo remoto.
Lá estariam as raízes, o sentido verdadeiro do homem e da sociedade.
(OLIVEIRA, 1989, p. 173).

Segundo Justino Martins (1972, p. 3), em editorial da revista Manchete:

A Melhor coisa que se tira da História é o entusiasmo que ela provoca.


Hinos, desfiles, cerimonias majestosas, discursos, bandeiras
desfraldadas reverenciam os heróis cuja memória justifica a
integridade de um povo. Esta semana tivemos o 174º aniversário do
sacrifício de Tiradentes e também o início das comemorações do
Sesquicentenário da nossa Independência, com a trasladação dos
restos mortais de D. Pedro I de Portugal pra o Brasil. o país inteiro
vibrou de patriotismo com as festividades perfeitamente organizadas
que, no entanto, devem culminar a 7 de setembro próximo. Neste
número, damos uma reportagem completa, em cores, da chegada ao
Rio dos despojos do Libertador. Mas a descoberta do Brasil continua,
com os próprios brasileiros desbravando as riquezas do seu imenso
território. Em Goiás e Mato Grosso, um plano grandioso e o trabalho
pioneiro estão estabelecendo as bases para um novo surto de
desenvolvimento que deverá influir no progresso de todo o país. É a
verdadeira marcha para o Oeste, com a qual o nosso povo sempre
sonhou [...] (MANCHETE, 1972, p.3; grifo nosso)

Justapostos estão os motivos patrióticos e os econômicos: comemorar o


passado com ufanismo e aclamar as possibilidades de desenvolvimento posto com a
abertura de novas fronteiras de investimentos, aqui assinaladas, como a nova marcha
para o Oeste. É o momento dos grandes investimentos que, nesse número da revista é
105

representado pelo Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE)43, na


chamada da reportagem “A Conquista do Oeste”, assim é apresentada a região:

Os grandes rebanhos semi-selvagens que erram pelos campos de


Goiás e o pantanal do Mato Grosso são a imagem-símbolo de um
Brasil ainda isolado da civilização e do progresso. (MANCHETE,
1972, p.62-63; grifo nosso).

A maior ênfase sobre Goiás é a produção de arroz de Itumbiara e do algodão


em Santa Helena, o que demonstra o papel que o Estado ocuparia no programa
desenvolvimentista do governo militar. A região de interesse da reportagem é o
sudoeste voltado para a produção agrícola e pecuária. Mais uma vez, o progresso é o
lema para o deslocamento da fronteira agrícola financiada pelo Estado. Emblemática
também é a reportagem ‘Goiás: um milagre de três séculos’, da revista Manchete,
Edição da Independência 1972.
A estátua do Bandeirante ocupa página dupla servindo de mote para o
engrandecimento das ações empreendedoras. Mais uma vez, ressalta-se que Goiás muito
tem a ganhar no processo de aceleração do desenvolvimento proposto pelos militares. A
proposta é pensar Goiânia como uma jovem capital que cerca e alimenta a capital
federal. E a reportagem segue dando conta de como Goiás se desenvolve na direção de
ser um Estado agropastoril.
O que se apresenta como louvável são os dados da economia em acelerado
desenvolvimento. Não se discute o preço interno desse processo nem as opções em
expandir, para depois dividir, constante no ‘milagre econômico’. Apresentava-se um
país a uma parcela significativa de brasileiros que estavam indo às compras.
Ao traçar um panorama sobre a economia brasileira desse período, Maria
Hermínia Tavares de Almeida e Luiz Weis (1998), assim nos apresentam o quadro geral
desse contexto de euforia desenvolvimentista:

Do AI-5 ao início da abertura (1969-74). Esses foram os anos


lacerantes da ditadura, com o fechamento temporário do Congresso, a
segunda onda de cassação de mandatos e suspensão de direitos

43
- A revista Cruzeiro - Brasil Mais Brasil, de 13 de setembro de 1972, nº 37, Ano XLIV traz extensa
matéria sobre Goiás, apontando principalmente as potencialidades agropastoris e os recursos minerais,
apresenta o PRODOESTE como a solução para o desenvolvimento da região. Instigante também são as
fotos que abrem a reportagem: a Cruz do Bandeirante, na Cidade de Goiás, tendo ao fundo a casa de Cora
Coralina e o título da mesma: Desbravamento e Conquista. (revista O CRUZEIRO, 1972, p. 227)
106

políticos, o estabelecimento da censura à imprensa e às produções


culturais, as demissões nas universidades, a exacerbação da violência
repressiva contra os grupos oposicionistas, armados ou desarmados. É,
por excelência, o tempo da tortura, dos alegados desaparecimentos e
das supostas mortes acidentais em tentativas de fuga. É também, para
a classe média, o tempo de melhorar de vida. O aprofundamento do
autoritarismo coincidiu com, e foi amparado por, um surto de
expansão da economia – o festejado milagre econômico- que
multiplicou as oportunidades de trabalho, permitiu a ascensão de
amplos setores médios, lançou as bases de uma diversificada e
moderna sociedade de consumo, e concentrou a renda a ponto de
ampliar, em escala inédita no Brasil urbanizado, a distância entre o
topo e a base da pirâmide social. (ALMEIDA e WEIS, 1998, p. 332-
333; grifo do autor).

Em setembro de 1972, chega ao fim às comemorações do Sesquicentenário


da Independência do Brasil. Depois de percorrer todo o território nacional, os restos
mortais de D. Pedro I são depositados no Monumento do Ipiranga, em São Paulo, o que
significou a apoteose desejada pelos militares. Os festejos, com exceção da Mini-Copa44
do sesquicentenário, considerada um quase fracasso, foram sucesso em todo Brasil.
A sessão ‘A Revolução e os Objetivos Nacionais’, do livro ‘Brasil 150 anos
de Independência45’ inicia-se com a seguinte frase: A Revolução foi feita para
construir. Em Itapuranga, essa afirmativa foi levada a sério, foram, então, tantas as
inaugurações em 1972, na administração de Dr. Warner Carlos Prestes, que ele foi
transformado, no imaginário da cidade, no ‘Homem que fez Itapuranga’.
Ora, é justamente esse período da história da cidade que possibilitou a
afirmação e a consolidação desse imaginário político ao redor da figura emblemática de
Dr. Warner. Partindo da análise proposta por Lucia Lippi Oliveira (1989), podemos
traçar uma comparação do micro para o macro de que, a figura do prefeito Dr. Warner à
frente desse projeto de transformação de Itapuranga está, no imaginário local, como a
figura do presidente Médici, como o propagador do desenvolvimento nacional.
Se Médici foi capaz de se projetar nas comemorações do Sesquicentenário,
buscando construir uma nova tradição, dando à nação um novo herói na figura de D.
Pedro I, Dr. Warner se projeta na memória local como o construtor da cidade.

44
- Segundo Adjovanes Thadeu Silva de Almeida ( 2005) “ A competição reuniu cerca de trinta seleções
entre as quais Argentina, Colômbia, França, Chile, Equador, Irlanda, Bolívia, Paraguai, Peru, Venezuela,
Uruguai e Rússia (...) a grande final foi entre Brasil e Portugal” ( ALMEIDA, 2005, p. 109). O Brasil
venceu pelo placar de 1x0, marcando aos 44 minutos do segundo tempo.
45
- Livro organizado por Agenor Bandeira de Mello e produzido pela Divulbrás, Brasil – 150 anos de
Independência – Resumo Histórico e Documentário da Atualidade Brasileira, trata-se de um levantamento
de todos os dados pertinentes às comemorações do Sesquicentenário da Independência, bem como traça
um panorama político das esferas federais e estaduais.
107

Como a memória é construída, torna-se importante conhecer os


processos e os atores que intervêm no trabalho de constituição e
formalização das memórias (Pollak, 1989). Diferentes grupos da
sociedade constroem suas memórias coletivas a partir das quais é
montada e organizada uma memória nacional dominante. Os
especialistas - historiadores, publicistas, ideólogos, doutrinadores e
educadores - constroem a memória nacional. Organizando as
comemorações, as festas, definindo os heróis que não merecem ser
esquecidos. Cada momento presente e cada crise ou mudança na
sociedade permitem que se construa uma nova tradição, definindo que
eventos e pessoas devem ser lembrados e quais devem passar ao
esquecimento. (OLIVEIRA, 1989, p. 175).

As análises das placas inaugurativas nos permitem afirmar que a


administração de Dr. Warner C. Prestes planejou as construções para serem inauguradas
durante as comemorações do Sesquicentenário da Independência. Os indícios estão por
toda parte, conforme podemos visualizar na placa abaixo referente à inauguração do
Colégio Estadual de Itapuranga, hoje Colégio Estadual Dep. José Alves de Assis.
O dia 19 de agosto de 1972 ficou gravado na história da cidade de
Itapuranga como o dia em que se inauguraram as grandes obras do prefeito Warner. O
evento foi noticiado em três jornais de grande circulação: O Popular, Diário de Brasília
e o Cinco de Março. Todos os três relacionaram as festividades municipais com o
grande evento nacional da comemoração do Sesquicentenário. Nesse sentido, os títulos
das matérias foram:
- Itapuranga inaugura obras recebendo Governador – Jornal O Popular;
- Fim de semana festivo em Itapuranga: Moderno e amplo edifício colegial e numerosos
empreendimentos públicos municipais entregues solenemente ao povo da cidade, dia 19
– Leonino recebe título de “Cidadão Itapuranguense”, (esse é o único texto assinado,
Vilmondes J. Sousa) – Jornal Cinco de Março;
- Itapuranga é exemplo de boa administração – Diário de Brasília.

Das três reportagens, a do Diário de Brasília é a mais enfática na


comparação dos eventos.
108

Figura 9 - Placa Colégio Estadual de Itapuranga (Hoje Col.. Est. Dep. José Alves de Assis)
Autor: COSTA, I. S. (2008).
109

Figura 10 – Prédio do Antigo Colégio Estadual de Itapuranga, na Av. Farnésio Rabelo.


Fonte: Acervo do Col. Est. Dep. José Alves de Assis.

Figura 11 - Monselhor Lincohn, diretor do Colégio Estadual de Itapuranga, durante as


comemorações do 18º aniversário de Itapuranga, lê, para o gov. Leonino Caiado, (que não
aparece na foto), pedido de construção de um novo prédio para o Colégio. (13 de novembro
de 1971).
Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José A. de Assis.
110

Figura 12 – Inauguração do Colégio Estadual de Itapuranga. A esquerda Dr. Warner, prefeito


de Itapuranga, a direita, o governador de Goiás, Leonino Caiado, do lado esquerdo do
governador, o vice-prefeito João Alberto R. Costa. 1972.
Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José Alves de Assis.

Figura 13 – Corte da fita inaugural do Col. Est.de Itapuranga feita por Brasilete Caiado,
Rubens Guerra, titular da SUPLAN, e Dr. Warner C. Prestes, do lado esquerdo o governador
Leonino Caiado.
Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José Alves de Assis.
111

O texto do jornal O Popular nos diz que:

Itapuranga viveu um dia festivo, sábado último, com a inauguração de


diversas obras de responsabilidade da Prefeitura e do Estado, tendo o
governador Leonino Caiado ali comparecido acompanhado do senador
Osíris Teixeira, do deputado Siqueira Campos, do presidente da
SUPLAN, eng. Rubens Guerra e do deputado Nelson de Castro, líder
do Governo na Assembléia. (O POPULAR, 22/08/1972, p. 08 –
Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis).

Continua a matéria discorrendo sobre as obras inauguradas, enaltece a


participação do público ao evento, mas não apresenta ênfase ao evento.
Já o jornal Cinco de Março assim apresenta o evento:

Itapuranga, a próspera localidade do Vale do São Patrício viveu um


fim de semana festivo, no dia 19 último, com a entrega ao povo de
vários melhoramentos públicos estaduais e municipais em solenidades
que foram prestigiadas pela presença de altas autoridades do Estado,
bem como de numerosas caravanas das localidades vizinhas. (CINCO
DE MARÇO, 21 a 27/08/1972- Acervo do Col. Dep. Jose Alves de
Assis).

Ao discorrer sobre a chegada da comitiva do governador nos diz que:

Recebidos no aeroporto local às 17hs, o chefe do Executivo e


comitiva, acompanhados pelo prefeito de Itapuranga, bacharel Warner
Carlos Prestes, e outras autoridades locais, seguiram em grande
cortejo até a entrada da cidade. Ali, no começo da avenida principal,
houve, num só ato, a inauguração de vários melhoramentos públicos
realizados pela atual administração municipal, destacando-se vinte mil
metros quadrados de pavimentação, cinco mil metros de redes de
águas pluviais, três mil metros de meios-fios, dois grupos escolares
rurais e uma ponte, bem como se declarou lançada a pedra
fundamental da estação rodoviária de Itapuranga. (CINCO DE
MARÇO, 21 a 27/08/1972- Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis).

Segue descrevendo as inaugurações, as autoridades presentes ao evento, a


participação do povo da cidade, as promessas de novos investimentos em estrutura tanto
para a cidade quanto para a zona rural.
A declaração do prefeito Dr. Warner C. Prestes ao Diário de Brasília é uma
reprodução numa escala micro dos ideários comemorativos do Sesquicentenário, figura
como um discurso afinadíssimo com o poder em todas as suas instâncias. O que mais
uma vez nos demonstra a sua capacidade de interagir nas várias esferas do poder, para
além da política local. Vejamos a declaração publicada pelo jornal:
112

Ao tributar as suas homenagens ao Governador Leonino Caiado, numa


das maiores manifestações públicas já registradas na história do
município, a população de Itapuranga revelou a grandiosidade de sua
formação cívica e a sua afinidade e acatamento às diretrizes da
Revolução de março, cuja trajetória em ascensão histórica se
caracteriza pela ação, pelo trabalho e construção do Brasil novo e
potente refletido na pessoa do próprio Presidente Emílio Garrastazu
Médici.
Quis o povo de Itapuranga dizer ao Brasil todo, bem alto, que aqui,
como em todos os rincões da Pátria, a ordem e o progresso são uma
constante na vida de cada um, homens e mulheres, jovens e crianças,
gente que é gente e que sente vibrarem as suas emoções pelos
elevados sentimentos de brasilidade que caracterizam o povo goiano –
povo integrado à sistemática política evolutiva implantada em 1964 –
cujo trabalho nas cidades e nos campos valoriza a posição de Goiás
como portal da integração amazônica. (DIÁRIO DE BRASÍLIA,
23/08/1972, f. 5)

A reportagem descreve, em seguida, as inúmeras obras entregues ao povo da


cidade. Outro fator que mereceu destaque foi a grande concentração pública, bem como
estudantil. Na figura abaixo, vemos que no palanque das autoridades está fixado, da
direita para a esquerda, uma reprodução de D. Pedro I, ao centro, o Brasão da República
e à esquerda o selo comemorativo do Sesquicentenário da Independência do Brasil. Na
faixa sobre o palanque está escrito: “Obrigado Presidente Médici – Obrigado Leonino”.
O local onde se reuniu essa multidão foi o pátio do Colégio Estadual.
Sobre os discursos proferidos na ocasião o jornal Diário de Brasília assim
nos informa:
No palanque oficial, diante do qual grande multidão se comprimia
numa das mais expressivas concentrações populares já vistas em
Itapuranga fez uso da palavra, inicialmente, o jovem José Maria de
Camargo, em nome dos estudantes locais, agradecendo ao governador
Leonino Caiado aquela majestosa obra que segundo afirmou,
representava a realização da aspiração da juventude estudiosa de
Itapuranga. O prefeito Warner Carlos Prestes, em seu discurso, fez um
retrospecto das realizações do governo na região, dizendo que o que
aqui se fez e se faz é apenas uma amostra do que se realiza em todo o
Estado de Goiás, ressaltando a dinâmica da administração estadual
agora integrada aos anseios do povo do interior, com o governador
Leonino Caiado imprimindo um novo conceito à política
municipalista [...] O último orador foi o governador Leonino Caiado
que, após convocar todos ao trabalho de construção do futuro de Goiás
e do Brasil, nesta grande arrancada desenvolvimentista do Governo do
Presidente Emílio Garrastazu falou que os 120 dias em que se edificou
o prédio do Colégio Estadual de Itapuranga, imponente pelas suas
dimensões, nos faz lembrar as palavras do Presidente Médici: homem
de meu tempo, tenho pressa. (DIÁRIO DE BRASÍLIA, 23/08/1972,
fl.05- Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis; grifo nosso).
113

Figura 14 – Palanque das autoridades no pátio do Colégio Est. de Itapuranga. Do lado esquerdo
da foto vemos fragmento do selo alusivo ao Sesquicentenário da Independência, ao centro o
Brasão da República, do lado direito figura de D. Pedro I. Na faixa acima os dizeres: “Obrigado
Presidente Médici Obrigado Leonino”. 1972.
Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José A. de Assis.

Figura 15 – Concentração de estudantes e populares para ouvir as autoridades por ocasião da


inauguração do Colégio Est. De Itapuranga. 1972.
Fonte: Acervo do Colégio Est. Dep. José A. de Assis.

Finalizando a matéria, após ressaltar a presença das várias autoridades


estaduais e locais presentes aos eventos, o Jornal menciona as autoridades dos
114

municípios circunvizinhos e fecha com a frase: “que ali compareceram para prestigiar as
solenidades de Itapuranga, a cidade-progresso.”

Figura 16 – Entrega de medalhas aos atletas que participaram dos jogos estudantis por ocasião
das comemorações da “Semana da Pátria” de 1972. Destaque para a ‘presença’ do presidente
Médici, representado por sua fotografia. Pç. Castelo Branco.
Fonte: Acervo do Col. Dep. Jose Alves de Assis.

Ao mesmo tempo em que Itapuranga, a “cidade-progresso”, comemorava,


com toda pompa, as festividades do Sesquicentenário da Independência, os sujeitos
católicos da Igreja do Evangelho, que entraram na “caminhada da Igreja de Goiás”
organizavam o processo de aprendizado político por meio da sindicalização rural.
Mediados pela presença da Diocese, esses homens e mulheres iniciam uma longa
marcha para consolidarem suas histórias de combates pela cidade.
Desde a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, em
1972, os católicos da Igreja do Evangelho tiveram uma militância assentada na
aprendizagem desenvolvida nos Grupos de Evangelho. A necessidade sentida em
discutir a formação sindical, em Itapuranga, também é produzida por pressão advinda da
presença de membros do governo na formação de sindicatos rurais na região.
A presença comunista na região da CANG não só possibilitou aos colonos
organizarem e lutarem pela posse da terra, como também propiciou um aprendizado
115

político que iria se refletir na organização sindical em quase todo território da Diocese
de Goiás. Da Colônia Agrícola, esses militantes do Partido Comunista, bem como um
expressivo número de novos militantes, partiram para a luta pela posse da terra em
Trombas e Formoso46. É nesse contexto de uma memória da militância comunista que
os católicos da Diocese irão, aos poucos, realizando o aprendizado político via
sindicato.
Ao ser questionado sobre a organização do sindicato na Diocese de Goiás,
Alberto Gomes de Oliveira, um ex-militante sindical no município diocesano de
Itaberaí, assim nos diz:

pra gente compreender melhor esse momento acho que a gente tem
que pegá a duas situações em Goiás que aconteceram no pré-golpe,
uma é a experiência de Trombas e Formoso, que traz na experiência
de luta direta pela terra né? Ilegal, luta armada pela terra. E a outra
forma de organização se dava exatamente da ... da ocupação da terra e
da cooperativa ali de...dos trabalhadores na sua existência permanente
contra é, fazendeiros pistoleiros e o próprio Estado47.

Dorvalino José Campos, um dos fundadores do sindicato dos trabalhadores


rurais de Itapuranga, remete às discussões iniciais sobre sindicato na região ao ano de
1958. Nesse sentido, ele diz que:

Em 1958/62 aqui em Itapuranga começaram o Movimento Sindical e a


gente começou a se envolver, em 64 veio a intervenção militar e
fechou todos os movimentos. Alguns companheiros que estavam
entrando nos movimentos sindical foram presos. O movimento
sindical em Itapuranga acabou. Em 1970, resolvemos rediscutir o
movimento sindical, a criação do sindicato dos trabalhadores rural de
Itapuranga, demos inicio pela necessidade do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais. Os trabalhadores rurais: parceiros, meeiros,
vaqueiros, lavouristas era um povo explorado e os fazendeiros
abusavam muito desta classe trabalhadora que prestava mão de obra48.

Nosso entrevistado aponta para a provável presença de militantes


comunistas na região de Itapuranga. O que mais se aproxima de uma possível presença
46
- Sobre Trombas e Formoso ver: CARNEIRO, Maria Esperança Fernandes. “A Revolta Camponesa de
Formoso e Trombas”, Goiânia, Edit. UFG, 1986; MAIA, Cláudio Lopes. “Os Donos da Terra: A Disputa
pela Propriedade e Pelo Destino da Fronteira – A Luta dos Posseiros em Trombas e Formos 1950/1960,
Tese de doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, UFG, 2008.
47
- Entrevista realizada em 10.06.99, em Goiânia. Alberto Gomes de Oliveira, o “Bacurau”, como ficou
conhecido na militância, iniciou o seu trabalho na Diocese de Goiás como coordenador da pastoral da
Juventude e logo passou para a organização dos lavradores no município de Itaberaí e região.
48
- Dorvalino José Campos, pequeno proprietário de Itapuranga, um dos fundadores do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Itapuranga em entrevista realizada em 22 de julho de 1995.
116

comunista em Itapuranga é relatada pela ação de uma pessoa conhecida como ‘Sr.
Benício’. Como discutimos no primeiro capitulo, acreditamos se tratar de Gregório
Bezerra. É, novamente, Dorvalino José Campos quem nos diz:

aqui tinha na época um tal de Sr, Benício, que trouxe pela primeira
vez a discussão do movimento sindical para Itapuranga. Ele teve que
sair daqui, por motivo da repressão, sabe? Foi em 64. Não teve
nenhum apoio49.

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Itapuranga foi fundado dentro de


um quadro da política sindical nacional que pode ser denominado “sindicalismo
oficial”. Essa presença oficial do Estado, fundando sindicatos na região diocesana,
representa uma preocupação oficial frente às organizações de base que estavam se
iniciando, tendo a Diocese de Goiás como promotora e incentivadora.
Em entrevista, Dom Tomás Balduino retoma os levantamentos realizados
pela Equipe Diocesana, na pesquisa: Para Conhecer a Realidade, para justificar a opção
por trabalhar com a tomada dos sindicatos rurais de base governista. Assim expressa:

Fizemos um levantamento científico da nossa realidade que


dimensionava bem a situação, que para aquela época, eu acho, que
dava para ter uma visão realista dessa, desse fenômeno de uma
Diocese tipicamente rural, né, em que o peso mesmo era rural. A
valorização então desse universo, deste universo lavrador, lavrador,
isto está muito na liturgia, nos cantos, e isso não foi só um lado
cultural, foi também político. Eles começaram a criar o movimento
dos trabalhadores, chamado com esse nome mesmo, era o início das
propostas de sindicalização do governo. O Estado abrindo aqueles
sindicatos corporativistas e tal, acho que os militares acham que era
ruim ou político, então disciplinar o campo, houve muita
perseguição.50

Em seu depoimento, Dom Tomás remete o aprendizado da luta sindical às


experiências com os Grupos de Evangelho que, segundo ele, por serem flexíveis
poderiam ser reorganizadas em outros lugares, conforme iam aparecendo elementos
desconhecidos ao grupo que fazia levantamentos e verificava a organização.

49
- LUNARDI(1999) citando GUIMARÃES aponta que numa relação do Ministério do Trabalho e
Previdência Social, composta pelas organizações sindicais existentes em Goiás, antes de 1965, consta o
“Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Itapuranga, atestando que realmente já tinha
existido uma organização sindical anterior dentro dos limites legais existentes naquela época, conforme
nota de rodapé 49, páginas 223/4.
50
- Entrevista com D. Tomás Balduino realizada em fevereiro de 2003, em Goiânia.
117

Alberto Gomes de Oliveira analisa a questão da instrumentalização da


Igreja, por parte do educador sindical Antônio Bueno, da seguinte forma:

A ação do Estado não era uma ação inocente nisso, o Antônio Bueno
não era inocente, no primeiro momento ele se utilizou dessa, fez uma
aliança com a Igreja, utilizando os espaços da Igreja, das estruturas da
Igreja para chamar os trabalhadores para o sindicato, só que isso
certamente e, em cada ação do sindicato, da fundação do sindicato
dele seria localizando os indivíduos que, os trabalhadores que tinham
uma postura mais combativa e, os que tinham uma postura mais
oportunista e começou a conformar diretorias do sindicato que
poderiam depois está na postura que, futuramente, foi chamada de
pelego né.51

Antônio Bueno foi eleito presidente provisório da FETAEG ( Federação dos


Trabalhadores da Agricultura do Estado de Goiás) em 28 de outubro de 1970. No
entanto, por ser funcionário da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura) foi impedido de ser empossado. No ano seguinte foi eleito, em 23 de
janeiro de 1971, presidente da entidade. Nessa eleição, a entidade patronal, a Federação
da Agricultura do Estado de Goiás, marcou presença.
Para Alberto Gomes de Oliveira, esse período foi marcado pela maneira
como se estruturaram as relações entre a FETAEG e os sindicatos rurais:

Qual é o papel que o Antônio Bueno, como presidente, cumpriu como


presidente da federação? De aterrorizar, distanciar os presidentes,
essas diretorias do sindicato da igreja, porque a Igreja, pra ele, era
considerada revolucionária. Se num momento ele fez aliança com a
Igreja pra usar a estrutura pra mobilizar os trabalhadores pra justificar
o sindicato, num segundo momento isso num pre, essa aliança num
podia existir mais naquele município, porque? Por que o padre era
italiano, comunista, que estava ali, ou era o bispo comunista ou era o
gaúcho comunista que tava ali e a Igreja também dava cursos de
idealização, de ... de consciência da sociedade, esse negócio todo,
então ele afastava. Afastava e trazia para curso de administração do
Funrural52.

A fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga deu-se em


16 de julho de 1972, tendo como diretor da mesa de trabalho o educador sindical
Antônio Ferreira Bueno. A reunião contou com a presença de 139 participantes entre
meeiros, parceiros, pequenos proprietários, arrendatários, assalariados.

51
- Entrevista realizada em 10 de junho de 1999.
52
- Entrevista com Alberto Gomes de Oliveira realizada em 10 de junho de 1999, em Goiânia.
118

A participação no processo de fundação e consolidação do Sindicato, numa


ferramenta de luta do povo, é pensada, pelos sujeitos que vivenciaram o período, como
uma grande luta por direitos numa conjuntura totalmente adversa, em plena ditadura
militar, num município administrado, conforme já afirmamos, pela ARENA ( Aliança
Renovadora Nacional) e com uma constante vigília por parte dos órgãos de repressão.
Mesmo com todas as dificuldades, esses sujeitos contam suas experiências como
resultante, principalmente, das discussões promovidas nos Grupos de Evangelho.
Nessa perspectiva, João Benfica, o primeiro presidente de oposição do
Sindicato Rural de Itapuranga, nos fala do seu processo de inserção na luta sindical:

A partir de 1970 eu já era um pouco ligado a Igreja Católica e nós


fomos discutindo nas reuniões. A gente foi convidado pela Igreja a
participar do movimento da Igreja. Demorei um pouco até entender
qual era a mensagem. A gente foi acreditando que era um ideal de
movimento de uma libertação de uma sociedade muito oprimida.
Na condição de lavrador que a gente era, eu comecei a achar que isso
poderia trazer mais algum interesse pro povo mais oprimido, não só
religioso, mas é, assim, digamos, mais intecionado com o lado fraco.
Porque as igrejas, antigamente, não ligava muito pros fracos. Então
isso deu um certo ânimo pra gente entrar. A partir de que a gente foi
entrando nesse movimento, a gente foi descobrindo, através das
reuniões do Evangelho.

Sobre o processo de discussão sindical assim ele relata:

O movimento sindical começou em 1972. E a gente nem sabia o que


era movimento sindical, sindicato, nada. A partir das reuniões foram
também fazendo isso, porque o movimento sindical buscou algumas
pessoas de dentro das igrejas pra poder ajudar a levar esse trabalho.
Era um negócio muito difícil, oprimido ainda pelo povo mais
poderosos, como ainda é até hoje, mas hoje já existe um pouco de
democracia, já é mais entendido a mensagem. A gente teve essa
participação e essa participação foi valiosa.53

Para Perpétua Gontijo, esse momento da fundação do sindicato é resultante


das lutas travadas no campo da conscientização advinda com a nova proposta da
Diocese de Goiás. Sua análise aponta para uma questão intrigante que é a forma como
os fazendeiros passam a pensar a atuação da Igreja como uma instituição comunista.
Essa será a grande imagem a ser desconstruída pelos sujeitos católicos de Itapuranga na
busca por uma ampliação do leque de alianças.
53
- Entrevista realizada em fevereiro de 1993.
119

Então começou o fenômeno de trabalhadores serem expulsos da terra


e muita revolta, com os fazendeiros dizendo que o sindicato era da
Igreja dos comunistas. A palavra comunista era um terror. Era uma
palavra que muitos não sabiam o seu significado e os que sabiam
usavam realmente pra colocar medo nos trabalhadores. Mas aquela
vontade dos trabalhadores de se unir fez com que se fortalecessem... e
de fato, as lideranças que atuavam, eram lideranças vindas dos Grupos
de Evangelho. No primeiro momento inclusive a Igreja oferecia
espaço físico e tudo, assessoria política54.

Dorvalino José tem uma inserção no movimento sindical diferente dos


demais sujeitos. Era, na época, membro da Igreja Assembleia de Deus de Itapuranga,
nos fala sobre a sua participação na construção do sindicalismo rural em Itapuranga:

Em 1970 demos entrada para criação do Sindicato, em 1972 foi a


fundação, tivemos uma certa dificuldade por que na época fomos até
ameaçados pelas autoridades do município. Na época nós tínhamos
um delegado de polícia, Dr. Jair, era delegado de polícia da época,
ameaçou, sabe, em por os trabalhadores que estavam na frente da
criação do sindicato para puxar carroça na rua. Mas a gente não se
intimidou, por que era um direito do trabalhador, mesmo sabendo que
a gente estava debaixo daquela repressão era um caminho que dava
condição de fazer reivindicação para os trabalhadores rurais, então em
1972 foi criado o movimento sindical. Dentro deste período, a gente
tinha repressão de todos os lados, das autoridades, dos próprios
fazendeiros, do prefeito da época, era também contra a criação do
sindicato. E a Igreja Católica na época é que deu mais espaço para nós
para criação do movimento sindical. Ivo Polleto era padre na época,
Darci Accorsi na época era professor, que tinham mais experiência no
movimento sindical, tinham vindo do Sul, onde o pessoal estava mais
organizado ... Mais os trabalhadores rurais tinham medo na época da
criação do sindicato, pela repressão que houve, foi com muita
dificuldade que a gente recomeçou a arrebanhar o pessoal pra puder
participar do movimento com medo da repressão da época.55

A experiência que nos relata o Sr. Dorvalino demonstra um nível de


percepção das várias esferas envolvidas na questão: o conflito estabelecido entre o
movimento sindical e o poder público municipal, em suas variadas estâncias; o perigo
da repressão militar que reinava nesse momento da história do Brasil, a participação
articulada de membros da Igreja Católica junto às bases e o medo de envolvimento dos
trabalhadores.

54
- Entrevista realizada em 18 de janeiro de 1993.
55
- Entrevista realizada em 22 de julho de 1995.
120

Esse medo da repressão é expresso por João Benfica na incompreensão dos


fazendeiros em relação ao papel político do sindicato, na forma como estes ignoravam
as leis trabalhistas. Assim, para João Benfica:

Sempre havia perseguição, depois houve também muita perseguição.


Era o caso de alguns donos de terra maiorzinha não entendiam a lei,
achavam que a lei era a lei do sindicato, né, nós tivemos isso, relativo
aos direitos das pessoas, a assessoria jurídica para ajuda.56

Após amplos debates entre os sujeitos católicos da Região Uru os


trabalhadores optaram por organizarem uma chapa de oposição sindical, encabeçada por
João Benfica e que, no entanto, não obtivera êxito. João Benfica diz que a partir dessa
derrota passa a participar efetivamente das discussões sindicais. Em suas afirmações,
esclarece:

A gente entrou pra disputa eleições no sindicato, com o objetivo de


fazer com que o sindicato clareasse mais o objetivo dele que ainda era
tapeado, a gente enxergava um objetivo mais avançado.
A partir de 1976, que a gente disputou a eleição e não ganhou, a gente
se organizou mais o movimento sindical, participando mais dentro do
próprio sindicato com as reuniões que tinham e a partir daí, então a
gente levava aquilo que conhecia para dentro das assembleias, até que
em 1979, novamente nós entramos com uma chapa e fui novamente
candidato e conseguimos nos eleger com uma diferença não muito
grande. Foi um passo muito decisivo não só para o movimento
sindical de Itapuranga, como vários sindicatos do Estado que
começava a engatinhar, querendo andar e sentiu isso como uma força.
A partir desse momento a gente sentiu um peso de responsabilidade
muito grande.

Tendo por base esses sujeitos em processo de aprendizado político mediado


pela Igreja Progressista de Goiás, foi formada a Oposição Sindical naquela localidade,
tendo como compromisso político uma atuação de sindicalismo de base, em que as
decisões e escolhas se deram pela base. Nessa perspectiva de luta, de movimento de
base, algumas experiências foram incentivadas, tanto pelo Sindicato como pelos Grupos
de Evangelho.
O Libertador - Boletim Informativo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Itapuranga, no seu número 02, de maio de 1980, traz uma informação de que os
trabalhadores rurais das regiões do Córrego Grande, Água Espraiada, Fundão e Coruja

56
- Entrevista realizada em fevereiro de 1993.
121

se organizavam para vender melhor a sua produção. Assim é descrita a origem da


organização dos produtores:

A idéia começou do companheiro Adão Queiroz, que vendo tanta


exploração em cima do agricultor, convidou mais outros
companheiros para fazer uma reunião em sua casa, onde
compareceram vários trabalhadores interessados e começaram a ver
que vários companheiros juntos e unidos, têm condição de vender os
seus produtos por um preço melhor. E este movimento já conta com
uma média de 220 trabalhadores. [...] (O LIBERTADOR, 1980, s/p)

O informe termina com uma conclamação aos trabalhadores para que se


unam para superar as dificuldades:

Companheiros, precisamos de reforçar a nossa luta para que,


JUNTOS, possamos vender por um melhor preço o nosso produto, e,
também, comprar o que gastamos na lavoura diretamente das fábricas,
por um preço mais baixo do que os da revenda ou do comércio. (O
LIBERTADOR, 1980, s/p)

Essa é a base para a fundação da Associação dos Pequenos Agricultores de


Itapuranga –ASPA, que teria vida relativamente curta até ser transformada na COMIL -
Cooperativa Mista dos Produtores de Itapuranga Rurais de Itapuranga e Região LTDA,
em 25 de julho de 1991.
O Boletim Diocesano Caminhada - Diocese de Goiás, de Julho/Agosto de
1987, Ano XX nº 136, assim informa:

Em 18 de abril de 1987, foi fundada a Associação dos Pequenos


Agricultores de Itapuranga, por iniciativa da atual diretoria do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, após ter feito uma ampla
discussão com os pequenos agricultores do município. A Associação é
uma entidade civil ligada ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e é
de caráter não lucrativo (ilegível no documento)
- Comprar os bens de primeira necessidade, insumos e implementos
agrícolas diretamente das fábricas para os associados, organizar para
vender os produtos agrícolas mais diretos;
- Desenvolver experiências de agricultura alternativa, conscientizar os
pequenos agricultores da necessidade de uma política de conservação
do solo. A Associação recem criada mesmo com dificuldades
econômicas, já está comprando sacarias, calcário, adubos e sementes
de milho para os associados. Queremos tanto que essa experiência dê
certo (ilegível no documento).(CAMINHADA, 1987, s/p).
122

Para Vera Lunardi (1999), a Associação foi criada como um braço


econômico do Sindicato e como as transações comerciais começaram a incomodar os
comerciantes locais, funcionando com papel de regulador dos preços no comércio. Em
pouco tempo, o Sindicato/Associação recebeu intimação da Receita Federal por estar
realizando atividade não compatível para uma entidade sem fins lucrativos. A saída para
o impasse foi criar a Cooperativa desmembrada do Sindicato.
Os sindicatos criados nesse período tinham duas metas básicas a cumprir:
investir em programas de saúde e promover programas de educação para os
trabalhadores rurais. Em relação à educação foi desenvolvido o projeto de Educação
Popular, com início em 1981, e as primeiras experiências aconteceram nas comunidades
rurais de Laranjal e Guaraíta e, posteriormente, em 1984, foram abertas turmas na
cidade que funcionaram no Salão do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Desde o final da década de 1970, o Boletim da Diocese de Goiás informa
sobre a luta pela conquista de atendimento médico através de convênio entre os
hospitais de Itapuranga e o então INPS. Assim, em dezembro de 1980, o nº110, ano
XIII, do Boletim Diocesano, apresenta a “Conquista do Povo de Itapuranga”.

Depois de quase um ano de luta, conforme vínhamos noticiando no


Boletim, o povo de Itapuranga conseguiu trazer o convênio do INPS
para esta cidade. Mas isso não foi de mão beijada... Foi feito um
abaixo assinado de 1500 assinaturas, viagens à Brasília, telefonemas,
gastos etc... más a vitória está aí. Quando o povo luta organizado
consegue o que precisa57. (CAMINHADA, 1980, p. 8).

O STRI contava com uma unidade odontológica e um ambulatório médico


que funcionavam no prédio de sua sede. Em cumprimento à lei de nº 4.214, de 02 de
março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, no final da década de 1970, o
governo federal construiu vários hospitais que ficaram conhecidos como Hospital do
Funrural (Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural).
A exigência básica para a instalação da unidade hospitalar era a aquisição de
um terreno para sua construção. O que o STRI conseguiu, apesar de ter que enfrentar
entraves políticos com a administração municipal, e depois de três anos, foi inaugurado
em 1977.

57
- Boletim Diocesano .Dezembro de 1980, o nº110, ano XIII, p.08.
123

O Libertador, Boletim Informativo Suplementar do STRI, em edição


extraordinária, no mês de setembro de 1979, apresenta um descontentamento em relação
ao convênio e até mesmo com a estrutura administrativa. Enuncia:

No dia Sete de Setembro, próximo passado, o Hospital do


FUNRURAL completou seu primeiro ano de funcionamento. Neste
primeiro aniversário, que não teve bolo nem vela, pudemos fazer um
balanço geral das atividades daquela casa de saúde e chegamos à
conclusão de que a situação não é nada boa. Muitas distorções, êrros
administrativos, aumento de despesas, fizeram com que aquele
hospital se transformasse, em cada dia que passava, num verdadeiro
elefante branco: bonito, luxuoso, imponente mas, muitas despesas.
Vejam companheiros, que em apenas um ano de funcionamento o
Hospital sobrecarregou o Sindicato com uma dívida de mais de
Cr$400.000,00. Nosso Sindicato, que nada devia a ninguém e tinha
dinheiro sobrando, hoje tem até duplicata protestada no Cartório,
correndo o risco de ver nossos bens penhorados pelos credores.58 (O
LIBERTADOR, 1979, s/p).

Para os sujeitos envolvidos nessa questão ela se apresentava como de dupla


intencionalidade. Se por um lado representava a conquista de direitos básicos, por outro,
representava uma tentativa do Estado em limitar a capacidade organizativa dos
trabalhadores. Administrar uma estrutura sindical com responsabilidade de gerenciar
atendimento público e de base de saúde era fator restritivo para as ações coletivas.
Essa questão é analisada por João Benfica:

Nós tinha também o direito, que era outro caso de direito, diferente
que era o caso da saúde. A gente buscava através do Sindicato a
assistência de saúde, tanto médico, como hospitalar, odontológica,
tudo ligado ao Sindicato, tendo um hospital administrado pelo próprio
Sindicato, quer dizer é uma carga muito pesada, que talvez uma carga
de saúde não era da responsabilidade do Sindicato, mais naquele
momento, era um momento, era... tava muito jogado e o Sindicato
coordenou e teve seu sucesso. Itapuranga teve um de seus melhores
momentos de atendimento de um povo carente59. (BENFICA, 1993,
s/p).

Para Perpétua Gontijo e José Lemes, a proposta do FUNRURAL era mesmo


de destruir a organização dos trabalhadores.

58
- O Libertador - Boletim Informativo Suplementar do STRI, Ed. Extraordinária, Setembro de 1979.
59
- Entrevista realizada em Itapuranga-GO em fevereiro de 1993.
124

O Estado naquela época queria colocar na mão do Sindicato o hospital


pra ver se barrava a organização sindical de fato. A luta dos
trabalhadores pela terra. O Sindicato pegou esse hospital também
como uma forma de organização. Os trabalhadores rurais que vão ter
nas mãos um hospital que vai tratar dos trabalhadores de acordo com
os seus princípios. (CONTIJO, 1993, s/p).

Fizemos a campanha lá dentro do Sindicato, compramos o terreno e aí


o INAMPS, INPS, veio e construiu o hospital. Construiu mesmo já prá
arrasar o nosso movimento. E aí entusiasmo, agora nós temos o
hospital e fazia funcionar o hospital aí o problema, não o INPS tá, aí
era uma jogada do governo se sempre fazer que faz mais não faz nada
[...] e logo nós vimos a bomba explodir. (LEMES, 1993, s/p).

Criado para atender às necessidades de atendimento básico de saúde, esse


programa, em Itapuranga, deflagrou um processo de aprendizagem da prática de
enfrentamento político, intra e extra grupo, para os sujeitos envolvidos com a Igreja do
Evangelho.
Para garantir atendimento médico aos associados, o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Itapuranga transformou, em 22 de fevereiro de 1987, o hospital
do FUNRURAL em uma Associação Popular de Saúde. Isso aconteceu com muita luta
e mobilização popular. Nesse sentido, o Boletim Diocesano, ano XX, nº 136, de 1987
assim nos informa:

Em 22/02/87 foi fundada a Associação Popular de Saúde para assumir


jurídica, política e economicamente o hospital, que estava fechado a
três meses. É uma associação de caráter filantrópico, destina-se a
prestar assistência integral à saúde, está sendo mantida pelos 1.400
sócios que tem atualmente, através de mensalidades e doações, o que é
insuficiente para o total funcionamento. ( CAMINHADA, 1987, s/p)

A questão fundamental era viabilizar o funcionamento da Associação


Popular de Saúde, que contava com o trabalho de uma equipe médica voltada para a
medicina preventiva. O final da década de 1980 é expressivo para a consolidação da luta
pela saúde para os sujeitos que estão inseridos nesse movimento. Para dar sustentação
financeira à APSI, em 1987, buscou-se assinar um convênio entre esta associação e o
INAMPS.
Mesmo após a ação deflagrada pelos militantes da saúde popular em
Itapuranga de acamparem em frente ao prédio do INAMPS em Goiânia, ação essa
amplamente divulgada pelos meios de comunicação do Estado, o prefeito João Batista
125

da Trindade, conjuntamente com a primeira-dama, Edna Maria da Trindade, recusaram-


se a reconhecer o caráter de utilidade pública que o Hospital do Sindicato necessitava
para receber verbas estaduais.
Essa resistência tem claros objetivos de revanchismo político, uma vez que
as pessoas que estavam à frente da organização, não só do hospital, mas também de toda
articulação dos trabalhadores nos movimentos locais eram ligados ao Partido dos
Trabalhadores que, naquela localidade, se confundiam entre as esferas sindicais,
pastorais, enfim, como bem define uma frase popular da Igreja do Evangelho em
Itapuranga: ‘o PT do Sindicato da Igreja’. Esse é o cenário armado para a batalha pelo
funcionamento do hospital do sindicato.
Como resposta, os trabalhadores organizaram uma grande manifestação que
resultou na ocupação efetiva do prédio da Prefeitura em 16 de outubro de 1987.
Mobilização que fora ‘oficialmente’ notificada não só ao Prefeito, mas também à
população em geral.
A luta pela saúde popular em Itapuranga transformou a forma dos sujeitos
perceberem a militância política advinda com a experiência dos Grupos de Evangelho.
Se, por um lado houve uma burocratização do sindicato em relação à esfera
administrativa com a área de saúde, por outro, se produziu uma consciência política que
seria expressa na construção e consolidação da militância da Igreja progressista em
Itapuranga.
O Atestado de Utilidade Pública foi votado e reprovado por seis votos a
quatro pela Câmara dos Vereadores de Itapuranga, em 14 de outubro de 1987. Em busca
de pressionar o poder público local para essa causa, os manifestantes optaram pela
ocupação do prédio da Prefeitura Municipal de Itapuranga. O desfecho final resultou em
vários processos contra esses trabalhadores movidos pela então primeira-dama do
município, Senhora Edna Maria Trindade. Os motivos variam de desacato à autoridade,
atos imorais até injúria dentre outros.
No intento de pensarmos como os sujeitos que lutavam por um direito
fundamental, que era o direito ao acesso à saúde pública, produziram um conflito com o
poder estabelecido, novamente convocamos Baczko (1985), como um suporte que nos
subsidia a compreender que:

As situações conflituais entre poderes concorrentes estimulavam a


invenção de novas técnicas de combate no domínio do imaginário.
126

Por um lado, estas visavam a constituição de uma imagem


desvalorizada do adversário, procurando em especial invalidar a sua
legitimidade; por outro lado, exaltavam através de representações
engrandecedoras o poder cuja causa defendiam e para o qual
pretendiam obter o maior número de adesões. (BACZKO, 1985,
p.300).

O documento assinado pelo advogado da primeira-dama Edna Maria da


Trindade e demais funcionários da Prefeitura solicitando ao Juiz punição jurídica aos
“invasores” é um texto expressivo da dimensão política que reflete não só a
indisposição dos representantes do poder em dialogar com os militantes pró-saúde
popular, naquela localidade, mas também um reconhecimento da concepção de política,
desses sujeitos, que advém do processo de fortalecimento desses como “fazedores de
sua história”.
A ação de ocupação da prefeitura é comparada e descrita no processo, isso
em novembro de 1987, com assaltos a banco e demais atos terroristas praticados pela
esquerda na fase mais violenta da ditadura militar no Brasil. Conforme trechos que
citamos dos autos processuais:

São também todos, ou quase todos, como é fato notório, militantes ou


simpatizantes do PT – Partido dos Trabalhadores. Não se sabe se são
todos inscritos no referido partido, mas os que o forem, preza aos céus
que venham a sofrer, por parte de Direção Nacional do mesmo,
punição semelhante à que sofreram alguns assaltantes de bancos, na
Bahia, que pilhados da senda da criminalidade tiveram as filiações
partidárias canceladas, em nome da reputação daquela organização
partidária. [...]

Semelhantes métodos lembram, é sempre bom não esquecer, as táticas


utilizadas, não faz muito tempo, pelos militantes do Partido Nazista,
na Alemanha de Weimar, que conquistaram o poder, com danosas
conseqüências para a humanidade após o exercício de ousada
militância político-delitual, onde os invasores de repartições públicas,
incêndios falsamente atribuídos aos adversários e outro tipos de
práticas terroristas, por toleradas, acabaram por atemorizar a
população e deteriorar o Poder. (Representação Criminal de Edna M
Trindade Contra os Ocupantes da Pref. Mun. Itapuranga. Out.1987).

Na busca de solução para um problema de ordem de direito, esses


trabalhadores, todos conhecidos pelos agentes do poder público local, alguns até
professores, colegas de profissão da primeira-dama, são comparados a nazistas. São
processados, perseguidos, têm seus direitos básicos de assistência à saúde negados. No
entanto, não esmoreceram.
127

Valtuir Moreira da Silva (2007) analisou o processo que desencadeou o


acampamento dos sujeitos que reivindicavam por seus direitos à saúde pública:

A estratégia dos dirigentes da APSI foi agendar uma audiência com o


prefeito municipal, João Batista da Trindade, e com a Presidenta da
Comissão Intermunicipal de Saúde (CIMS), Edna Maria da Trindade,
com a intenção de resolver os impasses. Diante das negativas por parte
dos dirigentes municipais, os trabalhadores rurais decidem, no dia 16
de outubro de 1987, promover um ato público em frente à prefeitura
municipal de Itapuranga, cujo objetivo era tentar uma audiência para
cobrar os repasses financeiros que não estavam chegando ao hospital.
[...] Na impossibilidade de entendimento com o prefeito João Batista
da Trindade e a primeira dama Edna Maria da Trindade, trabalhadores
rurais e funcionários do hospital saíram às ruas de Itapuranga para
cobrar uma definição do executivo. Esse evento foi marcado para uma
sexta-feira, 16 de outubro, e contou com 600 pessoas que saíram em
marcha pelas ruas da cidade, chegaram à sede do poder público
municipal, passando a ocupa-lo na esperança de uma audiência com
essas autoridades. [...] por volta das 12 horas do dia 18 de outubro de
1987, o batalhão da Polícia Militar chegou à sede da prefeitura para
retirar os manifestantes do local. Homens e mulheres foram arrastados
e carregados pelos policiais. [...] O acampamento com os
trabalhadores concentrados em frente ao prédio da prefeitura, durou
até o dia 31 de outubro, exatamente 16 dias. (SILVA, 2007, p. 109-
110).

Esse acontecimento causou uma grande comoção na cidade. Apesar de toda


a história de enfrentamento dos movimentos sociais, mediados pela Igreja Católica
local, com as questões da política municipal, principalmente aquelas relacionadas com
os direitos dos trabalhadores rurais, via sindicato, Itapuranga nunca havia presenciado o
uso da força policial, como fora o caso da desocupação do prédio da prefeitura. Durante
todo o período compreendido pelo regime militar, nunca a força fora utilizada contra os
sujeitos opositores ao poder local.
128

Figura 17 – Passeata pelo reconhecimento da APSI como de utilidade pública, ao fundo o


Prédio da Prefeitura Municipal de Itapuranga - Outubro/1987.
Autor: SILVA, V. M.

A violência da retirada das pessoas, com alguns feridos, produziu um efeito


positivo para o movimento popular de saúde. Após esse episódio, aumentou o número
de pessoas que se associaram à APSI. Mas o que importa aqui é que a cidade em peso
voltou os olhos e ouvidos para os acampados na Praça. Celebrou-se missa, houve
apresentações de grupos de cantorias, teatros, recitações de poesia, encenando um final
de semana de protestos e de festas. Os alunos desciam direto do Colégio Estadual para a
praça, pessoas vinham das comunidades rurais, caravanas das cidades vizinhas traziam
o povo da Caminhada para reforçar a luta dos companheiros de Itapuranga. Esse final de
semana rendera uma grande festa popular em Itapuranga, mas com final quase trágico.
São vários os espaços políticos que esses sujeitos católicos criaram para
enfrentar as adversidades postas pela conjuntura política da época, tanto sob o
enfrentamento administrativo nos anos representados pelas ações do prefeito Warner
Carlos Prestes (que imprimiu uma resistência aos movimentos sociais naquela
localidade de cunho de um menor combate, agindo de forma eficaz na construção de um
discurso simbólico da “Itapuranga Cidade Progresso”, o que o transformou no homem
que fez Itapuranga), quanto às resistências expressas de forma concreta na
administração de João Batista da Trindade. Logo, os sujeitos sociais católicos
129

conheceram sob os ares da “Nova República”, a truculência e a força representada nas


ações contra os desejos dos homens e mulheres daquela localidade de terem acesso à
saúde pública.
São essas as bases sociais que irão imprimir uma nova direção aos
movimentos sociais nos anos de 1980 e posteriores. É a partir desse cenário de oposição
que se configurará os novos embates entre os sujeitos católicos em Itapuranga. No local,
são marcadas as contradições e as novas articulações do campo religioso no nível
macro, redefinindo, com o processo de abertura política, as alianças que deram toda
sustentação aos movimentos sociais de base mediados pela Igreja Católica, bem como
passando a ser alvo de preocupação as formas de intervenções apresentadas pela
Renovação Carismática Católica. Essas são as novas demandas apresentadas no
combate pelo campo religioso em Itapuranga. Disputar espaços cada vez mais
reduzidos, distanciados das configurações e reconfigurações pastorais da Igreja de
Goiás.
130

3 A REARTICULAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO CATÓLICO EM


ITAPURANGA: o retorno ao altar.

Despida de imagens de santos, ampla área interna e externa, bancos simples,


altar desprovido de luxo, reforçando uma das premissas da Teologia da Libertação de
que a igreja deveria ser do povo e para o povo, com a cara do povo. Assim foi
idealizada e construída a Igreja Cristo Redentor em Itapuranga durante os últimos anos
da década de 1960 e nos anos iniciais da década de 1970. Dessa forma, se a “nova igreja
de Goiás”, a Igreja do Evangelho, nascia e se fortalecia nas Comunidades Eclesiais de
Base ou nos Grupos de Evangelho, era, conforme discutimos no primeiro capítulo, na e
para a parcela dos sujeitos simples, humildes, em sua maioria, católicos rurais. A Igreja
se espelhava neles para ser o lugar de fomento das ações religiosas e políticas, conforme
a máxima vigente, numa parcela significativa da Igreja Católica no Brasil, de se fazer
uma Opção Preferencial pelos Pobres.
O prédio dessa Igreja já não respondia mais às necessidades da comunidade
católica de Itapuranga, não comportava mais o crescente número de fiéis para as
celebrações, assim como não tinha espaço para instalar todas as pastorais. Já era
obsoleta, velha, arcaica, o imóvel antigo e suas limitações estruturais se apresentavam
como justificativa defendida pelos católicos alinhados com as exigências da Renovação
Carismática Católica. E, além de tudo isso, defendemos a ideia de que o prédio da Igreja
Cristo Redentor representava o símbolo maior da Caminhada da Igreja de Goiás, em
Itapuranga, a ser vencido, silenciado, apagado, pelo menos da visão, já que perdurará na
história de vida e na memória visual de muitos católicos daquele lugar.
Izabela Tamaso (1998), analisando como a demolição do patrimônio
arquitetônico pode escamotear desejos de apagamento de memórias, argumenta que:

Os imóveis erigidos no passado conclamam grupos em especial, e a


população em geral, a escolher por uma história. Se preservados, os
imóveis perpetuam a história de um (ou alguns) grupo(s) específico(s).
Se demolidos, contarão outra história, a de outro grupo. Além do
mais, estando argumentadas na necessidade do progresso, as
demolições contarão também a história do desenvolvimentismo — a
história da recusa da história. Tais diferentes percepções, de imóveis
específicos e da cidade em geral, serão delimitadas como discursos
prenhes de sentido e valor. (TAMASO, 1998, s/p)
131

Figura 18 – Visão frontal da Igreja Cristo Redentor. ( demolida) O espaço externo era muito
utilizado para reuniões dos coordenadores dos Grupos de Evangelho. No altar estão duas
imagens: Nossa Senhora de Fátima; e de São Sebastião, santo padroeiro de Itapuranga – Essas
imagens são da Igreja Nossa Senhora de Fátima, que se situa no Xixazão.
Fonte:Acervo de José Guedes. (1999).

É a partir desse discurso prenhe de sentido e valor de que nos fala Tamaso
(1998), a partir ainda da conclamação de um grupo a consolidar seus lugares de
memória, enquanto outros buscam destruir esses mesmos lugares, demarcadores de um
tempo de luta política, social e religiosa, que compreendemos a demolição da Igreja
Cristo Redentor como uma recusa ao passado de militância e crença de alguns sujeitos,
numa perspectiva social dada pela experiência de uma religiosidade particular na
Diocese de Goiás. Ao procurar destruir a Igreja, pautando-se pela necessidade de mais
espaços, pretendidos pelo argumento maior de que a Igreja já não comportava mais os
católicos para assistir às celebrações, tem-se, dentre outros, o desejo de buscar o
apagamento do lugar de memória, bem, consequentemente a memória da luta desses
sujeitos.
Nesse sentido, a demolição da Igreja e a construção de outra buscaram
legitimar o poder articulador de um grupo social; os católicos carismáticos, apontando
para o apagamento não só da memória de uma época, como também da trajetória de
vida de um outro grupo social, os católicos progressistas ou os católicos da
‘Caminhada’. O passado de lutas e embates de parcela desses sujeitos católicos de
Itapuranga e a história são chamados para justificar a opção pela forma de preservação,
por dados elementos de um tipo de progresso, por séries de mudanças, por uma
132

transformação, elementos que são a base da justificativa para a legitimação da


destruição ou para o descaso com imóveis representativos de um determinado grupo.
Alicerçados nessa premissa de determinadas formas de progresso e das transformações
é que se demoliu a “velha” Igreja e se construiu a “nova”.
Uma arquitetura que esbanja modernidade, desde sua torre imponente à
qualidade do piso, passando pelo muro frontal de vidro blindex, o interior da nova
Igreja inspira quase desconfiança com relação à assepsia do lugar e de seu exterior, com
jardins de plantas harmônicas e taludes, composição que incorpora o verde sem
comprometer a exposição do templo, mas que, intimida aqueles sujeitos que transitavam
tranquilamente pelo corredor externo da antiga Igreja. Esta, agora, se volta ao princípio
de ser uma “igreja viva”.

Figura 19 - Vista lateral da nova Igreja Cristo Redentor, inaugurada em 2006.


Autor: COSTA, I. S. (2010)

Nas décadas de 1970 e 1980, se a Igreja era o lugar da luta, agora ela se
coloca como o lugar apenas do espiritual. A primeira Igreja foi construída a partir da
doação de materiais e trabalho, ao passo que a nova, com a participação de dizimistas e
de campanhas de doação em dinheiro.
133

Nas décadas citadas, e com menos fervor nos anos de 1990, os católicos se
reuniam na Igreja para discutirem, juntamente com os militantes do sindicato dos
trabalhadores rurais, do Partido dos Trabalhadores, dos militantes do Movimento
Popular pela Saúde, questões políticas ligadas ao cotidiano. No início do século XXI, a
Igreja volta a ser palco da busca da espiritualidade. Na nova Igreja, durante todo o dia é
possível encontrarmos católicos em vigília e adoração ao Santíssimo. O que antes fora
proclamado como “ação sem fé”, agora é afirmado como “ação pela fé”.

Figura 20- Reunião de líderes dos Grupos de Evangelho no pátio da igreja demolida.
Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor. s/d.

Nessa disputa pela memória, dentre os vários itens de que nos fala Michael
Pollak (1989), pode se apontar que o grupo de católicos que mantinha um alinhamento
político junto à Igreja Popular de Goiás em Itapuranga passou, após os anos de
repressão e ditadura militar, por uma rearticulação e, por que não afirmarmos, por uma
desarticulação.
Uma parcela significativa da Igreja Católica no Brasil como instituição,
partícipe de uma política global que se firmou e fortaleceu como uma das poucas a dar
guarida aos movimentos sociais durante os anos de endurecimento e perseguição do
regime militar, rearticulou seu discurso político. Isso se deu, por um lado, em
134

consequência do processo de abertura política e, por outro, pelo próprio afastamento dos
indivíduos e pelo maior cerceamento das instâncias superiores da instituição junto aos
grupos considerados mais progressistas. Essa reorganização global atingiu o nível local
com o processo de arrefecimento de Dom Tomas Balduino e, principalmente, com a
presença e as práticas da Renovação Carismática Católica na Paróquia de Itapuranga.
Aqueles sujeitos dos anos de 1970 e 1980 compreenderam que não mais
havia espaços de luta mediados pela Igreja. Hoje, estes parecem se perceberem como
católicos distantes das novas formas de se vivenciar e praticar o catolicismo em
Itapuranga, pois não há mais o horizonte da utopia proposto pela Teologia da
Libertação. Mas, como já afirmamos, continuam a se identificar como sujeitos católicos.
Não é apenas um novo prédio, uma nova sede da Igreja que foi construída.
A atual conta com uma arquitetura arrojada, moderna e, sim, com uma nova
configuração de forças, novos aliados, novos sujeitos que, no entanto, mesclam-se aos
antigos defensores da justiça social. São diferentes, porém iguais: sujeitos católicos.
Sandra Jatahy Pesavento (2004) afirma que a arquitetura e a escrita são como formas de
vitória sobre o tempo. Para a autora:

Em termos gerais, a arquitetura inscreve no espaço uma forma que


aspira à durabilidade, exceção feita às chamadas arquiteturas do
efêmero, presentes na nossa contemporaneidade. A história, por seu
lado, inscreve no texto um relato que visa também a uma permanência
de sentido. Mesmo tendo em conta que seu objeto é a mudança das
sociedades no tempo, a narrativa histórica aspira a salvar o passado
para o presente e a registrar para o futuro um discurso explicativo
sobre o tempo. A memória é, por definição, uma luta contra o
esquecimento. Nesta medida, arquitetura, memória e história poderiam
ser definidas como atividades humanas marcadas pelo enfrentamento
com o tempo, assegurando registros voltados para a durabilidade.
(PESAVENTO, 2004, p. 1602).

É por esse efeito de durabilidade, uma busca pelo não esquecimento, que os
católicos de Itapuranga se enfrentaram na arena real e simbólica, buscando firmar seus
espaços como lugares de memória. Para Nora (1993):

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há


memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso
manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios
fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais.
(NORA, 1993, p.13).
135

Os dois grupos envolvidos compreenderam bem a importância daquele


prédio dentro da ‘arquitetura da memória’ do lugar. O grupo que conseguiu impor o
projeto de demolição da Igreja sabe que o seu monumento, sendo obra dos desejos
políticos, também é mutável. Balandier (1982) nos lembra de que nenhum dos atores
políticos confrontados pode ignorar que a mudança gera imagens que desempenham
papel decisivo nas estratégias de poder (BALANDIER, 1982, p .66).
É o que buscamos analisar no diálogo de acompanhamento do processo de
enfrentamento e convencimento por parte dos católicos carismáticos na luta pela
redefinição dos lugares políticos dentro do campo religioso católico em Itapuranga.

3.1 A Construção da Igreja Cristo Redentor pelo Livro do Tombo da Paróquia


Nossa Senhora de Fátima.

História e memória podem ser compreendidas a partir das várias


possibilidades como os atores sociais elaboram e reelaboram suas percepções e
construções, não apenas do seu passado, mas também de sua trajetória nesse passado.
Assim, para Seixas (2002):

A memória possui um primeiro e bem definido patamar: a memória é


desencadeada de um lugar, e este se situa no presente. A memória do
passado revela, de imediato, sua incontornável inscrição original: o
tempo presente. (SEIXAS, 2002, p.62-63).

Ao pensarmos em elementos da memória, pensamos em como estes


complexos dispositivos sociais podem despertar lutas simbólicas numa arena permeada
por sujeitos que partilham identidades próximas, mas que, são demarcadas por traços de
pertencimento distintivos.
Nessa perspectiva, a história da Igreja Católica em Itapuranga e a memória
de uma parcela significativa dos católicos daquele lugar foram marcadas pela demolição
da Igreja Cristo Redentor. Essa destruição desencadeou uma luta de memórias que
poderíamos pensar como o último “cantar dos Cisnes” da experiência progressista da
Igreja Popular de Goiás no município. Lutas, por um lado, pelo não esquecer e, por
outro, pelo esquecimento, ou também pelo apagamento das tensões, contradições
presentes no passado rememorado que, ao emergir através da narrativa de quem lembra,
carrega consigo toda a carga de poder e luta dos grupos sociais em embate. Seixas
136

(2001) nos diz que “temos a sensação de vivermos sob o império da memória e de seu
correlato – o esquecimento”. (SEIXAS, 2001, p. 37).
O que podemos apreender aqui é a ambivalência do poder, que Balandier
(1980) aponta como o poder em algum lugar. Mas que lugar é esse? Os revolucionários
Grupos de Evangelho, que tantas transformações produziram nos primeiros anos da
‘Caminhada do Povo de Deus’ em Itapuranga? O Grupo da Renovação Carismática
Católica que, para alguns católicos, reavivou a Igreja naquela localidade? O Conselho
Paroquial, numa reconfiguração de poder em que alguns sujeitos, dentre eles o padre,
discutiam as questões e os problemas da comunidade? Para nós, a resposta pode ser
encontrada na forma como esse fórum de discussão da Igreja local se reestruturou nos
anos pós-revolucionários dos Grupos de Evangelho.
É nesse espaço e a partir dele que se produziu a necessidade de se construir
um novo lugar para as celebrações. De uma discussão inicial de ampliação e reforma,
partiu-se para uma discussão sobre a demolição e a construção de outra Igreja. A partir
desse poder, em algum lugar, é possível compreendermos ‘esse império da memória e
do esquecimento’ do qual nos fala Seixas (2001), tendo a demolição da Igreja efetivada
nos anos de 2000 e a construção de uma nova com outra concepção de espaço e a
renomeação dos lugares utilizados pelos agentes pastorais como textos produzidos pelos
“novos atores sociais” da/na reconfiguração do campo político-religioso em Itapuranga.
Entendemos que tais fatos e os posicionamentos que desencadeou na
sociedade local são sinais expressos pelos sujeitos pertencentes ao grupo que teve seu
projeto de evangelização vencedor. Tais sujeitos estes que desejavam esquecer/apagar o
passado e a luta dos vencidos, que tinham naquele templo a referência e a pertinência da
luta. Portanto, sujeitos que compreenderam a necessidade de se imprimir uma nova
“floresta de símbolos” para garantir a naturalização de seu poder.
Essa é uma disputa travada entre sujeitos que, apesar de comungarem de
uma identidade comum o ser católico se diferenciam na percepção social e política da
vivência da religiosidade. Mais especificamente, o que se apresenta é como a inserção
da Renovação Carismática Católica em Itapuranga, na década de 1980, possibilitou um
redimensionamento das práticas religiosas e também do uso dos lugares onde se
exerciam as várias práticas político-religiosas da Igreja do Evangelho, não somente
produzindo um apagamento desse período, mas também apresentando uma narrativa
bem estruturada, expressa na nova arquitetura da Igreja, o que para nós é significativo
na nova compreensão dos espaços de vivência do sagrado.
137

Para Balandier (1980) se o poder está em algum lugar, e nós o localizamos


na composição do Conselho Pastoral da Igreja de Itapuranga, é na capacidade de
argumentação e convencimento dos sujeitos ligados à Renovação Carismática Católica
que se origina todo esse processo de luta que denominamos de luta pela memória.
A Igreja Cristo Redentor (a velha) foi pensada e construída tendo como eixo
norteador o espaço como possibilidade de agregar pessoas, não apenas através das
celebrações, missas e demais rituais do catolicismo, mas também como lugar que
propiciasse sociabilidades. Assim, descreve se partes importantes de um grupo de
católicos que tem sua história de vida ligada à história da militância da Igreja do
Evangelho, em Itapuranga, em um manifesto contra a destruição da Igreja intitulado: “O
porquê de não demolir a Igreja Cristo Redentor”60:

Foi nesse templo que durante 30 anos aconteceram todas as reuniões


dos coordenadores das CEBs. A confraternização de final de ano do
município com muita oração, cantorias, folclore, troca de lembranças
entre as comunidades. (PNDICR, 2000, p. 2).

O espaço da Igreja era o espaço das assembleias populares que visavam


discutir desde questões da catequese até a luta pela saúde popular, dentre outras tantas
lutas. O documento apresenta uma interpretação da estrutura da Igreja:

Observando a estrutura arquitetônica da Igreja podemos perceber a


ação desta comunidade que tinha no templo uma representação
política e simbólica muito mais forte que se pensa. Essa construção
tem um aspecto arredondado significando mais igualdade e
participação popular nos trabalhos pastorais onde o padre se colocava
no mesmo nível de igualdade de seus fiéis. E mesmo o aspecto da
igualdade entre as pessoas pode ser visto se observarmos a construção
de dentro, passando uma imagem de que todos são iguais. Essas
inspirações foram buscadas nas diretrizes do Concílio Vaticano II,
Medelin e Puebla onde a igreja se torna mais participativa e mais
circular que piramidal (PNDICR, 2000, p.2).

Os idealizadores do documento demonstram uma interpretação da


construção da Igreja, buscando nas mudanças propostas pelo Concílio Vaticano II, mais
especificamente, em suas adaptações para a América Latina, via Puebla e Medellín,
suportes para dimensionar a importância histórica do prédio a ser, não apenas protegido,
mas preservado como monumento arquitetônico. O presente que rememora o passado vê
60
- Tomamos contato com esse documento através do Trabalho de Final de Curso: “Transformações no
Universo Religioso em Itapuranga”, de Aparecida Pires de Morais e Viviane Alice de Oliveira, UEG,
Itapuranga, 2004. Usaremos a abreviatura PNDICR ao nos referirmos a esse documento neste trabalho.
138

as dimensões políticas da arquitetura em que espaço e simplicidade são tomados como


traços que possibilitam uma politização do cotidiano, conforme aprendizado de toda
uma década representada pelos anos de 1970.

Cumpre salientar que a Igreja Cristo Redentor foi edificada através de


doações e convênios, onde em 1970, o Pe. Antonio Cappi, como
pároco dessa paróquia, iniciou as obras de construção da Igreja com
recursos vindos da comunidade e da Diocese de Modena, cidade da
Itália. Aqui fica evidenciado que este templo tem um processo
histórico que jamais poderá ser negado por nós e por todos
aqueles que acreditam na força popular. (PNDICR, 2000, p. 1;
grifo nosso).

No documento, são enumerados os vários momentos em que o lugar foi


palco de tomada de decisões consideradas importantes, não apenas na/para a trajetória
da Igreja de Goiás, mas também na história política de Itapuranga. Na sequencia da
explanação do documento, transparece que esse espaço foi várias vezes abrigo para
denúncias contra o autoritarismo do regime militar no nível macro, bem como
desmandos e caprichos da política local foram apresentados, debatidos com o povo
católico. As celebrações eram permeadas por pequenas lições de política: a importância
da formação da associação de lavadeiras, a necessidade de se participar das discussões
políticas na Câmara dos Vereadores, a formação de assembleias para discutir desde a
campanha pelas “Diretas Já” e a Assembleia Constituinte até a violência de fazendeiros
contra seus agregados. Vários outros momentos de efervescência política no cotidiano
da cidade e da Diocese foram discutidos, enfim, em todos os níveis. Assim, são
enunciadas as ações que tiveram a Igreja como lugar de acontecimento:

além das formas simbólicas do templo, este foi palco para uma série
de tomadas de decisões dos trabalhadores e trabalhadoras de nossa
comunidade itapuranguense. Foi nas dependências dessa igreja que
aconteceram vários fatos históricos que marcaram a história social de
nossa cidade [...] (PNDICR, 2000, p.2).

A reunião de apoio aos posseiros da fazenda Córrego da Onça, as


assembleias para a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, a
fundação da Associação Popular de Saúde são citados como momentos de efervescência
política do lugar. Mais do que a dimensão sagrada de templo católico, esses sujeitos,
que tiveram suas identidades marcadas e remarcadas pela luta política, desejavam a
permanência de seu lugar de memórias. Queriam o templo como expressão concreta de
139

um período marcado pelos vários enfrentamentos sociais, culturais, políticos e,


obviamente, religiosos.
A Igreja foi construída a partir das doações de materiais, leilões, mutirões de
caminhões, caminhonetes, carroças, dias de pedreiros, serventes, campanhas para o
forro e muito mais. (PNDICR, 2000). No documento, é citada, inclusive, doação vinda
da Diocese de Modena, na Itália, e o trabalho através dos mutirões. Sob a administração
do então Padre Antonio Cappi e a supervisão do senhor Otacílio José dos Santos, a
Igreja materializava o pensamento de uma nova visão de evangelização.

Enfim, tivemos a participação de toda uma comunidade que ora doava


aquilo que estes dispunham no momento, colocando naquela obra os
seus sonhos, anseios de verem ali uma construção, que tem um valor
sentimental e, acima de tudo, simbólico, pois representa a força e
união de um povo para dar forma a um projeto maior que é o de uma
igreja que partilha e vive o seu cotidiano com os homens e mulheres
de nossa comunidade católica. (PNDICR, 2000, p.1b).

O Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga


apresenta uma questão emblemática para a análise das relações conflituosas do universo
religioso do município. É um sinal embrionário, uma pista das tensões do cotidiano
entre os sujeitos que compunham o universo católico. Nas crônicas de 18 de outubro de
1961, somos informados de que havia um movimento clandestino para se construir uma
capela no Xixazinho. No mês de setembro do mesmo ano, a Igreja Matriz, localizada no
Xixazão, é tida por quase pronta, o que pode ter provocado os brios dos católicos do
Xixazinho. Assim, o narrador Monsenhor Lincohn Monteiro relata a questão:

Após dois dias de cama por prescrição médica, o Vigário levantou-se


para sustar um movimento clandestino pró construção de uma capela
em Xixazinho. Por que não procuram o Vigário? Será isso religião ou
política? Creio que a segunda é a razão. (LTPNSF,18 de outubro de
1961, p.11; grifo nosso).

No Plano de Ação para o ano de 1963, escrito pelo Padre José Elverth
Ferreira, a construção da Igreja do Xixazinho aparece em 18º lugar nas prioridades. Em
5 de maio de 1963, ele nos narra que: “Celebra missa vespertina no alto do Xixazinho,
num ranchão de palha que mandei fazer para as missas e catecismo dominicais”.
O primeiro registro de eventos para levantar fundos para a construção da
Capela, como é designada no Livro do Tombo, data de 8 de março de 1967, tendo à
140

frente o Padre Nello Bononi. Tratou-se de um leilão. O padre registra, na ocasião, que a
iniciativa estava encontrando boa receptividade.
Em 30 de maio de 1968, o Padre Nello narra que recebeu escritura dos
primeiros dez lotes da quadra P, no Xixazinho, vendidos pelos irmãos Maia Ramos, de
Itauçu, para a construção da Capela. No mesmo ano, em 30 de outubro, a narrativa do
padre aponta uma inquietação com a vagareza para se conseguir levantar a verba para a
construção da Capela. Assim ele se manifesta:

Também este ano durante todo o mês foi realizado o terço nas famílias
com leilões em prol da construção da Igreja do Xixazinho. No começo
foi bastante fraco mais foi sempre mais aumentando seja a freqüência
do povo que os leilões. É pena ter ainda dificuldades para iniciar esta
bendita Capela. Estou aguardando o engenheiro que de
Ita?(incompreensível) irá se estabelecer em Itaberai e poderá fazer um
bonito projeto. (LTPNSF, 1968, s/p.).

Em 25 de dezembro de 1968, é registrado no Livro do Tombo: “Recebi a


escritura dos outros lotes da quadra onde surgirá a Capela do Xixazinho: são ao todos
dezoito lotes e foram gastos N$9.300.000 tendo sido de N$4.000.000 a colaboração
dada pelo prefeito senhor Agoncílio da Silva Moreira”. Em 10 de abril de 1971, Padre
Antonio Cappi nos diz que: “Iniciado o costume de celebrar em Xixazinho,
regularmente, na quadra do Colégio. Participação grande. Por enquanto não há
inconvenientes. Mas estou esperando de poder usar o “nosso salão”.
Mas é no dia 25 de abril de 1971, durante a reunião do Conselho Pastoral
que surge, acreditamos, a “tradição inventada”, conforme Hobsbawn (2002), da
importância simbólica do prédio da Igreja então em processo de construção:

Por tradição inventada entende-se um conjunto de práticas,


normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores
e normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás,
sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um
passado histórico apropriado. (HOBSBAWN, 2002, p.09).

A narrativa apresentada no Livro do Tombo, em 25 de abril de 1971 é


significativa dentro do contexto de disputas e divisão dos católicos de Itapuranga
daquele período. Para ampliarmos a compreensão sobre a construção da nova Igreja no
141

Xixazinho e o processo de transformação desta num monumento à memória da luta


travada, principalmente, durante os anos de 1970:

Reunião do Conselho Pastoral, com participação de todas as senhoras


do Apostolado, dízimo, equipes. Nasce a idéia: Igreja em Xixazinho,
no duro. Será Centro Comunitário, mais que Igreja. Já marcada a
festa de S. Sebastião: 20/06. Início: dia 11. Servirá para continuar a
construção. Procurarei não virar um faraó construtor, mas prefiro
aproveitar destes poucos meses para facilitar o que os novos colegas
não teriam coragem de fazer, temendo a reação e divisão do povo =
levar a paróquia para Xixazinho que é o verdadeiro centro de Xixá, o
centro dos melhores católicos e o centro de expansão. Eles serão
aceitos melhor! (LTPNSF, 1971, s/p.; grifo nosso)

Três questões são centrais nessa crônica do dia 25 de abril de 1971 para a
argumentação que desenvolvemos sobre as formas e os motivos pelos quais o espaço da
Igreja passará a ser apropriado e utilizado pelos sujeitos católicos militantes da Igreja
progressista nos anos vindouros. Em primeiro lugar, voltamos à questão da invenção
das tradições. Quando o nosso narrador afirma categoricamente que a Igreja que se
construirá no Xixazinho será mais do que meramente um prédio, será um centro
comunitário, expressa a expectativa futura da utilização desse espaço para além da
função de templo. Estamos no período em que a Diocese de Goiás, na sua Igreja do
Evangelho, denominou de Transição (1970-1971).
Nesse momento, a Diocese de Goiás propôs um “olhar para a realidade”. É
aqui, para nós, que nasce o apelo para transformar este lugar num espaço de memória.
Em segundo, levar a Paróquia para o Xixazinho não passa, intencionalmente, por um
processo de distanciamento desta com as famílias influentes na política local, na sua
maioria moradora do Xixazão, mas a afirmativa é de que isso ocorre porque no
Xixazinho é onde estão os “melhores católicos”. Como o nosso narrador não qualifica
esses sujeitos, ficamos sem saber o que seria “um melhor católico” em Itapuranga nos
anos de 1970. Passaria por uma maior adesão ao projeto inicial da Igreja do Evangelho?
E, por último, há a afirmativa do padre de que o Xixazinho é o centro de Xixá
(Itapuranga), e de que é ali o centro de expansão da cidade, consequentemente, o lugar
da efervescência político-social.
Na crônica de 30 de maio de 1971, duas observações do padre são
instigantes para quem detém as informações de como se comportariam as forças em
embate na disputa pela composição desse campo político-religioso. O padre se mostra
um exímio analista das formas como se dá a oposição entre católicos militantes e não
142

militantes da nova Igreja em Goiás. O grande evento motivador da reflexão é a saída de


Padre Nello do sacerdócio para se casar. Esse casamento produziu entre os católicos e,
na cidade em geral, uma onda de boatos, pois o padre se casaria com uma católica,
considerada pelos sujeitos da Caminhada como uma das mulheres mais atuantes em
todas as fases da história da Igreja do Evangelho em Goiás.
A outra observação se refere à forma como o padre justifica a não leitura de
uma carta papal sobre o uso dos meios de comunicação social, o que demonstra o nível
de enfrentamento a que se dispôs com os católicos:

Pe. Nello foi um homem de fé. Pessoalmente sinto só uma certa


dificuldade no fechamento desta comunidade. Domingo não pude ler
a carta do papa sobre os meios de comunicação social (convidava ao
interesse e bom uso dos meios de comunicação) porque para uma
comunidade intransigente e que julga quem presta e quem não presta,
seria um choque. Mas é minha intenção abrir um diálogo honesto com
a comunidade. Acho que uma fé deste tipo, não é uma fé evangélica.
Pelo menos, não é a minha fé. Se tiver razão o meu amigo Nello, estou
condenado! (LTPNSF, 1971, s/p. grifo do autor)

Passados sete meses desse registro, somos informados de que um novo


embate havia sido travado entre os católicos de Itapuranga. O motivo: a canção “Jesus
Cristo”, de Roberto Carlos, havia sido apresentada pelo Coral na missa, o que provocou
descontentamento entre alguns católicos. Nessa crônica, é relatada a chegada do novo
padre que iria assumir a Paróquia, Padre Ivo Poletto, e como o ex-padre, Nello Bononni,
se integrou à comunidade como agente pastoral. A crônica tem início com a seguinte
exclamativa: a paróquia caminhou! Vejamos:

Nestes meses, a paróquia caminhou!


Houve pequenos inconvenientes (Otacílio incompreendido por alguns,
no trabalho de construção! Más é uma pessoa excelente! Jesus Cto., de
Roberto Carlos, que escandalizou algumas pessoas do coral: sinal da
presença atuante dos católicos-pentecostais no meio de nossa
comunidade!) mas o núcleo cristão está-se cada dia mais
conscientizado.
Pd. Ivo Poletto foi muito bem aceito. Só esperam dele uma longa
permanência e um bom trabalho de equipe.
Querem destruir o salão paroquial: não o faça! Tudo o que serve, deve
ser reformado, não destruído (só porque é salão feio).
Pd. Nello está definitivamente inserido na comunidade, a aceitação já
é quase geral. Faço voto (já falei disso em pleno conselho) que ele seja
dia a dia mais valorizado. Quem sabe que amanhã não precisamos
também mais desta compreensão que demonstramos nestes meses ao
colega e amigo Pe. Nello! (LTPNSF, 1971, s/p. grifo nosso)
143

O uso do verbo caminhar se torna um termômetro explicativo do processo


de politização e compromisso social dos sujeitos da nova Igreja de Goiás. Conforme
discutimos no primeiro capítulo, estar na Caminhada, ser da Caminhada é um elemento
diferencial para os católicos da Diocese de Goiás como um todo e para Itapuranga em
particular.
O último registro do Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima
data de 24 de dezembro de 1971 e foi escrito pelo Padre Antonio Cappi. Neste,
novamente é reforçada a ideia de que um grupo de católicos pentecostais atravanca o
desenvolvimento da Igreja compromissada com as lutas sociais. Ao término, o padre
expressa que o que de melhor existe na comunidade de Itapuranga são os católicos
humildes.
As linhas que contém é, como afirmamos acima, a última crônica da Igreja
de Itapuranga, registrada na folha 58. O padre assina como ex-vigário e data. Não há, ou
pelo menos não conseguimos encontrar, nenhum outro registro oficial das crônicas da
Igreja Católica em Itapuranga pós-1971. Encontramos outras fontes, tais como os
Boletins Paroquiais e os jornais da Diocese, mas nada referente aos registros das
crônicas da Paróquia desse período. É um longo espaço de tempo que só acessamos ou
pela experiência daqueles que o vivenciaram ou por meio dos Boletins Diocesanos e dos
informativos dos movimentos sociais de Itapuranga. Assim, nos é apresentada a última
reflexão, refinada e afiada de Pe. Antonio Cappi:

Hoje, a meia noite, Dom Tomás vai celebrar a 1ª Missa oficial (já
celebrei uma vez com Mons. Lincohn), na Nova Igreja.
Não pude fazer milagres, nesta comunidade, porque não pertenço à
Igreja Católica – Pentecostal, nem sou metido a santo!
Deixo só uma grande amizade, um pouco de saudade (do forte ninho)
e um abraço ao pessoal humilde, o núcleo melhor desta comunidade.
(LTPNSF, 1971, p. 58. grifo nosso).

Ao acompanharmos pelas crônicas do Livro do Tombo da Paróquia


Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga as tramas empreendidas pelos padres naquele
período para a construção da Igreja Cristo Redentor, as dificuldades e incompreensões
apresentadas na implantação da Igreja do Evangelho – justificativa apresentada pelos
católicos contrários à demolição da Igreja, quase somos levados a crer que a emergência
da Renovação Carismática Católica nada mais é do que a confirmação da afirmativa do
Padre Antonio Cappi, em 1971, de que os católicos de Itapuranga eram Católicos
Pentecostais.
144

3.2 - A visibilidade das escolhas da Igreja do Evangelho em Itapuranga

Figura 21 - Panfleto distribuído pela Igreja Católica de Itapuranga - 24/03/1985.


Fonte: COSTA, I. S.

Para Teresinha Duarte (2003), “Se as Paredes da Catedral Falassem”


diriam muito da história da Arqui Diocese de Goiânia e do período do pastoreio de D.
Fernando Gomes dos Santos. Em Itapuranga, as paredes dos antigos Salões da Igreja
Cristo Redentor falavam. E falavam alto àqueles que tiveram suas vidas demarcadas
pelas inúmeras reuniões dos Grupos de Evangelho ou do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. Poderíamos enumerar todos os movimentos sociais que, para nós, tinham a
Igreja como elemento mediador da ação política. Em homenagem aos mártires da Igreja
do Povo, os salões da Igreja receberam os nomes desses mártires: Nativo da Natividade,
Índio Marçal, Zumbi dos Palmares, Margarida, todos mortos na militância da Igreja da
Libertação. O panfleto “Nossos Mártires Vivem!”, distribuído pela Igreja Católica de
Itapuranga em homenagem àqueles que tombaram na luta pela libertação, assim diz
145

sobre a perseguição aos homens e mulheres que optaram por combater as injustiças do
mundo através da mediação da Igreja Católica na sua vertente progressista:

A perseguição não é fruto de loucura e desmandos de comandantes ou


grupos, mas é a resposta estrutural de um estilo de sociedade que se
sente ameaçada, e que para defender seus privilégios, é radicalmente
violenta. O que a repressão quer destruir, não é um ou outro líder, mas
o próprio povo que é cristão e pobre. Na América Latina
contemporânea, centenas de cristãos – leigos, religiosos, religiosas,
padres e bispos – sofreram e sofrem diferentes tipos de perseguições,
que vão desde invasão de casas, espancamentos, prisões, longos
interrogatórios, cárceres, torturas físicas e psicológicas, expulsão e
assassinatos. Para realizar esta tarefa são pagos pistoleiros, assassinos
profissionais, organizações paramilitares, ou as próprias forças
armadas. [...]
Estes mártires são também nossos Profetas de ontem e de hoje,
que tiveram a coragem de não se calar. É justo que recordemos nossos
mártires neste dia do 5º aniversário de martírio de Dom Oscar Romero
bispo da Igreja de San Salvador. Hoje também vamos recordar nossos
Mártires da TERRA DO BRASIL (índios, posseiros e estudantes)
(IGREJA CATÓLICA DE ITAPURANGA, 1985, s/p. grifo nosso)

Reportamos o leitor à figura 20 acima - Salão Índio Marçal:

Marçal índio Tupã Guarani. Da aldeia de Dourados Mato Grosso do


Sul.
Marçal destacou-se pela luta incansável em favor de seu povo e pelos
discursos (denunciando a exploração que sofrem as nações indígenas).
Em nome desse povo, Marçal saudou o Papa João Paulo II em Manaus
em 1980. Ele incentivou o grupo Kaioá a garantir suas terras. Tudo
isso desencadeou a violência de sua morte. Um dia Marçal disse: Eu
sou uma pessoa marcada para morrer ... mas por uma causa a gente
morre. A gente tem que perder a vida por uma causa. E, assim, foi
assassinado no dia 25 de novembro de 1983. (IGREJA CATÓLICA
DE ITAPURANGA, 1985, s/p. grifo nosso)

A figura (22) abaixo retrata o uso do espaço por dois grupos distintos de
católicos: uma reunião do Grupo de Jovens da Igreja Cristo Redentor, e, ao fundo
vemos que o grupo ali reunido é composto por homens e mulheres. O pátio era enorme,
com algumas árvores. Várias festas e reuniões aconteceram nesse lugar. Mas o que nos
interessa, nesse momento, é o registro ao fundo do salão dedicado à memória de
Margarida Maria Alves e Zumbi dos Palmares. Ambos fazem parte do universo
brasileiro das lutas populares.
146

Figura 22 – Usos dos espaços da Igreja Cristo Redentor – demolida. s/d


Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.

Já a senhora Margarida, mais uma personagem da história da Igreja Popular,


tombara também na luta da Caminhada do povo de Deus.

Margarida Maria Alves


Presidente do Sindicato dos trabalhadores Rurais de Alagoa Grande na
Paraíba. Margarida, companheira da libertação, sua luta foi muito
forte contra os usineiros no vale canavieira da Paraíba, defendendo os
direitos dos trabalhadores rurais, explorados. Por isso Margarida foi
assassinada no dia 12 de agosto de 1983. Um tiro de espingarda de
grosso calibre e cheia de pregos enferrujados espatifou sua cabeça.
Avisada pouco antes do crime, que sua vida corria perigo ela disse: Só
deixo de falar quando eu morrer. (IGREJA CATÓLICA DE
ITAPURANGA, 1985, s/p. grifo nosso)

Os sujeitos que foram ressocializados dentro dessa nova forma de ser da


Igreja em Goiás mereciam, para além de ver as letras e as palavras contidas naquelas
paredes, dentre outros elementos, ter a certeza da força do exemplo. Mais do que de
nomes nas paredes, tratava-se de uma genuína pedagogia da luta popular. Mas apagaram
tudo, deixando todas as paredes brancas, silenciadas e silenciosas de toda a história
contida naquelas homenagens. Talvez se perguntados, uma grande maioria dos sujeitos
que frequentavam aqueles espaços não saberia responder quem eram aqueles homens e
147

mulheres que estavam nomeados ali, mas saberiam falar, possivelmente com alguma
certeza, que era “gente forte da caminhada da Igreja”.

Figura 23 – Vista frontal da igreja “velha”. Crianças da catequese brincam debaixo


das árvores do pátio. s/d.
Fonte: Acervo José Guedes.

Tanto o ato de apagar a memória contida nas paredes dos salões quanto a
transformação dos espaços externos da Igreja expressam a nova concepção daqueles que
momentaneamente venceram a disputa pelo campo religioso. O que era lugar de
aprender, refletir, discutir, agora é ocupado por um belíssimo projeto paisagístico, não
havendo mais nessa Igreja particular em Itapuranga espaços para os ‘profetas do povo’.
Os profetas e as profecias, agora, já estão estabelecidos desde a Igreja primitiva,
consagrados não pela inserção política na vivência cotidiana da vida religiosa, mas por
obra e dom do Espírito Santo através da Renovação Carismática.
148

Figura 24- Ao fundo, salão onde Margarida M. Alves e Zumbi dos Palmares
eram os homenageados. À esquerda da foto a parede do Salão Índio Marçal. Comparar
com fig. 5.
Autor: SILVA, I. C. (2010).

Figura 25 - Espaço externo da Igreja Cristo Redentor ( Nova).


Autor: SILVA, I. C. (2010).
149

3.2.1 O popular ocupa o altar

A história da Igreja do Evangelho, na Diocese de Goiás, é marcada por


grandes polêmicas. Uma delas diz respeito às práticas do catolicismo popular. Para os
promotores da nova forma de evangelização, a religiosidade popular atrapalhava a
caminhada da Igreja, uma vez que essas são práticas alienadas da vivência da religião. É
deixada de lado toda uma história do catolicismo brasileiro que aprendeu a conviver
com a falta de padres nos sertões e rincões e, mesmo assim, continuou a viver da sua fé
em todos os santos.
A região da Diocese de Goiás recebeu, como apontamos no primeiro
capítulo desta tese, migrantes de várias partes do Brasil, principalmente mineiros e
nordestinos. No processo de ocupação das terras da Colônia Agrícola Nacional de
Ceres, foram eles que ficaram na Barranca e tiveram que achar lugar para se estabelecer
na região. Ora, como negar a força da religiosidade popular desses grupos?
Carlos Rodrigues Brandão (1988), analisando o momento em que Dom
Tomás chega à Diocese de Goiás, nos diz que:

Até o ano de 1968, (1967 para Pessoa, 1999, p.104, nota do autor)
quando D. Tomás assume a chefia da igreja local, os seus
antecessores, bispos, padres e leigos das irmandades senhoriais,
reproduziram entre eles o pequeno jogo usual de alianças e prestações
mútuas de serviços através dos quais os interesses, poderes e símbolos
de legitimidade da Igreja Católica, da elite governante e dos grandes
senhores de terras perpetuam-se, reforçam-se e mutuamente se
auxiliam, quando aqui e ali índios, negros escravos e, mais tarde,
lavradores pobres e submetidos, ameaçavam pequenas rebeliões.
(BRANDÃO, 1988, p.13.)

Dom Tomás refaz o jogo de alianças e proclama que a Igreja de Goiás


passará, a partir de então, a estabelecer como prioridade os sujeitos oprimidos e
injustiçados, os pobres e marginalizados da sociedade. Mas, nesse novo laço de alianças
a Igreja de Goiás, acaba por atropelar iniciativas presentes no catolicismo do povo.
Todo o universo religioso do leigo passa a ser questionado, pois seriam práticas
tradicionais que não possibilitariam caminhar rumo a um aprendizado político.
150

Figura 26- Celebração de Dom Tomás Balduino em uma comunidade de Itapuranga. À


esquerda, (de camiseta Branca e Verde) vemos o Padre Isaac.
Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor, s/d.

Scolaro (2001), comparando as análises de Ivanilde Gonçalves de Moura


(1989) e Jadir de Morais Pessoa (1999) sobre o processo de críticas e reestruturação na
Diocese das práticas do catolicismo do povo, aponta que ambos são categóricos em, por
um lado, ‘enaltecer o trabalho’ político da Diocese, mas, por outro, afirmam o
desrespeito ao universo religioso popular. Para Scolaro (2001), Pessoa (1999) é muito
taxativo em relação a essa nova ordem diocesana. E, para justificar seus argumentos,
busca no trabalho do autor a seguinte afirmativa:

A palavra de ordem era mesmo a erradicação sistemática e


generalizada das práticas religiosas que compunham a piedade
popular. Se isso não fosse possível, a alternativa permitida era o
enquadramento dessas práticas nos propósitos de conscientização da
Igreja do Evangelho. (SCOLARO, 2001, p. 78).

Confrontando a afirmativa de Scolaro (2001) com o texto de Pessoa (1999),


percebemos que houve um deslize de interpretação, pois este autor reflete sobre como
seus entrevistados falam desse processo. Não é o autor que afirma tal procedimento, e
sim os católicos de Ceres que, analisando suas histórias de vida, chegam a essa
conclusão. Se Scolaro tivesse se detido na análise de todo o parágrafo, o sentido seria
outro. Vejamos:
151

Outros inúmeros depoimentos e registros assinalam que


(suprimido da citação de Scolaro) a palavra de ordem era mesmo a
erradicação sistemática e generalizada das práticas religiosas que
compunham a piedade popular. Se isso não fosse possível, a
alternativa permitida era o enquadramento dessas práticas nos
propósitos de conscientização da Igreja do Evangelho. (PESSOA
1999, p 123-124. grifo nosso).

Scolaro foi padre em Itapuranga. E, como já afirmamos, a cidade foi


considerada, pelos agentes da própria Igreja de Goiás, a paróquia onde a Caminhada foi
mais forte na Diocese. Acredita-se também que nesse lugar as práticas populares, como
reza de terço e folia, não foram perseguidas. Talvez, daí a dificuldade de Scolaro de
estabelecer sua leitura, atentando para as violências cometidas contra a cultura, a
religiosidade e o cotidiano desses sujeitos.
No entanto, houve, sim, tentativas, como as apontadas por Pessoa, de
enquadramento dessas práticas. Um exemplo é a Folia de Reis. Na 11ª Assembleia
diocesana, a Igreja assim se manifesta em relação à religião popular:

A Igreja de Goiás, em sua caminhada de libertação, quer assumir a


realidade do povo pobre e oprimido, por isso propõe o seguinte:
Reafirmar a caminhada do Evangelho tendo claro o rumo; Respeitar
os Costumes do povo na sua religião e na sua vida, em vista de uma
transformação; participar das coisas que o povo faz e gosta, para unir
os companheiros da classe oprimida na luta contra a exploração, Estar
presente e participar nas festas e celebrações do povo [...]
(BRANDÃO, 1985, p. 155-156).

Brandão analisa como a Igreja passou a considerar essa questão do


catolicismo popular depois do Concílio Vaticano II, apontando para quatro vertentes de
opções das Dioceses Brasil afora:

a) Dioceses tradicionais e, sobretudo, os grandes centros de romarias


populares incentivam a promovem cultos coletivos, desde que
submetidos ao comando de congregações de sacerdotes; b) setores
romanizados e, hoje, conservadores da hierarquia e do clero
combatem, como no passado, as devoções e os rituais do populares
[...]; c) setores da Igreja para os quais as reformas pós-conciliares são
apenas religiosas e litúrgicas procuram estender sobre o catolicismo
popular uma tolerante compreensão que, com sutilezas de sacristia, às
vezes oculta o interesse de apenas absorver e aproveitar ali os valores
152

positivos, que, outra vez, possam ser incorporados ao controle


eclesiástico; d) as frentes de prática das comunidades eclesiais de base
buscam, com dificuldades muito grandes, a criação de formas de
crença e culto que traduzam, a seu modo, não mais a religião da Igreja
ou a religião do povo, mas uma religião de compromisso entre de um
lado e o outro [...] (BRANDÃO, 1985, p 133; grifo nosso).

O Boletim Paroquial de Itapuranga, do mês de janeiro de 1979, publica o


balanço de Dom Tomás Balduino sobre os dez anos de seu pastoreio frente à Diocese de
Goiás. Usando a metáfora da Caminhada da Igreja de Goiás, ele a compara à caminhada
de José e Maria em busca de um lugar para o nascimento de Jesus. E assim apresenta
seu balanço:

[...] foi a caminhada de gente do povo, povo de lavradores e operários,


de lavadeiras e empregadas domésticas, de peões e jovens estudantes
empregados. Foi uma jornada de contradições, de repressão, de
incertezas, de desencontros. Não foi uma caminhada brilhante. Teve
marchas e contra-marchas. Às vezes avançou demais. Em outros
momentos parou até recuou. Uns correram muito, enquanto outros mal
podiam andar. E houve até quem abandonou o caminho. (BOLETIM
PAROQUIAL, 1979, s/p).

Voltando à discordância entre Scolaro (2001) e Pessoa (1999) sobre a


relação entre a Igreja Progressista de Goiás e as práticas do catolicismo popular, Pessoa
nos apresenta a seguinte interpretação sobre os novos usos dados à folia de reis em
Ceres:

Com a folia de reis houve uma aparente inversão: era proibida ou pelo
menos muito atacada no tempo dos franciscanos e passou a ser
admitida pelos oblatos. Mas isso não quer dizer que a Igreja do
Evangelho tenha tratado a folia como sujeito religioso. O que se fez
muito foi estimular os ternos de folia a cantarem o conteúdo político-
religioso da caminhada, com a melodia da folia. Uma dessas
iniciativas até tornou-se hino na Diocese, chamado exatamente de
Folia da Caminhada. (PESSOA, 1999, p. 136).

Assim, na perspectiva de olhar para a história da Igreja de Goiás e de


divulgar seus passos é que alguns lavradores de Itaguaru compuseram a Folia da
Esperança que, apesar de não conseguirmos confirmação, acreditamos se tratar da
mesma Folia da Caminhada, apontada por Pessoa (1999), que foi entoada em quase
todas as paróquias da Diocese de Goiás. Ela registra a história dos dez primeiros anos
da Igreja do Evangelho:
153

Folia da Esperança
Dez anos de Caminhada/ Na Diocese de Goiás
Trouxe do Concílio de Roma/O nosso Bispo Tomás
Contra a injustiça e exploração/A sua voz se levantou
E a nós pobres em terra e liberdade /O seu apoio ele mostrou
Éramos um povo sem futuro/ E todos desanimados
Com ele aprendemos a coragem/E não seremos derrotados
Descobrimos a verdade/Na caminhada de 10 anos
Com certeza e esperança/ Que nós estamos lutando.
O Cristo da justiça e igualdade/Pois não deixa nós parar
Aí todos os lavradores/Vão ter terra prá plantar.
Um dia que vai chegando/Os últimos serão os primeiros
Cristo nos fortalece/Ele é nosso companheiro
Nessa noite de alegria/Vamos cantar nossa Esperança
Quem aceita o Evangelho/A vitória ele alcança.
São 10 anos que hoje celebramos
De luta e dedicação
Prá frente, com Tomás ao lado,
Celebraremos a Libertação.

Figura 27 - Chegada dos foliões à Igreja Cristo Redentor. A mulher que segura a
Bandeira é Maria Ferreira - . s/d.
Fonte: Acervo José Guedes.

A figura acima retrata a chegada de uma Folia de Reis à Igreja Cristo


Redentor. A mulher que está carregando a bandeira é Maria Ferreira, uma das primeiras
154

mulheres a entrar na Caminhada da Igreja do Evangelho em Itapuranga. Exemplo de


mulher forte da Caminhada, militou em todos os movimentos de base da Igreja de
Goiás: no sindicato, nos Grupos de Evangelho, na formação do Partido dos
Trabalhadores, no movimento pela saúde popular. Sua biografia é marcada fortemente
pelo casamento com um ex-padre da Diocese, Nello Bononni, no início dos anos de
1970 (apresentado no capítulo 01 desse trabalho). A figura acima, bem como a que se
segue abaixo, onde vemos o Padre Isaac Spinelli, fazendo a apresentação da bandeira
pelo espaço da Igreja, são paradigmáticas da forma como se estabeleceu a vivência entre
o catolicismo popular e o progressista em Itapuranga.
Novamente é Brandão (1984) que nos afirma que:

[...] quando o pessoal da Diocese de Goiás começou a redefinir a sua


prática pastoral, foi percebendo que uma atitude de hostilidades ou de
alheamento face à religiosidade popular era uma atitude não só
artificial, do ponto de vista pedagógico, catequético e evangelizador,
mas era também uma atitude não autêntica. Porque, de repente, a
Igreja se recusava a participar do religioso, ainda que fosse de
libertação. Daí o pessoal da Igreja passou a assumir uma nova atitude
com relação ao catolicismo popular; ma atitude definida pela análise
política do sentido de festa religiosa. Os agentes de pastoral
perceberam que a festa, a romaria, o religioso popular não é
controlado pela Igreja e por seus planos de pastoral, por suas
prioridades. (BRANDÃO, 1984, p.171-172).

Não que não tivessem ocorrido várias rupturas nas práticas tradicionais do
catolicismo, como a pompa nos casamentos e batizados, modificados por cerimônias
mais simples e coletivas. Mas, principalmente no período em que Padre Isaac esteve à
frente da Igreja, segundo os católicos da Caminhada, houve uma redefinição nas
práticas progressistas. A evangelização passou a assumir uma posição mais moderada.
155

Figura 28- Padre Isaac Spinelli, carregando a Bandeira da Folia pelos corredores
da Igreja Cristo Redentor - s/d.
Fonte: Acervo de José Guedes.

Figura 29- Foliões no altar da Igreja Cristo Redentor - s/d.


Fonte: Acervo de José Guedes
156

Figura 30 – Celebração na Comunidade da Represa. s/d.


Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.

O sentido desse breve intervalo entre os dois pontos centrais da análise do


capítulo é apresentarmos a complexidade e diversidade das manifestações de que o
espaço da Igreja Cristo Redentor foi palco. Nas fotografias, acompanhamos o giro do
sagrado popular, que são a folia e os foliões no espaço máximo da consagração ao
sagrado, os corredores da Igreja, até que assumem o altar.

3.3 A Renovação Carismática Católica e sua inserção em Itapuranga

A Renovação Carismática Católica se firma como um movimento leigo. Sua


origem está nos Estados Unidos da América, precisamente em Pittsburg, no Estado da
Pensilvânia, em 1967, resultante de um retiro espiritual promovido por professores e
alunos da Universidade Duquesne. Esse encontro aconteceu no final de semana de 17 a
19 de fevereiro de 1967. A partir de então, essa é a data em que se comemora o início
do catolicismo pentecostal, pois é nesse momento que os sujeitos participantes passam a
narrar suas experiências com o Batismo no Espírito Santo e com os demais dons
carismáticos. Todos os textos consultados sobre esse período da história da RCC
apontam para a existência, na história de vida dos sujeitos que participaram desse retiro
espiritual, de experiências religiosas, principalmente pentecostais.
157

A grande questão proposta pelo movimento de renovação espiritual era a


necessidade de retornar aos princípios que norteavam o catolicismo da Igreja primitiva.
A aproximação da Igreja Católica das questões sociais e políticas, via Concílio Vaticano
II, acabou por propiciar o fortalecimento de uma oposição a esses princípios. Nascida
nos Estados Unidos em 1967, como já afirmamos acima, a RCC chega ao Brasil,
conforme o sociólogo Reginaldo Prandi (1997), em maio de 1969:

Segundo a publicação oficial do movimento Renovação Carismática


Católica: O que é?, a RCC teria chegado ao Brasil em 1972 trazida
por padres jesuítas, inicialmente em São Paulo, de onde se teria
espalhado para o restante do país (CNS, s/d). Dom Crispiano Chagas
afirma que o movimento chegou ao Brasil em maio de 1969 por
intermédio do padre Eduardo Dougherty, S.J., e imediatamente foi
transmitido ao padre Haroldo Rahm, S.J. De qualquer modo, a RCC
chegou por aqui pouco tempo depois do seu surgimento nos Estados
Unidos. (PRANDI, 1997, p.34, grifo do autor).

Em Goiás, mais precisamente em Goiânia, Maria da Conceição Silva (2001)


se refere ao ano de 1973 como marco da inserção da RCC trazida pelos padres
Franciscanos.

A RCC iniciou-se na cidade de Goiânia após a participação do frei


franciscano Juvenal Leahy num retiro espiritual ministrado pelos
padres George Kosicki (C.S.N) e Haroldo Rahm (S.J), em 1973, no
convento Mãe Dolorosa. [...] Os sacerdotes franciscanos que vieram
para o estado de Goiás pertenciam à Ordem Franciscana do
Santíssimo Nome de Jesus, de New York. (SILVA, 2001, p.62-63).

Para o sociólogo Reginaldo Prandi:

Na década de 60, no seu processo de adaptar-se aos novos tempos, no


aggiornamento, a Igreja se encontrou num caminho de mão dupla: de
um lado fermentou as ações da esquerda e liderou uma importante
mudança institucional que foi confirmada pelo Concílio Vaticano II e
que significou importante passo na direção de uma elaboração
teológica mais voltada para os problemas sociais, a Teologia da
Libertação; de outro, tomou a trilha mais conservadora que veio a dar
na Renovação Carismática. [...] O Vaticano II é certamente o emblema
do que existe de mais significativo na vida da Igreja contemporânea.
Encontrar nele raízes é, para cada movimento, fonte de prestígio e
legitimidade. [...] sempre houve, na Igreja, teólogos, pastores e leigos
que assumiram uma posição dialética, em favor dos oprimidos, mas
foi só a partir do Vaticano II que essa posição tornou-se oficial e as
atitudes foram sendo sistematizadas. [...] Para os carismáticos não é
diferente. Na cartilha Renovação Carismática Católica: O que é?
158

afirma-se que podemos dizer que João XXIII foi o precursor da


Renovação Carismática. [...] O Concílio foi o início desse Pentecostes
que hoje se vê realizar na Igreja (CNS, s/d) apud (PRANDI, 1997,
p.30-31).

Ainda nos anos de 1970, a RCC comemorou o que configuraram como o


apoio do Papa Paulo VI. Pedro Ribeiro Oliveira, na primeira grande pesquisa sobre o
grupo realizada até então, nos informa que:

O discurso de Paulo VI, em 19 de maio de 1975, a 15.000


participantes do III Congresso Internacional da Renovação
Carismática, foi acolhido pela RC como uma aceitação do movimento
pelo Papa. D. Cipriano Chagas situa-o numa evolução gradativa do
pensamento de Paulo VI no decorrer de 5 anos. Em 1971, o Papa se
referia aos carismas, convocando a Igreja para estar atenta à ação do
Espírito Santo, mas fazia questão de insistir para que eles não fossem
separados do aspecto institucional da Igreja. Já em 1975, embora
reafirmando a necessidade da submissão do movimento carismático à
autoridade eclesiástica, ele fala de necessidade da renovação espiritual
que o Espírito Santo faz surgir. Não usa a expressão Renovação
Carismática, e sim renovação espiritual, entre aspas; porém não deixa
dúvida de que com esta expressão ele designa a RC ali reunida.
(OLIVEIRA, 1978, p.63-64).

Passados onze anos da publicação dessa pesquisa realizada por Pedro


Ribeiro de Oliveira e outros, a RCC, através de Pe. Caetano Minette de Tillesse, publica
o livreto de tom provocativo intitulado “A Teologia da Libertação à Luz da Renovação
Carismática”. Na introdução, o autor tece críticas à pesquisa de Oliveira, argumentando
que ela era baseada em questionários e entrevistas desatualizados.

O trabalho foi realizado por Pedro A. Ribeiro de Oliveira, a partir de


um questionário e de entrevistas realizadas em 1975. Embora esta
pesquisa fosse já bastante desatualizada, a C.N.B.B. pediu a três
teólogos, de linhas diferentes, para darem uma apreciação teológica
baseada nas conclusões do trabalho do CERIS. Os três teólogos
acharam muitos pontos positivos na R.C.C. A parte teológica é bem
fundamentada e resiste à critica. A R.C.C. conta, entre seus adeptos,
com alguns dos melhores teólogos do mundo. Também a catolicidade
da R.C.C. é indiscutível, assim como o reconhecimento por Paulo VI.
(TILLESSE, 1989, p. 11).

O autor apresenta três afirmativas que procuram demarcar bem o jogo de


aliança e poder que a RCC dispõe naquele momento dentro da estrutura da Igreja.
Contra os que os acusam de ser ‘movimento’ e não parte constitutiva da Igreja, rebate
dizendo que são, sim, parte da Igreja, pois se sentem eclesiais:
159

A Renovação Carismática Católica está se espalhando pelo mundo


afora. Já foi aprovada e encorajada pelo Papa Paulo VI e parece ser a
grande graça do Espírito Santo para nossa época. Trata-se de uma
renovação em que o leigo exerce um papel decisivo. Mas mesmo
sendo assumida decididamente pelo laicato, constata-se que a
presença do sacerdote é indispensável. Nas paróquias onde o vigário
não assume a reponsabilidade, a R.C.C. não tem condições de se
firmar e crescer. Nem é suficiente que o vigário dê a sua benção de
longe; é preciso que ele mesmo entre ativamente na Renovação. Sem a
presença do vigário, a R.C.C. não se sente Igreja.
O específico da R.C.C. é este sentir eclesial. A R.C.C. não é um
movimento na Igreja – e deste ponto de vista essencial, nenhum dos
teólogos consultados pela C.N.B.B entendeu a verdadeira natureza da
R.C.C. Um Movimento é um grupo particular da Igreja, que tem suas
atividades espirituais e pastorais próprias, como sejam: focolares,
Legião de Maria, Cursilhos etc. Mas a R.C.C. sente-se Igreja e não
movimento na Igreja. Ela sente-se igual à primeira comunidade dos
cristãos descrita em At. 2,42-47 [...] Exatamente porque se sente
Igreja (e não simples movimento na Igreja), a R.C.C. precisa da
presença ativa do presidente da Comunidade Cristã, o vigário local,
porque o vigário é, por ministério, presidente da Comunidade local;
sem ele não há Igreja.
A dificuldade não vem da R.C.C., mas dos que de fora a chamam de
Movimento porque não querem participar da renovação pelo Espírito
Santo. Eles a chamam de Movimento porque eles ficam fora e querem
se distinguir dela, exatamente como os Judeus chamavam o
cristianismo nascente de seita. A R.C.C. pensa, na luz do Espírito
Santo, que é a graça é uma graça eclesial e, por isso, ela não quer
apenas a aprovação dos bispos e dos vigários, mas a participação ativa
dos mesmos. (TILLESSE, 1989, p. 7-8-10).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ocorrida em Brasília por


ocasião da 34ª Reunião Ordinária do Conselho Permanente/94, de 22 a 25 de novembro,
decidiu pela aprovação e publicação das Orientações Pastorais sobre a Renovação
Carismática Católica. Dois pontos no texto possibilitam refletir sobre os níveis de
cautela com que a CNBB acompanhava o desenvolvimento da RCC. O primeiro ponto
faz parte da apresentação das reflexões e, no segundo, estão cinco itens das Orientações
Pastorais. No item ‘A Igreja Particular’, temos:

Em várias oportunidades, no decorrer dos últimos anos, a Renovação


Carismática Católica tem merecido a atenção de nossos Bispos. A 32ª
Assembléia Geral da CNBB, em abril de 1994, começou a estudar um
projeto de orientações pastorais sobre a Renovação Carismática
Católica, elaborado após ampla consulta a todas as Dioceses do País.

18- A liberdade associativa dos fiéis é reconhecida e garantida pelo


Direito Canônico e deve ser exercida na comunhão eclesial.
160

19- Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas Dioceses e


também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso
estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial,
apoiando o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas e
corrigindo o que for necessário.

20- Nenhum grupo na Igreja deve subestimar outros grupos diferentes,


julgando-se ser o único autenticamente cristão.

21- A RCC assuma com fidelidade as diretrizes e orientações pastorais


da CNBB. A Coordenação Nacional da RCC terá um bispo designado
pela CNBB como seu Assistente Espiritual, que lhe dará
acompanhamento e ajudará nas questões de caráter nacional, zelando
pela reta aplicação destas orientações pastorais, sem prejuízo da
autoridade de cada bispo diocesano.

22- A RCC assuma também as opções, diretrizes e orientações da


Igreja Particular onde se faz presente, evitando qualquer paralelismo e
integrando-se na pastoral orgânica.

25- Deve-se também reconhecer a legitimidade de encontros e


reuniões específicos da RCC, nos quais seus membros buscam
aprofundar sua espiritualidade e métodos próprios, dentro da doutrina
da fé e da grande comunhão da Igreja Católica. (DOCUMENTOS DA
CNBB, 1994, n. 53, p. 5,17-18)

O que podemos apreender desse debate entre a RCC e a CNBB é como esta
procurou produzir formas de inserir o movimento pentecostal no seio da Igreja Católica
do Brasil. Administrar enfrentamentos com a RCC tornou-se tarefa dos católicos
progressistas em suas paróquias particulares. Enquanto estes se confrontavam no
cotidiano, a estrutura eclesial procurava espaços de adequação às novas demandas
postas pela RCC. É preciso lembrar sempre que a Igreja, enquanto instituição, prima por
ser universal, e suas vivências particulares são opções, preferências, e como tais podem
ser reestruturadas conforme as necessidades do período, tal como aconteceu com a
Teologia da Libertação.
Apesar de todo o cerceamento que os membros da RCC sofreram durante os
anos áureos da Teologia da Libertação em algumas Dioceses Brasil afora, o movimento
continuou crescendo espantosamente. Na segunda metade dos anos de 1980, já
apresentava visibilidade em várias Dioceses: tanto nas conservadoras quanto nas
progressistas, tanto nas grandes como nas pequenas Dioceses, ocupando, inclusive,
postos importantes nos conselhos paroquiais. Luiz Roberto Benedetti (2000),
pesquisando a realidade de Campinas- SP, conseguiu resumir num título toda a
complexidade desse período da história da Igreja no Brasil: “Templo, Praça e Coração”.
E depois acrescenta: ‘Templo’. Isso ocorreu no final dos anos de 1980, apontando
161

questões relevantes para o entendimento de como esse movimento conseguiu em tão


pouco tempo alcançar um nível alto de aceitação e rearticulação das alianças.
A Diocese de Goiás, nos momentos iniciais desse movimento em seu
território, mostrou-se mais distante, não havendo incentivo, nem tampouco
manifestações de tolerância. Itapuranga é uma Paróquia emblemática dessa
reconfiguração no campo religioso. Houve um processo dialético: ao mesmo tempo em
que a RCC foi expulsa da Igreja local, com seus grupos de oração, o retorno dos
católicos que haviam esvaziado a Igreja nos anos finais da década de 1970 e nos anos
1980 devido ao alto teor de politização das missas, celebrações e demais rituais
católicos.
A XV Assembleia diocesana apresenta a confirmação de que a RCC não
havia sido assumida pela Diocese de Goiás:

Retomando a decisão da Coordenação Diocesana de março e junho de


1988, esta Assembléia reafirma que o Movimento de Renovação
Carismática não é assumido pela nossa Diocese como forma de
realização de sua ação pastoral. Onde, porém ele se apresente, teremos
uma atitude de diálogo e busca de entendimento para evitar o contra-
testemunho do paralelismo e da desunião na pastoral e na
comunidade. Por outro lado, a Diocese procurará aprofundar uma
espiritualidade que abra oportunidade para uma vivência de oração
comunitária e pessoal na linha da pastoral libertadora que anima a
Igreja Latino-Americana. (XV Assembléia Diocesana, 1991, p.3 apud
SCOLARO, 2001, p. 120-121).

Nesse documento, há elementos que apontam que a Diocese já expressa um


nível de diálogo que possibilitará a inserção desse movimento na estrutura da Igreja
diocesana. Caso voltarmos os olhos para o final dos anos de 1980, quando a Diocese
demarcou intransigência com o movimento, o texto da XV Assembleia diocesana é o
convite de entrada que faltava para a RCC.
Arcângelo Scolaro (2001), analisando as decisões das assembleias
diocesanas, conclui que a proposta da Igreja de Goiás para a RCC é unilateral: o
movimento deveria se adequar às formas do catolicismo progressista, no entanto, a
Igreja popular não cederia terreno, a não ser a aceitação de uma ‘convivência pacífica’
entre iguais. Para este autor:

Não é opção da Diocese, mas onde ele se apresente que haja uma
tentativa de diálogo para se evitar o contra testemunho. É preciso
evitar a divisão, mas o diálogo é num sentido um tanto quanto
162

unilateral, haverá diálogo contanto que a Renovação Carismática


Católica assuma as opções e prioridades da Diocese. Na verdade, o
que se busca é uma quase conversão dos mesmos à caminhada da
Diocese, não se procura perceber neles elementos positivos que
pudessem ser incorporados à caminhada. (SCOLARO, 2001, p.121).

Ora, já na segunda metade dos anos de 1990, todo o radicalismo


contra a RCC se transforma em busca de compreensão e diálogo. A Igreja particular de
Goiás já não mais conseguia se justificar através do já gasto e corroído discurso da
Opção Preferencial pelos Pobres. Esse era o momento de buscar um novo adequar-se às
transformações pelas quais a Igreja católica vinha passando, não só na Diocese local,
mas em sua estrutura geral. Os ventos do novo advento já varriam essa Igreja de Goiás
para as mudanças. Em 1995, no sínodo diocesano, é tirada a seguinte decisão:

Com relação aos carismáticos, tendo presentes as orientações da


Diocese decididas na XV Assembléia e partindo do espírito
comunitário, manter com eles o diálogo. E após a avaliação da
comunidade a respeito da vivência deles em face da pastoral da
Diocese, abrir possibilidades de participação nos nossos trabalhos.
Além disso, designar pessoas para acompanhá-los de modo a criar
oportunidade para que conheçam a história da caminhada da Igreja de
Goiás. (Sínodo Diocesano, 1995, p.13 apud SCOLARO, 2001, p.121).

No município de Itapuranga, o início da Renovação Carismática Católica


pode ser datado na segunda metade dos anos de 1980. Há unanimidade, entre os
católicos do lugar, em relação à pioneira de sua divulgação. No processo de pesquisa,
todos os nossos entrevistados apontaram a senhora Dulcinéia de Brito Lemes como a
iniciadora e principal fomentadora desse novo jeito de viver a religiosidade católica na
Paróquia.
Nesta direção, tem-se que os primeiros contatos com os movimentos
propostos pela RCC no município ocorreram em âmbito bem elementar. Houve um
chamado espiritual para um indivíduo, uma manifestação do Espírito Santo. Assim, a
partir desse chamado, iniciou-se a organização de algumas pessoas que se reuniram em
suas casas para orar. Em seguida, aconteceu, num crescendo, a adesão de amigos e
vizinhos, que logo adquiriram uma estrutura de grupo. À medida que esse grupo foi se
expandindo, modificaram-se os locais de seus encontros, bem como a forma como se
denominavam. Quando já contavam com um número grande de pessoas, passaram a se
denominar Grupo de Oração.
163

Em entrevista ao autor em 18 de setembro de 2000, Dona Dulcinéia de Brito


Lemes nos informou como foi o processo de instauração da RCC. A narradora inicia seu
relato contextualizando a Igreja de Itapuranga nos anos de 1970, dizendo que foi uma
época de intensa dificuldade. Toma como ponto de partida o ano de 1974 para falar de
sua experiência com a Igreja da Caminhada e de como esse momento produziu uma
sede de transformação. Sua narrativa da experiência vivenciada é construída numa
dimensão mística de revelação. Segundo Dulcinéia de Brito Lemes, durante um sonho
recebeu um chamado de Deus para que fosse cuidar da Igreja dele. E, a partir dessa
manifestação profética, buscou a compreensão do que fazer e de como fazer o que lhe
foi pedido.
Quando perguntada sobre quando teve seu primeiro contato com a RCC e
como este se deu, nos relatou que:

Mais ou menos em 1974, foi uma época de muita dificuldade com


relação à própria Diocese... e Dom Tomás, porque o povo tava muito
afastado de Deus e só no social, então eu senti muita sede de Deus,
muita sede mesmo, aí orando em minha casa em um certo dia, orando
mesmo nem sabia que Deus falava em meu coração, eu não sabia,
Deus falou em meu coração: Por que você não ajuda a mudar a minha
igreja? Ele falou assim: A minha igreja; eu entendi que era a Igreja de
Itapuranga, eu entendi na hora, levantei, eu tava numa oração
profunda na hora, eu levantei assim, ah eu não vou fazer nada, porque
Dom Tomás não aceita modificações. (LEMES, 2000, s/p.; grifo
nosso).

O ano de 1974, que nossa entrevistada data como momento inicial de suas
reflexões, é significativo para problematizarmos as justificativas apresentadas para a
busca da transformação do campo religioso católico em Itapuranga. Foi em 30 de
novembro de 1974 que ocorreu o movimento de expulsão dos padres da cidade,
movimento esse que foi organizado e orquestrado pelos sujeitos católicos contrários à
Igreja progressista, pertencentes a uma classe média-alta itapuranguense composta por
fazendeiros, comerciantes, enfim, como eram chamados pelos sujeitos da caminhada: os
burgueses da cidade. Sobre Dom Tomás Balduino e o seu processo de busca de
espiritualidade via movimento carismático católico, assim nossa entrevistada define:

Ele era muito radical, ele era uma pessoa maravilhosa mesmo, mas era
mais social mesmo. [...] Mas aí esse chamado foi mais ou menos no
final de 74 [...] aí eu não entendi, eu não entendi e não obedeci
também, e nem tinha como obedecer, Deus falou uma coisa para que
muito mais na frente; aí eu mudei para Goiânia [...] aí lá eu frequentei
164

um grupo chamado Coração de Maria, grupo da renovação


carismática, e lá fiz: seminário I, seminário II, aprofundamento de
oração, e voltei para Itapuranga, porque as minhas causas eram todas
envolvidas com Itapuranga, deu tão bem Itapuranga, eu senti uma sede
muito grande de grupo de oração, de tá em comunidade, de rezar, aí eu
chamei uma amiga; Dona Severina e a Olinda, a gente; nós três
orávamos toda terça-feira, às três horas, reunia numa salinha, em
minha casa, e a gente rezava. Rezamos um ano mais ou menos [...] eu
nem lembrava do chamado de Deus não. Eu pedia assim que Deus
mandasse um coordenador para Itapuranga para formar um grupo de
oração, que muita gente tinha sede, não era só eu, muita gente tinha
sede, não era só eu, de oração, de encontro com Deus, através da
oração, de espiritualidade. (LEMES, 2000, s/p).

A partir de sua revelação, a senhora Dulcinéia de Brito Lemes inicia sua


participação em um grupo da RCC em Goiânia. Nesse período de afastamento de
Itapuranga, ela passa por um processo de iniciação nos conhecimentos desse
movimento, estruturando a narrativa de seu aprendizado tal qual um ritual de passagem.
Ocorre que devido ao chamamento de Deus, abandona seu lugar de origem, havendo aí
um sentido no afastamento de seu grupo. A senhora Dulcinéia de Brito Lemes se insere
numa nova realidade e apreende novos valores. Em seguida, retorna ao seu grupo de
origem, agora com uma nova identidade, com o reforço de ser uma iniciada, para
ensinar o que viu. A partir desse movimento de participação na RCC em Goiânia, a
religiosa é incentivada a retornar a Itapuranga e formar um Grupo de Oração.
Com a insistência das amigas que participaram desde o início dos encontros
em sua casa, Dona Dulcinéia começa a estruturar encontros. Aponta apoio da Igreja
local, mas também divergências em relação a esta, sendo que um fator fundamental em
sua narrativa é a busca de consentimento junto ao bispo D. Tomás Balduino, a
necessidade que o Grupo tinha de receber, se não o aval completo da Diocese, pelo
menos um amistoso acordo de convivência:

muitas pessoas já haviam falado para mim: Ô Dulcinéia você tem que
começar um Grupo de Oração lá na sua cidade. Pessoas já da
Caminhada, que têm experiência, [...] não quero, para mim eu não
quero. Aí, então ninguém insiste né, eu não; fazer um Grupo de
Oração, não. Pensava assim. Mas daí a Dona Severina, essas três que
já estavam comigo, ela falou assim, Dulcinéia, ela viu que eu estava
até abatida, ela disse: Dulcinéia, o que você está esperando, Deus
descer do céu e falar para você formar um Grupo de Oração? Eu falei,
Dona Severina, a senhora acha que é isto mesmo? Não, eu tenho
certeza. Tanto tempo que nós estamos rezando aqui, eu tenho certeza
que é isso que Deus quer. Então, eu vou convidar as minhas vizinha.
Eu fui na Zuza, fui nas vizinhas. Nos reunimos cinco ou seis naquele
165

dia. Na outra de novo mais seis, sete pessoas, e de sete em diante


eu perdi a conta, foi aumentando, aumentando. Da minha salinha,
nós passamos para a cozinha da minha mãe, que era maior, aliás;
passamos para a minha cozinha, depois para a cozinha dela, na
cozinha não coube, a igreja levou a gente pra lá (pausa) Pra
bloquear né. Também né, mandou a gente sair de novo que a gente
era grupo de esquerda, de direita, eles achavam que o nosso interesse
era político, não tinha nada a ver. Nós só queríamos rezar. Aí o Padre
Arcângelo tira a gente de novo, vai para o Grupo lá do Outro
Lado. Volta, e depois a Edna, apoiou a gente, deu aquele
salãozinho onde é a Igreja Assembléia ela pegou arrumou para
gente, e a gente foi para lá. De lá a gente viemos e alugamos o
cinema, o Gilberto bancou o aluguel de lá muito tempo, graças à
Deus, ele ajudou a gente demais da conta nesse sentido, ficamos no
cinema até termos condições de construir ali onde estamos, porque
a igreja não permitia, mas não fizemos sem a autorização do nosso
padre que era o Padre Antônio, e do Bispo. (LEMES, 2000, s/p.; grifo
nosso).

A ênfase na forma como o número de pessoas frequentadoras do Grupo de


Oração aumenta, tomando proporções inesperadas, obriga a senhora Dulcinéia a
produzir o primeiro deslocamento da RCC na cidade de Itapuranga. Aqui é
extremamente significante para nós a ida do Grupo de Oração para o Xixazão. Pode ter
sido somente devido à facilidade de conseguir autorização para o uso do espaço do
Grupo Escolar Coronel Virgílio José de Barros, mas não podemos perder de vista que a
população do Xixazão foi muito reticente com a Igreja do Evangelho. É uma parte da
cidade onde os animadores dos Grupos de Evangelho disseram que houve poucas
adesões.
A segunda alteração de endereço do Grupo para o espaço onde, por muito
tempo, foi a Igreja Assembleia de Deus, na Rua Farnésio Rabelo, esquina com a Av.
Anhanguera, é bem sintomática. O grupo passa a usar um espaço onde já havia a
memória de uma Igreja pentecostal. Por outro lado, importa observar que o grupo
deixou o Xixazão, lugar de mais difícil acesso, ficando no limite entre o Xixazinho e o
Xixazão. Outra questão pertinente é que o espaço foi cedido pela primeira-dama do
município, a senhora Edna Maria da Trindade, a mesma que, em 1987, se negou a
assinar a declaração de utilidade pública do Hospital da Associação Popular de Saúde,
fato que gerou a ocupação do prédio da Prefeitura. O mandato de seu esposo, João
Batista da Trindade, foi marcado por hostilidade aos movimentos sociais locais.
Utilizando uma prática comum à Igreja Universal do Reino de Deus, o
grupo alugou o prédio do antigo Cine Hawai, situado na Rua João do Couto Rosa,
esquina com a Rua 47-a, Centro, no quarteirão vizinho à sede da Igreja Cristo Redentor.
166

Dona Dulcinéia relata que o Sr. Gilberto de Brito, seu esposo, comerciante e fazendeiro
da cidade, era quem custeava o aluguel do prédio. Saindo desse ponto, o Grupo de
Oração muda para sede própria, situada à Rua 55, Quadra 14, Bairro Joaquim da Silva
Moreira. Esse espaço é usado até os dias atuais para os vários trabalhos desenvolvidos
pela RCC em Itapuranga.
O grupo consegue autorização do Bispo com a recomendação de não se
abrir mais grupos de oração. A narrativa da forma como a coordenadora prepara a irmã
para ser sua sucessora assenta nas estruturas das revelações. Como sua irmã se negasse
veementemente a assumir tal posição, a senhora Dulcinéia faz dela uma portadora de
um pedido por escrito a Nossa Senhora de Mediugórie para que a convencesse a
substituí-la na condução do grupo de oração. E, ao retornar da peregrinação a
Mediugórie, sua irmã, Drª Ilza Ferreira, aceita assumir a coordenação do movimento da
RCC em Itapuranga.

Nós fomos conversar com o Padre Antônio e ele falou: faz logo. E nós
falamos com Dom Tomás, eu e a Ilza (irmã da entrevistada) fomos lá,
porque quando eu comecei eu fui desobediente à Igreja sem saber que
eu estava desobedecendo, eu não fui lá e falei: D. Tomás eu posso
começar um Grupo de Oração? Eu não fui e fiz isso; porque eu não
sabia, sinceramente. Deus me pegou completamente inocente, aí
aconteceu tudo isso, a gente foi muito perseguidos, foi perseguido
demais da conta mesmo, mas não tinha como voltar atrás mais, D.
Tomás se o senhor achar que deve parar em obediência ao nosso
pastor, nós iremos para. Não ninguém pode proibir vocês de rezar, eu
não quero que faz outros grupos porque senão... fica só esse grupo
mesmo. Então continua até hoje né o Grupo de Oração, com suas
quedas, suas dificuldades, que não é fácil de jeito nenhum, eu fiquei
mais ou menos 8 anos na frente no Grupo como coordenadora e a Ilza
me ajudando e eu preparando ela para assumir. E ela não queria
assumir de jeito nenhum, até que um dia ela resolveu, ela foi a
Mediugórie, pede a Nossa Senhora, aí eu mandei uma cartinha e pedi
pra convencer ela que ela já tava preparada. Ela aceitou (LEMES,
2000, s/p.).

O sentido da revelação do Espírito Santo na RCC é o que move os católicos.


Ao relatar, na sala de sua casa, com suas amigas, todas as etapas, desde o início até a
construção do prédio próprio da RCC, o que a senhora Dulcinéia nos conta é sobre a
importância que o Grupo de Oração assume na estrutura da RCC. Ali, as pessoas
experimentam o êxtase do Espírito Santo. Prandi (1997) afirma que:
167

É no grupo de oração que o ponto alto da vida carismática é


experimentado: nele as pessoas podem vivenciar as mais diversas
formas de adoração e louvor. E é o louvor o que realmente interessa.
Ali as pessoas podem cantar, pular, extravasar as tensões, trocar calor,
sentir-se importantes. Além disso, é nos grupos de oração que todos
recebem as bênçãos que Jesus lhes pode dar. (PRANDI,1997, p.36).

A entrevistada enfatiza a situação de esvaziamento em que se encontrava a


Igreja em Itapuranga. Esvaziamento esse que não era um caso particular do município,
mas que havia ocorrido em todas as paróquias progressistas Brasil afora. E, à medida
que o Grupo de Oração da RCC foi aumentando, passado o período das perseguições e
com as redefinições pastorais diocesanas, a Renovação Carismática passou de incômodo
hóspede à proprietária da casa.
Temos que ter cuidado para não cairmos na armadilha da análise fácil de
que a aceitação da RCC se deu tão somente pela sua capacidade de reaproximar os
católicos afastados da Igreja durante o seu período de militância político-religiosa. A
aceitação foi estrutural. A RCC é um movimento leigo que tem atuação reconhecida nas
paróquias, e mereceu da CNBB, na segunda metade dos anos de 1990, tempos ainda de
enfrentamento com a ala progressista, a promulgação de Orientações Pastorais para
conviver com esse movimento que já estava espalhado pelo Brasil afora. Não se trata de
receios de cisma, a RCC sempre desejou estar na estrutura interna da Igreja para daí
poder espalhar a ‘boa-nova’. Ela é uma forma de vivência tão intimista que a senhora
Dulcinéia começou sua entrevista com o autor relatando como recebeu do Senhor a
missão de mudar sua Igreja. A entrevistada nos disse que o Senhor a mandou ler a
palavra, e a palavra era João, capítulos 15 e 16. Não houve nenhuma justificativa de
cunho conservador que remetesse à urgência de se restabelecer a espiritualidade na
Igreja católica de Itapuranga. A inserção desse movimento naquele espaço resultou da
obediência a um chamado.
Em 1992, fizemos várias entrevistas com os sujeitos católicos que tiveram
suas histórias de vida marcadas pela experiência de terem atuado em todos os níveis dos
movimentos sociais da Igreja de Itapuranga. Naquele momento, início dos de 1990,
perguntamos, dentre outros temas, sobre a inserção da RCC no município e como esses
sujeitos viam o movimento. Vejamos algumas respostas dadas àquela época:

Hoje as igrejas evangélicas estão cheias, porque o pessoal perdeu a


tradição e muitos católicos foram desiludidos com a fé da Igreja
Católica, por causa das imagens, das festas, da preparação de batismo,
168

casamento, então eles acharam melhor passarem para uma outra seita
religiosa. E como a Igreja Católica nunca voltou o passo atrás, ela tá
sempre marcando passo para frente, existe também quem não quis
mudar de religião, mais também não quiseram caminhar também. Eu
vejo a carismática neste sentido, então é uma forma de eles
continuarem da Igreja e continuarem conservadores” (PIRES,
1992, s/p.)61

Agora no momento atual eu acho que a Igreja tá tomando rumo, um


rumo de aceitação, de caminho, ela teve um tempo meio paralisada,
agora em 80, 88, 89 começaram a fazer reunião em casa; os
carismático. A Diocese não aceita. D. Tomás acha que é uma coisa
muito tradicional; que o pessoal não se desenvolve, porque fica preso
às orações, não toma conhecimento das coisas. Na Carismática só se
fala em Deus, da fé, da bondade de Deus, das curas, através das
bênçãos de Deus. Então D. Tomás não apoia e os padres também não
apoiam. Entre os próprios católicos praticantes houve uma divisão na
Igreja. O padre crispou um pouco, pra gente não se ensaiar na
carismática e a gente não aceitou, isso deu mais força. A carismática
é a Igreja antiga, tradicional. Só porque podemos fazer as duas
coisas, ter um lugar só para rezar e um outro pra fazer de tudo:
rezar e ver a realidade. (MARQUES, 1992, s/p.; grifo nosso)62

No documento ‘Teologia da Libertação em Itapuranga’, Ivo Poletto


apresenta um balanço sobre o que significou a ação da Igreja de Goiás no município.
Poletto (1994) aponta para a seguinte conclusão:

A sede de espiritualidade que se manifesta hoje não encontrou as


melhores formas de ser satisfeita numa dinâmica evangelizadora.
Corre-se o risco de certo espiritualismo. Em vista disso, o grande
desafio da pastoral cristã de hoje localiza-se na descoberta de uma
evangelização libertadora que corresponda às necessidades urgentes
das massas excluídas e dinamize as aspirações que inquietam os
corações humanos neste final de milênio. (POLETTO, 1994, f. 3)

As análises sobre a Renovação Carismática Católica apresentadas pelas duas


senhoras que selecionamos é recorrente entre os demais sujeitos católicos que
entrevistamos. A RCC significa a volta da Igreja tradicionalista, assentada em uma nova
forma de evangelização, com capacidade de diálogo com as transformações e formas de
evangelizar surpreendentes. Em vez de usar boletins informativos rodados em
mimeógrafos, ela contra-atacou com canais de rádio e TV e jornais, conseguindo, mais

61
Dona Maria Pires. Entrevista realizada em 18 de setembro de 1992, na residência da entrevistada em
Itapuranga-GO.
62
Dona Maria Marques. Entrevista realizada em 13 de julho de 1992, na residência da entrevistada em
Itapuranga-GO.
169

do que sua irmã revolucionária, cercar-se de uma bancada de políticos, nos vários
níveis, que defendem seus interesses.
Em Itapuranga, desde sua inserção no reordenamento do campo religioso, os
Carismáticos tem conseguido eleger vereadores simpatizantes, quando não convertidos
ao movimento. Essa aproximação entre as esferas da política e da religião, assentadas
nos princípios carismáticos, não é problematizada como interferência como a Teologia
da Libertação foi tão duramente combatida, assim como não é vista como posição de
embate no campo político. O que sobressaem são práticas de intervenção cristã junto
aos políticos, um direcionamento espiritual. Para alguns, no entanto, é, como aponta
Poletto (1994), uma forma de espiritualismo que se refere “às inquietações de final de
milênio”.

3.4 “PRECISAMOS DE SEU DÍZIMO”: a construção da ‘Nova Igreja’ Cristo


Redentor

Figura 31- Maquete da Nova Igreja Cristo Redentor.


Fonte: COSTA, I. S.

O cartão acima tem a medida de 8x10 cm, o que, em termos de tamanho


para uma peça publicitária, seria considerado pequeno. No entanto, é um documento
prenhe de significados, um grande documento. Entregue aos católicos de Itapuranga,
170

conclamava a todos que se dispusessem a, mais do que ajudar na construção da nova


sede da Igreja Cristo Redentor via pagamento do dízimo, prática então comum ao
universo desses sujeitos, cumprir a missão individual da nova forma de vivência da
religião na Paróquia. Era um chamamento pessoal a cada um e a todos os católicos,
principalmente aos renovados, pois ‘Vós sois o templo do Espírito Santo’. Essa
condição do sujeito o relacionaria diretamente à sua obrigação de auxiliar na
construção, não de uma Igreja qualquer, mas de uma ‘Igreja Viva’.
Há uma intencionalidade no documento de opor o novo momento que vive a
Igreja Católica naquela Paróquia em relação ao período anterior. Mais do que qualificar
o novo, para nós, como uma Igreja compromissada com a espiritualidade, o
acompanhamento do sujeito na busca do engrandecimento da Igreja e no reavivamento
no Espírito Santo desqualifica o antigo modo de se ser e viver o catolicismo em
Itapuranga, representado pela reduzida participação nas celebrações, pelo afastamento
dos sujeitos devido à militância político-religiosa, enfim, pela derrocada do projeto da
Igreja Progressista no Brasil, vivenciado de forma particular pelos sujeitos da antiga
Igreja do Evangelho no município. Aquele outro período era o tempo de uma Igreja sem
vida, sem a presença do Espírito Santo, onde reinava certo excesso via politização do
cotidiano religioso.
Esse novo momento representa a consagração da espiritualidade em
detrimento da militância político-religiosa. Daí a importância de compreendermos o
valor do dízimo entre os católicos carismáticos como meio de se estabelecer laços de
obrigatoriedade entre doador e receptor e também como elemento demarcador de seu
pertencimento à RCC. Partindo da premissa de que o católico ‘renovado’ no Espírito
Santo é um conhecedor da Palavra, o dízimo passaria a estabelecer elementos de
diferenciação entre os sujeitos católicos na Paróquia. O que está em questão é a moral
que o ato de dar implica no processo de constituição da reciprocidade conforme discute
Marcel Mauss. (2003). O processo de construção da nova Igreja apresenta, no início de
sua discussão com a comunidade, algumas contradições as quais se situam entre o
ampliar e o demolir a Igreja.
No documento “O porquê de não demolir a Igreja Cristo Redentor”, no
tópico ‘O processo de encaminhamento’, toda a argumentação apresentada é
encaminhada no sentido de se tentar provocar debates pela forma da condução do
processo de demolição da Igreja. Os signatários buscam produzir um convencimento de
que houve manipulação na forma de condução das discussões. Para isso, justificam que
171

o projeto inicial apresentado à comunidade católica num final de missa dizia respeito a
AMPLIAR a Igreja e não a demoli-la, conforme foi encaminhado. Por outro lado,
questionam como as decisões foram centralizadas em torno de um pequeno grupo de
católicos, contrariando, assim, a dinâmica historicamente desenvolvida na Diocese de
Goiás, de se ouvir toda a Igreja e a Igreja toda.
Na argumentação, provocam os condutores ao afirmarem que existe uma
prioridade diocesana com as CEBs, e que as decisões tinham sido tomadas do centro
para a periferia. Apresentamos, a seguir, um longo trecho que constitui fragmentos da
segunda parte do documento, que nos auxilia na compreensão dos dispositivos por nós
procurados. Conforme o documento:

O PROCESSO DE ENCAMINHAMENTO

Os encaminhamentos das decisões dentro da Diocese de Goiás, desde


1969 sempre se pautou pela abertura e o devido debate com as
comunidades por ela assistida, portanto, uma questão historicamente
constituída e que se tornou uma experiência salutar para resolver os
problemas pertinentes às Comunidades. Nos causa estranheza a forma
como se processaram as decisões de derrubar a Igreja Cristo Redentor,
para em seu lugar edificar uma outra, considerando que a questão não
foi bem discutida, nem bem entendida e de forma bem diferente da
prática que a Caminhada da Diocese de Goiás fez durante seus 31
anos de luta em prol dos pobres e excluídos.
Considerando que esta questão não foi bem discutida quando o
assunto não foi encaminhado até as Comunidades Pastorais e equipes
de serviços a fim de uma maior reflexão e de uma maior contribuição
com sugestões e questionamentos a respeito do assunto. Alguns
animadores de comunidades e pastorais tomaram conhecimento do
assunto no Conselho Municipal de Pastoral e nas celebrações, depois
de prévia decisão da equipe de administração e juntamente com os
párocos da Igreja de Itapuranga.
Entendemos que não foi bem entendida quando a primeira proposta
votada na assembléia da missa dominical era só de reformar,
aumentar e não derrubar. Pessoas que votaram para reformar, não
votaram para derrubar, pois a votação era de cunho de ampliação e
não se fez referências alguma de derrubar. Daí entendemos que existe
uma leitura diferente na forma de condução das decisões até então
postas para a comunidade católica do Xixá.
Um outro ponto que nos deixa preocupado é a longa trajetória
da nossa Igreja que se constitui de amplo debate dentro da Caminhada
da Diocese, porque para garantir verdadeira participação dos seus
membros e uma real consciência de ser Igreja, a prática das discussões
e decisões devem passar pelas comunidade eclesiais de base, pelas
pastorais e equipes de serviços e pelo seu órgão máximo nos
municípios, os Conselhos Municipais de Pastoral.
Este trâmite não foi cumprido no que se refere à decisão de derrubar a
Igreja Cristo Redentor. O encaminhamento ocorreu na equipe de
172

administração junto com os padres e em seguida encaminhada para


um final de missa e votada (decidindo-se pela reforma).
Claro está que o momento não era propício para decidir sobre o futuro
do prédio da Igreja, haja visto estarem saindo de uma Celebração e
que os presentes não foram perguntados pelo padre se queriam ou não
derrubar a igreja para construir outra em seu local. Interessa é que o
assunto só chegou no Conselho Municipal Pastoral no dia 20 de junho
de 1999 apresentado na forma de aviso dizendo que já tinha sido
decidido e votado na missa. E essa discussão chega como Reforma da
Igreja e foi colocado que havia a possibilidade de se aumentar a igreja.
Quando tentou-se questionar a forma de encaminhamento dado até o
momento argumentou-se que já era assunto decidido. Só no início
deste ano (2000) é que a notícia da derrubada da igreja chegou ao
conhecimento da maioria dos fiéis. Algumas pessoas tentaram levantar
essa discussão sobre a não derrubada da igreja, mas foram ignorados.
Até mesmo quando criado o Conselho de Pastoral Paroquial, em
fevereiro deste ano tentou-se retornar novamente ao assunto, mas não
foi se quer colocado em pauta, de modo que, nem a proposta da
reforma e nem a decisão da derrubada da igreja foi discutido nas
comunidades como um todo. (PNDICR, 2000, p 3-4; grifo nosso).

Movidos pela memória da experiência do passado, cônscios do


enfraquecimento do grupo católico militante frente à reorganização pastoral da Diocese
de Goiás, não apenas pela saída de Dom Tomás Balduino, haja vista que, nos últimos
momentos de seu pastoreio, a RCC passou a ser bem quista no seio da Igreja de Goiás ,
esses sujeitos buscaram provocar uma maior discussão em relação à real necessidade de
se derrubar o prédio da Igreja.
Eles apresentaram argumentos da viabilidade financeira de se construir
outra Igreja, em outro local. Porém, o documento aponta para questões extremamente
pertinentes no cenário político-religioso local. Não se tratava, ao que parece, de uma
questão técnica de ampliar uma igreja, e sim de marcar e demarcar a posse no território
da memória da Igreja local.
O que move o grupo é o desejo de memória. E, evidentemente, uma
disposição de presente. Já afirmamos alhures que o prédio é, para esses sujeitos, não
apenas lugar de memória, mas um centro que irradia sentidos para seus projetos de vida.
Com isso, não afirmamos que o grupo passasse a viver da memória desse passado
militante, mas que apesar de alguns sujeitos reorganizarem suas lutas em outros campos
de poder, como as pastorais da saúde e da educação, e até comporem o Conselho
Paroquial, naquele período em questão, como é o caso de Perpétua Gontijo o sentido da
memória só e tão somente resistia no espaço da Igreja.
173

Com o documento, esse grupo de católicos procurou provocar um clamor


para a manutenção do passado de luta da Igreja do Evangelho em Itapuranga. Apontava
para o dever de memória que a instituição Igreja tinha em relação à história da
Caminhada do Povo de Deus no município. Uma vez que as relações de força se
apresentavam nitidamente desfavoráveis a eles no cenário paroquial, o que restava era
tão somente protestar, denunciar. Mas os tempos se fizeram outros, a composição do
campo político, as relações de força, os aliados da Igreja se fizeram outros.
Assim, o último movimento a executar, tal qual um réquiem, era reforçar a
existência, ainda, de outro grupo de católicos convivendo na mesma Paróquia, por mais
que estes vivessem no tempo da memória. Ocorre aí uma inversão da história, pois, em
um passado recente dessa Igreja, quem hoje pede o direito à memória, negava ao grupo
hegemônico do presente o direito à existência. Destruir a igreja, para nós, nada mais
parece ser do que um acerto de contas dos vencedores com os vencidos.
Duas últimas justificativas para a não demolição da igreja são fundamentais
para encerrarmos esta etapa da discussão. Vejamos:

A Igreja Cristo Redentor conservada em pé como está, tem um valor


simbólico e real é um imóvel no qual há um preço. Derrubando-a há
uma perda financeira e um aumento no orçamento e da despesa da
construção de um novo templo. Sem contarmos a destruição da
memória coletiva de homens e mulheres que colocaram seus sonhos,
desejos e angústias na edificação daquele monumento histórico de
nossa cidade.
[...] Enfim, construir outro deve ser necessário, mas que não façam ali,
pois se isto acontecer acontecerá o mesmo que aconteceu com
Canudos quando o governo autorizou a criação do reservatório de
água justamente em cima onde os trabalhadores rurais foram
massacrados e exterminados pelo governo republicano do final do
século XIX, como forma de apagar a história popular.
(PNDICR, 2000, p.5, grifo nosso)

Ao evocarem o exemplo de Canudos, com o qual fecham o documento,


talvez já tivessem como certo o resultado final dessa luta: aprender com a história tinha
sido fundamental no longo processo de politização do qual foram agentes ativos nos
anos de 1970.
Observando quem são os signatários do documento, encontramos vários
nomes de sujeitos que, em nossa dissertação de mestrado, analisamos a partir de sua
autodenominação como sendo pertencentes ao Grupão: Maria Ferreira, Perpétua,
Sebastião Gontijo, José Raulemar (Zé Lemes) entre outros. O “Grupão” era formado
174

pelos católicos que se destacavam em suas respectivas regiões de moradia. Cada


coordenador de Grupo de Evangelho era escolhido conforme o destaque que tinha, não
só como sujeito que “sabia falar”, mas que demonstrava capacidade de liderança. Dom
Tomás assim nos relata o processo de convocação dos leigos para fazer parte da
liderança da Igreja de Goiás:
A partir das parábolas, uma leitura das parábolas, coisa muito
concreta, muito acessível ao povo e aí cada parábola é uma lição e
uma provocação, é uma visão, um aprofundamento e uma provocação
ou uma convocação lá duma atuação. Com isso foi fácil a convocação
de pessoas que iam assim lançando, se destacando, como liderança ou
como disponibilidade para o serviço dessa Caminhada, por isso a
própria palavra Caminhada.
(ORTIZ, 2003, s/p.).63

Cabia aos coordenadores diocesanos, em Itapuranga, principalmente ao


então padre Ivo Polleto, conforme informações obtidas através de entrevistas, convidar
essas pessoas para ingressarem na ‘Caminhada da Igreja de Goiás’ e formarem uma
equipe de coordenação dos Grupos de Evangelho local. Essa equipe, além de
representar os católicos do município de Itapuranga junto à paróquia, também
representava a Paróquia nas reuniões e assembleias diocesanas.
A primeira reunião é registrada no livro de Ata do Conselho Paroquial no
dia 20 de fevereiro de 2000. Nessa reunião, os membros que compunham o referido
Conselho foram apresentados ao Conselho Municipal tendo sido aprovados por este. A
presença de dois nomes nos chama a atenção em sua composição: Perpétua, na Saúde; e
Lindoir, na RCC. A primeira, nós encontramos ao longo de toda a trajetória da Igreja do
Evangelho em Itapuranga, desde a primeira Assembleia diocesana, passando por todos
os momentos de luta da Diocese de Goiás em todo o território diocesano. O segundo
nome é de um dos coordenadores da RCC, atuando inclusive na política municipal,
como vereador, no período de 2007 a 2010, além de ter sido um dos católicos que
acompanharam todo o trabalho de construção da nova sede da Igreja em Itapuranga. Um
terceiro nome que aparece na Ata é o senhor Gerval Damas Coelho, também membro da
RCC.
Nessa reunião, os membros do Conselho tomaram conhecimento de qual
seria o papel e a importância dessa instância na vida da Paróquia. A participação e/ou
atuação desses sujeitos deveria se pautar por:

63
Dom Tomás Balduino Ortiz. Entrevista realizada, pelo autor, em fevereiro de 2003, em Goiânia.
175

Ser um elo de integração entre todos os segmentos da Igreja formando


assim um corpo em unidade, onde todos possam falar a mesma língua,
o mesmo projeto de Cristo, isto é, que o Reino de Deus possa ser
sentido por nossas atitudes e nosso testemunho de vida. (LIVRO DE
ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000,
p.1).

O ‘falar a mesma língua’ num período em que a Paróquia passa por um


processo de lutas simbólicas pela manutenção de um período de sua história apresenta-
se como emblemático para a configuração que se descortina tendo os católicos
renovados ascendidos às posições de decisão na paróquia. Nesse processo de
instauração do Conselho, o Padre Severino se dispôs a coordenar os trabalhos do
Conselho em caráter temporário até que os demais membros se sentissem familiarizados
com seus objetivos. Em seguida, o padre apresenta três nomes para compor seu
secretariado: Gervaz – acreditamos que deva ter ocorrido um erro de grafia, e que o
nome correto seria Gerval, Rosimeyre e Cida.
A pauta do dia é o encaminhamento das propostas aprovadas pelo Conselho
Municipal, realizado nos dias 29 e 30 do mês de janeiro de 2000. Nessa reunião, após
uma longa discussão sobre a situação da saúde pública em Itapuranga e sobre como o
Conselho poderia atuar para cobrar soluções e apresentar propostas, o Padre Severino
apresenta relatório de como foi um processo, envolvendo a Igreja Cristo Redentor:

O Pe. Severino fez um relato de como se deu o processo de


ampliação da Igreja Cristo Redentor (grifo nosso) e da aquizição do
terreno da Vila Odete onde foi construído o salão, para que tomassem
estas decisões foi discutido nas missas, no Conselho Municipal, com a
equipe de administração, com a Pastoral do Dízimo em todas estas
etapas foram apoiados pela maioria, foi formada uma equipe de
avaliação e levaram o projeto ao conhecimento do bispo D. Eugênio,
que também aprovou a idéia e deu pleno apoio. Pe. Severino falou
como ele deseja que seja agariados os recursos, que não venham
de promoções, mas que seja um trabalho de conscientização e
engajamento dos fiéis, para que a igreja não seja apenas um
templo, que seja uma igreja viva, (grifo nosso) onde Cristo possa
estar presente em cada coração desta comunidade participativa. Na
oportunidade Pe. Severino disse que uma nova eleição para a
equipe econômica e administrativa não será feita pois seus
integrantes fizeram uma avaliação de seus trabalhos e acharam
por bem permanecer por mais dois anos, pois os etatutos lhes dão
esse direito. (LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE
ITAPURANGA, 2000, p. 3; grifo nosso)
176

Neste desenrolar, o padre Severino, ao apresentar a dinâmica de discussão


sobre o que seria executado com o prédio da igreja, utiliza a palavra ampliação. No final
da Ata nº 3, do dia 8 de abril de 2000, página 9, está escrito: “No lugar de ampliação
da Igreja é Construção”. Inferimos que essa ressalva na ata, quiçá, se refira à fala do
Padre Severino, pronunciada na reunião do dia 20 de fevereiro do mesmo ano. Entre o
registro do pronunciamento e a correção do pronunciado ocorreu uma reunião na qual
não houve nenhum registro sobre o evento da ampliação/construção da igreja.
Ora, se os sujeitos que produziram o documento “O porquê de não demolir a
Igreja Cristo Redentor” afirmam que não houve proposta de derrubar/construir uma
nova igreja, e se o livro de Ata do Conselho Paroquial registra essa observação do padre
Severino, podemos problematizar, então, que houve uma mudança de planos no
processo de discussão entre os meses de fevereiro e abril de 2000, pois, segundo o
documento dos opositores à construção de uma nova igreja, a ideia de ampliação já
havia sido apresentada e votada pela comunidade. No documento, afirmam que

esse assunto chegou ao Conselho Municipal de Pastoral no dia 20 de


junho de 1999, apresentado na forma de aviso, dizendo que já tinha
sido decidido e votado na missa. E essa discussão chega como
Reforma da Igreja e foi colocado que havia a possibilidade de se
aumentar a igreja. (PNDICR, 2000, p.4).

Dois outros pontos são fundamentais no registro feito na Ata da fala de


Padre Severino: 1º) Os recursos deveriam vir de um processo de participação consciente
dos católicos da Paróquia; 2º) É apresentada a prorrogação do mandato das equipes
administrativa e econômica, pautando-se inclusive pelo estatuto. A questão não era para
ser debatida, uma vez que a decisão já havia sido tomada. Novamente, há uma
provocação, pois a manutenção de dois grupos da estrutura administrativa no início do
processo de construção da nova igreja era essencial para se garantir o sucesso da
empreitada frente às oposições que poderiam aparecer. E as manifestações apareceram.
As alianças estavam tão bem definidas nesse processo, que, na segunda reunião do
Conselho, ocorrida em 11 de março, decidiu-se que as celebrações ocorreriam na
Matriz, no Xixazão e no salão da RCC. Desse modo, então, aqueles que, num passado
recente, haviam sido ‘desestimulados’ a exercer sua fé renovada nos espaços da Igreja,
recebem de braços abertos a comunidade católica de Itapuranga em seu espaço próprio,
construído com recursos de membros do grupo carismático.
177

Apesar desses embates que delineiam novas formas de reconfiguração do


campo religioso na Paróquia de Itapuranga, Perpétua Maria Gontijo continuava a
exercer o seu catolicismo progressista. Vimos anteriormente que a senhora Perpétua era
membro do Conselho paroquial na área da saúde. Nessa reunião, no dia 11 de março,
apresentara o informe sobre a realização da Marcha Indígena em protesto às
comemorações dos 500 anos de descobrimento do Brasil. A forma como o relator
apresenta o informe é bem expressiva do distanciamento dos sujeitos em relação às
questões sociais do país:

Os índios. A Perpétua informou que será realizada uma marcha


indígena a nível nacional até Porto Seguro, onde eles contrapõe a festa
dos 500 anos de Brasil, contam com o apoio da Unesco e outras
entidades nacionais e internacionais, relatou também que há oposições
a esta marcha. Também terá um encontro em Palmas dia 12/04/00
onde entre outros assuntos discutirão que tipo de Brasil eles querem.
(LIVRO DE ATA DO CONSELHO PAROQUIAL DE
ITAPURANGA, 2000, p. 9; grifo nosso).

Na Ata do Conselho Paroquial de número 4 da reunião do dia 30 de abril de


2000, é comunicado que o engenheiro da obra exigiu que a igreja fosse demolida para
poder fazer a planta da fundação.

Figura 32 – Foto da preparação do terreno para a construção da nova igreja.


Ao centro Sr.Gilberto B. Lemos (9º da esquerda para direita) ao seu lado está o
prefeito de Itapuranga à época, Sr. Tito Coelho Cardoso. - s/d.
Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.
178

Novamente, Perpétua conclama os católicos do Conselho, através de um


recado, a enviarem três participantes ao encontro de formação diocesana de fé e política.
Nesta sequência, a construção da nova igreja volta a ser discutida no Conselho em 30 de
julho de 2000. Na pauta consta: RCC e a proposta. A questão era como levantar
recursos para executar a obra. O senhor Gilberto de Brito apresenta a proposta da
Equipe de Construção, mais uma vez, um documento longo, em que destacamos um
trecho pela sua importância:

O Sr. Gilberto apresentou a proposta de arrecadar fundos para a


construção da Igreja Cristo Redentor: A campanha é de doação em m²
até atingir 1200m² (2200m²?, não está nítido) total a ser construído, o
valor do m² é de R$250,00 que poderão ser pago à vista ou parcelados
em carnê de 10 mensalidades, se optar por 2 carnês ou seja 2m² será
dividido em 18 mensalidades, os carnês poderão ser assumidos
individualmente ou por comunidade, porém por comunidade talvez
atinja menos pessoas na campanha. Na zona rural esta contribuição
poderá ser trabalhada com doações de bezerros etc. que serão
vendidos e o valor anotados em m². Serão bem recebidos também as
contribuições mais humildes de quem não puder assumir o m². A
equipe de construção deixou bem claro que esta campanha não é o
dízimo e sim oferta, contribuição. Na opinião do Lindoir a proposta
não vai contra o trabalho do dízimo visto que este precisa ser
motivado por uma evangelização, e que o efeito é a longo praso,
enquanto que a construção exige rapidez. A equipe se preocupa com a
segurança da campanha, as pessoas que irão entregar ou divulgar os
carnês terão algum tipo de identificação especial, bem como os
carnês; que poderão ser pagos com a Norma, foi até sugerido a ela que
por um mês doasse uma hora do seu almoço, para facilitar o
recebimento dos carnês. Pe. Severino reforçou a importância da
devolução do dízimo, não só no momento da construção mas que a
comunidade dê continuidade como igreja viva, ressaltou também a
importância de uma melhor conscientização da necessidade de ser
dizimista. Após o debate e esclarecer sobre a campanha, o conselho a
aprovou e surgiram duas propostas de divulgação: primeira convocar
uma reunião extra com o Conselho Municipal, Conselho Paroquial,
equipe de administração e equipe de construção, com o objetivo de
esclarecer aos coordenadores de comunidades e pastorais da
campanha para a construção. A outra proposta foi de visitar as
comunidades para que elas trabalhem sua região neste seguimento. As
duas propostas foram aceitas (LIVRO DE ATA DO CONSELHO
PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, p. 15-16, grifo nosso)

Nos diálogos com os mais velhos, percebe-se que não houve grandes
resistências a essa proposta. Um dos grandes argumentos apresentados pelos católicos
para contribuírem com a construção era de que a igreja já não comportava mais as
pessoas para a missa. Em nenhum momento, a possibilidade de se manter aquela igreja
e construir outra foi apresentada pelos Conselheiros. Claro está que essa posição passa
179

pelo ponto estratégico onde se localiza a igreja: no centro, de fácil acesso para todos,
bem como também de uma maior visibilidade na cidade (Ver Planta Urbana em anexo).
A questão dos valores também não foi refutada pelos católicos, ao contrário, houve uma
grande adesão ao projeto de “adquirir” metros quadrados da igreja.

Figura 33 - Capa dos carnês distribuídos entre os católicos que se dispusessem a contribuir com
a construção da nova igreja. s/d
Fonte: Adelair Xavier de Godoi.

A forma de distribuição e pagamento dos carnês foi estabelecida conforme


reunião do Conselho. A funcionária da Paróquia, Norma, era a responsável por esse
serviço. Estabelecer o pagamento no prédio da Casa Paroquial se mostrou uma boa
estratégia, pois os sujeitos podiam, ao efetuar o pagamento de sua mensalidade,
‘fiscalizar’ o andamento da obra da igreja. Nas anotações da Ata de número 4, de 30 de
abril de 2000, é bem significativo o uso do termo mensalidade em vez de contribuição
ou ajuda.

Figura 34- Canhoto do carnê de contribuição para a construção da nova igreja.


Fonte: COSTA, I. S.
180

Figura 35- Recibo da contribuição para a construção da nova igreja. Observem que a doação
aqui foi do período de 9 de outubro de 2000 até 10 de abril de 2002.
Fonte: COSTA, I. S.

Na figura 34, acima, podemos sentir o peso da responsabilidade de


participar da construção da nova igreja. A frase é bem impactante, intimidadora. O não
pagamento da mensalidade provocaria a não conclusão da obra. A responsabilidade é
transferida do nível administrativo da Paróquia, da Diocese para o indivíduo. É ele o
responsável por toda a obra. A assunção do compromisso em m² e a materialização do
fervor da vida religiosa foram elementos fundamentais no sucesso da campanha de
arrecadação de dinheiro. Todos os meses, quando ia ‘quitar’ a sua prestação, o sujeito
podia admirar a maquete da igreja que ficava à disposição da visitação no escritório da
Paróquia.
Na figura 35, temos o exemplo de uma senhora que participou da
campanha de outubro de 2000 a abril de 2004, pagando um total de 17 mensalidades de
R$28,00, o que resultou numa contribuição de R$532,00. Não sabemos se por erro de
impressão ou se por ter sido encomendado assim mesmo, no canhoto do contribuinte
constava a expressão Via Cliente. (Ver figura 35, canto superior, lado direito). Na
Igreja progressista de Itapuranga, se os sujeitos católicos eram denominados, tanto pelas
181

autoridades eclesiásticas quanto pelos pares, de leigos da Igreja de Goiás, na sua


vertente Carismática são transformados em Clientes, não deixa de ser expressivo para
compreendermos o processo de conversão a essa nova forma de se relacionar com o
sagrado em Itapuranga.
Rubem C. Fernandes (1982) apresenta uma compreensão sobre a
relação entre o dinheiro e os fiéis em centros de romarias que, acreditamos ser
pertinente na análise em questão. O autor nos diz que o dinheiro carrega uma
ambivalência, nas situações que envolvem o sagrado. Assim nos afirma que:

[...] uma ambivalência entre a manipulação e o endosso voluntário de


valores, o que é comum à ordenação simbólica de qualquer contexto
social. A importância do dinheiro como quantificador dos valores
aparece plenamente, mas ele é carregado de ambiguidade [...] Assim,
acredita-se, que o dinheiro que tudo corrompe recebe um toque de
santidade, estendendo a proteção do Santo para o próprio do
interessado. (FERNANDES, 1982, p. 95-96)

Mesmo que tenha sido um lapso por parte da comissão de construção, o


termo se aplica bem à situação, pois cada sujeito, ao fazer sua contribuição, se sentia
comprando um pedaço da igreja. Afirmamos não ser de interesse desta tese aprofundar a
relação dinheiro/conversão nos movimentos neo-pentecostais, questão essa que
contribui mais para a expansão do neo-pentecostalismo no Brasil. Apenas apontamos
que essa é a possibilidade apresentada aos sujeitos de, através da intermediação do uso
do dinheiro, resolverem suas demandas espirituais. Isso foi muito bem compreendido,
por exemplo, pela Igreja Universal do Reino de Deus64.

64
- Para maiores detalhes sobre a importância simbólica do dinheiro nas religiões neo-pentecostais,
principalmente na Igreja Universal do reino de Deus, ver BARROS,1995.
182

Figura 36 – Foto dos senhores Gilberto de Brito Lemes (à direita, de calça branca), esposo
da senhora Dulcinéia – RCC; e Lindoir (ao centro), católico da RCC, ex-vereador eleito
com o apoio desta organização religiosa. Ambos eram membros do Conselho Paroquial e
da Comissão de Construção.
Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor. s/d

Na reunião do Conselho Paroquial, em 29 de Outubro de 2000, foi discutida


a organização das doações recebidas para a construção da Igreja Cristo Redentor.
Alguns doadores reclamaram que, apesar de efetuarem suas contribuições,
os encarregados da campanha de arrecadação ainda não haviam se dignado a ir buscar
suas prendas. Assim, os conselheiros registraram suas preocupações:

A campanha da construção está acontecendo, não como planejado, são


poucas as visitas nas comunidades, as pessoas que doaram bezerros
reclamam que não vão buscá-los (LIVRO DE ATA DO CONSELHO
PAROQUIAL DE ITAPURANGA, 2000, s/p.)

Na reunião do dia 30 de julho de 2001, Ata nº15 do Conselho Paroquial, em


reunião extraordinária, foi discutida a questão da periferia como uma prioridade da
Diocese. Nessa reunião, foi apresentado e debatido o resultado de uma pesquisa feita na
periferia de Itapuranga. Não somos informados sobre o objetivo central dessa pesquisa,
mas os indícios apontam para a questão de como o campo religioso estava dividido
entres as denominações religiosas que existiam no município.
Os dados analisados são referentes a seis bairros da cidade. Como não há
informações de que bairros eram esses, com exceção do Conjunto Fraternidade, não nos
183

é possível emitir nenhum comentário. Esses dados apontam para a existência de nove
igrejas que eram denominadas genericamente de protestantes, não sendo discriminadas
quais eram elas, além da presença da Igreja Católica em todos os bairros pesquisados. O
resultado encontrado remete aos problemas sociais e estruturais resultantes, segundo a
análise do Conselho, do êxodo rural.
Na Ata de 26 de julho de 2002, nos é relatado como estava sendo feita a
organização para a divulgação e participação na Romaria dos Mártires, com cartazes e
camisetas, decisão que seria divulgada na missa. As passagens para a participação no
evento já estavam sendo vendidas, não sendo permitidas reservas. Também somos
informados de que a Diocese sugeria que fossem feitas vigílias nas Paróquias no dia 27
de agosto daquele ano em memória dos 15 anos do atentado ao Padre Francisco.
A Diocese referia-se aos quinze anos do atentado praticado por
latifundiários da região, que havia deixado cego o Padre Francisco Cavazutti, de
Sancrerlândia, município que compõe a Diocese de Goiás. Também, nessa reunião foi
discutido sobre como informar os católicos da Paróquia sobre a ALCA. A decisão
tomada foi a de distribuir panfletos informativos sobre a temática nas missas.
Entre uma e outra reunião paroquial de cunho moderado, encontramos
‘resquícios’ do passado de militância. Claro que eram decisões tomadas em âmbito
diocesano, não havendo nada de particular à Igreja Católica de Itapuranga. Mas estas
não deixaram de serem estimuladoras da ação social, não mais plenamente política da
Igreja de Goiás.
Em abril de 2002, o então governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo,
prometeu aos católicos de Itapuranga que o Estado doaria o piso para colocação na
igreja. Porém, por impedimento jurídico, essa doação não foi concretizada até o mês de
outubro daquele ano. Na reunião do Conselho paroquial de 29 de outubro de 2002, o
senhor Lindoir, membro da Comissão de Construção, solicitou que fosse reforçado,
junto aos católicos da Paróquia, que não parassem de pagar os seus carnês, pois aqueles
que terminavam, ‘quitavam’ os seus, não estavam renovando o compromisso com a
construção da igreja. Nessa reunião, é informado que D. Eugênio, bispo da Diocese de
Goiás, havia enviado uma correspondência ao governador sobre a doação dos pisos, mas
que ainda não obtivera resposta. A história da doação do piso se arrastou por um bom
período e acabou por não haver possibilidade de o Estado efetivar a doação.
Houve uma tentativa de se efetivar a doação via Secretaria de Cultura do
Estado, mas esta não foi frutífera. Em sete de fevereiro de 2004, conforme a Ata de
184

número 41, página 63, foi informado que a verba solicitada ao governo do estado não
sairia, pois a Igreja não possuía serviço social oficial. A Diocese não tinha como
repassar tal verba, por isso ela havia sido destinada à Associação COMARIA –RCC,
que possuía trabalho social com crianças carentes. O valor foi de R$40.000,00. Não há
informações na Ata sobre a destinação desse recurso.
Esse caso é emblemático das novas relações entre a Paróquia e o poder
constituído, assim como a presença do maquinário da prefeitura – ao que tudo indica,
pela Figura 32, trabalhando na preparação do terreno para a construção da nova igreja e
do prefeito Tito Coelho Cardoso, ao lado de alguns dos novos líderes da Igreja de
Itapuranga.
Quase concluindo o período que nos interessa nas Atas do Conselho
Paroquial de Itapuranga, somos surpreendidos com o comentário de uma participante
deste, Irmã Mirta, que, após ouvir questionamento apresentado por Isabel sobre a
possibilidade de se ouvir mais pessoas quanto à necessidade do Conselho de assumir
uma dívida enorme para concluir algumas etapas da igreja, lembra que, se a Igreja fez
opção pelos pobres, seria melhor escolher um material mais barato. Os demais que se
manifestaram sobre o assunto apenas cogitaram trocar o material usado. Também foi
proposto que se iniciasse outra campanha para arrecadar dinheiro após a campanha dos
bancos da igreja.
Em nove de julho de 2006, às 9 horas da manhã, a Igreja Cristo Redentor foi
consagrada. Em seguida, foi servido um lanche, ‘fruto da partilha de todos’. Como disse
Dona Zuza, em entrevista ao autor, pode ser que tudo isso tenha um sentido: ‘Aos Olhos
de Deus.’
185

Figura 37- Foto do padre Severino na torre da nova igreja. s/d


Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor

Figura 38- Frente da entrada da Igreja Cristo Redentor. À esq. Dona Zuza, vestida de branco.
2006.
Fonte: Acervo da Igreja Cristo Redentor.
186

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos, com esta pesquisa, analisar os processos de formação e


transformação pelos quais passaram os campos político-religiosos em Itapuranga-Go,
nos anos de 1950 a 2000. Examinamos como os sujeitos católicos daquele município,
mais precisamente, aqueles que engajaram na proposta apresentada pelo novo bispo da
Diocese de Goiás, nos fins dos anos sessenta, Dom Tomás Balduino Ortiz, viveram as
mudanças no modo de se identificar como pertencentes à nova Igreja na Diocese de
Goiás - a Igreja do Evangelho, bem como enfrentaram as resistências externas e internas
a esse processo. Mudanças essas que culminaram, em fins dos anos de 1990
(concretizadas nos anos de 2000), na rearticulação do campo religioso com a ascensão
dos católicos da Renovação Carismática Católica no comando daquela paróquia.
Para compreender que sujeito católico a proposta de Dom Tomás Balduino
encontra em Itapuranga, buscamos através das Crônicas narradas pelos padres no Livro
do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, identificar que tipo de visão de
mundo, como era formado o ethos desse sujeito católico, que relações eram
estabelecidas entre leigos e padres; entre os leigos e as ofertas do universo religioso
católico. Analisando esse mundo como regido por uma ordem do catolicismo popular
rural brasileiro, com o sujeito acostumado a consumir os bens ofertados, principalmente
nos períodos festivos desse catolicismo, as questões aqui postas estão entremeadas pelas
dimensões políticas dadas pela proximidade com a experiência da Colônia Agrícola de
Ceres, o que nos leva a considerar essas transformações no catolicismo como marcadas
pelas questões próprias da fronteira.
Essa nova forma de evangelização tem suas bases no processo de mudança
que se instaurou na Igreja Católica a partir das decisões apresentadas no Concílio
Vaticano II (1962-1965) e que, posteriormente, foram discutidas pelos bispos na
Assembleia dos Bispos da América Latina, ocorrida em Medellin em 1968. Nesse
cenário mais amplo é que Dom Tomás Balduino é ordenado, no final de 1967, bispo de
Goiás e, a partir das premissas da Teologia da Libertação passa a pastorear sua Diocese.
A produção da mudança se efetivou a partir da convocação das Assembleias
diocesanas que firmaram a proposta de se desenvolver novas relações entre os leigos e o
clero. Vividas em Itapuranga com a inserção dos católicos nos Grupos de Evangelho,
os quais, mediados pela presença de leigos vindos principalmente do sul do Brasil, tais
187

assembleias iniciaram um processo de intervenção no cotidiano do mundo do trabalho


dos católicos rurais.
Nesse sentido, esses ‘novos católicos’ compromissados com essa Igreja de
Goiás, se engajaram na luta pela fundação e consolidação do sindicalismo rural de
Itapuranga. Esse passa ser de fundamental importância na construção do imaginário
social daqueles sujeitos. A luta pela tomada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Itapuranga, que se consolidou nos fins de 1970, com a vitória da Oposição Sindical,
deve ser compreendida dentro deste contexto.
À medida que esses sujeitos entravam nas esferas políticas da discussão
sindical, iam produzindo novas percepções do mundo e, como tal, ampliaram o leque de
luta e organização. Com a necessidade de atendimento médico, se organizaram para
reivindicar a construção de um hospital pelo então FUNRURAL, que acabou sendo
transformado, através da luta e persistência dos sujeitos católicos de Itapuranga, na
Associação Popular de Saúde de Itapuranga - APSI.
Todo esse período foi permeado por tensões, conflitos, tanto relacionados
aos aspectos internos quanto externos ao movimento. Assim fora a luta pelo
reconhecimento da APSI como de utilidade pública, em que os sujeitos resultantes da
negativa por parte do poder local, ocuparam o prédio da Prefeitura Municipal de
Itapuranga, na busca por diálogo com a primeira-dama, representante da Comissão
Intermunicipal de Saúde. O resultado final foi uma violência policial no processo de
desocupação do prédio, em que os militantes, em prol da saúde pública, foram todos
processados pela senhora Edna Maria da Trindade, primeira dama. No entanto, essa
experiência aponta para uma visibilidade das lutas simbólicas entre os grupos políticos
naquele período.
Já nos anos de 1970, percebemos a visibilidade dos embates entre os
sujeitos católicos e os poderes constituídos, principalmente no que pensamos como uma
luta simbólica travada entre esses e as gestões do prefeito Warner Carlos Prestes. Essas
gestões foram marcadas por uma vontade de produção de uma memória de si, que
podemos localizar no processo de construção de vários prédios públicos, dentro do
programa desenvolvimentista do governo militar. Referimo-nos a uma memória que
dialoga silenciosamente com a busca de apagamento dos rastros produzidos pela
militância da Igreja do Evangelho durante o mesmo período.
O que afirmamos é uma relação de luta simbólica acentuada com a ascensão
do catolicismo renovado, fenômeno não exclusivo àquela Paróquia, dos sujeitos que
188

passam a se identificar como pertencentes ao catolicismo pentecostal da Renovação


Carismática Católica.
Ao processo mais global de retração da Opção pelos Pobres da Teologia da
Libertação soma-se, não apenas a saída de Dom Tomás Balduino do pastoreio da
Diocese de Goiás, mas também o esvaziamento das ações sociais mediadas pela Igreja.
O fortalecimento da Renovação Carismática Católica naquela Paróquia deve ser
creditado às formas anteriores desses católicos de relacionarem com o universo mágico-
religioso do catolicismo.
Alguns apontamentos que encontramos ao longo da pesquisa, tais como as
dificuldades que os padres expressavam de lidar com sujeitos católicos pentecostais,
assim como também a relativa adesão dos católicos à Caminhada do Povo de Deus são
interpretados como indícios da politização superficial desses sujeitos. Não podemos nos
esquecer de que esse projeto político-religioso diocesano tinha uma opção preferencial
pelos pobres, o que não exclui as outras possibilidades de filiação e pertencimento dos
sujeitos católicos.
O que se consolida com a destruição da Igreja Cristo Redentor e a
construção do novo prédio é a reconfiguração religiosa daquela localidade. Capitaneada
por sujeitos católicos que expressaram resistências ao projeto político de Dom Tomás,
essa construção de um novo Templo demarca o desejo de apagamento da memória da
militância. Nesse sentido, buscamos construir uma trama onde pudéssemos ordenar
esses sujeitos católicos dentro do quadro político local. Nessa luta simbólica, a
consagração dos vencedores também é um elogio às estruturas conservadoras presentes
no cenário político local dos anos da ditadura militar. É essa tese que pretendemos
perseguir ao estudarmos as relações entre os sujeitos católicos renovados e a política
desenvolvida pela Aliança Renovadora Nacional, nos embates políticos locais, em
Itapuranga, em pesquisas futuras.
189

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202

OUTROS DOCUMENTOS DO PERÍODO

Acervo de Fotografias da Igreja Cristo Redentor de Itapuranga

Arquivo da Prefeitura Municipal de Itapuranga

Arquivo do Cartório de Registro de Imóveis de Itapuranga

Arquivo do Sindicato Patronal de Itapuranga

Atas da Câmara de Vereadores de Itapuranga de 1950 a 2000.

Boletim Paroquial de Itapuranga - Janeiro de 1979 e 1980.

Caderno de Notas - Reunião do Grupão, de 16 de março de 1975 a 13 de março de 1977.

Documento “O porquê de não demolir a Igreja Cristo Redentor”

Dossiê de Inauguração do Col. Estadual de Itapuranga.

Livro de Atas do Conselho Paroquial da Igreja Cristo Redentor de Itapuranga.

Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

Manifesto do Partido dos Trabalhadores de Itapuranga.

Reunião Regional Urú ( out.11/12),1975.

Roteiro da 12ª Assembléia Diocesana.

Roteiro de Entrevista da Pesquisa Sócio-Econômica-Religiosa da Diocese de Goiás Igreja


de Itapuranga - 1972.
203

LISTA DE ENTREVISTADOS

BENFICA, João. Foi o primeiro presidente oposicionista do Sindicato dos


Trabalhadores Rurais de Itapuranga, foi candidato a vereador pelo PT em 1988 e
vereador eleito pelo mesmo partido em 2000, se elegeu vice-prefeito, pelo Partido dos
Trabalhadores ( Coligação), na gestão 2007/2010. Comerciante. Tem sua origem nos
Grupos de Evangelho. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga, fevereiro
de 1993.

BONONI, Nello. Ex-padre, participou das lutas políticas e sociais de Itapuranga.


Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 20 de maio de 1995.

CAMPOS, Dorvalino José. Pequeno proprietário rural, foi presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Itapuranga, foi candidato a vereador pelo PT nos anos de 1982,
1992 e a vice prefeito pelo mesmo partido em 1988. Entrevista realizada na sede do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga, em Itapuranga, em 22 de julho de
1995.

Dona Rita - Participou da organização dos Grupos de Evangelho. Entrevista realizada


em sua residência em Itapuranga em junho de 1992.

Dona Zuza - Aposentada, foi uma das leigas com grande atuação nos Grupos de
Evangelho. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em julho de 1992.

FERREIRA, Ilza. Advogada, foi responsável por ampliar e divulgar a RCC na Paróquia
de Itapuranga. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga, em
novembro/dezembro de 1995.

FERREIRA, Maria. Professora, participou efetivamente de todas as transformações


ocorridas em Itapuranga, da fundação dos Grupos de Evangelho até a organização do
Partido dos Trabalhadores. Foi candidata a vereadora nos pleitos 1982 e 1988.
Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em julho de 1995.
204

GONTIJO, Perpétua Maria de Camargos - Professora aposentada, participou ativamente


de todas as lutas e organizações advindas com a nova proposta de evangelização.
Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 18 de janeiro de 1993.

GUEDES, José Pereira. Alfaiate, foi candidato a vereador pelo PT nos pleitos de 1982 e
1988. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em Janeiro de 1993.

LEMES, Dulcinéia de Brito. Foi a pioneira na formação do Grupo de Oração da RCC


em Itapuranga nos anos de 1980. Entrevista realizada em sua residência, em 18 de
setembro de 2000.

LEMES, José. Pequeno proprietário rural, foi um dos articuladores dos Grupos de
Evangelho da região do Laranjal. Entrevista realizada em sua propriedade rural em 11
de fevereiro de 1996.

MARQUES, Maria. Aposentada, participou da organização dos Grupos de Evangelho,


principalmente na cidade. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 13
de julho de 1992.

ORTIZ, Dom Tomás Balduino. Bispo da Diocese de Goiás. Entrevista realizada em


Goiânia em fevereiro de 2003.

PIRES, Maria da Silva. Aposentada, participou efetivamente da organização dos


Grupos de Evangelho, foi candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores no
pleito de 1988. Entrevista realizada em sua residência em Itapuranga em 09 de julho de
1992.
205

ANEXOS
206

ANEXO A - Planta urbana de Itapuranga


207

ANEXO B – Relação dos bairros com suas respectivas datas de registro.


LOTEAMENTO PROP. DATA DE REGISTRO
São Sebastião do Xixá Durval da Silva 17-01-1970
Vila Joaquim da Silva Augusto da Silva Moreira 15-04-1971
Vila São José Sebastião José Correia 22-07-1971
Bairro Boa Vista
Vila Nova Ademar da Silva Costa 21-09-1970
Vila Barrinha João Pinheiro Rosa
Bairro Vera Cruz Herminio B. da Cruz 18-12-1970
Vila Moreira Moisés M. Gonçalves 17-08-1981
Parque Alvorada Maria Alves de Faria 25-11-1980
Parque Alvorada Maria Alves de Faria 08-11-1988

Setor Marista Ademar da Silva Costa 13-08-1992


Setor Oeste Espólio de Antônio B. 29-06-1981
Cascalho.
José Pereira de Faria Ademar da Silva Costa 22-04-1973
Vila Marilda
COHAB-GO, Vila Santana COHAB-GO 19-01-1978

Vila Renata Mendes Claudion Mendes 11-09-1972


Setor Milton Faria Vander Alves de Faria 28-06-1989
Conjunto Fraternidade
Conjunto Moradia
Chácara Padre Melo
Chácara São Joaquim
Setor Comercial Vilma Alves de Faria 07-11-1991
Bairro Canastra Sebastião C. S. Moreira 08-08-1990
Setor Núcleo Brandão
St Olaria
Vila Odete Prefeitura de Itapuranga 16-06-1999
Jardim Conde dos Arcos Vânia A. Faria Parreira 01-02-2000
Vila Canãa Humberto Damião Borges 14-08-2000
Kênia Park Sebastião Antônio Lima 11-11-2002
Kênia Park II Sebastião Antônio Lima 19-10-2009
Bela Vista Geni Oliveira de Faria 05-02-2007
Sandra Vilela Prefeitura de Itapuranga 16-06-1999
Veredas de Itapuranga Paulo Santos Ramanhiol 12-07-2001
João Nunes Perdigão Herminio da C. Perdigão 06-12-2004
Valéria Perillo Prefeitura de Itapuranga 11-06-2001
Joaquim Card. (marg. Esq.) Augusto da Silva Moreira 11-09-1972
Serra Dourada Município de Itapuranga 10/08/2009
Quadra Nº50 Pq. Alvorada S.T.R.Itapuranga 08-11-1988
Residencial Jardim Imperial Jeová Alves Soares e 02-03-2010
Valmir Araújo Parreira
Tabela 1- Relação dos bairros com suas respectivas datas de registro
Fonte: Arquivo do Cartório de Registro de Imóveis de Itapuranga.
Org.: COSTA, I. S. (2010).
208

ANEXO C- Fotos e figuras do capitulo 2.

Figura 1 - Encontro da Av. Anhanguera com o final da Rua 45. Local do Córrego da 'baixada’.
A Avenida Anhanguera prossegue até a saída para a Cidade de Goiás, no ‘Quebra-Coco’. Ao
fundo, do lado esquerdo, avista-se a ponta da torre da Igreja Cristo Redentor.
Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 2– Rua 45: localização do Córrego da Baixada, hoje canalizado – à direita corrimão da
antiga ponte. Acima, à esquerda aparece o final da Praça das Mães.
Autor: COSTA, I. S. (2010)
209

Figura 3 - Prédio do antigo Cine Continental, Rua 34 esq. com Av. Dr. Olavo Bilac Marinho.
Onde funcionou a Câmara dos Vereadores.
Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 4 - Vista parcial da Pç. Dr. Cunha Lima, Rua 34- Xixazão.
Autor: COSTA, I. S. (2010)
210

Figura 5 - Igreja N. S. de Fátima – Igreja Nossa Senhora de Fátima de Itapuranga – 2010


Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 6 - Prédio onde funcionava a pensão de Maria Camilo do Nascimento. Construído nos
anos de 1950. Esq. da Rua 45 c/ Rua 36 – Xixazão.
Autor: COSTA, I. S. (2010)
211

Figura 7 - Praça das Mães : vista numa perspectiva de quem está subindo para o Xixazinho. O
encontro das três passarelas forma a letra W de Warner, a época prefeito da cidade.
Autor: COSTA, I. S. (2010)

Figura 8 - Vista da Rua 40 a partir da Praça das Mães – 2010.


Autor: COSTA, I. S. (2010)
212

Figura 9 parte 1: Oficio solicitando retirada da Zona Boêmia da Rua 40.


Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga – Documentação encontrada no
‘Arquivo da Pref. Mun. Itapuranga’, localizada em duas salas do Ginásio de Esportes Anisio
Martins.
213

Figura 9 parte 2: Oficio solicitando retirada da Zona Boêmia da Rua 40.


Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga – Documentação encontrada no
‘Arquivo da Pref. Mun. Itapuranga’, localizada em duas salas do Ginásio de Esportes Anísio
Martins.
214

Figura 10 - Oficio enviado ao Presidente do PT local negando pedido de uso da Pç. Castello
Branco (Cap. 02)
Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga
215

Figura 11- Liberação de empréstimo da Pc. Castello Branco para o P.T. (Cap.2)
Fonte: Documentos da Prefeitura Municipal de Itapuranga

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