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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH
MESTRADO EM HISTÓRIA DOS SERTÕES – MHIST

JOÃO PAULO DE LIMA SILVA

A IMPLANTAÇÃO DA ALIANÇA PARA O PROGRESSO, O PROGRAMA


ALIMENTOS PARA A PAZ E AS FRENTES DE TRABALHO
NO SERTÃO DO SERIDÓ POTIGUAR (1961-1978)

CAICÓ
2022
JOÃO PAULO DE LIMA SILVA

A IMPLANTAÇÃO DA ALIANÇA PARA O PROGRESSO, O PROGRAMA ALIMENTOS


PARA A PAZ E AS FRENTES DE TRABALHO NO SERTÃO
DO SERIDÓ POTIGUAR (1961-1978)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História dos Sertões do Centro
de Ensino Superior do Seridó, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em História, na área de concentração
História dos Sertões.

Orientadora: Profª. Drª. Jailma Maria de Lima

CAICÓ
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra - -CERES- - Caicó

Silva, João Paulo de Lima.


Implantação da Aliança para o Progresso, o Programa Alimentos
para a Paz e as Frentes de Trabalho no sertão do Seridó Potiguar
(1961-1978) / João Paulo de Lima Silva. - Caicó, 2023.
141f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó. Programa de Pós-
Graduação em História dos Sertões - PPGHC.
Orientação: Profª Drª Jailma Maria de Lima.

1. Sertão nordestino - Dissertação. 2. Aliança para o


Progresso - Dissertação. 3. Alimentos para a Paz - Dissertação.
4. Flagelados - Dissertação. 5. Frentes de trabalho -
Dissertação. I. Lima, Jailma Maria de. II. Título.

RN/UF/BS CERES CDU 94(813.2)"1961-1978"

Elaborado por Martina Luciana Souza Brizolara - CRB-15/844


JOÃO PAULO DE LIMA SILVA

A IMPLANTAÇÃO DA ALIANÇA PARA O PROGRESSO, O PROGRAMA


ALIMENTOS PARA A PAZ E AS FRENTES DE TRABALHO
NO SERTÃO DO SERIDÓ POTIGUAR (1961-1978)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História dos Sertões do Centro
de Ensino Superior do Seridó, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em História, na área de concentração
História dos Sertões.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Jailma Maria de Lima
Presidente da banca (orientadora) - Instituição: UFRN

_____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Juciene Batista Félix Andrade
Examinadora interna - Instituição: UFRN

_____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Paloma Porto
Examinadora externa - Instituição: UFMG
Às memórias de José Messias, Maria das
Graças, Dorges Alexandre (Ninin) e Carmem
Jane.
Mas a realidade é diferente sem vocês.
AGRADECIMENTOS

Agradecer é preciso. E eu, antes de tudo escolhi agradecer à Senhora de Fátima, hoje,
minha mãe no céu e na terra. Obrigado minha mãe, por ter me guiado, acalentado e
proporcionado saúde e conforto nos momentos de tristeza e indecisão, tudo isso foi essencial
para que eu hoje esteja aqui, finalizando uma etapa tão significativa em minha vida. Sem ti eu
nada seria!
Da mesma forma, quando o meio biológico havia me deixado órfão, fui acolhido por
grandes mulheres: Aretuza, Maria Nísia, Inês Soares, Jacinta, Salete e Zênite (in memoriam).
A essas senhoras e amigas que me colocaram no seio de suas famílias, me dando a oportunidade
de conviver em um ambiente familiar e me cobrindo de respeito e confiança, muito obrigado.
Retomo o agradecimento ímpar a todas as instituições em que ocupei uma cadeira como
aluno, Externato Padre João Maria, Colégio Diocesano Seridoense, Centro Educacional José
Augusto e Escola Estadual Professor Antônio Aladim de Araújo. A estes templos do saber,
onde tive a oportunidade de conhecer e adquirir saberes repassados por tão valorosos mestres,
tornando-me hoje capaz de repassar o mínimo do que vivenciei, ofereço toda minha gratidão.
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), instituição que me deu a
honra de ter os melhores tutores no fascinante mundo da História, ao Centro de Ensino Superior
do Seridó (CERES), onde adentrei no Curso de História (Bacharelado), e mais tarde migrei para
a Licenciatura, ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) que, como
discente e bolsista, me fizeram desfrutar das primeiras experiências como docente na área do
ensino de História. Isso tudo, ladeado de amigos com os quais fui presenteado nessa jornada,
ehoje, carrego comigo pela vida. Minha gratidão a todos.
Gratidão eterna a minha mãe, Maria das Graças de Lima (in memoriam), mesmo tendo
uma passagem tão curta e uma partida precoce deste plano, os seus ensinamentos se
perpetuaram, e sem a menor dúvida, serão meu alicerce até meus últimos dias. Ao meu pai, José
Messias da Silva (in memoriam), pai zeloso e dedicado, muito obrigado por sempre nos
proteger, e ter sido tão simples, desejo que esteja disfrutando de toda paz merecida. Meu irmão,
Dorges Alexandre (in memoriam), obrigado pela eterna companhia e cumplicidade na
juventude, também por zelar por mim quando necessário, nossos momentos iluminam minha
memória e me trazem risos silenciosos.
Meus queridos sobrinhos, Deborah Raissa e Diogo Roger, vocês são a alegria que nos
eterniza, meu orgulho é constante. Minha prima-Irmã Daniely Sandra, suas orações são degraus
de progresso para todos nós.
De forma especial à querida professora Jailma Maria de Lima, a quem muito sou grato
por ter sido orientado em várias etapas e processos no período em que estive na UFRN. Sua
simplicidade me faz vê-la como um exemplo a ser seguido. Obrigado por tantas palavras e
conselhos nos momentos em que tanto precisei.
Agradeço a cada um que compôs a turma do Mestrado em História dos Sertões 2020.1,
foi maravilhosa a oportunidade de fazer e rever amigos. Quantos sentimentos, momentos
dividimos e presenciamos nesse período atípico em que estivemos unidos e, ao mesmo tempo,
distantes. Obrigado por tudo, todos esses momentos estão escritos nos livros de nossas vidas.
Teço um agradecimento especial a todos os responsáveis pelos arquivos por onde passei,
sem eles nada disso teria acontecido. José Carlos na Cáritas Diocesana de Caicó, Maria Dalva
na Cúria Diocesana de Caicó, Francisca no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó, e
Sargento Jacimar Ferreira Barros no 1º Batalhão de Engenharia de Caicó. É o cuidado de vocês
com a história que torna possível recriarmos nossas memórias.
Muito agradecido também, e mais uma vez, às colegas Ariane de Medeiros, Avohanne
Costa, Maiara Brenda, Larisse Bernardo e ao pesquisador e escritor Adauto Guerra Filho.
Obrigado pelas contribuições nas leituras feitas em meus rascunhos, indicações de leituras,
esclarecimentos e força em momentos de dúvidas e cansaço. Vocês foram luzes.
E finalmente, a todos os meus que direta e indiretamente, contribuíram para meu
crescimento. Perdoem não citar todos, mas estão eternamente no meu coração. Obrigado por
existirem!
O sertão é de todo lugar e de todos os tempos.
Mas o sertão é único.
(João Paulo).
RESUMO

Esta dissertação analisa a implementação dos programas Aliança para o Progresso, Alimentos
para a Paz e as Frentes de Trabalho, no Seridó Potiguar entre 1961 e 1978. Embora com
objetivos e ações diferentes, os três programas voltaram-se para o atendimento da população
em épocas de calamidades climáticas, de secas ou de cheias e foram decisivos para a assistência
aos sertanejos. Ao mesmo tempo em que os impactos sociais das calamidades diminuíam, esses
programas serviram para fixar esses sertanejos nos seus locais de origem, impedindo, em
alguma medida, as grandes migrações. O trabalho perpassa por uma análise com enfoque
político – social historiográfico e dos conceitos de sertão, história política e pobreza. Essa
pesquisa foi realizada no site da Hemeroteca Digital e nele foram encontrados os jornais:
Diário de Natal, Diário de Pernambuco, Correio Braziliense e O Poti, que nos possibilitaram
perceber como a imprensa noticiava a implantação de programas, mas também como se
referia a momentos de calamidades, sejam de secas ou de cheias. Foram realizadas pesquisas
no arquivo da Diocese da cidade de Caicó, onde através de cartas, relatórios e recibos, nos
esclareceu e trouxe novos fatos referentes aos diversos programas implementados na região
do Seridó potiguar. Da mesma forma, o 1º Batalhão de Engenharia e Construção de Caicó, nos
apresentou relatórios oficiais que nos possibilitaram aprofundar os estudos sobre as obras
gerenciadas pela instituição originando diversas Frentes de Trabalho. Ao longo do período
estudado, buscamos esclarecer o quanto essas relações e estruturas estabelecidas em nome da
seca e pobreza estabelecida, eram atividades primordiais para uma multidão que ofertava a
mão de obra em troca de um pagamento e alimentação repassados através dos convênios
firmados entre os governos do Rio Grande do Norte e o governo dos Estados Unidos da
América.

PALAVRAS-CHAVE: Sertão nordestino; Aliança para o Progresso; Alimentos para a Paz;


Flagelados; Frentes de trabalho.
ABSTRACT

This dissertation analyzes the implementation of the programs Alliance for Progress, Food for
Peace and the Work Fronts in Seridó Potiguar between 1961 and 1978. Of climatic calamities,
droughts or floods and were decisive for the assistance to the countryside’s. At the same time
that the social impacts of the calamities diminished, these programs served to fix these
countryside’s in their places of origin, preventing, to some extent, large migrations. The work
goes through an analysis with a political - social historiographical focus and the concepts of
sertão, political history and poverty. This research was carried out on the website of Hemeroteca
Digital, where the newspapers were found: Diário de Natal, Diário de Pernambuco, Correio
Braziliense and O Poti, which allowed us to perceive how the press reported the implementation
of programs, but also how it referred to moment’s disasters, whether droughts or floods.
Research was carried out in the archives of the Diocese of the city of Caicó, where through
letters, reports and receipts, he clarified and brought us new facts regarding the various
programs implemented in the region of Seridó Potiguar. In the same way, the 1st Battalion of
Engineering and Construction of Caicó, presented us with official reports that allowed us to
deepen the studies on the works managed by the institution, originating several Work Fronts.
Throughout the period studied, we sought to clarify how these relationships and structures
established in the name of drought and established poverty were primary activities for a
crowd that offered labor in exchange for payment and food passed on through agreements
signed between governments. of Rio Grande do Norte and the government of the United
States of America.

KEYWORDS: northeastern sertão; alliance for progress; Food for Peace; flagellated; Work
fronts.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Abertura da Conferência Econômica e Social Interamericana da OEA, que


tinha sede em Punta Del Leste, Uruguai ................................................................ 32
Figura 2 – O presidente John F. Kennedy com jornalistas e membros do Corpo da Paz
em 28 de agosto de 1961. Kennedy designou aos voluntários sua primeira
missão no exterior .................................................................................................. 54
Figura 3 – Centro de Treinamento de Ponta Negra ................................................................. 62
Figura 4 – Inauguração do carro programa “Operação Crianças” .......................................... 81
Figura 5 – Noivado do Pastor Pedro Bezerra com Aldeisa Almeida ...................................... 90
Figura 6 – Guias de Entrega da Cáritas Diocesana Caicó referentes à distribuição de itens
vindos dos Estados Unidos destinados aos programas de assistência da região
Seridó ..................................................................................................................... 94
Figura 7 – Fichas de Inscrição Movimento de Educação de Base – 1976 .............................. 99
Figura 8 – Visita do Diretor da Via de Transportes ao 1º BEC, General de Brigada
Otacílio Terra Ururay em 13 de abril de 1965 .................................................. 117
Figura 9 – Visita do Presidente Castelo Branco à Caicó-RN em 22 de abril de 1966 .......... 118
Figura 10 – Missões do 1º BEC nos estados do Rio Grande do Norte e Paraíba – Brasil .... 120
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Delimitação atual do Seridó – RN .......................................................................... 41


Mapa 2 – Mapa da açudagem no Rio Grande do Norte, com destaque à região do
Seridó potiguar ..................................................................................................... 113
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Doações da USAID ao Brasil discriminadas por estados, janeiro de 1962 a julho
de 1963 (em milhões de cruzeiros) ........................................................................ 35
Tabela 2 – Mapeamento de doações do programa Alimentos para a Paz entre 1963 e 1971
destinadas a municípios do Seridó Potiguar .......................................................... 77
Tabela 3 – Açudes públicos construídos pelo DNOCS na região do Seridó – RN até
dezembro de 1972 ................................................................................................ 114
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – População do Seridó potiguar nas décadas de 1960 e 1970 ................................. 42


Quadro 2 – Cidades e entidades beneficiadas com doações do programa Alimentos para a
Paz no Seridó Potiguar entre os anos de 1963 e 1971 .......................................... 79
Quadro 3 – Atendimentos através do programa de Educação Nutricional ............................. 98
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1º BEC 1º Batalhão de Engenharia e Construção


ARENA Aliança Renovadora Nacional
ANCAR Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural
BNB Banco do Nordeste do Brasil
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CIA Central Intelligence Agency
CIES-OEA Conselho Interamericano Econômico e Social da Organização dos Estados
Americanos
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COCAP Comissão de Coordenação da Aliança para o Progresso
CONTAP Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso
COSERN Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte
CWS Church World Service
DDAS Departamento Diocesano de Ação Social
DER Departamento de Estradas de Rodagem
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EMATER Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural
FAB Força Aérea Brasileira
FINOR Fundo de Investimentos do Nordeste
IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
INAN Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
INES Instituto Nacional de Estudos Superiores
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IOC Instituto Oswaldo Cruz
IPAI Instituto de Proteção e Assistência à Infância
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEB Movimento de Educação de Base
MEC Ministério da Educação e Cultura
OMS Organização Mundial de Saúde
PAVLA Papal Volunteers for Latin American
PSD Partido Socialista Democrático
SAR Serviço de Assistência Rural
SCBEU Sociedade Cultural Brasil/Estados Unidos
SERTE Setor Rádio – TV - Educação
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SMNE Serviço de Malária do Nordeste
SNI Serviço Nacional de Informação
STRC Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó
SUCAM Superintendência de Campanhas de Saúde Pública
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUNAB Superintendência Nacional do Abastecimento
UDN União Democrática Nacional
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UMP União de Moças Presbiterianas
USAID United States Agency for International Development
USIS Serviço de Informações dos Estados Unidos
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16

2 A ALIANÇA PARA O PROGRESSO: POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA OU


UMAFORMA DE INTERVIR? ......................................................................................... 29
2.1 Aliança para o Progresso e o Rio Grande do Norte ...................................................... 29
2.2 A implementação da Aliança para o Progresso no Seridó potiguar ............................ 40
2.3 Pactos para a efetivação dos programas em solo potiguar ........................................... 49
2.4 A atuação do Corpos da Paz no Seridó Potiguar ........................................................... 54

3 O PROGRAMA ALIMENTOS PARA A PAZ NO SERIDÓ: ENTRE CRÍTICAS


E AEXECUÇÃO ................................................................................................................. 68
3.1 O Programa Alimentos para a Paz e o Rio Grande do Norte....................................... 74
3.2 O Alimentos para a Paz no Seridó: o papel da Igreja Presbiteriana ........................... 88
3.3 Alimentos para a Paz: o papel da Cáritas Diocesana .................................................... 91

4 OBRAS NO SERIDÓ POTIGUAR: SINÔNIMO DE FRENTES DE


EMERGÊNCIA ................................................................................................................. 102
4.1 As “Frentes” como refúgio dos trabalhadores de rede nas costas ............................. 102
4.2 As obras no Seridó: espaço para intervenções de desenvolvimento ........................... 112

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 126

FONTES ................................................................................................................................ 130

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 137


16

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação analisa a implementação dos programas Aliança para o Progresso,


Alimentos para a Paz e as Frentes de Trabalho, no Seridó Potiguar entre 1961 e 1978. Embora
com objetivos e ações diferentes, os três programas voltaram-se para o atendimento da
população em épocas de calamidades climáticas, de secas ou de cheias e foram decisivos para
a assistência aos sertanejos.
Ao mesmo tempo em que os impactos sociais das calamidades diminuíam, esses
programas serviram para fixar esses sertanejos nos seus locais de origem impedindo, em
alguma medida, as grandes migrações.
Os capítulos elaborados objetivam avaliar como se deu a implementação da Aliança
para o Progresso ao Seridó potiguar, um programa criado pelo governo norte-americano
direcionado para a América Latina nos anos iniciais da administração de J. F. Kennedy (1961-
1963) e implantado nos anos subsequentes, vislumbrando sempre quais os efeitos desse
programa para o povo dessa região; analisar a presença do programa Alimentos para a Paz no
Seridó potiguar de 1965 a 1978, programa também administrado pelo governo dos Estados
Unidos, através da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID), que garantiu a “doação” de benefícios para as partes mais afetadas pela seca, além
de detectar a proporção alcançada por esse programa; descrever, ainda na mesma
temporalidade, as Frentes de Trabalho na região do Seridó, estruturas criadas pelos órgãos
estaduais para abrigar trabalhadores dos mais diversos segmentos e lugares.
Esta dissertação teve início no ano de 2018 a partir de um projeto de pesquisa intitulado
“A americanização dos sertões do Seridó: a implantação do programa Alimentos para a Paz e
as Frentes de Trabalho (1968-1976)”, realizado e, posteriormente, convertido em trabalho de
conclusão para o Curso de Especialização em História dos Sertões, vinculado ao Departamento
de História do Centro de Ensino Superior do Seridó na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, onde buscamos construir uma escrita que levasse à uma possível continuidade dos
fatos expostos, além de fornecer novos resultados em um novo e mais consistente projeto de
pesquisa.
Para tal, optamos por uma temporalidade (1961-1978), que aborda um momento em
que o Brasil vivenciava uma conjuntura política bastante conturbada, momento em que foram
implementados no interior do Rio Grande do Norte muitos programas voltados para o
atendimento da população mais pobre e teve início a composição das Frentes de Trabalho, indo
estas até o ano de 1978. Portanto, esse contexto funciona como ponto de partida para a
17

investigação dessas importantes possibilidades utilizadas como possíveis soluções diante dos
efeitos da seca vivenciada pelos flagelados que, aos poucos, se tornaram parte responsável por
mudanças efetuadas e conflitos protagonizados nos espaços que compunham a região.
O trabalho dialoga com os conceitos de sertão que segundo Moraes, historicamente,
sempre foi um espaço geográfico tido como marginal e apto a ser apropriado, expandido e
modernizado1; história política, apontado por Remónd como a história do Estado, do poder e
das disputas por sua conquista e conservação, das instituições em que ele se concentrava das
revoluções que o transformavam; modernização, que do ponto de vista da expansão territorial,
tem dois sentidos principais: um que envolve a infraestrutura econômica, a base técnica e os
meios de produção e outro que envolve os aspectos políticos e ideológicos2. De acordo com
Hobsbawm, se a Revolução Industrial britânica forneceu o modelo para as fábricas, rodovias,
cidades, infraestrutura, emprego das técnicas etc., a Revolução Francesa forneceu o modelo
político e ideológico do processo de modernização3. Para Giddens, “a teoria da modernização
está associada diretamente à teoria da sociedade industrial”4; e pobreza, um conceito que
necessita ser definido não apenas no campo financeiro-econômico. Como defende Lavinas:
“ser pobre é ter, portanto, sua humanidade ameaçada, seja pela não satisfação de necessidade
básicas (fisiológicas e outras), seja pela incapacidade de mobilizar esforços e meios em prol da
satisfação de tais necessidades”5. O mesmo nos ajuda a compreender as atitudes dos
personagens necessitados diante do sentimento e materialização da falta.
O Seridó potiguar, importante fragmento regional do Estado do Rio Grande do Norte,
naquele momento era composto por diversas cidades que apresentavam grandes índices de
pobreza, e ao que tudo indica, esse foi um dos motivos que levou os Estados Unidos a se
apresentarem, encaminhando uma série de programas de ajuda e ações intituladas pelos
mesmos como modernizadoras. De região atrasada e improdutiva, tais terras passaram a
serem vistas com um olhar amigável, caridoso e promissor a partir das negociações
governamentais que, constantemente evidenciavam a importância geográfica do local, tendo
em vista que os Estados Unidos precisavam de estratégias para conter o avanço do comunismo.
O governo estadunidense propunha um plano de cooperação de dez anos, com o

1
MORAES, Antônio Carlos Robert. O Sertão, Terra Brasilis, [online], 4 - 5 | 2003, posto online no dia 05
novembro 2012. Disponível em: http://terrabrasilis.revues.org/341.
2
REMÒND, René. Por uma História Presente. In: REMÒND, René (Org.). Por uma História Política. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
3
HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
4
GIDDENS, Anthony. Teoria da modernização e sua crítica. In: . Sociologia: uma breve, porém crítica
introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1984. p. 111.
5
LAVINAS, Leda. Pobreza e Exclusão: Traduções Regionais de duas Categorias Práticas. Revista Econômica,
Niterói, v. 4, n. 1, 2003, p. 29.
18

objetivo declarado de fomentar o desenvolvimento econômico, social e político, assim surgiu


uma transição que remonta ao New Deal e aos programas de pós-guerra como o Point Four e
o Plano Marshall6. Desse modo, as falas e ações políticas surgem como fundamentais para
percebermos a relação de poder existente em um cenário caótico e formulador de uma história
regional muitas vezes estereotipada. Algumas vezes, tais pontos podem remeter aos
discursos ocultos das lideranças, nos mostrando intuitos políticos bem sucedidos a partir do
aproveitamento da falta de conhecimento do povo em questão.
Nesse sentido, investigaremos como ocorreu a distribuição de itens destinados para
suprir a necessidade da população, qual o perfil dos trabalhadores das Frentes de Trabalho e
quais causas levaram ao encerramento das atividades desenvolvidas por esses programas em
terras seridoenses.
A Cáritas Diocesana, instituição da Igreja Católica voltada à promoção de ações de
solidariedade nacionais e internacionais para o atendimento à comunidades em situação de
vulnerabilidade, administrava os itens vindos do exterior para doação, a mesma teve papel de
grande importância nesse período, não só no Seridó, mas em todo o Nordeste, porém, com o
passar do tempo, e diante da redução dos donativos estadunidenses, ainda conseguiu junto a
instituições católicas prolongar suas atividades até o ano de 1974, até que sem o apoio do
programa Aliança para o Progresso, a mesma encerrou suas atividades.
A partir dessa conjuntura nordestina, percebemos o sertão nordestino como um espaço
composto por uma forte historicidade, alicerçada pelas diversas experiências e personagens que
surgiram no decorrer dos tempos. Sobre isso, Barros afirma que: “Podemos dizer que o
espaço pode ser abordado como uma área indeterminada que existe previamente na
materialidade física (e, neste caso, ainda não estaremos considerando as noções de ‘espaço
social’, de ‘espaço imaginário’ e de ‘espaço literário’ que já foram mencionadas)”. Foi a
partir desta noção fundadora que, na Geografia tradicional, começaram a emergir outras
categorias como a de ‘paisagem’, de ‘território’ e de ‘Região’ – noções de que logo os
historiadores começariam a se apropriar para seus próprios fins7. Podemos perceber o quanto
todas essas definições tornam amplo e significativo o contexto mencionado, e o quanto se faz
necessário debater.
Pensar esse sertão é, antes de tudo, compreender que tudo se trata de um espaço provido
de experiências, conflitos e disputas que, política ou popularmente, arquitetam um novo rumo

6
RIBEIRO, Ricardo Allagio. A teoria da modernização, a Aliança para o Progresso e as relações Brasil-
Estados Unidos. São Paulo: Perspectivas, p. 151-175, 2006.
7
BARROS, José D’Assunção. Geografia e História: uma interdisciplinaridad e mediada pelo espaço. Geografia,
Londrina, v. 19 n. 3, 2010, p. 67.
19

às mudanças que esse cenário apresenta. A partir dessas questões, esse trabalho se propõe a
contribuir para uma melhor apreensão da prática de políticas assistenciais implementadas nos
sertões, destacando o período compreendido entre 1961 e 1978, a política de ajuda alimentar
dos Estados Unidos da América com relação ao Nordeste e, em especial, no Seridó se
fortaleceu; analisar como diversos programas se estabeleceram nesse sertão nordestino, quais
suas reais intenções para com o povo mais carente da região e compreender os motivos de sua
extinção.
Ao elaborar a discussão bibliográfica, consideramos produções científicas que
atenderam os critérios de elaboração dessa pesquisa. Debatemos através da obra “O Sertão,
Terra Brasilis” de Moraes8, “Geografia da fome: o dilema brasileiro, pão ou aço” de Castro9,
“O Nordeste e a Historiografia Brasileira” de Neves10, “Seca como um desastre” de Alpino,
Freitas e Costa11, “A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964)” de
Loureiro12.
As publicações dos jornais Diário de Natal, Correio Braziliense e atas de reuniões do
Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste nos apontam
qual sertão queremos discutir, bem como, explanam a participação de políticos do período em
questão perante a implantação dos programa Alimentos para a Paz no Seridó e as Frentes de
Trabalho.
A partir disso, “A Aliança para o Progresso e o Governo João Goulart (1961-1964)” de
Loureiro (2020), nos remete a perceber como a continuação das relações políticas no Estado
foram tomando um rumo mais tenso no que se refere às relações internacionais, uma vez que o
governo norte-americano, a partir da Aliança para o Progresso, estava cada vez mais inserido
nas áreas carentes, tidas como de risco no Nordeste.
Esse período também ficou marcado por atitudes ilegais onde muitos lucravam
desonestamente utilizando os recursos que deveriam ser atribuídos à assistência populacional,
fato que nos levou a perceber que, esse cenário em determinado momento ficou conhecido
através da mídia da época como se fosse uma característica da região, uma vez que os jornais

8
MORAES, Antônio Carlos Robert. O Sertão, Terra Brasilis, [online], 4 - 5 | 2003, posto online no dia 05
novembro 2012. Disponível em: http://terrabrasilis.revues.org/341.
9
CASTRO, Josué de. Geografia da fome: o dilema brasileiro, pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares, 1984.
10
NEVES, Frederico de Castro. O Nordeste e a historiografia brasileira. Ponta de Lança, São Cristóvão, v. 5, n.
10, p. 6-24, 2012.
11
ALPINO, Tais de Moura Ariza; FREITAS, Carlos Machado de; COSTA, André Monteiro. Seca como um
desastre. Revista Ciência & Trópico, Recife, v. 38, n. 2, p. 109-134, 2014.
12
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020.
20

traziam uma abordagem de que o sertão era um local extremamente seco e miserável, ainda
que isso não fosse uma realidade constante.
E com isso, a ideia do sertão geograficamente castigado e historicamente pobre deu à
indústria da seca uma espécie de suporte, onde na maioria das vezes, as injeções de recursos
realizadas para suprir as dificuldades, foram tão vistas como necessárias ao serem noticiadas,
que se deixou de mostrar que, por trás de tudo aquilo havia personagens agindo em benefício
próprio.
O sertão nordestino surge como um ambiente conflituoso, os flagelados se mostravam
insatisfeitos com as duras horas de trabalho, os alimentos não eram mais suficientes para saciar
a fome dos trabalhadores, onde o desemprego assumiu grandes proporções, garantindo a
ocupação e os meios de subsistência da população13. E mesmo diante desse cenário, em “Seca
e poder: entrevista com Celso Furtado”, o próprio Celso Furtado nos revela que essa população
fragilizada via, mesmo diante da situação de escassez, uma forma de vencer a pobreza já
existente e que de certo modo se alastrou nessas décadas14, o que nos remete ao romantismo
dito sobre Os Sertões por Euclides da Cunha15. Era parte de uma multidão insatisfeita e
temerosa pela falta de trabalho e atenção por parte das autoridades que caminhava para um
cenário de revoltas, através de invasões que, constantemente ocasionaram saques e outras
atrocidades.
Relatamos também a realidade temporal de uma população doente, pessoas de todas as
idades envolvidas nas frentes de trabalho, forçadas a conviver em um ambiente sem qualquer
condição de higiene que fosse adequada para se viver. As más instalações de moradia e trabalho
apresentaram a essas pessoas uma fome mais generalizada, sérias doenças e, em muitos casos
uma morte prematura e desassistida pelas políticas públicas que, na grande maioria das vezes,
não conseguia conter tais problemas, fatos frequentes e constatados nos jornais da época.
Esta pesquisa justifica a contribuição que esperamos dar à historiografia que trata da
realidade do sertão do Seridó do Rio Grande do Norte, apresentando-o em sua pluralidade, uma
vez que, para muitos a palavra sertão remete a uma realidade embasada por aspectos físicos
como clima e economia, ou nos aspectos simbólicos como do tipo, narrativas e identidades. E
diante dessa proposta, devemos atentar para o fato que existem recortes espaciais com
realidades e diferenças a serem questionadas.

13
DUARTE, Renato S. (org.). A seca de 1958: uma avaliação pelo ETENE. Fortaleza: Banco do Nordeste; Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, 2002a. (Série Estudos sobre as Secas no Nordeste, v.1).
14
TAVARES, Maria da Conceição; ANDRADE, Manuel Correia de; PEREIRA, Raimundo Rodrigues. Seca e
Poder: entrevista com Celso Furtado. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, ed. 1, 1998.
15
CUNHA, Euclides. Os sertões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [1902] 2016.
21

Boa parte da historiografia produzida academicamente ainda não se dedicou


pontualmente ao que propomos, pois carece de trabalhos que se dediquem não somente ao
sertão, mas, estudos que apresentem os espaços, as ações existentes nesses lugares e, por fim,
os protagonistas dessas histórias. Trabalhos sobre essa temática, podemos apontar, “Criar ilhas
de Sanidade: Os Estados Unidos e a Aliança Para o Progresso no Brasil (1961-1966)”, de
Pereira16; “Caicó: uma cidade entre a recusa e a sedução”, de Andrade 17, possuindo recortes
temporais anteriores ao que tratamos, porém, bastante significativos no que diz respeito à
compreensão da origem desses temas.
Ao esmiuçar os conteúdos historiográficos da pesquisa nos deparamos constantemente
com as ações das elites políticas tradicionais, essas, representadas através do surgimento das
políticas públicas que, muitas vezes, geravam conflitos e mudanças no espaço povoado por uma
classe fragilizada e dependente dessas ações, fossem elas efetuadas por meio do governo ou da
Igreja Católica. Fato esse que faz com que esse trabalho se adeque perfeitamente aos itens que
acolhem a proposta da Linha de Pesquisa I, intitulada “Cultura Material, Sociedade e Poder nos
Sertões”.
Procurou-se utilizar um enfoque político-social, historiográfico para verificar prováveis
mudanças no espaço sertanejo exercidos sobre os grupos sociais que ali viveram e quais as
consequências decorrentes disto, uma vez que percebemos os espaços como produtos a partir
das transformações humanas causadas por seus conflitos, dominações, resistências e
negociações.
Dentro desse contexto, tratar da fase em que o Nordeste brasileiro e, mais
especificamente, o Seridó sofria com os impactos da seca e não abordar os programas que
contribuíram para o que foi intitulado como “a invenção da seca”, seria, sem dúvida, uma
grande lacuna. Ainda mais quando esse período identifica muito bem a continuação do
momento em que a política social tentava se fortalecer através de uma dita “ação positiva para
ajudar a América Latina”, visto também como o momento de se dar um novo esplendor à
política de boa vizinhança.
Tal momento não se faz marcante apenas na História do sertão, mas também na História
política18 do Brasil que oscilava entre um momento de extremas transições políticas e sociais.

16
PEREIRA, Henrique Alonso de Albuquerque Rodrigues. Criar ilhas de sanidade: os Estados Unidos e a
Aliança para o Progresso no Brasil (1961-1966). 2005. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
17
ANDRADE, Juciene Batista Féliz. Caicó: uma cidade entre a recusa e sedudão. 2007. Dissertação (Mestrado
em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007.
18
Remónd conceitua a História Política que guarda ressonâncias com a que se produz nas pesquisas atuais, onde
afirma o autor: “É a história do Estado, do poder e das disputas por sua conquista e conservação, das instituições
22

Sérgio Trindade afirma que o receio da disseminação de ideias subversivas em sua área de
influência geopolítica fez os Estados Unidos criarem mecanismos de auxílio às áreas
subdesenvolvidas que pudessem ser alvos da presença comunista. Os fantasmas de Fidel Castro
e de Ernesto Che Guevara assombravam os americanos. A Revolução Cubana criou certa
desestabilização na América Latina19.
Segundo Reichel, “a criação da Aliança para o Progresso fazia parte dessa perspectiva
norte-americana de frear o perigo vermelho”20. Exposto a isso tudo, estava o sertão, já
comentado anteriormente como aquele possuidor de realidades e diferenças a serem
questionadas, ou seja, um sertão entendido como uma espacialidade que não cabia mais ser
visto como um lugar marcado pelas semelhanças e pelas identidades.
O historiador tem agora a função de produzir sentidos, assim sendo, esta pesquisa tem a
preocupação de situar os vestígios políticos e modernizadores que foram responsáveis pelas
muitas ações e movimentos a que foram expostos os indivíduos que compunham esse espaço
no recorte temporal indicado, fossem eles a elite ou as aglomerações de retirantes.
Avohanne Araújo, em “Doenças carenciais no período da seca de 1877-1879 na
Província do Rio Grande do Norte”, nos remete à definição do conceito de flagelados, na
ocasião apresentados como aqueles que migravam para a Cidade do Natal em tempos de seca,
cabe a definição de pessoas pobres com poucos recursos para sobreviver, os mesmos que devido
a isso eram vistos como um problema para o Estado, que viam nas obras públicas como os
açudes uma maneira de reverter a realidade em que estavam inseridos, ainda que muitas vezes
tivessem em troca uma alimentação pobre em nutrientes essenciais para um bom funcionamento
do metabolismo, ocasionando uma série de doenças carenciais21.
A SUDENE e USAID como instituições que atuaram sob o caráter de cooperação para
o desenvolvimento, foram decisivas durante o processo de administração dos programas
implementados na temporalidade em questão, não se pode descartar o fato de que nem sempre,
as ações propostas funcionaram como esperado. O que acabou por causar divergências e
conflitos, tanto administrativas, como populares.
Nesse sentido, a modernização antes conceituada, é abrangente, já que está
relacionado a um conjunto de transformações que se processam nos meios de produção, mas

em que ele se concentrava das revoluções que o transformavam”(REMOND, 2003, p. 15).


19
TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. Aluízio Alves: Populismo e Modernização no Rio Grande do Norte. Natal:
Sebo Vermelho, 2004.
20
REICHEL, Heloisa Jochims. O “Perigo Vermelho” na América Latina e a grande imprensa durante os primeiros
anos da Guerra Fria (1945-1955). Diálogos, v. 8, n.1, 2004, p. 189-208.
21
ARAÚJO, Avohanne Isabelle Costa de. Doenças carenciais no período da seca de 1877-1879 na Província do
Rio Grande do Norte. Revista Ingesta, v. 1, n. 2, p. 95, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2596-
3147.v1i2p95. Acesso em: 29 set. 2022.
23

também na estrutura econômica, política e cultural de um território. Para se expandir


espacialmente, a modernização entra no jogo dos debates teóricos e geralmente é justificada
ideologicamente nas instituições acadêmicas, no universo político e nos meios de informação.
Assim, modernização não se refere, única e exclusivamente, às transformações que se
processam nos meios de produção e nas bases técnicas, pois envolve um conjunto de valores
que, advindos deuma determinada classe social, se apresenta com forte caráter ideológico.
Trata-se da expansão da própria modernidade do ponto de vista territorial. No sertão,
sua expressão podia começar a ser observada na abertura de estradas, na construção dos
reservatórios de água, nos sistemas de transporte, nos contrastes das cidades etc. Nesse período,
jornais faziam debates em torno do que seria modernização e grande parte era concebida pelas
elites como “agentes civilizatórios”, isso tudo com a pretensão de mudar a realidade da
sociedade, dando assim, ênfase às ações governamentais.
Sobre o uso das fontes e metodologia, a fonte jornalística nos permite como
historiadores, além de usufruir de discursos informativos, trabalhar com anúncios que buscam
seduzir e encantar os leitores. Reforçando essa tese, temos o notório trabalho de Luca, em artigo
intitulado “História dos, nos e por meio dos periódicos”22, contido no livro Fontes Históricas,
afirmando que a função desempenhada pelos jornais, em qualquer momento da história, mas
especialmente em períodos de regime autoritário, produzem ressonância nas preocupações
atuais. Assim, utilizamos para uma melhor percepção do nosso trabalho, a imprensa através
de matérias dos jornais; Diário de Natal, Diário de Pernambuco, Correio Braziliense, O Poti,
RN Econômico e Memorial da Democracia, que nos auxiliaram a refletir sobre o período da
década de 1960 e 1970 nos sertões norte-rio-grandenses, sobretudo no que se refere às ações
norte- americanas voltadas para o combate à fome nos sertões. Com exceção dos jornais RN
Econômico e Memorial da Democracia, que se encontram disponíveis em seus respectivos
sites, os demais Diário de Natal, Diário de Pernambuco, Correio Braziliense e O Poti, se
encontram no site da Hemeroteca Digital Brasileira.
A partir ainda do diálogo de Neves, com matérias dos jornais O Poti e Diário de Natal,
presentes no acervo da Hemeroteca Nacional Brasileira, foram esboçados o início do programa
Alimentos Para a Paz em terras sertanejas, bem como a distribuição de alimentos vindos deste
e seu repasse para o povo por meio de órgãos ligados à Igreja Católica.
O jornal Tribuna do Norte é de grande importância para a pesquisa histórica, visto que
esse jornal desde a sua criação, em 1950, esteve presente no cotidiano potiguar na disputa pela

22
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org).
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 111-153.
24

informação, nos debates públicos e na defesa de valores ligados à sua linha editorial. Na
rivalidade com o seu principal opositor Diário de Natal, ligado ao grupo Diários Associados,
encontramos disputas políticas que são essenciais para a construção de uma pesquisa histórica.
Esse jornal não está disponível online e somente existem dois locais de pesquisas onde ele pode
ser consultado: no acervo físico da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e no arquivo do
próprio jornal, localizado no bairro da Ribeira, em Natal-RN.
Para melhor discutir como ocorreu essa participação da Igreja junto aos programas,
utilizamos como fonte um formulário elaborado pela Cáritas Brasileira que tinha o objetivo de
inscrever programas de alimentação infantil e atividades de autoajuda ao Programa Alimentos
para a Paz23. Por fim, discutimos quais as causas que levariam ao enfraquecimento do programa
e, consequentemente, seu fim no ano de 1974.
Utilizamos exemplares do Diário de Natal disponíveis na Hemeroteca Digital
Brasileira, além de relatórios manuscritos, pertencentes ao arquivo da Paróquia de Santana e
elaborados a partir de dados funcionais dos que atuaram em algumas Frentes de Trabalho ou
emergência, como assim está descrito nos documentos24.
Após coleta e seleção de dados expostos nesses itens citados, obtivemos uma clara
demonstração de como funcionava a distribuição dos trabalhadores, quais suas funções, quanto
recebiam por seu trabalho e até mesmo o perfil social destes homens.
As mudanças das cidades ocorreram tanto no espaço físico como nas sensibilidades.
Porém a situação de quem estava por trás desse progresso foi bem diferente daquela que
estampou as páginas dos jornais, sempre reverenciando um espaço de total controle e ordem.
Essas construções foram o paliativo para o sustento dos flagelados que ocupavam várias
localidades do sertão.
A estrutura organizacional, desenvolvida pela classe de homens pobres, torna-se
vulnerável não apenas pelas condições climáticas, como também por um conjunto de fatores
administrativos, que pouco a pouco demonstravam a fragilidade do programa, destacando-se a
ausência de recursos suficientes e a falta de créditos assistenciais.
Ao fazer uso de relatórios existentes no Batalhão de Engenharia da Cidade de Caicó,
pudemos observar que a instituição esteve intimamente ligada com a prática da açudagem e
perfuração de poços espalhados pelo Seridó. Tais práticas nos levam a perceber de forma mais

23
O formulário datilografado encontra-se no acervo de documentos da Paróquia da Diocese de Caicó no
primeiro andar do Centro Pastoral Dom Wagner, depositados em pastas plásticas e armários de ferro. Os
mesmos não se encontram enumerados por estarem em processo de catalogação. Acesso em: 04 maio 2018.
24
Os documentos manuscritos (relatórios) encontram-se no Acervo de documentos da Paróquia da Diocese de
Caicó no primeiro andar do Centro Pastoral Dom Wagner, depositados em pastas plásticas e armários de ferro.
Os mesmos não se encontram enumerados por estarem em processo de catalogação. Acesso em: 02 maio 2018.
25

próxima a mudança desses espaços, que, diante das ações políticas locais e nacionais,
participavam do quadro anunciado como modernizador.
Essa pesquisa foi elaborada de forma consecutiva, uma vez que passou por várias etapas,
sendo essas temporárias, pois a cada nova visita a acervos, cada nova indicação de leitura e
descobertas, novos olhares eram descobertos, novas perguntas surgiam e a necessidade de
respostas nos levavam para novos caminhos. Assim sendo, elegemos por organizar essa
dissertação em três capítulos assim propostos:
No primeiro capítulo intitulado, Aliança para o Progresso: política da boa vizinhança
ou uma forma de intervir?, elaboramos uma análise de como se deu a implementação da
Aliança para o Progresso em solo potiguar e como através da tentativa de coibir a expansão
sobre a América Latina por parte da União Soviética, o governo americano elaborou convênios
com o Brasil ofertando doações com o propósito de amenizar os problemas nordestinos
resultantes da seca e das enchentes. Inicialmente, abordamos o espaço alvo dessa dissertação,
que segundo Moraes surge como um local visto como atrasado e improdutivo, mas que possuía
um grande potencial geográfico25, se tornando estratégico para os Estados Unidos, que
desenvolveu diversas ações voltadas para o enfrentamento das secas, todas sob o pretexto de
oferta de progresso, educação, modernização e cultura de boa vizinhança.
O segundo tópico do capítulo nos permite analisar mais precisamente como se deu o
processo que ocasionou a implementação da Aliança para o Progresso ao Seridó. Nesse ponto,
fica claro a partir da fala de Felipe Pereira Loureiro como foi a intervenção do governo brasileiro
perante as ações norte-americanas, ainda que fique compreendido o real objetivo exposto pelos
Estados Unidos, que era integrar os países da América nos aspectos político, econômico, social
e cultural frente à ameaça soviética.
O capítulo tem continuidade expondo como as ações da Aliança de certo modo
beneficiaram a saúde pública no período em questão, uma vez que, devido a falta de melhores
condições de sobrevivência e alto índice de doenças carenciais, houve a necessidade de um
olhar mais atento com relação a isso, e a USAID passou a ofertar vacinas e parte da alimentação
adquirida através de programas de ajuda alimentar para amenizar tamanha necessidade.
Consecutivo a isso, na tentativa de apontar possíveis soluções para o agravamento social que se
estabeleceu na região norte riograndense, órgãos como a Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), o
Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER),

25
MORAES, Antônio Carlos Robert. O Sertão, Terra Brasilis, [online], 4 - 5 | 2003, posto online no dia 05
novembro 2012. Disponível em: http://terrabrasilis.revues.org/341.
26

juntamente com a USAID, iniciaram um plano de estratégias que visavam estimular a


industrialização e a modernização regional, a seca mobilizou diversos programas sociais e
econômicos no sentido de minimizar os problemas decorrentes desse fenômeno natural na
região. Referente a isso, o jornal Correio Braziliense nos relata ações como, a implantação de
novas faculdades de Medicina no Brasil, campanha em prol da água potável e um aumento
significativo no número de doações por parte dos Estados Unidos.
O programa Corpos da Paz surgiu como outro programa, que enviava voluntários para
países em crise, por meio das negociações Brasil-EUA. Muitos voluntários estiveram no
Nordeste e no Seridó, a autora Cecília Azevedo26 nos aponta motivos pelos quais muitos se
interessaram em vir para o Brasil e para o Seridó. A partir da dinâmica desse programa, Rostand
Medeiros ajuda a contar como relações foram estabelecidas e um exemplo disso é a história
de Emil Petr e Célia Vale, um americano, ex-piloto de guerra que se tornou voluntário no
Seridó, e ela uma caicoense atuando na cidade de Natal junto à Diocese27.
O segundo capítulo, intitulado, O programa Alimentos para a Paz no Seridó: entre
críticas e a execução, objetiva analisar a implantação do Programa Alimentos para a Paz no
Seridó entre 1962 a 1978. O arquivo da Cáritas Diocesana em Caicó-RN, nos proporcionou
significativo número de documentos que versam sobre a presença do programa no Seridó. Os
recibos de entrega e relatórios de distribuição anuais elaborados pela Cáritas em consonância
com os Estados Unidos nos levam a perceber quais itens eram enviados para essa região, além
de suas quantidades e destino. Tais acontecimentos a todo tempo eram divulgados pela
imprensa, como expressam os jornais Diário de Pernambuco e Diário de Natal, o que nos
possibilitou poder cruzar fontes de forma mais precisa. Aliado a esses fatos, Josué de Castro
expõe os interesses dos Estados Unidos em estabelecer uma dependência do Brasil, a partir
dessas doações, mas não descarta a necessidade de se ter essa alimentação diante do quadro de
miséria ocasionado pela seca.
O capítulo continua elencando uma série de momentos em que o programa Alimentos
para a Paz de forma significativa esteve envolvido em ações para ajudar os flagelados, agora de
forma mais destinada ao Rio Grande do Norte, demonstrando em números como o estado se
tornou o principal beneficiado dos recursos referentes ao programa dos Estados Unidos, e como
isso foi decisivo para que várias localidades carentes recebessem tais recursos, fosse através de
doações ou através da criação de outros programas assistenciais. Tudo isso, apontando as
dificuldades existentes diante de tais negociações.

26
AZEVEDO, Cecília. Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil. São Paulo: Alameda, 2007.
27
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal: Jovens Escribas, 2012.
27

O próximo tópico demonstra que a Igreja Presbiteriana de Caicó atuou


significativamente na organização de recursos do programa Alimentos para a Paz da Aliança
para o Progresso, beneficiando parte da população carente através da doação de roupas,
calçados e alimentos. As atas de reunião da Igreja nos permite observar que na década de 1960
eram muito comuns campanhas de arrecação de fundos em prol dos flagelados da seca.
Posterior, são elencadas as ações articuladas pela Cáritas Diocesana junto à SUDENE e
USAID em prol dos flagelados não só das secas, mas também das cheias, sujeitos esses, a quem
a partir das discussões de Avohanne Araújo, podemos perceber que é muito antiga a definição
destes como pessoas sem recursos e necessitados28. Apontados como grande maioria dos
necessitados daquele período, as comunidades rurais estavam inseridas nos planos de ação do
programa Alimentos para a Paz.
O tópico que remete aos programas educativos da Emissora Rural de Caicó traz o
Sistema de Educação de Base (MEB) um forte articulador de ideias nesse momento difícil,
uma vez que ofertava letramento aos que interessassem, alimentação escolar e o apoio do rádio
como forma de disseminar notícia como, por exemplo, avisar ao público da presença de
médicos, bem como informar aos médicos sobre possíveis pacientes. Boletins informativos da
Cáritas Diocesana nos mostram a criação de Clubes de Mães e escolas, isso sendo parte das
ações do MEB em conjunto com o Departamento Diocesano de Ação Social (DDAS).
Por fim, e a partir de Felipe Loureiro, infelizmente não é possível saber o número exato
da ajuda recebida pelos estados brasileiros através de empréstimos da USAID em cruzeiros por
meio do programa Alimentos para a Paz, uma vez que esses dados não se encontram
disponíveis29. No entanto, a partir de registros encontrados no arquivo da Cáritas Diocesana,
confrontadas com anotações do próprio Loureiro, percebemos ser possível obter números
possivelmente próximos desses valores.
Temos no terceiro capítulo, Obras no Seridó potiguar: sinônimo de Frentes de
Emergência, onde no primeiro momento buscamos examinar como se deu a implementação de
Frentes de Trabalho no Seridó potiguar. Locais que davam emprego aos retirantes da seca, isso
pensando em suas estruturas, números, condições a que estavam expostos os participantes e
quais as principais obras realizadas, nesse contexto, para o Seridó potiguar. Utilizamos como
recurso para tal, os acervos da Cáritas Diocesana e 1º Batalhão de Engenharia de Caicó, os

28
ARAÚJO, Avohanne Isabelle Costa de. Doenças carenciais no período da seca de 1877-1879 na Província do
Rio Grande do Norte. Revista Ingesta, v. 1, n. 2, p. 95, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2596-
3147.v1i2p95. Acesso em: 29 set. 2022.
29
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp 2020, p. 73.
28

Jornais Correio Braziliense, Diário de Natal, Diário de Pernambuco e o Poti, ambos nos
proporcionam um aprofundamento e complemento valioso no tocante ao desmembramento das
fontes.
No primeiro tópico do capítulo, intitulado As “frentes” como refúgio dos trabalhadores
de rede nas costas, fazemos um aprofundamento sobre quem eram esses trabalhadores, o
termo trabalhadores de rede nas costas surgiu através da leitura de, Os açudes dos sertões do
Seridó, de Oswaldo Lamartine de Faria30, que nos ofereceu uma forte descrição da realidade
vivenciada por esses trabalhadores em um cenário desolado e castigado pela seca, tendo a
migração e composição às fontes como seu socorro derradeiro. Aliado a isso, Ferreira, Paíva e
Mélo (2020), em “Representações dos retirantes das secas do Semiárido nordestino”,
fortalecem tais informações ao dialogarem a respeito da gravidade da seca mostrada pela
mídia como grande problema regional, embasada pela dramatização do efeito da seca sobre os
retirantes e a atenção social e política do tema, que abriu espaço à intervenção e às medidas
emergenciais.
Como forma de dar continuidade ao desenvolvimento do capítulo e fortalecendo a
explanação referente às articulações que envolviam os flagelados, desenvolvimento através de
obras e instituições, optamos por elaborar uma discussão esclarecendo como as Frentes de
Trabalho sempre estiveram atreladas ao suposto desenvolvimento no sertão seridoense, e como
atividades distintas (açudagem, construção de estradas e perfuração de poços), realizadas a
partir de convênios governamentais e, tendo os flagelados como mão de obra contribuíram para
isso. Para a realização desse ponto, utilizamos significante documentação referente ao 1º BEC,
Cáritas Diocesana, e trabalhamos com o suporte teórico de Oswaldo Lamartine de Faria31,
Felipe Pereira Loureiro32, além de matérias presentes no Diário de Natal e Correio Braziliense.

30
FARIA, Oswaldo Lamartine de. Açudes dos sertões do Seridó. Natal: Fundação José Augusto, 1978.
(Coleção Mossoroense, v. 56, p. 19-21.
31
FARIA, Oswaldo Lamartine de. Açudes dos sertões do Seridó. Natal: Fundação José Augusto, 1978.
(Coleção Mossoroense, v. 56).
32
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020.
29

2 A ALIANÇA PARA O PROGRESSO: POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA OU UMA


FORMA DE INTERVIR?

2.1 Aliança para o Progresso e o Rio Grande do Norte

O sertão nordestino, historicamente, sempre foi um espaço geográfico tido como


marginal e apto a ser apropriado, expandido e modernizado, de acordo com Antonio Carlos
Robert de Moraes33. Para ele, a formação da nação era tal qual a formação do território, não era
pensado a partir de um povo ou uma cultura. Com a seca de 1877, a elite foi duramente atingida,
ao ponto de levar proprietários de terra à falência, nesse momento, com a divulgação da
imprensa, a seca e o sertão viraram problemas nacionais, despertando a curiosidade popular e
o interesse de muitos pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, uma vez que essa região
apresentava questões específicas.
Esse capítulo aborda como se deu a implementação da Aliança para o Progresso em solo
potiguar e como através da tentativa de coibir a expansão sobre a América Latina por parte da
União Soviética, o governo americano elaborou convênios com o Brasil ofertando doações com
o propósito de amenizar os problemas nordestinos resultantes das secas e das enchentes.
No momento do texto em que o sertão é mostrado, percebemos a representação de um
território interiorano sob o signo do sertão, estagnado no tempo, mas que pode ser repleto de
reservas naturais. No entanto, o discurso defende a ideia de que regiões assim demonstradas se
constituem como sendo parte integrante da construção da categoria “sertão”. Ou seja, é o local
isolado que necessita da intervenção do progresso exterior para se modernizar e ao receber as
práticas dessa dita modernização tem suas regiões mais interioranas afetadas por esse
fenômeno.
Eric Hobsbawm aponta a modernização voltada para economias atrasadas ou em
declínio e a contenção do comunismo como objetivos políticos que tinham absoluta prioridade
justificavam a presença mais forte do governo34. Tal apontamento faz sentido ao nos
aprofundarmos na realidade que era vivenciada pelo Rio Grande do Norte, região alvo de nossa
temática.
O Rio Grande do Norte está localizado na região Nordeste do Brasil, é um estado que
faz fronteira com dois outros estados (Ceará e Paraíba) e tem o litoral banhado pelo Oceano

33
MORAES, Antonio Carlos Robert. O Sertão, Terra Brasilis [Online], 4 - 5 | 2003, posto online no dia 05
Novembro 2012. Disponivel em: http://terrabrasilis.revues.org/341. Acesso em: 29. 06. 2016.
34
HOBSBAWM, Eric J. 1917- Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p. 214.
30

Atlântico, a norte e a leste. O estado é conhecido como a “esquina do continente” devido sua
localização, que o torna a unidade federativa mais próxima dos continentes africano e europeu.
Fato que contribuiu para a invasão de vários povos, entre eles, os franceses e os holandeses.
De acordo com dados do IBGE, em 1960, o Rio Grande do Norte possuía um total de
1.157,258 habitantes, e 1.611,606 no ano de 1970, distribuídos em 150 municípios. Mais
recentemente, no ano de 2020, essa população somava 3.534.165 pessoas, agora distribuídas
em 167 municípios agrupados nas seguintes regiões: 1) Litoral Norte, 2) Agreste, Potengi,
Trairi, 3) Alto Oeste, 4) Seridó, 5) Litoral Oriental (também se incluiu a Região Metropolitana
de Natal), 6) Médio Oeste, 7) Mossoroense, 8) Vale do Assu35. No entanto, para melhor
entendimento desse trabalho, destacamos as mudanças geopolíticas ocorridas enrtre as décadas
de 1960 e 1970, período esse associado à temporalidade escolhida.
É conveniente relatar que os incrementos populacionais ocorridos na citada região,
durante os anos de 1960 e meados de 1970, se deram através de profundas transformações
sociais e políticas no Brasil. No Rio Grande do Norte, foi durante as gestões dos governadores
Aluízio Alves (1961-1966), Monsenhor Walfredo Gurgel (1966-1971) e José Cortez Pereira
(1971-1974) que foram instituídas as bases do planejamento regional, bem como um esforço
para modernizar e promover o desenvolvimento econômico no estado. Ambos preocuparam-se
em formar pessoal dotados de qualificação técnica para atuar nos órgãos ligados ao
planejamento e gestão do Estado, estabelecendo parcerias com a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL) e com a Superintendência para o Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE)36.
E é justamente nesse contexto de transformações, que o Rio Grande do Norte surgiu
como uma grande aposta, quando os Estados Unidos e Brasil, estabeleceram um dos maiores
emais longos acordos internacionais que se tem notícia.
Tendo sido eleito presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 1961, já nos
primeiros meses de seu cargo, o presidente Kennedy dizia demonstrar grande preocupação com
o Nordeste brasileiro. Segundo ele, por se tratar de uma região explosiva devido a influência
exercida através das Ligas Camponesas modeladas na Revolução Cubana de Fidel Castro.
Haviam planos do embarque de alimentos, incluindo leite condensado, cereais e alimentos para

35
BIBLIOTECA DIGITAL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/311/cd_1970_sinopse_preliminar_rn.pdf. Acesso em: 04
ago. 2022.
36
BARBOSA, Jane Roberta de Assis; PAZ, Diego Tenório; DANTAS, Aldo. Regionalização e Planejamento no
Rio Grande do Norte, Confins [Online], 32 | 2017, posto online no dia 23 setembro 2017, consultado o 17
setembro 2022. URL: http://journals.openedition.org/confins/12363; DOI:
https://doi.org/10.4000/confins.12363. Acesso em: 17 set. 2022.
31

galináceos, pois segundo o presidente norte-americano, essa era uma forma de impulsionar o
desenvolvimento da agricultura, e para que isso acontecesse o mais rápido possível, estava
apenas faltando que as lideranças brasileiras acordassem positivamente. O governo brasileiro
apenas argumentava que antes de aceitar qualquer tipo de ajuda dos Estados Unidos, um
levantamento das necessidades e melhor estudos das propostas deveria ser realizado. Sobre
esses assuntos iremos nos expressar melhor mais adiante37.
Alguns funcionários da embaixada norte-americana visitaram o Brasil em uma viagem
intitulada “Excursão da boa vontade pela América do Sul”, e a decisão foi que a administração
Kennedy deveria atentar para as áreas menos favorecidas da América Latina que pudessem criar
áreas de concentração de forças inimigas38.
Deve-se destacar a participação de diversos intelectuais no processo de fortalecimento
do programa. As opiniões registradas a partir de reuniões realizadas diretamente com o
presidente Kennedy foram importantes para a elaboração dos projetos de desenvolvimento a
longo prazo, assim como os termos da Aliança.
Do Nordeste, o economista Celso Furtado foi um dos convidados pelo presidente para
colaborar com os planos. Ainda em julho de 1961 ele viajou aos Estados Unidos para solicitar
deste governo auxílio para o plano da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), órgão criado pela Lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, como uma forma de
intervenção no Nordeste, com o objetivo de promover e coordenar um possível
desenvolvimento da região39.
A partir do encontro com parte da administração Kennedy foi permitido que Celso
Furtado negociasse diretamente com o governo dos Estados Unidos a liberação de um crédito
dentro do programa da Aliança para o Progresso de aproximadamente 400 milhões de dólares,
ou 100 bilhões de cruzeiros40.
Em agosto de 1961, no Uruguai, os representantes dos países latino-americanos, junto
com os Estados Unidos, em reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e
Social da Organização dos Estados Americanos (CIES-OEA) estabeleceram acordo e

37
NORDESTE Preocupa EUA: Atenção para focos de agitação na América Latina. Correio Braziliense, Brasília,
13 de junho de 1961, p. 02. Acesso em 13 jul. 2021.
38
Ibidem.
39
O plano Quinquenal da SUDENE incluía os chamados Planos Diretores. O Primeiro Plano Diretor da SUDENE
estava orçado em cerca de 900 milhões de dólares. De acordo com as informações levantadas, 500 milhões de
dólares seriam promovidos pelo Governo do Brasil. Os outros 400 milhões seriam promovidos através de
liberação de créditos por parte do Governo dos Estados Unidos, iniciativa privada entre outras fontes. Foi
somente no Segundo Plano Diretor que houve uma participação expressiva de capital estrangeiro.
40
MUITO otimista plano que Celso Furtado leva a USA: governadores não foram ouvidos. Diário de
Pernambuco, Recife, 09 de julho de 1961, p. 04. Acesso em 28 jul. 2021.
32

aprovaram a chamada Carta de Punta del Este. Este documento explicitou os princípios da
Aliança para o Progresso, os recursos a serem investidos no programa e o modus operandi para
a alocação dos fundos41.

Figura 1 – Abertura da Conferência Econômica e Social Interamericana da OEA,


que tinha sede em Punta DelLeste, Uruguai.

Fonte: Memorial da Democracia. Disponível em:


http://memorialdademocracia.com.br/card/kennedy-cria- aliancapara-o-progresso.
Acesso em: 03 ago. 2021.

Na ocasião, o documento listou doze metas para serem alcançadas pelo continente nos
próximos dez anos, ou seja, até 197042.
Com a “Aliança” estabelecida e havendo já uma certa aproximação, ainda no ano de
1961 diretores do programa americano vieram ao Brasil se encontrar com o diretor da

41
A íntegra da Carta de Punta del Este pode ser encontrada em: Official Documents Emanating from the Special
Meeting of the Inter-American Economic and Social Council at the Ministerial Level Held in Punta del Este,
Uruguay, from August 5 to 17 (Washington DC, 1961) apud Taffet, Foreign Aid as Foreign Police: the Alliance
for Progress in Latin America, p. 205-23.
42
As metas eram: (1) garantir substancial e sustentável crescimento econômico para os países da região; (2)
promover uma distribuição mais igualitária de renda; (3) diversificar estruturas econômicas nacionais, tornando-
as menos dependentes da exportação de bens primários; (4) acelerar o processo de industrialização,
especialmente do setor de bens de capital; (5) aumentar o nível de produtividade na agricultura; (6) estimular,
conforme as características de cada país, programas abrangentes de reforma agrária, levando à transformação
efetiva de estruturas e sistemas injustos de uso e propriedade da terra; (7) acabar com o analfabetismo, garantindo
o mínimo de seis anos de educação primária para todas as crianças com idade escolar; (8) aumentar a expectativa
de vida em pelo menos cinco anos, o que envolvia, entre outras coisas, promover adequado abastecimento de
água e esgoto em áreas urbanas e rurais e reduzir pela metade a taxa de mortalidade infantil de crianças com
idade inferior a cinco anos; (9) ampliar a construção de casas de baixo custo para famílias de baixa renda; (10)
garantir estabilidade de preços; (11) fortalecer acordos de integração econômica regional entre países latino-
americanos; e, por fim, (12) desenvolver políticas colaborativas para estabilizar preços de comodities no mercado
internacional. LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964):
ajuda econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra.
Editora Unesp, São Paulo, 2020. p. 58.
33

SUDENE, Celso Furtado. De acordo com o professor norte americano e membro da comitiva,
Arthur Schlesinger43, “jamais vira uma região de tamanho desespero – uma aldeia miserável e
estagnada após a outra, casebres de barro escuro, crianças de pernas tortas e barrigas imensas,
onde não se via praticamente nenhum velho”. A declaração foi o suficiente para que, a partir da
situação do Nordeste brasileiro e a iniciativa americana, surgissem novas atitudes emergenciais.
Não demorou muito e o presidente Kennedy subiu à tribuna para apresentar o programa, na
ocasião destacou a necessidade de cooperação dos países para afastar o “perigo externo”.
Dizia ser as “forças alienígenas” provenientes do velho mundo, mais precisamente os
soviéticos, que ameaçavam a América44.
Entrou em execução o primeiro acordo assinado com o Brasil para o fornecimento de
leite em pó e o fornecimento desse produto alimentício foi visto como mais um passo da
Aliança para o Progresso para 1962. Foram 40 mil toneladas de leite, que segundo o
embaixador norte- americano, Lincoln Gordon, faziam parte dos princípios de cooperação
mútua subscritos entreBrasil e Estados Unidos na Carta de Punta del Este45.
A distribuição dos alimentos no Rio Grande do Norte foi gerenciada por Dom Eugênio
Sales, administrador apostólico, que também era presidente da Comissão de Ação Social no
Nordeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Os gêneros chegaram ao
interior do estado, inicialmente por estrada de ferro, em seguida com o apoio de viaturas do
Exército e foram distribuídos pela Cáritas46 Brasileira, setor do Secretariado de Ação Social da
CNBB47.
Segundo Reichel (2004), “a criação da Aliança para o Progresso fazia parte da
perspectiva norte-americana de frear o perigo vermelho”48. Sérgio Trindade reforça esse
pensamento da autora quando afirma que havia o receio da disseminação de ideias subversivas
em áreas de influência geopolítica, o que fizeram com que os Estados Unidos criassem
mecanismos de auxílio às áreas subdesenvolvidas que pudessem ser alvos da presença

43
RIBEIRO, Ricardo Allagio. A teoria da modernização, a Aliança para o Progresso e as relações Brasil-Estados
Unidos. Perspectivas, São Paulo, 2006. p. 151-175.
44
Discurso sobre a Aliança para o Progresso. Ver em KENNEDY, John. F. Pensamento e ação do Presidente
Kennedy. Rio de Janeiro: Ediitora Record, 1962. p. 48.
45
LEITE em pó é mais um passo da “Aliança para o Progresso”. Diário de Natal, 08 de fevereiro de 1962, p. 04.
Acesso em 27 jul. 2021.
46
A palavra “Cáritas” tem sua origem no latim, que significa “caridade”, e se traduz na prática da solidariedade
diante de situações em que a vida estiver ameaçada. Trata-se de uma rede de pessoas organizadas em grupos,
comunidades, paróquias, municípios e regiões que contribuem para a vivência da solidariedade, construção da
cidadania e fortalecimento da democracia e da organização popular, visando a uma sociedade justa e solidária.
Disponível em: http://www.aspr.org.br/caritas/. Acesso em: 22 dez. 2021.
47
EXÉRCITO transporta 46 toneladas de alimentos para a Paraíba. Diário de Natal, 12 de fevereiro de 1962, p.
02. Acesso em 27 jul. 2021.
48
REICHEL, Heloisa Jochims. O “Perigo Vermelho” na América Latina e a grande imprensa durante os primeiros
anos da Guerra Fria (1945-1955). Diálogos, v. 8, n.1, p. 189-208, 2004.
34

comunista. Os fantasmas de Fidel Castro e de Ernesto Che Guevara assombravam os


americanos. A Revolução Cubana criou certa desestabilização na América Latina49.
Nesse contexto era evidente o clima de divergência e desconfiança que se
voltava para o governo dos Estados Unidos por parte de alguns países da América
Latina.
No Nordeste, a política local em sua grande maioria apoiava os ideais da Aliança para
o Progresso, tendo em vista a articulação da possibilidade de benefícios. O caicoense
Monsenhor Walfredo Gurgel, vice-governador e candidato ao senado pelo Partido Socialista
Democrático (PSD), declarou não aceitar nenhum voto sequer de comunista no pleito de
outubro. A posição do padre e político surpreendeu alguns círculos políticos, uma vez que para
a sua eleição a vice-governador, o mesmo havia recebido apoio público dos esquerdistas e
nacionalistas50.
Em 22 de novembro de 1963, Kennedy foi assassinado na cidade de Dallas, fato que
trouxe consequências para a Aliança, pois ocorreu uma inflexão no programa. E houve um certo
beneficiamento para os governos militares que se estabeleceram ao longo dessa década.
Lembremos que Kennedy como presidente foi contemporâneo a Jânio Quadros e João
Goulart no Brasil. A relação Kennedy-Goulart foi curta, porém, uma relação cordial, onde
devido o receio de que o Brasil se tornasse um país comunista, eles chegaram a se encontrar
na Casa Branca diante das circunstâncias históricas.
Com a morte de Kennedy, a relação entre os países azeda. O presidente norte-americano
Lyndon Johnson adotou uma doutrina de relações estáveis com governos militares que
começavam a se estabelecer em países da América Latina51. Nesse momento, Washington
também suspendeu recursos da Aliança para o Progresso para o país, mas firmou acordos com
governadores hostis a João Goulart.
Como pode ser observado na tabela seguinte, antes do fato ocorrido, a distribuição de
doações norte-americanas em cruzeiros para as unidades federativas do Brasil entre janeiro de
1962 e junho de 1963 apontam a liderança do Nordeste, que recebia 73% dos recursos. Essa
proeminência do Nordeste no recebimento de doações em moeda local da Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), fazia parte do acordo bilateral entre

49
TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. Aluízio Alves: Populismo e Modernização no Rio Grande do Norte. Natal:
Sebo Vermelho, 2004. p. 198-199.
50
Monsenhor não quer votos de comunistas. Diário de Natal, 12 de março de 1962, p. 02. Acesso em 27 jul.
2021.
51
PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. A morte do presidente americano John Kennedy repercute
na Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/radio/programas/277967-a-morte-do-
presidente-americano-john-kennedy-repercute-na-camara-dos-deputados-14-00/. Acesso em 04 ago. 2021.
35

os governos brasileiro e norte-americano em abril de 1962 no valor de 131 milhões de


dólares,os quais foram distribuídos em cruzeiros52.
Faz-se necessário apontar a importância da USAID nesse longo processo de
administração dos recursos que circulavam durante o acordo entre Estados Unidos e Brasil. O
presidente Kennedy reconheceu a necessidade de unir o desenvolvimento almejado em uma
única agência responsável por administrar a ajuda a países estrangeiros para promover o
desenvolvimento social e econômico. Com o início dos trabalhos em 1961, as oportunidades
de assistência ao desenvolvimento internacional aumentaram significativamente. Não por
acaso, o período durante as administrações Kennedy e Johnson ficou conhecido como “a
década do desenvolvimento". Já na década de 1970, a USAID começou a desviar seu foco dos
programas de assistência técnica e de capital. Em vez disso, a assistência ao desenvolvimento
dos EUA enfatizou uma abordagem de "necessidades humanas básicas", que se concentrava
em; comida e nutrição, planejamento populacional, saúde, educação e desenvolvimento de
recursos humanos53.
A Tabela 1 a seguir nos serve de base para compreender como de certa forma, o intuito
de progresso e inovação idealizado pelo governo Kennedy continuou se estendendo por
décadas.

Tabela 1 – Doações da USAID ao Brasil discriminadas por estados, janeiro de 1962 a julho de 1963 (em milhões
de cruzeiros).
Estados Cr$ %
Rio Grande do Norte 1.981,00 24,9
Guanabara 1.946,00 24,5
Pernambuco 1.109,00 14,0
Agências nordestinas54 960,76 12,1
Bahia 540,00 6,8
Alagoas 370,00 4,7
Maranhão 280,00 3,5
Rio de Janeiro 200,00 2,5
Paraíba 188,00 2,4
Ceará 150,00 1,9
Piauí 120,00 1,5
Sergipe 100,00 1,3
Total 7.944,76 100,0
Fontes: Telegram 1707, 28 jun. 1963, RG 286, Nara, p, 2-4: Airgram A-1332, Rio de Janeiro to AID/W, 6 mar.
1964, CSF, folder PRM 1 – Mpnthly Progress Reports FY 63-65, box 18, RG 286, Nara; Telegram 1540, Rio de
Janeiro to Secretary of State, 3 jun. 1963, CSF, folder PRM 1 – Monthly Progress Reports FY 63-65, box 18, RG
286, Nara; Airgram A-1154, Rio de Janeiro to AID/W, 22 jan. 1964, CSF, folder PRM 1 – Monthly Progress
Reports FY 63-65, box 18, RG 286, Nara.

52
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 107-108.
53
USAID History Archive U.S. Agency for International Development. Disponível em: https://2012-
2017.usaid.gov/. Acesso: 13 ago. 2021.
54
Agências federais ou instituições e empresas interestaduais cujas atividades se dão na região Nordeste.
36

O Rio Grande do Norte nesse período era governado por Aluízio Alves, da União
Democrática Nacional (UDN), um político conservador, porém defensor de uma abordagem
modernizante para o estado e que vinha despontando como uma importante liderança regional
e até mesmo nacional, sendo que já havia se destacado como Deputado Federal pela defesa de
uma Previdência Social pública. Havia sido dele, por exemplo, o projeto da Lei Orgânica da
Previdência Social, aprovado no governo Vargas, 1951-1954. Ser defensor de reformas sociais
moderadas, sobretudo as que possibilitassem maior acesso a serviços de saúde e educação para
a população mais carente do estado, o tornou um político extremamente popular e crítico,
principalmente, diante das propostas reformistas do Governo Goulart, caracterizadas por ele
como radicais55.
Por ter essa postura e nutrir de uma estreita relação com o governo norte-americano, ao
apoiar o golpe militar de 1964 e se filiar à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), um partido
político brasileiro criado com a finalidade de dar sustentação política à ditadura militar, a
relação amigável permaneceu bastante sólida, o que de certo modo garantiu certos benefícios
políticos para o Rio Grande do Norte56.
A situação no sertão nordestino aos poucos se tornou insustentável, pois com a redução
dos donativos, o alto índice de desemprego e fome gerados pela seca se intensificou cada vez
mais. Existia na época um governo ainda em fase de transição e sujeito a ajustes, este não deixou
de articular soluções e atitudes mediadoras, mas tornou-se impossível atender à grande
demanda de solicitações dos municípios. Relatos dão conta de que, “em uma semana, 80
telegramas chegaram do interior, relatando a situação de fome em que se encontram”57. Em
janeiro de 1964, na sua 44ª reunião ordinária, a SUDENE deliberava junto aos representantes
dos estados nordestinos e outras autoridades sobre as principais atividades do órgão durante o
ano de 1963. Recursos assegurados por meio de projetos industriais ou convênios internacionais
mostraram sua eficiência ao serem empregados em diversos setores, sendo eles: infraestrutura,
agricultura e abastecimento, investimentos ligados ao fator humano, e ao levantamento de
recursos naturais. Os programas com maior destaque foram: energia, transporte, abastecimento
de água, perfuração de poços e promoção agropecuária. Dentre as indústrias que receberam
subsídios da SUDENE, os setores mais favorecidos foram o da indústria química e o da
55
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 107-108.
56
ALVES (Coord.), Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930, p. 160-161.Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo?busca=alzira+alves+de+abreu&TipoUD=0&MacroTipoUD=0&nIten
s=30. Acesso em: 05 ago. 2021.
57
MELO, Antônio. Monsenhor está apreensivo com a situação do Rio Grande do Norte. RN Econômico, Natal,
n. 12, 16-30 de abril, 1969, p. 03. Acesso em 10 ago. 2021.
37

indústria têxtil, sendo que também constam a indústria química, indústria metalúrgica, indústria
de cimento e indústria de alimentos.
O documento apresenta que os recursos pela ajuda externa provieram de duas fontes: o
governo dos Estados Unidos e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Dessa ajuda,
26,7% foi repassada por recursos em dólares e 73,3% por recursos em cruzeiros. O que reforça
a vultosa estimativa dos recursos fornecidos em cruzeiros presentes na Tabela 1.
Dessa forma, considerando que energia, transporte e industrialização estavam na base
de qualquer processo de transformação estrutural de economias de baixo índice de
produtividade, o total de recursos comprometidos para aqueles setores (71,1% do total) estava
amplamente justificado e garantia, por sua vez, o êxito da política de desenvolvimento do
Nordeste realizada pelo Governo Federal, através da SUDENE, e em total consonância com os
ideais norte-americanos.
Em Washington, o Departamento de Estado monitorou o golpe e guardou em segredo a
"Operação Brother Sam", um movimento articulado entre militares e civis de direita com o
apoio americano através do diplomata Lincoln Gordon e da Central Intelligence Agency (CIA)
ou Agência Central de Inteligência, sendo essa responsável por investigar e fornecer
informações de segurança nacional para o Presidente dos Estados Unidos e para o seu gabinete.
Como não houve resistência aos militares, a operação não precisou sair de solo americano. A
Operação Brother Sam foi revelada ao mundo doze anos depois, em 1976 pela historiadora
Phyllis Parker, que a trouxe a conhecimento público58.
No setor de energia, a inauguração da energia de Paulo Afonso no Rio Grande do Norte
surge como ação que bastaria para justificar o trabalho do ano anterior, 1963, tal a repercussão
da mesma sobre a economia e as condições de vida do povo do estado, sendo que 22 novas
cidades nordestinas passaram a receber energia da Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(CHESF) contando com recursos financeiros da SUDENE59.
O setor de abastecimento de água apresentou o início ou prosseguimento dos trabalhos
de construção ou ampliação dos sistemas fornecedores em dezenas de cidades. A SUDENE pôs
à disposição do Rio Grande do Norte 89 carros pipas para atendimento das populações
necessitadas, em caso de emergência de seca. Já no campo dos investimentos ligados ao
aperfeiçoamento do fator humano, merece ênfase especial o início da execução do Programa de

58
INFO ESCOLA. Operação Brother Sam. Disponível em: https://www.infoescola.com/ditadura-
militar/operacao-brother-sam/. Acesso: 05 ago. 2021.
59
Ata da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Recife, 10.01.1964. p. 5. Disponível em: http://biblioteca.sudene.gov.br/Telas/w_busca_rapida.php. Acesso: 05
ago. 2021.
38

Educação de Base60 que, em cooperação com os Estados Unidos, tinha a proposta de aumento
da oferta de técnicos nos setores em que o Nordeste se apresentava mais carente. Nesse
sentido, a SUDENE concedeu 510 bolsas de estudo para candidatos aos vestibulares de
Agronomia, Veterinária e Engenharia nas universidades do Nordeste61.
Em dezembro do mesmo ano, ocorreu a 54º reunião ordinária da SUDENE. A reunião
teve um caráter um tanto quanto diferenciado em relação às anteriores. Nela estavam
presentes, além das diversas autoridades e representantes estaduais de sempre, Aluízio Alves,
governador do Rio Grande do Norte, que quase sempre era substituído por um de seus aliados
políticos e o embaixador norte-americano Lincoln Gordon.
O governador Aluízio Alves, ao pedir a palavra e consultar o superintendente da
SUDENE, João Gonçalves de Souza sobre a distribuição dos recursos para o programa de
eletrificação do Rio Grande do Norte, alegou falta de condições de prosseguir no trabalho de
iluminação das cidades do interior caso a situação permanecesse. O superintendente assinalou
um prazo mínimo de um mês para a examinação do plano por parte do conselho estadual e
disse ao governador Aluízio Alves que a distribuição dos recursos seria observada com muito
zelo e dentro das normas traçadas62.
Dando continuidade, o presidente da reunião, o conselheiro Darcy Bessone abriu um
parêntese e convidou o Embaixador norte-americano, Lincoln Gordon para participar da mesa.
Logo em seguida, é aprovado o parecer DI-87/64-WILLYS OVERLAND DO BRASIL63. A
mesma versava sobre a implantação de mais uma indústria no Nordeste, na ocasião alguns
representantes estaduais se manifestaram contra a decisão, uma vez que houveram votos
vedando a concessão de favores a empresas que não possuíam sede no Nordeste. Disse que, no
caso, o Conselho tomou uma decisão contraditória. O governador de Pernambuco Paulo
Guerra foi enfático ao dizer que a vinda da Willys para o Nordeste implicava no
aproveitamento de mão de obra e propiciava a criação de outras indústrias e salientou que
após sessenta dias da instalação da indústria haveria emprego para mais de oitocentos

60
Os programas de educação de base eram vistos como programas que contribuíam para a promoção humana
integral e superação da desigualdade social, através da educação popular libertadora ao longo da vida, servindo
sempre e em primeiro lugar os mais pobres.
61
Ata da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Recife, 10.01.1964. p. 5. Disponível em: http://biblioteca.sudene.gov.br/Telas/w_busca_rapida.php. Acesso: 05
ago. 2021.
62
Ata da 54ª Reunião Ordinária do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Recife, 02.12.1964. p. 4. Disponível em: http://biblioteca.sudene.gov.br/Telas/w_busca_rapida.php. Acesso: 06
ago. 2021.
63
A Willys Overland do Brasil era uma fábrica localizada entre São Bernardo e São Paulo. Foi inaugurada em
1947, foi erguida com capital nacional e os norteamericanos entraram com 30% dos recursos por meio das
máquinas importadas para produzir o Jeep.
39

operários nordestinos. Após explanações sobre os encargos e benefícios a serem obtidos com
a implantação da indústria automobilística, o presidente encerrou a discussão e pôs em votação
o parecer DI-87 com a proposta de que a vigência ficasse suspensa até que a empresa
organizasseuma subsidiária declarando o caráter de excepcionalidade do parecer64.
Nos instantes finais da reunião, o presidente concedeu a palavra ao Embaixador
Lincoln Gordon. O mesmo declarou que desde que conheceu o Nordeste, antes mesmo de ser
nomeado Embaixador, tinha se interessado bastante pelos problemas da região. Ressaltou o
interesse que o presidente Kennedy sempre teve para com o Nordeste e falou da atividade da
Aliança para o Progresso em favor do desenvolvimento do hemisfério. Destacou o interesse do
presidente Castelo Branco em intensificar o desenvolvimento e salientou que o governo norte-
americano tem procurado ajudar os esforços desenvolvidos. Comentou ainda sobre a
assinatura do convênio assinado na SUDENE com a presença do presidente Castelo Branco,
tendo representado o maior acordo individual da história dos convênios, no montante de vinte
milhões de dólares, além dos recursos nacionais. Por fim, salientou o enquadramento do
programa de desenvolvimento brasileiro dentro da linha pregada pelo presidente Kennedy,
motivo pelo qual os entendimentos para novos acordos estavam em fase adiantada, podendo ser
anunciados dentro de poucos dias65.
O fato do Embaixador Lincoln Gordon citar o presidente Castelo Branco em sua fala
nos leva a destacar o significativo aumento da ajuda econômica norte-americana para o Brasil
por três anos seguidos, período que coincide com a administração Castelo Branco (abril de 1964
a março de 1967). O valor atingiu a média anual de US$ 346,2 milhões de dólares, uma
ampliação de 64% com relação aos governos de Jânio Quadro e João Goulart (1953-1960), que
havia saltado de US$ 44 milhões para US$ 210,2 milhões ao ano66.
Portanto, não resta dúvida de que a Aliança para o Progresso, mesmo em um período
em que foi anunciado um corte nos investimentos, promoveu um significativo aumento na
disponibilização de recursos para o Brasil e, consequentemente, para o Nordeste e o Seridó.
Exemplo disso são quando as cobranças feitas por Aluízio Alves por celeridade no
plano de eletrificação das cidades do interior do Rio Grande do Norte aos poucos surtiram

64
Ata da 54ª Reunião Ordinária do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Recife, 02.12.1964. p.7-8. Disponível em: http://biblioteca.sudene.gov.br/Telas/w_busca_rapida.php. Acesso:
06 ago. 2021.
65
Ata da 54ª Reunião Ordinária do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste. Recife, 02.12.1964. p. 10. Disponível em: http://biblioteca.sudene.gov.br/Telas/w_busca_rapida.php.
Acesso: 06.08.2021.
66
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 69.
40

efeito. Por volta das 19 horas do dia 15 de agosto de 1966, a energia de Paulo Afonso foi
inaugurada em Caicó. O ato inaugural contou com a presença das mais altas autoridades do
estado, sendo presidido pelo governador Monsenhor Walfredo Gurgel67. Segundo registros do
1º Batalhão de Engenharia de Caicó, somente aos vinte e quatro dias do mês de novembro do
mesmo ano, as instalações do Batalhão recebeu a energia elétrica de Paulo Afonso. Estando
de passagem pela região, o presidente Castelo Branco visitou a cidade e, na ocasião, foi
recebido por autoridades dacidade como forma de prestigiar o importante fato68.
A partir dessa relação que se estabeleceu, entendemos que as mudanças ocorridas nesse
lugar, bem como na vida das pessoas inseridas nesse campo, possibilitou o relacionamento com
novas realidades apresentadas diante das dificuldades, tenham sido elas causadas pelos agentes
naturais ou pelos personagens sócio políticos nacionais e internacionais, que surgiram como
administradores diante da situação enfrentada pela América Latina, sertão nordestino e mais
adentro o Seridó potiguar.

2.2 A implementação da Aliança para o Progresso no Seridó potiguar

“O Seridó encontra-se no espaço que a geografia chama de semiárido, dentro do


polígono das secas [...] com precipitação de chuvas irregulares; solo pedregoso e erodido [...]
com predominância da caatinga; rios temporários”69. A micro-região do Rio Grande do Norte
está situada na porção centro-meridional do Estado, no semiárido nordestino.
Em 1964, o Seridó possuía 22 municípios: São Fernando, Jardim de Piranhas,
Timbaúba dos Batistas, Serra Negra do Norte, São João do Sabugi, Ipueira, Ouro Branco,
Jardim do Seridó, Santana do Seridó, Equador, Parelhas, Carnaúba dos Dantas, Acari, São José
do Seridó,Cruzeta, Currais Novos, Cerro Corá, Lagoa Nova, São Vicente, Tenente Laurentino,
Florânia eJucurutu70.
Atualmente fazem parte dessa região os municípios de Bodó, Santana do Matos e
Tenente Laurentino Cruz, tendo estes sido desmembrados de suas antigas territorialidades.

67
CAICÓ receberá Paulo Afonso amanhã à noite. Diário de Natal, Natal, 14 de agosto de 1966, p. 4-6. Acesso
em 14 ago. 2021.
68
1o BECnst. Histórico da O.M. 1965-1969, p. 344. Acesso em 08 mar. 2021.
69
SILVA, Maria Auxiliadora Oliveira da. Evangelizar e politizar: o sentido da atuação da Igreja Católica com
os sindicatos dos trabalhadores rurais no Seridó potiguar (1964-1979). 2007. Dissertação (Mestrado em
Desenvolvimento Regional; Cultura e Representações) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2007, p. 27.
70
MORAIS, Ione Rodrigues Diniz. Desvendando a cidade: Caicó em sua dinâmica espacial. Caicó: Ed. do autor.
1999. p. 35.
41

Mapa 1 – Delimitação atual do Seridó – RN.

Fonte: Base Cartográfica IBGE, 2006.

Região marcada pela forte presença das oligarquias estaduais, o Seridó teve uma
trajetória marcada pela influência marcante dos coronéis na liderança política. Os mesmos
exerceram poder determinante sobre os moradores de suas propriedades rurais. Talvez devido
ao despreparo cultural e político, a área social (saúde, educação) tenha sido historicamente
negligenciada.
Ao descrever a região semiárida no Nordeste, Castro (1984) chamou atenção para o fato
de seu clima extremamente seco, com chuvas escassas e irregulares. Aspectos que acentuam a
vulnerabilidade da área descrita às variações climáticas em suas diversas expressões. Destaca
que o território geográfico por longas datas enfrentou ciclos de fortes estiagens e secas ocorridos
em intervalos irregulares, que variavam de anos a décadas, de modo que a escassez e a má
distribuição temporal e espacial das chuvas eram um obstáculo constante ao desenvolvimento
de atividades necessárias ao equilíbrio social da região71.
Douglas Araújo aponta que, “até o início dos anos setenta, a vida rural foi o centro,
habitat da maioria dos moradores do Seridó potiguar”, tendo como atividades a pecuária e,
posteriormente, o cultivo do algodão. Até 1970, a região tinha uma população de 147.573

71
CASTRO, Josué de. Geografia da fome: o dilema brasileiro, pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares, 1984.
42

habitantes, vivendo a maioria da população na zona rural, com um total de 75.243 pessoas72.
Com o advento das secas, houve a contribuição para a expulsão do homem do campo
para a zona urbana das cidades. Chegada a década de 1970, o Seridó passou a identificar uma
determinada aglomeração da população nas cidades que iniciaram uma mobilização em busca
de um meio de sobrevivência.

Quadro 1 – População do Seridó potiguar nas décadas de 1960 e 1970.


Ano População do Seridó

TOTAL URBANA RURAL

1960 127.120 44.287 82.833

1970 147.573 72.330 75.243


Fonte: Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1961. Dados Preliminares do
Censo 2000. Rio de Janeiro: IBGE: 2001. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/20/aeb_1961.pdf. Acesso em:
27.07.2021.

Os números apresentados no quadro nos dão uma clara percepção do quanto esse
movimento migratório foi relevante no período estudado. De certo, a seca foi decisiva para o
acontecimento desse episódio, bem como para a implementação da Aliança para o Progresso
em solo seridoense. A partir desse contexto, teve início uma série de ações por parte do
programa norte americano, que marcaram de forma decisiva o sertão seridoense através de suas
investiduras contra a seca.
O fenômeno da seca é definido por Alpino, Freitas e Costa, como uma “situação de
escassez de água que pode se prolongar ao longo do tempo, abrangendo áreas extensas gerando
repercussões negativamente significativas nas atividades socioeconômicas e nos
ecossistemas”73.
De forma complementar Jaqueline Saraiva de Lira (2016) descreve a seca como um
“fenômeno climático caracterizado pela baixa e má distribuição de chuva em uma região, tanto
de um ponto de vista espacial como temporal, o que provoca vários desequilíbrios”74.
Entendemos então que, através desse fenômeno, pode ocorrer um esgotamento terreno,
contribuindo como um limitador ao desenvolvimento de atividades agrícolas.

72
ARAÚJO, Douglas. A morte do Sertão Antigo no Seridó: O desmoronamento das fazendas agropecuaristas
em Caicó e Florânia. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006, p. 19.
73
ALPINO, Tais de Moura Ariza; FREITAS, Carlos Machado de; COSTA, André Monteiro. Seca como
umdesastre. Revista Ciência & Trópico, Recife, v. 38, n. 2, p. 109-134, 2014.
74
LIRA, Jaqueline Saraiva de. Resiliência da agricultura familiar no Nordeste brasileiro. 2016. Dissertação
(Mestrado em Economia Rural) – Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2016, p. 26.
43

Era insistente a irregularidade das chuvas. Entre tantos momentos difíceis, podemos
citar que em abril de 1967, durante dias, fortes chuvas caíram sobre o Rio Grande do Norte
causando verdadeiro pavor na população. Na ocasião, foi decretado estado de calamidade
pública, uma vez que cidades ficaram quase que totalmente submersas, outras foram
ameaçadas de serem arrastadas pela força das águas, precisando que os reservatórios de água
tivessem seu sangrador dinamitado, e não alheio a isso, estavam as dezenas de família
desabrigadas buscando por amparo.
Em abril de 1967, o jornal O Poti trouxe informações de que praticamente todo o estado
corria perigo com o temporal que há dias se prolongava. O Seridó ganhou destaque na edição
ao relatar uma situação dramática essencialmente em Jardim de Piranhas e Jucurutu, pois era
esperada a qualquer momento, a queda da ponte que passava no primeiro município. Caicó
também apontava uma situação delicada, pois até o dia anterior, o açude Itans estava com 65
milhões de metros cúbicos de água, faltando 55 centímetros para começar a sangrar, podendo
acontecer ainda naquela madrugada. Enquanto isso as populações interioranas enviavam
pedidos de socorro, mobilizando uma grande movimentação de autoridades no sentido de
atender às vítimas. Aviões C-47 da Força Aérea Brasileira (FAB) e a corveta “Caboclo” da
Marinha de Guerra circulavam pelo estado levando mantimentos e remédios, além de uma
equipe de quatro médicos que contava com o apoio da polícia militar, irmãs de caridade,
enfermeiras e voluntários para o socorro dos flagelados75, termo esse que melhor
descreveremos no capítulo terceiro.
Ao nos depararmos com esse fato, refletimos Bosi que, ao tratar do sertanejo, traz um
discurso que reflete e diverge entre a realidade de chuvas abundantes e ao mesmo tempo de um
período de estiagem e foi isso que configurou a história do sertão desde os mais longínquos
relatos, quando em muitos momentos foi identificada uma certa instabilidade climática que as
regiões até então, nomeadas com tal termo apresentavam76.
Da mesma forma, essa discussão nos remete a uma infinidade de sertões a serem
analisados por meio de suas paisagens. Em, “A invenção do sertão: viajantes e barqueiros
navegando pelo Araguaia”, de Marina H. Ertzogue; Ana D. A. Zagallo & Dernival V. R.
Júnior, por exemplo, a representação do sertão foi vinculada às ideias de território vazio e
deserto, quando Couto de Magalhães a partir de relatos de viagem pelo Rio Araguaia no
século XIX descreveu a região como um lugar com centenas de aves raras, densas florestas e

75
CHUVAS continuam: Governo decreta calamidade pública em Açu e no Apodi. O Poti, 09 de abril de 1967, p.
08. Acesso em 09 ago. 2021.
76
BOSI, Alfredo. Plural, mas não caótico. In: BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira: temas e situações. São
Paulo: Ática, 1987.
44

água por todo lado. Vinte anos depois de Couto de Magalhães, o também desbravador Leite de
Moraes não escondeu seu fascínio diante do fato de uma embarcação a vapor singrar as águas
doAraguaia, e aponta aquele fato como “um triunfo do progresso para o sertão, que desperta a
natureza com a hélice daquela embarcação; é o progresso que enfrenta a barbaria”77.
À medida em que a Aliança para o Progresso se estabeleceu ultrapassando considerável
jornada de existência, surgiu a necessidade de um esforço nos terrenos da agricultura, educação
e saúde pública para assegurar um maior êxito do programa de cooperação no Hemisfério Sul.
Os motivos estavam relacionados à necessidade de alimentos, por outro lado, sem a educação
dificilmente seria viável qualquer tipo de progresso e isso era o mais esperado pelas bases do
programa.
Mas a expansão da população não deixou de trazer juntamente consigo agravantes para
a saúde pública. Diante de tal cenário, a USAID/NORDESTE revelou que os alimentos
doados dentro do Programa Alimentos para Paz, como o fubá e a farinha de trigo passariam a
ser enriquecidos com a adição de cálcio. Afirmou que esse acordo era um último passo de um
processo de combate à desnutrição de crianças, seguido do enriquecimento desses alimentos
com vitamina B e ferro. Por outro lado, informou também que, aliado ao pequeno almoço que
era servido nas escolas do Nordeste com alimentos do programa, agora iria ser servida uma
sopa com alto valor nutritivo, enriquecida com medula óssea (tutano) doada por açougues à
Campanha Nacional de Alimentação Escolar. Na época, mais de 900 mil crianças receberam
esse tipo de alimentação escolar no Nordeste78.
A precariedade da saúde era comum a todas as nações, sempre em busca da emancipação
econômica e social. O Brasil não era exceção, ainda mais se fosse levado em conta a sua grande
extensão territorial e uma população que representava metade do montante habitacional da
América Latina. Para lidar com essas dificuldades, o Brasil mobilizou recursos junto à USAID,
a partir da Aliança para o Progresso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) também foi
canalizada para o Brasil, com o fito de melhorar os serviços de saúde pública no país, e de modo
especial nas regiões mais necessitadas, a destacar-se o sertão nordestino. Dos mais de 80
milhões de brasileiros, cerca de 35 milhões se encontravam em áreas maláricas, cerca de metade
destes estavam recebendo total proteção através da Campanha Nacional de Erradicação da
Malária, que contava com 11.300 funcionários, um orçamento de 28 milhões de cruzeiros

77
ERTZOGUE, Marina Haizenreder; ZAGALLO, Ana Daisy Araújo; RAMOS JÚNIOR, Dernivel Venâncio. A
invenção do sertão: viajantes e barqueiros navegando pelo Araguaia. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 11,
n. 1, 2018, p. 52-53.
78
ALIMENTOS para a Paz enriquecidos com cálcio. Correio Braziliense, Brasília, 21 de janeiro de 1966, p. 4.
Acesso em 10 ago. 2021.
45

parao ano de 1967 e a considerável ajuda externa da Aliança para o Progresso79.


O problema da saúde pública era algo que há tempos vinha sendo alvo de investiduras
no país. Outros investimentos para contenção das endemias envolveram o pessoal do Instituto
Oswaldo Cruz (IOC). Ainda no final da década de 1930, o Serviço de Malária do Nordeste
através da Fundação Rockefeller promoveu trabalhos para erradicação do mosquito Anopheles
gambiae vetor da malária na região onde participaram Fred Soper e Sérvulo Lima. O problema
da malária, aliás, fora considerado um grande entrave ao desenvolvimento pelo governo de
Getúlio Vargas80.
Como forma de melhor compreender a ocorrência de endemias e surtos epidêmicos de
malária no interior do Nordeste do Brasil e, consequentemente, no sertão, compartilhamos da
significativa contribuição de Gabriel Lopes (2020). O autor aponta que o mosquito Anopheles
gambiae viajou da África para o Nordeste do Brasil graças à modernização dos transportes
que permitiram a travessia rápida do Oceano Atlântico, deixando as populações rurais
vulneráveis devido a pouca assistência por parte das políticas de saúde. O mosquito foi
identificado em Natal, capital do Rio Grande do Norte, no início dos anos 30, quando foi
ignorado por não poder se inscrever nas prioridades estabelecidas pelo Governo Federal e pela
Fundação Rockefeller, que no momento estavam empenhados no controle da febre amarela81.
Não demorou muito e logo surgiu a necessidade da formação de um organismo que
dedicasse ao combate do mosquito, o Serviço de Malária do Nordeste (SMNE). De acordo com
os estudos elaborados sobre o assunto, entre os principais motivos da chegada, proliferação
silenciosa e adaptação ecológica do mosquito causador da malária no Ceará e interior do Rio
Grande do Norte estavam: o desenvolvimento das rotas aerohidroviárias, o ritmo das chuvas,
além de fatores políticos e ecossistêmicos. Como forma de intensificar ainda mais os cuidados
com a malária, foram criados o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI) e o primeiro
posto de assistência e profilaxia anti-malária, na cidade de Natal, em 26 de maio de 1932.
Ação essa que se tornou comum no interior do Rio Grande do Norte até a década de 1950,
quando os estudos apontaram que a malária havia sido erradicada82.
Não precisamos de uma busca muito aprofundada para constatar o constante
noticiamento da malária em jornais da região nas décadas de 1960 e 1970, onde a partir da

79
ALIANÇA para o Progresso e a Saúde Pública. Correio Braziliense, 23 de junho de 1967, p. 4. Acesso em: 10
ago. 2021.
80
ANDRADE, Rômulo de Paula; HOCHMAN, Gilberto. O Plano de Saneamento da Amazônia. História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 14, p. 257-277, 2007.
81
LOPES, Gabriel. O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua
erradicação (1930-1940). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020, p. 12-13.
82
Ibdem., p. 158-160.
46

correlação entre os períodos chuvosos e o cuidado que se tinha com a utilização da água nesse
período, principalmente nos arredores das concentrações de trabalhadores, era ocasionado
quase sempre o surgimento de surtos epidêmicos e graves problemas sociais.
Na tentativa de apontar possíveis soluções para o agravamento social que se estabeleceu
na região norte riograndense, órgãos como a Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), o Banco
do Nordeste do Brasil (BNB) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), juntamente
com a USAID, iniciaram um plano de estratégias que visavam estimular a industrialização e a
modernização regional. A seca mobilizou diversos programas sociais e econômicos no sentido
de minimizar os problemas decorrentes desse fenômeno natural na região. Logo, várias missões
norte-americanas ancoravam na costa brasileira, oferecendo, por exemplo, leite em pó,
construindo bairros com moradias populares, escolas públicas, hospitais etc. O governo dos
Estados Unidos clamava para que o projeto decenal da Aliança para o Progresso fosse
transformado em um período de intenso desenvolvimento83.
Uma campanha em prol da água potável de melhor qualidade foi elaborada pela Aliança,
a partir de substanciais recursos financeiros nacionais e a assistência técnica e financeira da
USAID. Com o estabelecimento do Fundo Nacional de Empréstimos para o Abastecimento de
Água em 1965, teve início uma nova fase nos conceitos relativos à saúde pública. O projeto era
destinado a melhorar os sistemas de abastecimento de água nos estados brasileiros, fornecendo
água saudável para o consumo humano. Em pouco tempo as autoridades brasileiras de saúde
pública, em níveis federal e estaduais, noticiaram conquistas referentes ao controle de doenças
perniciosas como o mal de chagas, a varíola e, em menor proporção, a desinteria. No entanto,
outro problema era apresentado como crítico para a saúde pública no âmbito nacional, a
destacar-se nos estados do Nordeste, a grande falta de médicos, técnicos, enfermeiros e
engenheiros sanitaristas. Dados mostraram que as 40 faculdades de Medicina existentes no
Brasil até então, diplomaram anualmente cerca de 1.800 novos profissionais, cuja maioria se
concentrava nos grandes centros e não nas áreas mais densamente povoadas. O Brasil contava
com cerca de 7.500 enfermeiras diplomadas, os Estados Unidos possuía 560.000. A partir
desses dados, o Ministério da Saúde e os especialistas da USAID afirmaram que a situação do

83
Ao longo dos anos 1960 e 1970, quase seis mil jovens norte-americanos vieram para o Brasil para fazer trabalhos
humanitários pelo Corpos da Paz, programa lançado em 1961 pelo presidente John F. Kennedy. Muitos desses
voluntários viveram os seus tempos mais memoráveis no Nordeste do Brasil. Mas, além da boa vontade de muitos
deles, havia muito mais coisas por trás da “benevolência” do governo americano. O documentário “Em Nome
da América”, de Fernando Weller, mostra com clareza esse período.
47

Brasil, em suas áreas mais pobres era vista como “crítica”84.


A situação envolvendo o quantitativo dos profissionais de saúde era algo mais amplo e
Campos (2006) nos oferece reflexão sobre o tema. Segundo o autor, vários fatores contribuiram
para que a profissionalização de médicos e enfermeiras não fosse tão abrangente o quanto se
esperava. Ele expõe que, em alguns momentos, a formação técnica era vista como um
contraponto à ingerência de interesses políticos sobre a saúde pública, pois a exigência da
profissionalização constituiu um.impedimento para que interesses políticos locais utilizassem
estes empregos como forma de distribuição de favores e arregimentação de lealdades85.
Com relação às profissionais da enfermagem, existia o Programa de Enfermagem
conduzido por enfermeiras americanas até 1951, quando brasileiras assumiram a direção. O
Programa tencionava formar enfermeiras graduadas e auxiliares para os próprios programas do
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) e apoiar o plano geral de profissionalização da
carreira no Brasil. De início o programa recebia enfermeiras americanas e, posteriormente, o
SESP oferecia cursos superiores de formação profissional com o apoio da Fundação
Rockefeller. Por fim, eram ofertadas bolsas de estudo de graduação e pós-graduação para a
formação de enfermeiras brasileiras nos Estados Unidos.
Porém, as dificuldades apareciam já durante o curso de formação, pois exigências como
a dedicação integral, mediante o pequeno valor das bolsas, impediram que muitas estudantes
concluíssem o curso. Muitas abandonaram escolas de enfermagem por serem jovens professoras
primárias e preferirem voltar às salas de aula, onde obtinham melhores remunerações. Muitas,
depois de formadas, reivindicaram uma jornada de cinco horas para que pudessem ter outro
emprego, enquanto outras simplesmente deixavam a profissão. Outro problema enfrentado pelo
programa estava na origem social de muitas postulantes. O Programa de Enfermagem, inspirado
na realidade norte-americana, tinha como alvo mulheres de classe média, com o curso
secundário ou normal completo. Entretanto, no Brasil, o número de boas posições na carreira
era limitado, o que fazia com que moças de classe média preferissem o magistério, uma
profissão mais respeitada e melhor remunerada86.
Percebemos que, em se tratando das ações promovidas em prol da saúde pública no
Seridó, o DNOCS teve uma participação mais atuante. Acreditamos que devido a pouca
documentação que comprove isso, muito pouco sobre tal assunto foi abordado. No entanto, ao

84
ALIANÇA para o Progresso e a Saúde Pública. Correio Braziliense, 23 de junho de 1967, p. 4. Acesso em: 12
ago. 2021.
85
CAMPOS, André Luiz Vieira de. Políticas Internacionais de Saúde na Era Vargas: o Serviço Especial de
Saúde Pública, 1942-1960 [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006, p. 231.
86
Ibdem., p. 227-228.
48

nos depararmos com os livros de registro de atas do Sindicato dos Produtores Autônomos de
Caicó de 1972, hoje Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó (STRC), no livro referente
à Delegacia da Barra da Espingarda, consta em um dos inúmeros encontros, uma palestra foi
realizada por uma avaliadora regional de endemias da Superintendência de Campanhas de
Saúde Pública (SUCAM) em trabalho pelo convênio com o DNOCS de nome Maria do
Socorro Medeiros, que teve como objetivo falar sobre hábitos de higiene e habilidades
profiláticas no sentido de evitar as seguintes doenças: esquistossomose, ancilostomose e
doença de chagas87.
Outros registros não menos importantes relatam como era feito o atendimento médico
para os associados. Quando havia a necessidade de internamento, o mesmo era feito no extinto
Hospital Mãe Quininha, uma vez que cabia a essa instituição atender moradores de Caicó e
adjacências, enquanto que no Hospital do Seridó aconteciam os atendimentos oftalmológicos
duas vezes ao mês, devendo esses ser agendados com antecedência, pois o atendimento médico
dependia de um aviso através do rádio88.
Para ajudar a resolver essa grave situação, pelo menos parcialmente, a USAID, o
Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso (CONTAP) e a Universidade de
São Paulo (USP) efetuaram um importante acordo objetivando proporcionar treinamento
avançado a 160 engenheiros sanitaristas brasileiros, durante um período de dois anos. Foi
elaborado um curso por correspondência de nível profissional, acerca de abastecimento e
tratamento de água, além de bolsas fornecidas por universidades americanas com o objetivo de
qualificar profissionais da área da engenharia sanitária. O projeto era parte do plano
governamental de reformas administrativas, dentro de um acordo entre o Ministério da Saúde e
a USAID que pretendia elaborar planos regionais e especiais de saúde pública, pesquisas e
estudos. Segundo o Doutor Eugene P. Campbell, chefe da divisão dos serviços de saúde da
USAID, esse projeto foi uma das mais importantes medidas desenvolvidas para melhorar
efetivamente os níveis de saúde pública no Brasil e que o programa de bolsistas deve ser visto
como “outra característica altamente importante de nossa íntima cooperação com as autoridades
brasileiras”89.
Dentro da Aliança para o Progresso foram instituídos os programas “Operação
Crianças”, “Alimentação Escolar” e Saúde Maternal”, essas três atividades foram levadas

87
Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó. Ata da reunião mensal da Delegacia da Barra da
Espingarda realizada em: 12 de novembro de 1979, p. 22. Acesso em 25 dez. 2021.
88
Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó. Ata da reunião mensal da Delegacia da Barra da
Espingarda realizada em: 12 de novembro de 1979, p. 46-47. Acesso em: 25 dez. 2021.
89
ALIANÇA para o Progresso e a Saúde Pública. Correio Braziliense, 23 de junho de 1967, p.4-5. Acesso em 12
ago. 2021.
49

adiante com o fito de proporcionar socorro e alívio imediato ao Brasil, sendo que sua população
(principalmente a do Nordeste) se encontrava profundamente marcada pela subnutrição infantil
e juvenil, tendo nas consequências desses problemas a reflexão através de sequelas pelo resto
da vida ou simplesmente a possível abreviação de vidas90.
A Operação Crianças englobava projetos de alimentação maternal, atendia as crianças
até a idade pré-escolar e foi lançada com a assistência da USAID, o Programa de Alimentação
Escolar que atendia crianças em uma idade já mais avançada. No início da década de 1960 já
se encontrava em atividade em todo o Brasil e em plena expansão, também foi ajudado pela
USAID por meio de gêneros alimentícios (leite em pó, óleo vegetal, um derivado do trigo que
era parboilizado, seco e moído chamado de bulgor, etc) e era assistido tecnicamente por
nutrólogos que aconselhavam quanto ao preparo de regimes alimentares bem equilibrados.
Segundo a Campanha Nacional de Alimentação Escolar, nove milhões de crianças
matriculadas estavam sendo assistidas por esse serviço. Sempre que possível, era servido um
almoço completo, consistindo em sopa, bulgor, vegetais, e com menos frequência carne ou
peixe, além de um copo grande de leite enriquecido. Chama a atenção o fato de haverem
algumas escolas que só ofereciam o copo de leite, alegando falta de instalações para cozinhar.
Contudo, o mesmo texto destaca que todos os prédios escolares dessa época deveriam
apresentar em suas estruturas copa e cozinha, uma vez que as plantas projetadas para a
construção desses prédios apresentavam tal. A contribuição global do governo brasileiro junto
às contribuições do governo dos Estados Unidos alcançaram um total de 200 milhões de
Cruzeiros anuais91.
O programa de Alimentação Escolar refletia a extrema preocupação do governo com os
problemas nutricionais das crianças. Após analisar as ações do programa, os resultados foram
positivos, uma vez que as escolas relataram o aumento da frequência dos alunos, o índice de
evasão escolar diminuiu significativamente e, o mais importante, a boa alimentação escolar
proporcionou às crianças um aspecto decididamente mais sadio, que de certa forma influenciou
para que houvesse um aprendizado mais rápido e de qualidade.

2.3 Pactos para a efetivação dos programas em solo potiguar

No início da década de 1960, tendo em vista os bons resultados dos programas pensados
em postos em prática pelo governo norte-americano, surge o programa “Alimentos para a Paz”,

90
Idem.
91
Idem.
50

como sendo a principal fonte para ajudar a manter esses e outros programas, estimulando o bom
desempenho da saúde pública nos países assistidos pelos acordos. As contribuições feitas pelo
Alimentos para a Paz à organizações de caridade e reabilitação não somente evitaram que
milhares de pessoas ficassem mendigando, mas também as mantinha alimentadas e abrigadas,
restaurando, de certo modo, a dignidade e a vontade de reconhecer a necessidade da luta pela
vida.
As doações dos norte-americanos através do Alimentos para a Paz tinham como
propósito ajudar nos projetos de desenvolvimento comunitário e nos núcleos fronteiriços
pioneiros, que foram as instituições responsáveis por gerir os ítens.
No momento, fica evidente os inúmeros benefícios que os investimentos proporcionados
pelos recursos da Aliança para o Progresso foi de substancial importância para o sertão
nordestino nos mais diversos setores. Mas é necessário lembrar que essa demanda de ações e
seus respectivos resultados não foram, em determinado momento, aceitos com total prontidão
por setores da administração brasileira, uma vez que de acordo com o artigo 63, inciso II da
Constituição Brasileira de 1946, cabia ao Senado Federal, em nome da União, “autorizar
empréstimos externos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”92. No caso dos
recursos da Aliança para o Progresso destinados aos estados, a negociação e a aprovação de
recursos estrangeiros eram feitas, formalmente, por duas agências: a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), criada pela lei nº 3.692, de 15 de dezembro de 1959,
responsável por projetos referentes à região Nordeste e a Comissão de Coordenação da Aliança
para o Progresso (COCAP), criada pelo Decreto do Conselho de Ministros nº 1.040, de 23 de
maio de 1962, encarregada de projetos para as demais regiões do país. Na teoria elas
deliberaram sobre quais projetos deveriam ser encaminhados às agências internacionais93.
A todo momento a SUDENE era citada como objeto de insatisfação por parte de muitos
governadores do Nordeste, isso pelo fato de não permitir determinados acordos sem que
houvesse o procedimento usual. Um dos mais descontentes era o governador do Rio Grande do
Norte Aluízio Alves, que após meses de protelação da SUDENE para aprovar um projeto
educacional contemplado com financiamento da USAID, disse ao embaixador Lincoln Gordon
que estava na hora de os Estados Unidos realizarem um “confronto final” com a SUDENE, já
que, segundo o próprio, existia um plano nacional concentrado no Brasil para matar a Aliança

92
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 18 de setembro de 1946. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso: 12 ago. 2021.
93
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020, p. 168.
51

para o Progresso94.
Era evidente que, diante de tanto desentendimento surgido a partir dessa situação, por
mais que SUDENE e COCAP adotassem táticas protelatórias de aprovação de projetos, era
difícil mantê-los parados por muito tempo, tendo em vista a pressão realizada pelos
governadores para reverter o quadro, recorrendo inclusive ao presidente João Goulart quando
necessário.
Diante da posição de João Goulart de recusar-se a ratificar todos os projetos que não
tivessem sido selecionados previamente pelas agências federais, e por outro lado haviam sido
pré-aprovados pela USAID, colocou uma pressão enorme sobre o presidente,
responsabilizando-o diante da sociedade civil, a cada dia em que contratos não eram assinados,
pelas escolas, casas, estradas, e obras de infra-estrutura que deixavam de ser realizadas pela
falta da ratificação. Isso sem contar que vários desses governadores tinham o poder de
influência sobre suas respectivas bancadas de parlamentares no Congresso Nacional, o que
poderia tornar o já difícil relacionamento do presidente com o Legislativo ainda mais
complexo95.
Vários governadores apresentaram “táticas” para conseguir permissão da SUDENE para
projetos de financiamento, entre eles destacaram-se, o governador da Bahia, Antônio
Lomanto Júnior, que chegou a declarar a intenção de unir forças com outros governadores
interessados do Nordeste para formar um bloco de pressão sobre a SUDENE. Aluízio Alves
do Rio Grande do Norte apresentou uma estratégia ao embaixador Gordon em reunião
realizada no Rio de Janeiro em novembro de 1962. Segundo Alves, a USAID e os estados
deveriam negociar informalmente o maior número possível de projetos entre si, aprovar o que
fosse considerado bom por ambas as partes e apresentá-los à SUDENE, o que de acordo com
as palavras do governador, em relato do próprio Gordon a Washington, obrigaria a
Superintendência a agir:

Os projetos aprovados pelos estados e a USAID seriam então colocados diante


da Sudene, e os governadores pressionariam a Sudene para aprová-los. Na
opinião do governador, isso colocaria o ônus sobre a Sudene por limitar o
progresso do Nordeste e colocaria todos nós, governadores e Usaid em uma
posição mais forte para persuadir Goulart e o governo do Brasil a seguir uma
linha mais cooperativa. Alves também acrescentou que, se ficar claro para os
governadores que a Sudene está tentando obstruir a Aliança, eles podem sair
da Sudene e procurar um outro meio de fazer negócio com os Estados
Unidos96.

94
Ibdem., p. 172.
95
Ibdem, p. 174.
96
Idem.
52

A deterioração das relações Brasil-EUA em meados de 1963 persiste, tendo causado


revolta entre os governadores beneficiados com os recursos da Aliança para o Progresso. Tais
atitudes aos poucos levaram Goulart a tentar mudar os termos da política de ajuda regional
norte-americana.
Aluízio Alves teve papel crucial na liderança dos mandatários insatisfeitos, além de ter
expressado sua intenção de renunciar ao governo do estado caso não fosse mais capaz de
negociar auxílio econômico da “Aliança”, algo que produziu expressões de solidariedade por
parte de vários setores sociais locais, inclusive de estudantes e sindicalistas potiguares. Alves
organizou uma reunião no final de julho de 1963 com todos os governadores nordestinos para
apresentar uma posição unificada sobre a decisão presidencial. Foi o chamado “Manifesto dos
Governadores do Nordeste”, com presença de todos os mandatários da região, com exceção de
Miguel Arraes do Pernambuco. O documento tocou em outros pontos vistos como essenciais
para o desenvolvimento do Nordeste, por exemplo, a burocracia da Aliança para o Progresso
na aprovação de recursos para os estados. Segundo o documento, o alto padrão técnico
demandado dos projetos por autoridades norte-americanas impedia, muitas vezes, que os
estados mais subdesenvolvidos, alvos principais da Aliança, e que não tinham pessoal técnico
habilitado pudessem se beneficiar da ajuda econômica97.
Após várias manifestações tão veementes e ameaças veladas de um considerável
número de governadores, a administração Goulart decidiu engavetar a proposta de mudança da
política de ajuda econômica regional. A portaria presidencial que regularizava as negociações
diretas entre unidades federativas e USAID acabou não sendo editada, mantendo os estados
livres para continuar contratos informais com Washington e apresentar seus projetos de
financiamento já aprovados como um fato consumado às agências federais. Ainda que Goulart
tivesse ido adiante com a tentativa de coibir a política de ilhas de sanidade, provavelmente ele
não teria sido capaz de frear a continuidade da ajuda norte-americana. Sem falar que tal
acontecimento teria sido fatal para a sobrevivência do regime democrático brasileiro do pós-
guerra98.
Diante das reivindicações e das estratégias expostas pelos governadores, principalmente
do Nordeste, onde objetivavam a normalização dos meios de aquisição dos recursos da Aliança
para o Progresso, a ideia de propor o máximo de projetos que os estados pudessem foi posto
em prática. Com a não assinatura da portaria presidencial e a liberação dos recursos, uma

97
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020, p. 178.
98
Ibdem, p. 181-182.
53

imensidão de programas passou a ser analisada e sua grande maioria aceitos.


Durante o Primeiro Encontro Regional para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte
promovido pela SUDENE na cidade de Mossoró nos dias 13 e 14 de agosto de 1965, foi feito
um balanço das principais atividades para o desenvolvimento da região e postas em evidência
uma série de medidas a serem tomadas visando um futuro promissor com um modo de vida
honesto e digno. Durante as falas de Paulo de Tarso Moraes de Souza, Técnico da
Superintendência da SUDENE, e de Gileno Fernandes Marcelino, Secretário de Estado do
Planejamento, foram feitas várias recomendado à SUDENE, entre elas que houvesse a
simplificação do processo burocrático de liberação dos recursos dos artigos 18 e 34, recursos
esses que permitiam que as empresas, inicialmente só as nacionais, e posteriormente as
estrangeiras, utilizassem o imposto de renda para fazer investimentos no Nordeste, o rápido
andamento dos processos relativos a pedidos de isenções de 50 e 100% do imposto de renda, a
regulamentação de leis fiscais e estaduais que criam incentivos no estabelecimento de novas
empresas ou ampliação das já existentes no Estado e que houvesse um aceleramento das obras
indispensáveis à infra-estrutura da região, visando seu desenvolvimento industrial99.
Essa metodologia, que representou a vitória dos governadores sobre a SUDENE,
constituiu o Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR), que terminou privilegiando mais as
empresas maiores e subsidiou enormemente a transferência de capitais do Centro-Sul para o
Nordeste. Houve um total de 3.358 projetos de investimento aprovados entre 1960 e 1978, que
perfizeram 258 bilhões de cruzeiros (preços de 1978), os recursos do Sistema 34/18 e ou
Finor foram da ordem de 96 bilhões, isto é, 37%. Essa porcentagem representa, por baixo, o
subsídio ao capital. Esse mecanismo que formalmente era de administração da SUDENE,
podendo, portanto, viabilizar o planejamento regional, de fato transformou a autarquia numa
mera aprovadora dos projetos dos grandes grupos100.
Diante do exposto, o programa Alimentos para a Paz que funcionava como responsável
por atender vários setores básicos, passou por uma grande expansão no que diz respeito ao
fornecimento de alimentos para uma série de programas que levaram, de início alimentos para
os necessitados. Com o passar do tempo se tornou responsável por apoiar fisicamente uma
maior quantidade de lugares carentes e suas instituições dentro da zona de atendimento da
Aliança para o Progresso, dentre eles a grande área do Seridó potiguar. Sendo assim, a partir

99
RELATÓRIO Geral do Primeiro Encontro de Desenvolvimento para o Nordeste. Mossoró, 13 e 14 de agosto de
1965, Arquivo Cáritas Diocesana, p. 01. Acesso em: 27.08.2021.
100
SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE). Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/superintendencia-do-desenvolvimento-do-
nordeste-sudene. Acesso em: 27 ago. 2021.
54

das evidências alcançadas, tal programa delineou o próximo capítulo, onde apontaremos
múltiplas intervenções do mesmo, bem como seus efeitos sobre o público atingido.

2.4 A atuação do Corpos da Paz no Seridó Potiguar

Um dos programas mais expressivos em se tratando de assistência aos necessitados foi


criado em março de 1961 pelo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. O Corpos da
Paz surgiu como um organismo que tinha como objetivo coordenar trabalhos de assistência
técnica e cultural aoexterior a ser prestado por voluntários. Para administrar o programa foi
nomeado o Robert Sargent Shriver, diplomata, político e ativista americano, casado com a
irmã do próprio presidente. Era aguardado que um total de 500 a 1.000 voluntários se
alistassem nas missões para o exterior patrocinadas por universidades norte-americanas,
agências das Nações Unidas e entidades intergovernamentais. No entanto, até a data da
criação do programa já haviam se apresentado cerca de 20 mil voluntários101.

Figura 2 – O presidente John F. Kennedy com jornalistas e membros do Corpo da Paz em 28 de agosto
de 1961. Kennedy designou aos voluntários sua primeira missão no exterior.

Fonte: The New York Times. Questions on Trump? Peace Corps Volunteers Change the Topic.
Disponível em: https://www.nytimes.com/2017/07/05/us/politics/questions-on-trump-peace-corps-
volunteers-change-the-topic.html. Acesso em: 10.09.2021.

101
O HOMEM que dirige os “Corpos para a Paz” e os objetivos do programa do presidente Kennedy. Correio
Braziliense, Brasília, 07 de abril de 1961, p. 7. Acesso em: 07 set. 2021.
55

Sobre a grande demanda de voluntários, em sua significativa maioria jovens, o cineasta,


pesquisador e professor de Cinema da UFPE, Fernando Weller, em entrevista concedida por
ocasião do lançamento do seu filme “Em nome da América” em outubro de 2017, um filme que
fala sobre a controversa presença de centenas de jovens norte-americanos no Nordeste brasileiro
na década 1960, como participantes voluntários do Peace Corps (Corpos da Paz), nos aponta
que, por mais que muitos defendessem o objetivo do programa, que era promover uma
modernização de cunho liberal nos países latino-americanos e combater as mazelas sociais que
favoreciam a suposta penetração comunista, o programa acabou se tornando uma rota de fuga
para uma geração de jovens pacifistas que não queriam servir na Guerra do Vietnã102.
Aliado a isso, as empresas comerciais e industriais norte-americanas mostraram
interesse em liberar seus empregados para que se incorporassem aos Corpos da Paz, garantindo
que, ao retornarem, teriam suas ocupações e seus direitos trabalhistas assegurados. Dirigentes
de empresas no ramo da telefonia, seguro e imobiliário, bem como os representantes dos
sindicatos operários comungavam do mesmo pensamento de que o projeto do presidente
Kennedy era uma grande ideia e que todos deveriam participar dos esforços que objetivavam
ajudar outras pessoas através do Corpos da Paz. Devemos salientar que anterior a tudo isso,
Shriver, Diretor do Corpos da Paz, participou de diversas reuniões com diretores e patrões de
empresas que procuravam negociar sobre possíveis novas cláusulas contratuais trabalhistas. A
partir desse momento ficou constatado que entre os 4.800 candidatos aceitáveis,
compreendiam toda uma gama de trabalhadores, desde mecânicos de tratores até enfermeiros
profissionais, de oficiais de carpinteiro e mecânicos eletricistas até técnicos de laboratório103.
Não demorou muito e o programa começou a entrar em prática. Na manhã de 25 de
outubro de 1961, Sargent Shriver deixou a capital dos Estados Unidos, Washington, numa
viagem de 25 dias a seis países latino-americanos. A viagem teve como objetivo realizar
conferências para funcionários governamentais e grupos voluntários no Brasil, Bolívia, Chile,
Venezuela, Peru e Colômbia, a fim de determinar que necessidades poderiam ser atendidas pelo
programa. No Brasil as conversações giraram em torno de um programa bem abrangente para
os necessitados em que seriam utilizados voluntários dos Corpos para a Paz104.
Em 23 de março de 1962 pisaram em solo brasileiro 45 voluntários norte-americanos.
Esses primeiros voluntários chegaram ao Rio de Janeiro e traziam consigo um discurso de que

102
EM NOME DA AMÉRICA. Direção: Fernando Weller. Produção: Manuela Costa; Mannu Costa; Carol
Ferreira; Luiz Barbosa. Recife: Jaraguá Produções, 2017. Documentário.
103
EMPRESAS norte-americanas dispostas a liberar seus empregados para que atuem nos “Corpos Para a Paz”.
Diário de Natal, Natal, 12 de junho de 1961, p. 5. Acesso em 10 set. 2021.
104
SHRIVER visitará o Brasil. Correio Braziliense, Brasília, 25 de outubro de 1961, p. 1. Acesso em 10 set. 2021.
56

seriam capazes de colaborar com o desenvolvimento sócio-econômico, inicialmente, do solo


rural brasileiro. Antes de chegarem ao Brasil, receberam um treinamento especial, onde tiveram
um breve ensinamento sobre o tipo de pessoas, cultura e situação econômica que iriam encontrar
no maior país da América Latina105.
Por mais que o programa possuísse todas as características necessárias a algo que
realmente a população fosse adotar como extremamente benéfico, as críticas começaram a
surgir, e pior, exatamente daqueles a quem os Estados Unidos tentavam a todo custo sufocar:
os russos.
Em maio de 1962, o Primeiro Ministro da União Soviética Nikita Kruchev fez uma
série de ataques à Aliança para o Progresso e os Corpos para a Paz dos Estados Unidos. Durante
uma reunião de negócios, Kruchev afirmou que os programas do Presidente Kennedy na
América Latina constituíam instrumentos de imperialismo, alegou que o Mercado Comum
Europeu tendia a escravizar os países economicamente subdesenvolvidos, e contra isso ele
exortou que deveria ser convocada uma Conferência de Comércio Internacional, para que
houvesse a criação de uma organização comercial mundial, e se pronunciou sobre a Aliança
para o Progresso e os Corpos para a Paz dizendo:

Recentemente o governo dos Estados Unidos criou os chamados Corpos para


a Paz, cujos soldados são engenheiros, médicos, professores e estudantes. Os
imperialistas sabem muito bem que já não podem manter povos sob sua
influência com a ajuda da Bíblia e de tropas. Os imperialistas procuram agora
reter seus domínios nos ex-países coloniais com a ajuda da catequização dos
povos e utilizando meios econômicos de escravidão. Porém, essas táticas
tampouco impediram seu malogro. É evidente que os chamados Corpos para
a Paz e a Aliança para o Progresso na América Latina são instrumentos de
imperialismo106.

Os ataques verbais do Primeiro Ministro não tiveram resposta, mas não deixaram de
oferecer uma certa posição de alerta. Nikita, como era mais conhecido, dono de um
temperamento sabidamente inflamado e por ser um fervoroso comunista, não digeria bem suas
relações com países capitalistas (especialmente com os Estados Unidos). Aprovou a construção
do Muro de Berlim, símbolo do mundo bipolar, e da Guerra Fria, para impedir que os alemães
orientais fugissem para a Alemanha Ocidental capital, em 1962, com a divisão entre Estados
Unidos e União Soviética já representada por uma barreira física, as tensões da Guerra Fria

105
VOLUNTÁRIOS da paz chegaram hoje ao Rio. Diário de Natal, Natal, 23 de março de 1962, p. 6. Acesso em
10 set. 2021.
106
ATAQUES de N. Kruchev à Aliança. Correio Braziliense, Brasília, 31 de maio de 1962, p. 1. Acesso em: 10
set. 2021.
57

chegaram no ápice quando os Estados Unidos descobriram que havia mísseis nucleares
soviéticos estacionados em Cuba, uma ilha do Caribe muito próxima do estado americano da
Flórida (cerca de 150 km de distância). O episódio da descoberta dos mísseis ficou conhecido
como “a crise dos mísseis”, um clima de tensão que durou 13 dias, no qual o líder soviético
concordou em remover as armas, em troca o presidente dos Estados Unidos, John F.
Kennedy , que um ano antes havia autorizado a invasão fracassada da Baía dos Porcos,
consentiu publicamente em não atacar Cuba. Kennedy também concordou em retirar as armas
nucleares americanas da Turquia (uma das bases nucleares americanas mais próximas da
União Soviética), até que em julho de 1963, os Estados Unidos, o Reino Unido e a União
Soviética negociaram uma proibição parcialde testes nucleares107.
Enquanto isso, nos Estados Unidos o número de voluntários aumentou bruscamente.
Segundo Sargent Shriver, até o final de 1963 os contingentes do programa na América Latina
logo atingiram o dobro. A princípio foi dada maior importância aos países africanos, mas logo
esse quadro mudou e a América Latina passou a ser o principal destino para os voluntários da
paz, e dois motivos fundamentais contribuíram para isso: primeiro, o entusiasmo com que os
norte-americanos foram recebidos e o militante desafio representado por Fidel Castro. Se faz
necessário lembrar da grande extensão da América Latina com destaque para a região Nordeste,
onde sua proporção, e consequentemente população, já abrigavam um montante humano capaz
de superar vários outros países do mesmo continente se demonstrado em números.
A extensão territorial da América Latina também trouxe a preocupação sobre como
deveria ser tratada a questão da saúde pública, em especial no Brasil. Pensando nisso, um grupo
de voluntários que havia concluído um curso de adestramento de 12 semanas em uma
Universidade em Nova York, é enviado para atender demandas ligadas à saúde no Brasil. O
historiador Gilberto Freyre foi o catedrático convidado pela Universidade de Columbia para
discursar na formatura dos voluntários que foram solicitados pelas autoridades brasileiras.
Estavam definidos em 3 categorias: os “Guardas Sanitários”, homens que forneceram a
construção de instalações sanitárias comunais, as “Visitadoras Sanitárias”, que serviam de
assessoras de um programa de assistência médica domiciliar e as “Enfermeiras”, que ajudavam
os médicos e orientavam os voluntários não profissionais. A comitiva também contava com
vários estudantes universitários com conhecimentos de Sociologia, técnicas pré-médicas e
médicas, além de futuros cientistas políticos. Os cientistas partiram para Recife, de onde
receberam seus encargos específicos em várias comunidades brasileiras, e entre estes lugares

107
PERSONAGENS HISTÓRICOS: quem foi Nikita Kruchev? Disponível em:
https://ideiasradicais.com.br/quem-foi-nikita-khrushchev/. Acesso em: 11 set. 2021.
58

estava o interior do Rio Grande do Norte108.


As articulações do programa com relação ao Brasil eram constantes e diante das
respostas positivas às solicitações de voluntários, uma série de personalidades políticas deram
suas opiniões e se posicionaram de forma positiva ou negativa. Entre esses nomes estava o ex-
presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, que em visita aos Estados Unidos esteve na
Universidade de Georgetown e conversou com um grupo de voluntários do programa Corpos
da Paz que em poucos dias teriam como destino o Brasil. Na ocasião, diante de responsáveis
pelo programa e uma certa quantidade de políticos norte-americanos o ex-presidente falou da
situação econômica que os mesmos iriam encontrar ao pisar em solo brasileiro. Foi um
discurso positivista, mas em nenhum momento se referiu à situação política que o Brasil
enfrentava naquele momento109.
Mas nem sempre as impressões estabelecidas a partir da atuação de voluntários do
Corpos da Paz foram as melhores. Exemplo disso é que em 1967, alguns dos jovens foram
violentamente atacados na Guiana sob a alegação de terem insultado o povo e agido como
“desdenhosos jovens subversivos”. A principal declaração sobre o assunto partiu da Associação
Afro-Asio-Americana, conhecida como os “quatro ás”, exigiu a expulsão dos americanos, pois
segundo eles, membros do Corpos da Paz em serviço na Guiana haviam publicado um livro
intitulado “Impressões da Guiana”, elaborado para distribuição somente no âmbito do Corpos
da Paz era um insulto, pois falava em um lugar onde o “povo era sem criatividade e marcado
pela incapacidade e irresponsabilidade da população descendente de africanos”. Segundo a
notícia, o livro americano traçava um quadro de pobreza, fome e imundície expondo olhares
magoados de jovens mães que devido às condições em que viviam, já tendo muitos filhos, eram
obrigadas a provocar abortos ingerindo uma mistura quente que incluia pimenta e óleo de rícino,
e dos jovens pais que usavam o run para fugir de uma vida sem condições de sustentar sua
família110.
Na expectativa de que os americanos fossem expulsos do país, o parlamentar Blindley
Benn, responsável por chefiar a associação “quatro ás”, diante das denúncias, disse não entender
como é que um pessoal que “se diz educado” puderam ir ao seu país, deturpar sua realidade e
insultar seu povo, principalmente vindo de um país onde a vida social era amplamente
degenerada, com um grande número de cidadãos que se entregam ao dope, à maconha e ao

108
VOLUNTÁRIOS da Paz completam treinamentos para o nosso país. O Poti. Natal, 29 de setembro de 1964, p.
02. Acesso em: 10 set. 2021.
109
KUBITSCHEK palestra com “voluntários”. Correio Braziliense, Brasília, 21 de agosto de 1966, p. 01. Acesso
em: 10 set. 2021.
110
GUIANA em ebulição. Correio Braziliense, Brasília, 20 de agosto de 1968, p. 05. Acesso em: 10 set. 2021.
59

ópio. O desabafo prosseguiu com o parlamentar fazendo uma série de comparações entre os
dois países em tom de insulto, o mesmo insulto que ele afirmou ter vitimado a Guiana, proferido
por aqueles que, em sua fala via como “jovens usados para fins de espionagem”111.
Os Corpos para a Paz foram protagonistas de alguns momentos que causaram
desconforto à algumas populações que o receberam sim, parte deles noticiados em manchetes
de jornais e outros expostos de forma mais detalhada nas poucas obras que se dedicaram à
temática. Percebemos durante o levantamento de fontes que existem passagens interessantes de
personagens que merecem uma melhor explanação, ainda mais que condizem com a ocasião
que por hora se escreve.
“Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil”, de Cecília Azevedo, obra que
detalha a trajetória de voluntários norte-americanos vindos para o Brasil com a missão
assistencialista de atuar de forma comunitária nos campos da educação, saúde e
desenvolvimento agrícola, relata sobre as muitas informações que esses voluntários receberam
durante o treinamento que receberam antes de virem para o Brasil, o mesmo teve como material
de apoio filmes, literatura e mídia, que fizeram com que eles tivessem uma imagem não do
Brasil em particular, mas sim da América Latina como um todo112.
Azevedo (2007) mostra a partir de relatos dos voluntários, o quanto foi surpreendente
chegar ao Brasil e se depararem com uma realidade nunca antes estudada. Ao comentar o
surpreendente número de localidades espalhadas por todas as regiões brasileiras onde a Agência
se fez presente, é feita uma pequena amostragem de 141 ex-voluntários que citaram 102
localidades diferentes de 20 Estados brasileiros, isso só em um curto período de tempo, segundo
a divisão político-administrativa da época. A região Nordeste foi apontada como a que recebeu
maior número de voluntários, sendo um total de 58, em seguida o Sudeste com 36, o Centro-
Oeste com 25, o Sul com 11, e o Norte apenas com 6 voluntários. Segundo os relatos, o Brasil
que era destino da maioria dos voluntários, era um lugar com localidades desconhecidas pelos
habitantes das capitais, e raramente visitadas por turistas, nas palavras dos voluntários marcados
pela miséria desoladora, porém com forte espírito comunitário, festivo, católico e com forte
indignação com a marginalização popular. Entre esses lugares de destino, alguns marcaram
pelos nomes vistos com certa estranheza, como era o caso de: Jaguaquara (BA), São José das
Piranhas (PB), Almeirim (PA), e Caicó (RN)113.
“Eu não sou herói: a história de Emil Petr”, de autoria de Rostand Medeiros, escritor e

111
Idem.
112
AZEVEDO, Cecília. Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil. São Paulo: Alameda, 2007, p. 248.
113
Ibidem, p. 250.
60

pesquisador potiguar, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do


Norte (IHGRN) que nutria de grande admiração pela história, traz a biografia de um norte-
americano que havia participado da Segunda Guerra como aviador e por obra do destino veio
para o Brasil por meio do alistamento em programas norte-americanos de ação humanitária,
mais especificamente na cidade de Natal no Rio Grande do Norte, onde conheceu uma jovem
caicoense, com quem casou-se e viveu até que a mesma veio a falecer.
A história do americano de nascença que adotou Natal como sua residência não é muito
diferente de muitas outras de estrangeiros que mudaram de país, o que fez Emil Anthony Petr
diferente, foi o contexto de vida. Emil Petr era um militar aposentado, filho de pais de origem
tcheca e católicos, natural do estado americano de Nebraska, considerado americano de segundo
escalão por não ser branco, anglo-saxão e protestante, afirmou o autor da obra sobre sua vida,
Rostand Medeiros. Emil alistou-se na Força Aérea Americana ainda muito jovem e preferiu
trabalhar numa oficina de carros ao invés de assumir uma posição na infantaria. Diante do seu
talento e inteligência, os oficiais superiores o destacaram para estudar no Oficialato da Força
Aérea e, em seguida, num curso específico de navegação aérea que o conduziu a uma
especialização em operação com radares. Em uma das suas missões, porém, teve o avião
atingido e parcialmente destruído. Ele e os demais tripulantes tiveram que pular da aeronave,
antes que ela explodisse ou não tivesse mais condições de voar, acabou sendo preso por
soldados nazistas e conduzido a um castelo que funcionava como campo de refugiados em
Budapeste, na Hungria. Lá, passou oito meses. Não foi morto pois dividiu as celas com outros
pilotos e navegadores, o que lhes deram certo diferenciamento dos demais presos. Conseguiu a
liberdade, voltou aos Estados Unidos e ingressou no Papal Volunteers for Latin American
(PAVLA) que em tradução livre quer dizer Voluntários Papais na América Latina. Anos se
passaram e Emil voltou ao Brasil como missionário católico. No Rio Grande do Norte,
desenvolveu trabalhos com camponeses, crianças, adultos e idosos carentes114.
Segundo Medeiros (2012), o programa PAVLA, baseado na ideologia de que a Igreja
Católica via na Revolução Cubana um forte sinal para a propagação do comunismo, era
necessário o enfrentamento aos tempos modernos e um melhor acompanhamento das
transformações que ocorriam. Assim, o envio de clérigos e religiosas para a América Latina a
partir de 1961, se tratava não só de um pedido do Vaticano, mas uma forma de servir a Deus,

114
BIOGRAFIA de veterano da II Guerra Mundial será lançada em Natal. G1 RN. 30 de outubro de 2012.
Disponível em: http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2012/10/biografia-de-veterano-da-
segunda-guerra-mundial-sera-lancada-em-natal.html. Acesso em: 29 set. 2021.
61

ajudar os pobres da América Latina e combater a influência comunista115.


Como Emil havia trabalhado com a agricultura, reconheceu de imediato uma realidade
na qual poderia ser útil na América Latina, chegando em Natal no Rio Grande do Norte onde
deveria passar três anos como voluntário, fez curso de idioma e aprendeu sobre a cultura local,
ao conhecer o Bispo Dom Eugênio Sales foi prontamente designado para o trabalho no setor
agrícola. Sobre os reais motivos que trouxeram o norte-americano para o Brasil, o mesmo
relatou na obra sobre sua vida:

O programa PAVLA durou poucos anos, teve relativamente um pequeno


número de participantes e teve um impacto que até o mais otimista teria
caracterizado como insignificante. Mas para mim foi um ponto de virada. Na
época eu não me importava muito com os comunistas, meus motivos eram
muito mais modestos e pessoais. Eu estava muito cansado da sociedade
consumista e de tentar ganhar o pão nos negócios da construção, onde a
competição era a ideia básica de colocar a concorrência com a garganta
cortada e o dólar era um deus116.

Fica claro nas palavras de Emil o quanto era preocupante a situação que envolvia uma
possível ação dos comunistas. A todo instante em suas falas ele não deixa de explicitar como
todas as investidas do governo dos Estados Unidos na época em questão pareciam tentar fazer
frente ao que eles viam como a maior ameaça momentânea. Bastante coerente com sua fala
também era o já tão rotineiro, alto investimento em dólares empregado no Brasil e em
especialpara a região Nordeste.
Ainda sobre sua chegada à Natal, o estrangeiro relatou que a primeira impressão sobre a
cidade foi que era “muito menor em tamanho do que a sua fama propagava”, e que era “uma
cidade limpa, arborizada com muitas mangueiras, mas de um aspecto muito simples, com pouco
movimento de carros e de pessoas nas ruas em meio a uma manhã quente e de muito sol”. Foi
nesse cenário que Emil Petr conheceu uma moça que se apresentou como Célia Vale,
funcionária da Diocese de Natal e encarregada de conduzi-lo ao Centro de Treinamento de
Ponta Negra, o mesmo local para o qual os outros membros do PAVLA haviam sido
encaminhados. Célia atuava junto a Dom Eugênio e do Serviço de Assistência Rural (SAR),
que logo se tornou o local de trabalho de Emil. O mesmo foi encaminhado ao Centro de
Treinamento, lugar que segundo Emil, apesar das poucas habitações em volta, o deixou
deslumbrado devido os coqueiros, a brisa refrescante e a muita luz117.

115
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal: Jovens Escribas, 2012, p. 211-212.
116
Ibdem, p. 225-226.
117
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal: Jovens Escribas, 2012, p. 228-229.
62

Figura 3 – Centro de Treinamento de Ponta Negra.

Fonte: Arquivo Camy Harland, In: Medeiros (2012), p. 229.

Uma vez que já estava estabelecido na capital potiguar, Emil passou a participar
efetivamente do Serviço de Assistência Rural com um trabalho voltado para os trabalhadores
rurais junto às suas comunidades. Sobre a finalidade do SAR, Correia (2005) esclarece:

O SAR, enquanto parte de um projeto político pedagógico da


Arquidiocese de Natal, foi construindo, ao longo dos anos, um conjunto
de práticas educativas junto aos trabalhadores do campo. Essas práticas
expressaram o resultado de ideologias em conflitos no contexto histórico
em que se deram. A construção de uma ação educativa foi tramando, num
complexo processo de mudanças da sociedade brasileira e no mundo,
uma forma própria de ações educativas. Nesse sentido, buscou sua
inspiração em outras experiências da América Latina (programas
radiofônicos, associativismo) e nos documentos da Igreja, que procurava
se adequar à nova ordem mundial118.

O Serviço de Assistência Rural havia sido criado em 1949 e desde então foi dividido em
dois grandes setores: o primeiro, intitulado “Conscientização e Educação”, era responsável
pelas Escolas Radiofônicas desenvolvidas pela Rádio Rural de Natal, a criação e o apoio de
centros sociais, clubes, treinamento de líderes, ensino, politização e outras atividades. No
segundo setor, “Ação Imediata”, estavam concentradas as atividades ligadas ao cooperativismo,
apoio aos menores desassistidos, sindicalismo rural, colonização, migrações, conhecimento e
difusão do artesanato e saúde.
Todas essas ações que se propagaram pelo Brasil faziam parte da iniciativa dos
sacerdotes Dom Eugênio Sales e Dom Nivaldo Monte, que logo após o fim da Segunda Guerra
Mundial começaram a desenvolver uma maneira de buscar reorganizar a sociedade potiguar
como um todo, principalmente as áreas mais carentes que se espalhavam pelo interior do Rio

118
CORREIA, Cicero Gomes. As ações político-pedagógicas do Serviço de Assistência Rural-SAR. 2005.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005, p. 14-15.
63

Grande do Norte. A esse conjunto de ações sociais foi dado o nome de “Movimento de
Natal”119.
As ações católicas foram ampliadas e se destacaram cada vez mais, em decorrência do
Movimento de Educação de Base que funcionou a nível nacional. A transmissão da missa aos
domingos era acompanhada de forma fervorosa em todas as comunidades, e a Sindicalização
Rural que estimulou o movimento em outros Estados e a criação de centenas de sindicatos
reconhecidos pelo governo em todo o território brasileiro. Outro importante meio de
divulgação desse trabalho foi o jornal “A Ordem”, um semanário de grande aceitação pelo
público leitor do Estado que foi reativado e trouxe um suplemento chamado “Vida Rural”,
destinado mais especificamente aos interesses do homem do campo. O modo como esse
trabalho se desenvolveu no Nordeste brasileiro chamou a atenção de estudiosos brasileiros e
estrangeiros, autoridades da Igreja da Europa e dos Estados Unidos, entidades vieram trabalhar
no Movimento, entre elas a “Adveniat Misereor”, uma instituição fundada em 1959 sob os
alicerces da Igreja Católica Alemã, idealizada pela Confederação dos Bispos daquele país,
sustentada com recursos provindos basicamente de coletas e doações de pessoas da sociedade
civil em prol dos necessitados do Terceiro Mundo, que naquele momento se apresentavam com
grande evidência. Muitas dessas instituições ofereceram apoio efetivo ao trabalho da Cáritas,
aliando-se à Aliança para o Progresso na iniciativa de promover melhoria de vida aos
necessitados do Seridó120.
Diante disso tudo, Emil relembrou que durante seu trabalho no SAR executou diversos
projetos junto a uma equipe onde se encontrava a jovem Célia Vale e sua amiga Safira Bezerra
Ammann, outra caicoense, formada em Sociologia e Assistência Social, ex professora da
Universidade de Brasília e do Rio Grande do Norte, casada com o suíço Paul Ammann. Segundo
o mesmo, dessa parceria de trabalho surgiu o interesse por conhecer o Seridó, uma vez que
Célia comentava sem disfarçar do extremo orgulho que sentia por haver nascido naquela região.
Ela se definia como “uma sertaneja da maravilhosa Caicó”. Após estudar a região o americano
soube que em termos geográficos e ecológicos o interior potiguar, o conhecido sertão, era muito
diferente do que ele havia conhecido no litoral, e que a agricultura era executada através de
atividades bem peculiares, bem atrasadas falando em termos técnicos, e muito ficou
impressionado ao saber que só existiam duas estações climáticas, a época seca, que muito se
estendia e o período chuvoso. Descobriu que os agricultores penavam muito sob o comando
dos coronéis e que o povo de tal lugar era muito discriminado em outras partes do Brasil. E

119
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal, Jovens Escribas, 2012, p. 231-232.
120
Ibdem., p. 235.
64

diante de tudo que foi dito por Célia e sua amiga Safira, Emil não entendeu em um primeiro
momento como as pessoas naturais de um lugar tão problemático em termos naturais, de difícil
desenvolvimento agrário e com tanta exploração voltada para o homem do campo podia
expressar tanto orgulho desse rincão, e ao mesmo tempo recordou que também sentia muito
orgulho por pertencer a uma região difícil, pois o Meio Oeste americano também tinha secas,
invernos bem gelados e até tornados, que em Caicó eram bem menores e conhecidos como
“redemoinhos”121.
Observamos que em suas memórias Emil fez uma breve comparação entre a Região
Meio-Oeste onde nasceu, mais precisamente o Estado de Nebraska, um lugar com clima
temperado e relevo formado por planícies e vegetação rasteira, conjunto conhecido como
Prairies (pradarias) ou Grandes Planícies, seus rios amplamente utilizados para a navegação,
como a bacia do Mississipi-Missouri, que possui forte relação com a agricultura, essa bastante
moderna e mecanizada, abrangendo toda a cadeia produtiva do setor (insumos, técnicas,
máquinas, armazenamento, transporte) e com o suporte do governo americano na forma de
subsídios e protecionismo122.
Das várias deduções que teve sobre o sertão e Caicó apresentados por Célia, a que mais
lhe despertou interesse foi quando a narradora dos fatos apresentou a cidadezinha, como uma
das mais importantes do Rio Grande do Norte devido o contexto sócio-econômico que possuía,
além de uma grande devoção que seu povo nutria pela padroeira, Nossa Senhora Sant’Ana,
conhecida por “Mãe dos caicoenses”, homenageada com uma igreja matriz que se destacava
pela beleza arquitetônica, um grandioso arco na frente e uma grande festa em sua homenagem
realizada no mês de julho. Um lugar marcado pela seca, o maior flagelo, que trazia a fome, a
dor e o sofrimento, mas que ao primeiro sinal de chuva a vegetação desfolhada se rejuvenescia,
e as águas corriam para o rio Seridó que passava na cidade, embelezando também a grande
barragem chamada “açude Itans”, tudo isso acompanhado pelo impressionante cheiro de chuva,
que segundo Célia, e depois comprovado por Emil, só existia no Seridó, particularmente em
Caicó, dando sinais de que a seca brava amenizou123.
O tempo passou e Emil concluiu o período como voluntário no Brasil, retornou
aos Estados Unidos, porém o namoro com a caicoense continuou por carta, até que em 1967
retornou ao Brasil se casando com Célia, disse ter se agradado muito de Caicó, uma cidade

121
Ibdem., p. 242-243.
122
BRASIL ESCOLA. Síntese das regiões econômicas dos Estados Unidos. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/sintese-das-regioes-economicas-dos-estados-unidos.htm. Acesso em.
01 out. 2021.
123
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal: Jovens Escribas, 2012, p. 228-229.
65

muito limpa, de pessoas agradáveis mas que impressionava pela quantidade de pedras, não
conseguiu entender como as pessoas plantavam com tanta rocha nas elevações e na área rural.
Veio dos Estados Unidos o convite para Emil assumir o cargo de representante do
PAVLA responsável por visitar as regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Nessa
época ele realizou inspeções e avaliações sobre a execução dos projetos dos voluntários, além
de solicitar novos voluntários e manter contato bem próximo com inúmeras congregações
religiosas. Emil recordou que em 1967, quando Monsenhor Walfredo Gurgel era governador
do Rio Grande do Norte, o governador do estado norte-americano do Maine, Kenneth M.
Curtis, que propôs uma parceria entre os dois estados, apesar de tal ação ser vista como
independente e realizada por organizações não partidárias, ela foi criada como parte de uma
ação hemisférica da política externa norte-americana para criar relações mais próximas com os
vizinhos abaixo da fronteira do Rio Grande, tendo em vista que os ecos da Revolução Cubana
ainda eram recentes e esse tipo de ação era muito incentivada pelo governo dos Estados
Unidos124.
Com relação a essa parceria, não foram encontrados registros de acontecimentos que
consigam comprovar a existência do mesmo. No entanto Emil a todo momento em sua
narração deixou bem claro o enorme apreço que os norte-americanos possuíam por todo o
Estado do Rio Grande do Norte, tendo em vista a forte ligação que existia entre os dois países
devido os programas de assistência e a intercessão da Igreja Católica de grande influência nos
Estados Unidos nesse período, tendo em vista que o presidente anterior, Kennedy, era um
presidente católico, fato que muito contribuiu para essa relação amistosa.
É bem verdade que Emil Petr gozava de um certo prestígio junto às organizações que
buscavam de algum modo empreender ações humanitárias junto aos necessitados, durante suas
andanças pelo Nordeste a serviço do PAVLA, esteve por um tempo em Salvador na Bahia onde
em contato com a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de
Deus, onde muitos voluntários americanos trabalhavam, conheceu a senhora Maria Rita de
Souza Brito Lopes Pontes, que mais tarde ficou conhecida como Irmã Dulce125, de quem chegou
a receber o convite para ficar em Salvador. Segundo o mesmo, era uma pessoa que
impressionava pela facilidade em se comunicar, a desenvoltura com os voluntários e o
124
Ibdem, p. 253-254.
125
Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes nasceu, em Salvador, Bahia, em 1914. Aos 18, entrou para a
Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, onde recebeu o nome de Dulce.
Fundou a União dos Trabalhadores de São Francisco, um movimento operário cristão, e o hospital Santo
Antônio. Irmã Dulce, como ficou conhecida, faleceu na capital baiana em 1992. Foi beatificada em 2011,
durante o Pontificado de Bento XVI. Disponível em: Arquidiocese de Curitiba:
http://arquidiocesedecuritiba.org.br/2019/10/11/conheca-vida-de-irma-dulce-primeira-santa-brasileira-que-
sera-canonizada-neste-domingo/. Acesso em 13 out. 2021.
66

positivismo126.
Por diversas vezes, sendo responsável pelo intercâmbio entre as dioceses católicas
potiguares, (Caicó, Mossoró e Natal) Emil como intérprete da diocese norte-americana de
Portland foi responsável juntamente com sua agora esposa, Célia Vale por promover ações que
envolveram religiosas que tinham como objetivo “alargar suas fronteiras de conhecimento e
universalizar uma participação entre os mais necessitados”127.
Uma dessas ações sugeridas por Emil se encontra registrada nos arquivos da Diocese
de Caicó em carta escrita pelo mesmo e endereçada ao Bispo Dom Manoel Tavares em 15 de
maio de 1970. Na ocasião, o mesmo diz ter recebido uma carta da Irmã Jeannine, de Maine, no
Nordeste dos Estados Unidos, e que a mesma demonstrava interesse em, através de sua ordem,
enviar duas freiras para trabalhar temporariamente no Rio Grande do Norte. Segundo ele, as
freiras não demonstraram interesse em fundar uma comunidade no Brasil, o motivo era
apenasenvolver-se com o trabalho ligado à Igreja Internacional, e por isso estavam dispostas a
enviaressas duas freiras para onde o bispo brasileiro achasse melhor.
A carta relata que, como existiam três dioceses no Rio Grande do Norte e as freiras eram
apenas duas, outras duas cartas iguais foram enviadas para os outros dois Bispos, mas caso Dom
Manuel demonstrasse interesse, enviasse um projeto com a localização de onde essas freiras
poderiam trabalhar e detalhando qual seria o tipo de serviço exercido por elas, as qualificações
necessárias, além de uma estimativa aproximada de quanto custaria à ordem e a Diocese de
Portland para manter as duas freiras durante cada ano que elas permanecessem à referida
Diocese.
Por fim, Emil se comprometeu a traduzir as informações e enviar para o Maine para
que eles decidissem se, de acordo com a resposta, as freiras eram qualificadas para fazer o
trabalho desejado, e se fosse necessário fariam uma descrição das freiras que eles gostariam
de enviar e despediu-se com a saudação “Sinceramente em Cristo”128.
Ainda em 1970 as ações do PAVLA foram encerradas, mas logo em agosto foi
convidado para ser Diretor da Sociedade Cultural Brasil/Estados Unidos (SCBEU). No ano de
1971 passou a integrar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), depois a Associação
Nordestina de Crédito e Assistência Rural (ANCAR), Instituto de Assistência Técnica e
Extensão Rural (EMATER), passou alguns meses a disposição da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), participando de estudos da Escola Agrícola de Jundiaí, na cidade de

126
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal: Jovens Escribas, 2012, p. 254.
127
Ibdem, p. 255.
128
CARTA de Emil Petr enviada a Dom Manoel Tavares, Natal/RN, 15 de maio de 1970. Arquivo Cáritas Caicó.
Acesso em: 07 jun. 2021.
67

Macaíba e exerceu alguns outros cargos ligados ao setor administrativo de instituições que de
certo modo mantinham algum tipo de relação com os Estados Unidos e por isso viam a pessoa
de Emil Petr como sendo fundamental para o desenvolvimento das relações. Em 1974, Emil
decidiu largar tudo e adquiriu uma propriedade em São Gonçalo do Amarante, batizado de Sítio
Nebraska, fazendo referência à sua terra natal. Lá, ele, Célia e um pequeno grupo de amigos
se dedicaram por um tempo a testar a possibilidade de plantar diversos produtos agrícolas129.
De todas as suas lembranças sobre o que viveu no Nordeste brasileiro, Emil destaca com
detalhes dois momentos marcantes para ele: o primeiro foi quando visitou a cidade de Angicos
e lá conheceu o ex-governador Aluízio Alves, tendo ficado muito impressionado com a
vivacidade e oratória política, e o outro momento, foi a chegada do SS HOPE na cidade de
Natal. Tratava-se de um hospital navio militar dos Estados Unidos criado para ajudar as
populações mais necessitadas dos países em desenvolvimento. Ele recordou do importante
intercâmbio realizado entre médicos americanos e brasileiros, bem como de algumas pessoas
que assim como ele, que buscou atendimento para sua filha, também foram desesperadas em
busca de algum socorro naquele navio atracado no porto que pareceu ser uma nova esperança
para muitos. Muito marcante para ele ver diante do impressionante navio um casal que, pelas
vestes e maneira de agir aparentavam ser pessoas muito humildes de um distante rincão do
sertão potiguar. Eles traziam uma criança envolta em panos brancos, que estava bastante magra
e caminhavam para dentro da nave em busca de atendimento”130.
A trajetória de Emil e sua relação com o período das secas e atrelamento aos programas
assistências norte-americanos é uma entre milhares que de certa forma contribuíram ou não
para o melhor entendimento desses fatos. Quantos relacionamentos não surgiram nesse
período? Quantos norte-americanos não conheceram mais de perto o Seridó potiguar? Isso é
apenas uma contestação de que muito existe a ser contado, e que esses sujeitos aguardam em
algum lugar o momento de terem suas histórias contadas e de nos apresentarem fatos guardados
no passado.
Com relação aos programas aqui apresentados, sabemos da interligação desses
programas com outros maiores, além dos muitos lugares envolvidos e outras ações grandiosas
que tiveram a participação direta dessas doações, e portanto, outro assunto gerador de
importantes fontes a serem buscadas e estudadas. Pelo exposto, compreendemos que se faz
necessário pensar esses programas como meios de intervenção de populações no sertão
potiguar, principalmente no Seridó, e sobre isso decidimos compor o capítulo seguinte.

129
MEDEIROS, Rostand. Eu não sou herói: a história de Emil Petr. Natal: Jovens Escribas, 2012, p. 270-271.
130
Ibdem., p. 264-266.
68

3 O PROGRAMA ALIMENTOS PARA A PAZ NO SERIDÓ: ENTRE CRÍTICAS E A


EXECUÇÃO

O Alimentos para a Paz foi um programa aprovado nos Estados Unidos em 1954, onde
inicialmente, o governo norte-americano comprava o excedente de seus produtores para doar
ou revender a outros países. Visto por alguns como um subsídio para estabilizar os preços do
mercado interno, e ao mesmo tempo como uma possibilidade dos Estados Unidos de inserir
técnicas e alimentos no mercado mundial.
No Brasil, desde 1955, através do então presidente Café Filho, e mais tarde com o
presidente Juscelino Kubitschek, o Brasil realizava acordos de cooperação internacional com
os Estados Unidos, quando foi criada a Campanha de Merenda Escolar (CME), sendo atendido
pelo programa, que teve sua expansão no Brasil e principalmente no Nordeste brasileiro a partir
de 1961, quando durante a administração de John Kennedy, George McGovern – diretor do
gabinete do programa Food for Peace, defendeu que deveria haver um papel mais amplo com
relação ao desenvolvimento e distribuição de alimentos.
A adesão ao programa passou a atender principalmente os estados do Nordeste
brasileiro, que enfrentavam sérios problemas relacionados à escassez de alimentos originada
pela seca. Essas áreas tão afetadas viam nos Estados Unidos e o Alimentos para a Paz uma
janela de oportunidades. Até que no início dos anos 70, diante da crise alimentar vivida pelos
Estados Unidos, que fizeram grande esforço político para garantir o comércio agrícola ao
manter reservas, é declarado o fim do programa Alimentos para a Paz. Porém, no Seridó,
encontramos registros da permanência do programa até o ano de 1973131.
O início das negociações para que o programa fosse aplicado maciçamente no Nordeste,
tiveram início quando Celso Furtado, diretor da SUDENE, viajou para a capital dos Estados
Unidos, atendendo a um convite do Departamento de Estado e foi decidido não somente a
distribuição dos excedentes agrícolas norte-americanos (trigo, arroz, milho, algodão, leite em
pó, óleos alimentícios, soja, etc.) mas também a contribuição para o incremento da capacidade
de produção de alimentos na área subdesenvolvida. Para utilizar a linha de crédito posta à
disposição do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a SUDENE encaminhou, através do
Banco Nacional de Desenvolvimento a Washington, alguns projetos com rentabilidade
comprovada e de viabilidade imediata. Os governadores dos estados se encarregaram de

131
DIAS, Atos; SANTANA, Jenifer Queila. Sessenta anos do Programa Mundial de Alimentos: Uma análise
histórica da política de assistência alimentar internacional. Conjuntura Global, v. 10, n. 2, p. 129-150, 2021,
p. 135.
69

designar comissões especiais responsáveis por ajustar os programas às normas fixadas. Os


projetos deveriam conter os seguintes elementos básicos: 1. descrição sucinta do projeto,
indicando os objetivos físicos contemplados, a justificativa da sua realização, o volume de obras
a ser realizado, prazo ou período de execução; e 2. a estimativa do custo do projeto, separando
as despesas em moeda nacional e em moeda estrangeira132.
Na reunião foi decidido que parte dos alimentos destinados ao Nordeste fossem para
estoques como forma de prevenção em eventuais secas dentro do programa de assistência
elaborado pela SUDENE. A partir de sugestões elaboradas, no setor “saúde”, os alimentos
poderiam ser usados para suprir e reforçar a dieta alimentar dos grupos da população mais
vulneráveis à carência protéica, particularmente escolas e conjunto de gestantes-lactentes. No
setor “educação”, deveria suprir a merenda escolar e complementar os baixos salários de
professores de escolas primárias, especialmente rurais. No setor “fomento da produção”, para
suprir rações animais e melhoria de nível de renda de populações rurais transformadas em
unidades produtoras pelo incremento da criação avícola e de gado bovino e suíno. O setor
“obras públicas” deveria complementar ou suplementar salários de trabalhadores empregados
em obras ligadas ao desenvolvimento econômico e social; construção de casas populares,
escolas, represas, estradas e outras obras públicas. Outros setores que atendiam programas de
assistência às populações puderam ser incluídos no programa Alimentos para a Paz, a destacar:
alimento e ração animal destinado às pessoas deslocadas de seu habitat em virtude de
calamidades, reforma agrária, obras públicas, por um período de 6 meses; reservas estratégicas
judiciosamente localizadas dentro dos limites de assistência da SUDENE e que tivessem a
função de ofertar emprego em ocasiões de crise; subsistência a curto prazo de famílias
deslocadas de conformidade com projetos de colonização a serem executados também pela
SUDENE133.
Por mais que o programa Alimentos para a Paz apontasse um socorro imediato,
destinado às populações em estado calamitoso e a SUDENE estivesse sempre a demonstrar
proximidade nas negociações responsáveis por interver na distribuição regional do programa,
muitas críticas foram produzidas.
O presidente da Argentina, Artur Frondizi, declarou em entrevista que o programa
proposto pelos Estados Unidos constituia “ameaças” para a América Latina. Ele afirmou que a
filosofia econômica do programa Alimentos para a Paz contrastava com a política comercial

132
CELSO Furtado levará a Washington “dossier” sobre o Nordeste: viagem será no fim do mês. Diário de
Pernambuco, Recife, 22 de junho de 1961, p. 03. Acesso em 14 ago. 2021.
133
“ALIMENTOS para a Paz”: elabora-se plano pela SUDENE. Diário de Pernambuco, Recife, 22 de junho de
1961, p. 03. Acesso em 14 ago. 2021.
70

norte-americana sobre os excedentes agropecuários e que essa metodologia do programa sem


prejuízo de seus fins altamente humanitários, apresentavam um perigoso fator de distorção do
mercado internacional e, portanto, oferecia sombrias perspectivas para o comércio de
exportação de produtos agrícolas, e que consequentemente isso causaria sérios danos para os
países da América Latina em geral. E concluiu dizendo que era necessário prever os efeitos que
surgiriam com a entrada dos Estados Unidos na América Latina134.
Segundo Barros135, o periódico “O semanário do Rio de Janeiro” foi a principal voz na
denúncia aos reais interesses do programa. Se por um lado, o envio de alimentos representava
a generosidade do governo norte-americano com os milhares de analfabetos e famintos da
região Nordeste, por outro, o envio desses alimentos colaborou para acentuar os problemas.
Josué de Castro, à época deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro, apontou que a
entrada desses alimentos desestimularia os investimentos da deficiente produção de
subsistência:

Se inundarmos o mercado brasileiro, com os excedentes americanos,


sejam quais forem as condições em que eles aqui penetrem, deixando de
lado a parte de custo para analisar depois, esses produtos irão
desequilibrar o nosso mercado e desestimular a nossa agricultura já tão
desestimulada, já tão abandonada, já tão relegada a segundo plano, sem
ter nenhuma prioridade, nem para os investimentos, nem para os
benefícios que usualmente o governo dá a outros setores de nossa
economia136.

O autor aponta que Josué de Castro revelou os interesses dos Estados Unidos em
estabelecer uma dependência do Brasil aos produtos agrícolas daquele país. A prática ficou
conhecida como dumping agrícola, a cada ano milhares de dólares eram pagos aos produtores
agrícolas a título de ajuda para a produção e a exportação de alimentos, favorecendo o comércio
desses produtos nos países receptores em detrimento da produção local. Noam Chomsky vai
além ao afirmar que “o programa de ajuda externa Alimentos para a Paz serviu tanto para
subsidiar a agroindústria e as exportações norte-americanas como para enfrentar os produtores

134
FRONDIZI condena “Alimentos para a Paz”. Correio Braziliense, Brasília, 21 de julho de 1961, p. 02. Acesso
em 14 ago. 2021.
135
BARROS, Arthur Victor Gonçalves Gomes de. Só podia vir de Pernambuco: o programa da Aliança para o
Progresso e a intervenção política no estado (1962-1963), In: Anais do 30° Simpósio Nacional de História -
História e o futuro da educação no Brasil / organizador Márcio Ananias Ferreira Vilela. Recife: Associação
Nacional de História – ANPUH - Brasil, 2019. Disponível em:
https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1563932280_ARQUIVO_Artigo_ANPUH(2019).pdf.
Acesso em : 14 ago. 2021.
136
“ALIMENTOS para Paz” apenas um bom negócio para os ianques. O Semanário. Rio de Janeiro, semana de
25 mar. - 1 abr. 1961. Ano VI, nº 253. p. 09. Acesso em: 19 set. 2022.
71

de outros países”137.
As críticas também vieram de alguns deputados nordestinos, que diante dos primeiros
resultados obtidos na viagem que levou Celso Furtado a manter acordos com o presidente
Kennedy, intitulada de “Missão Celso Furtado”, se mostraram contrariados e chamaram de
esmola de alimentos e afirmaram que o Brasil não deveria mendigar, desejava apenas apoio
financeiro para sair do subdesenvolvimento que o afligia. Na verdade, os deputados fizeram
uma crítica apressada diante do fato do governo norte-americano ter afirmado não poder enviar
no momento mais do que os excedentes do programa Alimentos para a Paz, cujos técnicos a
pedido do próprio Jânio Quadros, haviam estudado a região, e identificado as necessidades
alimentares como a maior urgência a ser tratada. Quanto aos financiamentos para os planos da
SUDENE, Kennedy foi muito sensato ao afirmar que, após enviar uma comitiva técnica ao
Nordeste para estudar os planos, os Estados Unidos estavam dispostos a colaborar para retirar
a área brasileira do pauperismo em que vivia secularmente mergulhada138.
Em março de 1962, ocorreu o primeiro embarque de leite enviado pelos Estados Unidos
com a finalidade de ser utilizado no programa de alimentação infantil no Brasil. Deixou os
Estados Unidos rumo ao Brasil (3.000 toneladas) de leite. A ação foi importante
por apresentar a primeira grande transação alimentícia realizada sob a Aliança para o Progresso,
além de ser o maior acordo voltado para a entrega de alimentos até o momento. Aos poucos
esses carregamentos passaram a ser acrescidos também de outros itens: farinha de trigo, óleo
de soja e o bulgor em maiores proporções139.
Em abril do mesmo ano, Charles Gill, assessor do programa Alimentos para a Paz
anunciou a chegada ao Brasil de cerca de 10.000 toneladas de leite em pó, o que não poderia
ser encarado como “esmola para mendigos”, mas substancial ajuda do governo norte-americano
para seus bons vizinhos. Para garantir um bom funcionamento na distribuição do leite, Charles
Gill estava visitando todas as cidades nordestinas, desde a Bahia até o Amazonas. Durante essas
visitas manteve contato com as autoridades estaduais responsáveis pelos Ministérios da
Educação e da Saúde. Inicialmente o leite foi destinado às escolas e maternidades140.
A equipe técnica norte-americana estava a todo custo empenhada em demonstrar a
grande preocupação existente com relação ao Nordeste. Para eles, a melhor resposta que poderia

137
CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as pessoas: neoliberalismo e ordem global. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2002, p. 41.
138
MISSÃO Celso Furtado. Diário de Pernambuco, Recife, 18 de julho de 1961, p. 04. Acesso: 15 ago. 2012.
139
HOJE primeiro embarque de leite para o Brasil: E. Unidos. Diário de Natal, Natal, 19 de março de 1962, p.
01. Acesso em 14 ago. 2021.
140
DEZ mil toneladas de leite em pó estão chegando dos EE. Unidos: “Não é esmola”. Diário de Natal, Natal, 07
de abril de 1962, p. 03. Acesso em 14 ago. 2021.
72

ser dada perante as críticas, seria sem dúvida agilizar ações de ajuda através do programa
Alimentos para a Paz. O trabalho da equipe técnica norte-americana em conjunto com a equipe
técnica brasileira, resultou no envio ágil e cada vez mais frequente de alimentos para o
Nordeste. Os dois países concordaram em seus pontos de vista, o que para eles, fortalecia a
velha amizade e contribuía para o progresso.
Os repasses de alimentos feitos para o Nordeste, por mais frequentes que fossem, ainda
eram vistos como insuficientes diante da situação precária que o homem do interior vivia.
Odilon Ribeiro Coutinho, presidente da Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do
Norte (COSERN), declarou em uma reportagem que: “Somente com a criação de uma infra
estrutura no Rio Grande do Norte que viesse a permitir acelerar o processo de industrialização
e a utilização de suas riquezas minerais, poderia o estado sair do subdesenvolvimento em que
se encontrava”. Acrescentou que o Rio Grande do Norte não se achava situado dentro do
Nordeste apenas sob o ponto de vista geográfico, estava também devido ao seu atraso, podendo
ser considerado como um Nordeste dentro de outro Nordeste, tão precárias eram as condições
de vida de sua gente. Ele afirmou que a falta de indústria era o motivo pelo qual não se tinha
emprego para o população o ano inteiro, tendo esses que se desviarem quase totalmente para a
agricultura, mesmo assim, devido a falta de armazenagem, tal atividade se limitava apenas ao
período de inverno141.
Na ocasião foi citado como exemplo do tamanho da situação calamitosa a cidade de
Goianinha no interior do RN, onde a população para não passar fome estava se alimentando de
maçu, pois os métodos de pesca que seriam a solução ainda eram muito primitivos. Além
disso, a grande maioria das cidades do Rio Grande do Norte se achava dominada pelo
schistosoma142, atingindo em certos casos até 99% de mortalidade infantil, um dos índices
mais elevados do país. Por esse motivo, não era possível continuar esperando apenas pelo
programa Alimentos para a Paz e a exploração agrícola. Odilon Coutinho apontou como
possíveis soluções para o Rio Grande do Norte promover o fornecimento de energia elétrica na
zona rural para o perfeito aproveitamento das áreas cultivadas, partir para o setor da
industrialização permitindo o aproveitamento do algodão do Seridó e a instalação de
indústrias para a produção do subproduto. Com relação aos recursos necessários, o plano
estimou um total de 7 bilhões de cruzeiros para a execução do plano, os recursos viriam do

141
ELETRIFICAÇÃO tende a modificar o panorama econômico do R.G.N. Diário de Pernambuco, Recife, 03
de maio de 1962, p. 03. Acesso em: 15 ago. 2021.
142
Schistosoma é um gênero de vermes parasitas da classe Trematoda. Esses organismos com o corpo achatado
parasitam capilares sanguíneos causando uma doença muito prevalente nas populações humanas conhecida
como esquistossomose, barriga d’água ou doença do caramujo.
73

Governo Federal através do DNOCS, SUDENE e o Departamento de Produção Mineral, além


do Banco Internacional de Desenvolvimento e a provável ajuda da República Federal Alemã
que diziam destinar 200 milhões de marcos para o plano. O governo do estado anunciou
recursos limitados, porém indispensáveis. Para finalizar, Odilon afirmou que a opinião
pública do estado se mobilizou intensamente como forma de ajudar ao plano de eletrificação
estadual, considerada como a armamais importante do seu desenvolvimento143.
O plano realmente nutria de uma competência muito significativa não só para o Seridó,
mas para todo o Rio Grande do Norte. Uma vez posto em prática, seria responsável pelo
beneficiamento de centenas de famílias, se não fosse o fato da demora na vinda da energia de
Paulo Afonso, ocorrida apenas em 1966, ou seja, 4 anos depois.
Dando continuidade às metas do programa Alimentos para a Paz, o governo norte-
americano enviou para o Nordeste dois carregamentos de feijão. A carga foi transportada em
dois navios, o Mormacwren e o Mormacteal, as embarcações aportaram na capital
pernambucana respectivamente nos dias 10 e 12 de junho trazendo um volume total de mais de
quatro mil toneladas de feijão que tinham a finalidade de atender às áreas nordestinas mais
assoladas pela momentânea crise de gêneros alimentícios, dessa vez como parte do pagamento
dos trabalhadores que contratados pela SUDENE em alguma obra pública, ao invés do salário
integral, passaram a ser pagos 75% do valor e os 25% pagos em forma de alimentos. Um fato
chamou atenção dessa etapa do programa. Durante a íntegra dos alimentos à população alguns
populares chegaram a espalhar a notícia de que o governo norte-americano junto ao governo
brasileiro estavam distribuindo alimentos estragados e misturados com areia aos necessitados.
Foi constatado por pessoas que estavam presentes no momento que, durante a entrega desses
alimentos, alguns grãos que caíram no chão misturando-se à areia, parte foi apanhada por
algumas pessoas, as mesmas que acusaram o programa da distribuição com itens estragados.
Dessa forma foi descoberta e eliminada a tentativa de sabotagem144.
O programa Alimentos para a Paz continuava exercendo suas atividades. O
embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, esteve em São Paulo durante a
reunião plenária de Integração do Nordeste, promovida pelo Instituto Nacional de Estudos
Superiores (INES). Na ocasião, o embaixador afirmou que o desenvolvimento do Nordeste
estava bem encaminhado devido à vontade dos próprios nordestinos em comunhão com a
ajuda técnica e financeira externa, sendo esse o maior interesse por todos que compunham e

143
ELETRIFICAÇÃO tende a modificar o panorama econômico do R.G.N. Diário de Pernambuco, Recife, 03
de maio de 1962, p. 03-13. Acesso em: 15 ago. 2021.
144
FEIJÃO para o Nordeste. Diário de Pernambuco, Recife, 17 de maio de 1962, p. 03. Acesso em: 15 ago. 2021.
74

apostavam no sucesso do programa. Foi bastante incisivo ao afirmar que diante de tantos
resultados significativos, alguns problemas administrativos e legais do lado brasileiro
dificultavam certas decisões. Entre os problemas elencou aquele que seria o mais evidente, o
mal planejamento e execução de algumasações por parte da SUDENE.
Passado o breve relato das ações realizadas pelo Alimentos para a Paz através da
Aliança, o embaixador passou a elencar uma série de medidas a serem realizadas no novo ano.
Entre as futuras realizações estavam: o início do programa de assistência à construção de
escolas, treinamento de professores em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, e por fim, a
implantação e ampliação do fornecimento dos alimentos do programa Alimentos para a Paz
para refeições escolares e Frentes de Trabalho nas estradas e construções de represas. Para
ele, todos esses programas se tratavam de uma experiência particular, mas que respondiam
sempre aos interesses e preocupações das autoridades brasileiras, que de sua parte, deveriam
contribuir com as decisões básicas145.
Devemos compreender que, até chegar ao Brasil, e mais tarde ser executado no Seridó,
houve toda uma série de negociações e articulações políticas. De certo, todo esse processo se
deu de forma esporádica, encontrou barreiras e nem sempre os acordos eram aceitos ou postos
em prática de imediato.
A medida em que nos aprofundamos nos estudos referentes a todo o período em que o
Brasil esteve intimamente ligado aos Estados Unidos por intermédio da Aliança para o
Progresso, se torna imperceptível o grande montante financeiro envolvido em doações, tenham
sido em forma de alimentos, artigos ou principalmente em cruzeiros ou dólares.

3.1 O Programa Alimentos para a Paz e o Rio Grande do Norte

Segundo Fernando Loureiro, infelizmente não é possível saber o número exato dos
recursos recebidos pelos estados brasileiros através de empréstimos da USAID em cruzeiros
por meio do programa Alimentos para a Paz, uma vez que esses dados não se encontram
disponíveis146. No entanto, foi possível identificar alguns empréstimos e doações destinados a
esses estados, ainda que após o golpe de 1964, o Governo Federal tenha se tornado o principal
responsável por administrar aquele auxílio norte-americano. E foram esses dados apresentados

145
PROCESSO de desenvolvimento do Nordeste vai na direção correta, diz Emb. Gordon. Diário de
Pernambuco, Recife, 25 de janeiro de 1963, p. 16. Acesso em: 15 ago. 2021.
146
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 73.
75

pelo autor que nos serviram de base para uma comparação com relatórios desse mesmo auxílio
econômico destinado ao Seridó, encontrados nos arquivos da Cáritas Caicó.
A documentação analisada nos deu uma clara certeza de que desde o início das doações
e empréstimos destinados ao Brasil, havia sim uma grande preocupação de que os valores
pudessem ultrapassar os limites norte-americanos, talvez por isso houvesse a elaboração
constante de relatórios que sempre apresentavam números precisos. Ainda no ano de 1960, o
Correio Braziliense trouxe uma matéria onde o presidente dos Estados Unidos informou ao
Congresso que 80 milhões de pessoas no próprio país e no exterior estavam consumindo
produtos da reserva agrícola do país. Ele afirmou que isso se dava pelo fato de o programa
Alimentos para a Paz beneficiar naquela época 61 milhões de pessoas necessitadas em 92 países
e territórios. Mas foi muito preciso ao dizer que tudo isso acontecia de acordo com a Lei 480
que regia o programa e que, portanto, o embarque dos excedentes agrícolas dos Estados
Unidos eram feitos “sem qualquer prejuízo para o comércio norte-americano e dos países
amigos”, concluiu o presidente. O relatório continua apontando entre os números, um total de
24 milhões de crianças atendidas em escolas e outras instituições como hospitais e orfanatos, 3
milhões de pessoas beneficiadas por meio de centros de saúde, sendo a maior parte desses
produtos distribuídos por serviços católicos e centros de emergência. O relatório presidencial
ao Congresso avaliou o total desses produtos excedentes agrícolas norte-americanos vendidos,
trocados ou doados no exterior em US$ 10.553.700.000,00, mais de 10 e meio bilhões de
dólares. O presidente apontou os países latino-americanos como sendo os maiores beneficiados
com tais ações, e entre eles destacava-se o Brasil, que muito sofria com uma grande seca147.
O passar dos anos fez com que a certeza admitida pelo presidente Kennedy de que a
ajuda aos países necessitados não afetaria a economia norte-americana atingisse outra
realidade. Ano após ano eram observados sinais de que as doações estavam se tornando cada
vez mais frequentes e em números cada vez maiores. Isso se tornou óbvio quando em 1966,
Washington anunciou em seus relatórios que a superprodução de trigo dos Estados Unidos,
vista como uma forma de prevenir o país contra as causas naturais que pudessem provocar
uma escassez na agricultura começava a apresentar problemas.
A nação tinha mais trigo do que precisava para seu consumo interno, então fazer doações
e vender era a solução mais adequada, uma vez que estocar esse trigo custava ao país centenas
de milhões de dólares. O Departamento de Agricultura informou que o nível de estoque de trigo
começava a ficar não aceitável e sobre as interrogações referentes ao que estaria acontecendo,

147
ALIMENTOS para a Paz beneficiam nações. Correio Braziliense, Brasília, 14 de agosto de 1960, p. 14. Acesso
em 15 out. 2021.
76

o setor responsável apontou como causas uma produção abaixo do normal, aumento do
consumo doméstico, aumento das vendas externas, e principalmente, a grande destinação desse
produto para os programas de ajuda. O Secretário de Agricultura Orville Freeman explicou que
nunca houve uma reserva adequada de trigo, mas o momento exigia cautela ou poderia refletir
de forma direta na economia do país e lembrou que nem mesmo após o fim da Segunda Guerra
Mundial quando as necessidades de trigo por todos os países era tão grande, essa reserva chegou
à situação em que se encontrava. Mais da metade de todas as exportações de trigo norte-
americanas iam para programas de ajuda e foi apontado que nos últimos dois anos referentes
ao relatório o que mais havia contribuído para a baixa dos estoques foram os embarques para o
programa Alimentos para a Paz, as grandes quantidades do produto enviadas para o exterior e
principalmente o Brasil, com o intuito de aliviar a fome com programas desenvolvimentistas
começou a gerar uma possibilidade de logo os Estados Unidos precisarem aumentar sua própria
produção alimentícia. Freeman afirmou que mesmo com a grande demanda de exportação do
trigo, via a possibilidade da produção de trigo norte-americana ser dobrada em um período de
dois anos, precisando para isso apenas que houvesse um melhor aproveitamento de terras por
parte do programa governamental de controle148.
Ainda no que se refere às doações em cruzeiros destinadas pelo programa Alimentos
para a Paz (PL 480) às unidades federativas do Brasil, Felipe Loureiro aponta diferenças
significativas com relação aos empréstimos em dólares da USAID. Os dados levantados pelo
autor mostram a distribuição de doações norte-americanas em cruzeiros para vários estados
brasileiros entre janeiro de 1962 e junho de 1963. Nestes observamos a grande liderança dos
estados nordestinos com relação a esses desembolsos, onde receberam quase 73% dos recursos
só nesse curto espaço de tempo. É argumentado pelo autor que o fato da proeminência do
Nordeste no recebimento das doações em moeda local da USAID se deu pelo fato de que a
região havia sido objeto de um acordo bilateral entre os governos brasileiro e norte-americano
em abril de 1962 no valor de US$ 131 milhões. Nessa sondagem o Rio Grande do Norte
apareceu em primeiro lugar, representando 24,9% do total dos recursos alocados para as
seguintes unidades federativas: Rio Grande do Norte, Guanabara, Pernambuco, Bahia, Alagoas,
Maranhão, Rio de Janeiro, Paraíba, Ceará, Piauí e Sergipe149.
Tomando como modelo os cálculos de Felipe Loureiro, reunimos mapas de distribuição

148
TRIGO passa a ser problema nos Estados Unidos. Correio Braziliense, Brasília, 10 de julho de 1966, p. 05.
Acesso em: 15 out. 2021.
149
LOUREIRO, Felipe Pereira. A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964): ajuda
econômica norte-americana a estados brasileiros e a desestabilização da democracia no Brasil pós-guerra. São
Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 107-108.
77

das doações do programa Alimentos para a Paz destinados às cidades seridoenses que faziam
parte da Diocese de Caicó. Os itens eram recebidos pela Cáritas Diocesana de Caicó e
administrados pelo Departamento Social de Ação Social. Com datas referentes a janeiro de
1963 e dezembro de 1971, os documentos apresentam dados referentes à especificidade dos
produtos recebidos em números individuais e por volumes, entre o período de janeiro de 1963
ao primeiro trimestre de 1966 esses valores eram apresentados apenas em cruzeiros, supomos
que tal fato se dê em virtude da mudança da moeda brasileira que em 1967 passou para cruzeiro
novo, do segundo trimestre de 1966 ao quarto trimestre de 1971 os valores passaram a ser
exibidos apenas em dólar. Outro fato que chama atenção é que do primeiro trimestre de 1963
ao quarto trimestre de 1968, os volumes destinados para a cidade de Caicó eram apresentados
de forma distinta desta data até o quarto trimestre de 1971, quando se encerram os
documentos, essas doações são demonstradas como um volume único destinado a distribuição
em todo o território atendido pela Cáritas regional.
A partir de uma análise dos documentos elaboramos tabelas onde podem ser observados
os montantes referentes aos valores doados pelo programa norte-americano à região do Seridó.

Tabela 2 – Mapeamento de doações do programa Alimentos para a Paz entre 1963 e 1971 destinadas a
municípios do Seridó Potiguar
Valor em Arrecadação de
Período / Anos Volumes Volumes Caicó Valor em Cruzeiros
Dólares Fundos
1º Trimestre 1963 5.260 1.587 49.793.250,00 - -
2º Trimestre 1963 4.175 1.395 51.071.600,00 - 208.750,00
3º Trimestre 1963 4.045 1.393 56.498.350,00 - 202.250,00
4º Trimestre 1963 5.810 653 73.887.225,00 - 581.000,00
1º Trimestre 1964 4.993 2.233 52.000.160,00 - 499.300,00
2º Trimestre 1964 4.515 1.517 65.026.000,00 - 451.500,00
3º Trimestre 1964 6.165 3.055 76.553.825,00 - 616.500,00
4º Trimestre 1964 4.396 3.351 99.407.400,00 - 439.600,00
1º Trimestre 1965 3.892 2.810 120.065.800,00 - 389,200,00
2º Trimestre 1965 4.550 3.020 89.805.800,00 - 1.302.600,00
3º Trimestre 1965 5.420 3.280 92.808.200,00 - 1.273.700,00
4º Trimestre 1965 3.245 2.700 135.100.200,00 - 762.575,00
1º Trimestre 1966 3.555 1.210 79.458.600,00 835.425,00
2º Trimestre 1966 2.969 1.539 64.789.440,00 66.934.816,00 697.715,00
3º Trimestre 1966 3.284 1.664 95.916.080,00 80.808.631,00 771.740,00
4º Trimestre 1966 2.130 1.110 83.726.000,00 59.208.800,00 500,550,00
1º Trimestre 1967 713 185 13.893,76 12.536,00 163,89
2º Trimestre 1967 5.183 2.471 99.355,92 106.519,66 2.591,50
3º Trimestre 1967 5.109 2.856 121.772,96 92.825,96 2.554,50
4º Trimestre 1967 4.106 2.343 89.575,00 85.531,77 2.053,00
78

Valor em Arrecadação de
Período / Anos Volumes Volumes Caicó Valor em Cruzeiros
Dólares Fundos
1º Trimestre 1968 4.317 2.993 74.340,80 64.061,90 2.158,50
2º Trimestre 1968 4.085 2.844 89.609,20 68.158,16 2.042,50
3º Trimestre 1968 3.525 2.165 103.498,20 92.678,45 1.762,50
4º Trimestre 1968 1.929 1.249 37.734,40 32.737,24 964,50
1º Trimestre 1969 2.394 - 34.742,40 29.647,72 1.915,00
2º Trimestre 1969 4.827 - 59.878,32 47.438,13 2.413,50
3º Trimestre 1969 7.015 - 122.350,08 100.024,70 -
4º Trimestre 1969 1.083 - 12.799,87 11.469,18 -
1º Trimestre 1970 6.250 - 2.569.047,90 98.913.57 -
2º Trimestre 1970 5.352 - 86.775,23 68.723,70 -
3º Trimestre 1970 3.761 - 84.676,32 62.015,30 -
4º Trimestre 1970 3.403 - 50.247,39 45.078,87 -
1º Trimestre 1971 2.956 - 30.971,31 26.848,33 -
Quota Emergencial 899 - 9.967,65 7.790,42 -
2º Trimestre 1971 5.837 - 64.923,22 44.277,73 -
Quota Emergencial 1.060 - 12.072,40 10.572,84 -
3º Trimestre 1971 2.617 - 29.831,52 19.052,89 -
Quota Emergencial 378 - 3.834,00 3.433,80 -
4º Trimestre 1971 5.524 - 69.987,33 57.043,86 -
Fonte: Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em: 26.01.2021.

Os números que nos foram apresentados confirmaram duas coisas: a primeira, que assim
como foi exposto por Felipe Loureiro, o Rio Grande do Norte liderou o número de doações
através do Alimentos para a Paz, porém, chamamos atenção para a possibilidade de uma
concretização mais detalhada desses números, uma vez que haja um aprofundamento nos
arquivos responsáveis pela possível guarda de documentos referentes a esse período da história,
novos números podem surgir nos dando um melhor aprofundamento sobre os fatos aqui
propostos.
Da mesma forma, os documentos nos possibilitaram um melhor detalhamento das ações
do governo dos Estados Unidos junto ao governo brasileiro. Isso nos levou a um
aprofundamento não só referente aos números sobre o dinheiro empregado como benefícios
para o sertanejo nas cidades e territórios seridoenses mais afetados pela seca, bem como sobre
a especificação sobre os produtos enviados. Nos mapas de distribuição podemos observar o
envio dos seguintes itens: trigo, fubá, bulgor, manteiga, leite, óleo vegetal, feijão, farinha de
trigo, queijo, trigo laminado, farinha proteinada, roupas usadas, sapatos, chocolate, tecido e
medicamentos sob a nomenclatura de C.S.M., podendo ser referência ao Comitê de Segurança
de Medicamentos, órgão que já na época gerenciava o uso seguro de medicamentos.
O quadro a seguir, ainda elaborado a partir dos documentos do arquivo da Cáritas
79

Diocesana em Caicó, nos apresenta um detalhamento mais preciso das instituições e paróquias
no interior do estado beneficiadas com o envio dos produtos.

Quadro 2 – Cidades e entidades beneficiadas com doações do programa Alimentos para a Paz no Seridó
Potiguarentre os anos de 1963 e 1971.
Cidades Entidades
DDAS, Apostolado da Oração, Laginhas, Escola da Barra Nova, Sítio Mundo Novo,
Cooperativas, Sítio Mundo Novo, Barra da Espingarda, Casa do Estudante, Casa de São
Caicó Vicente, Escola Prevocacional, Abrigo Dispensário Professor Pedro Gurgel, Clube das
Mães, Casa da Caridade, Retiro, Seminário Diocesano, Maternidade Mãe
Quininha, Capela de São José, Colégio Santa Terezinha, Círculo Operário, Avulsos.
Currais Novos Paróquia de Currais Novos, Abrigo, Mina Brejuí, Colégio Jesus Menino, Hospital
Jucurutu Paróquia de Jucurutu, Barra de Santana, Fazenda Soledade
Serra Nagra do Norte Paróquia de Serra Negra do Norte
Acari Paróquia de Acarí
Cerro Corá Paróquia de Cerro Corá
Jardim de Piranhas Paróquia de Jardim de Piranhas
São Fernando Paróquia de São Fernando
Ipueira Paróquia de Ipueira
Parelhas Paróquia de Parelhas
Jardim do Seridó Paróquia de Jardim do Seridó
Cruzeta Paróquia de Cruzeta
Florânia Paróquia de Florânia
São João do Sabugi Paróquia de São João do Sabugi, Riacho de Fora
Lagoa Nova Paróquia de Lagoa Nova
Fonte: Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em: 26.01.2021.

Essa amplitude de números nos dá uma proporção do quanto as ações norte-americanas


em solo potiguar foram extensas, e nos dá a lógica de que talvez nos falte a precisão de tudo
isso em números, mas acreditamos que, a partir do momento que possíveis novos trabalhos
sobre o tema sejam produzidos, haverá o afunilamento desses dados e uma melhor proximidade
dessas ações e seus números, o que certamente reduzirá cada vez mais esse distanciamento entre
a exatidão, não só dos números referentes ao programa Alimentos para a Paz, mas também de
outros programas e ações discorridos nesse período.
E é nesse sentido, que se faz necessário apontar as ações do programa Alimentos para a
Paz voltadas para os flagelados das cheias. Diante da necessidade urgente e da grande
mobilização que foi estabelecida com esse intuito, principalmente ao nos voltarmos para o
Seridó potiguar na década de 1960, percebemos esse período como um dos mais significativos
80

do programa, se não o mais.


O ano de 1964 foi mais um ano de dificuldades para aqueles que viviam no flagelo, só
que ao invés da seca e abandono, dessa vez foram vitimados pelas cheias, que lhes tiram tudo,
protagonizando um cenário de guerra e horror. Uma grande estrutura de ajuda foi montada com
a intenção de amenizar o cenário que essas pessoas estavam vivendo.
A corveta Ipiranga, da Marinha de Guerra Brasileira, deixou o porto de Recife rumo ao
Rio Grande do Norte carregado com toneladas de alimentos para as vítimas das enchentes. Esse
carregamento trazia fubá, bulgor e leite em pó doados pelos americanos através do Alimentos
para a Paz. Ao mesmo tempo, uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) chegou no Rio
Grande do Norte trazendo 5 toneladas de leite em pó, também doação dos norte-americanos. A
SUDENE e USAID, por mais que enfrentassem momentos de contradição, uniram esforços e
designaram dois engenheiros que passaram a auxiliar nos trabalhos de socorro às vítimas das
enchentes. Governo do Rio Grande do Norte, SUDENE, USAID e Forças Armadas se
empenharam na busca de soluções que amenizassem esse problema. As chuvas ainda
permaneciam leves e calmas, porém as águas que correram, causaram forte estrago, arrastando
casas e ferramentas de trabalho, deixaram uma grande quantidade de desabrigados e sem
expectativas de como recomeçar150.
Aliado a tudo isso ainda existiam os problemas de saúde que se alastravam cada vez
mais. Pensando nisso, a missão nordestina da USAID solicitou e recebeu 20 mil doses de
penicilina e 20 mil doses de vacina contra tifo a serem aplicadas no Rio Grande do Norte e o
estado vizinho, Paraíba. Os observadores da SUDENE contabilizaram pelo menos 10 mil
desabrigados na Paraíba, enquanto que no Rio Grande do Norte esse número era
desconhecido, porém acreditava-se que fosse bem mais que isso, uma vez que o estado sofreu
como nem um outro com a destruição de pontes, estradas e outras obras públicas. A situação do
Rio Grande do Norte se agravou ainda mais quando o agrônomo Geraldo Ribeiro informou que
o estado encontrava- se isolado devido a destruição dos principais acessos por terra, devendo
os alimentos doados serem encaminhados através da Marinha de Guerra e aviões da FAB151.
Enquanto isso, o governo norte-americano colhia os frutos das suas ações
“humanitárias” através do Alimentos para a Paz. Em julho de 1964 a primeira dama, Lyndon
B. Johnson, inaugurou em Washington o carro para demonstração do programa que levou
através de diversas nações a “Operação Crianças”, programa que foi idealizado pela Aliança

150
CORVÊTA leva para os flagelados das cheias Alimentos para a Paz. Diário de Pernambuco, Recife, 11 de
julho de 1964, p. 05. Acesso em 17 ago. 2021.
151
FAB e CAN formam ponte aérea para socorrer flagelados das enchentes. Diário de Pernambuco, Recife, 15
de julho de 1964, p. 11. Acesso em: 17 ago. 2021.
81

para o Progresso com a finalidade de promover os padrões alimentares das crianças,


principalmente em idade escolar e pré-escolar. O programa estava em plena atuação desde
que o presidente Kennedy assumiu a presidência, com a passar dos anos era pouco comentado,
então a constância do Alimentos para a Paz nos noticiários serviu para alavancar as demais
ações da Aliança152. A cerimônia contou com centenas de espectadores, diplomatas latino-
americanos efuncionários do governo norte-americano.

Figura 4 – Inauguração do carro programa “Operação Crianças”.

Fonte: Diário de Pernambuco, Recife, 28 de julho de 1964.

Na foto, a esquerda vê-se o Herbert Sugden, presidente da America Freedom from


Hunger Foundation, que patrocinou a aquisição do carro-programa e à direita, Richard Reuter,
assessor especial da presidência e diretor do programa Alimentos para a Paz.
O sensacionalismo da reportagem é encontrado quando o autor descreveu através da
cena na reportagem a necessidade de evidenciar o programa que vinha atuando desde que o
presidente Kennedy assumiu a presidência dos Estados Unidos, e que com o passar dos anos
era pouco comentado, utilizando a evidência do programa Alimentos para a Paz nos noticiários
pelo mundo para alavancar as demais ações da Aliança para o Progresso freando a evolução da
fome motivada pela miséria.
No Rio Grande do Norte ações foram realizadas através do governador Monsenhor
Walfredo Gurgel que tomou posse em 1965. Uma das primeiras atitudes foi reunir prefeitos de

152
PRIMEIRA dama americana inaugura Carro- Programa. Diário de Pernambuco, Recife, 28 de julho de 1964,
p. 06. Acesso em: 18 ago. 2021.
82

vários municípios nas cidades de Currais Novos e Caicó, consecutivamente, entre os dias 05 e
06 de abril de 1966. O Encontro dos Prefeitos do Seridó153 contou com a participação das 29
lideranças políticas do Estado, o representante da SUDENE, João Casado, o diretor do
programa Alimentos para a Paz no Nordeste, Willian Biar, o vice-diretor, Clayton Summer e
os assessores Patrick Herrington e Jandira Carvalho, além de representantes do Serviço de
Informações dos Estados Unidos (USIS). Após uma longa jornada de palestras que trouxeram
como temas o Programa Estadual de Fomento Agro-Pecuário, o Plano Rodoviário do Estado,
a Fiscalização Financeira e Orçamentária das Prefeituras e Os Problemas Educacionais dos
Municípios, aconteceu uma sessão solene com assinaturas de convênios entre o Estado e os
municípios para execução das Frentes de Trabalho com Alimentos para a Paz da USAID. Foi
oferecido ao governador um almoço preparado com alimentos adquiridos através do programa
norte-americano. O programa foi considerado como mais um paliativo necessário diante do
quadro emergencial em que se encontrava o Seridó, e com isso as Frentes de Trabalho instaladas
nas áreas assistidas com programas financiados pela Aliança para o Progresso passaram a
receber remessas de alimentos a serem destribuidas aos trabalhadores como parte do pagamento
dos seus serviços, auxiliando também na melhoria nutricional dessas pessoas154.
Passados alguns meses, as chuvas cessaram e os danos causados pelas cheias aos poucos
amenizaram, no entanto as doações de alimentos através do Alimentos para a Paz não cessaram.
Dezenas de toneladas de alimentos foram descarregadas nos portos nordestinos para
distribuição através dos postos da Cáritas da região. Os carregamentos trouxeram farinha, fubá
de milho, leite e bulgor, a organização religiosa em Natal recebeu 531 toneladas e 468 quilos
de leite, 131 toneladas e 809 quilos de fubá de milho, 100 toneladas 747 quilos de bulgor, 435
toneladas e 906 quilos de leite, 292 toneladas 26 quilos de farinha e 300 toneladas e 463 quilos
de fubá de milho. Essas contribuições foram enviadas para as principais cidades do Rio Grande
do Norte, onde através das instituições responsáveis os alimentos foram encaminhados para as
cidades mais distantes e necessitadas155.
Junto com a chegada desses alimentos, também aumentaram as denúncias de desvio
desses itens. Antes mesmo de chegarem ao seu destino, cresciam os relatos de

153
Na ocasião estiveram reunidos os prefeitos de Currais Novos, Acari, Campo Redondo, Cerro Corá, Coronel
Ezequiel, Florânia, Jaçanã, Japi, Lajes Pintada, Lagoa Nova, Santa Cruz, São Bento do Trairí, e São Vicente.
Em Caicó, os prefeitos da própria Caicó, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Equador, Ipueira, Jardim de Piranhas,
Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro Branco, Parelhas, Santana, São Fernando, São João do Sabugí, São José do
Seridó, Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas.
154
PREFEITOS do Seridó tem encontro hoje em Currais Novos: Caicó amanhã. Diário de Natal, 05 de abril de
1966, p. 06. Acesso em: 25 ago. 2021.
155
ALIMENTOS dos EUA chegam para o Nordeste. Diário de Pernambuco, Recife, 16 de setembro de 1966, p.
06. Acesso em: 17 ago. 2021.
83

comercialização dos mesmos em várias partes do Nordeste. Com isso, temos a certeza de que
muitos necessitados deixaram de ser atendidos, uma vez que a maior parte dos alimentos
tinham como destino o interior do Rio Grande do Norte.
Esses casos de desvio dos produtos que compunham os carregamentos do programa
Alimentos para a Paz, geralmente esses se davam por intermédio das pessoas influentes, e que
de certo modo deveriam ser responsáveis por fazer com que esses alimentos chegassem de
forma justa às localidades inseridas no Polígono das Secas156. Alguns Estados vizinhos, assim
como o Rio Grande do Norte, tiveram alguns casos divulgados na imprensa, casos duradouros
e muitas vezes não solucionados.
No Estado do Ceará, por exemplo, grande foi a repercussão sobre um desses casos,
quando aconteceu uma troca de acusações entre dois deputados durante uma sessão na câmara,
tais acusações envolveram os recursos do programa norte-americano. Na ocasião, Esmerino
Arruda (PSP-Ceará) discursou sobre ações que envolviam o seu projeto aliado aos programas
de assistência realizados em cooperação com organismos internacionais. Ao concluir sua
leitura, Carlos Jereissati (PTB-Ceará) interferiu nos debates para ler a manchete do Correio do
Ceará, em que Esmerino Arruda era acusado de ter arrombado o depósito da Associação das
Pioneiras Sociais em Fortaleza para apropriar-se do leite em pó ali guardado. Esmerino Arruda
afirmou que sim, mas que apenas tentou evitar que o leite destinado às crianças fosse
instrumento de suborno e corrupção eleitoral, uma vez que a presidente das Pioneiras Sociais
era cunhada de Jereissati e casada com um Deputado Estadual que vinha armazenando o leite
para usá-lo nas eleições, confessou ter invadido o depósito e feito a distribuição do leite
mediante recibo, entidades assistenciais e sacerdotes. Por fim, advertiu:

Sabe-se que o leite do senhor Raul Carneiro era o leite do programa Alimentos
para a Paz, cuja distribuição deveria ser realizada de acordo com o plano
elaborado pelo Ministério da Saúde, da Comissão Nacional de Alimentação,
através dos órgãos oficiais existentes no Ceará. Foi o Ministro da Saúde quem
determinou sua entrega às Pioneiras Sociais e a manobra denunciada à nação
pelo Governador Persifal Barroso157.

Raul Carneiro a quem o Deputado Esmerino Arruda se referiu, era aliado político do

156
O Polígono das Secas é um territorio que caracteriza a área de predomínio das condições de semiaridez na
região Nordeste. No Rio Grande do Norte, o Polígono das Secas abrange mais de 90% dos municípios, os quais
apresentam uma estrutura hídrica diversificada com potencialidades e fragilidades específicas. Disponível em:
TROLEIS, Adriano Lima; SILVA, Bruno Lopes da. Do polígono das secas à vulnerabilidade ao colapso
hídrico: uma análise do território do Rio Grande Do Norte. Revista GeoSertões, v. 3, n. 5, p. 24-40, 2019.
157
ESCÂNDALO do leite retorna ao debate: Esmerino explica. Correio Braziliense, Brasília, 05 de maio de 1962,
p. 03. Acesso em 24 ago. 2021
84

Deputado Carlos Jereissati e candidato para as próximas eleições. Esmerino concluiu dizendo
não ter procuração para defender o Governador, naquela ocasião adversário político de Carlos
Jereissati, mas salientando que toda a nação conhecia o Governador cearense pela sua probidade
como Deputado, Senador e Ministro de Estado, não permitiria, mesmo tendo que usar a
violência como instrumento do povo, que carros oficiais, recursos do Erário, gêneros destinados
à alimentação popular, fossem desviados para a aventura eleitoral de desonestos158.
Diante da grande onda de desvio dos gêneros do Programa Alimentos para a Paz que se
alastrou pelo Nordeste, por vezes atitudes tomadas por parte do setor administrativo dos órgãos
responsáveis pelos programas assistenciais, ao serem noticiadas na imprensa causavam grande
alvoroço entre a população, e mais ainda entre aqueles que viam com desconfiança as ações
governamentais que se estabeleceram em conjunto com os representantes governamentais norte
americanos.
Assim foi quando na Bahia chegou às manchetes dos jornais que o feijão norte-
americano doado pelo Programa Alimentos para a Paz que se encontrava em Salvador estava
sendo vendido ao preço de 70 cruzeiros o quilo. Segundo expôs a notícia, a venda foi realizada
pela SUDENE, que de sua parte emitiu nota através de seu escritório local, onde explicou que
o produto arrecadado com a venda tinha o objetivo de ser empregado na compra de uma safra
mais nova para revenda à população159.
A matéria não justifica o motivo da venda do feijão. No entanto, ao considerarmos
vasta documentação catalogada sobre o período, nos deparamos com grande quantidade de
cartas onde o principal motivo das reivindicações da Cáritas em todo o Nordeste era o longo
tempo que essas mercadorias passaram amontoadas nos depósitos, logo após chegarem nos
portos, fato que quase sempre aconteceu devido o atraso no pagamento dos fretes para o
transporte desses alimentos recém chegados dos Estados Unidos com destino às cidades
interioranas. Muito se fala em produtos com data de validade próxima, o que por diversas
vezes poderia causar prejuízo ao programa e revoltas por parte da população, mas em
nenhuma dessas correspondências foi observada qualquer referência à comercialização desses
produtos.
Dois meses após a última notícia, a imprensa voltou a noticiar a falta de cuidado com
os alimentos enviados pelo governo norte-americano através do programa Alimentos para a
Paz. Dessa vez falou-se em um total de mais de doze mil sacos contendo feijão e milho que se

158
Idem.
159
FEIJÃO na Bahia será vendido ao preço de setenta cruzeiros o quilo. Correio Braziliense, Brasília, 28 de
agosto de 1962, p. 06. Acesso em 24 ago. 2021.
85

tornaram imprestáveis para o consumo. Os responsáveis pelo armazém, onde ficou os


alimentos, alegou que os produtos já chegaram estragados, afetados por uma praga de
gorgulho e mofo, e que o longo tempo em que esses produtos ficaram no depósito (6 meses)
esperando que a SUDENE agilizasse a distribuição, fizeram com que além das pragas terem
se alastrado, boa parte das proteínas alimentares foram perdidas, não servindo nem para fazer
fubá, apenas para forragem. Diante dos fatos, o Chefe do Escritório Regional da SUDENE,
Edvaldo Boaventura afirmou que o armazenamento persistiria e quanto à denúncia do
apodrecimento dos cereais, explicou que em breve a instituição emitiria uma nota oficial a
respeito do assunto160.
O assunto se tornou uma constante e como observado em larga composição
documental, não foi um caso isolado. O Nordeste se tornou líder em casos de omissão quando
o assunto era o armazenamento e distribuição dos alimentos enviados através do programa
Alimentos para a Paz. De certo essa recorrência de atrasos na distribuição refletiu
institucionalmente nas remessas a serem entregues nas cidades menores e certamente as mais
necessitadas desses envios. Foi observado que geralmente as cartas que reclamavam o atraso
na entrega desses itens quase sempre eram acompanhadas de informes de pedidos anteriores de
ajuda até mesmo a outros órgãos, como Governo do Estado, Forças Armadas e à base
institucional do programa, que geralmente respondia que tais ações dependiam das regionais.
Em resposta à situação, em 1965 o Ministro Juarez Távora assinou portaria concedendo
isenção de pagamento das taxas portuárias em todos os portos do país para os “Alimentos para
a Paz” provenientes de doações do governo dos Estados Unidos. A portaria acentuava que a
liberação das taxas portuárias para os destinatários encarregados da distribuição daquelas
mercadorias dependeriam de um requerimento ao respectivos portos de desembarque, que
deveriam comunicar ao Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis os montantes das
taxas dispensadas161.
O problema do longo período dos alimentos em depósitos foi amenizado, no entanto, o
grande número de denúncias com relação ao desvio daquelas mercadorias permaneceu nos
jornais. Em maio de 1966 se tornou público, por meio de matéria divulgada no Diário de Natal
que o delegado da cidade de São José do Campestre, cidade do interior do Rio Grande do
Norte, que fica a 80 quilômetros de Natal, o Sargento Severino Balbino Rodrigues, esteve na
capital do estado para tomar as providências contra um caso de desvio de alimentos do

160
MILHO e feijão americanos apodreceram nos depósitos . Correio Braziliense, Brasília, 06 de janeiro de 1963,
p. 06. Acesso em: 24 ago. 2021.
161
ALIMENTOS para a Paz tem isenção. Correio Braziliense, Brasília, 26 de fevereiro de 1965, p. 01. Acesso
em 25 ago. 2021.
86

programa Alimentos para a Paz, tendo como aliado no assunto, Ulisses Cavalcante, Secretário
deSegurança Pública.
Segundo um relatório apresentado pelo delegado, a prefeitura de São José do Campestre
vinha vendendo os alimentos a particulares e comerciantes, o prefeito José Matias de Araújo,
utilizava os alimentos doados pelo programa para pagar as pessoas que executavam obras
para aquela prefeitura, os quais além de receber um salário menor do que o vigente, a parte
que recebiam em alimentos provenientes do convênio também era inferior ao previsto162.
Como providências, o relatório elaborado pelo delegado foi enviado ao subchefe da Casa Civil
do Governo do Estado, Ney Gurgel, executor do convênio no estado, a fim de que
providências fossem tomadas no intuito de coibir o abuso, no entanto, não existem registros de
que qualquer solução ou punição referente a esse caso163.
Outro caso que muito repercutiu sobre o desvio dos Alimentos para a Paz aconteceu em
Natal, quando uma denúncia anônima levou a Polícia Federal a uma fábrica de manteiga
clandestina, que funcionava em um espaço subterrâneo no bairro de Barro Vermelho. Segundo
consta em matéria do Diário de Natal, o dono do estabelecimento, Isidoro Gomes Neto, vendia
manteigas que eram preparadas com óleo e leite fornecidos pelo programa da Aliança para o
Progresso. Após 3 dias de observação, a fábrica de três metros por cinco foi invadida, no local
sem janelas ou qualquer tipo de ventilação foram encontradas caixas de leite em pó e galões de
óleo com as características dos produtos enviados pelos Estados Unidos. A fábrica foi lacrada
e iniciaram buscas pelo proprietário que não se encontrava no momento, tendo sido preso o
dono de uma padaria próxima que alegou ter comprado 50 quilos de leite em pó a Isidoro Gomes
Neto. No mesmo dia o delegado Frederico Galvão afirmou que vários outros casos semelhantes
(obtenção e venda ilegal de óleo, leite e manteiga) foram descobertos pela Polícia Federal,
nãoterem sido tornados públicos164.
O delegado relatou que tendo em vista as investigações realizadas até aquele momento,
a polícia havia chegado à conclusão que grande parte da mercadoria encontrada e apreendida
geralmente era adquirida junto à Confederação Evangélica, que também era beneficiada com a
distribuição de alimentos da Aliança para o Progresso. E afirmou ainda que embora não quisesse
revelar, já tinha conhecimento de outros responsáveis pelas transações ilícitas e que era uma
questão de tempo para solucionar outros casos envolvendo as doações do programa Alimentos

162
DELEGADO denunciou: Prefeito vende gêneros de “Alimentos para a Paz”. Diário de Natal, Natal, 12 de
maio de 1966, p. 06. Acesso em 24 ago. 2021.
163
Idem.
164
DENÚNCIA anônima foi a pista dos federais: Fábrica clandestina produzia a manteiga com sebo e leite em pó.
Diário de Natal, Natal, 26 de julho de 1968, p. 04. Acesso em 24 ago. 2021.
87

para a Paz165.
O caso se arrastou por meses, ficou conhecido como “o caso da gang do leite em pó”.
O proprietário da padaria anteriormente detido pela compra dos 50 quilos de leite em pó afirmou
que a mercadoria lhe foi oferecida por um desconhecido. Consecutivo a esse caso, um outro
homem foi denunciado, o motorista Raimundo Marques de Araújo, que teve apreendido em seu
poder 70 caixas de óleo do programa Alimentos para a Paz. Na tentativa de alcançar a inocência,
Raimundo também aponta um desconhecido como dono das 70 caixas de óleo que estavam em
seu poder, fato esse que fez a Polícia Federal associar os fatos e chegar à conclusão de que
ambos casos estavam ligados entre si e que os personagens das diferentes histórias eram os
mesmos. Isidoro prestou novo depoimento e revelou que o leite em pó apreendido na padaria
foi por ele comprado a Raimundo Marques de Araújo, assim como as caixas de óleo. Com o
depoimento de Isidoro, dois fatos são apontados pelo Inspetor Sampaio: é iminente a descoberta
de uma rede de elementos responsáveis pelo desvio, e que muita “gente alta” estava incluída na
tal rede166.
Passado um mês, a Delegacia Regional de Polícia Federal concluiu e remeteu ao Juíz
Federal Armindo Guedes da Silva o inquérito que apurava o desvio de óleo de soja e leite em
pó do programa Alimentos para a Paz, foi figurado como principal acusado o prefeito de Sítio
Novo, Paulo Ferreira Lima, este, segundo os autos, permitia que os seus auxiliares retirassem a
mercadoria do depósito do governo do Estado e a levassem para a residência de Raimundo
Marques de Araújo, que por sua vez vendia os alimentos a domicílio167.
Esses fatos aconteceram com frequência em praticamente todos os estados nordestinos.
Em Sergipe os alimentos vindos dos Estados Unidos através da Aliança para o Progresso
estavam sendo distribuídos para animais depois de ultrapassarem a data de validade e se
deteriorarem. Um ofício do delegado da Superintendência Nacional do Abastecimento
(SUNAB), Aderbal Fontes de Góis, foi enviado ao Serviço Nacional de Informação (SNI),
órgão da Presidência da República, denunciando o acontecido e apontando como exclusivo
culpado pelo destino dado aos Alimentos da Paz, o Superintendente da Diaconia, pastor Walter
de Andrade Santos, deixando assim a pobreza de Sergipe sem os alimentos e cada vez mais
decepcionada com a ajuda da Aliança para o Progresso. Segundo o delegado, em visita aos
armazéns da instituição foram encontrados: 375 sacos de fubá de milho, 193 sacos de farinha

165
Idem.
166
CONFISSÃO de Isidoro pode levar PF a desmantelar gang do leite em pó. Diário de Natal, Natal, 20 de agosto
de 1968, p. 03. Acesso em: 25 ago. 2021.
167
INQUÉRITO de desvio de leite em pó apura Prefeito de Sítio Novo é principal implicado. Diário de Natal,
Natal, 21 de setembro de 1968, p. 02. Acesso em: 25 ago. 2021.
88

de trigo, 216 sacos de aveia e 23 sacos de bulgor. Interrogados pelo delegado sobre o fato, as
informações que obteve dos funcionários da Diaconia foi que, devido o atraso de parte dos
carregamentos que nunca chegavam em dia, não podiam distribuir o que estava armazenado,
pois não existia condições de arcar com tantos fretes, sendo assim, os alimentos ficavam
armazenados correndo o risco de se estragar168. O inquérito se arrastou por anos e mais uma
vez a população não pôde ter acesso aos alimentos que deveriam ser destribuídos. Não foram
encontrados quaisquer registros referentes à resolução desse caso. Porém, não por isso as
doações cessaram, ainda que não tendo o montante real dessas remessas e muito disso se deve
à atuação das diversas instituições que atuavam, sendo algumas delas religiosas.

3.2 O Alimentos para a Paz no Seridó: o papel da Igreja Presbiteriana

A Igreja Presbiteriana está presente no Brasil desde 1859, sendo a primeira igreja
evangélica de missões a se instalar no país. O Reverendo Ashbell G. Simonton, primeiro
missionário presbiteriano no Brasil, e seus companheiros eram todos da Igreja Presbiteriana do
norte dos Estados Unidos. No Rio Grande do Norte, a Igreja chegou pelo interior em 1885,
pelas mãos do Reverendo De Lacy Wardlaw. O berço da Igreja Presbiteriana do Brasil, em
terras Potiguares, foi Mossoró, só em 1895 é que a capital do Rio Grande do Norte passou a
ter um pastor definitivo, foi o Rev. William Calvin Porter (o missionário de cabelos brancos),
que como pastor da Igreja Presbiteriana do Natal, fundou o periódico “O Século”, jornal
publicado em Natal, sendo seu redator-chefe. Estabeleceu no sertão do Rio Grande do Norte
as congregações de Macaíba, Curumataú, Penhas, Assú, Arês, Angicos, Goianinha,
Canguaretama, Fazenda Bola (termo da vila de Triunfo), Baixio (Laginha), Mossoró, Ceará-
Mirim, São Miguel, Nova Cruz, Brejinho do Soter, Currais Novos, Flores, Caiada e Caicó onde
celebrou, em 1903, pela primeira vez uma cerimônia de casamento. O casal Chicó Vale e
Lormina Vale passou a hospedar os missionários para a celebração das reuniões em que todos
podiam ler a Bíblia; também foram os primeiros “crentes” da cidade169.
A Igreja Presbiteriana de Caicó foi uma das instituições evangélicas responsáveis pela
distribuição de itens que chegaram através da Aliança para o Progresso, mas também de
doaçõesfeitas por de fiéis presbíteros residentes nos Estados Unidos.

168
CÓPIA do ofício nº 492, de 18 de agosto de 1969 do Delegado da SUNAB/RN. Disponível em:
https://d.docs.live.net/d97e7019b5330137/Área%20de%20Trabalho/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_
69014301_d0001de0002%20-%2019.ag.69%20alim.p.animais.pdf. Acesso em 25 ago. 2021.
169
IGREJA Presbiteriana de Caicó Comemora 121 Anos de Evangelização. Blog Eliezer Dantas, 09 de maio de
2019. Disponível em: http://www.eliezerdantas.com/2019/05/igreja-presbiteriana-de-caico-comemora.html.
Acesso em 16 ago. 2021.
89

O programa Alimentos para a Paz englobava uma série de contribuidores que atuavam
também no sentido de ajudar os necessitados espalhados pelo mundo. Um desses era o
Church World Service (CWS), uma agência norte-americana que nasceu em 1946, a união de
vários setores das igrejas protestantes e católica e evangélica tinham como missão: alimentar
os famintos, vestir os nus, curar os enfermos, confortar os idosos, abrigar os sem-teto. Nas
décadas de 1950 e 60, o CWS expandiu seu alcance pela Ásia, África e América Latina,
aumentando seu trabalho de assistência social e buscando agências locais que
compartilhavam da visão de autoajuda e parcerias de longa distância170.
Em fevereiro de 1963, era anunciado o aproveitamento de mais uma remessa de leite
enviada dos Estados Unidos dentro do programa Alimentos para a Paz através do Church
World Service. A Confederação Evangélica do Brasil promovia a distribuição do leite em pó
em todo o Nordeste através das muitas agências espalhadas pelos estados. Essas organizações
religiosasrecebiam alimentos dos Estados Unidos trimestralmente para a distribuição gratuita.
Além do leite em pó, outros alimentos eram enviados dos Estados Unidos (feijão, fubá de
milho, trigo e óleo vegetal), a distribuição ficava a cargo das igrejas e organizações
beneficentes evangélicassob a responsabilidade da Confederação Evangélica do Brasil171.
Em 1969, durante reunião ordinária da União de Moças Presbiterianas (UMP), que
tinha como presidente Arlete Silva Andrade, muitos problemas foram levantados, sendo o
principal e que necessitava de medidas urgentes, o flagelo causado em decorrência da seca que
há muitos anos estava castigando a população mais necessitada de Caicó. Para arrecadar
fundos para financiar obras de apoio a estudante, apoio à Missão dos índios Caiuá, auxílio de
doentes e dosflagelados pela seca, diversas ações voluntárias eram realizadas: venda de flores
e lanches aos domingos, venda de pratos, mala da afeição, quanto vale seu nome, entre outras
eram realizadas172.
Todavia, Arlete Silva relatou não haver ajuda mais bem vinda e necessária do que os
produtos que chegavam para doação através da Aliança para o Progresso. Em entrevista
concedida ao autor dessa dissertação, Arlete relatou que tinha apenas 9 anos de idade e já
atuava na Igreja Presbiteriana de Caicó como voluntária. Relembra que a notícia de que
chegariam alimentos através de um programa de alimentação direto dos Estados Unidos
foi dada pelo Pastor Pedro Bezerra, que passou a convocar imediatamente as pessoas

170
CHURCH World Service. Disponível em: https://cwsglobal.org/. Acesso em 15 ago. 2021.
171
ÚLTIMA remessa de leite em pó dos USA já foi enviada. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de fevereiro de
1963, p. 03. Acesso em 15 ago. 2021.
172
LIVRO Ata. União da Moças Presbiterianas, Caicó, 20 de agosto de 1969, p. 02-03. Acesso em 15 jan. 2021.
90

carentes que frequentavam a igreja para fazer um tipo de cadastro173.


Segundo ela, o próprio pastor e sua esposa, com a ajuda de alguns jovens que
frequentavam a igreja, eram responsáveis pela distribuição dos alimentos, e mais tarde das
roupas que passaram a chegar do mesmo destino. Cada necessitado recebia: uma porção de
bugue, leite em pó, e algumas roupas usadas, que ela dizia chamar atenção pela beleza, nunca
tinham visto peças de vestuário como aquelas. Outro fato que achavam curioso, era que a
grande maioria das roupas eram quadriculadas e grossas, próprias para lugares frios, bem
diferentes darealidade caicoense.

Figura 5 – Noivado do Pastor Pedro Bezerra com Aldeisa Almeida.

Fonte: Arquivo pessoal Arlete Silva Andrade

Na foto, Arlete Silva, (primeira da direita para a esquerda) está na companhia do Pastor
Pedro Bezerra (quarto da direita para a esquerda) e sua então noiva, Aldeiza Almeida Bezerra
(terceira da direita para a esquerda). Ela afirmou que na ocasião alguns dos presentes na foto
usavam roupas doadas através do programa norte-americano. A mesma afirma que foi muito
emocionante ter participado de uma ação assistencial desse tamanho em Caicó como
participante da Igreja Presbiteriana, pois por mais que houvesse interferência política, o prazer
de amenizar o sofrimento de tantos flagelados foi muito gratificante.
Enquanto isso, no estado vizinho Paraíba, mais uma série de notícias que puseram em
dúvida o funcionamento e a qualidade dos produtos distribuídos pelo Alimentos para a Paz foi
desmentida pelo médico Osman Aires de Almeida na cidade de Patos. Ele atestou em
documento assinado em cartório que, somente neste município, cerca de 7.000 mil crianças se

173
Questionário respondido por Arlete Silva Andrade, Caicó RN, 20 fev. 2021.
91

alimentavam diariamente com o referido leite, sem que nunca tivesse sido registrado qualquer
tipo de intoxicação. Assim dizia o atestado produzido pelo médico Osman Aires:

Atesto que socorri no dia 5 de junho corrente as crianças José Paulino,


Luzinete Paulino e Francisco Paulino Filho no Hospital Regional de Patos,
todas infexionadas por alcalóides contidos nas sementes do fruto produzido
pela herva conhecida em nosso meio por “zabumba” ou “três babados” e que
tem a denominação científica de “Datura suavelolens Humb e Bompl” duas
das quais não suportando a violência do tóxico faleceram quando deram
entrada no Hospital e a terceira, após intensa medicação, sobreviveu174.

O médico concluiu afirmando que o leite distribuído pelo programa Alimentos para a
Paz da USAID Brasil era distribuído no referido município através do Catholic Relief
Services175, e que a Cáritas Brasileira, em nada tinha sido responsável no tocante à causa da
morte das crianças.

3.3 Alimentos para a Paz: o papel da Cáritas Diocesana

A Cáritas Diocesana, uma entidade criada em 1956 pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), e subgerenciada pelas dioceses locais, recebeu a função de articular
obras sociais e, portanto, a distribuição dos alimentos que mais tarde foram também uma forma
de pagamento para a mão de obra humana nas frentes de trabalho.
A Cáritas teve papel de grande importância nesse período, principalmente quando com
o passar do tempo, ocorreu a redução dos donativos estadunidenses, e ainda assim, conseguiu
junto a instituições católicas prolongar suas atividades até 1974, até que sem o apoio do
programa Aliança para o Progresso, a mesma encerrou as atividades voltadas a esse meio. E é
sobre essas ações que, a partir do que os documentos nos apresentam, discorremos nessa seção.
A primeira grande ação dentro do programa Alimentos para a Paz voltada para os
agricultores se deu ainda em 1962, em março do mesmo foi anunciado o envio de treze mil
toneladas de milho para o Nordeste. Segundo Leonard Saccio, Diretor da Agência Internacional
de Desenvolvimento no Brasil durante assinatura do acordo entre Brasil e Estados Unidos, esse
produto no valor de 390 milhões de cruzeiros tinha a finalidade de auxiliar as populações em
situação de risco no Nordeste, em especial os criadores de gado que devido a seca estavam
impossibilitados de obter alimentos para os seus rebanhos. O mesmo falou que a doação era

174
MÉDICO atesta que leite dos EUA está bom. Diário de Pernambuco, Recife, 15 de junho de 1963, p. 03.
Acesso em 17 ago. 2021.
175
O Catholic Relief Services é uma organização que representa os bispos norte-americanos.
92

feita dentro do mesmo espírito de assistência que um “bom vizinho” prestaria a outro em caso
de emergência176.
Era muito importante para o representante do governo norte-americano destacar a todo
momento o quanto essa atividade era prazerosa para os Estados Unidos e o quanto era
importante para o presidente Kennedy que o programa Alimentos para a Paz conseguisse
resolver o mais rápido possível a situação de urgência que o povo nordestino se encontrava.
Como já mencionado, existia uma grande demanda de programas voltados para o alívio
do sofrimento dos afetados pela seca, e necessitados. Os registros apontam a elaboração de
projetos de extrema necessidade na região do Seridó, como é o caso da “Campanha da Roupa
e do Vestido”, tal programa tinha como objetivo vestir 25.000 pessoas utilizando os serviços da
própria Cáritas Diocesana em sistema cooperativista, a fim de socorrer pelo menos uma parcela
das vítimas da seca nessa região. Justificava o registro que, a partir da execução desse programa
as vítimas da seca teriam a possibilidade de conseguir roupa para minorar a própria nudez, pois
se tratavam de pessoas que apesar da grande necessidade possuíam capacidade de trabalhar e
de se ajustar como pessoas humanas, e que por isso o programa apontava finalidade educativa
e assistencial. Pretendendo uma duração de quatro meses, o programa buscou tecido em
armazéns populares da região, o pagamento dos fretes e despesas extras eram realizados com
recursos também extras, e as frentes de trabalho da região eram aproveitadas como localização
para a aplicação desse serviço177.
O trabalho se realizou sendo financiado pela Aliança para o Progresso, uma vez que, ao
ser realizada à proposta desse programa, o Seridó passou a receber junto com os alimentos
enviados pelo Alimentos para a Paz, uma certa quantidade de tecidos.
Com o intuito de assistir não apenas os homens que atuavam no campo e obras
conveniadas, surgiram os “Clubes de Mães”. O Boletim Informativo do Secretariado Regional
da Campanha Nacional dos Bispos do Brasil de agosto/setembro de 1966, ao analisar as ações
da Cáritas Diocesana Caicó mostrou um amplo trabalho educativo junto a esses clubes sempre
dando orientação em aulas de formação de mães operárias, levando-lhes ensinamentos
domésticos, sociais e sanitários, ainda promoveu cursos para que futuramente essas mães se
tornassem líderes desses grupos e exercessem a função de orientadoras. O boletim mostrou
também a assistência alimentar fornecida a esses grupos e obras filiadas através do programa
Alimentos para a Paz. Foram recebidos da Cáritas regional e distribuídos pela Cáritas

176
NORDESTE: treze mil toneladas de milho. Correio Braziliense, Brasília, 27 de março de 1962, p. 05. Acesso
em 25 ago. 2021.
177
COMUNICADOS Gerais 1967-1970, Campanha da Roupa e do Vestido, 10 de agosto de 1970. Arquivo Cáritas
Diocesana. Acesso em: 07 jun. 2021.
93

Diocesana, neste exercício um total de 15.707 volumes no valor de NCr$ 218.000 (Duzentos e
dezoito mil cruzeiros novos). Funcionaram em toda Diocese de Caicó um total de 121 clubes,
associando um total de 2.658 mães operárias que receberam aulas semanais de formação social,
doméstica e religiosa, como também aulas profissionais com ensinamentos de corte e costura,
artes femininas e prendas domésticas com aproveitamento em larga escala de matéria prima
regional178.
Em 1970, o mesmo Boletim Informativo apresentou a existência de 126 clubes
espalhados por 23 cidades do Seridó, com um total de 3.132 sócias que em um encontro na
cidade de Caicó, tida como cidade sede, realizaram uma exposição dos trabalhos realizados, um
total de 18.228 trabalhos expostos a venda que tiveram o resultado financeiro em favor das
próprias sócias, onde através de um trabalho sócio-educativo entre as famílias das mesmas,
comemoraram o período junino, as festas natalinas e principalmente o dia das mães, além de
outras reuniões com caráter social. O documento expõe a filiação ao trabalho de assistência em
toda a região, a contribuição do programa Alimentos para a Paz, com um total de 18.749
volumes de doações, somando em nossa moeda um total de Cr$ 351.290,44 (Trezentos e
cinquenta e um mil, duzentos e noventa cruzeiros e quarenta e quatro centavos) que foram
suficientes para atender 8.000 pessoas na região do Seridó179.
Constam nos registros da Cáritas Diocesana de Caicó uma grande quantidade de fichas
de entrega de mercadorias recebidas da sede regional constando ampla demanda de alimentos
e maquinário para a manutenção do programa. Em Caicó, os bairros João XXIII, Boa Passagem,
Nova Descoberta e bairro Paraíba foram alguns dos principais beneficiados com as ações do
programa, certamente por serem bairros distantes e possuir entre seus moradores uma maior
parcela de pessoas necessitadas de ajuda. Além desses, cidades vizinhas como São João do
Sabugi, Acari, Jucurutu, Currais Novos, Timbaúba dos Batistas e Parelhas, estavam entre os
pontos de expansão do programa180.

178
BOLETIM Informativo – Secretariado Regional CNBB Nordeste II. Agosto e setembro de 1969, nº 9, p. 04.
Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 14 jan. 2021.
179
BOLETIM Informativo – Secretariado Regional CNBB Nordeste II. Dezembro de 1970, p. 02. Arquivo Cáritas
Diocesana. Acesso em 14 jan. 2021.
180
As informações aqui apresentadas foram possíveis a partir de documentos existentes em pasta plástica intitulada
“Clube de Mães, Campanha de Roupas, Documentos Administrativos, Comprovantes”, a mesma apresenta
uma série de informações sobre o programa, bem como registros de recebimento e envio dos itens, além uma
série de cartas sobre a administração do mesmo na cidade de Caicó e adjacências.
94

Figura 6 – Guias de Entrega da Cáritas Diocesana Caicó referentes à distribuição de itens vindos dos Estados
Unidos destinados aos programas de assistência da região Seridó.

Fonte: Arquivo Cáritas Diocesana de Caicó. Acesso em: 12.01.2021.

A partir dos registros encontrados, aos quais temos uma pequena amostra acima,
podemos ter uma ideia dos itens recebidos por esse programa, sendo que também foi possível
constatar que essa distribuição era bastante irregular, tanto com relação as datas, como se
tratando das quantidades e o tipo de alimento e objetos que podiam chegar. Essas remessas
certamente eram responsáveis por proporcionar uma melhor qualidade de vida aos que
recebiam e deixar de recebê-los certamente era algo que não se desejava, pois as pessoas que
participavam do programa sentiam-se gratas e felizes por verem um pouco das suas
necessidades sanadas, ainda que temporariamente.
Temos logo abaixo a letra da “Canção do clube de Mães”, de certo elaborada durante as
atividades realizadas nos encontros da cidade de Acari nos quais as participantes desfrutaram
de um pouco de descontração e se sentiam gratas, mostrando através da letra da música,
momentos de reconhecimento, devoção e esperança:

Canção do Clube de Mães ( Música Exército Infantil)

Nós somos, todas um clube de mães


O futuro é a nossa trincheira
Trabalho, muito amor e devoção
95

Como guia, temos nossa padroeira


Cobrimos todo o mapa de Acari
A trabalhar, a servir com amor...
O nosso lema será: “dar e receber”
Nós formamos nosso clube com amor

Nossos passos na terra


São sementes de luz
Que florescem para o alto
Não esqueçam, ó mães
Venham sempre a sorrir
O trabalho, a amizade
Estão sempre a nos unir.

Por vezes o andamento dos Clubes de Mães foi comprometido tendo em vista que era
muito frequente o atraso na entrega das mercadorias direcionadas para as atividades
desenvolvidas, e por outros motivos, como em uma ocasião onde a representante da Cáritas
Diocesana de Caicó responsável pela distribuição dos alimentos que chegavam para doação,
Francisca Xavier de Souza, alertou ao responsável por dirigir o Clube de Mães do povoado
Riacho de Fora no município de São João do Sabugi que, constando um débito no valor de Cr$
492,20 (Quatrocentos e vinte e nove Cruzeiros e vinte centavos) no Escritório Diocesano
referente a uma taxa de matrícula e administração dos anos fiscais 72/73 e 73/74, não seria mais
possível que fosse feito o despacho de alimentos a partir do momento em questão sem que antes
fosse liquidado o débito181.
Percebemos que esses programas tiveram seus movimentos enfraquecidos, ora por
dificuldades com a realização de atividades administrativas, ora pela falta do cumprimento de
algumas normas pré-estabelecidas na ocasião da assinatura dos programas por parte dos seus
próprios dirigentes. Outro ponto significativo a ser discutido dentro desse contexto, se refere à
criação de programas que tiveram como principal objetivo, levar educação aos mais carentes,
buscando alcançar o máximo de pessoas que pudesse, através do meio radiofônico, nos
referimos aos programas educativos da emissora de educação rural em Caicó.

181
CARTA enviada pela responsável pelo DTC da Cáritas Diocesana de Caicó emitida ao Clube de Mães de
Riacho de Fora/São João do Sabugi-RN, em 07 de março de 1974. Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 12
jan. 2021.
96

Tendo como justificativa contribuir para o desenvolvimento do Brasil, a Conferência


Nacional dos Bispos do Brasil criou o Movimento de Educação de Base (MEB)182, com forte
atuação no campo da educação de adultos, foi reconhecida como uma entidade de utilidade
pública pelo Decreto nº 62360/68. Atuando preferencialmente em áreas com pouco grau de
desenvolvimento e escassez de recursos, o MEB chegou ao Rio Grande do Norte promovendo
uma série de cursos, desde a alfabetização até a complementação do primário, passando por
cursos de técnicas agrícolas, noções de saúde e higiene, sindicalismo e cooperativismo. Para
garantir o seu funcionamento celebrava convênios com o Ministério da Educação e Cultura
(MEC) e entidades estrangeiras, foi através dessas alianças que o Seridó passou a ser
contemplado com grande intervenção do MEB183.
O MEB funcionava na sede do Departamento de Ação Social a Emissora de Educação
Rural Ltda., fundada em 1963, tinha em sua programação uma série de programas educativos
extensivos ao homem do campo através das escolas radiofônicas. Através desses programas
funcionaram também os cursos de Madureza184, através do Setor Rádio – TV - Educação
(SERTE), apresentando um bom aproveitamento diante das ações previstas e realizadas junto
aos trabalhadores185.
No Rio Grande do Norte, o MEB estava sempre em contato com a SUDENE visando
conseguir recursos, além disso atuou com os demais setores da Ação Social das Dioceses,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Associação Nordestina de Crédito e
Assistência Rural (ANCAR) e Rádio Rural, formando um conjunto que unido buscava
promover o homem rural, contribuindo assim com o processo de desenvolvimento. Segundo
nos aponta a documentação, só em 1972, os cursos radiofônicos realizados pelo MEB Rio
Grande do Norte, foram distribuídos entre 325 grupos, chegando a um total de 7.959 pessoas.
Merece destaque a programação Radiofônica do MEB através das Emissoras de Educação
Rural, que tinham como principais programas radiofônicos: Roda Viva, Programas Especiais,
Minha casa minha escola, Higiene e Saúde186.

182
A nível de aprofundamento nos estudos referentes ao Movimento de Educação de Base (MEB) a aluna do
Mestrado em História dos Sertões, Maria Dolores de Araújo Vicente, possui textos publicados sobre o mesmo
e vem desenvolvendo importante pesquisa sobre a temática. O conteúdo aqui exposto possui caráter
complementar às minhas pesquisas.
183
BOLETIM Informativo do Movimento de Educação de Base. Natal, Mossoró e Caicó. Rio Grande do Norte,
outubro de 1972, nº 1, p. 01-02. Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 29 jan. 2021.
184
Nome do curso de educação de jovens e adultos – e também do exame final de aprovação do curso - que
ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
de 1961. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/madureza/. Acesso em 30 ago. 2021.
185
BOLETIM Informativo – Secretariado Regional CNBB Nordeste II. Agosto e setembro de 1969, nº 9, p.
04.Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 14 jan. 2021.
186
BOLETIM Informativo – Secretariado Regional CNBB Nordeste II. Agosto e setembro de 1969, nº 9, p. 03.
97

A Diocese de Caicó através do Movimento de Educação de Base desenvolveu


programas de Educação Nutricional em pelo menos cinco áreas carentes na região do Seridó.
Os programas funcionavam com ações de grupalização e em seguida suplementação. Na
primeira etapa eram oferecidos conteúdos sobre as diversas causas da desnutrição através de
palestras e debates com as mães, em seguida nas áreas trabalhadas era feito um trabalho de
conscientização em grupo, possibilitando uma mudança de comportamento, tendo em vista a
promoção humana. O trabalho era bem complexo, passava por etapas que iam desde reuniões
para a seleção de grupos de gestantes e crianças desnutridas, acompanhamento médico,
conversas sobre imunização e a importância da água. O programa foi muito difundido durante
as reuniões dos grupos de mães, foi uma junção dos programas que visava os cuidados
necessários que se deveria ter com a alimentação, prevenção à eclampsia ocasionada pela falta
de assiduidade durante o pré-natal.
O Relatório referente ao primeiro trimestre do Projeto de Educação Nutricional mostrou
resultados positivos a partir do interesse demonstrado pelos participantes, principalmente no
que dizia respeito a alimentação de 0 a 1 ano, entendeu-se que deixar uma criança sem
imunização era considerado um grande descuido da mãe. Com relação aos cuidados com a água,
as mães passaram a entender a necessidade de ferver a água e fazerem um esforço para
providenciar filtros que passaram a ser adquiridos através de um sistema de prestações. A
ANCAR, agência criada em 1955 no estado da Paraíba, mas que possuia sede em Recife, da
qual surgiram as organizações extensionistas dos Estados nordestinos criava e apoiava
programas estaduais, e passou a integrar essa ação em conjunto com o MEB e o
Departamento Diocesano de Ação Social (DDAS). O relatório sugeriu para o novo trimestre a
elaboração de novos Clubes de Mães e escolas para aqueles que desejassem concluir as
primeiras séries do 1º grau187.
O documento lembra a todo momento que o programa oferece diversas áreas para
integrar os carentes a uma sociedade mais justa, em determinado ponto o quesito lazer é
lembrado ao relatar o funcionamento do concurso “A mais bela voz Potiguar”, onde cantores
amadores das diversas regiões do Estado se empenhavam para ganhar o concurso promovido
pela Emissoras de Educação Rural de Natal, Mossoró e Caicó. A promoção era coordenada pelo
padre Américo Simonetti, cada região classificava três finalistas que ao fim da festa de Santa
Luzia, padroeira de Mossoró, disputavam o título. Os prêmios ofertados aos finalistas e

Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 14 jan. 2021.


187
RELATÓRIO do Primeiro Trimestre do Projeto de Educação Nutricional – Execução MEB/DDAS. Caicó, 08
de maio de 1975, p. 01-02. Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 12 jan. 2021.
98

ganhadores iam desde certa quantia em dinheiro, até viagens com hospedagem grata em cidades
próximas ou estados vizinhos188.
Como observado, esse programa conjunto entre o Movimento de Educação de Base e a
Diocese de Caicó interligava diversos órgãos, agregando programas de financiamento estadual
e norte-americano. Também muito expressivo diante das ações desse programa voltado para os
cuidados com a alimentação e consumo de água, foi o grande número de atendimentos médicos
realizados como parte das atividades. Abaixo temos um pequeno indicativo dessas ações
realizadas entre os meses de março e abril de 1975 apenas na cidade de Caicó.

Quadro 3 – Atendimentos através do programa de Educação Nutricional.


Quadro clínico demonstrativo março - abril
Acompanhament Tratamento Tratamento de
Consultas Vacinação opré-natal Albuminose Verminoses
300 300 18 8 12 crianças
Fonte: Relatório do 1º Trimestre do Projeto de Educação Nutricional – MEB/DDAS. Arquivo Cáritas
Diocesana Caicó. Acesso em: 12.01.2021.

O relatório nos mostra que a partir dos atendimentos clínicos, era receitado e ofertado o
melhor tipo de alimento para que houvesse a reposição nutricional mais adequada. Entre esses
alimentos ofertados, além daqueles que eram ofertados pela Cáritas através do programa
Alimentos para a Paz, o fubá era algo muito comum de ser oferecido e para complementar esse
alimento, o programa solicitava constantemente à Secretaria de Saúde do Estado e do Instituto
Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) que fosse enviado leite, por mais que o programa
já dispusesse de uma quantidade considerável do alimento, por ser muito nutritivo e o item mais
oferecido dentro do programa, era sempre necessário que houvessem novas aquisições189.
Por mais que fiquem evidentes as diversas ações promovidas pelo Movimento de
Educação de Base e demais conveniados diante do quadro de dificuldades em que todo o Estado
do Rio Grande do Norte se encontrava, o programa tende a ser visto apenas como uma estratégia
de alfabetização. É bem verdade que, em números, realmente fica claro sua grande relevância
na educação, por exemplo, no ano de 1977 um evento apontou por meio de relatório o número
de 3.500 pessoas registradas nas atividades educacionais no período de um ano somente na
cidade de Caicó. Segundo o documento, essas pessoas compunham um grupo com um nível de
instrução muito heterogêneo, acredito eu, ao analisar fichas de inscrição de alunos do MEB,
que tal informação se deu diante do fato de que a grande maioria eram homens e mulheres com
188
RELATÓRIO do Primeiro Trimestre do Projeto de Educação Nutricional – Execução MEB/DDAS. Caicó, 08
de maio de 1975, p. 02. Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 12 jan. 2021.
189
RELATÓRIO do Primeiro Trimestre do Projeto de Educação Nutricional – Execução MEB/DDAS. Caicó, 08
de maio de 1975, p. 03. Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 12 jan. 2021.
99

idades já bem adiantadas para a fase educacional em que se encontravam no momento190.

Figura 7 – Fichas de Inscrição Movimento de Educação de Base – 1976.

Fonte: Arquivo Cáritas Diocesana de Caicó. Acesso em: 07.06.2021.

Na ocasião estiveram presentes vários segmentos envolvidos na execução do MEB:


evangelizadores, professores da zona rural, alunos de supletivo, sócios de Clubes de Mães e
líderes esportivos entre outros. Mesmo com tantos feitos positivos, desde a década de 1960,
quando do golpe militar, o programa vinha tendo desgastes em sua estrutura. Constam nos
arquivos da Cáritas Caicó certa quantidade de cartas onde Anne Marie Speyer, Secretária Geral
do MEB no Rio de Janeiro, cobra aos dirigentes do programa em Caicó soluções urgentes para
algumas lacunas evidenciadas no programa e que ha tempos se arrastam. Em uma dessas cartas,
direcionada à Solange Dutra da Cruz, Coordenadora do MEB em Caicó, Anne Marie, ou “Irmã
Anne” como era mais conhecida e citada nas cartas, questiona quadros comparativos de
previsão e o desempenho do programa na região do Seridó. Segundo ela, os dirigentes do
programa não estavam cumprindo com as metas estabelecidas e pede uma melhor
demonstração de dados e concerto no não cumprimento das ações estabelecidas. Afirmou ainda
que “os números não contam toda a história do programa”, refletindo assim, um quadro pouco
promissor com relação ao desempenho esperado191.
Mesmo diante das incertezas com relação ao programa, havia um forte empenho por

190
RELATÓRIO do II Seminário Inter - Comunitário Diocesano. Caicó, 20 a 27 de novembro de 1977, p. 01-02.
Arquivo Cáritas Diocesana. Acesso em 12 jan. 2021.
191
CARTA de Anne Marie Speyen, Movimento de Educação de Base, Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1977.
Arquivo Cáritas Caicó. Acesso em 07 jun. 2021.
100

parte da organização do MEB em qualificar os participantes por região, no intuito de haver um


melhor desempenho dessas equipes. Em junho de 1977, o padre José de Vasconcellos, Diretor
de Assuntos Internacionais do MEB, enviou ao Bispo Dom Manoel Tavares de Araújo,
presidente local das equipes, a proposta do Programa de Evangelização das Equipes para a
Bischofliche Aktion Adveniat192, que em síntese almejava capacitar as equipes (monitores e
animadores das comunidades) que futuramente poderiam ser chamados para trabalhar com a
assessoria técnica do nacional na capacitação das demais equipes193.
Problemas internos aos poucos foram surgindo na regional do Seridó, tomando
proporções tamanhas que exigiram a intervenção de Dom Manoel Tavares de Araújo,
responsável pelo setor. Em uma série de cartas datadas entre 02 de setembro de 1977 e 17 de
setembro do mesmo ano, Maria Solange Dutra da Cruz, Coordenadora do MEB Caicó,
escreveu a Edna Helena Pina de Souza, Coordenadora Administrativa do programa,
denunciando uma série de irregularidades que estavam fazendo com que os monitores estivesse
desistindo de ensinar. Entre os motivos estavam a pouca gratificação, relação
monitores/alunos muito próxima, desorganização com relação aos materiais, atrasos no
horário do expediente e até mesmo festas com o uso de bebidas alcóolicas. A coordenadora
disse não saber até que ponto vai continuar a falta de moral diante de todos.
Tal carta foi remetida à Irmã Anne Marie Speyer, que por sua vez, a enviou a Dom
Manoel Tavares por tratar o assunto como bastante grave e que merecia atenção especial do
mesmo. A Secretária Geral do programa educacional pede que apure os fatos, demitindo o
funcionário responsável em seguida. Em resposta, no dia 16 de setembro, o Bispo de Caicó
afirmou não considerar as denúncias feitas bastante graves ao ponto de precisar de sua atenção,
que na verdade não percebeu nada que merecesse denúncia por parte da Coordenadora
Administrativa. O Bispo concluiu afirmando que no Sistema MEB – Caicó não havia
funcionário que merecesse a demissão, e que quando a denunciante disse “não saber até que
ponto vai continuar a falta de moral diante de todos”, atribuiu ao mesmo o pecado da omissão.
Lamentou faltar à Maria Solange Dutra da Cruz a identidade cristã que tanto a enriqueceria,
aprimorando-a na arte de fazer equipe, pois coordenar não significava mandar, realizar projetos
ou exigir demissões.

192
A Bischofliche Aktion Adveniat (Ação Episcopal Adveniat) é uma organização de ajuda aos católicos na
Alemanha. Desde que foi fundada em 1961, com as doações da Alemanha, a organização de ajuda apoia a
Igreja na América Latina em seu trabalho pelos pobres, desfavorecidos e minorias. Com foco na educação e
formação de profissionais da igreja, apoia as associações religiosas e leigas, além de promover meios de
comunicação religiosos independentes do Estado e a economia.
193
CARTA do Padre José de Vasconcellos, Movimento de Educação de Base, Rio de Janeiro, 20 de junho de 1977.
Arquivo Cáritas. Acesso em 07 jun. 2021.
101

Um dia após o ocorrido, Dom Manoel Tavares remeteu carta à Maria Solange Dutra da
Cruz com a seguinte mensagem: “Estou enviando para seu conhecimento duas cópias de cartas
que fiz à Irmã Anne Marie Speyers. O motivo que me leva é provar a sinceridade com que trato
as pessoas. Sem mais. Caicó, 17.09.1977.”
Essa situação foi assim esclarecida, no entanto, se tornava cada vez mais crescente tantas
outras que passaram a comprometer o andamento do programa. Sobre isso, Marlúcia Paiva nos
aponta que os transtornos inerentes ao MEB se iniciaram na década de 1960, quando ainda em
1965 o programa educacional e o movimento sindicalista foram muito visados, e passaram a
sofrer pressão das forças que assumiram o poder em 1964, isso por desenvolverem atividades
consideradas subversivas na época, no mesmo ano as verbas foram se tornando mais raras, e
em 1966 ocorreu o fim do convênio com o MEC, assinado em 1961 para ter vigência de 5 anos,
causando assim o corte quase que total dos recursos194.
Nesse momento podemos compreender melhor como se deu a participação do programa
Alimentos para a Paz junto aos programas na temporalidade em questão, uma vez que os
convênios firmados entre os governos garantiram que houvesse o funcionamento das atividades
propostas por eles. No caso do Movimento de Educação de Base no Seridó, ainda que não
tenham sido encontrados registros do fim de sua atuação por completa, como em Natal ele
funcionou até 1987, embora de forma muito resumida, isso nos remete à certeza de que a
colaboração que o programa recebeu foi válida e suficiente para levar o mesmo a continuar
oferecendo suas atividades ainda por um tempo considerável e de maneira proveitosa para os
que precisaram.

194
PAIVA, Marlúcia. Sociedade, educação e religião: o caso da ação educativa da Arquidiocese de Natal (1944-
1964). Revista Educação em Questão, 7(1/2), 107-123, p. 117.
102

4 OBRAS NO SERIDÓ POTIGUAR: SINÔNIMO DE FRENTES DE EMERGÊNCIA

4.1 As “Frentes” como refúgio dos trabalhadores de rede nas costas

O fenômeno da seca entre as décadas de 1960 e 1970 trouxe em seu contexto uma
grande preocupação sobre como alimentar tantos necessitado. Com o passar dos anos,
observou- se que a criação de programas de ajuda não era o suficiente. Com isso, foi notada a
necessidade de oferecer emprego a tantos flagelados e desvalidos195, que tomados pela fome e
desespero, agora praticavam ações de vandalismo. Diante disso, surgiram as Frentes de
Trabalho, uma ação que tinha tantos propósitos, mas que para o sertanejo era a promessa de
uma vida digna emenos sofrida.
O início das secas na década de 1960 afetou consideravelmente o Nordeste brasileiro.
Com isso, o Rio Grande do Norte sofreu com perdas graves tanto nas lavouras quanto nos
rebanhos. As medidas de enfrentamento dos efeitos da escassez de recursos hídricos seguiam
três linhas: a intensificação na construção de açudes e obras complementares, o aumento da
construção de estradas de rodagem e de ferro e o incentivo à emigração para outros estados,
principalmente nas áreas onde o desemprego assumiu grandes proporções. Tal dinâmica era
responsável por garantir a ocupação e os meios de subsistência da população naquele
momento196.
Nesse intervalo de tempo, todo o Nordeste já contava com uma vasta rede de açudes
construídos, além de um significativo número de estradas. No entanto, a seca cada vez mais
colaborou para a desestruturação da agropecuária nessa região, levando uma multidão cada vez
maior de flagelados para as Frentes de Trabalho, totalizando um terço da população empregada
no setor primário dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, evidenciando a
ineficácia do método utilizado no combate às secas no longo prazo197.

195
Segundo Araújo, 2019: Estes eram os termos que as autoridades provinciais utilizavam em seus relatórios para
se referir à população que migrava para a Cidade do Natal no período da seca. Ao consultar os dicionários,
percebemos o modo como estas palavras os estigmatizava, pois, flagelado quer dizer pessoa que vive em
péssimas condições de vida e desvalido é o que não tem valia, amparo, poucos recursos para a sobrevivência,
pobre. O último termo nos faz pensar também nas próprias medidas que as autoridades adotavam para lidar
com essa população, pois se algo ou alguém não tem valia, se torna um problema para o Estado e uma maneira
de reverter isso era destinando essa massa populacional a trabalhar em obras públicas como os açudes, tendo
em troca uma dieta alimentar que, como veremos adiante, era pobre em nutrientes essenciais para um bom
funcionamento do metabolismo, ocasionando em doenças carenciais como beribéri e escorbuto. Disponível
em: https://www.revistas.usp.br/revistaingesta/article/view/164573. Acesso em 25 dez. 2021.
196
DUARTE, Renato. S. (Org.). A seca de 1958: uma avaliação pelo ETENE. Fortaleza: Banco do Nordeste;
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2002a. (Série Estudos sobre as Secas no Nordeste, v.1). p. 33.
197
CAVALCANTE, Clovis V; PESSOA, Dirceu M. A seca de 1979-1980: uma avaliação pela Fundação Joaquim
Nabuco. Fortaleza, Banco do Nordeste; Recife, Fundação Joaquim Nabuco, 2002. (Série Estudos sobre as secas
103

Pereira Neto (2017) identifica uma série de benefícios socioeconômicos diretos e


indiretos relacionados à construção de açudes no semiárido brasileiro. Segundo o autor, esses
tendem à redução do impacto das secas, proporcionando um suprimento estável do recurso
hídrico, assim como o desenvolvimento de atividades agrícolas irrigadas e de vazante,
juntamente as atividades de lazer, criação e produção de peixes198.
Ainda neste sentido, Faria (1978), se referindo aos açudes dos municípios de Jardim e
Serra Negra (localizados na região do Seridó potiguar), ressaltou que a partir da construção
desses sistemas de engenharia, os espaços se transformavam em verdadeiros núcleos de
adensamento humano, áreas potenciais para o desenvolvimento socioeconômico e/ou das
condições necessárias para a existência e sobrevivência da vida. Podendo ser caracterizados
como verdadeiros núcleos de convergência humana para onde se dirigiam as levas de sertanejos,
quando assolados pelos períodos severos de seca199.
Ao nos depararmos com tais afirmações, percebemos o quão essas construções eram
necessárias nas décadas passadas. Todas as principais atividades de subsistência, bem como
diversas obras dependiam da construção dos açudes por ser necessário o armazenamento de
água. E ao serem determinadas tais obras, surgia um significativo fluxo de trabalhadores rumo
às inumeras Frentes de Trabalho que às circundavam.
Ante tal discussão, pensamos ser necessário esclarecer uma interrogação que sempre
esteve presente durante as apresentações e pesquisas sobre a temática aqui discutida. Qual seria
o termo mais usual: “Frentes de Trabalho” ou “Frentes de Emergência”?
Era sempre muito comum, ao nos debruçarmos sobre documentos institucionais, que
tratam da elaboração das Frentes, encontrarmos a nomenclatura Frentes de Trabalho. Com o
andamento das pesquisas e a presença de documentos manuscritos menos formais, bem como
relatos apresentados em obras e fontes hemerográficas, tal termo sempre era substituído por
Frentes de Emergência. Tal disparidade permaneceu até que Ana Maria Queiroga Fausto Neto,
nos ajudou a compreender melhor.
A autora parte de que as Frentes de Emergência constituem-se em ações extremas que
visam garantir o alimento e trabalho das populações rurais historicamente já submetidas a
precárias condições de alimento, trabalho e vida, onde tais condições crônicas na Região, se
agudizam nos períodos de seca, comprometendo o nível mínimo de sobrevivência física dos

no Nordeste, v.3). p. 33.


198
PEREIRA NETO, Manuel Cirício. Perspectivas da açudagem no semiárido brasileiro e suas implicações na
região do Seridó potiguar . Sociedade & Natureza, v. 29, n. 2, p. 285–294, 2017, p. 289.
199
FARIA, Oswaldo Lamartine. Os açudes dos sertões do Seridó. Natal, Coedição Fundação José
Augusto/Coleção Mossoroense, 1978, p. 43.
104

indivíduos e famílias, principalmente os segmentos despossuídos de terra e os pequenos


produtores. Para ela, tais Frentes se configuram como ações conjunturais que efetivamente não
atuam sobre as questões estruturais às quais se articulam os problemas do trabalho e do alimento
no meio rural regional. São formas históricas de ação empreendidas pelo Estado e pelas
populações rurais nordestinas para garantir alimento e trabalho nos períodos de estiagem200.
Segundo ela, a dimensão mais importante a ser considerada na análise das Frentes de
Emergência é a referente a gestão estatal da força de trabalho e o desvendamento das
configurações que assume o assalariamento que foi implantado nas regiões atingidas pela seca,
através dos programas de Emergência, assumindo por sinal um caráter também publicitário da
intervenção estatal em época de crise mais aguda gerado pela seca201.
As Frentes de Trabalho foram criadas pelos órgãos estaduais para abrigar trabalhadores
dos mais diversos segmentos e lugares. No entanto, ao estarem inseridas em regiões de extrema
necessidade humana e tendo que estarem como parte constitutiva dos programas emergenciais,
estas passaram a ser rotuladas como Frentes de Emergência, não só pelo tipo de serviço que
passaram a ofertar às regiões assoladas pela seca e suas consequentes misérias, mas
principalmente por constarem como sendo os principais pontos de socorro aos flagelados vindos
de diversos lugares.
Segundo Cândido (2012), as obras às quais essas pessoas estavam habitando durante o
período da seca, eram um espaço disciplinador e violento, pelo fato de que, quando as chuvas
voltavam ao sertão, “uma debandada geral de trabalhadores retornava para os roçados,
provocando nova ‘falta de braços’, dificultando e mesmo levando à interrupção os trabalhos
nas obras”. O autor aponta que, a partir da criação do atual Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS), foi possível melhorar a assistência aos flagelados, uma vez que a
maior demanda de mão de obra para apoio às obras lançadas pela referida instituição, alargou
as chamadas Frentes de Trabalho de contratação de flagelados, mantendo simultaneamente
incentivos de migrações para a Amazônia. E relembra a seca de 1958, quando meio milhão de
pessoas foi posto a trabalhar em obras de emergência. Fato que se repetiu com a seca de 1970,
na qual o Governo criou mais de meio milhão de postos de trabalho, criando novas
oportunidades no Nordeste, especialmente por meio dos projetos de irrigação e abertura de
estradas aprovadas em 1971 pelo Programa de Integração Nacional (PIN) e pelo Programa de

200
NETO, Ana Maria Queiroga F. As frentes de emergência e o movimento dos saques : atenuação e expressão
do conflito no meio rural paraibano. João Pessoa, Mestrado em Ciências Sociais/UFPB, 1985, p. 5-6.
201
Ibidem, p. 7-8.
105

Redistribuição de Terras (PROTERRA)202.


Muitas eram as especulações referentes às Frentes de Trabalho. É o caso de Molle
(1994), que a partir da análise de uma série de discursos voltados sobre o assunto, referiu-se às
mesmas como sendo mais um exemplo das ações governamentais, que davam aos grandes
proprietários de terras a oportunidade de terem suas propriedades envoltas em benefícios, uma
vez que, haviaum jogo de cooperação enriquecedor, mesmo diante da seca203.
Ao fazer uso de uma figura de linguagem intrigante, Oswaldo Lamartine referiu-se à
seca como “a velha de chapéu grande”, aquela que já em 1860 castigava os sertões, e fazia com
que o cidadão sofrido usasse seus ferros de trabalho (pás, picaretas, chibancas, enxadas,
alavancas e marretas) para levantar os açudes na busca do seu ganho. Esses personagens por
ele intitulado de “trabalhadores de rede nas costas”204, são os mesmos que, se abrigando debaixo
dos pés de pau de melhor sombra, quando existiam, protagonizaram um triste episódio da seca
voraz que por tanto tempo se alastrou por solo seridoense205.
A essa altura os emigrantes nordestinos já vinham sendo fortemente representados na
literatura, pois a mídia acabou sendo o palco em que o retirante ganhou maior visibilidade,
confrontando alertas, argumentos e dimensões da tragédia que se estabeleceu.
Para o resgate desse período, focamos sobre a temática a partir dos jornais Diário de
Natal, Correio Braziliense e Diário de Pernambuco, pois os jornais nos fornecem informações
sobre o período de 1960 e 1970 no Rio Grande do Norte, onde através da Hemeroteca Digital
Brasileira, realizamos pesquisa com base nos termos “sertão”, “seca” e “retirante”, o que nos
proporcionou relevantes contribuições.
Um destes periódicos, o Correio Braziliense, apontou a falta de apoio ao povo
nordestino como sendo a principal causa das mortes ocorridas, uma vez que a seca era algo
natural ao espaço. O jornal enfatizou a intensa atividade do clero local voltado para as
comunidades pobres. Padres, bispos, arcebispos e freiras foram mostrados como aqueles que
constantemente tomavam a dianteira para encontrar soluções para problemas graves, quer nas
secas, quer nas inundações. Foi destacada a ação de Dom Eugenio Salles, encarregado de
promover ações no Seridó, uma área intitulada de “esturricada”, que mesmo sendo
semidesértica produzia em grande quantidade o melhor algodão brasileiro e um dos melhores
202
CÂNDIDO, T. A. P. Operários das secas: retirantes e trabalhadores de ofício em obras de socorro público
(1877-1919). Mundos do Trabalho, 3(6), 176-193, 2012. doi: 10.5007/1984-9222.2011v3n6p176, p. 190.
203
MOLLE, François. Marcos Históricos e Reflexões sobre a Açudagem e seu Aproveitamento. Recife:
SUDENE,DPG. PRN. HME, 1994, p. 36.
204
Dizem do trabalhador nômade que se desloca em busca de serviço. O fato de caminharem com seus trastes
enrolados na rede de dormir que conduzem a tiracolo, gerou a designação.
205
FARIA, Oswaldo Lamartine de. Açudes dos sertões do Seridó. Natal: Fundação José Augusto, 1978.
(Coleção Mossoroense, v. 56), p. 19-21.
106

do mundo. Caicó foi apontado como o mais importante município da região, grande produtor
de laticínios, e que compunha o árido Seridó, humanizado a partir da teimosia dos rio-
grandenses do Norte. E segundo o noticiário, foi naquele semi-deserto, repleto de açudes, boas
fazendas, muito leite, algodão, batata-doce e boas capineiras206, que o clérigo através de um
plano gerenciou inúmeros hectares de terra, gerenciando-os em prol das criaturas desamparadas
do interior207.
Percebemos esse grupo que compõe a seca, como grande problema regional, onde a
mídia, quer pela dramatização do efeito sobre os retirantes, em que o efeito de catástrofe ganhou
evidência no agendamento midiático, quer pela atenção social e política do tema, fato que abriu
espaço à intervenção e às medidas emergenciais. Referente a isso, Ferreira (2020) chama
atenção para as diversas notícias desse período que davam conta das inúmeras tentativas de
promover ações de saúde voltadas aos retirantes de modo a evitar a proliferação de doenças por
toda a população208.
Em 10 de janeiro de 1965, o Diário de Natal apresentou a matéria intitulada “Retirantes
do interior em Natal continuam vítimas do desamparo”. O jornal apresentou uma parte da
sociedade que, antes em número reduzido, passava despercebido, mas com o agravamento da
fome, a cidade teria adquirido um ar deprimente, onde as ruas repletas de homens, mulheres e
crianças pedindo esmolas começavam a preocupar os natalenses pelo grande número de mortes
que iniciaram. Muitas mortes não tinham causa definida, enquanto que outras aconteciam por
desespero, muitas pessoas tiraram suas vidas se atirando contra automóveis por exemplo209.
Documentos encontrados no 1º BEC, demonstram que no período citado, o estado do
Rio Grande do Norte sofreu com surtos endêmicos. De forma destacada na cidade de Caicó,
ainda no ano de 1965, aconteceu uma campanha de vacinação contra tifo e varíola, a mesma
iniciou no dia 18 de fevereiro, indo até o dia 25 do mesmo mês, quando atendeu de início todos
os soldados do Grupamento “A” da referida instituição. Lembrando que esses soldados sempre
estavam envolvidos em ações emergenciais tipo; distribuição de água em comunidades

206
Capineira é um local plantado com forrageiras para corte que produz grande quantidade de matéria vegetal.
Essas forrageiras são geralmente utilizadas na época da seca, período de maior escassez de alimentos.
Disponível em: Jornal Dia de Campo,
http://www.diadecampo.com.br/zpublisher/materias/Radio.asp?id=23116&secao=Multim%EDdia. Acesso
em 19 dez. 2021.
207
FALTA de apoio é que mata os nordestinos. Correio Braziliense, Brasília, 10 de maio de 1960, p. 03.
Acesso em: 15 ago. 2021.
208
FERREIRA, José Gomes; PAIVA, Anna Lidiane Oliveira; MÉLO, Anastácia Brandão de. Representações dos
retirantes das secas do Semiárido nordestino. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 55, Edição especial -
Sociedade e ambiente no Semiárido: controvérsias e abordagens, 2020, p. 21-22.
209
RETIRANTES do interior em Natal continuam vítimas do desamparo. Diário de Natal, Natal, 10 de janeiro
de 1965, p. 04. Acesso em: 07 dez. 2021.
107

carentes, transporte e distribuição de alimentos, fato que justifica os soldados terem sido
atendidos como prioritários na campanha de imunização210.
Era previsível que diante do grande número de trabalhos alocados em um único lugar
problemas surgissem durante o funcionamento das Frentes de Trabalho, logo no início da
implantação das mesmas foi percebido a insuficiência de alimentos para suprir a necessidade
de tantas pessoas. O Correio Braziliense apontou que, na ocasião, mais de sessenta por cento
do Nordeste brasileiro se encontrava no chamado Polígono das Secas, uma região sujeita a
fatores meteorológicos que produziam excesso ou ausência de chuvas. A partir disso, há relatos
de que uma experiência foi realizada no interior baiano, se expandindo para todo o Nordeste, o
que amenizou o problema da escassez de alimentos ainda que momentaneamente. Na cidade de
Caculé, a Aliança para o Progresso, SUDENE, USAID e governo da Bahia pagou metade do
salário dos trabalhadores em alimentos e a outra metade em dinheiro foi fornecida pelo governo
baiano e pelos Estados Unidos.
A experiência beneficiou grande número de trabalhadores e suas famílias, a maior parte
pequenos agricultores que passaram a se dedicar à construção de açudes, estradas, pequenos
aeroportos, etc. O programa de Frentes de Trabalho, ainda em fase de implantação, foi mostrado
como aquele que empregaria 20 mil trabalhadores na Bahia, 15 mil na Paraíba e 12 mil
trabalhadores no Rio Grande do Norte, além de 3 mil em Alagoas, e outros 3 mil no Ceará. As
Frentes de Trabalho, que utilizavam grande número de pessoas desempregadas ou
temporariamente deslocadas de sua atividade principal se enquadravam perfeitamente dentro
da utilidade do programa Alimentos para a Paz, instrumento da Aliança para o Progresso211.
À medida em que as Frentes de Trabalho se expandiram pelo Nordeste era muito
comum as notícias a despeito de uma suposta indiferença por parte da SUDENE com relação a
algumas áreas atingidas pela estiagem. O Secretário do Governo do Estado, Coronel Leão Filho,
encarregado da coordenação de medidas a respeito da seca, disse tratar-se de grande injustiça
tais acusações contra o órgão, uma vez que o mesmo distribuía igual tratamento a todas as áreas
necessitadas. Na ocasião, apontou algumas ações da SUDENE em números, adiantou que 30
mil homens já se encontravam empregados em Frentes de Trabalho, dentro da “operação
estiagem”, e que outras frentes seriam criadas em todo o estado nos próximos meses.
Acrescentou ainda que a maior dificuldade enfrentada pela SUDENE se refletia no
abastecimento de gêneros alimentícios para atender aos milhares de flagelados sertanejos

210
1º BECnst. Histórico da O.M. 1965-1969. Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó, p.330. Acesso em 08 mar.
2021.
211
ALIMENTOS para a Paz como parte de salários no NE. Correio Braziliense, Brasília, 30 de outubro de 1965,
p. 01. Acesso em 19 dez. 2021.
108

responsáveis pela mão de obra, mas que para sanar tal dificuldade já dispunha do apoio do
programa de “Frentes de Trabalho com Alimentos para a Paz”, ação apoiada pela USAID-
Nordeste212.
Mesmo diante de tal exposição, foi impossível remediar o grande problema intitulado
pelo jornal A folha como “o grande problema do Nordeste” e especialmente do sertão. O ano
de 1967 iniciou trazendo uma grande expectativa a respeito da incerteza entre um ano de seca
ou inverno, pois a medida que alguns otimistas apontaram março do corrente ano como o mês
da volta das chuvas, outros mais desconfiados alardeavam a continuação da seca, isso pelo fato
de grande parte da população carente estar enfrentando muitas dificuldades, e além disso, o
gado começou a alimentar-se de xique-xique na falta de pasto. Porém, não demorou muito e
chegaram em Caicó dois Generais do Grupamento de João Pessoa e o Superintendente da
SUDENE, Rubem Costa, que acompanhados de outros auxiliares resolveram extinguir as
Frentes de Trabalho. O prefeito Inácio Bezerra fez forte apelo pela continuidade dessas Frentes,
tendo em vista o grande número de desempregados que iriam inchar a cidade. Como resposta,
o prefeito ouviu de Fernando Mota, da SUDENE que, como as chuvas estavam por vir, logo
não haveria necessidade de empregar recursos para amparo dos flagelados. Não demorou muito,
e logo vários trabalhadores se colocaram em frente à prefeitura de Caicó procurando por
trabalho213.
Por mais que os últimos acontecimentos a respeito do desligamento de algumas Frentes
de trabalho tenham sido bastante claros, como aconteceu em Caicó, causando desespero e
vandalismo entre os flagelados, a SUDENE talvez na tentativa de amenizar as possíveis
consequências dessas ações, noticiou que não acabou com as Frentes de Trabalho. Gilberto Sá,
Diretor do escritório da SUDENE no Rio Grande do Norte, disse que as oito Frentes criadas em
algumas cidades do interior do Rio Grande do Norte em 1966 ainda perduravam, tendo apenas
sofrido uma redução nos homens que trabalhavam nas mesmas. Disse ainda que em virtude da
colheita do algodão e do inverno que chegou um pouco atrasado, os homens por livre vontade
abandonaram as Frentes de Trabalho, tendo restado ainda um total de 3.600 dos homens
ocupantes. Uma redução bem significativa, se levarmos em consideração os 30 mil homens
alistados só no Rio Grande do Norte até 1966, como vimos anteriormente. Por esse motivo,
Gilberto Sá afirmou que não seria possível a abertura de novas Frentes, muito menos o
alistamento de novos trabalhadores nas já existentes, tendo em vista que para isso, a seca deveria

212
SUDENE não vem relegando problema da seca a segundo plano: desmentido. Diário de Natal, Natal, 24 de
maio de 1966, p. 06. Acesso em 08 dez. 2021.
213
SUDENE veio a Caicó acabar frentes de trabalho: Presentes Generais e alta cúpula da Sudene. A Folha, Caicó,
11 de janeiro de 1967, p. 01-03. Acesso em 08 dez. 2021.
109

estar realmente declarada, fato que segundo eles só se consolidava quando no período de um
ano as chuvas não caiam até o final do mês de março214.
Ainda que as notícias oficiais carregassem uma oratória amenizadora e tranquilizante,
os jornais da época se encarregaram de mostrar outra realidade, repleta de dramas vividos pelos
trabalhadores dessas Frentes. O ano de 1967 apresentou uma situação bem dramática vivida
pelos que compunham essas organizações ao trazer nas páginas de uma edição do Diário de
Natal, o relato de um trabalhador de uma Frente de Trabalho criada pelo Departamento de
Estradas de Rodagem (DER) na cidade de Santa Cruz, no interior do Rio Grande do Norte. Uma
entrevista fornecida por um senhor chamado Celestino, que aos 63 anos disse receber um salário
de fome (2 mil cruzeiros), um pouco de água suja e uma cuia de feijão, que na maioria das vezes
era vendida para comprar remédio pra sua esposa doente, revelou as péssimas condições a que
ele, sua esposa e seus 5 filhos estavam expostos nessa Frente.
O entrevistado relembrou que na maioria das vezes tudo era insuficiente, o que levou
muitas vezes seus filhos a pedir esmolas pelas ruas da cidade. Tais fatos, interligados à rotina
de trabalho de doze horas debaixo de sol e gritos de responsáveis pelas turmas, fizeram com
que, a partir do olhar triste e cansado daquele homem, as críticas principalmente do povo se
tornassem bem mais frequentes, dada a forma que essas pessoas eram tratadas215.
A situação se tornou cada vez mais inflamável. A seca deixou de ser um problema
natural e começou a ser tratado também como um problema econômico, tendo em vista que
sempre eram alegados problemas com repasses e valores dos ítens necessários ao
funcionamento das Frentes. No meio de tudo isso, uma população desesperada que não media
esforços para obter uma solução a seu favor. As manchetes dos jornais eram claras e cada vez
mais traziam fatos que representavam o desespero dos precisados e a falta de interesse dos
políticos em resolver a situação.
Edward Thompson colabora com suas ideias ao nos dizer que:

Em todas as sociedades, naturalmente, há um duplo componente essencial: o


controle político e o protesto, ou mesmo a rebelião. Os donos do poder
representam seu teatro de majestade, superstição, poder, riqueza e justiça
sublime. Os pobres encenam seu contrateatro, ocupando o cenário das ruas
dos mercados e empregando o simbolismo do protesto e do ridículo216.

214
SUDENE diz que não acabou com as Frentes de Trabalho. Diário de Natal, Natal, 27 de janeiro de 1967, p.
08. Acesso em 09 dez. 2021.
215
DRAMÁTICA a situação dos operários nas “Frentes de Trabalho”: Dois cruzeiros novos e uma cuia de feijão.
Diário de Natal, Natal, 16 de fevereiro de 1967, p. 10. Acesso em 09 dez. 2021.
216
THOMPSON, Edward Palmer. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da
Unicamp. 2001, p. 239.
110

Tal ponto de vista alicerça diversos fatos ocorridos durante boa parte do período em que
as Frentes de Trabalho estiveram na ativa. Ainda no Nordeste, o Rio Grande do Norte continuou
sob insistente seca e a população elevou significativamente o contingente de flagelados. Nesse
momento, o governo dos Estados Unidos além de estar presente na administração Walfredo
Gurgel através do “Programa de Frentes de Trabalho com Alimentos para a Paz”, também
ofereceu assistência administrativa através de encontros regionais de prefeitos e seminários de
administração municipal. O programa, fruto de um acordo entre os governos dos Estados
Unidos e do Brasil, fez com que o Rio Grande do Norte intensificasse a quota de Alimentos
para a Paz a ser usada como parte do pagamento de salários de trabalhadores assentados nas
Frentes de Trabalho. Tal programa prometeu proporcionar empregos, elevar o nível nutricional
dessas pessoas, além de ajudar o desenvolvimento econômico e social do Nordeste. O programa
se comprometeu em assistir as Frentes, sendo que essas deveriam realizar um número cada vez
maior de obras, já que o total de trabalhadores assentados chegaram na época a ultrapassar 200
mil homens destinados aos mais diversos tipos de obras, e sua maioria destinados à construção
de açudes, que com a assistência da ANCAR chegaram a planejar 500 açudes, ocupando cerca
de 15 operários cada um, totalizando emprego para 40 mil homens por dia217.
Documentos referentes à administração das Frentes de Trabalho por parte do
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e pelo Departamento de Estradas
de Rodagens (DER), apontam a composição de algumas dessas Frentes, isso partindo do
montante de operários, as condições de trabalho, as atividades desenvolvidas, até como estes
eram conceituados a partir do trabalho que desenvolviam.
Em 1976, a jornada de trabalho era de 8 horas diárias, registrada através da assinatura
de ponto, e o salário líquido da época era referente a 502 Cruzeiros, sendo deste já descontados
impostos referentes ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), pago quinzenalmente
em moeda, na própria Frente de Trabalho e não na cidade onde estivesse localizada, fato que
pode ter ocorrido não só a partir da dificuldade de locomoção desses trabalhadores até a zona
urbana, ou pelo simples fato de que talvez a grande leva de trabalhadores com aspecto
desagradável adentrando nas cidades não fosse algo bem visto pela classe política e mais
beneficiada naquele momento218.
Em uma das páginas do relatório está escrito o título “Natureza do Trabalho” e como

217
ASSISTÊNCIA aos municípios eleva os padrões de vida do trabalhador. O Poti, Natal, 02 de fevereiro de 1969,
p. 05. Acesso em 09 dez. 2021.
218
O documento manuscrito (relatório) encontra-se no Acervo de documentos da Paróquia da Diocese de Caicó.
No primeiro andar do Centro Pastoral Dom Wagner, depositados em pastas plásticas e armários de ferro. Os
documentos do acervo não se encontram numerados por se encontrarem em processo de catalogação. Acesso
em 10 dez. 2021.
111

subtítulo, “Filosofia do Trabalho: Ser útil à comunidade”. Nesse ponto, percebe-se a introdução
dos trabalhadores como agentes responsáveis por desenvolver um trabalho de participação junto
ao Estado. Isso talvez como uma forma de fazer com que os mesmos desenvolvessem seu
trabalho de forma mais devotada, uma vez que se sentiriam responsáveis pela melhoria das
condições locais.
O relatório ainda apresenta as atividades a serem gerenciadas pelos órgãos responsáveis
pelas frentes de trabalho. Assim, o DER ficava responsável pelo desmatamento das faixas
laterais das estradas; decomposição dos aterros; fazer brita para construção de pontes; elevação
de aterro barragem; refazer aterros barragem arrancados e fazer paralelepípedos em tempo
oportuno. O DNOCS tinha como suas funções; a limpeza e acostamento das estradas; serviço
de canais; a fabricação de tijolos; calçamento das casas dos colonos, além da arborização de
colônia.
Havia uma lista de itens a ser evitados, e entre eles destacava-se a presença de
menores/escolaridade, certamente alegando que os menores de acordo com suas idades
deveriam estar frequentando as séries escolares e não atuando nas Frentes. Podemos observar
no documento as prioridades que deveriam ser respeitadas ao se compor os grupos de
trabalhadores. Entre elas consta que os homens deveriam ser casados, solteiros arrimo 219 de
família, e menores com mais de 14 anos/arrimo.
Nesses relatórios o homem era tratado como um sujeito que possuía valores
reconhecidos pelos chefes, sendo estes; respeitadores, dóceis, pacíficos, trabalhadores,
inteligentes e que, se sentiam honrados pelo trabalho, não podendo por isso ficar parados. Essas
eram as impressões que deveriam ser enviadas aos escritórios que geriam o programa, quando
na verdade a situação nas Frentes de Trabalho começava a se agravar.
Um dos muitos fatos que narram essa história e compuseram as páginas dos jornais
locais, foi quando no ano de 1967, não suportando mais a situação de miséria e descaso, 700
homens que há dias aguardavam em Santa Cruz no interior do Rio Grande do Norte ser alistados
pelo escritório da SUDENE, não obtendo resposta que deveria vir da cidade de Natal, como
informou o prefeito Clodoaldo Medeiros, por volta das 15 horas iniciou os saques à cidade. Um
depósito no centro foi o primeiro saqueado, suas portas foram arrombadas, pessoas foram
pisoteadas e durante 15 minutos as pessoas subtraíram todos os gêneros alimentícios do local.
Dalí a população faminta buscou novos lugares para repetir a cena, e só encerraram o episódio

219
Diz-se da pessoa que dá proteção, auxílio ou amparo. No caso do documento, quando o homem é solteiro e
responsável pelo sustento de uma família e, quando se é menor, mas está protegido por seus familiares. Ver:
BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. 3a Ed. São Paulo: FTD, 2016.
112

após intervenção da polícia que por ordem do delegado controlou os saques220.


O cenário composto para o futuro imediato do Nordeste era realmente dramático. As
pressões sociais tornaram-se explosivas e evidenciaram ser um risco para a segurança interna
do Brasil. Para o governo norte-americano, a conjuntura atual favorecia a possibilidade de uma
segunda Revolução Cubana, desta vez em solo brasileiro. Enquanto isso, as Frentes de
Trabalho continuaram sendo mantidas com recursos vindos da Aliança para o Progresso
destinados aos flagelados. No entanto, agora estavam presentes não só a fome, a má
administração e a exploração, também aumentaram os problemas de saúde, resultado das
péssimas condições às quais estavam expostos os trabalhadores.

4.2 As obras no Seridó: espaço para intervenções de desenvolvimento

A relação estabelecida entre a açudagem e o sertanejo é nitidamente algo histórico. Com o


fenômeno recorrente das secas, devido a irregularidade pluviométrica, medidas tiveram que ser
tomadas e o armazenamento de água em período propício tornou-se a principal das providências ao
longo de muitos anos. Vista como uma técnica capaz de suprir as necessidades básicas voltadas
para a subsistência da época, a açudagem representou não só uma forma de apaziguar tantos
problemas, mas também, representava o desenvolvimento daquele semiárido tão menosprezado.
Nesse contexto, o desenvolvimento tende a ser caracterizado como um processo
complexo de mudanças e transformações de ordem econômica, política e, principalmente,
humana e social. Sandroni (1994) já considera desenvolvimento econômico como crescimento
econômico (incrementos positivos no produto) acompanhado por melhorias do nível de vida
dos cidadãos e por alterações estruturais na economia. Para ele, o desenvolvimento depende das
características de cada país ou região. Isto é, depende do seu passado histórico, da posição e
extensão geográficas, das condições demográficas, da cultura e dos recursos naturais que
possuem221.
Tendo em vista o pensamento do autor, aliado às propostas dos planos governamentais,
destacamos que no primeiro plano diretor do Nordeste, elaborado pela SUDENE, nada se revelou
mais importante no planejamento de desenvolvimento da região do que uma política de
aproveitamento dos recursos hídricos222. A construção dos reservatórios de recursos hídricos no

220
OPERAÇÃO saque. Diário de Natal, Natal, 24 de janeiro de 1967, p. 10. Acesso em 10 dez. 2021.
221
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia. São Paulo: Atlas, 1994.
222
Partindo das prerrogativas de que o Governo Federal se tornaria a maior esfera pública de atuação no
Nordeste, e que haveria perda na eficiência dos investimentos públicos, a SUDENE elaborou seu primeiro
Plano Diretor que durou de 1961 a 1963 com o objetivo de estimular a economia nordestina. Diferentemente
113

semiárido brasileiro, como uma importante política de combate aos efeitos produzidos pela seca,
voltada para a manuntenção das necessidades básicas humanas e animal.
A região do Seridó potiguar destacou-se pela elevada quantidade de reservatórios de
água construídos ao longo de seu processo histórico, tendo sempre o objetivo de minimização dos
efeitos da irregularidade das chuvas e os efeitos causados pela seca. A região apresentava em
seu formato, uma localização estratégica das principais cidades, estando essas localizadas às
margens dos principais rios desde o período de sua colonização como nos mostra Neto (2017):

Mapa 2 – Mapa da açudagem no Rio Grande do Norte, com destaque à região do Seridó potiguar.

Fonte: https://www.redalyc.org/journal/3213/321353638008/html/. Acesso em: 23.05.2022

No mapa elaborado por Manoel Cirício Pereira Neto no ano de 2000, é possível perceber
no plano geral a região do Seridó como uma das principais áreas do estado potiguar a receber
investimentos para a construção de açudes públicos e privados. Segundo Molle (1994), é um
dos polos de maior e mais antiga concentração de açudes no país. Segundo ele, a força das
oligarquias políticas foi o principal incentivo para esse feito, sendo que quase sempre se
tratavam de grandes latifundiários, e, certamente, os maiores responsáveis peladisseminação de

das regiões Sul e Sudeste, o Nordeste, não mostraria ritmo acelerado de desenvolvimento econômico iniciado
pelo Plano de Metas de 1956.
114

tantas obras na região223.


Diante do exposto, tais fatos nos fazem discutir acerca dos recursos utilizados para a
construção de tantos açudes no semiárido brasileiro, bem como sobre os discursos e meios que
envolveram todo o contexto da açudagem na região do Seridó. Da mesma forma, que é
necessário lembrar que, durante muitos anos, tal temática surge elaborada por estudiosos.
Oswaldo Lamartine por exemplo, intitula a região do Seridó como”a zona mais açudada do
mundo”, e vai mais além quando destaca o município de Caicó como possuídor de mais de mil
barragens represando águas. Ao mesmo tempo em que o autor afirma a importância dessa
prática, se queixa do pouco repasse de informações obtidas junto aos órgãos técnicos. E ironiza
ao dizer que o DNOCS só oferece valor significativo junto à economia aos grandes açudes
públicos, ou particulares, mas que tenham sido construídos em cooperação com a mesma. E
para melhor exemplificar, apresenta tabela elaborada através de dados do DNOCS contendo as
principais obras construídas no Seridó até o ano de 1972224.

Tabela 3 – Açudes públicos construídos pelo DNOCS na região do Seridó – RN até dezembro de 1972.
Açude Município Capacidade (m3) Ano da Construção
Serra Negra Serra Negra do Norte 57.000 1915/1920
Zangarelhas Jardim do Seridó 7.916.000 1954/1957
Itans Caicó 81.000.000 1932/1933
Mundo Novo Caicó 3.600.00 1912/1915
Gargalheiras Acari 40.000.000 1912/1959
Acari Acari 285.000 1915/1917
Cruzeta Acari 29.760.000 1920/1929
Totoró Currais Novos 3.941.000 1932/1933
Currais Novos Currais Novos 3.815.000 1954
Sabugi São João do Sabugi 65.334.000 1965
Fonte: FARIA, Oswaldo Lamartine de. Os açudes dos sertões do Seridó. Natal/RN: Sebo Vermelho, 2012, p.
45.

Mas de certo, toda essa movimentação em torno da açudagem não se deu de forma
esporádica, havia uma lei que dispunha sobre créditos orçamentários destinados à defesa contra
as sêcas do Nordeste, regulamentando a construção de açudes, a lei nº 3.276, de 5 de outubro
de 1957 vetada pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek225.

223
MOLLE, François. Marcos Históricos e Reflexões sobre a Açudagem e seu Aproveitamento. Recife:
SUDENE,DPG. PRN. HME, 1994, p.22.
224
FARIA, Oswaldo Lamartine de. Açudes dos sertões do Seridó. Natal: Fundação José Augusto, 1978. (Coleção
Mossoroense, v. 56, p. 41-45.
225
Junto à documentação existente no Arquivo da Paroquiais da Diocese de Caicó, junto a outros documentos
encontra-se uma cópia datilografada da lei, em um total de cinco folhas de papel ofício, trazendo na margem
115

No intuito de melhor demonstrar como se deu a implementação das diversas obras que
receberam tantos trabalhadores nesse contexto, pensamos ser interessante relacionar alguns dos
pontos que compõem a citada lei, relacionando-os às ações contidas nas fontes estudadas
referentes ao período que discorremos. É exemplo, o artigo 9º, onde demonstra um montante
de Cr$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros) e Cr$ 10.000.000,00 (dez
milhões de cruzeiros), respectivamente, como investimentos concedidos pelo Governo Federal
destinados para o auxílio através da construção de obras de açudagem e irrigação em
cooperação com particulares, individualmente ou associados, e com entidades de direito
público, que aliado ao artigo 12º, apontava o DNOCS como responsável pela manuntenção dos
valores referentes não só pela aquisição de bens de serviços, mas também pelo pagamento do
salário destinado à toda a mão de obra empregada, podendo ainda adaptar esses valores quando
achar necessário.
Tais pontos nos chamam atenção pela significativa quantidade de vezes em que foram
citados nos registros do 1º BEC, sendo que de forma a reivindicar tais repasses que, na maioria
das vezes eram destribuídos com atraso, ou simplesmente não aconteciam, tendo como
consequência o desligamento da instituição junto à realização de serviços aos quais estavam
responsáveis de acordo com os convênios que foram firmados junto à SUDENE, sendo estes a
construção e manuntenção de açudes, a perfuração de poços públicos e abertura de estradas226.
A lei referente às ações contra a seca norteou as grandes secas vivenciadas pelo povo
nas décadas em questão, e movimentou muitos setores políticos administrativos do Seridó, uma
vez que era necessário uma constante vistoria dos serviços que estavam sendo desenvolvidos
nas regiões em estado de calamidade. Essas visitas geralmente eram realizadas por comitivas
compostas por chefes políticos e representantes de instituições envolvidas nas ações. A
exemplo, consta nos arquivos do 1º BEC, em primeiro de julho de 1963, a visita de Aluzio
Alves, governador do estado do Rio Grande do Norte. Segundo o registro da institução, o
mesmo realizou visita em busca de informações sobre as atuais missões que envolviam a seca,
bem como o funcionamento da companhia de construção227.
Na ocasião, também teria sido discutida a entrega de algumas missões que estavam
incumbidas ao 1º BEC: Rodoviárias: Rodovia Macau-Caicó-Patos, Rodovia Caicó-Serra

superior a assinatura “D. Manoel Tavares”. Para esse trabalho a lei foi consultada na íntegra no site da Câmara
dos Deputados: http://www.camara.leg.br/ Acesso em 27 maio 2022.
226
Referente aos convênios firmados entre SUDENE e o 1º Batalhão de Engenharia de Caicó, encontramos nos
registros oficiais da instituição, documentos referentes a 3 desses convênios, sendo o primeiro referente ao ano
de 1965, o segundo no ano de 1966, e o terceiro consecutivamente em 1967.
227
1º BECnst. Histórico da O.M. 1960-1964 (01.07.1963). Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó, p. 321.
Acesso em 08 mar. 2021.
116

Negra-Pombal, Rodovia Jardim do Seridó-Ouro Branco, Rodovia Santana do Matos-Jucurutu-


Florânia e Rodovia Pau dos Ferros-Alexandria-Patu-Brejo do Cruz, e Hidráulicas: Obra de
Valorização do Rio Carnaúba e barragem subterrânea “Dorival de Brito”, Abastecimento de
água de Acari, Açude Caldeirão de Parelhas e Açude Público Marechal Dutra.
É necessário destacar que todas essas obras foram devolvidas ao Departamento de Obras
Contra as Secas (DNOCS), não sendo possível sua realização como planejado, tendo em vista
a falta de verbas ou prazos definidos para a conclusão228. Como podemos perceber na
documentação oficial, a atitude do 1º BEC causou certa mobilização entre os envolvidos, pois
como a lei 3.276 claramente informa no seu artigo 37:

Art. 37 Em nenhuma hipótese as verbas consignadas no Orçamento da União


por conta dos recursos previstos no art. 198 da Constituição Federal deixarão
de ser aplicadas no "Polígono das Sêcas". Parágrafo único. As verbas não
distribuídas a qualquer título serão, automàticamente, no último trimestre do
exercício, consideradas lançadas à conta "Despesas da União" e creditadas ao
DNOCS no Banco do Brasil S.A., para sua aplicação no exercício seguinte229.

Não seria interessante para a região que esses recursos deixassem de ser utilizados,
então, fazendo valer o que expõe o artigo 17º da lei em questão que ordena que poderão ser
abertos e aparelhados poços, por conta dos recursos do DNOCS, na área do "Polígono das
Sêcas", para abastecimento público em cidades, vilas e povoados de mais de 500 (quinhentos)
habitantes, onde não exista num raio de 5 (cinco) quilômetros, açude público, curso d'água
perene ou manancial d'água potável, em 1965, é celebrado mais um convênio com a SUDENE,
quando iniciou-se a perfuração de poços públicos nos estados do Rio Grande do Norte e da
Paraíba.
O artigo 19º da mesma lei, diz que os suprimentos d'água, por meio de poços, à
instituição de beneficência, quando de inegável proveito para a coletividade, se estenderá, em
caráter excepcional, a critério exclusivo do Ministro da Viação e Obras Públicas, ou por sua
deliberação em face da proposta do Diretor Geral. Através da documentação produzida pelo 1º
BEC, pudemos perceber a intensificação das visitas de vistoria não só à cede da unidade, mas
também às obras iniciadas ou paralisadas.
Entre as muitas vistorias acontecidas a essas obras destinadas ao Seridó, e tendo como
sede o 1º BEC em Caicó, podemos destacar, a visita de inspeção do Ministro da Viação e Obras

228
1º BECnst. Histórico da O.M. 1965-1969 (03.04.1965). Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó, p. 329-330.
Acesso em 08 mar. 2021.
229
CÂMARA DOS DEPUTADOS, Legislação Informatizada - Lei Nº 3.276, de 5 de outubro de 1957 -
Publicação Original. Disponível em: http://www.camara.leg.br/. Acesso em 27 maio 2022.
117

Públicas, Juarez Távora, que em 6 de abril de 1965 esteve em Caicó, quando na ocasião
vistoriou o Posto Agrícola do Itans, acompanhado do Diretor Geral do DNOCS e outras
autoridades. Dias depois, no mesmo mês, mais precisamente em 13 de abril, compareceu ao 1º
BEC de Caicó para vistoria, o Diretor de Vias de Transporte, Octacílio Terra Ururay,
acompanhado de uma comitiva formada por oficiais e engenheiros com o intuito de discutir
trabalhos programados, trabalhos em execução e previsões de execução para o corrente ano.

Figura 8 – Visita do Diretor da Via de Transportes ao 1º BEC, General


de Brigada Otacílio Terra Ururay em 13 de abril de 1965.

Fonte: Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó. Acesso em:


11/03/2021.

Como se pode perceber pelas identificações na foto, era muito comum que, ao chegar
na cidade para vistoriar as ações promovidas para combate à seca, os responsáveis fossem
recebidos e acompanhados pelas autoridades não só políticas, mas também religiosas da cidade.
Como já citado em capítulos anteriores, havia uma certa discrepância entre os
representantes da SUDENE e do DNOCS, fato que não deveria ocorrer, uma vez que, sendo
esses membros dos convênios que deveriam apontar soluções e agir com celeridade para
retroceder os efeitos da seca, muitas vezes acabavam por causar impasses no desenvolvimento
das ações. Prova disso, foi quando em 1966, dias antes da visita do então Presidente da
República, Marechal Castelo Branco ao Rio Grande do Norte, que esteve na cidade de Caicó
para inaugurar obras intituladas como emergenciais pelos representantes da Casa Civil da
Presidência da República, a SUDENE declarou não haver necessidade de qualquer alteração
nas medidas que vinham sendo realizadas através do convênio vigente, bem como não apoiava
o pronunciamento de que o estado se encontrava em estado de calamidade. Porém, ao ser
procurado pela equipe do Diário de Natal para esclarecimentos, houve a informação de que tudo
118

funcionaria como anunciado pela equipe presidencial230.


Mesmo diante dos impasses, o Presidente Castelo Branco e sua comitiva chegaram a
Natal por volta das 13:30 do dia 21 de abril de 1966, uma quinta-feira, recepcionado pelo
Governador Walfredo Gurgel, cumpriu agenda planejada, e na manhã de 22 de abril, chegava
à cidade de Caicó por volta das 8 horas em um avião da Força Aérea Brasileira, sendo recebido
por autoridades locais. O presidente esteve na sede da prefeitura, de onde partiu para o açude
Itans, para a inauguração de um posto de piscicultura, em seguida partiu para a cidade de São
João do Sabugi, onde inaugurou o açude Sabugi, construído pelo DNOCS. Partiu de São João
do Sabugi para Caicó por volta das 10:45, onde embarcou no avião com destino ao Ceará, onde
inaugurou o açude Banabuiú231.

Figura 9 – Visita do Presidente Castelo Branco à Caicó-RN


em 22 de abril de 1966.

Fonte: Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó. Acesso


em: 11/03/2021.

Tantas visitas oficiais fizeram parecer que tudo estava funcionando como determinavam
as leis, porém, demorou pouco para que surgissem novos fatos e reivindicações sobre o
andamento das ações contra a estiagem. Menos de dois meses após a visita do Presidente da
República ao Seridó, quando foram anunciadas novas medidas por parte da SUDENE e DNOCS
relacionadas ao enfrentamento da seca, o Diário de Natal trouxe notícias de uma sessão
ordinária do Poder Legislativo, quando o requerimento do deputado Paulo Gonçalves apelando

230
SUDENE não apoiará “estado de emergência”. Diário de Natal, Natal, 13 de abril de 1966, p. 06. Acesso em
30 maio 2022.
231
CASTELO chega à Natal amanhã às 13:30. Diário de Natal, Natal, 20 de abril de 1966, p. 01. Acesso em 30
abr. 2022.
119

à SUDENE para a descentralização das Frentes de Trabalho em pequenas frentes por todos os
municípios atingidos pela estiagem gerou uma breve discussão. Na ocasião foram tecidas
considerações e críticas a SUDENE, usando como base Acari, seu município, o autor esclareceu
que ao ser instituída uma única Frente de Trabalho para atender outros municípios
circunvizinhos, um grave problema social foi criado. Afirmou que, não só o feito deixou as
pessoas fora do seu lugar de trabalho, como também comprometeu os pequenos vencimentos
de cada um, pois estando distande de suas famílias, tiveram que fazer suas feiras, gastando
aquilo que já era insuficiente para a sua sobrevivência.
Ocasionalmente, o deputado Olavo Montenegro rebateu, criticando a SUDENE, ao
destacar a burocracia e excesso de tramitação nos projetos, esquecendo a Superintendência da
urgência na execução para a formulação e execução de políticas para o Nordeste. Ainda o
deputado Álvaro Mota teceu comentários a respeito dos limites de admissão de trabalhadores
nas Frentes de Trabalho existentes, pois em vários municípios o limite era de mil trabalhadores,
quando na verdade já existiam mais de 3 mil flagelados em volta desses locais pedindo trabalho
e comida232.
Com inúmeras reuniões e visitas registradas no aquivo do 1º BEC, as comitivas sempre
compostas por renomados políticos, militares e engenheiros, também tornou-se frequente as
visitas de estudantes de universidades públicas, como Universidade Federal de Pernambuco e
Universidade Federal da Paraíba, componentes do Projeto RONDON233, que através do novo
convênio celebrado entre o DNOCS e o 1º BEC em 05 de maio de 1967, quando instituiu a
perfuração de poços públicos, deu a estes o direito de visitarem as Frentes de Trabalho assistidas
pela instituição militar, fossem no Rio Grande do Norte ou no estado da Paraíba.
Entre as visitas mais celebradas ao 1º Batalhão de Engenharia de Caicó, constatamos, a
partir da vasta documentação, a visita do Ministro dos Transportes, o Coronel Mário Andreazza,
em 25 de janeiro de 1968. Na ocasião, foi montado um forte aparato para receber o Ministro e
sua comitiva, a partir do cerimonial encontrado nos arquivos, pudemos observar que, mais do
que um momento de pompa para as instituições envolvidas, o momento também servia, não
só para reivindicar o que estava previsto nas leis que fundmentavam os convênios existentes,

232
CRITICADA na Assembleia a atuação da SUDENE nas frentes de trabalho. Diário de Natal, Natal, 10 de
junho de 1966, p. 09. Acesso em: 30 maio 2022.
233
Com o objetivo de levar a juventude universitária para conhecer a realidade multicultural e multirracial do
Brasil e oferecer a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento social e econômico das regiões mais
carentes do país, nasce em 1967, o Projeto Rondon. Idealizada nos bancos escolares da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército. A operação piloto foi planejada pelo professor Celso Chiori, reitor da antiga
Universidade do Estado da Guanabara, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O Projeto foi extinto
em 1989, quando o Ministério do Interior, obedecendo a um decreto presidencial, deixa de realizar as
atividades.
120

ms também um momento para demonstrar as ações estabelecidas ao longo de todos os anos em


que o 1º BEC atuou como parte integrante das ações não só contra as secas, mas também nas
medidas paliativas quando se tratava do armazenamento de águas, construção e manutenção de
estradas, além da perfuração de poços e cuidados com a população.
A seguir podemos analisar parte do material elaborado quando da visita de Mário
Andreazza:

Figura 10 – Missões do 1º BEC nos estados do Rio Grande do Norte e Paraíba – Brasil.

Fonte: Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó. Acesso em: 11/03/2021.

O mapa contém indicações de diversas intervenções realizadas. Não nos cabe aqui
analisar todos os itens, mas compreender a relevância do papel institucional do 1º BEC junto à
órgãos como o DNOCS e a SUDENE durante o processo tido como de intervenção perante os
efeitos naturais, também noticiados como progresso pelos meios comunicativos. O mapa trouxe
para para a ocasião que foi produzido, um demonstrativo de ferrovias, perfuração de poços e
construção de casas construídos através dos convênios já mencionados. O mapa elaborado pelo
engenheiro responsável foi, notadamente, um demonstrativo das obras realizadas, mas também
uma forma de assegurar a continuidade dos investimentos. Constatamos que, em meio a esse
conjunto de fatos, permanece a questão da importância de descobrir esse território,
incorporando outros olhares a partir de dados aqui expostos e ainda pouco trabalhados. Ferreira,
Dantas, Simonini (2012) nos remetem ao fato de como as informações obtidas através dos
mapas pode ajudar a entender tanto o que significou essa abordagem, mais importante ainda,
no contexto da formação da dimensão técnica das secas, como foi enfrentada e superada.
121

Produzidos no âmbito de acordos políticos para expor informações de transformação e de


construção do território e, do esforço institucional, técnico e intelectual das elites para o
conhecimento desse território brasileiro e nação234.
É necessário destacarmos, que, dentro do contexto por nós pesquisado, e a partir dos
documentos obtidos, nos foi apresentada uma intensa participação dos militares atuando junto
das instituições responsáveis por gerir os recursos e obras no período. Tal feito não foi algo
isolado ou impensado, diante das inúmeras vistorias às quais pudemos analisar e algumas aqui
expostas, a grande maioria era composta por autoridades militares. Pois bém, a década de 1960
está historicamente demonstrada como o período em que o governo absorve um caráter militar
e, diante disso, esses oficiais estiveram a frente de importantes cargos, mais ainda quando o
setor de obras emergenciais era um batalhão de engenharia, batalhão esse que estava inserido
dentro dos acordos que envolviam o governo norte americano. As relações diplomáticas e o
acordo militar entre o Brasil e os Estados Unidos haviam se estabelecido ainda na década de
1950 através do governo Getúlio Vargas e se fortalecido ainda mais a partir da Aliança para o
Progresso.
Assim sendo, em 24 de abril de 1968, o Comando do 1º BEC deslocou-se de sua sede
em Caicó rumo à cidade de Souza no vizinho estado da Paraíba, onde tinha como missão receber
oficiais norte americanos, que vinham visitar a Unidade e inspecionar material enviado recebido
através do Acordo Brasil – Estados Unidos da América235. Do ponto de partida a comitiva fez
deslocamento aéreo para Caicó, permanecendo por 4 dias consecutivos nas cidades de Currais
Novos e Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte, retornando para Caicó às 20 horas do
dia 29 de abril de onde retornaram para o estado da Paraíba. Ao detalhar a estadia desses
americanos em solo potiguar, é exposto que a comitiva percorreu tais cidades por via terrestre,
tendo como objetivo inspecionar os trabalhos executados pela instituição através dos convênios
assinados, bem como observar as condições dos “acampamentos”236 de terceirizados

234
FERREIRA, Angela Lúcia; DANTAS, George Alexandre Ferreira; SIMONINI, Yuri. Cartografia do (De)
Sertão do Brasil: notas sobre uma imagem em formação – séculos XIX e XX. Revista Electrónica de
Geografía y Ciencias Sociales, v. 16, n. 418, 2012.
235
Acordo assinado em 15 de março de 1952 pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos, chefiados,
respectivamente, por Getúlio Vargas e Harry Truman, com o objetivo de garantir a defesa do hemisfério
ocidental. Com o título oficial de Acordo de Assistência Militar entre a República dos Estados Unidos do Brasil
e os Estados Unidos da América, estabeleceu basicamente o fornecimento de material norte-americano para o
Exército brasileiro em troca de minerais estratégicos. Foi denunciado em 11 de março de 1977 pelo governo
do presidente Ernesto Geisel, deixando de vigorar um ano depois. FGV.CPDOC:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/acordo-militar-brasil-estados-unidos-1952.
236
Segundo Lara Vanessa de Castro os acampamentos eram locais destinados aos trabalhadores-cassacos e suas
famílias. Nestes, os recursos e bens de uso coletivo podiam variar bastante, principalmente entre as obras dos
açudes e das estradas. Em comum havia a necessidade de os trabalhadores improvisarem por si próprios, e o
mais rápido possível, um lugar para morar, descansar e preparar seus alimentos no momento inicial de
122

localizados às margens das obras iniciadas237.


Ao que tudo indica, faz parecer que, assim como a SUDENE aos poucos começou a
desmobilização das Frentes de Trabalho, as ações por parte dos convênios, que sempre
mostraram certa irregularidade no cumprimento dos acordos, começavam também a
enfraquecer. Ainda no ano de 1968, por ocasião da visita Ministro dos Transportes, o Coronel
Mário Andreazza, o 1º BEC elaborou um detalhado relatório, nele, constavam dados referentes
ao montante das obras desenvolvidas por parte dos conveniados, as áreas envolvidas, pessoas
responsáveis, valores, a importância das diversas obras para a região e estado, mas trazia
principalmente, as dificuldades de seguir com o que seria necessário para o Nordeste. Em
determinado momento, o relatório expõe a importância da perfuração de poços:

Após o período de “inverno”, e à proporção que decorre o “verão”, a água


passa a constituir uma das principais preocupações das populações
nordestinas, quer a rural, quer a urbana. A água subterrânea de comprovada
existência em grande abundância no Nordeste Brasileiro é a mais solução mais
consentânea, que se poderá encontrar para o problema relacionado com a
carência do precioso líquido. O aproveitamento da água armazenada no sub-
solo do Nordeste é vital para o seu desenvolvimento238.

Logo após a exposição de uma série de fatos relevantes envolvendo o Nordeste, o


documento expõe uma seção intitulada “dificuldades”, segundo o relatório, eram problemas que
não se aplicavam apenas às dificuldades com a perfuração de poços, mas abrangia tadas aquelas
ações destinadas para melhorias no polígono das sêcas.
Na ocasião, foi exposto que o atual sistema de desembolso, ou seja, o repasse do
montante destinado para a execução dos serviços, que teoricamente deveria ser pago em 12
parcelas durante o ano, ou em 6 parcelas pagas a cada 2 meses, normalmente não acontecia.

instalação das frentes de serviço. Após isso, os acampamentos em torno dos açudes poderiam dispor de postos
de saúde, com tratamento médico, odontológico e nutricional, enfermarias, maternidades e melhor
abastecimento de água, dada a própria necessidade que a aglomeração existente nestas obras exigia. Vale
lembrar que, nas frentes de serviço das estradas, as moradias eram móveis, pois acompanhavam o próprio
movimento da construção. As barracas mudavam de local de acordo com a finalização de cada trecho da obra,
assim, desarmavam-se e armavam-se cabanas com bastante regularidade, o que tornava essas habitações algo
mais improvisado ainda. Mesmo não fazendo parte das preocupações que permeiam a memória dos
trabalhadores, é importante salientar que trabalhar nos açudes significava morar em barracas mal ordenadas,
sem higiene e com o mínimo para a sobrevivência, mas ser alistado em serviços de estradas era viver de forma
ainda mais precária e improvisada, acampamentos de paus, cipós e folhas, apertadas e sem regularidade no
fornecimento de água. Cassacos: trabalhadores na luta contra a fome e a degradação nas obras públicas em
tempos de secas (Ceará, anos 1950), 2016, p.112-117. ITEM 1
237
1o BECnst. Histórico da O.M. 1965-1969 (02.05.1968). Arquivo 1o Batalhão de Engenharia Caicó, p. 371.
Acesso em 08 mar. 2021.
238
RELATÓRIO elaborado por ocasião da visita Ministro dos Transportes, o Coronel Mário Andreazza ao 1o
BEC em 25.01.1968. Arquivo 1o Batalhão de Engenharia Caicó, p. 05. Acesso em: 01 mar. 2021.
123

Destacou também a situação dos diaristas que passavam até 4 meses sem receber vencimentos,
tento que viver do que o Serviço de Assistência Social (SAS) do Batalhão pudesse oferecer
através de seus armazéns, uma situação que gerava um grande mau-estar, levando repercussões
altamente negativas para a Unidade, tendo em vista a desigualdade de tratamento entre estes e
os funcionários da instituição. Além disso, expôs a situação dos pequenos empreiteiros que
trabalhavam para o Batalhão, que por não receberem dinheiro, não podiam continuar o
fornecimento de gêneros para os funcionários.
Com o passar dos anos, e de acordo com os relatórios por nós analisados, as obras que
contavam com o apoio do 1º BEC aos poucos foram se exaurindo. De certo, permanecia a
inconstância do repasse referente aos recursos dos convênios estabelecidos entre a instituição,
o DNOCS e a SUDENE, o que levou por muitas vezes ao encerramento ou repasse das
atividadesde. Em 31 de novembro de 1973, tornou-se pública mais uma transcrição nos
relatórios oficiais do 1º BEC. Na ocasião, serviços equivalentes à perfuração de poços nas
cidades do Seridó, que deveriam ser assistidas pela SUDENE através do 8º convênio, foram
entregues pela unidade de Caicó ao 3º BEC, devendo esse agora, se tornar responsável por
receber o equipamento, bem como o pessoal necessário ao cumprimento da missão. Chama
atenção no documento, o fato de que essas pessoas destinadas para a conclusão das obras, agora
deveriam ser pessoas especializadas, diferente dos demais documentos, onde aparecem por
diversas vezes a necessidade da convocação de trabalhadores terceirizados para trabalhar nas
obras. A falta da chegada dos recursos gerou a desconfiança do comércio que procurou vender
seus artigos a preços bem elevados ao Batalhão, e muitas vezes, por falta de pagamento
imediato, chegou a negar a venda de materiais essenciais como; explosivos, mantimentos e
oxigênio. E diante da irregularidade na liberação dos recursos, também na construção de
estradas, tornou-se quase impossível manter o rítmo contínuo do trabalho e o cumprimento das
missões anuais239.
Diante dos fatos, percebemos que a situação se tornou cada vez mais desordenada. A
seca permanecia, e agora deixou de ser um problema natural, ganhando características de um
grande problema socio econômico. Não havia mais a estrutura articulada em décadas anteriores,
e tantas irregularidades apresentaram ao homem sertanejo o seu maior medo, o fim de uma
assistência representada pelas Frentes de Trabalho. Em novembro de 1970, intensificou-se as
notícias que a SUDENE iniciaria as dispensas. O Ministro do Interior José Costa Cavalcante
declarou que, agora os flagelados teriam dias de folga remunerados, para que pudessem preparar

239
RELATÓRIO elaborado por ocasião da visita Ministro dos Transportes, o Coronel Mário Andreazza ao 1º BEC
em 25.01.1968. Arquivo 1º Batalhão de Engenharia Caicó, p. 01-02. Acesso em 01 mar. 2021.
124

as suas terras para o inverno que segundo eles se aproximava. O Diário de Natal trouxe a
seguinte notícia:

a desmobilização das frentes de trabalho em todo o Nordeste será em ordem


progressiva, dependendo apenas, das chuvas que forem caindo em toda a
região. Inicialmente, vamos dar mais um dia de folga ao flagelado para ele ter
melhores condições de preparar sua terra e aguardar o inverno de 1971240.

Em poucos meses, o Diário de Natal noticiou a desarticulação de todas as Frentes de


Trabalho existentes no Rio Grande do Norte. Afirmou que tudo aconteceu normalmente, que as
últimas 13 frentes existentes no Estado, englobando um total de 10 mil homens foram
desmobilizadas na mais completa ordem, e que agora, o Estado seria beneficiado com bens,
como por exemplo, viaturas que antes serviam à SUDENE como forma de apoio. Os
discursos oficiais surgidos acerca dos flagelados encerraram como se toda aquela realidade
sombria nunca tivesse existido. Porém, as Frentes de Trabalho não deixaram de existir
definitivamente, pois com o agravamento de outras secas, essas tornaram a surgir em número
e proporções bem menores, e ainda abastecidas pelo Programa Alimentos Para a Paz, que
mesmo com o período de desarticulação das Frentes, continuaram enviando mantimentos para
que fossem utilizados junto à população carente241.
Sobre isso, documentos existentes no Arquivo Paroquial da Diocese de Caicó, nos
apresentaram relatórios referentes à atuação do DNOCS, SUDENE, DER e governo dos
Estados Unidos em Frentes de Trabalho ainda ativas no ano de 1976. Com relação ao 1º BEC,
a Revista Verde Oliva, no ano de 1980, ao fazer importante síntese sobre a atuação do
Grupamento em ações voltadas para o apaziguamento das secas e cheias, apresenta dados de
sua participação ainda no ano de 1979, junto à construção, ampliação e recuperação de 30
açudes, 814 KM de estradas recuperadas, perfuração de 14 poços, além da construção e
recuperação de outras obras. A revista apresentou que, a “Operação Emergência/79”, através
de convênio celebrado com a SUDENE, empregou nesse período um total de 13.000 pessoas,
tendo todos, ofertado à população nordestina atingida pelas calamidades públicas o apoio de
que as mesmas necessitavam242.
Dessa forma, sem alardes e com sutis declarações oficiais, enquanto os sertanejos

240
SUDENE começou dispensas nas “frentes de trabalho”. Diário de Natal, Natal, 19 de novembro de 1970, p.
04. Acesso em 07 jun. 2022.
241
SEM anormalidades, frentes de trabalho foram extintas. Diário de Natal, Natal, 16 de abril de 1971, p. 01.
Acesso em 17 ago. 2018.
242
REVISTA Verde Oliva. Gabinete do Ministro do Exército. Assessoria de Relações Públicas Brasília, abril de
1980, nº 49, p. 04.
125

continuavam a busca por oportunidades em seu próprio território, as instituições responsáveis


por elevar o progresso, deixaram de lado os objetivos apresentados em documentos como a
Carta de Punta del Este, que tanto impulsionaram programas e foram referência para o
crescimento econômico e a modernização de territórios abatidos pela calamidade, como era o
caso de todo o Polígono das Secas.
Abatido pela inclemência do clima e tendo a sobrevivência como acalanto, o sertanejo
sabia que aquelas obras que atuavam, talvez trouxessem algum progresso, mas que não se
destinaria a todos, pelo menos não a eles. A elite dominante do Nordeste conseguiu ver em toda
aquela infraestrutura moldada por capitais estrangeiros e nacionais, o engrandecimento de toda
uma estrutura de poder local surgida em consequência dos órgãos públicos envolvidos no
contexto e oferta de serviços. Os problemas dessa região pareceram ter sido “estancados” ou
pelo menos essa foi a ideia que se quis mostrar diante da incompreensão que circulava os
flagelados, e as estratégias que facilmente surgiam do meio político como supostas soluções
para os males e incentivo para o tão aclamado progresso.
126

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nossa dissertação procurou discutir como a implementação de programas e a


realização de obras públicas no sertão nordestino se tornou algo tão decisivo na sobrevivência
de parte dos moradores mais pobres da região, tendo associado a isso o fato de que toda essa
trajetória tem início na década de 1960 e se extende até a segunda parte da década de 1970,
quando o interior brasileiro enfrentava um quadro de calamidade social e climática. A partir
disso, foi promovido um extenso e dramático momento de migração por parte de uma massa
que buscava sobreviver diante das consequências naturais e provocadas pelo abandono da classe
política.
No momento, os Estados Unidos da América buscavam uma forma de intervir em alguns
países da América Latina, tendo como objetivo maior mediar formas de coibir o avanço do
comunismo. Sendo assim, o trabalho percorreu uma análise do discurso com enfoque político
– social historiográfico, uma vez que ao discutir conceitos como sertão, história política,
modernização e pobreza, foi capaz de tecer diferentes relatos sobre realidades opostas, e que de
certa forma se completavam em seus ideais e necessidades.
Os programas norte-americanos Aliança para o Progresso, Alimentos para a Paz e
Corpos da Paz, pareciam ser o “alívio” mais rápido a ser aceito pela população do sertão
potiguar, uma área vista como esquecida em alguns aspectos, mas que ao mesmo tempo, se
encaixava na proposta de ser um lugar modernizável. A constante insatisfação diante de fatores
desestabilizadores para os moradores da região, sendo esses, a fome, doenças, e muitas vezes a
morte, foi algo decisivo para tornar o Rio Grande do Norte, e consequentemente o Seridó, foco
maior de nossas pesquisas, ambientes perfeitos para as investidas internacionais.
Demonstramos, conforme o desenvolvimento da pesquisa, que esta inserção de
acontecimentos foi sendo moldada de forma rápida e consensual, pois, uma vez que as
necessidades eram urgentes, e havia um amplo interesse pelos governos dos dois países em
negociar a implantação dos programas através dos convênios firmados, não havia tantos
impasses com relação aos repasses de verbas e doações. Muitas vezes os problemas burocráticos
que pudemos analisar, tiveram origem nos momentos em que os ítens vindos do exterior
deveriam ser repassados ou distribuidos para seus lugares de destino.
Com relação ao recebimento de verbas e doações, conseguimos apontar o Rio Grande
do Norte como sendo o estado seridoense responsável pela maior aquisição desses bens. A
documentação utilizada nos apresentou dados preciosos quanto ao grande montante de envios
durante a temporalidade sugerida, a partir disso, pudemos traçar um paralelo de como funcionou
127

a distribuição de tudo isso, e que outras cidades do estado estiveram envolvidas nessas
negociações.
E nesse contexto, podemos analisar que, parte de uma elite política findou por ter
benefícios a partir das articulações que deveriam ter como único objetivo, promover melhorias
para os necessitados da seca e outros problemas sociais que se encontravam estabelecidos no
Seridó norte-riograndense. Melhorias essas a serem articuladas a partir dos convênios firmados
dentro dos ideais da Aliança para o Progresso no Rio Grande do Norte, ações essas sempre
alicerçadas a partir do discurso de boa vizinhança.
A implementação do programa Alimentos para a Paz, outro ponto significativo de nossa
pesquisa, surgiu para o sertão nordestino como várias possibilidades, apresentado como um
possível paliativo para as calamidades visíveis à época. Também é mostrado nos documentos
paroquiais e acervos da Hemeroteca Digital Brasileira, a partir dos jornais Diário de Natal e
Correio Braziliense, como mais do que um programa de doações, mas em determinado
momento, como alvo de investigações policiais e subsídio financiador para o pagamento de
trabalhadores alocados em obras espalhadas por todo o estado do Rio Grande do Norte. Isso
tudo reafirmando sempre os ideais de governo dos Estados Unidos, que aliado a esses fatores,
lança a visão da USAID, pautada em um regime de cooperação internacional “camuflado” de
desenvolvimento.
Paradoxalmente, surgem momentos oportunos que mostram um certo avanço na
administração pública, seriam eles: a construção de estradas, barragens, a açudagem e a
perfuração de poços, que demonstraram uma forma de realizar mudanças, mas que ao mesmo
tempo nos fazem perceber a estabilização dos programas em questão como uma ação oportuna
por parte dos governos americano e local, pois a partir do assistencialismo de baixo custo, aos
poucos os ideias governamentais foram sendo firmados, ao mesmo tempo em que, tornou-se
um feito cômodo para o povo que via nas atitudes temporárias uma forma de adquirir algo
básico que tanto lhes faltava no momento, trabalho e alimentação.
Ao analisar dados que apontam a atuação envolta aos programas surgidos na
temporalidade estudada, percebemos o quanto foi significativo para o desenvolvimento do
sertão, ainda que de forma esporádica e muitas vezes indireta, podemos observar que parte
significativa do que encontramos escrito referente à temática, surge como algo positivo. A
SUDENE e USAID, instituições responsáveis pelo gerenciamento das negociações entre tantos
programas entre Brasil e Estados Unidos consecutivamente, encaminharam a realização das
ações destes, em caráter de cooperação para o desenvolvimento, porém, nem sempre tais ações
planejadas funcionaram como deveria, que acabou por causar divergências e conflitos, tenham
128

sido eles, administrativos, ou populares, muitas vezes causados pela indignação, ou simples
disputa.
Seria esperado que tantos recursos destinados ao Rio Grande o Norte como um todo, e
para o Seridó, em sua maioria, alcançassem o objetivo exposto e as expectativas criadas, que
seria suprir as necessidades existentes. No entanto, diversos fatores contribuíram para o
descontrole da organização gestacional dos programas. Seriam estes fatores, apontados em
diversos pontos da nossa pesquisa, a instabilidade climática, a grande onda de desvios dos
recursos e mantimentos (indústria da seca), o descontrole na distribuição de material de
trabalho, o acometimento de muitos trabalhadores devido às péssimas condições de
sobrevivência nas áreas de trabalho, e a má gestação de recursos e distribuição de doações.
O Corpos da Paz surgiu como importante acréscimo no que diz respeito às relações
internacionais que se moldaram em torno dos convênios no período por nós propostos. A partir
da análise de obras e documentos paroquiais, conseguimos identificar a passagem de
voluntários norte-americanos por cidades do Seridó. Diante disso, é relevante destacar a atuação
dos mesmos em áreas como educação, saúde e serviços diversos. Compreendemos mais esse
programa como necessário, se pensarmos mais um meio de intervenção voltado para a
população do sertão potiguar, principalmente no Seridó.
E tendo em vista a importância das ações desenvolvidas na região do Seridó, não
podemos deixar de destacar o quanto foi grandiosa a realização de todas as obras desenvolvidas
nesse contexto tendo como instituição atuante o 1º Batalhão de Engenharia e Construção de
Caicó. O órgão esteve constantemente envolvido no desenvolvimento de serviços que serviram
de meio de interação entre as ações implementadas entre os governos aqui destacados, seja de
forma a auxiliar no transporte de doações, na articulação dos métodos administrativos, uma vez
que, por diversas vezes foi responsável pela articulação de importantes encontros políticos, mas,
principalmente foi responsável pela realização de obras que deram todo o suporte para que
negociações fossem feitas e obras realizadas, realizando assim a logística para que muitos
trabalhadores necessitados encontrassem um meio de sobrevivência. Tal institução apresenta
em sua própria documentação importantes parcelas colaborativas não só para esse estudo, mas
também para a historiografia local e temática.
Sendo assim, percebemos que a grandeza de tudo que por nós foi pesquisado e aqui
exposto em forma de estudo científico, aponta dificuldades, porém conclusões relevantes com
relação ao que nos propomos, tendo em vista a complexidade histórica e social
atribuída ao sertão por nós delimitado. Porém, hoje, são demonstrativos de uma pequena parte
do passado que iniciam um rompimento bem maior de antigos e importantes questionamentos
129

que não se encerram, pois, a partir desse estudo surge a possibilidade de novas perguntas,
críticas e dúvidas. Essa dissertação é apenas um começo.
130

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SUDENE não vem relegando problema da seca a segundo plano: desmentido. Diário de Natal,
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