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Os temas dos sambas podem vir a falar sobre fatos e acontecimentos da história, personagens
marcantes da história nacional e/ou mundial, pessoas ilustres que de alguma forma tenham
ligação com o pavilhão, etc. Uns dos recortes mais utilizados atualmente, para desenvolver o
conceito da narrativa daquele ano dentre os componentes, e intrigar as pessoas que assistem ao
espetáculo, é o uso da crítica social. Seja para falar sobre as mazelas da nossa sociedade, seja
para criticar o governo atual e despertar as pessoas a cerca de uma problemática, este vem
ganhando muito espaço, aceitação do público e muitas “notas 10” para a disseminação do
pensamento crítico, de forma descontraída e chamar a atenção dos indivíduos.
Em 2018 sob o tema “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”, Vieira foi muito sucinto ao
criticar os cortes feitos contra o Carnaval da cidade pelo então prefeito da cidade do Rio de
Janeiro, na época, Marcelo Crivella. Este que era contra o carnaval de rua e os desfiles na
Marquês de Sapucaí, por ser considerado uma época do ano em que milhões são gastos por
nada, já que achava os blocos de rua cenário para promiscuidade, e nas escolas de samba por
fazer muita alusão a temas relacionados as religiões de matriz africana, indo assim contra os
seus “princípios” já que o mesmo é praticante do protestantismo. Além deste ano, a mais
querida do planeta ter trago uma rainha de bateria com o figurino feito por pedaços de espelho
intencionalmente para debochar da situação, e um desfile menos pomposo como nos anos
anteriores, o samba-enredo não poupou nas alfinetadas já que o refrão dizia:
Neste ano a agremiação não se sagrou campeã, porém através de seu samba, contagiou milhões
de pessoas que ao seu espetáculo assistia, fazendo assim, com que a massa pusesse para fora,
todo o descontentamento com o atual governo da cidade, não só pelo impasse de verbas, mas
também por todo um conjunto de atitudes que Crivella estava tendo, e o povo não estava
gostando, em relação a decisões referentes a saúde e a educação, bem como a sua ideologia.
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No ano de 2019, ano em que agremiação venceu o carnaval, sob o título do samba “Histórias
para ninar gente grande”, a agremiação enalteceu diversos grupos importantes na história do
Brasil, como os índios e os negros, que foram retratados já na comissão de frente da escola, e
representados pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, e que de fato foram
personagens de extrema importância para o Brasil, mas que foram substituídos por portugueses
em livros didáticos, sendo retratados no samba como “invasores”, pela seguinte estrofe:
“[...]
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500
Tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato”
Outro ponto alto do desfile e do seu samba, foi a homenagem feita a Marielle Franco, socióloga
e política morta em 2018, que tinha como ideias contrárias a maioria dos políticos na época, e
que estava disposta a expor todos os esquemas fraudulentos e corruptos de que tinha
conhecimento a respeito de outros políticos. Marielle foi citada juntamente com personalidades
pretas importantes para a história da agremiação:
“[...]
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”
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Levando para a avenida o samba “A verdade vos fará livre” tema do carnaval da escola no ano
de 2020, já pelo título foi fácil supor qual personagem a escola de samba falaria, ou melhor,
criticaria, o presidente atual da República, Jair Messias Bolsonaro, que muito usa a frase em
seus discursos. A escola trouxe um Jesus negro e pop na comissão de frente, e seus amigos
negros de periferia como os discípulos. Eles dançavam passinho, uma subcategoria do funk
carioca, e fazia uma alusão de que o exército romano que crucificou Jesus fosse a polícia, pois
estes mesmos davam uma dura em Jesus e seus amigos, pelo fato de serem pretos, estes que
tem matado muitos jovens negros e pobres. Após terem decidido o tema e sido lançado o samba
oficial para a escola naquele ano, diversos grupos religiosos que apoiam o presidente, pediram
a proibição do mesmo. Além destes fatos acima apresentados, a rainha de bateria Evelyn Bastos
representou (e não sambou) um Jesus Cristo mulher, levantando a questão de que: E se Jesus
fosse um ser humano do sexo feminino, o Brasil estaria no topo do ranking dos países que mais
mata mulheres anualmente? Outro ponto super importante de ser destacado, foi de que a
agremiação levou um carro grandioso de um Jesus Cristo negro crucificado com marcas de
balas no lugar dos ferimentos tradicionais da reconstituição da crucificação. Definitivamente o
desfile e o samba foram um tapa no estômago de toda a sociedade que ali estava, pois além de
criticar Bolsonaro, que defende o porte de armas a todos que assim desejam com o intuito de
se defender, falou sobre racismo, preconceitos com pessoas de baixa renda, residentes de
comunidades e outros lugares menos favorecidos, além de falar outra vez sobre os índios e
qualquer tipo de intolerância, ou seja um ato de resistência transformado em samba. A crítica
a Bolsonaro foi feita de forma implícita, mas que quando o verso fosse cantado
automaticamente todos que ali estivessem, iriam saber para quem seria.
“[...]
Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem messias de arma na mão
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Além da Estação Primeira de Mangueira, outras escolas de samba do grupo especial, do Rio de
Janeiro, também já se fizeram valer do uso da crítica social de alguma problemática, para contar
algo de uma forma leve e divertida, como esta data comemorativa deve ser. Como a Paraíso do
Tuiuti em 2018, que fez um samba e um desfile que fazia um questionamento sobre uma época
triste da história, a escravidão e o racismo “Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão”.
Outra escola de samba que teve como um dos seus pontos o racismo e também o preconceito
com a mulher, foi a Mocidade Independente de Padre Miguel, que em 2020 fez uma
homenagem a Elsa Soares, com o enredo “Elsa, Deusa Soares” que retratou o período difícil
antes da carreira como bem os preconceitos que passava por ser mulher e negra. A Acadêmicos
do Salgueiro naquele ano também criticou o racismo ao falar de Benjamin de Oliveira, primeiro
palhaço negro que sofria preconceito pela sua cor, sob o enredo “O rei negro do picadeiro”. A
tricolor de Caxias, a Acadêmicos do Grande Rio em 2019, fez uma crítica a todos nós que
temos um “teto de vidro”, perguntando: “Quem nunca...? Que atire a primeira pedra”, que fez
pensarmos que não existe pecado, “pecadinho” e “pecadão”, ou seja, todos nós erramos de
forma igual. Ainda na Grande Rio, só que no ano de 2020, a escola expôs a intolerância que
muitas pessoas praticantes de religiões de matrizes africanas sofrem. “Tata Londirá - O canto
do caboclo no Quilombo de Caxias” era o seu tema, que ao falar de Joãozinho da Goméa
considerado o rei do Candomblé, levantou a crítica e puxou o refrão: “[...]Eu respeito o seu
amém; Você respeita o meu axé”. Já no grupo do acesso, a Acadêmicos de Vigário Geral trouxe
um palhaço Bozo com uma faixa presidencial, fazendo um gesto com a mão simbolizando uma
arminha se referindo ao presidente acima supracitado.
Diante disso, é correto afirmar que, o desfile das escolas de samba além de ser uma das formas
divertidas de expressão da arte popular brasileira, é um excelente jeito de nos divertimos de
todo tipo de problemas sofridos por nós brasileiros no dia a dia. E é através desse espetáculo,
conhecido como o mais bonito do planeta, que aproveitamos para fazer essa crítica de forma
irreverente e com um pouco de samba, ritmo que está presente na maioria dos brasileiros. E
assim, como já dizia a verde e rosa em seu samba de 2018: “Pecado é não brincar o carnaval”.
Referências: