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Um Retrato da Gloriosa Igreja de Cristo

Efésios:
Introdução

A Carta aos Efésios tem sido chamada de “o nal dali em certos períodos do ano. E os Jogos Pa-
livro mais profundo de toda a Bíblia”1, sem com- niônios, classificatórios para os Jogos Olímpicos,
paração com qualquer outra porção do Novo eram realizados anualmente em Éfeso, no mês de
Testamento”2. Estudiosos de outros livros da Bí- maio, e toda a população da região de Iônia recor-
blia, como Romanos, podem contestar essa eleva- ria para a cidade nessas ocasiões.
da estima, mas predomina o fato de que Efésios Em terceiro lugar, Éfeso era religiosamente im-
trata simplesmente do eterno propósito de Deus portante. Sua glória era o Templo de Diana, ou
e merece aclamação. Artemis (veja Atos 19:35), que ali estava havia
séculos. Esse templo era uma das Sete Maravi-
OS DESTINATÁRIOS lhas do Mundo Antigo. Tinha aproximadamente
90 metros de altura, 45 metros de largura e 130
A Cidade de Éfeso metros de comprimento. O templo era composto
Segundo William Barclay3, Éfeso era uma por 127 colunas de mármore, 36 das quais eram
cidade de grande fama no mundo do primei- revestidas de ouro, jóias e esculturas. Dentro do
ro século. Primeiramente, ela tinha importância templo havia o altar grande e atrás dele cortinas
comercial porque ficava na foz do Rio Cayster, de veludo. Atrás das cortinas havia a imagem de
tendo um excelente porto. Ela tirava proveito Artemis. Não se sabe a origem da estátua, mas
dos benefícios do comércio que os rios e o mar alguns acreditavam que ela havia caído do céu.
possibilitavam. Adicionalmente, três estradas O material da imagem provavelmente era de ma-
principais convergiam em Éfeso, transportando deira cipreste, cedro, ébano ou pedra. O nome
mercadorias do Eufrates, da Ásia Menor e do “Diana” pode remeter a uma deusa formosa, po-
Vale Meander. rém na verdade a imagem era grotesca. Barclay
Em segundo lugar, Éfeso era politicamente fez a seguinte descrição:
importante porque desfrutava de autonomia go-
vernamental dentro dos limites permitidos por ... a imagem era uma figura negra, agachada,
repulsiva. Tinha vários seios, símbolos de fertili-
Roma. A cidade não estava sob coação de um dade e segurava numa mão uma clava e na outra
destacamento de soldados romanos, e a popula- um tridente. Era uma figura estranha, nada atra-
ção elegia seus próprios governantes. Ao mesmo ente, esquisita; e na base dela haviam estranhos
sinais cujo significado ninguém sabia.4
tempo, Éfeso servia como centro de distribuição
da justiça romana; o governador presidia o tribu- A adoração no templo era histérica e cheia de
delírios emocionais. Era acompanhada pelas ati-
1
John Banister, “Messages of the Books of the New Tes- vidades mais vergonhosas e básicas imagináveis.
tament”, Fort Worth Christian College Lectures (1962), p. 152. Esse templo também era usado para se guardar
2
Adam Clarke, The Holy Bible with Commentary and Criti- objetos de valor, servindo como um banco. Tam-
cal Notes, vol. 6, Romans—Revelation. Nashville: Abingdon
Press, s.d., p. 449. bém era uma espécie de albergue para os piores
3
William Barclay, Letters to the Seven Churches. Nashville:
Abingdon Press, 1957, pp. 12–14. 4
Ibid., p. 15.

1
TEMPLO DE ARTEMIS – Uma coluna solitária do afamado Templo de Artemis é o
que resta entre as ruínas na moderna Éfeso. À direita, uma imagem de Artemis, a deusa
efésia, exposta atualmente no museu de Éfeso.

criminosos, levando Éfeso à notoriedade por con- lhe ensinaram a Palavra com mais exatidão (Atos
ta da perversidade e da impureza. Apesar disso, 18:24–26).
o apóstolo Paulo passou mais tempo nessa cidade Antes do ministério de Cristo, João pregara
do que em qualquer outro lugar em que pregou, e batizara pessoas para a remissão de pecados.
e foi ali que ele realizou algumas de suas maiores Por todo o deserto da Judeia, ele pregou “um
obras. batismo de arrependimento para o perdão de
pecados” (Marcos 1:4). Esse batismo visava pre-
A Igreja em Éfeso parar o povo para a vinda de Cristo (veja João
Segundo Atos 13 a 20, o apóstolo Paulo fez 1:19–51). Todavia, após a morte e ressurreição de
três viagens missionárias, cada uma começando Cristo e o começo da igreja em Atos 2, o batismo
por Antioquia na Síria. Frank J. Goodwin5 e Do- de João não deveria mais ser praticado. Tendo
nald Guthrie6 dataram essas viagens entre 45 e 58 em vista que Apolo ensinara somente o batismo
d.C. O relato da obra de Paulo em Éfeso encontra- de João em Éfeso, os que se tornaram cristãos em
se em Atos 18 a 20, o qual informa que ele chegou Atos 19 haviam recebido um batismo que já não
à cidade durante sua segunda viagem missioná- era válido.
ria. Paulo passou pouco tempo ali, mas antes de Enquanto verificava com os crentes efésios
ir embora prometeu voltar em breve (Atos 18:19– como era o relacionamento deles com Cristo,
21). Paulo perguntou-lhes: “Recebestes, porventura,
Em sua terceira viagem, em meados da déca- o Espírito Santo quando crestes?” (Atos 19:2a).
da de 50 do primeiro século, ele de fato voltou Quando responderam: “Pelo contrário, nem
a Éfeso. Encontrou ali certos discípulos que, sem mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo”
dúvida, haviam respondido à pregação de Apo- (Atos 19:2b), o apóstolo entendeu que eles não
lo. Apolo havia trabalhado em Éfeso, praticando haviam sido batizados da maneira certa. O batis-
apenas o batismo de João até que Áquila e Priscila mo que foi ordenado por Jesus e praticado des-
de a descida do Espírito Santo no Pentecostes,
5
Frank J. Goodwin, A Harmony of the Life of St. Paul. “em nome de Jesus Cristo”, incluía a promessa
Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1951; reprint, Ann do “perdão de pecados” e “o dom do Espírito
Arbor, Mich.: Cushing-Malloy, 1973, pp. 35, 87. Santo” (Atos 2:38). Sendo assim, Paulo instruiu-
6
Donald Guthrie, New Testament Introduction. S.p.: Tyn-
dale Press, 1970; reprint, Downers Grove, Ill.: Inter-Varsity lhes que fossem batizados “no nome do Senhor
Press, 1974, pp. 665–66. Jesus” (Atos 19:5). Este é um bom exemplo de

2
pessoas que, depois de serem batizadas, desco- AUTORIA
brem que não entenderam o propósito do batis-
mo e são por isso imersas uma segunda vez pelo Provas Internas
motivo correto. Dessa maneira, a igreja em Éfeso O autor de Efésios referiu-se a si mesmo como
foi plantada. “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus” (1:1a) e “Paulo,
Paulo continuou seu trabalho em Éfeso com o prisioneiro de Cristo Jesus” (3:1). A saudação e
judeus e gregos por cerca de três anos (Atos 19:8– a menção de seu nome no corpo da carta são ca-
10; 20:31), e assim “a palavra do Senhor crescia racterísticas do estilo de Paulo também em outras
e prevalecia poderosamente” (Atos 19:20). Após cartas9. Efésios contém muitas afirmações na pri-
uma revolta que irrompeu em defesa da deusa meira pessoa, dando ao leitor um auto-retrato do
Diana, Paulo saiu de Éfeso indo para a Macedônia autor:
(Atos 20:1); mas a igreja havia sido solidamente
Ele ouviu pessoalmente a respeito da fé dos lei-
plantada naquele período de três anos. Anos de- tores e do amor deles por outros cristãos [1:15];
pois, a caminho de Jerusalém, Paulo encontrou- ele expressa sua gratidão pessoal a Deus por eles
se com os presbíteros da igreja efésia em Mileto [1:16]; descreve a si mesmo como um “prisioneiro
e proferiu as comoventes palavras de despedida de Jesus Cristo” [3:1; 4:1]; destaca que está escre-
vendo sobre um mistério pessoalmente revelado
registradas em Atos 20:17–38. a ele [3:3–6]; apela para seu próprio chamado di-
vino para o ministério [3:7]; exorta os leitores a
A FORMAÇÃO DA IGREJA não se desanimarem por causa dos sofrimentos
atuais do apóstolo [3:13]; assume uma atitude de
Estudiosos geralmente são unânimes quanto humilde intercessão por eles [3:14–19]; confirma
a Paulo ter sido preso em Roma em duas ocasi- a necessidade de os leitores aderirem a um novo
ões. O Livro de Atos termina por volta do ano 61 estilo de vida e rejeitarem a antiga prática da ig-
norância e licenciosidade gentílicas [4:17–19];
d.C. com Paulo confinado numa casa em Roma, explica sua própria interpretação do “mistério”
onde ficou preso por dois anos (Atos 28:16–31). É [5:32]; solicita orações em favor de si mesmo para
evidente com base em Atos que Paulo desfrutava que seja um embaixador algemado provido de in-
trepidez para falar [6:19] e conclui com uma sau-
de considerável liberdade, dando continuidade dação pessoal [6:21, 22]. É com base nessas provas
aos seus esforços missionários e também aos seus persistentes e no relacionamento do autor com os
escritos. leitores que a personalidade de Paulo pode ser
satisfatoriamente traçada. De fato, esses aspectos
Durante a primeira prisão romana, Paulo es- parecem estar em harmonia com o que se diz dele
creveu o que pode ser chamado de “Cartas do em outras Epístolas.10
Cativeiro” ou “Epístolas da Prisão” – Efésios, Fi-
lipenses, Colossenses e Filemom. Essas epístolas Efésios segue o modelo paulino presente em
foram datadas por Henry Thiessen como tendo outras cartas do apóstolo, começando com agra-
sido escritas em 60–61 d.C.7 Guthrie, tendo exa- decimentos, prosseguindo para uma seção dou-
minado os prós e contras da possibilidade de que trinária e concluindo com aplicações práticas,
Paulo tenha sido preso em Éfeso e escrito estas exortações e assuntos pessoais. A linguagem tam-
cartas durante este confinamento, concluiu que bém é paulina. “Quase todas as sentenças pos-
as provas são inconclusivas. Sendo assim, ele sus- suem ecos verbais do que Paulo já disse em outra
tentou a opinião tradicional de que “As Epístolas ocasião.”11 Por exemplo, 78 dos 155 versículos de
do Cativeiro” foram escritas por Paulo durante a Efésios encontram-se em Colossenses em níveis
primeira prisão romana8. Efésios, Colossenses e variados de identidade12. A maioria dos estudio-
Filemom foram enviadas aos seus destinatários
com Tíquico e Onésimo, e Filipenses foi entregue
9
Compare as saudações de Romanos a Filemom.
Paulo ocasionalmente fez referência a si no corpo de uma
por Epafrodito. carta: veja 2 Coríntios 10:1; Gálatas 5:2; Colossenses 1:23;
1 Tessalonicenses 2:18; Filemom 9. Compare também as car-
tas em que o nome de Paulo aparece no fim: 1 Coríntios 16:21;
Colossenses 4:18; 2 Tessalonicenses 3:17; Filemom 19.
10
Guthrie, pp. 479–80.
11
Thiessen, p. 240.
7
Henry Clarence Thiessen, Introduction to the New Tes- 12
Charles Smith Lewis, “Epistle to the Ephesians” in
tament. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing The International Standard Bible Encyclopedia, ed. James Orr.
Co., 1943, p. 233. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
8
Guthrie, pp. 472–78. 1960, 2:959.

3
sos concorda que Colossenses é uma epístola au- cristãos, os quais passaram a respeitar os apósto-
têntica de Paulo, e a semelhança das duas cartas los.” Todavia, Paulo também incluiu a si mesmo e
reforça o fato de que Paulo escreveu ambas. aos cristãos efésios entre os “santos” (3:8).
4. “Efésios não contém saudações pessoais
Evidências Externas no fim da carta.” Isto só indica a intenção de que
Charles Smith Lewis escreveu: “Nenhuma a carta circulasse entre várias igrejas.
das epístolas que são atribuídas a... Paulo tem 5. “Há referências a ‘a igreja’ (veja 5:23–32),
uma sequência de evidências mais fortes a favor em vez de a alguma congregação local ou a con-
de sua autoria do que a que conhecemos como gregações.” Isto é incomum em Paulo, porém está
Epístola aos Efésios”13. A carta parece ter circu- em harmonia com o destino da carta.
lado amplamente na metade do segundo século 6. “Existem semelhanças com cartas não-
entre os cristãos considerados ortodoxos e here- paulinas.” Isto não refuta que Paulo tenha escrito
ges. Efésios, pois autores diferentes podem usar lin-
guagem similar quando escrevem sobre temas
Ela foi incluída no cânone formal mais antigo, o
de Marciom (ca. 140 d.C.), embora sob o nome
similares.
de “Laodicéia”. Sua origem paulina era nessa Em resumo, embora algumas vezes Paulo
época inquestionável, pois Marciom reconhecia possa ter usado um escriba para registrar suas
somente o apóstolo Paulo como autoridade. No mensagens16, não há evidência plausível de que
Cânone Muratoriano (ca. 180 d.C.) ela foi incluí-
da entre as Epístolas de Paulo. Ela faz parte das outro seria o autor dos livros do Novo Testamen-
Epístolas Paulinas nas evidências mais antigas to a ele atribuídos. Muitos documentos escritos
das versões latina e siríaca... Há vestígios de sua nos primeiros anos do cristianismo eram pseudo-
linguagem nos escritos de Clemente de Roma,
Inácio, Policarpo, Hermas e possivelmente no epígrafos17, mas o autotestemunho da Carta aos
Didaquê.14 Efésios suporta a posição em favor da aceitação
universal de que o autor da epístola é Paulo.
Objeções
A autoria paulina de Efésios nunca foi ques- PROPÓSITO
tionada até o surgimento da alta crítica cética no O propósito de Paulo ao escrever a carta aos
século XIX. As objeções à autoria de Paulo podem efésios era mostrar o eterno propósito de Deus
ser resumidas em seis categorias15: em Cristo e na igreja. Entre os versículos chaves
1. “Efésios contém quarenta e duas palavras do texto estão 1:9 e 10. Paulo anunciou que, se-
peculiares a ela, o que prova que ele não a escre- gundo o propósito de Deus, Ele revelou o misté-
veu.” Todavia, Paulo usou palavras peculiares rio de Sua vontade, o qual é unir o céu e a terra
a suas cartas reconhecidas. Se alguém escreves- por meio de Cristo. Paulo destacou as bênçãos es-
se duas cartas, uma sobre as provas em favor da pirituais que temos em Cristo (1:3–14) e orou por
existência de Deus e outra sobre a igreja, essa pes- mais entendimento desses privilégios (1:15–23).
soa usaria vocabulários diferentes. Tendo em vis- E também enalteceu o novo relacionamento que
ta que Paulo tinha propósitos diferentes em suas judeus e gentios tinham entre si e com Deus em
cartas, era de se esperar que ele usasse formas de Cristo por casa da ação divina mediante Cristo
expressão diferentes. (2:1–22). Paulo exaltou a revelação e a proclama-
2. “O termos ‘mistério’, ‘mordomia’ e ‘bens’ ção do evangelho por inserirem judeus e gentios
são usados num sentido novo nesta carta.” Esta no corpo de Cristo (3:1–9). Ele falou da igreja
é uma acusação duvidosa; mas, mesmo que fosse como instrumento divino para divulgar o plano
verdade, Paulo não era obrigado a usar um termo de Deus ao mundo (3:10–13) e orou para que a
sempre com o mesmo sentido. igreja cumprisse sua missão (3:14–21).
3. “A referência a ‘Seus santos apóstolos e
profetas’ em 3:5 (compare com 2:20; 4:11) indica 16
Paulo disse que ele escreveu as saudações de 1 Corín-
que o escritor pertencia à segunda geração de tios 16:21 e Colossenses 4:18 “de próprio punho”, indicando
que parece ter ditado o restante do conteúdo dessas duas
cartas.
13
Ibid., p. 956. 17
Pseudoepígrafos, que significa “escritos falsos”, refere-
14
Guthrie, p. 480. se a documentos forjadamente assinados por autores bem
15
Thiessen, pp. 240–41. conhecidos.

4
Quem Eram os Destinatários desta Carta?
A carta foi realmente enviada a Éfeso? Henry estilo usado por Paulo em suas outras epístolas.
Thiessen observou que fontes antigas incluindo o Após considerar as evidências, como expli-
Cânone Muratoriano, Irineu, Tertuliano, Clemen- car a presença das palavras “em Éfeso” em tan-
te de Alexandria e Orígenes falaram desta carta tos documentos antigos e a opinião dos cristãos
como a “Epístola aos Efésios”1. Todos os manus- primitivos de que esta carta foi endereçada espe-
critos com exceção de três contém palavras que cificamente à igreja em Éfeso? Thiessen4, Donald
significam “em Éfeso” na frase de abertura da Guthrie5 e outros comentaristas sugeriram as se-
carta (1:1). Também, todas as versões antigas in- guintes possibilidades:
cluem esta frase nas traduções. Vários escritores (1) “Paulo escreveu esta epístola como uma
primitivos consideravam que a carta foi escrita carta circular para a Província da Ásia.” Ele pode
aos efésios, independentemente de as palavras ter deixado uma lacuna após “que estão em” (v. 1),
“em Éfeso” constarem no texto original2. Este pa- para ser preenchida com a identificação da igreja
rece ser um motivo forte para se aceitar que os para a qual ela foi entregue ou para que nomes fos-
efésios eram os destinatários originais da epísto- sem inseridos em cópias da carta original. Segundo
la, porém há mais considerações a se fazer. esta teoria, quase todas as cópias existentes foram
Tratava-se de uma carta circular, enviada a várias feitas a partir do manuscrito em posse da igreja em
igrejas situadas na província da Ásia? Os três manus- Éfeso. Talvez a carta tenha passado a ser conheci-
critos gregos que não possuem “em Éfeso” são da como a Carta aos Efésios porque foi distribuída
Alef, B e 673. Os dois primeiros estão entre os três de Éfeso. Considerando que as palavras “em Éfe-
mais antigos e os melhores manuscritos existentes, so” estão ausentes dos manuscritos Alef e B (que
e o último é um bom minúsculo. Alguns exposito- representam o texto mais antigo), elas podem ter
res citam 1:15 como prova de que Paulo sabia da sido acrescentadas a versões posteriores.
conversão dos destinatários da carta somente por (2) “A carta foi enviada a Laodiceia.” Esta te-
relato de alguém. Isto parece estranho, pelo fato oria se baseia na referência de Paulo a uma carta
de que Paulo passara mais de três anos em Éfeso. a Laodiceia em Colossenses 4:16. Nada sabemos
Todavia, Paulo poderia estar se referindo ao cres- além disso sobre essa carta. Marciom, um teólogo
cimento deles na fé e no amor, desde de sua saída cristão do segundo século, falou de Efésios como
de Éfeso. Além disso, alguns se referem a 3:2 como “A Epístola aos Laodicenses”6. Todavia, não exis-
prova de que os efésios conheciam Paulo somente te um manuscrito que comprove a substituição de
por sua reputação. Todavia, poderiam ter ouvido “Éfeso” por “Laodiceia”.
falar do trabalho de Paulo dele mesmo. E entende- (3) “A carta foi escrita para a igreja em todos
se que 3:2–4 significa que os efésios teriam que jul- os lugares.” De um modo geral, pode-se dizer isto
gar, pelos escritos de Paulo, se Deus lhe dera ou a respeito de todas as cartas do Novo Testamento,
não uma revelação. Isto pode se referir simples- pois elas visam atingir a igreja também nos dias
mente à carta propriamente dita. de hoje.
Outra evidência de que Efésios poderia ser Conclusão. A opinião de Marciom de que a
uma carta circular é o fato de que Paulo não man- carta foi direcionada a Laodiceia e a ausência de
dou saudações pessoais, como era seu costume, a “em Éfeso” nos manuscritos Alef e B não refutam
uma igreja que ele conhecia tão bem. E a bênção em a evidência de que “em Éfeso” consta em outros
6:23 e 24 é afirmada de um modo geral na terceira manuscritos e versões antigas. Escritores mais an-
pessoa, em vez de na específica segunda pessoa, tigos mostraram que a carta era conhecida como
a Carta a Éfeso. Concluímos que a carta foi envia-
1
Henry Clarence Thiessen, Introduction to the New Tes- da a Éfeso e que sua mensagem visava alcançar a
tament. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing igreja em todos os lugares e épocas.
Co., 1943, p. 242.
2
Donald Guthrie, New Testament Introduction. S.p.: Tyn-
dale Press, 1970; reprint, Downers Grove, Ill.: Inter-Varsity 4
Ibid., pp. 243–44.
Press, 1974, p. 509. 5
Guthrie, pp. 510–12.
3
Thiessen, p. 242. 6
Thiessen, p. 244; Guthrie, p. 480.

5
Na segunda metade da carta – a aplicação de Paulo em Roma, por volta de 60–61 d.C.
prática do que ele disse na primeira metade –
Paulo instou seus leitores a cumprirem o propó- TEMAS
sito de Deus em Cristo e na igreja permanecendo O estudante da Carta aos Efésios, antes de
unidos na sã doutrina (4:1–6). Ele mostrou como embarcar num estudo do texto, se beneficiará se
Cristo equipou a igreja para a sua obra (4:7–16) anotar os vários temas que o apóstolo desenvol-
e enfatizou a necessidade de abandonar o velho veu na carta:
estilo de vida e viver a nova vida (4:17—5:21). O Regiões Celestiais. A palavra grega
apóstolo aplicou os princípios que ele mostrou a e˙pourani÷oiß, epouraniois20, traduzida por “regi-
maridos e esposas, pais e filhos, e servos e senho- ões celestiais” em 1:3, ocorre cinco vezes em Efé-
res (5:22—6:9). Depois, mostrou a necessidade do sios e significa literalmente “celestiais”21, sendo
cristão vestir a armadura de Deus e resistir ao dia- um adjetivo desacompanhado de substantivo. O
bo no fortalecimento de Cristo (6:10–20). E, final- termo “regiões” foi acrescentado pelos traduto-
mente, explicou a obra de Tíquico (6:21, 22) e deu res, tendo também como variável “lugares”. As
sua bênção (6:23, 24). Paulo, então, apresentou a “regiões celestiais” são onde se encontram todas
intenção daquela carta: anunciar o propósito de as bênçãos espirituais em Cristo (1:3), onde Cristo
Deus neste mundo por meio de Cristo e da igreja está exaltado à direita de Deus, sendo o cabeça
e animar os efésios a cumprirem o propósito de da igreja (1:20, 21), onde os que estão em Cristo
Deus em suas vidas. foram ressuscitados para se assentar com Cristo
(2:6), onde a igreja torna conhecido o propósito
DATA de Deus (3:10) e onde a igreja combate seus ini-
Quando Paulo escreveu Efésios, ele prova- migos (6:12). Por isso, a existência da igreja se dá
velmente estava preso em Roma (3:1; 4:1; 6:20). entre a ressurreição e a segunda vinda de Cristo
Tendo surgido uma heresia na igreja em Colossos, – ou seja, entre o que já ocorreu e o que ainda não
Epafras parece ter viajado para Roma em busca aconteceu. A igreja está no mundo e é impactada
do conselho de Paulo para tratar desse problema pelo mundo, mas ela é ativa no reino espiritual
(veja Colossenses 1:7; 4:12, 13). Além disso, Paulo das “regiões celestiais”. Embora a igreja apresente
entrara em contato com Onésimo, o escravo fu- o evangelho ao mundo e procure mudar o mun-
gitivo, convertendo-o e julgando ser necessário do, ela também transcende o mundo. Ela não é do
mandá-lo de volta ao seu senhor em Colossos18. mundo, mas sobreviverá ao mundo.
Filemom, o dono do escravo, certamente fora Cristo. Cristo é a esfera em que o cristão vive. A
convertido por Paulo também (Filemom 19), tal- expressão “em Cristo”, ou seu equivalente, ocorre
vez durante o ministério de três anos de Paulo cerca de vinte e três vezes em Efésios. Paulo mos-
em Éfeso19. Paulo desejava tratar da heresia colos- trou que é em Cristo que os fiéis vivem e são aben-
sense e proteger o servo fugitivo ao mandá-lo de çoados com toda sorte de bênção espiritual. Essas
volta para casa. Por isso, ele escreveu Filipenses bênçãos incluem ser escolhido, aceito, redimido,
e Filemom, providenciando que as duas cartas perdoado e unido com Deus. Estar em Cristo nos
fossem enviadas por Tíquico (Colossense 4:7) e faz herdeiros de Deus, selados pelo Espírito Santo.
provavelmente Onésimo (Filemom 10–13). Visto Os que estão em Cristo estão perto de Deus, assen-
que Tíquico e Onésimo iriam para a Ásia, Paulo tados com Cristo nas regiões celestiais, são nova
aproveitou a oportunidade para mandar a carta a criatura de Deus, estão reconciliados com outros
Éfeso (Efésios 6:21, 22). Esta carta incluiu uma ex- cristãos, são a construção de Deus, são confiantes
posição mais completa do propósito de Deus para perante Deus e recebem o poder de Deus. Adicio-
aqueles irmãos. Ela é datada, juntamente com Co- nalmente, Cristo é apresentado como o cabeça da
lossenses e Filemom, na época da primeira prisão igreja e o Salvador do corpo. Ele é a pedra angular

18
A maioria dos comentaristas acredita que Filemom 20
Esta palavra aparece em 1:3, 20; 2:6; 3:10; 6:12.
morava em Colossos, mas existe um argumento favorável a 21
Ethelbert W. Bullinger, A Critical Lexicon and Concor-
que Laodiceia fosse sua cidade. Nesse caso, a carta a File- dance to the English and Greek New Testament. Londres: Samuel
mom poderia ser a carta a Laodiceia que Paulo mencionou Bagster and Sons, s.d.; reimpressão, Grand Rapids, Mich.:
em Colossenses 4:16. (Thiessen, pp. 236–37.) Zondervan Publishing House, Regency Reference Library,
19
Ibid., p. 235. 1975, p. 365.

6
da construção de Deus, a igreja, e a peça central Propósito da Igreja (1:15–23)
do propósito de Deus. Ele é o Senhor crucificado, C. A Descrição dos que Vivem Fora do Pro-
ressurreto e glorificado que equipa a igreja para a pósito da Igreja (2:1–3)
obra dEle. Ele é o marido da igreja, Sua esposa, e é D. O Propósito da Igreja Iniciado por Deus
Aquele por meio do qual nós glorificamos a Deus. (2:4–10)
A carta de Paulo encerra mostrando que Cristo é o E . O Propósito da Igreja Cumprido por
objeto perfeito do nosso amor. Cristo (2:11–22)
A Igreja. Efésios apresenta a igreja como “o F. O Propósito da Igreja, um Mistério Reve-
corpo” de Cristo, a plenitude dEle, sendo Ele o lado (3:1–21)
cabeça da igreja (1:22, 23). A igreja é “a família
de Deus” (2:19), a “habitação” do Espírito San- III. A Prática da Igreja Gloriosa (4:1—6:20): A
to (2:20–22) e a noiva de Cristo (5:23–33). (Veja Vida da Igreja em Seu Relacionamento com
também 3:10, 21.) As implicações desses termos Pessoas
descritivos são vastamente abrangentes. Serão A. A Igreja Deve Andar Digna do Seu Cha-
exploradas no decorrer deste estudo. mado Sendo Unida e Tendo uma Mente
Salvação. A salvação do homem é apresenta- Renovada (4:1–32)
da como redenção através do sangue de Cristo e 1. Anda em Unidade (4:1–16)
do perdão de pecados (1:7). A salvação é um res- 2. Não Anda Mais como os Descrentes
gate viabilizado pela misericórdia, graça e amor Andam (4:17–32)
de Deus (2:1–7). Ela é aceita como um dom, um B. A Igreja Deve Andar em Amor (5:1–6)
presente de Deus pela fé do pecador arrependi- C. A igreja Deve Andar como Filhos da Luz
do (2:8–10). A salvação é realizada pela morte de (5:7–14)
Cristo, o qual possibilita a paz entre o homem e D. A Igreja Deve Andar com Sabedoria
seu semelhante e entre o homem e Deus. A sal- (5:15—6:20)
vação é, portanto, a reconciliação entre partes IV. Bênção (6:21–24)
separadas, resultando na criação de “um novo
homem” (2:15), o corpo de Cristo. Esta salvação
é um mistério que é agora revelado e proclamado Pregando sobre Efésios
pela igreja, a qual recebe o poder de Deus para
realizar a sua tarefa (3:1–21). Os Mistérios de Deus
A Caminhada. Paulo mostrou que a igreja – o Antes da fundação do mundo, Deus concebeu
corpo de pessoas reconciliadas umas com as ou- a ideia de criar o homem. Em Sua infinita sabedo-
tras e com Deus – é andar em unidade (4:1–16). ria, Ele sabia que o homem se rebelaria e perderia
Seus membros já não andam como descrentes seu lugar de direito no Paraíso. Por isso, Ele tam-
(4:17–32), mas andam em amor (5:1–6), como bém elaborou um plano para redimir o homem
“filhos da Luz” (5:7–14) e com sabedoria (5:15— das consequências de sua rebeldia.
6:20). A caminhada cristã, descrita nos capítulos 4 O conhecimento da queda do homem e do
a 6, é a aplicação prática do que Paulo disse sobre subsequente plano de Deus de redimi-lo foi man-
a igreja nos capítulos 1 a 3. Ela enfatiza como a tido em silêncio, longe do conhecimento das
igreja deve se conduzir, levando luz a um mundo hostes angelicais. Os anjos só puderam observar
escuro envolto pelas artimanhas de Satanás. admirados o plano de Deus sendo revelado aos
poucos.
ESBOÇO No devido tempo, Deus fez uma aliança com
I. Saudação (1:1, 2) a nação de Israel, mas o verdadeiro sentido dos
atos divinos foi ocultado dos olhos humanos.
II. O Propósito da Igreja Gloriosa (1:3—3:21): A Mesmo na época da vinda de Cristo, os líderes
Natureza da Igreja em Seu Relacionamento religiosos mais capacitados daquela época não
com Deus tinham ideia do que Deus pretendia realizar por
A. O Propósito da Igreja e Todas as Bênçãos meio de Israel.
Espirituais (1:3–14) Um dia, os discípulos de Jesus perguntaram:
B. Uma Oração por Mais Entendimento do “Por que lhes falas por parábolas?” e Ele respon-

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deu: “Porque a vós outros é dado conhecer os mis- num corpo humano.
térios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é
isso concedido” (Mateus 13:10, 11). A palavra grega O Mistério do Cristo que Habita nos Crentes
usada para “mistérios” vem de musth/rion (mus-
O mistério que estivera oculto dos séculos e das
terion), que se refere a algo que antes foi oculto, gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus
mas que agora foi revelado. Um “mistério”, então, santos; aos quais Deus quis dar a conhecer qual
é qualquer coisa que era secreta mas que agora é seja a riqueza da glória deste mistério entre os
de livre conhecimento. Lemos em Romanos: gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da gló-
ria (Colossenses 1:26, 27).
Ora, Àquele que é poderoso para vos confir-
mar segundo o meu evangelho e a pregação de Os judeus também aguardavam um Messias
Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que se sentasse no trono físico de Davi, em Jerusa-
guardado em silêncio nos tempos eternos, e que,
agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer lém, mas Deus sempre planejou que Seu Messias
por meio das Escrituras proféticas, segundo o se sentasse nos tronos dos corações do Seu povo,
mandamento do Deus eterno, para a obediência vivendo dentro deles. Nenhum profeta jamais
por fé, entre todas as nações, ao Deus único e
sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cris- previu essa verdade. Este é outro dos segredos se-
to, pelos séculos dos séculos. Amém! (Romanos cretos de Deus, antes ocultos no coração de Deus,
16:25–27). mas agora revelados.

Quais são esses mistérios, esses “segredos sa- O Mistério da Imortalidade


grados”, que antes estavam ocultos mas que ago-
ra foram revelados? Eis que vos digo um mistério: nem todos dormi-
remos, mas transformados seremos todos, num
O Mistério da Incredulidade de Israel momento, num abrir e fechar de olhos, ao resso-
ar da última trombeta. A trombeta soará, os mor-
tos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos
Porque não quero, irmãos, que ignoreis este
transformados. Porque é necessário que este cor-
mistério (para que não sejais presumidos em vós
po corruptível se revista da incorruptibilidade,
mesmos): que veio endurecimento em parte a
e que o corpo mortal se revista da imortalidade
Israel, até que haja entrado a plenitude dos gen-
(1 Coríntios 15:51–53).
tios (Romanos 11:25).

Os judeus nunca imaginaram que rejeitariam Os gregos criam que o corpo é mal e que a
seu Messias. Eles aguardavam a vinda dEle. Toda morte liberta a alma do homem da prisão domés-
mãe judia desejava que seu filho fosse o Cristo. tica do corpo. Paulo corrigiu essa noção, argu-
Deus sabia que quando finalmente Ele mandasse mentando que um dia Deus dará a cada homem
o Messias, os judeus O negariam. Este era um dos um corpo que é incorruptível, imortal. Através da
segredos sagrados de Deus. ressurreição física de Jesus Cristo, Deus revelou o
segredo da imortalidade do homem.
O Mistério do Deus Encarnado
O Mistério do Corpo de Cristo
Para que o coração deles seja confortado e vin-
culado juntamente em amor, e eles tenham toda Porque ninguém jamais odiou a própria carne;
a riqueza da forte convicção do entendimento, antes, a alimenta e dela cuida, como também
para compreenderem plenamente o mistério de Cristo o faz com a igreja; porque somos mem-
Deus, Cristo (Colossenses 2:2; veja Efésios 1:9). bros do seu corpo... Grande é este mistério, mas
eu me refiro a Cristo e à igreja (Efésios 5:29–32).
Os judeus esperavam por um grande líder
militar, um Salvador político que resgatasse as À medida que vivemos de acordo com o que
pessoas da opressão cercando nações. Eles jamais aprendemos, tornamos conhecido às nossas co-
sonharam que seu Messias seria Deus em carne munidades um dos maiores segredos de Deus,
humana! Antes da fundação do mundo, Deus ha- o mistério de que formamos o corpo de Cristo e
via planejado tudo, mas isso ficou oculto até a res- operamos juntos para realizar Seu propósito no
surreição de Jesus. Agora pode ser abertamente mundo.
declarado: o Messias é ninguém mais que Deus Chris Bullard

Autor: Jay Lockhart


8 © A Verdade para Hoje, 2014
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