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A mensagem à Igreja de Éfeso – 2.1-7
1- Ao mensageiro da Igreja em Éfeso escreve: Estas coisas diz aquele que guarda firme
as sete estrelas na sua (mão) direita, aquele, que anda no meio dos candelabros, dos de
ouro.
“Ao anjo da igreja em Éfeso escreve...” - “Éfeso”, cuja fundação jaz na penumbra da
história antiga, estava situada nas proximidades do Mar Adriático, num vale perto dos montes
Coresso e Prião. Na época do Novo Testamento, a cidade foi a capital da província romana de
Ásia. Plínio, o historiador, a chama de “a luz da Ásia”. Seu porto, apesar de em parte obstruído
por areia, sempre estava lotado de navios. Situada perto da foz do rio Caystro e no
entroncamento de várias estradas de produção, que do interior deram acesso fácil a essa
metrópole, tornou-se uma das mais importantes cidades do império romano. No tempo do
Apóstolo Paulo, Éfeso foi residência do prôconsul romano, e seus habitantes, moralmente
degenerados, se baixaram para toa espécie de bajulação, a fim de manter os favores de Roma. A
civilização da cidade era uma mistura de elementos gregos e orientais. Foi uma espécie de
quartel-general das artes mágicas, e uma grande variedade de superstições era representada por
corporações sacerdotais (cf. At 19.19).
O grande templo da deusa Diana achava-se n o centro da cidade. Dedicado a Diana, uma
divindade oriental (não grega), o templo era uma das maravilhas do mundo antigo, e Éfeso
chamou-se a si mesmo de “a sacristã Diana”. É necessário distinguir entre a deusa grega
Artemisa, que pelos Romanos foi chamado de Diana, e essa deusa oriental. A “Diana dos
Efésios” tinha todas as características da antiga deusa dos Lídios, Cibele, a “mãe”dos deuses
orientais. Sua adoração nessa parte do Oriente já antedata a fundação da cidade de Éfeso. Era
ela a personificação da fertilidade e dos poderes frutíferos e nutritivos da natureza. Sua imagem
era deveras feia, gorda, cheia de seios, guardando numa mão um tridentes e na outra um porrete.
Essa figura esquisita, vestida com um manto coberto de desenhos místicos, achava-se no
santuário do templo, escondida por uma pesada cortina de púrpura. A lenda dizia que ela caiu
uma vez do céu (cf. At 19.35).
No culto a essa deusa era notável a influência oriental. Os sacerdotes eram eunucos que se
fizeram acompanhar de sacerdotisas, jovens mulheres que se ofereciam aos adoradores. O
meretrício religiosos tem sua origem no culto a Cibele. Ao templo foi dado o direito de asilo.
Existem descrições entusiásticas da beleza desse templo e do seu altar. Nele se achavam obras
afamadas dos grandes mestres da escultura grega: Praxíteles (construtor do grande altar), Fídias,
Scopas e Policleto. Do serviço e culto dedicados a esse templo vivia grande parte da população
da cidade. Havia muitos ourives que faziam e vendiam réplicas da deusa e do templo. Daí é
compreensível a rebelião de uma multidão considerável da população quando, pela
evangelização de Paulo, esse ganha-pão ficou a perigo. (At 19).
“Igreja de Éfeso” – O termo Igreja – grego: Ekklesia tem hoje, e tinha também na Bíblia
vários sentidos. A significância do termo grego deriva da preposição ek e do verbo kaléo, que
quer dizer “chamar” kaléin “ para fora” (ek). Os que fazem parte da igreja são aqueles que
foram chamados para fora, isso é: chamados para fora do ambiente espiritual em que estiveram,
a fim de reunir-se ao redor de Cristo. Esse “chamado” aconteceu quando ouviram a mensagem
do mensageiro de Deus e creram nessa mensagem. No seu sentido restrito, “igreja” significa os
crentes em Cristo. Em Apocalipse (capítulo 1-3 e Ap 22.16), o sentido é a congregação de
crentes num determinado lugar, “igreja local”. Como se vê das cartas, infelizmente se acharam
nessas igrejas também pessoas que já haviam caído da fé, que no sentido real não eram mais
cristãs. Assim é, também, o caso ainda hoje: na regra, nem todos os congregados numa “igreja
local” são verdadeiros cristãos, apesar de eles ainda se chamarem como tais. Existe, como
sabemos, também um outro sentido de “igreja”, isto é, “a comunhão dos santos”; todos os
verdadeiros crentes em todas as igrejas e em todos os tempos. No entanto, ekklesia nas cartas às
sete igrejas no Apocalipse tem, como constatamos, o sentido de uma congregação, uma “igreja
local”.
A igreja em Éfeso foi o resultado da obra missionária do Apóstolo Paulo: At 18.19-21 (a
primeira visita de Paulo a Éfeso); capítulo 19 (a fundação e a estabilização da Igreja de Éfeso);
At 20. 17-38 (o encontro marcante do apóstolo com os presbíteros da congregação em Mileto);
1° Co 15.32 (sua luta em Éfeso); 1° Co 16.8-9 (“em Éfeso...uma porta grande e oportuna para o
trabalho se me abriu; e há muitos adversários”.) No seu relatório aos presbíteros da
congregação, o apóstolo dá o tempo de sua estada na cidade: “... lembro-vos de que por três
anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um, At 20.31. De acordo com
uma cronologia de Paulo, em sintonia com os dados no Novo Testamento, chegamos aos anos
52-55 A.D. para esta estada; e nesse último ano ficou “até o Pentecostes”, 1° Co 16.8.
Provavelmente no ano 62 A.D., o apóstolo, sendo prisioneiro de César em Roma,
escreveu uma de suas mais profundas cartas. Essa carta, “aos Efésios”, na realidade foi uma
espécie de “carta circular”, de modo que possivelmente uma ou outra das igrejas do Apocalipse
também a leu. Trata Paulo nessa carta em especial do grande “mistério”, que é o “corpo de
Cristo”, a igreja universal de todos os crentes, que em Cristo tem sua cabeça.
A igreja de Éfeso foi de uma ou outra maneira também servida por vários colaboradores
de Paulo. Quem entre estes provavelmente serviu por mais tempo foi Timóteo ( 1° Tm 1.3); de
acordo com 2° Tm 4.19ss presume-se que ele foi o primeiro bispo da congregação. Apolo, “um
judeu natural de Alexandria, homem eloqüente e poderoso nas Escrituras”, encontrou-se em
Éfeso com Áquila e Priscila, os amigos de Paulo em Corinto. Esses tomaram At 18.24-26. Ele,
primeiro em Éfeso, “ensinava com precisão a respeito de Jesus”; mais tarde, com a
recomendação de Áquila e Priscila em Corinto, “auxiliou muito aqueles que, mediante a graça,
haviam crido”, At 18.26. Também Tíquico, “irmão amado”de Paulo e “fiel ministro do
Senhor”(Ef 6.21), trabalhou em Éfeso.
Segundo a tradição antiga, João veio a Éfeso depois de ter levado os cristãos, pouco antes
da deflagração da grande guerra judaica, possivelmente em 67, para a região montanhosa ao
leste do rio Jordão. Visto que nesse tempo tanto Pedro como Paulo terem sofrido morte de
mártires, a grande metrópole de Éfeso necessitava de liderança apostólica. É provável que ele,
de Éfeso, cuidava também em certo sentido de todas as sete igrejas, às quais o Senhor da igreja
do céu mandou escrever as cartas agora. De acordo com uma tradição local, João teria levado
consigo a Maria, mãe de Jesus, à qual mais tarde foi dedicada uma grande igreja. Essa tradição
certamente tem por base o fato de que Jesus, antes de morrer na cruz, encarregou a João do
cuidado de sua mãe (Jô 19.26-27). É, sem dúvida, significativo que o Terceiro Concílio
Ecumênico, que se reuniu no ano 431 em Éfeso, declarou Maria como sendo Theótokos (“que
deu à luz a Deus”). Esse título, que não foi dado apenas para venerar a Maria mas
especialmente para declarar que Jesus Cristo, nascido da virgem Maria, foi ao mesmo tempo
verdadeiro Deus, teve sua confirmação pelo Concílio de Calcedônia, no ano 451.
Essa igreja, que teve tantos líderes eminentes, tornou-se ainda durante o primeiro século
um dos grandes baluartes do cristianismo ao lado de Jerusalém, Corinto e Roma. Porém, como
se vê do conteúdo da carta, nem tudo nela se deu às mil maravilhas. Parece que nela se cumpriu
a profecia do apóstolo Paulo, que, em sua admoestação e advertência aos presbíteros de éfeso
(At 20.17-35), previu que “depois da minha partida entrarão entre vós lobos vorazes que não
pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas
pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles”, v.29 e 30 (cf. Ap 2.4-5).
“...escreve!” – Nesse imperativo temos uma ordem do Filho-do-homem, que nos indica
que as coisas que João deve escrever, estão sendo ditadas diretamente . Temos, portanto, uma
prova daquilo que Pedro descreve: “Nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade
humana; entretanto, homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo”, 2° Pe 1.21.
E Paulo afirma: “...falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas
pelo Espírito”, 1° Co 2.13. – João escreve o que o Senhor lhe dita.
“...diz aquele que guarda firme as sete estrelas em sua (mão) direita...” – Todas as cartas
começam com uma auto designação do Senhor da glória, tirada do quadro da visão introdutória.
As designações diferem em conformidade com o conteúdo da respectiva carta. A substituição
do verbo écho – “ter”, em 1.16, por kratéo – “guardar firme” é significativa. As estrelas não
estão simplesmente na mão direita, mas estão firmemente guardadas. Temos aqui um eco das
palavras do próprio Senhor: as minhas ovelhas “... jamais perecerão eternamente, e ninguém as
arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai
ninguém pode arrebatar”, Jo 10.28-29. O Senhor da igreja, que reina com sua graça, é ao
mesmo tempo o Senhor onipotente. As sete estrelas, os pastores das igrejas, estão na mão
daquele que de si mesmo afirma: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”, Mt 28.18.
Quem, portanto, tenta violar a igreja ou o seu mensageiro tem de contar com a resistência
onipotente do Senhor. Que grande consolo para o pastor da congregação de Éfeso!
“... aquele que anda no meio dos candelabros, dos de ouro” – Enquanto em 1.13 o
Senhor é descrito como aquele que está no meio das igrejas, o particípio peripatôn nesse
versículo amplifica o quadro, dizendo que ele está andando, que está em movimento, em
atividade no meio da igreja, com seu poder e sua graça. “Eu estarei convosco todos os dias até a
consumação do século”, afirmou Jesus aos seus discípulos. Esse “estar”é mais que uma simples
presença no meio das igrejas. Se bem que os seus não sempre sentem a sua onipresença, ele age,
ele opera.
2. Eu conheço as tuas obras e a labuta e tua perseverança, e que não podes suportar os
vis, e que puseste à prova os que a si mesmo se chamam apóstolos e não são, e os
achaste mentirosos.
Óida – “Eu sei”, “eu conheço profundamente”. É nesse caso um conhecer completo; nada
se pode esconder. O Onipotente e o Onipresente são também o Onisciente. É o mesmo
“conhecer” do qual Jesus falou em Jo10.14: “... eu conheço as minhas ovelhas”. O que é dito de
Deus vale também para o Cristo glorificado: “O Senhor conhece o caminho dos justos, mas o
caminho dos ímpios perecerá, porque Cristo conhece também os caminhos e os pensamentos
dos infiéis. Sl 1.6; pois “Deus conhece os que lhe pertencem”, 2° Tm 2.19.
“... as tuas obras e a labuta e tua perseverança”. O Senhor conhece profundamente
também tudo o que fazem e pensam. Os substantivos, na frase, são divididos em duas partes,
sinalizados pelos dois “sou”: tua obra e labuta e tua perseverança. Tuas obras (érga) e labuta
(kópon) refletem tanto o pastor como a congregação. As obras de uma congregação, em geral,
são frutos de seu amor, que de novo se baseia na fé. Numa grande congregação, como a de
Éfeso, o pastor tem muito a fazer e só pode realizar as suas obras quando seus membros o
ajudam. Sim, as obras chegam muitas vezes a tornar-se labuta, fadiga. É interessante que o
apóstolo Paulo usa kópos e seu verbo kopiáo para descrever sua obra missionária e apostólica,
ou também a dos seus colaboradores. Assim ele testifica: “Saudai a Trifena e a Trifosa, as quais
trabalhavam (o verbo é kopiáo) no Senhor. Saudai a estimada Pérside, que também muito
trabalhou no Senhor”, Rm 16.16. O apóstolo Paulo provavelmente teria dado também ao bispo
e à sua congregação de Éfeso o mesmo testemunho. Assim o apóstolo pode dizer de si mesmo:
“Trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo”, 1° Co
15.10. E ele se queixa dos Gálatas: “Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco”,
Gl 4.11. A obra missionária de Paulo, dos seus colaboradores e do apóstolo João em Éfeso não
tinha sido em vão. O Senhor da igreja reconhece que eles trabalharam, apesar da fadiga que
acompanhou seu trabalho.
“Perseverança” – O termo grego hypomonê significa ficar debaixo do peso, carregar peso
e perseverar nisso. Apesar de suas obras terem sido acompanhadas de Fadiga, eles não
desanimaram. Perseverar fiel até ao fim é o único caminho para ganhar a coroa da vida. Pois
“aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo”, Mt 10.22; também Mt 24.12; Mc 13.13.
Mas a igreja de Éfeso teve também graves problemas: de um lado, no campo moral; de
outro, na doutrina:
“...e não podes suportar os vis” – Kakói – vis, homens moralmente maus do ponto de
vista de Deus e do Cristianismo. O mundo muitas vezes julga as pessoas de modo diferente do
de Deus e dos cristãos. É um grande problema para uma congregação se tais pessoas nela
aparecem. O bispo de Éfeso e sua congregação fizeram com tais pessoas o que Deus julgou ser
certo: eles não puderam suportar tais Kakói. Apesar de todo o trabalho e labuta, sua
perseverança na vida cristã forçou-os a não suporta-los. A congregação de Éfeso ainda praticou
uma verdadeira disciplina cristã. Os kakói foram expulsos.
“... e que puseste à prova os que a si mesmos se chama apóstolos e não são, e os achaste
mentirosos”. O que o apóstolo Paulo mais ou menos trinta anos antes havia predito, ao advertir
os presbíteros de Éfeso: “... depois de minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes que não
pouparão o rebanho. E que dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas
para arrastar os discípulos atrás deles” (At 20.29-30) – aconteceu provavelmente depois do
banimento de João: homens que se chamaram “apóstolos” penetraram na congregação, “para
arrastar os discípulos atrás deles”. Pela vigilância do bispo e da própria congregação, foram
desmascarados. Eles se chamaram “apóstolos”, mensageiros de Deus. O bispo e os fiéis
“puseram-nos à prova”. O único e verdadeiro “padrão” para tais exames e eventuais
condenações é a palavra de Deus. Assim testaram os fiéis de Beréia a Paulo e Silas, quando
estes pela primeira vez lhes pregaram o evangelho, “examinando as Escrituras todos os dias
para ver se as coisas eram de fato assim”, At 17.11. Assim os falsos “apóstolos” em Éfeso
foram “postos à prova” mediante a palavra de Deus, e foram “achados mentirosos”, pseudéis.
Sempre de novo, o “pai da mentira” emprega tais “mentirosos” para perturbar e, se for possível,
destruir as igrejas por doutrinas falsas e mentirosas. O próprio Cristo já havia predito: “...
surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se
possível, os próprios eleitos”, Mt 24.24. Paulo advertiu os coríntios diante do surgimento de
falsos apóstolos, caracterizando-os: “... os tais falsos apóstolos, obreiros fraudulentos,
transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, porque o próprio Satanás se
transforma em anjo de luz”, 2° Co 11.13-14. O bispo e a congregação de Éfeso desmascararam
esses falsos apóstolos em seu meio; Pondo-os à prova, acharam-nos mentirosos. O Cristo
glorificado louva a verdadeira disciplina cristã, assim como foi praticada em Éfeso.
Temos, nesse versículo, três verbos em três tempos diferentes: “tens” – écheis no tempo
presente: tu tens agora, apesar das tentações no campo moral e no campo doutrinário,
perseverança. O bispo e a congregação mostraram firmeza na sua vida cristã e ainda estão
firmes; “suportaste tribulações” – ebástasas no passado, provavelmente na perseguição que lhes
sobreveio e na qual João foi deportado, quando os cristãos não aceitaram o nome do imperador
como seu Deus, mas sim confessaram o nome de Cristo com sendo seu único e verdadeiro Deus
e Senhor: - “não enfraqueceste” – no tempo perfeito, kekopíakas: a sua perseverança não
enfraqueceu quando foram perseguidos, e não enfraqueceu até agora; não perdeu a fé; apesar de
tudo, não esmoreceu.
Tudo o que o Senhor diz nesses dois versículos é em louvor, não só para o mensageiro, o
bispo, mas para toda a congregação.
Infelizmente, no entanto, Cristo não pode só louvar; a congregação tem também um lado
não tão louvável:
Que reviravolta! Depois do tom amável de louvor, agora essa forte repreensão. É horrível,
se o Senhor da vida e da morte tem algo contra mim! É verdade, o amor não cessou por
completo, mas algo pernicioso aconteceu com ele. Foi abandonado, foi deixado para trás. Isso é
mais do que negligência, mais do que um simples deixar. O abandono foi ativo. A culpa está
mais profunda: ágape é amor divino; amor que se baseia unicamente na fé. Se o amor está
abandonado, algo está errado com a fé. Pois ágape não é só amor para com o próximo; porque
não existe verdadeiro amor ao próximo sem o amor de Deus; o amor ao próximo é a prova do
amor a Cristo. “Se alguém disser: Amo a Deus e odiar o seu irmão, é mentiroso; pois aquele
que não ama o seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”, 1° Jo 4.20. Amor a
Deus e amor ao próximo sempre andam de mão dadas. E, como já dissemos: esse amor não
pode existir sem a fé. Diz Jesus: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra... quem não me
ama, não guarda as minhas palavras”, Jo 14.23-24. É possível que João, ao escrever essas
palavras do Cristo glorificado, tenha lembrado as palavras que Jesus, antes de sua morte, no seu
grande discurso escatológico, proferiu: “Levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a
muitos. E por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos”, Mt 24.11-12. Que
dor profunda o velho apóstolo deve ter sentido: será que isso acontecerá com sua amada igreja
de Éfeso? As condições nas quais Éfeso se achava são explicadas ainda mais pelo que segue:
ela deixava também de praticar as primeiras obras, uma prova do declínio de sua fé e fidelidade
para com a Palavra de Cristo.
6. Isto, porém, tu tens (ainda), que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também
odeio.
“Quem tem ouvidos, ouça”. Uma frase típica de Jesus que, no entanto, não se acha no
evangelho de João, mas sim, nos sinóticos. O Cristo glorificado a usa agora para impressionar e
destacar uma verdade fundamental (Mt 11.15; 13.9,43; Mc 4.24). O Filho do Homem o havia
encarregado de escrever aquilo que viu e ouviu. E João escreveu. O que ele escreveu não era
para ser arquivado, mas para ser lido e ouvido. O aoristo do imperativo (akousáto) significa que
deve efetivamente ser ouvido. Nenhum daqueles que têm ouvidos é desculpado de ouvir.
“... o que o Espírito diz...” – Temos nessas palavras a indicação clara de que Jesus fala e
opera pela Palavra através do Espírito Santo. Os intérpretes que querem negar a João e aos
apóstolos o conhecimento da existência de um Deus Triúno estão enganados. Jesus, o Filho de
Deus, está falando; ele exorta que o Espírito deve ser ouvido. Temos, portanto, duas pessoas da
Trindade agindo nesta passagem. Aqui o Espírito é expressamente mencionado, porque é obra
especial do Espírito Santo operar pela palavra e por ela criar a fé, que vem pelo ouvir (Rm
10.17).
“... o que o Espírito diz...” – Temos aqui, como em todo o livro de Apocalipse, um pleno
ditado. “Ditado” no sentido próprio da palavra. No Apocalipse, temos o mesmo caso como nos
profetas do Antigo Testamento, que podem afirmar: “Assim diz o Senhor!”, quando receberam
mensagem direta, literal. É um simples fato que algumas partes da Escritura Sagrada foram
escritas literalmente como foram ditadas. A essas partes da Bíblia pertence o livro de
Apocalipse.
É claro que intérpretes racionalistas detestam a palavra “ditado”. Os que aceitam a
afirmação de Paulo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus...” (2° Tm 3.16) como verdadeira
não têm dificuldade de aceitar a palavra “ditado” para aquelas partes que são expressamente
fruto dum ditado de Deus, de Jesus ou do Espírito Santo. Com isso não aceitamos uma
“inspiração mecânica”. O Espírito Santo usou seus escritores com todas as suas capacidades;
seu espírito estava consciente e sabia o que escrevia. As ilustrações usadas pelos dogmáticos
ortodoxos servem para explicar de certa maneira o processo da inspiração, racionalmente
inexplicável. Eles chamas os escritores:
a) de amanuenses do Espírito;
b) de plectro (Isso é, a varinha de marfim) com que os antigos fizeram vibrar as cordas
da lira;
c) a flauta tocada pelo músico. Essas ilustrações indicam a causa efficiens – o Espírito
Inspirador – e a causa instrumentallis – os autores humanos inspirados.
Quando falamos de “ditado” na inspiração, só tomamos aquelas passagens nas quais
plenamente houve um ditado de palavras que Deus falava, enquanto a inspiração toda é o que as
ilustrações dizem em conjunto.
“...às igrejas...” – Apesar da carta ser endereçada ao mensageiro (ángelos) da igreja de
Éfeso, não o é somente a ele e à igreja de Éfeso, mas também “às igrejas”. Isso significa, da
mesma forma, que não só às sete igrejas de Ap 2 e 3 a carta é endereçada, mas também a todas
as igrejas, sem limitação de lugar e tempo. As palavras de apocalipse dirigem-se também às
igrejas de hoje.
“... ao vencedor...” (tô nikonti). O particípio do tempo presente “ao vitorioso” é infinito
com respeito ao tempo: é sempre vitorioso, sempre vencedor na luta contra as forças hostis,
lideradas pelo inimigo do evangelho de Cristo. É interessante que a ordem de ouvir, na
conclusão das cartas, é seguida por uma promessa nas três primeiras; enquanto nas outras
quatro, a ordem de ouvir segue à promessa. As promessas variam de acordo com o conteúdo das
cartas.
“... a ele darei...” – (doso auto) O pronome “a ele”, que parece ser supérfluo, quer
destacar o fato de que somente ao vitorioso, somente ao vencedor será dado algo. O futuro
“darei” visa naturalmente àquele momento em que o vencedor estará perante seu Senhor, a fim
de receber o galardão de sua vitória. Para ele vale o que é dito na carta seguinte: “Sê fiel até à
morte, e dar-te-ei a coroa da vida”, Ap 2.10.
“...comer do madeiro da vida”. É notável que o grego da Septuaginta, em Gn 2.9, traduz
a palavra hebraica por “árvore da vida” com xylon, madeiro, e não por déndron, árvore, e que
temos lá a mesma expressão xylon tês Zoês, o “madeiro da vida”, como aqui. A mesma
designação temos ainda em Ap 22.2, 14,19. É mui significativo, aliás, que a mesma designação
é usada para a cruz de Cristo em At 5.30; 10.39; 13.29; Gl 3.14; 1° Pe 2.24. É, sem dúvida,
extraordinária a ligação que se nota entre Gn 2.9, através da cruz de Cristo, e as quatro
passagens em Apocalipse. É qual uma ponte do paraíso perdido até ao paraíso recuperado, que
tem seu ponto de suporte na cruz do Gólgota. O homem não pôde destruir a árvore da vida, ele
só a perdeu. A árvore da vida de novo está à disposição dos “vencedores”, pela fé na cruz de
Cristo, no paraíso recuperado pela cruz. O genitivo é, sem dúvida, qualitativo: é o madeiro cuja
qualidade, cuja essência é vida, vida eterna; aquela vida que foi perdida pelo pecado, mas de
novo recuperada por Cristo e sua morte na cruz. O vitorioso pela fé terá nesta vida a bem-
aventurança eterna, aqui figurada pelo “comer” do “madeiro da vida”.
“... que está no Paraíso de Deus”. – A palavra Paraíso (parádeisos) é de origem oriental
e significa uma horta, um parque do palácio real onde, para convidados especiais, esperam
prazeres debaixo de árvores frondosas. A Septuaginta usa o nome para o jardim do Éden (Gn
2.8). É o “lugar” em que Deus mora, onde Deus, de uma maneira especial, está presente. É o
paraíso “de Deus”, que Deus criou para os homens e todas as criaturas, e que foi para elas
perdido pelo pecado pelo pecado da desobediência dos homens. É aquele “lugar” que Jesus
promete ao malfeitor na cruz, como ponto de encontro com ele, pelo glorioso: “Hoje estarás
comigo no paraíso”, Lc 23.43. O apóstolo Paulo era o único que podia relatar o seu
arrebatamento para o paraíso quando. Patra não gloriar-se a si mesmo, fala “de um homem em
Cristo que há quatorze anos foi arrebatado até ao terceiro céu... ao paraíso, e ouviu palavras
inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir”, 2° Co 12.2-4. Aqui temos de fato aquele
lugar (sem espaço, naturalmente) aquele Pôu, que em Ap 6.9 aparece também sob a figura do
altar, debaixo do qual estão as almas dos mártires, onde as alamas dos crentes, ao morrer aqui
na terra, vivem de corpo e alma, eternamente. Portanto, nada de um terceiro lugar como a igreja
romana inventou: no purgatório. É aquilo que no fim deste livro é chamado de “novo céu e nova
terra”. De novo, o grandioso quadro que liga o fim do mundo ao início do mesmo! Os filhos de
Deus retornarão ao lugar de onde seu pecado os expulsou – e tudo isso unicamente por causa
daquele madeiro erigido no monte do Gólgota, por causa daquele que morreu pela humanidade
perdida: Jesus Cristo – que agora está sentado sobre o trono eterno e que manda escrever essa
grandiosa promessa a uma igreja que já está vacilando e esmorecendo no seu amor. Assim, Lei
e Evangelho, repreensão e promessa, se unem para essa mensagem de suma importância para a
igreja de Éfeso e para nós.