A sustentabilidade no vestuário – Fashion Revolution
A Terra está a esgotar-se em recursos. Os ativistas tentam alertar-nos para o
perigo. Os governantes, empresários e cientistas procuram soluções. Recicla-se, repara- se, reutiliza-se e consome-se. O principal problema reside, mesmo, no consumo exacerbado e o vestuário é um dos bens que está mais descartável que nunca. Para produzir muito criam-se atalhos, ou seja, caminhos sombrios para fazer mais e mais sem olhar a meios ou pessoas. Todos sofremos o impacto de uma forma ou de outra.
Sentamo-nos em frente do roupeiro como quem se senta em frente da TV e uma
sucessão de cores, tecidos, modelos circulam diante de nós. Usamos isto, pretendemos usar aquilo, dar aquele, caber no outro e não sabemos o que fazer a tantas outras roupas que ficaram velhas, curtas, compridas, apertadas. O conceito “fast” não existe somente para a comida que precisamos confecionar de forma rápida, existe também para a moda produzida em grandes quantidades, sem qualidade e que se torna rapidamente descartável. Uma sociedade consumista, imediata, que quer agir rápido, que já não tem tempo para a costureira do bairro criar e tecer com técnica, precisão e qualidade e quer, acima de tudo, pagar pouco não importa o que custe a outros e ao planeta que nos acolhe. Como consequência, o impacto ambiental tem sido tão brutal que, cada vez mais, a sensibilidade para os problemas ambientais está ao rubro em todas as esferas: políticas, económicas e mundiais. A indústria têxtil é uma das que mais polui e medidas foram tomadas sempre com o objetivo urgente de diminuir a pegada de carbono e reduzir o desperdício. Este setor é o segundo maior consumidor de água. Tem processos extremamente poluentes e apesar de que 99% da roupa pode ser reciclada ou reutilizada, mais de 85% acaba sem lhe ser proporcionado um fim útil. A Benoli é uma confeção da região do Interior situada no Tortosendo, fundada em 1974, e que tem realizado alterações e adaptações com o objetivo de criar mais sustentabilidade nos métodos e matérias utilizados. A empresa está certificada em diversas normas para que possam diminuir a pegada ambiental e reduzir o impacto. Além dessas normas, Joana Leitão refere que “temos outros cuidados realizando separação de papel, plástico e tecido. Trabalhamos com painéis solares produzindo energia limpa e renovável e ao mesmo tempo reduzir a pegada ecológica. Muitos dos nossos clientes também pedem os desperdícios dos tecidos para que lhes possam dar uma nova vida.” Acerca da produção, Joana afirma: produzimos artigos sustentáveis, e também linhas recicladas. É uma “exigência” da maioria dos nossos clientes e da nossa marca Benoli. Portugal tem ainda um caminho longo para andar pois segundo dados de 2021, ocupava o 24º lugar entre os 27 estados-membros na taxa de utilização de materiais reciclados ao nível dos têxteis. O movimento Fashion Revolution foi fundado em 2013 e é o maior movimento ativista no mundo que tem como objetivo mobilizar cidadãos e marcas para a questão da economia circular funcionar nesta indústria. Na verdade, além da poluição e desperdício, sensibilizam para a exploração humana em muitos lugares do mundo. Em Portugal, o movimento atua com diversas ações de incentivo e encorajamento à reciclagem e uso de produtos em segunda mão. A página de Facebook ainda conta com poucos seguidores, porém tem marcado presença e apoiado diversas ações no país. O movimento mobiliza comunidades, colabora com designers e providenciam plataformas mediadoras entre consumidores e produtores. Na Covilhã, o Modatex -Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil, Vestuário, Confecção e Lanifícios, leva a cabo anualmente um concurso de upcycling com temas diferentes onde os concorrentes (normalmente formandos, mas também podem vir de outros lugares) criam peças recicladas. O objetivo é nas palavras da delegação: “Promover o conceito de upcycling, trazendo assim ao debate o tema da sustentabilidade no têxtil.” A criação de tecidos sustentáveis tem sido um desafio. Normalmente são feitos de materiais como: algodão orgânico, cânhamo, linho, seda de soja e seda de laranja. As fibras de folhas de ananás são secas, purificadas e processadas e criam uma malha não tecida utilizada já por grandes marcas de renome. As rosas podem ser alternativas à seda tradicional. As borras de café e as garrafas de plástico recicladas já produziram ténis. As uvas têm sido uma boa solução para a produção de óleos vegetais e fibras naturais. As algas são um meio de produzir corantes para tintura. Além disto, existem técnicas como o upcycling que transforma os resíduos têxteis em roupas novas, a reciclagem que permite recuperar e transformar uma matéria-prima noutro produto; o downcycling que transforma o resíduo em outras matérias de valor menor, produzindo outras coisas secundárias. Todas elas criam as condições necessárias para fazer girar a economia circular e manter a permanência de um produto por mais tempo no planeta e preservar o ambiente. Uma outra abordagem aliciante e diferente é apresentada por Natália Peric, professora de Moda e Facilitadora para o Desenvolvimento Sustentável da Imagem Pessoal em São Paulo. A professora trabalha a criatividade como forma de atingir objetivos na área da sustentabilidade no vestuário. “A criatividade e a educação podem mudar o modo como nos relacionamos com a moda fazendo-a mais justa e sustentável.” Para a professora e mentora na área “o consumo deixa-nos num lugar passivo enquanto que a criatividade nos coloca num lugar ativo. Como sociedade, devíamos educar para a moda, propondo reflexões, valorização da diversidade, chamar a atenção para a indignidade implícita nas condições de trabalho e respetiva remuneração, entre outros aspetos.” Segundo Natalia, a moda pode dialogar com outras áreas de conhecimento, mobilizando os indivíduos para um autoconhecimento que os dignifique a eles mesmos e à sociedade. A coordenação do guarda-roupa, a montagem e combinação de looks diferentes tornam-se uma ferramenta. Tendências como o armário cápsula tomaram conta do universo da consultoria de moda. Este armário cápsula, como o nome indica, é um armário pequeno, ou seja, contém poucas peças, normalmente básicas e versáteis e que se conjugam de várias formas. Nessas peças encontramos o estilo pessoal que exprime a nossa personalidade e que encaixa nas diversas atividades do dia a dia, para que nos sintamos bem e confortáveis. Diversos influencers e consultores de moda trabalham o conceito. “O ato de consumir pode distanciar o sujeito de si mesmo, o ato de criar produz o efeito contrário: aproxima-nos dos nossos potenciais e propicia uma sensação de realização. Quando alguém decide fazer, por exemplo, um armário cápsula, “está a sair do sistema de consumismo compulsivo, de repetição e de cópia. As peças são usadas de forma diferente: por exemplo um vestido pode ser usado como uma saia; a camisa como um top e há peças que podem ser vestidas em vários looks diferentes. Não há nada mais sustentável do que usarmos o que já temos”. Este tipo de conceito é um exemplo de ferramenta educacional para a consciencialização do problema do ambiente. “Consumir pode ser uma forma de aplacarmos os nossos vazios que depois percebemos que continuam iguais, então o autoconhecimento é importante para que haja muita reflexão sobre nós mesmos, encontrar a nossa identidade e criar o nosso próprio estilo.” Natália trabalha com lojas de segunda mão, chamados de brechós no Brasil e ali promove sessões de educação, reflexão e discussão. Acredita que a forma lúdica de apresentar o tema permite que as pessoas pensem sobre a sustentabilidade não como uma obrigação, mas como uma responsabilidade. E se, por um lado, as empresas são chamadas à sua responsabilidade social, por outro lado os consumidores são constantemente visados para moderarem o consumo e refletirem sobre a forma como escolhem viver. Silvy Marilyne, 32 anos, trabalha em marketing, tem duas filhas, gosta de seguir alguns influencers, estar na moda e ela própria aconselhar marcas, lugares e mostrar novos looks nas redes sociais. A consciência sobre o ambiente tem crescido, fazendo-a adotar novos hábitos. “Eu sou uma apaixonada pela moda porque permite-me expressar o meu lado artístico, compor novos “looks” com peças mais ou menos luxuosas e outras mais comuns. Esse gosto fazia-me comprar constantemente novas peças e com isso sentia-me bem. No entanto, usava duas ou três vezes e descartava” Atualmente, a maior parte das pessoas compra naquilo que se chama fast fashion, por causa do preço e da quantidade de artigos diferentes que conseguem adquirir por pouco valor. Silvy concorda que “quanto mais compramos, mais recursos do planeta gastamos para os nossos próprios caprichos. Ultimamente tenho comprado menos, procurado artigos sustentáveis. As minhas resoluções passam por comprar em sites de artigos de segunda mão como a Vinted e vou tentar comprar marcas que não produzem excessos de coleções e que têm uma política mais verde: gastar menos energia. Comprar em segunda mão permite reduzir o consumo de novas roupas e dar-lhes uma segunda vida.” Conhecendo o poder dos influencers crê que “têm o papel de responsabilidade social de incentivar as pessoas a comprar menos. Por enquanto ainda são poucos porque ganham dinheiro sempre que incentivam a comprar cada vez mais. Mas eu quero ensinar as minhas filhas a comprar menos, e também adquirir mais brinquedos de madeira e menos de plástico.” A esperança reside na consciência humana de agir e reagir diante das circunstâncias e não procurar apenas a satisfação pessoal, mas a preservação do planeta e dos recursos necessários à sobrevivência e bem-estar humanos. Segundo Natalia Peric “a consciência vem antes da sustentabilidade, só assim governos, empresas e consumidores podem fazer a sua parte numa gestão inteligente de todo o processo.” Cátia Matias