Você está na página 1de 21

1

DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÃO DE MODA FEMININA A PARTIR DE


RESSIGNIFICAÇÃO DE RESÍDUOS TÊXTEIS1

Giovanna Scabio Saviotti2


Jessica Schneider3

RESUMO
A sustentabilidade considera a inovação e a introdução de um novo conceito de vida
que preza pela harmonia de todos os processos de interação envolvidos entre
indivíduos e sistema, voltado, principalmente, para a diminuição dos impactos no
meio ambiente. Dessa maneira, o presente artigo tem como finalidade o
desenvolvimento de uma coleção autoral de moda feminina baseada nos princípios
da sustentabilidade. A coleção foi pensada e construída a partir de um tema geral
proposto — “Hygge”, um estilo de vida dinamarquês que busca apreciar a felicidade
que surge nos pequenos prazeres da vida. A partir dessa temática, foi extraído um
conceito, intitulado “Equilíbrio”, que em conjunto com a técnica sustentável
upcycling, foi utilizado no desenvolvimento projetual da coleção. O upcycling foi
aplicado de maneira a reutilizar resíduos têxteis que a princípio seriam descartados
em um processo usual de produção, em um novo produto com valor incorporado. O
uso dessa técnica serviu enquanto alternativa para redução dos impactos ambientais
produzidos pelo sistema de produção têxtil convencional ao prolongar a vida útil de
cortes de tecidos que se encontravam em desuso nas empresas de confecção da
região de Gaspar/SC. Ao harmonizar tecidos, cortes, cores, processos de produção
e tendências de moda, o desenvolvimento dessa coleção de moda fomenta,
portanto, uma maneira sustentável e ecológica de produção de peças para
vestuário.

Palavras-Chave: Desenvolvimento de coleção. Sustentabilidade. Upcycling.


Resíduos têxteis.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo, desenvolvido no Curso Superior de Tecnologia em Design


de Moda do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC)/Câmpus Gaspar, consiste em
uma produção teórica e prática, com o objetivo de desenvolver uma coleção de
moda feminina autoral, baseada no conceito upcycling e nas diversas formas de
1 Artigo científico elaborado como requisito parcial à obtenção do título de Tecnólogo em Design de
Moda, pelo Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda, do Instituto Federal de Santa
Catarina, Campus Gaspar. Apresentado no dia 30 de novembro de 2018.
2 Discente do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda, do Instituto Federal de Santa
Catarina, Campus Gaspar. E-mail: giscabio_@hotmail.com
3 Orientador. Docente do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda, do Instituto Federal de
Santa Catarina, Campus Gaspar. E-mail: jessica.schneider@ifsc.edu.br
2
confeccionar roupas de maneira sustentável, diminuindo assim os danos causados
pela produção industrial e pelo consumo desenfreado. Essa preocupação com o
meio ambiente é uma revolução positiva no mercado da moda global, pois, nos faz
refletir sobre uma infinidade de questões morais. A visão do “menos é mais”,
incorpora valores, principalmente a respeito do consumo ético e consciente,
incentivando novas práticas para garantir um futuro sustentável.
Atualmente, a fabricação de novas peças do vestuário representa uma
grande parte da poluição existente no meio ambiente, o que se torna ainda mais
intenso pelo sistema de rápida rotatividade de tendências, que lança, no mercado da
moda, coleções em curto período de tempo. Essa rotatividade frenética de
tendências torna as roupas obsoletas e “descartáveis”, pois, seu processo de
confecção visa apenas a rapidez, seja de produção ou de consumo dos produtos.
De acordo com Feghali, Schmid e Lima (2008, p. 99), uma consequência do
consumismo exagerado, na qual “o vestuário atende ao novo espírito da
efemeridade. A modernidade torna habituais as roupas com vida curta. A roupa
torna-se descartável”. Considerando isso, na moda, também, deve haver a
responsabilidade com todo o processo de criação e ciclo de vida do produto,
conforme cita Pazmino (2007, p. 6):

O designer pode tornar um produto ecológico fazendo um redesign de


produtos existentes ou design de novos produtos com vantagens
ambientais, para isto o designer deve atuar em cada uma das fases do ciclo
de vida do produto – pre produção, produção, uso, descarte, reciclagem,
reuso — tomando decisões ecologicamente corretas que minimizem o
impacto ambiental dos produtos. Os fatores de meio ambiente e econômico
devem ser tratados como objetivos do projeto.

Uma solução para diminuir esses efeitos danosos ao meio ambiente é o “uso”
e “reuso” de cortes de tecidos que já passaram por todo o processo de fabricação,
trazendo-os de volta ao mercado, evitando assim o descarte dos mesmos,
prolongando sua vida útil. Silva e Trancoso (2012, p. 3) ressaltam que “no processo
de descarte, grande parte dos resíduos não vai para o destino correto, ou seja, são
descartados no meio ambiente, sem que passem por qualquer triagem ou separação
de partes para a reciclagem”. Este trabalho, portanto, se faz relevante em sua
proposta principal, uma vez que, visa repensar a utilização e ressignificação de
resíduos têxteis que seriam descartados pela indústria.
Para este estudo, é apresentado enquanto objetivo geral, o desenvolvimento
3
de uma coleção autoral de moda feminina, baseada nos princípios da
sustentabilidade e do upcycling, a partir da ressignificação de resíduos têxteis 4
provenientes de empresas de confecção da região Gaspar/SC. A coleção foi
pensada e construída a partir de um tema geral proposto — “Hygge”, um estilo de
vida dinamarquês que busca apreciar a felicidade que surge nos pequenos prazeres
da vida. A partir dessa temática, foi extraído um conceito, intitulado “Equilíbrio”, que
em conjunto com a técnica sustentável upcycling, foi utilizado no desenvolvimento
projetual da coleção.
A coleção de moda foi composta por dez looks, cinco conceituais e cinco
comerciais, dessas dez criações foram selecionados dois looks para serem
confeccionados e apresentados no desfile de conclusão de curso que aconteceu na
Associação Tonho Alvorada, na noite do dia 13 de dezembro de 2018.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Apresentação do Tema Geral: Hygge

O tema geral da coleção trata sobre um estilo de vida dinamarquês,


denominado Hygge. De origem norueguesa, a palavra chegou à Dinamarca no
século XIX e, apesar de não ter uma tradução literal específica, representa uma
filosofia de vida que valoriza o aconchego associado mais à tranquilidade e à
experiência, do que o tumulto que estamos acostumados diariamente. Segundo
Wiking (2018), presidente do The Happiness Research Institute, o Hygge é a razão
de a Dinamarca ser, por muitas vezes, considerada o país mais feliz do mundo. Em
2012, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) decretou o dia
20 de março como o “Dia Internacional da Felicidade”, reconhecendo o estado de
espírito privilegiado como uma aspiração universal dos seres humanos.
Segundo Russell (2016), os dinamarqueses seguem alguns hábitos que os
ajudam a aproveitar melhor os bons momentos e a viver em harmonia com os
outros, com a natureza e com eles mesmos. O Hygge se tornou um estilo de vida
que ajudou os dinamarqueses a perceberem a importância da simplicidade, de
4 Neste trabalho, o termo “resíduos têxteis” diz respeito às amostras de cortes de tecidos que ficam
acumuladas nas empresas têxtil da região de Gaspar/SC. Nessas empresas, devido à fase de
desenvolvimento de produtos, são solicitadas muitas amostras de tecidos e aviamentos de
representantes e grande parte não é efetivamente utilizada na coleção, gerando assim, uma
sobra de pedaços maiores de tecidos diversos.
4
desacelerarem o ritmo do dia a dia e de viverem e saborearem o momento presente.

2.2 Apresentação do Subtema da Coleção: Equilíbrio

Neste conceito de bem-estar e qualidade de vida, que se preza na cultura


Hygge, e pensando no bem-estar do público-alvo dessa coleção, se propõe como
subtema a palavra Equilíbrio. O subtema escolhido foi idealizado na raiz do conceito
da palavra, com maior destaque para o seu sentido figurativo, conforme descrita no
dicionário Michaelis (2008, p. 345):

e.qui.lí.brio (lat aequilibriu) sm 1 Fís Estado de um corpo que se mantém


sobre um apoio sem se inclinar para nenhum dos lados. 2 fig Harmonia, boa
proporção: Equilíbrio das cores. 3 fig Moderação, comedimento, prudência:
Diante das situações difíceis, age com equilíbrio. 4 fig Estabilidade
emocional.

Buscar o equilíbrio da necessidade e do desejo, colocar na balança o que


realmente se faz necessário ter ou não ter. A escolha desse tema se deu a partir do
questionamento sobre a nossa real necessidade do que estamos prestes a adquirir.
Por conta desse fator, começou a se fortalecer um movimento de repensar o papel da
moda e buscar opções ao hiperconsumo (consumo além da necessidade) e à
hiperprodução para diminuir este impacto ambiental, viabilizar modelos alternativos
de negócios e fomentar modelos sustentáveis de produção.
Segundo Blackwell, Miniard e Engel (2005, p. 242), “a motivação do
consumidor representa a tentativa de satisfazer as necessidades fisiológicas e
psicológicas por meio de compra e consumo de um produto”. Há vários fatores que
motivam os consumidores a comprar, algumas pessoas procuram a experiência de
consumo para satisfazer alguma necessidade e outras apenas para projetar uma
imagem de si próprio a outros.
O subtema escolhido, além de representar essa preocupação entre consumo
versus necessidade, também se relaciona com o desenvolvimento da coleção na
busca pelo equilíbrio na criação das peças.

2.3 Sustentabilidade

Segundo Pereira, Silva e Carbonari (2011, p. 66) “o conceito de


5
sustentabilidade explora as relações entre desenvolvimento econômico, qualidade
ambiental e equidade social”. Esse conceito começou a ser difundido em 1972, na
conferência das nações unidas sobre meio ambiente, realizada na Suécia e
promovida pela ONU. O termo sustentabilidade somente surgiu na década de 1980,
originado da conscientização crescente de diversos países em descobrir meios de
possibilitar o crescimento de suas economias sem destruir o meio ambiente ou
sacrificar o bem-estar das futuras gerações (SAVITZ; WEBER, 2007).
Sustentabilidade, portanto, é atender nossas necessidades atuais, se
preocupando, também, em atender às futuras gerações ao preservar e compensar o
meio ambiente das atitudes nocivas empregada pelo homem. Nesse sentido, Ribeiro
(2006, p. 06) define que ser sustentável corresponde ao indivíduo ou sociedade que
“atende às necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações
futuras em satisfazê-las”.
Deste modo, Elkington (2004) expõe a necessidade de uma visão mais
estratégica, com base em três fundamentos essenciais ao desenvolvimento
sustentável — o econômico, o social e o ambiental –– conforme mostrado na Figura
1.

Figura 1 — Os três pilares da sustentabilidade

Fonte: Brisolla (2018).

Constata-se que há uma intersecção virtuosa, ao integrar as preocupações


não apenas com a eclosão econômica (lucro pelo lucro), mas levando em
consideração as questões ambientais e sociais em todo o ciclo de vida do produto,
desde a extração da matéria-prima ao consumo do produto final. O tripé da
sustentabilidade — social, ambiental e econômico —, combinado com o
6
planejamento estratégico, está fazendo com que os gestores das indústrias têxteis e
de vestuário repensem em suas ações e práticas em relação ao mercado
competitivo, pois, a procura por produtos alternativos e por empresas que empregam
métodos de produção mais ecológico, vem aumentando no decorrer dos anos.
De acordo com Kraemer (2005), o mercado está cada vez mais concorrido e
que compreender essa mudança é essencial para a competitividade. Em vista disso,
as empresas devem considerar esse cenário como uma oportunidade de
crescimento e ascensão.

2.3.1 Sustentabilidade na moda

Com o efêmero período de vida dos produtos de moda, o descarte, também


acelerado, desses produtos vem se tornando um problema ambiental de grandes
proporções. Com base nesta questão, o conceito de sustentabilidade,
imprescindivelmente, deve ser incorporado no meio produtivo da moda, uma vez que
o consumo desenfreado se torna cada dia mais crítico.
Os maiores praticantes da moda de durabilidade extremamente curta são as
redes de fast fashion5 que lançam várias coleções durante o ano, despertando o
consumo não consciente. Segundo Berlim (2012 p. 13), “o consumo exagerado de
roupas e acessórios, bem como a lógica da fast fashion fazem com que a data de
validade desses produtos, seja curta e nossas relações com eles superficiais”.
Mesmo a sustentabilidade sendo fundamental nos dias atuais, ainda se encontra
uma grande dificuldade de inserção desses princípios no processo de
desenvolvimento de produtos de moda. Neste contexto, muitas indústrias têxteis e
de vestuário vêm repensando seus processos produtivos, avaliando a questão da
moda ecologicamente correta e buscando meios de produção adequadas ao novo
cenário mundial.
Nos últimos anos, o movimento upcycling está se tornando uma alternativa de
inserção dos conceitos de sustentabilidade no sistema de desenvolvimento de
produtos de moda. Seu principal objetivo reside na reutilização de peças e materiais,
cujo destino seria o descarte, em produtos que serão novamente comercializados.
Ao tornar a vida útil desses produtos cada vez maior, a partir de sua transformação,

5 Fast fashion ou moda rápida significa uma produção acelerada de produtos, que literalmente são
consumidos e descartados com muita rapidez.
7
evita-se assim, que novos materiais precisem ser produzidos, reduzindo a utilização
de energia e diminuindo os impactos no meio ambiente.

2.3.2 Upcycling

O termo upcycling foi inicialmente cunhado e utilizado por McDonough e


Braungart (2002) e objetiva, segundo os autores, um movimento que busca evitar o
descarte de materiais que ainda podem ser úteis, reduzindo assim, o consumo de
novas matérias-primas durante a criação de novos produtos. Essa prática resulta na
redução do consumo de energia elétrica, no controle e diminuição da poluição do ar
e da água e até no controle das emissões de gases de efeito estufa.
O upcycling é um método que utiliza o aproveitamento de resíduos e têxteis
descartados para a construção de novas peças. Segundo Berlim (2016, p.137), “o
upcycling transforma produtos inúteis e descartáveis em novos materiais ou peças
de maior valor, uso ou qualidade”. Sobre este método, Gwilt (2014, p.146) afirma
que:

Upcycling é o termo usado para descrever uma técnica de se aprimorar e


agregar valor a um produto ou material que, de outra forma, seria jogado
fora. Diferente da reciclagem, que pode resultar em depreciação e redução
do valor de um material ou produto, o upcycling permite que você aumente o
aproveitamento e o valor de um material, prolongando sua vida. A técnica
pode ser aplicada no design e na confecção de uma nova peça de roupa ou
ser usada para reformar ou remanufaturar uma roupa já existente.

Ainda de acordo com Gwilt (2014), o upcycling permite incorporar valor a uma
roupa por meio de pequenas mudanças ou, até mesmo, a criação de peças inteiras
de vestuário utilizando roupas usadas, retalhos, cortes de tecidos ou outros recursos
que não possuiriam mais ocupação. Por ser uma técnica artesanal, de
desconstrução, fazer upcycling demanda tempo e muito trabalho manual, o que
causa um aumento no custo final da peça acabada. As matérias-primas para o
upcycling são recursos finitos e únicos, pois, muitas das vezes são roupas e tecidos
de descarte, gerando ao fim pequenas quantidades de produtos com muita
exclusividade e valor agregado.
Segundo Saffi (2015), o upcycling vem crescendo significativamente, isso
porque, além de ser ecologicamente correto, o custo é bastante reduzido, pois na
maioria das vezes o material usado não é comprado. Dessa forma, o upcycling está
8
cada vez mais presente, não somente no design de moda, mas, também, na
decoração e em outras áreas. Um exemplo é a utilização de lona de caminhões para
a fabricação de roupas e bolsas (cf. Figura 2).

Figura 2 — Produtos desenvolvidos com lona de caminhão

Fonte: EcoD (2011).

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia apresentada a seguir tem finalidade de elucidar ao leitor as


etapas adotadas no processo de construção da coleção Equilíbrio.

3.1 Metodologia de pesquisa

Essa pesquisa quanto à natureza é classificada como pesquisa aplicada, que


de acordo com Gil (2010), objetiva gerar conhecimentos para utilização prática,
direcionado à solução de problemas específicos — envolve verdades e interesses
locais ao abordar as questões de sustentabilidade e upcycling.
Quanto aos objetivos é considerado pesquisa exploratória, pois, busca-se
conhecer com maior profundidade o assunto, de modo a torná-lo mais claro. De
acordo com Gil (2010), esse tipo de pesquisa tem como objetivo fornecer maior
familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir
hipóteses.
Quanto aos procedimentos técnicos é considerada pesquisa bibliográfica,
que, de acordo com Gil (2010), é desenvolvida mediante material já elaborado,
principalmente livros e artigos científicos.
9
Quanto à forma de abordagem do problema esta pesquisa é caracterizada
enquanto qualitativa, pois, não se preocupa com representatividade numérica, mas,
sim, com o aprofundamento da compreensão ao fenômeno que está sendo
estudado. Para Minayo (2009), a pesquisa qualitativa trabalha com o real significado,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis.

3.2 Metodologia de projeto de produto de moda

A metodologia projetual escolhida para este trabalho foi desenvolvida por


Munari (2008), pois, considera-se este método bastante versátil e prático para
aplicação projetual de produtos de moda. A metodologia é dividida em seis etapas:
1) enunciação do problema; 2) identificação dos aspectos e funções; 3) identificação
dos limites; 4) verificação das disponibilidades tecnológicas; 5) criatividade; e 6)
geração dos modelos.
A enunciação do problema trata da justificativa do projeto, de acordo com o
autor, “o problema pode ser indicado pela indústria ao designer segundo uma
análise das necessidades, ou então, proposto pelo designer à indústria” (MUNARI,
1968 p.366). Nesta etapa, o presente trabalho apresenta como proposta a
reutilização de resíduos têxteis. O objetivo, como solução, é mostrar em forma de
uma coleção de moda as possibilidades de incorporação de novos significados aos
tecidos que seriam descartados.
Em identificação dos aspectos e das funções, o problema passa pela
verificação no campo físico e psicológico. Segundo Munari (2008), na parte física,
realiza-se uma verificação técnica e econômica do objeto a ser projetado e na parte
psicológica faz-se uma verificação cultural, histórico-geográfica que se refere à
relação entre objeto e o usuário. Nesta etapa são necessárias pesquisas que
possam servir como base para o desenvolvimento do projeto. No caso deste
trabalho, foram realizadas três pesquisas bases: sustentabilidade, moda sustentável
e upcycling.
Na fase de identificação de limites, segundo Munari (2008), a partir das
informações levantadas na etapa anterior, torna-se capaz a determinação dos limites
10
do problema e entre esses limites, a identificação dos elementos do projeto. Neste
trabalho, o fator que limita o desenvolvimento é o material a ser utilizado, uma vez
que, se trata de um recurso finito e incerto.
Após a seleção e análise dos materiais, em verificação das disponibilidades
tecnológicas são definidos quais tecidos serão utilizados na coleção e, também, os
métodos de modelagem e confecção das peças.
Após a coleta de todos os dados e a definição das ferramentas e materiais,
inicia-se a fase de criatividade, momento em que são feitos os painéis de auxílio ao
projeto, como o painel de tema, o painel de lifestyle e o painel de parâmetros de
moda. Esses painéis semânticos foram utilizados como referência imagética de
inspiração para a geração de alternativas — última etapa projetual —, na qual foram
escolhidas as peças que compuseram a coleção Equilíbrio.

4 BOOK DE COLEÇÃO

O book de coleção é uma ferramenta de trabalho em que são sintetizados os


assuntos e conceitos teóricos abordados ao longo deste trabalho. É o resultado do
desenvolvimento da coleção Equilíbrio e consiste na apresentação de informações
teóricas e práticas representadas em textos e painéis conceito, lifestyle, parâmetros
de moda, cartela de cores, tecidos e aviamentos. Por fim, é apresentado o mapa da
coleção desenvolvida e o mapa do desfile, contendo os looks selecionados para
serem materializados e desfilados.

4.1 Conceito de Coleção

Equilíbrio: o nome da coleção partiu do próprio significado da palavra, com


maior destaque para seu sentido figurativo, ou seja, manter-se firme sem se
desequilibrar para nenhum dos lados. Ligação direta com a proposta da coleção que
é mostrar de alguma forma que, quando encontrado o equilíbrio na vida, se
encontra, também, a felicidade. O equilíbrio é o responsável pela paz e tranquilidade
que as pessoas tanto almejam.
Tudo que for demais causa dor, seja a tristeza, a solidão ou até o amor, uma
vez que desequilibrado, ultrapassa limites e causa sérios problemas. A motivação de
escolha do painel, conforme observado na Figura 3, foi apresentar que o impulso é
11
extremamente prejudicial à vida, que ora agimos pela razão e, em questão de
segundos, podemos mudar de opinião, agindo pela emoção. Pender para qualquer
um dos dois lados, nesse sentido, seria desfavorável, evidenciando, portanto, a
necessidade de um equilíbrio entre as partes.

Figura 3 — Painel conceito

Fonte: Christian Schloe (2015).

4.2 Lifestyle

A pesquisa de lifestyle é a análise detalhada do padrão de vida/lifestyle do


provável consumidor dessa coleção, caracterizado por suas atividades, interesses e
opiniões.
O painel lifestyle evidencia (cf. Figura 4) essa mulher — contemporânea e
independente, vive a atualidade. Tem plena consciência do seu merecido
reconhecimento perante a sociedade e mercado de trabalho. É inteligente,
politizada, intelectualizada e urbana. Adora viajar para lugares inusitados e pode ser
12
encontrada facilmente em metrópoles, onde vive e concentra suas atividades.
Singular, audaciosa e segura de si não possui conceitos preestabelecidos e convive
em harmonia com as diversidades humanas e sociais.

Figura 4 — Painel lifestyle

Fonte: Elaborado pelas autoras (2017).

4.3 Parâmetros de Moda

Esta etapa é o estudo detalhado das tendências que fundamentaram a


criação da coleção no que diz respeito às formas, às texturas e às cores, trazendo
como principais elementos referências imagéticas de desfiles e lookbooks que se
ajustem e tenham relação com a proposta geral.
Conforme o painel de parâmetros de moda, evidenciado na Figura 5, formas
geométricas, estrutura e transparência são os pontos mais chamativos da coleção.
Todas as peças trazem uma identidade única, com modelagem e detalhes
diferenciados. A principal característica são as formas estruturadas usadas de forma
criativa em todas as peças. Uma coleção que traz novidade e inovação nas formas
clássicas para ser usada por quem tem estilo e autenticidade.
13
Figura 5 — Painel parâmetros de moda

Fonte: Elaborado pelas autoras (2017).

4.4 Coleção de Moda

Para desenvolver a coleção é fundamental o planejamento de cores, tecidos e


aviamentos a serem utilizados. Um fator limitador deste projeto foi o material
escolhido para a materialização dessa coleção, a escolha dos tecidos se estabelece
a partir dos resíduos coletados nas empresas têxtil da região de Gaspar/SC,
restringindo assim os tipos e cores de tecido. A seguir serão exibidas a cartela de
cores com suas harmonias e a cartela de materiais. Evidencia-se que a cartela de
materiais foi desenvolvida com base nos materiais disponíveis no período de
execução do projeto, uma vez que foram utilizados resíduos têxteis —, a cartela
pode sofrer alterações dependendo da disponibilidade de materiais.

4.4.1 Cartela de cores e harmonia

A cartela (ver Figura 6) é composta por cores vivas e monocromáticas. O


preto e branco transmitem sofisticação e elegância para as peças. Em contrapartida
as cores vivas como o rosa, o verde, o azul e o amarelo trazem ousadia e
despojamento para os looks. As harmonias escolhidas refletem a personalidade
14
singular e audaciosa do público-alvo.

Figura 6 — Cartela e harmonia de cores

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

4.4.2 Cartela de tecidos e aviamentos

Nesta coleção os tecidos escolhidos para serem usados dentre os resíduos


têxteis que estavam disponíveis nas empresas de confecções foram o neoprene,
com duas gramaturas diferentes — um mais estruturado e outro mais leve — e o
cetim gloss. O crepe carolina foi comercialmente comprado para ser utilizado
enquanto forro das peças. Para os acabamentos, foi utilizada a entretela colante e a
linha 100% algodão. A cartela de tecidos e aviamentos pode ser observada na
Figura 8, a seguir.
15
Figura 7 — Cartela de tecidos e aviamentos

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

4.4.3 Croquis

É apresentado na Figura 8 o mapa da coleção Equilíbrio.

Figura 8 — Mapa da coleção

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

5 MATERIALIZAÇÃO

Após o desenvolvimento teórico e prático do book de coleção, foram


selecionados dois looks para serem confeccionados. A seguir, será apresentado a
parte operacional do desenvolvimento dos looks escolhidos.

5.1 Seleção dos Materiais

Durante o mês de agosto de 2018 foi realizada, nas empresas têxteis da


16
região de Gaspar/SC, a triagem e coleta dos resíduos têxteis utilizados para a
materialização dos looks. Provenientes do processo de produção, antes de começar
a ser desenvolvida uma coleção, muitas amostras de cortes de tecido são pedidas
aos fornecedores. Geralmente, essas amostras variam entre um a três metros de
comprimento. Depois da seleção dos tecidos iniciou-se, efetivamente, a
materialização, que consiste na elaboração da modelagem e confecção das peças.

5.2 Mapa do Desfile

A seguir, na Figura 9, é apresentado o mapa de desfile, no qual são


evidenciados os dois looks selecionados para serem confeccionados e desfilados.

Figura 9 — Mapa de desfile

Fonte: Elaborado pelas autoras (2017).

5.3 Modelagem

A modelagem é uma das etapas de maior importância para a materialização


da coleção. Nesta etapa foram interpretados os desenhos técnicos criados pela
autora, na elaboração dos moldes componentes dos looks, de acordo com as
medidas individuais das modelos selecionadas para o desfile. O método de
modelagem utilizado para a elaboração dos moldes foi a modelagem tridimensional,
também conhecida como moulage. O primeiro passo foi desenvolver a modelagem
no manequim, planificar a modelagem no papel e construir o protótipo. Depois da
realização da primeira prova na modelo, verificou-se a necessidade de ajustes na
modelagem para, então, confeccionar a peça final (observar Figura 10). Foram feitos
17
vários testes e protótipos, porém, não se obteve o caimento e a estética esperados.

Figura 10 — Construção da modelagem

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Após a finalização das modelagens e dos moldes, pode-se dar continuidade


no desenvolvimento dos protótipos e na confecção de cada peça, que são
apresentados abaixo.

5.3.1 Look 1

Este foi o primeiro modelo a ser confeccionado. Durante o processo de


construção foram detectadas algumas dificuldades, principalmente em relação aos
tecidos que haviam sido selecionados. Foi necessário substituir o forro da capa, pois
o primeiro tecido utilizado, o cetim gloss, ficou enrugado e com mau caimento. Este,
portanto, foi substituído pelo tecido crepe carolina para dar um caimento melhor à
capa.

5.3.2 Look 2

Após o look 1 finalizado, iniciou-se a confecção do look 2. Durante o processo


de construção da modelagem foi encontrado dificuldade para fazer a manga. Após
18
vários testes foi obtido o resultado desejado.

6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Posteriormente a finalização do processo de desenvolvimento e produção dos


looks, estes foram apresentados em um desfile de moda que aconteceu na
Associação Tonho Alvorada, na noite do dia 13 de dezembro de 2018 e contou com
a apresentação de outras dezoito coleções de discentes do Curso Superior de
Tecnologia em Design de Moda do Instituto Federal de Santa Catarina
(IFSC)/Câmpus Gaspar. A Figura 11, a seguir, apresenta a finalização dos looks da
coleção Equilíbrio.
Figura 11 — Looks finalizados

Fonte: elaborado pelas autoras (2018).


19
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento dos impactos ao meio ambiente está interligado às decisões


tomadas nos estágios do ciclo de vida de um produto. Dessa maneira, torna-se
essencial a preocupação com o futuro do planeta também no processo projetual de
moda, a partir da utilização de diversas alternativas de produção mais consciente,
como por exemplo, o upcycling. Sendo assim, o principal objetivo desta pesquisa se
baseou na viabilidade de transformação de resíduos têxteis, que seriam
descartados, em novos produtos, por meio da técnica de upcycling — um método
sustentável de produção de moda em pequena escala.
A proposta desse estudo visou identificar a efetividade da aplicação deste
método em produtos de moda e fundamentou-se em conceitos de sustentabilidade e
moda sustentável. Foi possível observar que o upcycling possui seu valor, tendo
como pressuposto a reutilização de materiais e/ou produtos considerado como
descartáveis, porém, quando dado um novo significado a esses materiais,
minimizam impactos negativos ao meio ambiente.
Apesar de existirem técnicas e alternativas sustentáveis, entende-se que ser
sustentavel não é fácil, uma vez que, se encontrou grande dificuldade em reunir
materiais que combinassem entre si e fossem adequadas aos modelos
desenvolvidos na coleção. Para refazer o forro da capa do look 1, como não foi
encontrado nenhum tecido compatível em caimento, textura e coloração com o
tecido externo, foi necessário a aquisição e compra de um outro material, mais
apropriado, desviando-se assim, da proposta inicial de reuso de materiais.
Apesar do resultado negativo, observou-se a importância de aprimorar e
aprofundar as discussões a respeito desta temática, bem como, da necessidade de
investimento da indústria têxtil em pesquisas que abordem a utilização da técnica de
upcycling no processo projetual de moda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERLIM, Lilyan. Moda e sustentabilidade: uma reflexão necessária. São Paulo:


Estação das Letras e Cores, 2012.

BLACKWELL, Roger D; MINIARD, Paul W; ENGEL, James F. Comportamento do


consumidor. 9. ed. São Paulo: Thomsom, 2005.
20
BRISOLLA, Barbara. Pilares da sustentabilidade. 30 maio 2018. Disponível em:
<http://greensustentavel.blogspot.com/2018/05/pilares-da-sustentabilidade.html>.
Acesso em: set. 2018.

ECOD. Shopping EcoD: upcycling com lona de caminhão. 28 jun. 2011. Disponível
em: <http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2011/junho/shopping-ecod-upcycling-
com-lona-de-caminhao>. Acesso em: set 2018.

ELKINGTON, J. Enter the triple bottom line. In: HENRIQUES, A.; RICHARDSON, J.
(Ed.). The triple bottom line: does it all add up. London: EarthScan, 2004.

FEGHALI, Marta Kasznar; SCHMID, Erika; LIMA, Vera. O ciclo da moda. São
Paulo: Ed. Senac Rio, 2008.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2010.

GWILT, Alison. Moda sustentável: um guia prático. Tradução de Márcia Longarço.


São Paulo: Gustavo Gili, 2014.

KRAEMER, Maria Elisabeth Pereira. Contabilidade ambiental: o passaporte para a


competitividade, 2005. Disponível em: https://www.gestiopolis.com/contabilidade-
ambiental-o-passaporte-para-a-competitividade/. Acesso em: 3 nov. 2018.

MCDONOUGH, William; BRAUNGART, Michael. The upcycle: Beyond sustainability


—designing for abundance. Macmillan, 2002.

Michaelis: dicionário pratico da língua portuguesa. São Paulo: Editora


Melhoramentos, 2008.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e


criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. Tradução de José Manuel de


Vasconcelos. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

PAZMINO, Ana Veronica. Uma reflexão sobre design social, eco design e design
sustentável. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESIGN SUSTENTÁVEL, 1., 2007,
Curitiba, PR. Anais… Curitiba, PR, 2007. Disponível em:
<http://naolab.nexodesign.com.br/wp-content/uploads/2012/03/PAZMINO2007-
Dsocial-EcoD-e-Dsustentavel.pdf>. Acesso em: out. 2018.

PEREIRA, Adriana Camargo; SILVA, Gibson Zucca da; CARBONARI, Maria Elisa
Ehrhardt. Sustentabilidade, responsabilidade social e meio ambiente. São Pau-
lo: Saraiva, 2011.

RIBEIRO, Maísa de Souza. Contabilidade ambiental. São Paulo: Saraiva, 2006.

RUSSEL, Helen. The yeahs of living danishly: uncovering the secrets of the
21
world’s happiest country. London: Icon Books, 2016.

SAVITZ, Andrew; WEBER, Karl. A empresa sustentável: o verdadeiro sucesso é o


lucro com responsabilidade social e ambiental. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

SCHLOE, Christian. The balance. In: CHRISTIAN SCHLOE DIGITAL ARTWORK.


Digital Artwork II. [S.l.], 7 jan. 2015. Publicação em página do Facebook. Disponível
em: <https://www.facebook.com/media/set/?set=a.190342421112749&type=1>.
Acesso em: set. 2018.

SILVA, Mariana Souza da; TRANCOSO, Samira Moraes Kroeff. A moda através do
respeito: uso de conceitos sustentáveis no vestuário slowfashion. In: COLÓQUIO DE
MODA, 8., 2012, Rio de Janeiro, RJ. Anais… Rio de Janeiro, RJ, 2012. Disponível
em: <http://www.coloquiomoda.com.br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20-
%202012/GT11/POSTER/103392_A_moda_atraves_do_respeito.pdf> Acesso em:
out. 2018.

WIKING, Meik. O livro do hygge: o segredo dinamarquês para ser feliz. São Paulo:
Leya, 2018.

Você também pode gostar