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LICENCIATURA EM HISTÓRIA

HISTÓRIA DA AMÉRICA I
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

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REPÚBLICA
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MINISTRO DA EDUCAÇÃO
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB


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LUCAS DE FARIA JUNQUEIRA

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

HISTÓRIA DA AMÉRICA I

Eduneb
Salvador
2012
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

© UNEB 2012
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BIBLIOTECA DO GRUPO DE GESTÃO DE PROJETOS E ATIVIDADES NA
MODALIDADE A DISTÂNCIA – UNEB

JUNQUEIRA, Lucas de Faria


J95 História da América I: licenciatura história. / Lucas de Faria Junqueira. Salvador: UNEB/GEAD,
2011.
76 p.

1. História 2. História da América 3. Civilização 4. Colonialismo I. Lucas de Faria Junqueira


II. Título. III. Universidade Aberta do Brasil. IV. UNEB / GEAD

CDD: 970

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Caro (a) Cursista.

Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem
estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura em História na modalidade de educação
à distância (EAD).
O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas
da área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar conhecimento teórico-prático de maneira
contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos
envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser
utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor
Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso
somado compõe os estudos relacionados a EAD.
É importante também que vocês estejam sempre atentos as caixas de diálogos e ícones específicos que
aparecem durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A idéia é mediar junto
ao leitor, uma forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne
interlocutor ativo desse material.
São objetivos dos ícones em destaque:

– convida o leitor a conhecer outros aspectos daquele tema/


conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta.

– apresenta notas, textos para aprofundamento de assuntos


diversos e desenvolvimento da argumentação, conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliam a
compreender melhor o conteúdo abordado.

– neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites,


vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre determinado tema.

– consiste num conjunto de atividades para você realizar


autonomamente em seu processo de autoestudo. Estas atividades podem (ou não) ser aproveitadas pelo professor-
formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo principal é o de provocá-lo, desafiá-lo em seu processo
de autoaprendizagem.

Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e
entusiasmo para juntos desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.

Setor de Material Didático


Coordenação UAB/UNEB

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Apresentação da disciplina

Caro(a) aluno(a),

Este material integra a Disciplina História da América


I que busca estimular seu estudo e reflexão acerca do
passado do nosso continente até o declínio do colonia-
lismo europeu. É uma oportunidade para aprofundar o
contato com as raízes da nossa história continental.
Nas páginas que se seguem, as Américas índia, es-
panhola, inglesa e francesa são postas sob análise.
O itinerário começa com o povoamento do continente
americano e subsequente evolução sociocultural dos
inúmeros povos que habitaram o que hoje se chama
América. Dentre eles, destacaram-se os Maias, Me-
xicas e Incas, vislumbrados mais detalhadamente. A
diversidade cultural dos povos ameríndios impressiona
o observador que se dedique a lançar um olhar sobre
os mesmos.
Seguindo o percurso da tortuosa história americana,
abre-se à análise um processo capital para a confor-
mação do mundo desde então: a conquista da América
pelos europeus. Violência, trabalho compulsório e epi-
demias ocasionaram uma verdadeira hecatombe entre
os povos nativos.
Das cinzas da conquista emergiu o mundo colonial,
Novo Mundo, mescla de contribuições de povos varia-
dos, sob hegemonia europeia. Espanhóis, portugueses,
ingleses, franceses, holandeses e outros europeus ocu-
pam os espaços americanos deixados pela mortalidade
nativa. A eles juntaram-se diversos povos africanos,
trazidos à força para perecer no solo americano como
os indígenas.
A combinação de culturas tão variadas e ricas no es-
paço e tempo americanos originou, por sua vez, povos
novos, entre os quais o nosso. Assim, espero que seus
estudos sobre o nosso continente sejam frutíferos e
que você continue estudando os temas da disciplina
posteriormente.

Bons estudos!
O Autor

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EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – DO POVOAMENTO DO CONTINENTE ÀS PRIMEIRAS


CIVILIZAÇÕES
O povoamento e a evolução sociocultural do homem americano .................................................................
O povoamento da América e suas teorias explicativas .................................................................................
A evolução sociocultural do homem na América ..........................................................................................
As primeiras civilizações ameríndias ...........................................................................................................

CAPÍTULO 2 – AS ALTAS CULTURAS PRÉ-COLOMBIANAS


A Civilização Maia .....................................................................................................................................
A Civilização Mexica ................................................................................................................................
A Civilização Inca .....................................................................................................................................

CAPÍTULO 3 – ENCONTRO ENTRE MUNDOS: A CONQUISTA DA


AMÉRICA
A Europa da Expansão Ultramarina ...............................................................................................................
1492: Colombo e os índios .........................................................................................................................
A conquista espanhola da América .............................................................................................................
Rápido balanço da conquista espanhola .....................................................................................................
Ingleses e franceses em mar e terra ..........................................................................................................

CAPÍTULO 4 – O COLONIALISMO NA AMÉRICA


A colonização espanhola ............................................................................................................................
A colonização inglesa .................................................................................................................................
As colonizações francesa e holandesa .......................................................................................................
A colonização das Antilhas .........................................................................................................................
Crise do colonialismo na América ..............................................................................................................

REFERÊNCIAS ..........................................................................

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Anotações

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EaD

Do Povoamento
do Continente
às Primeiras
Civilizações

CAPÍTULO 1
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Anotações

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O povoamento e a evolução A partir das pesquisas realizadas, os arqueólogos


sociocultural do homem estadunidenses deduziram que a cultura Clovis seria a
primeira existente na América, fruto de levas migratórias
americano
mongolóides vindas do nordeste da Ásia pelo Estreito de
Bering, formando uma espécie de “cultura ancestral” das
Américas que teria se difundido por todo o continente
O povoamento da América e suas te-
(MANN, 2007, p. 165). Os vestígios da cultura Clovis
orias explicativas
evidenciaram a presença humana no continente entre
O continente americano é palco de dezenas de 13.500 e 10.800 anos atrás, datas hoje rejeitadas por
milhares de anos de evolução sociocultural humana. muitos pesquisadores, pois os achados e pesquisas
Diversos modelos teóricos buscam explicar o início deste recentes em outros locais apontam para um povoamento
processo, o povoamento da América, com resultados mais remoto e diverso:
distintos e muitas vezes contraditórios e polêmicos. Farei
um balanço sintético de algumas teorias formuladas ao O modelo “Clovis first”, que na verdade seria mais bem de-
longo do tempo e em seguida defenderei uma proposta nominado “Clovis-first/Clovis-like”, é defendido majoritari-
alternativa que dê conta das últimas descobertas reali- amente pela comunidade arqueológica norte-americana. [...]
zadas pelos pesquisadores do tema. Mas vestígios arqueológicos encontrados principalmente
na América do Sul não necessariamente coincidem com as
Ressalto, de antemão, que o conhecimento cientí- expectativas do Modelo Clovis [...] Diferentemente do que
fico acerca da pré-história humana, especialmente em ocorre na América do Norte, as primeiras indústrias de pedra
relação à América, se desenvolveu enormemente nos lascada ao sul do equador são extremamente diversificadas e
últimos anos. Assim, quero alertá-los de que o quadro parte esmagadora delas não mostra nenhuma relação com a
explicativo para o povoamento americano pode se alterar Indústria Clovis (NEVES; PILÓ, 2008, pp. 67-8).
em breve (e, acredito, na direção que aponto em minhas
formulações). Dentre as descobertas que colocaram em cheque as
É universalmente aceito que o berço da evolução teses dos clovistas, quanto à homogeneidade mongo-
humana é o continente africano, tendo os primeiros ho- lóide do povoamento americano, encontra-se o Homem
minídeos lá surgidos há milhões de anos. Portanto, está de Kennewick, fóssil de 9.400 anos descoberto perto de
excluída a possibilidade de uma evolução autóctone do Kennewick, Washington, em 1996. O Homem de Ken-
homem na América. Deste modo, é necessário encontrar newick tornou-se centro de uma controvérsia, pois uma
a origem do homem americano a partir das migrações primeira reconstituição do seu rosto sugeriu que tivesse
pré-históricas advindas do Velho Mundo. traços caucasianos, ou “caucasóides” (MANN, 2007, p.
Até poucas décadas atrás, o modelo mais conhecido 182). A descoberta de Kennewick contribuiu para explicar
e aceito para explicar o povoamento da América foi o por que certos povos ameríndios atuais possuem alguns
de Clovis-First, desenvolvido por pesquisadores dos poucos traços genéticos caucasóides, similares aos de
Estados Unidos. Seu nome deve-se às descobertas, europeus e centro-asiáticos. Porém, as pesquisas que
entre 1929 e 1932, de sítios arqueológicos próximos ao mais abalaram a credibilidade do modelo Clovis foram
povoado de Clovis, no Novo México (EUA). Nestes sítios realizadas na América Latina, inclusive no Brasil.
encontraram-se vestígios de indústria lítica procedentes A partir das pesquisas realizadas em meados do
de um povo que caçava grandes animais do Período século XIX pelo naturalista dinamarquês Peter Lund, no
Pleistocênico. interior de Minas Gerais, nas quais foram encontrados
vestígios da mega fauna pleistocênica e fósseis humanos

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paleolíticos com morfologia craniana distinta da mongo- morfológica com grupos australianos e africanos atuais”,
lóide, novas teses foram idealizadas por pesquisadores ao passo que os crânios dos ameríndios modernos
brasileiros e estrangeiros. “mostravam grande similaridade com os grupos asi-
Na década de 1970, um grupo de pesquisadores áticos” (NEVES; PILÓ, 2008, p. 153). Tais resultados
franco-brasileiro estudou os sítios de Lagoa Santa (MG) embasaram a formulação de um modelo denominado
pesquisados por Lund, encontrando fósseis humanos e “Modelo dos Dois Componentes Biológicos Principais”,
outros vestígios que indicaram uma ocupação superior no qual duas levas migratórias principais teriam povoado
a 10 mil anos atrás, na região. Um fóssil feminino bem o continente americano: a primeira, há cerca de 14 mil
conservado encontrado então foi estudado posteriormen- anos atrás, composta por indivíduos que portavam a
te, indicando uma datação de 11.500 anos. Tal fóssil foi morfologia geral semelhante à africana; a segunda, há
apelidado como Luzia (Figura 1), e é o fóssil humano cerca de 12 mil anos, composta por mongolóides.
mais antigo pesquisado na América. As teses de Neves e Pucciarelli, que defendem a
existência de uma população de morfologia geral na
América anterior à mongolóide, as quais se somariam
às levas posteriores menores de povos árticos (aleutas
e esquimós), estão sendo mais aceitas entre os estudio-
sos atualmente, mas estão longe de ser unanimidade,
pois defendem como rota única para o povoamento do
continente o Estreito de Bering.
Entre os pesquisadores que divergem das teses de
Neves e Pucciarelli temos Maria Conceição Beltrão e
Niède Guidon. A primeira, arqueóloga do Museu Na-
cional do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir de pesquisas
desenvolvidas no interior da Bahia, postulou a presença
na América de hominídeos desde centenas de milhares
de anos. Para tanto, além do Estreito de Bering, Beltrão
defende a possibilidade de “uma ligação da África do
Sul com a América do Sul provocada por uma glaciação
que produziu ilhas entre a África e o Brasil” (TALENTO,
2009, p. 24-26). Tal rota teria sido utilizada tanto por
hominídeos primitivos, como o Homo Erectus, como
pelo Homo sapiens.
Já Niède Guidon, brasileira de descendência francesa
e doutora pela Sorbonne, pesquisa sítios arqueológicos
da Serra da Capivara (PI) desde a década de 1960. Entre
os sítios pesquisados, destaca-se o de Boqueirão da Per-
da Furada, onde foram encontrados indícios paleolíticos
com datações entre 18 mil e 58 mil anos atrás. Porém,
Guidon foi ainda mais radical ao defender a existência
Figura 01. Reconstituição da face de Luzia. Disponível em <http:// de vestígios de uma fogueira, datados pela técnica de
pt.wikipedia.org/wiki/Luzia_(f%C3%B3ssil)>. Acesso em: 30 de maio termoluminescência, que atingiriam por volta de 100 mil
de 2011.
anos, em Pedra Furada, mas poucos estudiosos creditam
tal antiguidade.
Walter Neves e Héctor Pucciarelli, na década de 1980, Para dar conta de tamanha antiguidade do homem
realizaram um estudo comparativo entre os crânios de na América, Guidon também defende a rota de migração
Lagoa Santa e de outras populações sapiens espalhadas marítima África-América do Sul, algo bastante atacado
pelo mundo. Os resultados obtidos apontaram que os por estudiosos como Walter Neves:
quinze crânios analisados mostravam “grande afinidade

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Você pode explicar perfeitamente o povoamento da América Do Sudeste Asiático, grupos humanos partiriam para
sem recorrer a travessias oceânicas, porque, antes dos asiáti- a colonização da Indonésia e Oceania, por via marítima,
cos do tipo atual, que a gente chama de mongolóides, popu- rumo ao sul, enquanto outros tomariam a direção diversa,
lações parecidas com os australianos e africanos estavam
rumo ao Norte, subindo a costa leste da Ásia por terra
presentes na Ásia. (LE MONDE DIPLOMATIQUE. Disponível
ou navegação de cabotagem, alimentando-se da fauna
em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=186>,
marinha, rica fonte de nutrientes, atingindo a América via
acesso em 31.03.2010.)
Bering (por mar e/ou terra). No noroeste do continente
americano, os migrantes teriam descido a costa até atin-
Busco agora defender um modelo alternativo para girem um ponto onde o clima fosse mais ameno, entre
o povoamento da América que dê conta das datações o sul da Califórnia e o norte do México. Estimo que isto
remotas de Niède Guidon (até os 58 mil anos, pois os tenha se dado por volta de 70 mil anos atrás, no início
100 mil são muito criticados) sem lançar mão da migra- da última glaciação.
ção oceânica, já que não se conhecem vestígios de tal
Saliento que neste ponto afasto-me das teses de
migração. Paralelamente, busco conciliar as propostas
Oppenheimer, já que este ficou limitado pela sua con-
de Guidon às de Walter Neves e demais pesquisadores
cepção genética da difusão humana ao estudo das
que compartilham de suas teses.
populações atuais, sendo que os primeiros povoadores
Analisar o povoamento pré-histórico da América exige da América teriam sido praticamente exterminados pelos
alguma dose de imaginação, pois existem muitas lacu- mongolóides que chegaram posteriormente, entre 20 e
nas nos dados científicos. Sabe-se ainda muito pouco 10 mil anos atrás.
sobre tal processo, e é provável que nunca tenhamos
Os primeiros povoadores que atingiram o litoral
um completo quadro do mesmo. Contudo, há “pistas”
mexicano supostamente dividiram-se entre os que con-
disponíveis, utilizadas por vezes de formas distintas por
tinuaram a navegar pelo sul e outros, que interiorizaram
pesquisadores diferentes.
o povoamento, dispersando-se de forma mais lenta, em
Steven Oppenheimer, no documentário do Discovery todas as direções, povoando o restante do continente,
Channel A Origem do Homem (The Real Eve, DISCOVERY incluindo a região de Lagoa Santa, onde Luzia viveu há
COMMUNICATIONS, 2002), construiu um modelo geral milhares de anos atrás.
da difusão do homem da África para o restante do mundo
Os fósseis humanos até hoje encontrados apontam
baseado em estudos genéticos e arqueológicos. Segun-
que foram os paleoamericanos (de morfologia geral
do ele, há 80 mil anos atrás saiu da África a primeira leva
africana) os primeiros a ocupar boa parte do continente
populacional Homo sapiens que originou o povoamento
americano. Já a zona ártica da América, após a vinda dos
primitivo do restante do planeta, tendo como rota a tra-
paleoíndios (já de morfologia mongolóide), recebeu levas
vessia do Mar Vermelho, entre a Eritreia e o Iêmen. No
mais recentes (até 8.000 anos atrás) de mongolóides que
processo de migração, um grupo pequeno ficou isolado
se fixaram pela região, dando origem aos povos aleutas
na Península Arábica, gerando uma única linhagem de
e esquimós, isolados dos demais grupos americanos.
DNA mitocondrial (que só é passado da mãe para os
filhos). Tal linhagem seria a origem de grande parte das Trazendo do Velho Mundo novas técnicas e práticas
populações humanas atuais. culturais, as levas de migrantes mongolóides aparen-
temente levavam vantagem sobre os americanos de
Partindo da Península Arábica, Oppenheimer seguiu
morfologia geral, substituindo-os de forma violenta onde
os rastros do DNA mitocondrial até as populações atuais
quer que os encontrassem, pois seus hábitos alimentares
do Sudeste Asiático e da Austrália. Vestígios arqueoló-
permitiram a formação de grupos maiores.
gicos da presença humana na Malásia, datados de pelo
menos 74 mil anos, parecem confirmar as teses de Se em um primeiro momento paleoamericanos
Steven sobre a difusão do homem na região. Os cerca ocuparam grande parte do território brasileiro até 12
de 6.000 anos passados entre tal datação e a hipotética mil anos atrás, a colonização mongolóide a partir do
saída do grupo original da África (80 mil anos) seriam noroeste da América do Sul se espalhou rapidamente
teoricamente suficientes para os humanos percorrerem pelo litoral sul-americano (sambaquieiros), a partir de
os 10 mil quilômetros entre ambas as regiões. 10-9 mil anos, e de forma mais lenta pelo interior. Logo
os povos mongolóides amazônicos desenvolveram a

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agricultura rudimentar e a cerâmica, originando novos Os modos de subsistência variavam bastante, incluin-
padrões demográficos e culturais, espalhando-se pelo do a pesca fluvial e marinha, a coleta de frutos do mar
restante do território em detrimento dos povos coletores- ou de vegetais em terra e a caça, especializada ou não.
-caçadores (de morfologia geral ou mesmo mongolóide). As opções dependiam dos recursos disponíveis em cada
Processos semelhantes também se deram no restante território ocupado.
da América do Sul e nas Américas Central e do Norte, O trato com determinadas plantas ao longo de milê-
exceto na região ártica. nios originou os primórdios da agricultura entre alguns
bandos nômades, que tendiam a se sedentarizar gradu-
almente, tornando-se primeiramente seminômades. Tal
VOCÊ SABIA? condição de maior disponibilidade de alimentos e menor
mobilidade espacial proporcionou avanços na organiza-
Você sabia que o Brasil possui inúmeros complexos arqueológicos, ção social e na cultura material. Os povos seminômades
formando um dos conjuntos mais ricos de vestígios arqueológicos viviam em comunidades maiores, formando tribos ou
das Américas? É surpreendente a quantidade de achados e as
aldeias (JUNQUEIRA, 2010a). Surgiram os caciques e
possibilidades de novas pesquisas em nosso País. Entre os principais
complexos arqueológicos está o da Serra da Capivara (Piauí),
xamãs, membros da comunidade que exerciam certo
transformado em Parque Nacional. O Parque, com suas instalações controle sobre os demais, advindo do prestígio e idade
e sítios arqueológicos, pode ser visitado presencialmente ou pela que tinham. O processo de sedentarização em curso
internet, através do endereço da Fundação Museu do Homem possibilitou o desenvolvimento da cerâmica (quase
Americano: <http://www.fumdham.org.br/>. Vale a visita!
sempre como subproduto da agricultura).
Porém, nem sempre foi a invenção da agricultura o
A evolução sociocultural do homem na principal motor para a sedentarização dos grupos hu-
América manos. A riqueza alimentar advinda da pesca e coleta de
mariscos proporcionou a sedentarização de grupos que
Os grupos nômades (classificados socialmente como demonstraram uma maior complexidade técnica, cultural
bandos) que migraram para a América, há milhares de e social, como os sambaquis das costas brasileira e
anos, estavam em um estágio tecnológico paleolítico, ou pacífica da América do Sul exemplificam. Entre os povos
seja, tinham uma cultura material rudimentar, constituída andinos litorâneos dedicados à pesca e coleta marinhas
por toscos instrumentos de pedra lascada, e organização e à agricultura do algodão havia os chinchorros, que por
social baseada no parentesco e solidariedade grupal. No volta de 5.000 a.C. começaram a mumificar corpos, o
período de transição entre o Pleistoceno e o Holoceno que evidencia sua complexidade sociocultural (MANN,
(ocorrido entre dez e oito mil anos atrás), o processo 2007, p. 192).
de adaptação a diferentes habitats em meio ao novo De qualquer forma, foi a agricultura que revolucionou
ambiente holocênico deu origem a indústrias líticas mais o modo de vida dos ameríndios, em geral. Ao longo de
aperfeiçoadas e diferenciadas entre si (Mesolítico ame- milênios, foi se concretizando na América a chamada
ricano). Podemos constatar, desde então, uma grande “Revolução Neolítica”, que englobou
diversidade cultural e material entre os povos ameríndios
que já se insinuava no Paleolítico. além do desenvolvimento da agricultura, um conjunto de in-
Por volta de seis mil a.C. concluiu-se o recuo das venções – como polimento da pedra, cerâmica, tecelagem
geleiras rumo aos pólos, iniciando-se uma fase mais – que transformaram lentamente o modo de vida dos povos.
quente que modificou definitivamente o meio-ambiente Este processo levou à gradual sedentarização, maior espe-
americano e proporcionou novas oportunidades de cialização do trabalho e, num estágio avançado, instituições
sustento aos grupos nômades, algumas (como a coleta políticas estatais e urbanização. (JUNQUEIRA, 2010a, p. 35).

de frutos do mar que formava os sambaquis) inclusive


permitiram a sedentarização de grupos cada vez mais nu- Segundo os registros arqueológicos disponíveis, não
merosos. Paralelamente, aprofundou-se a regionalização se deve falar sobre a Revolução Neolítica na América, e
das indústrias líticas, agora ainda mais aperfeiçoadas sim acerca das Revoluções Neolíticas continentais: o de-
(microlitos neolíticos). senvolvimento da agricultura se deu independentemente

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na costa pacífica andina, na região amazônica e no Mé- O milho índio não pode reproduzir-se por si, pois os seus
xico meridional. Acredita-se que tais desenvolvimentos grãos são seguramente embrulhados pelo folhelho, de modo
agrícolas na América tenham ligação com a chegada e que os índios devem tê-lo desenvolvido a partir de outras es-
pécies. Porém, não existem espécies silvestres que se asse-
adaptação dos povos mongolóides nestas áreas, como
melhem ao milho índio. O seu parente genético mais próximo
conseqüência de um modo de se relacionar e explorar os
é uma gramínea montanhesa chamada teosinto, cuja aparên-
recursos botânicos distinto do vivenciado pelos grupos
cia é estritamente diferente [...]. Ninguém come o teosinto,
paleoamericanos (FUNARI; NOELLI, 2005, p. 71). pois a sua produção de grãos é pequena demais para valer a
Assim, os ameríndios aprenderam a domesticar plan- pena cultivá-lo. Ao criar o milho índio moderno a partir dessa
tas e manejar os recursos dos habitats que povoavam, planta tão pouco promissora, os índios realizaram um feito
estabelecendo-se em comunidades cada vez maiores, tão improvável que os arqueólogos e biólogos se pergunta-
que cresciam no ritmo da elevação da produtividade ram, durante décadas, como a proeza teria sido alcançada
agrícola, que era complementada pela pesca e/ou caça. (MANN, 2007, p. 20).
Sua atitude perante o meio-ambiente foi cada vez mais
transformadora, sendo que em muitos casos alteravam Os ameríndios criaram mais de cinqüenta varieda-
radicalmente a paisagem em que viviam, como na parte des do milho índio, só no México, no que talvez seja
da floresta antropogênica amazônica, na região do Beni o maior feito da humanidade no campo da engenharia
(atual Bolívia) e nos bosques plantados e savanas oriun- genética (MANN, 2007, p. 209). O milho era cultivado
das das queimadas no leste dos atuais EUA. na Mesoamérica em campos agrícolas chamados milpa,
“resultado da junção de diversos cultivos em um mesmo
campo, como frutas, verduras, legumes e cereais, entre
eles o milho” (JUNQUEIRA, 2010a, p. 40). Tal mistura
proporcionava uma boa fertilidade do solo, além de uma
dieta variada para os homens.
Nos Andes, os primórdios da agricultura remontam a
antiguidade semelhante à mesoamericana, sendo culti-
vados a cabaça, o algodão, a kinoa (quinoa), a vagem,
pimentas variadas, abóboras, amendoim, a batata, além
da coca e, posteriormente, o milho (vindo da Mesoamé-
rica). A batata teve papel semelhante ao do milho mais
ao norte, sendo o sustentáculo alimentício dos povos
andinos (há três mil variedades de batata nos Andes).
Na Amazônia, talvez a região onde mais cedo se
iniciasse a domesticação de vegetais, há quatro mil
Figura 02. Alguns dos cultivos pré-colombianos: tomate, mandioca (aipim), anos já eram trabalhadas pelo homem 140 espécies de
batata, milho e pimentas. Foto do autor, 2011.
plantas como tubérculos, feijões, amendoins, abóboras,
batatas, pimentas, pimentões e tantas outras espécies
Quanto aos cultivos (Figura 02), na Mesoamérica (grande parte delas árvores). Entretanto, se destacava
iniciou-se o processo de plantio de cabaças, abóbo- na subsistência da região a mandioca (como atualmen-
ras, pimentas e ameixas há quase 10 mil anos atrás. te, sendo cerca de 100 as variedades existentes), ao
Posteriormente, foram cultivados o painço (um cereal), que parece, domesticada no Peru ou Colômbia (10 mil
o tomate e variedades de vagens e feijões, além do a 8.400 anos atrás), disseminando-se pela Amazônia
algodão. Porém, o cultivo mais importante em termos brasileira posteriormente. Foi justamente na Amazônia
de produtividade, chegando a formar a base alimentar brasileira onde se descobriu a cerâmica mais antiga nas
agrícola na Mesoamérica, foi o milho. Mas o milho não Américas (cerca de 7600 anos).
foi apenas cultivado pelos mesoamericanos, e sim criado Além dos cultivos vegetais, os povos amazônicos
por eles há mais de seis mil anos, pois não existia, tal transformavam parte do pobre solo ferroso da floresta
como o conhecemos, na natureza: em terra preta (extremamente fértil), “composta por

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carvão vegetal (extraído das matas derrubadas para Já a região ocupada pelas civilizações urbanas me-
o plantio), restos de comida, excrementos e cerâmica soamericanas englobava os atuais territórios do México,
quebrada”, encontrada em muitos sítios da região (JUN- Belize, El Salvador, Guatemala e Honduras, totalizando
QUEIRA, 2010a, p. 43). Isto aliada à criação de pomares algo próximo dos 900 mil quilômetros quadrados (LEÓN-
de árvores de castanha do Pará ou de cupuaçu, dentre -PORTILLA, 2004). Ambas as regiões apresentam eleva-
outros. da diversidade geográfica e ambiental, além de recursos
hídricos que favoreceram o desenvolvimento agrícola.
Além das áreas civilizacionais centrais da Mesoamé-
SAIBA MAIS rica e Zona Andina, zonas periféricas nos atuais EUA e
nas Américas do Sul e Central experimentaram um menor
A ocupação milenar e intensiva nas margens dos grandes rios desenvolvimento sociocultural quanto à complexidade
amazônicos, pelos indígenas, transformou partes do solo em terra política, cultural e urbanística.
preta, também chamada “terra preta de índio”, que possui altas taxas
de fertilidade em relação ao solo natural, pobre e ferroso, da floresta.
Com o passar do tempo, o progresso na domesti-
Acesse os endereços virtuais abaixo e conheça mais sobre o assunto: cação de plantas e animais e a consequente elevação
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2004/01/040106_ da produtividade deram origem à sedentarização e
terrapretaml.shtml a uma organização socioeconômica mais complexa
http://www.museu-goeldi.br/destaqueamazonia/tpa.htm (aparecimento de especializações funcionais, ligadas
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u14294.shtml
http://compolsoc.wordpress.com/2011/05/26/antigos-indios-da-
às atividades artesãs, religiosas ou guerreiras). Aldeias
amazonia-contribuiram-para-a-fertilidade-da-terra-preta-fapesp/ com centenas e ou mesmo milhares de pessoas desen-
volveram-se, onde a organização social ainda se dava
pelo parentesco, sendo que surgiram os clãs e linhagens
Esse tipo de intervenção ambiental consciente foi
que posteriormente se cristalizaram, hierarquizando-se a
experimentado em várias partes da América índia, como
partir da especialização funcional (agricultores, artesãos,
no caso das queimadas de coivara amazônicas ou na
guerreiros, sacerdotes e chefes políticos).
criação de pastagens e campos na América do Norte
(nos EUA, desenvolveu-se o Complexo Agrícola Oriental, Com o estabelecimento das chefias hereditárias
por volta do I milênio a.C.). estava aberto o caminho para a criação de instituições
políticas e uma maior divisão social e funcional. Linha-
Em relação à domesticação de animais, os ameríndios gens guerreiras e sacerdotais mesclavam-se com as
só domesticaram o peru e o cachorro, na Mesoamérica. linhagens dos chefes políticos, formando os rudimentos
A lhama, a alpaca, o porquinho da índia e o pato-almis- de uma corte e seus agregados (artesãos e serviçais).
carado, nos Andes, porque o continente americano era
O relativo monopólio da força por parte dos guer-
pobre em termos de grandes mamíferos domesticáveis.
reiros ligados ao chefe, aliado à justificativa religiosa
Tal estado de coisas, apesar de prejudicar os transportes
que os mitos das origens e os sacerdotes alimentavam,
nas civilizações ameríndias, não foi impedimento para
proporcionou a apropriação (via tributos) do excedente
o florescimento de sociedades complexas na América,
econômico, principalmente advindo da agricultura. Tal
sustentado pela agricultura.
excedente era canalizado para a construção e manu-
tenção de templos ou obras de irrigação, em nome da
As primeiras civilizações ameríndias coletividade. Este processo originou as instituições
estatais necessárias para a coordenação dos esforços
Das diversas regiões do continente americano que coletivos em prol da elevação da produtividade agrícola
experimentaram o florescimento da agricultura, duas e da satisfação das divindades cultuadas. Da mesma
delas foram os berços da civilização urbana: a Zona forma, abriu espaço para uma definitiva divisão social
Andina e a Mesoamérica. do trabalho (entre governantes e governados).
O núcleo cultural da Zona Andina pré-colombiana Certo é que este processo não se deu em todas as
abrangia partes dos atuais Peru e Bolívia (gradualmente culturas ameríndias, sendo que povos em estágio de
abrangendo porções do Equador, Chile e Argentina). À organização social rudimentar, sem divisão social, con-
época imperial Incaica, a área total da região superava tinuaram existindo mesmo após a conquista europeia
um milhão de quilômetros quadrados. no continente.

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Nas sociedades que se desenvolveram institucional e campesina, porém em menor medida do que os grandes
materialmente rumo ao Estado e à urbanização, a religião comerciantes.
foi aspecto fundamental, legitimando o poder de chefes O desenvolvimento agrícola permitiu o crescimento
que se tornaram reis quando submetiam populações da complexidade sociocultural e política das sociedades
mais alargadas demográfica e espacialmente. Todas as em vias de urbanizar-se. Acreditava-se até pouco tempo
evidências apontam para a necessidade da constituição que sociedades da Mesoamérica haviam vivenciado
de Estados de cunho teocrático (em alguma medida) primeiramente este processo no continente americano.
como pré-condição para o surgimento das cidades. Porém, estudos realizados na década de 90 revelaram
A urbanização se desenvolveu ao redor de centros que os primeiros centros cerimoniais na América surgi-
cerimoniais, que agrupavam a elite política, militar e ram no Peru, em Norte Chico (na costa peruana), e não
sacerdotal que dominavam as camadas subalternas na Mesoamérica (JUNQUEIRA, 2010a).
dedicadas à produção alimentar ou artesanal. Os centros Pesquisadores peruanos e estadunidenses estimam
Olmecas (Mesoamérica) ou da região de Norte Chico que Norte Chico abrigasse (entre o IV e o II milênios
(costa andina) evidenciam tal importância da religião e a.C.) até 25 centros cerimoniais ou “cidades” . Segundo
do Estado para o surgimento da civilização urbana em Charles Mann, um destes centros, chamado Huaricanga,
terras americanas. possui uma das arquiteturas públicas mais antigas da
A principal fonte de riqueza nas civilizações pré- história humana (3.500 a.C. ou mais), dominada por
-colombianas era a agricultura, portanto a terra tinha seu grande templo, em forma de “U”: “na época de sua
importância central como meio de produção. Processos construção, o templo de Huaricanga estava entre os
históricos diversos nas múltiplas sociedades ameríndias maiores edifícios do mundo.” (MANN, 2007, p. 188).
transmutaram a originária propriedade comunal da terra Entre 3200 e 2500 a.C., sete outros centros da região
(levando ao fracionamento de lotes para cada família também ergueram edifícios públicos de grande escala,
camponesa, que detinha sua posse). demonstrando o vigor civilizador existente em Norte
Em vias gerais, num segundo momento, a ação Chico.
estatal cada vez mais institucionalizada contribuiu para No interior da região também floresceram centros
a distribuição desigual da posse da terra. Territórios cerimoniais que cultivavam o algodão empregado nas
conquistados ou novas terras abertas ao cultivo servi- redes de pesca marinhas, destacando-se Caral (Figura
ram como pagamento aos serviços prestados ao Estado 03), “com seus 60 hectares de terraplanagens, grandes
por guerreiros de destaque, funcionários burocráticos plataformas de templos, praças cerimoniais e edificações
ou sacerdotes. Paralelamente, as comunidades aldeãs de pedra residenciais” (JUNQUEIRA, 2010a, p. 55).
tinham que pagar tributos ao Estado em produtos ou
trabalho, recebendo lotes familiares. Ou pagavam os
impostos com a produção do seu lote ou eram obrigadas
a também trabalhar nas terras estatais, gerando o exce-
dente apropriado para a manutenção da máquina estatal.
Não obstante, não havia na América índia a noção de
propriedade privada da terra enquanto riqueza pessoal,
comerciável e hereditária. A propriedade da terra era do
Estado (ou seja, do soberano e/ou das divindades), sen-
do que a posse e usufruto eram destinados aos súditos
a partir do papel que exerciam.
Os grandes comerciantes, como os pochtecas mexi-
cas, viviam uma vida luxuosa e desfrutavam de prestígio
Figura 03. Foto do sítio de Caral. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/
social suficiente para enviar seus filhos ao colégio do wiki/Civiliza%C3%A7%C3%A3o_de_Caral>. Acesso em 02 de junho de
Calmecac, assim como os filhos da nobreza de Teno- 2011.
chtitlán (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). Comunidades de
artesãos especializados nas altas sociedades ameríndias
também gozavam de um status superior ao da maioria

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Não se sabe ainda, com segurança, como tais socie- gerou meia dúzia de centros cerimoniais no entorno do
dades surgiram e se desenvolveram (se formavam um lago, semelhantes ao estilo de Norte Chico, um deles,
único povo ou vários e quais as relações políticas entre Tiwanaku, dominou a região mil anos depois, formando
os centros). Acredita-se que a pesca marítima tenha um grande centro religioso e político.
sido o substrato inicial para as concentrações humanas Por volta da época de Cristo, surgiam pequenos Es-
litorâneas. Tal atividade exigia o algodão cultivado nos tados regionais que quebravam o localismo andino. No
centros do interior. Assim, havia intercâmbio entre os vale do Moche, litoral norte peruano, um Estado belicoso
centros litorâneos e interioranos, sem que se saiba ao dominou parte da costa e realizou obras de irrigação em
certo qual a relação entre eles, em termos de hegemonia grande escala. Os Moche difundiram suas sofisticadas
política e/ou comercial. Seja como for, podemos vislum- cerâmica e metalurgia, bem como construíram templos
brar que o governo na América foi ‘inventado’ em Norte e palácios da realeza guerreira em sua capital, Huaca del
Chico, dados os vestígios de urbanização encontrados. Sol, utilizando o adobe como matéria prima. O declínio do
A civilização desenvolvida na região deixou marcas poderio moche se deu por volta de 800 d.C. na região,
que influenciaram os povos andinos posteriores, como posteriormente dominada pelos Chimor. Já no sul da
o formato arquitetônico em “U” dos principais templos, costa, as culturas de Nazca e de Paracas floresceram,
o “Deus da Vara”, conhecido posteriormente como Wira- destacando-se pelos grandes glifos grafados no relevo
qocha (deus criador Incaico) e a cultura têxtil elaborada. e pelas técnicas de mumificação, respectivamente.
Outros locais deram origem a centros cerimoniais Nos planaltos do centro-sul da Cordilheira surgiram
na Zona Andina, como o de Chuquitanta (cerca de as primeiras cidades, de fato, da Zona Andina. No século
2500 a.C), na costa central peruana. Da mesma for- VIII d.C., Tiwanaku e Wari despontaram como centros
ma, grandes edifícios religiosos em pedra, como o das hegemônicos. A partir do lago Titicaca, Tiwanaku ex-
Mãos Cruzadas, em Kotosh (1500 a.C.) evidenciam o pandiu seus domínios em direção ao sul, influindo sobre
desenvolvimento sociocultural dos povos andinos fora todo o planalto boliviano (FRAVE, 1998, p. 10). Sua
de Norte Chico. imponente arquitetura de templos e palácios evidencia
No I milênio a.C., desenvolveu-se nos Andes uma a presença de forte organização estatal. As grandes
cultura conhecida como Chavín de Huantar. O estilo artís- e constantes obras públicas administradas pela elite
tico, religioso e arquitetônico de seus centros difundiu-se política-sacerdotal deixavam ocupadas as massas das
por extensa área, sem que tenha formado um “império” comunidades submetidas ao tributo, ao mesmo tempo
militar. Teria expandido sua influência por proselitismo em que mantinham o status de metrópole religiosa da
(CARDOSO, 1996; FRAVE, 1998). Nas representações época, nos Andes.
gravadas em pedra e na cerâmica, pintadas sobre cons- Já Wari, baseada no vale médio do Mantaro, foi o
truções ou impressas em lâminas de ouro destaca-se o núcleo urbano de um Estado centralizado que executou
culto ao jaguar (ou puma). a construção de imensos terraços, irrigados com as
O centro cerimonial de Huantar possuía um templo águas das geleiras dos cumes montanhosos andinos,
escavado na rocha, em formato de “U”, como os de cultivando neles a batata e o milho índio. Sua influência
Norte Chico. Os fiéis que adentravam seu interior en- se disseminou pela crista dos Andes, sendo fundados
cravado na rocha deviam vivenciar uma experiência doze centros administrativos no seu território. A singular
espiritual e energética profunda, sentindo-se no ventre arquitetura de Wari, com cinco quilômetros quadrados
da mãe Terra, tendo em vista as bases da religiosidade de edifícios separados por altos e maciços muros, foi
andina, “permeada por montes, grutas e pedras com reproduzida nos demais centros construídos por seu
significados espirituais (as wak’a), sendo a terra a própria povo (MANN, 2007). Tal estrutura urbanística evidencia
mãe dos povos, pachamama, a provedora da fertilidade o caráter militarista e hierarquizado da sociedade.
que sustenta o homem” (JUNQUEIRA, 2010a, p. 103). No fim do I milênio d.C., Tiwanaku e Wari declinaram,
No Altiplano andino, paralelamente ao desenvolvi- com as secas e enchentes que arruinaram sua agricultura
mento dos centros da costa peruana, o lago Titicaca e provocaram o colapso do poderio dos seus Estados
propiciou o florescimento de povos urbanos. No início do frente à pressão climática. Suas derrocadas abriram
primeiro milênio a.C., a junção entre pesca e agricultura um período de fragmentação política nos Andes, com

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diversas cidades-Estado disputando entre si a influência No atual território brasileiro também se encontravam
em suas regiões. civilizações que se desenvolveram rumo aos primórdios
Tal impasse foi quebrado no século XIII, quando os da urbanização. No estado do Acre, que faz fronteira com
Chimor surgiram como o primeiro grande império nos a Bolívia junto ao departamento de Beni, uma rede de
Andes. Seus soberanos dispunham de um poder absoluto estruturas em formato de geoglifos abrigava povoados
e teocrático que conduziu grandes obras de irrigação nos ou centros cerimoniais. Os registros arqueológicos, ainda
vales de Moche e Chimaca. Estas obras proporcionaram pouco estudados, são diferentes dos da civilização do
à época o sustento de populações mais numerosas do Beni, portanto seriam oriundos de outro povo. Com
que as atuais na região (FRAVE, 1998). Chan-Chan, efeito, as pesquisas dos últimos anos parecem apontar
sua capital feita de adobe, foi o maior centro urbano da que inúmeros povos com graus variados de desenvolvi-
Zona Andina Central, pois sua população possivelmente mento civilizador habitavam a região amazônica, sendo
alcançou 80 mil habitantes (CARDOSO, 1996). A sofis- que seus restos estão cobertos pela densa vegetação
ticação da cultura chimor foi elevada na metalurgia, na tropical:
tecelagem e na cerâmica, instituindo a produção em série Do oeste, onde se encontram os vestígios do Beni e do Acre,
em suas atividades artesanais. O império erigido por sua passando pelos vales dos rios que cortam a floresta (como
civilização ocupou 1.200 km do litoral andino. Os Chi- o Tapajós, o Xingu e o Amazonas), até o delta em que está
mor construíram fortalezas e estabeleceram um estrito assentada a ilha de Marajó, a leste, pipocam evidências neste
sistema administrativo e tributário nas áreas dominadas sentido. (JUNQUEIRA, 2010a, p. 59)
que influenciou posteriormente os Incas, responsáveis
pela sua derrocada. As margens dos rios amazônicos abrigavam grandes
Em outras partes da América do Sul, povos se de- assentamentos indígenas que transformaram parte da
senvolviam paralelamente à evolução civilizatória andina, floresta tropical em floresta antropogênica até a chegada
também formando civilizações entre o III milênio a.C. europeia. Relatos coloniais, como o de Gaspar de Carva-
e a chegada europeia. Na atual Bolívia, departamento jal, dão conta da grandeza dos assentamentos indígenas,
de Beni, a paisagem de savana amazônica apresenta entre eles um que tinha moradias e hortas dispostas na
sinais claros de que no passado a região abrigou uma margem ao longo de 160 quilômetros, sendo que um
civilização que alterou o ambiente em uma área de 78 pouco afastadas do rio foram avistadas “cidades muito
mil quilômetros quadrados ao longo dos três mil anos grandes” (MANN, 2007, p. 303).
que precederam a conquista europeia. Esta civilização,
O substrato para o desenvolvimento de grandes
que atingiu até um milhão de pessoas:
aglomerações humanas foi a difusão da terra preta entre
povos amazônicos, dada a elevada fertilidade do solo
[...] criou um dos maiores, mais singulares e mais ecologica- preto cultivado. No I milênio d.C., desenvolveram-se
mente ricos ambientes artificiais do planeta [...] construiu grandes assentamentos às margens dos rios Xingu,
montes para fins de moradia e de cultivo, [...] caminhos Negro e Tapajós, em áreas de terra preta que poderiam
elevados e canais para fins de transporte e comunicações,
ter sustentado até 400 mil pessoas.
criou os currais de pesca, e promoveu queimadas nas sa-
vanas para mantê-las desmatadas, livres das árvores que as
Situada na foz do Amazonas, a ilha de Marajó foi
retomariam. Há mil anos, a sociedade deles estava em seu pesquisada por Anna Roosevelt nos anos 1980. Esta pes-
apogeu. Seus povoados e cidades eram espaçosos, formais quisadora estadunidense postulou que se desenvolveu
e guardados por fossos e paliçadas. (MANN, 2007, p. 12- em Marajó uma civilização que perdurou por mais de um
13). milênio, atingindo até 100 mil habitantes que ocuparam
milhares de quilômetros quadrados. Inúmeros platôs
Sabe-se pouco sobre as causas do declínio da foram construídos para o erguimento de assentamentos
civilização do Beni. A hipótese mais aceita é a de que o indígenas, alterando a paisagem pantanosa da ilha. Tal
impacto da chegada das epidemias europeias dizimou povo alcançou um grau de especialização funcional que
a população antes que europeus chegassem à região, pode ser constatado pela rica cerâmica produzida, parte
fazendo com que seu processo civilizador fosse ignorado dela destinada aos enterros – servindo como urnas fu-
até os estudos realizados a partir da segunda metade nerárias finamente decoradas (FUNARI; NOELLI, 2005).
do século XX.

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As epidemias, guerras e escravidão advindas do con- Na virada do I milênio d.C., uma etapa mais ela-
tato com colonos portugueses provocaram verdadeiro borada de desenvolvimento cultural foi vivenciada por
genocídio indígena nos séculos XVI e XVII, fazendo com assentamentos espalhados pelo baixo Mississipi, onde
que as sociedades ameríndias amazônicas de grande centros cerimoniais permeados por montes de tamanhos
porte se dissolvessem, com seus sobreviventes em variados (alguns de enormes proporções) foram cons-
pequenos grupos refugiando-se nas selvas afastadas truídos. Entre estes centros, destacou-se o de Cahokia,
dos olhos europeus: que viveu seu apogeu entre 950 e 1250, quando possuía
uma área de doze quilômetros quadrados e abrigava
talvez 15 mil pessoas. Até o século XVIII, foi “a maior
[...] pelas grandes crueldades, que neste Estado tem executa-
do; das quais baste por prova, que em menos de quarenta
concentração humana ao norte do Río Grande” (MANN,
annos consumirão os Portuguezes mais de dous milhões de
2007, p. 270). A sociedade de Cahokia incluía campo-
índios, e mais de quatrocentas Povoações, tão populosas, neses, pescadores, comerciantes, artesãos, soldados,
como grandes Cidades, de que hoje se não vê, nem rasto sacerdotes e funcionários estatais que se moviam pelas
onde estiverão (VIEIRA, 1746, p. 39). ruas e canais construídos. O principal monte do centro,
denominado atualmente como “Monte do Monge”, tinha
Ao norte do continente, nos atuais territórios do Ca- enormes proporções: 280 metros de comprimento, 200
de largura e seis de altura (Figura 04). Foi cuidadosamen-
nadá e Estados Unidos, diversos povos experimentaram
te construído com camadas de areia e argila.
processos civilizadores, alguns iniciados há cinco mil
anos, época em surgiu uma tradição cultural que tinha
como característica a construção de montes de terra
espalhados aos milhares, ao longo de milênios, por
uma vasta área, desde o Canadá meridional até o Golfo
do México.
Após períodos de maior ou menor ocorrência, uma
nova fase teve início por volta de 800 a.C., quando um
assentamento agrícola sofisticado floresceu em Adena.
Neste sítio, os vários montes abrigavam tumbas onde
pessoas de destaque eram sepultadas juntamente com
“braceletes e contas de cobre, tábuas de pedra e cola-
res, tecidos e sovelas, e às vezes, tubos de pedra em
forma de animais surreais” (MANN, 2007, p. 273). Tais
vestígios permitem deduzir que havia hierarquização e
especialização funcional elaboradas, além da crença na
Figura 04. Foto atual do Monte do Monge. Disponível em: <http://
vida após a morte. Dezenas de povoados (com seus pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADtio_Hist%C3%B3rico_Estadual_dos_
montes) surgiram no vale do Ohio influenciados pelo Cahokia_Mounds. Acesso em 30 de maio de 2011.
estilo cultural de Adena, entre 800 e 100 a.C.
A posterior cultura indígena conhecida como hopewell A estratificação social atingiu um alto nível em
provavelmente esteve ligada à tradição cultural dos Cahokia, com o Estado baseado em sua influência
adena, pois construíram montes de terra semelhantes. religiosa apoderando-se dos excedentes camponeses
Espalhada pelo território atual dos EUA, a religiosidade via tributo. A base alimentar que proporcionou a ex-
hopewell atingiu elevada sofisticação, destacando-se pansão populacional necessária para a execução de
os impressionantes registros da “riqueza material e grandes obras públicas veio da adoção do milho índio
ritualística com que eram enterrados os indivíduos mais pelos povos da região. Os excedentes extraídos pelas
importantes daquelas sociedades sob os montes de elites, via tributo, sustentou sua riqueza, que pode ser
terra que serviam como tumbas” (JUNQUEIRA, 2010a, vislumbrada através dos sepultamentos nos montes do
p. 63). Há evidências de intercâmbios materiais entre os centro cerimonial cahokiano, com integrantes da elite
povoados hopewell, que vicejavam nos quatro primeiros enterrados com diversos objetos e centenas de jovens
séculos d.C. serviçais (MANN, 2007).

22 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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Cahokia declinou e foi abandonada nos séculos XIII e monumentos e montes, era circundado por diversos
XIV, provavelmente pela ocorrência de desastres naturais, povoados agrícolas tributários.
como as enchentes (que varreram o centro da povoação, Por volta de 900 a.C., San Lorenzo declinou num
a partir do manejo destrutivo das margens e cursos dos processo violento em que o sítio foi abandonado e os
rios visando à agricultura e ao desenvolvimento das obras monumentos destruídos, sem que se saiba exatamente
públicas) e um grande terremoto. Processos semelhan- as causas (revoltas internas ou ataques externos). Não
tes aparentemente se abateram sobre outros centros obstante, a cultura olmeca continuou se desenvolvendo
cerimoniais às margens do Mississipi, que declinaram em outros centros, como o de La Venta, ainda maior do
sob a pressão das intempéries climáticas, agravadas que San Lorenzo. À época do seu apogeu (entre 1.100 a
pelas alterações na paisagem provocadas pelo homem 600 a.C.), La Venta constituiu uma grande comunidade,
em sua expansão agrícola e urbana. com seu núcleo cerimonial (onde duas grandes pirâmi-
Após esta era de instabilidade, do Mississipi à costa des de terra dominavam a paisagem) assentado sobre
Leste os indígenas continuaram a plantar crescente- uma ilha pantanosa circundado por um anel residencial
mente o milho índio, porém não mais erigiram centros de povoados agrícolas tributários, somando quase 20 mil
cerimoniais, adaptando-se aos limites ambientais com pessoas. Além de La Venta, centros cerimoniais olmecas
práticas mais sustentáveis: como Trez Zapotes e Cerro de las Mesas declinaram na
segunda metade do I milênio a.C., época em que outros
Em poucos séculos, os índios da floresta oriental reconfigu-
povos mesoamericanos despontaram entre as civiliza-
raram grande parte da paisagem, transformando-a, de col- ções que experimentavam o proto-urbanismo.
cha de retalhos de terrenos de caça, numa mescla de terras
cultivadas e pomares. Uma parte suficiente da floresta foi
preservada para permitir a caça, mas a agricultura era uma
presença crescente. O resultado foi a criação de um novo
“equilíbrio da natureza” (MANN, 2007, p. 283).

Um pouco mais ao sul, na Mesoamérica, a milpa


forneceu no II milênio a.C. a produtividade necessária
para o sustento de populações cada vez maiores, que se
espalhavam ao redor de centros cerimoniais que surgiam
na região à época. Entre os povos mesoamericanos que
passaram a praticar a agricultura de forma mais intensiva
destacaram-se os Olmecas.
Os Olmecas (do termo Olman, que significa “Terra
da Borracha”, material que utilizavam) desenvolveram
sua civilização em meio a florestas e pântanos costei-
ros dos estados de Vera Cruz e Tabasco, no Golfo do
México. Seus centros abrigaram ao todo até 350 mil
pessoas em seu apogeu. Paul Gendrop (2005, p. 14),
ao tratar da primazia civilizadora olmeca na Mesoamérica Figura 05. Escultura olmeca. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
e sua influência sobre os demais povos, se refere aos Olmecas>. Acesso em 30 de maio de 2011.

Olmecas como “a primeira chama cultural espetacular


na Mesoamérica”. Mesmo após a derrocada dos Olmecas, sua com-
Os vestígios olmecas com datações mais recuadas plexidade cultural e política, atestada pela engenharia e
são de 1.800 a.C, contudo o primeiro centro cerimo- organização social necessárias às grandes obras públi-
nial, San Lorenzo, foi erguido meio milênio depois. Seu cas, foi legada a outros povos mesoamericanos. Entre
núcleo cerimonial, formado por uma plataforma de um a vasta herança cultural olmeca, encontram-se a escrita
quilômetro quadrado e 45 metros de altura que continha hieroglífica, conhecimentos matemáticos, calendários,

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a arquitetura monumental piramidal dos templos, o jogo Entre os povos que se desenvolveram rumo à urba-
ritual com bolas de borracha e o culto ao jaguar (bastante nização está o dos Zapotecas, habitantes do Vale Central
difundido na religiosidade pré-colombiana). A influência de Oaxaca (México). Um dos centros zapotecas, Monte
olmeca foi alimentada pelos intercâmbios comerciais e Albán, ocupava um terraço montanhoso nivelado de
por sua religiosidade, atingindo comunidades distantes 22 hectares, com seus templos, palácios, anfiteatros e
geograficamente. outras edificações, atingindo talvez setenta mil pessoas
Porém, mesmo que desfrutassem de uma hegemonia em seu apogeu. Monte Albán foi sede de um Estado
cultural inicial, os Olmecas não estiveram sozinhos na expansionista que dominou inúmeros outros povoados e
tarefa de criar a civilização na Mesoamérica, pois outros centros em uma área de 25 mil quilômetros quadrados.
povos organizados logo emergiram ao longo do I milênio O poderio zapoteca coexistiu com as demais entidades
a.C., incrementando as trocas mercantis e culturais, esta- políticas de destaque na Mesoamérica do I milênio d.C.,
belecendo a reciprocidade do processo. Como evidência como os centros Maias a leste, os centros cerimoniais da
da diversidade cultural mesoamenricana, uma dúzia de cultura totonaca (situados em Vera Cruz), e Teotihuacán
diferentes sistemas de registro escrito surgiu na região. ao norte (JUNQUEIRA, 2010a).

Figura 06. Mapa da Mesoamérica (adaptado). Disponível em: <http://www.famsi.org/spanish/maps/index.html>. Acesso em 30 de maio de 2011.

24 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

As sociedades que sustentavam estas diversas e posteriores. Por exemplo, a língua teotihuacana, o
cidades-Estado vivenciaram uma era de instabilidade nahuat, era uma forma arcaica do náhuatl, língua dos
entre os séculos VII e X que pôs fim ao mundo clássico toltecas e mexicas. Já no campo religioso, parte signi-
mesoamericano. No caso dos Zapotecas, sua ruína ficativa do panteão divino mesoamericano do período
ocorreu entre 800 e 950 d.C., nos embates frente aos pós-clássico foi consolidado em Teotihuacán: “Tlaloc e
Mixtecas, que dominaram a região de Oaxaca. Chalchiuhtlicue, Senhor e Senhora das Águas; Quetzal-
Dentre as cidades propriamente ditas surgidas na cóatl, a Serpente Emplumada; Xiuhtecuhtli, Senhor do
Mesoamérica até a ascensão mexica, a primazia coube Fogo; Xochipilli, Príncipe das Flores” (LÉON-PORTILLA,
a Teotihuacán, centro sem rival em grandiosidade à 2004, p. 30).
época na região, localizado no Vale do Planalto Central Oriundos das margens setentrionais dos domínios
mexicano. Urbanizada inicialmente por volta de 100 teotihuacanos, na segunda metade do século IX, os
d.C., Teotihuacán foi metrópole teocrática – a “Cidade Toltecas ocuparam o planalto central mexicano após o
dos Deuses” – e sede de um poderoso Estado. Em seu declínio de Teotihuacán e fundaram a Tula, sua capital,
apogeu (nos séculos V e VI, quando era a sexta maior ao norte das suas ruínas. Tiveram como personagem
cidade do mundo), abrigava entre 85 e 200 mil habitan- central de sua história um rei-sacerdote chamado Topilt-
tes. A monumentalidade dos seus principais templos, as zin Quetzalcóatl, que encarnava a divindade teotihuacana
pirâmides do Sol e da Lua, impressiona: 63 e 43m de da Serpente Emplumada. Sob seu reinado, os Toltecas
altura, respectivamente (Figura 07). desfrutavam de enorme influência por toda a Mesoamé-
rica, sendo Tula o centro de um império que dominava
diversas cidades tributárias e controlava importantes
rotas comerciais. Em fins do I milênio d.C., disputas
políticas forçaram a saída de Quetzalcóatl do trono de
Tula (e alimentaram lendas do seu retorno mítico):

Ele fugiu com barcos carregados de legalistas para a penín-


sula de Yucatán, prometendo retornar. [...] Quetzalcóatl tinha
aparentemente conquistado a cidade Maia de Chichén Itzá, e
a estava reconstruindo à sua própria imagem tolteca. (MANN,
2007, p. 27)

Após seu exílio, o império tolteca passou por um


período de instabilidade, desembocando na queda final
de Tula, aproximadamente em 1150. Um dos povos
Figura 07. A Pirâmide do Sol de Teotihuacán. Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/Teotihuacan>. Acesso em 30 de maio de 2011. submetidos ao domínio tolteca, os Mixtecas, após a con-
quista de Oaxaca, com o aval tolteca estabeleceram-se
em Cholula, onde floresceu rica civilização de artesãos
Teotihuacán estabeleceu uma rede de intercâmbios especializados, responsáveis por um notável progresso
de diversos produtos (além de controlar o comércio e da metalurgia. Ambos os povos – Toltecas e Mixtecas
a transformação da obsidiana) que, juntamente com o – se enquadravam na vertente chichimeca da cultura
apelo religioso de seu centro e suas forças militares, con- mesoamericana que dominou a região após o declínio
tribuiu para difundir sua influência. Seu Estado teocrático do mundo clássico, do qual fizeram parte os Maias,
controlou uma confederação de povos subordinados vislumbrados a seguir.
espalhados pelo planalto mexicano, Chiapas, Oaxaca e
montanhas da atual Guatemala.
Nos séculos VII e VIII, o poderio de Teotihuacán ruiu
e a cidade foi assaltada e incendiada, processo do qual
pouco se sabe. Não obstante, a herança cultural teo-
tihuacana esteve presente entres povos contemporâneos

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 25


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Pesquise e escreva um texto dissertativo sobre o surgimento do Estado


na América índia.

INDICAÇÃO DE LEITURA

Para reforçar suas reflexões sobre o povoamento da América e a


diversidade cultural dos povos ameríndios é importante a leitura do
estudo de Pedro Paulo Funari e Francisco Noelli:
FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil.
São Paulo: Contexto, 2005.

26 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

AS ALTAS CULTURAS
PRÉ-COLOMBIANAS

CAPÍTULO 2
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

28 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

A civilização Maia

No curso do longo processo de configuração da


civilização Maia, seu povo experimentou processos
históricos semelhantes aos dos olmecas, zapotecas e
teotihuacanos. Sua história é basicamente dividida em
três fases: pré-clássica (1.800 a.C.- 200 d.C.), clássica
(séculos II ao X) e pós-clássica (séculos X ao XVI).
Segundo Paul Gendrop (1998), os Maias eram
originalmente provenientes do oeste dos atuais EUA.
Fixaram-se na área meridional da Mesoamérica ao longo
do III milênio a.C., formando aldeias agrícolas que tinham
como principal cultivo o milho índio. No I milênio a.C.,
surgiram centros cerimoniais na área Maia montanhosa,
ao sul (600 a.C. a 150 a.C.), destacando-se os centros
de Izapa e Kaminaljuyú. A partir de então, difundiu-se o
proto-urbanismo pelas Terras Baixas (zona central Maia)
com a formação de novos centros, em alguma medida
influenciados pelas culturas olmeca e zapoteca.
Por volta de 200 a.C., os governantes de Mutal (co-
nhecida atualmente como Tikal) iniciaram o erguimento
do seu centro, que foi uma das maiores cidades do
mundo clássico Maia. Com edificações espalhadas por
dezesseis quilômetros quadrados, o centro de Mutal
Figura 08. Templo do Jaguar, Mutal (Tikal). Disponível em: <http://
abrigava mais de dez mil pessoas, e milhares a mais pt.wikipedia.org/wiki/Tikal>. Acesso em 30 de maio de 2011.
residiam nos povoados tributários ao seu redor.
Ao longo dos primeiros séculos d.C., Mutal estabe- A prosperidade de Mutal atraiu a atenção da poderosa
leceu intercâmbios comerciais por toda a Mesoamérica. Teotihuacán, que enviou tropas para conquistá-la em
As grandes obras públicas, destacando-se a pirâmide 378 d.C., estabelecendo uma nova dinastia na cidade
do Jaguar (do século VIII d.C. – Figura 08), atestam que dominou os centros menores circundantes. Este
sua prosperidade no período clássico. Neste momento, processo despertou a rivalidade de Kann (conhecida
Mutal figurava como uma das principais entidades polí- hoje como Calakmul), centro importante e populoso
ticas da Zona Maia, em meio a dezenas de “pequenos e espalhando por uma área de 65 quilômetros quadrados.
médios Estados, entrelaçados em intrIncadas redes de Com o apoio dos seus Estados clientes, Kann iniciou uma
clientelismo e laços de matrimônio entre as casas reais” guerra contra Mutal que perdurou por mais de um século
(JUNQUEIRA, 2010a, p. 75). Entre os mais destacados e disseminou a violência pela zona Maia central, ao sul
centros da época estavam, além de Mutal, Piedras de Yucatán. A vitória final coube a Mutal, que estabeleceu
Negras, Palenque, Copán, Kann (Calakmul), Uxmal e sua hegemonia sobre a região, com o colapso de Kann.
Chichén Itzá (LEÓN-PORTILLA, 2004). A civilização clássica da zona central Maia, por volta
do século X, sofreu um gradual declínio, com o abandono
dos seus centros, entre eles Mutal, Palenque e Copan – o
“triângulo Maia clássico”. Sua derrocada enquadra-se
na era de instabilidade na Mesoamérica que pôs fim ao
período clássico, iniciada com o colapso de Teotihua-
cán. As causas destas derrocadas foram variadas, sem
que se possa generalizar tal processo. Para o caso dos
Maias, há evidências de que fatores climáticos teriam
sido determinantes:

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 29


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

[..] as mensurações científicas, principalmente de pólem em jaguar e posteriormente Quetzalcóatl. Um vasto panteão
sedimentos lacustres, mostraram que os Maias de fato der- divino era cultuado e cada comunidade possuía seus
rubaram grande parte das floresta da região, usando a ma- protetores. A religiosidade também estava presente no
deira como combustível e a terra para a agricultura. A perda
sistema de três calendários interligados, que aliavam
de cobertura arbórea teria causado erosão e enchentes em
a contagem linear do tempo com a cíclica. O mais im-
grande escala. Com seus campos desaparecendo sob seus
portante em termos culturais era o tzolk’in, de caráter
pés e uma população crescente para alimentar, os cultiva-
dores Maias foram obrigados a explorar áreas cada vez
religioso, formado por seções de 13 “meses” de 20
maiores de terrenos marginais, cada vez com mais intensi-
dias, totalizando 260 dias em cada ciclo. Para fins “lai-
dade. Vacilante, o sistema ficou numa posição vulnerável ao cos”, os Maias possuíam o haab, semelhante ao nosso
primeiro bom empurrão, o qual veio na forma de uma seca de calendário, baseado no ciclo solar de 365 dias, com 18
um século, que acometeu Yucatán entre cerca de 800 e 900 “meses” de 20 dias cada e um “mês” de cinco dias.
d.C. A desintegração social veio logo em seguida (MANN, Os calendários se encontravam exatamente a cada 52
2007, p. 263). anos, formando o que hoje se chama de a Volta do Ca-
lendário, e cada um dos 18.980 dias deste período tinha
Envolvidos em guerras e disputas dinásticas, os uma identificação única. Para contabilizar a passagem
governantes Maias da zona central foram incapazes dos ciclos foi criada a Contagem Longa, que tem como
de dar respostas à altura dos desafios impostos pela ponto de partida o ano de 3114 a.C., segundo o atual
natureza, fazendo com que o ambiente artificial criado calendário ocidental (JUNQUEIRA, 2010a).
por seus povos entrasse em colapso, eclipsando seu Para desenvolver seus calendários, os Maias com-
poderio. As estelas que gravavam os feitos dinásticos binaram sofisticados conhecimentos matemáticos e
gradualmente deixaram de ser confeccionadas, sendo astronômicos, sendo um dos primeiros povos a conceber
a última de 909 d.C. o “zero” e um símbolo para denotá-lo (uma espécie de
No período pós-clássico, o eixo cultural Maia pas- concha virada para baixo).
sou a florescer mais ao norte de Yucatán, porém sem Na arquitetura, essencialmente religiosa, destacava-
o esplendor dos tempos clássicos, sofrendo crescente -se a pirâmide como construção preponderante, marca
influência dos povos militaristas do vale mexicano, como dos povos mesoamericanos. Os grandes edifícios pú-
dos Toltecas. Centros como Uxmal, Mayapán e Chichén- blicos eram construídos com pesados blocos de rocha
-Itzá formaram uma liga política e experimentaram forte transportados sobre toras, alguns vindos de muitos
crescimento urbano, muitas vezes sob influência da quilômetros de distância. Uma característica dos cen-
arquitetura tolteca. Foi nesta conjuntura de abandono tros Maias era a amplitude dos espaços abertos entre
dos antigos núcleos urbanos da zona central e expan- as construções, sem a existência de traçados de ruas
são dos situados ao norte de Yucatán que os espanhóis como nossas cidades atuais. Praças, mercados (tiangui)
encontraram a zona Maia, à época da conquista. e campos para a prática de esportes ritualísticos com a
A estrutura política básica do mundo Maia era as bola de borracha compunham a paisagem urbana Maia.
cidades-Estado, chefiadas por reis legitimados pela Redes de canais, aquedutos e reservatórios abasteciam
descendência de antepassados poderosos deificados. os centros e impulsionavam a agricultura.
Controlavam o poder em estreita ligação com a religião, Nas artes, a sofisticada cerâmica tinha papel de des-
que era o cerne da vida cultural Maia. A nobreza e os taque, principalmente a relativa à religião. Alto-relevos
sacerdotes habitavam os palácios e templos dos centros. decoravam as construções e estelas, que registravam
Formavam um estrato intermediário comerciantes, guer- cenas dinásticas, religiosas, belicosas, bem como as da-
reiros, artesãos e funcionários estatais, que viviam no tas e hieróglifos da escrita (parcialmente decifrada pelos
entorno do núcleo político-sacerdotal. Os camponeses, pesquisadores), formada por cerca de 1.000 diferentes
base da pirâmide social, residiam nas comunidades tri- glifos silábicos que reproduziam a língua falada, tal qual
butárias periféricas. Prisioneiros de guerra escravizados as línguas ocidentais.
completavam o quadro social dos centros Maias.
A religiosidade Maia foi influenciada pelas tradições
olmeca e de Teotihuacán, absorvendo deuses como o

30 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Figura 09. Mapa de México-Tenochtitlán, de autoria de Hernán Cortez. Disponível em: <http://www.delange.org/TemMayor2/TemMayor2.htm>. Acesso
em 30 de maio de 2011.

A Civilização Mexica
SAIBA MAIS
Após a derrocada de Tula (século XII), abriu-se um
Os calendários Maias são a prova de que os povos mesoamericanos período de instabilidade pelas terras da Mesoamérica
atingiram elevado grau de conhecimentos matemáticos e astronômicos. pela pressão da migração de levas chichimecas (“bár-
Sobre a complexa junção entre os três calendários Maias e seus baros”) vindas do norte e constantes guerras entre as
significados, sugerimos a leitura da obra 1491, de Charles Mann
(indicada ao final do Capítulo). Porém, para iniciar sua pesquisa, acesse
diversas cidades-Estado. Foi neste estado de coisas que
o endereço abaixo e tome um primeiro contato com a genialidade dos os Mexicas (chamados equivocadamente de Astecas)
mesoamericanos: http://pt.wikipedia.org/wiki/Calend%C3%A1rio_Maia irromperam pelo Vale mexicano.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 31


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Dúvidas pairam sobre as origens dos Mexicas. alianças, confederações, relações tributárias, implican-
Aparentemente vieram da zona marginal setentrional da do povos numerosos, heterogêneos e imperfeitamente
Mesoamérica habitada pelos povos chichimecas, mas submetidos” (CARDOSO, 1996, p. 77).
tinham ligações com teotihuacanos e/ou Toltecas, pois O domínio tributário mexicano no início do século XVI
falavam como os últimos o náhuatl, originado a partir estendia-se por 38 “províncias”, com os funcionários
do nahuat de Teotihuacán. Textos mexicas afirmavam: mexicas – os calpixques – encarregados do registro
“Estamos retornando do norte, estamos voltando para e transporte dos tributos trabalhando em cada cidade.
o lugar onde vivíamos” (LEÓN-PORTILLA, 2004, p. 36). Ao todo, havia quase quinhentas cidades tributárias de
Inicialmente vivendo como vassalos (macehualtin – Tenochtitlán à época. Para descrever como seria um
plebeus) dos tlatoque (governantes) e pipiltin (nobres) desses centros, veja-se o relato de Hernan Cortés em
de Aztlan Chicomoztoc, os Mexicas migraram rumo 1519 sobre Iztacmastitán:
ao sul nos séculos XI e XII liderados pelo sacerdote
Huitzilopochtli, que foi deificado. Após contatos pací- Os domínios deste povoado se estendem por três ou qua-
ficos e belicosos com outros povos e passagens por tro léguas de casa ao lado de casa, planícies de um vale,
Coatepec e Tula, os Mexicas (contando cerca de 10 mil margeando um rio. Em um monte alto está a casa do senhor,
pessoas à época) conseguiram fixar-se apenas em ilhas com uma fortaleza que se equipara às melhores da Espanha,
pantanosas a oeste do lago Texcoco, onde, conforme a cercada de muros, barbaça e covas. Nas cercanias há uma
tradição, fundaram seu centro – Tenochtitlán – em 1325 população de cinco ou seis mil pessoas, que habita boas ca-
(SOUSTELLE, 1997). Dois séculos depois, o povoado sas, parecendo ser gente mais rica que a do vale abaixo. Aqui
iniciado com choupanas de bambu se transformou em também fui bem recebido e o senhor me disse que também
uma metrópole de centenas de milhares de pessoas, era vassalo de Montezuma (CORTEZ, 1986, p. 32).
“plenamente urbanizada, com canais, praças, merca-
dos, templos, pirâmides, palácios, lojas e residências, No campo cultural, os Mexicas sofreram influências
estendendo-se pelas margens circunvizinhas com as dos povos mesoamericanos com que entraram em con-
quais se comunicava por estradas e pontes” (JUNQUEI- tato, mesclando suas próprias tradições com as novas
RA, 2010a, p. 83-84). contribuições recebidas. O náhuatl, sua língua herdada
Após fundarem Tenochtitlán, os Mexicas iniciaram sua dos teotihuacanos, era um idioma rico e versátil, possuin-
dinastia em 1375, porém como vassalos do senhorio de do os Mexicas uma escrita pictográfica que demonstra o
Azcapotzalco até 1434. Neste ano, seu quarto soberano, valor estético da sua literatura. A religião é outro exemplo
Itzcoatl, auxiliado pelo hábil cihuacoatl Tlacaélel, aliou-se do cadinho cultural em que os Mexicas viviam, com seus
a Nezaualcoycotl (rei de Texcoco) para derrotar Azca- deuses tribais guerreiros e astrais convivendo com os
potzalco. Sabiamente, os dois soberanos vencedores deuses dos povos agrícolas:
tomaram como aliada uma cidade pertencente à tribo
de Azcapotzalco, Tlacopan, fundando a “Tríplice Aliança” [...] o grande Templo de Tenochtitlán era encimado por dois
(SOUSTELLE, 1997). santuários: o de Huitzilopochtli, vermelho e branco, e o de
Cedo Tenochtitlán emergiu como centro militar he- Tlaloc, azul e branco. Desse modo, a religião astral dos guer-
gemônico dentro da Aliança, subordinando as aliadas à reiros e a religião agrária dos povos sedentários fundiam-se
sua política belicosa. Sob sua liderança, uma série de por assim dizer, reconciliadas na síntese asteca (SOUSTELLE,
1997, p. 70).
conquistas subjugou centenas de cidades ao pagamento
de tributo. Porém, tal domínio tinha mais um cunho eco-
nômico-militar do que político, pois Tenochtitlán exigia o Completava o quadro de “conciliação religiosa” a
pagamento de tributos em produtos e serviço militares, adoção de Quetzalcóatl – a serpente emplumada de
ao passo que a maior parte das cidades conquistadas Teotihuacán – com nova roupagem astral (Vênus),
mantivesse governo próprio, desde que submisso à representando, ao lado de Xolotl (deus cão), a morte e
hegemonia mexica. Assim, devido à relativa autonomia a ressurreição.
política das cidades conquistadas e às revoltas diversas Os Mexicas possuíam calendários cíclicos nos
que ocorriam, o domínio mexica não pode ser descrito mesmos moldes dos Maias, porém adaptados à sua
como “império”, pois era: “na verdade um mosaico de

32 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

cosmogonia. Ao final dos ciclos de 52 anos realiza- Completavam o tecido social de Tenochtitlán as
vam a cerimônia do Grande Fogo, impedindo que seu categorias especializadas dos comerciantes pochtecas
mundo fosse destruído pelos deuses pela quinta vez. (ligados ao comércio exterior) e dos artesãos. Estes
Igualmente era exigido, para a sobrevivência do mundo grupos formavam corporações e organizações específi-
onde viviam, manter irrigadas as engrenagens do uni- cas, com seus próprios bairros na cidade, mas pagavam
verso, satisfazendo o Sol, a Terra e as divindades com impostos – somente a nobreza estava isenta.
o chalchíhuatl – fluido da energia vital, ou seja, sangue A estrutura fundiária era um espelho da sociedade
humano –, derivado de incontáveis sacrifícios em seus mexica. Existiam três formas gerais de propriedade de
templos e espaços sagrados. Prisioneiros de guerra terra: a comunal, pertencente ao calpulli (subdividida
tinham seu coração arrancado do peito e ofertado, ainda entre os lotes individuais e terras comuns); a dos nobres,
batendo, ao Sol. As exigências divinas faziam com que (alienável entre eles e transmissível por herança); e as
os Mexicas fizessem guerras e torneios para a captura pertencentes ao Estado (para manutenção da realeza,
de prisioneiros. dos templos e do governo civil e militar).
No campo das artes, destacam-se a escultura O Estado mexica era complexo e refletia (bem como
em pedra, os baixo-relevos, os mosaicos de pedra, a moldava) a estrutura social. O poderio da realeza era
cerâmica com decoração sofisticada e a metalurgia apoiado religiosamente, mas o governo não era teo-
(principalmente do ouro e da prata) que admirou os crático (SOUSTELLE, 1997). Sua legitimidade advinha
espanhóis. Porém, a metalurgia, como na maioria dos das narrativas “tradicionais”, das funções sociais que
povos pré-colombianos, era ornamental, não possuindo exercia e do fator coercitivo. As elites cortesã (pipiltin) e
aplicação prática – a agricultura, por exemplo, permane- funcional (tecuhlti) ocupavam os altos cargos (militares,
ceu em estado lítico (JUNQUEIRA, 2010a). judiciários, administrativos e sacerdotais) e integravam
Os Mexicas constituíram uma sociedade extremamen- o Grande Conselho que elegia os governantes:
te hierarquizada e complexa, comandada por um Estado
com aparato administrativo e judiciário desenvolvido. Entre os mexica, um conselho de anciãos do clã escolhia
Os quadros estatais eram formados no calmecac, e o o governante geral. Ou melhor, os governantes gerais - os
colégio superior era frequentado pela nobreza. A vida dos mexica dividiam a autoridade entre um [huey] tlatoani (literal-
diversos grupos sociais diferia amplamente entre si. O mente, “orador”), um comandante diplomático e militar que
ápice da pirâmide social era formado por uma nobreza controlava as relações com outros grupos, e um cihuacoatl
crescentemente hereditária (pipiltin), encabeçada pela (literalmente, “serpente fêmea”), que supervisionava os as-
família real (tlazo-pipiltin, ou “nobres ilustres”). suntos internos (MANN, 2007, p. 126).
A base plebeia era formada pelos camponeses
macehualtin, per tencentes aos seus calpulli: uma A escolha do huey tlatoani se dava entre os tlazo-
“comunidade residencial com direitos comuns sobre a -pipiltin, integrantes da família real, sendo eleitos, na
terra e uma organização interna de tipo administrativo, maior parte das vezes, um filho, irmão ou sobrinho do
judiciário, militar e fiscal” (CARDOSO, 1996, p. 77). Os huey tlatoani falecido. Os governantes comandavam
macehualtin cultivavam o lote de terra designado (pelo uma rede de administradores fiscais que trabalhavam
chefe do calpulli) e pagavam tributos, além da prestação tanto internamente como pelas diversas províncias (ou
de serviço militar (que poderia representar uma via de cidades-Estado subjugadas). O tributo sustentava o luxo
ascensão social, caso se destacassem nas guerras). Por da elite de Tenochtitlán e o funcionamento do Estado.
seus serviços prestados ao Estado na guerra, no culto A agricultura era a base da produção da riqueza,
ou na administração, uma minoria entre os macehualtin destacando-se o milho índio entre os cultivos. No lago
atingia o status de tecuhtli, ou dignitário, formando Texcoco cultivava-se sobre pequenas ilhas artificiais,
uma nobreza de serviço que detinha alguns privilégios. as chinampas, constituídas por estruturas de juncos,
Abaixo dos macehualtin estavam os tlatlacotin (“escra- árvores e pelo fértil lodo pantanoso onde, além do milho,
vos”), prisioneiros de guerra, condenados pela justiça plantava-se o feijão, o tomate e a pimenta. A alimentação
ou endividados. incluía ainda o peru e uma espécie de cão sem pêlo como
espécies domesticadas, bem como a caça e a pesca. A

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 33


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

economia agrária era complementada pelo comércio com


as zonas tropicais, de onde vinham inúmeros produtos,
entre eles o cacau (que também funcionava como base
monetária).

SAIBA MAIS

No mundo mexica, religião, sacrifícios e guerras andavam lado a lado.


Até mesmo guerras “sagradas” (também conhecidas como “guerras
floridas”) eram realizadas para angariar prisioneiros destinados ao
sacrifício, que por sua vez objetivava agradar aos deuses, saciando sua
sede de sangue. Sobre tais assuntos, faça uma pesquisa consultando
livros e endereços eletrônicos como os abaixo:
<http://www.amerindia.ufc.br/articulos/pdf3/italo.pdf>
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Sacrif%C3%ADcios_humanos_na_
Am%C3%A9rica_pr%C3%A9-colombiana>.

A Civilização Inca

À época em que os Chimor iniciaram a expansão


do seu poderio pela costa peruana, outro povo (forma-
do ainda por uma pequena tribo) chegava à bacia do
Cuzco, no interior do Peru meridional: os Incas. Sua tribo
estabeleceu-se próxima a outras três já existentes na
região, formando uma confederação tribal. Inicialmente
em desvantagem no jogo de forças entre as tribos, logo
os chefes guerreiros Incas (os sinchis) saquearam as
comunidades vizinhas à confederação no século XIV,
conquistando a hegemonia política e absorvendo etni- Figura 10. Mapa da expansão inca (adaptado). Disponível em: <http://
camente as três tribos. Inka Roka, primeiro soberano fo.wikipedia.org/wiki/Mynd:Expansion_Imperio_Inca-1-.JPG>. Acesso
Incaico, estabeleceu o controle da confederação e impôs em 03 de junho de 2011.
o culto ao Sol, divindade ligada ao ancestral mitológico
dos Incas (Manko Kapaq). No choque entre os imperialismos Inca (nos Andes)
Inka Roka chefiou diversas expedições militares, e chimor (na costa), o filho de Pachakuti, Tupa Yupanki,
incorporando uma dezena de aldeias periféricas, feitos foi enviado para o litoral com um exército que dominou
consolidados e alargados pelo terceiro rei de Cuzco, o vale do Moche. Chan-Chan foi tomada e seu soberano
Wiraqocha Inka. O Estado militarista Incaico em expansão capitulou. A campanha foi complementada com as con-
empreendeu novas campanhas contra os povos hostis quistas de Quito e Manta mais ao norte, no atual Equa-
da região, como os Chanka. A vitória sobre estes efe- dor. Com o prestígio e a riqueza da campanha vitoriosa
tivada por Pachakuti (“agitador do mundo”), em 1438, que alargou o domínio Inca sobre a Zona Andina, Tupa
estabeleceu a hegemonia sobre o conjunto dos planaltos Yupanki forçou a renúncia do seu pai quando retornou a
peruanos, conformando o status imperial Incaico. Cuzco (1470), assumindo o trono.
A belicosidade da política interior em Cuzco (pois o
pretendente a soberano tinha que “merecer” o trono,
mostrando seu valor em campo de batalha) impelia
os Incas a um estado quase permanente de guerra. A
elite cuzquenha e os chefes dos povos subordinados

34 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

disputavam as benesses da máquina estatal, agravando era a célula produtiva, constituída pelos pais e filhos
o quadro belicoso: solteiros. O casamento marcava a entrada do casal na
vida adulta, formando uma nova família que recebia o
Como exigiam dos povos conquistados a prestação de
usufruto de um lote para cultivar, e a partir de então o
serviço militar, diversos chefes guerreiros incentivavam a homem estaria sujeito à prestação de trabalho (a mita).
realização de campanhas militares que lhes davam prestígio O território produtivo da comunidade (marka) era
e cargos dentro da hierarquia militar e social, o mesmo ocor- dividido entre a agricultura e o pastoreio. Nas terras
rendo com a nobreza de Cuzco. Assim, a guerra configurava- destinadas ao pastoreio, de usufruto coletivo, cada
se como indispensável para a coesão do império. (JUNQUE- família criava suas lhamas e alpacas (que proviam lã,
IRA, 2010a, p. 116) carne e leite). Já as terras agrícolas, onde se cultivava
principalmente tubérculos, eram partilhadas pelo chefe
No reinado de Wayna Kapaq, filho de T. Yupanki, as do ayllu, o kuraka, em lotes familiares a cada ciclo agrí-
consequências da rápida expansão imperial e da política cola, dependendo do número de famílias existentes. O
guerreira se fizeram sentir. As fronteiras haviam sido kuraka, considerado o protetor da comunidade, tinha seu
demasiadamente alargadas e um mosaico de povos, poder respaldado pela divindade tutelar do ayllu, a wak’a.
nelas contido, pressionava as estruturas administrativas Os membros de cada ayllu possuíam laços de solida-
e a diplomacia. Ao menor vacilo do soberano, como riedade entre si, auxiliando-se mutuamente na ocasião
as derrotas orientais de Yupanki nos limites da floresta da semeadura e da colheita (ayni). Viúvas, doentes ou
amazônica, rebeliões e intrigas palacianas colocavam idosos tinham seus campos cultivados por todos os
em xeque o poder do imperador e a unidade imperial homens, assim como os recém-casados tinham a casa
em formação. Bom exemplo foram as derrotas de construída pelo conjunto da comunidade. Os órfãos
Wayna Kapaq frente às ferozes etnias setentrionais, que ficavam sobre os cuidados do kuraka. Este recebia
ruíram a credibilidade do projeto expansionista imperial, a prestação de trabalho (mita) em rodízio de todos os
desencadeando insurreições autonomistas ao desnudar homens do ayllu no pastoreio ou no cultivo de seus
os limites do militarismo Incaico. campos e dos destinados à manutenção da wak’a. As-
Para tentar manter as frágeis fronteiras do norte, sim, o kuraka tinha ao seu dispor uma força de trabalho
Kapaq transferiu a sede do poder político para a região, contínua, utilizada também na tecelagem e no serviço
construindo Tumipampa, novo centro administrativo do doméstico em sua casa. Os mitaios eram sustentados
império. Tal medida desagradou à elite cuzquenha, que pelo kuraka, enquanto durasse o trabalho.
assistiu à transferência do núcleo de poder imperial para Os excedentes produtivos gerados pela mita garan-
longe de seu alcance, fomentando intrigas. tiam estoques à comunidade em caso de más colheitas
Kapaq faleceu por volta de 1528, vítima da epidemia (além do sustento dos incapazes), pois havia a tradição
de varíola que varreu os Andes mesmo antes da che- de reciprocidade em que o chefe redistribuía (de forma
gada espanhola, matando mais de 200 mil pessoas em assimétrica, é verdade) parte do que fosse gerado pelo
poucos anos. Além do imperador, morreram parte da trabalho coletivo. Famílias privilegiadas (kapa), mais pró-
corte e dos principais generais do império, bem como ximas do kuraka, eram beneficiadas na redistribuição, fo-
seu filho preferido para a sucessão, fazendo fervilhar mentando diferenciações sociais no seio comunitário. Os
uma disputa sucessória que envolvia dois outros filhos kapas tinham modos de vida distintos dos camponeses
de Kapaq: Ataw Wallpa e Waskarr. Ataw Wallpa tinha ao comuns (puriq) e dos papamikuqs – pobres “comedores
seu lado o poderoso exército situado ao redor de Quito. Já de batata”. Os waqchas, que não tinham mais condições
Waskarr dispunha do apoio das etnias do sul e dos Incas de se sustentar, ficavam dependentes do kuraka.
descontentes com a transferência da capital. Quando os Esse modelo produtivo e de sociabilidade era re-
espanhóis chegaram a Tumbes (1532), a guerra civil cor- produzido em termos regionais, com hierarquias entre
roía a ordem imperial, facilitando a conquista europeia. os kurakas que formavam confederações ou “reinos”,
O cerne da vida socioeconômica dos povos andinos sediados nos centros maiores. Havia o mesmo sentido de
era o ayllu, comunidade formada por famílias vinculadas prestações e reciprocidade entre os kuraka, com chefes
por parentesco, de tendências endogâmicas. A família e divindades regionais dos grandes centros explorando o

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 35


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trabalho de diversas aldeias, inclusive fundando colônias partir dos registros nos quipus (cordas com nós) reali-
nos diversos ecossistemas dos Andes (MURRA, 2004), zados pelos tipukamayoqs. Assim, o Estado controlava
diversificando a produção alimentar. o contingente de trabalhadores destinados ao cultivo e
Essa estrutura piramidal hierárquica entre os ayllus e pastoreio em suas terras, bem como às obras públicas
kurakas foi adotada pelo império Inca (a maior estrutura e ao serviço militar.
política do mundo pré-colombiano, que controlava cerca Desde Pachakuti toda a terra era propriedade do
de um milhão de quilômetros quadrados em seu apogeu), Estado, obrigando a população a trabalhar para pagar
sendo a expressão máxima desta forma tradicional de pela utilização do solo. Em contrapartida, havia ao nível
poder: imperial a reciprocidade vislumbrada localmente nos
ayllus, com a redistribuição desigual dos excedentes em
O império Inca era somente uma espécie de enorme confed-
favor da etnia Incaica, inserida na máquina do Estado.
eração de confederações, organizando em escala nunca vista Contudo, no início do século XVI a burocracia começou
nos Andes tais operações e exigindo trabalho nas terras do a receber elementos de outras etnias, assim como a
Inca e do Sol, espécies de super-kuraka e super-waka, mas própria etnia Inca foi-se diluindo em meio às populações
fiéis ao padrão usual. (CARDOSO, 1996, p. 101) próximas. Chefes regionais ganharam cargos a partir de
Wayna Kapaq (FRAVE, 1998).
Não obstante, as mutações sociopolíticas difundidas A ação transformadora do Estado frente às práticas
pela constituição do Estado Incaico não podem ser des- tradicionais se deu também pela expansão da servidão
prezadas. A começar pelo seu centro político: o impera- nos Andes. Os mitmaq eram colonos transferidos aos
dor. O Inca (termo se refere mais precisamente ao impe- milhares para regiões distantes do império como punição
rador e seus parentes do que ao povo de Cuzco como contra rebeliões, tendo que conviver em meio a povos
um todo), quando assumia o trono, se apresentava como locais hostis. Recebiam novas terras e pastagens, porém
“órfão e pobre”, ou seja, um waqcha, renegando seus carregavam pesadas obrigações para com o Estado.
pais, a fim de formar seu próprio domínio e linhagem. Outra categoria servil era a dos yana (ou “dependentes
Deste modo, cada reinado formava uma nova linhagem perpétuos”), servos ligados exclusivamente ao imperador
imperial (panaka) que recebia a herança do soberano e ou a pessoas por ele presenteadas para servi-los. Havia
cultivava sua memória, conservando sua múmia. Assim, ainda uma terceira categoria com status específico: a
em 1533 os espanhóis encontraram em Cuzco as onze aqlla. Era formada por moças muito jovens, encerradas
linhagens dos imperadores que governaram o império nos monastérios do Sol (onde eram educadas) e, após a
(FRAVE, 1998). puberdade, algumas serviam como esposas acessórias
A sucessão real gerava disputas entre as panakas que do imperador ou eram dadas a outros pelo mesmo. A
apoiavam seus pretendentes ao trono: filhos, irmãos e maioria, contudo, continuava vivendo nos monastérios,
sobrinhos do imperador, todos lutavam para alcançar servindo ao culto solar, além trabalhar na fiação e te-
a franja escarlate – maskapaicha, o emblema imperial. celagem da lã resultante dos rebanhos do Sol. Aqlla,
Vencida a disputa o felizardo tornava-se Inca – “Filho do mitmaq e yana formavam uma força de trabalho a serviço
Deus Sol”. A deificação do imperador, iniciada com Way- permanente do Estado, contribuindo para a estratificação
na Kapaq, legitimava seu poder supremo e teocrático, da sociedade Incaica:
fundindo em sua figura os poderes de kuraka e wak’a.
Para governar, o imperador tinha o auxílio de um A ordem social que o Estado tendia a desenvolver manifes-
conselho formado por quatro membros – os apu – cada tava claramente seu caráter estratificado ao redor de Cuzco,
um responsável por uma das quatro seções do império onde a etnia Inca se erigia em classe ociosa, graças aos nu-
merosos dependentes que satisfaziam suas necessidades.
(Tawantinsuyu ou “quatro terras”). Subordinados aos
[...] Era apenas questão de tempo a transformação de um
apu, os governadores provinciais – tukriquq – residiam
Império tradicional em um grande Estado moderno (FRAVE,
nos centros principais de cada província em contato
1998, p. 50).
com as chefias locais. Um sistema censitário decimal
contabilizava os homens de cada província sujeitos à
prestação da mita em proveito do Estado/imperador, a No campo religioso, como era comum entre os povos
andinos, os Incas tinham por costume adorar grutas ou

36 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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montanhas, santuários das wak’a. Quando dominavam Nas artes e técnicas, os Incas sintetizaram as contri-
novos povos, os Incas respeitavam suas divindades, buições dos povos andinos predecessores na cerâmica,
mas também impunham o culto ao deus Sol – Inti – num pintura, escultura, metalurgia e tecelagem. A tecnologia
esforço de característica andina se baseava nas fibras em lugar
integrar a infinidade de diferentes grupos existentes na parte dos metais e madeiras para seus engenhos, como nos
ocidental da América do Sul - alguns tão ricos quanto os barcos tecidos com junco e nas pontes suspensas entre
próprios inka, alguns pobres e desorganizados, todos falando os despenhadeiros das Cordilheiras. A tecelagem tam-
línguas diferentes - numa mesma estrutura burocrática sob bém proporcionava os registros contábeis dos quipus,
controle direto do imperador. A unidade não seria meramente que alguns pesquisadores defendem serem registros
política: os inka queriam amalgamar as religiões, a economia escritos, e não só matemáticos.
e as artes da região (MANN, 2007, p. 70).

Cuzco, com seus inúmeros palácios, residências, SUGESTÃO DE ATIVIDADE


templos e a fortaleza de Sacsahuaman, possuía um tra-
çado original que imitava o puma, e era tida como centro Responda à seguinte questão: quais as particularidades e aproximações
do universo (Cuzco significava “umbigo” na língua Inca, o socioculturais entre Maias, Mexicas e Incas?
runa simi). As ruas que saíam da praça central da cidade,
Awkaypata, dividiam o universo em quatro quadrantes. A
capital era conectada com o restante do império através INDICAÇÃO DE LEITURA
de uma extensa rede de pontes e estradas, pontilhadas
com entrepostos – os tampu – do correio imperial. Os Charles Mann, em sua obra 1491, traz um balanço recente sobre a
Incas também aceleraram o processo de urbanização nos riqueza cultural dos indígenas espalhados pelo continente americano
Andes, construindo diversos centros urbanos e as obras até a conquista européia e a tragédia da conquista:
MANN, Charles C. 1491: novas revelações sobre as Américas antes de
de regadio para seu sustento. Tambo Colorado, Machu
Colombo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
Picchu (Figura 11) e Ollantaytambo exemplificam o es-
forço para difundir a vida urbana (JUNQUEIRA, 2010a).

Figura 11. Vista de Machu Picchu. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/


wiki/Machu_Picchu>. Acesso em 30 de maio de 2011.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 37


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

38 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

ENCONTRO
ENTRE MUNDOS:
A CONQUISTA DA
AMÉRICA

CAPÍTULO 3
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

40 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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Até o início do século XVI, sociedades complexas em contextualização das personagens envolvidas em meio
ambas as margens do oceano Atlântico se ignoravam ao ambiente geral europeu, que problematiza a “excep-
mutuamente. A empreitada de Cristóvão Colombo, em cionalidade” das mesmas. Caso interessante é o de
1492, reconectou para sempre mundos separados há Colombo, que pode ser vislumbrado com um dos muitos
dezenas de milhares de anos. A expansão ultramarina navegadores e estudiosos de astronomia, cartografia
europeia, na qual as viagens de Colombo se enquadram, e navegação, que a serviço dos empórios comerciais
fomentou os intercâmbios intercontinentais que em sua italianos, dos potentados ibéricos, flamengos, franceses
fase atual recebem o nome de globalização (GRUZINSKI, ou ingleses, expandiram os horizontes do conhecimento
1999). Este processo histórico decisivo foi fruto da teórico e prático sobre rotas marítimas e novas terras.
conjuntura vivenciada pelos europeus da Renascença. Italianos, hispânicos e portugueses, somados aos nave-
gadores oriundos das terras mais ao norte, trafegavam
A Europa da Expansão Ultramarina (navegavam, em verdade) entre as fluidas fronteiras dos
futuros Estados europeus. O que leva a duas reflexões
A era dos “descobrimentos” teve suas origens em contraditórias e interligadas: a expansão como um pro-
um longo processo de expansão da atividade mercantil cesso europeu, e não somente Português e Espanhol,
na Europa (iniciado com as Cruzadas), somente inter- e a necessidade da existência prévia de um Estado de
rompido pelo período de crise do século XIV, devido às contornos nacionais para a concretização dos impulsos
guerras, rebeliões camponesas e à peste. Não obstante, expansionistas.
tal crise compensou seus efeitos negativos imediatos A dependência frente aos entrepostos italianos para o
sobre a vida socioeconômica com a aceleração do pro- fornecimento das especiarias impelia os ibéricos a bus-
cesso de declínio das relações servis e ascensão das car rotas alternativas para o acesso direto ao comércio
práticas capitalistas, bem como da configuração dos do Oriente. Para tanto, foi necessário um processo de
estados nacionais inglês e francês em vias de formação. centralização política que culminou com a formação de
Logo o renascimento urbano e comercial retomou sua seus Estados nacionais, pois a expansão marítima era
trajetória ascendente. um projeto complexo e caro demais que exigia uma
Desde a Baixa Idade Média se configuravam os coordenação de esforços que somente o Estado podia
circuitos comerciais que interligavam os entrepostos efetivar.
do Mediterrâneo oriental (com seus produtos vindos Não é por acaso que o pioneiro das navegações,
de diversas partes da África e Ásia) às cidades da pe- Portugal, foi o primeiro Estado nacional moderno, con-
nínsula itálica, como Gênova, Florença e Veneza. Tais solidado a partir da Revolução de Avis (1383-1385).
pólos mercantis, por sua vez, estavam em crescente Monarquia, nobreza e burguesia se envolveram no
conexão com os núcleos urbanos ibéricos (Barcelona, projeto expansionista lusitano.
Valência, Sevilha, Madri, Bilbao, Lisboa e Porto), ingle- A partir da conquista de Ceuta (1415), no extremo
ses (destacando-se Londres e Bristol), franceses (Paris, noroeste da África, os portugueses seguiram em direção
Marselha), flamengos (como Antuérpia) e germânicos ao sul da costa, estabelecendo feitorias e intercâmbios
(cidades da Liga Hanseática), exercendo a função de com os reinos africanos. Processo que culminou com
grandes intermediários no fornecimento das especiarias a famosa Viagem de Vasco da Gama à Índia, em 1497-
orientais. 1499 (SARAIVA, 1999). Portugal, demasiado ocupado
A agitada vida econômica urbana fomentava a difu- com seu projeto de expansão africana e asiática pelo sul,
são, ao longo do século XV, do pensamento humanista pouca atenção deu às ideias de navegação pelo oeste
e do renascimento artístico e cultural vinculados aos daquele navegador genovês. Não obstante, Colombo
escritos da antiguidade Greco-Romana. Pessoas (com navegou sob bandeira portuguesa na África e ilhas
suas ideias) e mercadorias circulavam pelas trilhas ter- atlânticas, incorporando os conhecimentos náuticos
restres ou a bordo das embarcações entre os núcleos lusitanos. Foi tentar a sorte na Espanha em meio ao
urbanos europeus. ambiente conturbado da Reconquista.
Uma das questões mais interessantes da historio- Em 1469, casaram-se Isabel de Castela e Fernando
grafia revisionista das “descobertas” e conquistas é a de Aragão, um dos muitos matrimônios envolvidos na

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 41


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diplomacia entre os reinos ibéricos. Porém, este teve de Santa Fé, situado frente às defesas muçulmanas. O
consequências decisivas para a história moderna da desgaste do cerco que esfomeava os habitantes de Gra-
península. Foi um golpe político de Isabel na luta pela nada levou o rei Boabdil a negociar a rendição da cidade
sucessão ao trono do seu meio-irmão, Henrique IV, pois em troca da liberdade do seu povo. Na noite de 1º de
a aliança com o príncipe Fernando, que trouxe consigo janeiro de 1492 as portas granadinas foram abertas aos
o apoio das forças de Aragão, a fortalecia no embate católicos, que assumiram o controle na manhã seguin-
frente à sua sobrinha bastarda, Juana, conhecida como a te. Logo começou a distribuição de terras e privilégios
Beltraneja. O conflito dinástico dividiu a nobreza em fac- aos conquistadores, o repartimiento, segundo o grau
ções hostis, carregando também os hidalgos provinciais hierárquico de cada um. Vastas porções de terras e
para a luta, formando as banderías – milícias baseadas vilas tomadas aos mouros possibilitavam a cobrança de
nas redes de lealdade e patronato que vicejavam pela tributos sob a encomienda pelos beneficiados, reduzindo
Espanha (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). à servidão os granadinos (BERNAND; GRUZINSKI, 2001).
Com o apoio da maioria dos grandes senhores, Isabel Encerrado o perigo militar representado pela pre-
assumiu o trono de Castela após a morte de Henrique IV, sença do reino dos Násridas na península, sucedeu-se
em 1474, não sem antes enfrentar portugueses, france- o projeto de reforço da unidade hispânica sob o cimento
ses e opositores hispânicos. A vitória colocou o casal em do catolicismo, levando ao incremento da intolerância
condições de empreender o projeto de unificação política contra judeus e mouros. Em abril de 1492, os Reis
espanhola, mesmo com a permanência dos particula- Católicos assinaram o decreto de expulsão dos judeus
rismos e intrigas e do estágio primário de montagem do dos territórios espanhóis, exceto caso aceitassem se
aparato estatal. Souberam Isabel e Fernando explorar os converter ao catolicismo. Dezenas de milhares emigra-
ressentimentos internos contra a ingerência estrangeira ram, deixando para trás a perseguição católica e o risco
política e econômica, incentivando a efervescência de de cair nas malhas do tribunal da Inquisição, criado em
um sentimento proto-nacionalista. 1480 e responsável pela queima de milhares de hereges
Em 1481 começou a luta dos Reis Católicos (como e infiéis a cada ano nas fogueiras.
eram chamados Isabel e Fernando) contra os domínios Os judeus que se converteram se transformaram
mouros da península Ibérica, sob uma mentalidade de em cristãos-novos (ou conversos), constantes alvos
cruzada que dissolveu as dissidências dentro da hidal- da desconfiança católica. Em 1502 os alvos foram os
guia hispânica. Até as banderías andaluzas e da Estrema- muçulmanos, instados a se converter à fé cristã ou cair
dura, antes resistentes, submetem-se à autoridade real na escravidão. Os batizados tornaram-se mouriscos.
empregando-se na luta contra o reino de Granada. Mais Foi neste ambiente de intolerância que conquistadores,
de uma década de conflito proporcionou oportunidades missionários e colonos atravessaram o Atlântico em
de ascensão social em meio aos saques e recompensas direção às terras americanas.
aos vitoriosos. No acampamento de Santa Fé, em fins de 1491, Cris-
Diversas práticas e instituições vivenciadas na Re- tóvão Colombo tentou mais uma vez convencer a rainha
conquista (assim como na conquista das ilhas Caná- Isabel da viabilidade da sua aventura marítima pelo oeste
rias) forjaram o modo como os espanhóis atuaram na atlântico, sem sucesso. Foi necessária a intervenção de
conquista da América. A começar pela violência contra Luis de Santangel, financiador do Estado castelhano, para
os mouros vencidos. A queda de Málaga em 1487, que Isabel aceitasse os planos do navegador genovês.
após renhida resistência, foi seguida por um castigo A queda iminente de Granada mudou as perspectivas
exemplar, com desertores, renegados e judeus sendo reais. Concluída a Reconquista da península Ibérica
queimados vivos. Os mouros que defendiam a cidade fazia-se necessário vislumbrar os próximos passos
foram reduzidos à escravidão. Um terço dos cativos foi para a continuidade da expansão do poder espanhol. E a
dividido entre os cavaleiros e hidalgos segundo seus fronteira agora era o oceano, onde os rivais portugueses
méritos na conquista. já detinham a supremacia das navegações.
A perda de Málaga prenunciava o fim do reinado dos No mesmo mês que expulsaram os judeus da Espa-
Násridas, cercados em Granada desde abril de 1491, nha, os reis assinaram com Colombo as Capitulaciones
quando os Reis Católicos chegaram ao acampamento de Santa Fé. Por elas, concediam ao genovês “os títulos e

42 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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cargos de almirante, vice-rei, governador e capitão-geral [...] porque nos demonstraram grande amizade, pois percebi
de todas as terras e ilhas que descobrisse ou por outros que eram pessoas que melhor se entregariam e converte-
fossem descobertas cumprindo suas determinações” riam à nossa fé pelo amor e não pela força, dei a algumas
delas uns gorros coloridos e umas miçangas que puseram
(AQUINO, 2000, p. 90). Teria Colombo ainda participação
no pescoço, além de outras coisas de pouco valor, o que lhes
nos lucros provenientes das riquezas encontradas e do
causou grande prazer e ficaram tão nossos amigos que era
comércio que fosse realizado. Não imaginavam os Reis
uma maravilha. (COLOMBO, 1998, p. 46)
Católicos as consequências de tamanhos poderes e
direitos dados ao navegador estrangeiro, que posterior-
A narrativa do genovês aos Reis transparecia a in-
mente foram vistos como entraves ao domínio e ganhos
tenção de conversão dos nativos ao catolicismo, algo
da Coroa nas terras por ele encontradas.
que agradava aos monarcas, mobilizados há décadas
Do porto de Palos partiram, em três de agosto de pela mentalidade cruzadista de expansão da fé cristã.
1492, três caravelas sob comando de Colombo: Santa Não se pode perder de vista que a expansão marítima
Maria, Pinta e Niña. Em sua rota de navegação, a expe- se deu num contexto de transição entre o medieval e a
dição passou pelas Canárias, conjunto de ilhas atlânticas modernidade, portanto a evangelização era, ao lado da
a oeste do Saara que Fernando e Isabel colocaram sob obtenção de riquezas, um dos objetivos envolvidos no
seu domínio entre 1479 e 1483 (BERNAND; GRUZINSKI, processo de expansão e conquista:
2001). De lá prosseguiu rumo a oeste a expedição,
acreditando Colombo que em poucos dias alcançariam
os domínios orientais do Grande Can, soberano de uma Pode-se dizer, simplificando até a caricatura, que os conquis-
tadores espanhóis pertencem, historicamente, à época de
rica e exuberante China, como afirmavam os textos de
transição entre uma Idade Média dominada pela religião e a
Marco Polo. Em vez disto, na aurora de 12 de outubro
época moderna, que coloca os bens materiais no topo de sua
de 1492 chegavam os europeus à ilha de Guanahani,
escala de valores. Também na prática, a conquista terá estes
nas Bahamas. dois aspectos essenciais: os cristãos vêm ao Novo Mundo
imbuídos de religião, e levam, em troca, ouro e riquezas (TO-
1492: Colombo e os índios DOROV, 1999, p. 50).

Ao desembarcar na praia da ilha que batizou como Apressou-se o Almirante a buscar as riquezas orien-
San Salvador, Colombo começou as formalidades para tais, e os Taínos deram esperanças de acesso a fontes
tomar posse da nova terra encontrada, conforme as de ouro:
prerrogativas dadas aos Reis Católicos:
E eu estava atento, me esforçando para saber se havia ouro,
Colombo desce à terra numa barca decorada com o e vi que alguns traziam um pedacinho pendurado num furo
estandarte real, acompanhado por dois de seus capitães, e que têm no nariz e, por sinais, consegui entender que indo
pelo escrivão real, munido de seu tinteiro. Sob os olhares dos para o sul ou contornando a ilha naquela direção, encontraria
índios, provavelmente perplexos, e sem se preocupar com um rei que tinha grandes taças disso e em vasta quantidade.
eles Colombo faz redigir um ato. ‘Ele lhes pediu que dessem (COLOMBO, 1998, p. 48)
fé e testemunho de que ele, diante de todos, tomava posse da
dita ilha – como de fato tomou – em nome do Rei e da Rainha,
Expansão da fé e obtenção de riqueza, dois objetivos
seus senhores (TODOROV, 1999, p. 33-34).
complementares que o genovês vai constantemente
acalentar em seus relatos, buscando a estima e as
Os estranhos homens brancos, barbados, magros e benesses dos católicos soberanos em relação à sua
imundos que vieram do mar foram bem recebidos pelos empreitada e futuras expedições. Na falta de resultados
Taínos, chamados de índios por Colombo por este acre- mais espetaculares (não encontrou as ricas civilizações
ditar que havia chegado ao litoral das Índias, no Extremo orientais), as poucas pepitas de ouro conseguidas nas
Oriente. Causaram boa impressão no Almirante: trocas de quinquilharias europeias com os indígenas e
a potencial incorporação das populações encontradas
ao rebanho católico, justificavam as viagens.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 43


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

As indicações dadas pelos indígenas levaram Colom-


bo a navegar pelas Antilhas e Caribe, acreditando sempre
estar próximo à Ásia. Atingiu novas ilhas, incluindo Cuba,
onde se constatou a existência de ouro. Nomeava e
tomava posse de cada uma delas. No retorno a leste,
a expedição passou ainda pela ilha denominada Hispa-
niola (hoje ilha de São Domingos), onde novos contatos
amistosos foram travados com os locais e encontraram
pedaços de ouro. Em Hispaniola, Colombo fundou o forte
de Navidad, deixando aí algumas dezenas de europeus,
a maioria não registrada na partida da Espanha, o que
levanta a suspeita de que se tratasse de judeus fugitivos
das perseguições na península. Não tiveram melhor sorte
entre os nativos, pois nenhum sobrevivente foi encon-
Figura 12. Europeus se confrontam com a ‘selvageria’. Os nativos antro-
trado posteriormente (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). pófagos. Gravura do século XIX. Foto do autor, 2011.
A expedição (somente com as caravelas Pinta e
Niña, pois a Santa Maria naufragou no natal de 1492)
levantou velas pela última vez das ilhas rumo à Europa Na volta ao continente europeu, o Almirante passou
em 16 de janeiro de 1493, levando consigo amostras por Portugal, sendo recebido pelo Rei d. João II (março
de ouro, utensílios nativos, fados de algodão e sete ta- de 1493). Este afirmou que as terras encontradas por
ínos capturados, para levar à presença dos monarcas, Colombo pertenciam a Portugal, devido às bulas papais
“aprender a nossa língua, e trazê-los de volta, a menos e tratados anteriormente firmados. A disputa gerou a
que Vossas Majestades prefiram mantê-los em Castela bula do papa Alexandre VI (Rodrigo Bórgia, espanhol de
ou conservá-los cativos na própria ilha” (COLOMBO, Valência) Inter Coetera (1493) que redividiu o mundo
1998, p. 50). Os que não pereceram na travessia foram entre espanhóis e portugueses, colocando as novas
batizados por Isabel, Fernando e o príncipe d. Juan, que terras “descobertas” sob a soberania hispânica.
ficou com um deles, morto dois anos depois, pela saúde Em sete de junho de 1494, a decisão papal foi rati-
frágil (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). Dois desses índios ficada por um acordo entre as monarquias ibéricas, o
voltaram com Colombo, agora bilíngues, para servir famoso Tratado de Tordesilhas. Couberam a portugueses
como intérpretes na segunda viagem (RESTALL, 2006). as terras ao leste da linha imaginária que passava verti-
O rapto desses sete indígenas demonstra a visão calmente a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde,
que os europeus, especialmente Colombo, tiveram dos e aos espanhóis todas as terras a oeste da mesma linha
mesmos. Encontrados geralmente nus, foram tidos como divisória. Este acordo foi refutado pelos demais poderes
seres “naturais” e descritos em meio à paisagem das europeus, principalmente ingleses e franceses. Francisco
ilhas. Ou seja, supostamente desprovidos de cultura e I, monarca francês, protestou afirmando que gostaria
religião (como “folhas em branco”), estavam em um “que espanhóis e portugueses me mostrassem onde
estágio inferior de civilidade (ou mesmo de humanidade), está o testamento de Adão que dividiu o mundo entre
talvez sobreviventes do Éden de Adão e Eva. Como ainda Espanha e Portugal” (AQUINO, 2000, p. 92).
não eram civilizados, os espanhóis poderiam fazer o que Saído de Portugal, retorna Colombo ao porto de Palos,
bem entendessem dos mesmos. Seriam assimilados seguindo daí para Sevilha, Córdova, terras valencianas e
pela civilização cristã, caso permanecessem amistosos,
posteriormente Barcelona, onde se achavam os monar-
ou reduzidos à escravidão, caso se mostrassem hostis
cas e sua corte. Os Reis Católicos, certamente felizes
ou praticassem costumes tidos como “bárbaros” pelos
com o relativo sucesso da empreitada colombiana,
cristãos, como o canibalismo. Nos primeiros tempos
confirmaram os títulos conferidos pelas Capitulaciones
de conquista e colonização das Antilhas e Caribe, os
e receberam o genovês com pompas e celebrações
europeus tenderam a cristalizar esta dupla visão sobre os
nativos: “bons selvagens”, seres idílicos e assimiláveis, religiosas. Recebeu o apoio real para iniciar mais uma ex-
ou “bárbaros” desumanos (Figura 12), portanto servindo pedição, agora com o objetivo não somente de encontrar
apenas como bestas escravas – semelhantes às mulas. o Oriente, mas também de ocupar os novos territórios.

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ouro alimentaram as esperanças do Almirante.


SAIBA MAIS Mas logo os contatos com certos grupos indígenas
degeneraram para o confronto aberto, pois os Caraíbas,
1492 é uma das datas mais importantes da história ocidental, e os notáveis índios flecheiros, resistiram à estada dos euro-
estudos e debates que emergiram em 1992, com o quinto centenário,
contribuíram para um balanço do seu alcance. Sobre Colombo e o
peus em suas terras. Em Hispaniola, Colombo constatou
início da conquista e colonização da América, o CPDOC (da Fundação o extermínio sofrido pelos exilados deixados no forte
Getúlio Vargas) dedicou o número 05 da sua Revista Estudos Históricos, de Navidad, que foi destruído. A partir daí a visão dos
disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/issue/ nativos como “maus” selvagens se disseminou, e junto
view/312>. com ela a justificativa para a escravização dos indígenas
dentro do contexto da “guerra justa”, instituição tradi-
cional ibérica.
A conquista espanhola na América Em 1494 se iniciou a colonização em Hispaniola, base
de operações espanholas no Caribe, com a fundação
A segunda expedição, que marcou o início da colo- de um núcleo de povoamento batizado com o nome
nização das terras americanas pelos europeus, partiu de Isabela, em homenagem à Rainha, e subsequente
de Cádiz a 25 de setembro de 1493 com 17 navios e de exploração do interior da ilha em busca dos metais pre-
1.200 a 1.500 homens (CHAUNU, 1969). A poderosa ciosos. Deixando a maioria do contingente europeu nesta
armada alcançou (em tempo recorde) as Antilhas, a três ilha, Colombo seguiu tentando encontrar a civilização
de novembro. Prosseguiu Colombo o intento de encontrar do Grande Can, supostamente próxima. Em seu trajeto
as costas orientais da Ásia, chegando a novas ilhas, explorou as costas de Cuba e Jamaica.
como Porto Rico. Novas evidências da existência de

Figura 13. Mapa com as quatro viagens de Colombo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:The_Four_Voyages_of_Columbus_1492-1503_-_
Project_Gutenberg_etext_18571.jpg>. Acesso em 30 de maio de 2011.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 45


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Em seu retorno à Hispaniola, o Almirante tomou pé ânimos, em 1499 o Vice-Rei organizou a primeira dis-
da difícil situação da empresa colonizadora, da qual ele tribuição (repartimiento) de índios entre os espanhóis,
era o responsável como Vice-Rei. Os espanhóis, agora que passaram a explorar individualmente comunidades
tendo entre seu contingente elementos da baixa e média nativas. A Coroa interveio no conflito, enviando Francisco
nobreza, não intentavam trabalhar, somente explorar o de Bobadilha para substituir Colombo. Preso e enviado
trabalho indígena. Enquanto a violência sexual contra à Espanha, o genovês teve que se defender das acusa-
as índias disseminou a sífilis entre os espanhóis, os ções contra seu governo. Mesmo perdoado pelos Reis
indígenas são dizimados pela varíola e outras doenças Católicos, teve suas prerrogativas de governo revogadas,
trazidas do Velho Mundo, para as quais não tinham imu- restando-o apenas o título de Almirante. As intrigas na
nidade eficiente. Os trabalhos forçados na agricultura ou Corte contra o estrangeiro e seus poderes nas Índias
mineração e o choque cultural também contribuíram para Ocidentais jogaram contra ele.
o extermínio dos Arawak de Hispaniola, que passaram a O principal articulador do afastamento de Colombo foi
resistir aos abusos espanhóis. Juan Rodríguez de Fonseca, protegido da rainha Isabel
A situação econômica e a inquietação dos opositores e Bispo de Burgos. Fonseca, que já tinha organizado os
de Colombo contra o favorecimento deste aos seus preparativos da segunda expedição à América, passou
parentes e amigos se agravavam dia após dia. O ouro a comandar (juntamente com Lope de Conchillos) os
arrancado dos Arawak, ou mesmo dos rios com seu negócios das Índias a partir de um conselho informal
trabalho, era pouco e não compensava os gastos pesa- que subsidiava o Conselho Real nos negócios coloniais
dos da montagem do empreendimento colonizador. Para até 1524, quando morreu, simultaneamente à criação
compensar o baixo retorno metálico, Colombo montou do Conselho das Índias.
a estratégia de tráfico dos indígenas hostis, chegando Em sua última viagem à América (1502-1504), Co-
a enviar um carregamento de centenas de indígenas à lombo velejou próximo aos litorais do Panamá, Honduras
Espanha, em 1495, o que desagradou aos monarcas, e ilhas antilhanas, retornando em seguida à Espanha,
que preferiam possuir súditos a escravos. Os insucessos quando soube do falecimento de sua protetora, a rainha
de Colombo levaram a Coroa a conceder licenças para Isabel. Abatido e com a saúde enfraquecida, Cristóvão
descobrir e comerciar com as novas terras aos que as Colombo faleceu em 1506, em Valladolid, despojado
solicitassem, quebrando os monopólios colombianos das suas glórias e sem a consciência de que abriu o
fixados em 1492. caminho para a incorporação de um vasto continente à
A conjuntura desfavorável levou o Almirante de volta órbita europeia.
à Espanha (1496) para reivindicar a manutenção de suas A persistente obsessão com o Oriente fechou os
prerrogativas, o que conseguiu momentaneamente com olhos colombianos para a novidade que representava
dificuldades – seu prestígio estava abalado na Corte. o continente americano, algo não seguido por outros
Logo o ouro antilhano remetido a metrópole gradual- navegadores. Almejando tomar parte das riquezas do
mente se reduziu (cessando completamente na segunda Oriente, tal qual Portugal após a viagem de Vasco da
década do século XVI), e a falta de substitutos rentáveis Gama, os Reis Católicos outorgaram inúmeras licenças
levou ao ocaso da era colombiana da colonização. a navegadores de origens variadas. Empenhados em
A demora no preparo da sua terceira expedição (cerca atingir o Oriente pelo Oeste, estes navegadores se viram
de dois anos), que contou apenas com oito navios, de- diante de um novo continente, cada vez mais conhecido.
monstra o desprestígio colombiano. Finalmente, partiu da Entre ele estavam “Alonso de Ojeda, Pedro Alonso Nino,
Espanha em maio de 1498, visando mais uma vez atingir Vicente Yáñes Pinzón, Diego de Lepe” (AQUINO, 2000,
o Oriente asiático. Esbarrou nas costas venezuelanas, p. 94) e Américo Vespúcio. Integrando diversas expedi-
ainda que Colombo não soubesse avaliar corretamente ções que percorreram as costas americanas (também
tal feito. sob bandeira portuguesa), o florentino Vespúcio tinha
Ao aportar em Hispaniola, encontrou o Almirante um plena consciência de se tratar de um Novo Mundo
ambiente pior do que havia deixado. Um conflito armado que se desdobrava a cada légua percorrida de litoral,
explodiu entre seus partidários e a facção de opositores e difundiu a partir de Florença seus relatos, contidos
liderada pelo hidalgo Francisco Roldán. Para acalmar os na obra Mundos Novus. A propaganda de seus feitos
marítimos deu resultados, e Américo Vespúcio entrou

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para a História ao ter seu nome associado ao continente chegaram em levas sucessivas, reproduzindo as rivali-
descoberto – a América. dades peninsulares (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). Ter
Já o caminho para o Oriente pelo oeste foi conhecido um conhecido em um importante cargo na metrópole ou
a partir da primeira expedição que deu a volta ao mun- colônia abria possibilidades de ação e os particularismos
do, comandada inicialmente pelo português Fernão de (a começar pelo próprio Colombo) tiveram solo fértil na
Magalhães sob bandeira espanhola. A América do Sul América.
foi contornada e a expedição alcançou o Pacífico (1519- Cada qual tentava as vias que estivessem ao seu
1522), um marco da navegação mundial. alcance para um enriquecimento rápido, seja lá onde
A partir da queda de Colombo a máquina admi- for, já que eram oriundos de camadas intermediárias
nistrativa foi controlada em Sevilha por Rodríguez de ou mesmo pobres, jovens, “em sua maioria, homens
Fonseca e seu grupo, e funcionários ligados às redes sós, solteiros ou casados que deixaram mulher, amante
de patronato foram enviados para organizar a vida co- e filhos na Espanha” (BERNAND; GRUZINSKI, 2001, p.
lonial em Hispanhola e seu entorno, incluindo as costas 294). Mattew Restall, referindo-se aos conquistadores
continentais dos atuais Panamá e Colômbia. Nicolás de das terras continentais, complementa o perfil do espa-
Ovando, feito governador das “Ilhas e da Terra Firme do nhol engajado na era de conquista hispânica da América:
Mar Oceano”, chega em 1502 à cidade de São Domingos
(fundada pelo irmão de Colombo, Bartolomé, em 1496 Se fôssemos esboçar tal personagem [...] veríamos um jo-
e primeira cidade europeia na América – atual Trujillo). vem já saindo da casa dos vinte anos, semi-analfabeto, orig-
Logo procedeu ao desenvolvimento do sistema de enco- inário do sudoeste da Espanha, treinado num ofício ou profis-
mienda, adaptando esta instituição hispânica à realidade são específicos, em busca oportunidades através de redes de
insular e às pressões dos muitos espanhóis em busca patrocínio baseadas em elos familiares e relacionados à sua
de enriquecimento. cidade natal. (RESTALL, 2006, p. 90)

Comunidades nativas foram repartidas entre a Coroa


e colonos hispânicos, sendo obrigadas a trabalhar nos Logo nas primeiras décadas do século XVI, a tragédia
campos, minas e casas dos encomenderos. Conseguir do empreendimento colonial já se fazia presente nas
uma encomienda era o segundo objetivo dos espanhóis Antilhas. As parcas riquezas minerais tinham-se esvaído,
que chegavam à América (o primeiro era encontrar ouro). e as populações nativas haviam sido dizimadas sob a
As terras, propriedade da Coroa concedida aos colonos exploração espanhola. Segundo o Frei Bartolomé de Las
aqui e ali, eram “inúteis” sem os braços indígenas para Casas, testemunha da colonização antilhana (e maior
trabalhar. Mesmo sem a posse de terras os encomende- defensor dos índios contra as atrocidades dos colonos),
ros poderiam gozar de uma boa condição econômica e a crueldade espanhola foi genocida, “de tal sorte que de
social, já que a rigor as comunidades deveriam trabalhar três milhões de almas que havia na ilha Espanhola e que
em suas próprias terras, apenas entregando parte de sua nós vimos, não há hoje de seus naturais habitantes nem
produção ao beneficiário espanhol. Na prática as enco- duzentas pessoas” (LAS CASAS, 2008, p. 28). Provavel-
miendas eram utilizadas onde o encomendero decidia mente exagerado em suas estimativas, o depoimento do
e achava mais lucrativo e os nativos eram submetidos dominicano não estava longe dos demais que calcularam
a um tratamento desumano. a tragédia nativa nas ilhas. Em fins da segunda década
Porém, não se pode esquecer que os encomenderos do XVI, o juiz Zuazo calculava que de 1,3 milhões de
representavam uma minoria privilegiada entre os colo- indígenas em 1493 havia naquele momento apenas onze
nos, integrada nas teias de patronato que da Espanha mil (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). Paralelamente à
migravam para a América e aqui sofriam constantes catástrofe indígena, a fauna e a flora antilhanas sofreram
mutações. Laços baseados no parentesco, no patronato a depredação provocada pela introdução das plantas e
e na origem regional peninsular moldavam as relações animais europeus, que ocasionava forte desequilíbrio
entre os espanhóis em solo americano. A maioria dos ambiental.
imigrantes foi inicialmente originária do sul da península O vazio demográfico deixado pelas epidemias, escra-
Ibérica, andaluzes e gente da Estremadura; posterior- vidão, fome e violências foi tão grande que algumas ilhas
mente bascos, valencianos, aragoneses e asturianos foram abandonadas pelos espanhóis devido à total falta

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 47


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de braços indígenas para trabalhar. Um século depois, as capitulaciones concedidas pelas autoridades com
estas brechas foram ocupadas por colonos de outros anuência Real. As capitulaciones eram contratos entre
Estados europeus em expansão, como Inglaterra, França a Coroa e um ou vários particulares que estabeleciam
e os Países Baixos. direitos e deveres. Os investidos com uma capitulação
Sem perspectivas de enriquecimento por conta do se tornavam adelantados e geralmente tinham o direito
declínio antilhano, e sendo boa parte dos espanhóis de explorar as riquezas, terras e populações encontradas
excluída da distribuição de encomiendas e cargos, a (além de prerrogativas administrativas e judiciais), desde
população móvel e desprestigiada das ilhas tentava a que a Coroa recebesse por tudo o quinto Real (20% das
sorte grande nas fronteiras continentais em processo rendas, como imposto).
de expansão. A vida do círculo dirigente (elite colonial) De posse de uma capitulação (ou mesmo antes de
na América era distinta da maioria dos imigrantes. En- adquiri-la, como era frequente, já que muitos recebiam a
quanto os privilegiados recebiam as benesses político- confirmação das prerrogativas a posteriori), os capitães
-econômicas, geralmente fixando-se enquanto durassem e seu séquito rumavam para ilhas ou terras continentais
suas prerrogativas, o restante tinha que buscar seu lugar inexploradas, visando adquirir metais preciosos e talvez
ao sol. Entre uns e outros, agentes comerciais desfru- posteriormente encomiendas e outras benesses esta-
tavam de lucros que chegavam a 200% em Hispaniola, tais. Desta feita, os primórdios da conquista continental
sendo os grupos mercantis os que mais se beneficiavam americana tiveram um caráter privado (semelhante ao
financeiramente do processo de conquista. das Capitanias Hereditárias na América Portuguesa).
Irradiados a partir de Hispaniola, inúmeros aventurei-
ros partiram para explorar as possíveis riquezas sobre
as quais corriam boatos a todo instante. Grupos de
conhecidos (algumas dezenas ou centenas), chefiados
por um capitão, formavam companhias de exploração
em que cada um, a partir das suas posses, contribuía
para o empreendimento (juntamente com prováveis
patronos investidores), recebendo em caso de sucesso
lucros proporcionais ao investimento:

Em certa medida, todos os membros eram investidores


em empreendimentos comerciais que importavam grandes
riscos, mas também, potencialmente, os mais elevados re-
tornos. [...] Assim, foi o espírito do comercialismo que in-
fundiu as campanhas de conquista do princípio ao fim, com
os envolvidos vendendo serviços e trocando bens entre si
ao longo de todo o empreendimento. Em outras palavras, os
conquistadores eram empreendedores armados. (RESTALL,
2006, p. 78)

Sem muitos recursos para investir em expedições


de conquista – poucas foram as financiadas pelo Estado
espanhol, como as de Colombo e Magalhães – e assaz
ocupada com as disputas dinásticas europeias, nas
primeiras décadas do século XVI a Coroa limitou-se
a disciplinar os movimentos expansionistas dos seus Figura 14. Mapa das conquistas espanholas. Disponível em: <http://
súditos em terras americanas e promover a arrecada- hispanoteca.eu/Landeskunde-LA/Mapa%20de%20la%20 Conquista%20
ção do tributo régio. Para tanto, foi criada em Sevilha a de%20Am%C3%A9rica.htm>. Acesso em 30 de maio de 2011.
Casa de Contratación, em 1503, responsável por reger
os negócios entre a metrópole e as colônias e expedir

48 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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A partir de 1508 expedições saídas de Hispaniola par- Nos contatos com os nativos, entre escambos e es-
tem para diferentes direções. Companhias de conquis- caramuças, tratava Cortez de garantir a legalidade dos
tadores atingem a Jamaica, Porto Rico e a Terra Firme. seus atos, e a primeira forma de fazê-lo era ler diante
Em 1511, Diego Velázquez foi enviado pelo governador dos índios o requerimiento, que os exortava a se subme-
Diego Colombo (filho de Cristóvão, que sucedeu Ovando terem ao domínio da Coroa espanhola e aceitarem a fé
em 1509) para submeter Cuba ao domínio espanhol. cristã, sob pena de redução à escravidão ou extermínio
Tratou Velázquez, figura bem relacionada entre o círculo pelas armas. Diante da resposta indiferente ou hostil dos
de Rodríguez de Fonseca, de estabelecer um domínio nativos, que nada entendiam da língua espanhola, os
atroz sobre os Caraíbas de Cuba, divididos entre os espanhóis abriam fogo, massacrando o maior número
conquistadores de modo que nem todos fossem con- possível de indígenas.
templados. Um dos felizardos foi um jovem letrado (que Outro expediente legalista que visava a legitimar as
estudou Direito em Salamanca) chamado Hernán Cortez, ações dos conquistadores consistia na fundação de “ci-
que logo assumiu o cargo de secretário do governador. O dades”, mesmo que não fosse para habitá-las. Com este
ouro e os indígenas de Cuba se esgotaram mais rápido ato formal, os conquistadores constituíam um cabildo
do que em Hispaniola, fomentando o desejo por novas (ou conselho municipal), que a partir de então adquiria
empreitadas alhures. “estatura suficiente para formular determinados tipos de
O governador Velázquez, mesmo submetido for- resoluções, outorgar leis e tomar outras decisões com
malmente ao governo estabelecido em São Domingos, validade jurídica” (RESTALL, 2006, p. 51). O exemplo da
desfrutava de ampla margem de ação devido às suas fundação de Vera Cruz pela expedição de Cortez (abril
relações na metrópole, liberdade que lhe permitiu coor- de 1519) é notório. Buscando livrar-se dos laços que
denar expedições de saque e reconhecimento nas costas o submetiam a Velázquez, Cortez é nomeado alcalde,
continentais próximas a Cuba, que funcionou então justicia mayor e capitán-general pelo cabildo, cargo
como mais um trampolim para as conquistas. Em 1517 que formalizava sua liderança independentemente das
e 1518, Velázquez organizou expedições (que financiou determinações anteriores do governador de Cuba. Com
parcialmente em troca de parte dos possíveis lucros) de a “fundação” de Vera Cruz, os expedicionários passaram
reconhecimento ao litoral continental, que não trouxeram a se corresponder diretamente com as autoridades me-
retornos além da descoberta dos centros cerimoniais tropolitanas, em busca da confirmação dos seus atos e
indígenas da costa de Yucatán e golfo do México. prerrogativas de adelantado ao seu capitão (que foram
No ano seguinte, mais uma vez o governador de Cuba concedidas posteriormente).
coordenou uma expedição em direção ao continente, Após uma série de embates contra os indígenas, por
agora chefiada pelo seu apadrinhado Hernán Cortez, intermédio de dois intérpretes (o náufrago Jerônimo de
que hipotecou todos os bens que possui para garantir Aguilar e a índia Malinche – ou Marina) os espanhóis
a liderança do empreendimento. Entre os integrantes conseguem selar alianças com as chefias de Cempoal
da companhia de Cortez, que contou com uma frota de e Tlaxcala, que enxergaram em Cortez um aliado contra
11 navios e 508 homens, além de 17 cavalos e 10 ca- a hegemonia de Tenochtitlán. Em meio a combates
nhões, estava Bernal Díaz del Castillo, veterano das duas sangrentos contra dezenas de milhares de inimigos,
expedições anteriores e posterior cronista da expedição as centenas de invasores e alguns milhares de aliados
vitoriosa (BERNAND; GRUZINSKI, 2001). mesoamericanos penetraram no coração do México,
Antes que Velázquez desautorizasse a expedição (pois atingindo a capital mexica em fins de 1519.
sua relação com Cortez estava conturbada há tempos), Encurtando a explanação sobre um denso processo,
a frota zarpou de Cuba em fevereiro de 1519 rumo a os espanhóis foram bem recebidos por Montezuma
Yucatán. A expedição de Cortez é emblemática por conter (Montecuhzoma II), feito prisioneiro por Cortez; em meio
todos os processos envolvidos nas conquistas: particu- à saída do capitão ao litoral para rechaçar a expedição
larismos e intrigas, atos legalistas, violência desmedida contra ele enviada por Velázquez, os espanhóis mantidos
contra os índios, sequestros de chefes nativos, saques, em Tenochtitlán envolvem-se em um massacre de nobres
“manipulação” da política nativa e epidemias entre os mexicas, ficando sitiados; Cortez retorna e Montezuma
indígenas. é assassinado (pelos espanhóis ou pelos próprios na-
tivos, revoltados pela submissão do soberano ante os

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 49


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invasores – as fontes divergem); após evacuar Tenochti- estabelecida na região, sendo que ambos recorreram
tlán com pesadas baixas (Noche Triste), os espanhóis aos saques e à escravização dos nativos, que morreram
preparam a campanha do cerco à capital, que contou aos milhões. Novas expedições foram organizadas por
com o apoio de reforços hispânicos e mais de 100 mil Pedrarias rumo ao norte (Nicarágua e Costa Rica), ao
nativos aliados; durante 93 dias México-Tenochtitlán é passo que Balboa, feito adelantado do Mar do Sul (Pací-
sitiada, uma epidemia de varíola devasta a população e fico), explorou sem sucesso a costa oeste do istmo. Em
a resistência mexica capitula em 13 de agosto de 1521. 1519, acusado de insubordinação, Balboa foi condenado
Após a queda do poderio mexica, Cortez tornou-se e decapitado juntamente com quatro integrantes do seu
senhor do México, investido com uma capitulação pelo séquito (BERNAND; GRUZINSKI, 2001).
monarca Carlos V (que sucedeu Fernando em 1516). Ex- Na década de 1520, os boatos alimentados pelos
pedições secundárias foram enviadas aos quatro cantos nativos sobre a existência de ricos povos do “Biru”
da Mesoamérica, atingido ao oeste o litoral pacífico (onde (ou Peru, para os espanhóis) animavam os colonos do
fundam Acapulco) e os territórios Maias ao sul, sempre Panamá. O exemplo de Cortez e suas glórias também
escoltadas por contingentes nativos. Na Zona Maia, as povoava o pensamento daqueles que sonhavam com
levas de espanhóis vindos do México encontraram-se reinos de ouro e muitos habitantes para explorar. Mesmo
com aquelas vindas do outro núcleo de irradiação da colonos já enriquecidos, como Francisco Pizarro e Diego
conquista no continente, o istmo do Panamá e litoral de Almagro, esperavam mais das Índias do que haviam
da atual Colômbia. Cortez governou o México até ser conseguido até então. Ambos, juntamente com o padre
substituído pelo Vice-Rei Antonio de Mendoza (1535), Hernando de Luque, formaram uma sociedade que or-
mantendo-se como figura de destaque e rico encomen- ganizou (1526) a companhia que teve como destino as
dero (23 mil servos nativos). costas da América do Sul, após uma primeira experiência
de Pizarro na região.
Em 1509, partiram de Hispaniola como adelantados
Diego de Nicuesa e Alonso de Hojeda, respectivamente Entre 1524 e 1528, Pizarro e Almagro chefiaram ex-
para Verágua e golfo de Ubará (terras do Darién), onde pedições que avançavam a ‘duras penas’ pelas costas
os espanhóis sofreram com a fome, intrigas e ataques rumo ao sul, tendo problemas relacionados ao abaste-
nativos. Francisco Pizarro integrou a expedição de Ho- cimento e à hostilidade nativa (Almagro chegou a perder
jeda, ganhando uma experiência que seria importante um olho neste período, atingido por uma flecha). A fome
posteriormente. e o isolamento tanto quanto as flechas solapavam os
Um hidalgo pobre de Estremadura, Vasco Nuñes de expedicionários, cada dia em menor número. As aspi-
Balboa, se juntou à expedição de Hojeda após a volta rações pessoais e as discordâncias referentes ao anda-
deste (doente e mortalmente ferido) à Hispaniola, logo mento das empreitadas indispuseram os “compadres”
assumindo na prática o comando da expedição. Sob sua e fomentaram intrigas. Mesmo assim, Pizarro consegue
liderança foi fundada Santa Maria la Antigua de Darién, atingir Tumbes, denso povoado da costa submetido ao
povoação europeia mais antiga em terras continentais domínio Inca, onde foram recebidos por integrantes da
(1509-1510). Balboa estabeleceu relações (em meio às elite cuzquenha.
pilhagens) com os chefes indígenas locais e governou O achado animou os espíritos e em seu retorno ao
como verdadeiro caudillo as terras do istmo (já que Panamá Pizarro parte para a Espanha (1528) em busca
manobrou para que Nicuesa também perecesse por de uma capitulação para seguir adiante, no que é bem
ataque nativo), atingindo em 1513 a sua margem oeste, sucedido (mas não garantiu os mesmos privilégios a
descortinando o oceano Pacífico aos olhos europeus. Almagro, a quem foram destinadas receitas quase oito
Sua hegemonia começou a ruir em 1514, já que vezes menores que ao “mui amigo” Pizarro, sendo que
Fernando enviou Pedrarias Dávila, fidalgo ilustre, como Luque, por sua vez, foi nomeado Bispo de Tumbes).
capitão-general e governador da Castilla del Oro, nova Mais uma vez encurtando a explanação sobre um
denominação das terras do istmo em referência às denso processo, a seguir estão sumariados os principais
informações sobre ricos reinos indígenas próximos. A episódios do enredo da conquista do império Inca. Em
partir de então a rivalidade entre Pedrarias (que fundou maio de 1532, a nova expedição, agora maior (pouco
como capital a cidade do Panamá, em 1519) e Balboa menos de 200 espanhóis e um número igual ou maior
contaminou a atmosfera da comunidade espanhola de índios e negros) e melhor equipada, chefiada pelo

50 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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adelantado Pizarro, atingiu Tumbes, arrasada pelas epi- de todos os lados: Almagro “el Mozo” (1542), vice-rei
demias e pela guerra civil desencadeada após a morte Basco Nuñez de Vela (1546), Gonzalo Pizarro (irmão de
de Wayna Kapaq. Francisco, 1548) e muitos outros caem sucessivamente
A expedição continuou seguindo a costa, encontrando diante dos próprios compatriotas.
outras povoações e parando na foz do Chira, próximo Mesmo com o clima conflituoso nos Andes, o Peru
de onde fundaram San Miguel. Informados sobre a passou a funcionar como mais um trampolim para novas
localização do recém feito imperador Ataw Wallpa em expedições de conquista, sempre em busca da sorte
Cajamarca, 168 homens (64 dos quais a cavalo) partiram grande, como as de Benalcázar no Equador e Colômbia
ao encontro do Inca, coletando apoios entre as chefias (1533-1536), as de Almagro – o pai – e posteriormente
rebeladas. Em novembro chegaram os invasores a Ca- Pedro de Valdívia no Chile (respectivamente em 1535-
jamarca, travando conversações iniciais com o Inca. No 1537 e 1540-1553) e Orellana na Bacia Amazônica
dia seguinte, os espanhóis armaram uma emboscada (1541-1542). Saído do Peru, Hernando de Soto, feito
na praça de Cajamarca, preenchida pelas forças Incai- adelantado da Flórida em 1539, perece em sua expedição
cas, conseguindo derrubar o imperador da sua liteira e de conquista.
aprisioná-lo: dois mil mortos indígenas jaziam no chão Na região do rio da Prata, o estuário foi explorado por
após a luta, mas nenhum europeu. Pizarro ordenou o João de Solis em 1515. Duas décadas depois, Pedro de
pagamento de um imenso resgate de ouro e prata pela Mendoza fundou Buenos Aires (1536), cujo povoado-
vida de Ataw Wallpa, no que foi atendido enquanto os -fortaleza foi destruído pelos índios guaranis logo em
espanhóis faziam entradas de saque e destruição pelos seguida. No ano seguinte, Juán Salazar de Espinosa
Andes. fundou Asunción del Paraguay. Em 1540, o adelantado
Em meio aos sucessos espanhóis, Waskarr, o rival Alvar Núñes Cabeça de Vaca adentrou os rios platinos,
do Inca preso, caiu em mãos das forças do irmão, sendo personagem de uma verdadeira epopeia com mui-
sendo assassinado. Mesmo após o vultoso pagamento tas reviravoltas, culminando com sua prisão em 1545,
do resgate, Ataw Wallpa foi executado pelos invasores em meio às conspirações de opositores espanhóis.
devido à influência dos aliados nativos de Pizarro (agosto Foi remetido ao Velho Mundo, julgado e condenado
de 1533). A anarquia se abateu sobre o império, que injustamente (CABEÇA DE VACA, 2009). Para garantir a
ruiu diante das emancipações dos kuraka e das revoltas presença espanhola no estuário do Prata, Juan de Garay
dos servos contra seus senhores Incas. Em novembro fundou Buenos Aires pela segunda vez, em 1580, núcleo
de 1533, os espanhóis ocuparam Cuzco, recebidos por que se conservou mesmo diante das privações sofridas
Manko Inca, o novo imperador. Este se rebelou, sitiando por seus habitantes.
Cuzco após três anos, até a chegada dos reforços de
Almagro vindos do Chile. Neste meio tempo, Pizarro Rápido balanço da conquista espanhola
fundou cidades (entre elas Lima, em 1535) e exerceu ao
extremo suas prerrogativas de governador, favorecendo Como alguns milhares de europeus conseguiram
seus parentes e aliados da Estremadura, em detrimento conquistar, em tão pouco tempo, um conjunto de socie-
do grupo de Almagro (feito adelantado do Chile). A dades indígenas que agrupavam dezenas de milhões de
situação descambou para a guerra civil, com as duas habitantes espalhados por um imenso território, muitas
forças se enfrentando em diversas escaramuças, até o vezes maior que a Espanha? Esta pergunta, frequente
embate final (Las Salinas, abril de 1538), do qual Almagro entre os estudiosos do tema, teve diversas respostas ao
saiu derrotado. Preso, julgado como traidor, Almagro longo dos séculos, muitas vezes discordantes.
foi decapitado. A vingança não tardou: o filho mestiço Com efeito, o desafio enfrentado pelos conquista-
(e homônimo) de Almagro organizou o assassinato de dores, principalmente nas áreas das complexas socie-
Francisco Pizarro, em junho de 1541, proclamando-se dades mesoamericanas e andinas, não era pequeno:
governador. estimativas (que variam bastante) apontaram para uma
Para por fim à luta espanhola em solo andino e população total da América, à época da conquista, da
restabelecer a ordem, a Coroa enviou um governador ordem de 40 a 112 milhões de habitantes (CHAUNU,
e depois vice-reis que enfrentaram a resistência dos 1969; MANN, 2007).
conquistadores já estabelecidos, e baixas ocorreram

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 51


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A perplexidade diante de tal feito (juntamente com ou a descoberta de ricas fontes de metais preciosos,
vieses ideológicos) engendrou explicações que beiram mesmo que tais coisas não tivessem bases reais.
à fantasia: os índios eram inferiores biológica e cultu- Parcelas das populações nativas interpretaram de
ralmente e aceitaram o domínio dos invasores porque modo diverso a chegada dos invasores. Para os tlaxcal-
acreditavam que eram deuses; já os conquistadores tecas, inicialmente a guerra de conquista que culminou
espanhóis eram homens extraordinários e soldados bem com a derrota de Tenochtitlán foi vista como obra sua,
treinados, dirigidos por um Estado forte e organizado, dentro de uma lógica de expansão do seu domínio frente
e sua tecnologia sempre superior permitiu um domínio aos povos rivais da Mesoamérica que continuou com as
rápido e absoluto sobre os nativos. A este respeito, o sucessivas expedições espanholas das quais eram os
título de uma obra do historiador estadunidense Mat- mais numerosos integrantes. Soma-se a isto o fato de
thew Restall é bem sugestivo: Sete mitos da conquista que as elites nativas conservassem parte do seu domí-
espanhola (2006). Entre as análises de Restall (que nio mesmo com a presença hispânica, sendo inclusive
igualmente, por seu radicalismo, acabam construindo realizados muitos casamentos de princesas índias com
contra-mitos) talvez a mais interessante seja sobre “o espanhóis.
mito da conclusão” da conquista. Outros pontos que demonstram a incompletude da
Esta visão da conquista como um processo finalizado conquista: as inúmeras rebeliões indígenas das primeiras
em datas precisas (1524, no caso do México, 1533, no décadas do contato com os europeus, fazendo com que
caso do império Inca) possui variadas origens. A primeira expedições sucessivas tivessem que ser realizadas para
delas é a natureza das fontes: decretos reais e relatos garantir a hegemonia espanhola em certas áreas (os
dos conquistadores passavam a ideia da submissão dos Incas resistiram até 1572, por exemplo); a permanência
povos nativos frente aos hispânicos. A começar pelas das línguas nativas durante boa parte da era colonial
ações narradas por Colombo desde sua primeira viagem, (com os próprios espanhóis e seus descendentes
quando tomava “posse” de uma ilha após a outra, em comunicando-se por elas); e os amplos espaços espa-
nome dos Reis Católicos, atos simbólicos sugestivos, lhados pela América não ocupados pelos europeus nos
mas sem resultados práticos imediatos (o próprio forte primeiros séculos da colonização (ou mesmo após esta),
de Navidad, única iniciativa de ocupação em 1492, logo como a maior parte da América do Norte e das regiões
foi destruído pelos nativos). patagônica e amazônica, na América do Sul.
No mesmo sentido, a rainha Isabel afirmava, em Os conquistadores espanhóis não foram seres extra-
1501, que todos os habitantes das Índias Ocidentais ordinários, invencíveis, que pela sua inteligência inventiva
(mesmo a maioria ainda desconhecida dos europeus) acima da média acertavam sempre em seus atos. Boa
eram seus “súditos e vassalos”, bastando que fossem parte das manobras “geniais” colocadas em prática na
encontrados para que começassem a “pagar-nos nossos conquista da América já havia sido testada anteriormente
tributos e direitos” (RESTALL, 2006, p. 134). Ou seja, a nas guerras da Reconquista Ibérica, na invasão e sub-
conquista da América índia estava supostamente con- missão das ilhas Canárias e nas expedições contra os
cluída mesmo antes de começar! mouros no norte da África. Assim, os conquistadores
As crônicas e relatos dos conquistadores, por sua no continente americano reproduziram procedimentos
natureza, reforçavam a extensão imaginária do domínio comuns à época, que pareceram sempre dar certo
espanhol mesmo nas situações mais adversas. Os do- aos olhos dos incautos leitores dos seus relatos pelo
cumentos dirigidos à Coroa visavam enaltecer os feitos simples fato de que se não funcionassem, não haveria
do conquistador de plantão, comprovando seus serviços relato algum. Ou seja, a “invencibilidade” dos espanhóis
prestados (daí sua denominação, probanza de mérito, ou foi propalada pelo caráter teleológico dos seus relatos e
prova de mérito, cujos exemplos clássicos são as cartas pela própria sobrevivência dos seus autores, já que dos
de Cortez dirigidas a Carlos V). Para conseguir cargos, mortos em solo americano não temos muitas fontes
direitos e prestígio os conquistadores alardeavam e acerca dos seus fracassos – e não foram poucas as
superestimavam seus méritos, reduzindo ou omitindo figuras do Velho Mundo derrotadas no Novo...
a contribuição de terceiros, principalmente no caso de Para finalizar, o resultado da conquista se deve menos
se tratar de indígenas e/ou negros. Tinham que mostrar aos méritos espanhóis do que se supõe. Um universo
serviço, como a submissão de uma grande população

52 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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imenso de indígenas lutou (por suas próprias razões) ocidente europeu estava interessado pelas riquezas do
ao lado dos hispânicos, bem como diversos africanos Oriente asiático e das terras americanas.
(escravos ou não) participaram das expedições. Uns e Ao longo dos séculos XIV e XV, duas guerras contribu-
outros formaram um contingente muitas vezes “invisível” íram para o processo de centralização política na Inglater-
que foi deixado de fora das crônicas europeias, mesmo ra: a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) e a Guerra das
sendo decisivo para as vitórias dos invasores brancos. Duas Rosas (1455-1485). O enfraquecimento da nobreza
Ao lado dos diversos agentes epidemiológicos que in- após tantos anos de conflito favoreceu a ascensão da
festaram a América (dizimando suas populações) e da dinastia Tudor (1485-1603), responsável pela afirmação
tecnologia trazida do Velho Mundo (principalmente o aço do poder central da monarquia (KARNAL, 2001).
e os cavalos), a atuação desses esquecidos da história Os ventos da Reforma Protestante que vinham do
ajuda a responder à pergunta formulada anteriormente. continente atingiram as ilhas britânicas, e o rompimento
de Henrique VIII com a Igreja Católica originou a Igreja
Anglicana, submetida direta e unicamente à Coroa. Tal
SAIBA MAIS processo concentrou poderes nas mãos da realeza,
com a submissão da estrutura eclesiástica aos ditames
A Conquista incompleta estatais.
“Os acontecimentos de Itzamkanac [execução de Cuautémoc e nobres
mexicas pelos espanhóis], que se deram quatro anos depois de 1521, Desde fins do século XV, iniciativas de grupos co-
a data tradicionalmente atribuída à Conquista do México, ilustram até merciais ingleses inseridos nos circuitos comerciais
que ponto a Conquista constituiu um processo muito mais complexo europeus, e desejosos de entrar no lucrativo jogo das
e prolongado do que sugere o mito da conclusão. Cortés continuava especiarias orientais, foram vistas com bons olhos pela
se dedicando a longas expedições de exploração e conquista. Embora
a razão oficial de sua viagem a Honduras fosse punir Cristóbal de
monarquia, fomentando o que Marc Ferro chamou de
Olid, um capitão seu que se rebelara, visava também à exploração da “‘nacionalização’ das forças econômicas” na Inglaterra
região entre o México e Honduras. Com efeito, a expedição assinalou a (FERRO, 1996, p. 66). Objetivava-se incrementar a eco-
primeira vez que europeus e africanos pisaram em Itzamkanac. Quatro nomia (comercial e manufatureira) através de expedições
anos após a queda de Tenochtitlán, a maior parte da Mesoamérica orientais, não fundando colônias.
continuava ainda intocada diretamente pelos pés do Velho Mundo, o
que também valia para os Andes quatro anos depois da execução de O veneziano Giovanni Gaboto (o ‘Colombo’ dos
Atahualpa.” ingleses), financiado pelos comerciantes de Bristol,
In: RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de comandou cinco navios da Marinha inglesa na tentativa
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 255.
de descobrir uma rota para o Oriente pelo Noroeste da
América, em 1497, obviamente sem sucesso, pois se
Ingleses e franceses em mar e terra deparou com as calotas polares árticas. Realizou nova
empreitada no ano seguinte, tendo encontrado em suas
Enquanto os ibéricos se destacavam como pioneiros viagens de cabotagem pelas costas da América do Norte
da expansão ultramarina europeia, devido à configuração rios e baías que posteriormente serviram como portas
inicial dos seus Estados nacionais nos séculos XIV e XV, de entrada da colonização inglesa.
outros povos mais ao norte da Europa se interessavam Alguns navegadores de origens variadas singraram
pelos seus sucessos, mas não dispunham de condições as águas do Atlântico sob bandeira inglesa ao longo do
objetivas para rivalizar com portugueses e espanhóis. século XVI, realizando trocas com nativos da América,
Paralelamente às conquistas hispânicas e lusitanas contrabando nas possessões ibéricas e corsarismo.
em solo americano, ingleses e franceses aceleravam a Entretanto, somente em fins do mesmo século, no rei-
centralização política que originou seus próprios Estados nado de Elizabeth I (1558-1603), os ingleses deram um
nacionais, visando, entre tantas outras coisas, reverter impulso “à construção naval e ao comércio marítimo,
seu atraso quanto ao estabelecimento de colônias. envolvendo também a atividade corsária” (AQUINO,
Somente no século XVII as monarquias inglesa e 2000, p. 123). Os principais alvos da cobiça dos corsá-
francesa lograram dirigir esforços colonialistas mais rios eram os comboios espanhóis do sistema de frotas
consistentes, o que não impediu que iniciativas neste de galões, que traziam as riquezas da América rumo à
sentido fossem tomadas anteriormente, já que todo o península Ibérica.

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Em sua crescente rivalidade com o poderio espanhol,


os ingleses formularam os princípios da sua política Com a derrota fragorosa, a Espanha veria seu poder em de-
mercantilista: clínio ser suplantado por uma Inglaterra que abriu caminho
para sua vocação marítima tornar-se imperial e mundial,
processo consolidado entre os séculos XVII e XIX. Somente
Se para a Inglaterra só interessavam, ainda no final do século
as duas guerras mundiais do século XX levaram ao ocaso o
XVI, as rotas e o comércio, uma reviravolta ocorre na época
imperialismo britânico. (JUNQUEIRA, 2010b, p. 13)
de Elizabeth I, quando Walter Raleigh torna-se o teórico de
uma espécie de imperialismo marítimo: “Quem comanda
o mar comanda o comércio; quem comanda o comércio A França, também acossada pelas investidas dos
comanda a riqueza do mundo, e por conseguinte o próprio Habsburgos, senhores da Espanha desde a ascensão
mundo...” (FERRO, 1996, p. 67) de Carlos V ao trono de Castela (1516), e de boa parte
da Europa, após este ser eleito imperador do Sacro
A partir de então, as viagens à América foram inten- Império Romano Germânico (1519), teve que canalizar
sificadas, “seja para saquear as embarcações e colônias suas energias na geopolítica europeia (por uma questão
espanholas, ou para empreender lucrativo contrabando de sobrevivência da sua soberania), retardando ainda
nas Antilhas, seja para começar a colonização” (AQUINO, mais sua entrada no rol dos Estados colonizadores.
2000, p. 123). Os ingleses, tanto quanto os franceses, Não obstante o atraso no desenvolvimento de um pro-
inicialmente tiveram uma relação parasitária para com jeto colonizador, os franceses não estiveram alheios à
os negócios coloniais hispânicos. As iniciativas visando expansão marítima ibérica:
à colonização de parcelas das costas americanas não
ocupadas pelos espanhóis começaram somente com Aliás, Francisco I pediu para ver “a cláusula do testamento
as três expedições de Walter Raleigh à América do Nor- de Adão” que, segundo o papado, o excluiu da partilha do
te – 1584, 1585 e 1587 –, frustradas pela resistência mundo. Na verdade, por muito tempo faltaram à França meios
indígena, que dizimou os colonos ingleses. para montar um grande dispositivo comercial, e no século
Conflitos entre nativos e colonos ingleses na Amé- XVI ninguém teve realmente essa idéia. Foi preciso que a
rica do Norte foram constantes no período colonial – e guerra de corso se iniciasse para que Saint-Malo, Nantes
etc. se lançassem, mas várias décadas depois de Portugal
continuaram mesmo no século XIX, agora envolvendo
e Espanha, e com menos determinação do que a Inglaterra.
os estadunidenses. Diferentemente do ocorrido nas
Foi preciso, sobretudo, que o Estado quisesse ter colônias.
colonizações ibéricas, em que a Igreja Católica e seus
(FERRO, 1996, p. 61)
missionários tiveram um papel decisivo na assimilação
(e ocidentalização) dos indígenas à sociedade colonial
hispânica, não havia entre os ingleses um projeto de Envolvida nos conflitos externos dinásticos e da
evangelização em terras americanas. A Igreja Anglicana Reforma Protestante e dilacerada pelo embate interno
esteve fora dos empreendimentos coloniais. Da mesma entre católicos e huguenotes, a França indispunha de
forma, os reduzidos contingentes nativos nas costas meios para contrapor espanhóis e lusitanos em seus
norte-americanas, por conta do alastramento das epi- empreendimentos coloniais americanos, limitando-se
demias trazidas ao Novo Mundo pelos espanhóis, não inicialmente às práticas do contrabando e corsarismo.
estimulavam projetos de exploração maciça de sua mão Contudo, em meio à centralização política e construção
de obra. Assim, não havia a intenção de integrar os indí- do Estado absolutista francês, iniciativas de colonização
genas à sociedade colonial inglesa em solo americano. foram intentadas em decorrência dos conflitos religiosos.
Em fins do século XVI, sofreram os ingleses a ame-
aça de invasão por parte das forças de uma Espanha Foi assim que entre 1555 e 1567 huguenotes chefiados por
imperial (mais poderoso Estado europeu da época), o Nicolau de Villegagnon fundaram a França Antártica, destruí-
da pelos portugueses. Expulsos da Baía da Guanabara, tenta-
que ocasionou uma interrupção nas investidas coloniais
ram ainda se estabelecer ao norte, no litoral maranhense,
britânicas. A malograda tentativa de invasão da Inglaterra
sendo igualmente repelidos pelos lusitanos. (JUNQUEIRA,
pela Invencível Armada espanhola (1588) foi, contudo,
2010b, p. 23)
o ponto crítico de inflexão no jogo de forças entre os
Estados europeus:

54 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Entretanto, foi posteriormente na América do Norte


que os franceses conseguiram estabelecer-se. Os estí-
mulos iniciais para tanto surgiram da pesca, praticada há
tempos no Mar do Norte, e das tentativas de descobrir
uma passagem ao norte para o Pacífico (como os ingle-
ses), objetivando atingir o Oriente asiático das especia-
rias. Em 1535, Jacques Cartier explorou o estuário do
São Lourenço, importante via de penetração ao interior
continental, porém não logrou estabelecer na região uma
ocupação duradoura. A fixação dos franceses nas terras
do atual Canadá só se concretizou no reinado de Hen-
rique IV (1589-1610), momento em que o absolutismo
francês achava-se consolidado e tinha como uma de
suas premissas a política mercantilista.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Indique três fatores que contribuíram para a conquista espanhola


na América; dê ao menos um exemplo histórico em que cada fator
influenciou o resultado do processo de conquista.

INDICAÇÃO DE LEITURA

São muitas as obras interessantes para o estudo da conquista da


América. Contudo, pela sua viva narrativa dos processos e personagens
envolvidos na conquista, indico a leitura da obra de Carmen Bernand e
Serge Gruzinski, História do Novo Mundo.
BERNAND, Carmen; GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da
descoberta à conquista, uma experiência europeia, 1492-1550. São
Paulo: EDUSP, 2001.

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

56 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

COLONIALISMO NA
AMÉRICA

CAPÍTULO 4
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

58 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

A colonização espanhola sidência e visitadores eram os olhos e ouvidos da Coroa


na América, para onde iam fiscalizar a administração.
No continente americano o aparato estatal era en-
Após meio século da chegada de Colombo ao Novo cabeçado pelos vice-reis, responsáveis por administrar
Mundo, o domínio dos conquistadores espanhóis so- os Vice-Reinados. Estes foram criados seguindo a
bre as terras e populações americanas predominou, importância econômica das regiões submetidas: Vice-
por vezes, quase à revelia dos ditames metropolitanos -Reinado da Nova Espanha (1535), do Peru (1543), de
(as guerras civis no Peru exemplificam a situação). A Nova Granada (1717, desmembrado do Peru), e do Rio
hegemonia dos adelantados foi suplantada pelo aparato da Prata (1776). As áreas periféricas (como a Venezuela,
estatal dirigido a partir da Espanha, na medida em que Flórida e Cuba) constituíam capitanias gerais, governa-
o ouro e a prata afloravam do solo americano. Porém, das por capitães.
este foi um processo conflituoso e que deixou marcas
nas sociedades coloniais. Segundo Hector Bruit (1995,
p. 21-22):

Toda a problemática americana desenvolveu-se estreitamente


atrelada ao confronto de dois princípios que marcaram o pro-
cesso de dominação das Índias: o princípio do Estado legal-
ista e burocrático contra o princípio do senhorio patrimonial,
derivado do caráter privado da conquista.

A Coroa espanhola inicialmente relutava a despender


capitais no empreendimento colonial, bem como se
achava sobrecarregada com suas ambições imperiais no
continente europeu. Quanto à América, a preocupação
do Estado espanhol era regulamentar a atuação dos
adelantados visando à cobrança dos tributos, e para tanto
a Casa de la Contratación, instalada em Sevilha (1503),
bastava. Este órgão tinha a finalidade de fiscalizar os
negócios e contratos das Índias Ocidentais, supervisio-
nando a cobrança dos tributos, as frotas de galeões e
os contratos com particulares e companhias comerciais.
A mão pesada do Estado sobre suas colônias foi
sentida no momento em que os resultados econômicos
da conquista aparecem na forma de ricas minas de prata
e ouro. Com suas receitas, pôde a metrópole instaurar
as estruturas administrativas onde fosse necessário,
seguindo o mapa da distribuição das riquezas minerais
americanas. Nas áreas periféricas, como a região platina
e a Flórida, desprovidas de metais preciosos, muito pou- Figura 15. Mapa dos vice-reinados da América Espanhola. Disponível em:
co foi feito até o século XVIII, permitindo a manutenção <http://pt.wikipedia.org/wiki/Independ%C3%AAncia_da_Am%C3%A9rica_
Espanhola>. Acesso em 03 de junho de 2011.
dos particularismos dos colonos.
Além da Casa de Contratação, foi criado na Espanha
o Conselho das Índias (1524), órgão supremo “sobre Para auxiliar a administração (inicialmente dos gover-
todas as questões coloniais, fossem de natureza judicial, nadores, depois dos vice-reis), a partir de 1511 foram
legislativa, militar ou eclesiástica” (AQUINO, 2000, p. criadas as audiencias, importantes centros de poder na
120). Funcionários metropolitanos como os juízes de re- América. Funcionavam como tribunais de última instância

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 59


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e conselhos administrativos, substituindo os vice-reis de portos ‘únicos’ (Sevilha depois Cádiz, na Espanha;
caso necessário. As audiencias eram compostas por Havana, Cartagena, Vera Cruz e Porto Belo, na América)
“ouvidores nomeados pelo rei, com funções vitalícias” e restrições ao desenvolvimento de manufaturas nas
(AQUINO, 2000, p. 120). Estes órgãos vendiam cargos colônias, garantindo assim a complementaridade do
em repartições administrativas (coisa comum na Europa sistema: manufaturas da Europa para a América e gê-
da época), o que alimentava a corrupção e desvios de neros primários na direção contrária. Este esquema era
conduta, já que os compradores buscavam o retorno so- amplamente favorável à metrópole. Por exemplo, durante
bre o investimento e, claro, obter lucros sobre o mesmo a segunda metade do século XVI, o valor das exportações
(fazendo florescer o patrimonialismo em solo americano, coloniais foi quatro vezes superior ao das importações
tal qual na península Ibérica). metropolitanas (GALEANO, 2001). A sangria de capitais
No plano das municipalidades, a instância de governo gerados na América em direção à Espanha era alargada
local era o cabildo, conselho legislativo (subordinado à pela cobrança dos impostos também sobre as atividades
respectiva audiência) responsável por administrar as desenvolvidas no interior das colônias.
cidades (junto aos funcionários competentes), além Apesar da rigidez formal do sistema, a realidade dos
de funcionar como tribunais de primeira instância. Os dois lados do Atlântico se incumbia de abrir-lhe brechas
cabildos eram compostos pelos regedores, integrantes que minavam seu poder de alcance. Na América, os co-
da elite criolla local que reproduziam seu domínio através lonos de regiões periféricas da colonização, desprovidas
da escolha de seus sucessores. das riquezas metálicas, não possuíam recursos para
Em relação à América, a máquina estatal montada arcar com os altos preços dos manufaturados europeus
na Espanha e nas colônias, e que tinha uma infinidade vendidos por dentro dos quadros do sistema, recorrendo,
de cargos, teve por finalidades reger a vida dos súditos assim, ao contrabando (praticado principalmente por
americanos e garantir a drenagem das riquezas coloniais ingleses, portugueses e franceses). Somava-se a isto
em benefício da Coroa (que encarnava o Estado como a incapacidade espanhola em suprir adequadamente as
um todo), dos círculos da nobreza, do clero e dos gran- demandas dos colonos, obrigando a Coroa a conceder
des grupos mercantis e financeiros. Assim, cabia ao a estrangeiros – geralmente ingleses – permissões
Estado espanhol, por conta da rivalidade entre os poderes (asientos) de comércio por períodos determinados. Tal
absolutistas europeus, reger seus negócios coloniais prática se deu principalmente ao longo do século XVIII,
visando resguardar para si (ao menos em tese, pois na desnudando a situação crônica da Espanha, dois séculos
prática a coisa era bem diferente) os frutos econômicos após a conquista da América.
decorrentes dos mesmos, sob a ótica do mercantilismo, Não obstante, a riqueza extraída das colônias ame-
política econômica dos Estados modernos europeus. Tal ricanas alimentou durante muito tempo os luxos da
conjuntura fomentou a estruturação do sistema colonial, Corte (em crescente expansão), as guerras da Coroa em
que dava sentido à existência econômica da colonização: solo europeu e o enriquecimento dos grupos mercantis
sediados em Sevilha e Cádiz (e por meio deles, vastos
Nos Tempos Modernos [...], tal movimento se processa
setores da burguesia europeia). As descobertas das
travejado por um sistema específico de relações, assumindo minas de ouro e prata no México e no Peru, em meados
assim a forma mercantilista de colonização, e esta dimen- do século XVI, inundaram a Europa com os cobiçados
são torna-se para logo essencial no conjunto da expansão metais, causando uma revolução nos preços e a acele-
colonizadora européia. Noutras palavras, é o sistema colonial ração da circulação monetária (triplicando as reservas
do mercantilismo que dá sentido à colonização européia no de prata do continente). Inicialmente o ouro prevalecia,
período que medeia entre os Descobrimentos Marítimos e a mas cedo a prata suplantou em muito sua importância,
Revolução Industrial. (NOVAIS, 1998, p. 14) pois nas principais minas americanas (Potosí, na atual
Bolívia; Zacatecas e Guanajuato, no México) extraía-se
O sistema foi montado para assegurar o exclusivismo grandes quantidades do precioso metal prateado. Um
espanhol sobre o comércio colonial (através dos mo- século após a descoberta destas ricas minas, a prata
nopólios) e fomentar a economia interna da metrópole representava 99% do valor das exportações americanas
(que fornecia manufaturas às colônias). Para tanto foram em direção à Espanha. A riqueza que saía dos veios de
instituídas as frotas de galeões (duas por ano), o sistema prata de Potosí era tamanha que Carlos V outorgou um

60 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

escudo à dita Vila que continha a inscrição “Sou o rico com uma encomienda. Porém, este sistema excluía a
Potosí, do mundo sou o tesouro, sou o rei das montanhas maioria dos espanhóis do acesso à mão de obra nativa,
e sou a inveja dos reis” (GALEANO, 2001, p. 33). ocasionando uma concentração de riqueza em mãos dos
A enxurrada de prata que grassava pela metrópole encomenderos. Com o crescente número de espanhóis
teve efeitos negativos em longo prazo. A inflação causa- chegados à América (que se juntavam aos descendentes
da pelo crescimento acelerado da circulação monetária dos primeiros conquistadores) e a redução da popula-
afetou drasticamente as manufaturas espanholas, já que ção nativa por conta das epidemias, guerras e trabalho
estas ficaram muito caras em relação às produzidas em forçado, o quadro se agravou.
outros pontos da Europa, notadamente na Inglaterra. A partir das Novas Leis, a Coroa tomou para si um
Deste modo, os comerciantes espanhóis compravam número cada vez maior de comunidades, pela anulação
no estrangeiro as manufaturas com destino à América, de encomiendas anteriormente concedidas ou pelo fim
fazendo da Espanha mera intermediária entre suas colô- da perpetuidade das mesmas (porém ocorreram pos-
nias e os centros produtores situados mais ao norte da tergações abrangendo duas, três e até quatro gerações,
Europa. Mesmo a tradicional produção de lã nas terras mesmo que residuais). De posse das comunidades, o
de Castela estava arruinada no início do século XVII. Estado nomeava corregidores de índios, funcionários
Os crescentes gastos da Coroa com a manutenção da responsáveis por contabilizar o contingente de inte-
Corte, da onerosa máquina burocrática e eclesiástica e grantes que cada comunidade (a título de pagamento de
das forças militares aumentaram as dívidas do Estado tributos) deveria disponibilizar temporariamente (em um
espanhol, enriquecendo os seus credores espalhados sistema rotativo entre os homens adultos). O corregidor
pela Europa. Tal conjuntura econômica contribuiu para então procedia ao repartimiento dos indígenas enviados
a acumulação primitiva de capitais nas zonas mais pelas comunidades aos espanhóis que os solicitassem,
dinâmicas do nascente capitalismo, ao passo que na que os empregavam temporariamente nas atividades que
península ibérica predominava o atraso e os desperdícios lhes conviessem, em troca do pagamento de um salário.
da sociedade de Corte. Ao final do período de trabalho (cerca de três meses), os
Na América, o peso da produção das riquezas que índios repartidos voltavam às suas comunidades, sendo
alimentavam a Europa recaía sobre as costas dos ín- substituídos por outros, submetidos ao mesmo sistema
dios, mão de obra dos empreendimentos mineradores (VAINFAS, 1984; LOCKHART; SCHWARTZ, 2010).
e agrícolas. Os nativos sofreram primeiramente com a Com o passar do tempo, uma série de fatores cor-
escravidão nas Antilhas e na terra firme, até que suces- roboraram para que a encomienda e o repartimiento
sivas leis (1512, 1542) coibissem sua escravização (ao perdessem importância como sistema tributário e relação
menos formalmente). de produção. O declínio demográfico das populações
Paralelamente ao declínio da escravidão nativa, ou- indígenas (que só voltaram a crescer próximo do fim do
tros meios de exploração da mão de obra indígena se século XVII) e o crescimento do contingente de mestiços
desenvolveram de formas variadas em cada zona colo- no seio da sociedade colonial (resultado da combinação
nial, prevalecendo a encomienda até meados do século dos elementos europeu, índio e negro), que não eram
XVI. Nas Antilhas, enquanto havia índios para trabalhar, submetidos à tributação servil, minaram as bases do
os governadores distribuíam (repartimiento) em enco- sistema.
miendas comunidades submetidas aos encomenderos Contribuiu também o fato de que os índios submetidos
que exploravam sua força de trabalho na agricultura e ao trabalho temporário longe de suas comunidades se
mineração de aluvião. viam em meio aos espanhóis e mestiços nas cidades
No continente, a Coroa disciplinou pelas Leyes Nuevas (onde trabalhavam nas residências como serviçais ou
(1542) o repartimiento, tentando evitar a repetição das nas oficinas manufatureiras – os obrajes), fazendas
nefastas consequências da servidão nas Antilhas pelo (haciendas) e minas, absorvendo em pequenas doses
uso indiscriminado das comunidades pelos encomen- elementos da cultura ocidental europeia (para o que
deros. Até então, no México ou no Peru as comunida- muito contribuiu a catequese missionária). Com os
des repartidas de forma vitalícia (ou perpétua) entre parcos salários recebidos pelo trabalho, adquiriam
os conquistadores eram monopólio dos beneficiados alguns poucos produtos vindos do Velho Mundo, mas
que pesavam no conjunto para modificar os hábitos e

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valores de vida. Coisa semelhante ocorria no seio das Os agentes mineradores que exploravam de tal
próprias comunidades, já que os caciques, por vezes, forma o trabalho dos indígenas recebiam os filões de
funcionavam como agentes intermediários de firmas mineração através de concessões perpétuas da Coroa,
comerciais, revendendo seus produtos para os demais pois o subsolo, assim como as terras da superfície, era
membros do pueblo (povoado) ao qual pertenciam. A patrimônio régio. Tais concessionários eram inicialmente
continuidade deste processo levou um número razoável de origem social variada:
de índios a abandonar suas comunidades de origem,
mesclando-se à população não-índia. Incluindo desde o próprio rei e altos funcionários espanhóis
Nas minas dos Andes – Potosí à frente – o reparti- até modestas companhias formadas por colonos humildes
miento (que se mesclou à tradicional instituição andina e índios. A exploração mineira, dispersa no início, tornou-se
da mita, levando inclusive seu nome) tendeu a reter os cada vez mais concentrada a partir de fins do século XVI, à
mitayos por um tempo superior aos três meses, pois a medida que se foram esgotando os minérios na superfície:
carência de mão de obra era crônica, devido às altas a necessidade de se aprofundar as escavações exigia, com
taxas de mortalidade: efeito, investimentos inacessíveis ao pequeno explorador.
(VAINFAS, 1984, p. 54)

A mita era uma máquina de triturar índios. O emprego do


mercúrio para a extração de prata por amálgama envenenava
Desse modo, ocorreu a concentração dos veios de
tanto ou mais do que os gases tóxicos do ventre da terra.
exploração em mãos dos mais ricos mineradores, ligados
Fazia cair o cabelo, os dentes e provocava tremores incontro- às teias de comércio que chegavam até a metrópole.
láveis. Os “azogados” se arrastavam pedindo esmolas pelas Paralelamente a este processo, no campo das relações
ruas. Seis mil e quinhentas fogueiras ardiam na noite sobre de produção, os indígenas repartidos na produção das
as ladeiras da montanha, e nelas se trabalhava a prata, valen- minas e no trabalho agropecuário nas haciendas tende-
do-se do vento que o “glorioso Santo Agostinho” mandava do ram a se fixar junto aos centros produtores, abandonando
céu. Por causa da fumaça dos fornos não havia pastos nem voluntariamente seus lugares de origem. As comuni-
plantações num raio de seis léguas ao redor de Potosí, e as dades, cada vez mais esvaziadas, não conseguiam
emanações não eram menos implacáveis com os corpos dos abastecer a demanda por trabalhadores, obrigando os
homens. (GALEANO, 2001, p. 30) mineradores e hacienderos a estabelecer uma gama de
relações produtivas com os nativos que iam desde a ser-
Assim, os agentes mineradores tinham uma constante vidão por dívidas (peonaje) até acordos empregatícios,
demanda por mão de obra, o que os fazia oferecer um mediante pagamento de salários. Nas haciendas havia
pagamento maior aos mitayos que se dispusessem a ainda a possibilidade do estabelecimento de colonos
permanecer nas minas após o término do período de indígenas, que recebiam lotes para seu sustento em troca
trabalho da mita, o que era aceito por parte deles. O da destinação de parte da produção ao proprietário ou
alcoolismo contribuía para tal coisa, pois para suportar da prestação de serviço nas terras do mesmo.
o mortificante trabalho das minas os nativos costuma-
O declínio das comunidades, que tinha como uma das
vam beber compulsivamente, entre uma mastigação
principais funções abastecer os centros urbanos colo-
e outra das folhas de coca (GALEANO, 2001). Como
niais com seus excedentes agrícolas, levou ao incremen-
a cachaça era vendida no centro minerador, preferiam
to do papel das haciendas como unidades destinadas
fixar-se aí para alimentar seu vício. Outra forma de reter
os mitayos era o adiantamento de pagamentos por parte à produção de gêneros de subsistência visando ocupar
do agente minerador, na forma de créditos que deveriam o lugar deixado pelos pueblos decadentes. Tal proces-
obrigatoriamente ser gastos no armazém da mina (tienda so levou à expansão das propriedades latifundiárias a
de raya), cujos preços propositalmente altos levavam a partir do século XVII. As haciendas (ou estâncias, no
constantes casos de endividamento dos indígenas, que caso da pecuária extensiva) desempenharam um duplo
ficavam impedidos de abandonar o trabalho até saldar papel na economia colonial. Ao passo que produziam
as dívidas, o que nem sempre conseguiam (VAINFAS, alimentos para o abastecimento das cidades e centros
1984). Esta servidão por dívidas foi mais comum nas mineradores, gradualmente, ao longo dos séculos XVII e
minas do México, mas também se dava nos Andes (e XVIII, tiveram uma importância crescente na produção de
nas haciendas). gêneros tropicais para a exportação (cochonilha, açúcar,

62 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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anil, cacau e algodão), compensando parcialmente a Contudo, a religiosidade colonial escapou à padronização
queda na produção de prata neste período (que mesmo da Igreja e seus agentes:
assim continuava a ser importante, pois representou ao
menos 75% do valor global das exportações coloniais O bem enraizado sincretismo religioso dos baianos de hoje,
hispânicas no século XVIII). para os quais os santos católicos se confundem com os
Nas Antilhas, litoral norte da América do Sul, istmo do orixás africanos é um exemplo. Além deste, a profusão de
Panamá e áreas do México e Equador, a falta de braços santidades “americanizadas”, como a Virgem de Guadalupe
indígenas para o trabalho na lavoura agroexportadora (de feições indígenas), padroeira do México, e a Nossa Sen-
levou ao incremento da escravidão africana. Porém, na hora Aparecida (representada por uma Virgem Maria negra),
América espanhola o contingente de escravos vindos padroeira do Brasil, também servem de exemplos. (JUNQUE-
da África foi bastante inferior ao que receberam as pos- IRA, 2010a, p. 155)

sessões coloniais inglesas e portuguesas, perfazendo


menos de 10% dos cerca de 12 milhões africanos Não obstante, a Igreja procurava coibir e castigar
traficados para as terras americanas (VAINFAS, 1984; os desvios. Tribunais do Santo Ofício (a famigerada
CHASTEEN, 2001). Inquisição) foram instalados em cidades como Lima
Os africanos trazidos à América se juntaram aos nati- e México desde o século XVI, visando principalmente
vos e europeus, conformando o cadinho colonial étnico eliminar práticas judaicas dos cristãos-novos vindos
e cultural. Sem dúvida, por conta do seu peso demográ- da península Ibérica (mas também caçavam indígenas
fico (e pelo fato de que europeus e africanos travavam ‘idólatras’). Para escapar das perseguições, os nativos
relações no Velho Mundo), os mais impactados pela desenvolveram estratégias de simulação e ocultação
formação do mundo colonial ibero-americano foram os dos seus costumes e crenças, buscando manter viva
indígenas. No decorrer dos anos, os índios, consciente e sua herança cultural:
inconscientemente, apreenderam aspectos culturais ibé-
ricos que transformavam suas mentes e corpos. Porém, [...] o trauma da conquista os obrigou a vestir a máscara
vale ressaltar que este processo de transculturação foi (prática de simulação) para esconder do conquistador aquilo
uma via de mão dupla, pois os espanhóis, principalmente pelo qual estavam sendo perseguidos (costumes, idolatria).
nos primeiros tempos da conquista e colonização, tam- O temor era serem desmascarados, temor que manteve vivo
bém sofreram um relativo processo de “indianização”, o trauma no nível do inconsciente. [...] os índios simulavam
decorrente da convivência com uma maioria nativa, da ser cristãos por meio dos significados das formas, rituais e
gestos da nova religião, mas no fundo a simulação lhes per-
qual absorvia hábitos e línguas.
mitia encobrir suas crenças idolátricas. [...] Este processo
Em que pese a manutenção da separação (legal e é a “história invisível” da conquista americana, uma história
real) entre os mundos espanhol e indígena ao longo de de indivíduos que vestiram a roupa e os símbolos dos con-
todo o período colonial, a crescente parcela mestiça quistadores para ocultar-se e poder agir, criando e forçando
da sociedade constituía uma ponte que os conectava e um processo histórico surpreendente e cheio de armadilhas.
contribuía para a formação de uma sociedade cultural- (BRUIT, 1995, p. 15-18)
mente híbrida: nem europeia, nem indígena, mas uma
fusão de ambas (com parcelas de contribuição africana Esses esforços dos indígenas para camuflar seu
onde havia negros). verdadeiro eu não escaparam aos missionários, que
Uma boa maneira de se apreender o processo de mais de uma vez se questionaram que tipo de fé cristã
hibridização cultual é analisar a difusão do cristianismo estava sendo praticada pelos nativos, duvidando da
entre as populações nativas. As formas pelas quais os efetiva conversão dos mesmos.
indígenas assimilaram ou resistiram à imposição da
religião cristã demonstram o quão complexas foram as
incompreensões de parte a parte.
Os missionários, chegados à América desde a segun-
da viagem de Colombo, se empenharam na assimilação
dos índios à civilização europeia por meio da catequese.

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que estas tinham com os missionários (sempre em


número insuficiente), ficando os indígenas mais livres
para cultuar suas divindades – exceto no caso das
reduciones, povoamentos agrícolas criados pelos
religiosos para catequizar os índios e protegê-los da
sanha dos colonos. Já nas cidades coloniais, centros
de povoamento e de difusão da cultura europeia, onde
os traços das culturas nativas praticamente não existiam
(como no caso de novos estabelecimentos urbanos em
espaços vazios) ou foram apagados (com a destruição
dos templos indígenas sobre os quais catedrais e igrejas
foram erguidas) a possibilidade de conversão era maior.
De qualquer sorte, mesmo as permanências (ocultas
ou não) das religiosidades ameríndias não impediram
a instauração da hegemonia do catolicismo na América
ibérica (como evidenciam as maiorias católicas dos
países latino-americanos até os dias de hoje).
O monopólio educacional exercido pelas ordens reli-
giosas na colônia contribuiu para reforçar esta hegemo-
nia, além de difundir os valores ocidentais. Universidades
foram fundadas nos núcleos urbanos espanhóis do Novo
Mundo – a primeira delas, em São Domingos, data de
1538. Ao término do período colonial, havia mais de
vinte universidades espalhadas pela América hispânica
(HOLANDA, 1998).
Figura 16. Padre lascivo castigando nativo que defendia índias solteiras con-
tra seus abusos. Gravura de Poma de Ayala (XVII). Disponível em: <http://
As sociedades coloniais da América espanhola, ao
www.kb.dk/permalink/2006/poma/608/es/text/?open=id3088802>. longo dos três séculos de sua existência, tiveram como
Acesso em 30 de maio de 2011. uma das suas maiores características a mestiçagem.
Como nasceram sob a égide da conquista, que pres-
Para tentar contornar o desafio de efetivar a cate- supõe a hegemonia do conquistador, e os espanhóis
quização dos índios, os missionários (dominicanos, – juntamente com seu Estado – pretendiam manter o
franciscanos, agostinhos e jesuítas) tiveram que adaptar domínio do contingente populacional nativo, forjaram-
suas práticas e criar estratégias para consolidar seu in- -se meios (culturais, socioeconômicos e legais) para
tento de substituir a ‘idolatria’ dos nativos pela doutrina garantir a separação (leia-se superioridade hispânica)
católica. E para tanto o primeiro desafio era garantir que entre os mundos indígena e europeu. Toda uma gama
os índios compreendessem a sua mensagem. O ensino confusa de leis e práticas buscava ‘defender’ a minoria
em massa do latim ou do espanhol se mostrou inviável branca do risco de naufragar em meio à esmagadora
em curto prazo, pela falta de professores. Assim, os maioria indígena. Era, desde o começo, uma necessi-
missionários se dedicaram ao aprendizado das línguas dade econômica: caso os indígenas fossem tidos como
ameríndias e a tradução, para estas, dos textos bíblicos. iguais, não haveria como tributá-los, ou seja, explorar
No México e no Peru o náhuatl e o quíchua funcionaram sua mão de obra.
como idiomas veiculares de conversão, respectivamente, Assim, os espanhóis procuraram manter juridica-
ao passo que na América portuguesa os jesuítas desen- mente a correlação entre a estrutura étnica e a hierarquia
volveram a ‘língua geral’ (baseada no Tupi) como forma social e impedir a ascensão de mestiços, índios e negros,
de comunicação com os nativos. instituindo um verdadeiro sistema de castas:
No meio rural, onde predominavam as comunidades,
a tarefa de evangelização esbarrava no pouco contato

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Para exercer o controle sobre as sociedades coloniais latino- A colonização inglesa


americanas, as Coroas ibéricas classificavam as pessoas
em categorias fixas, legais, semelhantes às castas indianas,
mais ou menos segundo a raça. A casta de uma pessoa era
Após a vitória sobre a Invencível Armada, os ingle-
anotada no registro batismal e pessoas de castas inferiores ses viram-se livres da ameaça hispânica. A conjuntura
eram legalmente impedidas de se tornar sacerdotes, frequen- favorável aos projetos colonialistas foi reforçada com a
tar a universidade, usar seda, possuir armas e muitas outras ascensão da dinastia Stuart (1603), momento em que
restrições. Alguém de descendência totalmente europeia ocu-
os ingleses retomaram suas investidas na América. O
pava uma categoria no sistema e alguém de descendência to-
talmente africana ocupava outra. Mas o filho de europeu com
domínio cada vez maior dos mares e o desenvolvimen-
africano pertencia a uma terceira categoria: meio europeu, to da sua burguesia permitiram à Inglaterra reativar os
meio africano, logicamente. Havia uma quarta categoria para negócios coloniais.
o filho de pai europeu e mãe indígena, e uma quinta para uma
Contudo, inicialmente a Coroa (assim como ocorreu
criança cujos pais fossem indígena e africano. E os povos
indígenas tinham uma categoria própria, a sexta. Mas isso era
nos casos espanhol e português) ainda não estava
só o começo (CHASTEEN, 2001, p. 73). pronta para assumir a dianteira do processo, legando
aos grupos mercantis a responsabilidade por executar a
Logo se multiplicaram as categorias, pelos relacio- colonização. Deste modo, o monarca Jaime I concedeu
namentos sexuais (ilegais) inter-étnicos, conformando partes do litoral norte americano a duas companhias,
até dezesseis ou mais classificações, que confundiam as entre os paralelos 34º e 38º (Companhia de Londres) e
distinções e pressionavam o sistema. A própria realidade 41º e 45º (Companhia de Plymouth), resguardando-se
da conquista fomentava a mestiçagem, posto que as a faixa territorial entre eles, evitando assim possíveis
espanholas representassem cerca de um décimo dos disputas. Funcionando a partir de empresas societárias
imigrantes inicialmente. Da violência sexual à formação (divididas em ações), o modelo inicial de colonização
de famílias mestiças foi um passo. Com o tempo, um teve forte caráter privado, com pouca ingerência esta-
maior número de hispânicas chegou à América, mas tal. A principal diferença frente às experiências ibéricas
apenas atenuou os relacionamentos entre as castas. residiu na cultura inglesa:
Na prática, apesar dos traços fenotípicos continuarem
sendo marcas de distinção (o são até hoje na maioria das O aspecto empresarial privado da colonização e o caráter in-
sociedades multi-étnicas como a brasileira, infelizmente), dividualista da sociedade inglesa atuaram em reciprocidade
mestiços bem sucedidos ‘embranqueciam’, bem como com o ambiente do Novo Mundo e geraram importantes
era possível comprar a mudança de casta, o que reduziu consequências. Em toda parte no Novo Mundo, a ausência
sua importância em fins do período colonial. de instituições tradicionais deixava livres as pessoas para
construírem novas ordens sociais, ao mesmo tempo em que
recursos naturais abundantes abriram um campo à iniciativa
SAIBA MAIS que levou os americanos ingleses para o individualismo e a
modernidade. (SELLERS; MAY; MCMILLEN, 1990, p. 20)
Os fenômenos da transculturação e da mestiçagem dos tempos
coloniais são as chaves para a compreensão das culturas latino- A Cia. de Londres enviou a primeira expedição inglesa
americanas. Carmem Bernand e Serge Gruzinski encerraram uma obra
conjunta com um balanço significativo acerca de tais fenômenos: que se fixou em terras americanas no natal de 1606,
“As culturas indígenas de meados do século XVI já estavam originando a fundação de Jamestown, em 1607-8, na
distanciando-se das culturas pré-hispânicas. Enquanto epidemias, Virgínia. Os colonos de Jamestown tiveram um começo
destruições e extirpações acabavam com as memórias índias,
engolindo pedaços inteiros do antigo patrimônio, acomodações de difícil de vida na América, sofrendo com os flagelos da
todo tipo, impostas ou caóticas, esboçavam-se entre os sobreviventes. fome e ataques indígenas.
Assim, no México, desde os anos 1550, a língua náhuatl multiplicava
seus empréstimos ao espanhol; conceitos, objetos ocidentais, crenças
Os colonos ambicionavam inicialmente descobrir
infiltravam-se no mundo indígena. Os pensamentos, as coisas e os reservas de ouro e prata (já que os sucessos espa-
homens entregavam-se à mestiçagem. Novos seres que não tinham, nhóis no México e Peru alimentavam seus sonhos de
propriamente, seu lugar nem no Novo Mundo nem no Antigo, apareciam
todos os dias [...]”
riqueza rápida e fácil), mas tiveram que se contentar
BERNAND, Carmen; GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da em trabalhar na agricultura, visando ao comércio com
descoberta à conquista, uma experiência europeia, 1492-1550. São a Inglaterra. Buscando alcançar um grau de autonomia
Paulo: EDUSP, 2001, p. 589.
que lhes permitisse regular suas práticas na América,

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os colonos de Jamestown conseguiram permissão, em Após a crise de meados do século XVII, os Stuarts
1619, “para enviar delegados à Casa dos Burgueses, restabelecidos no trono criaram duas novas colônias no
formando o primeiro corpo legislativo no Novo Mundo, Sul, a Carolina do Norte e a Carolina do Sul:
a Assembleia da Virgínia” (JUNQUEIRA, 2010b, p. 14).
Jamestown foi arrasada pelos indígenas em 1622, [...] doadas a dois proprietários: John Coleton e William
perdendo um quarto de sua população no massacre Berkeley (1663). Povoadas por grupos deslocados de outras
(FERRO, 1996). Os prejuízos com o ataque e perda colônias, de huguenotes franceses e imigrantes da Escócia,
de safras afogaram a Cia. de Londres em dívidas (não Suíça e Alemanha, as duas colônias basearam sua economia
obstante sucessos individuais de colonos no cultivo no cultivo do índigo e do arroz, produzidos por escravos ne-
do tabaco), obrigando a Coroa a assumir a direção do gros em grandes propriedades. (AQUINO, 2000, pp. 129-30)
empreendimento, convertendo a Virgínia em colônia real
(1624). Para tanto, o rei enviou à colônia um governador, Os escravos africanos vieram a complementar a
mas sua tutela não invalidou os privilégios de autogover- servidão branca ao longo do século XVII, a partir da
no da Assembleia, pouco interferindo a metrópole em chegada do primeiro carregamento à Virgínia, em 1619.
seus assuntos internos. Em fins deste século os negros escravizados já eram
Buscando acelerar a ocupação dos espaços colo- maioria nas colônias do Sul, empregados nas plantações
niais, o Estado passou a conceder territórios a figuras monoculturas que alimentavam os mercados europeus.
destacadas da Corte, responsáveis por fundar colônias. A Geórgia, última colônia fundada na região sul
Foi deste modo que surgiu Maryland (1634), a partir do (1732), se juntou às demais quanto à agricultura escra-
estabelecimento de colonos católicos, dedicados ao vagista, mas foi povoada inicialmente por condenados
plantio do tabaco – o mais importante produto colonial à prisão por dívidas, trazidos pelo proprietário James
inglês no comércio com o Velho Mundo. Oglethorpe. A Coroa assumiu em 1752 a direção da
A imigração inglesa para a América, em meio à Geórgia, feita colônia real, dedicada ao plantio do arroz
conturbada conjuntura da Inglaterra no século XVII, teve em grandes latifúndios.
diversos estímulos. Com o processo dos cercamentos Como era de se esperar pela forma como foram povo-
(enclouseres), a situação do campo inglês ficou desfa- adas, a estrutura social das colônias do Sul foi marcada
vorável aos camponeses pobres sem terras, que deixa- pela escravidão e pelo latifúndio, com a polarização
ram o meio rural em direção às cidades, abarrotando social entre uma aristocracia fundiária ávida por terras
os centros ingleses. Tal abundância de mão de obra foi e uma massa de escravos negros e servos brancos. O
aproveitada nas colônias, sempre carentes de braços esgotamento dos solos pelo cultivo do tabaco estimulou
para desenvolver os vastos espaços americanos, em a abertura de novas fronteiras agrícolas, reservadas aos
benefício das companhias, da Coroa e dos beneficiados latifundiários por conta dos altos preços das terras e
com doações territoriais no Novo Mundo. dos impostos, inibindo o acesso (ou a permanência) de
Os pobres ingleses, para custear sua vinda à América, pequenos proprietários às mesmas, limitando assim a
assinavam um contrato de servidão (indentured servant), emergência de setores sociais intermediários.
que durava de três a cinco anos, situação generalizada Paralelamente ao desenvolvimento dos latifúndios
nas Treze Colônias, abrangendo cerca de 70% dos escravagistas do Sul, a colonização ao Norte desen-
imigrantes (AQUINO, 2000). Nas palavras de Pierre volveu-se de modo distinto. Fugindo das perseguições
Chaunu, a servidão branca era “de facto uma forma de religiosas na metrópole, levas de imigrantes católicos,
escravatura, cujas modalidades práticas, senão as suas quakers, huguenotes e puritanos imigraram para a Amé-
bases jurídicas, não diferem fundamentalmente da escra- rica, estabelecendo-se na região da Nova Inglaterra. Em
vatura [dos negros africanos trazidos para a América]” 1620, imigrantes puritanos chegaram à costa do que
(CHAUNU, 1969, p. 117). Juntavam-se na América aos seria Massachusetts, a bordo do Mayflower. Parte deles,
pobres imigrantes voluntários os condenados pela jus- antes do desembarque, firmou um importante pacto (The
tiça, mulheres e crianças raptadas e renegados de toda Mayflower Compact) sociopolítico:
sorte além dos indivíduos perseguidos pelas disputas
religiosas inglesas.

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Essa primeira “constituição” norte-americana foi um acordo Essa versão mítica do nascimento dos EUA é funda-
de autogoverno, inspirado por ideias puritanas radicais sobre mental para a compreensão da mentalidade do seu povo
o governo da Igreja. Quarenta e um homens, todos adultos, e está (com maior ou menor grau de aceitação) presente
assinaram-no a bordo do navio antes de desembarcarem em na sua historiografia. Daniel Boorstin, por exemplo, ar-
Cape Cod. De acordo com seus termos, os colonos forma- rematou certa vez:
vam um “corpo político civil”, que governaria a todos segun-
do a vontade da maioria e prometia “toda a devida submissão
e obediência” a “leis justas e iguais” na colônia. (SELLERS; Nunca antes uma terra prometida fora tão pouco promis-
MAY; MCMILLEN, 1990, p. 25) sora. Porém, no espaço de século e meio – mesmo antes
da revolução americana – este cenário que os tolhia trans-
formara-se numa das partes mais civilizadas do mundo.
Os integrantes deste grupo ficaram conhecidos como Haviam nascido os contornos gerais de uma civilização nova.
os ‘Pais Peregrinos’ (Pilgrim Fathers), considerados o (BOORSTIN, 1997, p. 8)
embrião da cultura política dos Estados Unidos. Funda-
ram New Plymouth, povoado absorvido posteriormente
A partir da sua Igreja Congregacionista, os puritanos
por Massachusetts, ligada à Cia. da Baía de Massachu-
submetidos à Cia. da Baía de Massachusetts estabele-
setts (dirigida por uma ‘burguesia puritana’). Uma década
ceram em Boston (principal centro da Nova Inglaterra)
depois, a Companhia trouxe para Massachusetts mais
uma comunidade política baseada em preceitos religio-
uma leva de puritanos, liderados por John Winthrop e
sos, forjando “a união entre Igreja e Estado, cabendo
também tidos como ‘Pais Peregrinos’ pelos estaduniden-
o governo a elementos da Igreja Congregacionista. O
ses. Ao longo da viagem, Winthrop fazia pregações sobre
predomínio da oligarquia puritana resultou na intolerância
o destino que os esperava: “Nós seremos como uma
religiosa” (AQUINO, 2000, p. 131).
cidade no alto da colina, e os olhos de todos se voltarão
para nós [...] a nossa história será contada e dela será
passada palavra pelo mundo” (BOORSTIN, 1997, p. 15).
Na preparação para o desembarque, Winthrop também
firmou um pacto com os seus (The Arbela Compact),
declarando:

Nós devemos agir nessa empreitada como um só homem,


devemos alegrar-nos na companhia dos nossos, divertir-nos
juntos, tendo sempre presente no espírito a missão de nossa
comunidade, na qual todos devem ser membros de um mes-
mo corpo. (CRÉTÉ, 2005, p. 63)

Os puritanos deixaram a Inglaterra objetivando cons-


truir uma sociedade livre dos vícios e corrupções mun- Figura 17. Pilgrim Fathers chegam à América. Disponível em: <http://www.
danas (e religiosas) da metrópole, para atingir a pureza reformation.org/bank-of-england.html>
da fé cristã (daí a denominação ‘puritanos’). Acreditavam
que eram os ‘eleitos por Deus’ para fundar uma ‘Nova
A intolerância fez com que colonos não puritanos
Jerusalém’ em solo americano. As muitas provações que
passaram no começo difícil da vida colonial alimentavam deixassem Massachusetts para fundar novas colônias.
suas crenças (pululavam comparações com Moisés e Dissidentes fundaram New Hampshire, em 1623 (feita
sua busca pela terra prometida), e a fome era tamanha colônia real em 1679), Connecticut (em 1635) e Rhode
que agradeceram a Deus pela primeira colheita realizada Island (1636). Esta última obteve do Parlamento inglês
(em 1621, com auxílio indígena), originando o Dia de sua Carta de reconhecimento em 1644, que fixava “a
Ação de Graças – Thanksgiving – dos EUA. Sua comu- separação entre Igreja e Estado, a liberdade religiosa, a
nidade de fiéis ‘predestinados’ e virtuosos é tida como proibição da servidão e da escravidão, a obediência às
a fundadora da nacionalidade estadunidense, cerne da leis aprovadas pela maioria e ao governo eleito pelos
América WASP (white, anglo-saxon, protestant – branca, próprios colonos”. (AQUINO, 2000, p. 132) Afora as par-
anglo-saxônica e protestante).

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ticularidades religiosas, as colônias do Norte possuíam A colonização inglesa na América, realizada através
certa homogeneidade. O clima temperado inviabilizou a do impulso das companhias privadas e dos proprietários
formação das monoculturas para exportação iguais às de doações (responsáveis pela viabilização e defesa dos
do Sul. Assim, na estrutura fundiária na Nova Inglaterra estabelecimentos), conformou um processo de coloni-
predominavam as pequenas propriedades, cultivada zação distinto daquele vislumbrado na América ibérica.
pelas famílias proprietárias e servos brancos (quando Segundo Leandro Karnal, o “Estado e a Igreja oficial,
possível), conformando uma sociedade menos desigual na verdade, não acompanharam os colonos ingleses”
do que no Sul. (KARNAL, 2001, p. 27), algo bem diferente das expe-
O cultivo de gêneros inicialmfente destinados à sub- riências colonizadoras espanhola e portuguesa, onde
sistência (trigo, aveia e milho), a pecuária (gado, porcos e instituições estatais (ligadas às metrópoles) e a Igreja
ovelhas), a pesca, o comércio de peles e uma crescente Católica fizeram-se presentes.
indústria naval eram as bases econômicas das colônias As Treze Colônias, em termos político-administrativos,
do Norte. O florescimento das cidades foi o erreno para possuíam suas próprias autoridades e autonomia entre si
a prosperidade das manufaturas e do comércio (não e em relação à metrópole, podendo ser enquadradas em
obstante as proibições e restrições metropolitanas). O três modelos administrativos: a) colônias de companhias
Norte fornecia gêneros de subsistência e manufaturas ao de comércio – Virgínia e Massachusetts; b) colônias de
Sul, bem como integrava um circuito comercial conecta- proprietários concedidas pela Coroa – Maryland, New
do às Antilhas, à África e à Inglaterra, sendo o controle Hampshire, Nova Jérsei, Carolina do Norte, Carolina do
metropolitano constantemente burlado – o contrabando Sul, Pensilvânia, Nova Iorque e Geórgia; e c) colônias
atingia mais de 80% do comércio das Treze Colônias. reais, onde a Coroa assumiu a direção da colonização
Entre os espaços designados à Cia. de Londres e à com o passar do tempo – a Virgínia foi a primeira delas,
Cia. de Plymouth um terceiro grupo de colônias floresceu que se tornou maioria no século XVIII, exceto Maryland,
(as ‘colônias do Centro’). Outros europeus ocuparam Deleware, Pensilvânia, Connecticut e Rhode Island
este vazio territorial, principalmente os holandeses. A (JUNQUEIRA, 2010b).
Companhia das Índias Ocidentais fundou na área uma Em cada colônia, a administração ficava a cargo de
série de povoações, entre 1624 e 1633, sobressaindo- um governador, em tese representante dos interesses
-se Nova Amsterdã (berço da Nova Iorque inglesa). Aos metropolitanos, que possuía amplos poderes (nas colô-
holandeses se juntaram Suecos, finlandeses e alemães, nias das companhias, este era eleito pelos colonos e não
no vale de Delaware (CHAUNU, 1969). tinha direito de vetar as leis da assembléia). Um conselho
Após a restauração dos Stuart, os ingleses experi- (ou câmara alta), composto por membros nomeados ou
mentaram um novo impulso colonizador, tendo a região eleitos dentre os colonos mais influentes, funcionava
central como alvo principal. Entre idas e vindas os in- como órgão assessor do governador. Completavam as
gleses finalmente conseguem estabelecer o controle da instâncias de governo coloniais as assembleias eleitas
região, expulsando os holandeses na década de 1660. No pelos homens livres (geralmente de forma censitária)
bojo do processo, outras colônias foram fundadas, como responsáveis por elaborar leis e fixar impostos (AQUINO,
Deleware (1664, ligada a New York até 1701), habitada 2000).
originalmente por suecos, após um momento de domi-
nação holandesa. New Jersei surgiu no mesmo ano da SAIBA MAIS
conquista de Delaware, como propriedade de Lord John
Berkley e Sir George Carteret. Da mesma forma nasceu Os imigrantes puritanos vindos da Inglaterra para Massachusetts,
tidos como Pais Peregrinos, é peça chave para a compreensão da
a Pensilvânia? doada por Carlos II a Willian Penn, líder cultura dos EUA. A importância da religião (protestante) na sociedade
dos quakers (1681). Milhares de imigrantes europeus e na política e o senso de autogoverno comunitário são algumas das
de origens variadas (principalmente alemães), atraídos contribuições que os Pais Peregrinos legaram à nação estadunidense.
pela liberdade religiosa e pela facilidade na aquisição de Para aprofundar seu conhecimento acerca dos puritanos e seus pactos
terras, ocuparam a região central, que com o tempo se político-religiosos, leia a interessante matéria de Liliane Crété, “As
raízes puritanas”, publicada na revista História Viva, (n. 17, março de
assemelhou gradualmente à Nova Inglaterra em termos 2005) e disponível no endereço eletrônico <http://www2.uol.com.br/
socioeconômicos. historiaviva/reportagens/as_raizes_puritanas_imprimir.html>.

68 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I


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As colonizações francesa e holandesa O incentivo proporcionado pelo comércio de peles


gerou expedições que subiram os grandes rios do in-
No reinado de Henrique IV (1589-1610), o Estado terior, ocasionando a descoberta do Alto Mississipi (a
francês reuniu as condições iniciais para o desenvolvi- foz já havia sido explorada pelos espanhóis, que não se
mento de uma política mercantilista para tentar rivalizar fixaram na região). Atingindo a partir do interior o golfo
com os demais poderes europeus colonialistas, tendo do México, os franceses desenvolveram uma nova zona
como espaço de atuação no continente americano os de colonização, a Louisiana:
territórios do atual Canadá e a bacia do rio Mississipi (nos
atuais EUA). No bojo do processo, Samuel Champlain Na virada do século XVII para o XVIII foram fundadas Biloxi
fundou Port-Royal (1605) no litoral atlântico canadense e Mobille, núcleos que atraíram colonos para a região. New
e Quebec (1608), nas margens do rio São Lourenço. Orleans, criada pela companhia organizada para a exploração
Não obstante, a presença francesa na América do da Louisiana, se tornou a capital desta colônia. Não obstante
Norte não gerou uma ocupação significativa no início, as iniciativas, a Louisiana permaneceu fracamente povoada
devido ao pouco investimento realizado pelo Estado (muitos dos que vieram eram engajés, ou engajados, servos
(faltavam estímulos, pois não havia massas nativas e brancos – por três anos – semelhantes aos existentes nas
riquezas metálicas para explorar). Inicialmente, os par- Treze Colônias) e constantemente ameaçada pelos ataques
de indígenas, de espanhóis da Flórida e de colonos das Treze
cos colonos se dedicavam ao comércio com os nativos
Colônias que se chocavam com os franceses em sua expan-
(fornecedores das peles de animais da região, aprecia-
são para o interior. (JUNQUEIRA, 2010b, p. 24)
das na Europa) e à pesca (fluvial e marítima). Quase 60
anos após a fundação das povoações por Champlain,
somente dois mil colonos habitavam a região da Nova Os colonos franceses na América, em menor nú-
França (CHAUNU, 1969). mero do que os ingleses, em geral sofreram mais com
a resistência dos indígenas, porém buscaram alianças
Para reverter a situação, missionários franciscanos e
com algumas nações nativas para tentar neutralizar os
jesuítas foram enviados ao Canadá ao longo do governo
povos hostis e atacar os colonos ingleses. O ambiente
do cardeal Richelieu, visando pacificar as populações
conflituoso entre franceses e britânicos foi uma constante
nativas e submetê-las ao domínio francês, criando con-
ao longo do período colonial, reproduzindo a lógica da
dições para uma ocupação mais efetiva dos colonos.
rivalidade entre as respectivas metrópoles na Europa. O
Entretanto a resistência nativa e os conflitos decorrentes
maior dos conflitos desta natureza na América do Norte
limitaram o poder de ação dos missionários, e os indí-
foi a Guerra dos Sete Anos (1756-63), que terminou com
genas em geral não foram plenamente catequizados.
a derrota francesa e a decorrente assinatura do Tratado
As iniciativas missionárias e colonizadoras pelo interior
de Paris. Com ele teve início o ocaso da colonização
canadense sofreram com os ataques dos iroqueses, que
francesa na América, já que o Canadá e diversas ilhas
resistiram obstinadamente contra a presença de euro-
das Antilhas foram entregues ao poderio inglês.
peus em suas terras, impondo limites ao expansionismo
francês no Canadá. Outro povo europeu que teve presença na colonização
da América foi o holandês. Ligados tradicionalmente ao
Durante o reinado de Luís XIV, ápice do absolutismo na
mar, os holandeses deram a partida na sua expansão
França, um novo impulso colonizador foi gestado sob a
ultramarina no bojo da sua luta de emancipação frente à
política mercantilista de Colbert (secretário das finanças)
Espanha. Neste período, a União Ibérica (1580-1640) fez
e o Canadá foi transformado em colônia real. Medidas
das possessões portuguesas alvos da cobiça holandesa.
tomadas buscavam incrementar a colonização da região,
A Companhia das Índias Ocidentais, braço econômico
sem muito sucesso, pois a ocupação continuou sendo
atlântico das Províncias Unidas, teve a hegemonia du-
pequena, dispersa, baseada economicamente no comér-
rante boa parte do século XVII no Atlântico Sul, visando
cio de peles. Para fortalecer o comando metropolitano,
unicamente gerar receitas aos seus acionistas: “quando
um governo geral foi instituído em Quebec, formado pelo
os holandeses se lançam mundo afora, têm um projeto
governador, um intendente responsável pela justiça e
simples: ganhar dinheiro. Jesus Cristo está ausente de
finanças e um Conselho composto por representantes
suas preocupações, evangelizar não lhes interessa”
de Quebec, Trois Rivières e Montreal.
(FERRO, 1996, p. 65).

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Na América do Sul, esta Companhia atacou Salva- 2010b). Francees e ingleses evoluíram da fase inicial
dor (1624), capital lusitana colonial, e posteriormente de pirataria e corsarismo (dos flibusteiros baseados em
dominou parte do Nordeste, baseada em Pernambuco ilhas espanholas abandonadas) para uma etapa de pro-
(1630-54). Os holandeses foram grandes financiadores dução colonial com a utilização de escravos africanos.
da indústria açucareira portuguesa no litoral nordestino, O sucesso dos franceses em São Domingos pode ser
da qual eram os principais refinadores na Europa. A percebido pelo levantamento da sua atividade econômica
luta contra a Espanha os obrigou a tomar diretamente a feito por Moreau de Saint-Méry, em 1789:
posse das áreas produtivas, sob pena de perderem os
investimentos realizados. Já na América do Norte, os [...] 793 engenhos de açúcar, 3150 plantações de anil, 789
holandeses ocuparam espaços entre os territórios das de algodão, 3117 de café, 182 destilarias de cachaça e out-
companhias de Londres e Plymouth, tendo como prin- ras aguardentes de cana, 36 fábricas de tejolos e telhas, 6
cipal fruto desse período a fundação do núcleo original fábricas de curtumes, 370 fornas de cal, 29 olarias e 50
da cidade de Nova Iorque. plantações de cacau, independentemente de um sem número
O rápido e efêmero sucesso colonial holandês se de outros estabelecimentos conhecidos [...] (in: CHAUNU,
deveu ao seu modelo de gestão empresarial, baseado 1969, p. 143)
no financiamento da produção e comércio de gêneros
exportáveis para a Europa. Porém, no momento em que No norte da América do Sul, o território que hoje
foram obrigados a custear a implantação de aparatos compreende as Guianas Britânicas, o Suriname e Guiana
coloniais e sua defesa (frente aos colonos brasílicos Francesa (ainda pertencente à França) teve o mesmo
no Nordeste português e dos ingleses na América do destino das Antilhas: foi abandonado pelos espanhóis,
Norte), bem como a concorrência do comércio inglês incapazes de efetivar o povoamento da região, e ocupado
em expansão, os holandeses perderam seu ímpeto (leia- por holandeses, ingleses e franceses.
-se lucros) e foram forçados a recuar para pequenos
enclaves ao redor do mundo, terminando assim a fase Crise do colonialismo na América
áurea do seu colonialismo, restando na América apenas
algumas ilhas caribenhas e as Guianas. Ao longo dos séculos XVI e XIX, embarcações singra-
vam as águas do oceano Atlântico levando pessoas, ide-
A colonização das Antilhas ais e mercadorias de uma margem a outra, conectando
as Américas ao Velho Mundo. Enquanto as colônias na
Na região das Antilhas e Caribe, franceses, ingleses, América fomentavam a acumulação primitiva de capi-
holandeses e dinamarqueses aproveitaram-se do aban- tais nos pólos dinâmicos do capitalismo na Europa, as
dono espanhol após o genocídio da época da conquista metrópoles europeias formulavam o ideário sociopolítico
(séculos XV e XVI) para preencher o vazio nas ilhas des- que alimentava, aqui e ali, sonhos emancipacionistas em
povoadas. Ao longo do século XVII, a Inglaterra colonizou solo americano.
as ilhas de Nevis, São Cristóvão, Montserrat, Barbados
e Jamaica; a França ocupou a parte de ocidental de São Profundas transformações, que estavam sendo gesta-
Domingos (atual Haiti) e outras ilhas menores; a Holanda das há tempos, eclodiram com suas forças renovadoras
dominou as ilhas de Aruba, Curaçao, Santo Eustáquio, na segunda metade do século XVIII. No plano econômico,
Margarida e Bonária; e a Dinamarca, após a fundação a transição do capitalismo mercantil para o industrial
da Companhia Dinamarquesa das Índias Ocidentais, pressionou as estruturas mercantilistas ibéricas, mate-
em 1671, conquistou as Ilhas Virgens, mantida sob seu rializadas no Pacto Colonial que embasava as relações
domínio até 1917 (CHAUNU, 1969). entre as metrópoles e suas colônias:
No universo de ilhas da região Cuba, Porto Rico, São
Domingos e Jamaica se sobressaíram como centros
Na busca pela ampliação dos mercados, os ingleses impõe
produtores de gêneros coloniais. Nelas, a produção do
ao mundo o livre comércio e o abandono dos princípios
açúcar se destacava, beneficiada pelo eclipse do Nor- mercantilistas, ao mesmo tempo que tratam de proteger seu
deste açucareiro da América portuguesa (JUNQUEIRA, próprio mercado e o de suas colônias com tarifas protecioni-

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stas. Em suas relações com a América portuguesa e espan- constante fluxo contrabandista inglês que alimentou a
hola, abrem brechas cada vez maiores no sistema colonial, região platina a partir da Colônia de Sacramento (fundada
por meio de acordos comerciais, contrabando e aliança com pelos portugueses em 1680 nas margens do Prata, frente
os comerciantes locais. (FAUSTO, 2000, p. 108)
a Buenos Aires) ao longo de um século ilustra o quadro
de decadência espanhola. Para solucionar a conjuntura
A conformação do imperialismo inglês, ao longo do de crise econômica, os hispânicos buscaram realizar
século XVIII, gerou tensões com seus colonos america- reformas que revertessem seu atraso em relação aos
nos, acostumados a desfrutar de um elevado grau de ingleses.
autonomia política e relativa liberdade econômica. As A ascensão dos Bourbons ao trono espanhol (1700),
contradições entre o liberalismo inglês ‘da porta para após a crise sucessória, levou a uma aparente estabi-
fora’ e as iniciativas de fortalecimento das amarras lidade. Novas bases para a política colonialista foram
colonialistas na América do Norte não passaram des- lançadas, buscando uma “nacionalização” da economia
percebidas nas Treze Colônias. metropolitana e colonial. Urgia retomar o controle do
De modo geral, o incremento das forças produtivas na sistema, afastando os estrangeiros do comércio direto
América colonial (principalmente nas colônias inglesas) com as colônias na América, bem como das casas
confrontava os interesses metropolitanos aos dos colo- comerciais em Cádiz que funcionavam como ‘testas de
nos, desejosos de comerciar sua produção livremente, ferro’ de companhias inglesas e francesas. Porém, a
sem as amarras impostas pelo sistema mercantilista. economia espanhola era incapaz de fornecer os artigos
Atentos aos princípios de representação política que em- manufaturados necessários aos colonos, dado o atraso
basaram a Revolução Gloriosa (1688-9) na metrópole, os neste campo. Não obstante, pretendeu-se substituir as
colonos da Nova Inglaterra resistiram contra as medidas importações de manufaturas pela produção interna “de-
da Coroa que afetavam seus negócios sem que fossem senvolvendo a autonomia econômica via maximização
consultados, causando fissuras nos elos entre as duas do pacto colonial” (STEIN, 1976, p. 70).
partes que desembocaram nas lutas pela independência Entretanto, séculos de manutenção de um estado de
das Treze Colônias. coisas que favorecia alguns setores mercantis metro-
Já no âmbito do colonialismo hispânico, politanos (verdadeiras guildas comerciais), ligados aos
grandes empórios europeus, engessaram de tal sorte as
[...] o antagonismo criollos versus peninsulares levou os estruturas socioeconômicas espanholas que os impulsos
primeiros a uma lenta tomada de consciência quanto ao iniciais das reformas bourbônicas foram bloqueados.
novo papel que almejavam desempenhar. Queriam dirigir Somente com a subida de Carlos III (1759) ao trono,
seus próprios destinos, sem interferência de além-mar. Tin- as resistências começaram a dissipar-se. As medidas
ham como justificativa ideológica o pensamento iluminista, tomadas pela Coroa e seus novos agentes administrati-
que sacudiu o Antigo Regime na Europa e embasava suas vos feriram os privilégios estabelecidos e reformularam
reivindicações referentes à liberdade comercial e autonomia instituições metropolitanas tradicionais.
administrativa. (JUNQUEIRA, 2010b, p. 54)

As estruturas comerciais colonialistas foram alte-


O outrora poderoso império espanhol, no século XVIII,
radas, afrouxando-se as restrições que oneravam as
já havia passado ao segundo plano dentro do jogo de for-
trocas mercantis: portos caribenhos foram finalmente
ças econômicas europeu. Seu Estado estava endividado,
abertos ao comércio (a partir de 1765), prerrogativa pos-
a economia atrasada no desenvolvimento manufatureiro,
teriormente estendida a alguns dos portos continentais
e sua marinha achava-se debilitada, enquanto que a
americanos (e universalizada em 1789); permitiu-se que
França e (principalmente) a Inglaterra ascenderam ao
13 portos hispânicos comerciassem diretamente com a
status de grandes potências comerciais e bélicas.
América (para desgosto dos oligopolistas de Cádiz, que
Navios ingleses abarrotados de manufaturas co- mesmo assim permaneceram com o maior volume de
merciavam com as colônias espanholas por dentro do comércio); mesmo com restrições, consentiu-se que as
sistema (através dos tratados diplomáticos e asientos) regiões coloniais realizassem intercâmbios entre si; e,
ou ilegalmente, pelo contrabando, preenchendo as ca- por fim, as frotas de galeões, que perderam o sentido no
rências de abastecimento dos colonos na América. O

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA AMÉRICA I 71


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

século XVIII, entraram em colapso e foram gradualmente


abolidas, deixando de existir em 1789 (LOCKHART; SUGESTÃO DE ATIVIDADE
SCHWARTZ, 2010).
Tais iniciativas liberais retiraram estorvos sem sentido Escreva um texto dissertativo sobre as aproximações e diferenças
entre a colonização anglo-saxônica e as colonizações ibéricas.
do caminho da circulação mercantil dentro dos quadros
do império, incrementando as trocas. Para desafogar o
combalido Tesouro Real, sobrecarregado pelos gastos
INDICAÇÃO DE LEITURA
bélicos, a Coroa reforçou a fiscalização contra o contra-
bando e aumentou a carga tributária colonial, desagra-
São raras as obras em português que tratam conjuntamente das
dando assim duplamente às elites criollas.
colonizações espanhola, inglesa e francesa na América. Assim, o livro
A produção colonial para exportação também re- História das sociedades americanas, coordenado por Rubim Aquino,
cebeu estímulos, tendo áreas antes negligenciadas torna-se uma referência para quem pretende iniciar os estudos sobre o
experimentado um incremento das trocas agrícolas. As colonialismo na América.
AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas.
manufaturas dos obrajes sofreram com a concorrência
Rio de Janeiro: Record, 2000.
estrangeira e com restrições metropolitanas, mas no
geral incrementaram sua produção em fins do XVIII. Já
a mineração experimentou um crescimento apreciável,
constituindo um novo cenário de apogeu econômico do
colonialismo espanhol na América, mesmo que tardio.
Mesmo o relativo sucesso das reformas foi insufi-
ciente para reerguer completamente a economia espa-
nhola, pois desde o Tratado de Utrecht (1713), parcelas
crescentes do comércio colonial eram disputadas por
franceses e ingleses, contrapondo o espírito nacionalista
das reformas. As resistências oligopolistas internas
também sabotavam os esforços do Estado.
Seja como for, o saldo das reformas dos Bourbon
foi em geral positivo para a Espanha em termos econô-
micos, porém seus impactos nas colônias prepararam
o terreno para o processo de independência que pouco
depois tomou conta da América hispânica. A conjuntura
política de fins do século XVIII, com a independência
dos EUA e a Revolução Francesa, jogou poderosamente
contra a dominação ibérica em solo americano.

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