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LICENCIATURA EM LETRAS, LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS

Estudos Literários:
correntes teórico - críticas
EaD
EaD
EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
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MINISTRO DA EDUCAÇÃO
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SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL


PRESIDENTE DA CAPES
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB


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PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
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COORDENADOR UAB/UNEB ADJUNTO
Daniel de Cerqueira Góes

2 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


ANDRÉA BEATRIZ HACK DE GÓES

LICENCIATURA EM LETRAS, LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS

Estudos Literários:
correntes teórico - críticas

EDUNEB
Salvador
2012
© UNEB 2012
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PROJETO GRÁFICO e CRIAÇÃO


DIAGRAMAÇÃO
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Teodomiro Araújo
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quanto a titularidade, originalidade do conteúdo intelectual produzido, uso de citações de obras consultadas, referências, imagens e outros elementos
que façam parte desta publicação.

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Catalogação na Fonte
BIBLIOTECA DO GRUPO DE GESTÃO DE PROJETOS E ATIVIDADES NA
MODALIDADE A DISTÂNCIA – UNEB

GOES, Andrea Beatriz Hack de.


G598 Estudos literários: correntes tópicos - critica: licenciatura em letras, língua portuguesa e literatura
/ Andrea Beatriz Hack de Goes. Salvador: UNEB/ GEAD, 2012.
52 p.

1. Teoria literária 2. Historicidade do texto 3. Pós-estruturalismo 4. Stalinismo I. Andrea


Beatriz Hack de Goes II. Título. III. Universidade Aberta do Brasil. IV. UNEB / GEAD

CDD: 801

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DOESTADO
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BAHIA EaD

Caro (a) Cursista.

Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem
estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura em Letras, Língua POrtuguesa e Literaturas
na modalidade de educação à distância (EaD).
O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da
área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar conhecimento teórico-prático de maneira
contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos
envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser
utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor
Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso
somado compõe os estudos relacionados a EaD.
É importante também que vocês estejam sempre atentos as caixas de diálogos e ícones específicos que aparecem
durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A idéia é mediar junto ao leitor, uma
forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne interlocutor ativo
desse material.
São objetivos dos ícones em destaque:

– convida o leitor a conhecer outros aspectos daquele tema/


conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta.

– apresenta notas, textos para aprofundamento de assuntos


diversos e desenvolvimento da argumentação, conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliam a
compreender melhor o conteúdo abordado.

– neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites,


vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre determinado tema.

– consiste num conjunto de atividades para você realizar


autonomamente em seu processo de autoestudo. Estas atividades podem (ou não) ser aproveitadas pelo professor-
formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo principal é o de provocá-lo, desafiá-lo em seu processo
de autoaprendizagem.

Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e
entusiasmo para juntos desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.

Setor de Material Didático


Coordenação UAB/UNEB

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Apresentação da disciplina

Caro Aluno,

Bem Vindos à disciplina de Estudos Literários: correntes teórico-críticas!


Quando uma nova disciplina se inicia, pode ocorrer uma certa estranheza nos primeiros
momentos por se tratar de algo novo, muitas vezes desconhecido. Mas essa disciplina traz
um assunto conhecido de vocês, mesmo que de forma breve, desde o ensino fundamental
e médio - a literatura. Em Estudos Literários: correntes teórico-críticas, os temas que serão
abordados dizem respeito às diferentes formas como a literatura, enquanto componente
curricular e científico, foi concebida e explicada conceitualmente. Conhecer e compreender
alguns desses conceitos nos auxiliará no estudo das próximas disciplinas que têm por objeto
a literatura.
Dentro dessa disciplina veremos algumas correntes teóricas que orientam uma visão
objetiva e um método de análise do texto literário. São conceitos que estão ligados a um
contexto histórico-cultural e trazem, na sua interpretação, marcas dessa forma específica
de pensar a literatura. A essas marcas teóricas somam-se o olhar, o conhecimento de
mundo e as vivências do próprio sujeito-leitor-pesquisador que irá lidar com o texto literário,
interpretando-o, analisando-o e tornando-o objeto do saber.
Convido-o agora a embarcar comigo nessa viagem pelas diferentes correntes literárias,
que não apenas se sucedem, mas são capazes de incrementarem e dar origem a outras, e
ainda assim coexistirem, tornando os estudos literários não apenas complexos, mas pro-
fundamente ricos e interessantes.

Bons Estudos!!!
Andréa Beatriz Hack de Góes

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - Teoria Literária – definição geral no âmbito da cultura
1.1. O surgimento e desenvolvimento da Teoria da Literatura ou Estudos Literários
1.1.1 O Dadaísmo e a vanguarda literária
1.1.2 Principais características - Dadaísmo
CAPÍTULO 2 - Apresentação e análise das principais correntes teórico-literárias
2.1. Formalismo – definição, contextualização e exemplos
2.2. Estilística – definição e contextualização
2.2.1 Charles Bally e a Estilística
2.3. New Criticism – definição e contextualização
2.4. Estruturalismo – definição e contextualização
2.5. Pós-estruturalismo – definição e contextualização
2.6. O fim das metanarrativas e dos falsos consensos universais
CAPÍTULO 3 - Historicidade do texto literário e sua expressão social
3.1. O conceito de literatura e os Estudos Literários hoje
3.2. O conceito de literatura e os Estudos Literários hoje
3.3. As novas e emergentes correntes literárias contemporâneas
3.3.1. Desconstrução
3.3.2. Teoria Feminista
3.3.3. Psicanálise
3.3.4. Teoria Pós-Colonial
3.3.5 Discurso das Minorias
3.3.6 Queer Theory
REFERÊNCIAS

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

Teoria Literária –
definição geral no
âmbito da cultura

CAPÍTULO 1
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

12 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

A expressão “teoria literária”, ou “teorias da literatura”


refere-se a um conjunto de idéias e métodos científicos
e acadêmicos que busca explicar, ou mesmo classificar
O termo “teoria” vem do grego “theoria”, e diz respeito à natureza
as diferentes obras literárias a partir de determinadas
parcial das abordagens teóricas da literatura. Ou seja, “theoria” indica
características ou critérios, que configuram ferramentas um ponto de vista ou perspectiva do estágio grego.
para auxiliar na compreensão da literatura. Contudo, é
importante salientar que essa expressão não diz respeito Assim, podemos concluir que, apesar de teorias
à obra literária em si, mas a todo um aparato teórico que específicas, como as que vamos ver mais adiante,
foi se formando a pouco mais de um século. Ou seja, afirmarem que apresentam um sistema completo para a
a literatura, no que tange as inúmeras obras literárias compreensão da literatura, na prática o que ocorre é que
já escritas, é muito mais antiga dos que a teoria que muitas delas coexistem, e mesmo quando se contradi-
faz delas seu objeto e tenta explicá-las, de diferentes zem mutuamente, não se excluem. Até mesmo escolas
maneiras e pontos de vista. teóricas mais antigas, apesar de já não desfrutarem da
Segundo Vince Brewton (2006, p. 2), “toda a interpre- eminência anterior, continuam a exercer uma influência
tação literária parte de uma base teórica, mas pode servir no todo; prova disso é sua permanência no corpus
de justificativa para vários tipos de atividade crítica.” teórico e estrutura curricular de cursos universitários.
Ou seja, cada teoria fornece um viés através do qual se
estabelece uma análise crítica de uma obra, e podem
haver várias críticas (ou leituras) diferentes de uma
mesma obra, a partir de diferentes abordagens teóricas.
A “Poética” de Aristóteles é um dos textos mais antigos preservados,
ainda que em parte. Calcula-se que tenha sido escrito em torno de
334 a.C., e traz um conjunto de anotações das aulas do filósofo
sobre poesia e arte. Nesse texto, Aristóteles analisa formas de
literatura e arte, observando o formato e a estética da tragédia e da
epopéia, importantes gêneros literários gregos de sua época. Dessa
A expressão Teoria da Literatura apareceu pela primeira vez em 1905, forma, pode-se considerar que Aristóteles, através desse texto, foi
na publicação Notas de Teoria da Literatura, de Boris Tomachevski e o fundador da disciplina que conhecemos hoje como “Teoria da
Alexander Potebnia. Ela voltou a ser utilizada em 1925, quando deu Litertatura”. Essa obra continha dois volumes,dois quais conservou-se
nome à coletânea de textos teóricos dos formalistas russos. para a posteridade apenas o primeiro. O segundo sobre a comédia,
infelizmente foi perdido.
Iniciava-se, naquele momento, uma perspectiva
Leia mais sobre Aristóteles em: http:// PT.wikipedia.org/wiki/
de abordagem que refazia os rumos dos estudos lite- Po%C3%A9tica_(Arist%C3%B3teles)
rários, anteriormente a cargo da retórica e da poética www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/...sobre_poetica.htm
que, por sua vez, já haviam sido substituídas, no século http:// greciantiga.org/arquivo.asp?num=0589
XIX, pela crítica literária e pela história da literatura. Acesso em 24/11/2010.
Através desse trecho, podemos constatar que a “teoria
da literatura”, enquanto campo disciplinar, constitui O surgimento e desenvolvimento da Teoria da Litera-
uma construção bastante recente em comparação com tura ou Estudos Literários
a absoluta antiguidade existencial do objeto ao qual se No século XIX os estudos concernentes à literatura
dedica: a literatura como um todo, como o conjunto de foram alocados no campo das ciências humanas, graças
obras já produzidas pela humanidade, e das quais ainda à pretensão cientificista predominante. Assim, as inves-
hoje temos notícias e registros. tigações literárias passaram a coexistir, estabelecendo
trocas, com as outras disciplinas emergentes, tais como
História, Sociologia, Psicologia, Filosofia e Filologia.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 13


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Mais tarde, em meados do século XX, o saber literário


preconizado pela crítica literária passa a conviver com
a teoria literária, que se estabelece como disciplina e
penetra no meio acadêmico e universitário. No Brasil, Observe a linguagem conotativa utilizada por Manuel Bandeira em um
foi introduzida no currículo oficial da área de Letras em de seus mais conhecidos poemas:
1962, e desde o início, não se apresenta como uma
POÉTICA
construção conceitual homogênea, mas sim, como um
complexo e ambivalente conjunto de correntes teóricas Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
surgidas na primeira metade do século, como formalismo
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expe-
russo, new criticism anglo-americano, estilística, abrindo [diente protocolo e manifestações de apreço
espaço ainda para outros métodos de investigação e [ ao Sr. Diretor
abordagem que surgem e proliferam nessa época. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
A grande novidade que se apresenta e que também [ o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
possibilita a coexistência e o diálogo entre diferentes Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
teorias literárias é a ideia de que a literatura é uma lin- Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
guagem, e é esta linguagem que importa ao teórico, ou Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
estudioso, problematizar. Estou farto do lirismo namorador
Essa nova abordagem dos estudos literários estabe- Político
Raquítico
leceu uma ruptura com os estudos de cunho historicista Sifilítico
que vigoravam no século XIX, os quais se preocupavam De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
com o contexto histórico no qual a obra em questão [mesmo.
foi gerada, levando em conta a biografia do autor e o De resto não é lirismo
ambiente histórico-social de origem do livro. Podemos Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
observar que esse tipo de abordagem ainda é prestigia- [exemplar com cem modelos de cartas
[ e as diferentes maneiras de agradar
do em muitos cursos de literatura de nível médio, nos [ às mulheres, etc.
quais pesquisas sobre a vida do autor e sobre eventos Quero antes o lirismo dos loucos
históricos relevantes na época do lançamento da obra O lirismo dos bêbedos
constituem estratégias de estudo e compreensão da O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
mesma. O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Com a reorientação metodológica ocorrida no início
do século XX, são os procedimentos de construção da BANDEIRA, Manuel. In: Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de
linguagem utilizados intencionalmente para obtenção do Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
chamado efeito estético que passam a ser observados
e analisados, e apesar do efeito de estranhamento e Veja que o poeta utiliza termos bastante concretos, como “funcionário
público”, “livro de ponto”, “diretor”. No entanto, eles adquirem um
da ambiguidade e polissemia da linguagem literária, os
sentido novo e original no contexto do poema.
estudiosos da literatura experimentavam uma sensação
de posse do objeto literário.
Figura 1 – Aristóteles

A ambiguidade e polissemia que caracterizam fortemente a linguagem


literária, entre outros elementos, podem ser definidas como elementos
de sua natureza conotativa, ou seja, o tipo de linguagem que se utiliza
de diferentes figuras parecendo apenas sugerir, ou mesmo ocultar,
confundir, o que de fato quer dizer. Esse verdadeiro “jogo de palavras”,
se por um lado confunde o leitor (ou ouvinte), por outro o seduz e
lhe concede uma liberdade muito singular de realizar sua própria e
individual interpretação do texto, numa verdadeira apropriação do
mesmo. E é por isso que o texto literário nunca se esgota e pode ser
lido e usufruído em tempos e por gerações muito distantes, geográfica Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f3/Busto_di_Aris-
e cronologicamente, de seu contexto histórico-social de origem. totele_conservato_a_Palazzo_Altaemps%2C_Roma._Foto_di_Giovan-
ni_Dall%27Orto.jpg, acesso em 01/05/2011

14 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Essa apropriação e uso estético e ao mesmo tempo possibilidades expressivas da arte, e assim, apelou para
crítico que a arte literária faz da linguagem diz respeito a irreverência e desconstrução de tudo o que era consi-
a sua pretensão de abolir a separação entre arte e vida, derado tradicional, enfatizando o espírito modernista da
desejo esse já expresso em movimentos literários de primeira metade do século.
vanguarda, surgidos no início do século, como o “Da-
daísmo”, e que retornam com fôlego à cena literária nas
décadas de 60 e 70, com os movimentos da contra-
-cultura e a pop art americana. Agora, leia com atenção o poema abaixo, que expressa bem o espírito
rebelde e inquieto do modernismo:

1.1.1 O Dadaísmo e a vanguarda Cântico Negro


literária
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
O dadaísmo foi um movimento artístico que surgiu Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
na Europa (cidade suíça de Zurique) no ano de 1916. Quando me dizem: “vem por aqui”!
Possuía como característica principal a ruptura com as Eu olho-os com olhos lassos,
formas de arte tradicionais. Portanto, o dadaísmo foi (Há, nos meus olhos, ironias e cansaçoes)
um movimento com forte conteúdo anárquico. O próprio E cruzo os braços,
nome do movimento deriva de um termo inglês infantil: E nunca vou por ali...

dadá (brinquedo, cavalo de pau). Daí observa-se a falta A minha glória é esta:
de sentido e a quebra com o tradicional deste movimento. Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
_Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
1.1.2 Principais características - Dadaísmo: Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

- Os objetos comuns do cotidiano são vistos de outro Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
modo, e colocados em um contexto artístico;
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
- ênfase para a chamada “irreverência artística”; Por que me repetis: “vem por aqui”?
- As formas de arte institucionalizadas são combati- Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
das com veemência; Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
- O movimento estabelece uma ferrenha crítica ao A ir por aí...
consumismo capitalista;
Se vim ao mundo, foi
- Exploração de temas e conteúdos sem lógica, Só para desflorar florestar virgens,
absurdos; E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
- São empregados vários formatos de expressão, O mais que faço não vale nada.
como sons, poesias, jornais, músicas, objetos do
Como, pois sereis vós
cotidiano para a composição de obras de arte plástica, Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
todas pautadas por pessimismo e ironia, principalmente Para eu derrubar os meus obstáculos?...
no que se refere aos acontecimentos políticos mundiais. Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Fonte: TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 4. ed. São Paulo: Eu amo o Longe e a Miragem,
Moderna, 1988.
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
O Dadaísmo, assim como outros movimentos Tendes jardins, tendes canteiros,
culturais do século XX, representaram e expressaram Tendes pátrias, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
o desejo por mudança, renovação, da vida e da arte,
Eu tenho a minha Loucura!
livre de teorias e de modelos pré-estabelecidos. Esse Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
movimento em particular propõe a criação de uma nova E sinto espuma, e sangue, e cântico nos lábios...
linguagem para expressar a nova realidade e as infinitas

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 15


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém. TEXTO 1:


Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Uma nuvem colossal em forma de cogumelo sobre a cidade japonesa
Mas eu, que nunca principio nem acabo, de Hiroxima assinala a morte de 80 mil de seus habitantes – vítimas
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. do primeiro ataque nuclear do mundo, em 6 de agosto de 1945. O
lançamento da bomba, uma das duas únicas do arsenal americano, foi
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! feito para forçar os japoneses à rendição. Como não houve resposta
Ninguém me peça definições! imediata, os americanos lançaram outro “artefato” remanescente
Ninguém me diga: “vem por aqui”! sobre Nagasaqui e os russos empreenderam a prometida invasão à
A minha vida é um vendaval que se soltou. Manchúria. Uma semana depois, o governo japonês concordou com
É uma onda que se alevantou. os termos da rendição e a capitulação formal foi assinada em 2 de
É um átomo a mais que se animou... setembro.” (ALLAN, Tony.“A sombra dos ditadores”, História dos
Não sei por onde vou, ditadores, 1993, p. 88)
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí! FIGURA 2 – BOMBA ATÔMICA

RÉGIO, José. Poemas de Deus e do Diabo.7. Ed. Lisboa, Portugália:


1969.

Esse poema de José Régio traz um verdadeiro manifesto contra as


instituições, desprezando tudo o que é seguro, estabelecido, o que
para ele é velho, ultrapassado. Retire do texto alguns versos que, em
sua opinião, expressem de maneira mais veemente esse desejo pelo
novo, instável e desconhecido. A seguir, comente os versos escolhidos,
justificando sua opção:

ATIVIDADE 2

Agora, considere a intertextualidade de gênero (que veremos adiante)


presente no texto abaixo:
Para fazer um poema dadaísta
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu
poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse
artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/58/Nagasaki-
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade bombEdit.jpeg
graciosa, ainda que incompreendido do público. Data de acesso: 01/05/2011.
(Tristan Tzara, 1918).
Que tal experimentar essa receita? Ou então, apenas delicie-se com a
ironia do poema...

ATIVIDADE 3:

Leia com atenção os dois textos seguintes, procurando identificar a


temática que eles trazem. Observe o tipo de linguagem utilizado em
cada um deles e identifique: Qual texto pode ser considerado como
literário, e qual não é? Por quê?

16 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

TEXTO 2: No capítulo seguinte veremos detalhadamente quais


as principais correntes teóricas que surgiram e se de-
Rosa de Hiroshima senvolveram durante o século XX, como o Estruturalismo
e o Pós-estruturalismo, entre outras, as quais redimen-
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas sionaram e ressignificaram os estudos literários, bem
Pensem nas meninas como seu objeto: a obra literária.
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
MORAES, Vinicius de. Antologia Poética. 27. Ed., Rio de Janeiro, José
Olympio, 1987. p. 166.

Vinícius de Moraes escreveu esse poema em 1946, logo após os EUA


lançarem a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
Ele fez o poema, e Gerson Conrad o transformou em música anos
depois, fazendo sucesso na voz de Ney Matogrosso. Na época o cantor
integrava o grupo “Secos e Molhados”.

FIGURA 3 - VINÍCIUS DE MORAES

Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c7/Vinicius_de_
Moraes.jpg
data de acesso: 01/05/2011.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 17


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

18 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

Apresentação e
análise das principais
correntes teórico-
literárias

CAPÍTULO 2
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

20 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Neste capítulo, apresentaremos as mais significati- Seu sucesso intelectual só aconteceu quando um professor
vas correntes teórico-críticas que surgiram ao longo do dinamarquês leu sua obra “Assim falou Zaratustra” e passou a divulgá-
século XX, e que movimentaram o cenário não apenas la. Esse livro, hoje um clássico, Nietzsche começara a escrever em
1882, dando início a uma intensa produção que foi interrompida por
no que se refere à produção literária e sua crítica, mas
uma “crise de loucura”. Essa crise, que o colocou sob tutela da mãe e
que trouxeram grandes inovações culturais, como a da irmã, durou até sua morte, em 1889. Estudos recentes afirmam que
teoria da recepção, que abre espaço e dá importância a causa da morte do filósofo foi um cancro no cérebro, que poderia ser
inusitada ao leitor. de origem sifilítica.
Leia mais sobre Nietzsche, sua vida e sua obra em: http://pensador.
Conforme aponta Vince Brewton (2006), talvez a
uol.com.br/autor/Fridrich_Nietzsche/biografia Acesso em 05/02/2011.
maior influência que veio modificar e trazer novas for-
mas de se pensar e entender o mundo, o conhecimento
e a própria cultura, num âmbito geral e não apenas no
contexto da Literatura, foi a suspeita epistemológica
lançada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche de que
“os fatos não são fatos até serem interpretados”, ou
seja, o conhecimento, que até então era considerado, NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da moral. Trad. A. A. Rocha. Rio
de um modo geral, como dado, natural, na verdade é de Janeiro: Ediouro, s/d.

produto de uma construção, por trás da qual sempre FIGURA 4 – NIETZSCHE


impera o interesse de alguém. Essa atitude introduzida
por Nietzsche, de desconfiança crítica face às “verdades”
antes tidas como absolutas e inquestionáveis provocou
um impacto profundo nos estudos literários, dando en-
sejo ao surgimento de muitos movimentos e correntes
teóricas que persistem até hoje.

Friedrich Nietzsche
Nietzsche é um dos filósofos mais conhecidos, lidos e admirados
na atualidade. Natural de Röcken, Alemanha, nasceu em 1844 em
uma família luterana, que pretendia torná-lo pastor. Na adolescência,
abandonou a fé, sendo que os estudos de Filologia contrastavam os
conceitos de Teologia aprendidos. Desenvolveu sua vocação filosófica
na universidade de Leipzig, onde foi um aluno brilhante. Aos 25 anos foi
nomeado professor de Filologia na universidade de Basiléia.

Por dez anos manteve seu pensamento filosófico atrelado aos


preceitos gregos antigos. Por problemas de saúde que afetaram sua
voz, teve que deixar de ser professor, em 1879. Passou a ter uma vida
errante, sempre procurando um clima mais apropriado para sua saúde
e pensamento. Passou por Veneza, Gênova, Turim, Nice, entre outras
cidades italianas.

FONTE:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/
Nietzsche1882.jpg
Data de acesso: 01/05/2011.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 21


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

2.1 Formalismo – definição, con- O “Regime de Terror” de Stálin


textualização e exemplos A grande revolução de 1917 foi liderada por Stalin, que após governou
a União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas (URSS) até 1924,
quando morreu. O poder então passou a ser disputado por Trotsky,
Como sugere o próprio nome, o “Formalismo” é uma outro dos líderes revolucionários e chefe do exército vermelho, e Stálin,
abordagem interpretativa que enfatiza a forma literária e bolchevique e líder do Partido Comunista. Apesar dos receios de Lênin,
o estudo dos artifícios do texto, ou seja, a linguagem. Stálin prevaleceu, tomou o poder e baniu Trotsky da União Soviética.
Essa corrente teórica é conhecida como “Formalismo Em 1940, Stálin mandou assassinar seu opositor no México.

Russo” pois nasceu no Círculo Linguístico de Moscou O objetivo de Stálin era transformar a URSS em uma grande potência
(1914-15) e durou até 1924-25, tendo suas pesquisas industrial, e para tanto, ele perseguiu os camponeses e donos de terra,
bruscamente interrompidas pela patrulha ideológica sendo que muitos fazendeiros foram mortos, pois era da agricultura
stanilista, que chegou a fuzilar o linguista Polivanov. que deveriam vir os recursos para construir as indústrias. Os operários,
Nessa época foi fundada a “Associação para o Estudo por sua vez, não podiam mudar de emprego e foram proibidos de fazer
greve. Essa ditadura, conhecida como “regime de terror” estendeu-se
da Linguagem Poética” – Opoiaz. até a morte de Stálin, em 1953.
A seguir, leia algumas importantes informações
históricas sobre a grande revolta russa e o período do Leia mais em: www.ebah.com.br/a-revolucao-russa-e-o-stalinismo-
doc-a14423.html.
stalinismo, o que o ajudará a entender o quadro de forte
agitação e problemas políticos e sociais que assolaram a
Rússia a partir do início do século XX, frutos dos abusos FIGURA 5 - LÊNIN
e descaso do regime czarista para com a população
camponesa do país, ou seja, sua maioria:

A Grande Revolta Russa


Os czares governaram a Rússia até 1917. Eles monopolizavam o poder
político e as riquezas, juntamente com amigos e familiares. O restante
da população era constituído por camponeses pobres e ignorantes.
Por isso, até metade do século XIX, o Império Russo ficou atrasado
economicamente, situação que começou a mudar a partir da revolução
industrial. Com o advento da revolução industrial, passaram a existir
operários, que trabalhavam em péssimas condições, com salários
baixíssimos. Por conta disso foi organizado o Partido Operário Social
Democrata, que teve como base as ideias de Karl Marx. Mais tarde,
esse partido dividiu-se em Partido Bolchevique e Paritdo Menchevique.
Em guerra contra o Japão, a Rússia foi derrotada. Mais tarde, mesmo
sem recursos, participou da Primeira Guerra Mundial, o que só fez
agravar a já severa crise econômica que grassava no país. A situação
chegou a tal ponto que em fevereiro de 1917 os mencheviques de
Petrogrado promoveram um levante nacional e puseram por terra o
regime czarista, estabelecendo um novo governo. Infelizmente, esse
governo não só manteve o país na guerra como também não promoveu
as tão esperadas mudanças econômicas e sociais. Assim, em outubro,
os bolcheviques reagiram e deram um golpe de estado.
Em 1914, a cidade de São Petersburgo passou a se chamar Petrogrado.
Em 1924, depois que Lênin morreu, o nome mudou para Leningrado.
FONTE:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dc/
Atualmente, a cidade recuperou seu antigo nome, São Petersburgo.
Brodskiy%27s_Lenin.jpg
data de acesso: 01/05/2011.

Um dos integrantes do Círculo Linguístico, Roman


Jakobson, elaborou as famosas “funções da linguagem”,

22 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

ainda hoje presentes em muitos programas de Língua Texto 1:


Portuguesa e Literatura no Ensino Médio. Ele classificou
a poesia como uma dessas funções da linguagem, a MOÇO ELIMINADO NO CENTRO DA CIDADE
função poética, caracterizada por sua natureza artística,
Antônio José, 25 anos, solteiro, balconista, morador à Rua G, nº 110,
distinta e original, portadora de um elemento chamado bairro dos Ipês, na periferia de São Paulo, foi morto com um tiro de
literariedade. revólver por um desconhecido, que fugiu sem deixar pistas. O crime
A literariedade diz respeito a uma organização dife- aconteceu na Praça da Sé, esquina com a Rua Direita, durante a
madrugada de ontem. A vítima ainda foi socorrida pelos elementos de
renciada da linguagem, aqui chamada de discurso (daí
uma viatura policial que fazia a ronda e levada a um Pronto-Socorro,
o nome da disciplina Análise do Discurso, muito comum onde veio a falecer. O homicídio foi comunicado ao delegado Romão,
nos cursos de Letras, principalmente,) que se apresenta no 2º Distrito Policial, que solicitou a ajuda da equipe da Delegacia
como propositalmente diferenciada, intencional, exaltan- de Homicídios do DEIC, que já iniciou as diligências com o objetivo
do a estética da língua e gerando estranhamento no leitor, de prender o assassino. A autoridade solicitou também um carro de
cadáver para a remoção do corpo ao Instituto Médico Legal.
explorando aspectos como a sonoridade, a ambiguidade,
a ironia, e lançando mão de recursos como as figuras (Folha da Tarde, 30 dez. 1986)
de linguagem e de interpretação, por exemplo, metáfora
e a comparação, entre muitas outras que você deve ter Texto 2:
visto no Ensino Médio. Conforme aponta Roger Samuel, Morte do leiteiro
esse estranhamento resulta do impacto textual, que não Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
corresponde ao que se espera, mas surpreende. Na Há muita sede no país,
conversação, principalmente, costumamos antecipar o é preciso entregá-lo cedo.
final da frase que alguém nos diz, complementando-a Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
mentalmente, como se adivinhássemos, ou de alguma Então o moço que é leiteiro
forma “soubéssemos o que o outro vai dizer, pelo con- de madrugada com sua lata
texto e a partir do que já disse. É o que chamamos de sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
“linguagem automatizada”. Essa percepção natural é Sua lata, suas garrafas
quebrada pela literatura. Enfim, trata-se de uma lingua- e seus sapatos de borracha
gem trabalhada, com o objetivo de atrair a atenção para vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
as próprias estruturas linguísticas, e não apenas utiliza- e veio do último subúrbio
-ser da linguagem como mero canal para transmissão trazer o leite mais frio
de mensagens. Isso se relaciona, ainda que em parte, e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
com o que já falamos anteriormente sobre “linguagem na luta brava da cidade.
conotativa e denotativa”. No caso da Literatura, é exa-
cerbado e artisticamente explorado o uso da linguagem Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
conotativa, marcando uma forte distinção entre os textos as coisas que lhe atribuo
considerados “literários” e os demais. nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
O Formalismo Russo buscou na análise do texto lite- empregado no entreposto,
rário justamente essa diferença poética, esse estranha- com 21 anos de idade,
mento, que faz da literatura uma arte original e peculiar, sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
através da qual aprendemos a observar e a ver o mundo E já que tem pressa, o corpo
sob óticas diferentes, despertando a consciência de vai deixando à beira das casas
classe, política e social. uma apenas mercadoria.

disponível em nosso tempo,


avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Observe a diferença nas formas de utilização da linguagem nos dois Sem fazer barulho, é claro,
textos abaixo, cuja temática é bastante semelhante. Um deles é literário, que barulho nada resolve.
o outro não. Será que você pode perceber em qual deles predomina a
linguagem conotativa, e a denotativa?

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EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Meu leiteiro tão sutil FIGURA 6 – CARLOS DRUMOND DE ANDRADE


de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico


(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono


de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico, Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b3/Carlos_Drum-
polícia não bota a mão mond_de_Andrade%2C_kapo.jpg, acesso: 01/05/2011.
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue, Os formalistas russos davam grande importância
a manhã custa a chegar, às qualidades que identificam e distinguem o literário
mas o leiteiro
dos outros tipos de texto. Para eles, nem o autor, nem o
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha. contexto eram essenciais, como ocorria nas estratégias
de análise de cunho historicista, mais “extrínseca”, no
Da garrafa estilhaçada, dizer de René Wellek e Austin Warren. O foco principal
no ladrilho já sereno era a narrativa, e os artifícios da trama ou estratégia
escorre uma coisa espessa narrativa utilizados pelo autor eram analisados em seu
que é leite, sangue... não sei.
funcionamento e tinham seu uso comparado entre dife-
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
rentes obras literárias.
duas cores se procuram, O Formalismo Russo provém do Modernismo, sendo
suavemente se tocam, aplicado à literatura modernista, e se caracteriza pela
amorosamente se enlaçam,
quebra do automatismo, sendo que a literatura passa a
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora. ser considerada uma questão de linguagem. Uma de suas
principais contribuições para os estudos literários foi a
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 51 ed. São Paulo: elaboração de um novo e particular método de leitura e
Record, 2002. análise de textos, relacionando a crítica literária com a
linguística estrutural, surgida na mesma época.

24 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Os formalistas negavam que a literatura fosse um moderna, a linguagem demonstra a classe social numa
reflexo da sociedade, que poderia funcionar como um soma de elementos intelectuais, emocionais e sociais, e
lugar de luta de classes ou disseminação de ideias. sua teoria constitui uma ciência bem construída.
No entanto, a crítica que pesa sobre eles diz respeito Mais tarde, a estilística se desenvolveu como ciência
ao excesso de concentração na forma, ou linguagem, da expressão e como crítica dos estilos individuais, sem-
desconsiderando o papel e a importância de áreas como pre levando em conta que a linguagem, ou discurso, na
História, Psicologia, Sociologia, as quais consideravam terminologia formalista, não é exterior ao sujeito falante,
como “extraliterárias”, mas que hoje são localizadas pois linguagem e vida social se identificam, ou mesmo
de maneira inconteste nos textos literários. O equilíbrio se fundem. De acordo com essa teoria, não existe ade-
consiste em valorizar tanto as ideias que são expressadas quação da ideia à forma, ou a ideia brotando da forma.
nas obras quanto a forma de linguagem que as comu- O que acontece é uma forma espontânea da ideia.
nica. Conforme Roger Samuel, a arte reside na forma, A estilística estudou o estilo, que se trata de um fenô-
o que não quer dizer que a forma se constitua no único meno individual de natureza psíquica, uma germinação
elemento. E, como já dizia Mallarmé, a literatura não se necessária da qual, segundo Roland Barthes, o autor
faz com grandes ideias, mas com palavras. não pode fugir.
Leo Spitzer define estilo como a forma de operar
Estilística – definição e contextualização metodicamente os elementos formais da língua, a
A Estilística surgiu com a publicação de um livro maneira de se utilizar do material oferecido pela língua,
que logo veio a se tornar um clássico: Tratado de estilís- seja escrevendo ou falando. Assim, podemos entender
tica francesa, de Charles Bally, que veio complementar as “estilo” como escolha e seleção, expressão subjetiva
pesquisas do Sumário de estilística. Os dois livros saíram de uma coletividade. Essa escolha pode se dar de
do Seminário de francês moderno, na Universidade de maneira aleatória ou intencional (no caso da literatura),
Genebra. mas sempre expressa algo inerente à cultura e contexto
O Tratado é um livro didático, que estuda o valor socio-histórico do indivíduo ou grupo.
emotivo dos fatos da linguagem e a ação dos fatos Alguns autores estabelecem uma distinção entre
expressivos que concorrem para formar o sistema de a estilística da língua (enquanto sistema, idioma) e a
meios de expressão de uma língua, ou seja, é o estudo estilística do discurso (a língua viva, falada, quando
da emoção da linguagem, sua expressão através dos utilizada pelo usuário).
meios linguísticos, e é essa teorização de Bally que
fundamenta a crítica estilística.
A linguagem expressa sentimentos e fatos sociais,
trazendo consigo ainda uma quantidade variável de
elementos intelectuais e emotivos. Diferente do rigor da No Brasil, a estilística produziu excelentes estudos, dentre os quais
forma imposto pelo Formalismo Russo, a estilística de sugerimos dois títulos para leitura e aprofundamento do assunto:
Bally não é formal, pois ele logo percebeu na linguagem GARCIA, Othon Moacyr. Esfinge rara: palavra-puxa-palavra em Carlos
Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Ed. São José, 1955, sobre a
a expressão dos fatos sociais, constatando que não
poética de Drummond; e:
existe pensamento puro, dissociado das condições GOMES, Eugênio. O enigma de Capitu. Rio de Janeiro: José Olympio,
fundamentais da vida, que sempre estarão presentes 1967, sobre o grande romance de Machado de Assis, Dom Casmurro.
na linguagem, de maneira direta ou indireta, mais evi-
dente ou menos evidente. Isso porque a linguagem não
se configura apenas como um fato psicológico, mas
social, sendo que ela se dinamiza mesmo, cumpre seu
papel mais essencial dentro das relações humanas de
troca e convivência, onde expressa os conflitos entre
os sentimentos sociais dentro da sociedade burguesa.
Para Charles Bally, que fora discípulo e sucessor de
Ferdinand de Saussure (1857-1913), o pai da linguística

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 25


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

TEXTO 2:

Noite morta
Conforme vimos, a estilística tem a ver com escolhas, o que em
um texto escrito se expressa no léxico, figuras de linguagem e de Noite morta.
expressão, emotividade, pragmatismo, entre outros elementos, que Junto ao poste de iluminação
variamde autor para autor. Observe nos dois poemas sobre a “noite”, Os sapos engolem mosquitos.
as diferenças de estilo de dois grandes poetas brasileiros, Carlos
Drummond de Andrade e Manuel Bandeira: Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.
TEXTO 1:
A noite dissolve os homens
No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos. Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.
O córrego chora.
A noite desceu. A voz da noite . . .
Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total (Não desta noite, mas de outra maior.)
incompreensão.
Petrópolis, 1921
A noite caiu. Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros. FIGURA 7 - NOITE

E o amor não abre caminho na noite.


A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas
fardas.

A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...


Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,


ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,


adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,


teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na
escuridão
como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,


minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,


os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão
simples e macio...

Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas
pálidas faces, aurora.

Fonte: Carlos Drummond de Andrade


http: //poemas.hlera.com.br/Carlos-drummond-de-andrade/a-noite- Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/77/Vigo_na_noite.
-dissolve-os-homens/ - data de acesso: 08/02/2011. jpg, acesso em 01/05/2011.

26 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

2.2.1 Charles Bally e a Estilística orientava a “explication du texte” (explicação do texto),


adotando uma estratégia de leitura que via a obra literá-
Charles Bally foi discípulo e sucessor de Ferdinand ria como um objeto estético independente do contexto
de Saussure na cátedra de Gramática Comparada e histórico, trazendo em si mesma um todo unificado que
de Linguística geral da Universidade de Genebra, onde refletia a sensibilidade também unificada do artista.
lecionou até 1939. Nesse sentido podemos dizer que o “New Criticism”
Ele corrigiu e publicou lições de Saussure em cola- trazia certa semelhança com o Formalismo Russo, ao
boração com Albert Sechehaye e Albert Riedlinger, bem deter-se exclusivamente na obra, no texto, desconsi-
como continuou a desenvolver sua obra de maneira derando seu entorno contextual. Só que os formalistas
original. se importavam com os elementos mais estruturais do
texto, no que diz respeito à linguagem e seus artifícios,
Sob essa influência, associada à da sociologia de
enquanto que os “novos críticos” atentavam para o
Durkheim, Bally estudou os elementos afetivos na lin-
conteúdo do texto, sua mensagem e ideias.
guagem, a fimde atender às exigências didáticas de fazer
com que os estudantes de língua alemã apreciassem as O “New Criticism” aboliu com a crítica publicada nos
diferenças afetivas que distinguem muitos sinônimos jornais, acusando-a de impressionista e sem autoridade
franceses. científica, já que baseava-se principalmente em elemen-
tos históricos e sociológicos, e fez oposição também à
erudição histórica então praticada nas universidades.
Desse modo, ele criou um método de investigação Assim, a crítica passou a ser realizada unicamente pelos
ao qual deu o nome de estilística, palavra que já ocorre professores universitários, os quais deveriam levar em
em francês em 1872. Sua investigação é permeada pela conta unicamente os elementos intrínsecos (internos)
ideia da língua como um fato social, o qual se impõe ao e formais das obras, concentrando-se em sua unidade
indivíduo com força coercitiva e ineludível. ou integração, sendo a poesia o gênero mais adequado
Bally expõe suas ideias sobre estilo e estilística no à prática desse tipo de crítica.
Compêndio de estilística (1905), no Tratado de esti- O maior anseio da “Nova Crítica” era trazer um maior
lística francesa (1909) e na coletânea A linguagem e rigor intelectual aos estudos literários, delimitando-os a
a vida (1913), afirmando que os sinais da linguagem um exame mais detalhado do texto isolado e das estrutu-
na gramática e no dicionário possuem um significado. ras formais do paradoxo, ambiguidade, ironia e metáfora,
Para ele, o que caracteriza o estilo é essencialmente o os efeitos da conotação e das imagens poéticas, entre
contraste entre o emocional e o intelectual. outros elementos presentes no texto literário e passí-
veis de observação e análise estética, assim como as
interações entre seus traços verbais e as complicações
2.3 New Criticism – definição e
decorrentes do sentido.
contextualização
Os partidários dessa corrente teórica acreditavam que
suas leituras de poesia poderiam causar uma influência
humanizadora nos leitores, através da qual os mesmos
O “New Criticism” ou “Nova Crítica”, em português, seriam capazes de se opor às tendências alienantes da
surgiu e floresceu nas décadas de 30 e 40, como pro- vida moderna e industrial.
dução das universidades norte-americanas. A adoção
É possível observar a grande influência, no momento
desse nome, “New Criticism”, indicava de imediato o
em que desponta essa nova corrente crítica, dos pró-
afastamento dos métodos tradicionais de análise lite-
prios escritores, entre os quais se destacam Paul Valéry,
rária, baseados principalmente no contexto histórico e
Ezra Pound, Henry James e T.S. Eliot, entre outros. Eles
social do surgimento da obra em questão e na biografia
acreditavam que a crítica podia ser produto da experi-
do autor, numa abordagem mais “extrínseca”, segundo
ência, conforme Eliot, que dizia que a crítica honesta e
René Wellek e Austin Warren (1971), mencionados
a sensibilidade literária não se interessavam pelo poeta
anteriormente.
(referindo-se às abordagens extrínsecas, baseadas em
A Nova Crítica enfatizava uma leitura minuciosa do biografias de autores e contextos sócio-históricos), mas
texto, de acordo com o preceito pedagógico francês que sim, pela poesia (foco no texto, na obra).

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 27


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Mas o “New Criticism” não ficou restrito aos Estados 2.4 Estruturalismo – definição e
Unidos. Os ingleses I.A. Richards e William Empson, contextualização
entre outros, se interessavam pelo mecanismo psicoló-
gico que determina a reação do leitor à obra, elemento
que mais tarde passou a ser estudado como a “Estética
Da mesma forma como a “Nova Crítica” ou New
da Recepção”.
Criticism, também o Estruturalismo buscou estabelecer
Conforme aponta Rogel Samuel (2002), os adeptos critérios objetivos, científicos para a análise a partir de
da “Nova Crítica” lutaram contra a sociologia e a antro- um novo rigor intelectual dentro dos estudos literários.
pologia cultural, dizendo que a crítica marxista reduzia a Nesse sentido, o Estruturalismo pode ser considerado
literatura, entendendo-a como um simples conjunto de uma extensão ou continuação do Formalismo, pois tanto
normas sociológicas e políticas, cujo conteúdo estaria um quanto o outro focaram sua atenção na forma literária
necessariamente relacionado a uma causa externa. (ou seja, na estrutura), desconsiderando o conteúdo
Para o crítico literário René Wellek (1971), a litera- social ou histórico. Essa estrutura configura-se em
tura é uma instituição social que utiliza como meio de um sistema de relações, individualizado por meio de
expressão outra instituição, também social: a linguística. simplificações através das quais se realiza um estudo.
Ele considera os próprios processos literários, como a Essa estrutura, apesar de indefinível, tem um caráter de
métrica e os símbolos, de natureza social, como con- organização total, de coesão e interdependência dos
venções e normas sociais, e a literatura como um todo elementos, de dinâmica interna. Toda estrutura faz uma
representa a vida social, mesmo a subjetiva. organização sistemática, com funções específicas, onde
O poeta, o artista que faz literatura é também membro a mudança de um elemento altera o todo, visto que todos
da sociedade, e nesse lugar, como artista da linguagem, os componentes são interligados e dependem uns dos
recebe um certo grau de consideração e recompensa, e outros.
dirige-se a um público, ainda que hipotético (visto que, Segundo Jonathan Culler (1999), a meta principal do
ao dar a público o que escreve, não escreve para si Estruturalismo, diferente da Fenomenologia, que bus-
mesmo, e assim deixa de possuir seu texto, ao menos cava descrever a experiência, é identificar as estruturas
em exclusividade). Wellek (1971) reconhece ainda a subjacentes que tornam a experiência possível. Ainda
função social da literatura, que não é individual, sendo que as duas correntes tenham em comum o interesse
que a maioria das questões que aborda são questões em descobrir e analisar a maneira como o sentido é
sociais, relativas à tradição e à convenção, às normas produzido, enquanto que na Fenomenologia se faz uma
e aos gêneros, aos símbolos e aos mitos, os quais a descrição da consciência, o Estruturalismo procura
literatura visita, reitera, critica, representa, desconstrói analisar as estruturas que atuam inconscientemente,
ou mesmo rechaça. como as da linguagem, da psique e da sociedade (as
Assim como as demais instituições estéticas, tam- quais as pessoas usam ou nelas se inserem sem per-
bém a literatura é uma instituição social. Ainda que ceber ou se dar conta). Nesse sentido, o Estruturalismo
discorde do marxismo estreito, o crítico reconhece que muitas vezes tratou o leitor como um mero espaço de
a literatura nasce num contexto social, sendo, portanto, códigos subjacentes que tornam o sentido possível e
parte de uma cultura. Porém, salienta que a mesma não como agente do sentido.
substitui nem deve ser confundida com a sociologia ou Basicamente o Estruturalismo vive de dois pares de
a política, já que possui justificação e objetivos próprios, conceitos, tomados da Teoria Linguística Estrutural,
específicos. desenvolvida por Ferdinand de Saussure: significante –
significado e diacronia – sincronia. A sincronia se baseia
na crença de que existe uma certa imobilidade no tempo;
já a diacronia faz o contrário: representa o processo
histórico como uma sucessão de formas. Assim como
Platão, Sausurre considerava o signo (palavras, sinais,
símbolos) como um elemento arbitrário, desvinculado
do conceito ou significado que carregava. Dessa forma,

28 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

segundo Brewton (2006), a partir do modo como uma mas a estrutura única através da qual são produzidos
sociedade em particular utiliza a linguagem e os sinais, todos os contos populares russos.
o significado se constitui de um sistema de diferenças Contudo, esse projeto, que consistia em oferecer
entre unidades da língua. Não interessavam os significa- uma explicação sistemática do discurso literário, não
dos particulares, e sim, as estruturas que compunham vingou na Grã-Bretanha nem na América. Nessas frentes,
a significação como um todo e tornavam o próprio conseguiu, no máximo, trazer novas ideias a respeito da
significado possível. Nesse sentido, o Estruturalismo literatura, tornando-a uma prática significativa entre as
seria uma metalinguagem, ou seja, uma linguagem sobre demais, abrindo caminho para leituras sintomáticas das
linguagem, utilizada para decodificar línguas existentes obras literárias. Ao mesmo tempo, incentivou os Estudos
ou sistemas de significação. Os estruturalistas acredi- Culturais, que na época ainda tomavam fôlego, a buscar
tavam que através das atividades estruturais poderiam explicação para os procedimentos significativos das
recompor um “objeto” e nessa reconstrução definir suas diferentes práticas culturais.
regras de funcionamento, as “funções” desse objeto. Conforme alerta Jonathan Culler (1999), o Estrutu-
Nesse sentido, a estrutura funcionaria como um modelo ralismo muitas vezes é confundido com a Semiótica, a
da realidade, uma imitação do objeto. ciência geral dos signos, que inicia em Saussure e vai
Enquanto corrente teórica, o Estruturalismo designa até o filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce.
um grupo de pensadores, em sua maioria franceses, que No entanto, diferente do Estruturalismo francês e seus
nas décadas de 50 e 60 do século XX resolveram aplicar segmentos, marcados pela especulação filosófica e
os conceitos da linguística estrutural desenvolvida por crítica cultural, a Semiótica consiste em um movimento
Saussure ao estudo dos fenômenos sociais e culturais. O internacional interessado em incorporar o estudo cien-
Estruturalismo se desenvolveu primeiro na Antropologia, tífico do comportamento e da comunicação.
com Claude Lévi-Strauss e sua pesquisa sobre os mitos,
FIGURA 8 – VLADIMIR PROPP
e depois nos estudos literários e culturais, a partir da
obra do formalista Roman Jakobson, já mencionado,
Roland Barthes, Tzetan Todorov, A.J. Greimas e Gerard
Genette. Vladimir Propp analisou os contos populares
russos, procurando identificar uma estrutura única pela
qual seriam produzidos todos eles.
Na psicanálise, temos Jacques Lacan, na história
intelectual Michel Foucault e na teoria marxista, Louis
Althusser. Apesar desses pensadores jamais terem
formado uma “escola teórica” propriamente dita, seu
trabalho recebeu o rótulo de “Estruturalismo”, e sob
tal designação foi importado e lido na Inglaterra, nos
Estados Unidos e em outros lugares, como no Brasil
(já mais tardiamente) no final das décadas de 60 e 70. Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d8/Vladimir_Pro-
pp_%281928_year%29.jpg, acesso em 01/05/2011.
No que se refere aos Estudos Literários, a proposta do
Estruturalismo era identificar e analisar as convenções
que tornam possíveis as obras literárias, não apresen-
tando novas interpretações para elas, mas procurando
compreender como elas podem ter os sentidos e efeitos
que têm. Enquanto que no campo da Antropologia Lévi-
-Strauss ocupou-se de identificar e analisar os mitos, na
linguística e literatura temos como exemplo estruturalista
o trabalho de Vladimir Propp com os contos populares
russos. Assim, de acordo com a metodologia do Es-
truturalismo, o pesquisador busca identificar e mapear,
descrever não apenas a estrutura de um único conto,

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 29


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Passaram alguns anos, e as meninas chegaram à idade de ficar noivas.


Mas todos os pretendentes que apareciam, e não eram poucos, só
tinham olhos para Vassilissa, cada vez mais formosa. E nem olhavam
Uma das mais assustadoras e impressionantes figuras do folclore para as filhas da madrasta. Esta ficava furiosa, e só respondia a todos
russo, presente na maioria das narrativas, é a “Baba-Iága”, uma figura os pretendentes que não concederia a mão da mais nova antes que as
do folclore do leste europeu. Trata-se de uma mulher velha e ossuda, duas mais velhas se casassem. E depois de despachar o pretendente,
que viaja pelos céus montada em um almofariz. Os rastros que deixa, ela descontava sua raiva maltratando Vassilissa. Um dia, o pai de
apaga com uma vassoura. Mora em uma casa móvel, com patas de Vassilissa, teve de partir para uma longa viagem de negócios, e foi
galinha, cuja fechadura é uma boca cheia de dentes. Isaac Bashevis então que a madrasta se aproveitou da sua ausência para se vingar
Singer descreveu Baba Yaga com um nariz vermelho arrebitado (apesar da enteada. Mudou-se logo para outra casa, que ficava à beira da
de alguns escritores comentarem um nariz azul), com narinas largas e floresta, onde, todos sabiam, vivia a malvada bruxa Baba-Iága, que
ardentes, olhos em chama como carvão em brasa e com cardos a sair não deixava ninguém se aproximar dela. Quem se aproximasse, ela
do crânio em vez de cabelos. Ajuda os puros de coração e devora os devorava como se fosse um frango. Então a madrasta começou
impuros. Originalmente concebida como uma entidade benfazeja, ao a mandar Vassilissa para a floresta toda hora, buscar uma coisa ou
longo do tempo foram lhe atribuindo um caráter sinistro. outra, esperando que a menina caísse nas garras da bruxa perversa.
Mas Vassilissa voltava sempre, incólume, porque a bonequinha lhe
indicava o caminho certo, e não deixava aproximar-se da cabana da
Baba-Iága.(...)

Leia mais em: www.fichasedesenhos.com/vassilissa-a-formosa-um-


conto-russo.html.
Leia a seguir um trecho dos mais conhecidos contos populares russos,
Data de acesso: 22/02/2011.
que traz a história de Vassilissa, a formosa, e também a “Baba-Iága”,
sobre quem lemos a pouco. Observe em sua leitura a presença de
elementos míticos, religiosos e culturais, que tornam essa história
FIGURA 9 - BABA IÁGA
diferente e interessante:

Vassilissa, a formosa
Há muito, muito tempo, num certo reino distante, vivia um rico
mercador, com sua mulher e uma única filha. A menina chamava-
se Vassilissa, e era bonita e meiga como uma flor. Mas um dia
quando Vassilissa tinha apenas 8 anos, sua mãe ficou muito
doente, e, sentindo que ia morrer, chamou a filha, tirou de sob
as cobertas uma pequena boneca e lhe entregou dizendo:

Escuta, Vassilissa, minha filha, as minhas últimas palavras. Ao morrer


deixo-te a minha bênção e esta bonequinha, que deverás trazer sempre
contigo. Não a mostres a ninguém, e quando te acontecer algum
desgosto, dá-lhe de comer e beber, e pede-lhe conselhos. Depois de
alimentada, ela te dirá o que fazer para te ajudar na desgraça.
Algum tempo depois da morte da mãe, seu pai casou-se de novo, com
uma viúva que tinha duas filhas, pouco mais velhas do que Vassilissa,
pensando que isso seria bom para sua filhinha órfã de mãe. Mas
enganou-se, porque a madrasta não gostava da enteada. Ela e as
filhas invejavam a sua beleza, e atormentavam-na com toda sorte de
trabalhos e encargos pesados, para que ela ficasse magra e feia.

Vassilissa suportava tudo pacientemente e, apesar da vida dura


que levava, ficava cada vez mais bonita, passou a ser chamada
de Vassilissa, a formosa, enquanto a madrasta e sua filhas
iam ficando cada vez mais feias e secas, de tanta ruindade,
mesmo passando o tempo todo comendo, sem fazer nada.
Como isso era possível? É que a bonequinha que a mãe lhe dera
ajudava a menina, que muitas vezes deixava de comer só para com
sua porção alimentar a boneca, sempre à noite, depois que todos se
deitavam. Ela lhe dava de comer dizendo: Come, boneca-beleza, e ouve
minha tristeza! E lhe contava os seus problemas. A boneca escutava,
dava-lhe conselhos e a mandava dormir. E pela manhã todo o trabalho
já aparecia feito, enquanto a menina descansava na sombra e colhia
flores. Assim ela ia vivendo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bilibin._Baba_Yaga.jpg, acesso:
01/05/2011.

30 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Já a metanarrativa marxista pregava que a história era


impulsionada pelo confronto entre duas classes contra-
ditórias, a burguesia e o proletariado, e acreditava que
Para maiores informações sobre os interessantes e ricos contos
ao fim dessa revolução, viveríamos em uma sociedade
russos, objeto da pesquisa estruturalista de Vladimir Propp, e se quiser sem classes, livre e igualitária: o comunismo.
conhecer outros contos, visite a Dissertação de Mestrado de Flavia No entanto, a história demonstrou que tais teorias
Cristina Moino Carolinski, intitulada “Aleksandr Nikoláevitch Afanássiev
não funcionaram conforme o previsto. É certo que a
e o conto popular russo”, disponível para leitura no seguinte endereço:
razão e a ciência melhoraram as condições de vida
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8155/tde-12092008- das pessoas, promovendo a cura para as doenças e a
170622/ alfabetização em larga escala, mas elas também deram
ao homem o poder de produzir armas de destruição em
massa, como a bomba atômica lançada em Hiroshima
em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial. Esses
2.5 Pós-estruturalismo – fatores evolutivos também provocaram mudanças cli-
definição e contextualização máticas, causadas pela poluição nas grandes cidades,
o que hoje constitui-se num grave problema que ameaça
a espécie humana.
O termo “Pós-estruturalismo” surgiu na década O marxismo, por sua vez, quando posto em prática,
de 70, juntamente com o “Pós-modernismo” de Jean redundou em regimes totalitários que vigoraram em
Baudrillard, Jean François Lyotard, o “Pós-criticismo” países como Rússia, e vigoram até hoje na China e
de Fredric Jamenson e a “Desconstrução” de Jacques em Cuba, trazendo sofrimento ao povo que sofre com
Derrida. Todos esses “pós” fazem com que os termos as restrições às liberdades civis e com violações dos
por ele antecedidos sejam intercambiáveis, especialmen- direitos humanos. Aliás, cabe salientar que, em face de
te pós-estruturalismo e pós-modernismo, e o exagero revelações recentes da mídia, essas violações não são
dos mesmos denota um sintoma da crise designada por exclusivas dos países comunistas, como costumava-se
Lyotard como “a condição pós-moderna”. Esse teórico acreditar, mas podem (puderam) ser vistas em repúblicas
descreve o Pós-Estruturalismo como a reescrita da mo- democráticas, como EUA e Brasil.
dernidade, e afirma que atualmente todos os trabalhos só
Todas essas “desilusões” geraram um clima de
podem ficar modernos se primeiro forem pós-modernos.
desconfiança em relação aos discursos que propunham
formar consensos universais, dando origem a projetos
coletivos que visem “mudar o mundo”. E é justamente
2.6 O fim das metanarrativas e essa desconfiança, algo cética, que criou o ambiente
dos falsos consensos universais pós-moderno em que vivemos hoje. É impor tante
esclarecer que o Pós-estruturalismo não é uma escola
com um pensamento só, uma linha unificada, nem
De acordo com o filósofo francês Jean-François mesmo um movimento, e sim, um termo muito recor-
Lyotard (1924-1998), em sua obra A condição pós- rente no discurso crítico. Logo que o Estruturalismo se
-moderna, o período conhecido como pós-moderno traz estabeleceu como escola, ou movimento, os teóricos
em seu bojo a incredulidade em relação às metanarrati- se afastaram dele, e as obras frustradas de pretensos
vas, ou seja, a experiência da pós-modernidade denota autores estruturalistas não condiziam com seu projeto
a perda de nossas crenças em visões totalizantes da de tentar dominar e codificar estruturas.
história, as quais anteriormente prescreviam regras de
O filósofo e linguista Roland Barthes foi considerado
conduta política e ética para toda a humanidade.
a figura central na passagem do Estruturalismo para o
Um exemplo de metanarrativa é a filosofia iluminista. Pós-Estruturalismo. Roger Samuel o considera o único
Segundo ela, a razão e seus produtos - o progresso pós-estruturalista legítimo, já que iniciou seu trabalho
científico e a tecnologia – poderiam levar o homem à durante o Estruturalismo e dedicou-se a elaborar a re-
felicidade, livrando-o dos dogmas, mitos e superstições presentação do significado. Barthes aplicou as correntes
dos povos primitivos.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 31


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

teóricas pós-estruturalistas à linguagem, proclamando de opostos binários, e é reformulada por Derrida como
“a morte do autor”. De acordo com essa definição, a um jogo infinito de presença em espaço e tempo) dá
escrita, ou registro, dado a público, implica na destruição origem a um novo modelo de crítica textual, a partir da
da “voz” (autor) que a gerou, ou originou. Da mesma linguagem, não do conteúdo. Esse modelo sugere um
forma, aplica um ponto de vista similar ao leitor, afirman- reexame crítico das ciências humanas e das relações
do que o mesmo não tem história, nem biografia, nem entre linguagem e verdade, erro, conhecimento, poder,
psicologia, mas é aquele em cujo único campo possui razão, desejo e o falante.
todos os traços que constituem um texto. Assim, a teoria da “desconstrução” provocou um
Brewton (2006) esclarece que o Pós-Estruturalismo profundo impacto na crítica literária, sendo que propõe
é menos unificado como movimento teórico do que o modificar o campo inteiro de análise acabando com a
Estruturalismo, já que as obras de pensadores relaciona- divisão entre ficção e teoria, literatura e filosofia, ler e
dos a ele tem em comum o signo da “Desconstrução”. escrever, o crítico e o escritor.
Assim, o advento de teorias como a Semiótica (estudo
dos sinais linguísticos de interface com o Estruturalis-
FIGURA 10 – JACQUES DERRIDA
mo), a teoria da “Resposta do Leitor” (EUA) e “Teoria
da Recepção” (Europa), a “Teoria do Gênero”, conce-
bida pelos psicanalistas Jacques Lacan e Julia Kristeva
constituem áreas de análise e estudo identificadas com
o Pós-Estruturalismo.
A idéia da “Desconstrução”, criada pelo filósofo
Jacques Derrida, que embasou teoricamente o Pós-
-Estruturalismo, dando uma nova concepção teórica
para o “signo” e o “significado” de Sausurre, entendidos
agora como conceitos culturais, que se referem a uma
realidade empiricamente certificável e não são mais
garantidos pela linguagem.
A perda das referências, antes fornecidas pela meta-
narrativas (veja o fragmento de texto em “Saiba Mais”,
p. 45) é denunciada pela “Desconstrução”, segundo a
qual essa perda resulta num adiamento infindável do
significado. Derrida afirmou que já não é mais possível
sair do texto, ou seja, os significados, quando possíveis
e identificáveis, não são mais fixos ou estáveis.
De acordo com Jonathan Culler, desconstruir uma
oposição implica em demonstrar sua condição de pro-
duto, a partir de discursos que se apóiam nele. Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/99/Derrida-by-
-Pablo-Secca.jpg , acesso: 01/05/2011.
Derrida critica a estrutura enquanto campo fechado,
que não admite nenhum lugar secreto e nenhum limite
extra. Na linguística estruturalista, a desconstrução de Para Michel Foucault, outro filósofo francês de
Derrida se volta contra os textos fundadores do sujeito grande influência na Teoria Literária pós-estruturalista,
de Saussure e Lévi-Strauss, denunciando a exterioridade o Estruturalismo representa a tentativa de apresentar o
superficial da linguagem e até mesmo da filosofia, que mundo para a consciência como se ele fosse algo para
tratavam seus pensamentos e textos como estáveis, ser lido pelo homem. Nesse sentido, ele acredita ser
espontâneos e acessíveis. Esse teórico, no início de seus essa uma última ilusão do Estruturalismo, que apesar
estudos, ocupou-se em reler a filosofia observando sua de admitir a morte do sujeito, não percebeu a morte do
relação com a linguística. Sua análise sobre o signo e a discurso do sujeito. E é justamente quebrar essa falsa
significação (que em Saussure não passava de um jogo estabilidade a tarefa do Pós-Estruturalismo, em vários

32 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

de seus objetos. A crítica de Foucault a respeito da Em resumo, o que aconteceu após a década de 70,
construção do conhecimento teve papel fundamental depois do Pós-Estruturalismo, é que a teoria de um modo
no desenvolvimento da perspectiva pós-moderna, que geral, e a Teoria Literária em particular, passou a adotar
abrange o Pós-Estruturalismo. De acordo com sua teoria, uma postura crítica em relação a tudo o que até então
o conhecimento não é transmitido através do discurso fora pensado como natural, assumindo a concepção de
– mas é o próprio discurso, que se encontra dentro que aquilo que era dado como natural não passa de uma
do texto. A partir do estudo e análise da genealogia do construção da linguagem, sendo, portanto, um produto
filósofo alemão Nietzsche (que já vimos anteriormente, histórico, cultural, submetido a forças e pressões his-
no início deste capítulo), Foucault tenta desconstruir a tóricas e culturais tanto no momento de sua produção
operação não reconhecida do poder e do conhecimento quanto no de sua recepção. Essa questão, por outro
para revelar as ideologias que fazem a dominação de lado, implica na perda da referencialidade.
um grupo por outro parecer natural. As investigações Nesse contexto, Richard Freadman e Seumas Miller,
desse filósofo sobre o discurso e o poder nele embutido em Re-pensando a teoria (1994) elaboram um crítica
forneceram uma nova e revolucionária forma de examinar às diversas concepções contemporâneas que geraram
a história e analisar textos, antes tidos como estáticos e a chamada “crise da teoria da literatura”. No entanto,
imutáveis, que ficou conhecida como “Novo Historicis- essa crise nada mais é do que o reflexo específico de
mo”, a respeito do qual falaremos mais adiante. uma crise muito mais ampla, deflagrada a partir do Pós-
-Estruturalismo dos anos 70, a crise epistemológica de
FIGURA 11 – MICHEL FOUCAULT
paradigma. Na tentativa de oferecer uma saída para essa
crise, no que diz respeito à Literatura, eles reafirmam
A especificidade da literatura como um modo distinto
de discurso sobre o mundo; que nenhuma teoria pode
ser totalmente determinante da prática crítica; e que nem
a teoria nem a prática crítica a ela associada podem
fornecer uma descrição totalmente completa de qualquer
texto. (FREADMAN, MILLER, 1994, p. 17)
Como fechamento de uma época, a desconstrução
pressupõe a noção de limiares, sendo que o Pós-Estru-
turalismo se coloca como um movimento de descen-
tramento e de desconstrução da metafísica ocidental,
o que reverte a nossa maneira de olhar para aquilo que
pensávamos ser a “realidade” enquanto algo natural,
dado, irreversível, na constituição de uma ordem, um
poder, um saber. Assim, podemos concluir que a crise diz
respeito à constatação da impossibilidade de se apropriar
do real, face à descoberta de que o campo da linguagem
(e da interpretação, de texto em texto) é infinito, tanto
quanto transitório, instável e múltiplo.
Assim, se há hoje uma crise que também atravessa
e abala a Literatura enquanto disciplina, campo de co-
nhecimento e saber, ela nada mais é do que o reflexo de
uma crise mais ampla das teorias de um modo geral,
que estão questionando os valores estabelecidos que
orientaram as ciências por séculos. Segundo Barthes,
a Literatura desestabiliza os saberes instituídos, e assim
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7d/Foucault1. permite que os mesmos se renovem constantemente.
jpg, acesso: 01/05/2011.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 33


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Assim, podemos entender porque os diversos


pensadores, de diferentes áreas do conhecimento, que
se dispuseram a empreender a desconstrução do pensa-
mento dicotômico da metafísica ocidental, encontraram O clima de instabilidade e desconfiança em relação a qualquer discurso
na literatura ou na arte um vasto material para suas que proponha formar consensos universais, ou seja, projetos coletivos
reflexões e teorizações. Cabe aos Estudos Literários que visem “mudar o mundo”, surgido no contexto do Pós-Modernismo
continuarem sua busca, mantendo a interlocução com e da crise pós-estruturalista, é muito bem retratado na letra de
outras áreas do saber, como a Filosofia, Antropologia, Ideologia, música de Cazuza.

Estudos Culturais, História, Psicologia..., expressando Leia o texto, ouça a música, e procure identificar os trechos que trazem
seu caráter polimorfo e indeterminado, em constante mais contundentemente essa idéia de crise, de quebra de paradigmas,
reconstrução. de instabilidade e desafios no contexto brasileiro (onde, diga-se de
passagem, tudo chega bem mais tarde). Cabe lembrar que em 1988
No próximo capítulo examinaremos a situação da
foi escrita a nova Constituição Brasileira.
Teoria da Literatura em relação a sua historicidade e
expressão social. Ideologia
Cazuza/ Roberto Frejat - 1988

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo : Perspectiva, 1973
Os meus sonhos
______. Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva,
Foram todos vendidos
1971
Tão barato
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense,
Que eu nem acredito
1987.
Ah! Eu nem acredito...
______. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1995.
(...)
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José
Pois aquele garoto
Olympio, 2002.
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro...

Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia! Pra viver...

34 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

FIGURA 12 - CAZUZA

Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bb/Cazuza_flickr.
jpg, acesso: 01/05/2011.

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 35


EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

36 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
EaD

Historicidade do
texto literário e sua
expressão social

CAPÍTULO 3
EaD
EaD UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE DO
DO ESTADO
ESTADO DA
DA BAHIA
BAHIA

Anotações

38 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Neste capítulo, iremos observar as relações de mais lida como literatura; o que antes representava um
correspondência e equivalência (ou não) entre a Litera- contexto real, hoje é entendido apenas como um outro
tura enquanto expressão artística e social e o contexto texto. Para Compagnon, a história não tem um sentido,
histórico no qual ela surge e se apresenta, terminando uma narrativa unificada. Ela própria é uma construção,
mesmo por dialogar com ele. Conforme aponta Antoine que coloca em cena tanto o presente quanto o passado,
Compagnon, em O demônio da teoria, 2001, a literatura sob determinada ótica.
acompanha de certa forma o movimento da história, mu- m suma, não existe mais história na qual a litera-
dando junto com ela, e ao mesmo tempo expressando-a. tura possa se apoiar, pois os próprios contextos de sur-
Porém, um questionamento pode nos provocar: cabe gimento das obras não passam eles mesmos de textos,
à literatura imitar a ideologia social vigente, representado- construções narrativas, relatos unilaterais, representa-
-a, ou confrontá-la, modificá-la? A literatura deve ser ções, ou seja, há “somente textos”, conforme aponta
considerada como reflexo, espelho de seu contexto o New Historicism americano, conjugando a noção de
histórico de surgimento, ou paradigma? Conforme intertextualidade, que considera a “historicidade dos
Compagnon (2001), há quem acredite que a literatura textos” e a “textualidade da história”.
não só pode como deve ser explicada e entendida a
partir de causas históricas; já outros contestam tal ideia
afirmando que a mesma desconsidera, ou mesmo fere a
3.1 Conceito de Intertextualidade
especificidade literária que a faz transcender a história.
A noção de intertextualidade, (sobre a qual já falamos
No entanto, o que podemos concluir, por enquanto, é
mais no início de nosso texto), foi introduzida na Teoria
que, apesar de não ser propriamente possível explicar a
Literária por Julia Kristeva em 1966, por influência da
literatura a partir, ou através da história, por outro lado,
noção de dialogicidade desenvolvida por Mikail Baktin em
não se pode negar que a literatura possui uma dimensão
seu livro Estética da Palavra. Segundo ele, o texto está
histórica.
em diálogo com a tradição e com uma comunidade co-
Cabe lembrar que o ímpeto de relacionar literatura municacional. Julia Kristeva expande a noção de Baktin,
e história está estreitamente ligado à maneira como se aplicando-a à literatura como um todo. O importante na
costumava analisar as obras literárias, desde o século XIX concepção da literatura como intertextualidade é o ques-
até boa parte do XX (no Brasil, até pouco tempo atrás): tionamento das visões tradicionais de obra e de autor:
descrevendo e interpretando dados da vida do autor.
1) Critica-se a visão de obra literária como algo ab-
Nesse sentido, o autor representaria o elo de ligação entre
solutamente original e encerrada em si mesma;
o texto artístico e seu contexto de produção – histórico.
2) Assim sendo, desmistifica também a ideia do
Porém, não podemos esquecer o paradoxo dessa
“poeta-gênio”, considerando que poeta é simplesmente
convenção, já que a obra de arte – no caso, a literária,
alguém capaz de produzir uma versão mais criativa das
é ao mesmo tempo eterna e histórica. Mesmo definindo-
potencialidades literárias da língua e da cultura, e não
-se e descrevendo-se particularidades de seu contexto
necessariamente um ser superior aos demais.
de surgimento e da vida de seu autor, esses elementos
não influenciam necessariamente o texto, tampouco o Tal concepção de intertextualidade já estava presente
limitam, sendo que ele, mesmo após décadas ou sé- na visão tradicional de literatura, só que mais reservada,
culos, continua a proporcionar uma emoção estética. ou a gêneros específicos (como a sátira, a paródia, a
E também pode ser considerado como um documento tradução, o comentário, a crítica, o plágio), ou a certas
histórico por refletir a ideologia e a sensibilidade de uma partes do texto (citações, notas, alusões, epígrafe).
época. A questão é que o contexto e os antecedentes de Na pós-modernidade a noção de intertextualidade
uma obra devem ser considerados e estudados enquanto ganha impulso não apenas com as concepções ditas
condições de sua produção, e não como suas causas. estruturalistas e pós-estruturalistas da literatura (sobre-
Outro fator de grande relevância é que, com o advento tudo de Gerard Genette, de Paul de Man e de Jacques
da Pós-modernidade, que colocou as grandes narrativas Derrida) mas também com novos fenômenos textuais
em cheque, a própria noção de história modificou-se “multimidiáticos”, tais como o hipertexto e a Internet.
profundamente, sendo que atualmente ela é cada vez

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 39


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

É importante salientar também a noção arcaica de Faça como eu faço


palimpsesto, teorizada modernamente por Gerard Ge- Aja duas vezes antes de pensar
nette, e que consiste na prática, de origem medieval, de Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
escrever um texto sobre outro, sendo geralmente um tex-
Devagar é que não se vai longe
to religioso cristão redigido sobre textos pagãos escritos Eu semeio vento na minha cidade
em papiro ou pergaminho. Essa prática foi muito intensa Vou pra rua e bebo a tempestade
entre os séculos VIII e IX devido à escassez de material (Chico Buarque, 1972)
para se escrever. Agora, o palimpsesto volta a ser va-
lorizado como uma forma antecessora do hipertexto, a
qual já apontava para o fenômeno da intertextualidade, FIGURA 13 – CHICO BUARQUE
tão presente na atualidade. É também de Genette a
noção intertextual de paratexto como sendo o conjunto
dos textos e indicações que acompanham um texto: por
exemplo, no caso de um livro, sua capa, contracapa, os
textos das orelhas, as resenhas e críticas, etc.

A palavra intertextualidade é formada da seguinte maneira: o sufixo


inter, de origem latina, se refere à noção de relação (entre). Logo,
intertextualidade é a propriedade dos textos relacionarem-se entre si,
originando um novo texto a partir de outro anterior, que acaba sendo
ressignificado.

Observe como Chico Buarque de Holanda, um dos mais importantes


compositores brasileiros, utiliza a intertextualidade em uma canção de
sua autoria, “Bom Conselho”, em cuja letra ele reitera textos oriundos
de provérbios populares. Dessa forma, ele questiona e ressignifica
o sentido original desses provérbios, ao mesmo tempo em que os
atualiza.
Depois de ler o poema, faça uma pesquisa dos provérbios populares
utilizados pelo poeta em seu texto, observando a inversão de sentido
praticada por ele (paródia). Analise o significado original desses
provérbios, e compare com o novo significado atribuído a eles por
Chico Buarque: Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/76/Chico_1.jpg,
acesso: 01/05/2011.
BOM CONSELHO

Leia agora o famoso poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de


Ouça um bom conselho
Andrade, que fala sobre o amor não correspondido, e observe a ironia
Que lhe dou de graça
que desconstrói os elementos românticos diante da trivialidade do dia
Inútil dormir que a dor não passa
a dia:
Espere sentado
Ou você se cansa
João amava Teresa que amava Raimundo
Está provado, quem espera nunca
Que amava Maria que amava Joaquim que amava
alcança
Lili que não amava ninguém.
Venha, meu amigo
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
Deixe esse regaço
Convento, Raimundo morreu de desastre, Maria
Brinque com meu fogo
Ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou-se
Venha se queimar
Com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na
Faça como eu digo
história.

40 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

Agora, leia a paródia que Ricardo Azevedo escreveu a partir do poema


de Drummond, para promover uma reflexão sobre um tema muito em
pauta na atualidade: a poluição. Observe como o autor critica o mau
hábito das pessoas de jogarem o lixo na rua, apontando para o mal que
essa prática errada causa ao meio ambiente: Para finalizar, leia e analise mais um interessante exemplo de
intertextualidade: Neste texto, Carlos Drummond de Andrade critica
“Quadrilha da sujeira” o exagero “medicalização” do mundo moderno através de palavras
João joga um palitinho de sorvete na que remetem ao nome de diversos remédios, e assim reitera em um
Rua de Teresa que joga uma latinha de poema literário o gênero textual “bula de remédio”:
Refrigerante na rua de Raimundo que
Joga um saquinho plástico na rua de Receituário Sortido
Joaquim que joga uma garrafinha
Velha na rua de Lili. Calma.
Lili joga um pedacinho de isopor na É preciso ter calma no Brasil
Rua de João que joga uma embalagenzinha calmina
De não sei o quê na rua de Teresa que calmarian
Joga um lencinho de papel na rua de calmogen
Raimundo que joga uma tampinha de calmovita.
Refrigerante na rua de Joaquim que joga Que negócio é esse de ansiedade?
Um papelzinho de bala na rua de J. Pinto Não quero ver ninguém ansioso.
Fernandes que ainda nem tinha O cordão dos ansiosos enfrentemos:
Entrado na história. aspiran!
(Você diz que sabe muito, borboleta sabe mais. ansiotex!
Fundação Cargil) ansiex ansiax ansiolax
ansiopax, amigos!
Serenidade, amor, serenidade.
Dissolve-se a seresta no sereno?
Fecha os olhos: serenium,
serenex...
Exemplo de intertextualidade implícita:
Leia o poema a seguir e veja como ele se “imita” propositadamente a Dói muito o teu dodói de alma?
estrutura e a organização linguística de outro gênero textual bastante Em seda e sedativo te protejas.
conhecido. Veja se você consegue identificar qual é: Sedax, meu coração,
Receita de herói sedolin
sedotex
Tome-se um homem feito de nada sedomepril.
Como nós em tamanho natural Meu bem, relaxe por favor.
Embeba-se-lhe a carne Relaxan
Lentamente Relaxatil.
De uma certeza aguda, irracional Batem, batem à porta? Relax-pan.
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim Estás tenso, meu velho?
Agite-se um pendão Tenso de alta tensão, intensa, túrbida?
E toque-se um clarim Atenção: tensoben
Serve-se morto. tensocren
tensocrin
(Reinaldo Ferreira em “Portos de Passagem” - João Wanderley Geraldi, tensik
São Paulo: Martins Fontes, 1991) tensoplisin.
Anda, cai no sono,
amigo, olha o sonix.
Como soa o sonil
sonipan sonotal
sonoasil
sonobel sonopax!

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 41


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tranquilan 3.2 O conceito de literatura e os


tranquilin Estudos Literários hoje
tranquix tranquiex
tranquimax
tranquisan
e mesmo tranxilene! Na atualidade, podemos observar o crescimento e
estabelecimento de uma importante atividade envolvendo
Estás píssico, talvez
de tanto desencucarem tua cuca?
as teorias e estudos nas áreas ditas “humanas”, e que
Estás perplexo? começou a tomar corpo e ganhar espaço e importância
Não ouves o pipilar: psicoplex? a partir da década de 90, depois da queda das meta-
psicodin narrativas que caracterizou o pós-modernismo: Estudos
psiquim
Culturais. Conforme aponta Jonathan Culler, o campo
psicobiome
psicolatil?
dos estudos culturais é muito amplo e interdisciplinar,
Não sentes adejar: psicopax? e, portanto, muito difícil de se definir e impossível de
se limitar. Ele envolve debates teóricos sobre sentido,
Então morre, amizade. Morre presto, identidade, representação e agência, entre outros, vi-
morre já, morre urgente,
sando compreender qual o sentido da cultura no mundo
antes que em drágea cápsula ampola flaconete
proves letalex
moderno, como as identidades culturais são construídas
mortalin e organizadas num mundo cada vez mais globalizado,
obituaran com comunidades diversas e misturadas, influenciadas
homicidil pelas indústrias da mídia e corporações multinacionais.
thanatex thanatil
thanatipum! Nesse sentido, podemos afirmar que hoje em dia
os Estudos Literários fazem parte, são uma espécie de
Carlos Drummond de Andrade
“ramo” dos Estudos Culturais, no que se refere a exami-
nar a literatura como uma prática (ou expressão) cultural
FIGURA 14 - REMÉDIOS específica. No entanto, o que isso quer dizer exatamente?
Que os Estudos Culturais, enquanto projeto mais amplo,
ao incluir os estudos literários, lhes confere um novo
poder e percepção? Ou será que os Estudos Culturais
terminarão por “engolir” os estudos literários e assim
eliminar a literatura e sua importância e especificidade,
como temem alguns?
Evelina Hoisel (2000) chama a atenção para o modo
instável e ao mesmo tempo promissor e desafiador como
as teorias tem se desenvolvido e coexistido na atualidade.
Graças a essa nova percepção e desterritorialização da
literatura, seu objeto de estudo pode também expandir-
-se, relacionar-se e dialogar com outros elementos e
produtos culturais. Segundo ela, foi graças a esse de-
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f4/Santa-casa-3. senvolvimento que outros conhecimentos, oriundos do
jpg, acesso: 01/05/2011. campo da psicanálise, antropologia, filosofia e história
encontraram nos textos literários um amplo repertório de
questões que contribuíram para suas reflexões.
Para Jonathan Culler (1999), também não há necessi-
dade de conflito entre os Estudos Culturais e os literários
porque, apesar de os primeiros terem se originado a
partir dos segundos, não foi em oposição a eles enquanto
defensores e mantenedores de uma tradição estabelecida

42 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EaD

pelo “cânone literário”, também conhecido como “alta Tal questão abriu precedente para outras contro-
literatura” – os clássicos – como afirmam alguns. Isso vérsias, bastante consistentes, por sinal, que dizem
porque os próprios estudos literários nunca permane- respeito a um possível abandono dos padrões literários
ceram estáticos em uma única concepção daquilo que tradicionais ante o estudo generalizado desses textos
faziam, muito pelo contrário, e como já enfatizou Evelina anteriormente desconsiderados. O que passou então
Hoisel. Desde seu surgimento e organização enquanto a ser questionado foi se essas obras que agora tinham
disciplina, ou, numa perspectiva mais abrangente, “te- vez e voz estavam sendo estudadas por serem também
oria”, eles sempre foram contestados e controversos, consideradas como “literatura”, ou por sua represen-
e prova disso são as diversas escolas e movimentos tatividade social ou cultural? O que está determinando,
teóricos que tentaram explicá-los e, de alguma forma, atualmente, a escolha de obras a serem analisadas é o
apropriarem-se deles, sem sucesso, conforme vimos desejo “politicamente correto” de conceder representa-
até aqui. Assim, em resumo, podemos afirmar que não ção artística e cultural às minorias, ou critérios literários?
há porque temer qualquer controvérsia entre os estudos No entanto, o que a experiência mostrou até agora
culturais e os literários, pois estes não estão compro- é que a tão proclamada “excelência literária” nunca
metidos com um objeto literário a ser repudiado pelos determinou quais obras deveriam ser estudadas; cada
primeiros. A diferença é que a abordagem empreendida professor seleciona textos de acordo com algo que re-
pelos Estudos Culturais é mais ampla, e considera di- presentam e ele deseja estudar com seus alunos. O que
ferentes artefatos culturais como “textos” a serem lido. mudou hoje em dia é que, além das formas literárias, a
Dessa forma, eles podem é contribuir para redimensionar escolha das obras é também orientada pelas experiên-
o objeto dos estudos literários, relacionando-o a outros cias sócias e culturais que representam, o que termina
discursos e tornando o estudo da literatura um fenôme- abrindo espaço para textos considerados secundários,
no intertextual complexo, pelo viés da linguagem, e em e até mesmo para expressões culturais populares até
consonância com o contexto sociocultural onde própria então nem vistas como literatura, ou depreciadas como
literatura circula.. “baixa literatura”.
O temor, ou pelo menos a desconfiança sobre um
possível “estrago” que os Estudos Culturais poderiam
promover no consagrado “cânone literário”, mediante o
estímulo ao estudo de filmes, televisão e outras formas
culturais populares, em substituição às tradicionais aná-
SILVA, Tomaz Tadeu da. O que é, afinal, Estudos Culturais? 2ª Ed.
lises de clássicos mundiais ainda persiste. No entanto, Autêntica: Belo Horizonte, MG, 2000.
o que se observa até agora é um revigoramento desse
mesmo cânone, através da abertura para diferentes e Sinopse
instigantes maneiras de se ler as chamadas “grandes
Este livro reúne uma série de ensaios que constituem uma introdução à
obras”. Os textos de Shakespeare, por exemplo, têm sido
influente área de investigação e de intervenção conhecida como Estudos
estudados como nunca, sob todos os ângulos possíveis: Culturais. Os Estudos Culturais tomam como seu objeto qualquer
pela perspectiva feminista, marxista, psicanalítica, histo- artefato que possa ser considerado cultural, sem fazer distinção
ricista, desconstrucionista... Culler observa que, dentro entre ‘alta’ e ‘baixa’ cultura- das exposições de museu, passando
do contexto dos Estudos Culturais, a literatura ensinada pela literatura e pelo cinema e chegando aos programas de televisão
e à publicidade, nada é considerado estranho às preocupações das
hoje abriu espaço para textos de mulheres e de outros
análises e das críticas dos Estudos Culturais.
grupos historicamente marginalizados, como negros,
asiáticos, latinos, etc. E esses textos, antes delibera-
damente negligenciados e sistematicamente ignorados,
costumam ser estudados como representações da
experiência e cultura desses grupos. Ao mesmo tempo,
eles levantam a instigante questão: “em que medida a
literatura cria a cultura que se diz que ela expressa ou
representa”, ou em outras palavras, “a cultura é o efeito
de representações ao invés de ser sua fonte ou causa?”

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 43


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FIGURA 15 – CAPA DO LIVRO Os debates sobre os limiares críticos de disciplinas


que se entrecruzam, entre elas os estudos literários,
vemos surgir questionamentos mais polêmicos e proli-
ferarem as discussões que “focalizam os trânsitos, os
diálogos, a confluência entre nacionalidades, classes,
etnias, a partir de uma perspectiva que dá ênfase ao
local, ao particular.”
Nesse bojo, podemos identificar alguns movimentos
teóricos mais contemporâneos, que surgiram não pro-
priamente em substituição àqueles já mencionados e
descritos aqui, mas como uma espécie de continuidade,
releitura dos mesmos, e que eclodiram especialmente
no contexto da pós-modernidade e vieram à tona atra-
vés dos Estudos Culturais. Vejamos agora alguns dos
mais significativos e influentes na atualidade, levando
em conta uma sequência mais ou menos cronológica:

3.3.1 Desconstrução

Dentre todos os discursos teóricos surgidos a partir


do pós-estruturalismo e que trazem uma crítica das no-
ções sobre o conhecimento objetivo, a Desconstrução
diz respeito à crítica desenvolvida por Jacques Derrida,
do qual falamos no capítulo anterior. Seu trabalho mos-
tra que as oposições hierárquicas que estruturavam o
Fonte:http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha. pensamento ocidental, como por exemplo: dentro/fora,
asp?isbn=8586583561&sid=1141621961351420355591032, acesso:
01/05/2011.
corpo/mente, literal/metafórico, fala/escrita, presença/
ausência, natureza/cultura, forma/sentido, não são na-
turais nem inevitáveis, mas produto de uma construção
3.3 As novas e emergentes que se apóia em discursos que as mantêm ao mesmo
correntes literárias tempo em que são mantidos por elas. O propósito da
contemporâneas desconstrução não é apenas ressignificar as formas de
pensamentos até então tidas como absolutas e imutá-
veis, mas desmontá-las para então poder reinscrevê-las,
dando-lhes uma estrutura e funcionamento diferentes.
Conforme já explicitamos mais no início do capítulo,
De um modo geral, a desconstrução é, na prática, uma
nas últimas décadas a noção de história tem sido redi-
modalidade de leitura que investiga a tensão “entre
mensionada pelo pensamento contemporâneo, o que
modalidades de significação, como entre as dimensões
se refletiu profunda e significativamente nos estudos
performativa e constativa da linguagem.”
literários. Esse processo de releitura, conforme atesta
Evelina Hoisel, proporciona reconfigurações de culturas e
formações identitárias, denuncia o etnocentrismo da cul- 3.3.2 Teoria Feminista
tura européia tida e imposta como modelo de referência,
ao mesmo tempo em que abre espaço para a pluralidade Segundo Jonathan Culler (1999), o feminismo é
de histórias e culturas de outras fontes. Esse movimento mais um movimento social e intelectual, bem como um
intenso e complexo, segundo Hoisel, impõe a emergência espaço de debates, do que propriamente uma escola
dos estudos de literatura comparada a partir da década teórica. Nesse espaço, vemos teorias que defendem a
de 80 em países colonizados e considerados periféricos. identidade das mulheres, exigem seus direitos e promo-

44 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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vem seus textos como representações das experiências


femininas; vemos também uma crítica teórica da matriz
heterossexual que organiza as identidades e culturas em
termos da oposição entre homem e mulher. No contexto Em O Evangelho Segundo Maria, o baiano Armando Avena,
do pós-modernismo, a distinção biológica entre homem soteropolitano e professor de Filosofia na UFBA propõe justamente
e mulher foi examinada por teóricos que concluíram que uma releitura do texto ultraconhecido do Evangelho Bíblico sob a
as categorias sexuais são também produtos de uma perspectiva das duas mulheres mais significativas na vida de Jesus
cultura e mais ajudam a criar uma realidade social do Cristo: Maria, sua mãe, e Maria Madalena, a discípula e companheira
rechaçada pela história da Igreja. É uma iniciativa que busca questionar
que simplesmente a refletem. As feministas francesas, e colocar em cheque um dos discursos dominantemente masculinos
dentre as quais se destacam Simone de Beauvoir, Luce mais conhecidos e fundadores da sociedade ocidental. Esse romance,
Irigaray, Helene Cixous e Julia Kristeva (esta última, juntamente com outras duas obras da literatura brasileira com foco
búlgara que escrevia em francês) diziam que a tradição semelhante, foram analisadas pela autora deste módulo, Andréa
filosófica ocidental reprime a experiência das mulheres Beatriz Hack de Góes, em sua tese de Doutorado, intitulada “O mito
cristão na Literatura”, defendida na UFBA em junho de 2010.
e as exclui intelectualmente de maneira sistemática, o AVENA, Armando. O Evangelho segundo Maria. Rio de Janeiro: Relume
que significa que as vidas e os corpos das mulheres, Dumará, 2002.
nas sociedades históricas, também estão sujeitos à
repressão. É importante destacar, na obra de Kristeva,
os conceitos de “semiótica” e “abjeção”, de fundamen- FIGURA 17 – “O EVANGELHO SEGUNDO MARIA”

to lacaniano, e que tiveram grande influência na teoria


literária; especialmente a semiótica, que diz respeito às
lacunas, silêncios, espaços e presença corporal dentro
do sistema linguístico/simbólico de uma cultura no qual
pode haver um espaço para a linguagem das mulheres,
que seria diferente do discurso dominado pelos homens.

FIGURA 16 - MULHERES

Fonte:http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-159283254-o-
-evangelho-segundo-maria-armando-avena-livrousado--_JM, acesso:
01/05/2011.
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/64/Via_Campesi-
na.jpg , acesso: 01/05/2011.
3.3.3 Psicanálise

No contexto dos Estudos Literários, a Psicanálise


exerceu influência como uma forma de interpretação e ao
mesmo tempo enquanto uma teoria sobre a linguagem,
o sujeito e sua identidade. Um dos principais nomes
da Psicanálise, o psicanalista Jacques Lacan, propôs,
através de seu trabalho não convencional, o que ele

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 45


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mesmo chamou de “um retorno a Freud”. Ele descreve FIGURA 18 – FREUD


o sujeito como um efeito da linguagem, enfatizando o
papel da transferência na análise, já apontada por Freud.
No contexto da relação paciente – analista, a verdade
consiste na representação de um cenário oriundo do
passado do paciente, onde o analista faz o papel de uma
figura de autoridade desse passado.
No que tange a literatura, a Psicanálise constitui-se
uma disciplina pós-estruturalista onde a interpretação é
uma representação de um texto sobre o qual ela mesma
não tem domínio.

Sigmund Freud foi o criador da psicanálise e Jacques Lacan foi


o seguidor que mais contribuiu e deu continuidade à sua obra.
Para ele, a psicanálise não é uma ciência, uma visão de mundo
ou uma filosofia que pretende dar a chave do universo, mas uma
prática, onde através do método da livre associação chegaremos
ao núcleo do ser. Ela é comandada por uma visada particular que
é historicamente definida pela elaboração da noção de sujeito.

A Psicanálise Lacaniana não é uma simples corrente, mas uma


verdadeira escola. Com efeito, constitui-se como um sistema de
pensamento a partir de um mestre que modificou inteiramente a
doutrina e a clínica freudianas, não só forjando novos conceitos, mas
também inventando uma técnica original de análise da qual decorreu
um tipo de formação didática diferente da do freudismo clássico.

Leia mais em: http://psicanaliselacaniana.vilabol.uol.com.br/.


Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e9/Sigmund_
Último acesso em 17/04/2011. Freud_1926.jpg, acesso: 01/05/2011.

3.3.4 Teoria Pós-Colonial

A partir da obra Orientalismo (1978), de Edward Said,


que examina a maneira como os discursos europeus
construíram uma ideia, ou imagem do “outro” oriental, as
discussões e reflexões em torno dos problemas impostos
pela colonização europeia, que incluem as instituições
e experiências pós-coloniais, bem como as ideias de
nação independente e da constituição da própria cultura,
tomaram corpo e vulto cada vez mais intensos, principal-
mente desde a década de oitenta. Entraram em questão
temas como a hegemonia dos discursos ocidentais
face às possibilidades de resistência por parte desses
novos sujeitos, mistura do colonial com o pós-colonial:
sujeitos híbridos, no dizer de Stuart Hall (2006), oriundos
da “superimposição de línguas e culturas conflitantes.”

46 LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA


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Desde então, a teoria e escrita pós-colonial representa própria cultura como um todo, baseada tradicionalmente
uma tentativa dialógica de intervir na construção da na negação das relações homoeróticas.
cultura e do conhecimento no sentido de “escrever um A questão é quanto ao rumo desses debates que, num
caminho de volta numa história que outros escreveram.” primeiro momento, reivindicam espaço e abertura para
suas questões específicas: essa diferença afirmada deve
3.3.5 Discurso das Minorias ser teórica e culturalmente celebrada e acentuada, ou
esses debates devem servir para contestar as distinções
Na própria esteira do Estudos Culturais (ou Cultural que estigmatizam e discriminam? Ou seria possível, no
Studies), surgidos nos Estados Unidos, o crescimento âmbito da representatividade cultural, conjugar as duas
do estudo das literaturas produzidas por minorias étni- coisas? Tal querela ainda necessita de mais reflexão e
cas constituiu-se em uma verdadeira conquista política amadurecimento, já que uma resposta única de fato não
dentro das instituições acadêmicas norte-americanas. a encerra.
Relacionado em outros contextos com a virada histórica
proposta pela Teoria Pós-colonial, vista antes, esse mo- FIGURA 19 - HOMOSSEXUAL
vimento socioteórico busca resgatar e promover os es-
tudos sobre a escrita negra, latina, asiático-americana e
nativo-americana, visando a afirmação e o fortalecimento
dessas identidades no contexto liberal da diversidade
cultural e do multiculturalismo, hoje em voga. Nesse es-
paço surgem muitas críticas à hegemonia algo autoritária
e arbitrária da teoria tradicional, dita “branca”, acusada
de se impor contra projetos de outros grupos que lutam
para estabelecer seus próprios temas e contextos.
Os críticos e intelectuais latinos, afro-americanos
e asiático-americanos se empenham em desenvolver
o estudo de discursos das minorias que representam,
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9a/200051_1
estabelecendo seu caráter distintivo e particular em
0150164703565719_601455718_8313848_7885686_n.jpg, acesso:
articulação com as tradições dominantes de escrita e 01/05/2011.
pensamento. E é a partir dessa posição de marginalidade
que esses representantes também expõem, denunciam e
Como pudemos ver, nessa verdadeira “viagem” pelo
questionam os pressupostos do discurso da “maioria”,
território mágico, ainda que nem sempre pacífico e tran-
intervindo em seus debates teóricos.
quilo da Literatura e suas teorias, a expressão literária,
assim como os estudos sobre ela refletem e enaltecem
3.3.6 Queer Theory a riqueza cultural e artística da humanidade, e dessa
forma, também se modifica e evolui continuamente, num
Assim como a Desconstrução e outros movimen- diálogo constante com a sociedade que a um só texto a
tos teóricos contemporâneos, a Queer Theory (o termo produz e é produzida (representada) por ela.
“queer” é uma gíria americana que pode ser traduzida Nosso desejo é que o estudo dessas teorias, a partir
como “bicha” ou “viado”, referindo-se geralmente ao de uma perspectiva histórica e crítica, o ajude a perceber
homossexual masculino) usa o marginal, que foi posto e identificar o valor indescritível das obras literárias en-
de lado como perverso, inadequado, além dos limites, quanto patrimônio cultural da humanidade, e que sempre
para analisar (e criticar) a construção cultural do que se renovam a cada nova leitura, a sua leitura!
é considerado certo, “normal” e ideal: a normativida-
de heterossexual. Os trabalhos de autores como Eve
Sedgwick, Judith Butler e outros fizeram da Queer Theory
um espaço de questionamento produtivo, não apenas no
que tange a construção cultural da sexualidade, mas da

LICENCIATURA EM HISTÓRIA - HISTÓRIA DA ÁFRICA 47


EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

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