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Denis Cezar Musial

Organizador

Cadernos da Assistência Social


e Direitos Humanos de Irati - PR
Volume I
Denis Cezar Musial
Organizador

Cadernos da Assistência Social e Direitos


Humanos de Irati – PR
Volume I

Irati – Paraná
2019
Prefeitura Municipal de Irati-PR
Secretaria de Assistência Social de Irati-PR
JORGE DAVID DERBLI PINTO
Prefeito Municipal de Irati

AMILTON KOMINSKI
Vice-prefeito de Irati

SYBIL DIETRICH
Secretária Municipal de Assistência Social

GESTÃO DO TRABALHO DO SUAS


Rua Coronel Pires, nº 826
Centro Irati-PR

EQUIPE DE CONSTRUÇÃO DO CADERNOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E DIREITOS


HUMANOS-VOLUME I
Denis Cezar Musial - Assistente Social da gestão do trabalho do SUAS - CRESS
8848/11º região;
Sybil Dietrich - Secretária Municipal de Assistência Social
Irailce Budziak - Responsável pelo RH SUAS
Márcia Bernadete Mores - Coordenadora da Gestão Financeira do SUAS

DOCUMENTO
Cadernos da Assistência Social e Direitos Humanos- Volume I
2019 Uniedusul Editora
Copyright da Uniedusul Editora
Editor Chefe: Prof. Me. Welington Junior Jorge
Diagramação e Edição de Arte: André Oliveira Vaz
Revisão: Os autores

Conselho Editorial
Alexandra Fante Nishiyama – Faculdade Maringá
Aline Rodrigues Alves Rocha – Pesquisadora
Ana Lúcia da Silva – UEM
André Dias Martins – Faculdade Cidade Verde
Brenda Zarelli Gatti – Pesquisadora
Carlos Antonio dos Santos – Pesquisador
Cleverson Gonçalves dos Santos – UTFPR
Constanza Pujals – Uningá
Delton Aparecido Felipe – UEM
Fabio Branches Xavier – Uningá
Fábio Oliveira Vaz – Unifatecie
Gilmara Belmiro da Silva – UNESPAR
João Paulo Baliscei – UEM
Kelly Jackelini Jorge – UNIOESTE
Larissa Ciupa – Uningá
Lourival Domingos Zamuner – UNINGÁ
Marcio Antonio Jorge da Silva – UEL
Márcio de Oliveira – UFAM
Pâmela Vicentini Faeti – UNIR/RM
Ricardo Bortolo Vieira – UFPR
Rodrigo Gaspar de Almeida – Pesquisador
Sâmilo Takara – UNIR/RM

O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabi-
lidade exclusiva dos autores. 2019
Permitido fazer download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos
autores, mas sem de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais.
www.uniedusul.com.br
Secretaria Municipal de Assistência Social
Departamento de Gestão do Trabalho no SUAS
Rua: Coronel Pires, nº 826 - Centro
CEP: 84.500-000 - Irati - PR
Fone/Fax: (42) 3907-3104
e-mail: gestaoirati@gmail.com

APRESENTAÇÃO DO LIVRO CADERNOS: ASSISTÊNCIA SOCIAL E DIREITOS


HUMANOS

É com muita alegria que a Secretaria Municipal de Assistência Social, através do


departamento de Gestão do Trabalho do SUAS de Irati apresenta a primeira obra literária
construída coletivamente pelos Trabalhadores do SUAS, com o seguinte lema: Afirmar,
construir e resistir!
A partir dessa publicação, o caminho da política de assistência social e a pluralidade dos
estudos sobre comunidade, resiliência, povos tradicionais e relatos de experiência transitam
no sistema, buscando o enfrentamento dos desafios interdisciplinares e intersetoriais
entre as políticas sociais, rompendo com lógicas assistencialistas, clientelistas e práticas
disciplinares.
O livro se divide em três capítulos: (1) Artigos dos serviços de Proteção Social Básica;
(2) Artigos dos serviços de Proteção Social Especial e (3) Artigos da política de Direitos
Humanos. Tais reflexões contribuem com a promoção dos direitos e a construção de uma
política Humanizada no SUAS!
Os primeiros artigos proporcionam inquietações relacionadas aos serviços de proteção
social básica que são direcionados a ações de prevenção, convivência familiar e comunitária
e promoção dos direitos, trazendo seus relatos para que possam ser disseminados como
aprendizagens compartilhadas.
A segunda parte apresenta artigos das ações desenvolvidas nos serviços de proteção
social especial que subdivide em média e alta complexidade, tendo como alinhamento
desses artigos ações que busquem o fortalecimentos dos vínculos familiares e comunitários
e processos de reintegração familiar.
Na parte três, apresenta artigos voltados as ações desenvolvidas pela política de
direitos humanos, sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social e
como essas ações transitam nas políticas setoriais, em especial, na política de assistência
social.
Enfim, essa obra representa a aproximação do saber cientifico e do saber popular nas
políticas sociais, rompendo com o senso comum e contribuindo com o aperfeiçoamento do
SUAS!
Viva o SUAS!

Irati, 28 de fevereiro de 2019

Denis Cezar Musial


Assistente Social
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1....................................................................................................................... 11
REDES DE APOIO SOCIAL EM UMA COMUNIDADE DO TERRITÓRIO DO CENTRO DE REFERÊNCIA
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS LAGOA/IRATI-PR
Mariane Zarpelon
Simone Aparecida Kubilinski

CAPÍTULO 2.......................................................................................................................17
DANDO VOZ E AUTONOMIA: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS DO SERVIÇO DE
CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS COM ADOLESCENTES NO CRAS VILA SÃO
JOÃO.
Dener Cristi dos Santos
Vanderléia Kozar
Felipe Rosa
Valdirene Aparecida de Lima
Juliane Charnei

CAPÍTULO 3.......................................................................................................................22
HISTÓRIAS DE SUPERAÇÃO NO CRAS: PRODUZINDO RESILIÊNCIA ATRAVÉS DA INTERVENÇÃO
ARTICULADA NAS AÇÕES DO PAIF E DO SCFV
Rafaela Maria Ferencz
Amanda Bastos Maciel
Alcione Marafon
Joel Gonçalves Batista
Márcia Izabela Proceke
Karina Prosseke
Murilo Pepe
Raíssa Negroni

CAPÍTULO 4.......................................................................................................................33
SABEDORIA POPULAR: O BEM VIVER ENTRE AS MULHERES FAXINALENSES ATRAVÉS DO USO
DAS PLANTAS MEDICINAIS
Alessandra Colesel
Fernanda Rocha Reda

CAPÍTULO 5.......................................................................................................................41
O PAPEL DA ESCOLA NA SOCIALIZAÇÃO E RESSOCIALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES EM
CONFLITO COM A LEI
Eliane Bach Ferreira Hejel
Paulo Roberto Hejel
Regiana Bobato
Saionara Israelita Franco

CAPÍTULO 6.......................................................................................................................49
RESIDÊNCIAS INCLUSIVAS: UM NOVO OLHAR SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Isabela Vinharski Scheidt
Kelly Marques da Silva Wasilewski
Luiz Henrique Palavicini Selivan
Renata de Andrade
CAPÍTULO 7.......................................................................................................................55
PROGRAMA DE EXECUÇÃO DE ALTERNATIVA PENAIS - PATRONATO DE IRATI (PR)
Caroline Aparecida Santiago Alibosek
Isys Cristiny Barbosa Pereira
Aline Bianco
Mayara Nedopetalski Brandalise
Miriam Chicalski
Cesar Renato Ferreira Da Costa
Victa Ogg Jonson Gonçalves
Jair Kulitch
Michelle Fernandes Lima
Ana Carolina Menon
Denis Cezar Musial
Francieli Maria Martins Princival
Abraão Mayer Gerchevski Fernandes Souza
Bruna Maria Stoski
Gustavo Zambenedetti

CAPÍTULO 8.......................................................................................................................66
CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA DE IRATI: REFLEXÕES INICIAIS
Denis Cezar MUSIAL
Fernanda Rocha REDA
PREFÁCIO

A Secretaria Municipal de Assistência Social, através do departamento de Gestão do


SUAS tem a honra de apresentar, nesta publicação, artigos construídos pelos profissionais
que atuam no Sistema Único de Assistência Social em Irati-PR.

A equipe da gestão entendeu o momento de elaboração desse caderno como uma


oportunidade para celebrar nossa trajetória, no que tange às ações de formação e capacitação
dos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), no município de Irati, e
também para propor novas perspectivas de atuação. A adoção do novo paradigma proposto
pela política impõe desafios ao adentrar a universo da pesquisa nos trabalhadores que
atuam na política de assistência social.

Diante da complexidade da tarefa, a metodologia construída para a elaboração do


caderno privilegiou a reflexão coletiva da equipe, e o trabalho organizou-se a partir de
publicações anuais, alusiva a consolidação da política de assistência social.

Além do esforço da equipe, entendemos, que este material está em consonância


com a Política Nacional de Educação Permanente, que a participação do conjunto dos
trabalhadores do SUAS é fundamental para a construção de um material participativo e
democrático que objetiva, justamente, a aprendizagem significativa centrada no trabalho.

Todo esse empenho materializa-se no Cadernos da Assistência Social e Direitos


Humanos-Volume I, sendo privilegiado a publicação de forma anual pela gestão.

A implementação do cadernos é um exercício cotidiano que se faz presente em cada


atividade, desde sua concepção até sua operacionalização. Pauta hoje a articulação da
Secretaria com seus dispositivos e com a rede socioassistencial, razão pela qual tem sido
planejada, em parceria com os distintos setores, a oferta de atividades, que leva a equipe
a privilegiar a adoção de novas metodologias de trabalho, investindo, para isso, em sua
própria formação.

Esperamos, com a publicização do Cadernos da Assistência Social, contribuir para


a discussão da política de assistência social, na direção do fortalecimento através do
investimento e valorização de seu ativo mais importante: os trabalhadores.

Boa Leitura a todos e todas!

Sybil Dietrich

Secretária Municipal de Assistência Social


PARTE 1

ARTIGOS DO SERVIÇOS
DE PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA
CAPÍTULO 1
REDES DE APOIO SOCIAL EM UMA COMUNIDADE
DO TERRITÓRIO DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS LAGOA/IRATI-PR

Mariane Zarpelon elementos que dificultam o acesso a bens e

Simone Aparecida Kubilinski serviços.

Em um momento histórico, no contex-


to da garantia de direitos foi a promulgação
RESUMO
da constituição federal em 1988, que prevê
Este trabalho tem por objetivo discorrer so- no artigo 6º “São direitos sociais a educação,
bre as potencialidades de uma comunidade a saúde, a alimentação, o trabalho, a mora-
em situação de vulnerabilidade socioeconô- dia, o transporte, o lazer, a segurança, a pre-
mica, enfatizando as redes de apoio social vidência social, a proteção à maternidade e
diante de dificuldades de acesso a direitos à infância, a assistência aos desamparados,
sociais básicos utilizando como foco de na forma desta Constituição”.
estudo um bairro pertencente ao território
de abrangência do Centro de Referência de Surgem as políticas públicas com o
Assistência Social Lagoa de Irati/PR. objetivo de suprir as demandas relaciona-
das às necessidades de segmentos sociais,
PALAVRAS-CHAVES: capacidade; vulnera-
culturais, éticos ou econômicos. Dentro da
bilidade socioeconômica; Políticas Públicas;
Proteção Social Básica área social foi criada a Política Nacional
da Assistência Social (PNAS 2004) prevê
diretrizes para a efetivação da Assistência
INTRODUÇÃO
Social como direito de cidadania e respon-
O conceito de vulnerabilidade social sabilidade do Estado.
surgiu na década de 80 no campo da Saúde
A Proteção Social promove a garan-
Pública ao tratar da epidemia de Aids, por-
tia e a inclusão de todos os cidadãos em
tanto, não se trata de um conceito único. De
acordo Guareschi (2007) este conceito não é situação de vulnerabilidade ou em situação
linear das condições do sujeito ou do grupo, de risco, inserindo-os na rede de proteção.
mas que procura entender como as pessoas A Norma Operacional Básica do Sistema
ou grupos são tidos como vulneráveis, deste Único de Assistência Social (2005) nos traz
modo é necessário um olhar amplo dos uma definição de Proteção Social

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 1 11


A proteção social de assistência social se ocupa das vitimizações,
fragilidades, contingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão, a
cidadã e suas famílias enfrentam na trajetória de seu ciclo de vida por
decorrência de imposições sociais, econômicas, políticas e de ofensas
à dignidade humana (BRASIL, p. 16).

O trabalho preventivo é realizado dentro da Proteção Social Básica, através do


Centro de Referência de Assistência Social – CRAS (unidade pública do SUAS para o
desenvolvimento de todos os serviços socioassistenciais da proteção Básica)

O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unida-


de pública estatal descentralizada da políti ca de assistência social,
responsável pela organização e oferta de serviços da proteção social
básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nas áreas de
vulnerabilidade e risco social dos municípios e DF. Dada sua capilarida-
de nos territórios, se caracteriza como a principal porta de entrada do
SUAS, ou seja, é uma unidade que possibilita o acesso de um grande
número de famílias à rede de proteção social de assistência social.
(BRASIL, 2009,p.9).

O campo de estudo e atuação é o CRAS Lagoa de Irati/PR, o qual foi implantado


em 26/02/2008, atende doze bairros e dez comunidades rurais, totalizando 2468 famílias.
Grande parte destas famílias participam do (Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV) e são acompanhadas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral a
Família (PAIF).
A comunidade base do estudo trata-se de um conjunto habitacional contendo 310
casas inaugurado em 27/02/2015. As famílias foram sorteadas de acordo com critérios
específicos do Programa Habitacional. O departamento de habitação do município de Irati
juntamente com o CRAS Lagoa foi responsável pelo processo de seleção das famílias para
serem contempladas pelo Programa de Habitação. No entanto, no mesmo ano da entrega,
após três meses começou a ocorrer depredação dos imóveis: incêndios, furtos, roubos e
mudança/abandono das residências pelos moradores comtemplados e entrada de terceiros
seja por invasão ou por venda ilegal dos imóveis.
Esse contexto tornou visível questões relacionadas a vulnerabilidades sociais, eco-
nômicas e agravo de situações de violência. Apesar dessa situação é possível observar que
existem uma rede de solidariedade entre moradores e terceiros como por exemplo: líderes
comunitários entre eles integrantes do grupo de capoeira, de igrejas, de Ongs, que auxiliam
na organização de momentos de recreação, lazer e cultura para as famílias, com objetivo
de prevenir situações de violência e o uso de substancias psicoativas.
Dentre as ações realizadas por esta rede podemos citar: realização de atividades
alusivas ao dia da criança, cultos religiosos, doação de cestas de alimentos, roupas para
famílias que estejam precisando, doação de alimentos para animais em situação de rua,
ajuda entre moradores quando não existe agua encanada e luz no imóvel.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 1 12


Podemos destacar, diante da atual conjuntura percebemos que os recursos estatais
são limitados no sentido de garantir por si os recursos necessários para maximizar a for-
mulação e implementação de políticas públicas, demandando cooperação entre atores da
sociedade civil organizada e o Estado

“O denominador mais comum de todas as análises de redes de políticas


públicas é que a formulação de políticas públicas não é mais atribuída
somente à ação do Estado enquanto ator singular e monolítico, mas re-
sulta da interação de muitos atores distintos. A própria esfera estatal é en-
tendida como um sistema de múltiplos atores (SCHNEIDER,2005,p.38).

Diante do exposto surge a necessidade de reforçar a importância do fortalecimento


das redes de apoio social, por meio do trabalho desenvolvido dentro do Serviço de Proteção
Social.

METODOLOGIA
O presente estudo se caracteriza como pesquisa bibliográfica, possui caráter teórico,
visando contribuição para compreensão do modo como comunidades em situação de vul-
nerabilidade se organizam diante de dificuldades para proporcionar o reconhecimento das
potencialidades que podem ser incentivadas e trabalhadas pelas Políticas Públicas a partir
da atuação do CRAS.
De acordo com Gil (2002) página 61, o levantamento bibliográfico pode ser en-
tendido como um estudo exploratório. Marconi e Lakatos (2006) consideram a pesquisa
bibliográfica como uma reflexão cientifica, onde o levantamento bibliográfico proporciona o
entendimento do problema e possíveis contribuições, pois segundo Garcia (2016) o modo
como as pesquisas bibliográficas são feitas precisam servir para acrescentar alternativas
as demandas que foram problematizadas e não somente produzir artigos.
A base de dados foram os artigos dos periódicos da Scielo, das áreas do Serviço
Social, da Psicologia Social, Psicologia Comunitária, além da prática profissional realizada
dentro do Centro de Referência de Assistência Social.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com Juliano e Yunes (2014) vulnerabilidades são sensibilidades pessoais
que potencializam os fatores de risco, a pessoa vulnerável sente-se incapaz de procurar
alternativas diante das crises, que podem ser de ordem emocional/psicológica ou material/
econômica, e quando reagem diante dessas situações não o fazem de forma eficiente.
As vulnerabilidades devem ser compreendidas de modo multidimensional de um
conjunto de fatores envolvendo a oferta e acesso a políticas públicas, características de
territórios, particularidades das famílias (BRASIL, Orientação Paif, 2012). Vulnerabilidades
indicam a ausência seja ela afetiva, material, de conhecimento e de direitos que implicam
os riscos e a desproteção, demonstrando a ausência do poder público.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 1 13


A NOB/SUAS (2005) elencou os fatores que definem a população vulnerável, como
um conjunto de pessoas residentes que apresentem pelo menos uma das características a
seguir: famílias com serviços de infraestrutura inadequados, famílias com renda familiar per
capta inferior a ¼ do salário mínimo, família com renda familiar per capta inferior ½ salário
mínimo, família no qual há um chefe de família mulher sem cônjuge, famílias em que há
menores de idade que não estude, famílias com renda familiar inferior a ½ salário mínimo
com pessoa com deficiência, idosos e crianças, dentre outros indicadores.
Dentre essas categorias podemos identificar no bairro citado neste estudo: famílias
com serviços de infraestrutura inadequados (ausência de agua encanada e energia elétri-
ca, famílias com renda familiar per capta inferior a ¼ do salário mínimo, famílias no qual
há um chefe de família mulher sem cônjuge, famílias com crianças, idosos, pessoas com
deficiência, podemos citar também dentro desta realidade: elevados níveis de desemprego,
baixa escolaridade, dificuldades de acesso a serviços públicos, que de acordo com Rolim
(2017)a primeira barreira é a geográfica, pois estas famílias estão territorialmente falando
em desvantagem.
Diante de todos estes entraves identificamos principalmente as potencialidades
desta comunidade supracitada. A principal potencialidade são as denominadas redes de
apoio social enquanto mecanismo de fortalecimento e proteção. Brito e Koller (1999) defi-
nem redes de apoio social como um conjunto de sistemas e de pessoas significativas que
compõe os elos de relacionamentos recebidos pelo indivíduo.
O componente afetivo surge como aquele que integra e fortalece o apoio e a pro-
teção. De acordo com Juliano e Yunes (2014) o apoio social tem a ver com as relações
estabelecidas pelos sujeitos e tem a capacidade de influenciar de modo significativo a
qualidade da saúde física e emocional. Os laços sociais auxiliam em situações difíceis,
principalmente em necessidades (materiais/financeiras e emocionais) permitindo enfrenta-
mento e superação da crise.
A construção de redes são processos ligados a convivência e interação de forma
recíproca. Bowlby (1988) descreve a efetividade de uma rede de apoio social e afetiva
eficiente na prevenção de violência e no fortalecimento de competências, bem como do
senso de pertencimento e da maior qualidade dos relacionamentos. Deste modo estas
famílias se organizam internamente a partir de um conjunto de práticas para obter acesso
a bens e serviços.
As questões de vulnerabilidade e riscos devem ser compreendidas como mutáveis
e superáveis a partir da intervenção das políticas públicas, ou seja podem ser enfrentadas
e alteradas (MDS, Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculo, MDS, 2013).
Para Bronzo (2009) alterar as condições de vulnerabilidades tem como base expandir as
capacidades de ação, proporcionando o empoderamento das famílias, superando condições
limitadoras, sendo uma estratégia para quebrar o isolamento social, criando possibilidades
de autonomia e exercício da cidadania.
De acordo com Rolim (2017) a proteção social é o principal instrumento para trabalhar
todas as demandas relacionadas a vulnerabilidade. As famílias dependem da intervenção

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 1 14


do estado nessas questões sendo caracterizado como uma via de mão dupla onde estas
são ouvidas e reconhecidas como sujeitos de direitos, em sua complexidade, singularidade
e realidade. São respeitadas dentro de seu contexto e com sua bagagem social, cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O escrever com base no cotidiano de um trabalho desenvolvido dentro de um serviço
da Proteção Básica, especificamente dentro de um Centro de Referência de Assistência
Social, nos traz a oportunidade de refletir teoricamente sobre questões que a partir de
um olhar imediato (visão do senso comum) nos traz indagações: como uma comunidade
vulnerável socioeconomicamente falando pode apresentar significante potencial que talvez
outras comunidades que não apresentam situações de violência ou vulnerabilidade so-
cioeconômica. Diante disso no decorrer deste estudo buscou-se apresentar a realidade de
uma comunidade que apesar de todas as situações de vulnerabilidade, nos desperta um
olhar para que possamos enquanto equipe técnica do Serviço de Proteção Social Básica
contribuir e fortalecer os mecanismos (redes de apoio social), no enfrentamento das mais
diversas questões sociais. No entanto, estes modos de organização não exime o Estado
em seu papel de implementar e executar Políticas Públicas para a garantia de direitos.

REFERÊNCIAS

BOWLBY, J. Cuidados Maternos e Saúde Mental. São Paulo: Martins Fontes.1988.

BRASIL. Norma Operacional Básica do SUAS, Versão Oficial, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48.ed.Brasília: Câmara dos


Deputados, Edições Câmara, 2015.

BRASIL. Orientações Técnicas Centro de Referência de Assistência Social. Ministério


de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 1ª Edição, Brasília, 2009.

BRASIL. Orientações Técnicas sobre o PAIF. Ministério de Desenvolvimento Social e


Combate à Fome. 1ª Edição, Brasília, 2012.

BRITO, R. C.; KOLLER, S. H. Desenvolvimento Humano e Redes de Apoio Social e


Afetivo. In: CARVALHO, A. M. (org.). O mundo social da criança: natureza e cultura em
ação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

BRONZO, Carla. Vulnerabilidade, Empoderamento e Metodologias Centradas na Família:


Conexões e uma Experiência para Reflexão. In: Concepção e Gestão da Proteção Social
não Contributiva no Brasil. Brasília, junho de 2009.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 1 15


GARCIA, E. Pesquisa Bibliográfica Versus Revisão Bibliográfica - Uma Discussão
Necessária. Línguas e letras, Unioeste, v.17, n.35. 2016

GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GUARESCHI, N.M.F. et al. Intervenção na condição de vulnerabilidade social: um estudo


sobre a produção de sentidos com adolescentes do programa do trabalho educativo. In:
Estudos e Pesquisas em Psicologia. Rio de Janeiro, a.7, n. 1, 2007.

JULIANO, M. C. C; YUNES, M. A. M. Reflexões Sobre Rede de Apoio Social como


Mecanismo de Proteção e Promoção de Resiliência. Ambiente &Sociedade , São Paulo
v. XVII, n. 3 , p. 135-154 , jul.-set. 2014

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia do Trabalho Científico: Procedimentos


Básicos, Pesquisa Bibliografia, Projeto e Relatório, Publicações e Trabalhos Científi-
cos. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

ROLIM, D. C. Vulnerabilidades e Potencialidades de Famílias da Área Urbana e Rural


do Município de Parintins-AM. VII Jornada de Políticas Públicas. São Luís do Maranhão,
Brasil, 2017.

SCHNEIDER, V. Redes de Políticas Públicas e a Condução de Sociedades Comple-


xas. Civitas, v.5. n.1, 29-58. 2005

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 1 16


CAPÍTULO 2
DANDO VOZ E AUTONOMIA: RELATOS DE
EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS DO SERVIÇO DE
CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS
COM ADOLESCENTES NO CRAS VILA SÃO JOÃO.

Dener Cristi dos Santos O CRAS faz referência a proteção


social básica, e tem caráter preventivo, “tem
Vanderléia Kozar
como objetivos prevenir situações de risco,
Felipe Rosa por meio do desenvolvimento de potencia-
lidades, aquisições e o fortalecimento de
Valdirene Aparecida de Lima
vínculos familiares e comunitários. Prevê o
Juliane Charnei desenvolvimento de serviços, programas e
projetos locais de acolhimento, convivência
e socialização de famílias e de indivíduos,
conforme identificação da situação de vulne-
HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO E DO
rabilidade apresentada”. (COSTA, 2008).
LOCAL EM QUE DESENVOLVEU O
PROJETO: O grupo qual aqui relatamos se iniciou
em sua antiga instalação, que localizava- se
O Centro de Referência em Assis-
em dependências cedidas pela Equipe de
tência Social (CRAS) Vila São João de Irati,
Educadores Populares (IEEP), de Irati.
lugar qual o grupo se realizada, foi inaugu-
Atualmente, como seu novo endereço, o
rado em 2008, tento sido improvisado em
grupo deslocou se para a instalação presen-
uma sala juntamente com a unidade básica
te.
de saúde do bairro, na Rua Espírito Santo,
s/n. Nesse momento, a cidade de Irati não
contava com nenhuma unidade deste equi-
PÚBLICO-ALVO:
pamento, sendo assim, o primeiro CRAS da
cidade. Adolescentes de 12 a 18 anos que apresen-
tam certa vulnerabilidade social.
O equipamento passou por uma série
de mudanças de endereços no espaço de
tempo de sua criação até os dias presentes.
METODOLOGIA DO TRABALHO DESEN-
Atualmente, se localiza na Rua Ernesto
VOLVIDO:
Barby, no bairro Joaquim Zarpellon, estando
dentro do Centro Unificado de Artes e Espor- Para compreendermos de forma
tes (CEU). concreta o objetivo e a metodologia deste

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 2 17


trabalho, antes devemos falar um pouco sobre o que é, e quais os objetivos do programa
SFCV, serviço qual o grupo está inserido.

Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, o Serviço de Con-


vivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) é um serviço que se realiza com grupos,
de modo a prevenir as situações de risco social, ampliar trocas culturais e de vivências,
desenvolver o sentimento de pertença e de identidade, fortalecer vínculos e incentivar a
socialização e a convivência comunitária. Possui caráter preventivo, pautado na defesa dos
direitos e desenvolvimento das capacidades e potencialidades de cada indivíduo, prevenin-
do situações de vulnerabilidade social.

Trata-se de um Serviço da Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência


Social, regulamentado pela Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução
CNAS nº 109/2009). E foi reordenado em 2013 por meio da Resolução Conselho Nacional
de Assistência Social - CNAS nº01/2013.

O SCFV é ofertado nos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), e tem


como público prioritário crianças, adolescentes, mulheres e idosos. Os usuários chegam
até o serviço através de buscas ativa, encaminhamentos da rede socioassitencial e de
outras políticas públicas e também por procura espontânea.

Os Objetivos do SCFV são amplos, e se subjetiva de acordo com o contexto à ser


empregado e a partir do tato do Educador que o desempenha, mas, entre eles existem
alguns elementares que são elencados de acordo com o Ministério do Desenvolvimento
Social que são: “Complementar o trabalho social com família, prevenindo a ocorrência de
situações de risco social e fortalecendo a convivência familiar e comunitária; prevenir a
institucionalização e a segregação de crianças, adolescentes, jovens e idosos, em especial,
das pessoas com deficiência, assegurando o direito à convivência familiar e comunitária;
promover acessos a benefícios e serviços socioassistenciais, fortalecendo a rede de prote-
ção social de assistência social nos territórios; promover acessos a serviços setoriais, em
especial das políticas de educação, saúde, cultura, esporte e lazer existentes no território,
contribuindo para o usufruto dos usuários aos demais direitos; oportunizar o acesso às in-
formações sobre direitos e sobre participação cidadão, estimulando o desenvolvimento do
protagonismo dos usuários; possibilitar acessos a experiências e manifestações artísticas,
culturais, esportivas e de lazer, com vistas ao desenvolvimento de novas sociabilidades;
favorecer o desenvolvimento de atividades intergeracionais, propiciando trocas de expe-
riências e vivências, fortalecendo o respeito, a solidariedade e os vínculos familiares e
comunitários.” (MEDEIROS, 2016).

Agora, depois de compreendermos um pouco sobre o que é, os objetivos e o público


do SCFV, podemos analisar de que forma isso se apresenta na prática

A metodologia aplicada ao grupo se constitui de forma subjetiva, pois o grupo está em


constante mudança. Sendo assim, os educadores responsáveis veem a necessidade de se
adequar ao contexto que se apresenta. Vemos a necessidade da mudança da metodologia,

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 2 18


pois através da leitura de teóricos, tanto da educação, quanto da sócioeducação, chega-
mos a conclusão que essa alternativa torna- se fundamental; entre eles podemos destacar
Piaget e Paulo Freire. Essa subjetividade não se aplica apenas a questões metodológicas,
mas advém da subjetividade dos próprios participantes do grupo, que apresentam diferen-
tes cargas culturais e morais.

Para uma prática pedagógica sócio educativa mais eficiente, cremos que devemos
atrelar questões objetivas com subjetivas, como diz nosso principal influenciador em nossa
prática, Paulo Freire, “objetividade e subjetividade são dois lados de uma mesma moeda,
que se integram, num movimento dialético onde educadores e educandos estão em co-
munhão na busca de suas integridades humanas. Uma educação autêntica não se faz de
um para outro, mas sim entre o educador e o educando juntos mediatizados pelo mundo”
(FREIRE, 1959).

A constituição de um sujeito ativo socialmente se dá através de seu interesse ao


conhecimento, assim como ao passo que esse conhecimento se transforme em um espírito
de autonomia. Esse processo dialético entre indivíduo, conhecimento e autonomia, gera
aquilo que pretendemos em nossa prática. Transformar indivíduos passivos em sujeitos
ativos, e ainda além disso, constituir humanos pensantes e críticos.

Em nossa metodologia, usamos o vínculo como ferramenta principal, assim como táticas
expositivas e interativas com atividades lúdicas, como por exemplo rodas de conversa e
debates a partir das temáticas trabalhadas. É nesse contexto que entra as Artes, como
a música e a poesia, que são as ferramentas mais usadas pelos educadores no grupo.
Buscamos sempre trazer algo que aproxime o educando das temáticas em que buscamos
trabalhar. Como o grupo é desenvolvido em um bairro com certa vulnerabilidade, em que o
acesso à informação muitas vezes é negado, ou que é de difícil acesso, buscamos trazer
aquilo que eles já conhecem, ou coisas que eles sejam passiveis de compreensão. O Rap,
o reggae e o Rock são gêneros musicais que trazem essa proposta crítica do mundo,
onde muitas vezes está muito próxima da vivencia dos participantes. Temos a vantagem de
que um dos educadores responsáveis pelo grupo é músico, assim sendo muito mais fácil
trabalhar uma questão lúdica voltada à música. É nesse contexto que muitos podem achar
que o grupo seja parecido com uma aula de violão, sendo que, a proposta dos educadores
é oposta a isso, pois apenas usamos a tática musical como ferramenta metodológica que
aproxima os participantes de uma realidade que eles já estão.

O grupo conta com cerca de 10 (dez) à 15 (quinze) adolescentes. A faixa etária que
permeia os participantes varia de 12 a 18 anos, tento uma pluralidade de condições eco-
nômicas, culturais e religiosas entre os participantes. Sendo assim, os educadores veem a
necessidade de adotar uma abordagem que considere as diferenças entre os participantes.
Devemos destacar assim, a importância de termos educadores capacitados para que o
grupo cumpra seu papel e objetivo sem desrespeitar as diferenças que existem entre os
adolescentes participantes.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 2 19


RECURSOS HUMANOS

Os recursos humanos utilizados na realização do grupo constituem- se pela equipe


técnica do CRAS assim como os Educadores Sociais. Os educadores são responsáveis
pelo contato direto com os participantes, assim como a aplicação das atividades desenvol-
vidas. Cabe aos técnicos de referência (Psicólogo, Assistente Social e Pedagoga), o apoio
em questões voltadas às temáticas a serem trabalhadas de acordo com as demandas do
CRAS e do grupo.

RECURSOS DIDÁTICOS E METODOLOGICOS

Quanto aos recursos didáticos e metodológicos, são utilizados uma amplitude de


coisas para uma realização do grupo. Podemos elencar a música, a poesia e o vínculo
sendo os recursos principais.

RESULTADOS ALCANÇADOS

Partindo do pressuposto dos objetivos do grupo, que de forma resumida são a ga-
rantia de direitos, a prevenção à violência e o despertar da autonomia dos integrantes,
podemos destacar alguns dos muitos resultados que já forma alcançados.

A autonomia dos usuários é questão principal nesse contexto, pois, durante a exe-
cução podemos notar a grande diferença do papel dos integrantes desenvolvido na socie-
dade. Vemos que os participantes, em sua maioria, desenvolveram ao decorrer do grupo
o sentimento de pertencimento ao mundo e a sociedade. Os adolescentes participantes,
no início do grupo, apresentavam certa descrença em seus papeis como agentes sociais
ativos, sendo que em suas mentalidades, não detinham o valor real que apresentam. Ao
decorrer das atividades do grupo, tendo muitas atividades voltadas à essa questão, os
participantes desenvolveram o sentimento de pertença ao mundo, descobriram que podem
ter voz perante às injustiças existentes. Agora possuem a consciência que são sujeitos da
sua própria história, e que possuem direitos e deveres na sociedade.

Outra questão que merece ser descrevida é a prevenção à violência que o grupo
desempenha. Podemos usar de exemplo uma situação onde tínhamos um adolescente par-
ticipante que era apenado, e estava a usar uma tornozeleira eletrônica em regime aberto. A
partir de atividade e conversas pessoais entre os educadores e o adolescente, vemos que
sua mentalidade teve grande mudança. No princípio sua visão de mundo como individuo era
sem perspectivas, passando depois nas palavras do mesmo: “posso me redimir e caminhar
pelo certo daqui pra frente”.

Como o grupo possui um caráter artístico, e com perspectiva do desenvolvimento


musical dos participantes, realizamos apresentações em algumas oportunidades, fato de
grande importância, pois retratam a autonomia e o sentimento de pertença desenvolvido
com os participantes.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 2 20


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da análise do contexto em que o país está se direcionando, a prática do


SCFV torna-se ainda de maior importância, pois vemos que as soluções de enfrentamento
às violências adotadas pelo plano governamental que está por entrar em vigência vai de
encontro com a proposta aqui defendida. É dever de nós, educadores lutar contra qualquer
ato de manifestação de ódio e retrocesso destilado pelo então futuro presidente. As propos-
tas defendidas por esse governo ferem de maneira crítica o trabalho desenvolvido e seus
objetivos. Mais do que nunca devemos, mesmo com o sentimento de medo, levar em conta
e agir de forma política, pois não há como separar as duas coisas, o educador é político
por natureza. Nas palavras de Paulo Freire: “Toda atividade cientifica tem uma natureza
política. Não é possível fazer ciência de forma neutra. Porém, há uma nuança entre fazer
política de forma neutra - ou não fazer – e fazer política partidariamente”. (FREIRE, 1983
apud MAXIMO, 2008, p. 139).

Não devemos esconder do educando que somos sujeitos passiveis de opinião, um


sujeito de opção. Isso requer ética, pois fazer política partidária e fazer política são coisas
diferentes, e devemos ter isso em mente.

A partir dessas considerações sobre a atual conjuntura política, vemos que o grupo
tem grande importância, pois pode ser analisado como uma forma de resistência ao retro-
cesso que está por vir. Como educadores nos orgulhamos de contribuir de alguma forma
às injustiças em que estamos vivenciando com nossas crianças e adolescentes. Nunca foi
de maior precisão que o trabalho realizado por nós se efetue de forma prática e objetiva.

REFERÊNCIAS:

COSTA, F. S. de M. Instrumentalidade do Serviço Social: Dimensões teóricometodológi-


ca, ético-política e técnico-operativa e exercício profissional. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal, 2008. (Disserta-
ção de Mestrado)

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. Obra de Paulo Freire; Série Teses,
1959.

MAXIMO, Antonio Carlos. Intelectuais da educação e política partidária: entrevistas


inéditas com Paulo Freire, Dermeval Saviani, Selma Garrido Pimenta, José Carlos Libânio,
Moacir Gadotti, Carlos Roberto Jamil Cury, Mário Sérgio Cortela. Brasilia: Líber Livro Editora
e EdUFMT, 2008.

MEDEIROS, Janine. O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos: A percep-


ção das famílias.” (2016).

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 2 21


CAPÍTULO 3
HISTÓRIAS DE SUPERAÇÃO NO CRAS: PRODUZINDO
RESILIÊNCIA ATRAVÉS DA INTERVENÇÃO
ARTICULADA NAS AÇÕES DO PAIF E DO SCFV

Rafaela Maria Ferencz Com um caráter inovador, pautado na


proteção social e na garantia de direitos, os
Amanda Bastos Maciel
serviços da Política Nacional de Assistência
Alcione Marafon Social no Brasil vêm se delineando mais
Joel Gonçalves Batista intensamente nos últimos anos, deixando
para trás a lógica assistencialista e tutelar
Márcia Izabela Proceke
vigente até então.
Karina Prosseke
Esse novo Trabalho Social com Fa-
Murilo Pepe mílias encontra seus fundamentos ético-po-

Raíssa Negroni líticos na Constituição Federal de 1988, na


Lei Orgânica da Assistência Social (1993),
na Política Nacional de Assistência Social
INTRODUÇÃO (PNAS/2004) e na Norma Operacional Bási-
ca (NOB-SUAS/2005).
Este artigo traz uma breve discussão
sobre o trabalho interdisciplinar na Prote- Destacamos, entre os novos precei-
ção Social Básica do município de Irati, tos, à Proteção Social Básica e a superação
histórica de oferecer ações de atenção
articulando ações do Serviço de Proteção
em situações críticas, que exigiam ações
e Atendimento Integral à Família (PAIF) e
indenizatórias de perdas já instaladas para
o Serviço de Convivência e Fortalecimento
uma prática antecipatória e preventiva, atra-
de Vínculos (SCFV), através da interlocução
vés da ampliação do acesso aos direitos.
do trabalho da equipe técnica em parceria
com os orientadores sociais e facilitadores
de oficinas de artes e esportes, sendo elas: O TRABALHO INTEGRADO E INTERDIS-
Cinema, Teatro, Danças Urbanas, Artes CIPLINAR NO CRAS: PAIF E SCFV CAMI-
Visuais, Capoeira e práticas esportivas e NHANDO JUNTOS

recreação. Trataremos aqui da importância O Centro de Referência de Assistên-


da aproximação desses dois serviços para cia Social (CRAS) é o equipamento em torno
alcançar bons resultados no trabalho social do qual se organiza a oferta de serviços da
com famílias. Proteção Social Básica. Esse serviço pre-

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 22


ventivo, proativo e protetivo deve ser planejado com base num bom conhecimento do ter-
ritório e destina-se àqueles que estão em situação de vulnerabilidade e risco social e deve
operar garantindo a segurança de convívio, de acolhida e de sobrevivência, “por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares
e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania” (BRASIL, 2009, pag.
9).

O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e o Serviço de


Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) são os serviços que, juntamente com
o Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para pessoas com deficiência e idosas,
os programas, os projetos e os benefícios socioassistenciais, materializam as ações da
proteção social básica da Política de Assistência Social. Tanto o SCFV quanto os projetos
e programas da proteção básica devem ser referenciados e devem manter articulação com
o PAIF (BRASIL, 2016).

De acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), o PAIF


consiste em um trabalho de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função
protetiva das famílias, prevenir a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso a direitos
e o usufruto deles e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida. O PAIF desenvolve
ações individuais e coletivas (acolhida, ações particularizadas, encaminhamentos, oficinas
com famílias e ações comunitárias), destacamos aqui a relevância das ações de caráter
coletivo que visam promover o diálogo, a troca de experiências e valores, bem como a
discussão de situações externas que afetam a família e a comunidade.

Ainda, conforme consta na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,


(2009) o trabalho social do PAIF precisa utilizar-se também de ações nas áreas culturais
para o cumprimento de seus objetivos, de modo a ampliar o universo informacional e pro-
porcionar novas vivências às famílias usuárias do Serviço.

O PAIF, portanto, deve se valer de ações culturais, tais como: apresentações mu-
sicais, teatrais, dança, exposições de artes plásticas, fotografia, artesanato e salas de
memória comunitária a fim de estabelecer uma forma diferenciada e criativa de desenvolver
o trabalho social com famílias, pois a cultura é capaz de propiciar impressões e sentimentos
que favorecem a reflexão e a assimilação de mensagens necessárias para o resgate de
tradições, da história do território, das trajetórias familiares e da identidade da população,
constituindo-se como uma poderosa ferramenta apta a estreitar e empoderar as relações
familiares e comunitárias (BRASIL, 2012).

Assim, as ações do PAIF, quando aplicadas de forma integrada à cultura, devem


consolidar práticas que não se prendem apenas à conquista de um desenvolvimento indivi-
dual, e sim preocupando-se com o desenvolvimento coletivo de um grupo ou comunidade
e valorizando sua produção simbólica, com vistas ao reconhecimento e acesso aos direitos
e ao alcance do desenvolvimento social.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 23


Nesse sentido o Caderno de Orientações: Serviço de Proteção e Atendimento Inte-
gral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - Articulação neces-
sária na Proteção Social Básica (2016) nos traz a importância do SCFV estar articulado e
complementar o trabalho social realizado pelo PAIF, com vistas a prevenir a ocorrência de
situações de risco social e fortalecer os vínculos familiares e comunitários.

Os encontros do SCFV são situações de convivência para diálogos e fazeres cujos


eixos norteadores são a convivência social, o direito de ser e participação, a fim de que
efetivamente se criem situações desafiadoras para os usuários e os estimulem, bem como
os orientem, a construir e reconstruir as suas histórias e vivências individuais e coletivas
(BRASIL, 2016).

Nessa direção, os encontros do grupo devem criar espaços com o intuito de promover
entre outras coisas processos de valorização e reconhecimento; escuta; produção coletiva;
exercício de escolhas; tomada de decisão sobre a própria vida e de seu grupo; diálogo
para a resolução de conflitos e divergências; reconhecimento de limites e possibilidades
das situações vividas; experiências de escolha e decisão coletivas; aprendizado e ensino
de forma igualitária; reconhecimento e nomeação das emoções nas situações vividas;
reconhecimento e admiração da diferença (BRASIL, 2016).

Dessa forma o SCFV deve criar oportunidades para que os usuários vivenciem as
experiências supracitadas. Esse trabalho pode ser efetivado de várias formas, entre elas,
as oficinas, que consistem na realização de atividades de esporte, lazer, arte e cultura no
âmbito do grupo do SCFV, sendo uma importante estratégia para tornar os encontros atra-
tivos, entretanto as mesmas devem dialogar com o planejamento da equipe técnica, com
os temas transversais e com os objetivos a serem alcançados nos grupos (BRASIL, 2016).

As oficinas são práticas e vivências culturais, lúdicas, esportivas e de lazer, desen-


volvidas como estratégias para se alcançar os objetivos específicos do SCFV. Consistem
em atividades complementares aos grupos. Buscam estimular a criatividade, propiciar o
acesso dos usuários aos serviços públicos e sua participação em eventos e manifestações
artísticas, culturais, de esporte e lazer. As oficinas são estratégias para a integração dos
eixos do serviço com os temas abordados e contribuem para reforçar a adesão e o com-
promisso dos usuários com o serviço. Por meio do acesso dos usuários à arte, à cultura, ao
esporte e ao lazer, busca-se ampliar as oportunidades para a sua inclusão social (BRASIL,
2016).

Destacamos aqui que o PAIF dispõe de ações de caráter individual e coletivo e é


de extrema importância que exista ampla articulação entre essas duas práticas, para não
correr o risco de reduzir o serviço a apenas atendimentos individualizados, preenchendo
cadastros e fazendo encaminhamentos. O PAIF prevê ações em direção a coletivização das
demandas das famílias atendidas, partindo do pressuposto de que as questões vivenciadas
por uma família podem ser a de tantas outras que vivem no território de abrangência do
CRAS, o SCFV também desenvolve ações nessa perspectiva (BRASIL, 2016).

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 24


QUE CAMINHO ESTAMOS PERCORRENDO

O SCFV acontece nos CRAS de Irati desde suas inaugurações, sendo os dois pri-
meiros em 2008, ao longo desses 10 anos muitas trajetórias foram construídas. Nos últimos
2 anos, entretanto, estamos percorrendo novos caminhos e construindo novas práticas com
a chegada dos facilitadores de oficinas, que vieram com amplo conhecimento técnico em
suas áreas, mas um tanto crus em relação ao trabalho social com famílias.

Tem-se mostrado um desafio construir novos percursos com Oficinas culturais e


esportivas no CRAS, sendo extremamente necessário provocarmos o deslocamento de um
trabalho social do campo temático para o campo conceitual-metodológico. Os conceitos
servem para entender o trabalho, e também para fazer funcionar a ação (BRASIL, 2013).

Assim, precisamos superar a ideia de que o trabalho social se caracteriza pela de-
finição de tema comum a todos os usuários, com abordagem e estilo pessoal orientado
por processos de formação, focado no desempenho individual (BRASIL, 2013). E começar
a entender que é necessário que o tema seja identificado no contexto com o usuário, a
abordagem desse tema terá uma referência teórico-metodológica e o estilo será orientado
por uma ética definida no campo de responsabilidade da produção coletiva de uma equi-
pe. A finalidade é o engajamento do usuário na gestão dos serviços como experiência de
construção conjunta. Práticas democráticas, participativas e inclusivas potencializam esta
premissa, além de induzir práticas interdisciplinares na execução dos serviços (BRASIL,
2013).

É necessário reconhecer uma tradição no trabalho social com famílias onde


predominaram palestras de orientação, atividades manuais, atividades culturais, esportivas
e recreativas desconectadas e desarticuladas, justificadas como necessidade de “ocupação
do tempo” deslocada do trabalho como um todo.

Para além, o compromisso assumido no combate a situações que tornam as pes-


soas e grupos sociais mais vulneráveis do ponto de vista relacional, é uma importante
inovação no campo da Assistência Social, sobretudo numa perspectiva antecipatória ao
agravamento de tais situações.

A pesquisadora Stela Ferreira (FERREIRA, 2012 apud BRASIL, 2013) explicita este
impacto no trabalho social, considerando que a cultura da dádiva e da atenção como um
favor produz o imobilismo do outro, visto que ao que é dado não cabe reclamação. No en-
tanto, quando publicamente se reconhece um direito, há um reposicionamento nas relações
e na atenção àquela dada questão, que agora adquire outra visibilidade. Ressalta que o
direito se expressa por meio da prática cotidiana dos profissionais, pois o discurso do direito
ganha concretude nessa atenção. Logo, é a alteração das práticas que consolida os direitos
em sua garantia e exigibilidade.

Assim, o legado do trabalho social é a experiência da produção coletiva – sinônimo


de autonomia interdependente. É nesse ambiente que a discussão e formulação de uma

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 25


concepção de convivência e fortalecimento de vínculos se anuncia e ganha sentido de
pertinência, indicando desafios no atual momento de consolidação do SUAS.

DELINEANDO A INTERVENÇÃO COM O TEMA RESILIÊNCIA

A equipe técnica do CRAS deve observar os gritos que surgem dos indivíduos, das
famílias e dos territórios, bem como elaborar estratégias para intervir mais especificamente
em algumas situações, levando os sujeitos participantes para a atuação ativa diante dessas
realidades.

No ano de 2017 a equipe do CRAS Lagoa contava com duas estagiárias de psicologia
fazendo seu estágio obrigatório na área social. Ao longo do ano as intervenções começa-
ram a tomar forma, e de acordo com a disponibilidade de horário delas e as demandas que
vinham se apresentando no território encaminhamos o trabalho delas para uma atividade
focada na Escola Estadual que fica a duas quadras do CRAS, a qual vinha solicitando
ajuda para trabalhar alguns temas recorrentes na instituição como violência, sexualidade,
desinteresse e evasão escolar, automutilação, suicídio, baleia azul, entre outros.

Em conversa com a escola verificamos que tinha 8 turmas e pelo tempo disponível
decidimos fazer dois encontros com cada turma, começando pelo 6º ano e finalizando com
o 9º ano. No primeiro encontro seria um momento para conhecer a turma, estabelecer
vínculo e levantar demandas. No segundo seria a proposta interventiva. A partir dos en-
contros e das conversas com equipe técnica e oficineiros fomos delineando o trabalho até
que chegamos no tema resiliência, por abarcar todos os temas que surgiram, dando uma
resolutividade para tantas complexidades que precisavam ser trabalhadas.

O termo resiliência vem sendo estudado por diversas áreas de conhecimento e na


atualidade este conceito é de fundamental importância, principalmente ao se trabalhar com
populações em situações de risco social. O enfoque dado aos termos resiliência e vulnera-
bilidade são diferentes, mas estão interligados ao se realizar o trabalho social com famílias.
Vulnerabilidade focaliza os danos, as perdas, os riscos, os problemas e as dificuldades, já
resiliência busca promover o indivíduo, para que ele tenha mais determinação e caminhe
em direção a saúde (TROMBETA, 2000). O objetivo desse trabalho foi encontrar um equilí-
brio entre os eventos que deixam o indivíduo mais vulnerável e os fatores de proteção, que
promoveram e promovem a resiliência.

Muitas ideias foram surgindo ao longo do processo, e os facilitadores de oficinas


foram chamados para o desenlace, e assim todo o trabalho coletivo realizado no CRAS
começou a caminhar junto para um objetivo final: trabalhar o tema resiliência em todas as
atividades e fechar o ano com o Festival Hakuna Matata, com apresentações relacionadas
ao tema, brincadeiras e atividades recreativas para toda a família. Nesse artigo vamos nos
deter a falar com mais expressividade sobre os resultados do trabalho dentro das oficinas.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 26


Ao entrarmos nessas oficinas com a premissa de discutir resiliência, entendemos
que o conceito foi trabalhado não como tema apenas, mas como processo, haja visto que
os alunos foram colocados a par das demandas do seu bairro, foram sensibilizados do
significado desse termo e levados a aprofundar o conceito através de conversas sobre
as histórias de superação presentes em cada grupo que eles se faziam participantes, a
partir daí começaram a delinear ações que transcendessem o espaço tempo grupal, e
impactassem outros locais, outros indivíduos, outras histórias.

Entendemos ainda, que trabalhar resiliência vai muito além de falar sobre tal con-
ceito. Tornar os sujeitos resilientes está impresso no Serviço de Convivência por meio das
relações que são estabelecidas, encontros que expandem e fortalecem as pessoas, que
ampliam a potência de agir, fortalecendo a vontade de estar com os outros, de compartilhar
e se afirmar como pessoa. Os modos de convivência afetam as pessoas e fazem um efeito
na razão e no entendimento que elas têm de si e do mundo em que vivem (BRASIL, 2013).

FACILITAR OFICINAS, FACILITAR PROCESSOS DE SUPERAÇÃO NO CRAS

Criatividade, autonomia, empoderamento, protagonismo e produção coletiva são


algumas das pautas que norteiam o trabalho da oficina de Cinema, ministrada pela facilita-
dora Amanda Bastos Maciel.

Possibilitar aos jovens usarem suas vozes, posturas e as próprias vivências, foi o
objetivo do trabalho realizado com adolescentes e crianças no CRAS Lagoa. O projeto em
conjunto com a psicóloga Rafaela Maria Ferencz e o psicólogo Felipe Rosa, resultou em
dois materiais audiovisuais, onde os participantes da Oficina de Cinema foram protagonistas
do documentário Resiliência, o material planejado e desenvolvidos pelos próprios alunos
teve como tema principal captar diferentes momentos em que a resiliência foi usada para o
enfrentamento de dificuldades como bullying, abandono familiar e perda de familiares.

O projeto iniciou através de rodas de conversas para compartilhar conhecimentos


sobre o significado da palavra resiliência, entre as interpretações dos usuários chegamos
a que mais os agradou “capacidade de enfrentar problemas, mudanças e obstáculos com
otimismo e superação”. Durante os encontros, dinâmicas e diálogos foram criados para
encorajar os participantes a dividirem suas experiências de vida, alguns sentiram-se à
vontade para revelar suas apreensões nos dias que antecederam as gravações, outros
mantiveram-se reservados e introspectivos, mas com a escuta ativa em todos os momentos.

Mesmo com a dúvida sobre a participação dos alunos, o dia da gravação foi marcado
e ao chegarem até o CRAS a câmera esperava-os ligada diante do cenário luminoso. Tudo
preparado para que as crianças e adolescentes ficassem à vontade e confortáveis para
narrarem seus momentos angustiantes, mas em sua maioria, superados.

Todos os integrantes deram seus depoimentos, como resultado obtivemos o fortale-


cimento do vínculo entre os alunos pois ouve identificações e empatia criada durante a troca
de narrativas. A psicóloga responsável conseguiu detectar problemas antes camuflados

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 27


pelos adolescentes, sendo assim houve uma facilitação na possibilidade de resolver os
traumas divididos. Além de criar um material original, onde os alunos foram protagonistas
de um documentário produzido exclusivamente por eles, desde o planejamento, até o re-
sultado final.

“Nos encontros que expandem e fortalecem as pessoas, estabelecem-se “paixões


alegres”, que ampliam a potência de agir, fortalecendo a vontade de estar com os outros, de
compartilhar e de se afirmar como pessoa”, (BRASIL, 2013, p. 19) foi justamente o que se
detectou ao finalizarmos o trabalho Resiliência: uma melhora significativa no convívio entre
os participantes do grupo, além de seguirem mais empoderados, confiantes, superados e
orgulhosos pela entrega do trabalho final.

Na oficina de Danças Urbanas, a facilitadora Izabela Proceke, além de desenvolver a


arte pela dança, também trabalhou o termo resiliência dentro da realidade existencial. Para
tal, o trabalho fora desenvolvido dentro de uma roda de conversa sobre o tema proposto.
Neste momento, muitos relatos foram expostos pelos alunos. Relatos tristes e difíceis, dos
quais o sentimento de morte tomou conta de alguns. O Bulliyng também teve consequên-
cias desastrosas principalmente quando relataram que sair de casa era um tormento. O
racismo, a violência verbal e/ou física, as diferenças de classe, entre outros relatos, foram
pertinentes para assim dar continuidade.

Ainda no âmbito pessoal, o relato que mais chamara a atenção, foi de uma aluna
“Maria – 12 anos” (nome fictício para preservação da identidade), a qual comentou que:

“(...) meus pais são usuários de bebida alcoólica, brigam muito, dentro
de casa existe muita violência e que eu só presto para fazer todos os
serviços de casa juntamente com meu irmão e que não somos valo-
rizados. Os meus pais não acreditam no nosso futuro, nos sonhos e
nos nossos objetivos e a casa e a conivência com a família de sangue,
se tornou o pior lugar para mim. Aí soube que teria aula de dança no
CRAS, vim ver e acabei por me encontrar nela. É aqui que me sinto
valorizada, útil. O CRAS é a minha casa, o melhor lugar, onde eu tenho
felicidade e me faz acreditar que vou ter um futuro melhor e vou ser
alguém na vida. É a força que me faz lutar todos os dias e passar pelas
dificuldades, pensar que nos momentos de briga e de violência, eu
tenho um refúgio que me faz acreditar que tudo pode mudar.” (Maria,
CRAS LAGOA 2017).

Diante do que fora exposto por todos e principalmente por essa aluna, o tema foi
introduzido na prática através da dança. Os participantes iniciaram simulando movimentos
restritos, representados por problemas e dificuldades de locomoção, movimentos sem for-
ças para lutar ou reagir, utilizava-se também do método da imitação de pessoas com defi-
ciências e/ou doenças graves. Logo após essa encenação, fora demonstrado no desenrolar
da dança o quanto a empatia e a união são importantes para se atingir objetivos. A empatia,
a solidariedade, a preocupação com o próximo faz com que a força seja reestabelecida.
Diante disto, percebeu-se que sozinhos e sem motivação não somos nada e que com a
prática da arte todos conseguem visualizar o quanto são importantes.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 28


Desse modo, o trabalho fora se desenvolvendo e com o passar do tempo alguns
sentimentos foram aflorando e aparecendo. No momento da dança, alguns perceberam
como o dar as mãos é importante para seguir em frente. No dia da apresentação os usuá-
rios escolheram frases de motivação e entregaram aos presentes juntamente com um forte
abraço, demonstrando assim que a união e a força são elementos transformadores.

Diante do exposto, novamente a aluna Maria relata que:


“(...) o que eu vivia em casa começou a ser diferente a partir do momen-
to que eu comecei a levar mais alegria e vontade de viver. Pois antes
eu limpava a casa com raiva e agora sei que eu posso ser alguém
mesmo ajudando nas tarefas domésticas, e posso transformar o meu
lar e os que nela convivem, em pessoas melhores através dos meus
exemplos, como os meus pais. Nunca vou desistir deles porque sei
que eles precisam muito de mim. ”

Revela-se, portanto que a dança, a arte dentro do espaço do CRAS, pode vir a
contribuir para um despertar das expectativas de uma vida melhor. Com sonhos, com von-
tades, com união e força, tudo pode ser transformado.

Da mesma forma na Oficina de Artes Visuais os resultados obtidos na intervenção


mostraram que a Arte, por ser universal, percorre caminhos, que podem mediar a interação,
a socialização e inclusão, alinhando os conhecimentos, o saber do cotidiano dos alunos,
ao conhecimento científico, por meio da interdisciplinaridade. Beneficiando à aprendizagem
dos alunos, contextualizando o saber, vivências, experiências do cotidiano e ao mesmo
tempo ampliando seu repertório cultural.

A inclusão por meio da oficina de artes visuais, tem como objetivo priorizar um am-
biente acolhedor, onde não existe seleção ou discriminação para o acesso e participação
das pessoas. Inclusão é compreender que o conhecimento é um processo individual e
coletivo, que envolve a especificidade de cada um. Cada ser humano tem seu próprio ritmo
e tempo de aprendizagem.

Em relato os pais do aluno Bruno (nome fictício), no início das oficinas nos apre-
sentaram ele como alguém com dificuldade de se expressar, concluir tarefas e problemas
em socializar-se. Sabendo disso, o professor responsável Maikol Brandalize, buscou de-
senvolver trabalhos que usam de dinâmicas de criação e expressão por meio do desenho,
desenvolvimento de personagens junto de seus colegas e histórias de superação dos mes-
mos, a exemplo as histórias de superação dos super-heróis. Seus pais compareceram na
oficina em menos de dois meses, trazendo relatos positivos do avanço do aluno em várias
questões: familiares, escolar, novos amigos, expressando desejo na profissão de ilustrador,
comprometimento com as tarefas diárias.

As Oficinas de Teatro mostram um desafio em como conciliar as políticas de Assis-


tência Social ao trabalho em Arte-Educação. Como as políticas da Educação e as Políticas
de Cultura podem potencializar o trabalho de prevenção e acolhimento a vítimas de violên-
cias? Como o teatro pode contribuir para prevenir tais violências e levantar demandas nas

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 29


comunidades? Como fazer do processo de aquisição da linguagem teatral uma ferramenta
de desenvolvimento social e comunitário?

Buscando respostas, o trabalho que vem sendo desenvolvido nas Oficinas de Teatro
nos CRAS, busca ir de encontro com as propostas da política de Assistência Social na
medida em que se entende que o método é a Convivência e finalidade são os vínculos
criados. Nesse sentido o Teatro de Grupo apresenta em suas estruturas elementos que
dialogam com as propostas socioassistenciais.

Teatro de grupo implica em uma ideia de um grupo sustentado mais pelo eixo do tra-
balho artístico e ideológico do que pelas circunstâncias da sobrevivência ou pela realização
de um espetáculo específico. Isto é, os elementos de identificação passam pelas vias afe-
tivas e técnicas, funcionam com auto-gestão e tem leituras semelhantes frente aos códigos
de criação e produção teatral. Buscam, em geral, uma estabilidade de elenco, através de
projetos de longo prazo e de uma organização de práticas pedagógicas, não esquecendo
de mencionar a importância de uma ordem ética para o trabalho coletivo (JANIARSKI,
2008, p. 68).

Caracterizada como uma ação pedagógica ativista, onde o professor\oficineiro dire-


ciona as atividades de forma a estabelecer um exercício dialético entre o seu conhecimento
e o que os participantes trazem de seu universo sócio-cultural. Nesta medida a oficina tor-
na-se um momento de experimentar, refletir e elaborar um conhecimento das convenções
teatrais, buscando instrumentalizar os participantes de um conhecimento teatral básico,
incentivando-os a desenvolver uma maior percepção da comunidade onde atuam, vivência
de uma atividade artística que permite uma ampliação de suas capacidades expressivas e
consciência de grupo (TELLES, 2017, p.70).

Nesse sentido, o processo de trabalho se mostra mais interessante do que o produto


final. As discussões iniciais de um dos grupos giravam em torno de questões ambientais e
utilização de materiais alternativos na construção de adereços, figurinos e equipamentos
teatrais (transpondo também para criação de alternativas na vida). Foi construído com os
alunos um tatame com papelão que serviu de proteção de corpo para treinamentos físicos
e também para delimitar espaços cênicos. Também foram realizadas rodas de conversa
em torno da ideia de alternativas e em como podemos encontrar soluções diferentes sobre
determinadas situações e em como atribuímos valores a elas. Pensar em uma ecologia
global de relações sociais colaborativas e amigáveis entre pessoas, animais e natureza foi
o objetivo, problematizando também produtos industrializados e a expansão do capitalismo
em nossa sociedade. Os alunos construíram também bolas de malabares e outros adereços
que foram utilizados em todo processo de ensaios e treinamentos.

A capoeira é uma arte afro-brasileira, que mescla luta, dança, musicalidade e cultura
dos negros africanos que foram trazidos ao Brasil por conta da escravidão. A capoeira faz
clara distinção entre defesa e ataque e quem pratica essa atividade não é estimulado a “sair
atacando”, mas, sim, a olhar, refletir e, se for necessário, saber agir de modo a cuidar da

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 30


própria defesa. Isso torna a capoeira um excelente meio de aprendizado para as crianças
que tendem a entender de forma mais rápida e lúdica que a violência não vale a pena.

A capoeira hoje tem um prestigio que antes seria inimaginável, mérito dos capoeiras
que enfrentaram discriminações ao longo da história e não deixaram de empunhar seu
berimbau, atabaques, pandeiros e agogôs, e ainda entoar as cantigas que denotam o seu
amor pelo jogo. Após quinhentos anos de resistência da comunidade negra, as lutas pelo
fim da escravização, por melhores condições de vida, pela liberdade religiosa, pelo fim do
racismo, pelo fim do genocídio da juventude negra estampado nos índices da violência ur-
bana, e por poderem expressar suas características e manifestações culturais abertamente
segue em andamento, e a capoeira segue como um expoente desta trajetória (CORDEIRO
& CARVALHO, 2013).

Essas Histórias foram base durante os encontros onde o tema resiliência teve des-
taque, assim como as músicas de capoeira que nos contam essas histórias de como os
negros, apesar de todo sofrimento, não desistiram, lutaram e nos deixaram esse legado
histórico e cultural tão valorizado nos dias atuais.

Na oficina de educação física temos inúmeros benefícios para os usuários, o esporte


envolve a aquisição de habilidades físicas e sociais, é uma forma de inclusão, socialização
e transmissão de valores. Na oficina de esporte ao se falar sobre resiliência, nos atentamos
que a prática de esportes está envolvida com as histórias de superação. Falar de praticar
esportes nos remete a abrir mão de muitas coisas, de dedicação para alcançar um objetivo,
de sofrer com as derrotas ou obstáculos, mas também de vibrar com as conquistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se nas oficinas que estreitar os vínculos entre colegas e com os facilitadores
fez com crianças e adolescentes se sentissem à vontade para falar sobre diversos assuntos
e sobre suas histórias de vida, foi possível identificar situações de risco, gerando medidas
de proteção e produzindo muitas histórias de superação.

Resiliência está intrincada em processos grupais, sejam eles artísticos, esportivos


ou de outras finalidades. Participar dos grupos supõe modos de se expor, de ver e de ser
visto, de criticar e ser criticado, ser capaz de argumentar, trazer diversos saberes e modos
de produção de conhecimento.

É necessário que crianças e adolescentes, mulheres, idosos, entre outros, sejam


sujeitos ativos das suas histórias, é possibilitar a eles uma revisão das concepções acerca
do mundo e do seu estar no mundo. É propiciar uma tomada de consciência de si mesmo
e do outro de forma a encontrar um lugar no mundo de forma propositiva.

Ter os facilitadores de oficinas trabalhando junto com as equipes técnicas tem ótimos
resultados, que não conseguiremos esgotar nesse artigo e poderá ser objeto estudo de
trabalhos posteriores.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 31


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado, 1988

BRASIL. Lei Orgânica de Assistência Social: Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília:
Senado Federal, 1993.

BRASIL. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais – Resolução CNAS nº 109 de


11/11/2009.Brasília: CNAS/MDS, 2009.

BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional


Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS). Brasília: MDS, 2005

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas:


Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. Brasília: MDS, 2009.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas


sobre o PAIF: O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF – Volume I.
Brasília: MDS, 2012.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção de Convi-


vência e Fortalecimento de Vínculos. Brasília: MDS, 2013.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. CADERNO DE ORIEN-


TAÇÕES: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos - Articulação necessária na Proteção Social Básica. Brasília:
MDS, 2016.

CORDEIRO, Albert Alan de Souza. CARVALHO, Nazaré Cristina. Capoeira, do crime à


legalização: Uma história de resistência da cultura popular. Revista Trilhas da História. Três
Lagoas, v.2, nº4. jan-jun 2013. Disponível em: http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/
view/417 Acesso em: 25 de outubro de 2018.

TELLES, Narciso. Teatro Comunitário: ensino de teatro e cidadania. Urdimento-Revista de


Estudos em Artes Cênicas, v. 1, n. 5, p. 066-071, 2017. Disponível em: http://www.revistas.
udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101052003066/6773 Acesso em: 28 de
outubro de 2018

JANIASKI, Flávia. O Produtor e o produto no teatro de grupo. Urdimento-Revista de Es-


tudos em Artes Cênicas, v. 2, n. 11, p. 067-077, 2008. Disponível em: http://www.revistas.
udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573102112008067/8876 Acesso em: 28 de
outubro de 2018.

TROMBETA, Luisa Helena A. Padula. Resiliência em adolescentes: estudo preliminar de


variáveis e medida. 2000. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Psicologia, Pontifícia Uni-
versidade Católica de Campinas, Campinas, 2000.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 3 32


CAPÍTULO 4
SABEDORIA POPULAR: O BEM VIVER ENTRE AS
MULHERES FAXINALENSES ATRAVÉS DO USO DAS
PLANTAS MEDICINAIS

Alessandra Colesel 1. INTRODUÇÃO

Fernanda Rocha Reda O trabalho de sistematização e repli-


cação da sabedoria popular no manejo e uso
das plantas medicinais entre as mulheres,
surge como potencial de reconhecer este
RESUMO: O relato aqui descrito objetivou
conhecimento como tradicional e libertador
dar visibilidade a temática das plantas me-
na promoção da saúde, autonomia e cuida-
dicinais e pontuar questões inerentes ao
do com o ambiente, numa perspectiva de
desenvolvimento do trabalho realizado por
fortalecimento e empoderamento feminino
mulheres faxinalenses da região do campo
coletivo.
na comunidade do Faxinal do Rio do Couro
no município de Irati-Pr. A experiência foi As mulheres representam 48% da
desenvolvida como parte do Programa de população rural e constituem importante
Serviço de Convivência e Fortalecimento segmento da agricultura familiar, sendo
de Vínculos (SCFV) da Secretaria de As- representadas nas: agricultoras familiares,
sistência Social do município. Utilizamos assentadas da reforma agrária, assentadas
como metodologia de trabalho a Roda de do crédito fundiário, mulheres extrativistas,
Conversa em encontros quinzenais e ex- mulheres das águas, pescadoras artesa-
periências práticas na construção de uma nais, indígenas, mulheres quilombolas,
horta comunitária de plantas medicinais, quebradeiras de coco, geraizeiras, mulheres
levantamento das espécies de mudas me- faxinalenses, mulheres caiçaras, pantanei-
dicinais preservadas pelas mulheres. As ras, mulheres pertencentes às populações
informações produzidas durante o trabalho de fundo e fecho de pasto, mulheres cata-
apresentam uma prática exercida pelas doras de mangaba, ciganas, pomeranas e
mulheres faxinalenses enquanto guardiãs retireiras do Araguaia (BRASIL, 2015).
de um conhecimento tradicional e popular.
Portanto não há política pública
Palavras-chave: mulheres, faxinal, em- que não deva se atentar ao fato de que o
poderamento, conhecimento tradicional, caminho do desenvolvimento passa pela
Serviço de Convivência e Fortalecimento de igualdade de gênero. Nesse contexto, as
Vínculos. mulheres faxinalenses, além da luta diária

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 33


pela equidade de tratamento, buscam a manutenção de seu modo de vida, através da
manutenção do Sistema Faxinal, que lhes garantirá a replicação de suas práticas e cultura.

Os faxinais, também chamados de criadouros comunitários, ocorrem nas regiões


Centro e Centro-Sul do Estado do Paraná e na Região Metropolitana de Curitiba e, são ca-
racterizados por ocupação camponesa tradicional. Essas comunidades mantêm a forma de
uso coletivo das florestas como meio de suporte para os animais de pequeno e de grande
porte, e praticam o extrativismo de baixo impacto (HAUER, 2011). Muitas transformações,
principalmente espaciais, têm ocorrido nos faxinais, porém a visão de um trabalho de base
comunitária e solidária faz com que os faxinais resistam às enormes pressões a que vêm
sofrendo.

Dentro desse contexto, cabe ressaltar o trabalho valioso que o povo faxinalense,
principalmente as mulheres, vêm desempenhando na proteção do nosso patrimônio gené-
tico e cultural no uso e replicação das espécies de interesse medicinal.

Sendo assim, o objetivo principal desse relato foi trazer à luz de um maior entendi-
mento as questões e entraves que interferem no uso e manejo das plantas medicinais pelas
mulheres moradoras do faxinal do Rio do Couro, bem como ressaltar a importância dessa
prática na manutenção do modo de vida das mulheres faxinalenses.

2. METODOLOGIA

A experiência aqui relatada é uma semente plantada na comunidade do Faxinal do


Rio do Couro, situada no campo1 do município de Irati – Paraná. O trabalho foi desenvolvido
com um grupo de aproximadamente 20 mulheres, de idades variadas, entre os meses de
fevereiro a dezembro de 2018, com a continuidade prevista para 2019 e está inserido como
parte do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos da Secretaria Municipal de
Assistência Social de Irati-PR.

Os encontros, realizados de maneira quinzenal, tiveram como ponto principal as


plantas medicinais como forma de estimular a coesão do grupo, uma vez que essa te-
mática está enraizada na cultura do faxinal. Dentro disso, foi possível também criar um
espaço democrático de reflexão visando à construção de caminhos necessários à melhoria
da qualidade de vida da comunidade, como qualidade ambiental, alimentação saudável e
questões de gênero, como empoderamento, saúde e violência contra as mulheres.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil do grupo é caracterizado por mulheres camponesas de forte vínculo com


a agricultura, principalmente com o fumo, cultura introduzida nos faxinais e demais esta-

1 Termo Campo conceito campesinato

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 34


belecimentos rurais da região Centro-Sul do Paraná e que hoje é responsável pela maior
porcentagem da renda dessas propriedades.

O grupo em questão já desenvolvia essa prática, intrínseca aos povos tradicionais


porém, em 2005, foram realizadas as primeiras conversas via projeto social desenvolvido
em conjunto com a Pastoral da Criança e uma ONG (Organização não Governamental) do
município de Irati-Paraná, com o intuito de sistematizar as informações acerca do assunto
e aperfeiçoar a técnica visando a melhoria da qualidade de vida da comunidade, inclusi-
ve com a conquista de um local apropriado para a manipulação das plantas medicinais,
adquirido via projetos de incentivo à Agricultura Familiar. Esse mesmo espaço era então
utilizado para aferição do peso das crianças e como ponto de encontro para discussões
sobre alimentação saudável e plantas medicinais.

Trata-se de uma estrutura pequena com apenas uma sala com fogão à lenha, gela-
deira, pia e com alguns materiais para armazenamento dos extratos e pomadas produzidos
no passado pelo grupo de mulheres.

O grupo passou por transformações e conquistas no decorrer dos anos porém, em um


determinada época, se dissolveu. Isso em parte se deve pela falta de apoio e incentivos na
construção de políticas públicas que trabalhem as especificidades dos povos tradicionais.
Para Barreto (2008), “a paisagem típica das florestas e das formas de sociabilidade apre-
sentada pelos Faxinais acaba se fragmentando pelo avanço de práticas ligadas ao mundo
moderno”. Assim, tal plano de desenvolvimento influencia o pensamento local colocando o
Faxinal como um meio de produção atrasado que inviabiliza o processo de desenvolvimen-
to. Mas não se atenta ao fato da contribuição de sistemas agrícolas desenvolvidos pelas
comunidades tradicionais para a conservação e resgate da nossa biodiversidade.

As políticas propostas são muitas vezes assistencialistas e ignoram a autonomia


e as responsabilidades dos atores locais (SABOURIN, 2008, 2009), ou seja, as políticas
públicas ainda mantém em sua estrutura a ideia que o estado, através dos seus técnicos,
saberia, mais do que as comunidades, como gerenciar os seus recursos, numa visão pa-
ternalista de aporte, isso se reflete no eterno “ser-não ser” sentido por essas comunidades:
ou estão completamente abandonadas, invisíveis ao poder público ou estão tentando res-
ponder a expectativas irreais de desenvolvimento, baseados quase que em sua totalidade
nos monocultivos como fumo e a soja. Esse pensamento marginaliza as comunidades
tradicionais no tocante às suas peculiaridades e modo de vida.

Nesse panorama as atividades foram retomadas. Nosso intuito, enquanto facili-


tadoras, foi de desenvolver encontros visando à retomada do grupo e inserção de novas
participantes, usando como metodologia principal a roda de conversa na busca por um
espaço de reflexão, resgate e troca de saberes reforçando a ideia de uma construção plural
e horizontal do conhecimento. Porém, outras abordagens, como cursos, artesanatos e ofici-
nas com pautas necessárias no âmbito do trabalho no SUAS, também são oferecidas como
forma de estímulo ao desenvolvimento de novas habilidades. Neste sentido percebemos a
consonância entre o trabalho realizado com as mulheres e as diretrizes do SCFV:

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 35


As vivências oportunizadas pelo serviço auxiliam na aquisição de
repertórios de comunicação mais efetivos, no desenvolvimento de
relações de afetividade emancipadoras; na valorização da cultura local
e dos conhecimentos tradicionais da comunidade; na socialização
e no sentimento de pertença; na construção de projetos de vida; na
participação social, entre outras. (Perguntas Frequentes, 2017, p. 10)

A premissa do nosso trabalho, enquanto educadoras sociais, é garantir que as


demandas das comunidades sejam ouvidas e respeitadas no processo do nosso fazer
cotidiano. Nessa perspectiva, o trabalho se iniciou buscando identificar, além das poten-
cialidades do grupo e do meio, o desejo real das mulheres. No primeiro encontro, elas
relataram que tinham interesse em continuar a produção dos remédios, pois, percebiam a
importância destes medicamentos naturais na vida delas. Elas levantaram também possi-
bilidades de outros cursos e conhecimentos artesanais a serem desenvolvidos em parceria
com a Assistência Social.

Nos encontros que se sucederam, foi possível mergulhar no enorme conhecimento


sobre plantas medicinais que o grupo detém, através de um levantamento das plantas
medicinais existentes na comunidade. Foram descritas cerca 50 espécies, dentre nativas
e exóticas, utilizadas por elas na manipulação de chás, pomadas e extratos, todas com
conhecimento de uso e forma de preparo, em cerca de duas horas de atividade.

A autora Almeida (2011) pontua essa herança cultural das plantas medicinais como
um conhecimento a ser discutido por todas as áreas, pois é merecida dimensão interdisci-
plinar da temática. De maneira acertada a mesma autora destaca a partir da história das
plantas na humanidade a forma como esse conhecimento vem se perdendo no nosso país.

No Brasil, o conhecimento dos índios, dos africanos e de seus descen-


dentes está desaparecendo em decorrência da imposição de hábitos
culturais importados de outros países, havendo um risco iminente de
se perder essa importante memória cultural. Almeida (2011, p.40)

Dessa forma, o destaque da autora para esta memória cultural proporcionada pelas
plantas medicinais, nos permite refletir a importância do papel da mulher na preservação
histórica das ervas medicinais e da diversidade de sementes crioulas que ainda temos
guardadas como patrimônio histórico e cultural da humanidade.

Observar este aspecto feminino no trato e replicação do saber com as plantas


medicinais faz com que pensemos como a produção do conhecimento no grupo parte das
anciãs que o partilham generosamente com as mulheres de meia idade e até mesmo com
as jovens que participam desse espaço.
O autor Mouro (2017, p.35) em uma das reflexões em sua tese pontua a seguinte
situação:

|...| a posição de inferioridade que a mulher ocupa – em especial a mu-


lher em situação de pobreza e em países em desenvolvimento – reduz
a inserção da mesma no mercado de trabalho e consequentemente
seu acesso à terra e aos meios de produção.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 36


Nesta perspectiva, o contexto de trabalho que temos com as mulheres do campo vai
de encontro com a realidade citada pelo autor, seu acesso à terra muitas vezes é limitado à
sua relação conjugal, fato que as mantém muitas vezes presas a um relacionamento abu-
sivo e violento, onde ainda predomina fortemente e talvez de modo mais intenso a cultura
machista. Pode-se entender como abusivo nesse aspecto também e, principalmente, o
silenciamento da voz feminina nas tomadas de decisão em relação à propriedade e ao uso
do dinheiro.

Acreditamos que com a participação nos espaços de encontro das rodas de chimar-
rão conseguimos discutir com elas alguns desses assuntos e dar visibilidade para temáticas
ainda observadas como tabus no território camponês. Porém, ainda com vários avanços a
serem conquistados neste espaço enquanto processo de emancipação feminina.

Podemos destacar que apesar da relação intrínseca da mulher com os recursos


naturais, e o papel de detentora dos saberes da natureza, é possível observar uma menor
representatividade feminina nos espaços de decisão como associações e órgãos públicos
e, embora que, a criação de leis que determinam a inserção de um número mínimo de
mulheres em sua composição ainda somos minoria.

Mouro (2017, p.36) cita Habtezion (2013, p. 03), que faz uma importante considera-
ção sobre esse assunto:

Mulheres representam grande parte da mão de obra no setor agrícola e


possuem um vasto conhecimento que pode contribuir para alternativas
de mitigação, como as estações
de semeadura, culturas regionais, árvores, variedades de ervas que
prosperam em climas locais, variedades de comestíveis selvagens,
seleção de sementes para armazenamento, preparação de biofertili-
zantes e biopesticidas, aplicação de estrume, manejo de pragas, pro-
cessamento pós-colheita e adição de valor e outros. O reconhecimento
desse conhecimento local é essencial no processo de decisão e ele só
pode ser realizado em sua totalidade com a devida representação das
mulheres nesses espaços.

Compreendendo este papel da mulher e, enquanto mediadoras, assumimos a tarefa


de ressignificar o espaço de encontro com o grupo, fortalecendo os vínculos, colocando-nos
na roda com o sentimento de empatia e igualdade. Todavia, não deixamos de ampliar as
possibilidades de ação do grupo, expondo a necessidade de organização e cooperação
entre as mulheres para que, através do fortalecimento do vínculo entre elas, surjam novos
caminhos, incluindo a comercialização das plantas medicinais com potencial econômico.

É fato que a autonomia feminina passa por questões de renda e sentimento de


capacidade frente aos desafios, porém, construir uma nova perspectiva de ganho, nesse
caso, perpassa essa questão. Destacar novas alternativas de renda, entra em consoante
com a necessidade de se pensar modelos agrícolas menos prejudiciais à saúde do
trabalhador do campo e à manutenção do meio ambiente.

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 37


4. LIÇÕES APRENDIDAS

Precisamos registrar aqui neste relato que nem todo caminho são flores de camomi-
la, ou seja, calmaria, apesar de conhecermos um pouco do processo teórico e possuirmos
algumas experiências com o trabalho em grupo, sempre nos deparamos com algo novo e
diferenciado na prática. Ao mesmo tempo que nos desafia, essas mudanças nos nossos
pressupostos, nos estimulam a seguirmos nossos caminhos crentes que o fazer cotidiano
é o melhor do processo.

Consideramos que os encontros realizados durante esse ano trilharam para um


processo de sensibilização e mobilização das mulheres para o projeto das plantas me-
dicinais porém, pudemos sentir algumas demonstrações de insegurança, principalmente,
na possibilidade de uma futura organização para fins lucrativos, esse é o resquício das
frustrações passadas com projetos que não vingaram.

Outra limitação que podemos destacar trata-se da falta de interesse pelas gerações
mais novas para a preservação dessa cultura. Acreditamos que o desenvolvimento da
indústria farmacêutica é responsável em grande parte pela marginalização das práticas
populares acabando por interferir negativamente na replicação do conhecimento.

Mas, apesar do receio, maior parte do grupo demonstra interesse em aprofundar a


temática das medicinais. Cabe a nós trabalharmos no amadurecimento das questões que
geram insegurança e frustrações, afim de esclarecermos a real vontade das mulheres, se
é de darmos continuidade visando uma atividade cooperativa de renda ou de trilharmos
novos rumos para o grupo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caminho até aqui trilhado nos permite visualizar um projeto com muito potencial
para o desenvolvimento comunitário desta comunidade faxinalense, com base no resgate
e manutenção do saber tradicional. Tendo em vista as orientações do Serviço de Convi-
vência e Fortalecimento de Vínculos, pensamos que o empoderamento feminino significa
pensar instrumentos que possam dar autonomia financeira para essas mulheres, além de
desencadear processos de empatia entre elas, no auxílio ao enfrentamento às diversas
dificuldades.

Portanto, destacamos a necessidade de possibilitar aos grupos desenvolvidos no


SCFV o contato com temáticas que surjam das suas realidades com base nas vivências
construídas no decorrer da história da humanidade. Proporcionando ações e atividades que
potencializem o crescimento pessoal e comunitário com base no fortalecimento de vínculos
através de ações concretas e transformadoras da realidade pessoal e coletiva.

No contexto da vivência das mulheres faxinalenses, a temática das plantas me-


dicinais, trabalhada de forma transversal, proporciona o diálogo com as relações sociais,
econômicas, políticas e culturais dessa comunidade. Também proporciona, o posiciona-

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 38


mento dos atores frente à uma lógica de dominação do capital que legitima um mercado
farmacêutico que produz doenças a favor do lucro de poucos.

Por fim, através das rodas de conversa e chimarrão, foi possível perceber a riqueza
de valores, vivências, fazeres e saberes adquiridos pela comunidade e comuns à toda
humanidade. Nossos antepassados nos deixaram um legado que pode ser facilmente per-
cebido quando em contato com a simplicidade que veste a importância de uma comunidade
faxinalense.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, MZ. Plantas Medicinais [online]. 3rd ed. Salvador: EDUFBA, 2011.

BARRETO, M. A Produção Camponesa e o Monopólio do território pelo capital: espaciali-


dades distintas da extração da erva-mate na região da floresta com araucária do Paraná.
2008. 94f. (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta
Grossa, 2008.

HAUER, M. Singularidades do Sistema Faxinalense. In: 1. SIMPÓSIO DE

PESQUISADORES DE FAXINAIS: estado da arte e perspectivas, 2011, Ponta Grossa.


Anais... Ponta Grossa: UEPG, 2011.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Secretaria


Nacional de Assistência Social – SNAS. Departamento de Proteção Social Básica – DPSB.
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos –SCFV. Perguntas Frequentes.
Brasília. MDS, 2017.

MOURO, Higor. Gênero e Ambiente: Reflexões sobre o papel da mulher na questão


socioambiental. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – FCSH, Universidade de
Lisboa, 2017.

SABOURIN, E. Ressources communes et multifonctionnalitéau Nordeste du Brésil.


GROUPE POLANYI (Coord.). La Multifonctionnalité de l’agriculture. Une dialectique entre
marché et identité. Paris: QuaeEditions, 2008. p. 191-211.

______. Camponeses do Brasil: entre troca mercantil e reciprocidade. Rio de Janeiro:


Ed. Garamond, 2009. 338 p. (Colecão Terra Mater).

Parte 1 - Artigos do Serviços de Proteção Social Básica Capítulo 4 39


PARTE 2

ARTIGOS DO SERVIÇOS DE
PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL
CAPÍTULO 5
O PAPEL DA ESCOLA NA SOCIALIZAÇÃO E
RESSOCIALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES EM
CONFLITO COM A LEI

Eliane Bach Ferreira Hejel que transcorre toda a sua existência. Esse
processo de socialização é responsável
Paulo Roberto Hejel
por criar padrões, valores e formas de ação
Regiana Bobato do sujeito. O homem não é um ser isolado.
Somos seres individualizados e, ao mesmo
Saionara Israelita Franco tempo, coletivos, somos influenciados pela
sociedade a partir das relações culturais.
RESUMO
Por isso, estudar o processo de socializa-
O ser humano é um ser de socialização. ção, os agentes socializadores, a cultura e
Ele não é ou está, ele se faz nas suas re- o conceito de identidade social é de funda-
lações e nos seus espaços. Nesse sentido mental importância para compreender os
o PEMMSE de Irati, após levantamento de problemas sociais que ocorrem em cada
pesquisa, identificou uma grande defasa- tempo histórico em que o ser humano está
gem na relação idade/série dos seus ado- inserido.
lescentes acompanhados em cumprimento Quando se pretende pensar adoles-
de medida socioeducativa. A partir dessa centes que cometem ato infracional, esses
constatação deu-se início a um projeto de processos de socialização se fazem ainda
recebimento, acolhimento e manutenção mais presentes. Afinal, estamos falando de
do adolescentes nos meios educacionais. A um sujeito em amplo desenvolvimento dos
linha adotada pelo referido projeto tem por seus processos socializantes. Ao se propor
objetivo desenvolver uma educação afetiva, algumas formas de proteção e cuidado à
capaz de criar um ambiente acolhedor e criança e aos adolescentes, principalmente
transformador nas escolas onde os ado- a partir da criação do ECA, o Estado está
lescentes em cumprimento de medida so- apontando para a necessidade de se ga-
cioeducativa em meio aberto são inseridos. rantir sistema seguros de construção desse
futuro adulto, cidadão e agente construtor
INTRODUÇÃO e transformador da sociedade em que está
inserido.
Sociologicamente compreende-se
que o ser humano não nasce pronto, mas Cada indivíduo, ao nascer, segundo
passa por um processo de socialização Strey (2002, p. 59), “encontra-se num siste-

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 41


ma social criado através de gerações já existentes e que é assimilado por meio de inter-
-relações sociais”. O homem, desde seus primórdios, é considerado um ser de relações
sociais, que incorpora normas, valores vigentes na família, em seus pares, na sociedade.
Assim, a formação da personalidade do ser humano é decorrente, segundo Savoia (1989,
p. 54), “de um processo de socialização, no qual intervêm fatores inatos e adquiridos”.
Entende-se, por fatores inatos, aquilo que herdamos geneticamente dos nossos familiares,
e os fatores adquiridos provém da natureza social e cultural.

O homem é um animal que depende de interação para receber afeto, cuidados e até
mesmo para se manter vivo. Somos animais sociais, pois o fato de ouvir, tocar, sentir, ver
o outro fazem parte da nossa natureza social. O ser humano precisa se relacionar com os
outros por diversos motivos: por necessidade de se comunicar, de aprender, de ensinar, de
dizer que ama o seu próximo, de exigir melhores condições de vida, bem como de melhorar
o seu ambiente externo, de expressar seus desejos e vontades. Essas relações que vão
se efetivando entre indivíduos e indivíduos, indivíduos e grupos, grupos e grupos, indivíduo
e organização, organização-organização, surgem por meio de necessidades específicas,
identificadas por cada um, de acordo com seu interesse.

O indivíduo tem, para si, claras as características que o diferencia dos demais, como
seus fatores biológicos, seu corpo físico, seus traços, sua psique que envolve emoções, sen-
timentos, volições, temperamento. Todavia, o indivíduo, como objeto de estudo da psicologia
social e da sociologia, é considerado, segundo Ramos (2003, p. 238), da seguinte maneira:

indivíduo dentro dos seus padrões sociais, vive em socieda-


de, como membro do grupo, como “pessoa”, como “socius”. A
própria consciência da sua individualidade, ele a adquire como
membro do grupo social, visto que é determinada pelas relações
entre o “eu” e os “outros”, entre o grupo interno e o grupo externo.

Assim, iremos concluir que essa construção e organização ocorrem, a partir do


contato que tem com o outro. Por isso, temos a necessidade de estudar não só o indivíduo
enquanto ser social, mas este influenciado por padrões culturais diante da sociedade em
que vive, pois a cultura fornece regras específicas. Assim, para compreendermos o indiví-
duo e a sociedade, precisamos entender a cultura à qual pertencemos.

OS PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO NA TRANSIÇÃ DA ADOLESCENCIA PARA A


FASE ADULTA

Fazemos parte de diversos grupos sociais e é por meio desses grupos que o nosso
processo de socialização ocorre. Temos, então, como agentes socializadores, de acordo
com Savoia (1989), três grupos: a família, a escola (agentes básicos) e os meios de comu-
nicação em massa.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 42


O primeiro contato que o ser humano tem, ao nascer, é a família: primeiramente,
com a mãe, por meio dos cuidados físicos e afetivos, e, paralelamente, com o pai e os
irmãos, que transmitem atitudes, crenças e valores que influenciarão no seu desenvolvi-
mento psicossocial. Num segundo momento, tem a interferência da escola. Geralmente,
nessa fase, o indivíduo já traz consigo referências de comportamentos, de orientação
pessoal básica, devido ao contato inicial com a família. Já os meios de comunicação em
massa são considerados como agente socializador, diante das inovações tecnológicas na
atualidade histórica, porém nem sempre eles têm consciência do seu papel no processo de
socialização e na formação da personalidade do indivíduo. Na família e na escola, existe
uma relação didática e, com a TV, a relação é diferente, visto que a comunicação é direta e
impessoal (SAVOIA, 1989).

O processo de socialização ocorre durante toda a vida do indivíduo (SAVOIA, 1989);


por isso, esse processo é dividido em etapas:

• socialização primária: ocorre na infância com os agentes socializadores cita-


dos anteriormente, que exercem uma influência significativa na formação da
personalidade social;

• socialização secundária: ocorre na idade adulta. Geralmente, nessa etapa, o


indivíduo já se encontra com sua personalidade relativamente formada, o que
caracteriza certa estabilidade de comportamento. Isso faz com que a ação
dos agentes seja mais superficial, mas abalos estruturais podem ocorrer,
gerando crises pessoais mais ou menos intensas. Nesse momento, surgem
outros grupos que se tornam agentes socializadores, como grupo do trabalho;

• socialização terciária: ocorre na velhice. Pela própria fase de vida, o indi-


víduo pode sofrer crises pessoais, haja vista que o mundo social do idoso
muitas vezes se torna restrito (deixa de pertencer a alguns grupos sociais)
e monótono. Nessa fase, o indivíduo pode sofrer uma dessocialização, em
decorrência das alterações que ocorrem, em relação a critérios e valores. E,
concomitantemente, o indivíduo, nesta fase, começa um novo processo de
aprendizagem social para as possíveis adaptações a nova fase da vida, o que
implica em uma ressocialização.

É exatamente na transição da socialização primária para a secundária que o presente


artigo terá seu apoio. Os adolescentes atendidos pelo PEMMSE (Programa de Execução
Municipal de Medida Socioeducativa) são sujeitos sociais habitando o limiar entre os
padrões sociais aprendidos e a determinação de seus modos de ação na fase adulta.

Nesse sentido a compreensão do Estado de que esses sujeitos ao se colocaram em


conflito com a lei, devem ser tratados como agentes em construção, sobre os quais medi-
das pedagógicas devem ser estabelecidas, visando uma ressocialização transformadora,
legitima a proposta sociológica de que esses agentes são seres em construção, formados
por mecanismos sociais nos quais se veem inseridos e que portanto estão habilitados a um

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 43


processo de reconstrução a partir da tomada de consciência sobre seus atos infracionais,
gerando uma responsabilização consciente, e em decorrência desta responsabilização, o
contato com novos agentes socializadores capazes de criar balizas sólidas e coerentes,
possibilitando uma reavaliação dos seus princípios e um reposicionamento social.

Ao nascer, já temos alguns papéis prescritos como idade, sexo ou posição familiar. À
medida que adquirimos novas experiências, ampliando nossas relações, vamos nos trans-
formando, adquirindo outros papéis que são definidos pela sociedade e cultura (SAVOIA,
1989). Em cada grupo no qual relacionamos, deparamo-nos com normas que conduzem as
relações entre as pessoas, algumas são mais sutis, outras mais rígidas. São essas normas
que caracterizam essencialmente os papéis sociais e que produzem as relações sociais
(LANE, 2006).

Entende-se que os papéis que adquirimos nas nossas experiências e relações vão
designar o modelo de comportamento que caracteriza nosso lugar na sociedade. Esses
papéis podem ser objetivos ou subjetivos. Em relação a isso, Savoia (1989, p. 57) as-
severa que Outro aspecto do papel social é que ele pode ser objetivo – aquilo que os
outros esperam de nós, ou subjetivo -, como cada indivíduo assume os papéis de modo
mais ou menos fiel aos modelos vigentes na sociedade. Quando esses dois aspectos não
coincidem, podem transformar-se em obstáculo na interação social. Isso significa que a ob-
jetividade e a subjetividade configuram-se como um processo dialético de desenvolvimento
da configuração social, dinâmico, e está em constante interação na vida do indivíduo, como
ser histórico, capaz de promover transformações sociais, visto que o desempenho do papel
nunca é solitário.

Entende-se então, que o adolescente em conflito com a lei existe enquanto sujeito
que age de acordo com o seu papel social subjetivo. Subjetivo, enquanto resposta dada a
um modelo social no qual está inserido, modelo este que perpassa suas relações familiares
e de amizade.

Dependendo do papel que o indivíduo exerce, ele adquire um lugar na sociedade que
é denominado de status, que, juntamente com os papéis sociais, determinam sua posição
social (PISANI, 1996). Então, papel é o comportamento, a ação, enquanto que o status é o
prestígio que se adquire. Savoia (1989, p. 60) afirma que “o papel é o comportamento que
os outros esperam de nós e o status é o que acreditamos ser”. Nesse sentido, os papéis
que desempenhamos e os status que acreditamos ter, diante da sociedade, explicam nossa
individualidade, nossa identidade social e consciência de-si-mesmo que adquirimos, a partir
das nossas relações sociais.

Quando pensamos em conceito de identidade, logo pensamos em imagens, re-


presentações, conceito de si mesmo, como se o indivíduo se reconhecesse identificando
traços, imagens, sentimentos, como parte dele mesmo. Mas esse conceito é produzido a
partir das relações que mantemos com os outros (LANE, 2006). A partir do momento em
que reconheço o outro, reconheço a mim mesmo como um ser único particular.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 44


Então a identidade é algo mutável em permanente transformação. É um processo
que se dá desde o nascimento do ser humano até sua morte. Por isso, podemos dizer que
a nossa identidade está em constante mudança. Lane (2006, p. 22) enfatiza que “apenas
quando formos capazes de [...] encontrar razões históricas da nossa sociedade e do nosso
grupo social que explicam por que agimos hoje da forma como o fazemos é que estaremos
desenvolvendo a consciência de nós mesmos”. Isso nos faz entender que a consciência de
si pode alterar a identidade social, na medida em que interrogamos os papéis que desem-
penhamos e suas funções históricas (LANE, 2006). Essa consciência é reconhecer quem
sou eu enquanto indivíduo, enquanto integrante de um grupo social, a partir das relações
do meu ser social. Isso só será possível, a partir do momento em que tenho o “outro” como
referência. Sawaia (2006) afirma que essa consciência não pode ser consciência “em si”,
mas para si e para o outro.

E Myers (2000) reafirma isso, quando diz que o autoconceito que o indivíduo adquire
de si mesmo decorre das experiências sociais vivenciadas, que influem no papel que ele
desempenha nos julgamentos sobre si e sobre outras pessoas e as diversidades culturais.
Nesse sentido, percebemos que a construção da nossa identidade se da por meio das
relações sociais, dos papéis que desenvolvemos.

Nesse sentido, o PEMMSE compreende seu papel social irrevogável no que diz
respeito a garantia de espaços de convivência que permitam ao adolescente infrator identi-
ficar-se com novos padrões, para além daqueles nos quais se vê socialmente inserido, bem
como promover discussões que garantam a tomada de consciência de si. Esse processo se
desenvolve a partir dos grupos de Juventude e Cidadania. Nesses grupos os adolescentes
tem a oportunidade de repensar o seu papel social e objetivar a construção de um papel
social transformador, capaz de corrigir na sociedade as maracas deixadas pelo seu ato
infracional.

Nesse espaço de discussão elementos como a educação básica (escola) são plena-
mente difundidos, resultando, na grande maioria das vezes, no retorno voluntário desses
adolescentes ao sistema formal de ensino.

Para exemplificar esse processo, vale ressaltar uma experiência feita dentro do pro-
grama. O PEMMSE, havia recebido um adolescente de 17 anos, João1, para cumprimento
de PSC (Prestação de Serviço à Comunidade), este adolescente, diferente da maioria dos
adolescentes atendidos, encontrava-se em perfeito acordo da sua idade/série (17 anos na
segunda série do Ensino Médio). Em contraposição o programa havia recebido um adoles-
cente de 16 anos, Eduardo2, cursando o 6º ano do Ensino Fundamental, este adolescentes
possuía grandes aptidões ao desenho e deu início a um curso on-line de Desenhista da
Construção Civil, oferecido pelo PRONATEC. No desenvolvimento do curso percebeu-se
que Eduardo possuía uma enorme dificuldade em acompanhar o curso. Assim, a PSC de
João foi reorientada com vistas a auxiliar Eduardo em seus estudos. Quando Eduardo per-

1 Nome fictício para proteger a identidade e integridade do adolescente


2 Nome fictício para proteger a identidade e integridade do adolescente

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 45


cebeu que o colega possuía praticamente a sua idade, porém um avanço de conhecimento
manifestou o desejo de retornar os estudos e chegar ao mesmo nível de João. Buscou
voluntariamente sua matrícula no sistema CEEBJA, manifestando o desejo de concluir o
Ensino Fundamental ainda em 2018 e assim cursar o Ensino Médio em 2019 no sistema re-
gular. Desejo esse que graças à dedicação e empenho de Eduardo, está se concretizando.

Percebe-se então, que garantir espaços de convivência que forneçam novas visões
de mundo, é fundamental para um sistema de ressocialização e reformulação da identidade
e do papel social dos indivíduos.

A EDUCAÇÃO AFETIVA COMO GARANTIA DO PROCESSO SOCIALIZANTE DA


ESCOLA

No que diz respeito ao processo de socialização de adolescentes em cumprimento


de medida socioeducativa, se faz fundamental o uso irrestrito de todos os equipamentos
que atuem diretamente na criação de valores e formas de representação destes adolescen-
tes, fornecendo-lhes novos modelos sociais e assim, novas formas de se perceber como
indivíduo e ator social.

Essa realidade torna-se preocupante quando, ao produzir o levantamento de dados


sobre adolescentes atendidos pelo PEMMSE na cidade de Irati, no período entre 2016 e
2018, encontra-se uma realidade alarmante no que diz respeito a defasagem idade/série
dos adolescentes atendidos nesse equipamento. Conforme análise do gráfico em anexo,
percebe-se que 47,57% dos adolescentes estão fora da adequação idade/série. Nesse
sentido a preocupação nasce ao perceber que um dos agentes fundamentais do processo
de socialização não tem a afetividade de ação sobre os sujeitos em seu processo socia-
lizante. As referências escolares, fundamentais para o desenvolvimento pleno do sujeito,
comprometem de forma profunda o desenvolvimento saudável destes sujeitos. Ferindo
inclusive aquilo que seria previsto pelos próprios equipamentos legais do Estado Brasileiro.

Esse abandono escolar, marca dos adolescentes em conflito com a lei, denota que
o sistema de ensino não tem dado conta de cumprir plenamente seu papel social. Contri-
buindo assim com a manutenção dos sistemas de exclusão, que ferem a dignidade dos
adolescentes e a segurança do seu pleno desenvolvimento enquanto cidadãos de direito.

Com isso percebe-se a urgência em se pensar sistemas de ensino que possam


garantir o pleno desenvolvimento dos adolescentes e a garantia da permanência destes
nos sistema escolar.

Levando em consideração esses dados e essa realidade o PEMMSE organizou uma


reunião com todos os diretores da rede Estadual de Ensino com o objetivo de estabelecer
parceria com esse órgão de ensino, objetivando a criação de um projeto de acolhimento
e recebimento de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e em evasão
escolar.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 46


Segundo a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
o Estado tem a obrigação de garantir aos adolescentes em cumprimento de medida so-
cioeducativa o acesso à Educação em qualquer segmento, dependendo, obviamente, da
idade deles e do ano em que abandonaram os estudos. Negar a matrícula, então, está fora
de cogitação. “A volta à sala de aula é uma das ações mais eficientes para educar e, ao
mesmo tempo, reintegrar o indivíduo à sociedade. Daí a importância do bom acolhimento
por parte do diretor, dos professores e dos colegas», afirma Siro Darlan, desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.

Para que essa retorno seja garantido e se faça eficiente a parceria estabelecida
se deu na relação de contato direto entre os dois órgãos (PEMMSE e Núcleo Regional
de Educação) e partir dessa parceria se deu início a um projeto de desenvolvimento da
Educação Afetiva e Atenção Plena com os professores da rede Estadual de Ensino.

Tratar o aluno com afetividade não tem a ver apenas com dar carinho ou ser afetuo-
so. “Trata-se muito mais de dar atenção ao que afeta este ser, seja de maneira negativa
ou positiva. Quanto mais o educador tiver consciência do que está presente nas dinâmicas
estabelecidas na relação direta com os alunos, maior será a chance de utilizar os recursos
corretos para auxiliar o aprendizado”, enfatiza Anita Abed, psicóloga e pesquisadora da
Unesco.

Para Valéria Amorim Arantes, doutora em Psicologia pela Universidade de Barcelo-


na, professora da Faculdade de Educação da USP e organizadora do livro Afetividade na
escola – Alternativas teóricas e práticas (Summus Editorial), a atenção para a relação com
os alunos é uma chave preciosa, capaz de promover melhorias e transformações positivas
e concretas. Ela ressalta que é através de uma espécie de contrato afetivo que o aluno
permite ao professor que este o ensine. “O docente é, ainda, uma figura de autoridade e
uma referência importante na vida desta criança ou jovem”, aponta Valéria.

É necessário lembrar, ainda, que não é apenas o aluno quem tende a ser beneficiado
com uma abordagem mais afetiva. A humanização da relação também pode levar o professor
a ampliar o seu desenvolvimento. “Há situações em que o educador se sente profundamente
frustrado por não conseguir atingir um aluno da forma como havia planejado. Se tiver a
possibilidade de conhecer esse aluno mais profundamente, certamente o profissional
perceberá a natureza das limitações presentes na realidade daquela criança ou jovem.
Com esta sensibilidade, o professor passa a compreender melhor o seu próprio trabalho e
as direções para as quais o aluno pode avançar”, explica Nina Porto, supervisora de ensino
do município de Guarulhos (SP).

Com bases nessas crenças e princípios o PEMMSE tem acompanhado o corpo


docente e dicente das escolas Estaduais de Irati, fornecendo formações, técnicas de respi-
ração e apoio para o desenvolvimento dessa educação afetiva e efetiva.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 47


O referido trabalho não só mostra resultados imediatos como também subsidia uma
excelente forma de prevenção de futuros atos infracionais, ao resignificar o espaço escolar
e ajudá-lo a cumprir sua função plenamente socializante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. 22. ed. São Paulo: Brasiliense: 2006.

MYERS, David G. Psicologia Social. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000.

PISANI, Elaine Maria. Temas de psicologia social. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

RAMOS, Arthur. Introdução à psicologia social. 4. ed. Santa Catarina: UFSC, 2003.

SAVOIA, Mariângela Gentil. Psicologia social. São Paulo: McGraw-Hill, 1989.

STREY, Marlene Neves (Org.). Psicologia Social Contemporânea. 7. ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 2002.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 5 48


CAPÍTULO 6

RESIDÊNCIAS INCLUSIVAS: UM NOVO OLHAR


SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Isabela Vinharski Scheidt sendo evidente, também, maior autonomia

Kelly Marques da Silva Wasilewski em diferentes domínios. Outro aspecto se


refere a construção do Plano de Organi-
Luiz Henrique Palavicini Selivan
zação do Cotidiano, resultante do trabalho
Renata de Andrade conjunto da equipe técnica e equipe de ges-
tão da Secretaria Municipal de Assistência
Social, o qual norteia o funcionamento do
RESUMO serviço em diferentes domínios. Ressalta-se
Este trabalho tem como objetivo apresentar que o trabalho que vem sendo construído
o serviço desenvolvido nas Residências In- pela equipe tem como princípio atuar em
clusivas Regionalizadas de Irati-PR (RIs), a uma perspectiva humanizada e acolhedora,
partir da pesquisa bibliográfica, documental, entendendo que a deficiência não deve ser
e relato das experiências vivenciadas pela um empecilho para que de fato ocorra a
equipe técnica. As RIs têm como objetivo inclusão de nossas usuárias como cidadãs
atender pessoas com deficiência na faixa de direitos e deveres, participando de forma
etária de 18 a 59 anos, com a proposta de
ativa na sociedade iratiense.
incentivá-las a criar autonomia e propiciar
integração na vida comunitária, tal serviço Palavras-chave: Residências Inclusivas,
se diferencia da perspectiva das instituições Pessoa com Deficiência, Política de Assis-
totais. Atualmente, no município de Irati tência Social.
existem duas RIs que atendem o público
feminino, assistidos por uma equipe técni-
ca multiprofissional. Tal serviço resulta da CARACTERIZAÇÃO DO SERVIÇO
pactuação entre Governo Federal, Estadual
O presente trabalho tem como ob-
e Municipal, sendo de responsabilidade da
Secretaria Municipal de Assistência Social. jetivo apresentar o serviço de Residência
Destaca-se que, desde sua implantação, Inclusiva Regionalizadas do município de
observou-se avanços no que diz respeito Irati-PR - aqui abreviado como RIs - abor-
a inserção das acolhidas em diferentes po- dando aspectos relacionados a seu históri-
líticas públicas e participação comunitária, co, estrutura, implantação e funcionamento.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 6 49


Este equipamento vem de encontro com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioas-
sistenciais (2009), que teve como um de seus objetivos organizar os serviços já ofertados
dentro das Políticas da Assistência Social. Visando atender o público com deficiência, foi
criado o Plano Viver Sem Limites (SDH, 2014), o qual estabeleceu o modelo de RIs como
sendo casas que não precisam ser identificadas, podendo acolher até 10 pessoas com
deficiência em cada uma, na faixa etária entre 18 a 59 anos, prioritariamente beneficiárias
do BPC ou em situação irregular de acolhimento.

O município de Irati hoje conta com duas RIs, sendo um serviço coordenado pela
Secretaria Municipal de Assistência Social, através do setor de Proteção Especial de Alta
Complexidade. Foi implantado em 2016, resultante da pactuação entre o Governo Fede-
ral, Estado do Paraná e Município de Irati. Atualmente, a equipe técnica é composta por:
1 Coordenador, 1 Assistente Social, 1 Psicóloga, 1 Terapeuta Ocupacional, 1 Assistente
Administrativo, 1 Motorista e 16 Cuidadoras.

DEFICIÊNCIA: DA INSTITUCIONALIZAÇÃO À INCLUSÃO

A deficiência é caracterizada como um impedimento a longo prazo, de natureza


física, intelectual, mental ou sensorial, podendo dificultar a participação do indivíduo de
forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condição com as demais pessoas
(ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, Art. 2º., 2015).

Sabe-se que, ao longo da história, o atendimento a pessoas com deficiência sem-


pre esteve atrelado a instituições fechadas, em geral, hospitais psiquiátricos/manicômios.
Goffman (p. 11, 2008) define as instituições totais como “um local de residência e trabalho
onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade
mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada.”

Tendo como base as histórias de vida das acolhidas nas Ris de Irati, percebe-se
que estão diretamente atreladas ao processo de institucionalização supracitado pelo autor,
e que em sua maioria, passaram por acolhimentos que não condiziam com as suas reais
necessidades. Segundo relatos das acolhidas, suas vivências foram permeadas pelas mais
diversas formas de violências, reclusão, exclusão e abandono.

Com o reconhecimento de tal problemática, houve um avanço das discussões para


se repensar e criar um novo modelo de atendimento, que teve como proposta acolher
pessoas com deficiência, incentivá-las a desenvolver autonomia e propiciar integração na
vida comunitária, contrapondo o antigo modelo de instituições totais (BRASIL, 2014).

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 6 50


MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um trabalho qualitativo, pois, os relatos trazidos por esta equipe tem por
base valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões, (MINAYO & SANCHES,
1993). Também utiliza a pesquisa bibliográfica e documental.

Gil (2002) define a pesquisa bibliográfica como sendo aquela realizada com base em
materiais já existentes, constituída preferencialmente por livros e artigos científicos, muito
embora, a maioria dos estudos exija isso, existem pesquisas desenvolvidas exclusivamente
a partir de fontes bibliográficas

Enquanto estratégias de atuação da equipe multidisciplinar é valido mencionar a


elaboração de três instrumentais específicos para o desenvolvimento desse serviço. Tendo
como referência norteadora, foi construído em parceria com o Órgão Gestor da Secretaria
Municipal de Assistência Social, o Plano de Organização do Cotidiano (POC), que se ca-
racteriza como um documento interno, com o objetivo de apresentar o funcionamento do
serviço nos domínios de recursos financeiros e humanos, estrutura física e ações da equipe
multidisciplinar.

Considerando que grande parte da história de vida das acolhidas não foram registra-
das em documentos ao longo do processo de institucionalização, observou-se a necessi-
dade da criação de um instrumento que possibilitasse o registro de aspectos relacionados
a diferentes dimensões. Nesse sentido, criou-se o Prontuário, documento preenchido pelas
cuidadoras no que tange a aspectos cotidianos das acolhidas, como consultas e trata-
mentos de saúde, participação em programações comunitárias e em educação, bem como
observações de alteração de padrão de comportamento. Tem-se por objetivo, a partir desse
instrumental, tomar nota de informações relevantes do dia a dia que compõe, acima de
tudo, histórias de vida.

Frente a necessidade de registrar o cotidiano do serviço, a Secretaria Estadual da


Família e Desenvolvimento Social, propôs um documento com vistas a descrever perspec-
tivas futuras em diferentes domínios de vida das acolhidas. Propõe-se, a partir do Plano de
Vida, fazer um apanhado quanto o histórico pregresso, atual, e plano de futuro, consideran-
do a inclusão social nos campos de educação, participação comunitária, e tratamentos de
saúde diversos. Esse instrumento é preenchido pela equipe técnica do serviço em conjunto
com as acolhidas, considerando suas próprias perspectivas de futuro e interesses. A partir
desse documento, são estabelecidas as ações a curto, médio e longo prazo, permitindo
desenvolvê-las conforme demanda e recursos disponíveis. Por se tratar de um plano de
vida, se faz necessário revisá-lo periodicamente conforme as ações são desenvolvidas, e
os objetivos alcançados e/ou alterados.

Destaca-se, também, a articulação por parte dos profissionais da equipe com as


demais políticas e equipamentos, com a finalidade de incluir as acolhidas em serviços que
atendam suas necessidades e propiciem seu senso de cidadania. Essa ação foi iniciativa

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 6 51


da equipe, visando, também, respeitar os interesses de cada acolhida quanto a participação
em tais políticas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme já abordado no presente trabalho, as RIs têm como intuito estimular a


independência e autonomia de pessoas com deficiência, seguindo um viés de trabalho com
equipe multidisciplinar, em articulação com todas as políticas públicas do município, a fim
de transpassar a visão estigmatizada do indivíduo com deficiência. Respalda-se tal conduta
na compreensão sobre a multiplicidade de dimensões e fatores relacionados a pessoa
com deficiência, seja de origem socioeconômica, cultural, familiar, individual e institucional,
conformando trajetórias distintas e demandando ações públicas com abrangência e
objetivos diversos. Nesse sentido, evidenciam-se conquistas na área da saúde, educação,
autonomia financeira, convívio social e comunitário, autocuidado, lazer, entre outros.

A exemplo do que vem sendo discutido, destacam-se a inserção das acolhidas na


escola, em turma de jovens e adultos (EJA), bem como a participação ativa no comércio,
gerindo seus gastos. Para além disso, estão sendo desenvolvidas atividades físicas sema-
nais e cursos que visam a qualificação em diferentes áreas, como beleza, saúde e inclusão
digital.

Outro trabalho que vem sendo realizado diz respeito a busca e a tentativa de rees-
tabelecimento de vínculos familiares e reconstituição de história de vida, tendo em vista a
importância do aspecto afetivo para o desenvolvimento psicossocial. Nessa perspectiva,
ressalta-se a reintegração familiar de uma acolhida, sendo que este processo foi gradual e
assistido pela equipe técnica.

Diante disso, reforçamos a necessidade de um trabalho articulado em rede, con-


siderando os atores locais, regionais e estaduais, a fim de diminuir as barreiras que, por
muitas vezes, cerceiam os direitos da população com deficiência. Nesse sentido, tomamos
por base o princípio da incompletude institucional, prática orientada a esta modalidade de
acolhimento (TEJADAS, 2009). Ou seja, deve-se buscar articulação para complementa-
ção das atividades ofertadas aos usuários e desenvolvimento conjunto de estratégias de
intervenções com papéis definidos de cada membro da rede, para evitar sobreposições
(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2014).

Vale ressaltar que, apesar dos resultados positivos mencionados nesse relato, o
caminho foi tangido por adversidades que, apesar de se consolidarem como barreiras,
foram essenciais para a construção e reconstrução, em termos de implantação e efetivação
do serviço.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 6 52


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho que vem sendo realizado por essa equipe tem como princípio atuar numa
perspectiva humanizada e acolhedora, entendendo que a deficiência não deve ser um
empecilho para que de fato ocorra a inclusão de nossas usuárias como cidadãs de direitos
e deveres, participando de forma ativa na sociedade iratiense. Considerando que o serviço
ainda é uma proposta recente para as políticas socioassistenciais e trabalho em Rede,
sabe-se que, apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser trilhado.

REFERÊNCIAS

Brasil, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Orientações sobre o Ser-


viço de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos com Deficiência em Residências
Inclusivas: Perguntas e Respostas. Brasília: 2014. 87p.

Brasil, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República/Secretaria Nacional de


Promoção dos Direitos da Pessoa Com Deficiência. Plano Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiência: Plano Viver Sem Limites. Brasília, 2014. 180 p.

Brasil, Senado Federal. Lei no. 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília:
2015. 65p.

Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo. Editora Atlas.

Goffman, E. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectivas, 2008.

Minayo M. C,; Sanches, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade? Ca-


derno de Saúde Pública 9(3):239-262, 1993.    

Tejadas, S. S. Atuação em Redes: uma estratégia desafiadora na defesa dos Direitos de


Crianças e Adolescentes. Revista Digital da Capacitação de Candidatos a Conselheiro(a)
Tutelar - Conselho Tutelar - Eleições 2007”, março, 2009.

Parte 2 - Artigos do Serviços de Proteção Social Especial Capítulo 6 53


PARTE 3

ARTIGOS DA POLÍTICA
DE DIREITOS HUMANOS
CAPÍTULO 7

PROGRAMA DE EXECUÇÃO DE ALTERNATIVA


PENAIS - PATRONATO DE IRATI (PR)

Caroline Aparecida Santiago Alibosek singularidade, complexidade e diversidade.

Isys Cristiny Barbosa Pereira Enfatiza-se a importância do trabalho inter-


disciplinar para que possamos trabalhar com
Aline Bianco
a responsabilização e com a garantia de
Mayara Nedopetalski Brandalise direitos dos sujeitos que acessam o serviço
Miriam Chicalski de maneira efetiva.

Cesar Renato Ferreira Da Costa

Victa Ogg Jonson Gonçalves INTRODUÇÃO


Jair Kulitch O objetivo deste artigo é apresentar
Michelle Fernandes Lima o Programa de Execução das Alternativas

Ana Carolina Menon Penais (Patronato) da Comarca de Irati-PR,


ainda, a composição da equipe, as ações
Denis Cezar Musial
desenvolvidas e a estruturação do serviço,
Francieli Maria Martins Princival por meio de um relato de experiência.

Abraão Mayer Gerchevski Fernandes O Patronato foi instituído pela Lei


Souza
de Execução Penal nº 7.212 de junho de
Bruna Maria Stoski 1984. Em seguida, no ano de 1991 foi cria-

Gustavo Zambenedetti do o Patronato Penitenciário do Estado do


Paraná com sede em Curitiba, e em 2001
o Patronato Penitenciário de Londrina, com
RESUMO: Através de um relato de ex- objetivo de dar continuidade e aprimorar
periência, este artigo busca apresentar o os trabalhos desenvolvidos pelo Programa
Programa de Execução das Alternativas Pró-Egresso, conforme sua área de abran-
Penais – Patronato, da comarca de Irati-PR, gência, portanto, inicia-se uma política pau-
abordando as ações desenvolvidas, tais tada na valorização dos direitos humanos,
como: Prestação de Serviço à Comunida- com ações voltadas para a inclusão social
de, grupos reflexivos e acompanhamento das pessoas em cumprimento de pena ou
das assinaturas periódicas; dentro de sua medida alternativa. (DEPEN, 2014)

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 55


Em 2013 a SEJU, objetivando o cumprimento das prerrogativas pertinentes à
execução penal em meio aberto, criou o Programa Patronato, substituindo as atribuições
do Pró-Egresso e incorporando novas funções, com a execução das alternativas penais.
(DEPEN, 2014)

Através de uma parceria entre a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos


(SEJU), Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) e Universi-
dades Estaduais, em 2013 foram lançados editais para a constituição de Patronatos em 13
municípios do Paraná, no qual Irati foi contemplado. (DEPEN, 2014)

A parceria local foi estabelecida com a Universidade Estadual do Centro-Oeste -


UNICENTRO, conforme o Termo de Cooperação 103/2013, deixando de fazer parte da
SEJU e passa a ser vinculado a SESP. O trabalho do Patronato é pautado no princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, tendo em vista que o Patronato faz
parte Programa de Extensão Universitária sem Fronteiras (STOCKSMANN et al., 2015).

Em 2014, a câmara Municipal de Irati aprova a Lei nº 3922, que estabelece institui o
Patronato no âmbito municipal e estabelece parceria com a Secretaria de Assistência Social
do município de Irati. Desse modo, a SESP e a SETI são responsáveis pela definição de
diretrizes para o funcionamento do Patronato e financiamento do mesmo (recursos huma-
nos, despesas de custeio e material); a UNICENTRO é responsável pela sua execução, na
modalidade de um Projeto de Extensão; e a Secretaria de Assistência Social é responsável
pela cedência de espaço físico e de condições que auxiliem no funcionamento do projeto e
propiciem sua articulação com os demais equipamentos da rede sócio-assistencial.

O público atendido pelo Patronato é de egressos do sistema penitenciário, bem


como, pessoas que tiveram o benefício da suspensão condicional ou transação penal do
processo. Esses sujeitos são encaminhados por via judicial, para posteriormente serem
assistidos pela equipe do programa. Desse modo, podem ser atendidos até 500 assistidos,
pois Irati-PR é considerado um município de Porte III, de acordo com as modalidades de
porte que variam de: Porte I: para acima de 1001 assistidos; Porte II: de 501 a 1000 assis-
tidos e, Porte III: até 500 assistidos. (DEPEN, 2014)

Já no levantamento realizado em outubro de 2018, estavam sendo acompanhados


149 processos, sendo destes, 83 assistidos realizando Prestação de Serviço a Comunida-
de (PSC) e 66 participando dos projetos Saiba, Blitz, Basta e E-ler, realizando assinaturas
mensais ou com determinação de estudo/ocupação lícita. Nesses dados, incluem-se os
assistidos do município de Inácio Martins-PR, que também faz parte da Comarca de Irati-
-PR e portanto, são acompanhados pela equipe do programa.

As áreas que atuam no Programa Patronato de Irati-PR são: Administração, Direito,


Pedagogia, Psicologia e Serviço Social, sendo que cada área conta com um professor
orientador que deve estar atuando na docência no Ensino Superior; um profissional gradua-
do devidamente registrado em seu Conselho; e um bolsista graduando da área, formando

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 56


assim uma equipe multidisciplinar, exceto a área de administração, que conta apenas com
um graduando e um professor orientador. (DEPEN, 2014)

Assim, uma característica do Patronato é a interdisciplinaridade, de maneira que a


atuação entre as áreas se complementam, enriquecendo o trabalho realizado. Conforme
afirma Vygotsky, a aprendizagem se dá a partir de interações significativas em que os
sujeitos constroem o seu conhecimento (VYGOTSKY, 1984 apud SERON et al., 2014, p.
5). Também, através da abordagem interdisciplinar, o olhar fracionado aos problemas é
superado e passa-se a compreender a complexidade da questão de forma ampliada.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELO PATRONATO-IRATI

Com vistas a apresentação das atividades desenvolvidas pelo Patronato, foi construí-
do um fluxograma. A construção de um fluxograma auxilia na visualização e compreensão
das possibilidades de atendimento ao assistido. Também possibilita que a equipe discuta
e compartilhe acerca de um referencial de atendimento. Esse método permite verificar a
conexão entre as áreas, além de ser eficaz na visualização dos passos a serem seguidos
e das possíveis falhas existentes no processo (MELLO, 2008). Desse modo, o fluxo de
atendimento realizado no Patronato é sintetizado, abaixo, na figura 1:

Figura 1: Fluxo de atendimento realizado pelo Patronato

Fonte: Patronato (2018)

Ao chegar no Patronato, o assistido passa pelo acolhimento, que constitui-se como


um momento de recepção do assistido no serviço. Em seguida, o assistido passa pelos aten-
dimentos das áreas de direito, pedagogia, psicologia e serviço social. Esses atendimentos
têm por finalidade fornecer orientações acerca da relação do assistido com seu processo

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 57


e as determinações nele contidas, assim como levantar demandas de apoio, acompanha-
mento ou orientação nas áreas de Psicologia, Serviço Social, Pedagogia e Direito.

A partir dos referidos atendimentos, é possível a construção de um plano de acom-


panhamento singular, levando em consideração as particularidades de cada caso e de cada
assistido e as demandas apresentadas por cada indivíduo.

Finalizados os atendimentos e a construção do plano de acompanhamento, o as-


sistido é encaminhado para a PSC, grupos reflexivos (projetos) ou assinaturas periódicas,
conforme cada determinação judicial.

É importante ressaltar que este fluxograma é constantemente colocado em análise


e modificado durante as reuniões de equipe, conforme as novas demandas que emergem
e as avaliações que a equipe realiza acerca do processo de trabalho e efeitos das ações
desenvolvidas.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE - PSC

A Prestação de Serviço à Comunidade - PSC, é uma das medidas alternativas que o


Patronato de Irati é responsável por orientar, acompanhar, fiscalizar durante o cumprimento
da pena. A PSC surge como forma de punição, com a finalidade de que o encarceramento
fosse gradativamente menos utilizado. Atualmente está prevista no artigo 43, inciso IV do
Código Penal (CP) que se constitui numa sanção educativa, socialmente útil, ressocializa-
dora e preventiva.

Segundo Rocha (2008, s/p) a Prestação de Serviço é:

É educativa por permitir que o sentenciado em virtude de prática de


crimes de pequena e média lesividade social possa superar, através
da educação pelo trabalho, as condições existenciais e materiais que
podem tê-lo levado à prática delituosa. Sua utilidade social é clara,
senão óbvia: possibilita que órgãos públicos e entidades assistenciais
privadas possam contar com o trabalho gratuito de pessoas com as
mais variadas experiências profissionais. O caráter ressocializador
e preventivo desta modalidade de pena residem no fato de que
esta possibilita a criação de vínculos e a integração do sentenciado
na comunidade, aumentando as suas oportunidades de inclusão e
diminuindo as chances de reincidência.

A PSC pode ser vista como benefício para que o assistido não seja privado da sua
liberdade e não deixe de realizar suas atividades habituais. Desse modo:

[...] consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto


a entidades assistências, hospitais, escolas, orfanatos e outros es-
tabelecimentos congêneres, em programas comunitários. Parágrafo
único- As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do condenado,
devendo ser cumpridas, durante oito horas semanais, aos sábados,
domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a
jornada normal de trabalho (BRASIL, 1984, p. 10).

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 58


O Patronato recebe as demandas do Juizado Especial Criminal, Vara Criminal e
Vara de Execução Penal. Conforme o artigo 46, parágrafo 3º do CP, as tarefas devem ser
atribuídas conforme as aptidões do indivíduo, devendo ser cumpridas à razão de uma hora
de tarefa por dia de condenação, de modo que não seja prejudicial à jornada normal de
trabalho.

Os assistidos, depois da audiência, são orientados para comparecer ao Patronato


para o início do cumprimento da medida. Inicialmente a equipe realiza os atendimentos
específicos de cada área, e em seguida é realizado o encaminhamento do prestador para
a instituição recebedora.

Durante o preenchimento do encaminhamento são levantados dados referentes à


saúde e possíveis impedimentos para realização de atividades, além de verificar as aptidões
do assistido. Nesse momento busca-se entrar em contato com a instituição que seja mais
próxima à residência do assistido para conferir a disponibilidade para receber o prestador.

Após o encaminhamento é responsabilidade do Patronato, de acordo com o Termo


de Cooperação1 assinado com as instituições recebedoras:

a) Enviar mensalmente para a entidade ficha de frequência;


b) Estabelecer contato mensal com a entidade para obter informações
quanto ao cumprimento da pena de prestação de serviço;
c) recolher mensalmente a ficha de frequência e o relatório das ativida-
des desempenhadas pelo assistido;
d) Prestar esclarecimento junto à entidade para o correto cumprimento
da pena de prestação de serviços;
e) Promover comunicação ao Poder Judiciário de todos os fatos
ocorridos durante o cumprimento da pena de prestação, a partir das
informações prestadas pela entidade.

E as entidades/ instituições compete:

a) Promover o atendimento e acompanhamento dos assistidos durante


o tempo que estiverem cumprindo com a prestação de serviços;
b) Designar as atividades a serem desenvolvidas pelo assistido como
cumprimento da medida, dentro das prescrições repassadas pelo
patronato, respeitando-se a capacidade física e intelectual de cada
assistido;
c) Fornecer materiais e/ou ferramentas para o assistido desenvolver as
atividades designadas;
d) Preencher mensalmente ficha de frequência com o total de horas de
serviços prestados, as atividades desenvolvidas e avaliação compor-
tamental do assistido;
e) Entregar mensalmente ao Patronato os documentos no item anterior;
f) Comunicar imediatamente ao Patronato possíveis irregularidades
comportamentais no cumprimento da medida.

Após o cumprimento da PSC, é realizada uma entrevista de finalização com a área da


Psicologia, buscando identificar os possíveis impactos sociais que a medida teve durante o

1 O Termo de Cooperação é um documento firmado entre o Patronato e as instituições recebedoras, que estabe-
lece os direitos e deveres do prestador, bem como os da instituição.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 59


cumprimento, e se de fato teve caráter ressocializador e de integração na sociedade, além
de identificar as dificuldades e desafios.

Até o ano de 2015 a gestão da PSC era realizada pelo Conselho da Comunidade,
sendo o Patronato responsável pelo acompanhamento multidisciplinar. A partir de 2016, o
Patronato passou a fazer a gestão de todo o processo da PSC. A equipe tem trabalho no
sentido da diversificação dos estabelecimentos recebedores de PSC. Atualmente, cerca de
70 instituições recebem prestadores de serviço no município de Irati e 8 no município de
Inácio Martins. O trabalho com esses estabelecimentos converge com a desconstrução de
estigmas e com a função de ressocialização.

PROJETOS / GRUPOS REFLEXIVOS

O Patronato Central propõe a implementação de programas de acompanhamento


específico, através da participação dos assistidos em grupos reflexivos, organizados de
acordo com os delitos cometidos. O objetivo desses grupos é produzir reflexão acerca dos
determinantes envolvidos em determinado delito, visando desenvolver responsabilização,
conscientização e análise crítica da realidade.

Os grupos reflexivos segundo Amaral e Oliveira (2016) possibilitam aos indivíduos


reflexão acerca de si mesmos e responsabilização por suas funções e papéis, o que pode
levar a modificar ou repensar comportamentos e condutas. Grupos reflexivos permitem uma
abordagem participativa e problematizadora, possibilitando uma conscientização acerca do
tema.

Os programas específicos implantados no Patronato Municipal da Comarca de Irati,


são os grupos: Basta, Blitz, Ética e Cidadania, E-ler e Saiba. Cada projeto tem sua espe-
cificidade, um público diferenciado e um tema. Os temas trabalhados são propostos pelo
Patronato Central, no entanto, há flexibilidade para adaptá-los, de acordo com a demanda
apresentada pelo público e as especificidades locais.

O projeto Basta aborda o tema da violência doméstica, entendendo que a violência


doméstica é a que ocorre no âmbito familiar e/ou doméstico. O público-alvo são os assistidos
que estiveram na posição de autores de violência doméstica e receberam determinação ju-
dicial para participação deste grupo. Podem participar autores de violência contra crianças/
adolescentes, contra idosos e contra mulheres. No entanto, observa-se que a maioria dos
assistidos que chegam para o projeto são homens, que foram autores de violência contra a
mulher. O grupo tem como referência para sua condução as áreas de Psicologia e Direito,
com participação transversal do serviço social e pedagogia.

O projeto Blitz, é um grupo de reflexão sobre conduta no trânsito. Este tem por
objetivo refletir acerca da conduta no trânsito, para se promover conduta responsável e
conscientização. O público-alvo são assistidos encaminhados judicialmente, por delitos de
trânsito, principalmente infratores do Art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 60


se refere ao delito de embriaguez ao volante. O projeto tem como áreas de referência
Psicologia e Direito.

O grupo Saiba é um projeto de encaminhamento, atenção e cuidado aos usuários de


drogas em conflito com a lei. Este, visa promover acesso a informação, autoconhecimen-
to, orientações e reflexão acerca do tema. O público alvo são sujeitos com determinação
judicial para participar no projeto. O caráter de atenção aos usuários oportuniza que estes
possam ser encaminhados para serviços adequados de acompanhamento, em casos de
uso abusivo ou dependência. O projeto também atua numa perspectiva crítica, na medida
em que aborda questões sociais, culturais, econômicas e políticas, tendo a redução de da-
nos como uma diretriz de trabalho. As áreas de Serviço Social e Pedagogia são referência
para a condução deste programa, com a participação transversal das áreas de Psicologia
e Direito.

O E-ler, é um projeto que têm como objetivo estimular os assistidos a continuarem


e/ou se inserirem na educação formal ou profissionalizante. Este oportuniza um espaço
de integração social, buscando a promoção de sujeitos críticos, conscientes e agentes de
transformação. Possui como público os assistidos que possuem determinação judicial para
estudos e aqueles assistidos que demonstram interesse em retomar ou dar continuidade
a formação. Este projeto tem como área de referência a Pedagogia, com participação
transversal das áreas de Psicologia e Serviço Social.

O Ética e Cidadania, especificamente, trata de um projeto de responsabilidade social


vinculado ao departamento de Administração da Unicentro – Campus Irati e ao Patronato
da comarca de Irati-PR. Desde o ano de 2009, o programa busca estimular e contribuir para
o desenvolvimento e fortalecimento dos cidadãos, promovendo ações de reconhecimento
de seus públicos, especialmente jovens adolescentes e egressos do sistema prisional, no
cumprimento de penas alternativas.

O Projeto Multiplicar, surgiu da necessidade de tornar os projetos mais acessíveis


aos assistidos de Inácio Martins que possuem determinação judicial para participação de
grupos reflexivos, pois estes apresentavam dificuldades de transporte para participar dos
projetos no horário em que ocorrem regularmente. Desta forma, o Projeto Multiplicar tem
um cunho misto, pois nele é abordado todas as temáticas trabalhadas nos outros projetos:
violência doméstica, conduta no trânsito, ética e cidadania, incentivo à leitura e uso de álcool
e outras drogas. O Projeto Multiplicar passará a ser implementado no mês de novembro
de 2018 e será conduzido por todas as áreas presentes no Patronato de Irati e a equipe do
Ética e Cidadania.

A maioria dos grupos ocorre a noite ou aos sábados, visando facilitar o acesso dos
assistidos e não causar prejuízo as suas atividades laborais. O projeto Multiplicar ocorre no
período vespertino, visando possibilitar o deslocamento dos assistidos entre Inácio Martins
e Irati.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 61


ASSINATURAS PERIÓDICAS

Tendo em vista que o público alvo do Patronato são pessoas condenadas em processo
criminal e egressos os quais já obtiveram progressão de regime, bem como os beneficiários
da transação penal e da suspensão condicional do processo (benefício ofertado durante
o trâmite do processo, evitando-se a privação de liberdade), outra atribuição cabível ao
Patronato de Irati é acompanhar as assinaturas dos assistidos.

O artigo 782, parágrafo 2º, “c” do CP3 bem como o artigo 89, parágrafo 1º, inciso
IV4 da Lei nº 9.099/95 estabelecem, como uma das condições da suspensão do processo,
o comparecimento pessoal e obrigatório a fim de “informar e justificar suas atividades”.
Essa condição também é cabível na substituição da pena privativa de liberdade pela pena
restritiva de direitos.

O período entre uma assinatura e outra bem como por quanto tempo que perdurará
esta condição, é estabelecido pelo próprio magistrado, em audiência. No caso dos assisti-
dos do Patronato, a presente condição perdurará até o término da pena ou pelo prazo de
02 anos.

Isto significa que o indivíduo deve comparecer ao Patronato para informar se está
desenvolvendo algum tipo de atividade (como por exemplo, trabalho, participação em cur-
sos, estudos), sendo esta uma das formas de demonstrar ao poder judiciário que o sujeito
está desenvolvendo atividades lícitas.

A assinatura tem como sua função ainda, fiscalizar onde o sujeito está, pois normal-
mente se pede comprovante do seu trabalho lícito e de endereço. Caso a pessoa venha a
descumprir qualquer das condições impostas seja elas de assinatura, PSC e grupos pode
acarretar revogação do benefício, em caso de Transação Penal ou Suspensão Condicional
do Processo a pessoa pode perder o benefício, como por exemplo um assistido esteja
cumprindo uma pena ela pode regredir de regime. Outro ponto importante no fato de o
sujeito ter que justificar suas atividades é que ele demonstra que sua vida está muito mais
produtiva em liberdade do que preso.

2 Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições
estabelecidas pelo juiz.
§ 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação
de fim de semana (art. 48).
§ 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste
Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes
condições, aplicadas cumulativamente:
a) proibição de frequentar determinados lugares;
b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
3 Código Penal (Lei nº 2.848/40).
4 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta
Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde
que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos
que autorizam a suspensão condicional da pena:
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 62


Enaltece-se que além de a condição de informar e justificar suas atividades os as-
sistidos poderão ter outras condições, como por exemplo, prestar serviços à comunidade,
pagar prestação pecuniária, ou ainda, participar de projetos ofertados pelo Patronato.

CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS

Para a produção de conhecimentos científicos, a universidade atua em três frentes


distintas, que se complementam: a primeira frente desse tripé é o ensino, que possibilita
a formação profissional, técnica e científica aos indivíduos; a segunda é a pesquisa que é
base para a busca e descoberta do conhecimento científico, sendo que a ciência desenvol-
ve-se em busca do conhecimento da realidade; e a última é a extensão universitária que
oportuniza a diversidade conceitual e a relação entre a teoria e a prática.

A extensão universitária5 é a possibilidade que o acadêmico tem de colaborar com


a sociedade, estreitando as barreiras existentes entre a comunidade e a universidade, por
intermédio da socialização do conhecimento adquirido, além de proporcionar o relaciona-
mento entre a teoria e a prática.

A partir do espaço oportunizado pelo projeto de extensão, é possível avaliar que este
traz diversos benefícios para desenvolver o conhecimento acadêmico na prática. Um dos
pontos positivos é o trabalho em equipe multidisciplinar desenvolvendo atividades sobre
vários olhares e perspectivas, agregando diferentes formas de conhecimento, de modo que
é possível relacionar as ações além da área de formação, resultando em uma visão ampla
e enriquecedora.

Outro ponto positivo, é a possibilidade de ter um olhar ampliado em relação aos


assistidos que devem ser vistos como sujeitos de direitos e não reduzidos a indivíduos que
cometeram um delito em algum momento da vida. Esse fato é algo que agrega para além
do âmbito profissional, uma vez que busca a reflexão sobre a conduta da equipe atuante
no projeto.

Ressaltamos a importância de rever os conceitos e preconceitos naturalizados na


sociedade, tendo em vista que os assistidos estiveram submetidos ao processo criminal,
fazendo com que passem por situações de discriminação e marginalização, consequen-
temente tornando-se vulneráveis ante a uma sociedade que ainda produz e reproduz
preconceitos.

5 É definido pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras de 2001
que: [...] a extensão universitária é o processo educativo que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e via-
biliza a relação transformadora entre universidade e a sociedade. [...] (FORUM, 2001)

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 63


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que os programas de acompanhamento de sujeitos condenados em


processos judiciais modificaram-se ao longo dos anos, vale ressaltar que o Patronato tam-
bém encontra-se em constante transformação. Pode-se observar que com o surgimento e
a implementação da Justiça Restaurativa, um novo modelo de justiça que atua de maneira
diferenciada à clássica Justiça Retributiva, ocorreram modificações que refletiram direta-
mente nas ações estabelecidas pelo Patronato, que passou a buscar a responsabilização
dos sujeitos que cometeram atos infracionais, através de uma perspectiva reflexiva e não
meramente punitiva. O Patronato de Irati, futuramente, pretende desenvolver projetos que
aprofundem a implementação da Justiça Restaurativa.

O Patronato em sua atuação busca a (re)inserção social dos sujeitos para a consoli-
dação dos direitos humanos e a garantia da plena cidadania destes. Entretanto, se faz uma
crítica se em algum momento esses sujeitos já estiveram inseridos a essa sociedade ou
sempre estiveram à margem dela, pois o que se mostra na realidade é que essas pessoas
não tem acesso a trabalho, renda, educação, saúde, etc.

Observa-se que as ações estabelecidas pelo Patronato são complexas, visto que
busca-se oferecer um atendimento diversificado aos assistidos, que vai além da simples
execução da determinação judicial, pois as ações são pensadas dentro do âmbito jurídico,
pedagógico, psicológico e social. O trabalho interdisciplinar e em rede contribuem para que
a garantia de direitos destes sujeitos se dê de forma efetiva e ampliada.

Desta forma, entende-se que o Programa Patronato atua por meio de uma perspec-
tiva de responsabilização dos sujeitos que cometeram atos infracionais, a partir de uma
perspectiva reflexiva e não meramente punitiva; sua atuação complexa e diversificada visa
a garantia de direitos.

REFERÊNCIAS

AMARAL, S. R. C.; OLIVEIRA, A. E. G. de. Grupo de reflexão com profissionais de uma


Unidade de Terapia Intensiva Coronariana: um relato de experiência. Revista Brasileira de
Saúde Ocupacional. São Paulo. v. 41, s/n., 2016.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 02
Jun. 2018.

BRASIL. Código Penal. Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 23 Out.
2018.

BRASIL. Presidência da República. Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984. Lei de Execução


Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em:

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 64


DEPEN - Departamento Penitenciário. Programa Patronato – Programa de Municipaliza-
ção do acompanhamento das penas e medidas alternativas em meio aberto. 2014. Dispo-
nível em: <http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=217>.
Acesso em: 24 maio 2018.

MELLO, A. E. N. S. Aplicação do mapeamento de processos e da simulação no desen-


volvimento de projetos de processos produtivos. 2008. 116 f. Dissertação (Mestrado
em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Itajubá, Itajubá 2008. Disponível
em: <https://docplayer.com.br/4604022-Aplicacao-do-mapeamento-de-processos-e-da-si-
mulacao-no-desenvolvimento-de-projetos-de-processos-produtivos.html> Acesso em: 24
out. 2018.

SERON, P. C. et al. Programa Patronato de Maringá: braço da execução penal no meio


aberto. Anais SEURS, ISSN 1983-6554.

STOCKSMANN, J. I. et al (Orgs.). Guia Programa Patronato de Irati-PR e sua articula-


ção com a rede de serviços do município. Guarapuava-PR: Universidade Estadual do
Centro-Oeste. Gráfica Universitária, 2015. 63 p.

SOUSA, A. L. L. A história da extensão universitária. 1. ed. Campinas: Ed. Alínea, 2000.


138 p.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 7 65


CAPÍTULO 8

CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA PESSOA


IDOSA DE IRATI: REFLEXÕES INICIAIS

Denis Cezar MUSIAL trabalho técnico rígido, distanciando-se do


processo de participação e de comunicação
Fernanda Rocha REDA
das pessoas idosas nas discussões que lhe
são afetas. Sendo assim, traz a necessidade
RESUMO de construção de um processo de simplifica-
do para assegurar condições de participação
A temática deste artigo são reflexões das
das pessoas idosas na proposição de ações
ações desenvolvidas pelo Conselho Mu-
e políticas públicas que são da sua realida-
nicipal dos Direitos da Pessoa Idosa de
de socioterritorial. Afinal, políticas públicas
Irati, apresentando a inserção das pessoas
implementadas para pessoas idosas sem
idosas nestes espaços de enfrentamento,
considerar as vozes desses sujeitos, não
resistência e controle social, sendo prota-
gonistas do processo de fortalecimento e da são políticas públicas.

participação social, além de pontuar ques- Palavras-chave: Controle Social, pessoa


tões importantes para a sua legitimidade. O idosa, participação, enfrentamento, fortale-
procedimento metodológico, realizou-se em cimento.
dois momentos: (1) pesquisa bibliográfica
para compreender os atravessamentos dos
conceitos de controle social e participação 1. CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO:
social nas políticas públicas e, (2) pesquisa DIÁLOGOS INICIAIS
documental na caracterização e funciona-
mento do Conselho Municipal dos Direitos Em meados da década de 1980, o

da Pessoa Idosa. Dentre os desafios, perce- Brasil passa por um momento de ebulição

be-se que esse campo é captado pelo Esta- e efervescência dos movimentos sociais,
do não proporcionando condições para que lutando pelo retorno dos espaços democrá-
as pessoas idosas possam se apropriar do ticos num contexto da ditadura e de crise
espaço para reinvindicações e construção econômica e social qual derivou de uma
de políticas sociais. O saber transmitido nos reestruturação do sistema do capital em
conselhos apresenta-se burocrático e de escala mundial.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 66


Historicamente, a categoria controle social foi entendida apenas como
controle do Estado ou do empresariado sobre as massas. É nessa
acepção que quase sempre o controle social é usado na sociologia, ou
seja, no seu sentido coercitivo sobre a população. Entretanto, o sen-
tido de controle social inscrito na Constituição é o da participação da
população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas
sociais (POTYARA, 2008, pág.45).

Diante desta conjuntura, configuravam-se distintas projeções para o campo Ético


Político do cenário brasileiro, de um lado estavam setores progressistas e movimentos so-
ciais que lutavam para obter uma relação entre Estado e sociedade com bases sólidas para
a construção de políticas públicas e de outro lado concentrava-se setores conservadores e
neoliberais que propunham o enxugamento da máquina pública e o processo de disciplina e
controle da sociedade na participação das políticas públicas. Isso demostra que, o controle
social neste universo é considerado de forma complexa e contraditória.

Kéttini (2008:10) destaca a multiplicidade de significados e sentidos para o termo


controle social, bem como, várias tipologias para a suas significações, do qual, coexiste
num dado contexto político, social e econômico, considerando o poder ideológico de uns
sobre os outros. Nestas palavras:

[...]a função do controle social foi alienada do corpo social e transferida


para o capital, que adquiriu assim o poder de aglutinar os indivíduos
num padrão hierárquico estrutural e funcional, segundo o critério de
maior ou menor participação no controle da produção e da distribuição
(MÉSZAROS, 2002, p.991)

Destas contradições, resultou a legitimação do controle social democrático na Cons-


tituição Federal Brasileira de 1988 e o processo de construção de espaços públicos onde
tenha a participação da sociedade civil na elaboração das políticas sociais, inscrevendo-se
dentro de um processo democratização do Estado onde situam-se os conselhos municipais
que caracterizam-se com espaço de participação da sociedade civil para enfrentamento e
reinvindicações dos direitos estabelecidos por lei.

Os conselhos tem como principais atribuições a de deliberação (tomada de decisão


coletiva), fiscalização e normatização da política. Entretanto, observa-se que nem todos
os conselhos exercem esses papeis, sendo meros espaços de proveito do Estado para
de captação e/ou repasse de recursos. Independentemente de seu nível de atuação seja,
nacional, estadual ou municipal ambos são espaços nos quais o governo e a sociedade
devem discutir, formular e decidir de forma compartilhada e com responsabilidade as dire-
trizes para a promoção e a defesa das políticas públicas.

Os conselhos são espaços públicos compostos de organizações governamentais


e de representantes da sociedade civil, que se tem como intencionalidade as discussões
de interesses coletivos para tal demanda. Ainda, a de garantir a execução, monitoramen-
to, avaliação, formulação e o redirecionamento das políticas públicas atentos aos planos
municipais, estaduais e federal para possível compatibilização entre políticas públicas de

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 67


distintas esferas como forma de atingir os objetivos dos conselhos. (BRASIL, 2011). Enten-
de-se o controle social como:
Ao conjunto de valores e normas utilizado para resolução de conflitos
entre indivíduos ou grupos com vistas à manutenção da opinião de um
grupo majoritário. São tipos de controle social: o costume e a opinião
pública, a lei, a religião, a moral e educação. Os agentes que veiculam
esses tipos de controle social são: o sistema de educação, o sistema
político, as instituições religiosas, a família etc. (Thines e Lempereuer,
1984:213).

Isso significa que, os espaços de controle social podem ser compreendidos como
espaços de resistências e enfrentamento de forma coletiva perante ao não atendimento
por parte do Estado de algo conquistado no ordenamento jurídico. Esse termo transita em
diversos espaços sócio-ocupacionais, podendo ter diversas concepções e olhares pelos
atores sociais para a sua operacionalidade.

Segundo Potyara (2008) a Constituição Federal introduziu avanços que buscaram


corrigir as históricas injustiças sociais que ficaram acumuladas secularmente e tornaram
incapazes de universalizar direitos tendo em vista a longa tradição de privatizar a coisa
pública pelas classes dominantes. Em relação à descentralização do poder federal e da
democratização das políticas públicas foram definidos no sentido de criação de novo pacto
federativo, onde o município é reconhecido como autônomo da federação, transferindo
para âmbito local novas competências e recursos públicos capazes de fortalecer o controle
social e a participação da sociedade civil nas decisões políticas.

Essa participação é concebida como gestão nas políticas através do planejamento


e fiscalização pela sociedade civil, sendo assim, os conselhos de Políticas Sociais e de Di-
reitos inovações em nível de gestão das políticas sociais que procuram estabelecer novas
bases de relação Estado-Sociedade.

Na mesma oportunidade, Raquel Raichelis (2005), abriu novas possibilidades de


exercício da democracia participativa, definindo novos canais que apontam para ampliação
da participação popular nas decisões públicas e propôs a adoção do plebiscito, do referendo
e de projetos da iniciativa popular, oferecendo outros meios de participação no campo das
políticas sociais. Com a Constituição de 1988, o Estado brasileiro passou a basear-se num
princípio base e em construção: a democracia, exercido pela soberania popular:

Aponta-se que, o direito a participação popular não se resume apenas em fazer


cumprir sua vontade através da eleição e de seus representantes, configura-se além disso,
podendo ser feito individualmente ou por um grupo de pessoas, sendo que os canais de
participação ocorrem em diversificadas mobilizações como nos conselhos, conferências,
ouvidorias, fóruns de debates, mesas de diálogos, audiências públicas, dentre outros (JU-
NIOR, 2012).

Diante disso, pode-se compreender ainda, desafios e perspectivas que o controle


social tem para a consolidação de espaços democráticos e de participação social, não
reduzindo seu papel para procedimentos burocráticos.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 68


2. OS CONSELHOS DOS DIREITOS DO IDOSO: FUNCIONAMENTO E PRINCÍPIOS

O conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) surgiu no ano de 2002,


pela estrutura básica do Ministério da Justiça pelo decreto nº4.277. A princípio, ele
foi instituído com caráter consultivo, permanente e sem paridade. (Brasil, 2014).

A partir de 2004, integra a estrutura regimental da Secretaria Especial


dos Direitos Humanos da Presidência da República, atual Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Este
decreto também ampliou a composição do conselho que passou a ter
28 membros divididos igualmente entre representantes das instituições
governamentais e as instituições da sociedade civil organizada. A
SDH/PR adquiriu status de Ministério no ano de 2010 e atualmente é
denominada. (Brasil, 2014).

As competências do conselho são elaborar, implementar, acompanhar e avaliar a


política nacional do idoso observando as diretrizes presentes na Lei nº 10.741 de 1º de ou-
tubro de 2003 (Estatuto do Idoso). Exerce também como suporte aos conselhos estaduais,
municipais e do Distrito Federal para poder propor modificações nas estruturas públicas e
privadas de atendimento às pessoas idosas, promovendo campanhas educativas, acom-
panhamento, elaboração e a execução das propostas orçamentárias da União, elaborar
regimento interno do conselho, dentre outras (Brasil, 2014).

Sobre suas responsabilidades compete ao conselho a promoção de parcerias com


organizações governamentais e não governamentais para identificar um sistema de indi-
cadores e assim monitorar a atividade referente aos atendimentos às pessoas idosas, o
estímulo no desenvolvimento de estudos, debates e pesquisas sobre o processo de enve-
lhecimento no município e, ampliação dos mecanismos de participação e controle social
que tem por objetivo a garantia e a efetividade dos direitos do idoso (Brasil, 2014).

Os conselhos Municipais dos direitos da pessoa idosa são órgãos de representação


desses sujeitos, que faz essa interlocução juntamente com as comunidades e poderes
públicos, buscando forças para solucionar os problemas visados por essa classe. Os con-
selhos devem estar interligados com as políticas nacionais e estaduais e assim estar se
adequando às regras e leis aprovadas e regulamentadas por esses órgãos.

O conselho é espaço aberto à participação das diversas tendências políticas ideoló-


gicas, qual também fica proibido o convenio com qualquer partido político, pois o conselho
deve promover amplo e transparente debate das necessidades e anseios dos idosos, após
encaminhamento dessas propostas aos poderes municipais os principais responsáveis
pela execução das ações. O conselho deve ter aproximações com o poder Público Muni-
cipal e demais órgãos de representação Estadual e Nacional para que possam auxiliar na
construção de uma sociedade organizada e participativa.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 69


3. CONTEXTO DE CRIAÇÃO DO CONSELHO DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA EM
IRATI

O Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Irati-PR foi instituído através
de Lei (Lei Municipal nº3085/2010 de 14/07/2010), no mesmo momento também foi instituí-
do o Fundo Municipal, sendo vinculado à Secretaria de Assistência Social do Município que
é a responsável por efetivar essa Política no Município.

Anterior a isso, no mesmo ano foi realizado o I Encontro Temático dos Direitos da
Pessoa Idosa de Irati, o qual serviu de cenário para a discussão de pautas inerentes ao
tema e onde também surgiu a necessidade de criação desse conselho. Nasceu, portanto,
de demanda social tendo por finalidade o de propor políticas públicas, mas também, o de
fiscalizar, proteger e ser agente de informação e educação sobre todos os direitos elabora-
dos para essa parcela da população.

Cabe salientar que, como todo processo democrático, carece de uma construção
que perpassa o quesito legal somente. Isso pode ser observado no cotidiano desses idosos,
que mesmo contando com diversas leis e dispositivos que deveriam lhes garantir uma vida
plena, ainda é facilmente observável a violação de direitos básicos, demonstrando que a lei
precisa mais que existir para ser efetivada.

Assim sendo, o Conselho do Idoso teve uma pausa de cinco anos em seu funcio-
namento. Esse hiato pode ser observado de duas maneiras: como o tempo necessário
ao amadurecimento do processo de empoderamento desse espaço de controle social no
tocante ao entendimento da importância da efetivação desse órgão, mas também de um
tempo longo onde não se construiu uma discussão substancial sobre os temas fundamen-
tais da sua base. Dois olhares válidos quando se entende a diversidade de motivações e
interesses que permeiam esses espaços.

O que pode ser entendido, é que não existe um caminho pronto ou um método de
criação de um órgão de tamanha importância, que seja construído de forma simplista, ele
se dá no caminhar e conta além do aparato legal, da bagagem social e cultural de dos
envolvidos onde está inserido.

Nesse contexto, o Conselho do Idoso retoma suas atividades no ano de 2015, ama-
durecido em suas intenções para realizar a I Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa
Idosa. Esse espaço contou com a presença de diversas lideranças, entre sociedade civil e
governantes porém, mais importante, trouxe a população idosa ao cento do debate.

Como produto intelectual desse encontro, foi elaborado o Plano Municipal consti-
tuído de metas necessárias a efetivação da Política Municipal da Pessoa Idosa e serviu a
impulsionar os trabalhos do Conselho.

Dessa forma, através de decreto (Decreto nº338/2015 de 27/08/2015) foram nomea-


dos os primeiros conselheiros, realizada a primeira Reunião Ordinária (04/09/2015) e eleita
a Primeira Mesa Diretora (02/10/2015), além da realização da I Capacitação para Conse-

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 70


lheiros dos Direitos da Pessoa Idosa (30/10/2015), demonstrando a união de esforços para
que os acordos firmados durante a Conferência fossem realmente realizados.

Mais do que a organização legal necessária ao funcionamento do Conselho, es-


tava criada a cola necessária aos processos humanos colaborativos. Com realização de
Audiência Pública em 02/03/2016, a fim de sensibilizar a população para a importância da
implantação do Plano Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa.

No mesmo ano, publicou-se o Decreto nº353/2016, de 24/08/2016 de homologação


do Regimento Interno do Conselho e Realizada a Assembleia da Política da Pessoa Idosa.
No ano de 2018, também foi realizada a Assembleia do Conselho dos Direitos da Pessoa
Idosa. Canais de extrema importância para a efetivação da Política Municipal da Pessoa
Idosa

As atividades do Conselho continuaram ao longo do tempo, através de diversos


ofícios expedidos com a intenção de garantia e promoção de direitos além da fiscalização
e monitoramento do Plano Municipal, sendo realizadas 37 reuniões ordinárias e quatro
extraordinárias desde a sua implantação no ano de 2015. O Conselho funciona com seis
representantes da sociedade civil e seis representantes do governo, além de seus suplen-
tes e que se alternam na presidência a cada dois anos, garantindo assim que a pluralidade
de visões seja respeitada.

Desde então o Conselho se mantém ativo e mais que isso, cumprindo sua função
social através de discussões e ações que visam impactar positivamente a vida dos idosos
do município.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esse trabalho buscou-se ampliar a visão sobre a importância do Conselho Mu-
nicipal como meio e lugar de discussão, efetivação e controle das políticas sociais voltadas
ao público idoso.

Cabe ressaltar que, mesmo se tratando de uma política consolidada, ainda se faz
necessária uma maior mobilização da população idosa no que compete a participação
nesse espaço e que só virá através de um processo de sensibilização para a importância
do ativismo político na construção de uma sociedade que represente a pluralidade de seu
povo. Em conseguinte, há também a necessidade de tornar igualitária a voz dos diversos
atores que participam desse processo, seja sociedade civil ou governamental, afim de
construir uma rede efetiva na elaboração, manutenção e aperfeiçoamento das políticas
públicas tornando esse espaço verdadeiramente democrático.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 71


5. REFERÊNCIAS

BRASIL, Política Nacional do Idoso. Disponível em: http://www.mds.gov.br.

_______, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. In: Revista dos Direitos da Pessoa
Idosa. Edição especial novembro Brasília: 2011.

________. Lei no 10.741, 01 de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. In: Vade Mecum. 4.
Ed. São Paulo: Saraiva 2008.

CALVI, Kéttini Upp.Controle Social nos Conselhos de Políticas e de Direitos, Revista


Emancipação Ponta Grossa. Volume 8, nº 1.

JUNIOR, João Francisco da Mota. A Constituição cidadã e Participação Social além da


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RAICHELIS, Raquel. Esfera Pública e Conselhos de Assistência Social, Caminhos da


Construção democrática. 3º Ed. São Paulo: Ed.Cortez,2005.

THINES,G.e LEMPEREUR, Agnes. Dicionário Geral das Ciências Humanas.Lisboa:Edi-


ções 70.1984.

Parte 3 - Artigos da Política de Direitos Humanos Capítulo 8 72

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